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12 clássicos depois – Mídia Sem Máscara

Editoria MSM

1. Cultura

2. Economia

18 de fevereiro de 2014 - 21:19:12

Pode a palavra de Joseph Conrad, de William Shakespeare, de Dostoievski, de fato agir sobre a
imaginação de um homem encarcerado a ponto de acender uma chama moral em seu caráter, fazer
aflorar algum nível mais profundo de consciência? Que impressões sobram na alma dos presos após as
leituras? Passado um ano, o Projeto está no seu 12º livro. Os presos que voluntariamente participam ou
que já participaram do projeto (mais de 100) lêem, pela ordem:
Crime e Castigo, Coração das Trevas, Othello, Moby Dick, O Vermelho e o Negro, A Montanha
Mágica, Paraíso Perdido, Macbeth, A Morte de Ivan Ilitch, O Senhor dos Anéis, Grandes Esperanças e
Fahrenheit 451. A seleção das obras se dá, conforme já explicado, com base no encadeamento de
temáticas relevantes aos objetivos do projeto: culpa e arrependimento, escolhas e consequências,
responsabilidade pessoal, aprimoramento da percepção (inclusive de questões transcendentais),
reflexão sobre a dor e sofrimento causado e suportado, fardos, preço e valor da liberdade. Como sexto
livro do projeto, foi escolhida a obra-prima de Thomas Mann, na qual curiosamente o trecho mais
emblemático para os detentos é talvez o mais fundamental de toda
A Montanha Mágica, aquele em que o protagonista Hans Castorp inesperadamente se vê encurralado
pelas circunstâncias: preso numa forte nevasca que interrompeu seu passeio de esqui, repousa
encostado em uma cabana que lhe dá, por alguns minutos, a oportunidade de sobreviver o suficiente
apenas para uma crucial escolha, decidir entre enfrentar a tempestade com a pouca energia que resta e
seguir caminhando, ou aguardar a morte quase inevitável. É, em suma, a escolha de quem está preso:
prosseguir ou desistir, viver ou morrer interiormente. Castorp escolhe viver porque “em consideração à
bondade e ao amor, o homem não deve conceder à morte nenhum poder sobre seus pensamentos”. De
tal leitura surge nos presos a sensação, por vários relatada, de que estão também diante de uma escolha
entre as hipóteses de ação e de reação que percebem em si e nos outros na prisão: focar sua estadia ali,
pelos meses e anos que ainda virão, num objetivo futuro de liberdade e reencontro com familiares e,
portanto, aguentar os sofrimentos típicos (a lenta passagem do tempo, que o livro tão bem ilustra, a
saudade dos parentes, a restrição da liberdade, as condições precárias, a vergonha e a culpa), ou se
entregarem à morte interior, à indiferença, a uma espécie de resignação por distanciamento de seu
“eu”, de letargia. Todos os participantes do projeto registram conhecer colegas de prisão que se
entregam à segunda hipótese. Todos, porém, se identificam com a primeira opção. Parece que, sem
saber, sobrevivem inspirados pela busca por um sentido em suas estadas ali, derivada da necessidade
de voltarem para alguém, tolerando, em nome disso, o sofrimento. É uma das vias de busca pelo
sentido da vida na experiência da prisão: o sofrimento tolerado em função de um amor a alguém, um

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filho, uma mulher ou esposo. Aliás, a identificação do sentido da vida na situação do cárcere é
incentivada na forma de percepção de um papel único a cumprir, ou seja, aquilo que somente cada um
pode fazer naquele contexto em que está, tema bastante recorrente em nossas entrevistas. Do mesmo
modo que instigamos os detentos a buscarem a compreensão pessoal sobre as passagens fundamentais
dos livros (a decisão de Hans Castorp de viver, por exemplo), também aproveitamos o momento para,
fortemente inspirados em Viktor Frankl, demonstrar a possibilidade de se encontrar um significado
para aquele sofrimento momentâneo (não há prisão perpétua) e, igualmente, razões para se manter
firme no dia-a-dia do cárcere, até a hora do retorno à sociedade, com reflexões sobre as vias de busca
do sentido daquela experiência na forma de trabalho, de esperança de reencontro e, essencialmente,
através do pagamento pelo erro, pela dor causada às vítimas de seus crimes, por meio de um
sofrimento pessoal consciente e depurador, dignificante portanto. Como exemplo, podemos citar presos
que possuem capacidade intelectual superior à maioria dos detentos, e cuja motivação existencial (uma
delas ao menos) reside no fato de possuírem o “dever” de colaborar com as leituras daqueles que têm
mais dificuldades, especialmente no que toca à interpretação dos textos (via do trabalho, da missão
contextualizada). Igualmente, há a lembrança da família (via do amor), pois a maior parte dos
condenados possui filhos, e o desejo de voltar à convivência das pessoas amadas. Por fim, existem
aqueles que percebem que sua “estadia” na cadeia servirá como exemplo a muitos outros e que o seu
“dever” é, quando sair dali, alertar seus conhecidos e parentes para que não sigam o mesmo caminho,
causando sofrimento a terceiros inocentes (via do sofrimento consciente e do testemunho). Ainda sobre
A Montanha Mágica, outro tópico recorrente nas entrevistas é a comparação dos destinos de Hans e de
seu primo Joachim. Como se sabe, Joachim deixa o sanatório antes do tempo, ainda não curado, para
depois retornar e morrer em função do agravamento de sua doença. Hans, por outro lado, só sai para a
batalha da vida quando está realmente pronto, e não é o tempo de custódia o fator determinante do
destino de cada um deles, mas sim o estado de consciência, inclusive acerca de seu papel no quadro da
realidade. Não há preso que, entrevistado neste tópico, não reconheça que “aqui na prisão é como no
sanatório da montanha mágica, muita gente vem para melhorar e muitas vezes fica pior”, mas que, por
outro lado, não identifique o retorno ao sanatório com a reincidência criminosa, e o sucesso com o estar
realmente pronto, em seu interior, em sua alma, para uma nova vida. Mas tais reflexões sobre “estar
pronto ou não para regressar”, provocadas pela leitura de
A Montanha Mágica, derivam e dependem de outras, prévias, obtidas a partir de obras sobre o
arrependimento, a responsabilidade pessoal sobre as escolhas e sobre a culpa, na sequência das obras
já elencadas, como por exemplo,
Othello. A leitura da tragédia do mouro provocou no presídio situações inusitadas, impensáveis até,
como o fato de ter sido a peça lida em grupo, com atribuição de personagens, sem qualquer influência
ou comando neste sentido. Presas que trabalham na cozinha do presídio retiravam dos horários de
folga oportunidades para uma semi-encenação da peça, e debatendo ao final das leituras, chegaram
sozinhas à conclusão, bem clara nas entrevistas, de que embora Iago, verdadeiro demônio tentador,
tenha preparado uma teia de intrigas e falsas pistas que redundaram nos atos implacáveis de Othello,
foi deste a verdadeira responsabilidade e a grande culpa, já que foi a mão do Mouro, e não outra, que
ceifou a vida de sua amada Desdêmona. Othello, ao perceber e abraçar a própria responsabilidade,
causou devastador efeito nos leitores, alguns deles inclusive relatando que não é possível culpar a
sociedade, o capitalismo, a falta de chances, a pobreza ou qualquer destas abstrações por um ato tão
concreto como estuprar uma criança, bater na mulher, roubar, vender entorpecentes ou matar uma
pessoa, atos estes que só se concretizam por meio de ação humana individual, real e concreta. Se o
ambiente os influencia, concluem após Othello, não os determina: resta sempre a responsabilidade de
cada um ao final. O mesmo valeu para a empolgante leitura de

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Macbeth, obra selecionada diante do sucesso da leitura anterior de Shakespeare. Os presos


compreenderam que não é possível simplesmente justificar Macbeth em função da influência das
bruxas ou de Lady Macbeth, reconhecendo sempre como dele a fatal responsabilidade, desde o
primeiro crime até a escalada criminosa que o leva a ter de ser abatido como um animal, uma fera
descontrolada. Aparece aí um velho princípio de direito penal, refletido na boa literatura: não há
compensação de culpas, cada um responde por seus atos. As reflexões dos presos se seguem,
estimuladas por um sistema de entrevistas (sempre gravadas) que os deixa livres para relatarem as
impressões sobre a leitura da forma mais individual e aberta possível. Começamos sempre pedindo um
relato do livro na forma “conte sobre esse livro como se nós fossemos um amigo que você encontra na
rua e pergunta – o que é que você está lendo aí, sobre o que é isso?”, e depois vamos afunilando a
colheita de opiniões e impressões que a obra deixou sobre eles. É importante lembrar que não se espera
do preso uma profunda e imediata apreensão do conteúdo de tão densas obras. São leituras com efeitos
de longo prazo, que após meses, anos talvez, funcionarão no íntimo de cada leitor de modo terapêutico,
sem pressa, incorporando-se ao seu imaginário e, portanto, ao conjunto de elementos morais que
auxiliarão na compreensão da realidade e na melhor escolha das formas de ação e comportamento. A
despeito disso, já há diversas insinuações de efeitos de reeducação do imaginário, como demonstram
alguns trechos das entrevistas transcritos a seguir:
Crime e Castigo: “Até um morto pode voltar para a vida [Lázaro], eu também posso ter uma nova vida”.
“O amor de Sonia e o arrependimento sincero salvaram Raskolnikov”.
O Coração das Trevas: “Dois homens vão para um mesmo lugar, um pesadelo, um deles se perde,
outro volta com a experiência da dor e com o testemunho.” “Se aqui é também um Coração das Trevas
quero ser Marlow, não Kurtz”.
O Vermelho e o Negro: “Não era por dinheiro, era por status”; “Tanto talento desperdiçado, que vida
desperdiçada!”; “Foi a ambição sem limites”; Sobre esta questão da ambição, deixamos claro aos
detentos que ela em si não é um sentimento maligno, pelo contrário, mas passa a ser destruidora
quando é desmedida e sem parâmetros morais.
O Paraíso Perdido: “A gente erra, a gente cai, mas se o arrependimento for real, se for sincero tem um
mundo novo de esperança, uma salvação planejada por Deus para nós”.
A Morte de Ivan Ilitch: “Nossa família sofre com nossas escolhas, e a família das vítimas também sofre
muito ”; “Era feliz quando era pequeno, quando era inocente”.
Moby Dick: “Deus nos dá sinais do erro, a vida nos dá sinais, como os navios que cruzaram com o
Pequod, mas a gente não ouve”; “Já perdi um braço, não quero perder outro, não quero ser Ahab, já
perdi tempo demais na minha vida”; “Até aqui na cadeia, até nas profundezas da podridão dá para
aprender e tirar algo de bom [em referência ao âmbar gris]”; “Ishmael voltou com só uma coisa,
sobrou só a experiência”. Aqui, ressaltamos que Moby Dick talvez tenha sido uma das obras que mais
causou impacto nos apenados, principalmente pela questão dos sinais que nos são enviados para
impedir o equívoco, mas que muitas vezes passam despercebidos. Os detentos realmente se dão conta
de que poderiam ter feito muitas outras escolhas que não a vida do crime. Finalmente, convém
registrar que o projeto é aplicado em um presídio de médias proporções (embora regional), onde os
presos são submetidos à disciplina e ordem por parte da competente Administração Penal local,
monitorada e auxiliada de perto pelo Juízo. É provável que um projeto desta natureza, que envolve
concentração para a leitura, não possa ser aplicado em presídios gigantescos como alguns que vemos
nos noticiários, onde há descontrole, rádios e televisão liberados, há uso ilegal de celular, videogame e
Facebook (conforme amplamente divulgado e denunciado na imprensa). Deve haver, para
aproveitamento do tempo de leitura, uma estrutura segura e rígida que permita trabalho para todos,
forte vigilância, rigor na aplicação da lei penal, câmeras e bloqueadores de celulares e nada de regalias

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ou comandos paralelos. Por aqui, após mais de um ano de aplicação do Projeto Reeducação do
Imaginário no Presídio Regional de Joaçaba, há algo inusitado no cenário prisional brasileiro: os
presos, inicialmente incentivados pela remissão de alguns dias de suas penas, estão bem ocupados
discutindo a obsessão fatal de Ahab, o preço das escolhas de Julien Sorel, ou se houve ou não
arrependimento nas palavras finais de Kurtz, entre outras questões que, por integrarem o repertório
das grandes discussões culturais da humanidade, não são meramente “direitos humanos” (chavão
repetido ad nauseam pelos que mais os desrespeitam ao vilipendiarem as vítimas), mas sim deveres de
auto-educação voluntariamente assumidos e, portanto, talvez signifiquem alguma possibilidade mais
concreta de elevação moral, de reeducação do caráter e de ressocialização para, por fim, ocorrer a
retomada substancial da liberdade, pois conforme já ensinou Olavo de Carvalho, “O caminho da
liberdade é para cima, não para baixo. […] Libertar-se é transcender-se” (1).
Nota: O Mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. p. 356. {slide=Artigos Relacionados}
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