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Conquanto não seja pacífica, a questão deve ser encarada de modo a preservar o
espírito da Lei, a qual, de maneira clara e objetiva, assegura o porte funcional de arma
de fogo ao policial em território nacional.
Façamos então uma análise ponto a ponto, a fim de entendermos que essa
prerrogativa é de fato legítima e, burlá-la de forma concisa, poderá, salvo
entendimentos contrários, gerar futuras responsabilizações aos recalcitrantes no
campo penal.
Diz o art. 6º, inciso II, da Lei Federal n° 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que é
proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos
previstos em legislação própria e para os integrantes de órgãos referidos nos incisos
do “caput” do art. 144 da Constituição Federal, dentre os quais se enquadram todos os
policiais civis (estaduais e federais) e militares brasileiros. O § 1o do mesmo artigo
estatui que as pessoas previstas nos incisos I, II (policiais), III, V e VI do “caput” do
artigo terão direito de portar arma de fogo de propriedade particular ou fornecida
pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, nos termos do
regulamento da Lei, com validade em âmbito nacional para aquelas constantes dos
incisos I, II (policiais), V e VI. Ou seja, é uma regra de abrangência nacional e, através
dela, reside o direito do policial, civil ou militar, portar arma de fogo no Brasil.
E tanto isso é verdade que, no âmbito da Polícia Civil do Estado de São Paulo, o art.
44 da Lei Complementar Nº 207, de 5 de janeiro de 1979, estabelece que os cargos
policiais civis serão exercidos necessariamente em regime especial de trabalho
policial, o qual se caracteriza pelo cumprimento de horário irregular, sujeito a
plantões noturnos e chamados a qualquer hora. Ora, se um policial, no caso o civil,
está sujeito a ser acionado a qualquer hora do dia ou da noite, é patente que ele,
mesmo estando de folga, deverá estar em prontas condições de dar a resposta
pretendida, fazendo uso de todos os instrumentos que a lei o autoriza o usar, como,
no caso, a sua arma de fogo.
De forma mais específica e ainda tomando como exemplo a centenária Polícia Civil
paulista, a nossa administração superior, atendendo aos comandos do Decreto
Federal nº 5.123, de 1º de julho de 2004, baixou a Portaria DGP-40, de 23 de outubro
de 2014, a qual, em seu art. 8º, diz que o policial civil, em razão das suas funções
institucionais, é autorizado a portar arma de fogo de propriedade particular, ou
fornecida pela Polícia Civil, em serviço ou fora deste, em local público ou privado,
mesmo havendo aglomeração de pessoas, em evento de qualquer natureza, tais como
no interior de igrejas, escolas públicas, estádios desportivos e clubes, em todo
território nacional. Isso espanca, assim, quaisquer dúvidas sobre a legitimidade do
porte de arma quando o agente esteja transitoriamente fora de serviço e necessite
ingressar armado em locais que estejam sob vigilância privada. Nesses casos o policial
civil deverá portar a sua arma de fogo de forma discreta, especialmente nos locais
onde haja aglomeração de pessoas, evitando constrangimentos a terceiros, salvo
quando em operação policial, trajando vestimenta e/ou distintivo que o identifique. E
a comunicação do porte de arma ao responsável pela segurança do local, sempre que
solicitado, deverá ser feita de forma discreta, mediante apresentação da carteira
funcional.
Entretanto, alguns poderão alegar que se tratam de normas internas da Polícia, sem
abrangência ao público externo. Entendemos o contrário. Essas regras
administrativas, ao contrário do que se pode parecer, foram editadas em obediência a
um mandamento vindo da própria Lei, a qual estabelece que quem disciplina o porte
de arma fora do horário de serviço são as próprias administrações das Polícias. E
estas, ao editarem regramentos administrativos, estão apenas disciplinando o que a
Lei já anteriormente autoriza. Diante disso, eventual burla a esses mandamentos
pode configurar desrespeito ao que determina a Lei Federal n° 10.826, de 22 de
dezembro de 2003 e o Decreto Federal nº 5.123, de 1º de julho de 2004 e, desacatá-
los, poderá, em tese, configurar crime de desobediência, o qual se constitui não por
ato de mera desobediência à Lei, mas por ato de menoscabo à ordem de um
funcionário público em atuação da Lei.
Diante disso, a fim de envergar legitimidade na sua conduta, o policial que se ver
impedido de ingressar armado em determinado local sob vigilância privada, deverá,
cordialmente, exibir sua cédula de identidade funcional ao responsável e, mais ainda,
alertá-lo sobre a existência de normas específicas, tantos as legais como as
administrativas, as quais em conjunto legitimam a sua intenção, advertindo-o das
possíveis responsabilidades em caso de não acatamento. Em havendo insistência na
negativa, o policial, sempre de forma serena, deverá providenciar, pelos meios
disponíveis, apoio externo e proceder como de direito, isto é, encaminhar o
recalcitrante ao Distrito Policial da área, preso se necessário, a fim de que os fatos
sejam analisados pelo Delegado de Polícia que, ao final, adotará as providências de
polícia judiciária pertinentes contra o faltoso.
É de bom tom esclarecermos que, no âmbito da Polícia Civil do Estado de São Paulo,
o policial civil, nos termos da Portaria DGP-40, de 23 de outubro de 2014, não está
obrigado a entregar sua arma ou respectiva munição como condição para ingresso em
recinto público ou privado, salvo nas hipóteses de submissão à prisão; durante
audiência judicial, a critério da autoridade judiciária; por determinação, ainda que
verbal, de Delegado de Polícia superior hierárquico e por determinação da autoridade
corregedora, sempre que tal medida se afigurar necessária. Fora isso, entendemos
que o policial civil não deverá entregar sua arma de fogo a quem quer que seja, e nem
tão pouco deixa-la em cofres particulares, sob pena de responder por eventual mau
uso ou inadequada destinação dela.
Dito isso cremos que o tema, se visto de maneira sensata e formal, não carece de
maiores dúvidas quanto a sua interpretação, cabendo aos coadjuvantes do impasse
apelarem para a cordialidade e o bom senso, afinal as regras existem e não só podem,
mas devem ser aplicadas em caso de desrespeito. O porte de arma do policial é
inerente ao seu cargo e, ceifá-lo desse direito é enfraquecer a linha de proteção da
sociedade, afinal a arma de fogo é usada, acima de tudo, para protege-la. Embora
focado no policial civil estadual, é certo que as demais instituições policiais possuem
regras próprias, cuja observância deve ser feita na mesma toada pelos administrados,
os quais, no policial, devem ver um amigo e aliado, e jamais um oponente.
NOTA
[1] LESSA, Marcelo de Lima. Busca pessoal processual, busca pessoal preventiva e
fiscalização policial: legalidade e diferenças. Revista Jus Navigandi, ISSN
1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5482, 5 jul. 2018. Disponível em: <https://jus.com.br
/artigos/61753>. Acesso em: 1 abr. 2019.
Autor
Marcelo de Lima Lessa