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Bases teóricas e epistemológicas da abordagem


dos perfis conceituais*

Eduardo F. Mortimer **
Phil Scott2 ***
Charbel N. El-Hani ****

Artículo recibido: 04-04-2011 y aprobado: 15-07-2011

Theoretical and epistemological grounds of the conceptual profile approach

Resumo: Neste artigo, discutimos A b s t r a c t : In this paper, we


bases teóricas e epistemológicas da abordagem dos address the theoretical and epistemological grounds
perfis conceituais, concebida como uma maneira de of the conceptual profile approach as a way of mo-
modelar a heterogeneidade do pensamento e da lin- deling the heterogeneity of thinking and speech in
guagem em salas de aula de ciências. Nós distinguimos science classrooms. We distinguish between two views
entre duas visões sobre conceitos: (1) conceitos como about concepts: (1) concepts as mental models or
modelos ou esquemas mentais de objetos ou eventos; schemes of objects or events; (2) concepts as showing
(2) conceitos como exibindo significados relativamente relatively stable meanings and existing only in natural
estáveis e existindo apenas nas linguagens naturais e languages or systems of knowledge, and differing from
nos sistemas de conhecimento, e diferenciando-se da conceptualization, a dynamic process taking place in
conceitualização, um processo dinâmico que ocorre nas the individuals’ minds, as a result of socially situated
mentes dos indivíduos, como resultado de interações interactions with external events or experiences. We
socialmente situadas com eventos e experiências exter- discuss learning as seen from the perspective of the
nas. Nós discutimos a aprendizagem da perspectiva da conceptual profile approach, treating as encompassing
abordagem dos perfis conceituais, tratando-se como the related processes of enriching conceptual profiles
envolvendo os processos relacionados de enriqueci- and promoting awareness of both the heterogeneity
mento de perfis conceituais e tomada de consciência and demarcation of ways of thinking and speaking.
tanto da heterogeneidade quanto da demarcação de Finally, we discuss whether the conceptual profile
modos de pensar e falar. Por fim, discutimos se a abor- approach is relativistic, arguing that it is, rather, an
dagem dos perfis conceituais é relativista, defendendo objective pragmatist approach.
que ela é, antes, uma abordagem pragmatista objetiva.

Palavras chave: Perfis conceituais, Heterogeneidade Key words: Conceptual profile, Heterogeneity of
do pensamento, Conceitos, Conceitualização, Prag- thinking, Concepts, Conceptualization, Objective
matismo objetivo. pragmatism.

*
Atas do VII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 2009.
**
Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais.
e-mail: mortimer@ufmg.br
***
Centre for Studies in Science and Mathematics Education (CSSME).
e-mail: p.h.scott@education.leeds.ac.uk
****
Departamento de Biologia Geral, Instituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia.
e-mails: charbel@ufba.br, charbel.elhani@pesquisador.cnpq.br

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Introdução a aprendizagem da linguagem social da


Salas de aula são lugares sociais com- ciência escolar, através de interações
plexos, nos quais um professor busca discursivas na sala de aula, entendidas
meios de interagir com dezenas de es- de uma perspectiva sócio-interacionista
tudantes com o intuito de desenvolver (Mortimer & Scott, 2003). Neste arca-
um ponto de vista particular, no caso do bouço, os seguintes referenciais são
ensino de ciências, a estória científica combinados numa síntese teórica que
(Mortimer e Scott, 2003), com o obje- se mostra possível pelo compartilha-
tivo de promover nos estudantes uma mento de uma série de pressupostos,
compreensão de conceitos científicos característicos de abordagens sócio-
(El-Hani e Mortimer, 2007). Em qualquer interacionistas ou sócio-culturais: a
sala de aula, há uma inevitável hetero- abordagem dos perfis conceituais,
geneidade de modos de pensar e falar, como ferramenta de análise de modos
que precisam ser modelados se tivermos de pensar; a teoria da linguagem do cír-
a intenção de produzir alguma teoria culo de Bakhtin, como referencial para
sobre o ensino e a aprendizagem. análise de modos de falar; a teoria de
Em meados dos anos 1990, Mortimer desenvolvimento das funções mentais
(1994, 1995) propôs os perfis concei- de Vigotski, como base para a análise da
tuais como uma maneira de modelar a aprendizagem; a estrutura desenvolvida
heterogeneidade do pensamento e da por Mortimer e Scott para a análise de
linguagem em salas de aula de ciências. abordagens comunicativas na sala de
Perfis conceituais devem ser entendidos, aula; e, mais recentemente, a análise da
pois, como modelos de diferentes manei- construção do conhecimento escolar em
ras de ver e representar o mundo que são termos da sociologia da educação de
utilizadas pelas pessoas para significar Basil Bernstein. Não teremos espaço, no
sua experiência. Eles foram inicialmente presente artigo, para tratar da integração
desenvolvidos como uma alternativa destas várias perspectivas num único
ao modelo de mudança conceitual de arcabouço teórico, sendo nosso intuito
Posner et al. (1982), recusando uma apenas situar a abordagem dos perfis
das idéias centrais deste modelo, a de conceituais dentro de um escopo mais
que estudantes deviam ser levados a amplo, passando agora a discuti-la de
romper com suas concepções prévias modo específico.
ao aprender ciências. Esta é uma recusa Para tanto, iniciaremos com uma dis-
que aproxima a abordagem dos perfis cussão sobre a natureza dos conceitos,
conceituais de outros desenvolvimen- distinguindo duas visões a este respei-
tos, como o construtivismo conceitual to na literatura em ensino de ciências.
de William Cobern (1996), que também Em seguida, trataremos dos perfis
propõem a coexistência de diferentes conceituais como maneira de modelar
modos de pensar e falar como resultado a heterogeneidade do pensamento e da
da aprendizagem de ciências. linguagem em salas de aula. E finaliza-
Em decorrência de desenvolvimentos remos com uma discussão das bases
posteriores, perfis conceituais foram epistemológicas dos perfis conceituais,
integrados a um arcabouço teórico que de modo a deixar claro que estas não
trata a aprendizagem de ciências como abrigam um compromisso com o relati-

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vismo, mas com outra posição filosófica, manifesto na forma de processos de


o pragmatismo objetivo (peirceano), que pensamento, baseados, por sua vez,
explicaremos brevemente, enfocando, em processos cerebrais, pertencentes
sobretudo, sua diferenciação em relação ao Mundo 1. A visão dos três mundos
ao relativismo e ao pragmatismo subje- de Popper nos ajuda a compreender a
tivo (jamesiano). diferença entre conceitos e conceitua-
lizações, que desempenha papel muito
O que é um conceito? mais importante nesta segunda visão do
Na literatura sobre ensino de ciências, que na primeira visão sobre conceitos.
podemos encontrar duas abordagens Na mente de um indivíduo, como parte
distintas sobre conceitos e conceituali- do segundo mundo popperiano, não en-
zações. Na visão dominante, conceitos contramos instâncias de conceitos, mas
são vistos como modelos ou esquemas um processo dinâmico, que podemos
mentais construídos pelos aprendizes chamar de conceitualização, ou, seguin-
que representam objetos ou eventos. do a Vygotsky (1978), de pensamento
Conceitos são tomados, assim, como en- conceitual.
tidades mentais relativamente estáveis A conceitualização é um processo
que são possuídos por um indivíduo. emergente, sempre produzido na in-
Neste caso, a mudança ou evolução teração socialmente situada entre um
conceitual é entendida como um pro- indivíduo e alguma experiência externa.
cesso por meio do qual estes esquemas Quando estamos falando de indivíduos
individuais sofrem algum tipo de trans- que dominam o significado de certo
formação. Na educação científica, isso conceito, o pensamento conceitual é
pode significar a aprendizagem pelo restringido por este significado, em
estudante de alguma forma do ponto de decorrência dos processos educacio-
vista da ciência escolar. nais pelos quais passaram aqueles
Há na literatura, contudo, uma outra indivíduos, mas, ainda assim, não se
visão sobre conceitos, de acordo com a trata de que eles estejam ‘lendo em voz
qual conceitos apenas existem no tercei- alta’ estruturas mentais mais ou menos
ro mundo popperiano (Popper, 1978; estabilizadas, que corresponderiam aos
Wells, 2008), como parte da linguagem conceitos. De uma perspectiva sócio-
natural ou de sistemas de conhecimen- interacionista, o fato de que temos a
to, como a ciência. Conceitos não são impressão de que “possuímos” conceitos
encontrados, pois, no primeiro mundo em nossa mente é um indício de quão
popperiano, que corresponde ao uni- poderosos são nossos processos de
verso físico, ou no segundo popperiano, socialização. O aspecto de permanência
pertinente à experiência consciente. no processo de conceitualização que nos
Ainda segundo Popper, conceitos são leva a esta impressão pode ser enten-
parte do conhecimento no sentido ob- dido, de uma perspectiva vigotskiana,
jetivo, pertencente ao Mundo 3 e exis- como uma tendência ou potencialidade
tindo apenas nos textos e na linguagem, de o pensamento conceitual, quando
como construtos sociais. No Mundo 2, plenamente desenvolvido, operar de
da experiência consciente, encontramos maneira similar diante de experiências
conhecimento no sentido subjetivo, que nós percebemos como similares. O

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pensamento conceitual, como processo (Rommetveit, 1979) são estabelecidos


emergente em cada interação com a ex- com base nestes significados estáveis,
periência, tende a repetir-se em aspectos construídos sócio-culturalmente e, como
que nos parecem centrais, e é isso que argumenta Vigotski, tendo a natureza de
nos permite usar conceitos repetida- generalizações. Aprender um conceito
mente, de modo similar, e, assim, pensar é aprender seu significado, generalizar,
através de conceitos e comunicarmo-nos passar de sentidos pessoais para signi-
uns com os outros de maneira efetiva ficados socialmente aceitos. A produção
por meio dos signos da linguagem. É evi- de sentido, por sua vez, é um processo
dente que estamos apoiando-nos, neste inteiramente pessoal: cada indivíduo
argumento, numa das idéias centrais de produz sentidos diferentes para uma
Vigotski, sua famosa lei genética geral mesma palavra e o mesmo indivíduo
do desenvolvimento cultural, segundo a pode também variar nos sentidos pro-
qual “qualquer função no desenvolvi- duzidos de contexto a contexto discur-
mento cultural da criança aparece duas sivo. Contudo, quando o pensamento
vezes, ou em dois planos. Primeiro, ela conceitual está plenamente formado, a
aparece no plano social, e então no plano produção de sentido é restringida pelos
psicológico. Primeiro, ela aparece entre significados socialmente aceitos. Não
as pessoas como uma categoria interp- que os significados não possam mudar,
sicológica, e então dentro da criança mas, quando o fazem, trata-se de uma
como uma categoria intrapsicológica” mudança que ocorre através de um pro-
(Vygotsky, 1978, p. 163). cesso social que, por assim dizer, se nu-
Outra idéia de Vigotski ajuda a en- tre da produção de sentidos dos sujeitos.
tender o que é permanente na concei- Há uma interessante relação dialética en-
tualização. Trata-se da distinção entre tre sentido e significado. Se conseguimos
sentido e significado. Escreve Vigotski: aprender o significado das palavras ao
“O sentido de uma palavra é o agrega- longo de nosso desenvolvimento, isso se
do de todos os fatos psicológicos que deu a partir da rica produção de sentidos
surgem em nossa consciência em con- que empreendemos quando crianças,
seqüência da palavra. O sentido é uma sendo gradualmente restringidos pelos
formação dinâmica, fluida e complexa ambientes educacionais (formais e não
que tem várias zonas que variam em sua formais) até que as palavras adquiriram
estabilidade (...) Em diferentes contextos, para nós um significado generalizável,
o sentido de uma palavra muda” (Vygots- relativamente estável. Se os significados
ky, 1987, pp. 275-276). O significado, por mudam ao longo da dinâmica social, esta
sua vez, é um construto social relativa- transformação só é possível a partir da
mente mais estável, tornando possível matéria prima da produção de sentidos
a intersubjetividade, na medida em que pelos indivíduos. Em todo este processo,
duas ou mais pessoas podem compartil- contudo, o significado de uma palavra
har o significado de uma palavra, ainda nunca é algo puramente interno a uma
que variem nos sentidos que atribuem pessoa; ele é, antes, um construto social
a ela. A palavra se torna, desse modo, que confere permanência ao nosso pen-
portadora do conceito (Vigotski, 2000, p. samento conceitual, não obstante sua
154). Todos os contratos de comunicação complexa dinâmica.

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Desta perspectiva, conceitos e concei- conceitualizar nossa experiência, com


tualizações são distinguidos: os primei- base na variedade de contextos em que
ros existem de modo mais estável no ela tem lugar. Esta é uma idéia básica da
terceiro mundo popperiano, no mundo abordagem dos perfis conceituais.
do conhecimento objetivo construído
socialmente e organizado na forma de A abordagem dos perfis conceituais
linguagens sociais, incluindo as lingua- Muitos autores argumentam que as
gens da ciência e da ciência escolar; as pessoas têm diferentes maneiras de ver
últimas são mais dinâmicas, embora e conceitualizar o mundo (e.g., Schutz,
restringidas pelos significados dos 1967; Tulviste, 1991; Cobern, 1996).
conceitos, sendo instanciadas no segun- Pode-se argumentar, contudo, que as
do mundo popperiano, o mundo da ex- pessoas lidam com “representações
periência consciente, do conhecimento coletivas” (Durkheim, 1972) ao construí-
subjetivo. Conceitos e conceitualizações rem seu pensamento conceitual. Estas
estabelecem entre si uma relação dialéti- construções coletivas – como preferimos
ca, tal como capturada na relação entre chamá-las – têm natureza supra-indi-
significado (próprio dos conceitos) e vidual (ou seja, social) e são impostas
sentido (produzido pelo pensamento à cognição individual. Desse modo,
conceitual ou conceitualização). De acor- terminamos por lidar com conceitos e
do este modo de entender os conceitos, significados que são mantidos numa
é graças à restrição da produção de forma bastante similar por uma série de
sentidos pelos significados socialmente indivíduos, em variadas esferas do mun-
estabilizados que nos tornamos capazes do social, tornando possível a comuni-
de pensar conceitualmente de modo tão cação efetiva. Quando Vigotski destacou
repetível que terminamos por conceber a dimensão social dos processos mentais
os conceitos como entidades mentais humanos, como fez em sua lei genética
estáveis. geral do desenvolvimento cultural, ele
Certamente, temos aqui uma opo- estava apoiando-se neste modo de com-
sição entre duas visões diametralmente preender a construção do pensamento
opostas, talvez até mesmo incomensu- conceitual (Kozulin, 1990). A imposição
ráveis, e um pesquisador terá de optar de tais construções coletivas à cognição
por entender os conceitos de um modo individual decorre do fato de que esta se
ou de outro. Nossa opção é pela visão desenvolve mediante a internalização de
sócio-interacionista descrita acima, ferramentas culturais que são tornadas
porque nos parece que o tratamento dos disponíveis através de interações sociais.
conceitos como esquemas ou modelos Como nossa experiência social é diversa
mentais estáveis obscurece uma dis- e multifacetada, segue que não compar-
tinção crucial trazida à tona por Popper, tilhamos apenas uma série de conceitos
a saber, entre o mundo da experiência a partir dos quais significamos nossa
consciente e o mundo das linguagens experiência; ao contrário, temos à dis-
construídas socialmente. posição uma diversidade de significados
Uma visão sócio-interacionista sobre estabilizados em diferentes linguagens
os conceitos implica também a pos- sociais, sendo que o peso que damos a
sibilidade de diferentes maneiras de cada um deles depende da extensão em

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que tivemos oportunidades, ao longo de consideradas parte do programa de


nossa formação, para empregá-los de pesquisa a respeito de tais modelos.
modo fértil para dar conta dos desafios Primeiro, é importante destacar que,
colocados por nossas experiências. para construir um perfil conceitual, é
A abordagem dos perfis conceituais estritamente necessário considerar uma
é baseada, precisamente, na idéia de grande diversidade de significados atri-
que as pessoas exibem diferentes ma- buídos a um conceito e uma variedade
neiras de ver e conceitualizar o mundo de contextos de produção de signifi-
e, desse modo, diferentes modos de cados, incluindo pelo menos três dos
pensar que são usados em contextos quatro domínios genéticos considerados
distintos (Mortimer, 1994, 1995, 2000). por Vigotski em seus estudos sobre as
Perfis conceituais devem ser entendidos relações entre pensamento, linguagem
como modelos da heterogeneidade do e formação de conceitos, a saber, os
pensamento verbal (Tulviste, 1991). domínios sócio-cultural, ontogenético
Modos de pensar são tratados como ele- e microgenético (Wertsch, 1985). O que
mentos de permanência no pensamento se busca nos dados relativos à produção
conceitual dos indivíduos, intimamente de significado nestes domínios gené-
relacionados a significados socialmente ticos são compromissos ontológicos e
construídos que podem ser atribuídos epistemolégicos que estabilizam modos
aos conceitos. de pensar e falar sobre os conceitos e,
Cada perfil conceitual modela a assim, tornam possível individuar zonas
diversidade de modos de pensar ou para a construção de um perfil. Para
de significação de um dado conceito buscar estes compromissos, devem ser
(e.g., calor, matéria, vida, adaptação) e considerados dados de uma variedade
é constituído por várias “zonas”. Cada de fontes, de uma maneira dialógica,
zona representa um modo particular e não seqüencial, de maneira a colocar
de pensar ou atribuir significado a um todos os conjuntos de dados ao mesmo
conceito. Cada modo de pensar pode ser tempo em interação uns com os outros.
relacionado a um modo particular de Entre as fontes que podem ser usadas,
falar, como discutiremos mais adiante. estão: (1) fontes secundárias sobre a
Torna-se mais fácil compreender história da ciência e análises episte-
a natureza deste modelo da diver- mológicas sobre o conceito em estudo,
sidade de modos de pensar quando que são particularmente instrumentais
consideramos alguns aspectos de sua na compreensão da produção de signi-
metodologia de construção. Como não ficados no domínio sócio-cultural e no
poderemos detalhar esta metodologia, estabelecimento de compromissos onto-
indicamos aos leitores interessados a lógicos e epistemológicos que norteiam
leitura de outros trabalhos nas quais os processos de significação de um
ela é discutida (Amaral & Mortimer, conceito; (2) trabalhos sobre concepções
2006; Sepulveda, Mortimer e El-Hani, alternativas de estudantes, que são úteis
2007). Consideramos fundamental estar para compreender a significação dos
atento ao caráter da metodologia usada conceitos no domínio ontogenético; e (3)
na construção de perfis, para que as dados colhidos através de entrevistas,
investigações realizadas sejam de fato questionários e filmagens de interações

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discursivas numa variedade de contex- permite formular, que permite trabalhar


tos de produção de significado, particu- tais compromissos e, assim, individuar
larmente em situações educacionais, que zonas de um perfil.
dão acesso aos domínios ontogenético e Cada indivíduo tem um perfil concei-
microgenético1. tual próprio, que se diferencia dos perfis
É importante enfatizar que a cons- de outros sujeitos pelo peso dado a cada
trução de zonas de um perfil conceitual zona, e não pelas zonas propriamente
vai além da categorização do discurso es- ditas. Como discutido acima, estas são
crito ou oral, embora tipicamente envolva modos de pensar e significar supra-
este procedimento. A necessidade de ir individuais, sociais, que são impostos
além da categorização se torna clara, con- à cognição individual ao longo de seu
tudo, quando se considera que as zonas processo de formação. As diferenças
de um perfil são individuadas por meio entre perfis resultam da diversidade
de compromissos ontológicos e episte- da experiência social dos indivíduos,
mológicos que estruturam diferentes mo- na medida em que esta pode oferecer
dos de pensar e falar sobre um conceito, mais ou menos oportunidades para
e estes não são dados explicitamente em empregar distintos modos de pensar nos
declarações ou proposições. É preciso, contextos em que são pragmaticamente
por assim dizer, cavar de modo mais poderosos.
profundo nas afirmações dos sujeitos de A heterogeneidade dos modos de
modo a interpretá-las em termos de um pensar não se dá apenas no contexto
repertório de compromissos ontológicos da linguagem cotidiana. As ciências
e epistemológicos elaborados como hi- também abrigam formas heterogêneas
póteses e constantemente reformulados de pensar e falar, propiciando múltiplas
pelo investigador, à luz de suas fontes maneiras de conceitualizar a experiên-
de dados. Por fim, vale a pena considerar cia. O conceito de átomo oferece um
que a obtenção e interpretação dos dados exemplo. Químicos podem usar o mo-
obtidos nas fontes citadas são entendidas delo de Dalton, no qual o átomo é visto
em termos de um processo de dialogo como uma esfera rígida e indivisível,
estruturado pelas intenções e procedi- para explicar várias propriedades das
mentos do investigador (Martins, 2006). substâncias. Fórmulas estruturais, por
Assim, em momento algum as evidências exemplo, utilizam tal representação dos
são entendidas como “dados brutos”, a átomos. Contudo, este modelo não é ade-
partir dos quais se poderiam obter ca- quado para explicar outros fenômenos,
tegorias e, subsequentemente, compro- como, por exemplo, a reatividade quími-
missos ontológicos e epistemológicos de ca, que demandam modelos diferentes
modo indutivo. É a interpretação ativa do do átomo, como aqueles derivados da
investigador, munido das hipóteses que mecânica quântica.
o diálogo entre suas fontes de dados lhe

1
É importante ter clareza de que não estamos propondo relações biunívocas entre domínios genéticos e fontes
de dados, mas apenas ilustrando algumas relações que foram instrumentais em investigações anteriores sobre
perfis conceituais.

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Diante desta heterogeneidade, o constituem um perfil e dos contextos


que significa dizer que um estudante nos quais estes modos de pensar e os
aprende sobre átomos na escola? Perfis significados que eles engendram podem
conceituais, como modelos da hetero- ser aplicados de modo apropriado, i.e.,
geneidade do pensamento, consideram pragmaticamente poderoso (El-Hani e
que os diferentes significados que Mortimer, 2007). No ensino de ciências,
podem ser atribuídos a um conceito o primeiro processo tipicamente envol-
coexistem num indivíduo, mas cada ve a compreensão de modos científicos
qual se mostra pragmaticamente mais de pensar aos quais os estudantes
poderoso para lidar com determinados geralmente não têm acesso por outros
tipos de problemas, como fica claro no meios. O segundo processo segue de
exemplo de conceito de átomo discuti- uma necessidade colocada por uma
do acima. Não há qualquer garantia, no idéia central da abordagem dos perfis,
entanto, de que um indivíduo de fato a saber, de uma coexistência de modos
opte pelos significados apropriados de pensar e significados na cognição
para uso em determinados contextos. humana. Diante de tal coexistência,
Isso é algo a ser aprendido e aprender torna-se um objetivo crucial do ensi-
a este respeito significa aprender sobre no e da aprendizagem a promoção de
a própria heterogeneidade do pensa- uma visão clara, entre os estudantes,
mento e da linguagem na diversidade da demarcação entre modos de pensar
de contextos em que usamos nossas e significados, bem como entre seus
idéias e declarações. Considere-se, contextos de aplicação.
além disso, que a heterogeneidade do Considere-se, por exemplo, o caso de
pensamento conceitual não se limita um estudante que aprende o conceito
necessariamente à ciência. Inúmeros científico de que o calor é um processo
“termos científicos” são também usa- de transferência de energia entre sis-
dos nas experiências cotidianas, seja temas a diferentes temperaturas. Isso
porque são palavras da linguagem co- corresponde ao primeiro processo men-
mum das quais a ciência se apropriou, cionado acima, o enriquecimento de seu
como “adaptação”, seja porque são pa- perfil conceitual de calor (cf. Amaral &
lavras da ciência que foram apropriadas Mortimer 2001). Em sua vida cotidiana,
pela linguagem comum, como “gene”. contudo, ele atuará em vários contextos
Nestes casos, os perfis conceituais são discursivos que reforçam outra zona
ainda mais ricos e a distinção entre do perfil, como, por exemplo, a visão
significados diferentes e os domínios comum de que o calor é uma substância
apropriados de sua aplicação se torna e de que é proporcional à temperatura,
ainda mais complicada. podendo haver um “calor quente” e um
Neste cenário, é preciso examinar “calor frio”. Por exemplo, o estudante
como a aprendizagem é entendida na muito provavelmente pedirá um “casa-
abordagem dos perfis conceituais em co quente de lã” em uma loja, na medida
termos de dois processos interligados: em que este modo de falar é muito mais
(1) o enriquecimento dos perfis concei- apropriado para se comunicar neste
tuais; (2) a tomada de consciência da contexto do que solicitar “um casaco
multiplicidade de modos de pensar que feito de um bom isolante térmico, que

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evite a transferência de energia térmica conceito, sendo capaz, assim, de usar


do corpo para o ambiente”. No entanto, idéias científicas e cotidianas sobre o
o uso da linguagem sempre tem conse- calor de maneira complementar.
qüências, em virtude de sua íntima re- Embora possa parecer que a per-
lação com o pensamento (Whorf, 1940; gunta do professor tenha mostrado um
Vigotski, 1978, 1987, 2000). Assim, uso da compreensão científica do calor
a cada vez que o estudante usa esse na vida cotidiana, o que teria ocorrido
modo cotidiano de falar sobre o calor, nesta situação, em nosso entendimento,
o valor pragmático da linguagem coti- seria um deslocamento do estudante, ao
diana preserva significados que estão ouvir a pergunta do professor, para um
em desacordo com a visão científica. contexto escolar. É importante, assim,
Parece impossível, assim, que estes usar exemplos – tanto neste argumento,
significados sejam substituídos por quanto em sala de aula – que mostrem
aqueles cientificamente aceitos. o valor pragmático do modo de pensar
O que fazer, então, para promover científico no cotidiano. Embora seja
no estudante uma compreensão e, logo, conveniente falar sobre coisas quentes
uma aprendizagem (El-Hani e Mortimer, e frias numa variedade de situações, em
2007) bem sucedida da visão científica outras circunstancias da vida cotidiana
sobre o calor? O segundo objetivo men- a visão científica do calor como um
cionado acima fornece uma resposta, processo de transferência de energia
de acordo com a abordagem dos perfis é muito mais poderosa do que a visão
conceituais: é necessário promover nos de senso comum do calor e do frio
estudantes uma tomada de consciência como substâncias ou propriedades dos
de que há uma diversidade de modos materiais. Considere-se, por exemplo,
de pensar sobre o calor, mas eles não uma situação na qual uma pessoa deve
se mostram igualmente poderosos escolher entre um copo de vidro e um
para resolver problemas que encon- copo de alumínio para beber uma bebida
tramos em nossas vidas e necessitam gelada num dia quente. A visão de senso
da mobilização de tal conceito. Um comum a levará a escolher o copo de
destes contextos é, decerto, o contexto alumínio, porque ele é “frio”, mas isso
escolar. Imaginem que, assim que o es- significará que sua bebida esquentará
tudante pede um casaco quente na loja, mais rápido, uma vez que a sensação
seu professor, que passava por ali, lhe térmica que temos ao tocar o copo de
pergunte se, de fato, o casaco possui alumínio decorre de ele ser um melhor
a propriedade de ser quente, e o estu- condutor térmico do que o vidro. Nesta
dante responda que o “calor” da lã é, na situação encontrada no cotidiano de
verdade, a propriedade de a lã ser um todos nós, a visão científica se mostra
isolante térmico, que dificulta a trans- pragmaticamente mais poderosa. Tomar
ferência de energia de nosso corpo para consciência de um perfil conceitual e da
o ambiente. O estudante terá mostrado demarcação entre suas zonas implica
uma consciência da heterogeneidade do ser capaz de aplicar uma idéia científica
pensamento sobre o calor e da demar- nos contextos em que ela é apropriada,
cação entre os domínios de aplicação de inclusive na vida cotidiana, e, ao mesmo
diferentes significados atribuídos a este tempo, preservar modos de pensar e fa-

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lar distintos do científico nas situações belecidos que são atribuídos a um dado
em que se mostrem pragmaticamente conceito a partir de distintos modos
apropriados. Trata-se de uma coexis- de pensar. Estes modos de pensar e os
tência entre diferentes modos de pensar significados associados a eles são com-
e falar, bem como de uma maneira de partilhados por diferentes indivíduos,
entender o ensino e a aprendizagem sendo necessária uma ferramenta para
das ciências que os tornam não somente analisar esses modos estáveis de pro-
mais sensíveis à diversidade cultural, dução de significado que emergem nas
mas também mais factíveis, na medida interações discursivas em sala de aula.
em que não tomamos como objetivo Os perfis conceituais são, assim, um
deslocar ou substituir visões que são pólo de uma análise do discurso estru-
reforçadas a cada momento por nossa turada em torno da relação entre modos
linguagem cotidiana. Em termos das de pensar e formas de falar (Mortimer,
estratégias de sala de aula, o objetivo da 2001): enquanto perfis conceituais são
tomada de consciência indica a impor- ferramentas poderosas para analisar
tância da aplicação das idéias científicas modos de pensar, formas de falar po-
a uma variedade de circunstâncias como dem ser analisadas com proveito em
um aspecto importante do ensino de termos das linguagens sociais e gêneros
ciências. do discurso de Bakhtin (1986). Este não
Por fim, devemos considerar como é o espaço, contudo, para discutir em
perfis conceituais se inserem na análise maiores detalhes a relação entre modos
de interações discursivas em sala de de pensar e formas de falar.
aula, que também tem constituído um
importante foco de pesquisa de muitos As bases epistemológicas dos perfis
grupos que os empregam. De acordo conceituais
com van Dijk (1997), uma caracterização A abordagem dos perfis conceituais
do discurso como um fenômeno social pode ser acusada de ser relativista,
demanda que ele seja concebido como por considerar que, ainda que novas
um evento comunicativo socialmente formas de atividade dêem origem a
situado, no qual pessoas interagem para novos tipos de pensamento, tipos mais
comunicar idéias, crenças ou emoções. antigos de pensamento são preserva-
Nesses termos, a descrição integrada de dos e continuam a funcionar bem em
três dimensões do discurso é usualmen- seus contextos apropriados (Wertsch,
te tomada como objeto de investigação: 1991). Não se trata, contudo, de uma
(1) o uso da linguagem – um fenômeno visão relativista, como argumentaremos
lingüístico; (2) a comunicação de idéias brevemente nesta seção, mas uma visão
e crenças – um fenômeno cognitivo; e (3) pragmatista objetiva, tal como proposta
a interação em contextos sociais – um por Charles Peirce.
fenômeno social. Os debates sobre o relativismo e
Perfis conceituais constituem uma sua contraparte, o racionalismo, dizem
ferramenta poderosa para analisar a di- respeito principalmente à apreciação e
mensão cognitiva do discurso. O exame escolha de teorias, mas são também re-
desta dimensão corresponde a uma aná- lacionados ao problema da demarcação
lise dos significados socialmente esta- entre ciência e outras formas de conhe-

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cimento. Colocando o debate em termos ações, embora haja substancial variação


extremos, um racionalista afirma que entre os pragmatistas quanto ao modo
pode haver um critério único, atemporal de realizar tal esclarecimento.
e universal para avaliar os méritos relati- Pragmatistas buscam explorar as
vos de teorias rivais, como, por exemplo, conseqüências de nosso conhecimento
o critério popperiano de falseabilidade sobre o mundo ser necessariamente
(Popper, 1975). Um relativista, por sua moldado, ao menos em parte, pelos
vez, nega a existência de um critério conceitos que nós mobilizamos para a
racionalista universal e ahistórico que tarefa de descrever e explicar o mundo.
possa orientar nossos juízos e decisões Uma das principais conseqüências deste
acerca de teorias. O que é melhor ou reconhecimento do papel dos conceitos
pior no que respeita às teorias científi- em nossas atividades cognitivas reside
cas varia de indivíduo para indivíduo e/ na impossibilidade de se aceitar alguma
ou de comunidade para comunidade. O relação simples entre conhecimento e
objetivo da construção do conhecimento realidade, de acordo com a qual a mente
dependerá do que é considerado impor- poderia ser uma espécie de espelho do
tante por um indivíduo ou comunidade mundo. O conhecimento é simultanea-
(Chalmers, 1993). mente iluminador e limitante, uma vez
É correto ver no pragmatismo certa que não pode capturar de maneira per-
proximidade ao relativismo, na medida feita todos os aspectos do mundo. De
em que, não obstante as muitas varie- um lado, não é incomum encontrarmos
dades de filosofias pragmatistas, um entre os filósofos este reconhecimento
tema básico compartilhado por toda a da natureza dual do conhecimento como
tradição do pragmatismo é uma forte criando possibilidades e, ao mesmo tem-
ênfase sobre a inserção (embeddedness) po, impondo limites à nossa compreen-
de toda e qualquer construção cognitiva são. Um traço distintivo do pensamento
humana nas práticas e nos discursos (El- pragmatista, contudo, é o de que este
Hani e Pihlström, 2002; Pihlström, 1996). reconhecimento é tomado como base
Mas há também um distanciamento en- para a proposição de que o conhecimen-
tre pragmatismo e relativismo que não to deve ser julgado, ao menos em parte,
pode ser negligenciado. Se enfocarmos, em termos de sua utilidade. Entretanto,
em particular, a preocupação epistêmica a correta interpretação desta afirmação
com o significado e a verdade, o pragma- requer um esclarecimento do significado
tismo filosófico pode ser caracterizado, que se está atribuindo ao termo “utilida-
em termos gerais, pela idéia de que a de”. Não se trata de restringir os juízos
eficácia na aplicação prática oferece um sobre o conhecimento às aplicações
critério ou padrão para a determinação práticas, na medida em que se reconhece
da verdade dos enunciados (Rescher, a extrema utilidade do conhecimento
1995). Assim, não se trata de que prag- para muitas outras coisas além de tais
matistas simplesmente rejeitem a noção aplicações, por exemplo, como um ins-
da verdade como algum tipo de relação trumento de pensamento (Lotman, 1988,
entre conhecimento e realidade; sua in- citado por Wertsch, 1991), i.e., como
tenção é, antes, esclarecer o significado um instrumento para produzir novos
de tal relação mediante um apelo às significados.

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Desta idéia de que a utilidade é um Em sua visão, a objetividade não é um


critério central para os juízos sobre o atributo as proposições, como geralmen-
conhecimento, segue que não se pode te se pensa, mas das práticas humanas
afirmar que vale tudo em nossos esfo- de construção de conhecimento. Uma
rços de usar o conhecimento para decidir prática epistêmica é objetiva, desta pers-
como agir em circunstâncias específicas. pectiva, se for caracterizada pela busca
Afinal, há um número limitado de idéias de imparcialidade nas ações e decisões,
e modos de pensar que podem ser bem ainda que a completa imparcialidade
sucedidos para lidar com qualquer pro- seja obviamente impossível para agen-
blema dado. Ao distinguir entre os domí- tes incorporados e situados. Entretan-
nios de aplicação de distintos modos de to, é pela busca de alcançar esta meta
pensar e dos significados associados a impossível que nos tornamos capazes
eles, a abordagem dos perfis conceituais de regular nossas práticas, exercitando
se apóia nesta idéia de um valor pragmá- a crítica mútua e tornando-nos mais
tico de distintas formas de conhecimen- informados sobre os vieses que afetam
to para lidar com diferentes problemas. a construção do conhecimento, além de
É neste sentido que esta abordagem não adotarmos procedimentos que tornam
está comprometida com o relativismo, possíveis evitar vieses ou inclinações
ou, ao menos, com relativismos do tipo subjetivas, ao menos em alguma medida.
“vale tudo” (cf. Feyerabend 1993). A abordagem dos perfis conceituais se
Outra distinção importante deve ser afasta do subjetivismo ao enfatizar o
traçada no interior do pragmatismo, papel da apreciação racional das escol-
entre pragmatismo objetivo, que pre- has de modos de pensar e agir, como se
serva um papel para a objetividade em torna manifesto na proposta da tomada
seu tratamento da relação entre con- de consciência sobre a demarcação de
hecimento e realidade, e pragmatismo modos de pensar e seus domínios de
subjetivo, que é formulado apenas em aplicação como um objetivo de apren-
termos do que se mostra efetivo para a dizagem. Torna-se possível, assim, a
realização dos propósitos de uma dada construção de uma dimensão crítica, a
pessoa ou grupo (Rescher, 1995). Se, de qual pode permitir que se vá além de
um lado, não podemos mais manter uma juízos subjetivos sobre o que é útil para
distinção entre o que é objetivo e o que é os propósitos de uma única pessoa ou
subjetivo em termos do que está de acor- grupo.
do com o mundo e do que é a visão de Devemos admitir que ainda se pode
um sujeito, de outro, parecemos neces- argumentar que o pragmatismo não é,
sitar, ainda, de alguma maneira de dis- no fundo, muito diferente do relativis-
tinguir entre a confiança que podemos mo. Contudo, pensamos que a distinção
depositar no que constitui conhecimento central que queremos traçar se afirma de
compartilhado e no que se limita a uma modo seguro: trata-se de distinguir entre
opinião pessoal. Shrader-Frechette e relativismos do tipo “vale tudo” – como
McCoy (1994) sugerem uma maneira de encontramos em algumas perspectivas
ressignificar o conceito de objetividade multiculturais (ver discussão em El-Hani
que torna possível manter tal distinção. e Mortimer, 2007) – e as bases pragmatis-

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tas da abordagem dos perfis conceituais. Bibliografía


Se alguém preferir chamar esta última Amaral, E. M. R., e Mortimer, E. F. (2001).
posição de “relativismo”, não temos Uma proposta de perfil conceitual
problema em relação a isso, desde que para o conceito de calor. Revista Bra-
não se confunda este “relativismo” com sileira de Pesquisa em Educação em
aquele outro, o relativismo “vale tudo”. Ciências, 1, 5-18.
Amaral, E. M. R., e Mortimer, E. F. (2006).
Conclusões Uma metodologia para estudar a
Neste artigo, apresentamos de maneira dinâmica entre as zonas de um perfil
sistemática a abordagem dos perfis conceitual no discurso da sala de aula.
conceituais, destacando sua íntima re- In: F.M.T. dos Santos & I. M. Greca
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timos, ainda, como perfis conceituais Durkheim, E. (1972). Selected writings.
se inserem na análise de interações dis- Cambridge: Cambridge University
cursivas em sala de aula, constituindo Press.
uma ferramenta poderosa para analisar El-Hani, C. N., e Mortimer, E. F. (2007).
a dimensão cognitiva do discurso. Tam- Multicultural education, pragmatism,
bém foram discutidos requisitos meto- and the goals of science teaching.
dológicos que devem ser observados Cultural Studies of Science Education,
para que um estudo seja considerado 2, 657-702.
parte do programa de pesquisa sobre El-Hani, C. N., e Pihlström, S. (2002). A
perfis conceituais, com base na estru- pragmatic realist view of emergence.
tura teórica desta abordagem. Por fim, Manuscrito, XXV, 105-154.
tratamos das bases epistemológicas da Feyerabend, P. K. (1993). Against method
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