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ISBN 9788566106046
ISBN 978-85-66106-04-6
Publicação do Projeto Relações Internacionais para Educadores (RIPE), destinada a promover a difusão
do conhecimento de temas de relações internacionais entre professores e estudantes de Ensino Médio
e Fundamental.
Publication of the International Relations for Educators Project (RIPE), aiming at promoting the
dissemination of the knowledge on international relations issues among Elementary and High School
teachers and students.
Comitê Administrativo:
Alexandre Piffero Spohr / Cristiana Maglia / Joana Oliveira de Oliveira / Júlia Rosa / Juliana Freitas
Klei Medeiros / Luiza Bender / Lucas de Oliveira Paes / Mariana Willmersdorf Steffen / Marjorie Stadnik
Comitê Acadêmico:
Alexandre Piffero Spohr / Alice Canal / Cristiana Maglia / Diogo Ives de Quadros
Guilherme Ziebell de Oliveira / Iara Binta Lima Machado / Isadora Loreto da Silveira
Joana Oliveira de Oliveira / Júlia Paludo / Júlia Tocchetto / Klei Medeiros / Leonardo Weber
Lucas de Oliveira Paes / Luisa Bento Saraiva / Luíza Gimenez Cerioli / Luiza Salazar Andriotti
Mariana Willmersdorf Steffen / Marília Closs / Matheus Machado Hoscheidt / Natasha Pergher
Osvaldo Alves Pereira Filho / Pedro Alt / Raul Cavedon Nunes / Renata Schmitt Noronha
Conselho Acadêmico:
Ana Júlia Possamai / Igor Castellano da Silva / Luíza Galiazzi Schneider / Marcelo Leal / Nathaly Xavier
Sílvia Sebben / Thiago Borne Ferreira
Equipe Técnica:
Bibliotecária: Lílian Maciel
Projeto gráfico: Cláudia Regina Possamai
Ilustração: Cláudia Regina Possamai
Editoração Eletrônica: Alexandre Piffero Spohr
Impressão: Gráfica da UFRGS
Apoio: Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS (PROREXT),
Secretaria da Educação do Estado do Rio
Grande do Sul (SEDUC-RS), Centro Brasileiro de
Estudos Africanos (CEBRAFRICA) e Núcleo Brasileiro
de Estratégia e Relações Internacionais (NERINT)
Revisão de Português: Alexandre Piffero Spohr Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Forma de aquisição: permuta. Campus Centro - Faculdade de Economia
Publicação anual / Yearly publication Av. João Pessoa, 52.
Tiragem dessa edição: 250 exemplares Porto Alegre - CEP 90040-000 - RS - Brasil
rs@cursoripe.com
SUMÁRIO
Apresentação ..................................................................................... 7
Marjorie Stadnik
Graduanda em Relações Internacionais
Klei Medeiros
Graduando em Relações Internacionais
tornou obrigatório. Contudo, a essa lei ainda é pouco implementada nas escolas
brasileiras, e o conhecimento geral sobre assuntos africanos e sobre as raízes
de nossa cultura e de nossa sociedade carece de uma reflexão mais aprofun-
dada e menos influenciada pela mídia e pela difusão de ideias pré-concebidas. É
com o intuito de prover a professores e alunos do ensino médio e fundamental
com mais subsídios para o estudo e para a discussão desse tema que esse livro
foi desenvolvido, servindo de subsídio para as palestras realizadas na terceira
edição do RIPE.
Para melhor entender a importância do estudo dos temas desta edição,
trataremos no primeiro capítulo das relações entre o Brasil e o continente afri-
cano. A seguir, estudaremos a história do continente africano dividida em três
períodos: as sociedades africanas antigas, a colonização e descolonização dos
continentes pelas potências europeias, e a formação dos Estados africanos após
suas independências. Após a abordagem histórica do continente, passaremos a
duas importantes faces da inserção internacional dos países africanos: a inte-
gração regional e as relações do continente com atores externos. Por fim, anal-
isaremos as raízes africanas na sociedade e cultura brasileiras.
Resultado do esforço de pesquisa coletivo da Equipe Acadêmica do
Projeto, que contou com uma equipe ampliada de voluntários – que vão desde
os alunos de graduação em Relações Internacionais da UFRGS e colegas da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aos alunos dos programas
de pós-graduação em Ciência Política e Estudos Estratégicos Internacionais
da UFRGS – e contando novamente com a colaboração dos professores da
Universidade, é com grande alegria que apresentamos este livro aos educado-
res e aos alunos da comunidade escolar gaúcha e brasileira.
Este livro, em sua versão impressa e digital, representa, para a Equipe
RIPE, uma forma de popularizar e incentivar o debate desses temas, levando-o
a um número ainda maior de educadores e de alunos, transcendendo as fron-
teiras de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. Buscamos, assim, aproximar a
academia e a escola, abrindo as portas da universidade pública, com o fim de
transmitir e compartilhar com a sociedade brasileira o conhecimento aqui pro-
duzido e construído.
Por fim, esperamos poder, através do nosso trabalho, estimular outros
jovens a desenvolver projetos semelhantes em suas respectivas áreas de atu-
ação e em suas respectivas regiões, reconhecendo a importância fundamental
10 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
Um grande abraço
Os organizadores.
PREFÁCIO: UM CONTINENTE DESCONHECIDO
árabes, entre outros, hoje mantêm relações intensas com o continente africano,
criando novas oportunidades e desafios, mas, sobretudo, melhorando a capaci-
dade de negociação dos países africanos. A integração avança com a conversão
da Organização da Unidade Africana (que completa meio século de existência
agora) em União Africana, complementada pelo programa Nova Parceira Afri-
cana Para o Desenvolvimento (NEPAD).
Dessa nova situação resultam iniciativas para resolução de conflitos for-
muladas e executadas pelas próprias nações africanas. Além disso, diversos pro-
cessos de integração regional estão em andamento, com resultados palpáveis,
enquanto a infraestrutura cresce. Mas num quadro de crise mundial e luta por
recursos naturais, nos últimos anos temos assistido uma série de iniciativas de
“reconquista”, como a militarização proposta pelo AFRICOM (Comando Áfri-
ca, dos Estados Unidos), com sua guerra ao terrorismo no Saara, a IV Frota,
que pode atuar no Golfo da Guiné (onde cresce rapidamente a exploração de
petróleo) e as intervenções franco-britânicas no contexto da Primavera Árabe.
É deste conjunto de eventos, da luta pelo desenvolvimento social, das
relações com o Brasil e dos afro-brasileiros que trata a presente obra, redigi-
da em grande parte por estudantes que atuaram como Bolsistas de Iniciação
Científica do NERINT/UFRGS. Um instrumento indispensável aos professores e
estudantes da rede pública de ensino do Estado do Rio Grande do Sul. Por fim,
o conjunto da iniciativa demonstra um traço de solidariedade, com estudantes
levando o conhecimento universitário de ponta à sociedade.
Brasil República:
- Primeira metade do século XX: comércio principalmente com África do Sul;
- Vargas (1950-1954) e Kubitschek (1956-1960): predomínio das relações Brasil-Por-
tugal, independências africanas praticamente ignoradas;
- 1961: Jânio Quadros e João Goulart - Política Externa Independente (autodetermi-
nação dos povos coloniais, criação da Divisão da África no Itamaraty, abertura de em-
baixadas);
- 1969-1974: Médici – nova reaproximação, “milagre econômico”, Brasil necessitava
de mercados e matérias-primas (petróleo);
- 1974-1979: Geisel – abertura de embaixadas, condenação dos regimes racistas (Áfri-
ca do Sul), discurso terceiro-mundista;
- governos de Figueiredo e de Sarney mantêm aproximação com continente africano;
- 1990: Collor – adoção do neoliberalismo, distanciamento em relação à África,
prevalecem relações com o Norte;
- 1995-2002: FHC - África considerada cenário secundário, havendo algumas iniciati-
vas de reaproximação;
- 2003-2010: Lula – nova visão sobre a ordem internacional (multipolaridade), im-
portância da África na política internacional, cooperação Sul-Sul.
Fonte: elaboração dos autores (2013)
CONCLUSÕES
Se não se pode ter certeza acerca do futuro das relações entre o Brasil e
a África, fato é que as interações entre os dois lados foram se modificando ao
26 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
longo dos séculos e se tornando cada vez mais complexas. De fato, os padrões
de interação responderam não apenas aos desígnios de ambas as partes, mas
também às mudanças que ocorriam no sistema internacional. O começo efetivo
dessa trajetória pode ser buscado na dominação colonial do século XVI, a qual
legou ao Brasil características sociais e culturais específicas, mas que também
deixou o legado da escravidão, que só foi extinta no final do século XIX. A isso,
conforme visto anteriormente, seguiu-se um período de afastamento, durante
o qual a África esteve submetida ao domínio europeu. Com o advento das
independências africanas e a adoção de uma linha de política externa indepen-
dentista no Brasil, renovaram-se os laços de união entre o Brasil e o conti-
nente africano. Não obstante, essa trajetória sofreu um revés temporário com
a chegada de Castelo Branco ao poder em 1964 e o começo do regime militar.
Apesar do novo ânimo para a política africana do Brasil trazido por Médici e,
posteriormente, por Geisel, é no período Lula que a aproximação parece ganhar
contornos de um projeto estratégico em que se conjugam interesses, econômi-
cos e sociais, motivados por uma renovada crença nas perspectivas de desen-
volvimento africano e pela vontade do Brasil de projetar-se internacionalmente.
No Governo Lula, os fluxos de comércio apresentaram aumentos signifi-
cativos. De US$ 6,15 bilhões de dólares em 2003, eles atingiram os US$ 25
bilhões já em 2008. Além disso, as grandes empresas brasileiras expandiram
sua atuação na África; o BNDES também participou do esforço com suas linhas
de financiamento. Para além do âmbito econômico, no governo Lula, destaca-se
o estabelecimento de parcerias no âmbito das políticas sociais para o desen-
volvimento, com a assinatura de diversos acordos de cooperação técnica, desde
2003, com a criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
(MDS), responsável por iniciativas de reconhecimento internacional como o
Fome Zero, o Bolsa Família, e mais recentemente o Brasil sem Miséria.
As visitas de Dilma à África do Sul, Moçambique e Angola, no início do
seu mandato, demonstraram o ânimo da presidenta em levar adiante os tradi-
cionais projetos de cooperação existentes com a região, em especial nos setores
de biocombustíveis, saúde, educação, e meio-ambiente. Além disso, o esforço
comercial também foi continuado, com as trocas atingindo US$ 27 bilhões em
2011. Alguns elementos de seu discurso dão sinais de que as relações com
países do Sul global serão preservadas e aprofundadas. Mesmo assim, conforme
nos mostra a história, o interesse do Brasil por desenvolver parcerias com a
Os dois lados do Atlântico: o continente africano e a cooperação com o Brasil 27
PONTOS A DISCUTIR
1) Nova estratégia de inserção internacional do Brasil (a partir de 2003): ênfase na
concertação e cooperação multilateral e nas reformas de regimes interna-
cionais.
2) Projeto de cooperação para o desenvolvimento africano, com programas
de combate à fome, de preservação do meio ambiente e de estruturação da
saúde pública e combate à anemia e à malária; além da cooperação cultural
e educacional.
Notas
1
Conforme explica Theodoro (2008), já no início do período republicano um decreto
buscava limitar a imigração de africanos e asiáticos no país.
2
Cabe lembrar que esse comércio não era realizado com a África negra, mas sim com um
regime racista comandado por uma elite branca de características europeias que ficou
conhecido como Apartheid.
3
Internamente também ocorreram mudanças, como a criação da Divisão de África do
Itamaraty.
4
Costa do Marfim, Benin, Camarões, Togo, Zaire, Gabão, Nigéria, Gana, e Senegal.
5
Entre 2003 e 2006, o então presidente da República esteve no continente africano
quatro vezes para a realização de encontros bilaterais. No final de 2003, o então presi-
dente visitou Moçambique, São Tomé e Príncipe, Angola, Namíbia e África do Sul. Em
meados de 2004, Lula esteve em Cabo Verde e no Gabão. No mês de abril de 2005, foi a
vez de Guiné-Bissau, Gana, Senegal, Nigéria e Camarões; em fevereiro do ano seguinte, o
presidente Lula passou por Botsuana, África do Sul, Benin e Argélia. Já no segundo man-
dato, as viagens bilaterais foram realizadas para os seguintes países: Angola, República
do Congo e Burkina Faso (2007); Moçambique (2008); Líbia (2009); África do Sul,
Tanzânia, Zâmbia, Quênia, Moçambique e Guiné Equatorial (2010). Visitas de caráter
multilateral também foram realizadas (ITAMARATY, 2011c).
6
Para mais informações sobre a visita de Dilma à Moçambique, ver o Comunicado
Conjunto divulgado em Nota pelo Itamaraty em 19 de outubro de 2011, disponível no
meio online em: <http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/
comunicado-conjunto-por-ocasiao-da-visita-da-presidenta-dilma-rousseff-a-mocam-
bique-maputo-19-de-outubro-de-2011>. Último acesso: 9 de novembro de 2012.
28 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
7
Para mais detalhes sobre os assuntos tratados durante a visita de Dilma à Angola,
ler o Comunicado Conjunto divulgado pelo Itamaraty, disponível no meio online em:
<http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/comunicado-con-
junto-por-ocasiao-da-visita-da-presidenta-dilma-rousseff-a-angola-luanda-20-de-outu-
bro-de-2011>. Último acesso: 9 de novembro de 2012.
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2
SOCIEDADES AFRICANAS
ANTIGAS: HISTÓRIA E
CARACTERÍSTICAS
Cristiana Maglia, Marília Closs & Renata Noronha1
1
Graduandas de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. As autoras
agradecem a revisão de Marcelo Leal e a colaboração do Prof. José Rivair Macedo.
Sociedades africanas antigas: história e características 33
trole das ações dos habitantes em suas relações cotidianas (HERBST, 2001, p.
43).
É necessário, também, repensar a periodização: a Antiguidade africana,
diferentemente do que nos diz a história ocidental, só acabou na passagem do
século XVIII para o XIX, quando elementos externos e mudanças estruturais
alteraram as formas tradicionais das sociedades africanas. Assim, a História
Antiga africana necessita de novas abordagens, principalmente no que se refere
à reavaliação do termo “África Pré-Colonial”: ainda que o termo represente a
África pré-Conferência de Berlim, a expressão sugere que a colonização foi o
principal marco da história da África. Como afirma M’Bokolo (2009, p. 27), tem-
-se a ideia de que a colonização “abriu” a África para a ciência e para a história.
Tal perspectiva é uma clara distorção histórica, pois o período colonial
correspondeu a uma parte ínfima da história e do desenvolvimento africano,
tratando-se, portanto, novamente de uma visão eurocêntrica de mundo.
Frente a essa perspectiva, alguns conceitos tradicionalmente usados
para definir povos da África Antiga não são mais usuais para sua realidade:
“império” é um conceito que supõe delimitações territoriais para alcance de
poder, e “reinado” é uma expressão que não corresponde à dinâmica do poder e
dos governos africanos. O conceito de “tribo” também nos remete a um quadro
diferente do africano, na medida em que alude à sociedade sem regras e imutá-
vel - características que, como posteriormente será comentado, não refletem a
realidade da África Antiga. Finalmente, cabe ressaltar a importância do estudo
da África Antiga destinado a superar velhas estigmatizações e aprender sobre
uma realidade tão rica, diversificada e pouco conhecida.
ÁFRICA ANTIGA
Há cerca de 1,5 milhão de anos, os primeiros homens, habitavam as gran-
des planícies abertas por dificuldade de vivência e caça nas florestas densas.
Afinal, a alimentação e a caça nas florestas tropicais demandavam utensílios
mais aprimorados do que os que existiam na época. Portanto, as savanas tinham
se mostrado ao homem africano como o melhor bioma a ser habitado, com
reservas de água, caça disponível e clima propício. À época, o homem já vivia em
pequenos grupos (PEREIRA, 2007, p. 20).
Posteriores eventos, como a descoberta do fogo e a capacidade de con-
trolá-lo, e o aperfeiçoamento dos instrumentos, levaram a uma maior capaci-
Sociedades africanas antigas: história e características 35
SOCIEDADES ANTIGAS
Como já mencionado anteriormente, a classificação do período antigo
como pré-colonial na África é equivocada, já que a história africana se estende
muito além da influência europeia. O dito período pré-colonial no continente
englobou, na verdade, toda a história africana até o século XIX, desde o surgi-
mento do homem ao desenvolvimento das complexas civilizações.
Tradicionalmente tinha-se a ideia de que as civilizações e os Estados africanos
eram prolongamentos dos sistemas políticos mediterrâneos e orientais. Hoje,
porém, sabe-se do distinto gênio político africano (M’BOKOLO, 2009, p. 76). A
lenta concentração populacional que se deu na África foi gradualmente cons-
truindo civilizações por todo o continente, ainda que com maior condensação e
desenvolvimento em algumas regiões, como no vale do Nilo e nos planaltos da
Etiópia. Logo, para o melhor entendimento desse período e, consequentemente,
da formação africana atual, apresentamos uma análise dos processos de evolu-
ção das mais relevantes sociedades africanas antigas.
38 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
Núbia/Kush
“Núbia” e “Kush” são ambos conceitos muito vagos: enquanto o primeiro
diz respeito a territórios do sul do Egito e irrigados pelo Nilo, o segundo indica
uma região mais específica, referindo-se ao vale médio do Nilo (M’BOKOLO,
2009, p. 77). Entretanto, pode-se afirmar hoje que ambos os termos referem-se
à região do atual Estado do Sudão e seus arredores. Aqui trataremos a região
inteira, Núbia e Kush, como uma organização política.
O Estado kushita por muito tempo fora considerado uma extensão do
Egito. Sabe-se hoje, porém, que era uma civilização distinta, e que, apesar da
íntima ligação entre esses Estados africanos, nem sempre a história de Kush o
retratou como dominado pelo povo egípcio. Segundo Pereira (2007, p. 29), o
povoamento da região da Núbia se deu de maneira semelhante à povoação egíp-
cia: diversos povos advindos de diferentes regiões migraram das novas regiões
desérticas. Contudo, a região da Núbia era mais favorecida pelo clima e pelas
condições naturais, pois tinha riquezas em quantidade, como o ouro.
A relação do Estado kushita com o Egito é um ponto interessante para
entender as dinâmicas interna e externa do Kush. Enquanto o Egito participava
do sistema de trocas entre as regiões com produtos manufaturados como armas
de bronze e colares de marfim, a Núbia exportava peles de animais, temperos e
metais preciosos (MACEDO, 2013, p. 16). Por conseguinte, tal comércio promo-
veu o incremento da infraestrutura necessária, como canais para barcos, insta-
lações, e fortes, que se destinavam majoritariamente a escoar os produtos para
o Egito. O Estado egípcio se valia, também, de tal infraestrutura instalada para
pacificar as tribos hostis, o que aumentava sua influência na região. O povo de
Kush logo passou a compor o grande exército egípcio como consequência da
relação entre ambos. Entretanto, coube à região da Núbia por tempo significa-
tivo servir como posto comercial egípcio em direção às áreas situadas mais ao
Sul, como Punt, na atual Somália, e o Sudão Central (PEREIRA, 2007, p. 29).
É interessante pontuar algumas características da civilização Kush:
segundo Fyle (1999, p. 4), o Estado kushita tinha sua escolha de líderes feita por
eleições e tinha sua própria forma de escrita. Por outro lado, ainda que seja
mais estudada e difundida a perspectiva de “egiptização” da Núbia, M’Bokolo
(2009, p. 79) discorre acerca do período em que Kush dominou o Egito - um
período situado entre os séculos VIII-VI A.C.
Sociedades africanas antigas: história e características 39
Etiópia
Também na região oriental da África, originou-se o povo Axum, no atual
território da Etiópia. Essa civilização se estendia até o Mar Vermelho, o que pro-
porcionava uma localização privilegiada entre os centros comerciais egípcios,
kushitas e árabes. Não se tem hoje registro de fato ou herói fundador da civili-
zação Axum, portanto a literatura tradicionalmente narra a lenda da serpente
“Arwe”, objeto de culto do povo e, segundo a lenda, o primeiro rei dos axumitas.
Os axumitas possuíam o monopólio do comércio do Mar Vermelho e, por isso,
mantinham relações com diversos povos do oriente e com o Império Romano.
Ressalta-se também o domínio axumita do estreito de Mab el Mandeb, que teve
e, até hoje, tem importância estratégica e econômica gigantesca. Com o desen-
volvimento da sociedade axumita, a mobilização de diversas formas de constru-
ção de Estado andou de par com a elaboração de uma política exterior muito
ativa num espaço geopolítico muito amplo englobando de um lado a África e do
outro o Mar Vermelho e a Ásia (M’BOKOLO, 2009, p. 89).
A principal característica da organização axumita foi sua distinção em se
tratando da religião. O povo Axum se definia como a única civilização africana a
aderir ao cristianismo, sendo, entretanto, uma igreja separada e com caracterís-
ticas diferentes do cristianismo europeu. M’Bokolo (2009, p. 95) afirma que a
penetração de tal religião data dos anos 330-360 D.C. A religião axumita é, na
verdade, um agregado do cristianismo, judaísmo e dos próprios costumes afri-
canos, possuindo, também, um calendário diferenciado. Alguns costumes, como
as danças, os tambores, e a admissão da poligamia, são traços herdados da orga-
nização social e religião africana. Já a distinção entre o consumo de carne pura
e impura e a proibição às mulheres de entrar nos templos no dia seguinte ao
que tiveram relações sexuais são originários dos costumes judaicos
(MACEDO, 2013, p. 19).
A estrutura política do Axum é também peculiar: frente à linhagem de
reis que controlavam o território com fronteiras bem definidas e estáveis, e
frente à legitimidade que o governante axumita tinha, muitos historiadores
enquadravam sua constituição política como “reino”. Outros, entretanto, enten-
diam Axum como império, afinal, o soberano - basileus - distribuía títulos a che-
fes de exército e dirigentes de uniões políticas subalternas a Axum. Logo, para
muitas regiões da África Oriental, Axum comportou-se como “reino tributário”,
em que as relações de autoridade/submissão eram manifestadas majoritaria-
40 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
Grande Zimbábue
No sudeste africano, desenvolveu-se outra civilização no início do
segundo milênio a.C., o Grande Zimbábue, também influenciado pela matriz lin-
guística bantu através dos povos shona, que habitam essa região africana. O
antigo Zimbábue se iniciou por grandes assentamentos de mil pessoas, que com
o tempo foram se agrupando e se tornando um dos pontos mais importantes de
comércio no Oceano Índico, devido à presença de ouro, marfim, ferro, e cobre
provenientes do interior. O ouro vinha, principalmente, do sul, e o cobre, do
norte. Considera-se que essa aproximação foi gerada pela semelhança de reli-
giões entre os povos desses assentamentos (PEREIRA, 2007, p. 35).
Sociedades africanas antigas: história e características 41
Gana
Entre os rios Níger e Senegal e o deserto do Saara, com capital Kumbi
Saleh, localizado no sudeste da atual Mauritânia, o povo teve seu nome advindo
do seu governante soberano, que significa algo como “rei do ouro”. O Estado
Gana foi fundado no século IV por uma família berbere, apesar de ser formado
majoritariamente por negros soninkes. Apesar do caráter majoritariamente
agrário da civilização de Gana, a grandiosidade dessa se deu por sua privile-
giada posição no extremo sul da rota comercial do Saara (PEREIRA, 2007,
p._31). Afinal, a articulação comercial dos fluxos transaarianos e subsaarianos
que passavam pelos domínios da influência de Gana era tributada. Também
eram tributados os povos que foram subjugados, fazendo da tributação a base
econômica da civilização. Logo, Gana viria a dominar localizações como Galam,
Falemé, e Bambuk, onde havia jazidas de ouro - fato que trouxe ouro para Gana,
que era, junto com o sal, utilizado como referencial de valor nas trocas. O meio
42 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
circulante era somente o pó de ouro, pois os outros metais não eram conhecidos
na região, e o governante se apropriava das pepitas, permitindo apenas a livre-
-circulação do pó.
A religião do governante e da maioria do povo era a religião local ani-
mista - cultuando, principalmente, o Deus-Serpente, símbolo da cidade de
Wagadu; porém, o Islã era aceito, muitas vezes até como um incentivo ao comér-
cio, já que muitas das relações eram com povos islâmicos do norte. A própria
capital era dividida em duas aglomerações, sendo uma muçulmana, e a outra,
animista. A parte animista era a cidade real, onde o governante vivia em um
palácio ricamente decorado, enquanto a parte muçulmana era povoada por
mercadores berberes, andaluzes e certo número de mesquitas. Retomando o
conceito anteriormente explorado de ancestralidade, o governante tinha sua
legitimidade para atuar baseada no fato de ser o representante maior dos cos-
tumes ancestrais e o protetor dos ritos dedicados às entidades de culto. A isso
se somavam o reconhecimento da autoridade pessoal, o poder militar e as rela-
ções de parentesco com os governantes da área sob sua influência (MACEDO,
2013, p. 40). Ainda no que tange à ancestralidade, cabe ressaltar a matrilineari-
dade nas formas de sucessão da sociedade de Gana.
O auge da grandeza de Gana foi a partir do fim do século VIII, sob o
governo da dinastia Cissê Tunkara, quando Gana conseguiu montar um exército
poderoso, e o sistema de tributação chegou a seu ápice. Sua extensão ia ao norte
da atual Mauritânia, ao leste até o Níger e alcançava ao sul a região da atual
Costa do Marfim. Com o sistema de trocas, no qual estava intimamente envol-
vido, o povo de Gana conseguia trazer diferentes materiais, como cobre, tecidos,
e sal advindos do norte (MACEDO, 2013, p. 41).
A hegemonia de Gana, entretanto, era disputada por outros povos, fos-
sem os mercadores árabe-muçulmanos atraídos pelo esplendor que o povo
atingira, fossem os tuareg – povo de pastores seminômades que costumavam
controlar as caravanas de comércio do deserto do Saara e criavam animais,
como cabras, carneiros, e camelos – que aspiravam à privilegiada posição
comercial de Gana para o controle das rotas transaarianas (MACEDO, 2013,
p._40). Portanto, a partir do século XI, Gana começou seu declínio: a dinastia
marroquina dos Almorávidas assumiu o governo de Gana, atacando a civiliza-
ção na sua luta em busca da propagação da fé islâmica, a jihad. Entretanto, o
Sociedades africanas antigas: história e características 43
Mali
O enfraquecimento de Gana deixou um vácuo de poder na África
Ocidental que possibilitou disputas entres Estados menores (MACEDO, 2013,
p._42). Em 1235, uma coligação de povos mandinga, grande etnia do oeste afri-
cano, venceu, na batalha de Kirina, a relativa hegemonia que o Estado soninkê
sosso mantinha na região. Esse foi o fato considerado fundador do Estado unifi-
cado do Mali, e tal batalha foi liderada por Sundjata Keita, que fazia parte da
primeira dinastia dominante do Mali pós-unificado. O Estado do Mali foi criado
por vários povos e etnias da África Ocidental que eram aparentados e viviam na
região situada entre o rio Senegal e o rio Níger (MACEDO, 2013, p. 42). Sundjata
Keita foi o governante responsável por estender as influências do Mali, conquis-
tando territórios ao sul e ao norte, regiões onde havia ouro e posições estraté-
gicas para o controle do comércio transaariano (PEREIRA, 2007, p. 31), configu-
rando a grandeza do Estado de Mali.
Segundo Macedo (2013), tal integração de vários povos evoluiu para que
o Mali formasse uma espécie de império; afinal, sua hegemonia fora imposta
militarmente, além de ter construído uma rede de tributação que englobava
tanto povos aliados quanto povos dominados. Ki-Zerbo (1972) comenta a com-
petência de tal estrutura desenvolvida pela civilização para governar uma área
de influência tão extensa, um sistema descentralizado foi desenvolvido, em que
o governante de Mali era o centro da rede, enquanto a administração das pro-
víncias era dada aos chamados farbas. As províncias, por sua vez, eram subdivi-
didas em cidades, que eram conduzidas por koufos e dougos. A comunidade era
representada por um grande conselho – o Ghara – que decidia questões de
guerras e de tributos. Enquanto Macedo (2013) acredita que a hegemonia do
Mali se deveu a diversos aspectos, como seu poderoso exército de arqueiros,
lanceiros e cavaleiros; seu êxito econômico advindo da extração do ouro; e sua
posição de destaque na circulação comercial e sua vitória política ao criar estru-
tura administrativa eficiente, Ki-Zerbo (1972) credita o sucesso do Estado
majoritariamente à capacidade de flexibilidade da estrutura político-adminis-
trativa, que, sem burocracia generalizada, fez regras indiretas para as provín-
cias periféricas, tinha tolerância religiosa e, portanto, conseguiu impor modelo
44 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
incluídos nesse grupo são os ibo, edo, fon, evhé, aja, e agajá. O primeiro reino a
se destacar foi o do Benim entre os séculos XIV e XVII, que em sua máxima
extensão chegou a compreender a região entre a atual cidade de Lagos (antiga
capital da Nigéria) a leste, o rio Níger ao norte e o mar ao sul (MACEDO, 2013,
p._59). Entre seus pares iorubás, o principal adversário do Benim era o reino
dos povos evhés a oeste. No entanto, seu inimigo real vinha do interior do conti-
nente e constituía o poderoso reino de Daomé, fundado no fim do século XVII.
O reino de Daomé tinha o seu sucesso material bastante relacionado à
sua associação aos interesses comerciais dos fortes holandeses e franceses do
litoral. Após o estabelecimento do povoado de Abomé, que se tornaria o centro
do poder daomeano, e o subjugo de diversos povos iorubás da região, o reino de
Daomé se inseriu no comércio de escravos, o que se tornou seu elo principal
com os europeus e a principal fonte de recursos do reino. Ao longo do século
XIX, o poder do reino cresceu na mesma velocidade que sua proximidade com
as potências europeias. Com a diminuição do tráfico de escravos e a diversifica-
ção dos interesses comerciais europeus na região, o reino acabou sendo absor-
vido pela estrutura colonial francesa em 1895 (MACEDO, 2013, p. 59).
Contemporâneo ao reino de Daomé, o reino de Oió foi o mais importante
Estado dentre os iorubás. O reino de Oió teve sua expansão em forte colisão com
o reino de Daomé, levando a disputas diretas em meados do século XVIII. Ao
conseguir dar coesão a uma vasta rede de grupos guerreiros locais, pôs fim à
hegemonia de Daomé, submetendo-os ao pagamento de tributos e limitando-os
ao controle de alguns postos comerciais no litoral (MACEDO, 2013, p. 60). Na
tradição oral teria sido governada primeiramente por Sangó ou Shango – vene-
rado como divindade em toda a Costa do Benim e perpetuado nas religiões tra-
dicionais de matriz africana difundidas no Brasil pelo nome de Xangô.
Confederação Achanti
A Confederação Achanti estendia seu poder sobre a região onde hoje
estão os Estados de Gana e Togo. Na prática, essa organização é a integração da
hegemônica elite de guerreiros da cidade de Kumasi (no centro de Gana) e dos
povos da região em uma só unidade política. A confederação teve uma duração
de cerca de duzentos anos, tendo seu fim fortemente associado à expansão da
presença europeia no continente africano ao longo do século XIX.
48 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
Congo e Angola
No século XIII, importantes formações sociais e estatais surgiram na
África Central, na área onde hoje se encontram a República Democrática do
Congo, a República do Congo e Angola. A organização complexa do Congo era
formada por povos do grupo mbundu, sendo as linhagens dominantes, e do
grupo bakongo, que se desdobravam em diversos grupos menores falantes das
línguas umbundo e kikongo (MACEDO, 2013, p. 66). Os governantes do Congo,
chamados manicongos, possuíam diversas estruturas políticas, entre elas o
canda, que estabelecia o vínculo genealógico (COSTA E SILVA, 2006, p. 519) de
pertencimento ao clã do Lukeni, cujo ancestral, Nimi-a-Lukeni, pela tradição
oral, teria submetido as populações em sua área a seu domínio e se sediado em
Mbanza Congo, de onde passou a controlar os yombe, manianga, nlazen, nsuku,
e nsaka, por meio de guerras, alianças e extração de tributos.
O Congo era sustentado pela agricultura de subsistência, praticada em
geral pelas mulheres, com produtos como legumes, tubérculos, cereais, sorgo,
frutas, árvore de palma, e noz de cola. A partir do contato com os portugueses,
primeiramente com o navegador Diogo Cão em 1482, eles passaram a plan-
tar amendoim, batata doce, goiabeiras, cajueiros e mamoeiros, arroz, milho,
e, sobretudo, mandioca, como base alimentar. O comércio podia ser exercido
por qualquer indivíduo, com autorização dos chefes locais, sendo exclusivo aos
integrantes de linhagens dominantes o controle das transações de produtos
de maior valor comercial, como tecidos, marfim, prata, sal, produtos bélicos, e
escravos.
Segundo Macedo (2013, p. 69),
“nos documentos deixados pelos primeiros (...) [portugueses]
enviados ao Congo, toda a região é qualificada de “reino”, e os
governantes de “reis”, as demais lideranças locais como “vas-
salos” e as áreas próximas a Mbanza Congo como “províncias”
[Mbemba, Mbata, Mbamba, Sonio, Nsoundi, Mpangou].”
África do Sul
Desde pelo menos 20.000 A.C., a região no extremo sul do continente
africano é habitada por populações autóctones, como os pigmeus e os khoisan
(também chamados bosquímanos ou hotentotes). Migrações, principalmente
no II milênio a.C., levaram diversos grupos para a região, em especial popu-
lações de matriz linguística bantu, entre eles o grupo nguni, falado por shosa,
swazi, ndebele, e zulus, em mais de 100 clãs. Muito tempo depois, a partir da
metade do século XVII, uma importante migração para a área foi a de grupos
de colonos, descendentes de calvinistas holandeses, franceses, germânicos, e
ingleses, que eram chamados bôers e desenvolveram uma língua própria, o afri-
câner.
A presença europeia na África Austral começou com a circunavegação
do continente, feita pelos portugueses, que fixaram pontos de abastecimento,
inclusive no Cabo da Boa Esperança, alguns dos quais foram ocupados por
holandeses no século XVI. Nesse processo, colonos holandeses, franceses e ale-
mães se fixaram no sul da África, dando início à ocupação de áreas do interior,
que resultou em conflitos com as populações locais. Em 1837, o movimento de
expansão do “Grande Trek”, ou “grande marcha”, resultou na defrontação entre
os bôers e os zulus (MACEDO, 2013, p. 73).
Antes disso, sob a liderança do guerreiro conquistador Chaka (1776-
1828), que, segundo a tradição oral, possuía atribuições físicas descomunais e
poderes sobrenaturais, os zulus passaram por mudanças na forma de organi-
Sociedades africanas antigas: história e características 53
TRÁFICO DE ESCRAVOS
A escravidão está presente na história mundial desde a Antiguidade
Clássica, no direito à propriedade de seres humanos e de seus serviços, susten-
tado pela violência (COSTA E SILVA, 2002, p. 86). Na África, o tráfico negreiro
teve como consequências profundas mudanças econômicas, sociais e demográ-
ficas, que ajudam a explicar a estrutura atual do continente, que sofreu com a
maior emigração de toda a história da humanidade. A diáspora africana levou,
forçadamente, milhões de seres humanos a diversas áreas do planeta, especial-
mente para as Américas.
Antes de abordar especificamente tráfico de escravos africanos para as
colônias europeias, é necessário discorrer acerca dos modos de escravização
contemporâneos e antigos existentes, especialmente na África. Primeiramente,
o cativeiro era uma forma social de exercício do poder legalizada na Antiguidade,
por exemplo, no Egito, na Grécia, e em Roma. Ainda, cabe pontuar que a cons-
ciência de uma identidade racial e continental na África só passou a existir no
século XX, sendo incorreto afirmar que “africanos” escravizavam “africanos”,
já que a consciência coletiva não passava da aldeia, ou no máximo, do grupo
linguístico (MACEDO, 2013, p. 81). Na África, a escravidão era amplamente
difundida e se expressava em três situações principais: compra/venda, dívida,
ou guerra, sendo o último o mais frequente. No entanto, a posição social dos
escravos era diferente do que ocorria nas sociedades europeias em que houve
escravidão.
54 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
sem invocados, houve uma associação entre esses e os santos católicos. Assim,
a umbanda foi criada no Brasil, combinando elementos da religião católica, do
candomblé e, também, do espiritismo, símbolo de sincretismo no Brasil6.
A África pôde ser integrada numa rede internacional de escravidão por-
que as formas nativas de dependência pessoal permitiam a transferência de
pessoas de um grupo social para outro. O continente africano possuía oferta de
escravos baratos e abundantes e entrou no comércio mundial de larga escala
com a importação de 22 milhões de pessoas pelas Américas, pelo Saara, pelo
Mar Vermelho e pelo Oceano Índico. Esse comércio escravocrata está ampla-
mente ligado à atual situação de dependência africana, do ponto de vista tanto
econômico, quanto demográfico, político, cultural e psicológico. Para se ter uma
ideia, entre 30% e 40% dos cativos eram mulheres, o que levava à redução da
capacidade de reprodução na África, e “se levarmos em conta as perdas suple-
mentares causadas pelas exportações para as Américas (a mortalidade entre
o momento da captura e o da chegada ao término da viagem, os falecimentos
devidos a combates e a fome durante as capturas), assim como a exportação de
6,9 milhões de negros (dos quais a maioria era composta por mulheres) para
o resto do mundo, tudo indica que a população de África Negra diminuiu, em
valores absolutos, ao menos entre os anos de 1650 e 1850” (INIKORI, 2010,
p._124).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a introdução da lei número 10.639, de nove de janeiro de 2003,
das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o ensino da História e da Cultura
Afro-Brasileira e Africana se tornou obrigatório no Brasil. Como abordado no
presente capítulo, a África possuiu, ao longo de sua história, diversas civiliza-
ções complexas e uma ampla variedade de formações políticas e culturais. Mais
que uma fonte de escravos, o continente viveu uma dura realidade, que muitas
vezes passa despercebida dos principais estudos, inclusive em um dos princi-
pais vetores desse comércio, o Brasil. Dessa forma, consideramos relevante a
divulgação do conhecimento sobre África e a democratização do assunto.
Ademais, tentamos colocar a África como centro de sua própria histó-
ria, revendo os conceitos de pré-colonial e pós-colonial. Para um novo ensino,
é necessária a mudança de posição da África de marginalizada para integrante
e formadora da história da humanidade. Ressaltamos, também, a importância
Sociedades africanas antigas: história e características 61
PONTOS A DISCUTIR
1) Os conceitos utilizados para a África.
2) As características de cada civilização com um enfoque mais regional e os
reflexos nas sociedades atuais.
3) Impactos do tráfico de escravos no Brasil (religiões, novas palavras, comida,
racismo, etc.) e na África (perda demográfica de milhões de pessoas).
Notas
1
Estado Moderno, como celebrado pela Paz de Westfália em 1648, proclamando o Estado
soberano com limites territoriais delimitados.
2
Palavra de origem árabe que designa instituição destinada à educação, geralmente
associada à religião islâmica.
3
Supremacia de um povo sobre os demais.
4
Casamança é uma região do atual Estado do Senegal e se localiza entre Gâmbia e Guiné
Bissau, cortada pelo rio Casamansa.
5
Para mais informações acerca da África do Sul nos séculos XX e XXI, veja o Apêndice.
6
Para mais informações acerca das influências culturais, sociais e religiosas da África no
Brasil, veja o Capítulo 7.
62 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
Referências
1. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística. Contagem Populacional. Censo 2010. Disponivel em: http://
www.censo2010.ibge.gov.br/. Último acesso: 18 dez. 2012.
2. COSTA E SILVA, A. A manilha e o libambo: a África e a escravidão. Rio de Janeiro:
Ed. Nova Fronteira, 2002.
3. __________. A enxada e a lança: a África antes dos portugueses. 3.ed. revisada e am-
pliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
4. FREUND, B. The Making of Contemporary Africa: Development of African Society
since 1800. United States: Lynne Rienner Pub, 1998.
5. FYLE, C. M. Introduction to the History of African Civilization - Volume I: Preco-
lonial Africa. Lanham: University Press of America, 1999.
6. HERBST, J. States and Power in Africa: Comparative Lessons in Authority and Con-
trol. Princeton: Princeton University. Chapter 2, Power and space in precolonial
Africa, 2001.
7. INIKORI, J. E. A África na História do mundo: o tráfico de escravos a partir da África e
a emergência de uma ordem econômica no Atlântico. In: OGOT, B. A. (Org.). História
geral da África V: África do século XVI ao XVIII. Brasília: UNESCO, 2010. p. 91-134.
8. KI-ZERBO, J. Histoire de L’Afrique Noire. Paris: Libraire Hatier, 1972.
9. LOVEJOY, P. A escravidão na África: uma história e suas transformações. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
10. MACEDO, J. R. História da África. Texto inédito, em curso de publicação pela Editora
Contexto, 2013.
11. MALOWIST, M. 2010. A luta pelo comércio internacional e suas implicações para
a África. In: OGOT, B. A. (Org.). História geral da África V: África do século XVI ao
XVIII. Brasília: UNESCO, 2010. p. 1-26.
12. M’BOKOLO, E. África Negra: História e Civilizações - Tomo 1 (até o século XVIII). São
Paulo: EDUFBA e Casa das Áfricas, 2009.
13. NAÇÃO MESTIÇA. O Racismo de Hegel. Nação mestiça. Disponível em: http://www.
nacaomestica.org/HegelMFP.htm. Último acesso: 20 nov. 2012.
14. PEFFER, J. A diáspora como objecto. Disponível em: http://www.casadasafricas.
org.br/wp/wp-content/uploads/2011/08/Arte-africana-contemporanea-e-dias-
pora.pdf. Último acesso: 8 fev. 2013.
15. THE ABOLITIONIST – BBC AFRICA. Taken from Of national characters in Essays:
Moral, Political & Literary by David Hume, Scottish philosopher and historian
(1711-1776). Disponível em: http://www.bbc.co.uk/scotland/education/hist/
abolition/?section=tri_trade&page=africa&mainContent=read. Último acesso: 8 fev.
2013.
16. VISENTINI, P. F.; RIBEIRO, L. D. T; PEREIRA, A. D. Breve História da África. Porto
Alegre: Leitura XXI, 2007.
Sociedades africanas antigas: história e características 63
1
Graduandos de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os
autores agradecem a revisão de Thiago Borne e a colaboração do Msc Marcelo Leal.
Sob o jugo europeu: do imperialismo branco às guerras de independência africanas 67
INTRODUÇÃO
Para melhor compreender a África, é necessário olhar um pouco para
sua história. O continente africano foi ocupado de fato pelos europeus por ape-
nas sete décadas, se tomarmos como referências a Conferência de Berlim e o
grande boom das independências africanas entre as décadas de 1950 e 1960.
No entanto, essa talvez tenha sido a mais severa colonização, impondo mudan-
ças a uma população que, embora viesse sofrendo pequenas e médias modifi-
cações em seu modus vivendi nos últimos séculos, claramente não estava prepa-
rada para tal choque de realidade.
Neste capítulo, faremos uma tentativa de relatar o processo de inserção
europeia no continente africano, passando pelas principais motivações que
fizeram com que os Estados europeus passassem a olhar a África com outros
olhos, pelas mudanças de interesse econômico e político na África, além das
próprias mudanças pelas quais o continente africano veio a passar. Logo após,
discutiremos a questão da Conferência de Berlim, marco histórico da ocupa-
ção da África, e as formas através das quais os europeus vieram a penetrar o
território africano. Vale lembrar que daremos ênfase à África Central e à África
Ocidental, regiões abordadas pelos quatro estudos de caso analisados e mais
próximas ao Brasil, embora referências às outras partes da África sejam feitas
quando necessário.
COLONIALISMO, NEOCOLONIALISMO E IMPERIALISMO:
CONCEITOS
Antes de iniciar-se o relato histórico da inserção europeia na África, cabe
esclarecer alguns conceitos que são empregados de forma direta ou indireta no
artigo, como o de “colonialismo”. No caso africano, esteve generalizada a colô-
nia de exploração onde, através da exploração de determinada localidade por
parte da máquina de outro Estado, o sistema colonial é caracterizado por diver-
sos aspectos: apropriação de lucros, comando do exército que age localmente,
povoamento da área colonizada, constituição de leis exercidas na colônia, ten-
dência a ignorar os anseios locais, entre outros. Em outras palavras, a coloniza-
ção é concretizada quando um lugar é diretamente explorado por outro. Esse
tipo de colônia é distinto da de povoamento, que melhor desenvolvia a vida
68 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
dos colonizados e era encontrado, por exemplo, nas colônias inglesas no atual
território norte-americano.
Já o conceito de “neocolonialismo” foi elaborado por vários pensadores,
muitas vezes defensores dos movimentos de libertação nacional do século XX.
Kwame Nkrumah, por exemplo, foi o primeiro presidente de Gana, e sua con-
ceituação será aqui apresentada por se tratar do grande mentor do aprofunda-
mento do estudo dessa prática por parte dos africanos. No entanto, reforça-se a
ideia de que há um debate estabelecido quanto a essa definição1. A essência do
neocolonialismo é, segundo o ganês, “que o Estado que a ele é submetido é, em
teoria, independente, tendo todas as supostas benesses da soberania interna-
cional. Na verdade, seu sistema econômico e, portanto, sua ação política estão
sendo direcionados de forma exógena” (NKRUMAH, 1965, tradução dos auto-
res). O neocolonialismo, como o próprio nome do livro escrito por Nkrumah diz,
seria o último estágio do imperialismo e sua forma mais perigosa.
Portanto, para melhor compreender o conceito abordado no parágrafo
acima, se faz necessária uma explanação sobre o “imperialismo”. Nos primeiros
anos do século XX, estando mais intensas do que nunca as pretensões europeias
sobre o território africano, três tentativas de desvendar os caminhos do impe-
rialismo europeu tiveram mais sucesso: Imperialism: A Study, de John Hobson
(1902); A Acumulação de Capital, de Rosa Luxemburgo (1913); e Imperialismo:
Fase Superior do Capitalismo, de Vladimir I. Lênin (1916). Tomaremos o tra-
balho de Hobson como referencial. Enquanto os três trabalharam o conceito
com aproximadamente o mesmo teor, Luxemburgo e Lênin eram participantes
ativos da Internacional Comunista2, e essa participação acabou por priorizar
certos preconceitos ideológicos, segundo autores (HUNT, 2005).
Os dois, porém, não discordavam dos mais fundamentais pontos defen-
didos por Hobson. O imperialismo era fruto de forças sociais isoladas que, em
nome do Estado, acabavam por explorar economicamente outros povos visando
à multiplicação de seu próprio capital. Um dos grandes perigos abordados por
Hobson era a fachada cristianizada do caráter missionário que caminhava ao
lado dessas forças sociais (HUNT, 2005, p. 335). A tentativa de “elevar” os povos
inferiorizados pelo Ocidente escondia o real propósito da missão: o de tornar
a imagem do empresário imperialista mais aceitável. Cobrindo o imperialismo
com um véu de humanidade, a acumulação de capital por parte do empresário
se dava de forma descontrolada. Era justamente essa gana de acumular mais e
Sob o jugo europeu: do imperialismo branco às guerras de independência africanas 69
áreas que, pensavam os portugueses, não poderiam fornecer algum dos dois
“produtos”. Podemos destacar dentre os empreendimentos portugueses na
África Ocidental as bases para futuras obtenções de metais na Costa do Ouro
(atual Gana) e de escravos em Benim. Na África Oriental os nativos não eram
tão receptivos, dada a maior influência muçulmana na região; no entanto,
principalmente na Etiópia, reino cristão, e em regiões próximas ao Rio Zambeze,
a influência portuguesa se deu de forma mais intensa.
Embora as viagens marítimas lusitanas tenham estabelecido os primei-
ros contatos diretos entre Europa e África, é demasiado otimista afirmar que
foram as primeiras relações euroafricanas que se deram de forma concreta. O
interesse europeu, primeiramente, era encontrar uma nova forma de chegar ao
Oriente. Era o controle dessa região que importava naquele momento, uma vez
que era a região que mais fornecia as especiarias consumidas pelos europeus,
sendo a África apenas uma segunda opção (VISENTINI, 2010b). Isso não tirava
de maneira alguma a importância da rota que era controlada por Portugal e pas-
sava pelo litoral africano, mas não era de fato ocupada: por mais de um século
a hegemonia portuguesa (e entre 1580 e 1640 hegemonia da União Ibérica)
sobre a região garantiu incontável lucro aos lusitanos pela imposição do uso de
navios portugueses durante o trajeto.
a mão de obra usada de forma mais intensa nesse tipo de cultivo. Em poucos
anos, a Companhia das Índias Ocidentais passou a dominar o tráfico negreiro
em sua quase totalidade.
Com o fim da União Ibérica em 1640, porém, Portugal conseguiu reaver
muito do que perdeu ou estava em vias de perder na África, restabelecendo sua
posição em Angola e em grande parte do comércio de escravos no Atlântico Sul.
Na metade norte do oceano, contudo, os holandeses permaneceram soberanos,
inclusive em regiões antes firmemente comandadas pelos lusitanos, como a
Costa do Ouro e o Benim.
Em meados do século XVII, o Mercantilismo é consolidado e os governos
absolutistas intensificados. Segundo Pierre Deyon (2001), o Mercantilismo foi
na verdade um mito, uma vez que a tarefa de enquadrar todas as ações políticas
e econômicas dos Estados europeus naquela época em uma exata linha de ação
é dificílima, por mais que as práticas demonstrem certas similaridades. Três
dessas práticas são, sem dúvida, o protecionismo econômico, a ideia de que
a economia mundial se resume a um jogo de soma-zero e a busca por metais
preciosos. Observando a progressão do domínio holandês no comércio interna-
cional, ingleses e franceses tomaram medidas drásticas a respeito. A França ele-
vou significativamente suas tarifas de importação, praticamente fechando-se à
entrada de produtos vindos de navios holandeses; os britânicos, que já dispu-
tavam com a Holanda o posto de melhor marinha do mundo, promulgaram os
Atos de Navegação em 1651, exigindo que os navios que fizessem negócio com
a Inglaterra fossem de origem inglesa. Ambas as medidas afetaram seriamente
os interesses holandeses, que foram ainda mais prejudicados por uma série de
guerras navais anglo-holandesas das quais a Inglaterra saiu vitoriosa. O declí-
nio das Companhias das Índias, principalmente a Ocidental, seguido de inúteis
tentativas de ressuscitá-las, foi rápido e inevitável.
A utilização do africano como mão de obra escrava não está ligada ape-
nas à diferente sociedade da qual ele provinha, fator facilitador da sensação
de inferioridade demandada pela relação escravo-senhor. As vantagens econô-
micas apresentadas foram as grandes forças propulsoras do tráfico negreiro.
O surgimento do tráfico negreiro não deve, no entanto, ser diretamente rela-
cionado ao desenvolvimento da agricultura extensiva nas colônias europeias
da América, na própria Europa e nas ilhas africanas. Em meados do século XV,
os primeiros escravos obtidos pelos portugueses – normalmente via captura –
muitas vezes eram usados em trocas realizadas com outras regiões africanas,
estando os europeus em posição de intermediários; outras tantas vezes um
bem fútil para o europeu, como um cavalo, poderia ser trocado por uma dúzia
de escravos, e esses muitas vezes eram usados como domésticos na Europa
(M’BOKOLO, 2009). Aliás, por mais que a América Latina tenha sido a mais
importante importadora de escravos por mais de quatro séculos, a massiva
migração de africanos em direção ao continente europeu não pode ser esque-
cida, sendo Portugal, inclusive, um importantíssimo entreposto distribuidor de
escravos por longos anos.
Sob o jugo europeu: do imperialismo branco às guerras de independência africanas 73
res absolutos, diminuiu, embora a certeza desse dado talvez nunca seja obtida
(M’BOKOLO, 2009, p. 331).
PONTOS A DISCUTIR
1) A ocupação do continente africano pelos europeus ocorreu de forma pla-
nejada? Quais as implicações que as diferentes motivações europeias (rota
para o Oriente, tráfico negreiro) tiveram na consolidação do imperialismo
no século XIX?
2) Qual a importância da Conferência de Berlim na distribuição das colônias
europeias no continente africano? Pode-se considerá-la realmente uma “par-
tilha da África”?
3) De que maneira as estruturas coloniais implementadas pelas metrópoles
influenciaram os processos de descolonização? É possível traçar um paralelo
entre elas?
Notas
1
Outras versões do debate podem ser vistas, por exemplo, em SARTRE, 2001 ou CHOMSKY;
HERMAN, 1979.
2
Internacional Comunista – no caso de Lenin e Luxemburgo, a segunda – é a forma através da qual
a associação entre diversos partidos socialistas e comunistas no mundo era chamada.
3
Essa relação acontece quando um Estado se encontra subordinado a outro, seja através do paga-
mento de tributos ou da cessão de produtos, escravos ou riquezas.
4
Uma visão que contrasta com a apresentada de M’Bokolo pode ser encontrada em PAKENHAM,
1992.
5
Congresso que foi realizado após as Guerras Napoleônicas, em 1815, e que estabeleceu liberdade
de navegação em rios internacionais europeus.
6
O plantation se caracteriza pelas grandes porções de terra, pela monocultura, pelo uso de mão
de obra barata, e pelo direcionamento da produção ao setor externo, tendo sido usado também no
Brasil.
7
O Escritório Colonial era o órgão do governo britânico responsável pela administração de todas as
colônias pertencentes à Grã-Bretanha.
8
O Estado correspondente à atual Nigéria era, na época pré-colonial, dividido em diferentes grupos
étnicos de variados tamanhos. A rivalidade preponderante, entretanto, estava presente entre três
grupos maiores: Hausa na região Norte, Ibo no Lest, e Yoruba no Oeste (SCHWARZ, 1966).
9
A Comunidade de Nações (Commonwealth of Nations) é uma organização intergovernamental
composta pelos países que pertenciam ao antigo Império Britânico (Disponível em: http://www.
thecommonwealth.org/Internal/191086/191247/the_commonwealth/. Último acesso: 20 nov.
2012).
Referências
1. CHOMSKY, N.; HERMAN, H. The Political Economy of Human Rights, Volume I: The
Washington Connection and Third World Fascism. Boston: South End Press, 1979.
100 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
INTRODUÇÃO
O processo de construção dos Estados africanos ocorreu em grande
parte após a independência dos mesmos, que em sua grande maioria ocorreu
na década de 1960. As bases para a formação desses Estados foram as estrutu-
ras criadas durante o período colonial, e, para garantir a legitimidade interna e
externa de seus governos, os novos governantes precisaram se apoiar nas fortes
relações com as antigas metrópoles. Assim, a formação dos Estados africanos
ocorreu ainda em condição de forte dependência econômica e institucional das
antigas metrópoles europeias (MAZRUI, 2010). Nessa situação, a liberdade de
ação dos novos governos foi em grande medida sacrificada, e elementos de fra-
queza do poder público foram mantidos, sendo muitos os desafios para esses
novos países.
ESTUDOS DE CASO
República Democrática do Congo
O território atualmente constituinte da República Democrática do Congo
foi possessão pessoal do rei belga Leopold II de 1885 a 1907, quando se tornou
colônia estatal sob o nome Congo Belga. Durante todo o período em que foi
explorado por belgas, o povo congolês foi assolado por um regime de trabalho
compulsório e de taxação pesada, o que, tendo sido condenado por inúmeros
órgãos internacionais, se somou às pressões pelo fim da colonização do país
(HERNANDEZ, 2005). A RD Congo possui um território rico em diversos recur-
sos naturais: diamantes, ouro, cobre, estanho, urânio, coltan, zinco, e cobalto,
além de seu solo ser muito fértil. A independência congolesa só foi concedida
em 1960, deixando o recém-criado Estado em uma situação de instabilidade e
de conflito pela manutenção de sua unidade territorial.
Quando de sua independência, o Congo-Kinshasa passou a ser gover-
nado por seu primeiro-ministro, Lumumba, um dos ícones do movimento de
libertação do país do jugo belga, e por Kasuvubu, seu presidente. Contudo, junto
à criação de um governo independente, surgiram movimentos separatistas na
região de Katanga liderados por Moise Tchombé, rica em recursos naturais. Esse
elemento de desestabilização, somado a outros movimentos de desintegração
nacional, foi causa de inúmeros choques entre forças governamentais e rebel-
118 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
des, culminando nas guerras civis ocorridas no país. O presidente congolês com
o maior mandato no século XX foi o general Mobutu Sese Seko; sua primeira
ascensão ao posto foi durante a crise entre o primeiro-ministro Lumumba e o
presidente Kasuvubu em 1960. Ele assumiu o poder novamente em 1965, para
tentar trazer estabilidade para o país e acabar com as tensões separatistas. Em
1965 Mobutu ocupou a liderança do país dentro do contexto de uma nova ten-
tativa de separação da região de Katanga (US DEPARTMENT OF STATE, 2012).
Com o apoio das Nações Unidas, Mobutu conseguiu derrotar as forças sepa-
ratistas; contudo, seu suposto mandato de cinco anos foi estendido até 1997,
quando foi derrubado por Laurent Kabila4 e logo após morreu.
O governo de Mobutu Sese Seko foi marcado pela centralização do poder
político em sua figura, que controlava todos os atores envolvidos no governo
sob um regime de partido único, além de manipular os interesses e atitudes de
atores internacionais no país de forma a perpetuar seu poder e garantir as sus-
tentações internas para possibilitar esse objetivo. Sob Mobutu desenvolveu-se
uma cleptocracia, o que acabou por enfraquecer enormemente o poder público,
além de marginalizar boa parte da população (THOMSON, 2010, p. 233). As
práticas adotadas durante esse governo monopolizavam os recursos obtidos
através da exploração de minerais e arruinaram o potencial agrícola do país, ao
acabar com os estímulos para os indivíduos do setor. A população normal foi
se vendo cada vez menos contemplada pelo poder público, que, enfrentando
crises devido à má gestão dos recursos obtidos, teve de reduzir seus programas
e suas redes de compra da estabilização (THOMSON, 2010). Assim, boa parte da
população optou por se afastar do governo, deixando o mercado regular para
integrar o mercado paralelo, que cresceu enormemente, passando a ser maior
do que o mercado normal, e começou a ser utilizado também por indivíduos
políticos que cobravam por sua inação em determinadas situações.
O governo de Mobutu sempre foi muito ativo com relação a instabilida-
des de seus vizinhos, o mesmo sendo verdadeiro com relação à presença de
seus vizinhos nos conflitos congoleses. Laurent Kabila, por exemplo, retirou
Mobutu do poder com o apoio de Ruanda e Uganda, que mais tarde se tornaram
inimigos da RD Congo, apoiando grupos separatistas nos sangrentos conflitos
que ficaram conhecidos como a Primeira e a Segunda Guerra do Congo (Guerra
Mundial Africana). Durante esses conflitos, a presença da ONU foi intensificada,
com a criação de missões de paz. Após o assassinato do presidente Laurent
A formação dos Estados africanos: conflitos e construção de capacidade estatal 119
Kabila, seu filho, Joseph Kabila, assumiu a presidência. Esse alterou parte das
políticas negativas de seu pai e foi eleito para seu terceiro mandato em 2012,
de cinco anos (US DEPARTMENT OF STATE, 2012). A República Democrática do
Congo ainda enfrenta sérios desafios à sua integridade territorial, como grupos
separatistas e invasões de países vizinhos, como Ruanda, que explora as reser-
vas congolesas de coltan5 sem o consentimento do Estado congolês.
Ruanda
Os tutsis, grupo aristocrático originalmente pastoril habitante da região
dos Grandes Lagos africanos, dominaram os demais grupos que habitavam o
espaço hoje ocupado por Ruanda e Burundi. Os hutus, maioria na região, ori-
ginalmente agricultores, e os tuas, caçadores e coletores, minoria absoluta,
foram então submetidos a um regime de traços monárquicos sob a soberania
do mwami6. Essa dominação pelos tutsis se baseava em elementos legitima-
dores de origem divina e perdurou até a independência de Ruanda. No final
do século XIX, os alemães dominaram com facilidade os regimes de Ruanda
e Burundi, mantendo-os sob seu jugo até a Primeira Guerra Mundial, quando
os belgas, através de sua colônia, o Congo Belga, tiraram esses territórios dos
alemães, unificando-os na colônia de Ruanda-Urundi. A administração colonial
reforçou as diferenças e as tensões entre tutsis e hutus em Ruanda. Com a cria-
ção de partidos distintos na luta pela independência: União Nacional Ruandesa
(Unar, tutsi) e Partido do Movimento da Emancipação Hutu (Parmehutu), as
tensões entre tutsis e as autoridades coloniais levaram à abolição do regime do
mwami em 1961 (HERNANDEZ, 2005). Quando da concessão de independência
a Ruanda em 1962, a república instaurada passou a ser controlada pela maioria
hutu.
Devido à sua situação desprivilegiada, boa parte dos tutsis deixou o país
por temer retaliações da nova elite hutu, refugiando-se nos países vizinhos. O
novo governo do Parmehutu fechou os demais partidos e perseguiu a minoria
tutsi. Devido à ineficiência da gestão de Grégoire Kayibanda, então líder do
Parmehutu, esse foi deposto por um golpe militar organizado pelo general
Juvénal Habyarimana (1973-1994), que governou a partir do partido Movimento
Revolucionário Nacional para o Desenvolvimento (MRND). Em 1990, os tutsis
refugiados em outros países tentam mudar o regime ruandês, invadindo o país
sob a direção da Frente Patriótica de Ruanda (FPR) (US DEPARTMENT OF STATE,
120 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
Burundi
A situação do Burundi anterior à sua independência em 1962 é muito
similar à de Ruanda: os mesmo grupos sociais (tutsis, hutus e tuas) ocupavam
as mesmas posições políticas e sociais, e a mesma sequência de dominação
externa (alemã e belga) foi imposta. Contudo, quando da luta anti-imperial,
o principal partido político, o Partido da União para o Progresso Nacional
(UPRONA), encabeçado pelo filho do mwami burundiano, buscava a união
nacional para a independência. Os belgas apoiaram a ascensão do Partido
Democrata Cristão (PDC), que buscava uma transição lenta e gradual para a
independência, integrado por setores conservadores da elite. Os dois partidos
estabelecidos nesse período não se prenderam às divisões étnicas, se chocando
no programa político defendido, principalmente com relação à independência
do Burundi. O ganwa (“príncipe”) burundiano, Louis Rwagasore Mwambutsa,
dominava o cenário político pré-independência quando foi assassinado por for-
ças do PDC em 1961 (HERNANDEZ, 2005).
O governo independente burundiano foi marcado por uma fraqueza
do poder público e pela instabilidade do controle político. Entre 1966 e 1996,
quatro golpes militares foram desferidos contra o poder executivo (THOMSON,
2010). Nesse período, a monarquia inicialmente instalada foi derrubada; as
A formação dos Estados africanos: conflitos e construção de capacidade estatal 121
A África Portuguesa
Enquanto a maioria dos Estados africanos alcançavam suas independên-
cias na década de 1960, os bastiões brancos do sul do continente somente pas-
sariam por tal processo no decorrer da década de 1970. Após a Segunda Guerra
Mundial, Portugal deixou claro que não tinha nenhum interesse em conceder
independência às suas colônias africanas e, para isso, adotou uma estratégia
para reforçar a comunidade europeia em Angola e Moçambique, a fim que criar
uma complexa relação de integração com a metrópole (CHANAIWA, 2010).
Entretanto, sendo uma clara potência europeia decadente, com dificuldades
econômicas internas, Portugal não conseguia fomentar investimento em suas
colônias, a administração colonial apresentava pífios desempenhos e o desen-
volvimento econômico era bastante fraco, sempre vinculado aos interesses das
transnacionais que atuavam também na metrópole.
Já na década de 1960, movimentos nacionalistas começaram a surgir
em Moçambique (fundidos no grupo FRELIMO) e em Angola (MPLA, FNLA e
UNITA), assim como na Guiné Bissau e no Cabo Verde (PAIGC). Os movimen-
tos de libertação na África Austral foram dominados pela luta armada revo-
lucionária e pelos sentimentos anti-imperialistas e esquerdistas. A decepcio-
nante experiência histórica da maioria dos Estados africanos já independentes
ensinou a esses movimentos que a descolonização e a independência política
eram vãs se não fossem acompanhadas de emancipação econômica e cultural
(CHANAIWA, 2010). Dessa maneira, a maioria dos movimentos de independên-
cia nas colônias portuguesas teve um caráter fortemente marxista, com apoio
das massas urbanas e rurais, dos intelectuais progressistas e, muitas vezes, dos
países socialistas, como URSS, China, e, principalmente, Cuba. Também é pre-
122 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
ciso reconhecer que esses movimentos coincidiram com uma conjuntura inter-
nacional na qual as duas superpotências retomavam a corrida por influências,
nesses conflitos gerados pelas emancipações, logo, EUA e URSS estavam forte-
mente presentes (VISENTINI et al., 2007).
As duas principais colônias portuguesas, Moçambique e Angola, se
emanciparam através da luta armada. Inicialmente assumindo os custos da
luta, Portugal logo ficou incapacitado de arcar com os fardos dos conflitos,
que absorviam cerca de metade do seu orçamento anual e causavam rejeição
crescente na opinião pública (CHANAIWA, 2010). Logo, ficou clara a incapaci-
dade de Portugal de vencer os movimentos emancipacionistas e a crise interna,
sendo um de seus efeitos a revolução nacional que depôs o governo salazarista,
a Revolução dos Cravos em 1974. Após a revolução, o governo esquerdista que
assumiu o governo portugês resolveu retirar suas tropas de Angola, assim como
reconhecer a independência do país. A luta dos três movimentos independen-
tistas levou Portugal a negociar um acordo, em 1975, prevendo um governo de
transição onde haveria representantes não só dos três grupos angolanos, mas
também de Portugal (JOSE, 2008).
No caso de Moçambique, a luta armada revolucionária (organizada pela
FRELIMO) já durava quinze anos, a elite branca já havia sido afugentada, e o
movimento já controlava boa parte do país quando ocorreu a Revolução dos
Cravos, que só acelerou o movimento de independência. Em 1975, o governo
que assumiu em Moçambique era de predominância negra e se autoproclamava
marxista-leninista (VISENTINI et al., 2007). Já a Angola, recém-independendi-
zada, mergulhou em uma sucessão de guerras civis que só acabou definitiva-
mente em 2002. O conflito se dava por causa dos diferentes projetos dos dois
principais movimentos de libertação, MPLA e UNITA, sendo o primeiro mar-
xista com apoio de Cuba, URSS e China, e o segundo tendo o apoio dos EUA e da
África do Sul do apartheid (JOSE, 2008). O período de guerra civil se estendeu
por vinte e sete anos, deixando dezenas de milhares de mortos, mutilados, e
refugiados e, também, impediu o sucesso das inúmeras missões de paz da ONU
no país. Em 2002, o governo angolano, que já havia substituído sua economia
pelas vias do mercado liberal, com abertura para o capital estrangeiro e pluri-
partidarismo, passou a tomar medidas para as negociações de paz efetiva, che-
gando ao ponto de reconhecer a existência do partido UNITA-Renovada (JOSE,
2008).
A formação dos Estados africanos: conflitos e construção de capacidade estatal 123
Serra Leoa
A Serra Leoa, obedecendo a certo padrão da África Ocidental de ocu-
pação inglesa, teve seu processo de independência sem a presença de surtos
revolucionários, através da escolha de um caminho por etapas e de reformas
políticas que garantiam à administração europeia uma parte na condução desse
processo (HERNANDEZ, 2005). No entanto, não se pode negar a presença de
mobilizações sociais e as reivindicações suscitadas pela degradação da situação
econômica e social da situação imposta após a Segunda Guerra Mundial pelos
britânicos (SURET-CANALE; BOAHEN, 2010).
124 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
Libéria
A formação da Libéria pode ser considerada como um caso especial na
África. O país foi fundado pela American Colonization Society, com auxílio do
governo dos EUA, que, após a independência, buscava uma solução para os
negros em seu território. A American Colonization Society obteve terras das
chefias locais que habitavam a região litorânea da Libéria (HERNANDEZ, 2005).
Para esse território foram enviados afro-americanos, tanto por convencimento
quanto por ameaças. Tendo os EUA como modelo, esses imigrantes fundaram a
capital, Monróvia, na costa do Atlântico. Formou-se, a partir de então, um mito
da Libéria como a “terra da liberdade”, que foi muito usado em discursos políti-
cos (HERNANDEZ, 2005).
Em 1847, a Libéria se tornou independente da American Colonization
Society, com uma estrutura política inspirada nas instituições estadunidenses,
embora continuasse dependente economicamente dos EUA. A falta de capaci-
dade do Executivo em se fazer representar em todas as unidades do território
levou à detenção do poder político por certas famílias de imigrantes américo-
-liberianos. Desde então, duas características marcaram a história da Libéria: o
domínio de privilégios pelas regiões centrais do país (aquelas próximas ao lito-
128 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
Etiópia
O mito fundador do povo etíope afirma que o primeiro soberano do país
(em um sistema similar a uma monarquia) era filho do rei Salomão e da rainha
de Sabá. Essa lenda demonstra a força do cristianismo do país, religião dos gru-
pos etíopes historicamente dominantes, que tiveram uma forte influência na
disseminação dessa lenda. Os etíopes sobreviveram ao imperialismo europeu,
mantendo sua independência até 1936. Para obter tal resultado, eles se vale-
ram das disputas imperiais de Inglaterra, França e Itália na região do Chifre
africano, da crença popular da predestinação do povo etíope, da força de seu
exército imperial, e do status obtido após as suas vitórias militares contra for-
ças invasoras (europeias ou africanas) e dentro de seu projeto expansionista
(HERNANDEZ, 2005). A Etiópia conseguiu, assim, evitar as tentativas euro-
peias, principalmente italianas, de invadir seu território, além de ter obtido um
forte status internacional, sendo membro da Sociedade das Nações. Contudo,
a Itália fascista de Mussolini resolveu intensificar sua presença na região do
Chifre Africano, provocando tensões com a Etiópia até invadi-la e dominá-la
em 1936. O domínio italiano, porém, não durou muito tempo, sendo encerrado
antes do final da Segunda Guerra Mundial, em 1941.
Quando de sua independência, a Etiópia anexou a antiga colônia italiana
Eritreia, que adquiriu o status de província autônoma, retomando sua saída
para o mar. O regime monárquico estabelecido, sob Haile Selassie, manteve
certa estabilidade, mas, devido às revoltas pela independência dos eritreus e
dos somalis e aos maus resultados econômicos, principalmente à ineficácia
das medidas tomadas para reparar a falta de alimentos que ocorreu no país
em 1973, o regime perdeu suas bases de sustentação. Em 1974, um golpe mili-
tar tirou o monarca do poder na Etiópia, instaurando um regime que adotou
o marxismo-leninismo como ideologia (VISENTINI, 2012). Essa revolução teve
profundas repercussões na organização do país, como a reforma agrária, a
alfabetização de grande parte da população, a contenção das minorias, a esta-
tização das propriedades urbanas, entre outros. Apesar de diversas alterações
estruturais, o regime instalado enfrentou inúmeras dificuldades, relacionadas
em parte à heterogeneidade do movimento que permitiu sua ascensão, resul-
tando em medidas opressivas (SCHNEIDER, 2010). Logo quando da instauração
do regime militar, as tensões com a Somália pela região etíope habitada por
somalis provocou uma guerra. Nesse contexto, os etíopes abandonaram suas
130 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
Somália
O povo somali não possui divisões étnicas, a desunião que pode ser per-
cebida na região ocupada por eles se deve às dificuldades em estabelecer um
Estado que unifique todos os clãs, grupos determinados a partir da linhagem
masculina, no caso somali. A maioria dos somalis é muçulmana sunita, e a poli-
gamia masculina prevista pelo corão (número máximo de esposas sendo qua-
tro) é uma prática comum, havendo facilidade para a obtenção de divórcio. O
casamento sempre foi um instrumento de negociação entre os diferentes clãs
nas regiões ocupadas por somalis, sendo comuns os casamentos arranjados
(LEWIS, 2008).
A formação dos Estados africanos: conflitos e construção de capacidade estatal 131
PONTOS A DISCUTIR
1) As independências dos Estados africanos trouxeram uma ruptura do sistema
colonial de fronteiras ou as mantiveram? Se as mantiveram, que problemas
surgiram a partir dessa situação?
2) A conquista de soberania política significou a emancipação plena dos terri-
tórios dos antigos impérios coloniais ou significou a emergência de um novo
sistema de dominação e exploração (neocolonialismo)?
3) Os modelos de organização política, jurídica e educacional adotados após a
independência copiavam os modelos das metrópoles europeias. Quais foram
as consequências da adoção desses modelos?
4) Qual foi o papel desempenhado pelas forças armadas para a manutenção
da independência dos novos Estados? Por que eles tiveram um papel desta-
cado?
5) Por que razão após a independência política vários Estados africanos busca-
ram aplicar os padrões socialistas originários do marxismo como forma de
organização político-social?
A formação dos Estados africanos: conflitos e construção de capacidade estatal 133
Notas
¹ A tribalização consiste na redução das explicações sobre os conflitos africanos como algo inerente
à população em questão e da complexa organização social estabelecida nas sociedades africanas
anteriores ao domínio europeu a simples tribos, muitas vezes chamadas de “atrasadas”.
² Os conceitos de etnia e tribo são muitas vezes confundidos, em diversos casos propositalmente. O
primeiro se refere a um grupo de indivíduos que têm a consciência de serem diferentes de outras
pessoas, enquanto o segundo, a um grupo étnico organizado politicamente sob o comando de um ou
mais líderes, muitas vezes com uma linhagem comum. Já o termo nação é empregado para descre-
ver grupos étnicos que possuem uma vida econômica comum (EVANS; NEWNHAM, 1998). Todos
os conceitos são objeto de intensa discussão nas ciências sociais.
³ Produtos que, por não possuírem muitas diferenças entre si, são intercambiáveis por qualquer
outro produto igual, independente de quem o produz. Possuem um preço determinado ao nível de
oferta e demanda global. Exemplo: produtos agrícolas.
4
Laurent Kabila iniciou sua participação na política congolesa como guerrilheiro, tendo alterado
sua linha de pró-cubano para pró-chinês após a saída dos cubanos da República Democrática do
Congo. Kabila foi bem sucedido na “libertação” de uma zona próxima às fronteiras com Ruanda e
Burundi onde buscou estabelecer sistemas de produção maoístas. O futuro presidente congolês
possuía relações próximas com os governantes da Tanzânia, para onde se mudou até conseguir
dominar seu país natal a partir do apoio ruandês e ugandês. Quando de sua ascensão, Kabila havia
se associado a grandes empresas estadunidenses e mudado seu ramo de atividades para a extração
mineral (CASTELLANO, 2011).
5
O coltan (ou coltão) é um mineral que é utilizado na produção de aparelhos eletrônicos e chips de
computadores e na indústria espacial. Estima-se que 80% das reservas mundiais se localizem na
República Democrática do Congo, onde se concentra nas zonas próximas às fronteiras com Ruanda,
Uganda e Burundi (CASTELLANO, 2011). Sua exploração vem sendo conduzida ilegalmente por
indivíduos desses países fronteiriços, e essa renda é muitas vezes utilizada para financiar grupos
opostos ao governo central.
6
Mwami era o nome dado ao soberano em Ruanda e no Burundi, além de outros sistemas na região.
Apesar de ser normalmente traduzido como monarca ou rei, o mwami não possuía as mesmas
características de seu equivalente europeu (Ver capítulo 2 para formas de organização política das
sociedades africanas antigas).
7
Indivíduo de origens étnicas da metrópole (no caso, de origens europeias), mas nascido em terri-
tório colonial.
Referências
1. CASTELLANO, I. S. Guerra e Reconstrução do Estado na República Democrática do Congo:
a definição militar do conflito como pré-condição para a paz. 2011. 178 f. Dissertação (Mestrado
em Ciência Política) – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.
2. CHANAIWA, D. A África Austral. In: MAZRUI, A. A.(Org.). História geral da África VIII: África
desde 1935. Brasília: UNESCO, 2010. p. 289-328.
3. CHAZAN, N. et al. Politics and Society in Contemporary Africa. Boulder: Lynne Rienner
Publishers, 1999.
4. CLAPHAM, Christopher. Africa and the International System: The Politics of State Survival.
Cambridge: Cambridge University Press, 1996.
134 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
1
Graduandos de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os
autores agradecem a revisão de Nathaly Xavier e a colaboração do Msc. Mamadou Diallo.
Processos africanos de integração regional 137
INTRODUÇÃO
Os agrupamentos regionais africanos, apesar de terem início no começo
do século XX, foram estabelecidos rapidamente ao longo do continente a partir
dos anos 80. Esse fenômeno, segundo Chazan et al. (1999, p. 276), foi uma das
estratégias adotadas pelos países da África para diminuir sua dependência da
economia mundial. Os resultados insuficientes do desenvolvimento econômico
duas décadas após as independências e a extrema vulnerabilidade em relação
aos preços mundiais de commodities fomentaram o surgimento de estratégias
de aumento da autonomia nacional e coletiva entre os países africanos. Por fim,
essa ideia de integração como modelo de desenvolvimento foi fortalecida pelo
processo atual de globalização (CHAZAN et al., 1999, p. 277; KABUNDA, 2009,
p. 91).
Antes das independências, as potências europeias já administravam as
colônias em nível regional, como no caso da África Ocidental Francesa e da
África Equatorial Francesa, duas unidades administrativas que dirigiam as doze
colônias da França. Mesmo assim, essas grandes unidades eram divididas em
territórios com governadores coloniais próprios, provocando reivindicações
por autonomia e independência políticas em relação aos agrupamentos regio-
nais. O excesso de desigualdades econômicas entre as colônias, o que deixou
algumas receosas quanto a ganhos desiguais da integração, também fez a maio-
ria dos territórios coloniais escolher se tornar independente sem vínculos fede-
ralistas com as outras colônias da mesma unidade administrativa (CHAZAN et
al., 1999, p. 278). De modo parecido, a África Oriental Britânica compreendia
territórios do Quênia e Uganda atuais.
Hoje em dia, há mais de 200 arranjos regionais no continente africano,
compreendendo desde organizações para cooperação setorial até uniões
políticas (KABUNDA, 2009, p. 91). Nesse sentido, a tabela abaixo mostra os
principais processos de integração atuais da África e suas respectivas regiões.
Para os propósitos deste capítulo, escolhemos estudar os casos específicos dos
blocos que consideramos possuir maior relevância político-econômica e estra-
tégica no continente africano: UMA, ECOWAS, CEMAC, COMESA, SADC, e IGAD.
Antes de analisá-los, entretanto, faz-se necessário apresentar o caso da União
Africana, organização responsável pelo desenvolvimento conjunto do conti-
nente através da integração desses diversos organismos sub-regionais.
138 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
África do
UMA (União do Magreb Árabe)
Norte
ECOWAS (do inglês, Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental)
África
MRU (União do Rio Mano)
Ocidental
UEMOA (União Econômica e Monetária da África Ocidental)
CEEAC (Comunidade Econômica dos Estados da África Central)
África
CEMAC (Comunidade Econômica e Monetária da África Central)
Central
CEPGL (Comunidade Econômica dos Países dos Grandes Lagos)
COMESA (do inglês, Mercado Comum da África Oriental e Austral)
UNIÃO AFRICANA
A União Africana ganha destaque, dentre as iniciativas de integração aqui
descritas, pela sua definida pretensão continental e pelo seu caráter predomi-
nantemente político. Em um primeiro contato, pode ser intuitiva uma compara-
ção da organização enquanto equivalente da União Europeia. No entanto, con-
duzir a observação por esse caminho pode afastar o estudo da compreensão dos
próprios objetivos e da construção dessa iniciativa de integração, o que a difere
amplamente do caso europeu. Apesar de compartilhar da pretensão dimen-
sional e possuir clara inspiração no sucesso do caso europeu à época de sua
criação, a União África tem seu foco na promoção de um espaço de construção
primordialmente de uma identidade africana e correlatamente de uma ideia
conjunta de desenvolvimento. O tratado de Lomé (2002) expressa tais objetivos
da instituição. Ainda que a promoção da integração social, econômica e política
do continente seja um objetivo central da União Africana, o perfil da integra-
ção será construído internamente à instituição e junto aos Estados membros.
O aspecto supranacional ainda é tema de ampla disputa dentro da instituição,
como refletido em sua estrutura organizacional.
Processos africanos de integração regional 139
O processo de integração
A criação da União Africana, em 2002, sucedeu a outras organizações
anteriores de mesmo escopo: a União Africana de Estados e a Organização da
Unidade Africana. Ao longo da história do sistema contemporâneo de Estados
da África, o processo de integração em sua dimensão continental foi matizado
por diversos fatores internos e externos, uma trajetória marcada pela ausência
de uma linha clara de progressão em meio a distintas concepções dos objetivos
da integração e dos caminhos para alcançá-los. Em seu princípio, a ideia de uma
organização que compreendesse o conjunto do continente africano está forte-
mente alicerçada no Pan-Africanismo, no qual se encontra a origem política e
intelectual das iniciativas predecessoras da atual União Africana.
O Pan-Africanismo por vezes se confunde com a onda majoritária de des-
colonização africana no final da década de 1950 e inicio da de 1960. Assim como
no caso dos processos de independência de muitos países africanos, o movi-
mento encontrou seus principais atores fora do continente, em meio à diáspora
140 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
Situação e perspectivas
O principal símbolo da relevância dada ao desenvolvimento por parte da
União Africana é a Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD). A
inciativa se propõe como uma alternativa entre as organizações autonomistas e
o assistencialismo vertical predominante até o momento (DIALLO, 2006. p. 64).
Dois aspectos são fundamentais nesse sentido: o compromisso com as políti-
cas de boa governança como maneira de garantir o financiamento exterior aos
seus projetos e a relação de cooperação com as inciativas regionais de integra-
ção (DIALLO, 2006, p. 81). Essas organizações são denominadas Comunidades
Econômicas Regionais no arcabouço institucional da UA e constituem os princi-
pais instrumentos de integração econômica do continente (UNITED NATIONS,
2011). Algumas das principais dessas iniciativas serão apresentadas neste capí-
tulo nas seções seguintes.
Talvez a mais marcante das diferenças entre a antiga OUA e a nova União
Africana seja a possibilidade de intervenção em seus países membros, através
de sansões ou até mesmo de incursões militares. Até agora, os membros da UA
autorizaram intervenções militares em quatro países - Burundi, Sudão, Somália,
e Comores - havendo mobilizando cerca de 15 mil soldados (WILLIANS, 2009).
As missões são deliberadas no Conselho de Paz e Segurança da Entidade, com
membros eleitos na Assembleia da UA.
Mais de cinquenta anos após a formação dos grupos de Monróvia e
Casablanca, o debate sobre a formação ou não de estruturas de governo supra-
nacionais ainda está vivo na União Africana. Na reunião de chefes de Estado
ocorrida em Acra, em 2007, a ideia de um Governo da União Africana tomou
corpo, com marcado incentivo do então presidente líbio Muammar al-Gaddafi.
Ainda que sem metas claras, o debate perdeu força com a deposição de Gaddafi,
mas segue vivo dentro da instituição. De todo modo, se pode considerar a União
Processos africanos de integração regional 143
da Comunidade Financeira Africana. Nos países da região que tiveram seu pro-
cesso de colonização dirigido pela outra potência estrangeira, a Inglaterra, não
houve ainda tal convergência monetária. Todavia, há o plano de implementação
de uma moeda única, o ECO, no ano de 2015, em Gâmbia, Gana, Guiné, Libéria,
Nigéria, e Serra Leoa, sob o escopo da União Monetária do Oeste Africano
(WAMZ, do inglês, West African Monetary Zone) (NIGERIA, 2012). As influên-
cias divergentes dos dois diferentes processos coloniais dificultam ainda hoje o
processo de integração, devido ao fato de que muitos países da região mantêm
fortes laços de dependência em relação aos antigos países colonizadores.
Atualmente, a principal economia da região é a Nigéria, que tem sua
base econômica assentada principalmente na exportação de commodities como
petróleo, carvão, e alumínio. A Nigéria está situada no Golfo da Guiné, região
que hoje é uma das principais produtoras de petróleo do mundo, situação que
aumenta o interesse externo na região. Os Estados Unidos, por exemplo, bus-
cam aqui uma maneira de diminuir sua dependência do petróleo do Oriente
Médio, contando ainda com a vantagem de a distância marítima ser muito
menor em relação àquela região. Por outro lado, a degradação ambiental que a
produção petrolífera causa na região é visível, e denúncias de derramamento e
mau-gerenciamento dos recursos ambientais pelas multinacionais estrangeiras
são frequentes.
A forte exploração de petróleo traz consigo maciços investimentos em
infraestrutura, sobretudo no tocante à infraestrutura necessária para o escoa-
mento da produção em direção ao litoral. Um dos projetos realizados foi o
Gasoduto Oeste-Africano, um gasoduto de 678 km, que contou com investimen-
tos do Banco Mundial, de multinacionais do setor, e também de uma empresa
petrolífera estatal nigeriana. Investimentos em infraestrutura energética
também fazem parte das atribuições do Banco de Investimento Regional da
ECOWAS (TALL, 2006).
A UDEAC, por sua vez, fora fundada para dar continuidade à União Aduaneira
Equatorial (UDE), constituída em 1959. Camarões ingressou na UDE em 1961,
e Guiné Equatorial entrou na UDEAC apenas em 1983. De acordo com dados de
2010, a população do bloco é de cerca de 36,7 milhões de habitantes, distribuí-
dos em uma área de cerca de 3 milhões de quilômetros quadrados e com uma
taxa de crescimento do PIB real de 4,08%. A relevância da CEMAC, diferente de
outros acordos regionais africanos, reside no seu papel em conduzir a política
monetária do franco CFA no território de seus Estados membros (CEMAC, 2012;
METZGER, 2008, p. 17).
Conforme consta em sua carta, os principais objetivos da CEMAC são: (i)
criar um mercado comum baseado na livre circulação de pessoas, de bens, de
capitais, e de serviços; (ii) assegurar uma gestão estável da moeda comum; (iii)
proteger o ambiente das atividades econômicas e de questões diversas; e (iv)
harmonizar as regulações das políticas setoriais. A instituição da CEMAC encar-
regada do estabelecimento do mercado comum é a União Econômica da África
Central (UEAC), ao mesmo tempo em que cabe à União Monetária da África
Central (UMAC) administrar a moeda comum. O principal órgão da UMAC é o
BEAC, Banco dos Estados da África Central (CEMAC, 2012).
A zona do franco CFA existe desde 1945 e, segundo Metzger (2008,
p._17), foi criada para proteger a moeda de alguns países africanos da desva-
lorização monetária francesa em relação ao dólar devido às disposições de
Bretton Woods. A partir de 1958, CFA deixou de significar “Colônias Francesas
da África” e passou a ser ”Comunidade Francesa da África”. Da sua criação até
1999, o franco CFA era indexado pelo franco francês e, a partir de então, pas-
sou a ser indexado pelo euro. Na primeira metade dos anos 90, a deterioração
econômica que precedeu uma profunda desvalorização do franco CFA levou
à formação de dois subgrupos com seus próprios Bancos Centrais em 1994:
a CEMAC e a União Econômica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA). A
partir dessa data, CFA passou a significar “Franco da Comunidade Financeira
Africana” para os membros da UEMOA e “Franco de Cooperação Financeira em
África Central” para os países da CEMAC. Muito embora haja tentativas recentes
para harmonizar e integrar as políticas monetárias dos dois subgrupos, ambos
pertencem a processos de integração diferentes. A CEMAC constitui grande
parte dos países-membros da CEEAC (Comunidade Econômica dos Estados da
África Central), enquanto todos os membros da UEMOA também participam
148 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
das. Nesse sentido, alguns instrumentos jurídicos foram criados para facilitar o
trânsito e harmonizar as taxas de utilização de estradas. Além disso, o “Pool de
Energia Elétrica para a África do Leste” é um projeto desenvolvido no âmbito
do COMESA, financiado pelo Banco Africano de Desenvolvimento, para ampliar
o acesso à energia elétrica na região. Na área de agricultura e segurança ali-
mentar, o COMESA já desenvolveu projetos para aumentar a produtividade dos
agricultores, melhorar a condição de vida do campesinato e resolver proble-
mas sobre questões sanitárias e fitossanitárias dos países do bloco. O Banco
Mundial, através do Programa Global para Agricultura e Segurança Alimentar
(GAFSP, do inglês), já aprovou fundos da ordem de 50 milhões de euros para
investimentos nos planos estratégicos de agricultura e segurança alimentar de
Ruanda, além de financiar projetos semelhantes em Burundi, Etiópia, e Malaui.
Em 2007, o Banco da ZPC financiou 128 milhões de dólares em investimen-
tos na região do COMESA e 156 milhões para promoção do comércio (UNIÃO
AFRICANA, 2011, p. 74; COMESA, 2012; GAFSP, 2012).
Muito embora o desenvolvimento institucional do COMESA tenha se dado
em um ritmo considerável, a efetiva integração econômica ainda deixa bastante
a desejar. O nível de comércio intrarregional do COMESA, no início dos anos
2000, ainda era inferior a 10%, sendo esse comércio praticamente dominado
por apenas alguns membros, como Quênia e Zimbábue (GEDA; KEBRET, 2007,
p. 363)8. Somente nos últimos anos, a importância comercial de Zâmbia e da
República de Maurício cresceu de uma maneira expressiva. Os produtos expor-
tados pelo bloco são, em sua maioria, produtos primários, como café, pérolas,
pedras preciosas e semipreciosas, tabaco, e outros. As mercadorias industriais
da região são vinculadas ao setor têxtil e não possuem grande participação
na pauta de exportação do bloco, sendo que apenas o Egito, a Suazilândia e a
República de Maurício possuem grande parte do seu PIB gerado pela indústria.
Do mesmo modo que o bloco é um grande exportador de produtos primários,
ele se constitui como um grande importador de produtos manufaturados e mais
intensivos em tecnologia, como medicamentos humanos e veterinários, equipa-
mentos de telecomunicação, motores, etc. (GEDA; KEBRET, 2007, p. 11; MEYN,
2005, p. 9).
Outras Comunidades Econômicas Regionais da África (RECs, sigla em
inglês) também enfrentam dificuldades para desenvolver sua integração eco-
nômica. Ainda assim, em 22 de outubro de 2008, representantes do COMESA,
Processos africanos de integração regional 151
AUTORIDADE INTERGOVERNAMENTAL
PARA O DESENVOLVIMENTO (IGAD)
A IGAD foi criada em 1996 para substituir a Autoridade Intergovernamental
para a Seca e o Desenvolvimento (IGADD), organização fundada em 1986 como
resposta à sequência de secas e outros desastres naturais que ocorreram entre
1974 e 1984 no nordeste africano. Em 1986, com apoio das Nações Unidas,
Djibuti, Etiópia, Quênia, Somália, Sudão, e Uganda estabeleceram a IGADD. Em
1993, após sua independência, Eritreia também aderiu à organização, totali-
zando sete Estados membros. Esses países compreendem a região do chamado
Chifre Africano, ou península Somali, que é a maior projeção leste da África e
é onde o estreito de Bab-el-Mandeb separa o continente africano do asiático. A
função da IGADD era, basicamente, promover a cooperação funcional nas áreas
de proteção ambiental, segurança alimentar, gestão de recursos naturais, e ges-
tão dos efeitos da seca, sem grandes pretensões securitárias. Apesar de possuir
alguns mecanismos inovadores para cumprir seu mandato, seu secretariado
tinha somente 12 profissionais, e o excesso de conflitos entre membros do
bloco dificultava o bom andamento das negociações para a integração (HEALY,
2011, p. 106-107; WELDESELLASSIE, 2011, p. 2).
Em 1991, o fim da guerra de três décadas entre Etiópia e Eritreia, com
a decorrente estabilização da região, foi um ponto decisivo para a retomada do
papel da então IGADD. Em 18 de abril de 1995, durante uma cúpula em Adis
Abeba, Etiópia, chefes de Estado e de governo acordaram em expandir o man-
Processos africanos de integração regional 153
PONTOS A DISCUTIR
1) Qual a importância dos processos de integração africanos para a inserção
internacional dos países da região e do continente como um todo?
2) De maneira geral, quais são os principais obstáculos à melhor efetivação da
integração africana no âmbito sub-regional e continental?
3) Qual o papel de potências regionais, como África do Sul para SADC e Nigéria
para ECOWAS, nos processos de integração da África?
Notas
¹ O Saara Ocidental é alvo de disputa territorial com o Reino do Marrocos. Enquanto o primeiro
reivindica sua independência sob o nome de República Árabe Saarauí Democrática, o Marrocos
mantém o território sob seu domínio.
² O Grupo de Monróvia era composto pelas ex-colônias francófonas mais Libéria, Serra Leoa,
Nigéria, Togo, Somália, Tunísia, Etiópia, e Líbia.
³ O Grupo de Casablanca era composto por Gana, Guiné Conacri, Mali, Marrocos, Egito, e Argélia.
4
Os membros eram Argélia, Burundi, Camarões, Republica Central Africana, Chade, Congo-
Brazzaville, Congo (Leopoldville), Egito, Etiópia, Gabão, Gana, Guiné, Costa do Marfim, Libéria,
Líbia, Madagascar, Mali, Mauritânia, Marrocos, Níger, Nigéria, Ruanda, Senegal, Serra Leoa, Somália,
Sudão, Togo, Tunísia, Uganda, Alto Volta (atual Burkina Faso), Tanganica e Zanzibar (os dois últimos
hoje formam a Tanzânia), em seus nomes na época.
5
Ver nota 1.
6
Estatísticas de 2010 do banco de dados do Banco Mundial. Disponível em: http://databank.
worldbank.org/. Último acesso: 16 nov. 2012.
7
Dados de estimativa para 2011 em paridade do poder de compra (PPC). Disponível em: https://
www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/ Último acesso: 4 fev. 2013.
8
Deve-se considerar que esses números não consideram trocas transfronteiriças informais.
9
O apartheid foi um regime segregacionista, que opôs a minoria branca sul-africana à maior parte
da população negra e de outras minorias do país até o ano de 1994. O regime também foi caracteri-
zado pelo alinhamento com o bloco capitalista no contexto da Guerra Fria, o que condicionou inter-
venções intermitentes da África do Sul contra vários de seus vizinhos, como Angola e Moçambique,
que ensejavam suas revoluções socialistas durante a década de 1970.
10
Esse direcionamento norte-sul do comércio, entre países desenvolvidos (em geral situados ao
norte do globo) e países em desenvolvimento (ao sul, como os países constituintes do bloco da
SADC) evidencia o forte papel dos produtos primários na pauta de exportações da SADC.
Referências
1. AFRICAN UNION. Profile: Arab Maghreb Union (AMU). Disponível em: http://www.africa-
union.org/Recs/AMUOverview.pdf. Último acesso: 18 nov. 2012.
2. BEHAR, A.; EDWARDS, L. How Integrated is SADC? Trends in intra-regional and extra-region-
al trade flows and policy. Disponível em: http://www.freit.org/WorkingPapers/Papers/Trade-
Patterns/FREIT289.pdf Último acesso: 16 nov. 2012.
Processos africanos de integração regional 159
23. MAZRUI, A. A. (Org.). Historia Geral da África VIII.: Àfrica desde 1935. Brasília:
Unesco, 2010.
24. MBEBE, F. R. A Arquitetura de segurança na África Austral (SADC) : surgimento e desenvol-
vimento de uma comunidade de segurança. 2000
25. METZGER, M. Regional Cooperation and Integration in Sub-Saharan Africa. Discussion Pa-
pers of United Nations Conference on Trade and Development, No. 189, set. 2008.
26. __________. Regional Cooperation and Integration in Sub-Saharan Africa. UNCTAD Discussion
Papers, 2008.
27. MEYN, M. The Progress of Economic Regionalisation in Southern Africa: Challenges for SADC
and COMESA. Vol. 5 Bremen: Namibian Economic Policy Research Unit Yearbook, 2005.
28. RUTHERFORD, O. Nkrumah’s Ghana and East Africa: pan-Africanism and African inter-state
relations. Londres: Associated University Press, 1992.
29. SADC. Overview of SADC. Disponível em: http://www.sadc.int/english/. Último acesso: 16
nov. 2012.
30. SADC TRIBUNAL. Overview. Disponível em: http://www.sadc-tribunal.org/. Último acesso:
16 nov. 2012.
31. TALL, T. B. ECOWAS Bank for Investment and Development. Disponível em: http://
r0.unctad.org/ghg/events/EnergySector2006/Thierno%20Bocar%20Tall.pdf. Último acesso:
16 nov. 2012.
32. TAYLOR, I. The International Relations of Sub-Saharan Africa. New York: The Continuum
International Publishing Group Inc, 2010.
33. UNIÃO AFRICANA. L’État de l’intégration en Afrique. Addis Ababa, jul. 2011. Disponível em:
http://au.int/en/dp/ea/sites/default/files/SIA_French.pdf. Último acesso: 14 nov. 2012.
34. __________. Site Oficial. http://www.au.int/.
35. UNITED NATIONS. Assessing Regional Integration in Africa II: Rationalizing Regional
Economic Communities. Economic Commission for Africa. Adis Abeba, 2006.
36. WAKEMAN-LINN, J. et al. The International Financial Crisis and Global Recession: Impact
on the CEMAC Region and Policy Considerations. Washington: International Monetary Fund,
2009.
37. WELDESELLASSIE, K. I. IGAD as an International Organization, Its Institutional Development
and Shortcomings. Journal Of African Law, Cambridge, p. 1-29. 1 abr. 2011.
38. WILLIANS, P. D. The African Union’s Peace Operations: a Comparative Analysis. African
Security, V-2, I-2 and 3, p. 97-118. 2009.
6
A ÁFRICA NO PÓS-GUERRA
FRIA: GEOPOLÍTICA E
“NOVOS” ATORES
Guilherme Ziebell de Oliveira, Isadora Loreto da Silveira &
Júlia Paludo1
1
Graduandos de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os
autores agradecem a revisão de Ana Júlia Posssamai e a colaboração da Profª. Analúcia Pereira.
A África no pós-Guerra Fria: geopolítica e “novos” atores 163
INTRODUÇÃO
O fim da Guerra Fria promoveu profundas transformações no sistema
internacional. Tais transformações se devem à configuração de novos espaços
de projeção internacional, assim como à redistribuição de poder, marcada pela
emergência de novos atores estatais importantes no cenário internacional. O
continente africano representa, nesse contexto, um importante espaço geoes-
tratégico nas relações internacionais contemporâneas. Ao mesmo tempo em
que as potências mundiais buscam criar zonas de influência no continente, as
elites políticas africanas, muitas vezes fragilizadas pelos problemas e conflitos
domésticos gerados pelo próprio processo ainda não consolidado em diversos
países de formação do Estado-nação, necessitam do apoio externo. Os interes-
ses africanos em torno da autonomia e do desenvolvimento têm sido, nesse
sentido, condicionados pelo movimento sistêmico de rivalidade ou cooperação
entre as principais potências desde a formação do sistema de Estados no con-
tinente.
Atualmente, pode-se perceber a atuação crescente de países emergen-
tes como China, Índia, Brasil, Rússia, assim como de potências como os
Estados Unidos e integrantes da União Europeia, notadamente a França, no
espaço africano, devido à capacidade de algumas regiões africanas em suprir
algumas demandas econômicas mundiais e à importância estratégica do conti-
nente africano no século XXI. A análise do padrão das relações desses países
com a África é, portanto, fundamental para a determinação das perspectivas
para o desenvolvimento africano, no quadro de interações marcadas algumas
vezes por fortes estruturas de dominação e com traços neocoloniais e outras,
por cooperação Sul-Sul e situações de ganhos mútuos e, ainda, relações com
diversas nuances entre os dois extremos. Portanto, em seguida trataremos das
relações entre o continente africano e parceiros tradicionais, como a França e
os EUA, e também dos vínculos com parceiros alternativos como China, Índia,
Rússia, Cuba, e países do Oriente Médio.
total entre os Estados Unidos e a África Subsaariana cresceu 51% entre 2009 e
2011, passando de US$ 62,4 bilhões em 2009 para US$ 94,3 bilhões em 2011.
Fatores externos, incluindo o aumento dos preços do petróleo e outros recur-
sos naturais, podem explicar, em parte, o crescimento dramático desse volume
de comércio. No entanto, observa-se que parte significativa desse comér-
cio é realizada com um pequeno número de países. Em 2011, cerca de 79%
das importações dos Estados Unidos da região vieram de três países: Nigéria
(47%), Angola (19%), e África do Sul (13%). As exportações, igualmente, foram
concentrados, tendo os mesmos três países recebido 68% delas: África do Sul
(34%), Nigéria (22%), e Angola (12%) (JONES; WILLIAMS, 2012). Além disso, a
Tabela 1 demonstra a grande importância do petróleo e dos recursos minerais
entre os produtos importados pelos EUA da África Subsaariana.
Essa relação – que tomou novo impulso a partir de 2000, com Vladimir
Putin na presidência – também se mostrou benéfica para os africanos. No plano
econômico, foi fundado o Conselho Empresarial Rússia-África em 2002, com a
participação de atores empresariais (públicos e privados) de setores como os
de petróleo, gás, finanças, e turismo. A Rússia investiu na África Subsaariana
cerca de US$ 1,5 bilhão em 2007, além de ter participado do Plano de Ação
Africano e da Nova Parceria para o Desenvolvimento Africano (NEPAD). A
cooperação também abrange a questão securitária, expressa no envio de solda-
dos a missões de paz, treinamento das Forças Armadas africanas e venda de
armamentos (FIDAN; ARAS, 2010). Nesse sentido, a complementaridade das
relações favorece a tendência de penetração russa no continente africano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O reposicionamento africano no sistema internacional é visível no
período pós-Guerra Fria, superando a marginalização no cenário mundial
sofrida pelo continente durante a década de 1990, devido à fragilidade gerada
pela crise dos anos 1980, pela instabilidade e irrupção de diversos conflitos,
e pela disseminação da AIDS, além da ocorrência de diversas epidemias. Há,
atualmente, um forte interesse em relação à África tanto entre atores tradicio-
nais, quanto entre novos parceiros, devido à sua importância como fornecedora
de recursos essenciais ao crescimento econômico e à sua renovada relevância
estratégica.
180 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
PONTOS A DISCUTIR
1) As relações franco-africanas e a permanência/ruptura neocolonial.
2) O novo ciclo de intervenção ocidental na África.
3) A África e os “novos” parceiros internacionais.
Notas
¹ O termo Françafrique, criado por Félix Houphouët-Boigny, foi cunhado com esse sentido por
François-Xavier Vershave, referindo-se à “[...] política franco-africana [...], que é uma caricatura de
neocolonialismo, é uma política extraordinariamente nociva.” (VISENTINI; OLIVEIRA, 2012, p. 36)
² Como foi o caso, por exemplo, do movimento independentista camaronês União dos Povos do
Camarões (UPC), liderado por Ruben Um Nyobé, que contava com o apoio da população na luta pela
independência e que foi eliminado, entre 1957 e 1970, pelo exército francês. Foram mortos, nesse
período, entre 100 mil e 400 mil camaroneses.
³ Nesse período, diversos líderes de países africanos que haviam sido eleitos legitimamente por
seus povos e que se opunham aos interesses franceses foram mortos nas mais diversas situações,
contando sempre com o apoio francês. Entre esses, podemos citar os casos de Sylvanus Olympio,
no Togo – morto em 1963, durante um golpe perpetrado por quatro sargentos franco-togoleses –, e
de Barthélémy Boganda, na República Centro Africana – que lutava contra os abusos da exploração
colonial e pela emancipação total dos homens negros e que morreu em 1959 em um acidente de
avião bastante misterioso (PESNOT, 2008).
A África no pós-Guerra Fria: geopolítica e “novos” atores 181
4
Uma das cláusulas do acordo que estabeleceu a criação da Comunidade e a utilização do Franco
CFA obriga os países africanos que utilizam a moeda a depositarem ao menos 65% de suas reservas
estrangeiras no Tesouro francês (NOURY, 2010).
5
Do original em francês.
6
Podemos citar, entre eles, Mobuto Sese Seko, da República Democrática do Congo, Étienne
Eyadéma Gnassingbé, do Togo, e Moussa Traoré, do Mali, entre outros.
7
Programas de Ajuste Estrutural eram políticas impostas pelo Banco Mundial e pelo Fundo
Monetário Internacional (FMI) aos países que buscavam novos empréstimos junto a essas insti-
tuições.
8
Segundo Verschave (2004), isso se repetiu mais de cinquenta vezes entre 1991 e 2003, em países
como o Togo, o Camarões, a República do Congo, o Gabão, o Djibuti, e a Mauritânia, entre outros.
9
Ainda que tutsis e hutus (as duas etnias que compõe o país) compartilhassem, há muitos séculos, o
mesmo território, falassem o mesmo idioma e praticassem a mesma religião (PESNOT, 2008) (para
mais informações a respeito do genocídio de Ruanda, consultar o estudo de caso do capítulo 4).
10
A doutrina foi chamada RECAMP (Reforço das Capacidades Africanas de Manutenção da Paz).
Através dela, a França apoiou o envio de tropas africanas para a prevenção e resolução de conflitos
na República Centro Africana (1997-1999), na Guiné Bissau (1999), e na Costa do Marfim (2003),
sendo ainda responsável pelo fornecimento de material e de treinamento militar para essas tropas
(MÉDARD, 2008).
11
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é uma aliança militar intergovernamental,
criada em 1949 e integrada por Albânia, Alemanha, Bélgica, Bulgária, Canadá, Croácia, Dinamarca,
Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, França, Grécia, Hungria, Islândia, Itália,
Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido, República
Checa, Romênia, e Turquia.
12
Conflito armado no qual dois países se utilizam de terceiros como substitutos, de forma a não
lutarem diretamente entre si. Esse tipo de guerra foi muito comum durante a Guerra Fria.
13
Tipo de realismo político, de acordo com o qual a política exterior é baseada em avaliações de
poder e interesse nacional.
14
Iniciativa militar desencadeada pelos EUA a partir dos ataques de 11 de setembro como parte de
uma estratégia global de combate ao terrorismo.
15
Conflito armado na região de Darfur, no oeste do Sudão, que teve início em 2003.
16
Ameaças assimétricas implicam combatentes cujas capacidades militares, estratégias ou táticas
diferem significativamente.
17
O Sistema Harmonizado de Tarifas dos EUA classifica um bem baseado em seu nome, uso e/ou
material utilizado na sua produção e lhe atribui um número de dez dígitos.
18
Alega-se que a cooperação chinesa com o continente africano tem a contrapartida da One China
Policy, ou seja, o reconhecimento da República Popular da China em detrimento a Taiwan (República
da China) (VISENTINI; OLIVEIRA, 2012).
19
A China está entre os dez maiores contribuintes financeiros e é o décimo quinto maior fornece-
dor de pessoal para as Operações de Paz da ONU, participando de todas as seis existentes na África
(BRIC, 2011).
20
Para mais informações acerca da África do Sul, leia o apêndice do livro.
21
Organização fundada com o objetivo de superar os vestígios de colonialismo e do apartheid,
promover unidade e solidariedade entre os africanos, resguardar a soberania e a integridade ter-
ritorial, e fomentar a cooperação. Sua parceria com a Índia é institucionalizada em conferências,
cúpulas, e parcerias.
182 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
22
Associação entre duas empresas para a realização de alguma atividade por tempo limitado. No
caso das relações entre Índia e África, essa associação é interessante na medida em que facilita a
transferência de tecnologia para as empresas africanas.
23
Termo utilizado para expressar a modernização de técnicas agrícolas e a invenção de novas
sementes a fim de aumentar a produtividade no campo. Na Índia, ocorreu na década de 60.
24
Organização criada em 1960 com o objetivo de unificar a política petrolífera dos países mem-
bros a fim de controlar a produção e, consequentemente, o preço. Fazem parte da organização paí-
ses tanto do Oriente Médio (Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Iraque, Kuwait, e Catar)
quanto da África (Angola, Argélia, Líbia, e Nigéria), além de Equador e Venezuela.
25
Movimento Popular de Libertação de Angola, de inspiração marxista-leninista, apoiado pela
União Soviética. Disputava o poder com a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e com
a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), que contavam com o apoio dos
Estados Unidos e da África do Sul, entre outros (VIZENTINI, 2007).
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27. VIZENTINI, P. G. F.; RIBEIRO, L. D.; PEREIRA, A. D. Breve História da África. Porto Alegre:
Leitura XXI, 2007.
7
AS INFLUÊNCIAS DA ÁFRICA
NA FORMAÇÃO
SOCIOCULTURAL DO BRASIL
Diogo Ives, Joana Oliveira & Luísa Saraiva1
1
Graduandos de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os
autores agradecem a revisão de Sílvia Sebben e a colaboração do Prof. Karl Monsma e da Profª.
Luciana Prass.
As influências da África na formação sociocultural do Brasil 187
INTRODUÇÃO
A conquista portuguesa, a população indígena, a escravidão, as imi-
grações, todas contribuíram para a configuração da população brasileira.
Atualmente com mais de 190 milhões de pessoas, o Brasil é composto por
7,61% de autodeclarados negros, 43,13% pardos e 47,73% brancos, além de
amarelos e indígenas1. A composição multicultural, entretanto, foi e continua
sendo palco de complexos conflitos sociais. Propomo-nos neste capítulo a anali-
sar a influência cultural dos brasileiros descendentes de africanos na formação
cultural do Brasil, bem como o conflito social de integração pelo qual passaram
ao longo da história brasileira.
RAÇA E ETNICIDADE
“Se a brutalidade e a crueza do racismo norte-americano prova-
ram ser sua maior fraqueza, então, ao inverso, a flexibilidade e
a sutileza do racismo brasileiro provaram ser sua maior força. A
indignação moral contra a desigualdade racial é muito mais difícil
de ser gerada em um país onde a discriminação assenta-se sobre
formas silenciosas e, às vezes, inconsistentes, tornando difícil
identificá-la e transformá-la em ação política.” (ANDREWS, 1985,
p. 55).
A ideia do Brasil como “paraíso racial” ou como país sem racismo por
vezes permeia o imaginário de muitos cidadãos. Infelizmente, a integração da
população negra enfrenta grandes desafios e deve ser analisada em maior pro-
fundidade.
Anterior à revisão histórica dessa integração é necessário um esclareci-
mento sobre a utilização dos termos “raça” e “etnicidade”. São extensas as dis-
cussões sobre sua diferenciação e validade. Peter Wade (2000, p. 11) afirma
que esses não são termos que têm referentes fixos e tampouco se referem de
“maneira neutra a uma realidade transparente”. Seriam eles construções sociais
“parciais, instáveis, contextuais e fragmentárias” (WADE, 2000, p. 28). Por seu
turno Guimarães (2002, p. 10) acrescenta que “a constante recriação de raças,
gêneros e etnias continua sendo um dos meios mais eficientes de gerar explo-
ração econômica”.
O desmantelamento do racismo científico2 no século XX tem forte indí-
cio nas declarações da UNESCO no pós Segunda Guerra Mundial, em que se
afirmava que os humanos são fundamentalmente iguais e que as diferenças de
188 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
aparência não passam disso, não indicando diferenças essenciais (WADE, 2000,
p. 20). Ou seja, passa-se a entender que, pelo menos em respeito à biologia,
“raças” não existem: não há distinções na raça humana que possam ser classi-
ficadas com critérios científicos. Elas existem, contudo, no mundo social e pos-
suem efeitos bastante expressivos.
Portanto, há um consenso de que a ideia de “raça” é uma construção
social. Wade (2000) ainda acrescenta que o termo “negro” tampouco tem um
referente fixo, simples ou único; seu significado varia de acordo com o contexto
social em que está inserido. Como exemplo, o autor cita estudos latino-ameri-
canos que mostraram que uma mesma pessoa vestida de maneiras diferentes
pode ser identificada como pertencendo a diferentes tons de uma escala entre
negro e branco. Isto é, a identificação vai além do fenótipo. Ao mesmo tempo,
outros estudos apontam que por vezes se utilizam como equivalentes os termos
“negro” e “pobre”, ou seja, existe uma relação com o status econômico3. Dessa
forma, para Wade (2000, p. 49), ”negro” é uma categoria com aspectos raciais
e étnicos.
O termo “etnicidade”, o qual é utilizado com frequência para substituir
“raça”, também deve ser entendido como uma construção social para identifi-
cações de diferença e igualdade, assim como raça, gênero, e classe. A diferença
entre esse termo e “raça” estaria em que etnicidade se refere a diferenças cul-
turais, com um enfoque na identificação de lugar, enquanto raça a diferenças
fenotípicas (WADE, 2000, p. 24). Vale mencionar que essa distinção não pode
ser vista como extrema, mas deve ser considerada para fins de estudo do tema.
Assim, Wade (2000, p. 129) afirma que “as identidades raciais e étnicas devem
ser consideradas agora em um contexto nacional e global, como construções
mutantes, descentralizadas e relacionais, sujeitas a uma política de identidade,
cultura e diferença que engloba o gênero, a sexualidade, a religião, e outras
expressões culturais”.
aqueles cujo trabalho produziu a nação brasileira. Essa ideia trazia o negro
como parte integrante do povo brasileiro (GUIMARÃES, 2004a).
Esse primeiro modo de integração se inseriu em um período, entre a
abolição da escravatura e os anos 1930, em que o Brasil viveu certa estagnação
econômica e social. Tal contexto pode ser apresentado como influente na con-
solidação do modelo de “embranquecimento” como hegemônico, limitando os
meios de inclusão social da população negra como a mobilidade social coletiva
e a arregimentação política.
Um segundo modo de integração ganharia importância a meados do
século XX. Nesse, a mobilização política e o cultivo da identidade racial pas-
saram a ser privilegiados. Formaram-se, por exemplo, os jornais Liberdade
e Clarim em São Paulo, nos anos 1920, e em 1931 foi criada a Frente Negra
Brasileira (GUIMARÃES, 2004a; DOMINGUES, 2007). Inicialmente com caráter
de movimento social, presente em diversos estados brasileiros e com número
de afiliados superior a 20 mil pessoas, o grupo se transformou em partido polí-
tico em 1936 até ser extinto no ano seguinte, assim como todas as organizações
políticas, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas.
Um pouco anterior aos anos 1940, Gilberto Freye revolucionou o enten-
dimento da integração da população negra e mesmo do racismo brasileiro ao
chamar de “democracia social e étnica” a alma nacional, a qual seria oriunda
da “velha, colonial e mestiça cultura luso-brasileira nordestina” (GUIMARÃES,
2004b, p. 12). Nos anos 1940, baseada nos escritos políticos de Freyre, ganhou
força a ideia de “democracia racial5”, a qual mais tarde receberia o adjetivo de
“mito”. Essa ideologia, desenvolvida inicialmente por intelectuais brancos como
Freyre e Arthur Ramos, ganhou apoio de intelectuais negros preocupados com
a bandeira antirracista. O envolvimento desse último grupo acabou por influen-
ciar sua conformação, agregando ideais de igualdade política e cultural, bem
como ampliação de liberdades civis (GUIMARÃES, 2004a; GUIMARÃES, 2004b).
A “democracia racial” convergia compromissos dos âmbitos material e
simbólico. Primeiramente, ocorreu a ampliação do mercado de trabalho urbano,
incorporando grande contingente de indivíduos negros e pardos. Essa incor-
poração foi institucionalizada, como através da lei de Amparo ao Trabalhador
Brasileiro Nato, de 1931. Pelo âmbito simbólico, a ideia modernista de uma
nação mestiça ajudou o reconhecimento de manifestações artísticas e folcló-
ricas da população negra como “cultura afro-brasileira” (GUIMARÃES, 2006).
As influências da África na formação sociocultural do Brasil 191
RELIGIÃO
Assim como o aspecto linguístico, a formação religiosa do Brasil também
foi fortemente influenciada pelas culturas africanas. De acordo com Rodrigues,
as práticas religiosas transmitidas dos negros aos seus descendentes são a ins-
tituição que se manteve mais preservada no Brasil. Os dados estatísticos contri-
buem para comprovar esse argumento, pois, no ano de 2010, os praticantes de
religiões afro-brasileiras representavam uma população de 588.797 pessoas8.
Essas religiões afro-brasileiras têm como origem as práticas religiosas trazidas
pelos escravos africanos e recriadas no Brasil, onde foram influenciadas pelos
costumes locais, que na época derivavam do catolicismo. Destacaram-se na for-
mação dessas religiões afro-brasileiras os negros das etnias nagôs (iorubas) e
jejes (ewes), que possuíam práticas religiosas mais desenvolvidas em compara-
ção aos demais grupos étnicos e que originaram o candomblé (com suas dife-
renciações regionais) e a umbanda.
As práticas religiosas dessas etnias africanas se baseavam no animismo,
que de acordo com Edward Tylor (2010) é a crença na qual seres da natureza
(plantas e animais), elementos inanimados e fenômenos naturais possuem
essência espiritual. Ademais, as práticas religiosas desses grupos também pos-
suíam uma estrutura hierárquica de membros e um sacerdócio, que foram man-
tidos pelo candomblé.
O candomblé é umas das principais religiões afro-brasileiras, sendo pra-
ticada em todo o território brasileiro e também em outros países. É uma religião
de crença monoteísta, na qual o Deus único adorado varia conforme a nação do
candomblé a qual se participa. Essas nações nas quais a religião se subdivide
são resultado da sua difusão para as diferentes regiões do país. Além disso, os
contatos estabelecidos no Brasil entre as religiões dos diferentes grupos com
198 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
foi resultante de uma relação entre essas múltiplas crenças de origem africana
e das crenças locais (o catolicismo).
Outra religião afro-brasileira que merece destaque é a umbanda, que
se desenvolveu em um contexto histórico e social diferente do candomblé. A
umbanda se originou no Sudeste brasileiro no século XX, como resultado da
mescla entre o candomblé proveniente da Bahia, de origem africana, e o espi-
ritismo kardecista10, de origem francesa (OLIVEIRA, 2010). A umbanda, assim
como o candomblé, apresenta o sincretismo com a religião católica e espírita;
no entanto, em um grau mais elevado. O elemento brasileiro introduzido às
crenças de origem africana é representado pelas tradições católicas e espíritas
brasileiras, como rezas, devoções, e valores religiosos11.
Além das suas contribuições na língua e na religião, as tradições afri-
canas influenciaram outras manifestações culturais no Brasil. Suas influências
também são notáveis em outras áreas, como a música, onde contribuíram para
a formação do samba e de uma identidade cultural brasileira.
pado por uma pessoa, até que essa designasse, através de uma umbigada, um
participante do sexo oposto para substituí-la no meio. Todos os participantes
batiam palmas e cantavam um curto refrão, intermediado por improvisos de
um solista. Os acompanhamentos instrumentais cabiam ao pandeiro, ao prato-
-e-faca e à viola (SANDRONI, 2001).
Um movimento de internacionalização da música africana foi regis-
trado ao longo do século XIX. Testemunhos do samba, entendido como “dança
de umbigada”, foram descritos em diversos pontos do continente americano
devido à disseminação da mão de obra negra. A primeira descrição impressa
no Brasil foi feita no jornal pernambucano O Carapuceiro, em 1838. A dança era
recorrente entre os escravos do Nordeste, especialmente na Bahia. Nessa época,
as classes altas demonstravam um recalque diante da cultura negra. A música
africana tinha um ritmo que se definia pela síncope, forma musical diferente
da métrica europeia, à qual a elite brasileira estava acostumada, de modo que
essa tinha uma predisposição cognitiva de rejeitar o que divergia do seu padrão
cultural. Entretanto, mais forte para a rejeição era a motivação social, uma vez
que o ritmo diferente remetia aos escravos, o que repassava à música a mesma
qualidade inferior com que esses eram tratados (SANDRONI, 2001).
Não obstante o repúdio afirmado contra a cultura musical africana, a elite
brasileira a abraçaria de forma gradual. Esse processo começou anteriormente
ao samba. A modinha brasileira, famosa no país desde o início do século XIX,
era uma música com influência africana. Inventada principalmente por mulatos
das camadas populares, correspondia a um estilo autêntico em face das modas,
ou canções líricas, portuguesas. As modinhas brasileiras privilegiavam temas
amorosos – sendo mais explícitas em sua libidinagem do que as versões portu-
guesas – e eram acompanhadas por violão ou bandolim. Elas faziam sucesso na
corte de Dom Pedro I (VIANNA, 1995).
O lundu também ganhou aceitação da classe alta durante o século XIX.
Tratava-se inicialmente de uma dança sem cantoria, que fora trazida pelos
escravos de Angola e do Congo. Fazia grande sucesso nas camadas populares.
A partir da década de 1830, quando tem início a impressão musical no Brasil,
o lundu se tornou um gênero de salão, ouvido pela elite. As canções passaram
a ter versos, criados por gente branca e mestiça dos principais centros urba-
nos. As letras do lundu elitizado remetiam ao mundo afro-brasileiro em um
sentido cômico, em vez de mostrarem o duro cotidiano do trabalho escravo.
As influências da África na formação sociocultural do Brasil 201
Faziam referência ao negro que dançava e que entretinha seus senhores bran-
cos. Geralmente havia um duplo sentido sexual relacionado às mulatas e negras.
Segundo Mário de Andrade, através desse recurso da graça, o lundu foi o pri-
meiro traço cultural que venceu a impermeabilidade da sociedade branca em
relação à cultura negra (SANDRONI, 2001).
“O lundu (...) é a primeira forma musical afro-negra que se dis-
semina por todas as classes brasileiras e se torna música ‘nacio-
nal’ (...). A comicidade (...) era o disfarce psicossocial que permi-
tia a difusão [do lundu] nas classes dominantes (...) [e] retirava
qualquer dor e qualquer drama [do negro]” (ANDRADE apud
SANDRONI, 2001, p. 53-54).
No novo estilo, o samba deixava de ser feito com instrumentos europeus para
ser tocado apenas com instrumentos de origem africana ou inventados no
Brasil (SANDRONI, 2001).
O contexto coreográfico do final dos anos 1920 também havia se alterado
em relação ao início do século, o que exigia um novo ritmo ao samba. A roda do
“samba de umbiguada” havia dado lugar ao bloco de rua, no qual todos dan-
çavam ao mesmo tempo. O ritmo do Estácio, mais batucado e marchado, res-
pondia à nova demanda de dança, enquanto o samba carioca da primeira fase
tinha um ritmo dançante mais adequado a um salão. O lugar social privilegiado
para fazer o samba se transferia da casa da “tia baiana” para o botequim, onde
a quantidade de pessoas em contato com a música era muito maior. A esse novo
estilo, também se associou a figura do malandro, isto é, o sambista que, amante
do botequim, das festas e das orgias, se esquiva do mundo do trabalho para
cantar. Do primeiro tipo do samba carioca, enfim, só restou a figura da baiana
nos desfiles de carnaval (SANDRONI, 2001).
Os blocos de rua foram os antecessores das escolas de samba. Reuniam,
como hoje, grupos de carnavalescos do mesmo bairro, que cantavam e desfila-
vam em torno de um estandarte. No início da década de 30, os jornais cariocas
anunciavam os primeiros desfiles de escolas de samba como algo misterioso,
principalmente pela exibição de instrumentos que raramente sabiam identifi-
car. Tais instrumentos eram conhecidos apenas pelo povo negro que ocupava
os subúrbios e as favelas do Rio de Janeiro. Nos primeiros desfiles, feitos a par-
tir de 1932, na Praça Onze, raramente as escolas tinham mais de cem integran-
tes. A bateria tocava com cerca de dez ritmistas. À medida que os contingentes
aumentaram, foram introduzidos novos instrumentos musicais, como o agogô
(vindo do candomblé), o surdo (criação da primeira escola de samba, a Deixa
Falar, do bairro do Estácio), a caixa, os pratos, o tamborim, o ganzá, o reco-reco,
a cuíca, o apito, e os atabaques (CABRAL, 1991).
A primeira gravação do samba da segunda fase foi feita em 1929, quando
o Bando de Tangarás, integrado por jovens de classe média do bairro Vila
Isabel (Noel Rosa, João de Barro, Henrique Brito, e Álvaro Miranda), gravou Na
Pavuna, de Almirante e Candoca da Anunciação. O grupo, que queria imitar o
som ouvido no Estácio, alcançou grande sucesso no carnaval de 1930. Apesar
de as gravações feitas pela classe média urbanizada tentarem imitar o som dos
morros, os sambas “lá de cima” eram diferentes. No morro do Estácio, cantava-
As influências da África na formação sociocultural do Brasil 205
CONCLUSÃO
A vinda de escravos africanos no período colonial deixou legados perma-
nentes na construção da nação brasileira. A mão de obra que produziu grande
parte da riqueza econômica nacional ao longo de séculos também foi responsá-
vel por influenciar a música que é ouvida, o vocabulário que é usado e as reli-
giões que são praticadas no Brasil de hoje. A cultura negra se somou às influên-
cias de outros povos e está presente no cotidiano de qualquer brasileiro. Ainda
assim, os africanos e seus descendentes enfrentaram uma desvalorização social
que não faz jus ao seu importante papel histórico. Séculos marcados pelo domí-
nio da “civilização branca” na economia, na política e na cultura moldaram um
pensamento, ainda presente, que inferioriza e marginaliza o negro.
Uma barreira social tão arraigada demora a ser derrubada. O processo
se iniciou recentemente, no século passado. Intelectuais começaram a inverter
o desprestígio do negro, a evolução da ciência desmentiu a teoria do determi-
nismo racial, e a população afrodescendente conquistou espaço na imprensa
e na política. Nos últimos anos, iniciativas governamentais buscaram acelerar
a inclusão social dos “não brancos”, maioria no Brasil atualmente. As medidas
incitaram um amplo debate sobre a posição do negro na sociedade, gerando
controvérsias e reações que são naturais na tentativa de modificar um padrão
civilizacional. A discussão está posta e convida cada brasileiro à reflexão. Hoje,
expressões que tratam o Brasil como “o país da diversidade” e da “democracia
racial” mascaram uma realidade de desigualdade e preconceito; porém, servem
como ideais a serem perseguidos em nome da justiça social.
PONTOS A DISCUTIR
1) O samba é genericamente tratado como um elemento da identidade brasi-
leira, porém ainda há controvérsias e preconceitos na sociedade em relação
ao gênero. O samba se consolidou de fato como música nacional?
2) Em que aspectos o samba sofreu influência da cultura trazida pelos escravos?
Como essa cultura foi recebida pela elite?
3) Em que aspecto consiste a brasilidade das religiões afro-brasileiras?
4) Em quais dimensões as línguas africanas influenciaram na formação do por-
tuguês brasileiro?
As influências da África na formação sociocultural do Brasil 207
Notas
¹ Dados do Censo nacional de 2000 (IBGE). Disponível em: http://www.ibge.gov.br/english/esta-
tistica/populacao/censo2010/caracteristicas_da_populacao/tabelas_pdf/tab3.pdf. Último acesso:
17 dez. 2012.
² No século XII, teorias buscavam explicar diferenças e superioridade racial, como a de Conde
Arthur de Gobineau, intitulada Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas. Teorias biológicas
identificavam negros e indígenas com status inferior permanente, bem como mestiços como seres
degenerados.
³ O importante estudo de “classes” entre as construções sociais foi a principal corrente por muitos
anos e permanece gerando um grande interesse, no sentido, por exemplo, de que muitos dos movi-
mentos sociais atuais incluem de alguma forma objetivos materiais. Contudo, a categoria de classe
e o intenso debate que ela suscita vão além do esforço de estudo deste capítulo. Assim, enfocaremos
a revisão histórica a partir da categoria “raça”.
4
O racismo brasileiro, contudo, não pode ser interpretado simplesmente como reacionário a essa
igualdade formal entre todos os brasileiros. Guimarães (2004b, p. 11) ressalta que o racismo tam-
bém se origina da reação de elites brasileiras às desigualdades regionais, inseridas no processo de
decadência do período açucareiro e prosperidade da cafeicultura.
5
Para estudo compreensivo sobre “democracia racial” – GUIMARÃES, 2006.
6
Cabe mencionar o apontamento de Domingues (2007, p. 115) sobre a adoção pelo MNU do termo
“negro”, sem conotação pejorativa, como para designar com orgulho todos os descendentes de afri-
canos no país. Esse foi um grande estímulo para a identificação do grupo e para a proscrição da
expressão “homem de cor”, amplamente utilizada naquele momento.
7
Para estudo sobre movimento negro brasileiro – DOMINGUES, 2007.
8
Dados do Censo 2010.
9
Sincretismo é a tentativa de conciliar doutrinas religiosas ou filosóficas distintas.
10
Doutrina espírita codificada por Allan Kardec que acredita na evolução moral do homem e na
comunicação com o plano espiritual.
11
Para estudo compreensivo sobre “religiões afro-brasileiras” – OLIVEIRA, 2010.
Referências
1. ANDREWS, G. R. O negro no Brasil e nos Estados Unidos. Lua Nova, São Paulo, v. 2, n. 1,
jun. 1985. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
64451985000200013&lng=en&nrm=iso. Último acesso: 13 dez. 2012.
2. BONVINI, E. Portugais du Brésil et langues africaines. Langages, 1998, n° 130, p. 68-83.
3. CABRAL, S. Breve história do samba. In: SALAZAR, M. Batucadas de samba: como tocar samba.
Rio de Janeiro: Lumiar Ed., 1991. p. 8-16.
4. DOMINGUES, P. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo,
Niterói, v. 12, n. 23, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1413-77042007000200007&lng=en&nrm=iso. Último acesso: 10 dez. 2012.
5. FERNANDES, J. R. O. Ensino de história e diversidade cultural: desafios e possibilidade.
Caderno Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 378-388, set./dez. 2005. Disponível em: http://
www.cedes.unicamp.br Último acesso: 27 dez. 2012.
6. FREYRE, G. Aspectos da influência africana no Brasil. Cultura – MEC, Brasília: v. 23, n.6, p. 6-19,
out./dez. 1976.
208 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
Os perfis a seguir têm por objetivo trazer informações sobre o continente afri-
cano, com vistas a dar suporte para o estudo de suas especificidades em rela-
ção às demais regiões do globo. Para tanto, buscamos refletir sobre algumas
questões, como: até que ponto o discurso ocidental sobre os direitos huma-
nos, liberdade e democracia é um fim em si, e em que circunstâncias ele pode
ser usado como um instrumento de dominação, e, portanto, como um meio
para atingir outros fins? Quais as consequências da insistência no processo
modernizador de padrão ocidental para a África? De que maneira o conti-
nente conseguirá uma posição de maior visibilidade no âmbito internacional
que não seja meramente em função dos interesses das grandes potências nos
seus recursos naturais? Que posição adotar frente aos dilemas religiosos que
afetam as sociedades e os Estados africanos e que provocam disputas entre
os que defendem a moder-nização secular do Estado e aqueles que profes-
sam sua inclinação religiosa? Essas perguntas, que não temos a pretensão de
responder, devem ser minuciosamente analisadas sob uma perspectiva crítica
e consciente a fim de evitar reducionismos e banalizações.
1
Graduandas de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. As
autoras agradecem a revisão de Sílvia Sebben.
Apêndice: países africanos 211
ÁFRICA DO SUL
Em seu largo território, a África do Sul apresenta uma diversidade de
paisagens naturais. Sua população de quase 50 milhões de habitantes é majo-
ritariamente negra (79%), e há também diversos grupos étnicos: nguni, sotho-
-tswana, venda, e khoisan são os principais, tendo os dois primeiros maior
densidade populacional. Convém acrescentar, ainda, a diversidade linguística
do país: a constituição reconhece 11 idiomas oficiais, entre eles o africâner e o
inglês (CIA, 2012; VISETINI, 2012).
É importante considerar a história do país antes da colonização europeia,
quando o sul do continente africano era habitado pelos grupos étnicos khoi-
san e bantu1. Do século XV até meados do século XVII, a região serviu apenas
de entreposto comercial para os navegantes europeus. A companhia marítima
holandesa foi pioneira em instalar uma feitoria na Cidade do Cabo, em 1652;
os holandeses que permaneceram na região passaram a se dedicar ao pas-
toreio e ficaram conhecidos como os boêrs, população que se expandiu e foi
ganhando espaço na região, com extermínio e escravização dos nativos (aqui já
se salientava a ideia de discriminação racial que pautaria o apartheid do século
XX). Assim, os boêrs passaram a criar sua própria identidade, desvinculada
da holandesa, a africâner (VISENTINI, 2012; VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA,
2007). Vale destacar o início da influência de povos de origem estrangeira para
a história sulafricana, principalmente para o Apartheid, posteriormente.
Durante as Guerras Napoleônicas, a Inglaterra invadiu o Cabo da Boa
Esperança e lá estabeleceu sua tradicional forma de domínio indireto, por meio
da elite local. Com a abolição da escravatura em 1888, um conflito que já per-
meava a competição entre os boêrs e os comerciantes ingleses ficou salientado,
uma vez que os primeiros necessitavam de escravos; resultado disso foi a explo-
ração do interior da região pelos boêrs, que fundaram a República de Transvaal
e o Estado Livre de Orange. Em seus territórios, na segunda metade do século
XIX, seriam encontrados diamantes e ouro, enriquecendo-os. A Guerra dos
Boêrs (1880-1881 e 1899-1902) envolveu justamente a competição pelos
recursos naturais existentes na área e foi vencida pelos britânicos (VISENTINI,
2012). Posteriormente, foi formada a União Sul-Africana, e, em sua constitui-
ção, já se estabeleciam algumas diretrizes que embasariam o apartheid (como
a proibição do voto e do direito à propriedade de terra aos negros africanos).
A partir de então, várias legislações segregacionistas foram implementadas,
212 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
cabendo destaque para o Native Land Act de 1913, que dividiu o território do
país em 93% para a minoria branca (10% da população) e 7% à maioria negra
(75% da população). Foi a partir de 1948, todavia, que o apartheid foi estabele-
cido, tendo o Partido Nacionalista, representante dos interesses dos africâners,
vencido as eleições com promessas de aprofundar a legislação racial.
Assim, o regime de discriminação institucionalizada surgiu; ele provia
enormes vantagens aos brancos, enquanto os negros conviviam com injus-
tiça, pobreza, falta de oportunidades, e restrições severas (proibição do voto,
do casamento inter-racial, etc.). Durante o período, como forma de responder
aos embargos econômicos que os países ocidentais e a ONU - sob a justifica-
tiva de defender os direitos humanos - declararam, a África do Sul expandiu
sua indústria através da estratégia de substituição de importações, nos setores
siderúrgico, químico, de minerais processados, energético, e, posteriormente,
de armamentos (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2007). A partir de 1950, o
Congresso Nacional Africano (CNA) liderou a oposição ao regime do apartheid.
Seu líder, Nelson Mandela, foi preso em 1963 (quando o partido já havia sido
declarado ilegal) e condenado à prisão perpétua. Como marco anterior a essa
previsão, destaca-se o Massacre de Sharpeville de 1960, quando a polícia ata-
cou civis negros que protestavam pacificamente, matando 69 pessoas. O ponto
de mudança foi a eleição de Frederik de Klerk (do Partido Nacionalista) para
presidente em 1989: ele anunciou a libertação de Mandela em 1990 e iniciou os
movimentos para acabar com o apartheid. O processo para o fim do apartheid
iniciou em 1991, quando Klerk revogou leis raciais; em 1993, Klerk e Mandela
ganharam o Nobel da Paz. Em 1994, Mandela foi eleito presidente, marcando
o fim do regime segregacionista. Jacob Zuma é o atual presidente da África do
sul, que hoje em dia é uma democracia parlamentarista e multiétnica (JANE’S,
2009; VISENTINI, 2012).
Cabe salientar a importância econômica da África do Sul para o conti-
nente africano e, especialmente, para sua região. Uma economia regional prós-
pera é central para sua política econômica externa, bem como sua inserção na
economia mundial. O país conta com uma boa infraestrutura interna, possui
abundantes recursos naturais em seu território e tem produção industrial e
mineral destacada no continente. Os serviços bancários, a mineração e a indús-
tria leve são os setores centrais do país. Vale acrescentar que o país gera a maior
parte da eletricidade do continente; sua estatal Eskom está entre as 10 maiores
Apêndice: países africanos 213
CABO VERDE
O Cabo Verde é um arquipélago de 10 ilhas, divido em municípios e fre-
guesias. O país é caracterizado pela mestiçagem da população, uma vez que a
região servia de entreposto comercial na época do tráfico de escravos, tendo a
maioria da população origem étnica europeia e bantu. A religião predominante
é o cristianismo. O país é pobre em recursos naturais, em razão de seu relevo
de origens vulcânicas; somado a isso, o seu isolamento geográfico aumenta sua
dependência em relação ao exterior, tanto em termos de empréstimos quanto
de importações (82% dos alimentos são importados). Apesar da fraqueza da
agricultura, a população é majoritariamente rural (70%). Enquanto isso, 76%
do PIB de Cabo Verde é concentrado em serviços (principalmente os públicos
e os voltados ao comércio, ao turismo, e ao transporte). Vale salientar, ainda, a
grande desigualdade econômica entre as ilhas que constituem o país. A polí-
tica econômica recente visa à diversificação da economia, através da atração
de investimento estrangeiro e do desenvolvimento do setor privado. A estabili-
214 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
dade e a ajuda externa culminaram nas suas taxas altas de crescimento verifica-
das desde a independência (VISENTINI, 2012; CIA, 2012).
Ao contrário da maioria dos países africanos, o Cabo Verde era desabi-
tado antes da colonização europeia. Os portugueses se instalaram no arquipé-
lago no século XV, aproveitando-se da localização geográfica privilegiada das
ilhas - no Oceano Atlântico próximo à costa ocidental da África - central para a
rota do tráfico de escravos. A colonização foi predatória, prejudicando a paisa-
gem natural do país e agravando a escassez de água, característica muito preo-
cupante presente até hoje. Os europeus cultivavam principalmente algodão,
cana-de-açúcar e frutas, destruindo a parte fértil do solo. As grandes secas sub-
sequentes causaram intensos fluxos de emigração para países da costa africana,
para os EUA e para o Brasil.
Em 1956 criou-se o PAIGC - Partido Africano para a Independência da
Guiné (Bissau) e de Cabo Verde, de orientação marxista, evidenciando uma
união pró-independência dos dois países. A independência foi precedida pelas
diversas guerrilhas na Guiné e a resistência no Cabo Verde. A queda do dita-
dor português Francisco Salazar, contudo, foi o que possibilitou a indepen-
dência. Após Portugal reconhecer a independência de Cabo Verde, o PAIGC foi
adotado como único partido legítimo. A partir daí, e apesar da manutenção
de relações com a URSS, o país manteve uma posição de não alinhamento. Em
1975, Aristides Pereira foi eleito presidente, e Pedro Pires, primeiro-ministro.
A Assembleia recém-estabelecida promulgou uma espécie de constituição que
tratou da organização política do Estado e que permaneceu em vigor até ser
escrita a real constituição em 1980. Em 1981, o PAIGC de Cabo Verde rompeu
com o PAIGC de Guiné, passando a se chamar PAICV (Partido Africano para a
Independência de Cabo Verde), ainda de orientação socialista (VISENTINI,
2012).
Depois da independência, o Cabo Verde era um dos países mais pobres da
África. O PAICV, a partir de 1982, iniciou uma série de reformas para o desenvol-
vimento do país, divididas em planos, centrados na reforma agrária, na infraes-
trutura e no estímulo a setores produtivos específicos. No início dos anos 1990,
houve a abertura política do país, a partir de uma alteração da Constituição, o
que fez o regime de partido único converter-se em multipartidário. Nas pró-
ximas eleições, o recém-criado Movimento para a Democracia (MpD) colocou
Apêndice: países africanos 215
EGITO
A República Árabe do Egito se situa em uma posição estratégica no
continente africano, estando em uma das principais rotas que ligam a África
ao Oriente Médio. Tal posição garante ao país influência tanto na região do
Mediterrâneo, quanto no Oriente Médio, o que faz com que seja um Estado
importante para os interesses dos países ocidentais. A economia dinâmica –
baseada no turismo, na exportação de gás e petróleo, e na mineração –, a par-
216 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
Menos de dez anos depois, a tentativa de reunir os Estados árabes, por meio da
luta comum contra o Estado de Israel, culminou na Guerra dos Seis Dias, em que
os Estados árabes não só foram incapazes de recuperar as regiões perdidas em
1948, como também tiveram seus territórios diminuídos pela ofensiva israe-
lense (BARNETT, 1992).
A política egípcia foi modificada quando da eleição de Anwar Al Sadat, o
qual deu início à política da Infitah2, cujo objetivo era encorajar os investimentos
privados, diminuindo o espaço do setor público. No governo de Sadat, o Egito
reconquistou parte da península de Sinai, a qual fora perdida na Guerra dos
Seis Dias e foi totalmente reapropriada mediante negociações diplomáticas.
Sadat ficou conhecido como o presidente que fez as pazes com Israel, o que
provocou a expulsão do Egito da Liga Árabe (criada em 1945) devido ao des-
contentamento com a aproximação do país com Israel.
A era do militar Hosni Mubarak iniciou no ano de 1981 e foi caracte-
rizada por uma autocracia sutil, em que o Estado era considerado secular e a
população possuía certa liberdade de expressão para se opor às políticas do
governo. As dificuldades econômicas desenvolvidas na era Mubarak, como a
estagnação da infraestrutura de transportes, o elevado nível de pobreza, e as
debilidades sociais, contribuíram para um elevado grau de fragilidade polí-
tica, que culminou, no ano de 2004, na criação do movimento de oposição ao
governo egípcio, chamado Movimento Kefaya, o qual reivindicava democracia e
recusava a sucessão hereditária de Mubarak. Além do Kefaya, Mubarak enfren-
tou a oposição política da Irmandade Muçulmana, movimento fundamentalista
islâmico que rejeitava as reformas seculares do governo do militar.
A fragilidade política do país provocou, em janeiro de 2011, os protes-
tos sociais que resultaram na derrocada de Mubarak da presidência egípcia. As
manifestações contrárias ao governo foram realizadas no Cairo, na Alexandria,
e em Suez e contavam com a participação de membros dos partidos de oposição
tradicionais, da Irmandade Muçulmana, e de grupos que clamavam por mais
democracia, liberdade, e direitos. A oposição era visivelmente heterogênea,
aglutinando grupos cujas reivindicações visavam a uma maior secularização
do Estado, ao passo que outros eram contrários à secularização existente no
governo Mubarak. Após a queda do presidente, uma junta militar assumiu o
poder, propondo um referendo constitucional e realizando eleições para o par-
lamento pela primeira vez desde a ascensão de Mubarak.
218 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
GUINÉ BISSAU
A Guiné-Bissau se localiza na África Ocidental, especificamente no
Golfo da Guiné, e faz fronteira com o Senegal e com a Guiné, sendo banhado
pelo Oceano Atlântico. É um país pequeno e muito pobre, que possui jazidas de
petróleo. A exploração petrolífera, contudo, tem tido obstáculos devido a insta-
bilidades internas e à indefinição quanto à posse das mesmas com os vizinhos
(principalmente com o Senegal), uma vez que estão em território marítimo.
Outras jazidas importantes são as de fosfato e bauxita. A pesca e a agricultura
são base da sua produção, o que caracteriza sua falta de modernização indus-
trial. A indústria existente é basicamente de processamento de alimentos. Vale
salientar a importância das doações estrangeiras para o país, que chegam a
representar 30% do PIB. A população é de grande diversidade étnica e é divi-
dida entre 50% de muçulmanos, 40% de religiões animistas, e 10% de cristia-
nismo (VISENTINI, 2012; CIA, 2012). Essas divisões religiosas são caracterís-
tica relevante em diversos países africanos e trazem tensões; a causa dessas
divisões internas é a colonização europeia, que uniu territorialmente, em paí-
ses, populações com diferenças étnico-religiosas marcantes. Convém acrescen-
tar, ainda, que a localização do país coloca-o na rota do tráfico de drogas entre
a América do Sul e a Europa (atividade econômica lucrativa, embora ilícita, que
traz rendas para o país). Esse é o desafio que permeia toda a região da África
Ocidental. Entre todos os países da área, todavia, Guiné Bissau é considerado o
país mais afetado pelo tráfico e pela proliferação de redes criminosas ligadas
a ele. O contrabando de armas está relacionado com essas questões e tem
Apêndice: países africanos 219
LÍBIA
A República da Líbia foi palco, em 2011, das movimentações conhecidas
como Primavera Árabe4. Para compreender esses acontecimentos, no entanto,
deve-se ter em mente os elementos históricos, sociológicos, econômicos e polí-
ticos que estão na origem desse processo.
Após ser colonizada durante todo o século XIX pelos turco-otomanos
e, no inicio do século XX, pelos italianos, a Líbia conquistou a independência
política, instaurando em 1951 um regime monárquico. O reconhecimento da
independência por parte dos países centrais lhe rendeu por uma década e meia
uma condição de dependência em relação a essas nações, em especial, ao Reino
Unido e aos EUA. Em meados de 1960, descobertas de reservas abundantes de
petróleo transformaram o país no mais rico Estado do continente. É nesse con-
texto que se dá a ascensão de Muammar al-Gaddafi, em 1969, quando um con-
selho revolucionário depõe a monarquia, instaurando a república. O governo de
Gaddafi desde o início foi centralizado, mas sustentado em ideias progressistas
de combate ao racismo e ao neocolonialismo. Tais concepções foram sintetiza-
das no Livro Verde, em que Gaddafi expõe suas visões acerca da democracia,
dos problemas econômicos e da estrutura social necessária à constituição de
Apêndice: países africanos 221
MALI
Situado na região do Sahel africano, o Mali é um país de grande diver-
sidade étnica e pouca diversidade religiosa. De uma população de quase 16
milhões de pessoas, 90% são muçulmanos, 9% seguem religiões nativas, e ape-
Apêndice: países africanos 223
NIGÉRIA
A Nigéria se localiza no oeste da África, na costa do Golfo da Guiné, é o
país mais populoso da África e possui 250 etnias diferentes, com concentra-
ção populacional nas três seguintes: Hausa-Fulani (29%), Yoruba (21%), e Igbo
(18%). Ela é, ainda, grande exportador de produtos primários e o país que mais
produz petróleo no continente. Possui grandes redes hidrográficas – com des-
taque para o Níger e seu afluente Benue. Na região sul, a mais povoada, estão
localizados os principais rios e as reservas de petróleo. A economia nigeriana
é muito dependente desse óleo, sofrendo fortes abalos com as flutuações no
preço dos combustíveis fósseis. A agricultura do país não é bem desenvolvida;
portanto, importações de gêneros alimentícios são fundamentais (VISENTINI,
2012). O país é marcado por conflitos entre cristãos (região sul) e muçulma-
nos (região norte). As perseguições religiosas são constantes, e noticiam-se
diversos episódios da disputa. Questão relevante para o conflito é o fato de os
12 estados muçulmanos do norte terem introduzido versões da sharia (lei islâ-
mica) em suas legislações em 2000, movimento que provocou a fuga de muitos
cristãos da região. Outro desafio marcante é o vírus HIV. A Nigéria é o 2º país do
mundo com mais pessoas que vivem com AIDS e está em 2º lugar no ranking de
países com maior número de mortes pelo vírus. Em ambos os casos, o 1º lugar
do ranking é a África do Sul (CIA, 2012).
Durante o século XIX, a região era dividida, a grosso modo, nos seus três
grupos étnicos principais. Os Hausa-Fulani, no norte; os Yorubas, no sudoeste;
e os Igbos, no sudeste, em comunidades dispersas ao longo do Rio Níger. No
norte, a maioria já era muçulmana e, no sul, era cristã. Cabe salientar que tal
dicotomia esteve presente durante toda a história nigeriana e, como descrito,
226 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
até os tempos atuais, assolando o país pela intensa rivalidade que causou mor-
tes, perseguições e povos refugiados. O domínio dos britânicos se iniciou em
1861, quando esses conquistaram sua primeira colônia na região, nas terras
Yorubas; em 1914, houve a unificação administrativa de todos os povos da
região, integrando-os em uma só colônia chamada Nigéria; em 1947, a colônia
se tornou uma federação. O domínio era sob o modelo indireto, pois se estabe-
leceu um governante local – no caso, os emires Hausa-Fulani – para ser interme-
diário da autoridade inglesa (VISENTINI, 2012).
Eleições multipartidárias ocorreram em 1959 para formar um governo
único da federação. Em coalizão com o Conselho Nacional de Nigéria e Camarões
(NCNC) – oriundo do povo do leste –, o Partido do Congresso do Povo do Norte
(NPC) venceu as eleições. Praticamente nada mudou para a população quando,
em 1960, a Federação da Nigéria tornou-se um Estado independente, parte
da Commonwealth. A independência não abordou a questão das diferenças
étnico-religiosas, característica marcante na sociedade nigeriana e tradicio-
nalmente negligenciada pela política dominante. Resultado disso foi a Guerra
do Biafra (Guerra Civil Nigeriana), tentativa fracassada dos Igbos de secessão
(VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2007).
Em 1963, o país adotou uma constituição republicana e se tornou a
República Federativa da Nigéria. Em 1966, após disputas partidárias e mudan-
ças de coalizões, houve dois golpes de Estado seguidos. Em 1979 uma nova
constituição findou com o governo golpista; porém, novamente em 1984, um
golpe ocorreu em um contexto de frágil situação econômica e instabilidade
política. Em 1993, o governante no poder não reconheceu as eleições que res-
taurariam o presidencialismo; como resultado disso, os EUA e o Reino Unido
suspenderam relações diplomáticas, ajuda econômica e treino de militares com
a Nigéria. Após disputas quanto à tomada do governo, em 1998 eleições multi-
partidárias elegeram Obasanjo, ex-preso político, presidente pelo PDP (Partido
Democrático Popular, mais liberal); seu mandato durou até 2007, tendo sido
reeleito em 2003, apesar de acusações de fraude (JANE’S, 2009).
O presidente Obasanjo deu ênfase ao combate à violência e à corrupção
e buscou promover uma maior cooperação entre os países da África. Ele lançou,
por exemplo, a parceria para o desenvolvimento econômico com os presiden-
tes da África do Sul e da Argélia. A distribuição da renda do petróleo, princi-
pal fonte de renda do país, também foi alvo de discussões em seu governo. Os
Apêndice: países africanos 227
grupos rebeldes do delta do Níger – região muito pobre, mas rica em petróleo
– protestam pela melhor distribuição dos ganhos provenientes do combustí-
vel, uma vez que eles são praticamente repartidos entre o governo federal e as
multinacionais que o extraem. Tais grupos (entre eles, o MEND – Movimento
pela Emancipação do Delta do Níger) chegam a atacar os oleodutos e a raptar
trabalhadores estrangeiros para expressar sua causa; conflitos causados por
essa disputa são recorrentes. A principal multinacional na região, a Shell, está
envolvida em episódios de derramamento de petróleo; ela aceitou a responsa-
bilidade por dois derramamentos (2008 e 2009), mas se eximiu da culpa pelo
que ocorreu em dezembro de 2011. A empresa clama que a instabilidade local,
o vandalismo e as sabotagens à infraestrutura são as maiores causas. Ativistas
afirmam que a empresa poderia ter prevenido os derramamentos e é culpada
pelos mesmos (VIDAL, 2012; BBC NEWS, 2012a).
Hoje, a Nigéria está passando pelo seu período mais longo de liderança
civil desde a sua independência. As eleições de 2007, apesar de violentas, mar-
caram a primeira transferência de poder entre dois civis; Umaru Musa Yar’Adua,
do PDP, foi eleito. Em 2010, Yar’Adua faleceu, sendo substituído por Goodluck
Jonathan (PDP), que venceu as eleições convocadas para 2011. Nesse ano,
houve tentativas de acordos com o Grupo Boko Haram (fundamentalista islã, do
norte do país), mas novos ataques do grupo impediram-nas. (VISENTINI, 2012;
JANE’S, 2009).
Jonathan mantém a visão do governo anterior de voltar-se para a África,
apoiando os princípios de não alinhamento, não interferência, unidade africana,
e cooperação e desenvolvimento regional. O país tem grande potencial para
liderar a região ocidental africana, sendo o principal membro da ECOWAS – tem
a maior economia (66% do total do PIB do bloco) e a maior população (53% do
total do bloco) (WORLD BANK, 2012). Tais desenvolvimentos são relevantes
para afirmar a importância da região em detrimento da influência externa, sem-
pre muito marcante, ainda mais em um país com reservas de petróleo predomi-
nantemente exploradas por uma multinacional estrangeira. Falta, contudo, uma
posição de maior autonomia do governo, que não dá indicativos de promover
uma distribuição mais justa das rendas do petróleo e é parceiro da Shell na
exploração do combustível.
228 Relações Internacionais para Educadores (RIPE)
SUDÃO
O Sudão está localizado na África Setentrional, ou Transaariana, e faz
fronteira com sete países, entre eles o Sudão do Sul, que se separou do Sudão
em 2011, depois de um referendo popular. O país é rico em recursos minerais:
tem reservas de ferro, cobre, cromo, zinco, tungstênio, mica, ouro, e petróleo.
Antes da secessão, o Sudão era o país africano de maior extensão territorial.
A parte separada do país também era a que contava com três quartos do total
de petróleo produzido, questão muito importante a ser considerada, tendo em
vista tanto a situação econômica do Sudão quanto os interesses internacionais
em apaziguar a região. Hoje, o escoamento do petróleo ainda passa pelo Sudão,
o que leva à necessidade de negociação acertada entre os dois governos, dada a
importância da atividade econômica envolvida. Grande parte do PIB do país era
oriunda de rendas do combustível; agora, o Sudão se engaja em encontrar fon-
tes alternativas de renda e recursos para recuperar a estabilidade econômica.
A agricultura contribui com 24% do PIB e emprega 80% da mão-de-obra, o que
demonstra o caráter ainda predominantemente rural da população (VISENTINI,
2012).
A ligação do Sudão com os árabes é oriunda da “arabização” que ocor-
reu na área (principalmente no norte do país), quando a expansão árabe
buscava explorar ouro e escravos na região. Hoje aproximadamente 80% da
população é islâmica sunita, e aproximadamente 70% da população, árabe. O
governo é engajado com o pan-arabismo e tem importante papel na Liga Árabe;
o país considera esse bloco um instrumento relevante para sua diplomacia.
Além desse, o Sudão participa de outros arranjos multilaterais, como a União
Africana, o COMESA (Mercado Comum da África Oriental e Meridional), o Eixo
de Segurança do Sudão, da Etiópia e do Iêmen, a Iniciativa da Bacia do Nilo, e a
ONU (JANE’S, 2009).
Vale iniciar a história do Sudão pela invasão do egípcio Muhammad Ali
em 1820. O Egito ocupou totalmente o país em 1876; e, seis anos depois, os
ingleses ocuparam o Egito, passando a também influenciar no Sudão, que se
tornou, então, domínio britânico e egípcio. Os ingleses conquistaram proemi-
nência na Bacia do Nilo, alinhados aos egípcios; ela era essencial para os britâ-
nicos devido à importância do Canal de Suez e de suas rotas comerciais maríti-
mas. Vale salientar que, desde a formação da região, as diferenças entre o norte
árabe e o sul cristão eram bastante relevantes, e o sul era subordinado ao norte,
Apêndice: países africanos 229
tem estreitado seus laços com o país, devido ao investimento que faz na extra-
ção de petróleo na região.
Os conflitos internos, como o de Darfur – área de conflito entre popu-
lação árabe e não árabe, sendo a última separatista e alvo de perseguições -,
os problemas de infraestrutura e abastecimento, e a falta de modernização
do Sudão são os maiores desafios atuais para o país. Em relação a Darfur, vale
salientar que a região, a oeste do país, foi anexada ao Sudão ainda antes da
independência, em 1916. Cabe citar, ainda, a preocupação do ex-ditador egíp-
cio, Mubarak, com o conflito de Darfur, região muito próxima do seu território e
historicamente ligada ao Egito. O conflito que estourou em 2003 deixou quase 2
milhões de desabrigados e entre 200 a 400 mil mortos. A presença de missões
da ONU tenta estabilizar a região desde 2007, bem como o fazem na área de
Abyei, região petrolífera em disputa, logo ao norte do Sudão do Sul. O governo
sudanês é recorrentemente acusado de discriminar a população não árabe; tais
acusações partem principalmente do Exército Popular de Libertação do Sudão
(SPLA) e do Movimento pela Justiça e Igualdade (JEM), além de serem corro-
boradas pela posição internacional que, vale salientar, conserva interesses nos
recursos existentes nessa área. Há, ainda, permeando a região, intensas ondas
de refugiados do Chade, da Etiópia, da República Centro Africana, e, mais recen-
temente, da Líbia - devido às agitações da Primavera Árabe. Em 2006 e 2011
foram assinados acordos de paz para a região, mas que não acabaram, de fato,
com a escalada da violência (VISENTINI, 2012).
ZIMBÁBUE
O Zimbábue, localizado no sul da África, é um país povoado predomi-
nantemente por grupos de língua Banta, sendo o de maior expressão os Shonas
(82%). Sua capital, Harare, é também sua cidade mais populosa e um dos
principais centros comerciais da África Subsaariana. Os principais produtos
que sustentam a economia do Zimbábue são o tabaco e o cromo, que são bens
essencialmente primários e que têm gerado disputas políticas, dada a nacio-
nalização da produção por parte do governo zimbabuano. Além desses, o sub-
solo zimbabuano é bastante fértil e apresenta reservas de ouro, carvão e outras
riquezas minerais. A economia do país é bastante instável, sendo o Zimbábue o
primeiro Estado a sofrer de hiperinflação no século XXI, mal que perdura até os
Apêndice: países africanos 231
Notas
1
Grupo étnico que habita o sul do continente africano.
2
A política de abertura econômica iniciada pelo presidente egípcio Anwar al-Sadat.
3
Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, composta por 15 países da África
Ocidental (região de colonização inglesa e francesa). Foi estabelecida para promover o comércio
regional, o estreitamento de relações, e o desenvolvimento da região.
4
Movimentações sociais que atingiram países do norte da África e do Oriente Médio, com especial
ênfase para os casos da Tunísia, Líbia, Egito, Síria, e Bahrein.
5
Em linhas gerais, é a lei que se baseia na moral do islã, em seus costumes e obrigações. Sendo
extremamente cultural, imporia restrições e questões conflituosas para cristãos que vivam sob sua
jurisdição.
6
É um tribunal permanente, estabelecido em Haia em 2002. Caracteriza-se por julgar indivíduos e
não Estados (quem tem mandato sobre os Estados é a Corte Internacional de Justiça).
Apêndice: países africanos 233
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