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O Livro Negro de Arda – Capítulo 1

Publicado por Anica

Conhecido em inglês como The Black Book of Arda, The Black Silmarillion ou Chronicles of
Defeated (O Livro Negro de Arda, O Silmarillion Negro ou Crônicas dos Derrotados,
em português) é um romance publicado na Rússia por N. Vassilyeva e N.
Nekrasova por volta de 1992, baseado em O Silmarillion de J. R. R.
Tolkien.

De acordo com o livro de Vassilyeva e Nekrasova, o Vala Melkor não era


originalmente o Grande Inimigo da Terra-média, mas sim um sábio
Professor e um mártir, enquanto que o Criador Eru Ilúvatar e os Valar
são representados como tiranos sem remorso. Melkor tentou atuar em Arda
de acordo com seu próprio pensamento, mas isto era contra a vontade do
Criador. O conflito entre Ilúvatar e Melkor causou a expulsão de
Melkor causou a expulsão de Melkor e a batalha deste contra Eru e os
Valar. Leia mais obre O Livro Negro de Arda na Valinor .

E a Valinor/Lotlórien tem a honra de publicar pela primeira vez a tradução completa da obra em
uma língua que não a original. Agradecemos profundamente à tradutora, Tatyana "Moriel"
Zabanova, pelo esfoço e dedicação. Agora, com vocês, O Livro Negro de Arda.

Trechos Publicados

1. Parte 1 – Introdução, Notas, Autoras e Capítulo 1


2. Parte 1 – Capítulo 2
3. Parte 1 – Capítulo 3
4. Parte 1 – Capítulo 4
5. Parte 1 – Capítulo 5
6. Parte 1 – Capítulo 6
7. Parte 1 – Capítulo 7
8. Parte 2 – Introdução, Notas, Autoras e Capítulo 1
9. Parte 2 – Capítulo 2
10. Parte 2 – Capítulo 3
11. Parte 2 – Capítulo 4
12. Parte 2 – Capítulo 5

Notas da Tradutora

Os primeiros rascunhos do Livro surgiram na Internet no início doas anos 90. Em 1995, foi
publicado pela primeira vez. Depois da publicação, as autoras passaram a trabalhar com a Segunda
Era, criando um conjunto de contos sobre Númenor e Harad. Finalmente, em 2000, foi publicada
uma versão reescrita e amplamente modificada do livro.

A versão publicada em 1995 é considerada canônica, e é ela que eu decidi traduzir, como a mais
marcante, a mais conhecida e sem dúvida a mais controversa.

Para as citações do Silmarillion, usei o livro da Martins Fontes – em alguns casos.

Sobre a transliteração e a pronúncia


No livro, há um bom número vocábulos – nomes de pessoas e lugares principalmente – originais.
Esforçarei-me ao máximo para adequá-los ao padrão de Tolkien. Mas, por via das dúvidas, listarei
algumas coisas aqui:

CH – igual o escocês loch ou alemão puch, não o ch português ou inglês, a transliteração oficial do
russo seria um KH ou um H.

Algumas observações gerais


O russo tem algumas estruturas pseudo-arcaicas, às quais quase todos apelam ao tentar dar um ar
mais mitológico ao texto. Uma dessas estruturas é o “e” patológico no início da frase.

Outra particularidade do russo é a perda da conotação religiosa de algumas palavras (afinal, 70


anos de socialismo afetaram bastante o país): alma, inferno, pecado… Certamente, há uma porção
delas no livro, e serão traduzidas literalmente.

Optei por usar você em vez do tu, por motivos puramente paulistas: o você me parece mais
adequado.

DAS AUTORAS

…Deve-se acreditar em si mesmo? Se deve-se, até que ponto? Deve ser dito – isso é assim, porque eu
quero que seja assim? Porque eu gosto disso? Deve-se tomar o conto de fadas por realidade?

No início era a Palavra.

E era Palavra – o nome, aquele que “não se enumera mais entre os nomes dos Valar, e não se
pronuncia mais em Arda”. E eram – duas damas pedantes, humanitária e “técnica”, que não
acreditaram naquilo que este nome significa – “Aquele que se ergue em poder”.

No início era a pergunta.

Seria possível lembrá-la agora – aquela primeira pergunta, para a qual não se acha resposta na
aparentemente lógica narração. E quando a resposta foi encontrada, ruiu o harmonioso esquema, e
o tecido bordado em ouro do belo conto de fadas começou a se desfazer sob os dedos… e – o que
está por traz dele?

No início era o olhar.

Olhar da pessoa não acostumada a dividir as pessoas em amigos e inimigos, vilões e heróis, Escuros
e Brancos. Não acostumada a acreditar cegamente em ninguém e em nada.

…Nos mesmos temos vergonha de admitir para si que representamos por toda a vida.
Representamos escondidos de nos mesmos. Asseguramos-nos de que é somente a nossa
imaginação, conto de fadas, que isso é só nosso… e – maravilhamos-nos com aqueles que atrevem-
se a revelar o conto de fadas deles, o jogo deles aos outros, os invejamos dolorosamente: pois isso é
tão difícil – abrir-se, porque vão bater, e o que é pior – rir – aqueles, que não se atreveram. Aqueles,
que tiveram medo de fazer eles mesmos. Nem todos agirão assim; mas mesmo um só golpe é dor…
Mas mesmo assim – o jogo, o sonho, o conto de fadas estão conosco. Até o fim.

Mas o quanto disso é um conto de fadas? O quanto – é jogo?

Um dia, dizem, John Ronald Ruel Tolkien recebeu um parecer interessante de um dos seus
interlocutores – “Não foi você que escreveu ‘O Senhor dos anéis’”. E ele ficou feliz por pelo menos
alguém mais ter compreendido isso.

Um dia, Balzac dizia que a “Comédia Humana” lhe foi ditada por seu gêmeo fantasma. E o “homem
negro” empurrou Mozart para a criação do “Réquiem”.

O que é isso, então? Possivelmente – imaginação do criador. Possivelmente – outra existência, que
nem todos são capazes de ver…

E se – todos?

E cada um vê da maneira dele: a própria face de um todo ou, como se diz atualmente, a própria
reflexão. Mas a maioria mesmo assim segue o Guia. Ele pode ser um escritor que criou um conto de
fadas sobre a visão dele (mas quem e como desenrolou esta visão à frente dele?) – e como
resultado, a exaltação, o maravilhar com a beleza da narração e com o talento do autor cegam e
ordenam ver somente assim…

Dizem, somente aquelas obras são verdadeiramente perfeitas, em que você nada deseja mudar, que
não deseja reescrever ou continuar. Essas são poucas, e os livros de J. R. R. Tolkien não se
enumeram entre elas – afirmação que milhares de leitores, que tratam “O Silmarillion” e “O Senhor
dos anéis” como a Bíblia, tentarão contestar. Mas para aquele que está acostumado a não somente
olhar, mas também a ver, é óbvio que nas obras do professor Tolkien nem tudo foi dito.

Vamos falar sinceramente: aquilo que nos chamamos de Arda – existe. Nos acreditamos nisso, -cada
um de seu modo, – mesmo se a razão nos diz que isso é um delírio, que isso não pode ser. Isso – é. E
– será. E a nossa maneira de sentir, nossa fé no mundo chamado Arda muda e cria-o até mesmo
agora. E para aquilo que vocês verão abrindo esse livro – quase a voz do que grita, desesperado, no
deserto – olhem vocês mesmos. Tentem, pelo menos. Só não sigam a nossa trilha. Procurem a sua.
Este livro é só uma tentativa de chamar a atenção.

Como isso começou e porque? Longa história. Diremos só uma coisa – chegou o tempo de acreditar
nos próprios pensamentos, visões, delírios, sonhos – e lógica. A visão buscava aquilo que não foi
dito e aquilo que era incoerente na narrativa de Tolkien. A lógica preenchia as lacunas. As emoções
verificavam a exatidão da suposição. Visões e sonhos – colocavam de frente para o fato: isso foi
assim.

…Ou, talvez, tudo começou de uma forma totalmente diferente?


“Então, meu jovem, – disse um Nazgûl na terceira idade, com número 24 e o emblema da guarnição
de Morgul costurado na roupa, girando nos dedos o passaporte do espectro jovem e admirado que
se esticava como um cordão na sua frente, – vejamos, o que é que você tem aí…”

Assim era o início. Piadinhas inofensivas, anedotas “da vida da Universidade de Morgul” – mais
nada.

E – a Guerra da Ira, páginas fechadas do “Silmarillion”: somente um ano depois irá compreender
que não as releu nenhuma vez.

E – um nome, quase nunca pronunciado em voz alta.

No início era – o Nome.

Já não há como lembrar, quem disse pela primeira vez: “Eu vi. Foi assim”. Quando pela primeira vez
o “Silmarillion” foi fechado e deixado de lado (“Ouça, mas isso já não presta para nada! Melhor
darmos uma olhada nos mesmas…”). Quem pela primeira vez entoou com zombaria: “Claro-claro, já
que são os sábios em Eressea que dizem…”

Quando atrás das lendas sobre vitórias gloriosas, e belos e valentes heróis, pela primeira vez – nem
todo o sangue infiltrou-se na terra – começou a brotar uma outra verdade.

Já depois – justificativas confusas: “Mas Gardner em seu ‘Grendel’, essencialmente, fez a mesma
coisa…”

Já depois: “Mas não foi uma pessoa que escreveu o ciclo sobre Conan…”

Já depois – olhar estranho para o espaço e o artificialmente calmo: “Eu lembro…”

Tudo isso ainda será. Agora há somente – o Nome, e perguntas que, parece, ninguém se fez durante
todo o tempo que passou desde a publicação de “O Senhor dos anéis” e de “O Silmarillion”. E há
duas – com inclinação para filologia e história respectivamente – que tiveram a vontade de terminar
de construir o incompleto retrato do mundo.

O livro que você tem agora nas mãos não é uma critica de Tolkien. É uma tentativa de contar sobre
Arda na língua dos Homens, e não na das lendas e mitos élficos.

Se para você “O Silmarillion” é somente um conto de fadas ou “soma das mitologias” – feche o livro:
você errou na escolha.

Se você procura “mais alguma coisa sobre os Hobbits” – feche o livro: aqui não há nem aventuras
divertidas, nem milagres alegres; aqui ninguém atira pinhas em lobos nem leva conversas
astuciosas com um dragão um tanto burro.

Nos não pretendemos dizer a verdade em última instância: olhem com seus próprios olhos, pois
ninguém pode ser objetivo até o fim.

Não nos esforçamos para arrancar a coroa uns e elevar outros, não substituímos o negro pelo
branco: simplesmente – ninguém, nunca e nada perguntou aos vencidos (e eles foram mesmo
vencidos?). A história é escrita pelos vencedores, e a história dos vencedores é “O Silmarillion”.

Nos não inventávamos viradas inesperadas na narração, não amontoávamos horrores: a guerra é
cruel mesmo sem isso, nos todos simplesmente acostumamos-nos a pensar sobre essa crueldade…

Vejam então, como é – a primeira guerra do mundo.

Vejam, aqueles que faziam de Arda um jogo, que liam maravilhados sobre vitórias sobre o Inimigo,
que saboreava o final feliz – o preço da vitória é este.
E, pode ser, vocês pensarão sobre isso. Sobre porque os vencidos podem estar acima dos
vencedores.

E alguém, como uma criança ofendida, se atirará a defender o belo conto de fadas com cartas iradas.

E alguém vai bater a mão na testa – pois tudo é tão obvio, meu Deus, onde estavam os meus olhos!..

E alguém simplesmente encolherá os ombros e mostrará a costas.

Já vimos tudo isso.

Mas, talvez, ao menos um – pensará.

Vejam: no mundo não há nem o Mal absoluto nem o Bem absoluto. Vejam: a justiça que desconhece
a piedade transforma-se em crueldade sem sentido.

Vejam.

Estamos abertas. Não nos escondemos. A escolha foi feita. Se alguém ouviu – tudo bem. Se alguém
seguirá o próprio caminho – tudo bem. Se alguém odiar – que seja.

Os narradores não têm espadas.

Niennach, Illet

PRÓLOGO
Quem sabe, quem contará, quando surgiu em Arda o Livro que se tornou a memória do mundo?
Aquele que conhece a língua da Grande Sabedoria poderia ler nele palavras sobre mistérios de Ëa,
sobre como nascia das Trevas – a Luz, sobre como foi criado o mundo. Talvez, o Livro é mais antigo
que Arda, talvez surgiu junto com o mundo… Que mãos o tocavam na era da juventude do mundo –
foram mesmo somente as mãos de Melkor? Ou este Livro foi criado pelo pensamento e pela
memória dele? Quem sabe disso isso agora? Os Sábios silenciam, e os videntes dizem: “Isso está
oculto de nós”. Talvez, somente o Senhor do Escuro sabe-o – mas quem dará o passo para além do
Limiar para perguntá-lo, quem dos que vivem poderá retornar e contar?

O Livro que é escrito pelo tempo, o Livro da verdade, cuja língua é compreensível a todos, mas
poucos o viram. Ele guarda os segredos da terra e das estrelas, e até mesmo o Senhor do Destino
não sabe de tudo o que ele narra.

Quem contará porque os vão pelo Caminho do Escuro guardam o Livro da Memória? Talvez porque
àqueles se ergueram sob as bandeiras da Dor não foi dado esquecer nada. Talvez porque o Escuro
gerou a memória e a dor, a luz e a verdade… Dizem que o Livro por si só elege o Guardião, e poucos
têm forças para carregar este pesado fardo. Talvez, a palavra e o ato mentirosos podem enganar os
sentidos, a mente e o coração, é possível mentir a si mesmo e acreditar nesta mentira, mas o Livro
não mente nunca.

O Livro existe, enquanto existe o mundo – ou, talvez, o mundo está vivo enquanto existe o Livro…
Quem sabe? – mas este laço é impossível de ser desfeito, tal como aqueles laços que mantêm a
unidade de Arda. Ninguém e nunca conseguirá alterar uma palavra que seja no Livro da Verdade,
mesmo desejando isso com todo o coração, assim como é impossível reverter o correr do rio do
Tempo. Os feitos dos que seguem os caminhos do Escuro e da Luz, os feitos de glória e de vergonha,
os feitos de justiça e de injustiça, do bem e do mal – sobre tudo isso fala o Livro. É possível ocultar
um feito dos olhos humanos e dos olhos dos Imortais, mas aquele que lê o Livro verá a verdade…
PARTE PRIMEIRA. O CORAÇÃO DO MUNDO. O NOME. OS DIAS
ANTES DOS DIAS

“Havia Eru, o Único, que em Arda é chamado de Ilúvatar. Ele criou primeiro os Ainur, os
Sagrados, gerados por seu pensamento, e eles lhe faziam companhia antes que tudo o mais
fosse criado. E ele lhes falou, propondo-lhes temas musicais; e eles cantaram em sua presença,
e ele se alegrou. Entretanto, durante muito tempo, eles cantaram cada um sozinho ou apenas
alguns juntos, enquanto os outros escutavam; pois cada um compreendia apenas aquela parte
da mente de Ilúvatar da qual havia brotado e evoluía devagar na compreensão de seus irmãos.
Não obstante, de tanto escutar, chegaram a uma compreensão mais profunda, tornando-se
mais consonantes e harmoniosos…”

Assim diz a lenda élfica “Ainulindalë”.

…Ninguém jamais soube, tampouco sabe agora e dificilmente saberá algum dia de onde ele chegou,
quem ele é e porque desejou criar um mundo obediente à vontade dele, separado dos outros
mundos que brilhavam nas profundidades negras de Eä entre as estrelas incontáveis.

Assim foi o Plano: o Mundo será novo, diferente dos outros. E este mundo será correto e imutável,
pois assim deseja Eru, pois isso agrada a ele. E tudo no mundo será assim como ele disse e tudo que
existirá no mundo estará glorificando o Único.

Então ele criou em Eä uma esfera fechada, e dentro dela estava o Vazio, que devia tornar-se uma
barreira separando o mundo de Eä. Mas a força para a criação precisou ser tirada do exterior e,
desde o início, a sua existência penetrou na esfera não- Eä. E a esfera era somente uma lacuna no
tecido comum, e existia somente graças à Eä.

E Eru entrou em não- Eä, e ali estavam as suas mansões, em que não havia Escuro, mas também não
havia Luz, pois ali não havia nada. “Aqui, – disse ele – Eu criarei o novo mundo”. Mas para que este
mundo fosse diferente, o próprio Criador precisava transformar-se num novo ser, que
desconhecesse os outros mundos e Eä. Mas ele não podia isso. Ele somente podia fazer-se cego,
esquecer sobre tudo o que está fora dos limites das suas mansões. E disse ele: “Que fique este
mundo cego, e que por toda a eternidade não veja o Escuro de Eä. E que este mundo saiba apenas
que Eu sou seu Criador e Senhor. Que seja assim”.

O Escuro primordial acomodava em si os mundos de Eä, e as mansões de Eru eram o Nada finito
entre as estrelas incontáveis. O Escuro estava em volta – imenso, a tudo dando vida, cheio de força
ilimitada. Ele parecia estar rindo daquele que tentava não vê-lo, apesar dele mesmo ter sido gerado
pelo Escuro. E então Eru disse: “Que haja nas minhas mansões o não- Escuro!” E não havia mais
Escuro nas mansões dele, mas isso também não era a Luz, pois a Luz nasce somente no Escuro. E
todas as forças de Eru foram gastas na criação do Vazio e do não- Escuro, ele as dissipou na luta
com Eä e com o Escuro, com a memória dele e com a visão dele. Então ele foi novamente obrigado a
tirar forças de Eä, e novamente o Existir penetrou no Vazio. De Eä e do Escuro, com a força do
próprio pensamento e da vontade, Eru criou o primeiro daqueles a quem ele chamou de Ainur. Mas,
ao olhar para ele, Eru assustou-se, pois viu nele a encarnação de tudo aquilo que queria esquecer,
daquilo que não desejava ver. O primeiro dos Ainur não era nem parte do pensamento, nem parte
dos planos de Eru.

Então Eru pegou a Luz e misturou-a com o Escuro, pois a Luz não somente expulsa o Escuro, como
também devora os outros fogos. E assim ele criou os outros Ainur, e em cada um deles havia parte
do Escuro e parte da força de Eä. Todos eles podiam ver e conhecer o Escuro, mas a não-Luz de Eru
cegava os seus olhos e eles eram obedientes à vontade daquele que os criou. E, para subjugar o
primeiro dos Ainur, o seu filho mais velho, Eru tirou-lhe o nome e chamou-o – Alcar.
…O nome não é somente um entrelaçamento de sons. É você, seu “Eu”. E ele, diferente dos outros,
está privado até mesmo disso. Alcar, Esplendor. O nome é parte de força dele, da sua essência – e
foi-lhe tirado. Deram-lhe um outro. Quem fez isso? Para que? Alcar. Alcar. Estranho, frio. Morto.

Ainur devem sentir o nome como uma parte de si, seu “eu sou”. Ele repete os nomes deles, e os
rostos dos Ainur por um momento tornam-se definidos. É uma alegria – ouvir como lhe chamam
por uma frase musical que se tornou a expressão do seu ser. Fundo acorde violeta e púrpura: Námo.
Cordão de prata, luz perolada um tanto amarga: Nienna. Eco esverdEädo, com brilho frio: Irmo.
Tinir surdo de cobre e ouro: Aulë.

Estes estão mais perto, semelhantes em algo e – diferentes. E o nome dele não possui nem cor, nem
som vivo. Alcar. Al-car. Uma pedra morta que brilha. Insuportável tormento – ouvir, mas não foi lhe
dado lembrar de um outro nome. Um estranho. Diferente. Por quê? Quem responderia?

No canto dos Ainur soa o eco de uma outra música, mas de onde ele a conhece? Ele perguntava. Não
há resposta. Talvez isso é o dom dele, especial, que o diferencia dos outros? Não. Por quê? Os outros
vêem a bela face de Eru – ele não percebe os traços numa luz inconstante. Por quê? Ou ele é cego?
Ele. Quem – ele? Alcar. O retinir de pedras preciosas caindo sobre um vidro. Alcar, Esplendor. Alcar,
aquele que não possui um nome.

E ali, fora dos limites da morada do Único, está o Vazio e as eternas trevas. Assim disse ele, o único
Criador que tudo sabe. E a alma do Ainu está vazio. Não seria melhor partir para lá, para o Nada que
compõe a essência dele, para não ter que ver rostos claros e alegres dos Ainur, para não ouvir este
nome – Alcar… Estranho. Diferente. Ele não conhece a alegria – o primeiro presente da existência
para ele foi a solidão e o isolamento. Melhor – não existir, retornar ao Nada, para sempre deixar as
mansões de Eru…

A escuridão caiu sobre ele em uma macia e ensurdecedora ausência de sons. Então, isso que é o
Nada? Mas porque é tão difícil fazer um passo para frente – como se uma enorme mão encostasse
no peito, repudiando-o… Se ele é parte do Nada, porque o Vazio também não o aceita? Será –
novamente um estranho?..

Então ele atirou-se para frente com a força do desespero, através da parede elástica, e de repente
viu.

“É possível que aqui, no Escuro, seja possível ver? – ele ainda pôde pensar, desnortEädo. – E não há
sons no vazio – porque eu ouço? O que é isso?.. Música… palavra… nome… Nome?!”

Melkor.

“Meu nome. Eu. Isso – sou Eu. Eu lembro. Melkor. Eu. Isso é o meu “eu sou”. Existência. Vida. Chama
clara. Vôo. Alegria. Isso – sou eu…”

Mas de qualquer modo, mesmo isso lhe pareceu insignificante perto da capacidade de ver. Ele não
sabia o que era isso, mas as palavras arrancavam-se dos seus lábios e então ele disse: Ache, Escuro.

E as faíscas claras na escuridão – o que é isso? Ae, Luz… Gele, Estrela… Luz – somente no Escuro…
de onde é que eu sei disso?.. Eu sempre soube… Ele estendeu os braços às estrelas e – ouviu. Isso
são as estrelas que cantam? Ele conhecia esta música, ele ouvia seus ecos nas melodias dos Ainur…
Sim, é isso… Ele compreendeu isso e riu – baixo, como se tivesse medo de fazer a música calar-se.
Mas ela soava cada vez mais clara e confiante, e seu “eu” era uma parte da Música. Ele tornou-se
uma canção dos mundos, ele voava no Escuro entre as estrelas inenumeráveis, chamando-as – e
elas lhe respondiam… Então ele disse: “Isto é Eä, Universo”. “Mas ele dizia – Vazio, Nada… Será que
ele não sabe sobre isso? Não viu? Ele, Eru, que vê tudo?..”

Eru. Ere. Chama.

“Esse é o nome dele?.. Sim… mas porque então – Único? Quem disse isto? Ou ele também é aquele
que foi privado do nome? E por quê eu consegui lembrar o meu nome somente agora? Será que Eru,
Ere, fez assim? Para quê? Por quê – comigo? Eu preciso entender… Mas se ele não lembra o nome
dele – eu contarei a ele! Eu trarei de volta o nome dele, eu contarei sobre Eä – eles precisam ver! Eu
voltarei, eu direi: eu vi, eu ouvi, eu entendi…”

Assim Ainu novamente obteve o nome, e a vontade do Único não mais o acorrentava. E o seu
pensamento e os seus planos não eram partes do pensamento e dos planos do Único.

Assim o Único deixou de ser Único, pois agora eles eram dois.

E Ainu Melkor retornou às mansões de Eru: os irmãos o receberam surpresos e tímidos, pois viram
que o aspecto dele se tornou diferente. E ele era, entre outros Ainur, como um jovem audaz na roda
das crianças. Agora ele não trajava mais as vestes de luz irisada, mas as do Escuro, e a noite de Eä
caía dos seus ombros como um manto. E o rosto. Como se estivesse iluminado por dentro com uma
cintilação trêmula, mudando imperceptivelmente – mas mesmo assim definido. O olhar – límpido e
decidido, olhos claros como estrelas.

Corajoso e calmo ele se apresentou a Ilúvatar e começou a falar:

– Agora eu vi estrelas incontáveis – Luz no Escuro – e muitos mundos. Você dizia – fora das suas
luminosas mansões há somente o Vazio e as trevas eternas. Mas eu vi luz, e isso era Luz. Diga, como
devo entender as suas palavras agora? Ou você queria que nos mesmos víssemos, e ouvíssemos o
Canto dos Mundos? Talvez cada um deve, por si próprio, chegar ao entendimento…

– Eu falei-lhes a verdade: somente em Mim é o início e o fim de tudo o que existe e a Chama
Imperecível do Ser.

– Sim, eu sei, eu entendi: Ere – Chama!

Ele disse – Ere, e neste mesmo instante o semblante de Ilúvatar tornou-se nítido e definido. E Ainu
foi dolorosamente surpreendido pela ira que desfigurou a face do Criador. Mas como assim? Não é
uma alegria – lembrar o próprio nome? Ou Ilúvatar queria esquecê-lo? Mas por quê?

…Trono brilhante, vestes luminosas… Como isso tudo parecia falso e ridículo para aquele que viu a
grandeza de Eä! Assim a criança, querendo brincar de rei, cobre-se de penduricalhos de cores
berrantes, pensando ingenuamente que a roupa a colocará acima dos outros. Melkor sorriu
tristemente.

– Você é grosseiro e desrespeitoso. Você diz palavras de revolta e não se dá conta do que fala. Não
há mais nada além de Mim e dos Ainur, nascidos do Meu pensamento. Enquanto a sua visão é
somente a sombra dos Meus planos, o eco da música ainda não criada…

– Não, eu vi, eu ouvi o Canto do Universo… Talvez você nunca tenha abandonado a sua morada?
Então, se assim desejar, eu serei seus olhos. Eu contarei-te sobre os mundos… – Ainu sorriu.

– Cale-se. As suas palavras são insanas. Ou você duvidou da minha onipotência – você, cega
ferramenta em Minhas mãos? Ou se atreve a pensar que consegue compreender toda a
profundidade dos meus planos?

– Perdoe, mas…

– Eu não desejo mais ouvi-lo.

Melkor partiu, sem saber o que pensar. Ele tentava entender o que fez para provocar a ira de Eru – e
não encontrava resposta: “Mas eu vi”, – pela centésima vez repetia ele para si mesmo. As mansões
brilhantes pareciam-lhe agora opacas e sem cor. Aquilo que antes o impressionava com a
grandiosidade, revelou-se insignificante, pretensioso e digno de pena, não havia aqui espaço
suficiente para ele, e ele novamente abandonou a morada de Ilúvatar. Assim começaram as suas
viagens em Eä, e seus pensamentos cada vez menos se assemelhavam aos dos outros Ainur.
“A Melkor, entre os Ainur, haviam sido concedidos os maiores dons de poder e conhecimento, e ele
ainda tinha um quinhão de todos os dons de seus irmãos. Muitas vezes, Melkor penetrara sozinho
nos espaços vazios em busca da Chama Imperecível, pois ardia nele o desejo de dar Existência a
coisas por si mesmo; e a seus olhos Ilúvatar não dava atenção ao Vazio, ao passo que Melkor se
impacientava com o Vazio. E no entanto ele não encontrou o Fogo, pois este está com Ilúvatar.
Estando sozinho, porém, começara a conceber pensamentos próprios, diferentes daqueles de seus
irmãos…”

E Ainu Melkor teve o plano de criar o seu próprio mundo, e em sua alma nasceu a Música, cuja
melodia se entrelaçava ao Canto dos Mundos. Assim foi o plano: o mundo será novo, diferente dos
outros. Ele será criado de fogo e gelo, do Escuro e da Luz, e no equilíbrio deles e no combate deles
serão criadas formas mais belas do que as visões geradas pela música dos Ainur e de Ilúvatar. Na
sua dualidade, este mundo será imprevisível, furiosamente livre, e não conhecerá a imutabilidade
da calma sem pensamentos. E aqueles, que virão a este mundo, serão à imagem e semelhança dele –
livres; e a Chama Eterna arderá nos corações deles…

E este mundo pareceu belo a Melkor, e ele estava feliz, pois compreendeu que é capaz de criar.

Assim Ilúvatar deixou de ser o único Criador.

Então Melkor retornou às mansões de Ilúvatar, e a música permanecia na alma dele, e música eram
as palavras dele quando ele falava a Eru e aos Ainur sobre o plano. E esta música era bela e,
impressionados com a beleza dela, os Ainur começaram a cantar junto com Melkor – no início
timidamente e desunidos, mas depois eles começaram a compreender melhor os pensamentos uns
dos outros, e o seu canto soava cada vez mais coordenado, e nele se enlaçavam os pensamentos
mais ocultos deles.

E o seu coro preocupou a Ilúvatar, pois ele ouviu na Música o eco do Canto dos Mundos, que
desejava esquecer. E ele interrompeu, irado, o canto e não desejou ouvir Melkor, mas decidiu criar a
Música dele para abafar a Música de Eä.

E Ilúvatar tentou penetrar nos pensamentos de Melkor, mas compreendeu, surpreso, que não é
mais capaz de fazê-lo. Os pensamentos dos outros Ainur eram para ele um livro aberto, mas em
Melkor ele via agora algo estranho, incompreensível e, por isso, assustador. Ele entendeu só uma
coisa – Melkor é um Criador; e é preciso apressar-se, antes que ele descubra a própria força…

Naquele tempo, Manwe, aquele que era o irmão mais novo do Ainu rebelde nos planos de Ilúvatar,
chegou ao trono de Eru; assim falava ele:

– O mais poderoso entre outros Ainur é aquele que tomou para si o nome Melkor – Aquele que se
ergue em poder. Mas o orgulho cega os olhos dele e inspira-lhe pensamentos de revolta, como se ele
pudesse se equiparar ao Grande Criador de tudo o que Existe. Certamente, não é à toa que ele oculta
de nos os pensamentos dele; provavelmente, ele planejou algo maligno…

E Ilúvatar inclinou benevolentemente a cabeça, e disse consigo mesmo: “Vejo Eu que não há
pensamentos rebeldes na alma de Manwe. Por isso, no mundo que Eu criarei, que seja ele o Rei, pois
é obediente a Mim e rEälizará a Minha vontade no mundo que criarei”.

Os Ainur eram cegos ao Escuro; mas entre eles estavam aqueles que viam no Escuro, mas viam
também os desejos de Ilúvatar. Por isso, Ainie Varda chegou ao trono de Eru e disse:

– Ò Grande! Eu vejo o mesmo que Melkor vê. Mas, se essa é a Sua vontade, ordene – e eu não verei
mais.

E Ilúvatar falou:

– Você é livre para ver aquilo que desejar. Mas os outros devem ver somente aquilo que Eu desejo.
Que você faça assim.
E, curvando-se a ele, assim falou-lhe Varda:

– Poderoso é Ainu Melkor, e os pensamentos dele estão ocultos de nos. Mas eu acho que estes
pensamentos são perigosos para nos, e é por isso que ele os oculta. Não somos nos, fracos, que
poderemos combatê-lo. Mas Você é onipotente: dome-o então, para que ele não intimide mais os
outros com suas palavras de revolta e não faça nenhum mal. E assim falarei eu agora: eu renego-o
para a eternidade, pois não há nada acima dos Seus grandiosos planos para mim. E, se Você julgar o
renegado digno de um castigo, que se rEälize o Seu julgamento justo. Que seja a Sua vontade.

E Eru inclinou a cabeça benevolentemente; e Varda afastou-se com uma reverência. Então Ilúvatar
pensou assim: “Eu vejo que Varda compreendeu os Meus pensamentos e que ela é obediente a
Minha vontade. Por isso, no mundo que Eu criarei, que seja ela a Rainha, para expulsar das almas
dos outros a revolta”.

E foi assim: Eru convocou todos os Ainur, e ergueu a mão dele, e soou uma Música – aquela que ele
queria lhes dar. Mas ela era parte da música de Eä, pois também o Único veio de Eä e, por mais que
ele se esforçasse, não poderia criar algo absolutamente distinto. Somente uma coisa estava ao
alcance dele – alterar a Música de Eä de acordo com a própria vontade. E aos Ainur pareceu que o
Único mostrou a eles, nessa música, mais do que mostrava anteriormente e, maravilhados, eles se
curvaram a Eru.

Todos, menos Melkor.

E Eru disse-lhes:

– A partir do tema que lhes indiquei, desejo agora que criem juntos, em harmonia, uma Música. E,
como eu os inspirei com a Chama Imperecível, vocês vão demonstrar seus poderes ornamentando
esse tema, cada um com seus próprios pensamentos e recursos, se assim o desejar. Eu porém me
sentarei para escutar; e me alegrarei, pois, através de vocês, uma grande beleza terá sido
despertada em forma de melodia.

Então Ainur começaram a transformar o tema do Único na Música Magnífica. E, ao ouvi-la, Melkor
compreendeu que Eru deseja criar um mundo belo, mas vazio e sem rumo. Mas a falta de um rumo
transforma a beleza em nada, e a correção e a impecabilidade da simetria fazem a face do mundo se
parecer com uma máscara morta e fria. Então Melkor decidiu mudar a Música de acordo com o seu
próprio plano, não pelo plano de Ilúvatar. E a sua canção dizia: “Eu vi Eä e outros mundos, e eles são
belos. Eu ouvi o Universo, e ouço o mundo que ainda esta por nascer – e que ele seja belo, e que Eä
se enfeite com ele”. E havia entre os Ainur aqueles que repetiam, mesmo que fossem poucos. E a
Música da Criação fazia surgir, para os Ainur, estranhas e belas formas.

…Fundo acorde de muitas vozes – cálice de pedra, cheio de vinho amargo cor de rubi das notas
vibrantes das cordas…

…espelhos que refletem estrelas…

…escadarias que levam para o alto…

…notas agudas das agulhas apontadas para o céu, harmonia das torres sombrias…

…Como a vagamente preocupante neblina embriagadora nasce sobre as lagoas…

…Como chora com gotas cintilantes o alto céu noturno…

…e se estendem às tristes estrelas as árvores – braços da terra…

…Estas flores estão vivas? O que elas falam? Sobre o que é o seu levemente amargo, picante e
inebriante murmúrio?..

…o acre do escuro dos espinhos de zimbo, amargura de prata da losna…


…Coma dos frutos dessa terra – e conhecerá a sabedoria do existir. Lave o rosto com a viva água do
córrego da mata – e poderá ver…

…De quem é esta dança no céu – sinais desconhecidos… prata escura – asas do vento… de onde vem
esta música?

Quem é aquele?

Ainda vagas figuras ilusórias: só – finas mãos esvoaçantes, só – olhos brilhantes… Apareceram – e
sumiram; e uma vaga, sem nitidez, tristeza remexeu-se na alma…

O que é isso?

Ache. Escuro.

O que é isso?

Ae. Luz.

O que é isso?

Ore, Noite. Gele, Estrela. Ier – Lua…

O que é isso?

Aente, Dia. Saere, Sol.

De repente – uma estridente, amarelo- Esverdiada nota de flauta faz contarir os músculos do rosto.

Diamantes amarelados das notas rolando – impiedosa luz morta, ossos branquEädos pelo sol…

Mas se eleva, com escura grandiosidade, negra, cintilando com faíscas azuis, onda; Acheor, Força do
Escuro é o nome dela.

E afoga-se o brilhante Vazio: do Escuro nasce a Luz e, como uma estrela tremula, agita-se nas mãos
do alado Ainu Escuro.

Qual é o seu nome?

AEänto.

Aquele que dá a Luz…

Orgulhoso e calmo, o Alado estava perante o trono de Eru, e o seu olhar dizia: eu vi.

“Você não viu nada e não poderia ter visto!” – respondeu o olhar do Único.

E os Ainur viram que o Único sorriu. E ele ergueu a mão esquerda, e deu um novo tema a eles,
semelhante ao tema anterior e ao mesmo tempo diferente: esta música era alegre e confiante, e
ganhou uma nova beleza e força. O Alado compreendeu então, que a música de Eru cria um mundo
onde o Equilíbrio será sacrificado à Predestinação, e a calma imutável deste mundo matará a sua
beleza. E soou novamente a Música do Alado – em dissonância com o tema de Ilúvatar. E na
tempestade de sons, muitos dos Ainur se confundiram, e silenciaram. E a Música de Melkor soava –
um violino diabólico: uma veloz flecha negra. E o Canto se erguia numa onda amargamente salgada,
e faíscas esverdEädas luziam em seu topo – sobre as verdes e douradas ondas densas da música de
Eru, ela voava como um vento gelado e ardente, e rasgava como um punhal a brilhante, irisada de
suaves acordes, invariabilidade surda. E a música do Único se dissolveu, e somente a
impensadamente linda voz doente de um violino solitário ecoa na morada clara: o Tempo nasce da
sua inexistência, e o coração do desconhecido pulsa com o fogo do Movimento eterno…
“Você vê demais”, – respondeu Eru, mas o Alado não baixou os olhos.

Então Ilúvatar ficou sombrio. Ele ergueu a mão direita, novamente jorrou a música, e aos Ainur
pareceu que nunca antes eles haviam ouvido música mais bela.

Melodia de Eru – refinadamente bela, doce e suave, sombrEäda por uma leve tristeza, corria
perante os olhos dos Ainur com a sedosa transparência cor de água-marinha das harpas e fitas
pastel dos ecos do cravo – gotas de pedras preciosas escorrendo lentamente entre os dedos.

Mas a música de Melkor também alcançou a concordância: rebeldes e amEäçadoras vozes inquietas
das trombetas – pesada bronze negra, afiado aço escurecido, a prata amarga das tríades em
menores. Uma pontada de dor – a espiral de gelo e estrelas da voz do violino; mãos unidas em
súplica – o cintilar das ametistas escuras – a calma funda e um pouco amarga do violoncelo; o
negrume gótico do órgão – grandeza da dor, a fria sabedoria da Eternidade; montanhas desabando,
avalanches caindo no abismo… Em alguns momentos, a Música como que lutava consigo mesma –
sons opacos, vermelhos e salgados; em alguns momentos, voava para o alto – e, não se sabe de
onde, surgia um triste, transparente como uma fonte, o tema de uma flauta solitária, que
transpassava o coração trêmulo como uma agulha de prata. E o ritmo surdo – batimentos do
coração – unia milhares de diferentes e estranhas melodias. Parecia que as paredes luminosas das
mansões se derretem, se dissolvem, desaparecem, e com milhares de olhos olha o Escuro, e o veloz
vento negro rasga o ar parado.

…Olhe: a sua frente está o Caminho – a clara lâmina-facho de gelo; pise nele – o Portão está aberto,
você está livre – como se tivesse enormes asas nas costas. Isso é o fim – é o começo – é uma dádiva
desconhecida… Isso – é a Eternidade olhando para o seu rosto com olhos de ametista da esfinge…

O que é isso?

Você sabe: isso é o Escuro. Veja como a luz nasce no Escuro, brota do Escuro, como das cintilantes
gotas-sementes escorrem em brotos finos e ainda fracos as estranhas melodias da vida…

O que é isso?

Você sabe: isso são as estrelas, isso são os mundos, isso é o Existir, isso é Eä. Veja como o Escuro
estende a mão para a Luz: eles não são inimigos, eles são duas metades, duas partes de um inteiro:
aeli ischani tael.

O que é isso?

Você sabe: isso é a Chama, isso é o fogo eterno do Movimento, isso é o início da contagem do
Tempo, isso é – a vida…

E os dois temas se entrelaçaram, mas não se misturaram, completando um ao outro, mas não se
unindo em um só. E a Música de Melkor era mais forte, pois com ela irrompia no Vazio a força de Eä,
aquele Canto dos Mundos pelo qual foi gerada a Música do Alado, que dá a existência, que expulsa o
Nada. E Eru viu que o Alado vencerá nesta luta e que é imenso o poder dele, e não é no Único que
está a fonte dessa força.

“…No meio dessa contenda, na qual as mansões de Ilúvatar sacudiram, e um tremor se espalhou,
atingindo os silêncios até então impassíveis, Ilúvatar ergueu-se mais uma vez, e sua expressão era
terrível de ver. Ele então levantou as duas mãos, e num acorde, mais profundo que o Abismo, mais
alto que o Firmamento, penetrante como a luz do olho de Ilúvatar, a música cessou.”

Assim, irado, Eru interrompeu a Música, e seu último acorde dizia: “Aquilo que será daí em diante,
você não verá”. E de novo Melkor não baixou os olhos. Mas também o próprio Ilúvatar não poderia
ver o que acontecerá daí em diante.
E quando ele viu aquilo que a Música criou, compreendeu que a força de Eä o havia vencido. E odiou
Melkor, e em seu íntimo amaldiçoou-o. Mas os outros Ainur ainda eram obedientes a ele. Então
Ilúvatar falou assim:

– Poderosos são os Ainur, e o mais poderoso dentre eles é Melkor; mas, para que ele saiba, e saibam
todos os Ainur, que eu sou Ilúvatar, essas melodias que vocês entoaram, irei mostrá-las para que
vejam o que fizeram. E você, Melkor, verá que nenhum tema pode ser tocado sem ter em mim sua
fonte mais remota, nem ninguém pode alterar a música contra a minha vontade. E aquele que
tentar, provará não ser senão meu instrumento na invenção de coisas ainda mais fantásticas, que
ele próprio nunca imaginou.

E então os Ainur sentiram medo, e não podiam, ainda, entender as palavras que foram lhes ditas;
somente o Alado olhou em silêncio para Ilúvatar e sorriu. Mas o seu sorriso era triste.

Então Eru abandonou as suas mansões, e Ainur o seguiram. E Eru disse a eles:

– Contemplem a sua música!

Os Ainur receberam aquilo que lhes pareceu uma visão transformando em visível o que antes era
Música; mas ninguém, além de Melkor e Eru, sabia que isso não era uma visão, mas a rEälidade. E
Ainur viram o mundo nas carinhosas mãos do Escuro mas, por não conhecer o Escuro, o temiam e
não o compreendiam. E Eru colocou em seus corações cegos: Melkor criou o Escuro; pois Eru já não
conseguia ocultá-lo, somente proibir que o entendam e aceitem estava a seu alcance. E os Ainur
sentiam medo de olhar para o Escuro e nada viam nele, e por isso não conheciam e não viam a Luz.

Mas enquanto os Ainur olhavam, estupefatos, para o mundo novo, a sua história começou a
desenrolar-se para eles. Então novamente falou Ilúvatar:

– Contemplem a sua música! Este é seu repertório. Cada um de vocês encontrará aí, em meio a
imagem que lhes apresento, tudo aquilo que pode parecer que ele próprio inventou ou acrescentou.
E você, Melkor, descobrirá todos os pensamentos secretos da sua mente e perceberá que eles são
somente uma parte do todo e subordinados à glória dele.

E Alado viu que Eru deseja envergonhá-lo com estas palavras; e novamente sorriu ele, e estranho
era este seu sorriso, e nem os irmãos dele, nem Ilúvatar o compreenderam.

E muitas outras palavras disse Ilúvatar aos Ainur naquele momento. Assim isso é contado em
Ainulindalë:

“…E, em virtude da lembrança das suas palavras e do conhecimento que cada um tinha na música
que ele próprio criara, os Ainur sabem muito do que foi, do que é e do que será, e deixam de ver
poucas coisas. Mas algumas coisas há que eles não conseguem ver, nem sozinhos nem reunidos em
conselho; pois a ninguém a não ser a si mesmo Ilúvatar revelou tudo o que tem guardado; e em cada
Era surgem novidades que não haviam sido previstas, pois não derivam do seu passado…”

E Alado viu que, apesar de ter encarnado no mundo os planos do seu coração, o seu trabalho ainda
estava inacabado. E os Ainur surpreenderam-se ao verem que chegaram ao mundo novas criaturas,
que não estavam nos seus pensamentos. “…E perceberam que eles próprios, na elaboração da sua
música, estavam ocupados na construção da sua morada, sem saber, no entanto, que ela tinha outro
objetivo além da própria beleza. Pois os Filhos de Ilúvatar foram concebidos somente por ele; eles
não estavam no tema que ilúvatar propusera no início, e nenhum dos Ainur participou da sua
criação…”

Então os Ainur viram a chegada dos Elfos, o Primeiro Povo; e os amaram, pois podiam os
compreender. Por isso pensavam pouco sobre os sucessores – os Homens.

“Ora, os Filhos de Ilúvatar são Elfos e os Homens, os Primogênitos e os Sucessores. Em meio a todos
os esplendores do Mundo, seus vastos palácios e espaços e seus círculos de fogo, Ilúvatar escolheu
um local para habitarem nas Profundezas do Tempo e no meio das estrelas incontáveis…”
Mas Melkor olhava para os homens e via que eles são a encarnação dos seus planos, estranhos e
livres, diferentes dos Ainur e dos Primogênitos. E eles receberam dádivas incompreensíveis aos
Ainur: liberdade e direito de escolha. Eles poderiam mudar não somente o próprio destino, mas
também os destinos do Mundo, e não obedeceriam nem aos Poderes de Arda, nem mesmo ao Único.
E, ao morrer, eles partem por caminhos desconhecidos, pra além do limiar de Arda, por isso os
chamam de Visitantes ou Forasteiros.

Nem Ainur, nem Eru não conheciam nem a essência, nem o sentido dessas dádivas, pois estas eram
dádivas de Melkor. Mas depois, os Ainur chamaram a Morte de a Dádiva do Único, pois esta era
verdadeiramente grande e incompreensível a eles…

E os mais fortes dos Ainur inclinaram seus pensamentos àquele mundo que viam, e Melkor foi o
primeiro deles. Mas assim se dizia depois:

“…Desejava submeter à sua vontade tanto Elfos quanto Homens, por invejar-lhes os dons que
Ilúvatar prometera conceder-lhes; e Melkor desejava ter seus próprios súditos e criados, ser
chamado de Senhor e ter comando sobre a vontade dos outros…”

Os Ainur olhavam com surpresa e alegria para o mundo novo; e naquele tempo Ilúvatar o chamou
de Pequeno Reino, Arda. As antigas palavras do Escuro, palavras de Eä eram a língua de Eru e Ainur,
pois Ilúvatar desconhecia outras palavras. Mas, tal como a não-Luz ofusca os outros fogos e expulsa
o Escuro, assim Eru tornou obscuro o sentido da língua de Eä, e o significado das palavras foi
perdido e trocado, esquecido e reinventado. Por isso não são muitos os que sabem e lembram que o
nome dado ao mundo era, na língua de Eä, Arta, Terra.

Coisas distintas atraíam as almas dos Ainur no novo mundo. E a água, que se chama Esse na língua
do Escuro, era mais próxima ao Ainu Ulmo. E, ao ver isso, assim pensava Melkor:

“A água corrente leva a tristeza, o marulho traz visões, a água da fonte cura as feridas da alma… Em
verdade, bela é a água… E a aliança da água e do gelo criará o novo e o belo… Veja, meu irmão, os
castelos de gelo, como se fossem fundidos da luz das estrelas; ouça – e ouvirá os galhos congelados
das árvores tinirem no vento, ouvirá flores gélidas se abrirem – inalcançáveis, como vagos sonhos
tristes; e o mais leve toque da respiração morna os faz desaparecer. E o manto de estrelas de neve
cobrirá a terra no frio, para aquecer os brotos das ervas e das flores, que deverão desabrochar na
primavera… Você vê tudo isso, meu irmão? Que sejamos aliados nos nossos trabalhos, e que o
mundo se embeleze com as nossas criações!”

Mas Ilúvatar começou a falar, e disse a Ulmo:

– Não vê como aqui neste pequeno reino, nas Profundezas do Tempo, Melkor atacou sua província?
Ele ocupou o pensamento com um frio severo e implacável, mas não destruiu a beleza das suas
fontes, nem de seus lagos cristalinos. Contempla a neve, e o belo trabalho da gEäda!..

E Melkor pensava:

“Maravilhosas coisas novas serão criadas pela união do fogo e da água. E haverá no mundo nuvens,
semelhantes a castelos de ar, sempre mundanas e inalcançáveis; e aqueles que virão ao mundo
verão nelas os ecos dos pensamentos e sonhos deles, e as chamarão de Canto do Céu. Sobre as
lagoas noturnas nascerão neblinas, vagas e movediças como miragens, como sonhos semi-
Esquecidos… E as chuvas lavarão a terra, acordando para a vida os vivos. Que seja sólida a nossa
união, que se embeleze o mundo com as nossas criações, que ele se torne a pérola de Eä!”

E Alado sorriu.

Mas falou Ilúvatar assim:

– Melkor criou calores e fogo sem limites, e não conseguiu secar seu desejo nem sufocar de todo a
música dos mares. Admira então a altura e a glória das nuvens, e das névoas em permanente
mutação; e ouve a chuva a cair sobre a Terra! E nessas nuvens, você é levado mais para perto de
Manwe, seu amigo, a quem ama.

E assim pensou Ulmo:

“Quão cruel é Melkor, se desejou matar a música da água! Em verdade, não é ele um criador, mas
um destruidor; e prevejo eu que ele se tornará um inimigo a nos”.

E na mesma hora Ulmo desviou o seu espírito de Melkor. E assim respondeu ao Único:

– Na verdade, a Água tornou-se agora mais bela do que o meu coração imaginava. Meu secreto
pensamento não havia concebido o floco de neve, nem em toda a minha música estava contida a
queda da chuva. Procurarei Manwë para que ele e eu possamos criar melodias eternamente para
seu prazer!

E quando o Alado ouviu isso, o seu sorriso tornou-se triste, pois ele compreendeu os desejos de
Ilúvatar e os pensamentos de Ulmo.

Mas enquanto Ulmo falava, a visão apagou-se, e assim foi porque Ilúvatar interrompeu a Música.

Então houve inquietação entre os Ainur, mas Ilúvatar os chamou e disse:

– Conheço o desejo em suas mentes de que aquilo que viram venha na verdade a ser, não apenas no
pensamento, mas como vocês são e, no entanto, diferente. Logo, eu digo: Eä! Que as coisas Existam!
E mandarei para o meio do Vazio a Chama Imperecível; e ela estará no coração do Mundo, e o
Mundo Existirá; e aqueles de vocês que quiserem, poderão descer e entrar nele.

Assim, pelo nome do universo – Eä – foi chamado o mundo, e de agora em diante esta palavra
significava o Mundo que É na língua dos Fiéis.

E o primeiro daqueles que escolheram o caminho dos Valar, Poderes de Arda, foi Melkor, o mais
poderoso deles. Então assim falou Ilúvatar:

– Agora o seu poder será restrito pelos limites de Arda, enquanto esse mundo não ficar finalizado
inteiramente. E que seja assim: de agora em diante vocês serão a vida deste mundo, e ele será a sua
vida.

E diziam depois os Valar: assim é a necessidade do amor deles ao mundo, que eles não poderão
abandonar os seus limites.

Mas, ao olhar para Alado, Ilúvatar pensava assim: “Nunca mais você perturbará a Minha
tranqüilidade, e nunca vencerá – um contra todos neste mundo! Que seja a Minha vontade, e que
você esteja para sempre preso a ele pela Minha ordem”.

E Ilúvatar somente atirou ao Alado, em despedida:

– Você vê demais!

Mas o Alado nada lhe respondeu e partiu. E treze Ainur o seguiram.

E depois, vendo que Melkor não se resignou à vontade dele, Ilúvatar enviou a Arda o décimo quinto
– Vala Tulkas, chamado de Ira de Eru, para que ele combata ao renegado.

…E ele viu o mundo, e pareceu-lhe – este é o coração de Eä; uma onda de carinho e de uma tristeza
incompreensível tomou conta da sua alma. E Alado estava feliz – mas a felicidade misturava-se à
dor; e ele sorria, mas lágrimas estavam em seus olhos. Então ele estendeu as mãos – e o coração de
Eä deitou nas suas palmas como uma estrela trêmula, e o seu nome era Cor, o que significa –
Mundo. E Alado riu feliz, alegrando-se com o jovem, belo e indefeso mundo.
…Parecia que aqui não há nada além das nuvens de vapor escuro e chamas furiosas. Somente
relâmpagos branco-azulados flagelam o caos de nuvens, acertam o mar de fogo escuro. E é quase
impossível adivinhar como será este jovem mundo em fúria. É por isso que os outros Valar receiam
entrar nele: a fúria dos elementos é diferente demais daquilo que foi revelado para eles na Visão do
Mundo.

Ele alegrava-se, sentindo as forças do mundo que despertava. E não é isso uma alegria – olhar para
o rostinho do recém-nascido, adivinhar como ele será? Não é alegria – quando sinais desconhecidos
de fogo ganham para você um significado, juntando-se em palavras de sabedoria? Não é alegria –
sentir a melodia que nasce do caos de sons? Milhares de melodias, milhares de temas se
transformarão em música, atados somente pelo ritmo comum. Milhares de temas, milhares de
caminhos, e não é ele que decidirá agora como será o caminho do mundo, como será a face dele.
Somente ouvir. Só se tornando uma coisa só com este mundo é possível compreendê-lo.

Ele era o coração ardente do mundo, ele era as montanhas, que se elevavam em direção ao céu em
colunas de fogo, ele era o pesado manto das nuvens e deslumbrantes traços dos relâmpagos, ele era
o veloz vento negro… Ele ouvia o mundo, ele era o mundo, uma nova melodia que se enlaça ao
eterno Canto de Eä.

Por alguma razão ele não temia perder a si, dissolvendo-se nas chamas do mundo. O coração dele
batia forte e ritmicamente, e de repente ele percebeu – aqui está aquele pilar que ajudará o mundo
a encontrar a si mesmo. Se alguém o visse ele agora, o consideraria um deus – terrível, grandioso e
belo. Lentamente acalma-se a fúria dos elementos, e ele já está no topo de uma montanha, com
vestes de chamas escuras, com asas de fogo nas costas – como a alma do mundo encarnada: coroa
de relâmpagos está sobre a sua cabeça, e o vento negro são os seus cabelos. Ele ergue os braços ao
céu, e de repente surge um silêncio ensurdecedor: rasga-se a densa camada de nuvens, e sobre a
cabeça dele acende-se a Estrela. E soa a Música, e com uma amargura clara nela se enlaça a voz da
Estrela…

De agora em diante será assim para sempre: para ele não há vida sem o mundo, e não há vida para o
mundo sem ele.

Arda, Reino. Arta, Terra. Cor, Mundo.

“Eu dou a você um nome, coração de fogo. E chamo você – Arta; e enquanto soa o seu canto em Eä,
você se chamará assim“.

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