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Ele pensou estar morto. Ela também pensou. Ele esteve de fato, e voltou.
Todos terminarão surpreendidos. Surpresas da vida, da morte e do amor.
vide trailler em
http://www.youtube.com/watch?v=vqigwNKRI9g
Ele pensou estar morto. Ela também pensou. Ele esteve de fato, e voltou.
Todos terminarão surpreendidos. Surpresas da vida, da morte e do amor.
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Ele pensou estar morto. Ela também pensou. Ele esteve de fato, e voltou.
Todos terminarão surpreendidos. Surpresas da vida, da morte e do amor.
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(Viagem para fora do corpo) O ar pesado da temporada ecoa como um marulho paralelo, sepultando os pensamentos benignos, levando ao lucro e ao prazer. A gaivotas porém planam e pairam, só elas próprias conhecem o teor de sua melodia. O turista acredita estar preparado. Férias é um conceito amplo e deformável.
Dionísio, o dono do único supermercados do
balneário, tenta entender, pasmo.
Nariz e maxilar rígidos. Os músculos se
cristalizaram. Os feixes transportavam intenso mal-estar para toda a alma. A pele que recobre o ninho de desconfortos é salpicada de calores e pontos frios; e a alternância mórbida produz um repuxamento muscular com plenos poderes sobre o pensamento. Era a síndrome de abstinência. Estava acostumado. Mas não o suficiente para que a nova crise fosse menos apavorante. Decidiu que preferia não viver mais, não à mercê desse hediondo fantasma. Lembra-se de ter passado no bar.
Entretanto, isso aqui é um hospital.
Conquanto exista esse esforço dedicado e
crente, o mesmo do pioneiro que determina eqüidistâncias, esse anelo cósmico, havia a contemplação apenas, como um anjo da escada de Jacó não se deslumbrará com os degraus abaixo. Dionísio reflete e transpõe. Toda essa glória não pode virar medo. Olha. Médicos e enfermeiras em frenesi. Mas por que não consegue se comunicar? Que modo tristonho de estar morto. Porque do alto também via a si mesmo, ali deitado, como se seus olhos fossem câmeras de circuito interno da sala de cirurgia.
Morto mesmo? Desejou regressar. Alguém me
veja e haja retorno ao que tento expressar. Nada. Aparentemente perdera todo contato com o mundo e o mundo sem traumas lhe sobrevive. Deus. A volta de uma onda, daquelas lá, não teria tamanha força e tão irracional. É assim essa memória. Três tiros à queima-roupa antecedidos por uma maldição – Desgraçado! Leva isso para o inferno! – quando encontrava a jovem a quem dera carona na avenida Beira- Mar. Ai, o prazer da sedução em dor tornado, sem tempo sequer para arrependimento. E deveria se arrepender? Malditazinhas... Colocam esses shortinhos, enlouquecem a gente, e depois chega um marido ciumento e acaba com tudo. Não é justo.
Não sentiu dor ou medo, apenas disse consigo
mesmo que, oh meu Deus, ia morrer. O dono da mercearia o amparou. Quando alguém estendeu um lençol sobre seu rosto, pensou ter gritado para que não fizessem aquilo, ele estava ali, iam acabar enterrando um vivo. Bem que alguns de seus conhecidos diziam que algo assim ia acabar acontecendo. Mas não tão cedo. E afinal nem fizera algo assim tão adúltero. Então viu sua pequena Demi, a meiga sofredora das doenças dele. Batia nela, traía, ignorava. O que mudou desde que se casaram? Ele também sempre foi um bom rapaz, íntegro, trabalhador. Mas começaram a escarnecer dele, chamaram- no de crente, e isso era a pior ofensa. Aí mudou. Afastou-se da esposa, passou a andar com as vagabundas, tornou-se alcoólatra, uma companhia desagradável e fedorenta, deixou de lado a velha honestidade nos negócios. Quando o efeito passava e caía em si, sentia-se sim o pior dos adúlteros.
Os médicos a estavam pondo a par da morte
dele. Que morte? Esses doutores compram os diplomas! Seu espírito errante turbava-se, agitado. Tudo ficou negro de repente. A seguir viu o túnel e lá no finzinho uma luz. Seria possível que estivesse mesmo morto? Não. Tinha certeza de que não estava morto – tanta quanto estava fora de seu corpo. E o que isso prova? Projeção astral não é um fenômeno recém-descoberto. O tal professor Tard escreveu a respeito, narrando as experiências de pessoas quando submetidas a demasiada proximidade da morte ou mesmo quando por instantes dados como clinicamente mortos – seria o caso?
Demi não termina de ouvir, rebenta em
lágrimas. Pobrezinha... Não sabia exatamente quando deixara de adora-la. Porque, se a adorasse, não haveria escárnio que o fizesse mudar – não para procurar fora de casa o que ali ela dava com tamanho gosto; menos ainda para bater nela, bem, ele chegou a achar que punha tão pouca força que nem doía, quase acreditou que ela gostava, louco. E como era apaixonado! Foi a bebida, sem dúvida. Esse vício maldito, só pode.
Agora percebe uma corrente prateada ligando
seus corpos. Como Deus é sábio... Um mecanismo para que não se perdesse no infinito. A consciência de que plana, uma sombra sobre seu rosto etéreo. Os poderes o iluminam de súbito, inesperadas luzes da morte, anelo de atravessar paredes e percorrer grandes distâncias num átimo, latejando no desejo de rever a filhinha. Encontra-a agradecendo a uma coleguinha pelas condolências. Papai bebia muito, foi melhor assim, se continuasse vivo iria sofrer mais e mais. Erro primário da idéia condescendente de que os vícios não o impediam de ser um bom pai, que amava mais que tudo sua garotinha. E onde está o menino, meu Deus, o que será dele com semelhante exemplo em casa? O futuro goteja das folhas, impregna o sereno. Que jovem seria uma menina amada assim tão sem compromisso? Passam pela noite jovens e jovens daquele tipo com as quais traíra Demi. A luz das estrelas distantes ainda não o iluminou.
Uma decisão. Esteja ou não morto. Se está fora
do corpo e tem poderes, tirará partido enquanto durar. Não mais questionará. Irá oferecer algum socorro a eventuais almas na mesma situação. Pois não haveria de ser um caso único. Quantos como ele, baleados, afogados, queimados, não estariam vagueando em temor? O cirurgião chefe e as residentes modelo apertam o passo pelos corredores , parentes choram na sala de espera. Todos terão amado assim as vítimas? O dragão e sua chama, quis dizer câmera, essa coisa deve afetar também a expressão das palavras. Ali ela, o pivô de tudo. Faz frio assim para roupas tão escuras? Dionísio sente o calor impregnando a blusa e a pulsação apertando o jeans.
O que é novo tem atributos do céu e do inferno.
Deseja em seu íntimo – e esta mos falando do
que é definitivamente íntimo – servir ao semelhante. Todavia não desprende a consciência dos bloqueios individualistas. Permanece assim girando em torno de si mesmo. Um momento. Um plano de seu bairro.A visão libertadora. Demi. Desce até o apartamento. Pela primeira vez desde que deu por si, não passa pela cabeça a possibilidade de ser enterrado vivo. A mulher deveria agora estar no quarto, chorando, sozinha para não impressionar ainda mais as crianças, depois de um dia estressante de trabalho, do qual não podia prescindir, costurando para fora. Desde há muito ele não é um provedor, sob a desculpa de que a renda dos aluguéis incorpora esse papel; não, é ao contrário o dissipador. E agora, terá chorado com a notícia, chorado por ele, infeliz. E sempre havia, quando chegava em casa à noite, havia uma roupa limpa em cima da cama para depois que tomasse banho e a janta quente no fogão, que ele quase nunca comia, preferindo os salgados suspeitos do bordel, quando não pagava jantar para dois num bom restaurante, se era o caso de impressionar uma jovenzinha de fora.
Atravessa a parede de seu quarto em encontra a
mulher. Ela porém não chora. Há um tom rosado desconhecido em suas faces. Um insight, uma fagulha de felicidade. É um alívio perceber que ela resiste bem e consequentemente seus filhos suportarão melhor. Nem percebe ele que começa a se comportar como se de fato não fosse voltar.
E ia.
Um residente descobre o engano por acaso.
Contará para seus netos. E, procurando ser discretos, recolocam o paciente na mesa de operações. Por enquanto porém a descoberta não havia sido suficiente para traze-lo de volta a seu corpo físico e permanecia vagando. Ignora que é uma experiência astral com hora marcada para acabar.
Pairou sobre a delegacia e lá desceu. Queria ver
seu assassino. Pelo que podia ouvir, era aquele da cela à direita. Deu tudo de si para se lembrar, mas o rosto era de todo estranho. Não havia um companheiro de cela para que, através de uma conversa, ele pudesse entender. Mas logo o delegado o chamou, tinha visita. Já a mulher que entrou possuía um rosto de todo conhecido. O que fora fazer ali? Tentou avisa-la para se cuidar, talvez fosse um desequilibrado mais que um namorado ciumento ou um assassino de aluguel.
A mulher fizera um escândalo antes de entrar. O
delegado acalmou-a, permitiu que visse o assassino mas isso só para que, como ela disse, olhasse nos olhos daquele maldito que não teve misericórdia e deixou duas crianças órfãs. O espírito do marido percebeu que Demi deixara um papel nas mãos do assassino antes de sair. Aproximou-se. Um calafrio se apoderou do homem, um frio tão intenso que se encolheu, o papel em sua mão, tremendo. Não era tremor bastante que fosse impedimento para o espectro do homem de cujo corpo no hospital era extraída a terceira bala. Leu.
Marcel fazia parte de uma casta de homens
singulares, generosos e educados, contudo de gênio difícil, que poderia leva-lo a uma grosseira desproporcional com o incidente que a gerara ou simplesmente faze-lo feroz, sem lugar para a bondade – e aqui, independente do caso, no fundo sabia estar errado, pois qualquer circunstância é passível de misericórdia. Mas era mais forte que ele. Libriano, a justiça – nem sempre justa – o controlava e descontrolava.
Trabalhava elaborando e dirigindo projetos
como prédios, obras de saneamento e pontes, como atualmente sucedia com a ligação entre os povoados de Iorentin e Amupi. Durante o trabalho, tornara-se amigo do chefe-de-obras, morador na cidade vizinha de Nahico. Chegou a flertar com a filha caçula do colega, Brenda.
Os pais dela faziam tanto gosto na união que
passaram a dizer ao namorado da moça, adolescente como era, que raramente nos últimos tempos ela vinha em casa, a não ser para dormir, que estava morando em Iorentin e trabalhando em Amupi, insinuando que era também o que ele deveria fazer, cuidar da própria vida, uma vez que se dedicava tanto ao grupo musical de que era líder e vocalista. A jovem também, uma vez que, quando se encontrou com o rapaz, confirmou a estória dos pais, mesmo sem conhecimento prévio do que eles disseram. Depois, achou de fato uma boa idéia para impressionar Marcel e realmente se inscreveu num curso de idioma e arranjou um bom emprego entre as cidades mencionadas.
Não se pode dizer que Marcel não estivesse
interessado em Brenda porque, enfadado de sua profissão, esforçava-se para fazer-se admirado pelas mulheres e a matéria dessas admirações caracterizava-se ´por magias específicas que transmudavam uma noite insossa num período fértil de sedução. Mas jogava esse jogo pelo prazer de jogar, nada mais. Uma noite contudo uma peça se acrescentou à partida. A filha mais velha, Demi, entra pela porta, solene, enquanto estavam na mesa.
Quando olhar de Marcel se cruzou com o dela,
seu coração disparou. Estava ela para dar cabo da vida, muito infeliz. Voltava a apanhar do marido e nem podia reclamar, pois quando resolvera se casar afrontou a vontade dos pais. Eles deixaram claro que quando se arrependesse, não estariam ali para a consolar, uma vez que Demi não lhes dera nem mesmo o benefício da dúvida, de pôr a prova aquele noivo por mais algum tempo, não, quis casar-se logo, como se estivesse em chamas, e estava, e quão depressa se apagaram ao ser o álcool derramado sobre elas, quando o homem esbelto por quem estava apaixonada deixou em seu lugar um bêbado pançudo dos mais ordinários.
Na cadeia, passado o frio quando o espectro se
foi, Marcel leu o bilhete que dava conta de que o homem por ele baleado deveria se salvar. Acostumado ao processo do amor, à atração física inicial, os galanteios, as resistências, os momentos sensuais da amizade entremeada de sexo – cada vez mais esparso – até o rancor pelos motivos mais sem sentido, dos quais o mais comum é a raiva contra a pessoa que nos apresenta ao tédio e ao desencanto. Mas matar por amor, era impensável. E, ao passo em que se acostumava àquela sensação, um absoluto desafio a seus valores e à mais inerente estrutura de ser, como tudo, passava a se acreditar capaz.
Para todos os efeitos, vira a esposa da vítima
apenas uma vez, na casa dos pais dela, quando na verdade, ainda naquela noite a viu de novo, e todas as vezes que ela ía para fazer compras, única saída que o marido permitia. Para plena verossimilhança do combinado, segundo o qual matara por ter se revoltado com a idéia de um homem espancando a mulher covardemente, mantém um relacionamento com Brenda, no qual cria álibis, incentiva-lhe a falar das confissões que a irmã lhe fazia e se mostrava indignado (o que não era difícil, apenas de afetado, porque se indignava realmente). Orgulha-se de pensar que só não agiu às claras para preservar a amante.
No bilhete que recebera, havia apenas três
palavras, mas que como Eu te amo ou Por favor Socorro, diziam tudo. “Ele vai sobreviver”. Quando se soube que assassinato não houve mas apenas a tentativa, ficou fácil para o advogado deixa-lo livre. Tornou a se encontrar com a mulher do dono do supermercado na calada da mesma noite e se amaram como da primeira vez. Ela estava feliz, profundamente, o que não impedia entretanto que aqui e ali se mostrasse receosa pelo fato do marido ainda viver. Quando contava a respeito dele, das surras que levava, das amantes que ele tinha, das humilhações por que a fazia passar, indignado Marcel garantia que daria uma lição nesse miserável. Ah, então é melhor mata-lo, ou acabara você morto antes, numa tocaia. É por isso que você não se separa dele?, pergunta Marcel, e ela responde, chorando, que é claro.
– Então seja, mato-o.
Se Marcel tinha essa coragem, Demi garantiu que o ajudaria com o dinheiro do próprio marido a se livrar da prisão. – Então iremos para bem longe, porque aqui terá se tornado impossível viver.
Agora, recordando ao lado de Demi aquela
conversa, Marcel verifica que sua própria situação não se beneficiaria tanto da sobrevivência da vítima. Estava livre da prisão mas não para sair do país. Na verdade, não poderia sequer sair da cidade. E como continuar se encontrando com Demi sem levantar suspeitas contra ela?
O desfalecimento dela é puro terror ao se
deparar com a visão. Não podia acreditar mas era, sem dúvida, seu marido, Dionísio. Acaba de aparecer diante dela e do amante – e não podia ser, como, quando saíra do hospital? A voz do homem que deveria estar morto soava no silêncio com ecos infernais. Conseguira!, rejubilava-se Dionísio, materializara-se, viam-no e era ouvido! Seu olhar buscou a parte alcançável da alma de Marcel, o fundo dos olhos dele, onde vê a sinceridade do amor que a Demi ele devota. Pois que sejam felizes. Ele dará o divorcio e quanto a pensão será justo.
Olhando Dionísio na porta, Demi não podia
evitar o horror e a palidez natural de seu rosto tornou-se pura morbidez. Gaguejando, duvida da boa intenção manifestada pelo marido. Decorreram alguns minutos na sobrenatural da respiração do casal na cama. O talhe do marido, difuso na penumbra, causa grande pavor na mulher e em Marcel uma sensação estranha, longe de qualquer coisa assemelhada a terror.
Era uma noite vazia, silenciosa, e os morcegos
velozmente cruzavam os céus e as mariposas pairavam nos postes da rua. Marcel não pôde encontrar um porquê mas teve certeza de que o homem estava sendo sincero. Era como se auscultasse a alma. Quis expressar essa convicção para a amante porém Demi se negava a crer e ele supôs que deveria perdoar-lhe aquela insensibilidade específica, vez que tanto havia sofrido e decerto não lhe era fácil desarmar-se assim de antigos sentimentos dum instante para outro e acreditar que quem tanto a maltratara pudesse agora ser uma pessoa diferente.
Enquanto contemplava Marcel em sua cama, ao
lado de sua mulher, e isso não modificava sua serenidade e desejo que ela acreditasse que o que ele dizia, dizia de coração, Dionísio sentiu o maxilar enrijecendo de modo opressor e houve o desconforto nos músculos, e um mal-estar angustiante se espalhou por seus nervos, interferindo na clareza dos pensamentos. Pense no que eu disse, mulher, agora tenho de ir.
No hospital, os olhos e a respiração de Dionísio
davam aos médicos e enfermeiras que o cercavam claros indícios de que despertava e em seu coração um aperto emitia o mesmo sinal. Uma concatenação dolorosa das idéias apontava para a vida onde novamente entrava com o corpo ferido à bala. Na sua cama, após se entreolharem longamente, Marcel e Demi já sabiam um o que o outro pensava e tentavam mutuamente se dissuadir. Com a boca seca, ele pela primeira vez observava uma nuance difícil de ser amada no olhar daquela a quem tanto amara, a ponto de matar. (cont.)