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Coordenação: Prof. Dr. Dinael Marin
Produção: ZEROCRIATIVA
Impressão:Gráfica Viena
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Conselho Editorial da Junqueira&Marin Editores:

Profa. Dra. Alda Junqueira Marin


Prof. Dr. Antonio Flavio Barbosa Moreira
Profa. Dra. Dirce Charara Monteiro
Prof. Dr. José Geraldo Silveira Bueno
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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
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E73
Escola primária na primeira república (1889-1930): subsídios para uma história comparada /
organizadores José Carlos Souza Araújo, Rosa Fátima de Souza, Rubia-Mar Nunes Pinto.
- Araraquara, SP: Junqueira&Marin, 2012.
352p. : 21cm
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-86305-99-3
1. Ensino primário - Brasil - História. 2. Educação - Brasil - História. 2. Educação de crianças - Brasil -
História. I. Araújo, José Carlos Sousa. II. Souza, Rosa Fátima de. III. Pinto, Rubia-Mar Nunes.

12-3249. CDD: 370.981


CDU:37(81)

01.06.12 11.06.12 035956


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Esta edição recebeu apoio da Universidade Federal de Goiás – UFG por meio da Fundação de Apoio à
Pesquisa – FUNAPE.
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Verificar no site da Editora, na página deste livro, eventuais erratas elaboradas pelos Organizadores/Autores.
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Todos os textos estão idênticos aos originais recebidos pela Editora e sob responsabilidade dos
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Proibida a reprodução total ou parcial desta edição, por qualquer meio ou forma, em língua portuguesa
ou qualquer outro idioma, sem a prévia e expressa autorização da editora.
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Impresso no Brasil
Printed in Brazil
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JUNQUEIRA&MARIN EDITORES
J.M. Editora e Comercial Ltda.
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c SUMÁRIO c
9 APRESENTAÇÃO
A institucionalização da escola primária no Brasil (AC, BA,
GO, MA, MT, MG, PI, SP, SE e RN, 1889 – 1930)
José Carlos Souza Araújo, Rosa Fátima de Souza, Rubia-Mar Nunes Pinto

23 SÃO PAULO, 1893


As escolas públicas paulistas na Primeira República:
subsídios para a história comparada da escola primária
no Brasil
Rosa Fátima de Souza

78 MARANHÃO, 1903
O estado do Maranhão e a institucionalização da escola
graduada na Primeira República
Diomar das Graças; Iran de Maria Leitão Nunes; Acildo Leite da Silva;
Elisangela Santos de Amorim

100 MINAS GERAIS, 1906


Republicanismo e escola primária nas Mensagens dos
Presidentes de Estado de Minas Gerais (1891-1930)
José Carlos Souza Araujo
ap p

151 RIO GRANDE DO NORTE, 1908

Que projetos republicanos de escola primária? (Rio Grande


do Norte, 1907-1930)
Marta Maria de Araújo; Marlúcia Menezes de Paiva

175 MATO GROSSO, 1910

A expansão do ensino primário em Mato Grosso na Primeira


República
Elizabeth Figueiredo de Sá

194 PIAUÍ, 1910


A escola primária do Piauí
Maria do Amparo Borges Ferro

210 SERGIPE, 1911

Notas para uma reflexão acerca da escola primária


republicana em Sergipe (1889-1930)
Jorge Carvalho do Nascimento
pap
246 BAHIA, 1913

A educação primária no estado da Bahia (1889-1930)


Lúcia Maria da Franca Rocha

272 ACRE, Território do, 1915

Da riqueza do território à grandeza moral e cultural dos


habitantes: a implantação da educação primária no Acre
Território (1905-1930)
Andréa Maria Lopes Dantas; Elizabeth Miranda de Lima

300 GOIÁS, 1918


Escola primária em Goiás na Primeira República: tensões e
distensões de um ‘jogo de empurra’
Rubia-Mar Nunes Pinto

BRASIL
329
Condições de instrução da infância: entre a universalização
e a desigualdade
Maria Cristina Soares de Gouvea; Alessandra Frota Martinez de Schueler
RPRESENTÃÇÃO

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ESCOLÃ PRIMÁRIA NO BRASIL


(RC, BR, GO, MA, MT, MG, PI, SP. SE e RN, 1889 — 1930)

José Carlos Souza Araújo


Rosa Fátima de Souza
Rubia-Mar Nunes Pinto

# \textos reunidos neste livro constituem resultados


#de pesquisa de um dos grupos temáticos (GT4 —
*Institucionalização da Escola Primária) do Projeto
Integrado Por uma teoria e uma história da escola primária no
Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870
— 1930).

Esse projeto foi financiado pelo CNPq (Edital


Universal/2007 — Faixa C) e incidiu sobre a história do ensino
primário de 15 estados brasileiros - Acre, Maranhão, Piauí,
Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro,
Minas Gerais, São Paulo, Mato GrOSSO, Goiás, Paraná, Santa

9 junqueira&marin editores
1 APRESENTAÇÃO 1

Catarina e Rio Grande do Sul envolvendo a participação de 27


pesquisadores doutores, pertencentes a 17 Programas de Pós
Graduação em Educação de várias instituições universitárias,1
alémde 9 doutorandos, 17 mestrandos, 18 bolsistas de iniciação
científica e 1 bolsista de apoio técnico em informática.

Os objetivos propostos compreenderam: a) perceber


a constituição da escola graduada no âmbito da circulação
dos modelos educacionais; b) verificar a organização e o
funcionamento das escolas primárias nos diversos estados
brasileiros; c) interrogar acerca da permanência de sentidos
(sociais, educacionais e simbólicos) associados aos grupos
escolares nas lutas de representação sobre a escola e d) reunir
fontes documentais de diferentes estados do país visando a
subsidiar a investigação proposta e fomentar novos estudos
histórico-comparativos.

Os grupos escolares foram tomados, portanto, como eixo


da pesquisa pela importância que desempenharam no processo
histórico de modernização e de democratização da escola
pública primária no país. Organizados nos moldes da escola
graduada, isto é, adotando os pressupostos da racionalização
pedagógica como a classificação dos alunos pelo nível de
conhecimento em agrupamentos supostamente homogêneos,

1 (UNESP/Araraquara; UFAC, UFMA, UFPI, UFPB, UFRN, UFS, UFBA, UFMT,


UFG, USP, UFF, UFMG, UFU, UFPR, UDESC, UFPel. Fizeram parte do projeto
os seguintes pesquisadores: Alessandra Frota Martinez de Schueler, Andréa
Maria Lopes Dantas, Antonio Carlos Ferreira Pinheiro, Antonio de Pádua
Carvalho Lopes, César Augusto Castro, Diana Gonçalves Vidal, Diomar das
Graças Motta, Eliane Peres, Elizabeth Figueiredo de Sá, Elisabeth Miranda
de Lima, Fernanda Mendes Resende, Juliana Cesário Hamdan, Gizele Souza,
Gladys Mary Ghizoni Teive, Irlen Antonio Gonçalves, Jorge Carvalho do
Nascimento, José Carlos Souza Araújo, Lucia Franca Rocha, Luciano Mendes
de Faria Filho, Marta Maria Araújo, Maria Cristina Soares Gouvêa, Marlucia
Menezes de Paiva, Maria do Amparo Borges Ferro, Nicanor Palhares Sá,
Rubia-Mar Nunes Pinto, Vera Lúcia Gaspar Silva, Vera Teresa Valdemarin.
Coordenação: Rosa Fátima de Souza.

junqueira&marin editores 10
1 APRESENTAÇÃO 1

a divisão do trabalho docente, a constituição das classes, a


correspondência entre classe e série, o funcionamento em
edifício com várias salas de aula, a graduação dos programas
de ensino e a ordenação da jornada escolar, os grupos
foram concebidos como escolas modelares. Vários estados
brasileiros buscaram implantar essa escola primária moderna
ao longo da Primeira República: em São Paulo, em 1893; no
Rio de Janeiro, em 1897; no Maranhão e no Paraná, em 1903;
em Minas Gerais, em 1906; na Bahia, Rio Grande do Norte,
Espírito Santo e Santa Catarina em 1908; no Mato Grosso em
1910; Sergipe, em 1911; no território do Acre, em 1915, na
Paraíba em 1916, em Goiás, 1918 e no Piauí em 1922. Por isso,
pode-se dizer que a história dos grupos escolares se confunde
com a história do ensino primário no Brasil e encontra-se no
centro do processo de institucionalização da escola pública
no país.

A produção marcadamente regional sobre o tema


intensificada na última década vinha demandando exames
mais acurados sobre a circulação e apropriações dessa
modalidade de escola em âmbito nacional. Desse modo, a
perspectiva comparada adotada no Projeto Integrado de
pesquisa tem buscado contribuir para uma interpretação
mais acurada e global sobre a constituição da escola primária
no país.

Para viabilizar a análise comparada, a equipe de


pesquisadores organizou-se em 4 grupos temáticos: GT1 –
Estudo do significado, das iniciativas de adoção e das práticas
geradas pelo método intuitivo e seus desdobramentos e
inflexões a partir da difusão da escola nova; GT2 – Exame da
materialidade da escola primária graduada pelo estudo da
cultura material escolar; GT3- Análise das representações
sociais sobre os grupos escolares; GT4 – Estudo da
institucionalização da escola graduada nos vários estados do
Brasil considerando as reformas educacionais, a expansão das
instituições escolares, a organização pedagógica e a relação
entre os vários tipos de escolas primárias (escolas isoladas,
reunidas, grupos escolares e escolas municipais, estaduais

11 junqueira&marin editores
1 APRESENTAÇÃO 1

e privadas). Cada grupo temático abrangeu um conjunto de


estados para a investigação.

As categorias de análise e as fontes de pesquisa foram


definidas no âmbito de cada grupo temático tendo em vista os
objetos de estudo e as características da documentaçãodos acervos
regionais e das práticas de investigação dos pesquisadores.

O percurso da pesquisa

No âmbito do GT4, a investigação envolveu 11 estados da


federação – Acre, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas
Gerais, Piauí, Rio de Janeiro, São Paulo, Sergipe e Rio Grande
do Norte. Os procedimentos de pesquisa foram definidos e
discutidos nas reuniões de trabalho realizadas pelo grupo
constituído por 15 pesquisadores doutores.2 O estudo em
perspectiva comparada constituiu-se em um desafio tendo em
vista as especificidades dos processos históricos regionais. O
GT4 optou por trabalhar com dois tipos de fontes documentais
comuns às diferentes localidades abrangidas pela pesquisa:
a legislação do ensino primário (leis, decretos, regimentos e
regulamentos) e as mensagens dos presidentes dos Estados
envolvidos na pesquisa. Além do exame dessas fontes, o grupo
se propôs reunir a documentação utilizada no estudo para a
constituição de um acervo de fontes digitais.3

2 Alessandra Frota Martinez de Schueler, Andréa Maria Lopes Dantas,


Elizabeth Miranda de Lima, Elisabeth Figueiredo de Sá, Jorge Carvalho do
Nascimento, José Carlos Souza Araujo, Lucia Maria Franca Rocha, Marta
Maria Araújo, Nicanor Palhares Sá, Rosa Fátima de Souza, Marlúcia Menezes
de Paiva, Maria do Amparo Borges Ferro, Maria Cristina Soares Gouvêa,
Rubia-Mar Nunes Pinto, Diomar das Graças, Motta.

3 Este acervo digital está disponível no site: http://escolaprimaria.fclar.


unesp.br/. O conjunto das fontes de pesquisa do Projeto Integrado Por uma
teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas

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1 APRESENTAÇÃO 1

O recorte temporal foi delimitado no período da Primeira


República com base no critério da política educacional, isto é,
consideraram-se as tendências predominantes nas políticas
estaduais e nacionais para o ensino primário. Em decorrência da
descentralização marcante nesse período, cada unidade federativa
pôde configurar o seu sistema de instrução pública, enquanto a
partir dos anos 30 inicia-se o processo de crescente centralização
da educação nacional com a intervenção do governo federal.

A definição dos termos da comparação foi fruto de


discussão aprofundada sobre as finalidades sociais do ensino
primário, sobre o papel do Estado em relação à instrução
Pública na Primeira República e sobre o significado da
modernização representada pelos grupos escolares, tendo em
vista as diferenças na expansão dessa modalidade de escola
nas diferentes unidades federativas do país e sua indissociável
relação com as demais modalidades de escolas primárias
existentes em cada região. Considerando a complexidade dos
aspectos envolvidos na problemática da institucionalização
da escola primária, os pesquisadores do GT4 definiram para a
comparação quatro categorias de análise:

a) Republicanismo/Federalismo (discussão sobre a relação


entre estado e sociedade, o papel do Estado em relação à
educação pública, a questão dos municípios)
b) Modelo/modalidade de escola(o grupo escolar em
relação às outras escolas primárias). Análise da
organização do trabalho pedagógico entendido como
a organização administrativa, as séries, o currículo, a
constituição das classes, a avaliação etc.
c) Expansão da escolarização primária.
d) Financiamento/orçamento (análise do financiamento da
escola primária dentro do orçamento maior do Estado).

sobre a escola graduada (1870 – 1950) foi publicado em DVD intitulado


Fontes para o Estudo da Escola Primária no Brasil (1889 – 1930).

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1 APRESENTAÇÃO 1

Na etapa seguinte, os pesquisadores ficaram


encarregados de produzir estudos sobre a institucionalização
da escola primária em seus respectivos estados contemplando
as quatro categorias delimitadas para a comparação de modo
a subsidiar a próxima etapa da pesquisa, isto é, a comparação
entre os estados.

Esses estudos subsidiários compõem esta coletânea.Aordem


de apresentação dos textos na coletânea não é fortuita. Ela segue
a ordem cronológica da criação legal dos grupos escolares nos 11
estados investigados, conforme se pode perceber no quadro abaixo,
e termina com uma reflexão sobre as tensões no processo histórico
entre a universalização das ofertas educacionais e a permanência
das desigualdades.4 A datação no título dos capítulos decorre,
portanto, da data de institucionalização da escola graduada em
cada estado investigado.

Quadro 01–Estadosbrasileiroseinstauraçãodos gruposescolares

Elaborado por SOUZA; ARAUJO (2010)

4 O texto referente ao estado do Rio de Janeiro foi publicado na Revista de


Educação Pública. Cf. Schueler, 2010

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1 APRESENTAÇÃO 1

O volume se inicia com o texto de Rosa Fátima de


Souza analisando as sucessivas reformas da instrução pública
implementadas no estado de São Paulo no período de 1893, ano de
criação dos grupos escolares nesse estado, a 1927, quando ocorreu
a última reforma da instrução pública no período da Primeira
República. Sem desconsiderar a produção existente sobre o tema,
a autora faz um balanço das continuidades e descontinuidades das
políticas dos governos paulistas em relação ao ensino primário.
Nesse sentido, problematiza o modo pelo qual a educação paulista
tornou-se centro de referência da modernização educacional no
país pela inovação adotada em relação aos métodos e processos
de ensino e pela criação de novas instituições educacionais, como
por exemplo, os grupos escolares. A expansão do ensino primário
por meio dos grupos escolares foi uma tendência marcante na
política educacional paulista, com exceção do período de vigência
da denominada Reforma Sampaio Doria (1920 – 1924) quando foi
priorizada a expansão das escolas reunidas e o desdobramento das
escolasisoladas.Em 1898havia38gruposescolares no estadodeSão
Paulo com 11.453 alunos. Em 1929, esse número havia se elevado
para 297 grupos escolares com 191.320 alunos matriculados.
São Paulo possuía então a maior rede de grupos escolares do
país. O investimento público em educação foi significativo, mas
não suficiente para a universalização do ensino. Na análise das
modalidades de escolas primárias existentes no estado, a autora
assinala a diferenciação em relação aosprogramas de ensino, ao
tempo de duração do curso primário e nas representações sobre a
relevância e qualidade dos diferentes tipos de escolas. Desse modo,
a análise aponta as múltiplas faces do aparelho escolar paulista
marcado pela modernização, mas também por ausências, exclusões
e diferenciações.

O capítulo sobre a escola primária no Maranhão, de autoria


de Diomar das Graças Motta et alii, ressalta a profusão de leis
educacionais, em número de 59, no período da Primeira República.
A estrutura desse capítulo se envolve, além da necessária
contextualização, com as modalidades de escola primária, sua
organização pedagógica, com o papel do Estado, com as questões
relativas ao financiamento, além da expansão escolar primária. A
população do Estado em apreço revela-se com 430.854 habitantes

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1 APRESENTAÇÃO 1

em 1890, porém em 1920 já registrava, conforme censo, 874.337


habitantes (São Luis contava então com 52.929), aumento que
ultrapassa 100% em 30 anos. Somente tal dimensão acarreta
questões muito significativas em relação ao financiamento e à
expansão escolar. Em 1920, os percentuais de analfabetismo
atingiam a casa dos 81%. E os grupos escolares instalados em
meados dos anos de 1920 atingiam a casa dos 15% em relação ao
número de municípios.

O objeto do capítulo, de autoria de José Carlos Souza Araujo,


é compreender o discurso republicanista presente nas Mensagens
dos Presidentes de Estado de Minas Gerais, em número de 41, entre
1891 e 1930, as quais envolvem quinze diferentes Presidentes de
Estado.Além da necessáriacontextualizaçãosobre aescola primária
no Brasil, o capítulo em pauta situa as origens do republicanismo
em contexto europeu, bem como o seu enraizamento no Brasil,
particularmente através do Manifesto Republicano de 1870. Cabe,
por conseguinte, compreender que tais Mensagens são expressão
de prática social, e como tais manifestam um pensamento político
republicano e federativo em seu andamento no período de 1891
a 1930. Através delas, tal pensamento político – a um tempo
utópico e real ante os problemas brasileiros de então – conjuga,
de forma linguística, uma prática discursiva, porém a expressar
uma estrutura social. Em conclusão, as dimensões escolares se
explicitam pelas mesmas entre o possível e o real, através das
categorias encontradas nas Mensagens em apreço: república,
federação, constituição, liberalismo, cidadania,educação, liberdade,
igualdade, justiça, democracia, progresso e civilização são apenas
as questões de fundo que estão promovendo a organização do
trabalho pedagógico para e na escola primária, porém não sem ela
– lugar de organização do trabalho didático - para a construção das
utopias republicanas.

O texto de autoria de Marta Maria de Araújo e Marlúcia


Menezes de Paiva mostra as diferentes etapas de constituição do
aparelho de ensino primário no estado do Rio Grande do Norte.
A modernização pedagógica pelo método intuitivo circulou na
província no final do Império. A primeira reforma republicana
da instrução primária buscou adotar padrões inovadores como

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1 APRESENTAÇÃO 1

o método simultâneo e a ampliação dos programas de ensino. As


autoras mostram como a expansão das escolas primárias ocorreu
pelo concurso de vários setores sociais, destacando-se o poder
público estadual, as municipalidades e a iniciativa particular.
A criação dos grupos escolares ocorreu no governo de Alberto
Frederico de Albuquerque Maranhão em 1908 e nos anos seguintes
o entusiasmo por essa modalidade de escola primária prevaleceu
nas políticas educacionais. No entanto, destacam a ocorrência de
um deslocamento no início dos anos 20, no governo de Antonio
José de Mello Souza, quando a ênfase para a expansão da educação
elementar passa dos grupos escolares para as chamadas escolas
rudimentares – ensino primário funcionando em casas docentes
ministrando as aprendizagens básicas da leitura, escrita e cálculo.
A diferenciação entre o grupo escolar e a escola rudimentar se
intensifica pelas mudanças nos programas de ensino e no tempo de
duração do ensino primário – 4 anos nos grupos escolares e 2 anos
nas escolas rudimentares. Em 1929 havia 22 grupos escolares em
funcionamento no Rio Grande do Norte com cerca de 3.832 crianças
matriculadas. Além desses estabelecimentos havia 129 escolas
reunidas e 118 rudimentares com 6.922 alunos matriculados, o que
atesta a importância das demais escolas primárias na escolarização
da infância.

Elizabeth Figueiredo de Sá tem por objeto a escola primária


em Mato Grosso. Destaca ela que o Estado, ao final do século XIX,
continha 1.477.041 km2, o de maior extensão territorial do país
àquela altura. A ausência de professores, de alunos, de materiais
e de prédios escolares punha-se como obstáculo aos projetos
educativos que viessem a atender as aspirações pelo progresso
e pela civilização. É sob esse pano de fundo que as reformas
destinadas à instauração da política em torno dos grupos escolares
se dão em 1910. Porém os temas da laicidade, da gratuidade, da
obrigatoriedade do método intuitivo já estavam presentes desde a
última década do século XIX. Destaca a autora a ação de normalistas
formados em São Paulo atuantes nas primeiras décadas do século
XX em vista da ordenação da escola primária. Também em Mato
Grosso, os ‘palácios’ mineiros se fazem presentes através da locução
‘templos do saber’ para se referir aos grupos escolares. Certamente,
a centralidade cabe aos conteúdos, aos métodos, à organização do

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1 APRESENTAÇÃO 1

trabalho pedagógico e didático, porém a cidadania, o progresso e


a civilização estão a nortear, em termos de finalidades sociais, a
escola primária matogrossense.

Em relação ao estado do Piauí, Maria do Amparo Borges


Ferro ressalta a precariedade da instrução pública no século XIX.
No entanto, no início do período republicano, a autora identifica
uma crescente dinamização da educação primária que se manifesta
na atuação dos municípios e do poder público estadual, além das
iniciativas de particulares e da igreja. A reforma da instrução
pública de 1910 (Lei n° 548, de 30 de março de 1910) estabeleceu
que o ensino público estadual seria ministrado em escolas isoladas
e grupos escolares. Contudo os primeiros grupos escolares foram
instalados somente na década de 20, prevalecendo a opção dos
governos do estado pelas escolas reunidas e isoladas consideradas
de menor custo e mais adequadas às características e necessidades
do Estado.Apesar de o discursoeducacional reiterar continuamente
a defesa da modernização dos métodos de ensino e das instituições
escolares, a expansão da instrução primária foi lenta. Como afirma
a autora, em 1930, de acordo com a mensagem enviada pelo
Presidente do Estado à Assembléia Legislativa, as matrículas no
ensino primário no estado do Piauí chegavam a 5.500 alunos nas
escolas estaduais e naquelas mantidas pelos municípios. O ensino
primário era ministrado em 20 grupos escolares e em 82 escolas
isoladas.

Segundo o autor, Jorge Carvalho do Nascimento, o objeto de


seu capítulo é a escola primária sergipana,e visa “[...]compreender o
impacto causadopelasreformaseducacionaisno Estado,osmodelos
de escola adotados, a nova organização pedagógica, o processo
de expansão da rede escolar e os mecanismos de financiamento
adotados pelos governantes ‘[...]”. A reforma que institui a escola
primária diferenciada, expressa pelos grupos escolares, instaura
se em 1911, ano em que é inaugurado o grupo escolar modelo de
Aracaju, SE. As escolas isoladas de então somavam 179. Desde essa
reforma, também as escolas reunidas constituíram-se em outra
modalidade de nível primário. Além disso, desenvolve o autor uma
análise das várias reformas anteriores em período republicano.
Revela também observações sobre os descaminhos do método

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1 APRESENTAÇÃO 1

intuitivo na escola primária sergipana, sobre a padronização dos


livros didáticos, debates sobre edifícios escolares apropriados,
sobre a importação de carteiras dos Estados Unidos da América
e sobre as práticas de formação cívica. Ao final dos anos de 1920,
estavam instalados 14 grupos escolares, sendo 5 na capital e 9 em
cidades interioranas principais. Mas as escolas isoladas também se
multiplicaram significativamente até o final dos anos de 1920.

No capítulo seguinte, A educação primária no estado da


Bahia, 1889-1930, Lucia Maria da Franca Rocha ressalta os desafios
enfrentados para a expansão da escola primária trazendo também
elementos sobre a organização pedagógica dos grupos escolares.
Segundo a autora, não houve no “panorama da instrução primária
pública baiana […] nenhuma mudança significativa” nos primeiros
anos da República mantendo-se praticamente inalterado o número
de criançasmatriculadas e frequentes.Neste sentido,a instabilidade
da política estadual no início do regime republicano e divergências
entre estado e municípios na criação e manutenção de escolas
primárias são assinaladas como importantes pontos de tensão
para a expansão deste nível de ensino. Sobre os grupos escolares,
Maria Lucia afirma que, na Bahia, este modelo de escola organizou
se em um modelo distinto do grupo escolar paulista constituindo
se unicamente como ‘reunião de escolas’ primárias (elementares,
médias e superiores). Esta forma de organização do grupo escolar
perdurou desde sua criação em 1895 até a reforma Anísio Teixeira,
em 1925. Fundada nas Lições das Coisas, a escola primária baianas
foi investida da função de educar a inteligência, fortalecer o corpo
e orientar a vontade livre da criança para o bem. Mas, a despeito
das mais de cem (100) “leis minuciosas’ e das constantes reformas
educacionais, o avanço qualitativo e quantitativo da escola primária
na Bahia somente foi intensificado a partir de 1925, ou seja, a partir
da reforma Anísio Teixeira.

Andréa Maria Lopes Dantas e Elizabeth Miranda de Lima


fazem a análise da expansão e institucionalização da escola primária
no então Território do Acre destacando dois momentos: de 1904
a 1920 quando o Território foi dividido em quatro departamentos
administrativos tendo Manaus (Amazonas) como centro de
informações e ordens do governo federal e; a partir de 1920 quando

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1 APRESENTAÇÃO 1

ocorreu a unificação e a instalação do governo territorial em Rio


Branco, tornada então capital do Território. A partir de então, as
escolas primárias foram criadas e mantidas pelas prefeituras
municipais e pelo governo territorial. As autoras afirmam que a
difusão da escola primária era uma das principais preocupações
do governo territorial acreano que via na expansão da instrução
primária pública um importante fator para a consolidação do Acre
como uma fração da república brasileira. Por isso a escola primária
deveria proporcionar formação moral e patriótica além da inculcar
hábitos saudáveis. Asssinala-se ainda que as maiores dificuldades
para a expansão da escola primária no Acre eram a dispersão da
população pelos seringais e a extensão territorial. Como uma
tentativa de avançar sobre estes problemas, são criadas as Escolas
Ambulantes. A respeito dos grupos escolares, a análise mostra que
o primeiro foi criado e entrou em funcionamento em 1915. Mas o
alto custo com a criação e manutenção desses estabelecimentos foi
motivo de debates e divergências entre governantes municipais e
governo territorial já que alguns prefeitos das cidades acreanas
acreditavam que o esforço para a criação de grupos escolares
produzia o efeito de esvaziamento de recursos para as escolas que
não se enquadrassem na forma escolar moderna.

Para Rubia-Mar Nunes Pinto, “[...] o ano de 1918 é um


momento que a recente historiografia da educação goiana
considera como sendo de grande importância, pois, a partir daí,
o governo estadual assumiu definitivamente a responsabilidade
pela instrução pública retirando a autonomia dos municípios
para criar e manter escolas primárias”. É também o ano da criação
dos grupos escolares, bem como a gênese do escolanovismo em
terras goianas. Porém, as esferas estadual e municipal estão ali
bem caracterizadas desde a constituição goiana de 1891, ora
cabendo a uma, ora a outra a responsabilidade pela instrução
primária. Seu capítulo apresenta, também, dados estatísticos
no decorrer da Primeira República, bem como uma análise das
diferentes reformas educacionais do período. Nos anos de 1920
“[...] o crescimento na quantidade de escolas foi significativo: de
21 escolas primárias em 1917 para 186 em 1930 como também se
elevou o número de crianças frequentes”. No entanto, a criação de
grupos escolares restringiu-se ao sul, sudeste e sudoeste do estado

junqueira&marin editores 20
1 APRESENTAÇÃO 1

de Goiás. Associados a tal processo de análise da escola primária,


a autora também traz aspectos relativos ao financiamento, que
explicitam os problemas relativos à mesma, antes de 1918 e
depois até 1930.

Maria Cristina Soares de Gouvea e Alessandra Frota


Martinez de Schueler são autoras de uma análise intitulada
Condições de Instrução da Infância: entre a universalização e a
desigualdade. E o seu objeto está vinculado a estes dois termos: de
um lado a universalização da escola, contextualmente assumida
através de “[...] um ideário valorizador da cultura escrita e de
uma nova ética do trabalho, numa comunidade imaginada, a
nação, bem como a aquisição de códigos de conduta afirmados
como civilizados”. Compreendem a Primeira República como
o ‘mais longo período de estabilidade política’, e o que ‘mais se
distanciou da democracia’ e, por conseguinte, da cidadania. Em
suas considerações sobre o projeto republicano de instrução e a
organização da escolaprimária,iniciapelo relevo ao analfabetismo,
conforme censos de 1872 e de 1900. Daí a acertada sustentação
de que a universalização da escola elementar tenha sido precária,
o que promoveu a desigualdade. Ressalta, entre outros aspectos,
que os contornos federativos da república brasileira nortearam
a responsabilização da instrução primária aos estados e, quando
não, destes para os municípios. Levem-se também em conta,
nesse capítulo, os aspectos pontuais relativos às relações de
gênero, à composição étnica da população escolar, à contribuição
dos imigrantes que contavam percentualmente com índices mais
altos de letramento; à origem social dos alunos. Conclusivamente,
sustentam que “[...] a histórica desigualdade no acesso à instrução
no Brasil constitui resultado das desigualdades não apenas
econômico-sociais, mas também de diversidades regionais,
étnicas e de gênero entre as diferentes populações. Têm-se,
ainda, como resultante, condições históricas também desiguais
de acesso à cidadania. Cabe, porém, ter em vista que ainda são
escassas as pesquisas que se dedicam a investigar a dinâmica
social brasileira, considerando as lutas históricas dos variados
grupos sociais pela educação e a constituição de outros espaços
de afirmação da cidadania não atrelados à instrução escolarizada
formal”.

21 junqueira&marin editores
1 APRESENTAÇÃO 1

Os capítulos deste livro, Escola Primária na Primeira


República (1889 – 1930): subsídios para uma história comparada
ensejam múltiplas leituras. O leitor encontrará em cada um dos
textos um conjunto de informações e análises sobre o processo
histórico de configuraçãodos sistemasestaduais de ensinoprimário
destacando o papel do Estado, a organização pedagógica das
escolas e dados sobre a expansão do ensino e do financiamento da
instrução pública. Tais estudos, ainda que não exaustivos, oferecem
um quadro abrangente sobre a educação na Primeira República e
poderão ser utilizados como fonte de consulta para subsidiar outras
pesquisas. Vale assinalar a originalidade de sínteses dessa natureza
para alguns estados que possuem poucos estudos sobre o tema. De
fato, boa parte dos estudos já produzidos refere-se a períodos mais
restritos e a recortes temáticos mais específicos. Dessa maneira, o
leitor poderá obter uma visão de conjunto sobre as peculiaridades,
semelhanças e diferenças no modo de circulação e apropriação da
escola graduada e das outras modalidades de escolas primárias,
como as escolas reunidas e isoladas. Poderá perceber como se
foram construindo, no início do século, representações sobre a
importância social da escola e diversos modos de classificação
dos estabelecimentos de ensino estabelecendo diferenciações
educacionais e sociais. No cotejamento desse conjunto de dados
e análises, poderá também traçar uma interpretação mais ampla
sobre a história da escola primária no país. ♠

REFERÊNCIAS

SOUZA, Rosa Fátima de; ARAUJO, José Carlos S. História comparada da escola
primária no Brasil (1870-1950). Anais do VIII Congresso Luso-Brasileiro de
História da Educação, São Luis, MA, p.1-13, 2010.
SHUELER, A. F. M. “Grandeza da Pátria e Riqueza do Estado”. Expansão da escola
primária no Estado do Rio de Janeiro (1893 – 1930). Revista de Educação Pública
(UFMT). Cuiabá, v. 19, p. 535 – 550, 2010.

junqueira&marin editores 22
RS ESCOLAS PÚBLICAS PAULISTAS NÃ PRIMEIRA REPÚBLICA:
SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA COMPARÃDÃ DA ESCOLÃ PRIMÁRIA NO BRASIL

R0sa Fátima de Souza”

#evisitar a história da escola primária no estado de São


@#### Paulo na Primeira República não é tarefa fácil, pois, exige
*#>lo diálogo sistemático com o conjunto significativo de
investigações já realizadas sobre o tema e a consulta a fontes muito
exploradas pelos pesquisadores.

No conjunto desses estudos, vale ressaltar os trabalhos


pioneiros de Casemiro dos Reis Filho (1981) tratando das primeiras
reformas republicanas da instrução pública levadas a termo
no período de 1890 a 1896, o de Heládio Cesar Antunha (1976)
investigando a Reforma de 1920 e o de Ana Maria Infantosi da Costa

*Professora adjunta do Departamento de Ciências da Educação da Faculdade


de Ciências e Letras da UNESP campus de Araraquara, pesquisadora do CNPq
e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Cultura e Instituições
Educacionais. E-mail: rosa@fclarunesp.br

23 junqueira&marin editores
1 SÃO PAULO - 1893 1
(1983) compreendendo o mapeamento minucioso da expansão do
ensino primário nas diversas regiões do estado. Ressalta-se ainda, a
contribuição de Zeila de Brito Fabri Demartini (1989) cujos estudos
sócio-históricos problematizaram a memória de professores que
atuaram na zona rural paulista no inicio do século XX colocando em
questão os problemas e as particularidades das escolas primárias
rurais.

A partir dos anos 90, a história do ensino primário


passou a ser investigada no Brasil com base em novas
abordagens e interpelações epistemológicas sendo explorada
sob uma multiplicidade de temas e objetos podendo-se destacar
investigações sobre a institucionalização dos grupos escolares e
aspectos da cultura escolar envolvendo diversas práticas educativas
e questões relacionadas ao currículo e aos métodos de ensino.

Ao mesmo tempo, o conhecimento sobre a escola primária


paulista na transição do século XIX para o século XX tem se alargado
mediante a contribuição das investigações sobre temas correlatos
como a história da formação e profissionalização do professores,
do ensino da leitura e da escrita, investigações sobre cartilhas e
livros didáticos, arquitetura escolar, atuação dos administradores
do ensino público, entre outros. Nesse sentido, pode-se dizer que
a produção da pesquisa histórica em educação incidindo sobre
o estado de São Paulo ampliou-se consideravelmente nas duas
últimas décadas.

Sem pretender esgotar toda a bibliografia produzida nesse


período, vale mencionar alguns exemplos. Marta Carvalho (1989)
problematizou o processo de redefinição do estatuto da escola
primária na ordem republicana dando destaque aos grupos
escolares como escolas modelares.

Em relação aos meus próprios trabalhos, as minhas


primeiras investigações incidiram sobre as lutas populares pela
escola elementar (Souza, 1998a, 1999a), depois se deslocaram
para o processo de institucionalização dos grupos escolares
(Souza 1998b), passando em seguida para a problematização de
alguns aspectos da cultura escolar como o tempo, o escotismo, a

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1 SÃO PAULO - 1893 1

cultura material e o currículo (Souza 1999b, 2000a, 2000b, 2004)


e chegando, por último, na tentativa de interpretação da história da
escola primária paulista ao longo do século XX (Souza, 2009). Ainda
no âmbito da institucionalização da escola primária encontra-se o
trabalho de Marcílio (2005).

Entre os estudos sobre a história do currículo e das


disciplinas escolares, Circe Bittencourt (1989, 1990) analisou
ensino de história, Jardim (2003) e Morila (2004) investigaram
o ensino da música, Santos (2005) as prescrições destinadas à
geografia e Shien (2010) os programas de ensino estabelecidos
para os diferentes tipos de escolas primárias paulistas no período
de 1887 a 1929. Relacionado a essa temática, são numerosos os
estudos sobre o ensino da leitura e da escrita destacando-se os
trabalhos de Mortati (2000) e Carvalho (1998), entre outros.

No âmbito da cultura escolar podemos citar: Gallego (2003),


Gabriel (2003), Candido (2007). Sobre arquitetura escolar se
destacam os estudos de Woolf, 1992; Buffa e Pinto, 2002; Araujo
Jr., 2007. Sobre a adoção e a prática do método intuitivo podemos
assinalar as investigações de Valdemarin, 2004 e Bianco, 1999.
A trajetória profissional de Oscar Thompson foi analisada por
Medeiros (2005) e a de Sampaio Dória por Gonçalves (2002).

Por último, é pertinente ressaltar a produção sobre a


formação e profissionalização do magistério primário que tem
acrescentado inúmeras informações sobre os problemas e o
funcionamento das escolas elementares no estado de São Paulo.
Entre essa extensa produção, citamos como exemplo, Tanuri
(1979), Catani (1989, 1994), Monarcha (1999) e Castro (2000).

Sem desconsiderar as contribuições dos estudos elencados


acima, este texto compreende um estudo sobre a história da
escola primária no estado de São Paulo no período de 1889 a
1930 considerando aspectos específicos da institucionalização
da escolarização da infância, isto é, as políticas do Estado para a
instrução elementar, as diferentes modalidades de escolas públicas
primárias existentes no estado, a organização pedagógica dessas
escolas e os gastos do governo estadual com o ensino.

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1 SÃO PAULO - 1893 1
Para a construção do texto, além das pesquisas realizadas
pela autora anteriormente e as informações encontradas na
produção bibliográfica assinalada, utilizamos dados de duas
fontes documentais: a legislação educacional e as mensagens dos
presidentes do estado de São Paulo. Para o exame da expansão do
ensino primário, recorremos também aos Anuários do Ensino do
Estado de São Paulo.

O ordenamento legal sobre a instrução pública no estado de


São Paulo durante a Primeira República compreende um conjunto
de vários textos legais – leis, decretos, regulamentos e decretos
leis voltados para a normatização dos mais variados aspectos
relacionados à criação e funcionamento das escolas públicas. Ao
longo de quatro décadas foram estabelecidas quatro reformas
da instrução pública (1892, 1920, 1925 e 1927). No entanto,
para além das reformas, verifica-se a existência de uma profusa
legislação tratando de aspectos específicos da organização do
ensino detalhando ou modificando determinações anteriores.
Alguns pesquisadores já se detiveram ao estudo dessas reformas,
mas ainda ressentimos a ausência de investigações sistemáticas
sobre a produção dessa legislação complementar incidindo sobre
o processo de elaboração, discussão no âmbito do legislativo,
aprovação e implementação. Como advertem Faria Filho (1998)
e Gizele Souza (2004), a legislação escolar compreende um
instrumento de modernização da educação. Ela materializa um
discurso ancorado em concepções diversas sobre a escola, a
educação, o professor e a infância. Enquanto ordenamento jurídico,
a legislação projeta como deve funcionar o sistema educacional.
Mas é preciso ver na lei, uma tentativa de responder a problemas,
sejam aqueles pertinentes ao campo educacional propriamente
dito ou da articulação entre educação e sociedade.

As reformas da instrução pública implementadas no estado


de São Paulo nas primeiras décadas republicanas estiveram
atreladas a projetos políticos de difusão da educação popular
com vistas a manter o regime republicano e a modernizar a
sociedade. As alterações do ordenamento legal para a educação
buscaram responder às dificuldades de implementação desse
projeto de educação popular adequando-o à diversidade dos

junqueira&marin editores 26
1 SÃO PAULO - 1893 1

grupos sociais e às características do desenvolvimento social e


econômico.

A legislação como fonte de pesquisa para a história da


educação é limitada para a compreensão das práticas realizadas e
do funcionamento efetivo do ensino nas instituições escolares. Não
obstante, ela permite compreender as racionalidades instituídas e
as tentativas do Poder Público de ordenamento e configuração do
ensino. Também se deve levar em conta os efeitos que a legislação
produz na cultura escolar, seja se constituindo como parte
dessa cultura, seja induzindo e conformando práticas ou ainda,
mobilizando diálogos e reações dos sujeitos educacionais com as
normas estabelecidas.

A outra fonte de pesquisa selecionada para este estudo,


as Mensagens dos Presidentes de Estado, compreendem textos
descritivos sobre a atuação do governo nas diversas áreas da
administração pública. Atendendo a uma determinação da
Constituição Estadual, cabia ao Presidente do Estado apresentar
anualmente na sessão inaugural do Congresso Legislativo, o
relatório detalhado do movimento de sua administração referente
ao ano decorrido. Desse modo, as mensagens se caracterizam
por apresentarem uma configuração textual na qual sobressai
o relato dos avanços realizados e a avaliação dos problemas
enfrentados. De certa maneira, os presidentes justificavam
os atos da administração pública e propunham soluções para
determinados problemas ressaltados. Verifica-se também, uma
grande preocupação com a apresentação de dados estatísticos
confirmatórios dos resultados da ação do poder público, quase
sempre bem sucedidos, na perspectiva dos relatórios. No que
dizem respeito à educação, as Mensagens oferecem dados sobre a
estatística escolar, o numero de escolas e de alunos matriculados,
o investimento no ensino público e os problemas mais candentes.
Assim, a análise dos discursos dos presidentes do Estado permite
apreender as representações das lideranças políticas sobre a
instrução pública. Esses discursos cotejados com a legislação
oferecerem informações relevantes para o desvelamento das
transformações institucionais ocorridas no ensino primário
paulista no início do século XX.

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1 SÃO PAULO - 1893 1
I - O Estado de São Paulo e suas relações com a Federação

O regime republicano instituído no país em 1889 alicerçou


se sobre o pacto oligárquico e a força política dos estados
economicamente mais fortes. Como demonstra o estudo de Cardia
(1998) sobre a trajetória do federalismo brasileiro na Primeira
República, embora a concepção de federalismo preconizasse
a igualdade entre os estados-membros, em realidade somente
alguns estados se beneficiaram da descentralização. A política
dos governadores instaurada por Campos Salles possibilitou o
domínio de algumas oligarquias regionais – especialmente São
Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul – ancoradas
na manipulação da máquina eleitoral influenciada pelas práticas
coronelistas. Além da diferenciação entre os estados da federação
na participação no poder, o federalismo brasileiro não garantiu a
participaçãopopular nosprocessosdecisóriosdarecente República.
Até 1930, a população votante no Brasil não passou de 3%.

A liderança de São Paulo na vida política nacional foi notável


durante a Primeira República. Segundo Love (1982, p. 251), o papel
desse estado na política federal nesse período pode ser analisado
considerando duas fases: a primeira entre 1889 e 1905, coincide
com a “oposição paulista ao domínio federal e com a perda do
poder de decidir a orientação política da política cambial do café”.
Nessa fase, três paulistas ocuparam a presidência da República:
Prudente de Moraes (1894 – 1898), Campos Salles (1898 – 1902)
e Francisco Rodrigues Alves (1902 – 1906). A segunda fase, entre
1905 e 1930, é marcada pela “diminuição da presença paulista em
cargos federais de maior prestígio”, compensada pelo “controle”
do estado de São Paulo sobre as políticas cambial, monetária e
cafeeira. Tendo em vista a importância de São Paulo na economia
nacional, pode-se dimensionar o controle político indireto exercido
pelas oligarquias paulistas.

Essa liderança econômica e política repercutiu também


no campo educacional. O investimento público na difusão e
modernização do ensino primário e normal tornou o “aparelho
escolar de São Paulo” uma referência nacional.

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1 SÃO PAULO - 1893 1

II - As políticas dos governos de São Paulo a instrução primária

Diversos autores têm assinalado o papel relevante atribuído


à educação pelos republicanos paulistas. Tanto no período de
propaganda do movimento republicano nas décadas de 70 e 80 do
século XIX quanto nas ações implementadas ao assumirem o poder
após a proclamação da República, a educação sobressaiu como
elemento fundamental para a formação do cidadão republicano.
No programa do Partido Republicano Paulista e nos discursos dos
políticos e intelectuais, a escola foi concebida como elemento de
regeneração da nação brasileira, elemento propulsor do progresso
e do desenvolvimento social e econômico do estado de São Paulo e
do país, condição para a moralização do povo, para a construção da
nacionalidade e manutenção do novo regime político. (PARIS, 1980,
REIS FILHO, 1981, SOUZA, 1998b).

Durante a Primeira República foram realizadas quatro


reformas da instrução pública no estado de São Paulo, assim
consideradas nos estatutos legais: em 1892 (Lei n° 88, de 8 de
setembro), em 1920 (Lei n° 1.750, de 8 de dezembro), em 1925
(Lei n° 2.095, de 24 de dezembro) e em 1927 (Lei n° 2.269, de 31
de dezembro).

Como bem assinalou Casemiro dos Reis Filho, a primeira


reforma republicana paulista da instrução pública pode ser melhor
compreendida considerando o ciclo de reformas instituídas entre
1890 e 1896, constituído por um conjunto de legislações que
configuraram todo o sistema de ensino público de São Paulo nas
décadas seguintes.

Esse ciclo de reformas iniciou em 1890 com a


reorganização da Escola Normal da Capital ampliando os
programas e redefinindo o papel dos professores e com a
criação da Escola – Modelo destinada à prática de ensino dos
alunos mestres da Escola Normal fundamentada nos modernos
processos pedagógicos. Na seqüência, a lei de reforma da
instrução pública de 1892 e a legislação complementar que lhe
seguiram estruturaram o ensino primário, criaram os grupos

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1 SÃO PAULO - 1893 1
escolares - modelo de escola graduada considerado o mais
avançado na época -, e adotaram o método de ensino intuitivo,
ícone da pedagogia moderna. No âmbito do ensino secundário
foi prevista a criação de três ginásios públicos para a formação
científica e literária dos jovens e no âmbito do ensino superior,
foi criada a Escola Politécnica.5

Em mensagem enviada ao Congresso Legislativo do Estado


em 7 de abril de 1896, o Presidente Bernardino de Campos
enaltecia com satisfação as várias legislações sobre instrução
pública colocadas em vigor durante o seu governo:

A legislação paulista, quanto à instrucção primaria e


secundária é completa, fornece os elementos para a
formação de um conjunto perfeito em estabelecimentos,
harmonica e logicamente concatenados, funccionando
pela applicação sensata dos mais perfeitos processos e
methodos de ensino, gradual e intuitivamente ministrado,
desde as noções as mais elementares e concretas, até
as mais abstratas e generalizadas, segundo o grau de
capacidade das creanças, de modo a aproveitar as condições
e circunstancias naturaes, tendo em vista a instrucção
integral. (SÃO PAULO, 1896, p. 66)

No início do séculoXX, o estado deSão Paulofoireconhecido


como sendo o centro de referência da modernização educacional
no Brasil. Como buscamos demonstrar em estudo anterior
(SOUZA, 2011), os republicanos paulistas empenharam-se em
construir uma memória e uma interpretação das realizações
do Estado no campo da educação como obra eminentemente
republicana valendo-se de inúmeras estratégias de visibilidade
da atuação do Poder Público.

5 A reforma da instrução pública de 1892 foi alterada por diversos


dispositivos legais nos anos seguintes (especialmente pela Lei n° 169, de
7/8/1893, Lei n° 520, de 26/8/1897, Lei n° 930, de 13/8/1904 e Lei 1.779,
de 19/12/1917).

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1 SÃO PAULO - 1893 1

Em realidade, o que São Paulo ofereceu às demais regiões


brasileiras foi a imagem de um aparelho escolar moderno,
articulado, orgânico e bem sucedido. Tal imagem atraiu
a atenção das autoridades políticas de outros estados
empenhados no ideal republicano de reforma da educação
popular. Os expedientes de visibilidade e reconhecimento
multiplicaram-se: visitas comissionadas, viagens de
estudo, elaboração e publicação de relatórios, circulação de
impressos, livros e materiais didáticos. (SOUZA, 2011, p. 6)

A despeito das vicissitudes do aparelho escolar paulista


evidenciada pela incapacidade de universalizar o ensino primário,
pelas precárias instalações das escolas primárias, os baixos
salários dos professores e as deficiências da educação na zona
rural, observa-se uma continuidade na política dos governos do
Estado para a educação, o que se deve, muito provavelmente, à
estabilidade do Partido Republicano Paulista no poder. De fato, o
partido preponderou na direção da política estadual durante 36
anos, nos quais 9 republicanos históricos ocuparam mandatos.

Apesar das oposições e dissidências internas, o Partido


manteve-se sem grandes abalos até a criação do Partido
Democrático em 1926. De acordo com Love (1982) e Casalecchi
(1987), a dissidência mais significativa ocorreu em 1891 com a
deposição de Américo Brasiliense e o expurgo dos republicanos
de última hora (ex-monarquistas) aliados à Deodoro da Fonseca.
Nesse incidente, os republicanos históricos assumiram o partido
e apoiaram Floriano Peixoto. Outras disputas internas abalaram
o partido em 1901, 1907, 1915 e 1923-1924, motivadas por
desacordos em relação à política de proteção ao café ou a escolha
do Presidente do Estado ou da República, mas não chegaram a
comprometer sua estrutura interna.6

6 Os grupos oligárquicos formados por Campos Salles, Rodrigues Alves,


Bernardino de Campos, Fernando Prestes, Altino Arantes, Washington Luis,
Jorge Tibiriçá, Rubião Junior e Francisco Glicério dominaram a Comissão
Executiva do PRP por longos anos e ocuparam os principais cargos na

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1 SÃO PAULO - 1893 1
A segunda reforma da instrução pública realizada no
estado de São Paulo durante a Primeira República ocorreu
em 1920 quando o modelo escolar paulista entra em crise.
Essa reforma, conhecida como Reforma Sampaio Dória (Lei n°
1.780, de 8/12/1920) buscou implementar medidas visando
à erradicação do analfabetismo infantil e à universalização do
ensino primário. A erradicação do analfabetismo emerge com
força após a Primeira Guerra Mundial atrelada ao nacionalismo
e aos anseios da classe média de moralização da ordem pública,
de combate às oligarquias e a reivindicação pelo voto secreto. O
analfabetismo foi concebido na época como “questão nacional
por excelência” e um dos maiores entraves para o progresso do
país. De sua solução dependia a manutenção do próprio regime
republicano e o enfrentamento da questão social. (CARVALHO,
2003).

Amedidamaispolêmica da reformade 1920 foia implantação


da escola alfabetizante de dois anos. O ensino primário gratuito
ficou reduzido às primeiras e segundas séries do curso elementar,
ministrado em escolas isoladas, reunidas e grupos escolares. A
obrigatoriedade escolar foi alterada abrangendo apenas crianças de
9 e 10 anos. Os 3º e 4º anos do curso primário foram transformados
em ensino médio, podendo ser ministrado nas escolas isoladas,
reunidas e grupos escolares e submetidos à taxação, exceto para
alunos reconhecidamente pobres.

administração estadual. Como assegura Love (1982), a elite política de São


Paulo permaneceu extremamente homogênea nas primeiras décadas da
República. Considerando os cargos mais importantes do governo ocupados
pelo partido em âmbito estadual e federal, o autor identificou 263 pessoas
compondo a elite paulista no período de 1889 a 1937. Esse grupo provinha
de um círculo limitado de famílias ligadas por laços consangüíneos ou
de casamento. A maioria era formada por proprietários de fazendas ou
ligada à indústria e ao comércio. Nenhum membro da elite provinha da
classe trabalhadora e somente 5% podiam ser identificados como filhos
de imigrantes. Mais de três quartos eram bacharéis formados em Direito
ou Medicina, constituindo o diploma uma credencial fundamental para a
carreira política.

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1 SÃO PAULO - 1893 1

Foi também instituída pela reforma o recenseamento


escolar com a finalidade de proceder ao reconhecimento exato dos
núcleos de analfabetos. Outras medidas de racionalização foram
adotadas como a descentralização administrativa mediante a
criação das Delegacias Regionais de Ensino, a autonomia didática
dada aos professores, o desdobramento das escolas isoladas para
aumentar a eficiência do professor, a gratificação dos professores
por aluno alfabetizado (5$000 por cada aluno), a unificação das
escolas normais, e mecanismos de efetividade da obrigatoriedade
escolar pelo estabelecimento de multas e detenção dos infratores.

Washington Luís, presidente do Estado na época, defendeu a


reforma na mensagem enviada ao Congresso em 1921 ressaltando
o princípio da igualdade e da racionalização do ensino:

Se o professor deve ser igual para todos os alunos,


da mesma forma deve ser igual para todos o ensino
ministrado. Num regime republicano de igualdade, não se
pode admitir diferenças do ensino gratuito. Se o princípio
republicano deve ser obedecido não pode ser desprezada
a situação financeira, dentro da qual o Estado, honesto
e previdente tem que agir. Unificado o ensino primário,
pode ser ele dado a todos, realizando-se assim a máxima
republicana de nossa constituição de que a instrução
primária é gratuita e obrigatória. [...]
Reduzida, pois, a edade escolar a 9 e 10 annos, com o
mesmo numero de professores, e, portanto, com identica
despeza, podemos, ainda com sobras de lugares, acolher
toda a população infantil em edade legal, dar-lhe escolas
em numero sufficiente e, por conseqüência, obrigal-a
a freqüência para receber o ensino. E como todos, que
attingirem à maior edade, terão passado pelos 9 e 10 annos
do ensino obrigatório, teremos que, dentro de determinado
lapso de tempo, não haverá analphabetos em S. Paulo.
Ora, como esse é o nosso ardente desejo, pomos na sua
realização o melhor dos nossos esforços de administradores.
E havemos de alcançar tal desiderato, sem mutilar o ensino,
visto que a reforma longe de supprimir qualquer cousa no
nosso apparelho da instrucção publica, augmentou-o muito

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criando o ensino médio que é mais que os 3º e 4º do grupo
escolar; accrescentou um anno ao ensino complementar,
ampliou o ensino normal e criou a Faculdade de Educação.
Estes cursos, porém, que não são primários e não são
obrigatórios, poderão ser frequentados mediante o
pagamento de taxas, por assim dizer, insignificantes. (SÃO
PAULO, 1921, p. 122-126).

No entanto, a reforma de 1920 foi muito criticada por


diferentes grupos sociais e educacionais. Dessa maneira, em
1925, uma nova reforma da instrução pública foi estabelecida no
governo de Carlos de Campos (Decreto n° 3.858, de 11/6/1925)
reorganizando o ensino tomando como base o modelo escolar
paulista implantado no início da República. O ensino primário foi
considerado obrigatório e gratuito para crianças de 7 a 12 anos
de idade com duração de 4 anos nos grupos escolares e três nas
escolas isoladas e reunidas.

Na justificativa apresentada pelo Presidente Carlos de


Campos, o caráterradical e democrático das medidas estabelecidas
na reforma anterior deu lugar ao conformismo e à isenção do
governador em matéria de difícil solução:

Limitada, por sua natureza e pelo declarado escopo de,


mediante curso primário de dous annos e restricção na
edade escolar, alphabetisar obrigatória e gratuitamente,
o maior numero de creanças, sem descurar, entretanto,
do curso médio, que não subordinou a obrigatoriedade
e gratuidade, a reforma de 1920 tinha forçosamente que
soffrera sorte das providencias experimentaes e de caracter
transitório, passando, por meio de naturaes modificações,
para regimen duradouro e estável, já que sobre a matéria
não se podem decretar solucções integralmente definitivas.
(SÃO PAULO, 1926, p. 6).

Em substituição à escola alfabetizante voltou a prevalecer


o ideal da educação integral e o privilegiamento da educação
urbana desenvolvida especialmente pela criação e/ou ampliação
de grupos escolares.

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1 SÃO PAULO - 1893 1

Ainda nos anos 20, mais uma reforma da instrução pública


foi levada a termo em 1927 (Lei n° 2.269, de 21/12/1927) durante
o governo de Julio Prestes de Albuquerque. Essa reforma alterou
aspectos específicos da estrutura da instrução pública paulista. A
faixa etária sobre a qual incidia a obrigatoriedade escolar passou a
abranger crianças entre 8 e 10 anos de idade e a duração do curso
primário nas escolas rurais foi reduzida para dois anos. O curso das
escolas normais passou a ter a duração de três anos e foi concedida
equiparação às escolas normais livres municipais e particulares
eliminando assim, pela primeira vez, o monopólio do Estado na
formação de professores.

Vistas em seu conjunto, as reformas da instrução pública


levadas a termo no estado de São Paulo durante a Primeira
República buscaram modernizar e disseminar a escola primária
adequando o ensino ao ideal de formação do cidadão republicano
e às demandas sociais e à racionalidade administrativa e financeira
do Estado.

III - Modelos/modalidades de escolas primárias no estado de São Paulo

Durante a Primeira República, o ensino primário no estado


de São Paulo foi ministrado em vários tipos de escolas diferenciadas
pela organização pedagógica e por critérios relacionados à titulação
dos professores, faixa etária dos alunos, localização das escolas,
duração do curso, número de classes e clientela escolar. Entre esses
vários tipos de escolas primárias, podemos mencionar: as escolas
preliminares, intermédias e provisórias, os cursos noturnos, as
escolas isoladas, os grupos escolares, as escolas ambulantes, as
escolas modelo e as escolas reunidas.

De modo geral, prevaleceram dois modelos de organização


pedagógica: as escolas unitárias ou singulares caracterizadas
pelo ensino ministrado por um professor a grupos de alunos de
diferentes níveis de adiantamento em um mesmo espaço (sala de
aula) e as escolas graduadas compreendendo várias salas de aula
com vários professores, alunos classificados em classes o mais

35 junqueira&marin editores
1 SÃO PAULO - 1893 1
homogêneas possível pelo nível de adiantamento e a distribuição
dos programas em séries.

No início do período republicano, os reformadores da


instrução pública buscaram elevar a educação paulista aos
padrões dos países mais adiantados. A Lei n° 88, de 8 de setembro
de 1892 regulamentada pelo Decreto n° 144B, de 30 de dezembro
desse ano, estabeleceu que o ensino primário teria a duração
de 8 anos compreendendo dois cursos: o preliminar (4 anos)
e o complementar (4 anos). O ensino preliminar, destinado à
educação de menores de ambos os sexos, de 7 anos em diante,
seria ministrado em escolas preliminares e suas auxiliares
– as escolas intermédias e as escolas provisórias. Em todas as
localidades onde existissem de 20 a 40 alunos matriculáveis
seria instalada uma escola preliminar. Eram consideradas
preliminares as escolas regidas por professores normalistas,
obrigados a cumprir o programa estabelecido na reforma de 1892,
intermédias as regidas por professores habilitados por concurso
em conformidade com os regulamentos de 1869 e 1887 sendo
obrigados ao ensino das mesmas matérias e provisórias as escolas
regidas por professores interinos (não normalistas), examinados
perante os inspetores de distritos. O critério para diferenciação
das escolas era, portanto, a titulação dos professores. A reforma
previa ainda que anexa a cada escola normal do Estado deveria
funcionar uma escola modelo destinada a educar crianças de
ambos os sexos, em classes separadas. Estabelecia ainda as
escolas ambulantes e os cursos noturnos para adultos. A essa
diferenciação entre as escolas correspondia diferentes salários
para os respectivos professores.7

7 A tabela de vencimento dos professores das escolas preliminares foi


estabelecida pelo Decreto n° 144B, de 30/12/1892: Escolas preliminares
= 3:600$000; Escolas intermédias = 2:400$000; Adjuntos de escolas
preliminares = 2:400$000; Professores interinos de escolas provisórias =
1:200$000; Gratificação adicional aos professores ambulantes = 1:200$000;
Gratificação adicional aos professores de escolas noturnas = 1:200$000. Cf.
São Paulo, 1892.

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1 SÃO PAULO - 1893 1

Todas essas escolas de ensino preliminar foram instituídas


para funcionarem com base na organização da escola singular.
No entanto, em 1893, o deputado Gabriel Prestes apresentou
ao Congresso do Estado de São Paulo um projeto propondo a
criação das “escolas centrais” a serem organizadas nos moldes das
escolas graduadas, modelo de escola primária surgido na Europa
em meados do século XIX e considerado um dos símbolos da
modernização educacional.

A escola modelo anexa á Escola Normal da Capital foi a


primeira a se organizar como uma escola graduada antecipando
as prescrições legais que foram instituídas gradativamente dando
ênfase mais aos aspectos da configuração espacial e aos critérios
para instalação do que propriamente à organicidade pedagógica.
Assim, de acordo com a Lei n° 169, de 7/08/1893 foi autorizada
a reunião de escolas em um mesmo prédio: “Nos logares onde, em
virtude da densidade da população houver mais de uma escola no
raio fixado para a obrigatoriedade, o Conselho Superior poderá
fazel-as funcionar em um mesmo prédio, que para esse fim será
construído no ponto mais conveniente.” O termo grupo escolar para
designar essas escolas reunidas em um mesmo espaço aparece
pela primeira vez em 1894 no Regimento das Escolas Públicas
(Decreto n° 248, de 26/7/1894) que disciplina a criação desses
estabelecimentos da seguinte forma: cada grupo poderia comportar
de 4 a 10 escolas preliminares e seria regido pela quantidade de
professores referentes a agrupamentos de 40 alunos, contando
também com adjuntos necessários a critério da diretoria. Poderia
funcionar no mesmo edifício escolas do sexo masculino e feminino
havendo completa separação dos sexos. Nos “Grupos Escolares”
os alunos seriam distribuídos em quatro classes para cada sexo
correspondentes ao 1º, 2º, 3º e 4º ano do curso preliminar. Para
dirigir cada Grupo Escolar, o governo nomearia um dos professores
auxiliado por um adjunto para a regência da classe. Ainda pelo
regimento de 1894, os grupos ficavam obrigados a adotar “o tipo
de organização e método de ensino das escolas-modelo do Estado”.
Assim, as escolas modelo foram concebidas como escolas de prática
de ensino onde os normalistas aprenderiam os modernos processos
pedagógicos e como referência de organização do ensino primário
a ser seguida por todas as escolas.

37 junqueira&marin editores
1 SÃO PAULO - 1893 1
Logo, a escolaridade primária integral de oito anos de
duração tornou-se inviável devido à falta de recursos financeiros do
Estado para a disseminação da instrução pública. Em 1895, o curso
complementar foi transformado em curso profissional de formação
de professores (Lei n° 374, de 3/9/1895) e o curso primário passou
a compreender quatro anos de duração.8

Desde o início, os grupos escolares foram considerados


estabelecimentos de melhor qualidade e a modalidade de escola
mais adequada para a difusão da educação popular. Exemplo disso
pode ser verificado na afirmação do Presidente Bernardino de
Campos, em 1895:

A praticaconfirmaagrandeutilidade da reunião dasescolas


em um so prédio com as devidas acomodações, moveis,
utensílios e livros subordinados ao mesmo regimen, sob
zelosa direcção, divididos os alumnos em classes segundo
a aptidão e capacidade, e correlativamente aproveitada à
cooperação dos professores. Por isso teem sido reunidas
as escolas em grupos em muitos municípios do Estado.
Não podendo desde logo levar o melhoramento a todos,
tem o Governo operado dentro das verbas do orçamento
attendendo as Camaras que se mostram compenetradas
da vantagem da instituição, dispostas a prestar-lhe auxilio,
offerecendo prédios apropriados ou contribuindo com
parte da somma precisa para a construcção, conforma
se assim a administração com o preceito legal e espera
ver dentre em pouco transformado o ensino público em
todo o Estado, segundo a melhor orientação. (SÃO PAULO,
1895, p.48)

8 A partir de então, a instrução pública no estado de São Paulo passou a


compreender o ensino primário, complementar, secundário e superior.
Durante a Primeira República, existiram diferentes tipos de estabelecimentos
de formação de professores: as escolas complementares, as escolas normais
primárias e as escolas normais secundárias. A unificação desses tipos de
escola ocorreu apenas com a Reforma de 1920. Cf. Tanuri, 1979.

junqueira&marin editores 38
1 SÃO PAULO - 1893 1

Em 1896, já estavam funcionando 20 grupos escolares


no estado de São Paulo. Os novos estabelecimentos de ensino
eram considerados um modelo bem sucedido, conforme
podemos apreender na afirmação de Bernardino de Campos:
“É esta uma instituição victoriosa, evidenciada pela pratica
e esclarecida observação. Está comprovado que a reunião de
professores e alumnos, em um só prédio, sob uma direcção
é de inestimável benefício para o ensino pela classificação
dos alumnos e sua distribuição pelos professores, segundo
suas aptidões, pela efficacia da fiscalização, pelo estímulo
e economia quanto a edifícios, utensílios e matéria.” (SÃO
PAULO, 1896, p. 66).

A superioridade desse modelo de escola comparado com


as demais escolas preliminares logo começou a ser ressaltada
pelas autoridades do ensino paulista. Ao mesmo tempo em
que se solidificava a compreensão dos grupos como escola
modelar, as demais escolas preliminares foram designadas de
isoladas9 recaindo sobre elas representações muito negativas,
consideradas como um mal necessário cujo desaparecimento
do cenário educacional era o mais desejável (SOUZA, 2009).

As dificuldades de provimento dessas escolas,


especialmente no interior do estado e nas zonas rurais logo
se fez sentir e tornou-se um problema crônico nas décadas
seguintes. Uma das primeiras medidas tomadas pelo Governo
foi a transferência das escolas provisórias para as Câmaras
Municipais em 1901.

Nesse ano, o presidente do Estado Fernando Prestes de


Albuquerque afirmava a necessidade de melhor classificação
das escolas em função da localidade a que serviam em
substituição ao critério então vigente de titulação dos

9 O termo escola isolada aparece na legislação do ensino público em 1898


(Decreto 518, de 11/1/1898). Cf. São Paulo, 1898.

39 junqueira&marin editores
1 SÃO PAULO - 1893 1
professores. Outra medida indicada era a possibilidade
de exigir dois anos de exercício dos professores em outras
localidades para depois ele se remover para a Capital. Situação
diversa era a dos grupos escolares, cujos resultados continuavam
sendo considerados excelentes:

Os grupos escolares, excellente creação da lei de 7


de agosto de 1893, continuam a produzir magníficos
resultados. O numero crescente de alumnos que todos os
annos concorrem à sua matrícula e o empenho louvável
com que os poderes municipaes solicitam a installação de
novos grupos provam a sua excellencia.

O governo, acceitando offertas valiosas de prédios e


subvenções pecuniárias dos municípios, installou anno
findo 11 grupos escolares novos, tendo já sido installados
mais 4 no corrente anno. Continuará o governo a volver para
os grupos especial attenção, de modo a se tornarem, pelas
suas installações, disciplina e homogeneidade de ensino o
alicerce cada vez mais seguro da nossa instrucção publica.
(SÃO PAULO, 1901, p. 18).

Em mensagem enviada ao Congresso legislativo em


7/4/1904, o então Presidente Bernardino de Campos voltou a
insistir na necessidade de modificação da classificação das escolas:

A instrucção publica do Estado mantem-se no nível


a que chegou, nesse grau de adeantamento que tão
merecidos ecomios lhe tem grangeado. E, para que Ella
ainda mais fructifique, seria da maior conveniência que
se modificasse a actual distribuição das escholas (que
não satisfaz os interesses do ensino), estabelecendo
as e classificando-as conforme a importância das
localidades em que tiverem de funccionar e segundo
as cifras de sua população. Assim também, para que o
nível do ensino publico seja egual em todo o Estado, e
para que equitativamente se consultem os interesses e
a idoneidade dos professores, um tirocínio razoável nas
escholas do Interior deve ser condição para o provimento

junqueira&marin editores 40
1 SÃO PAULO - 1893 1

das cadeiras da Capital. Além disso, essa medida ainda


terá outra conseqüência benéfica: - a procura das
cadeiras do Interior, hoje vagas em grande numero e com
graves prejuízos para o ensino local, a que devem servir.
(SÃO PAULO, 1904, p. 7)

A classificação das escolas preliminares em conformidade


com a localização ocorreu em 1904. De acordo com a Lei n° 930,
de 13 de agosto, que alterou várias disposições em vigor sobre a
instrução pública, o ensino preliminar seria ministrado em escolas
ambulantes; em escolas isoladas situadas em bairros ou distritos
de paz e na sede de municípios; nos Grupos Escolares; na Escola
Modelo preliminar anexa à Escola Normal da Capital. O regulamento
estabelecido para a execução dessa lei (Decreto n° 1.239, de 30 de
setembro de 1904) especificou a compreensão de cada uma dessas
escolas. Eram consideradas ambulantes as escolas isoladas situadas
em bairros vizinhos servidos por via férrea que estivessem entre
si na distância máxima de 6 Km. As aulas nas escolas ambulantes
seriam dadas alternadamente um dia em cada bairro. Escolas de
bairro ou de sede de distrito de paz eram aquelas situadas fora do
perímetro urbano estabelecido para a cobrança do imposto predial.
As escolas de sede de município eram aquelas situadas dentro do
perímetro urbano estabelecido para a cobrança do imposto predial.
Para a criação dos grupos escolares era necessária a existência, no
mínimo, de 200 crianças de cada sexo.

De acordo com essa legislação, com exceção da escola


modelo anexa à Escola Normal da Capital, todas as demais escolas
modelo preliminares ficaram para todos os efeitos, equiparadas aos
grupos escolares.

Além da classificação das escolas isoladas pela localização,


outras medidas visando a favorecer o provimento das escolas
foram tomadas em 1905. A lei n° 930, de 13 de agosto obrigou os
professores diplomados pelas escolas complementares a iniciar
o magistério nos bairros ou nos distritos de paz e os diplomados
pelas escolas normais nas sedes dos municípios: “só podendo
tanto uns como outros ser nomeados para os grupos escolares
ou para as escolas isoladas da Capital, os primeiros, depois de

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1 SÃO PAULO - 1893 1
três annos de exercício nas localidades do interior, e os segundos
depois de dois.” (SÃO PAULO, 1905, p. 14).10

O Regimento Interno dos Grupos Escolares foi estabelecido


em 1904 e continuou em vigor até o final dos anos 20, evidenciando
a estabilidade da organização desses estabelecimentos de ensino.

Em decorrência dos problemas de provimento das


escolas isoladas, os governos do Estado passaram a reivindicar a
colaboração dos municípios na manutenção das escolas primárias.
Em 1907, o Presidente Jorge Tibiriçá, recomendava: “É de toda a
conveniência, para o plano de desenvolvimento do ensino, que as
escolas situadas nos bairros sejam transferidas às municipalidades,
continuando a cargo do Estado as dos distritos de paz e as das sedes
de município.” (SÃO PAULO, 1907, p. 334).

A atuação do poder municipal no âmbito da educação


primária tem sido pouco investigada pelos historiadores da
educação do estado de São Paulo. Por conseguinte, faltam-nos
referências sistematizadas sobre a responsabilidade assumida
pelas municipalidades no âmbito da instrução pública.

Em 1909, o Presidente do Estado, Albuquerque Lins,


informou ao Congresso que os grupos escolares continuavam
funcionando com o maior proveito e que eles deveriam substituir
as escolas isoladas nos núcleos urbanos.

Estes institutos, que são verdadeiras escolas graduadas,


devem substituir as escolas isoladas em todas as cidades. As

10 A diferenciação salarial entre os professores ficou assim determinada:


Professor da escola ambulante = 1:800$000; Professor escola de bairro
= 2:400$000; Professor de escola de sede = 3:100$000; Professor de grupo
escolar 3:500$000; Professor de escola Modelo = 3:500$000; Professor de
Jardim de Infância = 3:500$000; Auxiliar de Jardim da Infância = 3:500$000;
Diretor de grupo escolar = 4:000$000; Inspetor do Jardim de Infância =
4:000$00. (Cf. Lei n° 930, de 13/08/1905).

junqueira&marin editores 42
1 SÃO PAULO - 1893 1

suas vantagens são reaes e positivas sob todos os aspectos;


comportando maior numero de alumnos, nelles o ensino é
melhor e mais aproveitado, a sua fiscalização é mais fácil e
efficaz e desenvolvem maior estimulo até entre os mestres.
A diversos grupos foram annexadas as escolas isoladas que
lhes estavam mais próximas ou tinham matricula muito
reduzida.” (SÃO PAULO, 1909, p.8)

No entanto, em relação às escolas isoladas, insistia na


necessidade de modificação do sistema de provimento: “Tem a
experiência demonstrado que é de conveniência a modificação do
systema de provimento das escolas isoladas e a alteração dos seus
programmas, que devem ser postos de accôrdo com as necessidades
das populações a que se destinam.” (SÃO PAULO, 1909, p. 7)

A situação das escolas isoladas do estado era marcada por um


quadro de precariedade e problemas institucionais e de eficiência.
Entre 1904 e 1920, vários dispositivos legais foram fixados para
essas escolas buscando sanar problemas de localização, provimento
e melhor desempenho.

Em 1911, foram criadas as escolas modelo isoladas (Decreto


2.004, de 13 de fevereiro de 1911) com a finalidade de padronizar
o ensino nesses estabelecimentos e experimentar programas e
processos pedagógicos adequados à sua especificidade. Também
nesse ano foram aprovados programas especiais para as escolas
isoladas do estado fixando mais um critério de diferenciação entre
as escolas.

No entanto, essas medidas não foram suficientes para sanar


os problemas de provimento de professores. Em 1916, o Presidente
do Estado Altino Arantes notificava aos deputados que a instrução
pública vinha prosperando nas cidades e vilas, mas estava longe de
corresponder ao desenvolvimento do Estado nas zonas do interior.

Ahi, o nosso atrazo é considerável e vexatório. [...] Hoje um


professor que é destacado para uma escola de bairro, só
tem a preocupação de preencher uma certa formalidade
regulamentar ou de illudil-a para poder ser collocado, o mais

43 junqueira&marin editores
1 SÃO PAULO - 1893 1
cedo que puder, em outra mais graduada. O ensino aproveita
muito pouco com esse regímen. [...] Há, para explicar o
repúdio dos professores razões fundamentaes, como sejam
as desvantagens dos vencimentos, e a difficuldade, às vezes
invencível, de serem encontrados prédios, onde possam
ser as escolas installadas de modo proveitoso ao ensino e
à hygiene.
Si o orçamento da despesa publica permittir a construção
annual de 50 a 100 casas para escolas, de typo modesto,
mas hygienicas e com accomodações apropriadas, em
poucos annos estaremos apparelhadps para acudir a todos
os reclamos do ensino elementar. E o professor que estiver
convencido de encontrar nos bairros melhores vantagens e
a facilidade de uma decente installação para a sua escola,
não terá mais pretexto para receber mal a nomeação que lhe
for ahi offerecida.” (SÃO PAULO, 1916, p. 545-546).

O diagnóstico apresentado pelo Presidente vinha sendo há


anos apontado pelos inspetores de ensino. A falta de atrativos para
o exercício docente na zona rural adivinha dos baixos salários, das
precárias condições de trabalho e da ausência de residências para os
professores. Dado que a maior parte da população do Estado residia
na zona rural, o enfrentamento do problema da disseminação da
escola primária passava por uma opção política de melhoria de
condições do ensino no meio rural o que, por sua vez, demandava
recursos e um deslocamento das prioridades do governo no âmbito
da educação, voltadas desde o início da República para as cidades.
As razões para essa priorização da educação urbana devem ser
melhor investigadas, mas algumas hipóteses podem ser aventadas
como maior facilidade de promoção da educação popular pela
aglomeração de crianças, a demanda localizada da população em
idade escolar, melhores condições de trabalho e salários para os
professores, apoio das municipalidades para a instalação de escolas
e a maior visibilidade da ação do Poder Público.

Em 1917, o Presidente Altino Arantes voltou a insistir no


problema: “Si aquelles progridem e apresentam annualmente
animadores resultados [referindo-se aos grupos escolares], outro
tanto não acontece com as escolas isoladas, que, infelizmente, não

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1 SÃO PAULO - 1893 1

têm correspondido ao que dellas era lícito esperar.” (SÃO PAULO,


1917, p.9)

Para solucionara questão oPresidentepropôsasimplificação


dos programas das escolas isoladas e a classificação delas em
urbanas e rurais “outorgando-se ao Executivo maior latitude na
forma e nos meios de provimento dessas últimas.” (SÃO PAULO,
1917, p. 10).

A lei n° 1.779, de 19 de dezembro de 1917 ratificou a


classificação dessas escolas conforme vinha sendo sugerida. As
escolas isoladas foram classificadas em rurais, distritais e urbanas
da seguinte forma:

São rurais as localizadas nas propriedades agrícolas, nos


núcleos coloniais e nos centros fabris distantes de sede de
municípios.
As escolas distritais são as situadas em bairros ou sede de
distrito de paz.
As escolas urbanas (ou de sede) são as criadas em sede
de município. (Lei n° 1.579, de 19/12/1917) (grifos do
original)

Porém, nenhuma medida foi tomada no sentido de criação


da infra estrutura necessária para o funcionamento das escolas
rurais, isto é, construção de prédios e casas para os professores.

Em 1926, o Presidente Carlos de Campos notificava ao


Congresso medidas tomadas pelo governo para amenizar o
problema de provimento das escolas isoladas incidindo mais uma
vez no modo de contratação dos professores;

Para não deixar ao desamparo taes localidades, a


lei estabeleceu medida de caracter provisório, mas
indispensável: a acceitação de professores interinos,
residentes nas localidades cujas escolas não conseguem
provimento e que, depois de submetidos a exame, são
nomeados para esses cargos, nelles permanecendo até
que a escola seja requerida por professor normalista. Para

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1 SÃO PAULO - 1893 1
evitar interrupção de funccionamento, taes funcionários
não têm direito à licença. É esse um recurso de que no
momento o Estado é obrigado a lançar mão, a despeito das
dez escolas normaes existentes e do elevado numero de
candidatos que annualmente se diplomam. (SÃO PAULO,
1926, p. 39)

A prática de contratação deprofessoresleigoscontinuoua ser


adotada nos anos seguintes. Em mensagem enviada ao Congresso
em 1928, o presidente Julio Prestes de Albuquerque informava que
haviam sido postas em concurso no ano anterior 1.726 escolas,
inclusive 97 urbanas, mas não havia aparecido nenhum professor
normalista diplomado para preencher as vagas. Por essa razão,
o governo mandara realizar concursos de professores leigos,
tendo realizado 125 concursos com 1.552 candidatos dos quais
foram aprovados 1.393. A expectativa do governo era a de que “à
proporção que forem apparecendo professores diplomados, irão
sendo substituídos os leigos, que, na ausência daquelles, estão
prestando reaes serviços à instrução pública do Estado.” (SÃO
PAULO, 1928, p. 220)

Enquanto os grupos escolares e as escolas isoladas se


tornaram os modelos mais comuns de escola primária em São
Paulo, as escolas reunidas tiveram um desenvolvimento peculiar
neste Estado.

Em realidade, esse tipo de escola primária começou


a funcionar em São Paulo desde o início da década de 90 do
século XIX em algumas poucas localidades, em decorrência
da iniciativa dos próprios professores interessados em reunir
as escolas em um mesmo prédio barateando assim, os custos
com o aluguel das escolas. Inicialmente, as escolas reunidas
foram toleradas pela administração pública como sendo um
tipo provisório de escola primária que deveria desaparecer.
Algumas delas funcionavam como escola graduada nos moldes
dos grupos escolares mantendo, no entanto, uma organização
administrativa mais simplificada. Outras se mantinham apenas
como reunião de escolas em um mesmo prédio mantendo cada
uma a sua independência.

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1 SÃO PAULO - 1893 1

Em 1912, a Consolidação das Leis do Ensino Primário


e Escolas Normais (Decreto n° 2.225, de 16 de abril de 1912)
prescreveu pela primeira vez normas para a criação e organização
das escolas reunidas. De acordo com essa legislação, nos lugares
em que, em virtude da densidade da população, houvesse mais
de uma escola no raio fixado para a obrigatoriedade, o governo
poderia fazê-las funcionar em um só prédio. As escolas reunidas
seriam instaladas nas sedes de município cuja população escolar
fosse insuficiente para a criação de um grupo escolar e em outras
localidades. Poderiam funcionar como reunidas, escolas do sexo
masculino e do feminino, no mesmo prédio, com separação
dos alunos de uma e outra seção, ou em prédios diferentes
instalando-se em um as escolas masculinas e em outros as do
feminino.

Elas deveriam seguir o mesmo modelo de organização


dos grupos escolares: “Nas escolas reunidas, deverão os alunos
ser distribuídos em classes, adotando-se nelas o regime, método
e processos de ensino dos grupos escolares. Neste caso terão
as escolas reunidas um diretor, um professor para cada classe,
podendo também ser contratado um servente. Quando se tratar
de escolas reunidas do sexo feminino, poderá a sua direção ser
confiada a uma professora.” (Art. 103)

Ainda que concebidas para funcionarem como escolas


graduadas, as escolas reunidas consolidaram-se como um modelo
simplificado, uma adaptação dos grupos escolares a um padrão
de escola de baixo custo. Essa representação é perceptível na
mensagem do Presidente Carlos de Campos apresentada à
Assembléia Legislativa em 1926:

As escolas reunidas são estabelecimentos que no geral


precedem à organização dos grupos. Tres ou mais escolas
installadas em um raio de dois kilometros passam a
funccionar em o mesmo edifício, sob a direcção de um dos
professores para esse fim designado. O ensino é, por esse
modo, distribuído com maiores probabilidades de êxito,
approximando-se da uniformidade desejada que é sómente
conseguida nos grupos. (SÃO PAULO, 1926, p. 39)

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Na vigência da reforma de 1920, o ensino primário de dois
anos deveria ser ministrado em três tipos de escolas: as isoladas, os
grupos escolares e as escolas reunidas.As escolas isoladas passaram
a ter um tipo único de dois anos, localizadas preferencialmente nos
núcleos de analfabetos.

A partir de 1925, o ensino primário no estado de São Paulo


voltaria a ser ministrado em escolas isoladas urbanas e rurais, em
escolas reunidas e grupos escolares. Esses três tipos de escolas
estavam definitivamente consolidados na organização do ensino
público do estado. O crescimento interno dos grupos levou à
classificação desses estabelecimentos em quatro categorias em
função do número de classes: 4ª categoria os grupos com até 10
classes; 3ª categoria – até 20 classes; 2ª categoria – até 30 classes
e 1ª categoria – os de mais de 30 classes. Tanto nos grupos como
nas escolas reunidas, as classes seriam formadas com 30 a 40 alunos,
com exceção do 4º ano que poderia ter 20 alunos na matrícula inicial.

IV - Expansão do ensino primário

Como afirmamos anteriormente, o estado de São Paulo


manteve durante a Primeira República escolas públicas em todos
os níveis de ensino. Em 1896, o Estado mantinha 890 escolas
preliminares, 2 escolas normais, 5 escolas-modelo, 20 grupos
escolares, 1 Jardim de Infância, 1 ginásio, 1 escola complementar,
uma instituição de ensino superior e subvencionava o liceu de
Artes e Ofícios.11 Em 1930, havia 3.397 estabelecimentos de ensino
mantidos pelo Estado e fiscalizados pela Diretoria Geral do Ensino:
3 de curso pré-primário, 3.362 de primário, 10 de complementar, 10
de normal, 9 de curso técnico-profissional e 3 de curso secundário

11 Cf. São Paulo, 1896, p. 21 e São Paulo, 1930, p. 209.

O crescimento da matrícula nos diversos níveis de ensino pode ser verificado


na tabela abaixo:

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(SÃO PAULO, 1931, p. XV). A atuação do Poder público priorizou


particularmente a expansão do ensino primário, mas o crescimento
das matrículas esteve longe de atingiras necessidades da população
em idade escolar, apesar da insistência dos presidentes do estado
em reafirmarem o compromisso do governo com a difusão da escola
pública. Como informava ao Congresso o Presidente Albuquerque
de Lins, em 1908: “A instrucção publica continúa a ser uma das
preoccupações mais constantes do poder público. Disseminar o
ensino, especialmente o primário, deve ser a principal missão dos
governos democráticos; pois a instrucção do povo é a base mais
solida de qualquer organização política.” (SÃO PAULO, 1908, p. 6)

O acesso em quantidade restrita atingiu grupos sociais distintos


privilegiando moradores da zona urbana em detrimento da zona
rural, e, nas cidades assistindo setores diferenciados da população,
especialmente a classe média, e entre as camadas populares, os
trabalhadoresmelhorsituadosnaestruturaeconômicaesocial.Aanálise

Tabela 1. Estado de São Paulo


Matrículas por nível de ensino e população total

Fonte: Costa, 1983, p. 49

a) inclusive matrículas do Curso Normal


b) população em 1914
c) população em 1916
d) população em 1920

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da democratização do ensino público primário deve levar em conta,
portanto, a extensão do número de escolas e alunos matriculados e os
dados relativos à promoção e permanência na escola. Outros elementos
também estão implicados como as condições materiais da rede física, o
crescimento interno das escolas, a distribuição regional da rede escolar,
a duração do curso primário e os tipos de estabelecimentos de ensino.

Na análise da expansão do ensino primário no Estado de


São Paulo durante a Primeira República, Costa (1983) concluiu que
houve um significativo esforço dos poderes públicos no sentido de
combateroanalfabetismoinfantil enfrentandoorápidocrescimento
populacional, apesar da elevação notável do número de escolas
e alunos ter permanecido insuficiente para o atendimento da
demanda. Os dados apresentados pela autora oferecem um quadro
geral da expansão da educação pública primária nesse período12.
Entre 1890 e 1920 a taxa de alfabetização subiu de 24,72% para
29,82%. Em 1900, as escolas primárias do Estado atendiam cerca
de 7,9% da população dos 7 aos 14 anos. Dez anos depois esse
índice elevara-se para 33,3%. Entre 1910 e 1929, a população
escolar matriculada em escola estadual cresceu 250%, enquanto
a matrícula nas escolas particulares elevou-se para 20,8 %.Visto
dessa maneira, é que se pode reconhecer, segundo a autora, o

12 Costa baseou sua análise nos dados estatísticos dos Anuários do Ensino
do Estado de São Paulo. Considerando a precariedade da coleta de dados e do
serviço de estatística nesse período deve-se matizar esses dados tomando
os como referência aproximada da situação da expansão do ensino público.
Produzidos com a intenção de divulgar e dar visibilidade as ações do poder
público no campo educacional, os Anuários do Ensino constituem uma
das poucas fontes que permitem reconstituir dados quantitativos sobre
a expansão do ensino no estado durante o período de 1908 a 1936. Entre
os trabalhos pioneiros que se valeram da análise dos dados estatísticos dos
Anuários podem ser citados: Tanuri (1979); Antunha (1976) e Costa (1983).
Recentemente, Marco A. R. Paulo (2002), analisou a origem das estatísticas
escolares no período de 1892 a 1920, tomando como base os relatórios/
Anuário Estatísticos de São Paulo e os Anuários do Ensino. Para uma
discussão sobre os anuários de ensino como fonte de pesquisa, ver Castro
(2000).

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1 SÃO PAULO - 1893 1

grande esforço do Estado para escolarizar um número crescente de


crianças: “Entre 1890 e 1927, os quantitativos de alunos inscritos
no primário foram multiplicados por 20, enquanto a população viu
se aumentada em 4,2 vezes. Isto significa que a matrícula cresceu
em um ritmo seis vezes superiores ao da população.” (COSTA, 1983,
p. 74). Mas ainda assim, continuou muito grande o número de
crianças sem escolas no estado. Exemplo disso pode ser visto no
minucioso recenseamento escolar dirigido por Sampaio Doria em
1920 que atestou a gravidade do analfabetismo infantil no estado.
Das 547.975 crianças de 7 a 12 anos (idade escolar) residentes
no estado, apenas 175.830 freqüentavam escolas públicas e
particulares (o que correspondia a 31,6%). O restante, isto é,
69,4% da população escolar, o equivalente a 372.141 crianças, não
freqüentavam escolas. (DÓRIA, 1920).

AlémdaatuaçãodoEstadonapromoçãodaeducação primária,
também concorreram os municípios e a iniciativa particular, mas
em números bem menores. Os dados da tabela abaixo evidenciam a
participação efetiva do Estado na difusão da educação popular.

Tabela 2. Matrículas no Curso Primário


(Estado de São Paulo - anos selecionados)

Fonte: Costa, 1983, p. 72

As matrículas em escolas estaduais são muito maiores que


nas escolas primárias particulares e municipais. Além de manter as
escolas estaduais, o Estado subvencionou durante toda a Primeira
República, estabelecimentos mantidos por particulares. Em 1913,
por exemplo, o Estado mantinha 1.364 estabelecimentos de ensino

51 junqueira&marin editores
1 SÃO PAULO - 1893 1
primário com 136.637 alunos matriculados, 4 estabelecimentos de
ensino secundário com 930 matriculados, 18 cursos profissionais
com 4.855 alunos e 2 cursos superiores com 538 matriculados,
totalizando 182.960 alunos. O Estado subvencionou nesse ano
12.364 matriculados no ensino primário, 776 alunos do secundário,
2.256 do curso profissional e 373 do superior.13

Na sequencia do texto trataremos da expansão dos


principais tipos de escolas primárias existentes no estado durante
a Primeira República: os grupos escolares, as escolas isoladas e as
escolas reunidas.

Expansão dos grupos escolares

Os grupos escolares tiveram um papel preponderante na


expansão do ensino primário em São Paulo. O crescimento de
matrículas nessa modalidade de escola somente desacelerou no
período de vigência da reforma Sampaio Doria (1920 – 1924),
quando o Estado priorizou a instalação de escolas reunidas. A
tabela abaixo permite verificar o aumento crescente do número de
estabelecimentos e matrículas nos grupos.

Tabela 3. Crescimento das matrículas nos grupos escolares


(Estado de São Paulo 1898 – 1929)

13 Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1913.

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Fonte:AnuárioEstatísticode SãoPaulo,AnuáriodoEnsino do Estado de SãoPaulo.Apud,Costa,1983,p.118

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1 SÃO PAULO - 1893 1
Expansão das escolas isoladas

Ao longo do século XX, embora continuassem sendo


instaladas nas zonas urbanas, nos bairros populares, em distritos
de paz, nas vilas industriais e nos núcleos de colonização, as escolas
isoladas foram, cada vez mais, identificadas como uma escola
primária tipicamente da zona rural no estado de São Paulo.

Os governos do estado de São Paulo foram pródigos no


estabelecimento de leis autorizando a criação de escolas isoladas.
Segundo Costa (1983) entre 1890 e 1919 foram criadas 4.417 escolas
de instrução primária desse tipo. No entanto, somente um terço delas
chegou a ser providas. O maior problema era a falta de professores
dispostos a enfrentar as dificuldades do ensino e de sobrevivência nas
zonas rurais e nas regiões de povoamento recente. Além das condições
inóspitas do meio, eram precários os locais de funcionamento das
escolas e não havia casa para residência dos professores.

As estatísticas educacionais atestaram permanentemente o


problema que se tornou ainda mais grave ao longo da Primeira República.
DeacordocomCosta (1983,p.108),“em1890,das1.072escolasexistentes,
832 estavam providas e 240 vagas; em 1927, em termos absolutos, o
númerodeescolasexistentesquadruplicou(4.263)eonúmerodeprovidas
dobrou (1.604), entretanto, enquanto em 1890, estavam providas 77,6%
dasescolasexistentes;em1927,oestavamapenas37,6%.

As tabelas abaixo, organizadas pela autora, revelam o


descompasso entre escolas isoladas providas e vagas, urbanas e rurais.

Tabela 4. Escolas Isoladas no Estado de São Paulo

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1 SÃO PAULO - 1893 1

Fonte: Costa,1983, p. 110

Tabela5.Percentagem deescolasprovidasnaáreaurbanaerural
(para anos selecionados)

Fonte: Costa, 1983, p. 111

Pelas tabelas acima, verifica-se que o provimento das


escolas isoladas ocorreu em maior número na zona urbana do
que na zona rural. Ainda de acordo com Costa, em 1912, havia
2.661 escolas de bairro e 954 em sedes de municípios, 73% das
escolas isoladas estavam localizadas na zona rural; no entanto,
61,5% das urbanas estavam providas enquanto somente 20,5%
das rurais funcionavam.

Tomando como base os dados apresentados nas


mensagens dos presidentes de Estado, podemos acompanhar o
crescimento da matrícula.

55 junqueira&marin editores
1 SÃO PAULO - 1893 1
Tabela 6. Matrículas nas escolas isoladas do Estado de São Paulo

Fonte: Mensagens dos Presidentes do Estado de São Paulo. Cf. São Paulo, 1895, 1900, 1906, 1914, 1918,
1924, 1929.14

A partir do início do século XX, as matrículas nas


escolas isoladas paulistas foram bem menores do que
nos grupos escolares. Contudo, é inegável a contribuição
dessas escolas no processo de escolarização da infância
no estado, especialmente na zona rural.

Expansão das escolas reunidas

O aparecimento e a multiplicação das escolas reunidas


no estado de São Paulo demonstram como o sistema escolar
foi se adaptando às pressões dos professores e da demanda
educacional a despeito das prescrições legais.

14 As mensagens completas dos Presidentes do Estado de São Paulo


referentes ao período de 1889 a 1930 estão disponíveis na página do Center
for Research Libraries: http://www.crl.edu/content/provopen.htm.

junqueira&marin editores 56
1 SÃO PAULO - 1893 1

A criação dos grupos escolares incorporou o


pressuposto da reunião das escolas constituindo-se em
um novo tipo de estabelecimento de ensino primário,
cuja instalação e funcionamento dependiam de vários
critérios: número de alunos no raio da obrigatoriedade
escolar (variou entre 200 e 400 alunos), professores
habilitados no curso normal e/ou complementar,
funcionários administrativos – diretor e porteiro
e edifício que abrigasse no mínimo quatro classes
correspondentes a cada um dos anos do curso elementar.
Consequentemente, um grupo escolar configurava
se como uma organização mais complexa. A expansão
contínua desse tipo de escola no estado evidencia a opção
das autoridades públicas pela disseminação dessa escola
considerada modelar.

Ao longo dos anos 10 do século XX cresceu o


número das escolas reunidas instaladas nos pequenos
núcleos urbanos e, principalmente, nos distritos de
paz. Em 1917, elas eram em número de 15 e em 1918,
elevaram-se para 31 unidades (SÃO PAULO, 191?b,
p. 399). O crescimento lento desse tipo de escola nas
primeiras décadas do século XX demonstra a clara opção
dos governos paulistas pela modernização do ensino
com base nos grupos escolares. A maior expansão
das escolas reunidas ocorreu efetivamente durante
a vigência da reforma de 1920, quando o governo as
elegeu como o tipo de estabelecimento de ensino mais
apropriado para a disseminação do ensino primário,
visto que a reunião de escolas em um só prédio, sob a
direção de um professor dirimia as inconveniências das
escolas isoladas, permitia a fiscalização mais intensa e
favorecia o estímulo no trabalho e a eficiência no ensino.
Em 1920, havia 10.056 alunos matriculados em escolas
reunidas em São Paulo. Quatro anos depois, o número
dessas escolas havia se elevado para 370 com 77.153
alunos. Portanto, em quatro anos a matrícula cresceu
7 vezes. A expansão dessas escolas pode ser vista na
tabela abaixo:

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1 SÃO PAULO - 1893 1
Tabela 7. Expansão das Escolas Reunidas

Fonte: Anuários do Ensino do Estado de São Paulo, 1908, 1910, 1917, 1918, 1919; Mensagens dos
Presidentes de Estado, 1914, 1916, 1920, 1925, 1927; Estatística Escolar de 1930.

A partir de 1925, começa a decair o número de


estabelecimentos e matrículas nas escolas reunidas. Para os
opositores da reforma de 1920, a precariedade dessas escolas não
condizia com o desenvolvimento educacional do estado de São
Paulo. Os grupos escolares continuavam sendo considerados o
modelo exitoso de escola primária. A esse respeito, o Presidente
Carlos Campos foi contundente na mensagem enviada ao Congresso
em 1925:

Parecia, à primeira vista, que essa multiplicidade de


escolas reunidas, com a organização approximada da dos
grupos, viria prestar relevantes serviços à disseminação
e efficiência do ensino. Logo, porém, se verificou que
assim não acontecia. Installadas em prédios impróprios,
com acommodações deficientes, distantes muitas vezes
do ponto mais central, inaccessíveis à população escolar,

junqueira&marin editores 58
1 SÃO PAULO - 1893 1

não satisfaziam às necessidades do ensino, constituindo,


ao contrário, sérios entraves à freqüência dos alumnos.
Tornaram-se, porisso, muitas dellas, organizações inúteis,
meras fontes de despesas. Dahi a necessidade de uma
medida que viesse pôr cobro a tal situação; e essa medida
foi a dissolução de muitas dessas escolas, voltando as
respectivas unidades a funcionar isoladamente, em pontos
onde melhor satisfizessem as necessidades do ensino. (SÃO
PAULO, 1925, p. 6)

O decréscimo das escolas reunidas foi significativo nos


anos seguintes ao mesmo tempo em que crescia o numero de
grupos escolares. Em 1930, havia 205 desses estabelecimentos
com 37.868. Em 1932, na gestão de Sud Mennucci na diretoria de
ensino, a grande maioria das escolas reunidas existentes no estado
de São Paulo foi transformada em grupos escolares. Para justificar
a medida, Sud Mennucci dizia se preocupar com a imagem de São
Paulo nas estatísticas nacionais, visto que as escolas reunidas
implicavam uma situação de inferioridade para o estado:

Como possuíssemos, no tempo, cerca de duzentas e


cincoenta escolas reunidas e trezentos grupos escolares,
não podiam os funcionários comprehender que espécie
de casas de ensino eram as escolas reunidas, uma vez que
havia estabelecimentos desses de trez, quatro, cinco, sete,
nove ou mais classes, havendo também grupos escolares
nas mesmíssimas condições. Não podia accorrer-lhes que
a differença era apenas ... de preço. E as escolas reunidas
figuravam nas listas das escolas isoladas, quando os grupos
escolares de outros Estados não tinham, de regra, maior
numero de classes que as nossas reunidas, e até, quase
sempre, menos.

Feita a transformação, que se tornou possível por causa da


nova tabella de vencimentos, como a seu tempo se dirá, São
Paulo pulou immediatamente para a ponta, na lista, dos
estados possuidores de grupos escolares apresentando
quinhentas dessas casas. Affigurava-se-lhes uma ‘capitis
diminutio’. (apud SOUZA, 2009, 78).

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1 SÃO PAULO - 1893 1
Nas representações dos educadores e autoridades da
instrução pública de São Paulo, as escolas reunidas estavam
longe de corresponderem à excelência organizacional dos grupos
escolares. Por isso, pouco investimento foi empreendido no sentido
de consolidar uma rede permanente de escolas desse tipo.

V - A organização pedagógica das escolas primárias paulistas

No Brasil, as escolas modelo anexas às escolas normais e os


grupos escolares assumiram todas as características pressupostas
nas escolas graduadas. A organicidade do modelo foi construída
nas práticas educativas levadas a termo no cotidiano das escolas
e codificadas em vários instrumentos normativos como as
orientações de inspetores e diretores, instruções da diretoria geral
da instrução pública, indicações dos manuais didáticos e periódicos
educacionais, além da legislação.

Neste texto considerando as fontes selecionadas para o


estudo, elegemos para a análise da organização pedagógica dois
aspectos: os programas e métodos de ensino.

O programa de ensino estabelecido para as escolas


preliminares no estado de São Paulo na reforma da instrução pública
de 1892 consagrou as matérias que, desde a segunda metade do
século XIX vinham sendo consideradas nos países mais adiantados
como os conteúdos mais valiosos para a educação do povo.

A reforma de 1892 manteve, portanto as disciplinas já


adotadas em 1885 - educação cívica, leitura e princípios de
gramática, escrita e caligrafia, noções de geografia geral, geografia
do Brasil, especialmente do estado de São Paulo, cálculo aritmético
sobre os números inteiros e frações, sistema métrico decimal,
noções de geometria, especialmente nas suas aplicações à medição
de superfície e volumes, noções de ciências físicas, químicas e
naturais, nas suas mais simples aplicações, especialmente à higiene,
desenho a mão livre, canto e leitura de música, exercícios ginásticos
apropriados à idade e ao sexo, e, incluiu moral prática, cosmografia,

junqueira&marin editores 60
1 SÃO PAULO - 1893 1

história do Brasil e leitura sobre a vida dos grandes homens da


história, exercícios manuais e militares.

Até 1904, continuou em vigor o programa estabelecido na


reforma de 1892. Esse programa deveria ser seguido por todos os
tipos de escolas primárias existentes no estado com exceção das
escolas provisórias e dos cursos noturnos. O programa das escolas
provisórias era mais simplificado compreendendo as seguintes
matérias: leitura, escrita, princípios de calculo, geografia do Brasil,
Princípios básicos das constituições da República e do Estado.

Os cursos noturnos deveriam seguir o mesmo programa das


escolas preliminares com exceção de trabalhos manuais e ginástica.
Além disso, era indicada a ampliação do estudo da geometria,
“fazendo a explicação dos processos de desenho empiricamente
empregados em ofícios diversos.” (Decreto n° 248, de 26/7/1894).

A partir de 1904, acentua-se o processo de diferenciação


dos programas do ensino público primário paulista. O ensino nas
escolas ambulantes passa a ser de três anos de duração e nos
grupos escolares, escolas modelo e escolas preliminares de 4 anos
de duração (Decreto n° 1.239, de 30/9/1904).

A revisão dos programas dos grupos escolares e escolas


modelo foi feita em 1905 (Decreto n° 1.281, de 24/4/1905)
iniciando a prática de estabelecimento de legislações específicas
para normatização de programas de ensino.

As mudanças mais significativas ocorreram nos programas


das escolas isoladas em virtude de modificações no tempo de
duração do curso primário e da concepção das autoridades do
ensino sobre as necessidades culturais de grupos sociais residentes
nas zonas urbanas e rurais do estado. Por exemplo, em 1907, o
Presidente Jorge Tibiriçá em mensagem enviada ao Congresso
insistia sobre a necessidade de modificação dos programas das
escolas isoladas:

(...) não só as de bairro, mas mesmo as de sede de município


não o comportam, por excessivamente pesado e até

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1 SÃO PAULO - 1893 1
inexeqüível. Deve, pois, ser modificado e graduado conforme
a natureza de cada classe de escolas: muito modesto para
as de bairro, mais desenvolvido para as de cidade. (SÃO
PAULO, 1907, p. 334)

No ano de 1911, como assinalamos anteriormente, foram


criadas as escolas modelo isoladas. Tais escolas deveriam ser
instaladas anexas à Escola Normal de São Paulo ficando sujeitas
á sua diretoria. Foi previsto o funcionamento de duas escolas
isoladas, uma para cada sexo, com a denominação de Escolas
modelo isoladas para servir de padrão às escolas isoladas do
Estado. Destinavam-se essas escolas a direcionar o programa de
ensino a ser ministrado nas demais escolas isoladas do estado e o
ensaio e aperfeiçoamento de métodos e processos de ensino que
deveriam ser adotados no ensino publico preliminar do Estado;
além disso, visavam à prática e observação dos alunos das escolas
normais de S. Paulo. Em cada escola normal pública do estado
deveria ser anexada uma escola modelo de cada sexo. (Decreto n°
1.577, de 21/2/1911).

O Regimento Interno das escolas modelo isoladas (Decreto


n° 2.004, de 13/2/1911) fixou prescrições detalhadas sobre os
procedimentos de ensino:

a) Todos os dias, antes da entrada dos alunos, o professor


escreverá no quadro-negro os exercícios destinados às
diferentes classes,de modoque,quandoesteja a trabalhar
com uma, todas as outras executem simultaneamente
suas tarefas.
b) durante os intervalos de descanso, será permitida aos
alunos plena liberdade de comunicação;
c) nos exercícios coletivos de linguagem escrita, diários
para a seção masculina, o professor deve associar-se
diretamente ao trabalho das classes, percorrendo as filas
dos alunos para os ajudar, encaminhar e corrigir senões,
que forem encontrados;
d) O professor trabalhará, quanto possível, de pé; Será este
pequeno sacrifício largamente compensado. Tornar-se-á
mais efetiva a fiscalização que lhe cabe exercer sobre o

junqueira&marin editores 62
1 SÃO PAULO - 1893 1

trabalho da classe, e sua comunicação cok os alunos será


mais direta e pessoal.
e) os alunos devem ser, de preferência, distribuídos pelas
carteiras por ordem de classe, de modo que as primeiras
filas sejam ocupadas pelos mais atrasados.
f) nas escolas femininas, os trabalhos de agulha serão
executados às 3as e 5as e sábados, de 2:55 às 3.15.
g) as aulas sobre animais, plantas e lições gerais serão
coletivas.
h) O presente horário quando não puder ser fielmente
cumprido, poderá, entretanto, ser tomado como modelo
que corresponderá às condições especiais de qualquer
escola. (SÃO PAULO, 1911)

Em relação às escolas reunidas, a Consolidação das Leis do


Ensino de 1912, estabeleceu que elas deveriam adotar “o regimen,
methodo e processos de ensino dos grupos escolares.” (art. 103,
Decreto n° 2.225, de 13/4/1912).

Shieh (2010) analisou detalhadamente todos os programas


de ensino aprovados para as diferentes escolas primárias no estado
de São Paulo ao longo da Primeira República e constatou que a
diferenciação dos programas de ensino foi acentuada em 1913,
com o Regulamento das escolas de bairro, cujo curso primário
foi diminuído para dois anos. O programa dessas escolas passou
a compreender “Leitura, Linguagem oral, Linguagem escrita,
Arithmetica, Geografia, História do Brazil; Noções de cousas,
Educação cívica, Trabalhos manuaes, Calligraphia.” (SHIEH, 2010,
p. 98). Foram excluídas as seguintes matérias: Ciências naturais,
Desenho, Canto e Ginástica.

Em 1918, pelo Decreto n° 2.944, de 8 de agosto, nas


escolas isoladas rurais, distritais e urbanas, a duração do curso
era, respectivamente, 2, 3 e 4 anos. Nessas escolas deveriam
ser ministradas as seguintes matérias: Leitura; Linguagem oral;
Linguagem escrita, Arithmetica, Geographia, História do Brazil;
Sciencias physicas e naturaes – hygiene; Instrucção moral e cívica;
Trabalhos manuaes; Musica; Calligraphia; Geometria; Desenho;
Gymnastica. (SHIEH, 2010, p. 100).

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A Reforma Sampaio Doria (1920 – 1924) unificou novamente
os programas do ensino primário nas escolas isoladas, reunidas e
grupos escolares. O curso de 2 anos de duração deveria contemplar
as mesmas matérias já estabelecidas anteriormente. As únicas
alterações foram a junção das matérias Geografia e História no 1º
ano e exclusão da Caligrafia. No 2º ano, foram excluídos Música e
Exercícios ginásticos.

A partir de 1926, passou a vigorar outra vez a diferenciação


dos programas. Para os grupos escolares, escolas modelo e escolas
reunidas: leitura e conhecimento dos preceitos de linguagem;
exercícios de linguagem escrita; caligrafia, desenho e geometria
prática, com as noções necessárias para suas aplicações comuns;
calculo aritmético, sobre inteiros e frações ordinárias e decimais,
sistema métrico, proporções, regra de três e suas aplicações
práticas; noções de cosmografia e de geografia geral; de ciências
físicas e naturais, em suas mais simples aplicações à higiene, à
lavoura e às indústrias; História do Brasil e comentários sobre a
vida de seus grande homens;breves noções sobre a Constituição
Federal e do Estado; canto e solfejo; educação moral; exercícios
ginásticos e trabalhos manuais adaptados à idade e ao sexo.

Para as escolas isoladas, divididas em rurais e urbanas (curso


de três anos) o programa devia conter “as materias constantes dos
programmas vigentes para o 1º, 2º 3 3º annos do curso primario”
(Decreto n° 4.101, de 14/12/1926, art. 126).

Por último, o regulamento da reforma de 1927 (Decreto n°


4.600, de 30/5/1929) estabeleceu programas distintos para os
vários tipos de escola primária.

Quadro 1. Programas de ensino das escolas primárias paulistas


– Reforma de 1927

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Fonte: Decreto 4.600, de 30/05/1929 (Regimento da reforma de 1927). Cf. São Paulo, 1927.

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Métodos de ensino
Os reformadores da instrução pública em São Paulo
buscaram implantar um moderno aparelho de ensino no Estado no
início do regime republicano. Essa modernização abrangeu vários
aspectos, como a organização institucional, a inspeção técnica,
a seleção cultural e, fundamentalmente, os processos de ensino.
Nesse sentido, a adoção do método intuitivo significou o marco da
renovação pedagógica e sua indicação para as escolas primárias
prevaleceu durante toda a Primeira República.

A reforma da instrução pública de 1892 indicou o emprego


do método da seguinte forma:

No regulamento que for expedido para execução desta


lei serão minuciosamente especificadas em programmas
as matérias que constituem o ensino, e sua distribuição,
conforme o desenvolvimento intelectual dos alumnos,
observando-se com rigor os princípios do método intuitivo
(§ único, art. 6º, Lei n. 88, de 8 de setembro de 1892).

No Regimento Interno dos grupos escolares aprovado em


1904, aparece novamente a prescrição do método intuitivo assim
concebido:

As licções sobre as matérias de qualquer dos annos do


curso deverão, de acordo com o programma adoptado, ser
mais praticas e concretas do que theoricas e abstractas,
e encaminhadas de modo que as faculdades das crianças
sejam incitadas a um desenvolvimento gradual e
harmonico. (art. 4º, Decreto n. 1.253, de 28 de novembro
de 1904).

A ênfase nesse método continuou mesmo com a circulação


do ideário da Escola Nova em meados dos anos 10 do século XX.

A Reforma de 1920 concedeu a autonomia didática aos


professores primários, mas manteve a prescrição do método
intuitivo:

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1 SÃO PAULO - 1893 1

Nas escolas primárias, o método natural do ensino é a


intuição, a lição de coisas, o contacto da inteligência com
as realidades que se ensinam, mediante a observação e a
experimentação, feitas pelos alumnos e orientadas pelo
professor. São expressamente banidas da escola as tarefas de
mera decoração, os processos que apelem exclusivamente
para a memória verbal, a substituição das coisas e fatos
pelos livros, que se devem apenas usar como auxiliares do
ensino. (art. 103, Decreto n. 3.356, de 31 de maio de 1921).

As reformas posteriores (1925 e 1927) reafirmaram essa


mesma prescrição indicando a estabilidade do modelo escolar
paulista na Primeira República. Somente a partir de 1930, foi
que o método de ensino intuitivo deixou de ser a indicação
metodológica dominante nas escolas públicas primárias paulistas
sendo substituída definitivamente pela escola ativa e os princípios
pedagógicos da Escola Nova.

VI - Os recursos orçamentários para a instrução primária

Segundo Costa, em São Paulo o Estado realizou investimentos


elevados em educação e cultura nas primeiras décadas do século
XX. Os recursos orçamentários destinados à educação nos gastos
gerais do Estado oscilaram de um mínimo de 15% em 1895, a um
máximo de 24% em 1920” (COSTA, 1983, p. 129).

A dotação considerável de recursos do estado despendida com


a educação é também assinalada por Joseph Love. Segundo esse autor,

O investimento governamental que mais orgulho produzia


entre os paulistas era a educação pública. Utilizando dados
do censo de 1920, um apologista das coisas de São Paulo
[referindo-se a Sousa Lobo] enfatizava que, não obstante
o estado abrigasse apenas 15% da população nacional,
formava 25% dos estudantes brasileiros e fornecia 39% dos
recursos financeiros aplicados em educação dentro do país.
(LOVE, 1982, p. 352)

67 junqueira&marin editores
1 SÃO PAULO - 1893 1
A tabela abaixo organizada pelo autor evidencia despesas
setoriais tomado percentagens dos gastos realizados no estado.

Tabela 8. Despesas setoriais selecionadas


São Paulo: porcentagens do orçamento efetivo, por décadas,
1890 – 1937 (em milhares de contos, correntes)

Fonte: apud Love, 1982, p. 351

Considerando a proporção das despesas totais, observa-se


o dispêndio elevado com o pagamento da dívida acumulada com
empréstimos auferidos para o incremento da economia cafeeira.
O investimento em obras públicas, imigração e com o aparato de
segurança foram maiores na década de 1890. O investimento em
educação foi elevado principalmente no período entre 1900 e
1920.

O comentário do Presidente Jorge Tibiriçá na mensagem


enviada ao Congresso em 1906 sobre os gastos do Governo com
a instrução pública é indicativo da preferência do Poder Público
pelos grupos escolares em detrimento das escolas isoladas.

A verba destinada ao ensino primário é, para os grupos,


de 2.737:770$000, sendo a das escolas isoladas de
2.504:620$000.
A educação, pois, do alumno de grupo custa ao Estado
112$500 annuaes ou 9$375 mensaes; os de escolas
isoladas, 79$489 e 6$624.

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Confrontando-se as quantias despendidas em exercícios


anteriores, no de 1898, por exemplo, vê-se que não
obstante a disseminação do ensino por todos os
municípios e creação de 51 grupos escolares, há para
o erario publico uma economia de quase 50% quanto a
escolas isoladas, e de 1 1/3% quanto aos grupos. Essa
differença a favor do Estado deve-se attribuir, não só
à fiscalização constante exercida actualmente sobre
os professores, obrigando-os assim a receber em suas
escolas o maior numero possível de creanças, como
também à creação de grupos, que então eram em número
reduzido. (SÃO PAULO, 1906, p. 7)

Na argumentação de Jorge Tibiriçá os grupos escolares


favoreciam a racionalidade administrativa e financeira
enquanto as escolas isoladas demandavam mais recursos
públicos.

Em 1909, Albuquerque Lins notificava ao Congresso


os gastos do Estado com as diversas secretarias: “No
exercício de 1908, a despesa paga pelo Tesouro importou em
67.988:640$851 distribuída pelas seguintes secretarias: Interior
= 14.526:804$618; Justiça = 12.656:631$615; Agricultura –
23.167:794$104 e Fazenda = 17.637:410$514.” (SÃO PAULO,
1909, p.46) O gasto com a instrução pública nesse ano foi de
6.835:173$465.

Ao longo da Primeira República, a maior parte do


dispêndio do Estado com a educação foi realizada com
o ensino primário. Altino Arantes atestou isso em 1917
ao afirmar: “Da despesa total de 87.444:201$178 foram
gastos 18.709:765$317 com o ensino público, dos quaes
13.930:104$651 só com o ensino primário ...” (SÃO PAULO,
1917, p.76)

No entanto, os investimentos do Estado permaneceram


insuficientes para a universalização da instrução primária e para a
manutenção dos padrões de qualidade do ensino primário e normal
ensaiados no início do período republicano.

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1 SÃO PAULO - 1893 1
VII - Considerações finais

O balanço é inevitável. O que os governos do estado de São


Paulo fizeram pelo desenvolvimento da instrução pública primária
nos primeiros quarenta anos da República? Como buscamos
demonstrar neste texto, os governos paulistas buscaram instaurar
e consolidar um aparelho escolar moderno mediante a adoção
de métodos de ensino renovados, implantação de um sistema
de inspeção técnica, disseminação de escolas modelares como
as escolas normais, as escolas modelo e os grupos escolares,
além de ampliarem continuamente a matrícula geral. Se por um
lado, os avanços foram inolvidáveis, por outro lado, após quatro
décadas, o Estado encontrava-se longe da efetivação do ideal de
universalização da educação elementar atendendo apenas cerca de
50% da população em idade escolar.

Na Estatística Escolar de 1930 organizada pela Seção


de Estatística e Arquivo da Diretoria Geral do Ensino do Estado
de São Paulo, na gestão de Lourenço Filho, encontramos dados
reveladores dos avanços alcançados e dos desafios educacionais
a serem vencidos. No ano de 1930, o Estado manteve 3.362
unidades escolares de ensino primário compreendendo 356.292
alunos matriculados (53,4% do sexo masculino e 46,6% do sexo
feminino). Dessas instituições educativas, 309 era grupos escolares
– a maior rede de escolas primárias graduadas do país -, 205 eram
escolas reunidas e 2.848 escolas isoladas (sendo 630 urbanas e
2.018 rurais). O Estado era responsável por 74,2% das unidades
escolares de educação elementar uma vez que as municipalidades
mantinham 381 estabelecimentos de curso primário e a rede
particular 749 unidades (16,7% do número total de escolas
primárias existentes no estado).

Porém, a distribuição dos alunos pelos vários graus (séries)


do ensino primário denotava a forte diferenciação interna do
aparelho escolar paulista. Somente nos grupos escolares era
oferecido o ensino graduado completo de 4 anos de duração.
Nas escolas reunidas e isoladas urbanas, o ensino primário tinha
duração de 3 anos e nas escolas rurais, isoladas ou reunidas, o

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1 SÃO PAULO - 1893 1

ensino alcançava apenas a 2ª série configurando-se como simples


escola de alfabetização. Em 1930 funcionaram 4.479 classes em
grupos escolares e 3.740 nos demais estabelecimentos. Somente
cursaram o 4° grau, 18.351 alunos e o 3° grau 35.575 alunos, isto é,
6,9% e 13,3%, respectivamente, sobre a matrícula de todos os graus
(SÃO PAULO, 1931, p. XX). Portanto, a despeito da manutenção
de uma rede significativa de grupos escolares, a grande maioria
das crianças paulistas cursava apenas dois anos de escolaridade
elementar. Os índices de reprovação atingiam, respectivamente,
69,61% nos grupos, 60,47% nas escolas reunidas, 63,41% nas
escolas isoladas urbanas e 51,18% nas escolas isoladas rurais. (SÃO
PAULO, 1931, p. XX).

A excelência do aparelho escolar paulista exibia múltiplas


faces e contradições. Boa parte dos grupos escolares funcionava
em prédios alugados ou adaptados e a alta seletividade do ensino
expunha as incontornáveis dificuldades de democratização do
ensino. A situação das escolas reunidas e isoladas era de grande
precariedade, situação agravada ainda mais nas escolas rurais. Com
esse quadro multifacetado, a história da escola primária paulista
se inscreve em sua dupla dimensão: uma história de avanços e
modernização eivada de ausências, exclusões e diferenciações. ♠

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MÃRÃNHÃ0 - 1903 •

CAN
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O ESTÃD0D0 MÃRÃNHÃO E À INSTITUCIONÁLIZÃÇÃO


DÃ ESCOLA GRADURDA NÃ PRIMEIRA REPÚBLICA
Diomar das Graças Motta"
Iran de Maria Leitão Nunes"
Acildo Leite da Silva
Elisangela Santos de Amorim"

Bolsistas:
Camila de Cássia Barros COsta
Joseilma Lima Coelh0
Mayhara Regia dos Santos Nogueira

15 Diomar das Graças Motta, Professora Associada do Departamento


de Educação II, UFMA, Campus do Bacanga, pesquisadora do CNPq e
Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Mulheres e Relações de
Gênero - GEMGe - UFMA. E-mail: diomar(@elo.com.br

16 Iran de Maria Leitão Nunes, Professora adjunta do Departamento de


Educação II, Universidade Federal do Maranhão - UFMA, campus de São Luis,
pesquisadora e membro do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Mulheres
e Relações de Gênero e do Grupo de Pesquisa sobre História e Memória da
Educação Maranhense. E-mail: irandemaria@yahoo.com.br

17 Elisângela Santos de Amorim, Professora Assistente II do Departamento


de Educação - I, da UFMA - São Luís, pesquisadora e integrante do Grupo de
Pesquisa em Educação, Mulheres e Relações de Gênero - GEMGe e do Grupo
de Pesquisa em Currículo, EJA e Diversidade Cultural.
E-mail: lysamorim@hotmail.com

junqueira&marin editores 78
1 MARANHÃO - 1903 1

Algumas determinado
precisam experiências
de lugar
fronteiras,
ou país.
políticas
reduzidas
É o caso
e civis universais não
à história de um
da escola graduada.
Projetos começam a se delinear desde o Império e ganham nitidez
na República, marcados por diferenças, com caráter singular.

No Estado do Maranhão, a escola graduada aflora como uma


resposta ao momento histórico republicano, a fim de abarcar a
totalidade da atividade educativa, enquanto expressão institucional
da ação pedagógica.

Para tanto, evidenciou-se a importância da lei e de


documentos oficiais, utilizados como fontes neste estudo, como
os elementos de credibilidade absoluta na eficácia realizadora do
projeto da escola graduada.

Haja vista que durante a Primeira República (1890-1930)


foram promulgadas 59 leis, que organizaram e reorganizaram
o ensino; criaram, transformaram e converteram cadeiras para
o ensino primário; fundaram externato e escolas proletárias
noturnas. Convém ressaltar que, a cada cinco anos desta fase
republicana, os três períodos de maior expressividade de
promulgação foram 1900 e 1905, com 14 leis; os demais ficaram
em torno 2 a 7 leis cada.

Em relação às mensagens de governadores, enviadas


ao Congresso do Estado, totalizaram 39, durante a Primeira
República. Destas, só no período de 1890-1895 foram enviadas 7,
considerando-se o de maior expressividade, em relação aos demais.

Paramelhor compreensão dessafase, no EstadodoMaranhão,


iniciaremos com o contexto da época, seguido do modelo/
modalidades da escola; sua organização pedagógica; o papel do
Estado em relação a educação pública ou seja, republicanismo e
federalismo; o financiamento da escola primária; e a expansão
dessa escola no espaço maranhense.

Estes eixos serão subsidiados, também, pela posição dos


intelectuais maranhenses, na sua maioria bacharéis, formados

79 junqueira&marin editores
1 MARANHÃO - 19031

pela Faculdade de Direito de Recife, que atuaram na gestão das


instituições públicas da educação, na política e na imprensa local.

I - O contexto Maranhense

O espaço temporal de nosso estudo, 1889 a 1930,


historicamente denominado de Primeira República, no Maranhão,
foi de intenso desequilíbrio, devido aos efeitos desastrosos sobre
a sua vida, política, econômica e cultural. O Estado federado não
poderia se manter em qualquer desses campos, pois não há como
negá-lo, em marcha de decadência. (MEIRELES, 2001).

Entretanto, adesão do Maranhão à República ocorreu em


1890, em umprocesso ocorridocomviolência,fuzilamentos,prisões
arbitrárias (sobretudo de negros e mulheres), constituindo-se um
ambiente de desconfiança e hostilidade contra este novo sistema.
Seus primeiros governos foram provisórios, de novembro de 1889
até junho de 1891, tendo como primeiro Governador Provisório o
Sr. Pedro Augusto Tavares Júnior.

No mesmo ano, assumiu o segundo governador do Estado


do Maranhão, Dr. José Thomas da Porciúncula, que esteve no cargo
durante seis meses, a partir de 22.1.1890.

A instalação da República não proporcionou transformações


significativas no Maranhão, cuja população pobre continuava sem
as condições básicas de educação, saúde e saneamento. A política
oligárquica do País, em um processo excludente, dispensava
tratamento diferenciado às Unidades da federação, com isto a
maioria dos estados nordestinos permaneceu à margem de seus
benefícios, dentre eles o Maranhão.

Nessas circunstâncias,que é considerado o ciclo decadentista


(1894-1932) do Estado, pois foi o que mais sofreu com a Abolição
decretada em 1888. Sua situação, até então, era “estável e
equilibrada, com uma rica aristocracia rural, apoiada e soerguida
no trabalho servil de escravos negros que, em números redondos,

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igualavam a quantidades dos senhores brancos” (MEIRELES, 2001,


p. 307). E sobre esse período, assim comenta Martins (2006, p. 49):

Significativa parcela dos intelectuais maranhenses do século


XIX elegeu o fantasma da decadência como objeto privilegiado de
suas reflexões. Todos eles identificaram uma variedade apreciável
de problemas vivenciados pela lavoura, em geral, e pela grande
lavoura, em especial, que contribuía preponderantemente para
que a decadência dessa atividade fosse representada como válida
para todo o conjunto da sociedade. Por isso, não é difícil imaginar
porque a noção de decadência ingressou no século XX fazendo
prosélitos, como uma fantasmagoria envolvente de todo e qualquer
esforço produtivo e como marca saliente das estruturas discursivas
forjadas por intelectuais orientados por referenciais os mais
distintos – até antípodas em alguns casos.

Contra esta situação, a luta se fez ferrenha e a


institucionalização da escola graduada esteve presente, ao lado da
expansão da cultura literária, mediante a atuação dos intelectuais,
principalmente dos autoproclamados Novos Atenienses, dentre
eles: Manuel de Béthencourt, Antonio Francisco Leal Lobo (1870
1916) e Manuel Francisco Pacheco - Fran Pacheco (1874-1952).
E, no conjunto dos projetos desenvolvidos por eles destacam-se
a criação ou reformulação de instituições como: a Renascença
Literária, a Academia Maranhense de Letras (1908), o Instituto
Histórico e Geográfico do Maranhão, a Biblioteca Pública do
Estado, as Faculdades de Direito e de Farmácia, a Escola de Música.
(MARTINS, 2006).

Ressaltamos, dentre os muitos intelectuais da época,


Benedito Pereira Leite (1857-1909) e Antonio Batista Barbosa de
Godois (1860-1923). O primeiro ardoroso defensor da instrução
pública, da Escola Normal (fundada em 1890) e da Escola Modelo.
O segundo foi o mentor intelectual da Escola Modelo (1896), seu
primeiro diretor; esteve, também, à frente do Liceu Maranhense e
da Instrução Pública, nos primeiros anos da década de 1900.

A luta destes educadores por escola não decorre só das


circunstâncias econômicas, as políticas merecem ser ressaltadas

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1 MARANHÃO - 19031

já que o republicanismo não tinha maior expressão em nossa


província. Mas o paradoxo verificado é que após a substituição da
Monarquia pela República foi o Partido Conservador, reacionário
que se tornou dono da situação com o rótulo de Federalista, tendo
a frente Benedito Leite. O Partido Republicano era inoperante,
simples espectador por carecer de elementos. (MEIRELES, 2001).

A primeira Constituição política do Estado do Maranhão foi


promulgada a 4 de julho de 1891, compreendendo oito títulos, 159
artigos, dos quais 16 transitórios. Só no Título VII das Disposições
Gerais que faz menção ao ensino gratuito, proibindo subvenções
a qualquer igreja ou culto, declarando seculares os cemitérios.
E, atendendo às suas determinações, o governador Lourenço
Augusto de Sá e Albuquerque assinou o Decreto de 1° de agosto
do mesmo ano, determinando que o ensino primário público
seria laico, gratuito e obrigatório, ficando o Governo Estadual
responsável pela manutenção das escolas dos municípios, com
exceção de São Luís.

Com todas estas determinações, a população bastante


expressiva, conforme o Quadro 1, reclamava por escola, pois 90%
se encontrava fora dela, em pleno 1920, ou seja, dez anos antes do
término da Primeira República (Tabela 2).

Tabela 1. População Maranhense (1890-1930)

Fonte: Sinopse Estatística do Maranhão, IBGE, 1940.

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No “Anuário Estatístico do Maranhão”, de 1900, dentre uma


população de 499.308 pessoas, sendo 246.751 homens e 252.557
mulheres, apenas 99.91 sabiam ler e escrever, 188.175 eram
considerados totalmente analfabetos e 210.814 sem declaração de
instrução. Esses dados demonstram o quão difícil seria implantar
ou transformar uma cultura escolar em uma sociedade acostumada
a não ler. Situação que está presente até 1920, conforme dados a
seguir

Tabela 2. Letramento da População Maranhense - 1920

Fonte: Sinopse estatística do Maranhão, IBGE, 1940.

Estas constatações decorrem do descaso do poder com a


educação escolarizada, tanto que o primeiro governador eleito pelo
voto indireto do Congresso - Manuel Inácio Belfort Vieira (1892
1897) só promulga a primeira lei sobre o ensino em 1893. No quarto
quadriênio (1906 a 1910), tendo-se como governador Benedito
Leite, que falece antes do término de seu mandato, verifica-se uma
atenção maior para a questão da escola primária.

II - Modelo/ Modalidade de Escola

Ora a passagem de uma sociedade escravocrata para


uma sociedade livre exigia a preparação do povo e do novo
trabalhador. Nesse contexto, a educação assumiu uma posição
diferenciada de até então, já que ela passou a ser compreendida
como instrumento de construção dessa “nova sociedade”, da
manutenção da ordem e fator de progresso e, em conseqüência,

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1 MARANHÃO - 19031

a escola passou a ser vista como espaço de construção da


nacionalidade.

Com a Constituição de 1891 e a “Reforma Benjamin


Constant”18, do mesmo ano, consagrou-se o sistema dual de ensino,
já mantido no período imperial: a educação das elites mediante
as escolas secundárias acadêmicas e as superiores, criadas e
controladas pela União; e a educação das camadas populares,
através das escolas primária, de formação profissional, e de artes e
ofícios, criadas e controladas pelo Estado.

No Maranhão a concepção de educação da época, de acordo


com Andrade (1984, p. 96) também era de um instrumento para
agir sobre o indivíduo e a sociedade, como mecanismo de ascensão
social, havendo correlação entre o desenvolvimento do espírito e a
prosperidade do gênero humano.

Neste contexto, o modelo escolar vigente no período imperial


maranhense constitui-se de uma única escola secundária – O Liceu,
criado em 1838 e equiparado ao Ginásio Nacional (Colégio D.
Pedro II - RJ) em 1893, que funcionou durante cento e trinta anos
com exclusividade; e a instrução primária por cadeiras e aulas de
primeiras letras que em 52 anos (1837 a 1889) totalizaram 1874.

Na legislação disponível, a ênfase era dada à divisão sexual,


registrando-se aulas de primeiras letras para meninas ou para
meninos: para o sexo feminino ou para o sexo masculino. O mesmo
se verificou com a criação das cadeiras.

Entretanto, o debate acerca da co-educação é tão acirrado em


terras maranhenses, que a Lei nº 127, de 24 de março de 1896 cria às
primeiras escolas mistas, terminologia que perdurou até a Lei nº 838,

18 Reforma assinada pelo então Ministro da Instrução Pública Correios e


Telégrafos, Benjamin Constant Botelho de Guimarães (1836-1891), instituía
a liberdade e laicidade do ensino e a gratuidade da escola primária.

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de 23 de março de 1919, a última a mencionar esse modelo. A partir


de então, a maioria das escolas criadas eram mistas e só as masculinas
eram transformadas. Em 1925 foi totalmente abolida da legislação a
criação de qualquer escola primária com essa especificação.

A título de ilustração, a co-educação tem ampla discussão e


implantação nos Estados Unidos, seguido da Suíça, e noutros países. A
França admitiu-a, mas com forte oposição de educadores. No Brasil é
a rede privada quem primeiro adota escola desse gênero, por meio do
pastor G.W. Chamberlam, em São Paulo, depois o Piauí, Sergipe, Ceará,
Paraná e Rio de Janeiro. O ensino público admite a fragmentação
comum primeiramente na Bahia e no Pará nos primeiros anos da
década de 1800.

Para Almeida Oliveira (2003), as razões incontestáveis desse


modelo, ou seja, as co-educações dos sexos eram de economia, de
moral e de política. De economia, porque esta mostrava que não
era o sexo que o separava, mas o número exíguo de crianças que
acarretavam as finanças maranhenses, pois uma só escola para todos
seria o bastante. De moral, porque consistia no melhor estímulo que
se conhece, quer para o adiantamento, quer para a boa conduta dos
alunos. Finalmente, de política, porque torna a instrução mais geral
e os costumes mais amigáveis e mais doces. Portanto, os benefícios
são desconhecidos onde os homens se educam longe das mulheres,
as despesas são duplas e os resultados não satisfazem. Para Almeida
Oliveira (2003, p.116), “quando crescidos se encontram ou se repelem
bruscamente, ou se amam com violência. Ambos estes extremos são
para evitar”. Ademaiso Maranhão conta, em 1920,com uma população
feminina superior a masculina, conforme o quadro, a seguir:

Tabela 3. População por Sexo - 1920

Fonte: Sinopse Estatística do Maranhão, IBGE, 1940.

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Outros elementos constituem o modelo de escolas, oriundas


de diretrizes como:

- A primeira Mensagem, encaminhada ao Legislativo,


pelo segundo governador provisório Dr. José Tomás da
Porciúncula, continha a necessidade de um plano de reforma
da instrução pública, cuja comissão por ele nomeada devia
estudar as leis e regulamentos do Estado, bem como propor
a distribuição do ensino primário pelo interior do Estado.

- Antes de seu afastamento do executivo, Dr. José Porciúncula


assina o Decreto nº 21, de 15 de abril de 1890, que dividia o
ensino público em três níveis: primário, secundário e técnico
ou profissional. Não há menção da educação superior. A
instrução primária seria oferecida por escolas de 1º, 2º e 3º
gruas, conforme se situasse nos povoados, vilas ou cidades.
Assim, o currículo era bastante rudimentar nas escolas
primárias de 1º grau (nos povoados) e apresentava-se mais
exigente nas escolas de 2 º e 3º graus, situadas nas vilas e
cidades, respectivamente.

- O Decreto Estadual nº 94, de 1º de setembro de 1891,


constituído de 36 capítulos e 209 artigos, trouxe de volta
o princípio da obrigatoriedade do ensino primário, que
continuava livre, gratuito e, de acordo com o preceito
constitucional, deveria ser laico. A inovação desta proposta,
também, continha a tentativa de municipalização do ensino
primário e determinava:

Art. 40. “Pertence aos municípios a instrução pública primária, podendo,


todavia o Estado, quando julgar conveniente, criar e manter escolas
primárias em cada um deles”.
Art. 41. O Estado concorrerá para a manutenção das escolas dos municípios,
exceto o da capital, com a metade das despesas orçadas para este serviço em
cada um deles no exercício de 1891.

- A municipalização do ensino elementar, oferecido pela


escola primária graduada, é um debate que se estende desta
época, agravando-se no século XX, em especial, nas décadas

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de 70 e 80, sob a égide da descentralização e democratização


do ensino. Com isto “o Estado procurava meios de se eximir
tanto quanto possível, dos encargos com o ensino elementar,
único a que tinham acesso às pessoas das camadas
subalternas”. (SALDANHA, 2008, p.85).

- Apesar da municipalização, o Estado prossegue legislando


e promulga a Lei nº 323, em 31 de março de 1903, que
autoriza a conversão, em grupos escolares, das escolas
estaduais existentes no perímetro desta cidade. Como se
observa os grupos escolares são prerrogativas do poder
estadual, ficando as escolas municipais sem os mesmos, pois
desconhecemos, até o presente, qualquer iniciativa, aquela
época, sobre a conversão de escolas no âmbito municipal.

Em1911,o professorBarbosade Godois,à frente daInstrução


Pública e lecionando na Escola Normal, publica a obra O Mestre e a
escola e registra sua visão de escola, como uma instituição de dupla
face, uma social e a outra política; com direito e abrangência de
todos; com a oferta de instrução atualizada e moderna.

Para tanto, acrescenta que com isto, apesar de outros países


oferecerem várias modalidades de escola,no Maranhão oferecíamos
simplesmente a escola primária de um só mestre (escola isolada)
e a escola primária de mais de um mestre – a Escola Modelo e os
grupos escolares.

Admite-se a necessidade e abrangência de escolaspara todos,


mas em modalidades diferentes que são graduadas pela presença
do mestre. Afinal, a escola isolada era prerrogativa do município,
que não tinha como pagá-las e não havia oferta de normalista para
atender a esta expansão.

Seu funcionamento obedecia ao regulamento interno


organizado pelo diretor da Escola Normal, à época Prof. Barbosa
de Godois. Assim, para o governador Alexandre Colares Moreira
Júnior, essas medidas não só melhoraram o método adaptado, mas
se achavam sujeitos a uma fiscalização mais eficaz, por parte do
diretor da referida Escola Normal. Portanto, para o governador foi

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uma medida de grande alcance na política educacional maranhense.


(Mensagem apresentada ao Congresso do Estado em 16.2.1905)

Após cinco anos, as Mensagens faziam alusão aos prédios


da escola primária, apelando aos municípios, que abrigassem o
ensino em edifícios relativamente confortáveis, ao menos limpos
e asseados, já que o material didático era provido pelo Estado.
Embora em 1920 existissem 9 grupos escolares na capital e apenas
um no município de Caxias (Mensagem apresentada ao Congresso
do Estado em 5.2.1920).

O governador do nono quadriênio (1926-1930), comandante


José Maria Magalhães de Almeida, em sua última Mensagem,
apresentada em 5.2.1930, afirmara que teve sua vista voltada de
preferência para o interior, onde, além das escolas constantes nas
suas mensagens anteriores, criou mais outras, nas sedes de vários
povoados, vilas e cidades, num total de 41.

Em síntese, o modelo de escola primária graduada no


Maranhão, na Primeira República privilegiou a localização
geográfica (1º, 2º e 3º graus), bastante discriminatória; a divisão
dos sexos, (escolas para o sexo masculino e feminino) a quantidade
da presença docente (escola isolada ou unidocente e grupos
escolares).

III - Organização Pedagógica dos Grupos Escolares

O inspetor da Instrução Pública, Dr. Correia Leal, por meio


de seu relatório de 30 de janeiro de 1895, reclamava a interferência
do poder público, principalmente no então ensino primário,
demonstrando a necessidade de uma escola organizada e com
um mínimo de estrutura, mas não havia uma atenção efetiva para
o problema, por parte deste mesmo poder; além do que, 80%
da população enfrentavam o analfabetismo. (MOTTA, 2003).
Contraditoriamente, evidencia-se, nesse momento, a importância
na instituição escolar nos discursos políticos, mas o foco era
para o Liceu, a Escola Normal e mais tarde a Escola-Modelo, esta,

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criada desde 1896, trouxe modificações para o ensino primário,


unificando-o e destinando-o aos dois sexos, além da oferta de
ensino seriado, em sete anos, a condenação do ensino baseado na
memorização e admissão somente de professora normalista.

Nisto, dá-se destaque às viagens realizadas pelo Dr. Barbosa


de Godois para conhecimento dos sistemas educacionais de países
da Europa e da América do Norte, contribuindo para a ampliação de
outras questões educacionais, inclusive da alfabetização na política
educacional maranhense.

No Maranhão, a primeira medida visando à criação dessas


escolas data de 1903, quando o governador do Estado, Alexandre
Colares Moreira Júnior (1849-1912) autorizou converter em
grupos escolares as escolas públicas localizadas no perímetro de
São Luís mediante a Lei Estadual nº. 323, de 26 de março de 1903,
estabelecendo que cada grupo seria formado por três escolas.
Em 1904 foram criados 2 grupos escolares pelo Decreto de nº 36
de 1º de julho. Sua responsabilidade ficou a cargo do diretor da
escola normal que elaborou o primeiro regimento interno das
escolas, instituindo as diretrizes basilares para o funcionamento
dos mesmos: horários, conteúdos, funções, deveres, penalidades
e avaliação, dentre outros. De acordo com Motta (2006) apenas a
partir do final da segunda década do século XX que esses grupos
passam a apresentar diretoria própria.

No interior do Estado os grupos escolares foram criados pela


Lei Estadual nº 363, de 31 de março de 1905, incentivados pelos
discursos de João Nepomuceno de Sousa Machado – Inspetor Geral
de Instrução Pública e, então, Diretor do Liceu Maranhense.

Em 31 de março de 1906 foi criado o grupo escolar do


município de São Bento, que teve como secretário o Sr. Luís Viana,
sendo substituído pela Professora Laura Guterres de Sousa. No
mesmo ano foi criado o do município de Rosário, tendo como
responsável a Professora Joanna Raymunda de Mello e como
substituto, Raymundo Esteves Leite. O Grupo Escolar de Codó
foi criado em 1º de agosto de 1906, sob a responsabilidade da
normalista Filomena Catharina Moreira.

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1 MARANHÃO - 19031

O primeiro Grupo Escolar na Capital maranhense funcionava


na Rua do Sol em um prédio adaptado para sua instalação, o
segundo funcionava na Rua Grande em uma escola pública, esses
grupos passaram a ser chamados por nomes de personalidades
maranhenses, a partir do Decreto nº 135, de 9 de novembro
de 1911, quando o governo determinou que as “[...] escolas
públicas deveriam ser designadas pelos nomes dos maranhenses
já falecidos que pelo amor da instrução se tenham recomendado
à gratidão do povo” (GODOIS, 1911).

A Lei nº 323/1903 tratou, também, das seguintes questões:

- Estabeleceu que cada Grupo ficaria com três escolas,


correspondendo ao ensino de cada uma delas a parte do
programa da Escola-Modelo, de modo que compreendesse
toda a sua matéria, assim como os métodos de ensino;

- Definiu a oferta de um curso especial, destinado ao trabalho


manual, indistintamente a ambos os sexos, a ser ofertado
juntamente com os Cursos Elementar, Médio e Superior (o
que compreendia a primeira, a segunda e a terceira classe do
ensino primário).

De acordo com Motta (2006), essas determinações serviam


para agregar as escolas estaduais, que se encontravam dispersas,
e impor-lhes um novo caráter organizacional, tendo a Escola
Modelo como referência basilar. Isto significava que assegurar o
funcionamento dos grupos escolares, num momento em que a
manutenção das instituições escolares era precária, era contar com
a interferência do Dr. Benedito Pereira Leite (1857-1910), que foi
o responsável pela orientação política e administrativa do Estado,
durante 15 anos – de 1893 a 1908.

O curso primário oferecido nos grupos escolares


compreendia três classes, que correspondiam às diferenças
de níveis de conhecimento dos alunos e contemplavam toda a
matéria do programa da Escola-Modelo, conforme descrito no seu
Regimento art.2º. Entretanto, essas turmas não excederiam em
duas, na primeira e nas segundas classes, podendo-se elevar a três

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apenas na terceira. Essa terceira, que correspondia ao 7º ano da


Escola-Modelo, desaparece com a redução do ensino primário de
sete para seis anos.

De acordo como referidoRegimento,osconteúdos oferecidos


eram:

- Língua materna, exercícios orais, exercícios gráficos, ensino


objetivo, instrução cívica, desenho. Estes em todas as classes.
Cálculo: na primeira classe se constituía de forma, tamanho,
lugar; na segunda só forma e na terceira classe lugar. A
música e a educação física eram oferecidas na primeira e
segunda classe. Canto e teoria musical só na terceira classe.

Não havia explícita a teoria pedagógica que se assentavam


estes conteúdos. O método analítico para o ensino da leitura na
Escola Modelo constituiu polêmica, durante três meses, em 1906,
nos jornais maranhenses, entre Antônio Lobo (inspetor geral de
ensino) e Barbosa de Godois (então diretor da Escola Normal e da
Escola Modelo). Para tanto, foi convidado o pedagogo fluminense
João Köpke, que ajudou na elaboração do programa de ensino
baseado no método analítico. (GODOIS, 1911).

Os exames eram realizados mediante uma banca


examinadora, composta pelo presidente (designado pelo
governador), pela respectiva professora de cada turma e por outro
(a) professor (a) normalista, designado (a) pelo diretor da Escola
Normal, de acordo com o art. 38. Os exames constavam de provas
gráficas, orais e práticas, de acordo com o conteúdo do programa
(art. 41). As provas gráficas tinham a duração de três horas no
máximo; as orais, 15 minutos para cada aluno; as práticas, de 20
minutos no mínimo e três horas no máximo.

Os alunos da 3ª classe recebiam, de acordo com o art.59,


cartas de habilitação, assinadas pela mesa. Uma curiosidade surge
no que trata o Capítulo IX do Regimento “Das Professoras”, no
Grupo Escolar “Henrique Leal”, havendo um professor normalista:
Sr. Francisco Ribeiro, responsável pela turma do 1º ano. Os
professores dos grupos escolares contavam com as vigilantes, que

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de acordo com o art. 67, tinham a função de auxiliar na manutenção


da ordem e da disciplina dos (as) alunos (as). A limpeza do prédio
ficava a cargo dos serventes (arts. 68 e 69).

Em 1905, houve seis decretos, entre janeiro e abril, e dentre


as adaptações do Regimento teve-se a modificação e a organização
pedagógicadoensinoprimárioeaampliaçãodoestudodasmatérias,
com a inclusão da língua francesa em todas as classes; a de prendas
domésticas para a segunda e terceira classes; o ensino da História
do Maranhão na Escola Normal, na Escola-Modelo “Benedito Leite”,
nos grupos escolares e nas demais escolas estaduais.

Na década de 1920, com o advento do escolanovismo,


as inovações prosseguem gerando novos regulamentos. O
Regulamento para os estabelecimentos de instrução primária do
Estado, aprovado pelo Decreto nº 616, de 15 de fevereiro de 1923,
organizou o ensino primário, em curso elementar (feito dos cinco
aos sete anos de idade), curso médio (dos sete aos doze anos) e
curso complementar (dos doze aos treze anos). O curso médio
era ministrado, durante cinco anos, nos grupos escolares, mas o
elementar e o complementar eram prerrogativas da Escola-Modelo
“Benedito Leite” (art. 2º).

Nessa ocasião, os grupos escolares e a Escola-Modelo se


tornaram espaços de inovações, constituindo referência para os
demais estabelecimentos de ensino. Tanto que o art. 39 determina
a convocação anual de professores do interior para examinarem as
inovações e os exercícios pedagógicos em ambas as instituições,
pelo secretário do Interior, a quem cabia coordenar a instrução
pública naquele momento.

IV - O Papel do Estado em relação à Educação

Com a aprovação da Constituição republicana oficializou


se a secularização do Estado brasileiro. Esse texto legal,
influenciado pela idéias liberais, trazia muitas conquistas com
vistas a modernizar as velhas instituições, consideradas arcaicas

junqueira&marin editores 92
1 MARANHÃO - 1903 1

e que haviam se tornado incompatíveis com a nova ordem


instalada.

Entretanto, havia uma enorme distância entre o proclamado


pela Constituição de 1891 e o que foi realmente levado a efeito.
Tanto que o estado liberal, durante a Primeira República, foi
sempre o Estado oligárquico, que excluía a participação dos setores
subalternos e funcionou como um mecanismo de manipulação das
clientelas eleitorais, destinado a perpetuar os privilégios da classe
dominante. (Caldeira, 1986).

Todavia, a primeira década do período republicano


constituiu-se num período de transição, onde se identifica algumas
transformaçõesocorridas em vários níveis.Verifica-se,por exemplo,
um processo de descentralização política, com a formação de um
sistema representativo e com a instituição do federalismo.

Essas mudanças ocorridas no âmbito da sociedade política e


civil refletiam, por sua vez, alterações na infra-estrutura econômica,
com a remodelação das relações de trabalho e a introdução do
trabalho livre e assalariado.

O reflexo da situação da infra-estrutura econômica,


decorrente das mudanças na ordem política e o realinhamento
oligárquico, impuseram o surgimento de novas lideranças;
a expansão do funcionalismo público, a fim de promover a
organização administrativa do Estado foram fatores, que
aglutinados, ocasionaram alterações na estrutura da sociedade
maranhense e, por conseguinte, na estrutura educacional. Daí,
o primeiro ato legislativo concernente à instrução pública foi a
organização do ensino no Estado (Lei nº 56, de 15 de maio de
1893) posteriormente, a organização da instrução pública (Lei
nº 119, de 2 de maio de 1895). Mas não foram suficientes para a
demanda por educação, não só naquele momento, quanto muito
depois. Tanto que Prof. Barbosa de Godois (1911, p.4), assim se
refere:

A instrução do povo não é uma questão de interesse


privado ou que indiretamente afete o Estado; é uma

93 junqueira&marin editores
1 MARANHÃO - 19031

questão de interesse público á ordem política. Com efeito,


regime democrático sem a escola difundida largamente,
esclarecendo as consciências e dando conhecimento
racional dos direitos e deveres de cada indivíduo no meio
em que vive é uma deplorável contradição.

Ele assim prossegue em sua análise acerca da situação


educacional do Estado:

A incongruência de abrir escolas, multiplicá-las mesmo,


deixando o ensino às torturas da rotina e com um programa
que fora o desse estabelecimento na infância da instrução
primária, torna-se mister contrapor uma instrução que
corresponda a nossa época e a missão vasta, que se destina
a esses estabelecimentos na sociedade culta moderna.
(Barbosa, 1911, p.5).

Como se observa não basta legislar, efetivar as disposições


nela contidas foi a grande luta de um estado decadente, que apesar
de reconhecer a importância da escola não tinha como mantê-la,
nem tampouco dispunha de pessoal qualificado para docência. A
Escola Normal criada em 1890, durante 10 anos só contou com
onze egressas, que não se dispuseram a lecionar, sobretudo, no
interior do Estado, devido a imposição das famílias.

V - Financiamento/ Orçamento

A ausência de recursos para a instrução pública no início do


período republicano era uma constante nos Relatórios da Inspetoria
Geral da Instrução e nas Mensagens dos governadores. Como solução
ao problema, a oposição sempre sugeria o fechamento de escolas,
“tornado-se célebre a posição de Dr. Benedito Leite, quando exclamou:
amãoprefirocortaraserforçadoassinarasupressão da Escola Normal
e da Escola Modelo” (Motta, 2003). E, segundo Silva (2010, p.85):

O descaso do Estado não se restringiu apenas à falta de


investimento para a construção de prédios, mas também

junqueira&marin editores 94
1 MARANHÃO - 1903 1

à falta de atualização da verba disponibilizada para a


manutenção dessa instituição. Durante oito anos, os
recursos não sofreram aumento, o que se configurou em um
dos fatores preponderantes para que muitos professores
não quisessem se habilitar para o exercício do cargo.

A precisão dessas informações, neste estudo, foi


dificultada pela aglutinação dos valores nas Mensagens
que apresentam, sem detalhes, a receita do Fundo Escolar
destinado à Instrução Pública, Escola Modelo, pagamento
de professores de cidade e vilas (portanto as do povoado
eram excluídas), grupos escolares; acordo firmado com as
prefeituras para a manutenção de escolas. Supõe-se que sejam
as dos povoados.

O valor dessas receitas em 1899 foi de 5.673$735;


em 1910 de 383:352$751, em 1920, 6.365.527$685, sendo
destinado 548.061$176 para a instrução pública.

A partir do ano de 1924, a receita para instrução pública


é de 800:000$000, dos quais 416.058$725 eram destinados
para os professores das escolas primárias.

No ano seguinte, a receita geral do Estado foi fixada


em 8.789:045 $000 reservado 708.445 $017 para a instrução
pública. Logo, menos de 10% do total orçamentário. Porém, a
Mensagem de 1927 informa que o Estado despende perto de
15% de sua receita com a instrução pública. Fato que as poucas
informações disponíveis e lacunosas não nos permitem negar
ou afirmar.

Até o final da Primeira República observamos que


a previsão da receita com a instrução pública está muito
distante dos 15% alardeados. Ademais, o fechamento, há mais
de dois anos, da Biblioteca Pública do Estado para reforma,
impediu-nos o acesso a sua hemeroteca, onde se encontra a
coleção de Diários Oficiais. Nestes, estão publicados o balanço
anual do Estado, com receita e despesa completa dos gastos,
com a educação, durante tal período. As informações contidas

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nas Mensagens, além de não terem regularidade temporal,


apresentam informações diferentes, a cada ano, visto que os
elementos não são constantes.

VI - Expansão da escolarização Primária

A municipalização do ensino foi institucionalizada


em 1891, com o primeiro governador constitucional do
Maranhão, como Estado federado - Lourenço Augusto de Sá e
Albuquerque.

Essa deliberação fez com que o poder público estadual


de 1893 a 1896 não se responsabilizasse por qualquer ação
concernente à expansão do ensino primário. Há preocupação
com a reorganização da instrução pública, sem grandes efeitos,
que pudesse ser ocasionadas pelas sucessivas reformas de
1890, 1891, 1893 e 1895.

O governador seguinte restabeleceu cadeiras de


primeiras letras que haviam sido desativadas, criação das
escolas mistas que concorreram para a redução da expansão.

Tanto que Saldanha (2008) registra a inexistência de


ensino primário seriado, no final do século XIX no Estado do
Maranhão, contando-se com um aglomerado de alunos em
diferentes graus de adiantamento, que constituíam uma única
turma, sob a direção de uma única professora. Para ela isso
explica a relação existente entre estas escolas e o número
de alunos. Exemplifica com o ano de 1894, quando havia no
Estado 163 escolas, atendendo 5.106 alunos, significando uma
média de alunos por escola, neste ano, em torno de 31,3%.
(Saldanha, 2008).

A Tabela abaixo é uma demonstração parcial da


configuração do ensino primário mantido pelo poder estadual,
visto que não nos foi possível obter informações da rede
municipal, responsável por este nível de ensino.

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Tabela4.NúMERo DE ESCoLaSPRIMáRIaSNo MaRaNhão(1890–1930)

*Estes dados continham, também a matrícula do Liceu Maranhense


Fonte: Relatório de Inspetores e Mensagens de Governadores

Tabela 5. NúMERo DE GRuPoS (1905-1930)

Fonte: Relatório de Inspetores e Mensagens de Governadores

Convém registrar, acerca do decréscimo do número de


escolas nas décadas de 1900 e 1910, o qual se presume, ser
decorrente da junção de cadeiras por sexo e a aglutinação de escolas
existentes para a formação dos grupos escolares. Pois a frequência
não decresce, e a omissão na década de 1920 deveu-se à agregação
de dados, conforme a Tabela 4.

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1 MARANHÃO - 19031

Considerações Finais

A contribuição do Maranhão na institucionalização da escola


graduada tem seu ritmo próprio, visto que de 1891 até 1895 conta
se, em parte, com o desaparecimento desta modalidade na esfera
estadual.

A reforma do ensino de 1895 influenciada pelas idéias


liberais, que concebia a educação como a solução dos problemas
vigentes contou com o apoio de Benedito Leite, que se limitou ao
ensino primário e ao normal.

Sua preocupação tinha apoio nas circunstâncias do período


republicano, na sua trajetória política e na campanha de instrução
do povo maranhense, sobre bases diversas das que eram seguidas.

Ademais, a demonstração do valor social e político da


escola foi sentida no Estado, mas pouco absolvida, por muitos,
inclusive pais, que reclamavam da velha escola, com receio da não
aprendizagem de seus filhos, com as inovações.

Desse modo, a escola primária graduada no Maranhão, para


uma perspectiva comparada, possibilita demonstrar que os fatos
comparáveis se encontram além de uma simples constatação de
diferenças. O que talvez facilite uma interação com o Rio de Janeiro,
que favoreceu a escola graduada no Maranhão, aquela ocasião, não
só em relação ao método analítico, mas com novas diretrizes que
esta escola havia seguido em terras fluminenses. ♠

Referências

ANDRADE, Beatriz Martins de. O Discurso Educacional Maranhense na Primeira


República. São Luis: UFMA, Secretaria da Educação, 1984.
CALDEIRA, José de Ribamar. Origem da indústria no sistema agro-exportador
maranhense: 1875-1895: São Paulo: USP, 1986.
GODOIS, A. B. BARBOSA DE. O mestre e a Escola. São Luís: Imprensa Oficial, 1911.

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1 MARANHÃO - 1903 1

GODOIS, A. B. BARBOSA DE. História do Maranhão para uso dos alunos da Escola
normal, 2.ed. São Luís: A.M.L/EDUFMA,2008.
MARANHÃO. Decreto nº 94, de 1º de setembro de 1891. Reorganiza a instrução
pública. Diário do Maranhão, São Luís, 3 de setembro de 1891.
__________. Lei n. 363 de 31 de março de 1905.
MARTINS, Manoel de Jesus Barros. Operários da saudade: os novos atenienses e a
invenção do Maranhão. São Luis: Edufma, 2006.
MEIRELES, Mário M. História do Maranhão. São Paulo: Siciliano, 2001.
MOTTA, Diomar das Graças. Mulheres professoras na política educacional no
Maranhão. São Luís, MA: Imprensa Universitária - UFMA, 2003.
_________. A emergência dos Grupos escolares no Maranhão. In: VIDAL, Diana
Gonçalves (Org.). Grupos escolares: cultura escolar primária e escolarização da
infância no Brasil (1893-1971). Campinas, SP: Mercados das letras, 2006.
OLIVEIRA, A. de Almeida. O Ensino público. Brasília: Senado Federal/Conselho
Editorial, 2003.
SALDANHA, Lilian Leda. A instrução pública maranhense na primeira década
republicana (1889-1899). Imperatriz, MA: Ética, 2008.
SILVA, Diana Rocha da. UMA ESCOLA DE VERDADE: a institucionalização dos grupos
escolares no Maranhão(1903-1930). - Dissertação (Mestrado em Educação)
Universidade Federal do Maranhão, 2010.

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*>=<>
M MINIS GERIS - ISE

REPUBLICANISMO E ESCOLÃ PRIMÁRIA NÃS MENSÃGENS DOS


PRESIDENTES DE ESTÃDO DE MINHS GERÃIS (1891-1930)

José Carlos Souza Araujo

[...] a escola passou progressivamente de uma concepção cristã a uma


concepção clássica e de uma concepção clássica a uma concepção
moderna. (LOBROT, s/d, p. 13) [...] O terceiro período começa no século
XIX e dura ainda hoje. Chamar-lhe-ei o período tecnicista. A escola oscila
totalmente para o lado da ciência e da técnica, ou seja, abandona os seus
desígnios humanistas. Não só o conhecimento no seu sentido restrito toma
o primeiro lugar, mas até as disciplinas humanistas são vistas através dele.
(Ibidem, p. 14) [...] Esta aposta não é apenas a criança, quero dizer a sua
vida, o seu destino, a sua felicidade. Seria demasiado simples se apenas
se tratasse disto. Mas trata-se de muito mais: trata-se da prosperidade e
do destino da própria sociedade, da sociedade no seu todo. (Ibidem, p. 36)

# objeto desta
investigação é construir uma análise, ainda
|que preliminar e panorâmica, certamente em vista do
#|espaço para esse capítulo, a respeito da escola primária
em movimento — pelas suas modalidades (escola singular, escola

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

isolada, escola reunida, grupo escolar), pela sua disseminação,


pela sua expansão quantitativa, pela sua interiorização, pelo
reconhecimento de seu papel socioeconômico -, vigente no período
da Primeira República em Minas Gerais, particularmente como
política pública de caráter republicano, que paulatinamente se fez
afirmativa no decorrer do mesmo período.

Tal objeto ganha especificidade, se se considera que a partir


de 1906 se instaurou a política pública mineira em torno dos grupos
escolares, àquela altura concebida uma forma superior de escola
primária ao lado da escola-modelo, porém a conviver com as outras
modalidades, por exemplo, com a escola isolada quantitativamente
hegemônica, como será observado no decorrer deste.

Em acordo com Lobrot, s/d, conforme a epígrafe, a escola


primária brasileira estaria situada no interior do ‘período tecnicista’,
uma vez que se trata “[...] da prosperidade e do destino da própria
sociedade, da sociedade no seu todo” (LOBROT, s/d, p. 26). Tal
posicionamento é norteador quanto ao que constitui a análise que
agora se inicia, bem como se apresenta como uma hipótese a ser
conferida no decorrer da leitura deste.

As Mensagens, uma forma discursiva fundada no poder

Neste capítulo, são privilegiadas as Mensagens dos


Presidentes de Estado, uma documentação primária, expressiva
de uma forma de comunicação oficial entre o Poder Executivo (e
de sua equipe, Secretários de Estado) e o Poder Legislativo – no
caso, de Minas Gerais -, resultante do exercício da administração
pública; são elas de iniciativa do primeiro – no caso, o Presidente
de Estado – e são enviadas anualmente. O teor se expressa
pelos diversos aspectos que envolvem a administração pública:
agricultura, estrada de ferro, serviço público, finanças, indústria,
hospitais, pecuária, economia, instituições bancárias, assistência
social, magistratura, saúde pública, sistema carcerário, polícia,
terra, imigração, eleições, pecuária, edificações urbanas, dentre
outros.

101 junqueira&marin editores


1 MINAS GERAIS - 1906 1

Além disso, cabe também ressaltar que, em termos


de conteúdo, tais Mensagens procuram realizar um balanço
administrativo da parte do Poder Executivo sobre os andamentos
administrativos do governo soba sua responsabilidade. Geralmente
se constituem em relatório de governo, o que envolve descrições,
justificativas, balanços, prestação de contas, conclamações,
apelos, avaliações, explicitação de objetivos e de anseios de ordem
administrativa,bem como de projetos para o ano vindouro,podendo
acenar ainda com a necessidade de projetos para um futuro menos
imediato.

Em termos de periodização, as Mensagens em apreço, que


constituem o objeto desta pesquisa, são em número de 41 (quarenta
e uma), as quais envolvem 15 diferentes Presidentes de Estado. A
extensão de tais Mensagens é variável no decorrer dos quarenta
anos envolvidos: de 12, a menor, a 414 páginas. Entretanto,
ressalte-se que elas tornaram-se mais volumosas no decorrer do
período: entre 1891 e 1912, apenas duas Mensagens (a de 1904 e
a de 1906) ultrapassam 100 páginas, e a média é de 64 páginas; a
partir de 1913 e até 1922, as mesmas Mensagens apresentam uma
média de 128 páginas cada uma; e a partir de 1923, num total de
oito Mensagens até 1930, a média é de 287 páginas.

Tabela 1. Quadro sinótico sobre as Mensagens dos


Presidentes de Estado de Minas Gerais

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

Fonte: Elaborado pelo autor, com base nas informações em www.crl.edu/brazil.

Podem as Mensagens ser compreendidas como uma


modalidade de discurso político, que está inerentemente
implicado com o poder, seja estadual ou federal, dado o
concerto republicano vigente e em construção. No tocante
à escolarização, observar-se-á o esforço estadual mineiro
expresso pelas Mensagens no enfrentamento das altas taxas
de analfabetismo, de população infantil sem escolas, de baixa
frequência escolar.

103 junqueira&marin editores


1 MINAS GERAIS - 1906 1

Cabe uma orientação geral a respeito do termo discurso,


uma vez que esta investigação objetiva explicitar uma análise das
Mensagens, compreendidas como expressão discursiva de caráter
linguístico, mas conjugada ao pensamento político. Trata-se de
assumir a linguagem nelas presente como forma de prática social, e
não como explicitação individual do(s) Presidente(s) de Estado, ou
de sua equipe de Secretários, os quais estariamsomente exprimindo
circunstâncias de uma situação ou do exercício de governo por um
determinado período.

Cabe, por conseguinte, compreender que tais Mensagens são


expressão de prática social, e como tais manifestam um pensamento
político e social, no caso republicano, em seu andamento no período
de 1891 a 1930. E tais Mensagens, consideradas como discursos,
revelam-se, por quatro décadas, como reveladoras de um sentido
republicano e federativo. Através delas, o pensamento político – a
um tempo utópico e real ante os problemas brasileiros de então
– conjuga, de forma linguística, uma prática discursiva, porém a
expressar uma estrutura social.

Nesse sentido, “[...] implica ser o discurso um modo de


ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo
e especialmente sobre os outros, como também um modo de
representação” (FAIRCLOUGH, 2008, p. 91). Além disso, trata-se de
afirmar “[...] uma relação dialética entre o discurso e a estrutura
social, existindo mais geralmente tal relação entre a prática social
e a estrutura social: a última é tanto uma condição como um efeito
da primeira” (p. 91).

De tal forma, as Mensagens enquanto práticas discursivas,


consideradas em conjunto no decorrer do período mencionado,
são moldadas, porém delimitadas pela estrutura social, o que não
significa colocar no palco a ‘determinação social do discurso’, nem a
‘construção do social no discurso’ (p. 92):

O discurso contribui para a constituição de todas as


dimensões da estrutura social que,direta ouindiretamente,o
moldam e o restringem: suas próprias normas e convenções,
como também relações, identidades e instituições que lhe

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

são subjacentes. O discurso é uma prática, não apenas de


representação do mundo, mas de significação do mundo,
constituindo e construindo o mundo em significado. (p. 91)

Para o mesmo autor, e assumindo a sua orientação em


relação às Mensagens dos Presidentes de Estado de Minas Gerais, a
prática discursiva constitui-se de três aspectos com relação aos seus
efeitos: a) contribui “[...] para a construção do que variavelmente
é referido como ‘identidades sociais’ e ‘posições de sujeito’ para
os ‘sujeitos’ sociais [...]”; b) também “[...] contribui para construir
as relações sociais entre as pessoas”; c) “[...] para a construção de
sistemas de conhecimento e crença” (p. 91).

Em conclusão a essas distinções, cabe ressaltar que são


três as funções da linguagem a coexistir e a interagir em todo
discurso: pela respectiva ordem, em acordo com a citação anterior,
identidades sociais, relações sociais e ideação (no caso das
Mensagens em apreço, elas expressam um pensamento político e
social, uma significação do mundo e de seus processos).

O período em pauta configura-se como um exercício político


de natureza liberal, republicana e federativa, e as Mensagens
podem ser compreendidas como referências ao movimento
ideativo republicano em seu processo de exercício administrativo,
em princípio renovado a cada quatro anos. Dessa maneira, as
Mensagens em apreço não são evocativas do passado, uma vez que
se tratava de autoafirmação do norteamento republicano diante do
passado monárquico-constitucionalista referido desde 1824 (data
da primeira constituição brasileira) a fins de 1889.

Por conseguinte, as Mensagens apresentam-se como


explicitação do futuro que precisa ser constituído desde o presente.
Nessa direção, a utopia republicana, bem como a consciência dos
problemas brasileiros, de natureza estadual ou federal, ou mesmo
municipal, que envolvem a questão política, fazem-se pulsar pelas
Mensagens. E a questão educacional não é uma questão menor ou
secundária: 82,6% é a taxa de analfabetismo no início da República,
mas 40 anos depois o mesmo se encontra, estimativamente, ainda
na faixa dos 65% (FERRARO, 2009, p. 87).

105 junqueira&marin editores


1 MINAS GERAIS - 1906 1

Em relação à temática educacional em tais Mensagens,


encontram-se aspectos dedicados aos seguintes registros: a)
quanto aos níveis e especificidades: instrução primária, escolas
normais, ensino secundário, ensino superior, ensino agrícola etc.;
b) quanto à localização: escola urbana, distrital, rural, colonial; c)
quanto ao ordenamento político: pública, particular; d) quanto ao
vínculo administrativo: escola estadual, municipal. Geralmente,
essa é uma constante, ainda que em algumas Mensagens não se
façam presentes todos os aspectos apontados.

Do ponto de vista educacional, outro aspecto também


importante, em tais Mensagens, é a associação das ideias políticas,
educacionais, pedagógicas e mesmo didáticas. O que não poderia
deixar de ser diverso,posto quea política e a educaçãoencontram-se
imbricadas entre si, fazendo com que uma solicite a outra, e mesmo
que uma torne necessária a outra. Afinal, entre a organização do
trabalho pedagógico e a organização do trabalho didático, tais
relações se fazem presentes (cf. ARAUJO, 2009a e 2009b).

A situação da escola primária brasileira após três décadas republicanas (1922)

Em termos societários, a escola primária – em suas várias


modalidades – ganhará uma paulatina centralidade no período
da Primeira República por vários motivos: pela elevada taxa de
analfabetismo, pelo crescimento demográfico brasileiro, pelo
desenvolvimento capitalista periférico (cf. a propósito WIRTH,
1982; LOVE, 1982; e LEVINE, 1980) que se constituirá significativa
e progressivamente. Tal centralidade gradualmente crescente se
evidenciará em termos de interiorização e de expansão, pelo menos
em alguns Estados, como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro
entre outros.

E a questão da escolarização ganhará foros significativos


com a emergência da política educacional pública em torno dos
grupos escolares, um fenômeno paulatinamente universalizado no
Brasil desde a última década do século XIX até as três primeiras
décadas do século XX. Em Minas Gerais, tal realização se efetiva

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

concretamente a partir de 1907, a partir dos norteamentos


legislativos desenvolvidos desde o final de setembro de 1906.

Entretanto, se de um lado a escola primária é alavancada pela


instauração dos grupos escolares, por outro deve ser ressaltado,
com base em informações estatísticas, que tal realização não é
pujante como se pode averiguar a seguir, mesmo entre os Estados
que lideravam quantitativamente sua instalação, como São Paulo,
Minas Gerais e Rio de Janeiro:

Tabela2.Dadosrelativosàdifusãodoensinoprimárioem1922

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Elaboração do autor de acordo com informações em MELLO E SOUZA, J. B; GUIMARÃES (1922, p. 427-438).

Algumas observações fazem-se necessárias a respeito das


informações contidas nesse quadro: os Estados de São Paulo,
Minas Gerais e Rio de Janeiro somam 71,1% dos grupos escolares
instalados no país em 1922.

Por outro lado, correlacionando-se apenas os dados sobre


a totalidade dos grupos escolares e das escolas isoladas, aqueles
correspondem a apenas 5,5% das escolas isoladas do país. Ou seja:
depois de mais de três décadas de regime republicano, a forma
superior de escola primária, ao lado da escola-modelo, ainda é
muito pouco difundida.

Ainda em 1922, os três Estados – SP, MG e RJ – que


apresentam escores mais elevados quanto ao número de grupos
escolares, revelam também uma quantidade significativamente alta
de escolas isoladas, posto que chegam à casa dos 89,3% dos grupos
escolares no Rio de Janeiro, 89,2% em São Paulo, e 89,1% em Minas
Gerais. Os escores relativos às escolas reunidas não permitem a
correlação, por ausência de evidências empíricas, como se averigua
pela Tabela 2. A mesma observação também vale para as escolas
municipais.

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

Em relação ao número de escolas primárias particulares


em comparação com o número de escolas primárias públicas,
pelo menos três Estados – SP, SC e PE – apresentam percentuais
importantes em relação à dimensão pública e privada: 45,8% das
escolas primárias são particulares em São Paulo; 35% em Santa
Catarina; 31% em Pernambuco; em seguida, o mais próximo é
19,2%, para o Estado da Paraíba. Tais escores percentuais são
possíveis, dado que o conjunto de informações estatísticas está
completo para os Estados em apreço.

As estatísticas do Tabela 3, a seguir, também são importantes


para estabelecer o dimensionamento da escola primária no Brasil
no ano de 1922, ano centenário em relação à independência
brasileira. A relevância dessas informações permite estruturar
uma visão panorâmica sobre a mesma, bem como situa Minas
Gerais no contexto da política republicana depois de três décadas
sob a orientação de tal regime. Além disso, permite também situar
empiricamente os problemas de ordem escolar, nos diferentes
Estados e, particularmente, o de Minas Gerais:

Tabela 3. População infantil, freqüência escolar


e o analfabetismo em 1922

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Elaboração do autor de acordo com MELLO E SOUZA, J. B; GUIMARÃES, Orestes (1922, p. 427-438)

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Também alguns comentários se fazem necessários em vista


de uma contextualização a respeito da escola primária em 1922: os
percentuais são altíssimos em todas as unidades federativas no que
toca à população infantil sem escolas, uma vez que as cinco últimas
– MG, SP, SC, RS, DF – fogem dos 70%, mas localizam-se entre 64% e
41%. Para as outras unidades federativas, a escola não é realidade
em muitas delas, a não ser de uma maneira ínfima.

Percentualmente, a frequência escolar também não é uma


realidade em relação ao número de matrículas: Piauí (28,8%),
Goiás (46,9%) e Ceará (52,3%) apresentam, pela ordem, um
percentual de frequência baixíssimo em relação às outras unidades
federadas. Por outro lado, estas expressam uma frequência escolar
que oscila de 61,6% no Estado do Rio de Janeiro, a 86,7% no Estado
da Paraíba, porém a média brasileira em relação à infrequência
escolar dentre os matriculados atinge a casa dos 37,3%.

Tabela 4. Correlações percentuais


entre a população infantil sem escolas e as despesas
estaduais com o ensino primário em 1922

111 junqueira&marin editores


1 MINAS GERAIS - 1906 1

Elaboração do autor de acordo com as informações em MELLO E SOUZA e GUIMARÃES (1922, p. 427-438)

Em relação a Tabela 4, também algumas observações se


fazem necessárias, seja em vista do panorama brasileiro de então

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

no tocante à correlação entre a população infantil sem escolas e as


despesas com o ensino primário, seja em vista de situar a condição
mineira naquele momento, depois de 15 anos de instauração
da política educacional em torno dos grupos escolares: a média
nacional era de 11% no tocante às despesas com o ensino primário,
com uma população infantil média sem escolas na ordem de 71,1%.

Apenas cinco unidades da federação se apresentam acima


da referida média relativa à despesa estadual: pela ordem de
grandeza, Santa Catarina (20%), Ceará (17%), Distrito Federal
(17%), São Paulo (16%), Minas Gerais (15%), Mato Grosso (12%)
e Rio Grande do Sul (12%). Por outro lado, são várias as unidades
federativas muito abaixo da média: Pernambuco (3%), Bahia (5%),
Goiás (7%), Maranhão (8%). Evidencia-se assim a correlação entre
a alta porcentagem de crianças fora da escola com o baixo custeio,
de ordem estadual, do ensino primário; também a despesa maior
fica evidenciada, em linhas gerais, com o menor número de crianças
sem escolas.

Ainda que a Tabela 4 combine informações de 1922 e


1924, elas oferecem um parâmetro sobre a expansão dos grupos
escolares, por estado, em relação ao número de municípios. Tal
dimensionamento permite melhor ponderar a respeito de sua
expansão, particularmente nos estados do RJ, SP, MG e RN:

Tabela 5. Número de municípios por estado em 1924,


número de GEs em 1922 e percentuais correlacionados

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

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Elaboração do autor com base em SERVA (1924, p. 121), em relação ao n° de municípios, e em MELLO E
SOUZA; GUIMARÃES (1922, p. 427-438) sobre o n° grupos escolares.

Tais estatísticas permitem entrever análises qualitativas,


as quais serão desenvolvidas mais adiante, particularmente
direcionadas à situação de Minas Gerais: em 1922, essa unidade
federativa contava com 29,3% dos grupos escolares instalados
no país (eram eles em número de 171, conforme Tabela 2); estes
correspondiam internamente ao referido Estado a 14,9% das
escolas isoladas existentes (somavam estas 1566 àquela altura).
Entretanto, sua população infantil sem escolas chegava, no mesmo
ano, à casa dos 64%. E suas despesas estaduais com o ensino
primário correspondiam a 15% em relação à renda do Estado,
evidenciando-se este como o quinto que mais gastava com tal
rubrica.

Republicanismo: origens e enraizamento brasileiro

República é um termo de origem latina que significa coisa


pública (em latim: res, rei significa coisa; e publica, em oposição
a privatus, i), e somente se encontra registrado em português a
partir do século XV. É permissível afirmar-se que a república dos
antigos seja diferente da república moderna. Cícero (106-43 a.c.)
representa a orientação antiga: “é, pois, [...] a República coisa
do povo, considerando tal, não todos os homens de qualquer
modo congregados, mas a reunião que tem seu fundamento no
consentimento jurídico e na utilidade comum” (1973, p. 155). Em
seguida, complementa que tal reunião deriva de um ‘certo instinto
de sociabilidade’ – segundo ele, inato -, o que fundamentaria a
disposição para a busca do apoio comum. Portanto, o interesse
comum está associado à lei comum.

115 junqueira&marin editores


1 MINAS GERAIS - 1906 1

No período medieval, a república tornou-se cristã, uma vez


que se tratava de solidificar os poderes da Igreja e do Império.
Uma obra representativa da república cristã é a de João Quidort
(1270-1306), escrita entre 1302 e 1303, e intitulada Sobre o poder
régio e papal (1989). Ela demarca a significação dos poderes
compartilhados entre ambos, mas dualizados entre as coisas
temporais e as coisas espirituais.

Na Idade Moderna, o conceito de república é secularizado,


restaurando-se a orientação de Cícero. Porém, é desde Maquiavel
(1469-1527), pela obra Comentários sobre a primeira década de
Tito Lívio (1982) e, depois com Montesquieu (1689-1755) – através
Do espírito das Leis (1973) -, que o referido conceito se solidifica
na direção moderna: a igualdade, as leis como expressão da
vontade popular, a virtude como suporte para o bem do Estado em
detrimento do interesse particular, a democracia representativa, a
separação dos três poderes (legislativo, judiciário e executivo), a
democracia liberal, a soberania do povo, dentre outros aspectos, são
estruturantes da república em sentido moderno e contemporâneo.

Entretanto, com Kant (1724-1804) a constituição dá forma


à república:

O conjunto das leis que requerem uma promulgação geral


para produzir um estado jurídico, constitui o direito público.
Portanto, o direito público é um sistema de leis para um
povo, isto é, para uma multidão de homens, ou para uma
multidão de povos que, constituídos de tal maneira que
exercem uns sobre os outros uma mútua influência, têm
necessidade de um estado jurídico que os reúna sob uma
influencia única; isto é, de uma constituição a fim de ser
partícipes no direito. (KANT, 1943, p. 145)

E arremata nesse trecho o conceito de república:

Quando os indivíduos numa nação relacionam-se dessa


maneira, constituem uma sociedade civil (status civilis).
Encarada como totalidade em relação a seus próprios
membros, essa sociedade civil chama-se Estado (civitas).

junqueira&marin editores 116


1 MINAS GERAIS - 1906 1

Devido a que o Estado, por sua própria forma, é uma união


que procede do interesse de todos em participar de uma
sociedade juridicamente regulada, ele é chamado república
(res publica sic dicta). (KANT, 1943, p. 145).

Depois de afirmar que três são os poderes – legislativo,


executivo e judiciário – pelos quais a cidade adquire sua autonomia,
assevera: “Em sua reunião consiste a salvação do Estado; [...] não
deve entender-se por isto o bem dos cidadãos e sua felicidade; [...]
a salvação pública consiste na maior conveniência da constituição
com os princípios do direito, como um estado, ao qual a razão por
um imperativo categórico, nos obriga a aspirar (KANT, 1943, p.
153-154). “Essa Constituição [republicana] é a única Constituição
política duradoura, na qual a lei é autônoma e não está vinculada
a nenhuma pessoa em particular. [“...] Toda república verdadeira
não pode ser outra coisa senão um sistema representativo do povo,
para a defesa dos seus direitos” (KANT, 1943, p. 155).

Em suma, a fundação republicana moderna se deve aos


autores mencionados (Maquiavel, Montesquieu e Kant, mas
certamente a Rousseau19 também). A Kant cabem os fundamentos
da Constituição Republicana, baseada em princípios da liberdade
de seus membros em se associarem (sociedade), da dependência
de todos com respeito a uma única legislação comum, da igualdade
de todos enquanto cidadãos, princípios estes fundados na lei
(Constituição):

Essa maneira é baseada na Constituição, que é o ato da


vontade geral através do qual uma multiplicidade de pessoas
torna-se uma nação. Desse ponto de vista, o governo ou é
republicano ou é despótico. O republicanismo é o princípio
de organização do Estado que estabelece a separação entre

19 Em versão anterior à da publicação em 1762, Do contrato social, o seu


título teria sido Sobre o Contrato Social (primeira versão) ou Ensaio sobre a
Forma da República Conhecido Como Manuscrito de Genebra (1761) (2003).

117 junqueira&marin editores


1 MINAS GERAIS - 1906 1

o poder executivo (o governo) e o legislativo. [...] Dentre as


três modalidades de Estado, a da democracia, propriamente
falando, é necessariamente um despotismo, porque ela
estabelece um poder executivo no qual ‘todos’ decidem
por – ou mesmo contra – um que não concorda; ou seja,
‘todos’, que não são exatamente todos, decidem e isto é
uma contradição da vontade geral, consigo mesma e com a
liberdade. (KANT, 2008, p. 28)

O Brasil foi republicanizado ao final do século XIX – em torno


de um século depois da emergência da república francesa (1789) e,
pouco mais de um século, da norte-americana (1776) -, porém as
raízes republicanistas podem ser buscadas no período da Regência
nos anos de 1830, ou mesmo nos ideais republicanos que nutriram
a Inconfidência mineira ao final do século XVIII, ou ainda na Guerra
dos Mascates em 1710 (CASTRO, 1968).

Todavia, o Manifesto Republicano de 03/12/187020 – quase


20 anos antes da Proclamação da República em 15/11/1889
– é um documento-baliza em relação ao efetivo movimento do
republicanismo brasileiro. Este se configura – e a defender a
excelência dos ideais republicanos - desde então como doutrina
política, bem como orientação às fundações dos partidos
republicanos paulista (em 1873) e mineiro (1888) - além do rio
grandense-do-sul (em 1882)21 – os quais moveriam a política do
café com leite no decorrer da Primeira República; e, certamente,
associados aos partidarismos políticos estaduais, mas também às
estruturas que nutriam as oligarquias e o coronelismo.

20 Cabe observar que anteriormente a este Manifesto, em 1869 vieram


a lume dois manifestos de caráter liberal: o Manifesto do Centro Liberal,
de 31/03/1869, e o Programa do Centro Liberal de Reforma do Sistema
Representativo para o Partido Liberal, de 04/05/1869.
21 Os partidos republicanos de outros estados seriam fundados somente
nos anos de 1920 e de 1930 (cf. a propósito o Dicionário Histórico-Biográfico
Brasileiro, 1984, em particular os verbetes referente à criação dos partidos
republicanos estaduais).

junqueira&marin editores 118


1 MINAS GERAIS - 1906 1

Curiosamente, o Manifesto Republicano de 1870 não traz


nenhuma linha a respeito da educação e do ensino, a não ser uma
referência crítica ao tolhimento de sua liberdade por parte do
Império: dentre estas, fora “[...] a liberdade do ensino suprimida
pela inspeção arbitrária do governo e pelo monopólio oficial”
(1970, p. 10).

Todavia, além da crítica ao poder imperial e de evocações


ao passado que dariam sustentação ao republicanismo de então,
algumas palavras de ordem se fazem recorrentemente presentes.
Dentre outras: defesa dos direitos da nação, soberania do povo,
homens livres subordinados aos interesses da pátria, liberdade
civil e política, democracia, patriotismo, críticas aos privilégios de
religião, de raça, de sabedoria e de posição, vontade coletiva do
povo brasileiro, eleições livres, liberdade de consciência, liberdade
econômica, liberdade de imprensa, liberdade de associação,
liberdade do ensino, liberdade individual, princípio federativo,
autonomia das unidades federadas, o papel das municipalidades em
relação ao princípio federativo, governo representativo, soberania
nacional, liberdade democrática, necessidade de uma assembleia
constituinte, instauração de um novo regime, partido republicano
federativo (Manifesto Republicano, 1870).

Tal rede de locuções, de caráter liberal, (COSTA, 2007;


CARVALHO, 1990) estruturará o movimento republicano desde
então, e o referido Manifesto configura-se como o ponto de partida,
revelando-se ao mesmo tempo como tomada de posição, como
concepção política e como programa político-partidário. É com
esse arcabouço coerente e coeso, de ordem liberal, que a República
brasileira se manifesta, bem como triunfa em 1889.

O republicanismo nas Mensagens mineiras no período da Primeira República

Dois caminhos foram concebidos como possíveis para


a descrição e a análise do republicanismo presente em tal
documentação primária: a) primeiramente, partindo de uma
estruturação prévia que pudesse facilitar a demonstração do

119 junqueira&marin editores


1 MINAS GERAIS - 1906 1

engendramento do republicanismo associado à educação; ou b)


reunindo empiricamente as citações de trechos que permitissem
demarcar o campo de análise e de explicação, tendo em vista uma
interpretação do próprio republicanismo associado ao campo da
educação na documentação em apreço.

Optou-se por esse segundo caminho. O primeiro passo visou


a um levantamento empírico dos trechos essenciais (GOLDMANN,
1967, p. 3-25) em vista do objeto em pauta. Nesse sentido, visa
se constituir com os trechos essenciais escolhidos e aqui citados
uma amostra representativa sem fragmentar ou mesmo atomizar
os conteúdos discursivos de tais Mensagens. O critério de escolha
de tais trechos essenciais obedeceu aos conteúdos conceituais de
república expressos na seção anterior.

O segundo passo será propor uma hierarquização das ideias


políticas republicanas associadas ao campo da educação, em
particular da escola primária, no período da Primeira República
em Minas Gerais. Trata-se de propor uma organização da rede
de locuções que se fizeram presentes em tal seleção de trechos
essenciais, de modo a configurar o norteamento republicano tal
como se expressou em tais Mensagens. Trata-se de construir
o arcabouço concepcional a partir das evidências empíricas
constituídas.

Essas orientações levaram a reunir trechos essenciais em


dezesseis das quarenta e uma Mensagens. Evidentemente, tais
trechos essenciais não estão preocupados em explicitar uma teoria
republicana sobre a educação, uma vez que as próprias Mensagens
são apenas explicitações dos andamentos administrativos e de
uma interpretação, em torno dos quais também o andamento da
República brasileira está em movimento; também elas explicitam a
constituiçãoda política educacional,alémdasideaçõesrepublicanas
nos âmbitos federal e estadual e, por conseguinte municipal,
particularmente em Minas Gerais, um Estado importante e líder
àquela altura.

Em geral, revelam tais Mensagens explicitações ideológico


políticas e educacionais, relativamente à escola primária. Rarefeitas

junqueira&marin editores 120


1 MINAS GERAIS - 1906 1

nos anos de 1890, evidenciam-se, porém, mais adensadas desde os


primeiros anos de 1900, certamente pelo enfrentamento e pela
instauração dos grupos escolares (a partir de setembro de 1906);
em seguida, basicamente a partir da segunda metade da década
de 1910, bem como pela década de 1920, tal discurso, a um tempo
ideológico-político e educacional, se revela com mais coesão e
coerência em tal documentação.

Os trechos essenciais aqui recolhidos representam as


Mensagens dos seguintes anos: 1893, 1903, 1904, 1905, 1907
1908, 1914, 1917, 1918, 1919, 1920, 1921, 1925, 1928, 1929 e
1930. Em termos de exposição, o critério eleito foi cronológico,
visando esclarecer os conteúdos, ressaltar as locuções
referidas anteriormente, quando presentes, além de evidenciar
documentalmente trechos das mesmas. Evidentemente, há
algumas lacunas, por exemplo, entre 1909 e 1914, porém o objeto
deste – republicanismo e escola primária – não foi encontrado nas
Mensagens do período.

Além disso, o critério também foi de natureza linear, de modo


a permitir que se observasse como os temas ou a mencionada rede
de locuções foram se apresentando e se sucedendo no decorrer
do período. Nesse sentido, os trechos essenciais estão dispostos
como foram se constituindo em tais discursos do Poder Executivo
mineiro, em sua interlocução com o Poder Legislativo.

Discursivamente, a primeira Mensagem mineira, aqui a


exemplificar o arcabouço ético-político, sustenta as seguintes
virtudes políticas: prudência, espírito de conciliação, sentimento
unânime da população, governo com justiça e respeito aos direitos
e interesses dos cidadãos e, dessa forma, configura-se a felicidade
do Estado, ou seja, uma expressão de moralismo político:

A prudência de que deram sobejas provas os iniciadores da


Republica em Minas, o espírito de conciliação de que foram
animados, correspondendo ao sentimento unânime da
população mineira, seguramente muito contribuíram para
não despertarem-se animosidades políticas, nem desejos de
desforra entre os que activamente militam na política.

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

Por minha parte, tenho procurado governar com justiça,


respeitando os direitos e legítimos interesses de todos
os cidadãos, acolhendo-os com animo imparcial, sem
fazer distincções; e praz-me dar testemunho de que meus
concidadãos têm sabido reconhecer a sinceridade de meus
intuitos e lealdade com que procuro encaminhar a felicidade
do Estado. (MINAS GERAIS, 1893, p. 26)

A Mensagem de MG de 1903 assevera que “a decadência do


ensino público é visível”: falta de prédios próprios, de condições
higiênicas, sem mobília e material escolar conveniente, os
professores não têm preparo, nem mesmo ‘educação pedagógica’,
nem estímulo, bem como lhes falta inspeção. A não frequência
escolar dos alunos matriculados é apenas uma resultante desse
estado decadente.

Explicitando que tal temática é relevante ao governo “[...]


para o engrandecimento do nosso Estado e espera do patriotismo
e esclarecido critério do Congresso providencias capazes de
melhorar as condições da instrucção primaria do Estado” (M. de
1903, p. 30). Conclamava a mesma Mensagem para a necessidade
de um plano assentado na formação do professorado e na
fundação da escola, tendo em vista alicerçar ‘a transformação
futura do ensino’ (p. 30).

Ainda a Mensagem de 1903 convoca a que “essa reforma


deve ser systematica e definitiva, para ir tendo applicação
methodica e gradativa na media dos recursos disponíveis, de modo
a generalizar-se no fim de certo tempo” (p. 31). Menciona que o
“[...] Estado de São Paulo, digno de imitação, [...] vai conseguindo
admirável progresso em matéria de ensino” (p. 31).

Na direção da conclamação à reforma, traça as seguintes


diretrizes gerais, na verdade um programa de ação, mais de três
anos antes da instauração da política mineira em torno dos grupos
escolares:

Remodelar o ensino normal no Estado, concentrando-o


numa escola-modelo na Capital;

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

Abolira faculdade de equiparaçãodos institutos particulares


aos officiaes pela concessão das regalias de que estes gosam;

Instituir o ensino aggrupado nos centros populosos,


transformando as actuaes escolas normaes em grupos
escolares;

Supprimir cadeiras injusticaveis em cidades e villas pouco


populosas, devendo-se contar com a iniciativa particular
auxiliando a acção do Estado;

Remodelar as disciplinas elementares, tornando-as


mais educativas, incluindo-se no programma noções de
agricultura e commercio, assim como o methodo de ensino,
distribuindo convenientemente as matérias;

Supprimir o provimento effectivo por concurso;

Melhorar os vencimentos dos professores normalistas


nomeados de accordo com a reforma;

Estabelecer a amovibilidade do professor, dando-lhe ampla


defesa;

Instituir a inspecção permanente, ao lado da periódica;


Fornecer prédios apropriados com todas as condições
hygienicas, mobília e material escolar; e

Iniciar o serviço, assim planejado, nos centros populosos,


entregando-se aos cuidados das Câmaras Municipaes o
provimento das cadeiras districtaes, que forem vagando,
até que o Estado possa achar-se em condições de ampliar
o ensino reformado a esses núcleos de população. (MINAS
GERAIS, 1903, p. 31-32).

Ressaltando aspectos de tal programa de ação, cabe destacar


que é a primeira vez que o tema - grupos escolares - apresenta
se nas Mensagens mineiras. Entretanto, em 1898, o mesmo fora
objeto de discussão na Assembléia Legislativa do Estado de Minas

123 junqueira&marin editores


1 MINAS GERAIS - 1906 1

Gerais em vista de projetos apresentados22. Nesse sentido, tratava


se, na Mensagem de 1903, da necessidade de instituir o ‘ensino
aggrupado nos centros populosos’.

Destaque-se também a iniciativa particular no campo do


ensino para as cidades e vilas pouco populosas como auxílio
à política estadual, bem como a necessidade de instituição
permanente da inspeção; outro aspecto importante à configuração
do republicanismo no campo educacional é a conclamação às
câmaras municipais – um tema de certa forma recorrente nas
Mensagens mineiras - para que viessem a prover as cadeiras
distritais que fossem se tornando vagas. Tal conclamação visava
retirar o ônus ao Estado, e transferi-lo aos municípios.

A Mensagem de MG de 1904 volta a insistir sobre os grupos


escolares, com mais evidência, porém associado a uma seção
de ensino profissional: “A instituição dos grupos escolares, com
uma secção de ensino profissional, será muito proveitosa para o
desenvolvimento da instrucção publica no Estado” (p. 39). Mais
adiante, confiram-se a propósito as referências à Mensagem de MG
de 1914.

É recorrente em muitas Mensagens anteriores o tema que


associa o papel do Estado e sua impotência diante da própria
situação financeira. Eis aqui um trecho exemplar entre outros:

A instrucção publica primaria, que, pelas razões de


ordem financeira assás ponderosas, não tem podido ser
convenientemente cuidada, deve constituir objecto da mais
desvelada solicitude dos poderes públicos.

22 A primeira discussão sobre grupos escolares em Minas Gerais, conforme


Borges (1998), ocorreu na Assembleia Legislativa mineira em 1898. Tratava
se do Projeto n. 357, não aprovado, o qual criaria duas destas instituições
em Belo Horizonte, MG.. No mesmo ano, em 08/08/1898, através do Projeto
n. 409 foi proposta uma nova discussão. Também não se efetivou o referido
Projeto.

junqueira&marin editores 124


1 MINAS GERAIS - 1906 1

Nenhum outro serviço reclama maior attenção na


actualidade, por ser o ensino primário a base do progresso
do estado; por isso, dissiminal-o, espalhar os benefícios da
instrucção, é um dos deveres primordiaes do Estado.

Peço vossa esclarecida attenção para esse assumpto,


parecendo que com algumas modificações no sentido de
tornar sua execução menos despendiosa, porém mais
efficaz e proveitosa, poderia satisfazer as necessidades do
ensino, o projecto pendente de discussão na Camara dos srs.
Deputados. (MINAS GERAIS, 1905, p. 25).

Em 1907, a Mensagem privilegia, pela relevância, elogios


à reforma da instrução primária de 1906, sob o governo de João
Pinheiro23, como tema-chave para a ‘sorte do povo’, fazendo
referência específica ao decreto n° 1960, de 16/12/1906, cujo
objeto foi o Regulamento da Instrucção Primária e Normal do Estado
de Minas Gerais:

A reforma teve de ser completa e total quanto aos methodos


de ensino, á disciplina escolar e á fiscalização severa do
serviço, estando o Governo cuidando da questão de casas
escolares apropriadas e do respectivo mobiliário, dentro de
restrictos recursos orçamentários. (MINAS GERAIS, 1907,
p. 5)

Adiante, ao modo republicano liberal, a mesma Mensagem


transfere ao povo, as glórias da referida Reforma de 1906,
afirmando-a como um espetáculo:

Para a alma mineira é extraordinário conforto o espectaculo


que offerece o inicio desse resurgimento, cujas glorias,
mais ao próprio povo cabem que ao governo, tendo
comprehendido rapidamente que o interesse visado era o da

23 A propósito da Reforma João Pinheiro em 1906, cf. ARAUJO, 2006.

125 junqueira&marin editores


1 MINAS GERAIS - 1906 1

collectividade, vendo-se a matricula nas escolas primarias


rapidamente quase que duplicada. (MINAS GERAIS, 1907,
p. 5).

No entanto, as municipalidades são elogiadas pela


participação em vista da instrução pública, como também é louvada
– e isso é intrigante - a iniciativa particular como um augúrio à
realização do ‘mais nobre dos affectos humanos’:

As municipalidades têm vindo em auxilio da acção


administrativa e seja-me permittido augurar em breve o
concurso directo da própria iniciativa particular; porque
este problema tem por si o mais nobre dos affectos
humanos, e, por isso, se confundirá no coração dos Paes
com o profundo amor de seus próprios filhos. (MINAS
GERAIS, 1907, p.5)

A Mensagem do ano seguinte, ainda antes da morte de João


Pinheiro, em 25/10/1908, o protagonista da política que implantou
os grupos escolares em Minas Gerais, revela otimismo com relação
ao papel das municipalidades mineiras: “As municipalidades
continuam, em regra, a auxiliar a diffusão do ensino primário, já
elevando a porcentagem da verba orçamentária, destinada a este
serviço, já offerecendo prédios para o funccionamento das escolas”
(MINAS GERAIS, 1908, p. 40).

Melhor contextualizando tal orientação político


educacional, observem-se os detalhes discursivos, na Mensagem
de MG de 1914 – após quase oito anos da instauração dos grupos
escolares em Minas Gerais - que distinguem os núcleos urbanos
mais populosos dos pequenos povoados: a escola singular (ou
escola isolada) com programas mais simples para as cadeiras
distritais; porém, os grupos escolares também com caráter
profissionalizante, com um programa mais completo para as
cadeiras urbanas. Em suma, tratava-se de fugir da uniformização
do ensino:

O ensino deve ser ministrado gradativamente, começando


na escola singular com programma simples, passando

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

depois para um programma mais completo, acompanhando


o desenvolvimento do alumno. É aconselhável em seguida
uma organização especial em grupos, onde o ensino deve
ter por feição pratica e de utilidade real, não lhe faltando
nunca o caracter profissional, preparando o alumno para a
pratica de um officio ou profissão honesta.

A uniformização do ensino para os grandes centros de


maior actividade e cultura intellectual, como para os
pequenos núcleos de população sem o mesmo cultivo, não é
acertada. O que parece ser mais proveitoso é a organização
de um programma gradual, mais simples para as cadeiras
dos districtos e mais completo para as urbanas. (MINAS
GERAIS, 1914, p. 39)

Porém, não deixam tais comunicações do Poder Executivo


mineiro de reconheceras restrições de ordem financeira, a extensão
territorial do Estado, bem como a ausência de vias de comunicação.
Constituem-se esses aspectos em declaração de uma consciência
real sobre a disseminação da escola primária mineira:

Estes empecilhos vão difficultando a sua mais intensa


propagação. Não há, porém, como contestar que, em
Minas, o ensino primário e o profissional elementar,
normalizam-se, systematizam-se de anno para anno, nas
escolas singulares, nos grupos escolares e nos vários
institutos disseminados pelas diversas regiões. (MINAS
GERAIS, 1917, p. 27)

Reconhece esta ainda que o aparelho pedagógico estatal


está em processo de aperfeiçoamento, e que “há dentro das raias
do Estado, em quase todos os logares – uma grande e significativa
convergência de esforços e energias latentes – quer por parte do
Estado e poderes locaes, quer por parte da actividade e iniciativas
particulares, em torno da grande causa da educação da mocidade”
(MINAS GERAIS, 1917, p. 27). Confessa, entretanto, que o
analfabetismo é asfixiante também em outros Estados brasileiros e
que, inclusive, ele é secundarizado em vista da ausência de recursos
financeiros para o seu enfrentamento.

127 junqueira&marin editores


1 MINAS GERAIS - 1906 1

Mais adiante, as considerações revelam o anseio por um


projeto republicano de educação nacional. Expressa, desse modo,
críticas à União, conclamando-a a estruturá-lo em vista do trabalho,
da produção e da riqueza nacionais. Ou seja, a escola primária
emerge como uma alavanca para o desenvolvimento capitalista
de então. No dizer de Lobrot, s/d, p. 14: o terceiro período de
desenvolvimento da escola no ocidente “[...] começa no século XIX e
dura ainda hoje. Chamar-lhe-ei o ‘período tecnicista’. A escola oscila
totalmente para o lado da ciência e da técnica, ou seja, abandona
os seus desígnios humanistas”; “[...] trata-se da prosperidade e do
destino da própria sociedade, da sociedade no seu todo” (Ibidem,
p. 36):

Nem há assumpto mais efficiente e relevante do que este,


que se refere á educação nacional. Será o factor maximo
para a solução futura de todas as nossas aspirações, a chave
do nosso progresso, na ordem econômica, social e política.

Não há ainda no paiz um systema nacional e uniforme de


instrucção e educação. Cada Estado organiza o ensino
primário e elementar e providencia sobre elle conforme
póde. O que é indispensável, é que haja o auxilio e o concurso
efficaz da União Federal na solução do primordial problema.

Uma vez disseminado, uniformizado e propagado com


intensidade em todas as regiões do paiz, o ensino, mesmo
elementar, operará uma radical e vantajosa transformação
do trabalho e creará valiosíssimos e novos elementos de
producção e de riqueza. (MINAS GERAIS, 1917, p. 28)

A Mensagem do ano seguinte, depois de descrever


informações financeiras a respeito das despesas com a escola
primária, novamente retoma a ideia de afirmar que há um
estrangulamento financeiro por parte dos Estados, e que a União
seria indispensável para a construção desse projeto em torno da
escola primária:

[...] os Estados se esgotarão em manter tão dispendioso


serviço e serão impotentes para leval-o a sua plenitude, si

junqueira&marin editores 128


1 MINAS GERAIS - 1906 1

não receberem o auxilio indispensável da União Federal. É


um problema de relevância máxima, que deve preoccupar
a attenção de todos os governos. É o saneamento moral
da população do interior, e sem elle, outro qualquer
saneamento não poderá trazer vantagens. (MINAS GERAIS,
1918, p.27)

No ano seguinte, a Mensagem retoma a questão do papel da


União, não sem evocar o papel do município: unidade de direção,
combinação de esforços, aproveitamento máximo de recursos são
as palavras de ordem em vista de um projeto nacional de escola
primária, projeto este aqui assumido como ‘campanha’:

[...] ficaremos aquém das necessidades do ensino em


um Estado vasto como o nosso, si não contarmos com a
collaboração organizada da União e do Municipio, de modo
a haver unidade de direcção, combinação de esforços e
aproveitamento do Maximo possível de recursos em prol
da grande campanha nacional. (MINAS GERAIS, 1919, p. 31)

Nessa direção, a educação é o problema máximo da


nacionalidade. Tratava-se de realizar a educação nacional, como
já apontara José Veríssimo pela sua obra, A Educação Nacional, de
1890. O republicanismo – compreendido como doutrina que afirma
a excelência dos valores republicanos - deveria assumir a questão
educacional, depois de seus 30 anos de existência: “A educação
popular que, em quadras normaes, deve constituir um campo de
eleição para a actividade de todo governo consciente, tornou-se,
agora, o problema vital, o maximo problema da nacionalidade”
(MINAS GERAIS, 1920, p.30)

Os dois parágrafos subsequentes a essa citação delineiam, de


uma forma lapidar, os móveis econômicos da necessária reforma
da ‘educação popular’, através das expressões “immenso celeiro do
Brasil’ ou ‘grandeza do territorio’:

Num momento em que, de todos os pontos da terra, a


angustia econômica tange a humanidade para o immenso
celleiro do Brasil, á procura dos materiaes de reparação e

129 junqueira&marin editores


1 MINAS GERAIS - 1906 1

de riqueza, é preciso – custe o que custar – que façamos


desapparecer o lamentável, o vergonhoso contraste entre
a opulência, as pompas, a grandeza do território e a
miséria, a pequenez, a desconsolada fraqueza do homem
que o habita.

Cumpre, a todo transe, fazer do brasileiro um homem


digno da sua grande pátria, capaz de fundir no seu
passado, de integrar no seu sentimento, de assimilar na
sua raça a volumosa corrente extrangeira, que vai chegar,
em vez de ser por esta absorvido e eliminado, como um
servo da gleba em que nasceu. (MINAS GERAIS, 1920, p.
30)

E o monstro a ser enfrentado é o analfabetismo em nome


de uma ‘construção patriótica’:

A pedra angular dessa immensa e generosa construcção


patriótica há de ser o combate sem tregoas e por todos os
meios á ignomínia do analphabetismo, causa primaria de
nossa innegavel depressão social.

Emquanto a nação contiver em seu seio um numero


inconfessável de analphabetos, estará cancerada
nas fontes da vida, irremediavelmente perdida na
concorrência com os outros povos, incapaz de surtos
progressistas, chumbada aos preconceitos e á rotina pelo
peso morto do obscurantismo de seus filhos.

O horror de tal certeza cada dia me confirma mais


fundamente na convicção de que todas as forças vivas do
paiz devem actuar accordes e sem vacillações na tarefa
de alto patriotismo da educação do povo.

As energias dos indivíduos, dos poderes municipaes e dos


estaduaes, sob a acção coordenadora da União, devem
volver, a uma, para esse nobre esforço, em que pese a
quaesquer leis que não seja a suprema lei da salvação
publica. (MINAS GERAIS, 1920, p. 31)

junqueira&marin editores 130


1 MINAS GERAIS - 1906 1

Observem-se as locuções que qualificam o analfabetismo


em termos nacionais: causa primária da depressão social, nação
cancerada nas fontes de vida, incapaz de surtos progressistas,
obscurantismo dos seus filhos, educação do povo como um
exercício de patriotismo. Nesse sentido é que devem ser
compreendidos o conteúdo e o sentido do último parágrafo:
trata-se de reunir as energias dos indivíduos, dos municípios,
dos estados, sob a coordenação da União, e torná-las uma só. Os
reclamos dirigem-se, pela afirmação, para a necessidade de um
projeto nacional.

O municipalismo continua a ser a tônica na Mensagem


de MG de 1921: informa que as escolas municipais, em 1908,
somavam 668, e contavam então com 17.338 alunos, e que tal
quadro não se alterou até 1919. E mesmo com o aumento das
rendas dos municípios, também não houve alteração.

Entre 1906 e 1915, as despesas municipais totalizadas


pelo Estado perfizeram apenas 3,73% em relação à receita.
Observa ainda a mesma Mensagem de 1921 que, no ano de 1920,
os municípios diminuíram suas despesas para 3,71% em relação
à receita. Em suma, havia um estrangulamento da política
educacional por partes dos municípios.

Lembra ainda a mesma Mensagem de 1921 a respeito de


uma circular da Liga Nacionalista de São Paulo que propunha,
em 1920, a decretação, por parte de todos os municípios
brasileiros, de uma lei que fixasse em 20% das respectivas
receitas municipais as despesas com a educação do povo, o que
envolveria escolas primárias, escolas noturnas para analfabetos
e bibliotecas.

Em seguida a tais informações e argumentos, arremata


conclamando os municípios, trazendo à tona a modelar e
corriqueira comparação com as ações político-educacionais dos
países cultos e mais adiantados. Argumenta ainda em defesa do
serviço democrático que isso representa, bem como sustenta
que os municípios estão próximos às massas populares e, por
conseguinte, das escolas.

131 junqueira&marin editores


1 MINAS GERAIS - 1906 1

Novamente, a União é convocada a orientar, a coordenar e


a nacionalizar a educação popular, mas a contar com a política
municipalista. Ou seja: municípios, estados e União, através de
um espírito federativo, deveriam se colocar à obra em vista da
educação popular:

O adeantamento de uma nação se mede pelo interesse


com que as suas communas intervêm no problema da
instrucção.

Nos mais cultos e adeantados paizes cabe aos municípios


a parte mais activa e efficiente nesse serviço democrático
e os poderes municipaes se gloriam dos benefícios que
distribuem para a educação e o ensino.

Em contacto mais directo com as massas populares e


com as escolas, podem elles influir decisivamente na
freqüência escolar e na correcção dos mestres, agindo com
a inspecção e o estimulo, dous elementos vitaes de todo
instituto educativo.

Emquanto o problema do ensino primário se tratar, entre


nós, á revelia do município, (que o vitalizaria creando em
torno delle o indispensável espírito publico) – e á revelia
da União, que o orientaria, coordenaria e, sobretudo,
nacionalizaria, - toda solução que se lhe der será obra mal
fundada e mal acabada, sem rendimento que compense o
esforço despendido. (MINAS GERAIS, 1921, p. 49-50)

Ainda em busca dos parâmetros republicanistas que


animaram a política educacional mineira na Primeira República,
um trecho da Mensagem de 1925, à p. 58, merece destaque, uma
vez que situa as relações entre educação e povo, afirmando a
primeira como ‘thesoiro da nossa felicidade e da nossa força’;
basta utilizar-se da ‘chave miraculosa’, a educação:

Um povo vale o que vale a sua mentalidade”. O conceito, nem


por muito repetido, deixa de synthetizar uma affirmação,
que não é medíocre, e de provocar um problema, que é

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

dos mais largos. E quanto mais procuramos conhecer,


seus princípios e finalidades, a indole, a organização,
a consciência e os impulsos do nosso povo, mais nos
convencemos de que a instrucção é e por muito há de ser
a chave miraculosa com que se desvendará o thesoiro da
nossa felicidade e da nossa força.

Novamente nessa mesma Mensagem, a temática de ordem


federativa aponta que os problemas de ordem educacional
envolvem as diferentes instâncias da federação, além do concurso
do setor privado:

Não pode caber exclusivamente ao Estado a tarefa de


solucionar, por inteiro, o problema educacional. Todos
os seus recursos, reunidos, não bastariam para obra de
tamanho vulto. Sómente a coordenação de energias e
auxílios, por parte do Estado, das Camaras, dos particulares
e da União, levará o movimento a um triumpho melhor.
(MINAS GERAIS, 1925, p. 62)

Em atenção a tal dimensão, salienta o papel das


municipalidades em resposta a tais norteamentos, bem como
elogia a contribuição de inúmeras Câmaras Municipais do Estado
de Minas Gerais, que votaram por verbas para a manutenção de
escolas primárias e de caixas escolares:

O Congresso das Municipalidades, congregando e


estimulando vontades antes adormecidas, fortaleceu o
sentido desta necessidade da cooperação municipal. Pouco
a pouco, o estuário da grandeza commum vae recebendo e
recolhendo a vitalidade de correntes poderosas, e tenho a
confiança de que as edilidades mineiras, desejando logar
cada vez mais nobre no reconhecimento geral, entrarão
com ardor sempre crescente nesta cruzada santa de
intelligencia e de prosperidade. (MINAS GERAIS, 1925, p.
62-63)

Registra também que a contribuição das Câmaras


Municipais teria aumentado em mais de 100% em relação à

133 junqueira&marin editores


1 MINAS GERAIS - 1906 1

manutenção das escolas primárias; relativamente ao auxílio às


caixas escolares24, tal aumento chegaria à casa dos 63%:

Na ultima Mensagem presidencial, eram de 736:897$000


e 48:479$000 as verbas votadas por Camaras Municipaes,
respectivamente, para a manutenção de escolas primarias e
auxilio ás Caixas Escolares. Esses algarismos sobem agora a
1.506:300$119 e a 86:091$000, respectivamente, sendo de
notar que algumas ainda não fizeram communicações das
suas quotas á Secretaria do Interior. (MINAS GERAIS, 1925,
p. 63)

Em referência à reforma instaurada em 1926, a


Mensagem de 1928 explicita uma concepção de escola primária,
ou seja: constitui-se ela em um instrumento de educação em
continuidade com a vida social – certamente uma concepção
tributária da orientação escolanovista, porém que afirma os
nexos entre educação e sociedade:

O ponto de partida da reforma consiste na affirmação, que


transparece do regulamento e das instituições e processos
escolares nelle instituídos, de que a instrucção primaria
deve ser, antes de tudo, um instrumento de educação. Este
postulado implica que a escola primaria deve estar em
continuidade com a vida social. (MINAS GERAIS, 1928, p.
21)

E mais adiante, nessa mesma Mensagem, à p. 22,


encontra-se uma complementação importante: afirmando-a
como uma forma de vida em comum, concebe-a como lugar de
sociabilidade, ainda que sustente que ela devesse, conforme

24 Apenas a servir como parâmetro, 80 contos de réis (80:000$000) foi o


custo contratado, a 1° de janeiro de 1920, para a construção de uma casa
em dois pavimentos, totalizando 624 metros quadrados, em Uberabinha, MG
(atual Uberlândia).

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

posicionamento escolanovista, ser uma sociedade em


miniatura:

A escola, assim considerada, não se destina apenas a


ministrar noções, mas é também uma fórma de vida em
commum, cabendo-lhe preparar a creança para viver
na sociedade a que pertence e a comprehender a sua
participação na mesma, para o que se torna indispensável
a adopção dos usos e processos da vida em commum,
transformando a escola de classe sem sociabilidade em
sociedade em miniatura.

Enfaticamente, outro aspecto a ser ressaltado é a


institucionalização da Federação Escolar25, concebida em vista
da inspeção das escolas isoladas, muitas delas até então nunca
inspecionadas. Conforme esclarecimento em nota de rodapé n° 7,
torna-se evidenciada uma política de fortalecimento, de um lado
do papel diretor do grupo escolar local e, de outro, um exercício de
articulaçãobemcomodeinspeçãodasescolasisoladasousingulares;
além disso, representa uma afirmação do municipalismo:

Procurando remediar a evidente insufficiencia do numero


de inspectores technicos, em face da extensão territorial

25 A Mensagem de MG de 1930 esclarece mais detalhadamente o papel das


Federações Escolares, aqui acrescidas como Municipais, salientando-se o seu
vínculo com o setor público e privado, a assistência técnica aos professores,
o caráter de inspeção fundado no Regulamento, nos programas e nas normas
pedagógicas vigentes, os períodos de visita, além do papel inspetor em vista
da constituição dos relatórios: “Existem criadas 186 Federações Escolares
Municipais, presididas pelos directores dos grupos escolares das sédes.
Estes funccionarios visitam e prestam assistencia technica aos professores
das escolas singulares, publicas e particulares, existentes em cada município,
velando pela exacta observancia do Regulamento e do programma e
estabelecendo, nas escolas fiscalizadas, normas pedagógicas de accordo com
a evolução do ensino. As visitas realizam-se em dois períodos de 30 dias cada
um – abril e setembro – sendo o seu resultado transcripto em relatórios que
a Secretaria do Interior examina e soluciona” (p. 72-73).

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

do Estado e o grande numero de estabelecimentos de


ensino, o regulamento instituiu as Federações Escolares,
que se compõem, em cada município, das escolas isoladas
e do grupo ou grupos escolares, sendo o director de um
delles o presidente da Federação, com a incumbência de
inspeccionar, duas vezes por anno, as escolas isoladas do
município. (MINAS GERAIS, 1928, p. 24)

Ao concluir o sentido da reforma, salienta o papel do


professorado, mais enfaticamente do povo mineiro – um discurso
fundamentalmente republicano e liberal, além da mineiridade
nele afirmada – em vista da educação pública. Trata-se, como
se evidencia, de um aperfeiçoamento moral e político, uma
declaração a afirmar o liberalismo em sua vertente evolucionista:

Estas as linhas de maior relevo da reforma do ensino


primário, cujos frutos não podem ser immediatos,
demandando o seu amadurecimento o concurso do
tempo, o preparo e a sincera collaboração do magistério
e, sobretudo, o interesse, o zelo e o empenho do povo
mineiro pela obra da educação publica, que é também a
da sua riqueza e do seu aperfeiçoamento político e moral.
(MINAS GERAIS, 1928, p. 26)

O fundamento da democracia, conforme citação a seguir


(MINAS GERAIS, 1929, p.52), é a educação, além de se constituir
como a forma política por excelência: “[...] a educação, sem
duvida o problema fundamental e básico de uma democracia,
pois que, sem educação, a democracia será apenas um nome sem
conceito, o rotulo de uma anarchia ou de uma tyrannia, em vez
de exprimir a fórma politica por excellencia”.

A Mensagem de 01/08/1930, a última antes da


ascensão getulista, afirma que “[...] a educação pública é a
condição mesma de vida de uma nacionalidade” (p. 28); e, em
parágrafo subsequente, também à p. 28, reafirma a inerência da
democracia ao campo da educação escolar. Ressalte-se ainda o
ideal claramente expresso de construção da coletividade, além
da afirmação da cidadania:

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

Não pode existir democracia sem educação. Nada vale


um systema perfeito de instituições, sem cidadãos na
altura de comprehendel-as e manejal-as. Não vale a pena
emprehender a solução de outros problemas capitaes para
a vida e para o desenvolvimento de uma collectividade, sem
que primeiro se effectue a educação do povo, a qual tem nas
suas mãos, as chaves de todos elles.

Ainda conforme a mesma, a ‘educação das massas’ (p.


28) – registre-se a influência das teorias das elites, dos italianos
Gaetano Mosca (1858-1941) e Vilfredo Pareto (1848-1923) - é o
único caminho em vista dos embates da profilaxia rural, da justiça,
da imprensa, do voto, da agricultura, do alcoolismo. E de modo a
explicitar as concepções liberais, fazem-se presentes a liberdade, a
igualdade e a fraternidade associadas ao papel condutor do Estado.
A referência à Constituição Republicana de 1891 é apenas um
corolário ao triunfo do republicanismo brasileiro ao final do século
XIX: democracia, cidadãos, direitos e deveres enfeixam o ideário
perseguido no decorrer da Primeira República:

Nuncanos devemosesquecerdequeumregimen de liberdade


só póde estabelecer-se dentro de um regimen de egualdade
e de fraternidade, e que, para que os cidadãos sejam irmãos
e eguaes, preciso é que o Estado offereça a todos elles, sem
excepção nem privilégios, egualdade de opportunidades para
o seu desenvolvimento. Essa é a lição da experiência e essa
é preclara lição que se consagrou, luminosamente, na Carta
de 91, elaborada na hora do mais vivo patriotismo brasileiro,
porque uma democracia de modo algum se manterá, sem que
os seus cidadãos tenham uma nítida noção de seus direitos
e de seus deveres e a precisa coragem para reinvindical-os.
(MINAS GERAIS, 1930, p. 28-29)

A riqueza discursiva aqui evidenciada tem sua continuidade


na afirmação de que “a educação pública tem que ser por muitos
annos o grande problema nacional” (p. 29). Os detentores de
poder no futuro, conforme pressagia a mesma, deverão manter a
preocupação com tal dimensão da vida política, posto que sem a
educação pública,

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

[...] tudo o mais que se tente, apparelhamento jurídico,


político ou econômico, redundará, sem ella, em authenticos
jardins suspensos, destinados a conciliar applausos do
momento, mas que passarão da memória dos homens para
a memória dos papyros, como exemplo dos caprichos dos
reis. (MINAS GERAIS, 1930, p. 29)

Prática discursiva e prática social: da descrição à interpretação

“A parte do procedimento que trata da análise textual pode


ser denominada ‘descrição’, e as partes que tratam da análise da
prática discursiva e da análise da pratica social da qual o discurso
faz parte podem ser denominadas ‘interpretação’ (FAIRCLOUGH,
2008, p. 101). Esclareça-se, no entanto, que a descrição não é isenta
da análise, nem mesmo da própria interpretação. Tais processos
metodológicos se interpenetram, como também são mutuamente
necessários.

Os trechos citados e comentados, ou vice-versa, explicitam


os exercícios de descrição, de análise e de interpretação
desenvolvidos. “A citação trabalha o texto, o texto trabalha a
citação. [...] A citação não tem sentido em si, porque só se realiza
em um trabalho, que a desloca e que a faz agir” (Apud MONARCHA,
2009, p. 16). Os trechos, afirmados como essenciais, envolveram
dezesseis Mensagens, conforme se explicitou anteriormente, de
1893 a 1930.

Seria possível uma interpretação do republicanismo


manifesto nas Mensagens mineiras? Em primeiro lugar,
elas não visam construir uma teorização republicanista,
mas explicam ideacionalmente o que estava em processo
instituinte da própria República brasileira e, em particular, a
mineira. Nesse sentido, propõe-se o seguinte organograma,
que procura expressar uma síntese e, em suas entrelinhas,
uma interpretação, com o objetivo de evidenciar a respeito
das relações entre o republicanismo mineiro – expresso pelas
Mensagens - e a instrução primária:

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

Tal rede de locuções acima reunidas, a partir das diferentes


citações das Mensagens mineiras, propõe, através desse
organograma, uma hierarquização das ideias expressas em torno do
republicanismo brasileiro, de seu federalismo, do municipalismo,
do papel da União, do estado federado, das câmaras municipais.

O moralismo políticoseria a ideia diretrizdo projeto nacional,


em vista de um ‘concerto’ republicano; os estados federados – em
particular o de MG - estariam a compartilhar de tal republicanismo
instaurado em 1889, e a compor a formação da ‘orquestra’, bem
como a realizar os ensaios para a mesma.

E a educação aqui enfeixa tal rede de locuções,


particularmente como problema nacional, como uma efetivação
da democracia, como uma questão-chave para o progresso, mas
também como uma questão civilizatória.

Em termos estruturais ainda, mencionem-se os problemas


básicos a contrapor-se à utopia republicana: miséria, extensão
territorial, analfabetismo, dificuldades orçamentárias em vista da
inserção no capitalismo (trabalho, produção, riqueza), necessidade
do apoio de particulares à causa pública, bem como incentivo à
iniciativa particular no campo escolar.

A educação nacional, um problema para muitos anos

Evidentemente, o trecho da Mensagem mineira de 1930,


cuja imagem digitalizada se encontra ao final, está traduzindo, no
seu presente de então, uma expectativa pouco animadora com o
futuro brasileiro. Tinha-se um passado, mesmo republicano, com
mais de quatro décadas, porém as heranças e as reclamações sobre
a educação brasileira, particularmente a popular, sobre a instrução
primária, advinham do período monárquico-constitucional.

Entre o passado e o futuro, a Mensagem mineira de 1930


focaliza o presente brasileiro, com 65% de analfabetos: “A educação
publica tem que ser por muitos annos o grande problema nacional e

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

há de preoccupar intensamente quantos brasileiros de boa vontade


detenham, entre nós, uma parcella de poder” (MINAS GERAIS,
1930, p. 29)

Lourenço Filho (1897-1970), nascido pouco mais de sete


anos depois do 15/11/1889, assim avaliava, em 1949, o período da
Primeira República:

O balanço do movimento educativo dos quarenta primeiros


anos da República pode ser assim resumido: crescimento
relativo do ensino primário de modo lento (29 alunos
por mil habitantes, em 1907, e 50 alunos em 1930), com
variações muito grandes de uma para outra região do país;
desenvolvimento apenas sensível do ensino secundário,
que continuava a ser uma educação privilegiada para
certas classes e destinado apenas a preparar para o ensino
superior [...]. (1998, p. 42-43)

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932,


também não foi condescendente com a Primeira República:

[...] se depois de 43 annos de regimen republicano, se dér um


balanço ao estado actual da educação pública, no Brasil, se
verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas
e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear,
dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços,
sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não
lograram ainda crear um systema de organização escolar,
á altura das necessidades modernas e das necessidades
do paiz. Tudo fragmentário e desarticulado. A situação
actual, creada pela sucessão periódica de reformas parciaes
e freqüentemente arbitrárias, lançadas sem solidez
econômica e sem uma visão global do problema, em todos
os seus aspectos, nos deixa antes a impressão desoladora
de construcções isoladas, algumas já em ruína, outras
abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não
em termos de serem despojadas de seus andaimes [...]. (A
RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL DO BRASIL: ao povo e ao
governo, p 33-34)

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

Manoel Bonfim (1867-1932), em uma obra de 1931 – O


Brasil nação: realidade da soberania nacional (1996) – é deveras
severo com a Velha República de 40 anos:

[...] o Brasil lembra, em absoluto, que, há quarenta anos,


ainda aqui se vivia do trabalho escravo, sob a política dos
dirigentes que não sabiam como sair daí. Tudo nos diz que,
justamente por isso, devíamos ter atendido às necessidades
da educação popular... Mas, pois que é a mesma tradição
política, a educação nacional tem sido invariavelmente
desprezada e esquecida. (p. 517-518)

[...] o Brasil continua a ser o país de analfabetos e


impreparados, com uma média humana mais baixa do que a
de qualquer dos povos chegados à civilização. (p. 518)

Assentado na concepção de que ao Brasil falta organização,


Alberto Torres (1865-1917), em O problema nacional brasileiro, de
1914, também assevera uma crítica avaliação:

Nunca tivemos política econômica, educação econômica,


formação de espírito industrial, trabalho de propaganda e
de estímulo para a apliccaçao das actividades. Organizamos,
pelo contrario, uma ‘instrucçao publica’ que, da escola
primaria ás academias, não é senão um systema de canaes
de êxodo da mocidade do campo para as cidades e da
producção para o parasitismo. (p. 145)

No início do século XX, e abarcando a América Latina: males


de origem, uma obra de 1905, o mesmo Manoel Bomfim (1867
1932) fazia a seguinte conclamação em tom de protesto:

Não percamos esforço lamentando o que não se fez: vejamos


o que é preciso fazer, e, para maior vigor na campanha,
pensemos no que seria este pedaço de mundo, quando
esses muitos milhões de inúteis representarem unidades
sociais efetivas, no concurso das atividades humanas. Em
vez de esperar que os analfabetos, entusiasmados pela
ciência, se combinem e se cotizem, e venham organizar

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

escolas para si e para os filhos, e que, desiludidos da


própria ignorância, nos venham pedir instrução, vamos
nós oferecer-lhes essa instrução, que eles desconhecem e
que os reerguerá. Comecemos pelo princípio: difusão do
ensino primário. [...] É um movimento que de si mesmo se
acelera; da pura instrução intelectual, se desprenderão os
princípios de educação técnica e moral, que tornam viáveis
as democracias, formando-lhes cidadãos moralmente livres
e úteis (1993, p. 348)

Anteriormente à instauração da República em 1889, o


maranhense Antonio de Almeida Oliveira (1843-1887) publica O
Ensino Público em 1874. Confessa em seu prefácio de 13/10/1873:
“[...] espero tudo do Partido Republicano; [...] Mas o partido
republicano não quer só dedicações. Tendo ele por fim a liberdade,
deve ter por base a instrução, por meio, o trabalho e a ordem.
Instrução para iluminar; trabalho e ordem para facilitar o seu
caminho”(2003,p.32).Ressaltava a necessidade de “esclarecimento
das massas populares”. E, para ele, a República constituía-se numa
perspectiva otimista em vista do futuro: “Esclarecer, pois, o povo
em semelhante governo não é só o desencargo de um dever, é ainda
uma condição de sua existência. Se a segurança das monarquias
está nas trevas, a segurança das repúblicas está na luz” (p. 33).

Projetava ainda: “eu quero a descentralização do ensino,


até da província para o município” (p.54). Em relação à política
imperial em vista do municipalismo, ressalta:

O que o Estado fez, há pois negá-lo, foi desembaraçar-se


de um peso, que pouco lhe agradava. E o que um Estado
honesto faria era dizer às províncias – ‘Legislai como vos
parecer melhor, mas de modo que a descentralização chegue
ao município. Para esse fim, ajudareis ao município, como
ajudo a vós, deixando-vos muitas matérias tributáveis, ou
concorrendo diretamente com a minha quota nas despesas’
(p. 54)

Ainda nesse tom de crítica ao governo imperial, mas também


de expectativa por uma nova ordem governamental, o alagoano

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

Aureliano Cândido Tavares Bastos (1839-1875), precursor do


federalismo, em 1870, pela obra A Província: estudo sobre a
descentralização no Brasil, argumentava:

Não são escolas elementares do abc, como as actuaes, que


recommendamos às províncias. O systema que imaginamos,
é muito mais vasto. É o ensino primário completo, como nos
Estados-Unidos, único sufficiente para dar aos filhos do
povo uma educação que a todos permita abraçar qualquer
profissão, e prepare para os altos estudos scientificos
aquelles que puderem freqüental-os (1937, p. 232-233)

E a favor da descentralização:

Preferimos, em regra, a iniciativa do governo local à ação


collectiva, a variedade á centralização, porque esta conduz
quase sempre á inércia, e a variedade da inicitiva provincial
fomenta incessantes aperfeiçoamentos, desperta o zelo e a
emulação entre as provincias. Todavia, estamos de tal sorte
convencidos de que não há salvação para o Brasil fora da
instrucção derramada na maior escala e com o maior vigor,
que para certos fins aceitaríamos também o concurso do
próprio governo geral [...]. (p. 236-237)

Tratava-se para o próprio Tavares Bastos de um projeto de


emancipação:

A escola para todos, para o filho do negro, para o próprio


negro adulto, eis tudo! Emancipar e instruir são duas
operações intimamente ligadas. Onde quer que, proclamada
a liberdade, o poder viu com indifferença vegetarem os
emancipados na ignorância anterior, [...] não foi mais que
o contentamento de vaidades philantropicas, não foi a
rehabilitaçao de uma raça. (p. 256)

Todavia, sete anos antes, em 1863, o mesmo Tavares Bastos,


pela obra Cartas do Solitário, já reclamava, ainda nas entranhas do
poder imperial, da situação das províncias: “que a actualidade das
províncias do imperio é pessima, mostra-o a descrença que lavra

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

por todas ellas. Aonde outr’ora havia uma esperança, há somente


hoje uma decepção” (1938, p. 63).

Em relação ao problema educacional brasileiro, asseverava


que a instrução elementar é uma medida de progresso de um
povo:

Com effeito, estude-se bem o desenvolvimento moral do


povo de cada uma dessas grandes regiões. Reconhece-se
algum progresso, mas sem duvida diminuto em relação ao
tempo decorrido. E uma cousa o explica. O derramamentoda
instrucção elementar e o dos conhecimentos úteis marcam
a medida do progresso de um povo. Mas essas noções
fundamentaes constituem porventura uma necessidade
e um alimento do espírito das nossas classes inferiores, e,
particularmente, dos habitantes do campo e dos sertões?
(1938, p. 63)

Em suma, as avaliações sobre a Primeira República são


diversas, e ainda que suas premissas sejam diversas do ponto de
vista político e educacional, elas guardam posições importantes
para se avaliar as expectativas republicanas, desde o final do século
XIX, ainda no período imperial. Duas foram aqui exemplificadas
pelas posições de Tavares Bastos e de A. de Almeida Oliveira.

Asoutras posições,através decincodiferentes manifestações,


escritas em 1905, 1914, 1931, 1932 e 1949, expressam análises
avaliativas e expectativas de Manoel Bomfim, Alberto Torres,
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e Lourenço Filho.
Poderiam elas ser multiplicadas, seja em nível estadual/provincial
ou mesmo nacional.

Revelam, de modo geral, uma consciência dos problemas


brasileiros em seu movimento desde os anos de 1860 aos de
1940. Problemas estes de ordem política, geográfica, demográfica,
administrativa, econômica, social e, em particular, educacional.
Estes manifestam a concretude do que se opunha às utopias,
às expectativas, aos ideais, às crenças, aos princípios de ordem
política.

145 junqueira&marin editores


1 MINAS GERAIS - 1906 1

E esta tensão entre o possível e o real, entre o desejável e o


problemático ou o que obstaculiza, entre o utópico e o tópico não
deixa de estar presente em Minas Gerais: os Presidentes de Estado
ao longo da Primeira República, através de suas Mensagens, estão
inseridos em tal problemática. República, federação, constituição,
liberalismo, cidadania, educação, liberdade, igualdade, justiça,
democracia, progresso e civilização são apenas as questões de fundo
que estão promovendo a organização do trabalho pedagógico para
e na escola primária, porém não sem ela – lugar de organização do
trabalho didático - para a construção das utopias republicanas.

Analisar o passado do ponto de vista do presente, ou fazer


prospectivas em torno do futuro a partir do presente exprime as
posições dos diferentes autores citados; mas as Mensagens dos
Presidentes de Estadode MinasGeraistambémfazemesse exercício,
uma vez que o presente é o ponto de apoio para compreender o
legado que a República assumiu em relação à escola primária – o
passado estava em pauta, era uma realidade presente -, bem como
o presente é o ponto de apoio em vista do futuro mais breve ou mais
longo.

Desse ponto de vista, e distanciados da Primeira República,


a escola primária de então não conseguiu se efetivar em vista
do analfabetismo: quantitativamente somente em 1960 ele se
configura, pelo censo, com 39,7%. Dez anos antes, ele se constituía
com 51,5% da população brasileira (cf. discussão a respeito em
FERRARO, 2009). Nesse sentido, estaria reservado aos anos de
1950 o esforço para baixar, pela metade, o índice de analfabetismo,
porém ainda distanciado da metade herdada pela República em
1889, quando ultrapassava 80%. Para o ano de 2000, o censo
apontava 12,8%. Como empreender uma teoria da escola primária
para a Primeira República?

Haveria um projeto republicano? Se projectus é o que foi


lançado para frente, o que foi lançado? Intenções, ideias, anseios,
aspirações, propósitos em torno da escola primária se puseram
desde o final do período imperial, e mesmo antes deste. Nesse
sentido, seria problemático afirmar que houvesse um projeto
republicano. Um plano nacional de educação somente seria

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1 MINAS GERAIS - 1906 1

constitucionalizado em 1934 e, a rigor, efetivado somente em


2001.

É por isso que o problema posto pela Mensagem de MG de


1930 continuaria (ou continua): “A educação publica tem que ser
por muitos annos o grande problema nacional e há de preoccupar
intensamente quantos brasileiros de boa vontade detenham, entre
nós, uma parcella de poder.” (MINAS GERAIS, 1930, p. 29). ♠

Referências

ARAUJO, José Carlos S. Os grupos escolares e Minas Gerais como expressão de


uma política pública: uma perspectiva histórica. In VIDAL, Diana Gonçalves
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MINAS GERAIS. Mensagem dirigida pelo Presidente do Estado Dr. Delfim Moreira da
Costa Ribeiro ao Congresso Mineiro em sua 4ª. sessão ordinária da 7ª. Legislatura
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Bernardes ao Congresso Mineiro em sua 1ª. sessão ordinária da 8ª. Legislatura
no anno de 1919. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas Geraes,
1919.
MINAS GERAIS. Mensagem dirigida pelo Presidente do Estado Dr. Arthur da Silva
Bernardes ao Congresso Mineiro em sua 2ª. sessão ordinária da 8ª. Legislatura
no anno de 1920. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas Geraes,
1920.
MINAS GERAIS. Mensagem dirigida pelo Presidente do Estado Dr. Arthur da Silva
Bernardes ao Congresso Mineiro em sua 3ª. sessão ordinária da 8ª. Legislatura
no anno de 1921. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas Geraes,
1921.
MINAS GERAIS. Mensagem dirigida pelo Presidente do Estado Dr. Arthur da Silva
Bernardes ao Congresso Mineiro, em sua 4ª. sessão ordinária da 8ª. Legislatura
do ano de 1922. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas Gerais,
1922.
MINAS GERAIS. Mensagem dirigida pelo Presidente do Estado Fernando de Mello
Vianna ao Congresso Mineiro em sua 3ª. sessão ordinária da 9ª. Legislatura no
anno de 1925. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas Geraes,
1925.
MINAS GERAIS. Mensagem dirigida pelo Presidente do Estado Antonio Carlos Ribeiro
de Andrada ao Congresso Mineiro em sua 2ª. sessão ordinária da 10ª. Legislatura
no anno de 1928. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas Geraes,
1928.

149 junqueira&marin editores


1 MINAS GERAIS - 1906 1

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de Andrada ao Congresso Mineiro em sua 3ª. sessão ordinária da 10ª. Legislatura
no anno de 1929. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas Geraes,
1929.
MINAS GERAIS. Mensagem dirigida pelo Presidente do Estado Antonio Carlos Ribeiro
de Andrada ao Congresso Mineiro em sua 4ª. sessão ordinária da 10ª. Legislatura
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junqueira&marin editores 150


M RIO GRINDE DO NORTE - 19088 |
\ \–_>"º VAN
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/
) (

QUE PROJETOS REPUBLICANOS DE ESCOLÃ PRIMÁRIA?


(RIO GRANDE DO NORTE, 1907-1930)

Marta Maria de Araújo"


Marlúcia Menezes de Paiva"

# o Rio Grande do Norte, iniciativas para institucionalizar a


}}|escola primária graduada, nos aspectos de uma pedagogia
##\{ moderna, do método intuitivo e da educação da criança em
idade escolar em moldes inovadores, poderiam ser mais ou menos
situadas por volta dos anos de mil oitocentos e oitenta. Em 1886, o
Diretor-Geral da Instrução Pública, prof. Antonio de Amorim Garcia,
conhecedor de alguns postulados básicos das teorias pedagógicas
inovadoras posicionava-se a favor do método intuitivo ou “ativo
de ensino," por ser o mais harmonizado com a natureza infantil de
aquisição do conhecimento. Segundo ele:

26 Professora Associada III do Departamento de Fundamentos e Políticas da


Educação, do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Estudos Histórico-Educacionais.
E-mail: martaujo@digi.com.br

27 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação.


E-mail: mmarlupaiva3@gmail.com

151 junqueira&marin editores


1 RIO GRANDE DO NORTE - 1908 1

As escolas - templos da infância - estão ainda muito longe de


ter adquirido essa feição nova, tão justamente preconizada
pela lição dos mestres em pedagogia. [...] Entre nós são
ainda desconhecidos nas escolas públicas os processos do
método intuitivo, prevalecendo o mal do ensino puramente
teórico. (RELATÓRIO DO DIRETOR-GERAL DA INSTRUÇÃO
PÚBLICA..., 1886, p. 3, grifo nosso).

Eleito presidente do Rio Grande do Norte, Pedro Velho de


Albuquerque Maranhão - principal organizador do Estado em bases
republicanas (1892-1896) -, após aprovação em 7 de abril de 1892
da segunda Constituição do Rio Grande do Norte, expediu o Decreto
nº 18, de 30 de setembro 1892, destinado a reformar amplamente a
educação escolar pública. Acima de tudo, os propósitos reformistas
residiriam no cumprimento dos ditames de uma escola primária
de feição institucional em correspondência com padrões de
modernidade – programas de ensino simultâneo e de matérias como
lições de coisas, música, trabalhos manuais e ginástica; trabalho
docente e tempo escolar equitativamente bem distribuídos, mobília
e material didático convenientes às aquisições do conhecimento da
escolarização primária. Teoricamente, os propósitos reformistas
estavam circunstanciados pelos “[...] progressos da Pedagogia
Moderna.” (DECRETO Nº 18, 30 DE SETEMBRO DE 1892, 1892,
p. 209). A escola primária reformada demandaria assegurar a
proposição de educar uniformemente a infância escolar.

Para refletir acerca da institucionalização da escola


primária graduada no Rio Grande do Norte, no período de 1907
a 1930, privilegiamos a abordagem sócio-histórica da forma
escolar sistematizada por Guy Vincent, Bernard Lahire e Daniel
Thin (2001). Tal abordagem possibilita refletir, no todo ou em
parte, sobre a emergência de uma forma escolar indissociável
da socialização que ela instaura no conjunto das práticas
educacionais institucionais. Nesse propósito, procuramos
referenciar o trabalho nas fontes documentais delimitadas pelo
subgrupo de pesquisa – Institucionalização da escola graduada –
integrante do projeto de pesquisa Por uma teoria e uma história
da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a
escola graduada (1870-1930).

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1 RIO GRANDE DO NORTE - 1908 1
Admitindo a abordagem comparativa da história da
escola primária graduada no Brasil, aquele subgrupo de
pesquisa delimitou, como fonte de investigação para a escrita
dos trabalhos, a legislação educacional, as mensagens de
governadores e as Constituições Estaduais, para refletir
especialmente sobre: 1) Republicanismo, federalismo e
financiamento da escola primária; 2) Modalidades de escolas
primárias e algumas práticas pedagógicas.

Republicanismo, federalismo e financiamento da escola primária

No Rio Grande do Norte, do governo de Pedro Velho


(1892-1896) ao de Dr. Antonio José de Mello e Souza
(1906-1907) e deste aos governos de Alberto Frederico de
Albuquerque Maranhão (1908-1913), de Antonio José de Mello
e Souza (1920-1923), de José Augusto Bezerra de Medeiros
(1924-1927) e de Juvenal Lamartine de Faria (1928-1930),
por um lado, a institucionalização da escola primária pública
estava assegurada nas Cartas Constitucionais do Estado; por
outro, os propósitos reformistas tinham, como fundamentos,
os ideários da Pedagogia Moderna ou da Pedagogia Nova que,
mundialmente, ganhavam materialidade no conjunto das
práticas escolares.

Nesse tempo de vinte e quatro anos, as autoridades


dirigentes,à vistado regime republicano federativo,costumavam
asseverar, por um lado, o princípio da descentralização. O ente
federativo, o município pedagógico – expressão de empréstimo
a Gonçalves Neto e Magalhães (2009) – possuía administração
própria quanto aos serviços necessários à municipalidade, como
por exemplo, a educação escolar. Por outro, no cumprimento
da equalização das oportunidades educacionais valeram-se
do sistema misto Estado e município para o financiamento da
educação escolar primária. A Constituição de 1892, de espírito
rigidamente federalista, atribuía ao poder municipal: “Criar e
manter escolas de educação cívica e instrução primária gratuita
[...].” (CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO ESTADO..., 1892, p. 19).

153 junqueira&marin editores


1 RIO GRANDE DO NORTE - 1908 1

No século XX, a Constituição de 1926 asseverava o sistema


misto Estado/município em vista da ampliação das oportunidades
educacionais. Nos termos da Constituição de 1926 competia às
Intendências municipais: “Prover, cumulativamente com o Estado,
sobre a Instrução primária e profissional, higiene e assistência do
município.” (CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO ESTADO..., 1926, p. 16).

No período de 1907 a 1930, é perceptível, na documentação


pesquisada,quea cultura de uma educação escolar pública e coletiva
conclamava para que setores da iniciativa privada se empenhassem
na expansão da escola primária de contornos urbanos. Havia, pois,
um consenso nesses setores e também no meio popular de que
a escola era, por excelência, educadora das novas gerações nas
aprendizagens dos conhecimentos culturais, nos hábitos físicos
e higiênicos, nas lições morais e religiosas. Há, inclusive, indícios
documentais, indicando engajamento de solidariedade à ajuda
financeira na construção da escola pública primária graduada.

O Relatório do Diretor-Geral da Instrução Pública, Dr.


Francisco Pinto de Abreu, do ano de 1908, destaca a cidade de
Caicó, centro propulsor da região do Seridó, “[...] que donativos
espontâneos do povo ajudaram o zelo dos governantes de modo
a completar-se brevemente o mobiliamento e preparação do
instituto que deverá intitular-se [Grupo Escolar] Senador Guerra.”
Procedimento semelhante quiseram seguir alguns cidadãos de
Acari, próxima a Caicó. Na cidade de Acari, o edifício do Grupo
Escolar “Thomaz de Araújo” elevou-se “[...] graças à iniciativa
patriótica do governo municipal e auxílio generoso da briosa
população sertaneja.” (RELATÓRIO APRESENTADO PELO DR.
FRANCISCO PINTO DE ABREU, 1908, p. 18).

Há, ainda, extraordinários engajamentos de diretores


e professores dos grupos escolares e das escolas isoladas na
multiplicação dos donativos às caixas escolares destinadas à
compra do fardamento e livros escolares para alunos pobres, bem
como materiais pedagógicos. A caixa escolar do Grupo Escolar
“Tenente Coronel José Correia”, da cidade do Assú, funcionava,
regularmente, com conta corrente na Caixa Econômica. (VISITAS
ESCOLARES, 1920).

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1 RIO GRANDE DO NORTE - 1908 1
Modalidades de escolas primárias e algumas práticas pedagógicas

Governos de Antonio José de Mello e Souza e de Alberto Frederico de


Albuquerque Maranhão – preferências pelos grupos escolares

No reduzido período do governo de Dr. Antonio José de


Mello e Souza (1907-1908), a hegemonia de pensamento político
republicano na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte
possibilitou a aprovação de uma reforma da educação escolar (Lei nº
249, de 22 de novembro de 1907), autorizando o governo a reformar
a instrução pública para dar “[...] especialmente ao ensino primário
moldes mais amplos e garantidores da sua proficuidade [...].” (LEI
Nº 249, 22 DE NOVEMBRO DE 1907, 1908, p.5). A primeira medida
efetiva decorrente dessa reforma da educação escolar primária
seria a decretação do primeiro grupo escolar na capital Natal, sob a
denominação de Grupo Escolar “Augusto Severo,” cujo edifício tivera
a planta encomendada ao arquiteto Herculano Ramos.

Empossado no governo do Rio Grande do Norte (1908-1913),


Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão imediatamente decretou
orestabelecimentodaDiretoria-GeraldaInstruçãoPública,juntamente
com a edificação de uma rede de grupos escolares em todas as sedes
de município, de escolas isoladas nos demais lugares e de uma escola
normal em Natal (Decreto nº 178, de 29 de abril de 1908).

O Grupo Escolar “Augusto Severo” tornar-se-ia no governo de


Alberto Maranhão a instituição modelar para todo o ensino público
primário do Estado (Decreto nº 198, de 10 de maio de 1909). Na
cidade de Caicó, por exemplo, o governo autorizou a abertura
do Grupo Escolar “Senador Guerra” (Decreto nº 189, de 16 de
fevereiro de 1909), dotado de uma classe do sexo masculino; uma
do feminino; e uma classe mista infantil. O governo do município
incumbiu-se da aquisição da mobília e dos utensílios escolares,
conforme matéria constitucional.

Os tempos modernos dos Estados nacionais, da expansão


industrial edaluta daconcorrênciaconclamavampor umaeducação

155 junqueira&marin editores


1 RIO GRANDE DO NORTE - 1908 1

escolar graduada, que cultivasse simultaneamente na criança


em sua fase infantil, o desenvolvimento inter-relacionado do
intelecto, dos sentidos, do corpo, da disciplina “[...] e do espírito
[e] igualmente [ensinasse] praticar virtudes, cultivar o solo,
utilizar as letras e artes.” (RELATÓRIO APRESENTADO PELO DR.
FRANCISCO PINTO DE ABREU..., 1909, f. 1). Os grupos escolares
inaugurados pela reforma educacional em curso oportunizaram
a ampliação da escolarização primária, reiterando a própria
democracia, o regime republicano e a cultura moderna. Assim,
pensavam os então governantes republicanos.

O governador Alberto Maranhão, absolutamente


aficionado pela modalidade, não titubeou, ao final do seu
mandato, em levantar a voz pela permanência dos grupos
escolares enquanto escola da modernidade no Rio Grande do
Norte. Os investimentos em educação escolar primária foram
aproximadamente de 93.755$552 (Quadro 1, anexo).

A rede de grupos escolares, expandida pela sede de 23


municípios dos 37 existentes, circundada por certos materiais
pedagógicos que se faziam indispensáveis para as atividades de
escolarização induziu − nessa forma de escola − o governador
agregar mais crianças nas classes seriadas prefaciadas pelo
“Grupo Modelo.”

Foram criados mais doze grupos escolares, dez dos quais


funcionam regularmente. Dest’arte recebem instrução
primária, pelos métodos modernos, mais de mil crianças,
graças à solicitude com que as Intendências municipais
e o povo em geral tem correspondido ao apelo do
governo. (MENSAGEM APRESENTADA AO CONGRESSO
LEGISLATIVO..., 1910, p. 6, grifo nosso).

Governo de Joaquim Ferreira Chaves Filho


– preferência pelas escolas isoladas

No decorrer dos anos que percorreram o governo de


Joaquim Ferreira Chaves Filho (1914-1920), a reforma da

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1 RIO GRANDE DO NORTE - 1908 1
educação primária referenciada no/pelo Grupo Escolar Modelo
“Augusto Severo” sofreu revisões, talvez devido aos rearranjos
das forças políticas e econômicas locais. Os dirigentes que
assumiram a direção política do Estado tinham clareza de que o
progresso de um povo se apreende pelos melhoramentos de que
se revestem as formas materiais. Mas, incontestavelmente, além
disso, há os progressos educativos, que têm como o mais sólido
dos seus fundamentos, a extensão da escolarização primária
disseminada por todas as crianças em idade escolar.

Em sua primeira mensagem dirigida ao Congresso


Legislativo (1914), já sobreveio do governador Joaquim
Ferreira Chaves a advertência de permanência e de mudança,
no âmbito da reforma da educação primária iniciada no ano
de 1908. Com esse posicionamento, o governo intencionava
interferir na forma escolar anteriormente propugnada “sem
grandes abalos”. Sob o prisma de uma escolarização primária
dita uniforme e expandida, os grupos escolares e as escolas
isoladas receberiam tratamento mais ou menos harmonizado.
Atualizar essa tendência evidentemente demandou reformar a
educação escolar, em duas etapas. A primeira – 1914 – cingiu
se à formulação de um regimento interno único para os grupos
escolares e para as escolas isoladas, com seus correspondentes
programas primários e seus horários de aulas. A segunda etapa
– 1916 – centrou-se no ordenamento da Lei Orgânica do Ensino
(Lei nº 405, de 29 de novembro de 1916, reorganizadora do
ensino primário, secundário e profissional).

A equivalência na vida institucional dos grupos escolares


e das escolas isoladas haveria de ser alcançada desde que se
atenuassem as estrondosas situações sociais. Para muitos pais,
por exemplo, a permanência da criança na escola pública estava
restrita ao período de aquisição dos rudimentos da leitura, da
escrita e dos cálculos elementares. Noutra margem, havia pais
que lutavam por uma escolarização primária mais completa. Daí
as revisões da escolarização primária pertinente às mudanças e
às permanências principiarem pela própria condição social do
aluno da escola pública. Advertência das particularidades dos
fatos foi do próprio governador Ferreira Chaves.

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1 RIO GRANDE DO NORTE - 1908 1

Ora, sabido, como sabemos, quanto é geral, felizmente,


entre a população do Estado o desejo de dar aos filhos
os primeiros e mais indispensáveis rudimentos de
instrução, isto é, ensinar-lhe a ler, escrever e contar,
aquela diminuta matrícula parece, desde logo, significar
que o maior número ainda não reconhece a utilidade de
um ensino mais amplo, como pela sua organização devem
dar os grupos, julga demasiadas as exigências do ensino
primário integral, excessivo o tempo preciso para obtê-lo,
e abstém-se. (MENSAGEM APRESENTADA AO CONGRESSO
LEGISLATIVO..., 1916, p. 21).

Governo de Antonio José de Mello e Souza


– preferência pelas escolas rudimentares

No plano da política,a década de 1920 começa como segundo


governo do intelectual, escritor e educador Dr. Antonio José de
Mello e Souza. Em seu Programa de Governo (1919), manifestou
o compromisso de ampliar as oportunidades educacionais pela
expansão da educação escolar primária, prioritariamente pela
modalidade de escola rudimentar, a funcionar em casas decentes,
minimamente mobiliadas e com professores que saibam e tenham
gosto de ensinar.

Eleito governador, para o período de 1920-1923, a


primeira prioridade do governo de Dr. Antonio de Souza consistiu,
imediatamente, em difundir, por todas as povoações e núcleos
distritais,a escola primária de modalidade rudimentar comduração
de dois anos. O propósito governamental era, pois, socializar para
os filhos do povo conhecimentos mínimos da cultura letrada, com
certa uniformidade, gradualidade e ensino ativo.

Com lisonjeira frequência, surpreendentemente, em muitas


localidades, teria sido a própria população quem solicitou e quem
providenciou a casa para instalação da escola. No parecer de Dr.
Antonio de Souza, o Rio Grande do Norte, há algum tempo, já não
discutia nem apregoava ampliação da educação escolar primária,

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1 RIO GRANDE DO NORTE - 1908 1
mas seriamente efetivava. Entretanto, a difusão da escola primária
não foi inseparável da luta comunitária da escola primária para
todos. Pelos esclarecimentos de Dr. Antonio de Souza:

Todos querem escolas e quando, aqui e ali, o Estado


encontra alguém mais ou menos capaz de regê-las e as cria,
a afluência é imediata e numerosa; basta dizer que escolas
rudimentares abertas há poucos meses, já têm frequência
diária de 40 e 50 alunos. Noutras, os professores, no caso
as professoras, lutam com embaraço para atender até a
moças e rapazes, que procuram a instrução elementar.
(MENSAGEM LIDA PERANTE O CONGRESSO LEGISLATIVO,
1922, p. 13).

No anode 1923,Dr.Antoniode Souzadeclarava,solenemente,


aos deputados estaduais, que – do litoral ao alto sertão passando
pelos burgos agrícolas – tinham sido abertas, até então, 62 escolas
primárias rudimentares, preferencialmente mistas. No ano de 1920,
existiam apenas 05, com frequência por sala de aula de 30 alunos.
Em 1921, a matrícula, nas 22 escolas rudimentares abertas, foi de
646 e a frequência em torno de 30 alunos. Em 1922, mais 19 escolas
somaram-se às vinte e sete existentes e 855 alunos matriculados,
com frequência de 43 alunos. No último ano do governo de Dr.
Antonio de Souza, mais 16 escolas rudimentares foram postas
a funcionar atingindo a matrícula de 2.732 alunos e a freqüência
média por sala de aula de 45 alunos. No todo, foram abertas 62
escolas primárias de modalidade rudimentar e matriculados 4.224
alunos e alunas, com frequência média diária de 40 alunos.

Basta lembrar que em muitas delas a frequência diária é


superior a 40, havendo algumas até com frequência de 50 a
60. Para exemplo, a Escola de Almino Afonso, no município
de Patu, tem uma matrícula de 97 alunos e frequência de 70;
as de Brejo do Apodi, Campestre (Nova Cruz) e Espírito Santo
(Goianinha) registram matrículas de 70 a 75 e frequência de
60; a de Carnaúba (Acari) frequência de 61; Pedra Branca
(São Gonçalo), masculina de Itaú (Apodi) e São José do
Seridó, frequência superior a 50 alunos. (MENSAGEM LIDA
PERANTE O CONGRESSO LEGISLATIVO, 1923, p.8).

159 junqueira&marin editores


1 RIO GRANDE DO NORTE - 1908 1

A expansão da educação primária para as crianças em idade


escolar manifestou na população pobre a busca quase ansiosa
para seus filhos menores, já que a escola primária rudimentar
vinha para ensinar aos filhos do povo, leitura paralela à escrita,
linguagem oral, cálculo aritmético, contabilidade e noções gerais
de conhecimentos úteis, aquisições básicas para o trato da vida
cotidiana.

As campanhas governamentais de expansão da escola


primária de modalidade rudimentar simultaneamente com a
luta de setores populares para que fosse para todos, provocaram,
em alguns municípios, o debate da obrigatoriedade da educação
escolar. Em face dessa luta comunitária pela escola primária para
todos, Dr. Antonio de Souza (1922, p. 13-14) assim se manifestou:
“Alguns municípios já tentam a obrigatoriedade do ensino
primário, naturalmente porque se sentem aparelhados com o
número preciso de escolas para dar lugar a todos os analfabetos
em idade escolar.”

No ano de 1922 – comemorativo do centenário da


Independência da pátria brasileira – o governo estadual por
solicitação do governo federal realizou, em âmbito nacional, um
censo demográfico, econômico e educacional. No Rio Grande do
Norte, o levantamento estatístico da educação escolar condensou
os seguintes dados: o número de 404 escolas públicas, particulares
e associativas em sua maioria de nível primário. A matrícula
total de 15.048 e a frequência em torno de 12.053. A população
escolar estava calculada em 45.000, mas apenas 33% das crianças
em idade escolar estavam matriculadas nas escolas. No geral, a
frequência de mulheres e homens era equilibrada.

Em algumas municipalidades como Angicos, Areia Branca,


Caicó, Currais Novos, Flores, Lages, Pedro Velho, São Gonçalo
do Amarante e Mossoró, o número de mulheres era maior.
Especialmente em Mossoró, com grande diferença – 956 mulheres
para 702 homens. Ficaram fora do censo escolar aquelas escolas
que funcionavam em casas particulares e em sítios não localizados
e as duas ou três escolas temporárias das áreas de construção de
açudes, mantidas pela Inspetoria de Obras Contra as Secas.

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A segunda prioridade foi o atendimento das representações
de associações organizativas, comunidades, paróquias e de
particulares concernente à subvenção mensal à escola primária,
com frequência mínima de 20 alunos. Numa época de campanhas e
movimentos educacionais buscando dar consistência institucional
ao principio de ampliação das oportunidades educacionais para
todas as crianças em idade escolar, o erário público subvencionou
escolas primárias associativas e particulares que reuniram
condições distintivas de matrícula nunca inferior a trinta (30)
alunos, frequência mínima de vinte (20) alunos, bem como a
educação escolar moldada tanto quanto possível pela forma escolar
oficial. (LEI Nº 405, DE 29 DE NOVEMBRO DE 1916, 1917).

Foi principalmente nos anos de 1922 e 1923 que o governo


de Dr. Antonio de Souza autorizou subvenções mensais às escolas
associativassediadasemNatal,comoadaAssociaçãodosPescadores
das Rocas e a do Centro Operário Natalense, com frequência
média de cinquenta (50) alunos. Mais do que isso: subvencionou,
mensalmente, às escolas particulares diurnas e noturnas mantidas
na povoação de Maxaranguape, por Germano Gregório da Silva
Neto (subvenção de 60$000); na vila de Goianinha por D. Thereza
Lima (50$000); na cidade de Apodi por D. Natercia Leite (50$000);
na povoação de Rego Moleiro, município de S. Gonçalo, por D.
Francisca Alves e na povoação de S. Rafael, município de Santana
do Mato, por Brasiliano Barbosa (50$000); na cidade de Caicó a
“Padre João Maria”, dirigida pelo cônego Celso Cicco (60$000); no
bairro do Alecrim de Natal chamada “Nossa Senhora do Rosário”
(50$000); na cidade de Macaíba que há trinta anos era dirigida
por D. Antonia Angelica Marques Pinheiro (50$000); na cidade
do Martins, por D. Ana Leite Chaves (50$000) e no lugar “Serra do
Gado” do município de Santana do Mato, regida por D. Maria Izaura
Guimarães (50$000). Nessas escolas primárias subvencionadas
a matrícula teria sido superior a 10.000, e a frequência relativa a
8.000.

Em exame atento do conjunto de subvenções percebem


se, imediatamente, valores distintos, ausência de normatividade.
Certamente, em face disso,no governo de José Augusto (1924-1927)
foi aprovada uma tabela de subvenções (1924) que normatizava

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1 RIO GRANDE DO NORTE - 1908 1

os aportes financeiros, a partir dos índices de matrícula e de


frequência. Por exemplo: a escola de matrícula até 30 alunos e
frequência até 20 alunos (subvenção anual de 40$00); matrícula
até 60 alunos e frequência até 45 alunos (subvenção de 40$00);
matrícula até 90 alunos e frequência até 75 alunos (subvenção
de 80$00) e escola de matrícula até 100 alunos e frequência até
90 alunos (subvenção de 90$00). No decorrer do governo de Dr.
Antonio de Souza calcularam-se os gastos em educação escolar
primária em torno de 1.017:344$000.

Governo de José Augusto Bezerra de Medeiros


– preferência pelas escolas rudimentares

No dia 1º de janeiro de 1924, José Augusto Bezerra de


Medeiros foi empossado no governo do Rio Grande do Norte, para
administrar até 31 de dezembro de 1927. No transcurso de seu
governo, um programa de reforma socioeducativa alicerçado por
um corpo de conhecimentos técnico e científico foi mais ou menos
implementado, segundo o pressuposto escolanovista da reforma da
sociedade e do homem pela reforma da educação escolar integral.

A época do governo José Augusto representou um momento


essencial na história da urbanização acelerada das grandes cidades
brasileiras pela convergência (não igualmente) de investimentos
econômicos, educacionais, na saúde, na higiene e em infraestrutura.
Tanto para José Augusto quanto para o diretor do Departamento de
Educação, Nestor dos Santos Lima, o ensino nos grupos escolares,
em grande parte, respondia pelos reclamos humanos e sociais
da prosperidade da vida urbana. Nas palavras do diretor do
Departamento de Educação:

A grande inovação da reforma do ensino de 29 de abril de


1908 foi a introdução do moderno tipo de escola graduada
e extensa, conhecido por grupo escolar, que é o conjunto
de várias escolas, seriadas nos conhecimentos, unificadas
pela direção, mas, autônimas tecnicamente para a mais
ampla transmissão de um saber organizado e gradual.

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[...] Necessário e imprescindível um conhecimento mais
desenvolvido, embora elementar, sobre as múltiplas
aplicações da ciência às exigências da vida cósmica, e da
atividade social: e só o grupo escolar é que pode realizar
esse desideratum, dada a amplitude e a eficácia do seu
mecanismo educativo. (RELATÓRIO DO DEPARTAMENTO
DE EDUCAÇÃO...; 1924, p. 6 e 7, grifo do texto).

Inquestionavelmente, José Augusto e Nestor Lima


acreditavam que o desenvolvimento de uma educação escolar
primária integral de base intelectual, moral (liberal), higiênica,
física e econômica era o veículo renovador de todas as energias
sociais de um povo. Educar a população urbana e rural traduziu
se na ampliação das salas de aulas dos grupos escolares (cidades
economicamente prósperas), no aumento do número das escolas
isoladas (cidades menores) e na multiplicação da quantidade
de escolas rudimentares (bairros operários, localidades
distantes e sítios) obedecendo, em certa medida, a parâmetros
arquitetônicos, higiênicos, pedagógicos e de salubridade.

A primazia conferida à difusão da escolarização primária


tinha, sem dúvida, o explícito intento “[...] do combate,
sistemático, perseverante e sem tréguas à ignorância do povo
[...].” (RELATÓRIO DO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO...; 1925,
p. 22). Por sua vez, o governo estadual mediante subvenções do
governo federal expandiu, preferencialmente, o número escolas
rudimentares diurnas e noturnas, por lugares distantes e sítios
longínquos.

O Estado, só por si, não poderia custear todo o ensino de


que necessita, pois, já despende cerca de 1.100.000$000
com o ensino, o que representa mais de 20%, ou um
quinto, da sua receita orçada, ou antes, mais de um quarto
da renda arrecadada, no corrente ano. (RELATÓRIO
APRESENTADO PELO DR. NESTOR DOS SANTOS LIMA...,
1925, p. 22).

Disseminar a escolarização entre crianças e jovens das


camadas pobres era, pois, aliar as aprendizagens escolares e de

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1 RIO GRANDE DO NORTE - 1908 1

várias outras coisas inteligentes, proveitosas e úteis à reconstrução


das experiências de suas próprias vidas. O intento era chamar a
criança e o jovem das camadas pobrespara o universo da vida escolar.

O ensino primário vai felizmente se alastrando e


aperfeiçoando em todos os recantos do Estado, em ordem
a colocar-nos em situação vantajosa entre outras unidades
da Federação. [...] Visto em globo, o ensino público do
Estado continuou a progredir, lenta, porém seguramente,
no ano a expirar. Porque ele foi aumentando de novos
estabelecimentos modelares, que não envergonham em face
dos outros Estados, como também porque quase todas as
escolas funcionaram regular e eficientemente, de acordo com
as verbas consignadas no orçamento vigente. (RELATÓRIO
APRESENTADO PELO DR. NESTOR DOS SANTOS LIMA...,
1927, p. 5 e 3).

Sem dúvida, a período exigia que um maior número de


crianças e jovens pobres adentrassem a sala de aula visando a uma
capacitação comum de ordemmental,moral,social e física.Isso talvez
explique a atenção desse governante para a expansão das escolas
primárias. Os relatórios do Departamento de Educação consagram
atenção à expansão da escolarização primária por modalidade de
escola.

No ano de 1924, existiam 15 grupos escolares (63 classes)


com matricula de 2.366 e frequência diária de 1.777 alunos; em 06
deles funcionavam cursos complementares. Nas 36 escolas isoladas,
a matrícula aproximada era de 1.481 e a média da frequência
diária de 1.116 alunos. Nas 90 escolas rudimentares, a matrícula
era de 3.378 e a frequência diária de 2.485 alunos. Nas 65 escolas
subvencionadas, a matrícula era de 3.732 e a frequência diária de
2.655 alunos. Nas 121 escolas subvencionadas pelos municípios, a
matrícula era de 10.097 e a frequência diária de 7.444 alunos. Alunos
matriculados = 17.207 e frequentando as escolas primárias = 15.477
alunos.

No ano de 1925, havia 15 grupos escolares (com 66 classes);


36 escolas isoladas; 107 rudimentares; 38 subvencionadas; 214

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escolas particulares com matricula respectivamente de 2.411 e
frequência de 1.840 alunos; 1.442 e 1.148; 4.526 e 3.174 alunos;
4.995 e 3.880 alunos; 5.572 e 4.350 alunos. Alunos matriculados =
18.946 e frequentando as escolas primárias = 14.392 alunos.

No ano de 1927, havia 18 grupos escolares (com 83 classes);


24 escolas isoladas; 34 rudimentares e 38 subvencionadas com
matricula respectivamente de 3.249 e frequência de 2.381 alunos;
1.142 e 839 alunos; 1.761 e 1.389 alunos e 2.708 e 2.242 alunos.
Alunos matriculados = 8.860 frequentando as escolas primárias =
6.851 alunos.

Em vista do número crescente de crianças analfabetas


e, consequentemente, como antídoto desse problema social,
a escolarização primária da modernidade trazia justificativas
teóricas para abertura de outras modalidades institucionais
(escolas isoladas, por exemplo), com um programa de estudos
até mais reduzido nas matérias de conhecimentos gerais e que
pudesse funcionar no edifício do grupo escolar. No ano de 1927,
pela documentação analisada, o quadro da educação primária era
outro. A escolarização primária deslocava-se em direção aos mais
pobres (quatro escolas isoladas foram criadas e apenas dois grupos
escolares formam abertos).

Governo de Juvenal Lamartine de Faria


– preferência pelas escolas rudimentares

O governo de Juvenal Lamartine de Faria, último governo da


Primeira República no Estado do Rio Grande do Norte, abrangeu
o período de 1º de janeiro de 1928 a 5 de outubro de 1930. Seu
mandatoseriaconcluído em 1ºdejaneiro de 1931, masa emergência
da denominada Revolução de Trinta precipitou o término de seu
governo e de todos aqueles opositores a esse Movimento.

Convictamente defensor da expansão da educação escolar


primária para todos, Lamartine de Faria (1929, p. 141) orientou
aos seus três sucessivos diretores do Departamento de Educação,

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sucessivamente Nestor dos SantosLima,ChistovamBezerraDantas


e Francisco Ivo Cavalcante Filho, a aumentar, progressivamente,
a matrícula das crianças em idade escolar e a “[...] melhorar as
condições do ensino tornando-o mais eficiente e dando-lhe uma
feição mais prática.” Ora, desde o primeiro ano do governo de
Juvenal Lamartine (1928), as escolas primárias passaram por
progressivas modificações em proveito da educação popular:
restaurações, conversão de escolas rudimentares em grupos
escolares e instalação de cursos complementares. A propósito,
destacava o então diretor do Departamento de Educação, Nestor
Lima:

Aumentados e em pleno funcionamento novos núcleos de


alfabetização com a restauração de cerca de 40 escolas
rudimentares, no corrente ano; convertidas em grupos
escolares várias cadeiras rudimentares nas sedes e em
povoados de diversos municípios, a saber: – Flores,
Portalegre, Baixa Verde, Touros, Santo Antonio, Currais
Novos e Pedro Velho; desdobrados os cursos graduados em
Martins, Lages, Mossoró e Canguaretama, com a instalação
de cursos complementares, o ensino primário oficial vai
sendo difundido vantajosamente por todos os recantos
do Estado, tanto quanto as possibilidades financeiras o
têm permitido. (RELATÓRIO APRESENTADO PELO DR.
NESTOR DOS SANTOS LIMA..., 1928, p.3).

A situação da educação escolar continuava sendo


apresentada pelos dirigentes como animadora em razão dos
grupos escolares, das escolas reunidas e rudimentares e das
escolas particulares subvencionadas funcionarem mensalmente,
com uma matrícula crescente e uma frequência regular. Em
outubro de 1929, o quadro progressivo da escola primária era o
seguinte: 22 grupos escolares; 19 escolas reunidas (antes escolas
isoladas); 118 rudimentares; 59 subvencionadas; 283 particulares
não subvencionadas; 8 municipais e 4 escolas federais = 63
instituições primárias.

Nesse ano de 1929, os 22 grupos escolares matricularam


aproximadamente 3.832 alunos, com frequência diária de 2.911;

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as 19 escolas reunidas matricularam 1.831 alunos, com frequência
de 1.116; as 118 escolas rudimentares matricularam 5.091
alunos, com frequência de 3.838; as 59 escolas subvencionadas
matricularam 4.092 alunos, com frequência de 3.068; as 283
escolas particulares não subvencionadas matricularam 6.634
alunos, com frequência de 5.041; as 8 municipais matricularam
1.373 alunos, com frequência de 961 e as 4 federais matricularam
520 alunos, com frequência de 510. Alunos matriculados = 19.541
e frequentando as escolas primárias = 17.445.

Em outubro de 1930, os 21 (não mais 22) grupos


escolares matricularam aproximadamente 4.881 alunos, com
frequência diária de 4.130; as 31 (não mais 19) escolas reunidas
matricularam 3.046 alunos, com frequência de 2.526; as 128 (não
mais 118) escolas rudimentares matricularam 5.981 alunos, com
frequência de 4.700; as então 36 escolas rudimentares noturnas
para adultos matricularam 1.158 alunos, com frequência de
799; as 66 (não mais 59) escolas subvencionadas matricularam
4.475 alunos, com frequência de 3.900; as 181 (não mais 283)
escolas particulares não subvencionadas matricularam 7.433
alunos, com frequência de 6.155; as 59 (não mais 8) municipais
matricularam 4.066 alunos, com frequência de 3.375 e as 2 (não
mais 4) federais matricularam 31 alunos, com frequência de 31.
Alunos matriculados = 31.071 e alunos frequentando as escolas
primárias = 25.616.

Comparando a matrícula de 1930 (31.071) com a 1924


(21.054) aquela excedeu esta em mais 10.071 matrículas. No ano
de 1924, o diretor do Departamento de Educação, Nestor Lima,
destacava o número aproximado de crianças em idade escolar =
42.000, o que levou a refletir:

De onde concluir, forçosamente, que só temos feito uma


metade da nossa grande tarefa, não obstante o volumoso
esforço que o Estado já realiza. Outro tanto ainda precisamos
fazer, si os recursos do Estado a isso nos habilitarem.
Redobremos de esforço e de interesse em prol da maior das
cruzadas nacionais! (RELATÓRIO APRESENTADO PELO DR.
NESTOR DOS SANTOS LIMA..., 1928, p. 14).

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Observa-se nos documentos pesquisados a unidade


de pensamento na continuidade dos governos republicanos
em subvencionar as escolas primárias particulares (colégios
católicos, externatos e escolas diurnas e noturnas) e associativas
(Centro Operário Caicoense, de Caicó; Escola Dioclecio Duarte,
de Natal; Centro Operário São José, de Macau; Centro Operário
Assuense, de Assu; Centro Artístico-Operário, de São José de
Mipibu). Mas prevaleceu o sistema misto Estado e município no
financiamento da educação escolar primária.

A Lei Orçamentária do ano de 1928 fixou para a educação


escolar o valor de 1.044:960$00, no entanto, foram gastos
1.088:537$294. (Quadro 1, anexo) Os recursos destinados para
a educação escolar primária foram revertidos no auxílio para a
construção do Grupo Escolar “Antonio de Souza” da Associação
de Professores do Rio Grande do Norte (858$020); do Grupo
Escolar “Frei Miguelinho”, em Natal (3:661$740); do Grupo
Escolar da cidade de Touros (4:762$000) e do Grupo Escolar da
cidade de Jardim do Seridó (11:971$500). Ainda foi consignada
a importância de 87:000$000, para reforçar os recursos de
“materiais escolares”, “eventuais”, “inspeção” e “subvenções.” Ao
fazer isso, o governo justificou “[...] a insuficiência da primeira,
a aquisição do mobiliário para os grupos escolares do interior;
e da segunda, a maior atividade das inspeções escolares e da
terceira, o número de subvenções concedidas a novas escolas.”
(MENSAGEM APRESENTADA AO CONGRESSO LEGISLATIVO...,
1929, p. 197).

As “subvenções”, por exemplo, representaram um


percentual de aproximadamente 8% da verba estadual. No
Relatório do Diretor do Departamento de Educação de 1928
está descrito que estavam no gozo dos favores do Estado, 53
estabelecimentos e escolas subvencionadas, dos quais um era
de educação especial e 45 de educação primária. Por sua vez, a
Lei Orçamentária do ano de 1930 fixou para a educação escolar
o valor de 1.236:660$00, porém, o total de verbas transferidas
foi de 1.411:660$00, quase um décimo da receita orçamentária
desse exercício. (MENSAGEM APRESENTADA AO CONGRESSO
LEGISLATIVO..., 1930, Quadro 1, anexo).

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1 RIO GRANDE DO NORTE - 1908 1
Apesar da pouca confiabilidade das estatísticas apresentadas
na época, há um indicativo da expansão das escolas rudimentares
(bem mais do que os grupos escolares e as escolas isoladas), e, por
meio delas, a inclusão da criança e do jovem das camadas pobres
no ambiente escolar. Em certa medida, a ampliação do número de
escolas rudimentares e isoladas, ou mesmo de salas de aulas nos
grupos escolares, não respondia a uma demanda por escolarização,
por matrícula escolar. Mas cumpre chamar atenção para o
esforço de legitimação da instituição escolar desde o século XIX e,
simultaneamente, a inclusão social da criança pobre.

Aabordagemsócio-históricada formaescolarpermitepensar
a mudança, mas sempre em interação com outras “transformações.”
Inquestionavelmente, aqueles anos de urbanização acelerada
reclamavam pela multiplicação das instituições educacionais de
modalidades diversas – grupos escolares, escolas isoladas, escolas
rudimentares, principalmente. A socialização, instaurada em cada
modalidade de escola mediante programas de estudos, horários,
circunscrevia o educando na sociedade de classes sociais. Como
modo de socialização específico que, ao mesmo tempo, transmite
costumes, regras e conhecimentos culturais,

[...] a escola está fundamentalmente ligada a formas de


exercício do poder. Isto é verdadeiro não só em relação à
escola: qualquer modo de socialização, qualquer forma de
relações sociais, implica ao mesmo tempo a apropriação
de saberes [...] e na ‘aprendizagem’ de relações de poder.
(VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001, p. 17-18). ♠

Referências

GONÇALVES NETO, Wenceslau; MAGALHÃES, Justino Pereira de. O local na história da


educação: o município pedagógico em Portugal e Brasil. In: ARAÚJO, Marta Maria
de (Org.). História(s) comparada(s) da educação. Brasília: Líber Livro, 2009.
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada a assembleia Legislativa pelo
governador Juvenal Lamartine de Faria em 1º de outubro de 1929. Natal:
Imprensa Oficial, 1929.

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1 RIO GRANDE DO NORTE - 1908 1

PROGRAMA de Governo. Carta familiar aos membros da convenção de 24 de maio de


1919. a República, Natal, p. 1, 18 set. 1919.
RIO GRANDE DO NORTE. Código de ensino. Aprovado pelo Decreto n° 239 de 15 de
dezembro de 1910. Actos legislativos e decretos do governo (1910). Natal: Typ. d’
A República, 1911.
________. Constituição política do Estado do Rio Grande do Norte, promulgada pelo
Congresso Estadual em 7 de abril de 1892. Natal: Typographia d’ A República,
1892.
_______. Constituição Política do Estado do Rio Grande do Norte, promulgada em 24 de
agosto de 1926. Natal: Typ. d’A República, 1926.

_______. Decreto nº 18, 30 de setembro de 1892. Reorganiza a instrução pública


do Estado. Decretos do governo do Estado do Rio Grande do Norte. Natal:
Typographia d’A República, 1892.
_______. Decreto n° 60 de 14 de fevereiro de 1896. Regulamento Geral da Instrução
Pública. Decretos do governo do Estado do Rio Grande do Norte. (1896). Natal:
Typ. d’A República, 1897.
_______. Decreto nº 178, de 29 de abril de 1908. Restabelece a Diretoria-Geral da
Instrução Publica, cria a escola normal, grupos escolares e escolas mistas e dá
outras providências. In: Atos legislativos e decretos do governo do Rio Grande do
Norte (1908-1909). Natal: Typographia d’A República, 1909.
_______. Decreto nº 189, de 16 de fevereiro de 1909. Cria na cidade de Caicó um Grupo
Escolar denominado “Senador Guerra”. In: Atos legislativos e decretos do governo
(1909). Natal: Typographia d’A República, 1910.
_______. Decreto nº 198, de 10 de maio de 1909. Declara que o Grupo Escolar “Augusto
Severo” será a escola modelo para servir de tipo ao ensino público elementar
em todo Estado. In: Atos legislativos e decretos do governo (1909). Natal:
Typographia d’A República, 1909.
_______./ Departamento de Educação. Relatório apresentado pelo Dr. Nestor dos Santos
Lima, Diretor do Departamento de Educação. Natal, 2 out. 1924. (Datilografado).
_______./Departamento de Educação. Relatório apresentado pelo Dr. Nestor dos Santos
Lima, Diretor do Departamento de Educação. Natal, 5 out. 1925. (Datilografado).
_______. Diretoria-Geral da Instrução Pública. Relatório do Diretor Geral da Instrução
Pública, Dr. Antonio de Amorim Garcia. Natal, 8 de março de 1886. In: Legislação
educacional da Província do Rio Grande do Norte (1883-1888). Brasília: MEC/
INEP, 2004. (Coleção Documentos da Educação Brasileira).
_______./Diretoria-Geral da Instrução Pública. Relatório apresentado pelo Dr.
Francisco Pinto de Abreu, Diretor-Geral da Instrução Pública. Natal, 15 out. 1908.
(Manuscrito).

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1 RIO GRANDE DO NORTE - 1908 1
RIO GRANDE DO NORTE./Diretoria-Geral da Instrução Pública. Relatório
apresentado pelo Dr. Francisco Pinto de Abreu, Diretor-Geral da Instrução Pública.
Natal, 15 out1909. (Manuscrito).
_______./Diretoria-Geral da Instrução Pública. Relatório apresentado pelo Dr.
Francisco Pinto de Abreu, Diretor-Geral da Instrução Pública. Natal, 1º out. 1910.
(Manuscrito).
_______./Diretoria-Geral da Instrução Pública. Visitas escolares. Grupo Escolar
“Tenente Coronel José Correia.” A República, Natal, p. 1-2, 16 ago. 1920. (Coluna
pelo ensino).
_______. Lei nº 249, de 22 de novembro de 1907. Autoriza o governo a reformar a
Instrução Pública. In: Atos legislativos e decretos do governo do Rio Grande do
Norte (1907). Natal: Typographia d’A República, 1908.
_______. Lei nº 405, de 29 de novembro de 1916. Lei Orgânica do Ensino [que]
reorganiza o ensino primário, secundário e profissional, no Estado. Natal: Typ.
d’A República, 1917.
_______. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da sessão
extraordinária pelo governador Augusto Tavares de Lira. Natal: Typ. d’ A
República, 1905.
_______. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo pelo governador Alberto
Frederico de Albuquerque Maranhão em 1° de novembro de 1908. Natal: Typ. d’
A República, 1908.
_______. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo pelo governador Alberto
Frederico de Albuquerque Maranhão em 1° de novembro de 1909. Natal: Typ. d’
A República, 1909.
_______. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo pelo governador Alberto
Maranhão em 1º de novembro de 1910. Natal: Typ. d’A República, 1910.
_______. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo pelo governador Alberto
Frederico de Albuquerque Maranhão em 1° de novembro de 1911. Natal: Typ. d’
A República, 1911.
_______. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo pelo governador Joaquim
Ferreira Chaves Filho em 1º de novembro de 1914. Natal: Typ. d’A República, 1914.
_______. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo pelo governador Joaquim
Ferreira Chaves Filho em 1º de novembro de 1916. Natal: [Typ. d’A República],
1916.
_______. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo pelo governador Antonio José de
Mello e Souzaem 1° de novembro de 1920. Natal: Typ. Commercial J. Pinto e Cia, 1920.
_______. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo pelo governador Antonio José
de Mello e Souza em 1° de novembro de 1921. Natal: Typ. Commercial J. Pinto e
Companhia, 1921.

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1 RIO GRANDE DO NORTE - 1908 1

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo em 1º de


novembro de 1922 pelo governador Antonio José de Mello e Souza. Natal: Typ.
Comercial – J. Pinto & Companhia, 1922.
_______. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo em 1º de novembro de 1923
pelo governador Antonio José de Mello e Souza. Natal: Typ. d’A República, 1923.
_______. Mensagem lida perante oCongresso Legislativo pelo governador José Augusto
Bezerra de Medeiros em 1° de novembro de 1924. In: Mensagens dos presidentes
do Estado do Rio Grande do Norte na Primeira República. Natal: Fundação José
Augusto, 1984. (Documentos Potiguares, José Augusto Bezerra de Medeiros).
_______. Mensagem lida perante oCongresso Legislativo pelo governador José Augusto
Bezerra de Medeiros em 1° de novembro de 1925. In: Mensagens dos presidentes
do Estado do Rio Grande do Norte na Primeira República. Natal: Fundação José
Augusto, 1984. (Documentos Potiguares, José Augusto Bezerra de Medeiros).
_______. Mensagem lida perante oCongresso Legislativo pelo governador José Augusto
Bezerra de Medeiros em 1° de outubro de 1926. In: Mensagens dos presidentes
do Estado do Rio Grande do Norte na Primeira República. Natal: Fundação José
Augusto, 1984. (Documentos Potiguares, José Augusto Bezerra de Medeiros).
_______ Mensagem lida perante o Congresso Legislativo pelo governador José Augusto
Bezerra de Medeiros em 1° de outubro de 1927. In: Mensagens dos presidentes
do Estado do Rio Grande do Norte na Primeira República. Natal: Fundação José
Augusto, 1984. (Documentos Potiguares, José Augusto Bezerra de Medeiros).
_______. Mensagem apresentada a Assembleia Legislativa pelo governador Juvenal
Lamartine de Faria em 1º de outubro de 1929. Natal: Imprensa Oficial, 1929.
_______. Mensagem apresentada a Assembleia Legislativa pelo governador Juvenal
Lamartine de Faria em 1º de outubro de 1930. Natal: Imprensa Oficial, 1930.
_______. Relatório apresentado pelo Dr. Nestor dos Santos Lima, Diretor do
Departamento de Educação. Natal, 15 set. 1926. (Manuscrito).
_______. Relatório apresentado pelo Dr. Nestor dos Santos Lima, Diretor do
Departamento de Educação. Natal, 5 set. 1927. (Datilografado).
_______. Relatório apresentado pelo Dr. Nestor dos Santos Lima, Diretor do
Departamento de Educação. Natal, 15 ago. 1928. (Datilografado).
VINCENT, Guy; LAHIRE, Bernard; THIN, Daniel. Sobre a história e a teoria da forma
escolar. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 33, p. 7-47, jun. 2001.

junqueira&marin editores 172


1 RIO GRANDE DO NORTE - 1908 1

B Anexo B

Quadro 1

Financiamento da educação escolar. (Rio Grande do Norte, 1892-1930)

Financiamento da educação escolar

Governo Pedro Velho de Albuquerque Maranhão


(Rio Grande do Norte, 1892-1896)

Fonte: Decreto n° 18 de 30 de setembro de 1892


Fonte: Decreto n° 60 de 14 de fevereiro de 1896
Legenda: (*) valores aproximadamente

******************************************************************

Financiamento da educação escolar


Governo Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão
(Rio Grande do Norte, 1908-1913)

Fonte | Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo pelo Governador Alberto Maranhão (1908-1913)
Fonte:Relatório do Diretor Geral da Instrução Pública (1908-1913)
Fonte:Código de ensino (1910)
Legenda: (*) valores aproximadamente

******************************************************************

173 junqueira&marin editores


1 RIO GRANDE DO NORTE - 1908 1

Financiamento da educação escolar


Governo Antonio José de Mello e Souza
(Rio Grande do Norte, 1920-1923)

Fonte: Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo pelo governador Antonio José de Mello e Souza
(1920-1923)
Legenda: (*) valores aproximadamente

******************************************************************
Financiamento da educação escolar
Governo José Augusto Bezerra de Medeiros
(Rio Grande do Norte, 1923-1927)

Fonte: Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo pelo governador José Augusto Bezerra de
Medeiros (1923-1927)
Fonte: Relatório do Dr. Nestor dos Santos Lima, Diretor do Departamento de Educação (1925-1926)
Legenda: (*) valores aproximadamente

******************************************************************
Financiamento da educação escolar
Governo Juvenal Lamartine de Faria
(Rio Grande do Norte, 1928-1930)

Fonte: Mensagem apresentada aAssembléia Legislativa pelo governador Juvenal Lamartine de Faria (1928 1930)
Legenda:(*) valores aproximadamente

******************************************************************

junqueira&marin editores 174


MITO GR0SS0 - 1910

A EXPANSÃO DO ENSINO PRIMÁRIO


EM MATO GROSSO NÃ PRIMEIRA REPÚBLICA

Elizabeth Figueiredo de Sá"

> # em extensão geográfica, com 1.477.041kmº. A ampla


=>#extensão territorial unida à disseminação da população, à
dificuldade de acesso pela quase ausência de estradas, à pobreza
das famílias das cidades do interior e à falta de comunicação,
inviabilizava qualquer projeto educacional para Mato Grosso.
Somada a essa realidade, o estado vivia em constantes conflitos
entre os coronéis do norte, representados pelos senhores de
engenho e, posteriormente, usineiros de açúcar; e os do sul,
grandes pecuaristas e pelos comerciantes. Tais conflitos, quase
sempre armados, abalavam significativamente a instrução pública,
devido aos gastos para a manutenção da ordem e ao pânico que se
instaurava entre a população.

* Doutora em Educação (USP). Professora Adjunta da Universidade Federal


de Mato Grosso. Coordenadora do Grupo de História da Educação e Memória
– GEM/IE/UFMT. E-mail: bethfsa@uol.com.br

175 junqueira&marin editores


1 MATO GROSSO - 1910 1
Desse modo, a situação do ensino público estadual era
bastante precária: faltavam professores, alunos, materiais
escolares e prédios adequados para funcionamento das escolas.
Este cenário deixava os governantes bastante apreensivos, devido
à importância delegada à educação para a viabilização do projeto
civilizador, uma vez que, ao se erradicar a ignorância, introduzir
se-ia o povo no mundo do conhecimento, das luzes, capacitando-o
para atuar ativamente na sociedade, na produção de riquezas e na
vida política. Para eles, nenhum progresso social era possível sem a
difusão do ensino (CORRÊA DA COSTA, 1910).

“A escola deveria ser a modificadora dos defeitos da


sociedade, do meio. O amor ao trabalho, a honestidade pública e
particular, a altivez política, o respeito às autoridades, enfim todas
as virtudes que tornam um país forte e feliz, só poderiam vir da
escola.” (SOUZA, 1998, p.175).

Em meio a tal cenário foram gestados os primeiros


regulamentos da instrução pública em 1891 e, posteriormente,
em 1896, incorporando novos discursos, como a obrigatoriedade
escolar, a laicidade, a gratuidade do ensino e a proposição de uma
nova metodologia: o ensino intuitivo. No entanto, a irregularidade
do funcionamento das escolas criava um ambiente impróprio para
as discussões em torno dos problemas de ensino. O resultado foi que
muitas prescrições legais não foram aplicadas na prática educativa,
como foi o caso do programa escolar e do uso do método intuitivo.

Em 1910, atenuadas as agitações políticas e melhoradas


as condições financeiras do estado, pôde o governo de Pedro
Celestino Corrêa da Costa cuidar do ensino, propondo-se a investir
na reformulação da instrução pública primária e na habilitação
docente, pois, para ele: “Nenhuma reforma eficaz é possível na
instrução primária sem conveniente habilitação de pessoal para a
regência das escolas dessa categoria, e sem o mais que se requer
para a proficuidade delas.” (CORRÊA DA COSTA, 1910).

Investir na educação através da formação intelectual, moral e


cívica da criança, significava estimular o progresso social do estado
e, consequentemente, da Nação, pois“Negar a influência social da

junqueira&marin editores 176


1 MATO GROSSO - 1910
1
educação, o mesmo seria que negar as próprias leis do progresso e
da civilização dos povos cuja grandeza decorre do grau de cultura
de cada um deles” (CORRÊA, 1912).

Para implementar ações que viessem a concretizar o


ideário da educação republicana, o governo estadual contratou
nove normalistas formados pelas escolas normais de São Paulo.
Inicialmente foram contratados Leowigildo Martins de Mello
e Gustavo Fernando Kuhlmann, com a missão de instalar uma
Escola Normal e dar novos moldes ao ensino primário. Instalaram
dois grupos escolares na capital, nos quais assumiram a direção.
Defenderam amplamente a educação como mola propulsora do
progresso social e a escola como o “[...] templo do saber, amorável
e bom, responsável pela formação da infância, considerada a
sociedade de amanhã”.(KUHLMANN, 1914).28

O compromisso assumido por Mello e Kuhlmann nos seus


relatos, a veemência com que eles defendiam a escola graduada
e seu projeto pedagógico, deixavam transparecer a dedicação ao
projeto educacional republicano, entendendo a função como uma
missão em prol do progresso.

Em 1912 foram convidados mais quatro normalistas paulistas


para dirigirem os grupos escolares de Corumbá, Cáceres, Poconé e
Rosário Oeste. Foram eles: Ernesto Sampaio, José Rizzo, João Brienne
de Camargo e Francisco Azzi. E, em 1914, chegou ao Estado para
dirigir o G.E. de Poconé, o professor Waldomiro de Oliveira Campos,
grande defensor da escola graduada. (CAMPOS, 1916).

Na segunda década do século XX, a educação continuou


sendo foco de preocupação dos governantes. Pedro Celestino
continuou a afirmar, no seu segundo governo (1922-1924), que

28 Essas expressões foram utilizadas Kuhlmann no discurso proferido no


lançamento da pedra fundamental do G.E. Senador Azeredo (1914) e por
Mello nos relatórios encaminhados para a Diretoria da Instrução Pública
(1911, 1912).

177 junqueira&marin editores


1 MATO GROSSO - 1910 1
“[...] nenhum progresso é possível sob o ponto de vista material,
moral e social sem a difusão do ensino útil pela massa popular.” Em
sua concepção,

A instrução que deve ser ministrada pelas escolas abrange


noções de conhecimentos necessários à formação de
cidadãos aptos para a vida prática e à colaboração para o
progresso da sociedade em que vivem. Sem esse preparo
não poderá haver organização política eficiente à vitalidade
e à segurança do país, enquanto esse problema não for
convenientemente resolvido nos Estados, permanecerá
aparente a prosperidade do Brasil, limitada como se acha
às grandes cidades, ao passo que nas populações rurais a
ignorância e o analfabetismo conservam a grande maioria
dos nossos patrícios no desconforto e miséria orgânica.
(CORRÊA DA COSTA, 1923).

Nesse sentido, uma nova leva de professores paulistas foi


contratada para garantir a eficácia da educação: o professor Rubens
de Carvalho e Antonio Gonçalves da Silva. O primeiro chegou ao
estado em 1922 e participou da comissão que empreendeu, em
1927, uma nova reforma na instrução pública, a qual introduziu, no
sistema educacional, as escolas reunidas. O segundo chegou em 1925
para assumir a direção do G.E. de Campo Grande, porém, logo pediu
demissão e retornou ao estado de origem (AMÂNCIO, 2000, p. 92).

Todos, devido à formação que tiveram, compactuavam


de ideias educacionais similares e trabalharam nos grupos
escolares para a formação moral, intelectual e física das crianças,
“preparando obreiros da sua grandeza, isto é, cidadãos conscientes
dos seus deveres, que saibam defender os seus direitos, preservar
a sua saúde e atuar como fatores sociais e como operários da nossa
prosperidade coletiva.” (CORRÊA DA COSTA, 1923).

Diante disso, o presente artigo tem como objetivo perceber as


estratégiasutlizadas pelosgovernantespara a expansãodoensino em
Mato Grosso na Primeira Repúblicadiante dos recursos disponiveis,
bem como perceber se houve realmente um acréscimo de ingresso
de crianças nas escolas. Para isso, foram utilizadas como fontes

junqueira&marin editores 178


1 MATO GROSSO - 1910
1
documentais os relatórios da Diretoria Geral da Instrução Pública,
mensagens de presidentes do Estado e relatórios de diretores dos
grupos escolares, localizados no Arquivo Público de Mato Grosso.

I - O investimento na educação:
financiamento e modalidades do ensino primário

O levante armado que assolava o estado nos anos iniciais do


novo século (XX) que iniciara não prejudicava a educação somente
de forma direta, através da suspensão das aulas, da dificuldade de
divulgação dos programas de ensino e da fiscalização das escolas,
mas também a afetava indiretamente, devido à redução dos
investimentosna educaçãocausada pela diminuiçãodaarrecadação,
decorrente dosataques constantes de fazendeiros e produtores
rurais, responsáveis pela captação dos recursos estaduais. Em sua
mensagem à Assembleia Legislativa, Antonio Pedro Alves de Barros
(1903) reclama tal situação:

O impatriotismo dos decahidos políticos de 1899 não


quis, porém, permittir que continuassem esse lisojeiro
estado de cousas tão necessário e próprio para da logar
ao desenvolvimento dos progressos de cuja falta nos
ressentimos ainda e, ao contrario, como bem vistes,
parecendo ter jurando a ruína d’esta grande e futurosa
terra, iniciaram sua sangrenta e desvairada campanha
de reconquista das posições perdidas, e invadindo duas
vezes a florescente Villa de Sant’Anna do Paranahyba e
ahi assassinando as autoridades constituídas, saqueando
os cofres estaduaes e municipaes e arrebanhando todo o
gado de amigos da situação para conduzi-lo para fora do
estado, promovendo o assassinato de outras autoridades
locaes, (...) e, por último, alugando o braço do mercenário
paraguayo para a degola de irmãos e o saque e incêndios de
suas fazendas no sul do estado,

E, com a repressão d’esses repetidos desmandos partidários


d’aquelles que não vacillam ante a pratica do crime de lesa

179 junqueira&marin editores


1 MATO GROSSO - 1910 1
patria, tive de autorizar crescidas despezas extraordinárias
que, fazendo cessar no passado o exercício de saldos que era
até então a nossa honra e o nosso orgulho, vieram perturbar
e romper o nosso equilíbrio orçamentário. (BARROS, 1903,
27-28).

Nesse período, a educação econtrava-se organizada em


escolas primárias e secundárias, sendo que a primáriapassou a ser
dividida, através do regulamento de 1896, em duas modalidades: a
elementar e a complementar. As escolas elementares, responsáveis
pela instrução das crianças de 7 a 10 anos, funcionavam em todas
as cidades, vilas, freguesias e povoados existentes no estado; já
as complementares livres destinadas “não só aos que desejam
alargar a esfera de seu conhecimento no ramo elementar do
estudo primário, como para os aspirantes à matrícula no Curso de
Humanidade do Liceu Cuiabano.” (CORRÊA, 1897), só funcionavam
na capital e nas principais cidades.

As escolas isoladas, tanto elementar como complementar,


poderiam ser abertas com o mínimo de 20 alunos, podendo
comportar até 60, sob a regência de um único professor. Essa
determinação favorecia a abertura dessas instituições em diversas
localidades, facilitando o acesso à escolarização de um grande
número de crianças em idade escolar. Além disso, se não houvessem
casas suficientes para o seu funcionamento, esta poderia ser
instalada na residência do professor, que recebia auxílio pecuniário
para aluguel, oferecendo maior oportunidade de estudo às crianças.

A sua organização administrativa contava somente com


a figura do professor “acompanhado” pelo inspetor escolar. Ao
professor cabia a incumbência, além de dar as suas aulas, de zelar
pelo material da escola e de enviar à secretaria da instrução, no
fim de cada mês e por intermédio do inspetor escolar, os dados
estatísticos da sua escola. Já ao inspetor escolar cabia a incumbência
de acompanharas escolas primárias e ser o intermediário entre elas e
a Diretoria Geral da Instrução Pública. Porém, a falta de remuneração
da função, somada às grandes distâncias a serem percorridas entre
as escolas, dificultavam o trabalho do inspetor escolar e, com isso,
impossibilitava uma visão mais aproximada da realidade local.

junqueira&marin editores 180


1 MATO GROSSO - 1910
1
Mesmo diante da dificuldade financeira do estado, em
1908 o governo aplicou aproximadamente 7% do orçamento
na educação e ousou criar, através da Resolução nº 508, de
16/10/1908, os grupos escolares. Em mensagem à Assembleia
Legislativa, Generoso Ponce dissertando sobre a educação no
estado afirmou que: “Infelizmente, não nos permittem os nossos
recursos orçamentários dar a este assumpto elastério de que elle
é digno, (...)mas nem por isso devemos deixar de fazer quanto
pudermos para o melhoramento da instrucção entre nós. (PONCE
, 1908, p.19).

Com o abrandamento das lutas políticas no estado e com


o aumento do preço da borracha, a situação financeira subiu, de
2.757:330$000, para 5.116:726$883, representando “[...] não
menos que 84% da quantia orçada.” (CORRÊA DA COSTA, 1912, p.
59), podendo, com isso, investir mais na educação. Esta injeção de
recursos nos cofres públicos possibilitou na

[...] construcção de prédios destinados ao Lyceu e a Escola


Normal; da aquisição da draga para melhoramento do rio
Cuyabá, do estudo de abastecimento d’agua, rede de esgoto
e illuminação desta capital, da demarcação de limites;
do assentamento de novas machinas da hydraulica; do
material escolar; installação de grupos; acquisição de
prédios, de abastecimento de água no bairro de Lavapés e
outros. (COSTA MARQUES, 1912, p. 62).

Com isso, através do Decreto n° 258, de 20 de agosto de


1910, foram autorizados o funcionamento dos grupos escolares e
a utilização, provisória, do regulamento e programa do estado de
São Paulo. Para Pedro Celestino: “Só a multiplicação dos núcleos
de ensino moderno, racional e prático, pelo interior do estado, nos
centros de população, pode apressar a libertação da ignorância
lastimável em que vai crescendo a nossa infância, os nossos
sucessores de amanhã […]”(CORRÊA DA COSTA, 1911). Nesse
sentido, conceber uma escola com um ensino moderno, racional
e prático compactuava com as ideias no âmbito do processo
produtivo que impunha determinados valores e comportamentos
ao trabalhador.

181 junqueira&marin editores


1 MATO GROSSO - 1910 1
A criação de um grupo escolar, conforme o Regulamento da
Instrução Pública de 1910, era previsto onde houvesse pelo menos
seis escolas primárias no perímetro fixado para obrigatoriedade do
ensino, isto é, “[...] dentro de um raio de um quilômetro médio da
sede da escola.” (Art. 9º), sendo as mesmas organizadas em um só
prédio, com oito classes: quatro para a seção masculina e quatro
para a seção feminina29. Porém, no mesmo ano, através da lei de
n° 580, foi dada uma nova redação no que se referia ao número de
escolas, passando a ser de no mínimo 3 e no máximo 8 escolas. Isso
porque, segundo Amâncio (2000, p. 109), “[...] mantida a exigência
anterior, a existência dos grupos escolares, provavelmente, seria
mais escassa ainda em Mato Grosso, tendo em vista a dimensão
territorial e a dispersa ocupação populacional.”

Conforme Faria Filho (2000, p. 31), “[...] a criação dos grupos


escolares era defendida não apenas para ‘organizar’ o ensino,
mas, principalmente, como uma forma de ‘reinventar’ a escola,
objetivando tornar mais efetiva a sua contribuição aos projetos de
homogeneização cultural e política da sociedade” compatível com o
projeto republicano de modernização da sociedade e de civilização
de massas, contrapondo-se à organização das escolas isoladas que
dificultavam tal projeto.

Para garantir a formação de hábitos e valores, a atuação dos


docentes eraacompanhadabemde pertopelodiretorescolar,função
ocupada inicialmente pelos professores paulistas contratados pelo
governo para esse fim.

Além de fiscalizar o trabalho dos professores, os diretores


orientavam e coordenavam o trabalho pedagógico. Mello, em
1911, ciente das dificuldades dos professores primários da Escola
Modelo, que, como as demais escolas primárias eram compostas
predominantemente de professores leigos, “[...] adstritos ao
pernicioso método da decoração, ao ensino de todas as disciplinas

29 Manteve a tradição de classes sexistas cf. SÁ;SIQUEIRA.(2006).

junqueira&marin editores 182


1 MATO GROSSO - 1910
1
pelo método tratadista”, organizou um treinamento com a duração
de três meses, antes de seu funcionamento, a fim de orientá-los
sobre a nova metodologia proposta (MELLO, 1911).

Justamente para mudar o perfil do quadro docente na ativa,


foi que Pedro Celestino Corrêa da Costa criou também uma Escola
Normal, sob novos moldes dos cursos de formação de professores
existentes no século XIX. Após a formação da primeira turma da
Escola Normal de Cuiabá, as vagas nos grupos escolares foram
sendo ocupadas pelos professores recém-formados, sendo que,
em 1927, os normalistas já predominavam no quadro docente dos
Grupos, como é possível observar:

Tabela1-Formaçãodosprofessoresdosgruposescolares-1927

Fonte: SÁ, 2007

A instalação desse novo modelo de escola não anulou a


preocupação dos governantes com o funcionamento das escolas
isoladas, pelo contrário, algumas mudanças foram empreendidas,
tais como a supressão da escola complementar, a graduação do
ensino, com a publicação de um programa escolar similar ao dos

183 junqueira&marin editores


1 MATO GROSSO - 1910 1
grupos escolares (1917) e a organização do tempo escolar (1917),
conforme acontecia nas escolas graduadas, mantendo-se a regência
de um único professor numa sala de múltiplas idades e fases do
desenvolvimento.

Em 1913, a situação econômica começou a preocupar os


governantes devido à queda do valor da borracha, principal fonte
de renda da região, que se agravou anos depois, pois o estado, além
de sofrer as consequências da Guerra que assolava o mundo como
os demais estados do país (ALBUQUERQUE, 1916), sofreu também
com uma luta interna mais conhecida como a Caetanada, disputa
política entre o Partido Republicano Conservador (PRC) e o Partido
Republicano Mato-grossense (PRMT)que utilizou a violência como
estratégia de obtenção e manutenção do poder. A Caetanada chegou
ao seu final em 1917, com a intervenção do Presidente da República,
Wenceslau Brás, colocando como Interventor, Dr. Camillo Soares de
Moura. Este relatou a situação em que o estado se encontrava:

Era a mais dolorosa possível a situação em que encontrei


este Estado [...]. A lucta armada em que estavão ainda
os adversários, levava o terror a toda parte; não havia
garantias nem siquer para a vida e propriedade; lares, e não
poucos, se vião enlutados ou com seos chefes foragidos à
sanha adversa; o próprio Poder Judiaciario tinha muitos de
seos membros expulsos de suas comarcas e homiziados em
outros Estados; campeava de norte a sul o direito mais forte.
(MOURA, 1918, p.AIII).

A disputa pelo poder político através de lutas armadas


não cessou com o fim de tal movimento, mas persistiu durante
todo o período da Primeira República, ocasionando a morte de
trabalhadores no campo e nas cidades, saques, abandono de terras,
entre outros.. Além disso, com a deficitária arrecadação dos cofres
públicos, insuficiente para cobrir os gastos previstos e extras
assumidos com a mobilização de tropas para a defesa dos interesses
do estado, e a dívida ativa estadual que aumentava ano após ano.
Mas, mesmo assim, o investimento na educação manteve-se estável,
apresentando, em 1930, a proposição de acréscimo para 15% da
despesa total orçada, como é possível verificar no quadro a seguir:

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1 MATO GROSSO - 1910
1
Tabela 2 - Investimento na educação pública de MatoGrosso
(1907-1929)

Fonte: Mensagens de Presidente do Estado de Mato Grosso á Assembleia

Legislativa dos anos de 1907 a 1930. (Quadro elaborado pela autora).

Em 1927, com um investimento de 11,6% na educação,


o Presidente do estado, Mário Corrêa da Costa,investiu na
elaboração de um novo Regulamento da Instrução Pública. Para
isso, nomeou uma comissão formada pelo Dr. Cesário Alves
Corrêa, Diretor Geral da Instrução Pública, Jayme Joaquim de
Carvalho, Isác Povoas, Júlio Müller, Franklin Cassiano da Silva,
Rubens de Carvalho, Philogonio Corrêa, Fernando Leite Campos,
Nilo Póvoas e Alcindo de Camargo. Este novo regulamento deu
uma inovadora classificação às escolas primárias, ficando o ensino
assim organizado:

185 junqueira&marin editores


1 MATO GROSSO - 1910 1
Tabela 3 - Classificação das escolas primárias segundo o
regulamento de 1927

Fonte: REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1927, CAPÍTULO I.

As escolas isoladas foram subdivididas em rurais e urbanas,


com a finalidade de dar um tratamento diferenciado às realidades
da população e, os cursos noturnos, voltados para a educação de
jovens e adultos, infelizmente não se consolidou na prática até a
década de 30 (SOUZA, 2011).

As escolas reunidas, com as caracteristicas da escola


graduada, foi sendo implantada gradativamente, vindo ao encontro
da dificuldade econômica do estado, já que atendiam até sete
classes em um único prédio, não tendo, no entanto, que contratar
uma pessoa específica para assumir a função de diretor, sendo
este um professor da própria escola que, pela função, recebia uma
gratificação de 30$000 (trinta mil réis).

A ideia da união das escolas isoladas na composição de


escolas reunidas ou semigrupos, vinha sendo defendida pelo
professor paulista Waldomiro Campos, desde 1916. Em seu

junqueira&marin editores 186


1 MATO GROSSO - 1910
1
relatório, ele escreveu um apêndice intitulado O grupo escolar e
a escola reunida, onde defendeu a escola graduada e considerou
as reunidas como o primeiro passo para a formação dos grupos
escolares. Nesse sentido, afirmou que:

Em Mato Grosso só existe um, único aliás, nessas condições,


é o Grupo Escolar anexo à Normal da Capital; os outros não
passam de meras Escolas Reunidas pela sua população
infantil e de Grupo, pelo seu número de pessoal!

Porque não reduzir essas despesas?

Porque não extinguir esses cargos inúteis de professores


para ensinarem a 10 ou 12 alunos? Porque não suprimir os
empregados administrativos tão caros e não transformar
tudo isso em escola reunida com 4 ou 5 professores, sendo
um deles incumbido, sem prejuízo de sua classe, da direção,
apenas com a gratificação que se estipulou?

E assim Governo economizaria cerca de 28 contos nos


4 Grupos escolares, de Rosário, Poconé e Cáceres e o
2° Distrito todos transformados em Escolas Reunidas.
(CAMPOS, 1916).

II - Expansão do ensino primário

Mesmo convivendo com as escolas particulares, eram


as públicas as principais responsáveis pela escolarização da
infância mato-grossense no período da Primeira República. Tal
afirmação baseia-se nos dados estatísticos apresentados nas
mensagens dos presidentes do estado, que,mesmo contendo
números imprecisos,sua análise nos permite perceber a dimensão
do investimento público na educação, refletida no acréscimo do
número de escolas e da população infantil atendida.

No período de 1900 a 1910, o investimento público na


escolarização da infância acontecia somente por meio das escolas

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1 MATO GROSSO - 1910 1
singulares29. Nesses dez anos houve um acréscimo considerável de
números dessa modalidade escolar, conforme é possível observar
no gráfico a seguir, mesmo atravessando o estado por turbulências
políticas que “dificultavam” uma iniciativa maior na educação,
tendo em vista que a preocupação encontrava-se voltada para a
questão política e para a segurança da população.

Tabela 4 - Escolas singulares entre 1900 a 1910:

Fonte: Mensagens de Presidentes do Estado à Assembleia


Legislativa, Relatórios da Diretoria da Instrução Pública.
Grafico elaborado pela autora.

Em decorrência do acréscimo do número de escolas em


oito anos o número da população infantil atendida aumentou
87%30, o que não representou uma alteração muito significativa no
percentual de crianças em idade escolar fora da escola.

A partir de 1910, com a implantação dos grupos escolares,


a educação pública mato-grossense ganhou novo impulso e
apresentou um acréscimo no número de crianças atendidas:

29 Por escolas singulares compreendem-se as escolas que contém uma sala


de aula sob a regência de um único professor. Na estatística estão incluídas as
escolas mantidas pela administração estadual e municipal.
30 O atendimento passou de 1.896 crianças atendidas em 1900 para 3.545
alunos em 1909.

junqueira&marin editores 188


1 MATO GROSSO - 1910
1
Tabela 5 – Número de escolas por modalidade
Estado do Mato Grosso (1911 – 1930)

Fonte: Mensagens de Presidentes do Estado à Assembleia Legislativa, Relatórios da Diretoria da


Instrução Pública. Quadro elaborado pela autora.

O acréscimo no número de matrículas era ainda muito


aquém ao pretendido pelos governantes. Em 1920, o número de
crianças em idade escolar (7 a 14 anos) em todo estado, segundo
o censo de 1928, perfazia o total de 47.719. Observando os dados
apresentados, podemos arriscar uma análise de que, dessas, apenas
11,8 encontravam-se matriculadas nas escolas primárias.

Ainda que o governo tenha investido nos grupos escolares


e nas escolas reunidas, foram as escolas isoladas, mesmo

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1 MATO GROSSO - 1910 1
diante das constantes críticas dos reformadores e governantes,
responsáveis pela educação de um número expressivo de crianças
mato-grossenses em idade escolar. Não podemos fazer, até 1930,
qualquer análise referente às escolas reunidas, tendo em vista que
essa modalidade escolar começou a funcionar em Mato Grosso,
somente no referido ano.

Considerações Finais

Como foi possível observar, diferentes modalidades de


escola pública primária atendiam à população infantil em idade
escolar na sociedade mato-grossense no período republicano: as
escolas singulares (estaduais, municipais e particulares); os grupos
escolares; e, as escolas reunidas.

As escolas isoladas que predominaram durante o Império,


deveria ser substituída pelos grupos escolares ou escolares
reunidas. No entanto, a reforma da instrução pública promulgada
em 1910, era mais complexa do que se imaginava no início, pois não
se tratava apenas de uma questão técnica que seria resolvida pelos
normalistas paulistas.

Tal reforma pressupunha a aplicação do ensino simultâneo,


ou seja, a organização homogênea dos alunos, sendo estes
distribuídos em classes e séries, ficando estabelecida uma relação
entre série e idade do aluno, o que era essencial. A padronização
e hierarquização do saber (que demorou mais de século para
ser construído) constituíram-se em condição fundamental de
superação de uma tradicional tecnologia do ensino – o compêndio
– pelo manual didático contemporâneo.

Esse momento de passagem do entre os séculos XIX e XX, a


escolaelementarsofreuprofundamudançanaformadeorganização,
nos métodos de ensino, na tecnologia aplicada, relações de trabalho
e na esfera pedagógica. Ao longo do tempo surgiu uma nova divisão
de trabalho, no lugar de um único docente surgem vários, para
as diversas séries e turmas, aparecendo a figura do diretor, dos

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1 MATO GROSSO - 1910
1
trabalhadores administrativos, como secretaria, inspetor de ensino
(bedel ou inspetor de pátio, distinto do antigo inspetor de ensino).
A relação pedagógica começa a sua mudança pela nova forma de
organização do trabalho docente, mas também pela mediação de
novas tecnologias que tendem cada vez mais a ser produzidas pela
indústria cultural capitalista.

A sua implantação plena pressupunha a existência de


materiais adequados, preparo do professor e existência de recursos
orçamentários, por isso se configurou como um processo que veio a
concluir somente na segunda metade do século XX. ♠

Referências

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e Finanças pelo Diretor Geral da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso,
1927. Arquivo Público de Mato Grosso.
ALBUQUERQUE, Caetano Manoel de Faria e. Mensagem da Presidência do Estado de
Mato Grosso à Assembleia Legislativa. 1916. Arquivo Público de Mato Grosso.
AMÂNCIO, Lázara Nanci de Barros.Ensino de Leitura na escola primária no Mato
Grosso: Contribuição para o estudo de aspectos de um discurso institucional
no início do século XX. 264 p. Tese (doutorado em Educação) – Faculdade de
Filosofia e Ciências, UNESP, 2000.
BARRETO, Ernesto Camilo. Relatório apresentado à Presidência da província de
Mato Grosso pela Inspetoria geral da Instrução Pública, 1874.APMT– Microfilme
1865-1875.
BARROS, Antonio Pedro Alves. Mensagem da Presidência do Estado de Mato Grosso
à Assembleia Legislativa, 1903. Arquivo Público de Mato Grosso.
CAMPOS, Waldomiro O. Relatório da direção do Grupo Escolar de Poconé ao Diretor
Geral da Instrução Pública. Poconé-MT, 01 de dezembro de 1916.
CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Reformas da Instrução Pública. In: LOPES,
Elizane Marta Teixeira, FARIA FILHO, Luciano Mendes e VEIGA, Cynthia Greive
(orgs). 500 Anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p.225
– 252.
CORRÊA DA COSTA, Pedro Celestino Corrêa da. Mensagem da Presidência do Estado
de Mato Grosso à Assembleia Legislativa. 1910. Arquivo Público de Mato
Grosso.

191 junqueira&marin editores


1 MATO GROSSO - 1910 1
CORRÊA DACOSTA,PedroCelestino Corrêa da. Mensagem da Presidência do Estado de
Mato Grosso à Assembleia Legislativa. 1912. Arquivo Público de Mato Grosso.
_____________. Mensagem da Presidência do Estado de Mato Grosso à Assembleia
Legislativa. 1923. Arquivo Público de Mato Grosso.
CORRÊA, José Estevão. Relatório apresentado ao Secretário de Estado dos Negócios
do Interior Justiça e Fazenda, pelo Diretor Geral da Instrução Pública do Estado
de Mato Grosso, 1912. Arquivo Público de Mato Grosso.
___________. Relatório apresentado ao Presidente do Estado de Mato Grosso pelo
Diretor Geral da Instrução Pública, 1897. Arquivo Público de Mato Grosso.
COSTA, Antônio Corrêa da. Mensagem da Presidência do Estado de Mato Grosso à
Assembleia Legislativa, 1897. Arquivo Público de Mato Grosso.
COSTA MARQUES, Joaquim Augusto da. Mensagem da Presidência do Estado de Mato
Grosso à Assembleia Legislativa, 1912. Arquivo Público de Mato Grosso.
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Dos Pardieiros aos Palácios: cultura escolar e
urbana em Belo Horizonte na Primeira República. Passo Fundo: UPF, 2000.
KUHLMANN, Gustavo Fernando. Discurso proferido no lançamento da pedra
fundamental do Grupo Escolar Senador Azeredo, 1914. Arquivo da Casa Barão
de Melgaço.
MATOGROSSO. Decreto nº 258 de 20 de agosto de 1910. Arquivo Público de Mato
Grosso
____________. Jornal “O Matto Grosso”, 1916. Arquivo Público de Mato Grosso.
____________. Programa da Escola Modelo Annexa à Normal, 1924. Arquivo Público de
Mato Grosso.
____________.Regulamento da Instrução Pública, 1891. Arquivo Público de Mato Grosso.
_____________. Regulamento da Instrução Pública, 1896. Arquivo Público de Mato
Grosso.
_____________. Regulamento da Instrução Pública, 1910. Arquivo Público de Mato
Grosso.
_____________. Regulamento da Instrução Pública, 1927. Arquivo Público de Mato
Grosso.
____________. Resolução nº 508 de 16 de outubro de 1908. Regulamento da Instrução
Pública, 1892. Arquivo Público de Mato Grosso.
MELLO, Leowigildo Martins de. Relatório apresentado ao Secretário de Estado dos
Negócios do Interior Justiça e Fazenda, pelo Diretor da Escola Normal e Modelo
Anexa, 1911. Arquivo Público de Mato Grosso.
MOURA, Camillo Soares de. Exposição apresentada à Presidência do estado de Mato
Grosso pelo Interventor Federal, 1918.
OSORIO, Pedro Leite. Mensagem da Vice-Presidência do Estado de Mato Grosso à
Assembleia Legislativa. 1907. Arquivo Público de Mato Grosso.

junqueira&marin editores 192


1 MATO GROSSO - 1910
1
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Pública, pelo Diretor Interino das Escola Normal e Modelo Anexa, de 1915.
Arquivo Público de Mato Grosso.
PONCE, Generoso Paes Lemes de Souza. Mensagem da Presidência do Estado de
Mato Grosso à Assembleia Legislativa. 1892. Arquivo Público de Mato Grosso.
___________. Mensagem da Presidência do Estado de Mato Grosso à Assembleia
Legislativa. 1908. Arquivo Público de Mato Grosso
POUBEL E SILVA. Elizabeth Figueiredo de Sá. Escola Normal de Cuiabá: História da
formação de professores em Mato Gross (1910-1916). Cuiabá – MT: EdUFMT,
2006.
SÁ. Elizabeth Figueiredo de. De Criança a Aluno: As representações da escolarização
da infância em Mato Grosso (1910-1927). Cuiabá-MT: EdUFMT, 2007.
SÁ, Nicanor Palhares; SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. Co-educação, gênero e
direitos civis. In: SÁ,N.P.; SIQUIERA, E.M.; REIS, R.M. dos. Instantes & memória
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124.
SOUZA, Emerson José. Alfabetização de adolescentes, jovens e adultos na Primeira
República: As Escolas Regimentais. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em
Educação), Cuiabá, UFMT, 2011.
SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: A implantação da Escola Primária
Graduada no Estado de São Paulo (1890 – 1910). São Paulo: Fundação Editora
UNESP, 1998.
TOLEDO, Anibal. Mensagem da Presidência do Estado de Mato Grosso à Assembleia
Legislativa, 1930. Arquivo Público de Mato Grosso.

193 junqueira&marin editores


A ESCOLÃ PRIMÁRIA DO PIRUÍ

Maria do Ampar0 Borges Ferr0

povoamento e a colonização do Piauíaconteceram de forma


bastante peculiar. Aconteceram a partir da penetração dos
####|vaqueiros da Casa da Torre da Bahia, do Centro-Sul para o
litoral, e ao norte pelos exploradores que atravessavam a Serra da
Ibiapaba em busca das “campinas de belos pastos" de que tinham
notícia. Em 1674, Domingos Afonso Mafrense e seu irmão Julião
Afonso Serra, auxiliados por Francisco Dias de Ávila e seu irmão
Bernardo Pereira Gago (os dois últimos eram fazendeiros das terras
próximas ao rio São Francisco), vieram ao Piauí, em perseguição
aos índios Amoipiras e Ubirajaras, que frequentemente atacavam
suas fazendas nas terras fronteiriças entre Pernambuco e Bahia. Os
dois primeiros não tinham terra própria e eram arrendatários de
Francisco Dias de Ávila.

O interesse também era de expandir as fazendas e


estabelecer posse de novas terras. Assim é que, dois anos depois da
primeira entrada, em 1676, estes desbravadores pedem quarenta
léguas de sesmarias para situar as suas fazendas. Mafrense
estabelece então várias fazendas de gado.

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1 PIAUÍ - 1910 1

O Piauí era parte do território de Pernambuco até 1695, ano


em que foi desmembrado e teve sua administração entregue ao
governo do Maranhão. Somente em 1758 é criada a Capitania de São
José do Piauí, de forma autônoma e independente. Sua permanência
por tanto tempo sem autonomia, submetido a governos de outras
províncias sucessivas vezes, e sendo visto como terra de passagem,
terra contestada e sem sua própria identidade, mas sempre utilizada
em benefício de outras, levou Castelo Branco (1942) à seguinte
consideração:

A história política do Piauíé uma permanente afirmação desta


verdade. Seus deslocamentos constantes para uma e outra
esfera, ora incorporado ao Maranhão, ora a Pernambuco,
ressaltam sua natureza de terra de transição. (p. 18).

A consideração do território piauiense como terra de


passagem motivou Barbosa (1984) a afirmar que: “Até a década de
1660, aproximadamente, a região assemelhava-se a um corredor
migratório.” (p. 44).

Domingos Afonso Mafrense – o Sertão -, falecendo em 1711,


deixa por disposição testamentária as suas fazendas para serem
administradas pelos padres jesuítas, para o sustento de colégios e
seminários. Em consequência dessa decisão de Mafrense, o Piauí, que
não possuía sequer uma escola de primeiras letras, passa a sustentar
alguns dos principais colégios do Brasil no período colonial. A partir
de então, “[...] as duas mais importantes fundações culturais do Brasil
colonial, o Colégio da Bahia e o noviciado de Jiquitaia, passariam a ser
financiadas pela economia piauiense.” (NUNES, 1963:36).

Até o início do Império no Brasil, o Piauí praticamente não


teve governo realmente organizado, segundo um dos principais
estudiosos da história do Piauí, “[...] nas vésperas da independência,
ainda não havia governo estabilizado [...] Vivíamos período
retardatário de nossa evolução histórica. Viviamos nossa Idade
Média.” (NUNES, 1963, p.69).

A realidade do Piauísem escolas perdura por bastante tempo.


Há várias referências à solicitação de criação de aulas de primeiras

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1 PIAUÍ - 1910 1

letras e/ou de criação de cadeiras de uma ou outra matéria, que,


ou não são criadas, ou, se criadas, não chegam a funcionar, ou, se
iniciam o seu funcionamento, são fechadas em seguida. (FERRO,
1996).

A educação escolar demorou a se instalar no Piauí, e a sua


implantação se processou com avanços e recuos. Em documento de
1857, um estudioso da memória histórica desta província, ao tratar
da educação, afirma:

O Piauí foi a Província que mais tarde recebeu o benéfico


favor da instrução. Até 1814 o que se chama de instrução
elementar lhe era dada empiricamente por particulares
pouco habilitados, para exercerem tão importantes funções.
(ALENCASTRE, 1981, p. 89).

De acordo com levantamento feito por aquele historiador, a


situação da instrução primária e secundária em 1854 na Província
podia ser assim representada:

Tabela1-MapadascadeirasdeInstruçãoPrimáriaeSecundaria
da Província do Piauí, por comarcas e município - 1854.
Instrução Primária

junqueira&marin editores 196


1 PIAUÍ - 1910 1

Fonte: ALENCASTRE, J. M. P. Memória Cronológica, Histórica e Corográfica da Província do Piauí. 2 ed.


Teresina: COMEPI, 1981, p. 91.

Como se observa nesta tabela, em 1854, na capital


apenas setenta e nove alunos frequentavam o ensino
primário público e dezessete estudavam no único colégio de
ensino secundário.

Quarenta e oito cursavam as escolas particulares


e quarenta e sete órfãos estudavam as primeiras letras
e treinavam ofícios no Estabelecimento dos Educandos
Artífices.

No interior, nota-se a rarefação de escolas e o número


pequeno de alunos que as frequentavam.

No total, 983 (novecentos e oitenta e três) alunos


tinham acesso a algum tipo de atividade escolar no Piauí no
ano de 1855.

Nos últimos anos do Império a situação pode ser


representada pelo quadro abaixo:

197 junqueira&marin editores


1 PIAUÍ - 1910 1

Tabela 2- Piauí: Dados do ensino 1885-1889

Fonte: NUNES, O. Pesquisas para a História do Piauí. 2ª ed. Rio de Janeiro: Artenova. Vol. IV. 1975, p. 298.

No início da República, apesar das dificuldades e das


considerações já apresentadas neste trabalho, observa-se uma
crescente dinamização na busca pela escolarização. A chamada
efervescência instrutiva manifesta-se de várias formas.

Além da escolarização regular, das aulas particulares e ensino


no próprio âmbito da família, surgem alternativas de estudos que
atenderiam à realidade da época. O formal e o informal coexistem, se
mesclame secomplementam.Paralelo às iniciativas oficiais, asfamílias
tratavam de sanar as necessidades ou falhas, na tentativa de oferecer
condições para que seus filhos se iniciassem no mundo letrado.

Nos municípios era comum os alunos estudarem com os


vigários paroquiais que, por terem um bom nível de estudo, podiam
contribuir eficazmente para a orientação dos alunos. Caso desse
tipo foi o de Gabriel Ferreira que estudou com o padre Valamira,
vigário da cidade de Valença, e mais tarde chegou a governador do
Estado em 1891.

Os que moravam em cidades e vilas do interior, às vezes,


após os rudimentos iniciais de leitura, escrita e cálculo, seguiam
para Teresina para continuar os estudos, e depois rumavam para
outras capitais.

Aqueles que estudavam em Teresina ou se hospedavam


em casas de parentes, ou em algumas pensões que lhes ofereciam

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1 PIAUÍ - 1910 1

dormida e alimentação por preços módicos, muitas vezes, porém


em condições bastante precárias.

A oferta de internatos para estudantes era corriqueira e


existia desde as décadas anteriores. O Colégio de Nossa Senhora das
Dores, do educador Miguel Borges de Sousa Leal Castelo Branco, foi
um dos mais conceituados no final do Império.

Para moças e meninas, destaca-se o de dona Ana Leonor


Ferreira da Silva Conrado, que em 1875 colocava anúncio no jornal
A Imprensa oferecendo a sua casa para que os chefes de famílias que
residissem no interior pudessem mandar suas filhas à escola sem
incomodar parentes e amigos. Como garantia da idoneidade de sua
família e do tratamento que as jovens aí teriam, informava que era
mãe da professora pública Rosina Augusta da Silva Conrado, e que
garantia “[...] como mãe de família que é, tratar e pensar em suas
educandas, como se elas fossem suas próprias filhas”. (QUEIROZ,
1922, p. 107).

A LEI Nº 548, publicada em 30 de março de 1910 regulamenta


sobre a reforma e a instrução pública no estado e determina,
em seu art. 5, que o ensino público estadual será ministrado em
escolas isoladas e grupos escolares, distribuídos de acordo com as
necessidades do ensino.

O Regulamento Geral da Instrução pública (19 de abril de


1910) em seu título segundo, capítulo primeiro versa sobre o
ensino primário e estabelece em seu art. 76 como se organiza o
ensino primário no estado (escolas isoladas; grupos escolares;
escola modelo anexa a escola Normal).

No mesmo capitulo temos um parágrafo único falando


sobre o ensino complementar dado nos grupos escolares, na
escola modelo e nas escolas complementares na capital; no Art.
84 a organização dos grupos em prédios únicos, onde assim a
população permitir; no Art. 85 a divisão por seções, no § 2 sobre
os professores do grupo; bem como no art. 86 sobre a criação dos
grupos nas localidades onde a população seja suficiente. O Art. 88
estabelece que nos lugares onde forem criados grupos escolares

199 junqueira&marin editores


1 PIAUÍ - 1910 1

desaparecerão as escolas isoladas e, em parágrafo único, indica


como ficará a situação dos professores.

Em mensagem no ano de 1926 o governador da época


apresentava o tipo de escola que para ele mais convinha para
o Estado do Piauí, no caso, as escolas reunidas, por considerá
las menos dispendiosas, apresentado um maior número de
aproveitamento com relação às classes, sendo mais fácil também
sua instalação. A mesma mensagem no ano de 1926, informa que
no dia 23 de fevereiro de 1926 foi baixado um decreto de Nº 877
que fundia as escolas isoladas “Casusa Avelino” e “Frei Serafim”
e criava também mais duas cadeiras que constituiam o referido
grupo. A matrícula nesse estabelecimento foi de 151 alunos no ano.

O DECRETO-LEI Nº 693, sancionado em 14 de julho de


1943 – eleva à categoria de grupo escolar, “Landri Sales”, a escola
agrupada “Pereira Caldas”.

Segundo Ferro (1996, p.97), a situação dos prédios escolares


por volta de 1910 era precária, como informa o diretor de Obras
Públicas no governo de Eurípedes de Aguiar (1916-1920), que era
também professor.

Ao afirmar que o magistério lhe dera ensejo de apreciar de


perto a precariedade das instalações escolares, o engenheiro Luís
Mendes Ribeiro Gonçalves atesta:

A escola conserva o mesmo desconforto da minha meninice.


Grupos escolares, escolas agrupadas e nucleares continuam
instaladas em casas de aluguel, onde as alcovas, sem ar e luz
diretos, servem de salas de aula. (1980, p.256).

Este engenheiro foi, em 1919, o responsável pelo projeto


do primeiro prédio escolar do Estado, o edifício da Escola Normal
Oficial (construído especificamente para tal fim) e de vários outros
grupos escolares na capital e no interior. Segundo seu depoimento, o
prédio da Escola Normal foi erigido “[...] em expressiva coincidência,
no local em que, principalmente na fundação da cidade, se elevara a
chamada casa do ABC.” (op. cit. 257).

junqueira&marin editores 200


1 PIAUÍ - 1910 1

O prédio em questão teve o seu projeto realizado em


1919 e a construção iniciada em 1920. Em 1924, as solenidades
de transmissão do governo estadual já foram realizadas em suas
dependências. Hoje é conhecido como Palácio da Cidade e sedia a
Prefeitura Municipal de Teresina.

É também da mesma autoria o projeto do Liceu Piauiense,


e entre os grupos escolares construídos no período, com base em
seus projetos, cita-se em Teresina o Grupo Escolar “Abdias Neves”,
o “Matias Olímpio”, no bairro Porenquanto, o “Gabriel Ferreira”,
no bairro Vermelha, o “Domingos Jorge Velho”, no bairro Piçarra,
o “Engenheiro Sampaio” e o colégio do “Poti Velho”. No interior
do Estado, os grupos escolares em Picos, Campo Maior, Piripiri,
Amarante, Miguel Alves, Barras, Porto Alegre, Piracuruca, Pedro II,
Parnaíba, Floriano, Oeiras e as escolas agrupadas de Castelho, Bom
Jesus, São Raimundo e Palmeiras. Em 1942, o próprio engenheiro
Gonçalves declarava:

Sinto-me satisfeito de haver projetado e construído o


primeiro edifício público escolar de minha terra e de ser,
senão o construtor, pelo menos o autor do projeto de quantos,
com exclusão do atual Ginásio Parnaibano, ostentam cidades
e vilas piauienses. (GONÇALVES,1980, p.259).

Quanto ao equipamento, a situação era difícil desde o Império


e o anúncio de David Caldas anos antes, em jornal, que alertava os
pais de ex-alunos da sua escola para que viessem receber de volta
as cadeiras que haviam sido levadas para uso nas aulas, era muito
claro ao demonstrar isso. No anúncio, David Caldas solicitava
“[...] a alguns senhores cujos filhos há muito tempo deixaram de
freqüentar a dita escola, que mandem ver suas cadeiras”.

Na mensagem à Assembléia Legislativa de 1903, o


governador Arlindo Nogueira informa que havia em todo o Estado
89 escolas primárias com matrícula de 2.963 alunos e frequência
de 2.324.

A obrigatoriedade do ensino primário para todas as crianças


estava disposta na Resolução de n° 267 de 29 de junho de 1901

201 junqueira&marin editores


1 PIAUÍ - 1910 1

(gestão do governador Arlindo Nogueira), que estabelecia multa


de até R$ 20$000 aos infratores, e foi corroborada no governo
de Anísio de Abreu pela resolução n° 527 de 6 de junho de 1909.
Entretanto, se havia a disposição legal, a realidade estava distante
de alcançá-la, pois apenas uma pequena parcela da população de
crianças e jovens tinha acesso ao ensino.

Com a reforma de Antonino Freire, as escolas do Estado


passam a ter a seguinte classificação: escolas isoladas, escolas
reunidas, escolas complementares e grupos escolares.

De acordo com o governador João de Deus Pires Leal, em


mensagem de 1930, neste ano, a rede de ensino público piauiense
teve uma matrícula de 10.488 alunos.

Verifica-se, assim, que houve incremento da escolarização de


nível primário no Estado.

O Regulamento Geral da Instrução pública (19 de abril


de 1910) disciplina sobre a organização do grupo, indicando
como ocorrerá a nomeação do diretor pelo governador, dentre os
professores diplomados, as competências do diretor como a de
representação oficial do grupo, inspeção, fiscalização entre outras.

No capítulo segundo que trata da matricula e frequência,


temos o art. 105 determinando o período destinado às matriculas
e no § 1 como serão feitas essas matriculas (diretores e professores
designados). E no Art. 138 indica que o professor de cada turma do
1º ano nos grupos escolares, deverá sempre acompanhar os alunos
até o 4º ano.

A lei n° 548, publicada em 30 de março de 1910 fala sobre a


reforma e a instrução pública no estado e coloca em seu Art. 6 - §I
sobre a proibição aos professores de adotarem nas escolas e grupos
escolares livros de ataque aos grupos religiosos.

A mensagem de 1913 fazia referência à mulher para atuar no


magistério primário, devido a suas qualidades e competências para
lidar com crianças.

junqueira&marin editores 202


1 PIAUÍ - 1910 1

Regulamento Geral da Instrução Pública do Estado do Piauí


de 1910 em seu título primeiro, capítulo segundo que fala sobre a
organização do ensino, trata em seu art. 11 que o ensino primário
divide-se em particular e público, devendo este ser ministrado
oficialmente pelo estado e pelas municipalidades e aqueles por
professores particulares e associações.

A mensagem governamental de 1899 colocava que os


municípios são chamados a participar com o Estado do custeio da
instrução primária.

Em 1913 foi colocada em mensagem governamental a


preocupação com difusão do ensino primário pelos dirigentes.
Nessa mesma mensagem foi exposta a dificuldade da secretaria
da instrução pública com relação à falta de dados que deem a
conhecer quais os municípios que custeiam escolas, com exceção
de algumas que constam oficialmente como Floriano, Barra da
Estiva e Teresina. Essa situação acaba prejudicando o estado por
não dispor de informações precisas sobre a organização estatística
da população escolar do estado, apresentando assim dados
incompletos, considerando as municipalidades.

A mensagem de 1924 indica que nem todos os municípios


têm colaborado com a manutenção de escolas no estado, sendo
somente alguns poucos que ajudam, no sentido de investirem 20%
de suas rendas no ensino público primário.

Em mensagem no ano de 1928 o governador da época


colocava que o objetivo alto e patriótico da educação primeira é
procurar preparar futuros cidadãos, capazes de, por suas letras,
entrar com vantagem nas lutas pela vida.

O governador colocou em mensagem em 1929 que estar em


frequente entendimento com diversos governos municipais para a
fundação de novas escolas e grupos escolares.

O Regulamento Geral em seu título segundo, Capítulo


primeiro versa sobre o ensino primário e determina em seu
art. 104 que o governo do estado, de acordo com seus recursos

203 junqueira&marin editores


1 PIAUÍ - 1910 1

orçamentários, deverá proporcionar às escolas públicas instalação


em prédios apropriados e providenciar aparelhos materiais e
utensílios convenientes ao ensino, bem como mobiliário.

No ano de 1929 o governo afirma que mesmocomos recursos


escassos ainda pode aparelhar e inaugurar os grupos escolares de
Floriano, Picos, Campo Maior e Oeiras, além de nomear professoras.
Para o interior foram 28 normalistaas, só não sendo um número
maior devido à impossibilidade financeira.

O Decreto-lei nº 362, sancionado em 7 de maio de 1941 –


destina credito para construção de grupo escolar em Buriti dos
Lopes.

As despesas com educação não dão margem a uma análise


muito segura porque, além dos dados serem oficiais e quase
sempre os governos tenham interesse em mostrar um bom
desenvolvimento neste sentido, naquela época nem sempre o
ano orçamentário equivalia ao ano civil. Há vários casos em que o
orçamento referia-se apenas a alguns meses, e não ao ano inteiro.
O quadro abaixo, entretanto, pode oferecer uma ideia das despesas
com educação no cômputo das despesas gerais do Estado:

Tabela 3 – Comparativa entre Receita, Despesas Gerais e


Despesas Com Educação no Piauí (1904 – 1929)

junqueira&marin editores 204


1 PIAUÍ - 1910 1

Fonte: CEPRO, Cronologia do Piauí Republicano. 1889-1930.


Teresina: Fundação CEPRO, 1988, p. 217 e 221.

A mensagem governamental do ano de 1924


apresenta a dificuldade do estado em disseminar o ensino,
devido à extensão territorial e à densidade demográfica
populacional, agravada também pela falta de comunicação.
Nessa época o estado ainda apresentava um número de
escolas reduzido, mas, apesar disso, constatou-se um
considerável aumento no número de matriculas chegando
a 4.787 alunos.

205 junqueira&marin editores


1 PIAUÍ - 1910 1

A mensagem de 1925 ainda enfatiza o crescimento com


relação ao número de matriculas no estado e o número reduzido de
escolas. Nesse sentido expõe a necessidade da criação de escolas
e nomeação de leigos para provimento interino. Informa também
como tem se intensificado o movimento pelo ensino popular no
norte do estado, citando o exemplo de Parnaíba com a criação do
grupo “Miranda Osório” em 1922. A matrícula e a freqüência do
referido grupo desde sua criação tem sido apreciável, chegando a
atingir 233 alunos no ano de 1924.

Nesse mesmo ano foi inaugurado outro grupo em Jerumenha,


sob iniciativa do deputado Vicente Fonseca.

Segundo mensagem governamental, o estado contava, em


1926, com 79 escolas ou 97 cadeiras, assim distribuídas: 18 na
capital, 36 nas cidades, 25 nas vilas e 18 nos povoados. Cabia ainda
a cada cidade ex-vi, segundo o Decreto nº 721 de 6 de setembro de
1921, criar uma escola em cada vila e povoado, onde a população
em idade escola, assim o exigir. O governador ainda colocava na
época algumas dificultadas com relação ao erário para a construção
de mais escolas. Mas nesse mesmo período foram concluídos os
serviços do grupo escolar Demóstenes Avelino, inaugurado em 12
de outubro desse ano.

No ano de 1927 o governo enfatizava a melhoria da


instrução primária, uma vez que o nível já se elevava. A mensagem
desse ano faz menção a alguns grupos escolares já existentes,
Em Teresina, informa que há 2 grupos escolares estaduais em
funcionamento, a escola modelo e o grupo Demostenes Avelino,
havendo ainda a necessidade da criação de novos estabelecimentos
de instrução primária. Quanto ao interior, só há conhecimento de
um grupo escolar, o “Miranda Osório”, em Parnaíba, mas já existem
alguns projetos em andamento, segundo a referida mensagem
governamental, como os das cidades de Miguel Alves e Barras. Na
última, bem como em Livramento e Piripiri, havia escolas reunidas.

A mensagem de 1928 afirma que no ano de 1924 a matricula


primária em todo o estado foi de mais ou menos 4 mil crianças,
um número ainda considerado pequeno, tendo em vista o total

junqueira&marin editores 206


1 PIAUÍ - 1910 1

da população infantil em idade escolar. Com relação aos grupos


escolares foi destacado o grupo Demostenes Avelino, criado na
gestão do governador João Luize concluido durante a administração
de Matias Olimpio, sendo abertos mais grupos em Parnaíba, União,
Barras, Livramento, e Campo Maior, e inaugurado também o grupo
Matias Olimpio no Porenquanto.

O governador colocou, em mensagem de 1929, que está em


frequente entendimento com diversos governos municipais para a
fundação de novas escolas e grupos escolares. Ainda consta, nesta
mesma mensagem, a relação de escolas reunidas, isoladas e mistas.

Nesse mesmo ano, segundo o documento governamental,


havia no interior do Estado, no período em que assumiu, apenas
5 grupos escolares, sendo 2 em Parnaíba, 1 em União, 1 em Barras
e 1 em Livramento. Apenas os dois de Parnaíba e o de Barras
tinham instalações condignas e frequência satisfatória. O de União
funcionava num prédio impróprio, nem de carteiras dispunha,
as poucas que havia estavam estragadas. No entanto foi possível
reverter um pouco essa situação através de solicitação enviada ao
interventormunicipal,que alugoue adaptouvasto prédio,consertou
os móveis existentes e adquiriu novos. O interesse demonstrado por
Estado e municipalidades fez aumentar o número de matriculas em
escolas do Estado, tendo como exemplo a de União que era de 68
alunos e atingiu 126 no inicio desse ano.

Em outros municípios, a situação ainda é precária, como


no caso de Livramento, cujo grupo ainda está instalado num
salão dividido por gradil de madeira, de modo que foi preciso as
professoras estabelecerem 2 horários de aulas para quatro desses
cursos, funcionando pela manhã 1º e 3º anos e à tarde 2º e 4º.

Mas constatou-se nesse período, segundo o governador


da época, que o número de matrículas em todos os novos grupos
escolares ficou acima dos limites de lotação esperados. Daí a
necessidade do aumento no corpo docente e criação de novos grupos.

Alguns dados sobre as matrículas no Estado: em Oeiras o


grupo escolar Costa Alvarenga, apresentou um total de matriculas

207 junqueira&marin editores


1 PIAUÍ - 1910 1

de 165 alunos, no dia da inauguração 21/04 chegando a tingir 180


três dias depois, conforme informação do inspetor escolar.

Em Parnaíba, onde a matrícula no ano passado foi de 998


alunos, nesse ano, segundo relatório do Diretor Geral da instrução,
foi de apenas 606, mas, segundo intendente municipal, atingiu
2197 alunos, incluindo as escolas particulares.

Em 1930 o número de matriculas no ensino primário chegou


a 5.500 alunos nas escolas do Estado e municípios.

A instrução pública primária era, então, ministrada no


Estado em 20 grupos escolares, incluindo a escola Modelo da
capital e 82 escolas isoladas. Nesses grupos e escolas estão
providas, segundo governador da época, 151 cadeiras por
normalistas e 44 por leigos. Daquelas, 6 são mantidas pela
municipalidade de Teresina, e 6 pela de Parnaíba. Nos grupos
escolares de capital há apenas uma professora leiga, e no interior
5 adjuntas não diplomadas.

É possível observar que, no Piauí, a instalação da escola


primária nos moldes dos grupos escolares, iniciada no período da
Primeira República, contribuiu decisivamente para a consolidação
definitiva do sistema escolar. ♠

Referências

ALENCASTRE, José Martins Pereira. Memória cronológica, histórica e corográfica da


Província do Piauí. 2ª ed. Teresina; COMEPI, 1981.
BARBOSA, Tânia Maria Brandão. O escravo na formação social do Piauí: perspectiva
histórica do século XVIII. Pernambuco: UFPE. 1984. Dissertação de Mestrado.
Mimeo.
CASTELLO BRANCO, Renato P. A civilização do couro. Teresina: DEIP, 1942.
CEPRO, Cronologia do Piauí Republicano. 1889-1930. Teresina: Fundação CEPRO,
1988, PP. 217 e 221.
FERRO, Maria do Amparo Borges. Educação e sociedade no Piauí republicano.
Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1996.

junqueira&marin editores 208


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GONÇALVES, Luis Mendes ribeiro. Impressões e perspectivas. Brasília: Gráfica do


Senado, 1980.
NUNES. Odilon. Súmula de história do Piauí. Teresina: Edições Cultura, 1963.
___. Pesquisas para a história do Piauí. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Artenova, 1975. V. II
e IV.
PIAUHY. Leis e decretos do Estado do Piauhy do ano de 1910. Regulamento Geral da
Instrução Pública do Estado do Piauhy, de 19 de abril de 1910.
PIAUHY. Leis e decretos do Estado do Piauhy do ano de 1910. Reforma da Instrução
Pública do Estado. Lei nº 548, de 30 de março de 1910.
______. Decreto 721 – 6 setembro 1921. In: PIAUHY. Mensagem do Governador,
Mathias Olympio de Mello, a Câmara Legislativa, em 1926. Teresina, 1926.
PIAUÍ. Leis e Decretos de 1941. Decreto-Lei Nº 362, de 7 de maio de 1941.
PIAUÍ. Leis e Decretos de 1942. Decreto-Lei Nº 501, de 10 de março de 1942.
PIAUÍ. Leis e Decretos de 1943. Decreto-Lei Nº 693, de 14 de julho de 1943.
PIAUHY. Mensagem apresentada à Câmara Legislativa a 1º de junho de 1899 pelo Dr.
Raymundo Arthur de Vasconcellos, governador do Estado. Teresina, 1899.
PIAUHY. Mensagem apresentada à Câmara Legislativa no dia 1º de junho de 1913
pelo Exm. Sr. Dr. Miguel de Paiva Rosa, governador do Estado. Teresina, 1913.
PIAUHY. Mensagem apresentada à Câmara Legislativa pelo Exm. Sr. Dr. João Luiz
Ferreira, governador do Estado, no dia 1º de junho de 1924. Teresina, 1924.
PIAUHY. Mensagem do Governador, Mathias Olympio de Mello, à Câmara Legislativa,
em 1925. Teresina, 1925.
PIAUHY. Mensagem lida a 1º de junho de 1927, perante a Câmara Legislativa do Estado
do Piauhy, pelo governador Exm. Sr. Dr. Mathias Olympio de Mello. Teresina, 1927.
PIAUHY. Mensagem lida a 1º de junho de 1928, perante a Câmara Legislativa do
Estado do Piauhy, pelo governador Exm. Sr. Dr. Mathias Olympio de Mello.
Teresina, 1928.
PIAUHY. Mensagem apresentada à Câmara Legislativa pelo Dr. João de Deus Pires
Leal. Governador do Estado do Piauhy. Teresina: Imprensa Oficial, 1929.
PIAUHY. Mensagem apresentada à Câmara Legislativa do Estado do Piauhy, a 1º de
junho de 1930, pelo governador Exm. Sr. Dr. João de Deus Pires Leal. Teresina:
Imprensa Oficial, 1930.
RESOLUÇÃO 267 – 29 junho 1901. In: PIAUHY, Mensagem apresentada à Câmara
Legislativa pelo Exmo. Sr. Dr. Alindo Nogueira, Governador do Estado, no dia 1º de
junho de 1901. Teresina, 1901
RESOLUÇÃO 527 – 6 de junho de 1909. Governo do Estado do Piauí, Teresina, 1909.
QUEIROZ. Teresinha de Jesus Mesquita. Os literatos e a República: Clodoaldo Freitas,
Higino Cunha e as tiranias do tempo. São Paulo: USP. Teses de Doutorado. 1992.
Mimeo.

209 junqueira&marin editores


SERGIPE - 1911

NOTAS PARA UMA REFLEXÃO ACERCA DA ESCOLÃ PRIMÁRIA


REPUBLICANÃ EM SERGIPE (1889-1930)

Jorge Carvalh0 do Nasciment0

sessão festiva, com o apoio das câmaras e de representantes de


várias vilas e cidades, elegeu uma Junta Provisória encarregada de
assumir o governo, com a participação do proprietário de engenho
Vicente Luís de Oliveira Ribeiro; do capitão do Exército José de
Siqueira Menezes; e do professor Baltazar de Araújo Góis. Naquele
momento, a população de Sergipe havia acabado de ultrapassar a
marca dos 300.000 habitantes e a cidade de Aracaju, a capital, tinha
16.336 moradores".

31 Cf. NUNES, Maria Thetis. História da Educação em Sergipe. São Cristóvão:


Editora UFS, 2008. p. 185.

junqueira&marin editores 210


1 SERGIPE - 1911 1

Este trabalho busca contribuir para uma reflexão acerca


da escola primária dos republicanos em Sergipe, tentando
compreender o impacto causado pelas reformas educacionais
no Estado, os modelos de escola adotados, a nova organização
pedagógica,oprocessode expansão da redeescolare os mecanismos
de financiamento adotados pelos governantes organizadores das
instituições escolares.

I - Os modelos de escolas primárias

Sob as duas primeiras décadas do regime republicano, a


escola primária de cadeiras isoladas, ou escola singular, continuou
a ser o modelo predominante em Sergipe. A escola primária de
cadeiras isoladas era de dois tipos: a escola elementar e a escola
complementar. Mais valorizada, a escola complementar podia
contar com professores que recebiam melhor remuneração que
aquela oferecida aos professores da escola primária elementar:
“deixei no ensino primário o estímulo para os bons professores,
dividindo-o em elementar e complementar, dando aos mestres
deste último melhor remuneração” – informava o presidente do
Estado de Sergipe, Martinho Garcez, em 189732.

Não obstante a importância que ganhou em vários Estados


do Brasil, a partir da experiência do Estado de São Paulo, o modelo
da escola primária seriada, principalmente o dos grupos escolares,
somente seria assumido em Sergipe a partir de 1911, do mesmo
modo que era adotado por políticos e educadores de outros Estados.
Mesmo antes da inauguração do primeiro grupo escolar no Estado
de Sergipe, o modelo de São Paulo era visto por dirigentes políticos
sergipanos como uma possibilidade de resolver o problema da

32 Cf. GARCEZ, Martinho. Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa pelo


Presidente do Estado, Dr. Martinho Garcez, por ocasião da abertura da Sessão
Ordinária de 1897. Aracaju: Imprensa Official, 1897. p. 29.

211 junqueira&marin editores


1 SERGIPE - 1911 1

escola primária no Estado: “É triste ver o processo de ensino


ainda em uso neste Estado, representando um atraso semi
secular, comparado a Estados como o de São Paulo, na vanguarda
da instrução pública brasileira” 33 – afirmava o presidente do
Estado, José Rodrigues da Costa Dória, no mesmo ano em que
inaugurara o primeiro grupo escolar sergipano. Maria Lúcia
Hilsdorf esclarece que:

A partir do final da década de 1890 a presença de


lideranças de São Paulo no governo federal colabora para
a disseminação em outros estados do modelo paulista de
organização escolar e metodológica, representado como
o mais adequado para a modernidade republicana: Ceará,
Espírito Santo, Mato Grosso, Goiás, Piauí, Sergipe, Santa
Catarina e Paraná34.

Assim, mesmo sem a sua efetiva implementação, do


ponto de vista da legislação estadual, a escola primária pública
seriada foi regulamentada em Sergipe em cinco de agosto de
1901, através do Decreto 501. Mesmo com a edição deste ato
legislativo, a instrução primária pública prosseguiu ministrada
exclusivamente em escolas isoladas mistas e também em escolas
para alunos do sexo masculino e outras para estudantes do sexo
feminino. O modelo da escola isolada, contudo, era objeto de
muitas críticas: “A aula em casa do professor é cômodo para este,
em prejuízo do ensino; os misteres domésticos são atendidos de
preferência aos afazeres do magistério”35 – criticava o médico

33 Cf. DÓRIA, José Rodrigues da Costa. Mensagem apresentada à Assembléia


Legislativa do Estado em 7 de Setembro de 1911 na instalação da 2ª Sessão
Ordinária da 10ª Legislatura pelo Presidente do Estado, Dr. José Rodrigues da
Costa Dória. Aracaju: Typografia d’O Estado de Sergipe, 1911. p. 52.

34 Cf. HILSDORF, Maria Lúcia Spedo. História da Educação Brasileira:


leituras. São Paulo, Pioneira Thomson Learning. 2003, p. 71.

35 Cf. DÓRIA, José Rodrigues da Costa. Mensagem apresentada à Assembléia


Legislativa do Estado em 7 de Setembro de 1911 na instalação da 2ª Sessão

junqueira&marin editores 212


1 SERGIPE - 1911 1

Rodrigues Dória, governante de Sergipe no ano de 1911.


Paralelamente à matrícula da escola primária pública, era
significativa a oferta de vagas por estabelecimentos de ensino
primário privado.

A implantação efetiva da escola primária seriada ocorreu


após a edição do Decreto 563, que vigorou a partir do dia 12
de agosto de 1911, estabelecendo uma nova organização para
o ensino no Estado e, na prática, definiu os dois principais
modelos adotados doravante: a escola isolada e a escola seriada,
funcionando esta última nos grupos escolares.

O Grupo Escolar Modelo, criado em 1910 e inaugurado


em 1911 na cidade de Aracaju, foi a primeira instituição dessa
natureza a funcionar em Sergipe. A sua inauguração causou
grande impacto, principalmente se considerarmos que, naquele
ano, das 179 escolas primárias que o Estado mantinha apenas
quatro estavam instaladas em prédios próprios estaduais. A
regra geral era de que as escolas primárias funcionassem em
casas particulares alugadas pelas próprias professoras, “sendo
precárias suas instalações, e a maioria deles não apresentava as
mínimas condições de higiene” 36. Essa política de implantação
dos grupos escolares em Sergipe ganhou mais clareza a partir
do mês de setembro de 1911. Naquela data, uma Mensagem
encaminhada à Assembléia Legislativa pelo presidente do
Estado, José Rodrigues da Costa Dória, fazia uma análise do
quadro educacional sergipano e apontava o modelo dos grupos
escolares como o ideal para a reforma da instrução pública que
este se propunha a empreender37.

Ordinária da 10ª Legislatura pelo Presidente do Estado, Dr. José Rodrigues da


Costa Dória. Aracaju: Typografia d’O Estado de Sergipe, 1911. p. 54.

36 Cf. NUNES, Maria Thetis. História da Educação em Sergipe. São Cristóvão:


Editora UFS, 2008. p. 215.

37 Cf. SERGIPE. Decreto 563, de 03 de agosto de 1911.

213 junqueira&marin editores


1 SERGIPE - 1911 1

O projeto de implantação do modelo dos grupos escolares


estava articulado ao discurso da modernização pedagógica e
ganhou contornos mais nítidos na voz do médico Helvécio de
Andrade, duas vezes diretor da instrução pública: a primeira, no
período de 1913 a 1918 e, a segunda, de 1930 a 1935. Helvécio de
Andrade representou em Sergipe o entusiasmo que contaminou
os governos dos demais Estados em face das reformas que se
irradiaram a partir de São Paulo, pela visibilidade que estas
ganharam junto à opinião pública, em função do seu caráter
moderno, que se exprimia através de um discurso de racionalidade
técnica dos profissionais de educação, da legitimação que se
poderia obter ao articular-se com a Associação Brasileira de
Educação e pelo caráter espetaculoso dos modelos arquitetônicos
dos grupos escolares que passaram a adotar, inspirando-se na
arquitetura escolar adotada em São Paulo.

O entusiasmo que o professor Helvécio de Andrade reiterava


sempre em relação ao projeto reformador de São Paulo fez com
que, ao dirigir a Instrução Pública em Sergipe pela segunda vez,
no período de 1930 a 1935, autorizasse a viagem àquele Estado
de vários intelectuais da Educação sergipanos, como o professor
José Augusto da Rocha Lima, em 1931. Antes da viagem de José
Augusto da Rocha Lima, em 1924, o então diretor da Instrução
Pública, Abdias Bezerra, também viajou para a capital do mesmo
Estado com o objetivo de conhecer as reformas do ensino ali
implementadas.

O modelo dos grupos escolares, portanto, entusiasmou


lideranças políticas e intelectuais de Sergipe e como em São Paulo
e nos demais Estados a proposta era tida como a solução para o
problema das escolas isoladas:

São justamente os grupos escolares que podem fomentar


com segurança os progressos da instrução popular. O
ensino isolado é trabalhoso, requer duplicado esforço
do professor e não poucas vezes deixa as coisas em meio
caminho. Não quero dizer que se pense em acabar de vez
com o ensino isolado, pois este se impõe, por enquanto,
na maioria das casas, mas que a criação de grupos é uma

junqueira&marin editores 214


1 SERGIPE - 1911 1

necessidade, onde quer que se possam reunir pelo menos


seis escolas38.

Mesmo após a implantação dos primeiros grupos escolares,


durante a Primeira República, em Sergipe, era nítido o convívio
de três modelos de escola primária: as escolas isoladas, os grupos
escolares e as escolas reunidas. A preocupação com a criação de
grupos escolares não negava a permanência das escolas isoladas.
Isso pode ser compreendido, uma vez que a construção de grupos
exigia muitos gastos. Assim, o grupo escolar era uma exceção no
conjunto de escolas estaduais. Os números referentes à matrícula
demonstram claramente a força dos demais modelos de escolas
existentes.Em1922,enquanto amatrículaera de 10.032 estudantes,
apenas 1.193 eram alunos dos grupos escolares. Portanto, somente
11,89 por cento dos alunos frequentavam os grupos escolares.
Oito anos depois, em 1930, de um total de 16.834 estudantes
matriculados, apenas 2.541 estavam nos grupos escolares. A
participação dos grupos escolares nas matrículas, portanto, havia
subido, em oito anos, de 11.89 para 15,09 por cento do total.

Um relatório publicado pelo professor Helvécio de Andrade


em 1926 é revelador de que não obstante o entusiasmo dos
intelectuais da Educação e das lideranças políticas, algumas vezes,
sob tal convívio, o modelo dos grupos escolares não era visto com
muito entusiasmo pela população e pelos professores:

Segundo estou bem informado acham-se matriculados no


grupo “Vigário Barroso”, em São Cristóvão, 57 crianças,
distribuídas por cinco classes, enquanto há duas escolas
isoladas com 90 crianças uma, e com 70 outra, matriculadas.
Não se pode dar testemunho mais cabal do desprestígio em
que caíram esses estabelecimentos, em que foram gastas

38 Cf. ASSIS, Antônio Xavier de. 1919. Relatório apresentado a Diretoria


de Instrução Pública de Sergipe pelo inspetor escolar Antônio Xavier de Assis.
Estado de Sergipe, 18 de janeiro. p. 5.

215 junqueira&marin editores


1 SERGIPE - 1911 1

elevadas somas de dinheiro. Talvez porque fosse tão pouco


procurado o grupo acima referido, 3 das 5 professoras à ele
pertencentes passaram quase todo o ano na capital39.

Sob determinadas condições, a rejeição ao modelo dos


grupos escolares se expressava através da redução do número de
matrículas. No Grupo Escolar Coelho e Campos, no município de
Capela, a partir de 1929, começou a haver uma evasão de alunos
antes desconhecida. O diretor do Grupo, Bruno Manoel de Carvalho,
informou por mais de duas vezes que alunos já matriculados
na instituição continuavam saindo para as escolas particulares
existentes na cidade, inclusive para o colégio das freiras, o
Imaculada Conceição, que acabara de entrar em funcionamento.
Do mesmo modo, a redução do número de alunos matriculados foi
responsável pela extinção do grupo escolar anexo à Escola Normal.

A crítica ao modelo dos grupos escolares estava posta desde


que começaram as primeiras obras do novo modelo de escola e
persistiram ao longo de toda a primeira metade do século XX. Em
1924, o presidente do Estado de Sergipe, Maurício Graccho Cardoso,
entusiasmado defensor dos grupos escolares e responsável
pela construção de 10 edifícios para a instalação dessas escolas,
assinalou:

formou-se uma corrente de opiniões infensas à instituição


dos grupos escolares. Os partidários de tais sugestões
alegam que as crianças de famílias mal remediadas não os
freqüentam, por não servirem de pasto à crítica desapiedada
dos condiscípulos opulentos; que na hipótese provável
das povoações estenderem a sua área de edificação, os
meninos residentes nos pontos mais afastados ficarão
impossibilitados de comparecer às aulas diariamente; que,

39 Cf. ANDRADE, Helvécio de. 1926. Instrução Pública: necessidade de


uma regulamentação definitiva dos ensino primário e normal. Relatório
apresentado ao exmo sr. dr. Cyro de Azevedo, D. Presidente do Estado. Em
novembro de 1926. Aracaju, Typ. do Sergipe Jornal. P. 7.

junqueira&marin editores 216


1 SERGIPE - 1911 1

com o acréscimo do número de habitantes, não haverá


lugar para o excesso da população em idade escolar e, por
fim, que são muito onerosas as despesas com a construção
dos edifícios e sua manutenção, sem maior proveito para a
infância que o obtido nas escolas isoladas40.

II - A Organização Pedagógica

Em 1889, uma das primeiras providências, dentre as que


foram tomadas pelo novo governo republicano de Sergipe, foi
designar uma comissão encarregada de elaborar um projeto
para reforma da instrução pública, com a participação do novo
diretor-geral da Instrução Pública, Galdino Teles de Menezes
e dos professores do Atheneu Sergipense, Geminiano Pais de
Azevedo e Alfredo de Siqueira Montes. A comissão concluiu que
deveria continuar vigorando o Regulamento da instrução pública
aprovado em 13 de maio de 1882. Em face do trabalho desta
Comissão, o Governo Provisório baixou um “novo” Regulamento
da Instrução Pública, em 10 de dezembro de 1889, que reproduzia,
na prática, a legislação de 1882. Uma das poucas inovações
estabelecia a realização de concurso público para ingresso no
magistério primário, mas criava também um ponto de fuga para
as acomodações políticas: o governo poderia nomear qualquer um
dos habilitados, independentemente da ordem de classificação, em
face do que designava conveniência para o ensino e mérito moral
do interessado.

O primeiro Presidente do Estado de Sergipe, Felisbelo


Firmo de Oliveira Freire, foi empossado no dia 13 de dezembro
de 1889. 17 dias após a sua posse, o novo governante designou

40 Cf. CARDOSO, Mauricio Graccho. Mensagem apresenta à Assembléia


Legislativa, em 7 de setembro de 1924, ao instalar-se a 5ª sessão ordinária
da 13ª legislatura, pelo Dr. Mauricio Graccho Cardoso, Presidente do Estado.
Aracaju: Imprensa Oficial, 1924. p. 18.

217 junqueira&marin editores


1 SERGIPE - 1911 1

uma nova comissão encarregada de propor uma reforma do ensino:


Gumercindo Bessa, Tomás Leopoldo e Alfredo Montes. Dentre os
encargos do grupo, a designação explicitava a necessidade de pensar
acerca do melhor método de ensino para as escolas primárias e dos
livros a serem adotados. Os membros da comissão divergiram muito
entre si e, no mês de janeiro de 1890, Gumercindo Bessa renunciou
ao encargo. O pomo da discórdia foi a defesa que ele fazia de
“pontos importantes como a obrigatoriedade do ensino elementar,
a educação dos sentidos e a adoção de método objetivo nas escolas
primárias, a elevação do nível intelectual e moral dos professores...”41.
O presidente do Estado, Felisbelo Freire, todavia, continuou a ouvi-lo
e editou decreto no dia 12 de março de 1890 estabelecendo vários
desses pontos, em reforma que antecedeu a de Benjamin Constant:

O ensino primário, estruturado, abrangia Lições de Coisas,


Língua Nacional, Aritmética e Sistema Métrico, Geometria
Prática, Ciências Físicas e Naturais, Geografia e História do
Brasil, Desenho Linear, Canto, Preceitos Gerais de Higiene e
Exercícios Físicos. Nas escolas femininas, ainda ensinavam
se Trabalhos Domésticos e Corte de Padrões42.

O regulamento também abolia o ensino religioso das escolas


primárias. A reforma de Felisbelo Freire estabeleceu ainda que os
não portadores de diploma expedido pela Escola Normal somente
teriam direito a inscrição nos concursos públicos para professores
primários quando não houvesse qualquer portador de diploma
concorrendo.

Primeiro presidente eleito de Sergipe, nos termos da


Constituição Estadual promulgada em 1891, José Calazans sancionou
a Lei nº 35, em 18 de agosto de 1892, e editou o Decreto 45, em 19

41 Cf. NUNES, Maria Thetis. História da Educação em Sergipe. São Cristóvão:


Editora UFS, 2008. p. 188.

42 Cf. NUNES, Maria Thetis. História da Educação em Sergipe. São Cristóvão:


Editora UFS, 2008. p. 189.

junqueira&marin editores 218


1 SERGIPE - 1911 1

de janeiro de 1893, reorganizando o ensino público e adequando


a reforma aprovada por Felisbelo Freire aos termos da Reforma
Benjamin Constant. Do ponto de vista da instrução primária, na
prática, a reforma concebida durante o governo Calazans manteve
tudo aquilo que a legislação de Felisbelo Freire estabelecera.

Um novo ordenamento pedagógico da escola primária no


período republicano em Sergipe foi estabelecido em cinco de agosto
de 1901, através do Decreto 501. O Decreto 563, que vigorou a partir
do dia 12 de agosto de 1911, estabeleceu uma nova organização
para o ensino no Estado. Tal dispositivo disciplinou com precisão “os
métodos a seguir, definindo com rigor as obrigações do professorado
primário”43. Concebido sob inspiração do professor Carlos da Silveira,
que o presidente de Sergipe,Rodrigues Dória, trouxe de São Paulo para
reformar a instrução pública sergipana, o novo Decreto apresentava,
no seu preâmbulo, os fundamentos sob os quais se inspirava:

atendendo que o ensino público primário deste Estado é


ainda ministrado por processos obsoletos e condenados
pela moderna Pedagogia; atendendo a que o ensino
normal não preenche os fins a que é destinado, não tendo
o desenvolvimento atualmente dado a esta matéria na
sua relevante importância, nos métodos de ensino, na
conservação da saúde da criança e no seu desenvolvimento,
sem que lhe sirva de estorvo, e antes lhe seja auxiliar44.

O regulamento foi considerado à época um grande avanço,


ao estabelecer ensino primário público e gratuito e igual para
ambos os sexos, organizando o ensino primário em escolas

43 Cf. VALLADÃO, Manuel Prisciliano de Oliveira. Mensagem dirigida à


Assembléia Legislativa de Sergipe pelo Presidente do Estado, General Manuel
P. de Oliveira Valladão em 7 de Setembro de 1918 ao installar-se a 2ª Sessão
Ordinária da 13ª Legislatura. Aracaju: Imprensa Oficial, 1918. p. 8.

44 Cf. NUNES, Maria Thetis. História da Educação em Sergipe. São Cristóvão:


Editora UFS, 2008. p. 223.

219 junqueira&marin editores


1 SERGIPE - 1911 1

isoladas e em grupos escolares. A norma tentava dotar os edifícios


destinados a escolas primárias públicas de condições pedagógicas
adequadas, organizava o Serviço de Estatística Escolar, criava o
Fundo Escolar (com a finalidade de adquirir livros e material
escolar para os estudantes pobres) e obrigava a inspeção escolar
em todas as escolas primárias. Modificou também a grade
curricular das escolas públicas primárias, definindo as seguintes
disciplinas:

Tabela 1- Disciplinas ministradas


na Escola Primária Pública - 1911

Fonte: Decreto 563, de 12 de agosto de 1911.

O conteúdo do dispositivo que estabeleceu esta reforma foi


ratificado no dia 22 de setembro do mesmo ano pela Assembléia
Legislativa e transformado na Lei 592.

Em 28 de julho de 1914, uma nova reforma aconteceu, com


a aprovação da Lei 663, regulamentada pelo Decreto 587, de nove
de janeiro de 1915. Três meses depois, outro Decreto, o 630, de 24
de abril, estabeleceu mais algumas alterações. Esses atos foram
sucedidospela Lei 686,de 27 de outubro de 1915e pelos decretos de
24 de abril e 17 de junho de 1916. Esta última lei e os dois decretos
que a regulamentaram foram produzidos sob a gestão do general
Oliveira Valadão, que então presidia Sergipe. O conjunto normativo
buscava adequar melhor as condições de ensino do Estado de
Sergipe ao modelo das reformas que se implementava nos Estados
de São Paulo e Minas Gerais, estimulando principalmente a criação
de novos grupos escolares. O currículo da escola primária foi outra
vez reformulado, mas foram mantidas as disciplinas definidas pela

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1 SERGIPE - 1911 1

reforma aprovada em 1911 e a elas acrescentadas quatro novas


disciplinas:

Tabela 2 – Disciplinas ministradas


na Escola Primária Pública - 1915

Fonte: Lei 686, de 27 de outubro de 1915.

Outra grande reforma seria estabelecida em 11 de março de


1924, por intermédio do Decreto 867, através do qual o presidente
do Estado, Maurício Graccho Cardoso, estabeleceu o Regulamento
Geral da Instrução Pública de Sergipe. Com ele, o ensino primário
foi dividido em duas fases: Elementar e Superior, com três anos
de duração em cada uma delas. O currículo da escola primária
Elementar foi definido do seguinte modo:

Tabela 3 – Disciplinas ministradas


na Escola Primária Pública Elementar - 1924

Fonte: Decreto 867, de 11 de março de 1924.

221 junqueira&marin editores


1 SERGIPE - 1911 1

Durante a Primeira República em Sergipe a escola


primária pública conheceu todas essas reformas, mas continuou,
praticamente, funcionando sob a condição de escola isolada. A
escola seriada, efetivamente implantada s partir de 1910, com
a inauguração dos primeiros grupos escolares, depois que o
professor Carlos da Silveira chegou de São Paulo para assumir o
cargo de diretor da Instrução Pública, foi, de fato uma exceção.
Mas, o funcionamento dos grupos escolares permitiu que pouco a
pouco algumas escolas isoladas fossem transformadas em escolas
reunidas e assumissem os princípios de organização pedagógica da
escola seriada.

A reforma que vigorou a partir de 1918 criou a escola


complementar da instrução primária, que consistia em mais um
ano de estudos destinado aos alunos que frequentaram as escolas
isoladas e os grupos escolares. A escola complementar criada
por esta reforma era um conceito novo, divergente do que se
conhecia até então como escola complementar. A noção anterior
fora dada ainda em 1897, nos primórdios do regime republicano,
pelo Presidente Martinho Garcez, que governou Sergipe naquele
ano. Esta nova escola complementar era definida pelos estudos
que se seguiam às primeiras letras, período chamado de escola
elementar. Agora, em 1918, os que frequentavam a escola
complementar adquiriam o direito de ingresso no curso da
Escola Normal sem exame de admissão. Além disso, a escola
complementar da instrução primária pretendia combater o
preconceito arraigado nas famílias de maior poder aquisitivo que
ainda davam preferência a educação doméstica e consideravam
que “a escola primária é destinada tão somente às crianças
desprovidas de recursos”45. A escola complementar implantada
em 1918 era o reconhecimento pelo Estado das fragilidades da

45 Cf. VALLADÃO, Manuel Prisciliano de Oliveira. Mensagem dirigida à


Assembléia Legislativa de Sergipe pelo Presidente do Estado, General Manuel
P. de Oliveira Valladão em 7 de Setembro de 1918 ao installar-se a 2ª Sessão
Ordinária da 13ª Legislatura. Aracaju: Imprensa Oficial, 1918. p. 9.

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1 SERGIPE - 1911 1

instrução primária que oferecia. Fragilidade acentuada ainda


mais em 1919 pelo novo presidente do Estado, Pereira Lobo, ao
estender de um para dois anos o período de frequência à escola
complementar: “Parece-me, ainda, curto o prazo de um ano para
que sejam bem lidas e aprendidas as matérias que lhe constituem
o curso”46.

Nos primeiros anos do regime republicano em Sergipe, os


própriospresidentes do Estado,movidospelodiscursoeducacional
dos intelectuais da República, reiteravam o reconhecimento da
inadequação dos métodos pedagógicos, a exemplo do que fez,
em 1905, Josino Meneses: “A instrução pública (...) não foi, por
motivos superiores ao momento, modelada pelos métodos e
aparato da Pedagogia Moderna”47.

Preocupado com a modernização pedagógica do ensino


em Sergipe, ainda em 1909, como já assinalado, o presidente do
Estado, Rodrigues Dória, designou o professor Carlos da Silveira,
diretor do Grupo Escolar da Avenida Paulista, para o cargo de
diretor da Instrução Pública, a fim de reorganizar a política
educacional sergipana. A transferência do técnico paulista para
Sergipe resultou de um processo de negociação entre os governos
dos dois Estados, mediado em São Paulo pelo deputado federal
Pedro Dória e pelo secretário do Interior daquele Estado, Carlos
Guimarães. O técnico paulista propôs um plano que previa a
construção de grupos escolares, a organização do serviço de
inspeção escolar, a adoção dos novos métodos de ensino e a

46 Cf. LOBO, José Joaquim Pereira. Mensagem apresentada à Assembléia


Legislativa, em 7 de setembro de 1919, ao installar-se a 3ª Sessão Ordinária
da 13ª Legislatura, pelo Coronel Dr. José Joaquim Pereira Lobo, Presidente do
Estado. Aracaju: Imprensa Oficial, 1919. p. 18.

47 Cf. MENESES, Josino. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa de


Sergipe da 2ª Sessão Ordinária da 7ª Legislatura em 7 de Setembro de 1905
pelo Presidente do Estado, Josino Meneses. Aracaju: Empreza do O Estado de
Sergipe, 1905. p. 53.

223 junqueira&marin editores


1 SERGIPE - 1911 1

remodelação dos ensinos normal e secundário. O projeto de


Carlos da Silveira previa também a importação do material escolar
necessário ao bom funcionamento dos grupos escolares: “globos,
mapas, sólidos geométricos, sistema de pesos e medidas, séries
de seres orgânicos e inorgânicos, material para as lições de coisas
etc..” 48

O método adotado na escola primária era então


diagnosticado como um problema de gravidade em Sergipe:

O ensino obtido por métodos atrasados, não


corresponde aos gastos que o Estado faz com este ramo
de serviço, como já tive ocasião de dizer: a criança
aprende pela repetição fastidiosa e cansativa e não
porque se procure desenvolver nela a compreensão
das coisas49.

A influência do professor Carlos da Silveira estimulou


muito a aplicação do método intuitivo, que caracterizou os
primeiros anos de funcionamento dos grupos escolares em
Sergipe.

A prática do método intuitivo introduzida em Sergipe


em 1911, iniciada com vigor, que conquistou a confiança
geral pela disciplina imposta a docentes e discentes,
quase perdeu o caráter de método geral, mesclado que
se acha de práticas obsoletas50.

48 Cf. ANDRADE, Helvécio de. 1914. Relatório apresentado ao presidente do


Estado pelo Dr. Helvécio de Andrade.P. 18.

49 Cf. DÓRIA, José Rodrigues da Costa. Mensagem apresentada à Assembléia


Legislativa do Estado em 7 de Setembro de 1910 na instalação da 1ª Sessão
Ordinária da 10ª Legislatura pelo Presidente do Estado, Dr. José Rodrigues da
Costa Dória. Aracaju: Typografia d’O Estado de Sergipe, 1910. p. 33.

50 Cf. LIMA, José Augusto da Rocha. 1931. Relatório. Aracaju: Imprensa


Oficial. p. 3.

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1 SERGIPE - 1911 1

Contudo, este não era um ponto de vista unânime. O método


intuitivo foi responsabilizado,em 1929,pela acentuada evasãoexistente
no Grupo Escolar Coelho e Campos, da cidade de Capela, que vinha
perdendo muitos alunos para o Colégio Imaculada Conceição. Apesar de
oColégio Imaculada Conceiçãoser umaescola deelite,utilizavamétodos
de ensino considerados ultrapassados pelo sistema de instrução
utilizado no Grupo Escolar Coelho e Campos. Os pais alegavam que
com o método intuitivo, os seus filhos só aprendiam a brincar, passear
e nada mais. Outros alegavam que os alunos não queriam se sujeitar
ao novo programa de ensino51. Na opinião dos pais de alunos do Grupo
Escolar Coelho e Campos, o método decorativo e a palmatória eram a
forma mais correta de ensinar e aprender. A melhor metodologia, que
consideravam mais adequada, continuava em uso apenas nas escolas
particulares, inclusive no Colégio Imaculada Conceição, razão pela qual
muitos pais, transferiram seus filhos para o colégio católico. Esta prática
provocou uma redução no número de alunos matriculados no Grupo
Escolar Coelho e Campos, preocupando seriamente o diretor do Grupo.

Outra crítica que se fazia ao método era a impossibilidade da


sua aplicação em escolas isoladas: “Falta-lhes, ainda, alguma coisa, uma
melhor adaptação, mobiliário adequado, material didático suficiente,
tudo o que não pode, de pronto, ser fornecido em tão larga extensão”52.

A modernização pedagógica da escola primária implicou


também na padronização dos livros didáticos utilizados, o que levou
todas as instituições escolares primárias a adotar os mesmos títulos
definidos pela Diretoria da Instrução Pública. Quando da publicação da
primeira lista dos livros didáticos, outra vez se explicitou o entusiasmo

51 Cf. Livro para registro de correspondências do Grupo Escolar Coelho e


Campos. 1930–1932. Capela, correspondências nº 351, 352 e 359. p. 14-15.

52 Cf. LOBO, José Joaquim Pereira. Mensagem apresentada à Assembléia


Legislativa, em 7 de setembro de 1919, ao installar-se a 3ª Sessão Ordinária
da 13ª Legislatura, pelo Coronel Dr. José Joaquim Pereira Lobo, Presidente do
Estado. Aracaju: Imprensa Oficial, 1919. p. 21.

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1 SERGIPE - 1911 1

dos intelectuais da Educação do Estado de Sergipe em face das reformas


educacionais do Estado de São Paulo: “Nesta seleção de obras para o
ensino primário consultou-se, preferentemente, o adiantado Estado
de S. Paulo, que, sem contestação, vai primando nesses domínios”53.
Em 1918, o Conselho Superior da Instrução publicou as instruções a
respeito dessa questão e formulou a lista de livros didáticos autorizados
para a escola primária pública:

Tabela 4- Livros Didáticos Adotados na Escola Primária


do Estado de Sergipe a partir de 1919

53 Cf. LOBO, José Joaquim Pereira. Mensagem apresentada à Assembléia


Legislativa, em 7 de setembro de 1919, ao installar-se a 3ª Sessão Ordinária
da 13ª Legislatura, pelo Coronel Dr. José Joaquim Pereira Lobo, Presidente do
Estado. Aracaju: Imprensa Oficial, 1919. p. 14.

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1 SERGIPE - 1911 1

Fonte: LOBO, José Joaquim Pereira. Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa, em 7 de setembro
de 1919, ao installar-se a 3ª Sessão Ordinária da 13ª Legislatura, pelo Coronel Dr. José Joaquim Pereira
Lobo, Presidente do Estado. Aracaju: Imprensa Oficial, 1919. p. 14-15.

Além dessa lista de livros, foram também aprovados


Quadros de Linguagem, de Arnaldo Barretto, Marianno de Oliveira
e Ramon Rosa Dordal, que, com os mapas de Parker e demais
objetos do museu pedagógico constituíam a relação de materiais
indispensáveis às escolas primárias em face da aplicação dos novos
métodos de ensino.

De um modo geral, a exiguidade do material escolar era vista


como um grave problema das instituições públicas de ensino em
Sergipe, principalmente quando se falava em grupos escolares. No
Relatório que encaminhou à Assembleia Legislativa no ano de 1915,
o presidente do Estado de Sergipe, Oliveira Valadão, comentava:
“É sensível a pobreza das nossas escolas em relação ao material
escolar. Essa é mesmo uma das causas do retardamento do ensino,
sendo, entre nós, até o seu grande mal, como salienta o Diretor
da Instrução em seu relatório”54. Por isto, naquele mesmo ano, foi
contratado o fornecimento, a todas as escolas estaduais, de mapas,
contadores e sólidos geométricos. Do mesmo modo, foi celebrado
um convênio com os governos municipais, que se comprometeram
a destinar cinco por cento da receita arrecadada à aquisição de
material escolar.

A questão dos edifícios escolares era tida como uma das mais
graves na escola primária pública do Estado de Sergipe e elemento

54 Cf. VALLADÃO, Manuel Prisciliano de Oliveira. Mensagem dirigida à


Assembléia Legislativa de Sergipe em 7 de Setembro de 1915 por ocasião da
abertura da 2ª Sessão Ordinária da 12ª Legislatura pelo Presidente do Estado,
General Manuel P. de Oliveira Valladão. Aracaju: Typografia d’O Estado de
Sergipe, 1915. p. 17.

227 junqueira&marin editores


1 SERGIPE - 1911 1

fundamental da organização pedagógica, tal como costumavam


apontar, no período da Primeira República, os presidentes do
Estado, para os quais as aulas primárias continuavam “a funcionar
em prédios impróprios, acanhados, quentes, quase sem mobília”55.

A passagem de Carlos da Silveira pelo Estado de Sergipe


estimulou muitos intelectuais da Educação com responsabilidades
na política estadual a conhecer as reformas de São Paulo. Quando
do seu regresso a Aracaju, após a viagem de estudos que fez a São
Paulo em 1931, o professor José Augusto da Rocha Lima publicou
um Relatório revelando a importância de “estudar os novos métodos
e processos pedagógicos ali em prática, a fim de serem adotados
na Instrução Pública de Sergipe”56. Os intelectuais da Educação
interpretavam a monumentalidade dos edifícios dos grupos
escolares concebidos naquele Estado como importante ferramenta
de organização pedagógica do novo modelo. As janelas eram altas
para evitar a distração dos alunos. Outros sinais da preocupação
com a aprendizagem eram as salas amplas, confortáveis e arejadas, a
iluminação adequada e o pátio para o recreio. O mesmo argumento
era utilizado em face do mobiliário.

As carteiras dos grupos escolares construídos em Sergipe


durante a primeira metade do século XX foram importadas dos
Estados Unidos da América. Na primeira encomenda, em 1910,
foram fornecidas 500 carteiras escolares Automatic Triumph Desk
fabricadas pela indústria American Seating Company. Cinco anos
depois, em 1915, foram encomendadas pelo Estado de Sergipe à
E. H. Stafford Mig. Co., de Chicago, 520 carteiras duplas. Na mesma
oportunidade, foi celebrado um contrato entre o Governo do Estado

55 Cf. DÓRIA, José Rodrigues da Costa. Mensagem apresentada à Assembléia


Legislativa do Estado em 7 de Setembro de 1910 na instalação da 1ª Sessão
Ordinária da 10ª Legislatura pelo Presidente do Estado, Dr. José Rodrigues da
Costa Dória. Aracaju: Typografia d’O Estado de Sergipe, 1910. p. 32.

56 Cf. LIMA, José Augusto da Rocha. 1931. Relatório. Aracaju: Imprensa


Oficial. p. 3.

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1 SERGIPE - 1911 1

de Sergipe e a mesma empresa para fornecer, até 1921, 400 novas


carteiras idênticas a cada ano. Além das carteiras, a empresa E. H.
Stafford Mig. Co. forneceu também relógios, mesas e cadeiras para
os professores.

Os grupos escolares eram também vistos como espaço de


excelência para a aprendizagem porque a formação cívica era posta
em relevo. Os livros de leituras morais eram adotados, sempre com
a preocupação de fixar valores relativos ao cumprimento do dever,
ao culto da responsabilidade, do amor, do bem, da solidariedade, do
respeito às leis, dos valores morais.

Outra prática de formação cívica era a de dar nomes de


personalidades políticas e intelectuais às salas de aula dessas
instituições escolares. Ao ser inaugurado, em 1917, o Grupo Escolar
Barão de Maroim, destinado exclusivamente à educação das meninas,
homenageava em suas salas de aula a Felisbelo Freire, Geminiano
Paes, Oliveira Ribeiro, Monteiro de Almeida, Possidônia Bragança e
Gumersindo Bessa. No Grupo Coelho e Campos foi feito o mesmo,
homenageando Maria Eufrosina, Carvalho Mello, Pinheiro Machado
e o Barão de Cotegipe. Em 1922, inaugurou-se no salão nobre do
Grupo Escolar General Siqueira de Menezes o retrato de Pereira Lobo,
líder do Partido Republicano Conservador57. Era uma oportunidade
para que os alunos fossem perfilados, entoassem hinos e ouvissem
preleções cívicas feitas por líderes políticos e professores. O general
Firmo Freire, engenheiro responsável pela construção do edifício do
Grupo Escolar Barão de Maroim fazia a defesa explícita do culto aos
grandes homens da nação. “Para ele, o sentimento patriótico deveria
serconstruído com a valorizaçãodosheróise da bandeira nacional”58.

57 Cf. “A inauguração do retrato do Dr. Pereira Lobo, no Grupo Escolar


General Siqueira”. In: Sergipe Jornal. 1922. Aracaju, 24 de outubro. p. 1.

58 Cf. SANTOS, Magno Francisco de Jesus. 2004. O Grupo Escolar Barão de


Maroim e as Festas Cívicas de Aracaju (1917-1919). Relatório de Pesquisa. São
Cristóvão, Universidade Federal de Sergipe. (Programa Integrado de Bolsas
de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq/UFS). p. 14.

229 junqueira&marin editores


1 SERGIPE - 1911 1

Assim, para Firmo Freire, a escola seria o lugar onde se ensinaria a


ler e escrever e formaria soldados para o país: “fundamentalmente
soldado é todo indivíduo que está em condições de defender a sua
pátria”59.

As festas cívicas eram fundamentais nesse processo de


formação. O calendário festivo se estendia ao longo do ano,
incluindo a recepção a personagens ilustres e autoridades, além
da celebração de datas como o dia da árvore. Dentre as práticas
utilizadas nessas celebrações estava o canto de hinos patrióticos.
O governo do Estado de Sergipe regulamentou, em 1913, o canto
dos hinos, publicando o Hymnario dos Grupos Escolares e Escolas
Singulares do Estado de Sergipe60. Organizado pelo professor
Balthazar Góes e aprovado em agosto de 1913, o hinário era divido
em duas partes: Hinos Patrióticos e Hinos Escolares, contendo
letras e partituras. Na primeira parte estão cinco hinos: de Sergipe,
da Independência, Nacional, da República e da Bandeira, com a
indicação das datas nas quais deveriam ser entoados. A segunda
parte da publicação contém doze hinos escolares, com a indicação
das práticas escolares às quais deveriam corresponder61. Todos os
dias, antes de entrar na sala de aula, os alunos, em forma, cantavam
o Hino Nacional, repetindo o mesmo rito ao final da aula.

A participação dos grupos escolares em festas públicas


destinadas à celebração de eventos cívicos era importante e
merecia o registro frequente dos jornais. Nas comemorações da
independência do Brasil realizadas no dia sete de setembro de

59 Idem. p. 21.

60 Cf. AZEVEDO, Crislane Barbosa de. 2003. Nos majestosos templos do saber:
a implantação dos grupos escolares em Aracaju. Monografia (Licenciatura
em História). São Cristóvão, Universidade Federal de Sergipe.

61 Os hinos eram entoados no início das aulas, na saída para o recreio, no


retorno do recreio, no encerramento do expediente letivo e na recepção a
visitantes ilustres.

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1 SERGIPE - 1911 1

1915, o diretor da Instrução Pública organizou, no edifício do


Grupo Escolar Modelo, uma festa que teve como ponto alto os
exercícios de marcha e os hinos que foram entoados pelos alunos62.
O Grupo Escolar General Valadão, na ocasião da Semana da Pátria
de 1939, ofereceu à imprensa, autoridades e parentes dos seus
alunos “demonstrações de canto orfeônico, cultura física, de jogos
esportivos, etc.”63.

O elevado número de alunos nos desfiles cívicos era um meio


de demonstrar os progressos da educação no Estado. O desfile,
além de ser um meio de criar o sentimento patriótico, era também
veículo de propaganda estatal. Existiam incentivos para aumentar o
número de participantes, alegando o fortalecimento do civismo nos
alunos e na população:

É preciso que os professores tomem o mais vivo interesse


por estas manifestações públicas do crescente movimento
escolar. Resulta dele um grande estímulo para as
crianças e para o povo, que tem ocasião para apreciar
esse desenvolvimento e compreender a necessidade de
incrementá-lo64.

As professoras eram vistas como as responsáveis por


incentivarem a total participação estudantil nos desfiles.

O encerramento do ano letivo era também transformado


em comparecia, algumas vezes acompanhado pelo presidente do

62 Cf. “Grupo Escolar”. In: O Estado de Sergipe. 1915. Aracaju, 09 de


setembro. p. 2.

63 Cf. “As comemorações da Semana da Pátria no Grupo Escolar General


Valadão”. In: O Nordeste. 1939. Aracaju, 04 de setembro de 1939. p.04. Apud
MAYNARD, Dilton Cândido Santos. 1998. Em tempo de guerra: aspectos do
cotidiano em Aracaju durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Relatório de Pesquisa. São Cristóvão, Universidade Federal de Sergipe. P. 70.

64 Cf. Diário da Manhã. 12 de setembro de 1917.

231 junqueira&marin editores


1 SERGIPE - 1911 1

Estado, ao edifício do Grupo Escolar Modelo, para prestigiar


a exposição dos trabalhos realizados pelas alunas durante
o ano. As atas nas quais constavam os nomes das alunas
aprovadas eram lidas em sessão pública, à qual se seguia
o canto do hino nacional brasileiro65. Esse mesmo rito era
adotado nos demais grupos escolares.

Essa preocupação com a formação cívica um evento


que cumpria um papel da maior importância na formação
cívica e moral, e no qual se demonstrava a todos os
estudantes e aos seus familiares a necessidade de aplicação
nos estudos e de aprovação nos exames. Nessas ocasiões, o
diretor da Instrução Pública era também tônica nas aulas
de Geografia, História e Música. Nos programas de ensino
havia a ênfase na formação do sentimento patriótico dos
alunos através de hinos patrióticos, do estudo de mapas
e das riquezas naturais do país. O programa também
ressaltava a união dos cidadãos na defesa da pátria e as
virtudes do brasileiro.

Idéia de Deus, como criador de tudo e da alma imortal.


O trabalho, sua necessidade e dignidade. A economia,
sua influencia na vida e na felicidade. A perseverança
nos bons desígnios, a energia nos empreendimentos. A
pátria, o que lhe devemos, a família, o que lhe devemos,
as virtudes cívicas. A Bandeira; culto que lhe devemos
e porque”66.

A ênfase no civismo incluía ainda a continuidade da


influência da religião e o culto à família.

65 Cf. “Grupo Modelo”. In: Correio de Aracaju. 1914. Aracaju, 21 de


novembro. P. 1.

66 Cf. “Programa para o curso primário nos Grupos Escolares e Escolas


isoladas do Estado de Sergipe. Programa de Educação”. In: Estado de Sergipe,
23 de fevereiro de 1917.

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1 SERGIPE - 1911 1

Outro aspecto de fundamental importância para os


grupos escolares do período era o uniforme usado pelos
estudantes. Além de promover e distinguir os grupos, o
uniforme também promovia uma espécie de igualdade entre
os alunos, camuflando as diferenças sociais. A importância
do fardamento dos alunos dos grupos escolares é salientada
por Rosa Fátima de Souza quando ela diz que “o uniforme tem
a poderosa capacidade de igualar todos os indivíduos num
mesmo nível de posição”67. Durante o período de 1918 a 1929,
o uniforme adotado no Grupo Escolar Coelho e Campos para
as alunas era saia plissada e blusa branca de gola quadrada.
Para os meninos, era a mesma blusa e calça da mesma cor do
tecido da saia das meninas.

III - A Expansão

O Grupo Escolar Modelo, criado em 1910 e inaugurado


em 1911 na cidade de Aracaju, foi a primeira instituição dessa
natureza a funcionar em Sergipe. O Grupo Escolar Central foi
inaugurado no mesmo ano e, três anos depois, ganharia nova
denominação: Grupo Escolar “General Siqueira”. Em 1917
foi a vez da inauguração do Grupo Escolar Barão de Maroim,
edificado sobre os alicerces do antigo “Asylo Nossa Senhora da
Pureza”, localizado na Avenida Barão do Rio Branco, no bairro
Presidente Inácio Barbosa (atual São José). O Grupo Escolar
General Valadão foi inaugurado em 1918. O seu primeiro
edifício estava situado à Praça Pinheiro Machado68, à época
importante zona de expansão residencial da cidade.

67 Cf. SOUZA, Rosa Fátima de. 1998. Templos de Civilização: a implantação


da escola primária graduada no Estado de São Paulo (1890-1910). São Paulo:
Editora da UNESP. p. 270.

68 Atualmente, praça Tobias Barreto.

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1 SERGIPE - 1911 1

Tabela 5 - Grupos Escolares inaugurados em Sergipe

Fonte: Relatórios dos Presidentes do Estado de Sergipe (1911-1924).

A política de construção de grupos escolares


intensificou-se mais na década de 20 dos anos 900, quando
a presidência do Estado foi exercida por Maurício Graccho
Cardoso. Em 1923 foram inaugurados os grupos escolares
Sílvio Romero, Vigário Barroso, Gumercindo Bessa e Olympio
Campos. Em 1924 foram inaugurados os grupos escolares
Manoel Luiz, José Augusto Ferraz, Fausto Cardoso, Coronel
João Fernandes de Britto e Severiano Cardoso. O Grupo
Escolar Dr. Manoel Luís estava situado na Avenida José
Calazans, em frente à atual Praça da Bandeira, em Aracaju.
Dois destes grupos escolares funcionavam na capital do
Estado e três outros no interior do Estado. A primeira
instituição deste gênero inaugurada no interior de Sergipe
foi o Grupo Escolar Coelho e Campos, em 1918, na cidade
de Capela. O Grupo Escolar Coelho e Campos foi criado
oficialmente pelo decreto n. 679 de 30 de setembro de
1918, começando a funcionar no dia 12 de outubro de 1918,
com quatro salas de aula para atender as quatro séries do
curso primário, por iniciativa do ministro José Luiz Coelho e

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1 SERGIPE - 1911 1

Campos69. Ele doou a sua residência, com o objetivo de fazer


funcionar a instituição de ensino.

Até ofinal dadécadade 20dos anos 900 estavamfuncionando


no Estado quatorze grupos escolares: cinco na capital e nove nas
principais cidades do interior.

O movimento de criação dos grupos escolares estimulou


também a expansão do número das chamadas escolas singulares ou
escolas isoladas. Somente no ano de 1912 foram criadas 27 novas
escolas singulares. Assim, no início do ano letivo de 1913 estavam
em funcionamento no Estado de Sergipe 214 escolas singulares.
Dois anos depois, em 1915, eram 221 dessas escolas em atividade.

Tabela 6 – Escolas e Matrículas no Ensino Público


Primário do Estado de Sergipe

69 O Grupo Escolar Coelho e Campos surgiu por iniciativa do sergipano


José Luiz Coelho e Campos, à época Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Cf. CRUZ, Maria Madalena da Silva. 2002. A trajetória do Grupo Escolar Coelho
e Campos (1918-145). Própria. Monografia (Licenciatura em História).
Departamento de História do Centro de Educação e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Sergipe.

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1 SERGIPE - 1911 1

Fonte: Relatórios dos Presidentes do Estado de Sergipe (1898-1930) e NUNES, Maria Thetis. História da
Educação em Sergipe. São Cristóvão: Editora UFS, 2008.

A reforma do ensino estabelecida em 24 de abril


de 1917 pelo Decreto 630 levou o Governo do Estado de
Sergipe a propor, no ano seguinte, ao parlamento estadual
a aprovação de leis regulamentando algumas práticas que
resultaram em expansão da matrícula, como a do ensino
noturno. Na verdade, tudo fazia parte de um conjunto
de práticas que foram estabelecidas a partir de 1911. Em
1918, ao regulamentar o ensino noturno, o presidente do
Estado cuidou de esclarecer que a fonte da sua inspiração
pedagógica era a mesma que o Estado adotava desde os
primeiros anos da República:

procurei acompanhar o surto belíssimo da Instrução


em S. Paulo e Minas Gerais, em cujas organizações foi
moldado o Decreto expedido. Pela sua minúcia, pela
sua clareza, tudo procurando prever, penso que o novo
regulamento será um guia seguro para o professor.
Indo ao encontro dos reclamos do operariado que
enche as nossas fábricas e que tão poderosamente
concorre para o aumento das nossas riquezas, a
reforma institui as escolas noturnas para adultos de
ambos os sexos. Essas escolas funcionarão das 17 às
19 horas e serão localizadas nos bairros operários das

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1 SERGIPE - 1911 1

cidades industriais, constituindo tal melhoramento


vigoroso combate ao analfabetismo70.

O ensinonoturno empolgoupartedaqueles quetrabalhavam


e aspiravam a frequentar a escola primária. Apenas um ano após a
sua implantação, o Estado já mantinha sete escolas noturnas, com
249 alunos matriculados.

No último ano da Primeira República, em Sergipe, era


possível comparar o crescimento da população do Estado com
o aumento do número de vagas na escola primária pública, o
número de professores em atividade e o crescimento do gasto
público.

Tabela 7 – Crescimento da população,


do número de alunos, do corpo docente e do gasto público
em Sergipe (1889 – 1930)

Fonte: Relatórios dos presidentes do Estado de Sergipe (1889 e 1930) e NUNES, Maria Thetis. História
da Educação em Sergipe. São Cristóvão: Editora UFS, 2008. p. 276.

É possível, portanto, verificar que, percentualmente, o


maior crescimento foi o dos gastos públicos, superior em quatro
vezes ao crescimento do número de alunos. Porém, o número

70 Cf. VALLADÃO, Manuel Prisciliano de Oliveira. Mensagem dirigida à


Assembléia Legislativa de Sergipe pelo Presidente do Estado, General Manuel
P. de Oliveira Valladão em 7 de Setembro de 1918 ao installar-se a 2ª Sessão
Ordinária da 13ª Legislatura. Aracaju: Imprensa Oficial, 1918. p. 9.

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1 SERGIPE - 1911 1

de vagas na escola primária pública cresceu bem mais que a


população e o número de professores. Mas a Primeira República
fez alguns progressos; enquanto no ano 1889 a cada professor
correspondia um grupo de 155 alunos, essa relação em 1930 era
de 52 alunos para cada professor.

IV - O financiamento

O grupo escolar era um modelo de escola tido como muito


dispendioso. A construção de grupos exigia muitos gastos. O alto
custo das obras dos grupos era devido a sua monumentalidade.
Os prédios eram grandiosos e ficavam nas proximidades do
centro das cidades. Edifícios como o do Grupo Escolar Barão
de Maroim, cuja fachada principal era em estilo clássico, com
oito colunas jônicas e seis janelas. Na parte central superior da
fachada havia a data da construção (1917) e o nome do grupo.
Nas laterais e na parte central havia escadas que davam acesso
ao edifício.

Tabela 8 – Despesas do Estado de Sergipe e dispêndios


absolutos e relativos com Educação (1889-1929)

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1 SERGIPE - 1911 1

Fonte: Relatórios dos Presidentes do Estado de Sergipe (1898-1930) e NUNES, Maria Thetis. História da
Educação em Sergipe. São Cristóvão: Editora UFS, 2008.

Os custos financeiros foram, portanto, o principal elemento


do discurso daqueles que não viam com entusiasmo o modelo
paulista que estava sendo trazido para Sergipe. A alegação

239 junqueira&marin editores


1 SERGIPE - 1911 1

evidenciava as dificuldades financeiras do Estado. O alto custo


dos prédios era questionado e chegaram a pensar em alternativas
para a formação de novas instituições escolares.

Uma possível solução para esse impasse seria a participação


das municipalidades, que ficariam responsáveis pela aquisição
dos prédios. “Ao Estado caberia adaptar o prédio aos padrões
pedagógicos e manter o ensino. Isso permitiria continuar formando
grupos monumentais”71. Outra proposta pensada seria a construção
de casas mais simples para reunir as escolas isoladas:

O Estado terá que edificar casas de pouco custo nos locais


que mais convierem o ensino, levando muito em conta
as distancias dos grupos já em funções. A experiência
aconselha que ditas casas deveriam constar de dois salões
para as aulas, um pátio para exercícios físicos e duas
sentinas aparelhadas com o material higiênico. Quanto a
estrutura, esta seria em moldes de possível ampliação logo
que o local requeresse um grupo modesto, de acordo com o
aumento da população”72.

Todavia, o tesouro público não era a única fonte de


financiamentodesse tipo de instituição. Ofinanciamento dosgrupos
escolares foi feito também por homens que se entusiasmaram com
teses como as das associações voluntárias, as chamadas sociedades
de ideias ou associações livres. Homens que assumiam, na prática,
uma visão de sociedade igualitária, fundada pela autonomia
do sujeito social individual, ator da democracia. Deste modo,
os grupos escolares foram também financiados sob a forma de
associação voluntária, pluralista, com características republicanas.

71 Cf. SANTOS, Magno Francisco de Jesus. 2004. O Grupo Escolar Barão de


Maroim e as Festas Cívicas de Aracaju (1917-1919). Relatório de Pesquisa. São
Cristóvão, Universidade Federal de Sergipe. (Programa Integrado de Bolsas
de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq/UFS). p. 16.

72 Cf. ASSIS, Antônio Xavier de. Op. cit. p. 3.

junqueira&marin editores 240


1 SERGIPE - 1911 1

Esse tipo de iniciativa ampliava consideravelmente a consciência


liberal, estimulando o aparecimento de várias formas associativas
portadoras das reivindicações da modernidade, o que era muito
importante para a consolidação do poder político fundado sobre
o ideário liberal republicano que pretendia consolidar o seu poder
no Estado. O Estado moderno se apresentava como uma associação
compulsória que organizava a dominação e que monopolizava
o uso legítimo da força física como meio de domínio dentro de
um território. Não esquecendo que para os liberais republicanos
a palavra progresso assumia dois sentidos: liberdade e poder.
Mesmo porque, para os intelectuais republicanos, a mola das
repúblicas não era a virtude, mas sim as luzes. Eram práticas que
ofereciam aos indivíduos modelos de vida fundados em valores e
práticas modernas, defendendo um respeito absoluto à lei, como
instrumento de defesa das instituições. Esse tipo de projeto de
organização da vida social era, certamente, a principal razão de ser
da propagação do modelo associativo.

Os homens que se entusiasmaramcomtal modelo ebuscaram


financiar a implantação dos grupos escolares se governaram,
desde o início, com base em princípios diversos, pregando o
desenvolvimento da liberdade burguesa e democrática. Pertenciam
a famílias abastadas e a maior parte deles havia recebido uma
formação escolar avançada, desfrutando de boa posição social e
também dos meios econômicos garantidores de uma vida digna,
o que lhes permitia estabelecer padrões de liberdade interior e
independência política. Entusiastas do modelo de organização
social norte-americano consideravam possível organizar a
Educação pública, criando escolas e assumindo o ônus de sustentá
las. Assim, propunham um tipo de liberdade que consistia em fazer
tudo o que era considerado socialmente justo e bom73.

73 “A religião vê na liberdade civil um nobre exercício das faculdades do


homem; no mundo político, um campo entregue pelo Criador aos esforços
da inteligência. Livre e poderosa em sua esfera, satisfeita com o lugar que
lhe é reservado, ela sabe que seu império está ainda bem estabelecido por
ela reinar apenas graças a suas próprias forças e dominar sem outro apoio

241 junqueira&marin editores


1 SERGIPE - 1911 1

Um bom exemplo desse tipo de iniciativa é o do Grupo


Escolar General Valadão, cuja

construção deveu-se à iniciativa particular. Os sócios do


extinto Comício Agrícola, uma associação de proprietários
de terra existente desde o Império, destinaram à construção
de uma escola os recursos da Associação. O jornal Correio
de Aracaju ampliou a idéia, numa campanha de donativos
para um Grupo que deveria denominar-se “Gal. Valadão”
homenageando o chefe político e presidente do Estado.
Porém, quando já tinha sido iniciada a construção do
prédio, para que esta fosse terminada dentro de um menor
espaço de tempo e também pela grande exigência de
recursos financeiros para atender às proporções da obra, os
promotores do projeto resolveram doá-lo ao Governo, que
se responsabilizou pela conclusão do empreendimento74.

O Grupo Escolar Coelho e Campos, o primeiro instalado no


interior do Estado de Sergipe, foi inaugurado na cidade de Capela
em 1918 e resultou também desse tipo de iniciativa. José Luiz
Coelho e Campos, ministro do Supremo Tribunal Federal, doou sua
mansão naquela cidade ao Governo do Estado de Sergipe, a fim de
que ali se instalasse um grupo escolar.

Outra forma de manifestação das associações voluntárias


no financiamento dos grupos eram as caixas escolares, tal como
ocorria nos demais Estados que buscaram em São Paulo tal modelo.
Em Sergipe, as caixas escolares também foram um importante
mecanismo de financiamento dessa atividade escolar. Estas eram
formalmente instituições civis destinadas a amparar a infância

os corações”. Cf. TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Livro


I. Leis e costumes. 1a. ed. 2a. tiragem. São Paulo, Martins Fontes, 2001. p. 52.

74 Cf. AZEVEDO, Crislane Barbosa de. 2003. “General Valladão”: 85 anos de


história em Aracaju. In: Jornal da Cidade. Aracaju, 11 de setembro. Caderno
B – Cidades. B-6.

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1 SERGIPE - 1911 1

pobre. Os seus recursos serviam para a aquisição e distribuição


de uniformes escolares com os estudantes mais carentes, livros,
penas de escrever e papel que os alunos empregavam nas
atividades em sala de aula, além de outros utensílios necessários
ao ensino, ajudando a diminuir as dificuldades responsáveis pelo
distanciamento existente entre as crianças de famílias pobres e
a escola. Para arrecadar fundos, as Caixas organizavam festas e
recebiam doações em dinheiro.

Mas o financiamento através da associação dos cidadãos


como contribuintes das caixas escolares não era em Sergipe uma
novidade que chegava com os grupos escolares. Antes deles esse
tipo de possibilidade já vinha sendo tentada como alternativa para
financiar a escola primária. Em 1897, o relatório do presidente do
Estado, Martinho Garcez, já discutia esse tipo de ferramenta como
uma possibilidade posta sob a denominação de Caixa Econômica75.
Efetivamente, era muito forte, nas primeiras décadas do regime
republicano, o discurso de associação da escola à valorização
do autogoverno: “o saber ler é o maior bem, principalmente nas
democracias, no regime do self-governement”76. ♠

Referências

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dos ensinosprimárioenormal.Relatórioapresentadoaoexmo sr.dr.CyrodeAzevedo,
D.Presidente doEstado. Emnovembrode1926.Aracaju:Typ. doSergipe Jornal,1926.

75 Cf. GARCEZ, Martinho. Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa pelo


Presidente do Estado, Dr. Martinho Garcez, por ocasião da abertura da Sessão
Ordinária de 1897. Aracaju: Imprensa Official, 1897. p. 30.

76 Cf. LOBO, José Joaquim Pereira. Mensagem apresentada à Assembléia


Legislativa, em 7 de setembro de 1919, ao installar-se a 3ª Sessão Ordinária
da 13ª Legislatura, pelo Coronel Dr. José Joaquim Pereira Lobo, Presidente do
Estado. Aracaju: Imprensa Oficial, 1919. p. 21.

243 junqueira&marin editores


1 SERGIPE - 1911 1

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ASSIS, Antônio Xavier de. “Relatório apresentado a Diretoria de Instrução Pública de
Sergipe pelo inspetor escolar Antônio Xavier de Assis”. Estado de Sergipe, 18 de
janeiro de 1919.
AZEVEDO, Crislane Barbosa de. “General Valladão”: 85 anos de história em Aracaju.
In: Jornal da Cidade. Aracaju, 11 de setembro de 2003. Caderno B – Cidades. B-6.
. Nos majestosos templos de sabedoria: a implantação dos grupos escolares
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Federal de Sergipe, 2003.
BARRETO, Luiz Antônio. “O Quincas (Marido de Professora)”. In: Gazeta de Sergipe.
Aracaju, 21 de junho de 2003. p. 3.
. “Uma ponte chamada Eugenia”. In: Gazeta de Sergipe. Aracaju, 24 de junho de
2003. p. 3.
. “Uma ponte chamada Eugenia (II)”. In: Gazeta de Sergipe. Aracaju, 25 de junho
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graduada no Estado de São Paulo (1890-1910). São Paulo: Editora da UNESP,
1998.

245 junqueira&marin editores


BAHIA - 1913

A EDUCÃÇÃO PRIMÁRIA NO ESTÃDO DA BAHIÃ 1889-1930

Lucia Maria da Franca Rocha"

à República, proclamada em 1889, encontrou a situação


educacional na Bahia semelhante àquela que ocorreu durante
=lo período imperial, "um descuramento grave," fato que
repercutiu no atraso e na insuficiência do ensino primário, bem como
na organização dos estudos secundários e dos cursos superiores.
Nesse sentido, Tavares comenta, “(...) mas, no final, o que o Império
entregava à nascente República era uma Província da Bahia carente de
um tudo. Tratava-se de fazer o que não existia" (1968, p.23).

No ano de 1890, a população baiana perfazia um total de


1.919.802 habitantes, que majoritariamente residiam na área

77 Lucia Maria da Franca Rocha, professora associada do Departamento I da


Faculade de Educação da UFba, integrante daGrupo de pesquisa Educação:
história, trabalho e sociedade, FACED/UFBa.
E-mail: francarocha@terra.com.br

junqueira&marin editores 246


1 BAHIA - 1913 1

rural, cerca de 1.774.843 habitantes, e na capital, apenas, 144.959


habitantes. A quase totalidade da população interiorana era
analfabeta.

No interior, homens, mulheres e crianças se dedicavam às


lavouras de subsistência, aos produtos agrícolas que se destinavam
ao comércio externo, como o fumo, o café, o cacau e o açúcar e à
pecuária e seus produtos, derivados de artesanato caseiro. Costa
e Silva assinala que essas pessoas absorvidas em seu cotidiano,
envolvidas com suas tarefas “dispensavam quase todos de “alisar
o banco da escola” que não existia” (1997, p.9). A indústria baiana
era reduzida, com a presença de poucas fábricas têxteis e usinas
açucareiras.

O discurso do novo regime republicano, constantemente,


salientava a importância de regenerar a sociedade pela instrução.
O ensino primário não passava despercebido aos legisladores
republicanos, que acreditavam no poder de legislar para modificar
a realidade educacional baiana, que apresentava graves problemas,
dentre eles oferecer escola à população, o que constituía um
empecilho para construir uma nação civilizada com a presença
funesta do analfabetismo.

No início do período republicano, Manoel Victorino


Pereira ocupou o cargo de governador e, ao ser empossado,
formou uma comissão para estudar a reforma do ensino,
contudo a reforma saiu do seu próprio punho, foi o Ato de 31 de
dezembro que instituiu a reforma de instrução primária pública
e secundária do Estado, estabelecendo que a instrução primária
fosse oferecida em escolas infantis, escolas elementares, escolas
mistas e escolas superiores. Além desse ato, propôs o de 10
de janeiro, o de 7 de março e 24 de abril de 1890. O ato de 30
de dezembro determinou a Criação do Fundo Escolar, com o
objetivo de prover recursos suficientes para o desenvolvimento
da instrução pública; o ato de 10 de dezembro de 1890 instituiu
a obrigatoriedade escolar para as crianças dos 6 aos 13 anos de
idade, de ambos os sexos. Nessa mesma data, criou o serviço de
Saúde Escolar, objetivando o aperfeiçoamento físico e mental
das populações escolares. Costa e Silva (1997) assinala que

247 junqueira&marin editores


1 BAHIA - 1913 1

essas medidas do governador Manoel Vitorino não passaram de


boas intenções, não foram transformadas em ações práticas.

Seu tempo de permanência no governo foi curto, e seu


substituto, o Mal. Hermes da Fonseca, irmão do Mal. Deodoro, de
imediato suspendeu os atos que reformavam a instrução pública
primária e secundária, recuperando a vigência do Regulamento
Bulcão, de 1881, último ato de reforma do ensino do período
imperial, que não fora colocado em prática. Por esse regulamento,
a escola primária foi classificada de acordo com a sua localização
no espaço geográfico: “quanto á classificação propriamente, mais
regular será que tenhão a cathegoria de 1ª classe as cadeiras
das sedes de parochia e villas, de 2ª as das Cidades e de 3ª as
d’esta Capital,” ( Bulcão,1880,p.12). As escolas primárias eram
denominadas cadeiras; eram as cadeiras isoladas que funcionavam
em instalações muito precárias.

A proclamação da república não alterou o quadro político


social da Bahia. Nesse estado ocorreu mais uma arrumação com a
convocação de antigos políticos e conselheiros da monarquia para
compor o governo republicano.

Quando o Marechal Hermes da Fonseca assumiu o governo,


entregou a Satyro Dias, um liberal, o cargo de Diretor Geral de
Instrução, o qual elaborou o Regulamento da Instrução Primária e
Secundária do Estado da Bahia, aprovado em 18 de agosto de 1890.

De acordo com esse regulamento, o ensino primário, como


era denominado na época, deveria ser ministrado em escolas
infantis, escolas primárias e escolas primárias superiores. As
escolas primárias seriam divididas em quatro classes de acordo
com a sua localização: 1ª classe, as escolas de povoados, freguesias
e vilas, compreendendo as sedes das comarcas, de 1ª entrância;
2ª, escolas de vilas de comarca de 2ª e 3ª entrância; 3ª, escolas de
cidades; 4ª, escola da capital.

O ensino nas escolas primárias era obrigatório, gratuito e


laico, admitindo crianças na faixa etária de 7 a 13 anos de idade. As
escolas seriam distribuídas pelo Estado de acordo com a frequência

junqueira&marin editores 248


1 BAHIA - 1913 1

das crianças. A escola mista seria regida por uma professora, nos
povoados em que a frequência fosse de 15 crianças para cada sexo;
quando a frequência ultrapassasse trinta alunos, seriam criadas
duas escolas, uma para o sexo masculino e outra para o sexo
feminino.

A regulamentação de 1890 sobre a escola primária a


caracterizava como escola isolada, de um professor para ensinar
a um conjunto de alunos. Embora o regulamento disciplinasse a
obrigatoriedade do ensino, tal fato estava longe de ser alcançado,
porque as condições do ensino eram tão precárias que acabavam
não estimulando a população em idade escolar a frequentar
os bancos escolares, questão insistentemente recorrente nos
relatórios das autoridades escolares, que denunciavam a existência
de escolas “vazias de alunos”, contribuindo para que a infância
continuasse analfabeta.

Sobre a situação das escolas, Satyro Dias, Diretor de


Instrução, fez a seguinte declaração:

salas (...) acanhadas e mal asseiadas cellulas escolares, que


por ahi funcionam, cuja atmosphera, em vez de alegrar
e expandir, escalda e entorpece os cerebros infantis (...)
afim de poupar as creanças e ao próprio mestre o cansaço
e o tédio produzidos pela immoblidade no ambiente das
estufas (1893,p.15).

Tal fato constituía um enorme empecilho para realizar a


implantação da obrigatoriedade escolar. Não existia escola para
todos. A instrução pública primária era ministrada em casas
alugadas, fato que onerava os cofres públicos, sem resultados
satisfatórios, mas “servia melhor ao clientelismo político, manter
a rede pública em edificações inadequadas e onerosos aluguéis,
favorecendo em primeiro lugar aos seus proprietários” (Costa e
Silva, 1977, p.72).

Na tentativa de corrigir essa situação, o primeiro ato


republicanoprocurouregulamentar que todaescola devia terprédio
próprio, destinado exclusivamente às suas finalidades, obedecendo

249 junqueira&marin editores


1 BAHIA - 1913 1

às prescrições de higiene estabelecidas em regulamento e com


plano aprovado pela autoridade competente.

Tendo em vista que os recursos financeiros destinados à


educação eram escassos, o Diretor de Instrução, Dr. Satyro Dias,
em seu projeto de reforma, determinou a criação de fundo escolar
cujos recursos seriam destinados à construção de prédios para as
escolas, cujo plano arquitetônico deveria ser de tipo simples, pouco
custoso, “mas sólido, elegante e variável conforme a localidade”
(art.66, 1890, p.82). Contudo esse fundo não teve êxito, não
conseguiu ser aplicado.

No início do regime republicano, a situação da educação


primária assemelhava-se à do período imperial. Nesse sentido,
Satyro Dias, mais uma vez, declarava:

“(...) não temos nada:----- escolas esparsas e sem consciência


de sua grande missão, ignorando cada uma a existência da
outra, ensinando a ler, escrever e contar automaticamente,
parecendo que cada uma pertence á extranha terra, quando
pelo contrário devem todas viver inspiradas da mesma
cadeia e como officinas intellectuaes da obra grandiosa da
nacionalidade brasileira” (1894, p.13).

As reformas do ensino que vinham ocorrendo, não traziam


bons resultados, “uma vez decretadas, e colhidos os primeiros
proventos, ou cahem na staganação de indiferença e preguiça geral,
ou reduzem-se á letra morta embaraçadas pela eterna objecção do
medo de dispender quantias avultadas com o melhoramento da
instrucção do povo”(Satyro Dias,1893, p.25).

O estado da Bahia teve a sua primeira Constituição em 1891,


porém os deputados e senadores adiavam a elaboração da lei
complementar relativa à educação exigida pelo texto constitucional.
Assim, a Bahia teve sua lei de educação aprovada e promulgada,
somente no ano de 1895, após quatro anos de debates. Tavares
salienta que “ (...) a Bahia exercitava a nova roupa republicana (
na dança da instabilidade, de 1890 a 1895, a Bahia conheceu sete
governadores ...)” (1968, p.38). Essa demora, sem dúvida, estava

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1 BAHIA - 1913 1

relacionada aos grupos partidários originários do império, que


assumiam posições de acordo com seus interesses, inclusive com
as lutas de famílias.

Nesse contexto, a lei orgânica passou para os Municípios o


encargo das escolas primárias existentes. Frente a essa decisão, as
crises no setor educacional intensificaram as divergências entre as
autoridades sobre as competências entre municípios e o Estado.
Nesse sentido Satyro Dias argumentou que “nem a Constituição,
nem nenhuma outra lei confiou aos municípios o serviço existente
da instrução primaria; deu-lhes, sim, competência para crear e
manter escolas, sem prejuízo das que o Estado entenda crear e
manter”(1893,p.6).

Em 24 de agosto de 1895, foi promulgada a lei n. 117,


resultado de uma composição dos antigos liberais e conservadores,
que realizaram uma arrumação política, acabando por assegurar
a eleição do médico Rodrigues Lima, para ocupar o cargo de
governador.

A lei n.117/1895, que regulamentou o ensino primário,


estabelecia sua divisão em infantil, elementar ou do 1º grau, que
era obrigatório, complementar ou do 2º grau. Esse documento,
pela primeira vez, normatizou sobre o grupo escolar completo
que compreendia a escola infantil, a escola elementar e a escola
complementar, as quais poderiam funcionar separadamente ou
em um só prédio. A ideia era de que o grupo escolar apenas devia
“reunir” num mesmo prédio as diversas escolas isoladas. A proposta
de grupo escolar no estado da Bahia se distanciava daquela que
estava sendo implantada no estado de São Paulo. A presença dos
grupos escolares não se materializou na Bahia, como instituição
para ministrar a educação elementar graduada ou seriada, como
aconteceu em outras províncias, no século XIX. A documentação
até então consultada não permitiu “maiores informações quanto à
discussão que ocorreu sobre a introdução do “grupo escolar” nessa
lei” (Rocha e Barros, 2006, p.180).

As escolas primárias se dividiam em várias classes de acordo


com a frequência dos alunos: 30 alunos para a classe infantil e 50

251 junqueira&marin editores


1 BAHIA - 1913 1

alunos para as classes elementar e complementar. Quando, na


escola, existissem duas classes, “um professor se ocupava com o
curso elementar, e o outro, com o médio e o superior. E assim ia
se processando a divisão no escalonamento do número de classes”
(Tavares, 1968, pp. 43-44). Com essa legislação, começava a haver
uma preocupação das autoridades: o número de alunos por classes.

As escolas infantis, por sua natureza, podiam ser “mistas


ou promíscuas”, destinadas a crianças de quatro a sete anos de
idade. As escolas primárias atendiam crianças de seis a treze anos,
podiam ser mistas ou não, de acordo com a sua localização. A
justificativa encontrada para a existência de escola primária mista
era a falta de número de alunos suficientes para manter uma escola
para cada sexo. As escolas complementares podiam admitir alunos
de dezesseis anos de idade, desde que realizassem o exame das
matérias do curso elementar.

No início do século XX, o panorama da instrução primária


pública baiana não registrou nenhuma mudança significativa. Em
1911, 22 anos após a proclamação da República, o governador do
estado, Dr. João Ferreira de Araújo Pinho, (1908-1911-) em sua
mensagem dirigida à Assembléia Legislativa, fez um comentário
ressaltando o pouco desenvolvimento da educação primária:

Com relação ao ensino publico, assumpto que impõe


especialíssimo cuidado a todos quantos têm a funcção de
governo, em paiz livre, devo confessar-vos que muito pouco
se tem a Bahia adiantado no desenvolvimento da instrucção
primaria, tanto nesta capital, onde ella está a cargo do
municipio, como no interior, onde na quase totalidade das
escolas a distribue o Estado (1911, p. 23).

Nesse ano, a educação primária tinha 686 escolas isoladas,


sendoqueonúmerode escolascomplementaresdiminuiu,passando
de 12 escolas para 10, uma vez que as escolas nas localidades de
Alagoinhas e Valença foram fechadas.

O Estado contava apenas com um grupo escolar, que


funcionavaanexoà Escola Normal.Essegrupo era compostode cinco

junqueira&marin editores 252


1 BAHIA - 1913 1

escolas: uma infantil, duas elementares e duas complementares,


uma para cada categoria e para cada sexo. Além desse grupo
escolar, provavelmente, no ano de 1908, foi inaugurado na capital
baiana o Grupo Escolar da Penha, posteriormente denominado
Grupo Escolar Rio Branco, que estava a cargo do município. Esse
grupo era constituído de escolas elementares e complementares.
No ano de 1909, o Conselheiro Antonio Carneiro da Rocha (1909)
salientou, em seu relatório, que em razão do estado financeiro do
município, realizou modificações no edifício onde estava localizado
o Grupo Escolar da Penha , ampliando o espaço físico, colocando
mobília que foi cedida pelo governo do Estado das muitas que
recebeu dos Estados Unidos. Contudo, sobre esse grupo escolar, a
documentação, até o momento encontrada, é reduzida, dificultando
maiores informações sobre essa instituição.

A situação de carência quanto às edificações apropriadas


para alojar as instituições escolares fez com que, em 1910,
durante o governo de Araújo Pinho, se iniciasse o “período de
construções projetadas e destinadas ao uso escolar” (Costa e Silva,
1997, p.66). A partir desse período, o governo tomou a iniciativa
de planejar edificações com destinação pedagógica. Nesse ano,
o Legislativo aprovou uma lei destinando recursos orçamentários
para a construção de prédios escolares, com início nas cidades mais
próximas da capital. No ano de 1912, foi inaugurado o primeiro
prédio escolar na cidade de Nazaré, com três salas de aula.

Contudo, essa providência não alterou muito a situação das


instalações escolares, uma vez que as autoridades continuavam a
reclamar sobre as condições físicas das escolas, principalmente
das escolas municipais que propiciavam o alastramento de focos
de doenças. O município acabava se desculpando sob o argumento
de que o montante das despesas era grande, e, assim, as escolas
continuavam localizadas em locais impróprios. “Os problemas de
imóveis inadequados eram crônicos, tanto em Salvador, quanto
pelas cidades interioranas” (Costa e Silva, p. 71).

No ano de 1912, a Bahia teve um novo governador, J.J.


Seabra (1912-1916). Conhecido como modernizador da cidade
de Salvador “abriu avenidas, demoliu e construiu os primeiros

253 junqueira&marin editores


1 BAHIA - 1913 1

edifícios modernos da cidade, “desenfeiando” a velha cidade


colonial “(Rocha, Barros, 2006, p.185). Havia uma preocupação
em civilizar a cidade, porque Salvador, conforme assinala
Leite (1996), era uma capital que possuía muita gente inculta,
deseducada e incivilizada — ideia que segmentos das elites
locais tinham do povo baiano.

J.J Seabra dizia que “com relação ao ensino publico, (...),


em paiz livre, devo confessar-vos que muito pouco se tem a
Bahia adiantado no desenvolvimento da instrucção primaria,
tanto nesta capital, onde ella está a cargo do município, como
no interior, onde na quasi totalidade das escolas se distribúe o
Estado”(1912, p.23). Nesse sentido, resolveu promover a reforma
do ensino primário baiano, pela lei n.1006 de 6 de setembro de
1913,argumentando que “ não seria possível persistir em certos
moldes e regras das leis antigas, conservando os seus defeitos
(...)” (1915,p.71.)

A nova legislação determinava que a difusão do ensino


primário fosse oferecida pelas escolas isoladas e pelos grupos
escolares. Essa lei não introduziu alteração sobre a definição
dessas duas instituições, mantendo o que já tinha sido
regulamentado nas leis anteriores.

Pelo dispositivo legal de 1913, tanto as escolas isoladas


quanto os grupos escolares foram classificados de acordo com o
grau de cultura da cidade onde estavam situados. Os de primeira
classe localizavam-se na capital; os de segunda classe, nos
subúrbios da capital e nas vilas sedes de comarcas; os de terceira
classe, nas vilas, arraiais e povoados. Quando o grupo escolar
tivesse até quatro escolas, haveria um diretor responsável pela
administração técnica que, temporariamente, poderia se afastar
da atividade docente. O cargo de direção era cargo comissionado
e de inteira confiança do governador, renovado anualmente e
sujeito a ser reconduzido. O cargo de diretor do grupo escolar era
uma distinção, um prêmio aos professores que tivessem maior
preparo pedagógico e qualidades administrativas. O Governador
poderia criar um grupo escolar em cada distrito da capital e nas
cidades mais importantes no interior do estado.

junqueira&marin editores 254


1 BAHIA - 1913 1

J.J. Seabra procurou ressaltar a importância da reforma do


ensino primário, salientando que

o ensino primário teve as modificações de que estava


carecendo: sob o plano de uma combinação administrativa
mais simples, uma orientação pedagógica mais completa e
uma fiscalização, como era indispensável, mais independente.
(...) É cedo, ainda, para sentir o effeito dessas reformas, (...) o
Ensino primário, não foi, até agora, praticado por motivo das
difficuldades de Thesouro, no regime de fiscalisação directa
que nelle, e de accordo com a Lei de 6 de setembro de 1913,
se instituiu (Mensagem 1915, pp. 71e 73).

Ainda no governo Seabra, no ano de 1916, a população do


município de Feira de Santana recebeu “o grandioso Grupo Escolar
J.J. Seabra. Não concluída a sua construção, decidiu o governo
acrescentar-lhe dois pavilhões laterais, inaugurado a 23 de agosto
de 1917”( Costa e Silva, 1997,p.67). Esse grupo, no ano de 1927,
desapareceu, foi reorganizado para sediar a Escola Normal que
ficou lá abrigada entre 1927 e 1960. (Rocha e Barros, 2006)

O ensino primário na Bahia, apesar das previstas constantes


reformas traduzidas em minuciosas leis, algumas com mais de uma
centena de dispositivos, não teve alteração em seu quadro precário.
Existia uma falta de decisão política, “o descaso com a educação
parecia ser a tônica que alimentava as ações da política baiana”
(Luz, 2008,p.243).

Ao término do governo Seabra, no período de 1916-1920, a


Bahia foi governada por Antonio Ferrão Moniz de Aragão, amigo de
Seabra, cujo governo foi alvo de grande insatisfação social e política.
No ano de 1918, ocorreu a greve dos professores baianos, que há
dois anos ou mais não recebiam seus salários, e em consequência,
as escolas fecharam suas portas. Diante dessa difícil situação, o
governador Antonio Moniz “transferiu o pagamento dos professores
das escolas primárias para o Estado” (Tavares, 2001, p. 335).

Nessa época, o governo emitiu o decreto n. 1994, de 26


de maio de 1919, que regulamentava a lei 1293, de 1918 A

255 junqueira&marin editores


1 BAHIA - 1913 1

minuciosa legislação não trouxe resultados satisfatórios e os


governos alegavam sempre falta de recursos financeiros. As escolas
continuavam a funcionar majoritariamente em prédios alugados
que acabavam servindo de “sangria ao tesouro” No seu segundo
governo, J.J.Seabra (1920-1924) procurou colocar em execução o
Regulamento aprovado em 1918.

Contrariando todas as leis, até o ano de 1925, o ensino


primário na Bahia continuava inalterado em sua configuração
(Rocha, Barros, 2006). Ao assumir o governo da Bahia, Góes
Calmon (1924-1928) tomou conhecimento do panorama deficiente
da educação, que se configurara por falta de leis, mas estava
marcado pelo vício da inexequibilidade. Assim, sugeriu ao seu
Inspetor de Instrução Pública, Anísio Teixeira, que apresentasse
uma proposta de “alguns aperfeiçoamentos e innovações úteis, (...)
necessários á efficiencia do serviço escolar no estado da Bahia e
ao seu desenvolvimento” (1924,p.5925). Nesse período vamos ter
algumas mudanças na educação primária baiana.

O novo projeto de lei foi objeto de divergências entre


deputados e senadores e, no ano de 1925, acabou sendo aprovada a
lei n. 1846, de 14 de agosto de 1925, regulamentando a reforma de
instrução pública da Bahia.

As escolas do ensino primáriocompreendiamtrês categorias:


escola infantil, escola elementar, escola primária superior.

O ensino primário era ministrado em estabelecimentos


públicos mantidos pelo Estado, divididos em escolas isoladas,
escolas reunidas e grupos escolares. Nesse período, houve maior
preocupação em criar as escolas reunidas.

As primeiras atendiam aos alunos do mesmo sexo ou eram


mistas, em localidade onde elas eram únicas e onde houvesse
maior número de analfabetos. A presença marcante das escolas
isoladas, na realidade educacional baiana, era um fato que foi
destacado, em 1924, por Anísio Teixeira, ao salientar que o ensino
primário baiano era quase exclusivamente constituído de escolas
isoladas.

junqueira&marin editores 256


1 BAHIA - 1913 1

Quando, nas cidades e vilas, o número de escolas fosse de


uma até quatro, elas poderiam funcionar num mesmo prédio sob
a direção de um professor, que também ministrava aula em uma
das classes; eram as chamadas Escolas Reunidas ou Combinadas.
Diversas escolas isoladas foram transferidas para prédios
adaptados para as instituições escolares, reunidas em prédios mais
amplos com aumento de matrícula e frequência. Foram instaladas
quatro Escolas Reunidas: em Nazaré, Garcia, Rua do Paço e Mares.
Essas escolas traziam vantagens para o ensino primário tanto do
ponto de vista econômico quanto pedagógico, na medida em que o
ensino primário procurava se tornar mais completo e homogêneo,
uma vez que a graduação ou seriação escolar estava sendo melhor
programada. Quando, na localidade, houvesse só duas escolas, uma
delas abrigaria alunos de primeiro e segundo anos do mesmo curso
e a outra, alunos do terceiro e quarto anos. Existindo três escolas,
uma seria destinada aos alunos da classe de primeiro ano, a outra à
classe de segundo ano, e a terceira, aos alunos de terceiro e quarto
anos. Teixeira dizia que as escolas reunidas eram “o módico e
pequeno grupo escolar talhado para o nosso meio (...)” (1925, p.49).

Nas cidades de população maior, onde existissem mais de


quatro escolas de diferentes graus, entre as quais uma primária
superior, o governo poderia criar um Grupo Escolar. Assim, o
grupo escolar seria constituído de, pelo menos, quatro escolas
elementares, e de uma escola primária superior. Tanto o diretor das
Escolas Reunidas quanto do Grupo Escolar eram nomeados pelo
governo, cargo de confiança que, no final de um ano, poderia ser
reconduzido. Sobre os grupos escolares, Teixeira salientava que
o grupo escolar “era uma organização mais luxuosa, ficará para
as cidades onde as exigências sociaes e naturaes solicitarem a sua
criação” (1925, p. 49). (Mensagem, abril 1925)

No ano de 1916, o Grupo Escolar Rio Branco, único existente


na capital do Estado, era constituído de escolas elementares
e complementares, funcionando em prédio bastante precário,
atendendo aos alunos do sexo masculino. Dez anos mais tarde, o
diretor desse grupo escolar, prof. Deocleciano Barbosa de Castro
(1927), salientava que o prédio tinha passado por reforma e estava
muito asseado, com seus vastos salões assoalhados, forrados e

257 junqueira&marin editores


1 BAHIA - 1913 1

otimamente ventilados. Sobre a restauração feita pelo governo,


Anísio Teixeira informou que “construiu-se um grande galpão para
recreio, organizou-se um serviço sanitário modelar, rasgaram-se
algumas paredes com o fito de obter melhores salas, enfim todo o
prédio soffreu reparos e aperfeiçoamentos que o tornaram, mais
adequado ao funcionamento das aulas” (1926, p.21 Mensagem).

O Grupo Escolar de Feira de Santana sofreu um processo


de reorganização pedagógica e, no ano de 1927, desapareceu, foi
reorganizado para sediar a Escola Normal, que ficou lá abrigada
entre 1927 e 1960 (Rocha, Barros, 2006). O curso complementar
passou a ser o curso fundamental da escola normal e lá também
se instalaram os cursos primários elementares, voltados para a
prática de ensino.

No ano de 1924, o ensino primário baiano era oferecido


por 630 escolas elementares isoladas, um grupo escolar e doze
escolas complementares. Anísio Teixeira ressaltava que “o grande
problema do ensino na Capital continúa a ser do prédio escolar e do
apparelhamento material da escola” (1928, p.32). De modo geral, as
escolas funcionavam em prédios particulares alugados, e o material
didático e mobiliário eram deficientes, tanto em quantidade quanto
em qualidade.

Organização pedagógica dos Grupos Escolares

Pela lei n.117, de 24 de agosto de 1895,a ideia era que o grupo


escolar completo compreendia a escola infantil, a elementar, ou de
1º grau e a complementar, ou de 2º grau. Os alunos dessas escolas,
de acordo com o plano de ensino, eram classificados em três cursos:
a) elementar; b) médio; c) superior. Os planos de ensino estavam
organizados segundo uma graduação, de maneira que os alunos
pudessem, nos cursos médio e superior, rever e complementar
os estudos realizados nos cursos anteriores.. A divisão da escola,
nesses três cursos, era obrigatória. As escolas teriam o número
de classes correspondente ao número de alunos, 30 alunos para a
escola infantil e 50 alunos para a escola elementar e complementar.

junqueira&marin editores 258


1 BAHIA - 1913 1

O currículo oferecido nessas escolas era: a) escola infantil, com


três horas de duração, compreendia as seguintes atividades: jogos,
exercícios físicos graduados e acompanhados de canto; exercícios
manuais; princípios de educação moral; conhecimentos usuais;
exercícios de linguagem; primeiros elementos do desenho, da
leitura, da escrita e do cálculo.

Nas escolas elementares, eram cinco horas de trabalho


diário em uma ou duas sessões, de acordo com as conveniências
do ensino local. O ensino compreendia: língua materna; leitura e
escrita; ensino moral e cívico, cálculo e sistema métrico, geografia
e história, principalmente da Bahia; as primeiras noções das
ciências por meio das lições de coisas; elementos de desenho,
canto, trabalhos manuais; ginástica e exercícios militares; noções
de agricultura.

As escolas complementares tinham cinco horas de trabalho


diário e as disciplinas ministradas eram: língua nacional;
elementos da língua francesa e latina; aritmética-aplicações;
elementos de geometria-aplicações; geografia e história
especialmente do Brasil; elementos de ciências físico-químicas
e naturais; noções de economia política e direito pátrio; noções
de escrituração mercantil; desenho; música; ginástica; trabalhos
manuais.

O ensino,nasescolaspúblicas,de acordo com o Regulamento


de 4 de outubro de 1895, tinha uma tríplice finalidade: a educação
moral, intelectual e física dos alunos. A educação intelectual
deveria oferecer ao aluno “número limitado de conhecimentos”
(parágrafo 2º, art.99) que proporcionasse o cultivo do seu espírito
e contribuísse para adquirir o saber prático necessário a todos os
indivíduos. Seu principal objetivo era educar a inteligência.

A educação física procurava fortalecer o corpo, “firmar o


temperamento” e oferecer agilidade, prontidão e segurança de
movimento. Tais finalidades seriam alcançadas por meio dos
cuidados de higiene e asseio, ginástica, exercícios militares,
trabalhos manuais e agrícolas, desenho e modelagem, prendas e
economia doméstica.

259 junqueira&marin editores


1 BAHIA - 1913 1

A educação moral oferecida na escola primária era uma arte


e não uma ciência, arte que procurava orientar a vontade livre da
criança para o bem.

O ensino infantil não utilizava livros e era utilizado o método


froebeliano, sob a forma de lições de coisas. O ensino primário
adotava o método intuitivo e prático, tendo a preocupação de
dosar o conhecimento a ser ministrado, não ensinando tudo que é
possível, mas aquilo que não deve ser ignorado.

Os exames das matérias estudadas ocorriam ao final de cada


semestre e seus resultados contribuíam para a classificação das
escolas.

A reforma do ensino de 1913, no governo de J. J. Seabra,


estabeleceu que o ensino primário seria oferecido nas escolas
isoladas e grupos escolares, a regulamentação não trouxe
modificação. A duração do ensino elementar era de 4 anos e o
programa desenvolvido relacionava-se com o nível de instrução
dos alunos.Nas escolas de primeira classe, localizadas na capital, o
programa era integral; nas escolas de 2ª, situadas nos subúrbios da
capital, nas cidades e vilas sedes das comarcas, e nas de 3ª classe,
localizadas nas vilas, arraiais e povoados, a programação obedecia a
uma proporcionalidade, com menor número de matérias. As escolas
elementares eram preferencialmente regidas por professoras

Nas escolas de primeira classe, as matérias ensinadas eram:


língua portuguesa, caligrafia, aritmética e sistema métrico, desenho
de imitação geométrico, noções de geografia geral, geografia do
Brasil, especialmente da Bahia, história do Brasil, especialmente
da Bahia, elementos de ciências físicas e naturais, aplicadas à
agricultura e indústrias, elementos de higiene, civilidade, instrução
moral e cívica, prendas domésticas para as meninas, calistenia
sueca, cânticos e hinos patrióticos.

Nas escolas primárias de 2ª e 3ª classes,essesconhecimentos


eram ministrados em menor grau de aprofundamento. Os exames
eram realizados ao final de cada semestre, constando de provas
escrita e orais. A prova escrita constava de uma redação sobre

junqueira&marin editores 260


1 BAHIA - 1913 1

um assunto escolhido pelo examinador, devendo ser apreciada a


caligrafia, a ortografia e a redação do aluno. Ao final do exame, as
notas atribuídas eram: aprovado, aprovado plenamente, aprovado
com distinção.

O governador Seabra justificou a necessidade de mais uma


reforma de ensino, salientando que

não seria possível persistir em certos moldes e regras


das leis antigas, conservando seus defeitos, em franco
antagonismo com as lições de experiência, pelo medo
chinez de alteral-as. O ensino primário teve as modificações
de que estava carecendo: sob o plano de uma combinação
administrativa mais simples, uma orientação pegagogica
mais completa e uma fiscalização, como era indispensável,
mais independente.” (1915, p. 71)

Apesar dessa justificativa, o governador tinha conhecimento


de que a situação do ensino público primário era um “serviço
defeituoso” que necessitava de melhor organização, de maior
compromisso por parte dos professores para ensinar aos alunos o
aprendizado da leitura, e o serviço de fiscalização nas escolas, ainda
precário. Daí salientar a importância desse serviço: “fiscalização
administrativa e fiscalização pedagógica, mas, para valerem,
directamente instituidas e competentes, seriamente praticadas,
com a feição regular de serviços permanentes, de acção continua,
exercida por funccionarios capazes, bem pagos e absolutamente
responsáveis”(SEABRA, 1913, p.38).

A situação do professorado era precária e, no ano de 1917, o


Governador Moniz de Aragão salientava que, apesar dos esforços
empreendidos para melhorar a formação do mestre,

os municípios com pouquíssimas excepções, não tratam a


instrucção com o affecto por ella requerido. Preocupam-se
muitocoma creaçãodecadeiras,fitandoseuprovimento sem
cogitar das habilitações do professor, da sua assiduidade, da
sua vocação para o ensino. A nobre e elevada funcção social
confiada ao magistério primário passou a ser uma simples

261 junqueira&marin editores


1 BAHIA - 1913 1

sinecura burocrática, exercida até por analphabetos.


(MENSAGEM, 1917, p. 24)

A reforma de 1919 regulamentou que o ensino infantil seria


de dois anos com o emprego do método intuitivo. Nas escolas
elementares, o curso teria uma duração de quatro anos e, nas
escolas complementares, de três anos. A frequência, nas classes
das escolas infantis seria de 20 alunos e, nas escolas primárias e
complementares as classes teriam no máximo 45 alunos.

A reforma de Instrução Pública na Bahia, sob a direção de


Anísio Teixeira, determinou a gratuidade, a obrigatoriedade, para
as crianças de 7 a 12 anos e a laicidade para todo ensino ministrado
pelo Estado. Além disso, a lei da reforma determinou que o ensino
primário, a cargo dos municípios, formasse um só serviço sob
a direção geral, fiscalização e superintendência do Governo do
Estado.

O ensino público baiano compreendia o ensino infantil, o


ensino primário elementar, o ensino primário superior, o ensino
complementar, o ensino normal, o ensino secundário, o ensino
profissional e o ensino especial, para “anormais”.

O ensino infantil tinha o objetivo de oferecer uma educação


voltada para o desenvolvimento físico da criança. Ocupava lugar de
destaque, nesse processo, o jogo, que proporcionava a educação dos
sentidos, o desenvolvimento das funções psicológicas e aquisição
de agilidade e coordenação nos movimentos.

A escola primária elementar foi concebida como uma


escola educativa, que buscava desenvolver nas crianças os hábitos
de observação, raciocínio, despertando nelas o interesse pelas
conquistas da humanidade.Oensinoministrado dirigia-se às noções
elementares de literatura e história pátria, à língua portuguesa
como instrumento fundamental do pensamento e da expressão,
aos trabalhos manuais e práticos como atividades naturais
dos olhos e das mãos, aos exercícios e jogos responsáveis pelo
desenvolvimento físico e a aprendizagem de regras elementares de
higiene. O ensino elementar tinha a duração de quatro e três anos,

junqueira&marin editores 262


1 BAHIA - 1913 1

oferecido nas escolas urbanas e rurais. As escolas rurais deveriam


fazer da indústria local o ponto central do ensino com o sentido
de aperfeiçoar o gosto e a aptidão dos alunos para uma futura
profissão.

Com a intenção de dar ao ensino primário o seu caráter


educativo, o ensino de desenho, trabalhos manuais e geometria
ocupou lugar de destaque. Sobre o ensino dessas disciplinas, Anísio
Teixeira salientou que

As disciplinas do desenho e dos trabalhos manuais,


exactamente as que podem mais depressa dar á nossa
classe o sentido de vida, de educação activa e de educação
do esforço e da iniciativa individual, têm sido objecto de
nossa especial insistência. (1928, p.45)

A reforma de instrução pública que ocorreu na educação


baiana sob a liderança de Anísio Teixeira teve certa influência
do movimento da escola nova. Nessa ocasião, Anísio foi leitor
do livro de Omer Buyse e a Diretoria de Instrução Pública, por
ordem do governo, mandou traduzir a obra desse autor, Methodos
Americanos de Ensino, com o objetivo de iniciar os professores nos
métodos ativos da educação na América do Norte.

Com relação à tradução do livro de Omer Buyse, Anísio


Teixeira assinala que “(...) a constante propaganda dos trabalhos
manuaes e do desenho na escola virão facilitar a execução dos
actuaes programmas, que buscam, acima de tudo, approximar
a escola da vida, para tornal-a mais efficiente e mais verdadeira”
(1928, p. 45).

A escola primária deveria adotar os métodos ativos que


proporcionassem ao aluno o desenvolvimento da observação,
do raciocínio e iniciativa. O ensino ativo tinha por base aprender
fazendo. A promoção do aluno de um ano para outro ano, na escola
primária, ocorria de acordo com a média anual obtida. Somente
no último ano do curso seriam realizados os exames de final de
curso e, quando aprovado, o aluno recebia o diploma de ensino
primário.

263 junqueira&marin editores


1 BAHIA - 1913 1

Para preencher uma lacuna do ensino primário, a reforma


criou o ensino primário superior, que tinha o objetivo de
desenvolver o ensino oferecido na escola primária elementar
e, principalmente, prover uma instrução especial, adequada às
futuras ocupações dos alunos. As escolas primárias superiores
foram organizadas por sexo, divididas em masculinas e femininas,
com duração de três anos, sendo a matrícula para os maiores de
11 anos de idade e para os que tivessem menos de 18 anos. O
currículo compreendia o ensino de língua vernácula, matemática
elementar, noções de geografia e história, especialmente do Brasil
e da Bahia, noções de ciências físicas e naturais e higiene, desenho,
principalmente profissional, trabalhos manuais e o ensino técnico
e profissional de acordo com as necessidades do trabalho agrícola,
industrial e comercial da região onde a escola fosse instalada.
As escolas tinham o caráter acentuadamente regional. A escola
primária superior procurou associar a cultura geral à cultura
técnica e profissional. Assim, a criação do curso primário superior
estava relacionada à preparação de indivíduos para exercerem
atividades agrícolas, industriais e comerciais, tendo em vista
que, no estado da Bahia, estava ocorrendo o desenvolvimento da
indústria e do comércio.

A Diretoria de Instrução Pública, preocupada com o trabalho


de modernização do ensino, resolveu realizar uma experiência com
a aplicação de “tests psychologicos” em algumas escolas. Assim,
formou uma comissão para proceder aos trabalhos e desenvolver
a aplicação dos testes de inteligência com a intenção de que eles
pudessem contribuir para melhorar a organização das classes,
sua seriação e, também, ser um meio que facilitasse o processo de
promoção dos alunos e dos exames realizados.

Com relação ao professorado, Anísio Teixeira salientava que


“a formação do professor primário é, sem contestação possível, a
formação especializada de um profissional” (1928,p.61). Para o
aluno ingressar na escola normal, além de ter realizado o curso
elementar de quatro anos, deveria ter feito (mais) dois anos de
curso intermediário com uma organização departamentalizada de
professores, ou seja, professores para ciências, para línguas, para
história e geografia, para desenho e trabalhos manuais.

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1 BAHIA - 1913 1

Anísio Teixeira conseguiu, apesar das adversidades,


implantar alguns pontos da sua reforma, embora outros não
tenham sido realizados.

Expansão do ensino primário

Em 1890, a situação do ensino primário era deplorável. A


população total do estado da Bahia era de 1.819.513 habitantes, a
população escolar, de 292.334, o número de cadeiras era de 751,
atendendo a uma matrícula de 23.193 crianças, e apenas 15.534
frequentavam a escola primária. Nesse sentido, as autoridades
ressaltavam a necessidade de criação de escolas primárias e
consideravam que o governo não deveria regatear as despesas em
benefício desse serviço tão importante para o país.

O Diretor Geral de Instrução Pública, Dr. Satyro (1894),


salientava que algumas poucas escolas eram bem frequentadas,
mas outras estavam quase vazias de alunos. As escolas viviam
quase desertas de alunos. As denúncias sobre os professores eram
originárias de paixões políticas e de intrigas locais, raramente
existindo uma real preocupação ou interesse pelo ensino.

Após o ano de 1891, o quadro não foi alterado com relação


ao número de escolas. Continuavam a funcionar as 755 escolas
elementares, significando que não ocorreu expansão na oferta
do ensino primário. Vale salientar que, nas mensagens, os dados
relativos ao ensino primário são imprecisos, ora uma mensagem
registra um número, ora outro, tornando difícil uma avaliação
criteriosa sobre o assunto. Os governadores salientavam, nas
suas mensagens, a insuficiência dos mapas com as estatísticas
que, em geral, eram mal elaborados, o que dificultava ter-se
um quadro da real situação da educação primária no Estado da
Bahia.

Nessas 755 escolas, o número de matrícula e da frequência


entre os anos de 1890 a 1893 mantinha-se conforme visualiza o
quadro abaixo:

265 junqueira&marin editores


1 BAHIA - 1913 1

Tabela 1 - Educação primária: matrícula/freqüência 1890-1893

Fonte.Relatório de Instrução Pública, 1893

Esses dados são parciais, uma vez que não estão incluídas as
estatísticas de diversas localidades.
Em 1899, o governador Luiz Vianna, em uma Mensagem,
salientou que,no ano anterior,foram criadas 16 escolas elementares
para os dois sexos, sendo 126 delas mantidas pelo Estado e 699
sob a responsabilidade dos municípios, perfazendo um total de 825
escolas elementares.
Contudo, o pequeno número de novas escolas não era
suficiente para alterar a situação do ensino primário que era, ainda,
de estagnação. Nesse sentido, no ano de 1914, o Governador J.J.
Seabra, em sua mensagem salientava:
A boa regra de instrucção, é melhoral-a sempre. Nós témos
além disto, no ramo primário, a necessidade de extendel-a.
E, todavia, não cresce o numero de nossas escolas na
proporção dessa necessidade. Nem mesmo cresce, nas que
temos, o numero das matriculas e o algarismo da freqüência.
È quase sempre a mesma estatística: 128 escolas na capital
para uma população de 310 mil pessoas; 696 no interior,
das quaes são do estado 584 e dos Municípios 112, para um
total de cerca de 2.200.000 habitantes; matriculas que não
attingiram nunca, excluída a Capital, a 30 mil; freqüência,
de taes matriculas, sempre menor de 20 mil; exames raros,
não indo alem, para tal frequencia, de uma centena, dividida
entre o merecimento e o favor.Foram 83 em 1910, 90 em
1911, 94 em 1912, 97 em 1913.
É doloroso isto: uma escola, em media, no interior do Estado,
por cada 3.161 habitantes!E logares há onde a distribuição
das escolas existentes deixa peiores claros: o município

junqueira&marin editores 266


1 BAHIA - 1913 1
de Monte Alto tem cinco escolas para 24.759 moradores;
Carinhanha tem 7 para 17.371 habitantes(...) desde a lei de
3 de outubro de 1904 que é assim.Urge, pois, que assim não
seja mais (...) (1914, p. 62-63).

Vários fatores contribuíram para essa situação, dentre


os quais podemos mencionar a falta de vontade política dos
governantes para com a educação primária, ocorrendo muita
interferência partidária, alguns professores ocupavam o magistério
pelo processo de apadrinhamento político, a fiscalização não
se exercia e os professores cumpriam seus deveres quando e
como queriam, havendo, por parte dos municípios, um grande
desinteresse para com o ensino, uma vez que criavam cadeiras que
eram ocupadas até por professores analfabetos. Além disso, em
muitas localidades, havia muita dificuldade da população infantil de
frequentar a escola porque os alunos tinham que percorrer grandes
extensões no verão, com o sol escaldante, e no inverno em áreas
intransitáveis. Também enfrentavam as precárias condições de
vida, principalmente nas épocas de safras, quando eram obrigados
a abandonar a escola para auxiliar seus pais nos trabalhos rurais.
Nas mensagens governamentais, até o ano de 1920, não
se observaram grandes mudanças no quadro da expansão da
educação primária. Parece que o panorama educacional sofreu
alguma alteração quando Anísio Teixeira ocupou a Direção Geral de
Instrução Pública.
Em 1924, Anísio Teixeira mencionava que frequentaram a
escola primária pública 47.589 crianças, correspondendo a 1,35%
da população total e 15% da população escolar, percentuais que,
ainda, demonstravam um quadro desolador. A educação elementar
não era de interesse por parte da população, que se acostumou
com uma escola de apenas dois anos de duração, para receber,
apenas, os instrumentos de ler, escrever e contar. Tal situação
impõe aos governos a responsabilidade de resolver o problema do
analfabetismo, tão presente na realidade educacional baiana.
Assim, o governo começou a se preocupar com o
melhoramento de prédios escolares quase sempre condenados pela
higiene escolar: os prédios públicos municipais foram transferidos
para prédios mais adaptados e diversas escolas isoladas foram
reunidas em prédios mais amplos.
A tabela abaixo demonstra a situação da educação primária
nosanos de 1923,1926 e 1927. No ano de 1923, a educação primária

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1 BAHIA - 1913 1
era oferecida em escolas isoladas, que perfaziam um total de 780,
com uma matrícula geral de 25.642 alunos, mas com a frequência
de apenas 19.590 crianças. No ano de 1926, o governo preocupou
se em iniciar o processo de reunião das escolas isoladas, daíterem
sido criadas 14 escolas reunidas, número este que, em 1927,
mais que dobrou chegando a 33 escolas reunidas, ocorrendo uma
redução no número de escolas isoladas. Com relação à matricula,
no ano de 1926, a cifra foi de 66.657 e ,em 1927, 79.884 alunos.

junqueira&marin editores 268


1 BAHIA - 1913 1

Com relação à frequência, no ano de 1923, 19.560 crianças


frequentavam a escola primária e, em 1927, o número subiu para
58.470 crianças, o que demonstra que as crianças estavam mais
presentes na instituição escolar.

No ano de 1930, o governador Dr. Vital Batista Soares, em sua


mensagem, salienta que os índices de alfabetização cresceram, bem
como a matrícula e a frequência nas escolas primárias, conforme
pode ser visualizado pela tabela apresentada em seguida:

Tabela 2 - Percentagem da matrícula geral em relação à


população total do Estado e a população escolar em 1929

FONTE: Mensagem apresentada pelo governador do Estado da Bahia Dr. Vital


Henriques Baptista Soares – 1930

Apesar de os dados evidenciarem um acréscimo, na


questão da alfabetização, pelo maior número de matrículas
nas escolas primárias, a educação, segundo o governador Vital
Soares, continuou sendo uma das grandes preocupações do seu
governo. ♠

269 junqueira&marin editores


1 BAHIA - 1913 1

Referências

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do Ensino primário do Estado da Bahia. Leis do Estado da Bahia 1891-1896.
Imprensa Official do Estado.
________. Lei n. 1006 de 6 de setembro de 1913. Leis do Poder Legislativo e Decretos
do Poder Executivo do Estado da Bahia. Bahia: Typ. Bahiana, de Cincinnato
Melchiades, 1914.
________. Decreto n° 1.994, de 25/05/1919.(Regulamento do Ensino primário do Estado
da Bahia. Diário Official do Estado da Bahia, anno IV-31º da republica –N. 159.
________. Lei n.1.846 de 14 de agosto de 1925. Reforma da Instrucção Publica do
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________. Mensagem apresentada á Assembléa Geral Legislativa do Estado da Bahia
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________. Mensagem apresentada á Assembléa Geral Legislativa do Estado da Bahia na
abertura da 2ª sessão ordinária da 11ª legislatura pelo Dr.J.J.Seabra, governador
do Estado. Salvador: Bahia:Secção de Obras da “Revista do Brasil” 1912.
________. Mensagem apresentada á Assembléa Geral Legislativa do estado da Bahia na
abertura da 1ª sessão ordinária da 12ª legislatura pelo J.J. Seabra, governador do
estado. Bahia Secção de obras as Revista do Brasil, 1913.
________. Mensagem apresentada á Assembléa Geral Legislativa do Estado da Bahia na
abertura da 2ª sessão ordinária da 12ª legislatura pelo Dr.J.J.Seabra, governador
do Estado. Salvador: Bahia:Secção de Obras da “Revista do Brasil” 1914.
________. Mensagem apresentada á Assembléa Geral Legislativa do Estado da Bahia na
abertura da 1ª sessão ordinária da 13ª legislatura pelo Dr.J.J.Seabra, governador
do Estado. Salvador: Bahia:Secção de Obras da “Revista do Brasil”1915.
________. Mensagem de 1917, p. 24(Mensagem apresentada á Assembléa Geral Legislativa
do Estado da Bahia na abertura da 1ª sessão ordinária da 14ª legislatura pelo Dr.
Antonio Ferrão Moniz de Aragão. Bahia: Imprensa Official do Estado, 1917.
________. Mensagem apresentada pelo Sr. Dr. Francisco Marques de Góes Calmon,
governador do Estado da Bahia á Assembléa Geral Legislativa, por ocasião da 1ª
reunião ordinária da 17ª legislatura. Salvador:Imprensa Official do estado, 1924.
________. Mensagem apresentada pelo Exmo. Sr. Dr. Francisco Marques de Góes Calmon,
governador do Estado da Bahia á Assembléa Geral Legislativa, por ocasião da 1ª
reunião ordinária da 18ª legislatura. Salvador: Diário da Assembléa Geral, 1925.

junqueira&marin editores 270


1 BAHIA - 1913 1

BAHIA. Mensagem apresentada pelo Exmo. Sr. Dr. Francisco Marques de Góes Calmon,
governador do Estado da Bahia á Assembléa Geral Legislativa, por ocasião da 2ª
reunião ordinária da 18ª legislatura. Salvador: Diário da Assembléa Geral, 1926.
________. Mensagem apresentada pelo Exmo. SNR. Dr. Vital Henrique Baptista Soares,
governador do estado da Bahia á Assembléa Geral legislativa por ocasião da
abertura da 2ª reunião ordinária da 20ª legislatura. Bahia: Imprensa Official do
Estado, 1930.
________. Regulamento da Instucção Primaria e Secundaria do Estado da Bahia. Leis do
Estado Bahia, Bahia, Tipografia baiana, 1911.
_______. Relatorio sobre A Instrucção Publica no Estado da Bahia apresentado A S. Ex. O
Sr. Governador Dr. Joaquim Manuel Rodrigues Lima pelo Dr. Satyro de Oliveira Dias,
Diretor Geral. Bahia: TyP. e Encadernação do Diário da Bahia, 1893.
_______. Relatorio sobre A Instrucção Publica no Estado da Bahia apresentado A S. Ex. O
Sr. Governador Dr. Joaquim Manuel Rodrigues Lima pelo Dr. Satyro de Oliveira Dias,
Diretor Geral. Bahia: TyP. e Encadernação do Diário da Bahia, 1894.
________. Relatório apresentado ao Conselho Municipal pelo Cons.Antonio Carneiro da
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COSTA e SILVA, Maria da Conceição Barbosa da. O ensino primário na Bahia.
Salvador, 1997. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação,
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TEIXEIRA, Anísio O ensino no estado da Bahia (1924-1928) Salvador: Imprensa
Official, 1928.

271 junqueira&marin editores


MCRE - 1915

DA RIQUEIÃ DO TERRITÓRIO À GRANDEIR MORAL E CUITURAL DOS


HÃBITÃNTES: A IMPIÃNTÃÇÃO DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA
NO ACRE TERRITORIO (1905-1930)

Andréa Maria Lopes Dantas"


Elizabeth Miranda de Lima"

# presente artigo é resultado da pesquisa desenvolvida no


âmbito do projeto Por uma Teoria e uma História da Escola
K>###|primária no Brasil: investigações comparadas sobre a
escola graduada (1870-1950) coordenado pela professora Rosa
Fátima de Souza.

Os elementos aqui discutidos integram aqueles definidos


no interior do GT4 — Institucionalização da escola graduada, quais

78 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade


Federal do Acre. E-mail: a.copaiba@uol.com.br

79 Professora Associada I, vinculada ao Centro de Educação, Letras e Artes,


da Universidade Federal do Acre, pesquisadora do Grupo de Pesquisa em
Cultura Escolar e Trabalho Docente e coordenadora do Grupo de Pesquisa
em Trabalho Docente e Desenvolvimento Profissional.
E-mail: bethmlima@yahoo.com.br

junqueira&marin editores 272


1 ACRE - 1915 1

sejam modelo/modalidade de escola, financiamento/orçamento,


republica/federalismo e expansão da escolarização primária. São
esses os eixos nos quais se assentam a discussão aqui realizada,
acerca da institucionalização da escola graduada no território do
Acre, no período que a pesquisa recorta.

Para efeito da análise aqui apresentada trabalharemos com


os Relatórios de governo, os Relatórios da Instrução Pública, com
os Regulamentos e Programas de ensino, tanto aqueles relativos ao
período da administração política do território como departamento
como aqueles restritos a administração do território unificado.

As primeiras determinações

Com o Tratado de Petrópolis, a questão de terras entre o


Brasil e a Bolívia foi liquidada, sendo o Acre incorporado ao Brasil.
Esse território (Acre) foi posteriormente organizado por meio do
Decreto n.º 5.188 de 7 de abril de 1904, o qual dividia o Acre em
três Departamentos Administrativos, com as denominações de
Alto-Acre, Alto-Purus e Alto-Juruá.

A respeito desse Decreto, foi pronunciado, no ano de 1904,


pelo Sr. Francisco de Paula Rodrigues Alves que:

Não foi possível imprimir o cunho de unidade que parecia


natural. As três grandes zonas servidas pelos rios Acre,
Purús e Juruá e seus affluentes não têm presentemente
ligação interior, de sorte que um governador collocado em
qualquer ponto do território não poderia se comunicar com
os outros sem procurar a cidade de Manaós e isto mesmo
em certas épocas do anno. Além disto, seria difícil a sua
correspondência com o governo central. Attendendo a estas
considerações, viu-se o governo forçado a dividir o territorio
em tres zonas administradas por tres prefeitos, creando um
delegado em Manaós para ser o centro de informações e o
transmissor de ordens do Governo Federal para os prefeitos
e destes entre si. O decreto n.º 5188 de 7 de abril próximo

273 junqueira&marin editores


1 ACRE - 1915 1
findo, expedido de conformidade com aquella autorisação,
organizou o território, dividindo-o em três departamentos
administrativos com as seguintes denominações: Alto Acre,
Alto Purus e alto Juruá. (Hermes da Fonseca, 1904:15).

Essa primeira divisão permanece até o ano de 1912


quando, por força do Decreto Presidencial nº 9.813 do mesmo
ano, é acrescentado mais um Departamento Administrativo – Alto
Tarauacá –, desmembrado do Departamento do Alto Juruá, com
sede na cidade de Seabra.

O processo de reestruturação administrativa continua


até o momento em que o território reúne condições políticas e
administrativas para ter uma única administração. Assim é que
em 1920, através do Decreto Presidencial nº 14.383 promove
a extinção dos Departamentos Administrativos e institui um
território unificado com sede na cidade de Rio Branco, que se
constitui na capital do Território do Acre.

A pesquisa revela que a situação do território nos seus


primeiros anos, impõe grandes dificuldades aos administradores
dos Departamentos, no que concerne ao atendimento educacional
para seus habitantes. São essas dificuldades relativas a dispersão
populacional, posto que os habitantes ocupavam majoritariamente
os seringais e não a sede do Departamento, a escassez de
recursos financeiros, bem como a incipiente fiscalização nos
estabelecimentos educacionais.

A esse respeito, Thaumaturgo Azevedo, Prefeito do


Departamento do Alto Juruá, em Relatório enviado ao Ministro
do Interior, no ano de 1905 registra as dificuldades relativas a
instrução e a sua relação com o desenvolvimento da região, ao
considerar que,

Em todo o território do Departamento, como já tive ensejo


de scientificar a V. EX.,nunca existiu a mais humilde aula de
primeiras letras. E, se há serviço que mereça mais o affecto
dos governos democráticos, é o da instrução popular, cujo
patrocínio por maior e mais constante que seja, será sempre

junqueira&marin editores 274


1 ACRE - 1915 1

ofuscado pela a sua multíplice reproductividade. (cf.


Relatório de Governo de Thaumaturgo de Azevedo, 1905, p.
16 – Coleção Museu da Borracha)

A condição de atraso a que Thaumaturgo Azevedo faz


referencia é creditado, no seu Relatório, as práticas perpetradas
durante o Império relativamente a instrução pública. A percepção
dessa condição o faz considerar, a respeito da população do
Departamento do Juruá, que

Grande parte desses imigrantes são menores de 21 annos,


atingiram a puberdade, portanto em plena República que
já completou 16 anos de existência. Não colherá a evasiva
de que os seringueiros são filhos do sertão; porque o
systema republicano não distinguiu o filho da cidade do
filho da aldeia. (cf. Relatório de Governo de Thaumaturgo
de Azevedo, 1905, p. 16 – Coleção Museu da Borraha)

Importante considerar que, a percepção do administrador


territorial está em consonância com os debates nacionais a
propósito da importância da educação no processo de consolidação
do sistema republicano. Ciente dessa necessidade é que o Prefeito
do Departamento do Juruá cria, tão logo assume a Prefeitura três
escolas primárias, ‘duas mixtas e uma noturna, para adultos’ e,
comunica ao Ministro da Justiça que poderia, ‘fundar mais sete
(escolas), ou seja, dez escolas para uma grande população espalhada
numa extensão vastíssima e actualmente de difficil communicação’.

No relatório de Francisco Siqueira do Rego Barros, sucessor


de Thaumaturgo Azevedo na Prefeitura do Departamento do Alto
Juruá, publicado no jornal O Cruzeiro do Sul, referente ao ano de
1913, pode ser constatada a expansão dos estabelecimentos de
ensino, expansão esta já indicada como fundamental oito anos
antes.

Actualmente mantém a Prefeitura 24 escolas primárias,


sendo 8 nesta cidade e 16 no interior do Departamento,
convenientemente localisadas. Matricularam-se nessa 24
escolas 608 crianças, 352 do sexo masculino e 256 do sexo

275 junqueira&marin editores


1 ACRE - 1915 1
feminino, o que demonstra de modo positivo o augmento
da população escolar e o interesse que os habitantes vão
ligando ao ensino primário. (cf. Relatório de Franciosco
Siqueira do Rego Barros. O Cruzeiro do Sul, nº 325, 1914)

No mesmo Relatório é indicado que dentre as 24 escolas,


23 ministram o ensino primário elementar em três anos e uma o
ensino complementar em dois anos.

A representação do estado ‘lastimável’ em que se encontra a


educação nos Departamentos Administrativos do território do Acre
é reiterada pelos Prefeitos desses Departamentos, ao mesmo tempo
em que indicam que a solução para o desenvolvimento das terras
acreanas está estreitamente vinculada a criação e a implantação de
escolas nas sedes e no interior dos Departamentos.

A escolarização da população acreana: entre o desejo e a possibilidade

Com a instituição do território unificado em 1920, os


problemas referentes a instrução pública, antes restritos aos
Departamentos, ficam a cargo da Diretoria da Instrução Pública do
Governo Territorial e, algumas escolas passam a ser administrados
pelas prefeituras locais.

Atacar o analfabetismo e difundir a instrução primária se


constitui no maior dos desafios enfrentados pelos administradores
do território do Acre, desafio este apontado em 1906 por
Thaumaturgo Azevedo, então diretor do Departamento do Alto
Juruá e presente no discurso do governador do Território do Acre,
Sr. Cunha de Vasconcelos, oito anos após a unificação do território.

Se o analfabetismo não obstante a tenacidade de esforços


dos governos das demais unidades da federação ainda é
uma chaga do organismo nacional, subindo o coefficiente
de analphabetos a uma cifra apavorante tanto que o próprio
governo federal acaba de fazer incluir na lei orçamentária
para o corrente ano um crédito de vulto para auxiliar o

junqueira&marin editores 276


1 ACRE - 1915 1

desenvolvimento do ensino primário, não é demais que


o Acre, ensaiando os passos que o levarão futuramente a
ombrear com outros estados da federação possua ainda
elevado número de indivíduos analphabetos. O governo do
território e a municipalidade procuram melhorar a situação,
difundindo o mais possível o ensino primário. (cf. Relatório
de Governo de 1924 – Cunha Vasconcelos – Arquivo Geral
do Estado do Acre)

A idéia de ‘juntar esforços’ na direção de melhorar a situação


do ensino primário no Território, aludida por Cunha Vasconcelos,
se traduz inicialmente no número de escolas, entre territoriais e
municipais apontadas na estatística oficial. São ao todo 110 escolas
isoladas e cinco grupos escolares. No Relatório aqui referido não
foi possível identificar a dispersão das escolas por todo o espaço
territorial. A única determinação dessa natureza é restrita aos
Grupos Escolares, que funcionam nas sedes dos cinco municípios
do Território, são eles: Grupo Escolar 7 de Setembro, em Rio Branco,
Grupo Escolar Francisco Sá em Sena Madureira, Grupo Escolar
João Ribeiro em Tarauacá, Grupo Escolar Barão do Rio Branco em
Cruzeiro do Sul.

No mesmo Relatório fica indicado que as dificuldades na


manutenção do ensino obrigam o administrador a reordenar
despesas de sorte a não fechar metade das escolas mantidas pelo
governo territorial. Esse reordenamento incide diretamente na
verba destinada ao pagamento dos professores, prática esta que
segundo Cunha Vasconcelos já vinha sendo adotada por anteriores
ao seu. Se a base da escolarização no Território do acre se ancora
na existência das escolas isoladas, importante observar qual seria
o impacto do fechamento de boa parte destas para o projeto de
‘difusão do ensino primário’ em terras acreanas.

De acordo com Ginelli (1982), a principal preocupação do


governo territorial era posto na difusão da instrução primária. Na
estatística apresentada por Cunha Vasconcelos em 1925, é possível
observar a importância que a instrução tem na consolidação do
Território do Acre como uma fração da República recém instalada.
Assim é que se verifica a distribuição das escolas em duas esferas

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1 ACRE - 1915 1
de administração, são 71escolas mantidas pelo governo territorial
e 40 escolas mantidas pela administração dos municípios do
Território do Acre.

Quadro 1 - Distribuição de Escolas


no Território do acre - 1924

Fonte: Relatório de Governo, Cunha Vasconcelos, 1924 (Arquivo Geral do Estado)

No Relatório do Diretor Geral da Instrução Pública, José


Lopes Aguiar, apensado ao Relatório do governador Thomaz da
Cunha Vasconcelos revelam que os recursos econômicos desses
primeiros anos de unificação eram escassos, como o foram em todo
o período em que o território manteve-se administrativamente
dependente da união. No entanto, ao comparar o despenho do
governo acreano na disseminação da instrução primária com outras
unidades da federação, que não eram superiores ao Acre quanto ao
desenvolvimento do ensino, o diretor afirma:

(...) a administração do Acre há de se realizar dentro da


deficiente verba orçamentária com que annualmente é
dotado pelo Congresso Nacional, onde não há uma voz que
interessadamente se levante em seu favor. Ao passo que
nos estados que são autônomos, o projeto do orçamento
é offerecido pelos respectivos governos aos congressos
locaes, tendo ainda a faculdade de lançar mão de créditos
suplementares. (cf. Relatório de Governo de 1924 – Cunha
Vasconcelos – Arquivo Geral do Estado do Acre)

junqueira&marin editores 278


1 ACRE - 1915 1

Outro elemento considerado fundamental para a expansão


do ensino primário na região é apontado José Lopes Aguiar no
momento em que este afirma que, a população escolarizável do
Acre se constituía de 8000 sujeitos e que o número de escolas
existentes atendia a uma estimativa de 4500 alunos, ponderando os
dados estatísticos a sua disposição o Diretor da Instrução Pública
afirma que ‘muito o Acre tinha a fazer para debelar o alto índice de
analfabetismo’.

A dificuldade de implementação da política de expansão


das escolas é identificada, pelo Diretor da Instrução Pública, como
centrada em duas grandes questões: na dispersão da população nos
seringais e na grande extensão territorial. Diante dessa percepção,
a saída apontada por Lopes Aguiar é a de

(...) Creação nas sedes de cada município de grandes


internatos, que comportassem ao menos 250 alunos, sob os
auspícios do governo, que poderia adaptá-los nos moldes
de patronatos agrícolas, escolas de artes e offícios, etc. E que
cada pae mandassem o seu filho ao internato cumprindo
o seu dever de bom cidadão porquanto o problema social
repousa suas raízes entre o lar e escola: entre a moral
acariciante dos Paes que representam o indivíduo e a
educação, repassada de amor do amor dos mestres, que
representam o Estado. (cf. Relatório de Governo de 1924 –
Cunha Vasconcelos – Arquivo Geral do Estado do Acre)

Observa-se aqui a definição do governante quanto ao papel


do Estado no gerenciamento da vida do indivíduo, determinando
ainda que os professores se constituiriam em ‘agentes do governo’
na disseminação da educação por toda a região.

A visão dos governantes sobre a situação educacional no


território é sempre recheada de expressões que proclamam a
‘lastimável situação’ em que se encontram as escolas. Assim é que se
percebe, nos Relatórios de Governo, uma necessidade premente de
posicionar a educação do povo acreano na direção do que consagra
a moderna pedagogia, no que importa a construção de escolas, ao
mobiliário adequado e a adoção de ‘métodos modernos’.

279 junqueira&marin editores


1 ACRE - 1915 1
No Relatório do Diretor da Instrução Pública do Município
de Rio Branco, Sr. Álvaro de Melo Leitão, prestado ao Intendente
Municipal no ano de 1926, é apresentado um diagnóstico da
situação em que se encontra a educação pública municipal.

Não temos uma só escola que satisfaça as exigências e aos


preceitos da moderna pedagogia. Estas que hai estão seriam
muito boas para épocas de antanho, contemporâneas dos
nossos avos, ou dos tempos remotos do quatro veiz quatro
e b com a, be á ba. Nenhuma delas funciona em prédios
apropriado, estão instaladas em aposentos acanhados de
casas particulares, sem attenção pela saúde infantil, sem
hygiene e sem conforto para educandos e professores.
Várias providas apenas de bancos isolados para os alunos e
de uma pequena e única mesa para todos os trabalhos. (cf.
Relatório Alvaro de Melo Leitão, 1926 – Museu da Borracha)

Nesse instante, o Diretor da Instrução Pública tem como


referência para os seus argumentos a situação em que se encontram
as ‘escolas isoladas municipais’, identificadas como locais,‘nos quais
a professora tem que se multiplicar para atender simultaneamente
a todas as classes e a todas as disciplinas’ e conclui apontando que
o que se verifica em tais escolas não pode continuar e que urge,
portanto uma ‘reforma radical para que se melhor possa atender a
‘eficiência do ensino’.

A expectativa de mudanças profundas na organização do


ensino primário requerida por Álvaro Melo Leitão é atendida
na gestão de Hugo Carneiro, governador do Território do Acre,
conforme informação presente no Relatório encaminhado ao
Ministro da Justiça e Negócios Interiores, no ano de 1930. Entre
as inovações levadas a termo por Hugo Carneiro pode-se perceber
a busca por um sentido mais orgânico à administração da
instrução pública, definindo assim ações de fiscalização, controle e
propaganda para a difusão do ensino primário em terras acreanas.

No aludido Relatório são publicadas as resoluções que


disciplinam o funcionamento da instrução pública. Uma das
primeiras ações de Hugo Carneiro foi a de disciplinar a inspeção

junqueira&marin editores 280


1 ACRE - 1915 1

escolar, criando para tal as ‘juntas de inspeção’, através da


Resolução nº 06, com as funções de ‘Fiscalização direta de todos
os estabelecimentos de ensino’, territoriais e municipais. Fica
determinado ainda que essa fiscalização se daria duas vezes ao
ano e os Inspetores teriam a ‘sede de seus trabalhos’ nos grupos
escolares.

A criação das ‘juntas de inspeção’ provoca a dissolução


dos cargos dos diretores dos grupos escolares que passam a
desempenhar a função de inspetores de ensino, devendo realizar
a fiscalização em loco de todas as escolas da sede dos municípios e
do interior. A direção dos grupos escolares seria assumida em
forma de revezamento pelas ‘quatro professoras catedráticas’ dos
grupos escolares. Pela função estas perceberiam uma gratificação
de ‘cem mil reis por mês’.

Outra inovação é a criação da Diretoria de Instrução Pública,


Estatística e Bibliotheca, através da Resolução nº 11 que tem a
função:

(...) de direção de todo o serviço de propaganda,


disseminação e fiscalização da instrucção pública e
particular, primária, secundária, normal e profissional
nos termos dos respectivos regulamentos e instruções
expedidas; organização da estatística do território, do
censo escolar e dos serviços da administração em geral;
organização e direção da biblioteca official do território.
(Relatório de Governo Hugo Carneiro – 1930 –Centro de
Documentação e Informação Histórica)

Uma medida controversa tomada por Hugo Carneiro,


no início do seu governo, foi o fechamento de quarenta escolas
isoladas municipais, que eram custeadas pelas dotações do governo
territorial aosmunicípios,aseremaplicadasemobrasmateriais.Tão
logo é percebido que as administrações municipais utilizam essas
verbas com pagamento e pessoal, o governador suspende o repasse
desses recursos, gerando uma ‘revolta’ nas municipalidades, como
atesta um artigo publicado em um jornal do município de Cruzeiro
do Sul, O Rebate. No artigo intitulado ‘mutilação do ensino primário’

281 junqueira&marin editores


1 ACRE - 1915 1
é registrado o fechamento de quinze escolas isoladas, implicando
no não atendimento de 600 alunos, só naquele município.

A pesquisa revela que somente no município de Xapuri, a


ação de fechamento das escolas foi compreendida de modo distinto
dos outros municípios. Alegando que o incremento dado por Hugo
Carneiro com ‘oportunas reformas’, permitiria a reestruturação
dos serviços de educação no território expressas na ‘melhoria
do material escolar, carteiras modernas, quadros negros, livros e
outros acessórios indispensáveis a instrução pública’, o Intendente
Municipal de Xapuri, Sr. Luiz Gonzaga Alexandre de Freitas coloca
se absolutamente favorável ao fechamento das escolas isoladas.

Dentre as71 escolas territoriais,40 estão sobaadministração


da municipalidade e são mantidas com verbas do governo
territorial. Esta condição permite que o Governador do Território
delibere sobre a manutenção ou fechamento das mesmas, haja vista
que estavam sob sua jurisdição financeira.

O GovernadorHugoCarneiro agregaajustificativa de‘mauuso’


da verba do governo territorial, na manutenção dos estabelecimentos
escolares, o fato de que muitas das escolas se localizavam em regiões
de baixa densidade populacional, enquanto que em locais com maior
contingente populacional não havia sequer uma escola.

Em seu Relatório Hugo Carneiro aponta que a ação de


fechamento de escolas não deve ser compreendida comoum atosem
sentido. Muito ao contrário disto, pretende o Governador incentivar
os governos municipais a aplicar ‘1/3 da renda com a instrução
pública’, conforme a legislação municipal preconiza. Pretende
assim estimular à criação de escolas primárias municipais nos
seringais da região, garantindo a maior amplitude no atendimento
a população em idade escolar, por parte da municipalidade.

Hugo Carneiro publica através da Resolução nº 5, no ano


de 1930, o Regulamento da Instrução Pública do Território. Nesse
documento são apresentados os elementos que disciplinam a
organização da instrução pública no território do Acre. Assim é que
ensino no território acreano se organiza, a partir do Regulamento

junqueira&marin editores 282


1 ACRE - 1915 1

da Instrução Pública em quatro grandes tipos de escola, conforme


determinado no seu artigo 10.

Art. 10 – O ensino primário territorial ministrar-se-á em


escolas de cinco tipos:
a. Escolas ambulantes
b. Escolas rurais
c. Escolas urbanas
d. Escolas noturnas
e. Grupos Escolares (cf. Governo Hugo Carneiro.
Regulamento da Instrução Pública do Território, 1930 –
Acervo UFAC/CDIH)

Relativamente à expansão e difusão da escola primária


interessante observar o disposto no artigo 11 do Regulamento.

Art. 11 – As escolas ambulantes serão criadas com fim de


melhor difundir pelo interior do território a alfabetização
e outros conhecimentos elementares imprescindíveis a
qualquer indivíduo, inclusive noções rudimentares de
higiene, educação física, agricultura, etc. (cf. Governo
Hugo Carneiro. Regulamento da Instrução Pública do
Território, 1930 – Acervo UFAC/CDIH)

De acordo com o Regulamento, os governos municipais


poderiam, dependendo da necessidade, criar as escolas ambulantes
que funcionariam por um período de um ano e adotariam
o programa do primeiro ano do curso primário. Note-se a
preocupação do legislador em garantir o elemento que caracteriza
a ‘escola ambulante’, ao determinar que estas só poderiam retornar
a localidades em que já haviam sido instaladas, após dois anos
de sua primeira instalação. Desse modo, se evitaria a abertura
de escolas indiscriminadamente, sem a necessária condição de
funcionamento.

As escolas urbanas e escolas rurais somente seriam instaladas


em localidades que contassem com mais de trinta crianças
em idade escolar e distante mais de três quilômetros de outro
estabelecimento público de ensino primário. Ao regulamentar as

283 junqueira&marin editores


1 ACRE - 1915 1
condições que permitiriam a abertura de escolas, o Governador do
território finda por garantir uma dispersão ‘planejada’ das escolas,
evitando com isso a concentração de estabelecimentos escolares
em regiões com pouca densidade populacional, ou a falta destes em
locais com condições propícias a abertura de escola.

Art. 23 – só serão criadas escolas urbanas, rurais e noturnas


quando o recenseamento escolar demonstrar sua
necessidade ou quando por solicitação de interessado,
uma junta composta de três pessoas de destaque da
localidade, der parecer favorável a sua criação, tendo
se sempre em vista que a criação da escola somente se
verificará no caso da população escolar ultrapassar de
trinta indivíduos. (Regulamento da Instrução Pública do
Território, 1930 – Acervo UFAC/CDIH)

Notadamente o censo escolar e populacional é uma constante


no universo das preocupações de Hugo Carneiro, dirigindo com
isso as suas decisões administrativas. A visão técnica relativamente
a localização de escolas, designação de professores e construção
de prédios escolares é fortemente marcada pelo resultado do
‘recenseamento’ das populações e das condições locais.

As escolas noturnas, de acordo com o Regulamento da


Instrução Pública, seriam mixtas, funcionando nas cidades e vilas,
tendo por objetivo a alfabetização, sem limite de idade. Os Grupos
Escolares serão localizados nas sedes dos municípios e o ensino
abrangerá todo o ensino primário e deverá garantir as crianças
um ‘grau de adiantamento’ que habilite a ‘criança a matrícula nas
escolas normais e no ginásio’.

Quadro2- Distribuição de Escolas no Território do acre–1930

junqueira&marin editores 284


1 ACRE - 1915 1

Fonte: Relatório de Governo, Hugo Carneiro, 1930 (Acervo UFAC/CDIH)

Observado o quadro de distribuição das escolas no território


do Acre do ano de 1930, percebe-se um incremento significativo
no número de escolas municipais, o que pode ser indicativo da
política defendida por Hugo Carneiro de abertura e manutenção
de escolas municipais utilizando o 1/3 da renda arrecadada pelos
municípios, conforme anotação presente no Relatório de Governo
já mencionado.

A implantação dos grupos escolares: um percurso

O recém criado Território do Acre precisava acompanhar as


inovações educacionais que estavam acontecendo no restante do
Brasil. A educação era a principal responsável pela difusão das luzes,
sendo, portanto, inadmissível que um território se desenvolvesse
sem a presença de escolas que oferecessem educação capaz de
moralizar a população.

Era necessário formar os acreanos para vencer o atraso e


acompanhar o desenvolvimento que o restante do Brasil já começara
a apresentar, precisaria então de uma escola que estivesse de acordo
com os princípios modernos de ensino e que ensinasse as crianças
não só a ler, escrever e contar, mas a assumir o seu lugar na sociedade.

Neste período (no início do século XX), em alguns estados


brasileiros como São Paulo, Belo Horizonte, Paraíba, os grupos
escolares já estavam sendo implantados, com uma organização que
servia de modelo para outros estados Brasileiros, como é o caso de
São Paulo. (cf. Souza, 1998).

De acordo com o Relatório de Diretor do Departamento


do Alto Juruá, Francisco Siqueira de Rego Barros, somente em

285 junqueira&marin editores


1 ACRE - 1915 1
1913, que vai surgir o primeiro pronunciamento legal em favor da
construção de um grupo escolar em Cruzeiro do Sul, quando este
admite que

(...) este anno ‘ pretendo’ dar uma nova organização á


instrucção, fundando nesta cidade um Grupo Escolar, com
capacidade para 250 crianças reunindo numa só direção
5 escolas urbanas. Com esse grupo conto despender
anualmente cerca de 48.000$000, sendo 32.000$000 virão
do custeio actual dessas 5 escolas. (cf. Relatório de Francisco
Siqueira do Rego Barros. O Cruzeiro do Sul, nº 325, 1914)

Importante observar que Rego Barros carecia de um


incremento da ordem de 16.000$000 para a manutenção do
grupo escolar, devendo o restante vir do montante já aplicado nas
escolas isoladas. Em nenhum momento do Relatório o Diretor do
Departamento do Alto Juruá esclarece que outras medidas seriam
tomadas para a implantação e funcionamento do grupo escolar,
por ele anunciado. Isto nos permite considerar que a percepção do
administrador do Departamento sobre a importância da criação de
um novo tipo de estabelecimento de ensino está em consonância
com os discursos produzidos nos grandes centros ainda que não
aponte o que caracteriza o grupo escolar para além da reunião de
escolas.

A pesquisa revela que no Departamento do Alto Purus,


com sede na cidade de Sena Madureira, há um registro que
indica a necessidade de criação de um Grupo Escolar, nos moldes
anunciados por Rego Barros, naquele mesmo ano.

As diversas escolas desta cidade serão reunidas em um


grupo escolar que funcionará no confortável prédio da rua
Xapuri, mantendo-se, entretanto, as escolas isoladas dos (...)
bairros mais afastados do centro da cidade. (cf. Jornal o Alto
Purus, 288 de 13/04/1914 – Coleção UFAC/CDIH)

A idéia que prevalece, nesses dois documentos é a de reunir


escolas sob uma única direção, sem que, no entanto esta seja
nomeada ou entendida como ‘escola reunida’ e sim, garantindo-lhe

junqueira&marin editores 286


1 ACRE - 1915 1

a feição de grupo escolar. Não foi possível identificar se a proposta


anunciada pelos governantes departamentais foi levada a termo,
nos moldes por eles divulgados.

No ano de 1922, o governo territorial faz publicar o primeiro


Regulamento da Instrução Pública do Território, disciplinando
a organização e o funcionamento dos serviços de educação na
região e estabelece em seu artigo primeiro que a instrução pública
do Território compreende ‘a educação, primária, secundária e
profissional’, oferecida em ‘escolas isoladas, escolas agrupadas,
grupos escolares e nas escolas particulares’.

No Regulamento fica definido que as ‘escolas agrupadas


se constituem em estabelecimentos de segunda ordem para o
ensino até o terceiro ano do curso primário’. Tal definição indica
a importância desses estabelecimentos e que estes se constituem
em uma espécie de ‘embriões’ na formação dos grupos escolares,
verificado o cumprimento de alguns requisitos.

Ar. 23 – O agrupamento de escolas determinará segundo a


freqüência média comum a organização necessária que
poderá ser a mesma dos grupos escolares, distribuído
os alunos, segundo o grau de aproveitamento, pelas
cadeiras dos diversos anos que o novo estabelecimento
comportar, e por estas os docentes das escolas então
agrupadas. (cf. Regulamento da Instrução Pública do
território, 1922 – Coleção Museu da Borracha)

Predominava nas escolas do território o modelo didático


pedagógico que dividia oensino primário com duração de quatro anos,
em elementar e em complementar. O ensino elementar era ministrado
em dois anos e, o complementar nos dois anos seguintes. Somente
o grupo escolar poderia oferecer o curso elementar e complementar.

Os grupos escolares são criados no Território do Acre no


período compreendido entre 1915 a 1949. Sendo que o primeiro
grupo escolar é criado e posto a funcionar no ano de 1915 – Grupo
Escolar 24 de Janeiro – no município de Rio Branco, sede do
Departamento do Alto Acre.

287 junqueira&marin editores


1 ACRE - 1915 1
A cronologia de criação dos grupos escolares revela o
modo como esta idéia, que é pela primeira vez apresentada em
um Relatório de Governo no ano de 1913, vai se espraiando pelo
território acreano de sorte que, no ano de 1928, já se encontravam
em funcionamento seis grupos escolares sendo dois na capital do
território – 24 de Janeiro e 07 de Setembro, e quatro nas sedes dos
municípios do território, respectivamente Plácido de Castro em
Xapuri, João Ribeiro em Tarauacá, Francisco Sá em Sena Madureira
e Barão do Rio Branco em Cruzeiro do Sul.

No ano de 1921, o jornal A Capital anuncia a construção


daquele que se constituirá no edifício modelo para a instalação do
Grupo Escolar 07 de Setembro. Diz a nota:

O Sr. Dr. Governador Geral do Acre, no louvável intuito de


dotar a capital do Território de um Grupo Escolar moderno,
que obedeça as prescrições hygienicas e pedagógicas
resolveu mandar construir um edifício para tal fim na
esquina da rua Rio Grande doNorte com a Praça Tavares Lira.
As despesas com a execução do novo prédio estão orçadas
em cinqüenta contos e os trabalhos serão executados por
concorrência pública. (cf. A Capital, 1921 – ano I, n. 1 p. 02)

O Grupo Escolar “7 de setembro” criado em 1915, somente


em 1922 teve seu prédio próprio inaugurado, em cerimônia
devidamente noticiada nos periódicos da capital. Naquele momento
o prédio do grupo escolar 7 de setembro era considerado o prédio
mais elegante e moderno de Rio Branco, possuindo uma bela
construção mista de ‘madeira e alvenaria de cimento e três salões
vastos destinados às aulas das crianças, com higiênicas instalações
sanitárias e abastecimento de água’.

De acordo com as notícias veiculadas na imprensa, a entrada


do Grupo Escolar recém inaugurado, possuía uma sólida e bem
construída escada de alvenaria de tijolo e cimento, ladeada por
duas calçadas bem amplas. Toda a construção do edifício foi feita
obedecendo as regras determinadas pelas técnicas de segurança,
conforto, higiene e bom gosto. Possuía acomodações para trezentos
alunos e uma pintura com cores modernas.

junqueira&marin editores 288


1 ACRE - 1915 1

Figura 1 - Grupo Escolar Sete de Setembro em 1929


– acervo Museu da Borracha.

Se observado o valor determinado por Rego Barros no ano


de 1914 para a manutenção de um Grupo Escolar no Departamento
do Alto Juruá, por todo um ano – 48.000$000 – e o valor anunciado
pelo Governador do Território do Acre para a construção de um
único grupo escolar – cinqüenta contos – verifica-se o custo que
seria necessário para a implementação e funcionamento desses
estabelecimentos em muito é superior ao previsto sete anos antes
da construção do Grupo Escolar 07 de Setembro.

O elevado custo com a criação e manutenção desses


estabelecimentos é motivo de divergências entre os governantes
municipais e o governo territorial. Se de um lado para alguns
administradores os grupos escolares representam um atrativo
inovador, um signo de modernidade pedagógica, para outros o alto
custo desse investimento é impeditivo de sua realização.

Crear boas escolas infantis disseminando-as, provendo-as


de bons mestres, de hygiene e conforto para os educandos
não é, decerto, nomear um indivíduo qualquer que apareça
a mendigar um emprego para ensinar o b a bá, o contar
2 e 2 – 4, assim como também o problema do ensino não
se resolve creando estabelecimento de educação para os

289 junqueira&marin editores


1 ACRE - 1915 1
quais faltam os educadores e os educandos. Falamos em
tese resolve o senhor Inspetor da instrução o problema do
ensino entre nós com a criação do grupo escolar? Como? (cf.
O Juruaense, 1918)

O artigo publicado no periódico cruzeirense espelha a


preocupação de alguns governantes com o fato de os esforços
para a criação dos grupos escolares, resultarem no esvaziamento
de recursos para a manutenção do ensino no território acreano,
especialmente para aquelas escolas que não obedecessem a
tipologia considerada ‘moderna’.

A saída encontrada para a instalação dos grupos escolares e


a diminuição dos custos com a construção de prédios próprios foi o
aluguel ou arrendamento de espaços de terceiros. Cumpria-se com
isso a ‘promessa de criação dos grupos escolares’ sem, no entanto
obedecer aos princípios que ordenam a sua criação, princípio este
ancorado na ‘visibilidade’ e ‘monumentalidade’ da construção.

O governador Hugo Carneiro, ao fazer uma análise da


situação dos prédios escolares sob sua jurisdição, no ano de 1930,
aponta que

É necessário notar que nem todas as escolas do Território


estão funcionando em prédios próprios, construídos de
acordo com os princípios hygienicos e pedagógicos. (...)
esses edifícios não verdadeiramente próprios pêra as
escolas, são prédios adaptados e que ficam muito a desejar.
(cf. Relatório de Governo – Hugo Carneiro – 1930, p. 257)

Os gruposescolaresrepresentaramumanovidadenãoapenas
em sua organização arquitetônica, mas também em sua organização
temporal. Assim, mesmo que os primeiros grupos escolares não
estejam ainda organizados e com os recursos necessários para o
ensino, eles possuem uma força ideológica que os transforma em
o lugar por excelência dedicado a difusão do ensino sistematizado.
São, portanto, as primeiras instituições de ensino no Território do
Acre a serem caracterizadas como graduadas, pois respondem,
mesmo que em parte as seguintes características:

junqueira&marin editores 290


1 ACRE - 1915 1

a) Agrupamento dos alunos segundo um critério nivelador


que pelo geral é a idade cronológica para obter grupos
homogêneos;
b) professores designados a cada grau;
c) equivalência entre um ano escolar do aluno e um ano de
progresso instrutivo;
d) determinação previa dos conteúdos das diferentes
matérias para cada grau;
e) o aproveitamento do rendimento do aluno é determinado
em função do nível estabelecido para o grupo e o nível
em que se encontra;
f) promoção rígida e inflexível dos alunos grau a grau.
(DICCIONARIO DE LAS CIENCIAS E DE LA EDUCACION
CITADO POR SOUZA, 1998)

O equilíbrio da ordem escolar:


o esquadrinhamento do tempo e das matérias de estudo

No que concerne à finalidade do ensino primário, pode


se observar, nos regulamentos da instrução pública do período
departamental e territorial a prevalência de um ordenamento, no
que importa a finalidade da educação primária, que enfatiza na
formação do caráter e a educação integral, a iniciação cultural,
o desenvolvimento das virtudes morais e cívicas e formação e
desenvolvimento da personalidade dos indivíduos.

No Regulamento da Instrução Publica do Alto Purus,


publicado no ano de 1914 fica definido as seguintes finalidades do
ensino primário:

Art. 1 – O ensino primário tem as seguintes finalidades:

a) Proporcionar a iniciação cultural que a toda conduza ao


conhecimento da vida nacional, e ao mesmo exercício
das virtudes morais e cívicas que a mantenham e a
engrandeçam dentro de elevado espírito de fraternidade
humana;

291 junqueira&marin editores


1 ACRE - 1915 1
b) Oferecer de modo especial, as crianças de sete a
doze anos, as condições de equilibrada formação e
desenvolvimento da personalidade;
c) Elevar o nível dos conhecimentos úteis a vida na família
e defesa da saúde e a imersão no trabalho.

A idéia de que o espírito seria cultivado a partir da formação


do caráter está presente nos textos legislativos do período e
expressa, a seu tempo, uma estreita sintonia com os debates
nacional acerca do papel e função da educação na formação da nação
brasileira, especialmente quanto as discussões relativa as reformas
educacionais operadas no início do século XX. A formação moral
e cívica dos alunos, assim como a formação de hábitos saudáveis
ocupa um lugar principal no discurso educacional durante o início
do período republicano.

Essas formulações podem ser localizadas nos estudos de


Marta Carvalho (2003), especialmente quando esta aponta que um
dos elementos presentes no discurso dos intelectuais durante a
primeira República é de que a amorfia do povo era um dos principais
elementos de freio ao progresso da nação que começa a se constituir.
A alfabetização se constituía em um problema nacional. Educar o
povo e sanear as populações citadinas se apresentava como uma
importante ação do governo rumo a modernização pretendida.
Assim é que saúde, moral e trabalho são dispositivos que acionam
os discursos e as ações dos reformadores do primeiro quartel do
século XX na busca de uma ‘reestruturação do sistema escolar que
melhor assegurassem a homogeneização e disciplinamento das
populações’.

O Regulamento da Instrução Pública do Departamento do


AltoTarauacá de 1913, publicado através da Resolução nº 04, consta
de 23 artigos e compõe um conjunto de regulamentos que visam
disciplinar o funcionamento da instrução pública, matadouro,
cemitério, mercado e ‘outras repartições da municipalidade’.

O ensino naquele local ainda é incipiente e, relativamente a


instrução pública fica definido que a municipalidade manterá sob
sua jurisdição escolas primárias destinadas a ‘menores e adultos’,

junqueira&marin editores 292


1 ACRE - 1915 1

dirigidas a ambos os sexos e que estas funcionarão no período


diurno e noturno. O ano letivo se inicia em janeiro com termino
em dezembro, sem indicação de interrupção entre semestres,
o que indica a ausência de férias no meio do ano. O horário de
funcionamento das escolas não prevê o turno da tarde, constando
apenas os horários matutinos e noturnos.

Ainda que fique explicitado no artigo 80 do Regulamento


que ‘o ensino ministrado nas escolas do município será leigo’, não
é determinada a duração do curso oferecido nas escolas daquele
departamento. No entanto, pela indicação das matérias que serão
ministradas no ensino primário se pode inferir que se trata de um
curso elementar, em escolas isoladas.

Art. 60 – O ensino constará do seguinte: leitura, escrita,


dictado, prolegomenos de arithimetica e portuguez,
matérias ministradas alternadamente a juízo do
professor’. (Regulamento da Instrução Pública do
Departamento do Tarauacá, 1913 - Acervo Museu da
Borracha)

No ano seguinte o Prefeito do Departamento do Alto Purus, Sr.


SamuelBarreirafazpublicar,atravésdaResoluçãon29de20/05/1914,
o Regulamento da Instrução Pública daquele Departamento no qual se
define que o ensino primário nas escolas municipais ‘será ministrado
em grupos escolares e escolas isoladas (...) e escolas noturnas
destinadas, sobretudo estas, as classes proletárias’.

Os Regulamentos da instrução pública e os Programas de


ensino sancionados posteriormente, no período do Território
unificado, revelam uma ampla tentativa de remodelação da
educação primária acreana expressa no estabelecimento de
programas de ensino com descrição das matérias de estudo,
organização detalhada e racional do tempo escolar, da gradação e
promoção dos estudantes, numa tradução de um modelo de escola
desenhado pelas normas político-administrativas.

A duração do ensino primário se constituiu em preocupação


constante dos legisladores. No Regulamento da Instrução Pública

293 junqueira&marin editores


1 ACRE - 1915 1
de 1922, foi definido em seu artigo oitavo que teria a duração de
“quatro annos, obedecendo a ordem ascencial” o que implicava em
que os alunos precisariam freqüentar no mínimo quatro anos para
concluírem o ensino primário, além de não poderem se matricular
em anos subseqüentes sem terem concluído o ano posterior. No
Regulamento da instrução pública de 1936 a organização dada é
a seguinte:

O ensino primário será ministrado em quatro series


annuaes. As duas primeiras séries são rudimentares,
comprehendendo noções de conhecimentos práticos geraes;
as duas subseqüentes são integraes e comprehenderão
todas as matérias do ensino preparatório para ingresso no
curso normal ou secundário (Regulamento da Instrução
Pública do Território do Acre de 1936, Acervo Museu da
Borracha).

As séries rudimentares compreendiam as matérias


consideradas indispensáveis para a formação do sujeito; e o
ensino integral ofereceria um programa de ensino mais completo.
Esta medida de organização do ensino primário em duas partes é
justificada como sendo o meio mais viável de organizar o tempo
de professores e alunos e impedir o prejuízo na aprendizagem das
crianças. Assim, as escolas isoladas seriam autorizadas a oferecer
somente o ensino elementar correspondente aos dois primeiros
anos de ensino primário.

Se por um lado, este modo de organização do ensino


primário possibilitava as escolas isoladas uma maior organização,
impedia que um grande número de alunos tivesse acesso ao
ensino primário completo, sendo que os únicos locais autorizados
a oferecê-los eram os grupos escolares, que estavam presentes
apenas nos centros dos municípios: “Nos grupos escolares, o
ensino abrangerá todo o curso primário e será ministrado em
cadeiras especiaes para cada série”. (Regulamento de Instrução
Publica do Território do Acre de 1936)

O período de duração do ensino primário modificava-se


ainda em 1947, estendendo-se para 5 anos de duração; os quatro

junqueira&marin editores 294


1 ACRE - 1915 1

primeiros com o curso elementar e o último ano com o curso


primário complementar. Este último ano funcionaria somente
anexo as escolas normais. (Regulamento da Instrução Pública,
1947, Acervo – Arquivo Geral do Estado)

A feição disciplinadora dos regulamentos de ensino se


expressa também no controle das atividades pedagógicas e na
duração e do ano letivo, organizado em sete meses e meio sem as
férias do meio do ano. Ao término deste período, iniciava o período
correspondente a três meses e meio de férias escolares. Esta forma
de organização do ano escolar é alterada no governo de Hugo
Carneiro (1930), que se contrapõe a tal forma de organização,
pois, segundo o próprio governador, o longo período de férias
contribuiria para que as crianças esquecessem o que aprenderam
no decorrer do ano.

Como medida saneadora o Governador Hugo Carneiro


propõe o prolongamento do ano letivo até o mês de dezembro,
aumentando em um mês o período letivo e reduzindo em um mês o
período de férias (Regulamento de Instrução Pública do Território
do Acre, 1930, Acervo UFAC/CDIH).

Com o intuito de estabelecer homogeneidade entre os


diversos estabelecimentos de ensino, no que diz respeito à
data de encerramento das aulas, os exames escolares foram se
estabelecendo como marco para esta demarcação temporal, uma
vez que para encerrar o ano letivo era condição indispensável
realizar os exames escolares, com data devidamente marcada
desde o início do ano letivo. Os exames poderiam ocorrer
em cada escola ou em uma escola central, no segundo caso,
quase sempre os grupos escolares, acolhiam os alunos das
escolas mais próximas, aproveitando assim, a mesma banca
examinadora.

Parágrafo único – São exames de promoção ou passagem de


um anno para outro os realizados em cada anno, à excepção
do ultimo anno do curso, os quais serão considerados
finaes. (Regulamento de Instrução Pública do Território do
Acre, 1922).

295 junqueira&marin editores


1 ACRE - 1915 1
A definição das disciplinas que compunham o programa
escolar apresenta modificações no decorrer do período
pesquisado. Os programas de ensino revelam a preocupação
destes dispositivos em assegurar certa homogeneidade entre os
diversos tipos de escolas existentes e distribuição dos conteúdos
nos anos de estudo.

Ao analisar as modificações que os programas de ensino


apresentam observa-se que fatores como, o conceito de educação,
as necessidades sociais, as mudanças pelas quais a sociedade
vinha passando, os interesses dos representantes do povo, mas
também a ação de professores e diretores foram fatores decisivos
nas alterações processadas nos programas de estudo da educação
primária.

A análise da organização curricular presente nos programas


de ensino do Território do Acre nos permite compreender o
modo como foi sendo realizada a escolha dos componentes que
integraram cada programa de ensino, as razões para tal opção e
como os mesmos foram se modificando a depender das exigências
sociais, além da percepção do papel que a educação primária
desempenhava para os governantes e para a própria população do
Território.

Nesse processo de reforma do currículo da educação


primária, para além dos aspectos modificados observou-se,
também, a presença constante de um discurso em prol de que a
educação primária deveria ensinar conteúdos que dessem conta de
formar o cidadão com valores morais e patrióticos, além de apenas
o ensinar a ler, escrever e contar.

O ensino da linguagem oral e escrita durante todo o período


estudado foi muito valorizado seja na organização dos calendários
escolares(divisão dasdisciplinas por hora aula),seja na organização
e definição do que ensinar e no como fazê-lo. Os conteúdos a serem
ensinados na área que hoje denominamos como ensino de Língua
Portuguesa, estavam divididos em dois grupos: linguagem oral e
linguagem escrita. Sendo, disciplinas distintas, cada qual com seus
respectivos conteúdos.

junqueira&marin editores 296


1 ACRE - 1915 1

Este componente curricular ocupava no horário escolar


boa parte do tempo diário, em média uma hora, tendo sempre
meia hora diária a mais que as demais disciplinas do programa. A
prioridade por determinadas disciplinas sofreu mudanças, sendo
que a depender do período, a valorização de umas era maior em
detrimento de outras, o que podemos constatar no Regulamento
de Instrução Pública de 1922, que estabelece em seu art. 6º que:
“Não poderá funcionar no Território nenhum estabelecimento de
educação ou escola em que não seja ministrado, de modo efficiente,
o ensino da língua nacional, da chorografia e a história do Brasil”.

O programa de ensino de 1926 apresenta uma divisão


dos conteúdos a serem ensinados em quatro partes, divididos
por ano letivo. No primeiro ano as disciplinas a serem ensinadas
eram: língua portuguesa (leitura e escrita simultâneo), caligrafia,
aritmética, lições de cousas e educação física, exercícios militares
e ginástica.

No segundo ano além das disciplinas acima apresentadas foi


acrescentada a disciplina de educação moral e cívica, assim, a de
lição das cousas, passava a focalizar mais os aspectos de higiene e
ciências, já não existindo nenhuma referência a conteúdos da área
de geografia.

No terceiro ano duas novas disciplinas passam a compor


o programa de ensino: geografia e chorografia do Brasil e
particularmente do Acre, história do Brasil e particularmente do
Acre e geometria prática e desenho linear. Os conteúdos a serem
ensinados estão mais aprofundados e a disciplina - lição de cousas
- focaliza todas as suas atenções ao ensino de ciências e higiene. No
quarto ano somente são aprofundados os conteúdos estudados no
terceiro ano.

O fato de algumas disciplinas serem oferecidas apenas a


partir do terceiro ano justificava-se pela forma como o ensino
primário era organizado: dividido em duas partes. Uma elementar
com as disciplinas consideradas indispensáveis à etapa inicial;
outra complementar, apenas para os dois últimos anos. Esta forma
de organização do currículo privilegiava alunos com boas condições

297 junqueira&marin editores


1 ACRE - 1915 1
econômicas, que era em número reduzido, seja por falta de escolas,
ou pelas dificuldades econômicas, pela não obrigatoriedade escolar,
ou ainda, pelo fato de alguns pais não considerarem a educação
como importante para seus filhos.

O governador Hugo Carneiro em seu relatório de governo


publicado em 1930, assim se posiciona a respeito deste programa
de ensino:

o programma em vigor não corresponde as exigências


da vida actual. É um programma que estaria muito
adequado na época, em que elle entrou em vigor, mas que,
actualmente, deixa muito a desejar.

Si V. Ex. me permittir citar um exemplo, poderei dizer que,


si devido a circunstancias especiaes, a criança deixa a escola
no 2° anno, agnorará, de acordo com o programma em vigor,
qualquer noção de historia e geographia de sua pátria.

Mais um outro exemplo poderia dar: interrompendo o


curso primário no 3° anno, já tenho estudado historia do
Brasil e particularmente do Acre, ella ficará na ignorância
dos factos que antecederam e succederam ao grito do
Ypiranga a declaração de mudança do nosso regimen pelo
general Deodoro da Fonseca.

Poderia referir aqui outros pontos, principalmente


no que diz respeito a trabalhos manuaes, a educação
physica, em que o Regulamento em vigor não attende
mais as necessidades da educação da época presente.
(Relatório do governador Hugo Carneiro, 1930, Acervo
UFAC/CDIH).

Compromete-se o Governador Hugo Carneiro com a


organização de um novo programa de ensino articulado com os
fundamentados da pedagogia moderna, expressa na adoção do
método de ensino intuitivo experimental, valorizando os conteúdos
práticos e objetivos, úteis a vida da criança; além de enfatizar o
ensino das ciências físicas e naturais. ♠

junqueira&marin editores 298


1 ACRE - 1915 1

Referências

ACRE. [Relatório do Prefeito do Departamento do Alto Juruá] – Thaumaturgo de


Azevedo – 1905.
ACRE. Relatório do Prefeito do Departamento do Alto Purus – Francisco Siqueira do
Rego Barros-1913. Segundo Semestre.
ACRE. Relatório do Prefeito do Departamento do Alto Purus – Francisco Siqueira do
Rego Barros-1914.
ACRE. Relatório do Governador do Território do Acre – Dr. Cunha Vasconcelos –
1924/1925.
ACRE. Relatório do Diretor da Instrução Pública do Município de Rio Branco – Ac.
Alvaro de Melo Leitão, 1926.
ACRE. Relatório de Governo do Território do Acre. Governador Hugo Carneiro, 1930.
ACRE. Regulamento de Instrução Pública do Departamento de Tarauacá, 1913.
ACRE. Regulamento de Instrução Pública do Departamento do Alto Purus, 1914.
ACRE. Regulamento de Instrução Pública do Departamento do Território do Acre.
Francisco de Oliveira Conde, Secretário Geral, 1922.
ACRE. Regulamento de Instrução Pública do Departamento do Território do Acre.
José Lopes de Aguiar, Diretor do Departamento de Instrução Pública, 1930.
ACRE. Regulamento de Instrução Pública do Departamento do Território do Acre.
Waldemar Torres da Costa, Diretor do Departamento de Instrução Pública,
1934.
ACRE. Regulamento de Instrução Pública do Departamento do Território do Acre.
José Guiomard dos Santos, Governador do Território, 1947.
ACRE. Programa de Ensino do Território do Acre, 1926.
ACRE. Programa de Ensino do Território do Acre, 1930.
ACRE. Programa de Ensino do Território do Acre, 1947.
GINELLI, Giovanna. História da educação acreana: evolução da educação no
Território do Acre, desde sua proto-história, até sua elevação a categoria de
Estado 1962. Tese de doutorado, UFAC, Acre, 1982.

299 junqueira&marin editores


GOIÁS - 1918

ESCOLÃ PRIMÁRIA EM GOIÁS NÃ PRIMEIRA REPÚBLICA:


TENSÕES E DISTENSÕES DE UM JOGO DE EMPURRR

Rubia-Mar Nunes Pinto"

[...] a triste verdade [é] que o ensino primário em Goyaz é


um mytho, não existe.

Nºidade de Goyaz, capital do estado, 1918. O emissor do


|discurso sobre a inexistência do ensino primário em Goiás
é João Alves de Castro em seu primeiro Relatório como
presidente do estado. Ele era o inaugurador da ação de uma nova
oligarquia na política goiana (os Caiado). Portanto, seu olhar sobre
os governos anteriores contém traços de negatividade podendo ser
compreendido como estratégia empenhada tanto na demonstração
da inoperância dos homens que vinham dirigindo o estado quanto
na afirmação da legitimidade do grupo político que acabava de
chegar ao poder estadual. Contudo, Alves de Castro era também um
homem preocupado com as questões da educação e reconhecido
por suas ações e iniciativas neste campo.

80 Rubia-Mar Nunes Pinto, Professora adjunta na Faculdade de Educação


Física, Universidade Federal de Goiás, Campus II Goiânia, coordenadora do
VE (LHACO) Laboratório de Pesquisas e Estudos em História e Artes do
Corpo. E-mail: rubia-marp@bol.com.br

junqueira&marin editores 300


1 GOIÁS - 1918 1

Secretário de Instrução, Indústria, Terras e Obras Públicas


do governo José Xavier de Almeida (1901-1905), Alves de Castro
conseguira reorganizar o Lyceu de Goyaz e, assim, colocar a
única escola secundária da hinterlândia goiana em condições de
equiparação ao Colégio Nacional/Pedro II (1904). Ele também
instalou, em 1903, a Escola Normal Oficial e o Instituto de Educação
Primária – conhecido como Curso Anexo – como campo de estágios
para os futuros professores primários. É igualmente desse período
a primeira publicação de Súmula da História de Goiás (1904) – de
autoria de Americano do Brasil -, livro encomendado por Alves de
Castro para constituir-se livro didático na formação de normalistas
(BRETAS, 1991). Além disso, era um professor de primeiras letras,
recebendo crianças em sua residência, conforme comentou ao
lamentar a morte de Abilio Wolney Filho, de quem tinha sido
professor.

Em 1905, em relatório apresentado ao presidente José Xavier


de Almeida, Alves de Castro tocava no ponto de estrangulamento da
instrução pública em Goiás: a descentralização da responsabilidade
pela criação e manutenção de escolas primárias. Adotando a
perspectiva da função civilizatória da escola e tendo em vista o
modelo norte-americano de centralização do ensino primário,
ele repelia a municipalização por vê-la como ‘[...] a instituição
da anarchia no ensino [...] porque os municípios não tem renda
e [...] graó de cultura necessária para dirigirem o ensino popular
’ (RELATÓRIO, 1905:06). Sua critica mais recorrente se dirigia à
má qualidade da fiscalização do ensino primário realizada pelos
delegados literários municipais: estes não enviavam relatórios
sobre a situação do ensino primário nos municípios e preenchiam
mapas de frequência com informações enganosas, ocultando as
faltas das crianças. ‘Dir-se-ia que estamos na terra da promissão,
onde as crianças do interior nem sequer adoecem’ (RELATÓRIO,
1905, p. 07), afirmou requerendo a substituição urgente dos
delegados literários por inspetores e conselhos escolares.

Ademais, dizia que a ação da esfera estadual no tocante


à instrução primária pública não podia se limitar a apenas criar
escolas e contratar professores: havia a necessidade de fiscalizar,
implantar métodos pedagógicos novos e um bom programa

301 junqueira&marin editores


1 GOIÁS - 1918 1

de disciplinas além de prédios próprios para o funcionamento


de escolas. Alves de Castro falava, portanto, com autoridade
de conhecedor dos problemas educacionais goianos. Por isso
seu discurso em 1918 não pode ser pensado tão somente
como estratégia de demonstração da inoperância da oligarquia
destronada ou ser reduzido a uma mera retórica de legitimação
dos Caiado, os novos ocupantes do poder regional. É preciso (re)
colocá-lo em um quadro interpretativo mais amplo e, nesse sentido,
o próprio discurso em pauta contém elementos que permitem
aprofundar a análise no nível da linguagem. O que ele nos informa
sobre a difusão e expansão da escola primária em Goiás?

A priori, ele afirma que não existe este nível de educação no


estado, o que pode ser compreendido como ausência de escolas,
de professores e, portanto, de estudantes, de prédios e mobiliário
escolares ou ainda a falta de sistemas ou redes escolares e de
estrutura e organização de instituições escolares. Configura-se,
deste modo, a ideia de inexistência material da escola primária
na sociedade goiana. Mas, antes de afirmar sua inexistência,
Alves de Castro diz que o ensino primário em Goiás é um mito,
o que inicialmente coloca a questão da não existência como um
complemento daideia de mito, ou seja,omitoé aquilo que nãoexiste.
Num segundo olhar, entretanto, os significados dicionarizados do
mito recolocam a inexistência da escola primária em outro patamar
de interpretação, que provoca um deslocamento nos sentidos
instituídos por esta discursividade: a escola primária goiana existia,
porém, como mito. Tornava-se, então, um acontecimento ou fato
extraordinário, incomum, frequentemente exagerado e distorcido
pela imaginação popular; coisa sem existência real ou passível de
ser provada; representação idealizada; ou ainda, verdade ou valor
moral inquestionável para um grupo social, acepções que remetem
ao imaginário da sociedade goiana sobre a escola primária.

Ainda há algo a ser problematizado no nível da linguagem:


de fato, Alves de Castro diz que o ensino primário não existe, mas
não chega a afirmar que não existem escolas primárias. Poderia
estar realizando uma equivalência entre ensino e escola primária,
formulação presente em outros discursos presidenciais? Ou, ao
contrário,sinalizandoparaa persistência de ummodelo educacional

junqueira&marin editores 302


1 GOIÁS - 1918 1

(mal) gerido e mantido à revelia do poder público estadual que


transferira à instância a responsabilidade de criar e manter
escolas? Estaria ele vendo as fragilidades do modelo de escola que
predominava na sociedade goiana – a escola isolada, baseada no
ensino individual, gerida por professores não qualificados e que
atuavam sem uniformidade administrativa e metodológica? Tais
questões me levam à problemática da expansão da escola primária
no sertão goiano.

A expansão e o estrangulamento da escola primária em Goiás:


Entre o estado e os municípios

Considerando que tudo é linguagem, mas a linguagem não é


necessariamentetudo,conformelembraBarros(2004),énecessário
avançar para além deste nível de interpretação incorporando
à análise o acontecimento em seu desenrolar histórico. Neste
sentido, o ano de 1918 é um momento que a recente historiografia
da educação goiana considera como sendo de grande importância,
pois, a partir daí o governo estadual assumiu definitivamente a
responsabilidade pela instrução pública retirando a autonomia dos
municípios para criar e manter escolas primárias. Alves de Castro
passara, então, das palavras à ação.

Na sua gestão (1917-1921), em 1918, veio a lume a


importante reforma educacional que, além de colocar a instrução
primária nas mãos da esfera estadual, criou o grupo escolar nas
terras goianas. Além disso, a rede escolar foi ampliada, novos
parâmetros para a organização escolar foram postos em circulação
e ocorreram incentivos para a adoção de novos métodos de
ensino representando a gênese da implementação e difusão do
escolanovismo na escola goiana. Além disso, o governo Alves de
Castro marcou o inicio de um período marcado por reformas
educacionais que perdurou até o final da Primeira República. Mas,
voltemos à questão da descentralização.

Consagrada pela Constituição Política do Estado de Goyaz


(1891) e regulamentada em 1893, a autonomia municipal quanto

303 junqueira&marin editores


1 GOIÁS - 1918 1

à instrução pública foi longamente discutida pelos presidentes


de estado do período 1891-1917, em suas mensagens, como
um problema não solucionado. Afinal, dizia-se que a instrução
primária era algo que não produzia ‘resultado compensador’
(MPE, 1891: 11) ou ‘de resultado negativo’ (MPE, 1895: 14), que
não ‘não deu os fructos esperados’ (MPE, 1898: 11) e que deixava
‘muito a desejar’ (MPE, 1900: 10). Afirmava-se também que era
‘lastimável’ em todos os aspectos (1902: 27), que ‘temos pouco
avançado’ (MPE, 1906:27), que era ‘incompleta, deficiente [...] tão
pouco zelada, tão despresada’ (MEP, 1911: 11), que ‘deixa muito
a desejar’ (MPE, 1914: 23). Em 1918, apareceu o discurso da sua
inexistência.

Como pano de fundo dos pronunciamentos presidenciais


estava o papel das esferas estadual e municipal quanto à criação e
manutenção de escolas primárias. Para alguns governantes, era ‘[...]
um grave erro administrativo privar a intervenção do estado em
assuntos concernentes á mais nobre e bella das instituições, aquela
que prepara cidadãos e heróes, temperando-lhes a alma no cadinho
da honra e do dever cívico’, conforme pontificou Rodolpho Gustavo
da Paixão, primeiro governante republicano em Goiás (MPE, 1891:
09). Outros presidentes compartilharam de sua posição, como
José Ignácio Xavier de Almeida que escreveu que a autonomia de
‘municipalidades pobres e sem recursos’ para se manterem era um
‘presente de grego’ afirmando ainda a oferta da escola primária ‘á
cargo dos municípios, com professores eleitos por estes, me parece
de resultado negativo. A meu ver a instrucção publica deve ficar á
cargo e inspeção do Estado [...]’ (MPE, 1895:15).

Para outros, entretanto, o governo estadual não poderia


manter o ensino primário já que a esfera estadual que mal suportava
‘ [...] os encargos que lhe cabem, certamente não oferecerá aos
professores, nas circunstancias atuaes, maiores vantagens que
o município, si o serviço da instrucção ainda vier onerar seu
orçamento’(MPE, 1896:14).Um olhar para oconjunto dosdiscursos
presidenciais mostra que aqui a linguagem do silêncio se torna mais
eloquente: a ausência de informações sobre a escola primária é mais
significativa nas mensagens dos governantes comprometidos com
as oligarquias bulhonista e xaveirista correspondendo, justamente,

junqueira&marin editores 304


1 GOIÁS - 1918 1

aos períodos em que a responsabilidade pela instrução pública


recaiu sobre as municipalidades.

Contra a centralização da instrução primária nas mãos


da esfera estadual, argumentava-se ainda que as autoridades
municipais poderiam melhor fiscalizar os professores e atender as
necessidadesda escola por estarem geograficamente mais próximos
dela. Os discursos de alguns presidentes são emblemáticos da
argumentação dos contrários à centralização da instrução primária
pública em Goiás. É possível apreender também, na discursividade
em tela, que a questão da escola primária passava pelas tensões
- entre o governo estadual e os municípios controlados pelos
coronéis - relativas à arrecadação de impostos.

Deem [...] os dirigentes dos interesses municipaes e as


influencias políticas locais o exemplo de obediência
a lei, pagando pontualmente os impostos decretados
e procedendo energicamente contra os devedores
recalcitrantes, e estou convencido de que todos os
municípios terão a renda necessaria para ocorrer ás suas
despesas e reconhecerão que a autonomia que o novo
regime lhes facultou é um dom inapreciavel, e não um
presente de gregos, como costumam qualifica-la os que lhe
são avessos (MPE, 1896:15).

O nosso estado financeiro não permitte, porém, o


augmento dos vencimentos e por isso seria vantagem que
os municipios tomassem a seu encargo as escolas, porque,
fazendo um esforço e um pequeno sacrificio, poderiam
melhor zelar da instrucção e obter professores habilitados
(MPE, 1900: 10)

Em síntese, o argumento mais recorrente sustentava que o


governo estadual não poderia, constrangido pela legislação e pela
pobreza das rendas, oferecer escola para todos uma vez que esta
era função a ser assumida pelos municípios que, por sinal, teriam
as melhores condições para fiscalizar e controlar as escolas e os
professores. De acordo com Miriam Fábia Alves (2007), o debate
sobre qual instância do Estado deveria responsabilizar-se pela

305 junqueira&marin editores


1 GOIÁS - 1918 1

instrução primária dá a ver o projeto de instrução pública das elites


dirigentes goianas, principalmente dos Bulhões e dos Xavier de
Almeida, que justificavam sua inoperância culpando os municípios
pelo pouco desenvolvimento deste nível educacional na região.

De modo geral, as mensagens dos presidentes goianos


na Primeira República evidenciam um esforço de avaliação da
educação na região compondo uma espécie de diagnóstico. Tal
diagnóstico servia aos presidentes republicanos que se valiam do
elenco de problemas como estratégia de justificação das parcas
iniciativas estatais e da precariedade goiana no campo da educação,
especialmente a primária. Genesco Bretas alinhou os problemas
educacionais em História da educação pública em Goiás (1991: 479).

Primeiro, a evasão escolar. [...] Segundo, o despreparo dos


mestres para o magistério. Não havia nos arraiais, vilas
e cidades pessoas que soubessem ler, escrever e contar
suficientemente para ensinar. Terceiro, baixa remuneração
dos mestres. Era difícil encontrarem-se pessoas que se
sujeitassem a salários irrisórios. Quarto, muito pequeno o
número de matrículas em relação à população infantil na
Província. [...] A pobreza, as distâncias e o desinteresse dos
pais eram os maiores entraves no aumento da matrícula.
Quinto, a ineficiência da fiscalização escolar. [...] é preciso
fiscalizar os fiscais e os mestres. Sexto, a pobreza das
instalações escolares e a falta quase absoluta de material
escolar. A escola continuava a funcionar na casa de morada
do professor, quase sempre um casebre [...]. O material
didático era o de sempre: lápis e canetas, papel almaço para
a escrita, a lousa para contas, cartas manuscritas e traslados
para aprendizagem da leitura. (Grifos meus).

Um sétimo problema era comumente alinhado junto a estes:


a falta de compromisso e responsabilidade dos mestres, muitas
vezes, justificada ou relacionada aos baixos salários, à escassa
formação e às dificuldades para o exercício do magistério, entre
elas, os constantes atrasos de pagamento. Na Primeira República,
estes problemas foram inseridos no contexto da centralização/
descentralização da instrução primária pública instituindo-se ora

junqueira&marin editores 306


1 GOIÁS - 1918 1

a esfera estadual ora a municipal como responsáveis pela situação


das escolas primárias goianas.

Inserindo-se os discursos no fluxo dos acontecimentos


históricos, é possível compreender que a questão municipal se
mostrava complexa não apenas pelos problemas econômicos e
culturais das cidades goianas, mas articulava-se às concepções
sobre o poder local no modelo federativo brasileiro. Ressaltem
se, neste sentido, as tensões existentes entre o município e outras
instâncias do Estado, principalmente, a estadual, durante a Primeira
República. É, então, contemplar o desenvolvimento do poder
local no Brasil cuja roupagem sempre foi aliada ao coronelismo,
ao personalismo, ao patrimonialismo e clientelismo. A respeito,
Colussi (1996: 17-18) pontua que

a questão do municipalismo no Brasil esteve [...]


estreitamente ligada à tradição coronelista (...) O
município não era entendido como uma unidade político
administrativa prestadora de serviços, mas, sim, como o
local onde as autoridades do centro procuravam os votos
em períodos eleitorais.

Em contrapartida, conforme Cintra (1974: 88)

[...] as municipalidades dependiam também dos favores do


governo central, o que se conseguiria também a partir do
apoio que o coronel da localidade dava ao governo. Dessa
forma, criava-se um círculo vicioso: “município fraco precisa
do coronel, e o coronel precisa do governo, e, enquanto
precisar, apoiará o partido governante”.

É, então, lícito pensar que, reproduzindo as relações


entre as esferas estadual e federal configuradas na ‘política dos
governadores’, as relações estaduais-municipais pautavam-se
pela ‘política dos coronéis’: por meio de comprometimentos
típicos do jogo político, os chefes locais aderiam à política eleitoral
dos presidentes de estado recebendo, em troco, o apoio para a
montagem das oligarquias municipais. A criação de escola estava,
pois, refém dos acordos e negociações entre chefes locais e chefes

307 junqueira&marin editores


1 GOIÁS - 1918 1

estaduais. Diante disso, como pensar a expansão da escola primária


em meio ao jogo político?

Em Goiás, a configuração da relação estado-município tornava


a educação uma arena de tensão especialmente aumentada pelas
disputas entre as oligarquias que atravessaram toda a Primeira
República.Foiexatamente nestadisputaque esbarraramastentativas
de modernização da escola primária goiana tornando a educação um
campo de desentendimentos entre as oligarquias que, à medida que
alcançavam o poder estadual, manipulavam a situação da instrução
primária conforme seus interesses mais ou menos restritos. Nesse
contexto, houve uma alternância de responsabilidades entre estado e
municípionoperíodo1891-1917semqueasituaçãosofresseavanços
podendo, ao contrário, observar-se a diminuição na quantidade de
escolas primárias e de crianças matriculadas.

Afinal, nos dezesseis anos iniciais da república na sociedade


goiana, a responsabilidade pela instrução primária oscilou entre
estado e município: foi transferida aos municípios pela Constituição
de 1891 e pela regulamentação de 1893, assumida pelo governo
estadual em1898 somente quandoosmunicípiosassimodesejassem
ou não apresentassem condições econômicas para tal, voltou à
responsabilidade da esfera municipal em 1911, de novo, ao estado
em parceria com o município e assumida definitivamente pela esfera
estadual em 1918. Ou seja, a forma histórica de relação
entre as instâncias estadual e municipal aliada às especificidades
na configuração do poder regional fez com que a difusão da escola
primária em Goiás ficasse sob os influxos de posições polarizadas
entre a esfera estadual e a municipal (um jogo de empurra?). Ao
final, este vai e vem parece ter promovido estagnações e decréscimos
neste nível de escolarização, não, porém, de forma linear.

As mensagens presidenciais dos governantes goianos da


Primeira República não primam pelo fornecimento de referências
significativas sobre os números da educação escolar goiana os quais
permitiriam contabilizar quantas escolas existiam, quantas crianças
estavammatriculadas,quantas eramfrequentes,quantosprofessores
estavam atuando; tampouco informavam o montante de verbas
destinadas à educação. Tais documentos trazem ao historiador da

junqueira&marin editores 308


1 GOIÁS - 1918 1

educação goiana limitações para o acompanhamento da difusão


da escola em Goiás e seriam insuficientes para o estabelecimento
de conclusões. Seguindo as pistas de Antonio Viñao Frago sobre a
arquitetura escolar,aqui tambémfaz sentidofalar em uma ‘linguagem
do silêncio’ inquirindo sobre o silenciamento a respeito da escola
primária operado pelos presidentes de Goiás em suas mensagens.

Em 1918, Alves de Castro, quando formulou o discurso da


inexistência, provavelmente, guiou-se por informações advindas
de outras fontes, principalmente, as divulgadas pelos jornais locais
(da Cidade de Goiás). À época, as questões relativas à instrução
pública eram temas que, com frequência, ocupavam as páginas
dos jornais e revistas goianos revelando a crescente importância
que a escola ia assumindo naquela sociedade. Ele, provavelmente,
tinha conhecimento de que em 1893 a esfera estadual mantinha 54
escolas primárias em todo o vasto território goiano enquanto em
1917 havia somente 21 escolas. O número de crianças frequentes
também havia decrescido: de 2.870 em 1901 para menos de 1000
em 1917.

Em seu relatório, ele também se referiu ao conjunto de leis


que vinham regulando a instrução primária em Goiás. Então, havia
algo concreto a sustentar o discurso do governante em 1918: uma
legislação que fazia surgir números que diziam de uma escola que se
tornava cada vez menos presente contrariando, assim, o movimento
de expansão da escolarização observado no restante do país bem
como os discursos locais sobre sua necessidade em Goiás. Foi,
provavelmente, em função deste entendimento que Alves de Castro
formulou o discurso da inexistência do ensino primário ou, quiçá, de
sua existência mitológica.

Em sua tese de doutorado, Política e escolarização em Goiás:


Morrinhosna Primeira República (2007),MiriamFábiaAlves recorreu
a fontes complementares - periódicos locais, leis orçamentárias e
relatórios dos Secretários de Instrução, Indústria, Terras e Obras
Públicas - para quantificar as instituições de ensino primário em
Goiás bem como o número de crianças matriculadas e frequentes
no período 1893/1918, tornando possível ver a expansão da escola
primária no período em foco.

309 junqueira&marin editores


1 GOIÁS - 1918 1

Quadro 1 - Escolas primárias em Goiás (1893-1930)

junqueira&marin editores 310


1 GOIÁS - 1918 1

Quadro 2 – Número de crianças frequentes


nas escolas primárias de Goiás (1901-1930)

311 junqueira&marin editores


1 GOIÁS - 1918 1

Os quadros 1 e 2 mostram que a diminuição do número de


escolasecriançasfrequentesnãofoiuniformenoperíodo1893/1917.
Ao contrário, percebem-se oscilações: ora a quantidade de escolas
cresce, ora decresce sendo que o movimento decrescente acentua
se após 1907, momento em que existiam 87 escolas mantidas pelo
governo estadual. Conforme Alves (2007), tal oscilação corresponde
ao período iniciado na chamada Revolução de 1909 persistindo até
1917, momento no qual as tensões e disputas entre os coronéis
goianos se acirraram promovendo grande instabilidade política
em Goiás e motivando o uso da violência estatal na resolução dos
conflitos. Para Miriam Fábia Alves (2007), foi neste contexto que a
educação se tornou peça discursiva importante para a afirmação do
que denomina ‘modernidade caiadista’.

Ainda conforme esta autora, os períodos de maior oscilação


também correspondem aos momentos iniciais e finais dos períodos
de municipalização(1893e 1899edepois,entre1907e 1917).Neste
sentido, Alves (2007: 98) acrescenta que é possível perceber ainda
“[...] um decréscimo significativo no número de escolas mantidas
pelo governo estadual após 1907, período em que a manutenção
das escolas ficou à mercê das incertezas de estado ou municípios
[...]”. Em relação ao número de crianças que frequentavam a escola
primária, a oscilação é ainda mais significativa sendo que “[...]
na sequência de 1901-1904 houve um decréscimo constante do

junqueira&marin editores 312


1 GOIÁS - 1918 1

número de alunos atendidos, com uma pequena recuperação em


1906” (ALVES, 2007: 98).

Uma consultamaiscuidadosa possibilita compreenderqueos


números em questão diziam respeito, majoritariamente, ao número
de escolas mantidas pela esfera estadual não se considerando
escolas isoladas municipais e privadas, colégios confessionais e
ainda ‘professores que dão lições em casas particulares a grande
número de alunos’ (MPE, 1900: 11), conforme ressaltou em sua
mensagem o presidente Urbano Coelho de Gouvêa referindo
se à situação da cidade-capital. É de supor, portanto, que havia
mais escolas e mais crianças que as frequentavam que aquelas
mencionadas nos documentos e mesmo na impressa.

Reforma educacional de 1918:


a escola primária goiana vislumbra a modernidade pedagógica

Em 1918, a análise dos números ressaltava a problemática


relacionada a sobre qual instância deveria recair a criação e
manutenção da instrução pública e, deste modo, permitia a João
Alves de Castro posicionar-se acerca do papel da esfera estadual
reclamando para esta instância a responsabilidade para criar, manter
e gerir as escolas primárias na hinterlândia goiana. A Lei nº 631 e
Decreto nº 5.930 de 24/10/1918 foram os instrumentos mobilizados
para reformara escola primáriae centralizar a instrução primária nas
mãos do governo estadual. Lei e regulamento extensos – 70 artigos,
a primeira e 172 artigos mais anexos, o segundo – objetivavam além
de “[...] criar uma nova estrutura escolar no estado, [...] conformar um
novo discurso sobre a escola [...]” (ALVES, 2007, p. 102).

A reforma instaurava a forma escolar graduada criando o


curso primário e o primeiro grupo escolar do estado de Goiás, o
Grupo Escolar da Capital, instalado em 20 de fevereiro de 1919.
Segundo Iria Brzezinski (1987), esta escola foi criada a partir da
adaptação do Curso Anexo da Escola Normal. Não foi construído ou
mesmo alugado um prédio para seu funcionamento e o primeiro
grupo escolar de Goiás foi abrigado na velha Casa de Corumbá,

313 junqueira&marin editores


1 GOIÁS - 1918 1

prédio onde funcionava o Lyceu de Goyaz e que também acolhia a


Escola Normal Oficial e os cursos da Escola de Direito e da Faculdade
de Farmácia e Odontologia. Genesco Bretas (1991: 509) fornece um
retrato dos usos e dos ocupantes da Casa de Corumbá a partir da
criação do Grupo Escolar da Capital.

Nessa época, o prédio do Liceu havia sido ampliado com


várias salas de aula, aproveitando-se para isso todo o quintal
da antiga casa do Dr.Corumbá.[...] construíram-se ao lado e no
fundo [do terreno], pelo sistema de meiágua, aproveitando
se os muros de pedra como alicerces para as paredes, várias
salasde aula, comalpendresem todaaextensãodassalas,para
circulação, sem janelas laterais; estas, assim como as portas
davam para o pátio interno cercado por toda a construção.
A luz natural dentro das salas era pouca, diminuída que era
pela cobertura dos alpendres. Assim foi possível dar abrigo
ao Liceu (cerca de 100 alunos), Grupo Escolar (outros 100
alunos), Escola Normal e ainda, por algum tempo, à Escola
Livre de Direito de Agenor de Castro e à Escola de Farmácia e
Odontologia fundadas na Capital havia pouco tempo.

No decorrer da década seguinte (1920), a legislação


educacional foi enriquecida com outras leis e decretos que
aperfeiçoavam os mecanismos de implantação da modernidade
pedagógica, mas não alteravam a face da educação do povo
sertanejo. Entre outras leis, surgiram, em 1925, o Regulamento e
o Programa dos Grupos Escolares do Estado de Goiaz (Decreto-lei
8.538, de 12/02/1925) e, no ano seguinte, o novo Regulamento
para o Curso Normal da Escola Normal Oficial (Decreto-lei 8.929,
de 25/11/1926). Ambos reforçavam a adesão à modernidade
pedagógica e proporcionavam algumas condições para a expansão da
escola primária. No Regulamento dos Grupos Escolares reafirmava
se o ideário pedagógico liberal expresso em seus ‘pontos básicos’
(BRZEZINSKI, 1987: 63):

ensino laico e gratuito [...], desenvolvido em quatro anos; as


lições deveriam induzir o estudante ao desenvolvimento do
raciocínio e não ao simples treino da memória; as teorias
abstratas e enfadonhas deveriam ser abolidas, dando

junqueira&marin editores 314


1 GOIÁS - 1918 1

lugar aos ensinamentos práticos e concretos. Deveriam os


professores adotar o método analítico.

Nos anos 1920, o crescimento na quantidade de escolas foi


significativo: de 21 escolas primáriasem1917 para 186 em1930 como
também se elevou o número de crianças frequentes. Miriam Fabia
Alves (2007) destaca o crescimento significativo, de 111%, do ano de
1917 para 1918, período em que a instrução passou a ser mantida
pelo governo estadual. A rede de grupos escolares, entretanto, pouco
cresceu enquanto a escola isolada manteve a predominância na oferta
do curso primário. Pode-se ressaltar também que o ensino doméstico,
seja por meio da contratação de professores particulares seja por
meio de algum membro da família, continuou previsto e aceito pela
legislação educacional, inclusive, depois de 1930.

MaPa DE GoIáS – EXPaNSão GRuPoS ESCoLaRES - 1928

Fonte: Nepomuceno, 1994

315 junqueira&marin editores


1 GOIÁS - 1918 1

Há ainda que se considerar que a criação de grupos escolares


restringiu-se praticamente às sub-regiões sul, sudeste e sudoeste
do estado, mais próximas geograficamente da cidade-capital goiana
e das cidades progressistas do Triângulo Mineiro. O mapa ajuda a
visualizar a expansão da escola primária na geografia goiana.

Assim, a difusão da escola primária, em especial dos grupos


escolares, ficou praticamente restrita a estas sub-regiões. O
imenso restante do estado não viveu o mesmo desenvolvimento
permanecendo em situação de quase isolamento geográfico e
cultural por boa parte do século XX.

O orçamento da instrução primária: o substrato da inexistência

Uma análise do orçamento estadual destinado a educação


nos períodos 1894-1917 (Quadro 3) permite compreender melhor
o discurso da inexistência da escola primária, principalmente, tendo
em vista que os investimentos da esfera estadual reduziam-se às
despesas com o ensino secundário e superior; logo, a manutenção
de apenas duas escolas em todo o estado: o Liceu de Goiás e a
Faculdade de Direito de Goiás (fundada em 1899, fechada em
1911). Constata-se que o investimento na educação foi decrescente
contrastando com o crescimento da receita estadual ao longo do
período.

Quadro 3 - o ESTaDuaL:
RECEITa GLoBaL E DESPESa CoM EDuCação (1894-1917)

junqueira&marin editores 316


1 GOIÁS - 1918 1

Fonte: CAMPOS, 1987, p. 106 e 108

Se comparado à previsão orçamentária de outros ‘negócios


do estado’ (Quadro 4), o quadro é mais revelador do pouco
investimento na educação em Goiás mesmo depois da assunção da
instrução primária pelo governo estadual em 1918.

Quadro 4 - oRçaMENTo ESTaDuaL:


MéDIa DaS DESPESaS (1894-1930)

Fonte: CAMPOS, 1987, p. 65.

Miriam Fabia Alves (2007) estabelece comparações


especialmente entre investimentos na educação e na força policial
do estado, constatando que a média das despesas com esse serviço

317 junqueira&marin editores


1 GOIÁS - 1918 1

representava 152,8% a mais do que as despesas com a educação.


Além disso, segundo ela (2007: 96)

Os gastos com as obras públicas, responsáveis pela


construção da infra-estrutura do estado (estradas, meios de
comunicação, pontes), sempre destacadas nas mensagens
presidenciais como necessidades prementes, recebiam a
menor destinação orçamentária de 6,5%. Nessa mesma
argumentação, localiza-se a educação como o segundo
menor gasto do estado de 10,6%.

De 1918 a 1930, a situação orçamentária da escola primária


foi significativamente alterada simultaneamente ao crescimento
das rendas estaduais que mais que dobraram. As despesas com
educação também cresceram chegando a um percentual de
aumento de 68,8% em onze anos (Quadro 5).

Quadro 5 - oRçaMENTo ESTaDuaL:


RECEITa GLoBaL E DESPESa CoM EDuCação (1918-1930)

Fonte: CAMPOS, 1987, p. 106 e 108

Mas, a média das despesas com as escolas primárias não


ultrapassou o percentual de 12,40% do orçamento global do estado
representando um crescimento de apenas 26,27% em relação do

junqueira&marin editores 318


1 GOIÁS - 1918 1

período 1893-1917. Porém, em termos dos recursos, o quadro 06


dá a ver um espantoso crescimento dos investimentos – na ordem
de 749% sendo que, comparado ao período 1891-1917, o aumento
continua grandioso apesar de cair para 454%.

Quadro 06 - Previsão orçamentária


para a instrução pública (1918-1930)

Fonte: GOYAZ(1917; 1918c; 1920; 1921b; 1922; 1923; 1924; 1925b; 1926b; 1927; 1928; 1929).

O número de escolas e estudantes bem como o investimento


em instrução primária em Goiás cresceu, incontestavelmente, a partir
de 1918. Ainda há que se ressaltar que, ao longo dos anos 1920, a
distribuição de recursos privilegiou cada vez mais o grupo escolar
ao mesmo tempo em que tornava mais pobres as escolas isoladas.
Esta modalidade de escola foi recebendo cada vez menos recursos,
como se pode constatar no quadro 06, enquanto os grupos escolares

319 junqueira&marin editores


1 GOIÁS - 1918 1

recebiam cada vez mais: em 1930, às 193 escolas isoladas foram


destinados 38,6% dos recursos enquanto os 16 grupos escolares
receberam um montante apenas um pouco menor (32,9%). Mais
empobrecida, mais desprestigiada a casa-escola goiana sobreviveu
teimosamente por boa parte do século XX em Goiás. Cora Coralina
(2003: 62), sua aluna mais famosa, jamais deixou de lembrar em seus
poemas sua existência e sua precariedade, símbolos de um momento
da vida e da história de Goiás.

Minha escola primária/Escola antiga de antiga mestra/


Repartida em dois períodos/para a mesma meninada/das
08 às 11, da 1 às 4./Nem recreio, nem exames/Nem notas,
nem férias./Sem cânticos, sem merenda [...]

Grupos escolares e escolas primárias isoladas:


a presença do passado em face do futuro

O aumento do investimento sinalizava para uma expansão


e melhoria qualitativa da escola primária goiana. Isto, porém, não
aconteceu. A modernidade pedagógica – prometida e esperada
com a criação dos grupos escolares – também não logrou o êxito
esperado. Havia, afinal, poucos grupos escolares e predominância
de escolas isoladas que continuavam a ensinar pelos velhos
métodos. O grupo escolar em Goiás surgiu, como em outras
regiões brasileiras, como símbolo da modernidade no campo da
educação primária. Em 1917, o presidente do estado (MPE, 1917:
13) afirmava que a ‘‘criação de grupos escolares, como tem sido
praticada nos Estados mais adiantados, muito virá contribuir para
a diffusão do ensino primário, attrahindo ao seu seio as crianças de
idade escolar’. Esperava-se, assim, que a nova modalidade escolar
pudesse alavancar processos de significativa melhoria na vexatória
situação educacional do estado no espectro da nação. Em 1921,
os dados da Conferência Interestadual do Ensino Primário davam
conta que Goiás era o estado - juntamente com o Piauí - com o
maior número de crianças fora da escola: eram 95% enquanto o
índice de analfabetismo era de 84,64% (conforme o censo de 1920
que contabilizou uma população de 826.814 habitantes).

junqueira&marin editores 320


1 GOIÁS - 1918 1

Mas, o grupo escolar não correspondeu às expectativas


dos presidentes goianos e não promoveu alterações significativas
na realidade escolar de Goiás. Sua expansão foi pequena e
lenta, condicionada que estava pelas condições de sua criação e
manutenção. Em especial, o governo estadual quase não investiu
na construção de prédios escolares que abrigassem a instituição
símbolo da escola graduada no Brasil. Nem mesmo na então
cidade-capital foi edificado um espaço próprio para o primeiro
grupo escolar do estado e de sua cidade-capital. Neste sentido, as
municipalidades aparecem aqui como o fiel da balança uma vez que
foram elas as agentes que patrocinaram a construção de edifícios
para o abrigo de seus grupos escolares.

No período, alguns belos e modernos prédios de grupos


escolares surgiram em Morrinhos, Catalão, Bonfim, entre outros
municípios, por iniciativa dos intendentes municipais. Eram
cidades que se encontravam nas sub-regiões sul, sudeste e
sudoeste, portanto geograficamente mais próximas da Cidade
de Goiás e de cidades do Triângulo Mineiro, das quais sofriam
influência civilizatória. Eram também cidades economicamente
prósperas e em processo de inserção cultural nos ritmos urbanos
principalmente pela sua proximidade dos trilhos de ferro que
custosamente rumavam para Goiás.

As escolas isoladas foram mantidas na nova legislação


educacional surgida em 1918 e também nas que vieram a lume
na década de 1930. Não era possível simplesmente bani-las já que
compunham a grande maioria do precário e incipiente sistema
educacional goiano. Mas, no decorrer da década de 1920, foram
perdendo recursos e investimentos públicos apesar de manterem a
predominância na oferta do ensino primário em Goiás. Também sua
condição legal foi sendo alterada: em 1893, a reforma que repartira
responsabilidades entre estado e município quanto à educação
primária instituiu os tipos de escolas isoladas: elementares e
primeira, segunda e terceira entrâncias. Na reforma de 1918,
passaram a ser de 1ª e 2ª classe e mista.

Havia, entretanto, uma novidade na reforma de 1918: a


possibilidade de que várias escolas isoladas se juntassem em um

321 junqueira&marin editores


1 GOIÁS - 1918 1

mesmo prédio, sob a direção de um de seus professores, formando


uma escola reunida, desde que o espaço se mostrasse apropriado.
Contudo, a exigência de espaços adequados significou, de fato,
um impedimento à instalação de escolas deste tipo uma vez que a
inexistência de espaços escolares específicos se constituía em um
dos principais problemas para a expansão e melhoria da escola
em Goiás. A reforma, deste ponto de vista, era ambígua: criava
possibilidades para o crescimento físico da rede escolar ao exigir
prédios destinados ao funcionamento das escolas e, ao mesmo
tempo, mantinha gratificação para que o professor pagasse o
aluguel da casa-escola onde recebia estudantes (ALVES: 2007).

Os filhos das elites bem como da nascente classe média


goiana deixaram de frequentar a escola isolada preferindo os
grupos escolares em uma alteração radical em relação ao período
imperial e primeiras décadas da república. Os poemas de Cora
Coralina sobre sua escola primária ajudam a compreender que a
velha escola isolada foi ponto de partida na formação de crianças
pertencentes às famílias mais tradicionais e detentoras de poder
político, cultural e econômico, entre eles, a própria poetisa,
bacharéis, juristas, literatos e políticos.

Organizado segundo parâmetros modernos, o grupo escolar


oferecia uma formação melhor e mais ampla usufruindo de um
status social privilegiado na sociedade goiana. Como ressaltou Rosa
Fátima de Souza (1998), o grupo escolar denotava o progresso e
o grau de cultura da cidade que o abrigasse e, evidentemente, aos
que nele faziam o curso primário. Comparados às pobres escolas
isoladas, os grupos escolares podiam ser pensados como palácios
da instrução. A começar pelo seu espaço de funcionamento e pelo
seu corpo docente: prédios e mobiliário próprios para escolas,
professores com diploma de normalista, programa de ensino
oficializado em lei estadual, exigências postas pela legislação de
1918 que persistiram na década de 1920.

Construído e mobiliado o prédio – na maior parte das


vezes pelos municípios interessados em demonstrar os sinais da
modernidade - o governo estadual, então, criava o grupo escolar,
contratava e pagava os professores, fornecia o programa de ensino

junqueira&marin editores 322


1 GOIÁS - 1918 1

e fiscalizava a ação dos professores. Era a condição prevista na


reforma de 1918 para a criação de um grupo escolar. De outro lado,
no movimento reformista da década de 1920, a escola primária
goiana começava a distinguir-se da velha escola onde estudou a
menina Aninha (que se tornou, depois, Cora Coralina). Entre outras
novidades, os exames, os cantos, os recreios – que tanta falta fizeram
à menina que vivia na poetisa – adentraram a escola marcando-lhe
o tempo diário.

A reforma de 1918 tentava alterar dramaticamente o uso do


tempo nas escolas primárias normatizando os tempos escolares,
os saberes e as formas de ensinar e avaliar também nas escolas
isoladas. Foi estabelecida a obrigatoriedade de provas escritas
para todos os tipos de escolas primárias e definido com precisão
também o tempo que devia durar o curso primário: se em escolas
isoladas, o tempo de um curso primário elementar seria de quatro
anos; se em um grupo escolar, seis anos seriam necessários para
que se fizesse o curso primário complementar. Depois, a fixação de
um calendário que conformava os dias e horários de início e fim
das aulas, o tempo das férias, os feriados e dias santos, o período
dos exames avaliativos. E uma grade de horários que distribuía os
saberes escolares, o tempo das aulas e o intervalo entre as aulas.

Dispositivo conformador do discurso educacional, mas


que pretendia igualmente conformar as práticas pedagógicas, os
programas de ensino deveriam guiar o trabalho dos professores
tanto nos grupos escolares quanto nas escolas isoladas e reunidas.
Os programas contemplavam a educação moral e cívica,intelectual e
física, premissa que introduzia, na escola goiana, práticas, discursos
e saberes escolares estranhos a seu universo. Nos grupos escolares,
exercícios ginásticos, militares e de canto para os meninos; ginástica
orgânica e canto para as meninas; aulas de civilidade e urbanidade;
o estímulo às brincadeiras infantis com finalidades pedagógicas
em horários preestabelecidos a ‘valorização do asseio, da decência,
da ordem, da coragem, do amor à verdade’, conforme prescrevia o
regulamento de 1918.

A modernidade pedagógica dos grupos escolares se


anunciava também na ordenação de um novo método de ensino:

323 junqueira&marin editores


1 GOIÁS - 1918 1

a palavração e a sentenciação. O aprendizado concreto deveria


estimular a observação e a manipulação mediada pela intuição. O
novo Regulamento se valia de mecanismos diversos para introduzir
a novidade metodológica. De um lado, obrigava os professores
a cumprir a determinação legal prescrevendo parâmetros para a
prática docente e, de outro, formulava um discurso que, ao invés
de obrigar, tentava convencer o professorado goiano a aderir à
novidade. Afirmava que os professores em breve compreenderiam
as vantagens da mudança de método e que, afinal, tal mudança
era resultado de muitos estudos sobre a legislação educacional
dos ‘estados leaders’ da nação e também de um conhecimento
aprofundado sobre o povo de Goiás e suas necessidades.

O discurso de persuasão veiculado pelo Regulamento de


1918 voltava-se para a prevenção às resistências que o professorado
poderia impor aos métodos pedagógicos modernos. Os legisladores
pareciam prever que a escola goiana resistiria aos imperativos
da modernidade. Em 1926, o presidente Brasil Ramos Caiado
confirmava a previsão utilizando as resistências dos professores
para justificar o arcadismo escolar de Goiás: os professores se
mostravam ‘inobedientes à comum orientação pedagógica...
conforme os preceitos da moderna pedagogia’ (MPE, 1916: 73)

Se inovava, a reforma igualmente preservava antigas práticas


e consolidava velhas tradições que, por sua vez, mantinham
hierarquias e exclusões históricas. A contratação de professores,
por exemplo, foi mantida nos termos tradicionais, isto é, a prática
dos concursos públicos não estava prevista e os professores
continuavam a adentrar a escola pública, quase sempre, por
indicação dos coronéis. A prática da eleição do professor pela
população, instituída na reforma de 1893, já havia sido revogada,
mantendo-se, assim, um papel histórico do Estado nas terras
goianas: o de fonte de emprego e renda.

Outro ponto em que se manteve a tradição: a coeducação


não aparecia como um princípio educativo e organizacional.
Escolas separadas para meninos e meninas admitindo-se as mistas
somente quando não houvesse quantidade suficiente de crianças
para que fossem abertas duas escolas na mesma cidade, vila ou

junqueira&marin editores 324


1 GOIÁS - 1918 1

arraial. Também a problemática da obrigatoriedade escolar não


apresentava alterações significativas em relação ao passado. Para
Alves (2007), neste aspecto a reforma trazia a obrigatoriedade à
tona, porém, nos moldes do Império: sob responsabilidade de pais,
tutores ou protetores, alcançava apenas crianças (meninos dos sete
aos quatorze anos e meninas dos sete aos doze) que residissem nos
núcleos urbanos ou no máximo a um quilômetro deles.

Segundo Alves (2007), durante os anos 1920 discursos


pessimistas sobre a educação se revezavam com discursos de
otimismo. Os governantes estaduais ora celebravam os feitos das
reformas ora reconheciam seus modestos impactos na realidade
educacional goiana. Mas, nesse caso, atribuíam o fracasso à
‘causas estranhas’ sob as quais não podia arbitrar. Miriam Fabia
Alves (2007) considera que as ‘causas estranhas’ relacionam-se à
resistência dos poderes municipais à ação da esfera estadual no
campo educacional. A resistência dos professores às inovações
pedagógicas introduzidas pela reforma também são mencionadas
por esta autora que questiona também se os recursos previstos
foram, de fato, aplicados na instrução primária.

De meu ponto de vista, há ainda que se considerar, porém,


que a ênfase no urbano numa sociedade rural — tônica da reforma
de 1918 — em conjunto com a restrita capacidade de irradiação
da cidade-capital, onde ocorriam os maiores investimentos do
poder púbico estadual, também são fatores que contribuíram
para o relativo fracasso do movimento reformista dos anos 1920.
O modelo inspiratório que predominou na reforma de 1918 era o
paulista, mais conhecido como reforma Caetano de Campos, com
alguma apropriação da experiência do Rio de Janeiro, então Capital
Federal. O modelo educacional de São Paulo, lembremos, buscava
justamente demonstrar e reforçar o processo de modernização das
cidades paulistas que, então, se encontrava em rápido andamento.
Muito distinta era a situação das pobres cidades goianas, quase
perdidas na imensidão do território estadual, perfeitamente
integradas na lógica do sertão. O desejo pela modernidade,
entretanto, parece ter guiado os legisladores goianos mobilizando
os para a implantação de uma escola que se aproximava dos moldes
da moderna forma escolar e, portanto, tipicamente urbana.

325 junqueira&marin editores


1 GOIÁS - 1918 1

O fragmento abaixo é mostra de que havia consciência da


insuficiência da ação governamental pela falta de ‘plano integral
prefixado, estudado cuidadosamente, e em cuja execução não
haja desfallecimentos ante o tempo mais ou menos longo que
se tornar necessário á sua solução’(MPE, 1923:52).

Realmente impressionam as nossas condições de


ensino. A não ser um regulamento, nada mais temos:
nem casas de escola, nem mobiliario escolar; expedir
instrucção aos professores e procurar submeter a
criterio uniforme processos pedagógicos diverssimos
seria obra improfícua [...]. Problema complexo e
[ilegível] de difficuldades, não creio que o resolvam
medidas insuladas, providencias parciaes [...].

A discursividade oficial procurou justificar o fracasso das


políticas caiadistas centrando foco na formação e atuação dos
professores. Mas, de fato, a precariedade dos espaços escolares,
a ausência, escassez e pobreza do mobiliário e do material
didático, os baixos salários dos professores, a fragilidade
ou inexistência da formação docente, as dificuldades com a
fiscalização, antigos problemas da educação primária goiana
não foram resolvidos na Primeira República persistindo,
inclusive, por todo o século XX.

De qualquer maneira, as bases de um sistema educacional


moderno já estavam lançadas bem como novas ideias e
concepções acerca da educação e de seu papel social e político.
O papel redentor da educação, recorrente na discursividade
das elites nacionais, havia sido apropriado pelos dirigentes
goianos: educar significava moralizar o povo, incutir-lhe
hábitos saudáveis como o amor ao trabalho, à higiene, a Deus e
à pátria, retirá-lo da ignorância que levava ao crime e à doença,
instruí-lo, enfim, para que pudesse participar da forja da nação
moderna e progressista que habitava a imaginação sociológica
brasileira.

No final dos anos 1920, uma nova movimentação


sobreveio: criação do Jardim de Infância e inauguração do

junqueira&marin editores 326


1 GOIÁS - 1918 1

Palácio da Instrução ( que abrigou também o Grupo Escolar


da Capital), a Missão Pedagógica Paulista, a publicação do
Suplemento Pedagógico (como encarte do Correio Oficial do
estado de Goiás) e o curso de aperfeiçoamento dos professores
primários. Decroly, Montessori, ensino ativo, centros de
interesse, escola nova, Anízio Teixeira, Firmino Costa,
finalmente, começavam a se tornar parte do vocabulário dos
professores goianos, embora ainda de forma extremamente
restrita aos professores do sul do estado e de sub-regiões
geograficamente próximas da centenária Cidade de Goiás. ♠

Referências

ALVES, M. F. Política e escolarização em Goiás: Morrinhos na Primeira República. Belo


Horizonte/MG: FAE/UFMG, 2007 (Tese de doutorado).
BARROS, José A. O campo da história: especialidades e abordagens. Petrópolis:
Vozes, 2004.
BRETAS, G. História da Instrução Pública em Goiás. Goiânia/GO: Ed. UFG, 1991
(Coleção Documentos Goianos).
BRZEZINSKI, I. A formação do professor para o início da escolarização. Goiânia/GO:
Ed.UCG, 1987.
CAMPOS, Francisco Itami. Coronelismo em Goiás. Goiânia, Editora UFG, 1987.
CINTRA, A. O. A política tradicional brasileira: uma interpretação das relações entre
o centro e a periferia. In: Cadernos do Departamento de Ciência Política. Belo
Horizonte/MG, n. 1, mar. 1974.
COLUSSI, E. L. Estado Novo e Municipalismo Gaúcho. Passo Fundo/RS: EDIUPF, 1996.
CORALINA, CORA. O beco da escola. In: Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. São
Paulo/SP: Global, 2003.
NEPOMUCENO, M. de A. A ilusão pedagógica 1930-1945: estado, educação e
sociedade em Goiás. Goiânia/GO: Ed. UFG, 1994.
SOUZA, R. F. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no
Estado de São Paulo (1890-1910). São Paulo/SP: Fundação Editora da UNESP,
1998.
VINÃO FRAGO, A. Espaços, usos e funções: a localização e disposição física da
direção escolar na escola graduada. In: BENCOSTTA, M. L. A. (org.) História
da educação, arquitetura e espaço escolar. São Paulo/SP: Ed. Cortez, 2005, pp.
15-47.

327 junqueira&marin editores


1 GOIÁS - 1918 1

FONTES

Mensagens dos presidentes do estado de Goiás – 1891/1929


RELATÓRIO apresentado ao presidente do estado de Goiás por JOÃO ALVES DE
CASTRO – Secretário instrução, industria, terras e obras publicas – 21/04/1905.
Jornal Goyaz - 1917; 1918; 1920; 1921; 1922; 1923; 1924; 1925; 1926; 1927; 1928;
1929.
GOYAZ. Lei n. 631 de 02 de Agosto de 1918. Organizando o ensino primário. 1918.
_______. Decreto n. 5.930 de 24 de Outubro de 1918. Regulamentando o ensino
primário. 1918.
_______. Decreto n. 8.538 de 12 de fevereiro de 1925. Regulamento e Programa de
Ensino dos Grupos Escolares do Estado de Goyaz. 1925.
_______. Decreto-lei n° 8.929, de 25 de novembro de 1926. Regulamento para o Curso
Normal da Escola Normal Oficial. 1926.

junqueira&marin editores 328


CONDIÇÕES DE INSTRUÇÃO DA INFÂNCIA:
ENTRE A UNIVERSÃIIIÃÇÃO E Á DESIGURIDADE

Maria Cristina S0ares de Gouvea"


Alessandra Frota Martinez de Schuelerº

# o Brasil, os defensores da universalização da escola nos


# oitocentos e primeiras décadas do século XX tiveram
*>(.|de apropriar e remodelar espaços, conhecimentos e
valores, próprios das tradicionais instituições e concepções de
educação, no sentido construir a legitimidade da escola como
o mais apropriado para educar a infância. Com isso, estava em

81 Maria Cristina Soares de Gouvea e professora associada da Faculdade de


Educacao da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora do Centro
de de Estudos e Pesquisas em Historia da Educacao da UFMG (GEPHE/
UFMG) e do Nucleo de Pesquias em Infancia e Educacao Infantil (NEPEI/
UFMG) e pesquisadora I-C do Cnpq. E-mail: crisoares43@yahoo.com.br

82 Professora adjunta de História da Educação na Universidade Federal


Fluminense. Membro permanente da linha de pesquisa História Social
da Educação, vinculada ao campo de Diversidade, Desigualdades Sociais
e Educação no Programa de Pós-graduação em Educação na mesma
Universidade.

329 junqueira&marin editores


BRASIL
11
relevo a difusão de um ideário valorizador da cultura escrita e
de uma nova ética do trabalho, numa comunidade imaginada, a
nação, bem como a aquisição de códigos de conduta afirmados
como civilizados

Tal processo só pode ser apreendido no interior das


tensões que marcaram a constituição e consolidação de um país
independente, definido por uma unidade geográfica, linguística e
histórica, para o qual a difusão da educação elementar constituía
peça fundamental. País este que ao longo do século XIX caminhou
de uma colônia portuguesa, até 1808, transformando-se então na
sede do Império luso, com a transferência da Corte lusitana para
o Rio de Janeiro, até 1822 quando a Independência instaura um
Estado monárquico e ainda escravocrata, desembocando em 1888
num país de cidadãos livres e, finalmente, em 1899, numa nação
republicana.

Posteriormente, esta ordem seria novamente rompida com


o fim do regime democrático, a partir da chamada Revolução de
1930, que instauraria um novo ordenamento político. Assim é que
o período que caracteriza a expansão da instrução elementar em
grande parte dos países ocidentais, voltada (a instrução?) para a
universalização do seu acesso, deu-se, no Brasil, no decorrer do
período de decadência do regime imperial, seguido da instauração,
consolidação, fragilização e consequente ruptura do regime
republicano democrático

Entender o processo de escolarização remete-nos, portanto,


diretamente à compreensão da constituição e desintegração, no
país, da chamada Primeira República — ou “República Velha”, como
a ela se refere a literatura especializada, de forma a destacar suas
contradições — e suas vicissitudes. Por um lado, como destaca
Lessa (2003), trata-se do mais longo período de estabilidade
política da história republicana (41 anos). Por outro, como
chama atenção Carvalho: “foi o apogeu do sistema oligárquico,
quando a República mais se distanciou da democracia” (2003,
p. 97). Destaca-se um regime com uma democracia formal, mas
profundamente refratário à conquista, extensão e exercício da
cidadania pela população.

junqueira&marin editores 330


11
BRASIL

No decorrer do período republicano, a historiografia


clássica argumenta que a estabilidade política se sustentou,
em grande parte, no que o Presidente Campos Sales
denominou a “política dos governadores”.83 Em suas palavras:
“O verdadeiro público que forma a opinião e imprime direção
ao sentimento nacional é o que está nos estados. É de lá que se
governa a República por cima das multidões que tumultuam,
agitadas, nas ruas da Capital da União” (1908, p. 252 apud
LESSA, 2003). A política dos governadores caracterizava um
exercício de governo que buscou reconstruir a estabilidade
alcançada pelo exercício do Poder Moderador no decorrer
‘do período imperial. O poder seria exercido não pelos
cidadãos republicanos, mas pelos governantes dos estados.
Por sua vez, o comando regional seria desenvolvido pelas
oligarquias locais, sem interferência do poder central.
Conformou-se uma gestão política em que “deu-se liberdade
para as locais” (LESSA, 2003), acarretando, segundo o autor,
o fim das macropolíticas e o reconhecimento institucional da
oligarquização do país.

Os diferentes estados tinham peso diverso na condução


da
as oligarquias
política nacional.
regionaisVerifica-se
controlassem,
forte pelos
concentraçãoque
meios que

quisessem, as ordens polític do poder político pelos estados


mais desenvolvidos economicamente e mais eficientes na
capacidade de fazer impor nacionalmente seus interesses
regionais, caso de São Paulo e Minas Gerais, que ocuparam
e alternaram o exercício do poder ao longo daquele período.
Cabe observar, no entanto, que este processo não se deu sem
resistências por parte das elites políticas dos outros estados
e questionamentos sobre os modos de representação política
(HOLLANDA, 2009).

83 Uma produção mais recente aponta processos de resistência por parte de


outros estados. Vide: HOLLANDA, Cristina Buarque. Modos de representação
política. Belo Horizonte: UFMG/IUPERJ, 2009

331 junqueira&marin editores


BRASIL
11
Os estados de São Paulo e Minas Gerais tiveram seu
desenvolvimento econômico alicerçado na agricultura exportadora.
O predomínio da atividade agrícola marcou o período, tendo o
país experimentado um intenso processo de ruralização em sua
ocupação. Se em 1872, 60% da população vivia em espaços rurais,
este índice aumentou para 64% em 1900, atingindo 70% em 1920.
Ao mesmo tempo, observa-se forte concentração fundiária, com
4% dos estabelecimentos agrícolas ocupando 63% das áreas rurais
(vide LESSA, 2003, CARVALHO, 2003). À concentração fundiária
correspondia a concentração de poderes políticos pelas oligarquias
agrárias, com maior controle da população.

A perspectiva de integração e constituição da cidadania


levado a cabo pelo novo regime republicano voltou-se para a
conformação de ações regeneradoras, que tornassem o povo apto
a viver num pais civilizado. Tinham-se, como referência, hábitos
culturais identificados com o ideário europeu e norte americano,
no interior de um projeto modernizador autoritário, ou como
define Sevcenko (1998): “uma modernização a todo custo”. Foram
desenvolvidas ações técnicas que incidiram sobre a saúde, através
de intervenções de sanitaristas, moradia, disciplinando-se o espaço
urbano e educação, esta através do investimento na instrução
pública.

A modernização levada a cabo pelas elites dirigentes deu-se,


caracteristicamente até a década de 30, por um acordo que buscava
excluir ou reprimir formas de participação popular. Os grupos
populares, destacadamente os ex-escravos e seus descendentes,
eram tomados como representantes da ordem imperial, de um
passado que se queria a todo custo romper, pela negação de suas
marcas. Verifica-se no período a ampla circulação de discursos
de desqualificação da população brasileira, fundados nas teorias
raciais europeias.

Se em termos políticos formais o povo foi excluído de


formas de participação institucionalizadas (a participação
eleitoral no período alcançava entre 1 e 3,4% da população
total), verifica-se, por outro, crescente e intensa mobilização
social. Como aponta José Murilo de Carvalho (2003, p.107):

junqueira&marin editores 332


11
BRASIL

“Havia um povo que se manifestava, em geral, à margem dos


mecanismos formais de participação, quando não contra o
próprio sistema político”. As manifestações ocorreram através
de movimentos organizados como greves, como também
levantes e revoltas contra a ação do Estado84, ocorrendo tanto
nos espaços urbanos como rurais. Tais movimentos foram
interpretados pelo regime republicano quer como reações à
modernização, expressões de um povo cuja composição racial
seria explicativa de sua incivilidade, atraso e ignorância, quer
como sublevações deflagradas por grupos estrangeiros. Todos
foram duramente reprimidos pelo Estado, através da ação da
polícia ou do Exército.

O projeto republicano de instrução e a organização da escola primária

No que se refere à educação, a República brasileira buscou


imprimir um sentido modernizador às suas ações, através do
investimento em reformas estaduais, implementadas ao final
do século XIX e primeiras décadas do século XX. Modernização
esta compreendida como adoção das agendas educacionais e do
vocabulário pedagógico das nações civilizadas (basicamente os
países centro-europeus e, com cada vez maior destaque, os Estados
Unidos da América).

O acesso da população infantil à instrução esteve


condicionado às hierarquias e às distinções entre os cidadãos. De
acordo com os dados do primeiro recenseamento geral realizado
no Império (1872), havia uma população de aproximadamente
10.100.000 habitantes.85 Deste total, estimava-se que apenas

84 Foram registradas entre 1917 e 1919 cerca de 200 greves no país, sendo
que algumas ultrapassaram os domínios de grupos profissionais específicos,
constituindo-se como greves gerais.

85 Incluindo livres, libertos e escravos.

333 junqueira&marin editores


BRASIL
11
1.564.981 indivíduos sabiam ler e escrever. Ou seja, 84% da
população brasileira eram analfabetos, sendo a população
iletrada mais significativa entre o grupo feminino. Entre os
considerados analfabetos contavam-se 4.110.814 homens
e 4.225. 183 mulheres. A porcentagem de homens letrados
remontava a 19,8% e a de mulheres chegava a 11,5%. Na
virada do século, já sob o regime republicano, o Censo de
1900 indicava uma população de 17.318.554 habitantes, com
12.213.356 analfabetos, sendo 5.852.078 homens e 6.361.278
mulheres. Embora não tenha havido mudança significativa em
relação ao número de homens registrados como alfabetizados,
é notório o crescimento deste registro no que se refere às
mulheres.

Verifica-se que, como já apontado, o projeto de


universalização da instrução elementar foi no Brasil
caracteristicamente precário, conformando-se uma
desigualdade no acesso e permanência da população
brasileira na escola que se afirmou histórica. Tal desigualdade
configurou-se em torno de alguns condicionantes que
limitaram o acesso à escola por alguns grupos sociais,
privilegiando outros. Destaca-se, especialmente, a origem
social, geográfica, regional, étnico- racial e de gênero do
aluno.

Sob o regime republicano os governos locais,


investiram na extensão da instrução primária ao grosso da
população, como garantia de modernização e superação
do atraso social, configurando-se como interesse do
Estado (SOUZA, 1998). Porém, tal projeto expressava
as contradições do modelo republicano e as visões das
elites políticas. Ao mesmo tempo em que a instrução era
condição de acesso à cidadania política, os discursos
das elites governantes, intelectuais e educadores do
período expressam a desconfiança na capacidade de seu
exercício pela população. O povo era representado como
incapaz de auto governar-se, quer pela sua história (o
regime escravista teria dado origem a uma população
sem capacidade decisória), quer devido a sua composição

junqueira&marin editores 334


11
BRASIL

étnico- racial.86 Se, para construção da República, era


fundamental a instrução do povo brasileiro sob condução
das elites, parcelas dentre estas punham em dúvida
a possibilidade deste povo superar sua condição de
inferioridade

De acordo com o modelo liberal, os direitos políticos


não eram compreendidos como naturais, mas fruto de uma
conquista pelo indivíduo, na posse de alguns requisitos.
Nesta perspectiva, desde 1881, o direito ao voto constituía
uma prerrogativa da população alfabetizada. Acentua-se,
no decorrer do primeiro período republicano, a associação
entre instrução e cidadania, no interior de uma sociedade
predominantemente iletrada considerada, portanto, incapaz
de atuar na cena política.

Como destaca Bessa (2005), uma nova representação da


população brasileira emergiu caracteristicamente no período:
a ideia de insuficiência do povo para o exercício da cidadania e
o papel regenerador da instrução. A instrução popular assumiu,
então, a feição de regeneração desta população representada
de forma desqualificada. Combatia-se o analfabetismo ao
mesmo tempo que se representava o analfabeto como incapaz
do exercício da cidadania, não só pela ausência da ferramenta
necessária para o exercício do voto, mas também por ser
expressão de um povo constituído por negros e mestiços,
herdeiros da antiga ordem que se pretendia sepultar.

Sob a forma da federação, foi concedida a cada estado plena


liberdade para gerir os negócios da instrução pública (Horta,

86 Desde Couty que, em 1872, afirmava: “o Brasil não tem povo” a Gilberto
Amado, que repetia, em 1916: “povo propriamente não temos”. Do mesmo
modo, Alberto Torres, em 1914, ao mesmo tempo em que criticava o governo
republicano, vaticinava: “Este Estado não é uma nacionalidade. Este país
não é uma sociedade. Esta gente não é um povo. Nossos homens não são
cidadãos” (apud Carvalho, 2003, p. 98).

335 junqueira&marin editores


BRASIL
11
1998; Gomes, 2002), atribuindo à União a responsabilidade
pelo ensino secundário e superior. Porém, se o Império já
propunha (Ato Adicional de 1834) um modelo descentralizado
de organização da instrução, no Estado republicano tal questão
seria potencializada. A distribuição de verbas seguiu este padrão
descentralizado, o que acirrou as diferenciações regionais e
incrementou as negociações locais na oferta da instrução.

A grande dificuldade colocada para os historiadores


quanto à realização de um balanço preciso sobre a situação
educacional, no Império ou na República, reside justamente
na elevada desigualdade e na diversidade historicamente
construída no ensino brasileiro. O descompasso regional fica
evidente nos registros estatísticos de alfabetização. Assim é que
em 1922, enquanto o Distrito Federal (Rio de Janeiro, capital
da República) contava com 61, 3% de alfabetizados em sua
população, estados do norte/ nordeste do país, mais pobres e
distantes do centro de poder, como Alagoas e Piauí contavam
respectivamente com 14,8% e 12% de cidadãos alfabetizados.87
No que se refere às taxas de escolarização, os dados indicam o
gritante acesso desigual à instrução. Enquanto Alagoas e Piauí
tinham respectivamente 95 e 94% das crianças em idade escolar
sem instrução, o Distrito Federal contava com 56% das crianças
na escola (índice mais alto do país).88

Se, em nível federal, a educação pouco ocupou a


agenda política nacional, a preocupação com os gastos
públicos, a condição dos prédios e casas escolares, a criação
de novas edificações, a formação escolarizada e a exigência
de diplomação do corpo docente, a insistência na reforma
(recorrente) do ensino primário e na Escola Normal -, todos

87 Ainda hoje tais estados contam os mais expressivos índices de


analfabetismo.

88 Vide www.ibge.org.br

junqueira&marin editores 336


11
BRASIL

estes aspectos demonstram a centralidade da escolarização


como um problema apropriado pelos governos estaduais.
Verifica-se o significativo incremento da escolarização ao longo
do período. Se em 1907 o país contava com 12.448 unidades
escolares que educavam 638.378 alunos, em 1927 o Brasil
tinha 23.826 unidades e 1783.57189 alunos, ampliando para
26950 escolas e 2466092 alunos em 1933. Tal índice, embora
indicativo do investimento, mostrou-se insuficiente para fazer
frente ao tamanho da população, o que resultou num quadro
de 71% da população em idade escolar sem instrução e 87% de
analfabetos, em 192790.

Cabe destacar também que, no decorrer da chamada


Primeira República, um novo ator administrativo seria presente
na oferta da instrução: os municípios. Atravessa o período a
discussão quanto à responsabilidade pela oferta e organização
do ensino primário, sendo que alguns Estados implementam um
modelo ao mesmo tempo federativo e municipalista. Estratégia

89 Vide www.ibge.org.br
90 Vide www.ibge.org.br

337 junqueira&marin editores


BRASIL
11
hábil em matéria de controle político sobre as localidades: a gestão
dos sistemas, a criação de escolas, a nomeação de professores, os
recursos arrecadados permaneceriam nas mãos do governo central,
que dividiria os custospesadosde edificaçõescom os municípios.Esta
superposição entre os poderes responsáveis pela oferta da instrução
teve como consequência uma pulverização das responsabilidades,
bem como a submissão às ingerências políticas locais.

Na verdade, se podemos verificar o empenho por parte de


republicanos históricos, e segmentos da elite cultural e econômica
na escola republicana, o modelo e a composição das forças políticas
impuseram restrições a sua efetivação. A chamada política de
governadores imprimiria suas marcas à instrução. A educação viu
se submetida aos atores políticos dominantes naquele período:
as elites oligárquicas. Estas nem sempre tinham a instrução como
prioridade, ou viam com desconfiança sua extensão ao conjunto da
população. Ou, na implementação do novo modelo, submetiam-no
aos seus interesses políticos. Assim é que a definição da construção
de escolas, a oferta de vagas, a contratação de professores e a escolha
de dirigentes foram objeto de constante negociação política local ou
tornadas instrumentos de tutela das populações (Souza, 1998).91

Se a adoção do modelo organizativo de escola materializou-se


nos grupos escolares, vitrines do projeto republicano de instrução,
sua implementação traduz as contradições deste projeto. Ao mesmo
tempo em que o discurso republicano propugnava que esta escola
fosse dirigida às camadas populares, seu alcance revela como este

91 Um novo ator administrativo seria presente na oferta da instrução: os


municípios. Alguns Estados implementam um modelo ao mesmo tempo
federativo e municipalista. Estratégia hábil em matéria de controle político
sobre as localidades: a gestão dos sistemas, a criação de escolas, a nomeação
de professores, os recursos arrecadados permaneceriam nas mãos do
governo central, que dividiria os custos pesados de edificações com os
municípios. Esta superposição entre os poderes responsáveis pela oferta da
instrução teve como consequência uma pulverização das responsabilidades,
bem como a submissão às ingerências políticas locais.

junqueira&marin editores 338


11
BRASIL

modelo escolar foi reapropriado, no interior das lutas de poder das


elites dirigentes, como instrumento de barganha política.

Ao analisarmos o alcance destes grupos verifica-se que,


em termos quantitativos perdurou por longo tempo, no Brasil, a
organização anterior, fundada nas chamadas escolas isoladas. A
elas cabia escolarizar a maior parte da população brasileira, em
condições precárias de funcionamento, em salas improvisadas, com
professores não habilitados e material inadequado. Nas primeiras
décadas da República (1890 a 1910), o modelo de escola graduada
e os grupos escolares não se constituíram em alternativa às culturas
escolares até então predominantes: as escolas isoladas e singulares,
majoritariamente localizadas nas áreas rurais, nos distritos, mas
também nas sedes de municípios. O que se percebe, mesmo após
a intensificação do processo de difusão da escola graduada e da
criação de grupos escolares é a coexistência destas modalidades de
escola. Nos dados estatísticos fica claro o predomínio das escolas
isoladas em relação aos grupos escolares, mesmo nos estados que
mais investiram no novo modelo. Assim é que São Paulo, em 1922,
contava com 194 grupos escolares e 1792 escolas isoladas e Minas
Gerais, respectivamente 171 e 1566. Em termos nacionais, os
grupos constituíam apenas 5,55% dos estabelecimentos escolares
no Brasil, sendo 71% destes concentrados no centro do país (Rio
de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais). Em 1933, os dados nacionais
indicam a permanência deste quadro em que o Brasil contava com
22.630 escolas primárias, sendo 1635 grupos escolares, 968 escolas
reunidas e 26950 escolas isoladas.

Em todo o período da Primeira República, há clara


predominância nos dados referentes à quantidade, matrícula
e frequência para as escolas isoladas rurais e distritais, o que
corresponde inclusive às características de densidade demográfica
nacional (como vimos cerca de 70% da população ocupava áreas
rurais). O grosso da população do interior do país experimentava,
ainda, a “casa de escola”, em regra unidocente e multisseriada, como
forma majoritária de socialização escolar.

No entanto, embora as escolas isoladas contassem com um


numero bem maior de unidades, disputavam o orçamento com os

339 junqueira&marin editores


BRASIL
11
grupos escolares em condições desiguais. Os grupos demandavam
maiores recursos para sua implementação e funcionamento. Ao
mesmo tempo, se prestavam a ser instrumentos de barganha,
conferindo aos dirigentes públicos maior visibilidade política,
embora fosse menor o alcance social.

No que tange ao financiamento, se é possível perceber o


investimento dos estados na área da educação, os dados indicam
que este esteve longe de ser uniforme. Em 1922, enquanto o estado
de Santa Catarina destinava 20% dos seus recursos à instrução
primária (maior índice nacional do período), São Paulo 17%,
o estado de Pernambuco, 3% e Bahia, 5%. O desequilíbrio dos
recursos projetava-se nos resultados dos índices de escolaridade.
Enquanto na Bahia apenas 13% da população infantil tinha acesso
à escola, em Pernambuco eram 19%, em Santa Catarina, 57% da
população em idade escolar recebia instrução e, em São Paulo,
44%. Em termos nacionais o conjunto dos estados destinava 11%
do seu orçamento à instrução, tendo 71% da população em idade
escolar sem instrução primária. Os investimentos foram também
descontínuos na trajetória dos governos dos estados. Dados sobre o
Rio de Janeiro indicam que o orçamento atribuído à educação variou
entre 6 e 20%; em Mato Grosso a variação foi entre 4 e 10%. Ou seja,
além da gritante desigualdade regional, observa-se também uma
desigualdade histórica, traço característico da descontinuidade nas
políticas públicas de instrução no Brasil.

junqueira&marin editores 340


11
BRASIL

Apartirda décadade10ecaracteristicamentede20,apolítica
dos governadores vê-se confrontada, também no que se refere à
instrução. Fez-se presente, de forma cada vez mais ativa, um ator
social central nesta ordem, os grupos intelectuais, representantes
das camadas médias urbanas, para as quais a condição de progresso
e civilização seria o investimento na instrução conduzida como
política de Estado.

Tais intelectuais iriam atuar em nível regional, com a


implementaçãodeumnovociclodereformas,sobaégidedochamado
movimento escolanovista, bem como organizar-se nacionalmente,
reunindo-se em congressos e conferências. As reformas,
implementadas, principalmente ao final de década de 20, deram
continuidade ao ciclo anterior, ao mesmo tempo que radicalizaram
o investimento na cientificização do campo pedagógico e buscaram
coordenar nacionalmente as ações. Reformas estas que assumiram
novamente um tom inaugural de negação e ruptura com a tradição
anterior, anunciando um novo tempo para a escola brasileira. À
parte as significativas diferenças, os modelos implementados
pelos estados tinham em comum a defesa da escola como espaço
de construção da cidadania, através do seu exercício pela criança,
uma escola que constituísse uma célula social, não reproduzindo as
mazelas da ordem social existente, mas projetando um modelo para
o futuro. Buscava-se afirmar a modernidade e contemporaneidade
da escola, incorporando novas tecnologias e expandindo os espaços
educativos.

O caráter nacional relacionado à construção da nação


fica mais claro com a publicação em 1932 do Manifesto dos
Pioneiros da Escola Nova, assinado por 25 ativos representantes
da intelectualidade brasileira. O manifesto reivindicava que,
concretamente, a instrução pública fosse assumida como política
de Estado, entendida como condição de reforma do país, através
da formulação de uma política nacional. Mas este manifesto surgiu
num novo contexto político, depois de sepultada a chamada
Primeira República.

Em 1930, com a Revolução, inaugura-se um novo tempo


também para a educação e instrução primária, objeto de ação

341 junqueira&marin editores


BRASIL
11
incisiva do poder central, embora continuasse sendo atribuição
dos estados. Uma das primeiras evidências das tentativas de
nacionalizar o sistema de ensino, e também de saúde, foi a criação
do Ministério da Educação e Saúde (MES), em 1930. A partir
de então, reformas nacionais de educação tenderam a conferir
organicidade aos sistemas. Mesmo continuando responsáveis pela
oferta da educação primária, os estados passaram a ser submetidos
a uma política nacional.

Condições de acesso e permanência na escola

Ainda que numericamente majoritária a população rural


deparava-se com dificuldades substantivas no acesso à instrução,
como já apontado. Segundo os dados estatísticos de 1933, havia
1.161.546 alunos matriculados em escolas de zona urbana,
317.365 em zonas distritais e 742.993 alunos em escolas rurais.
Nas zonas rurais, espaço social onde a cultura letrada fazia-se
pouco presente, e a inserção no mundo do trabalho não demandava
a aquisição da língua escrita, muitas famílias resistiam ao envio
dos filhos à instituição. Porém um número também expressivo de
pais moradores do campo investia na instrução como condição
de ascensão social, demandando do Estado a abertura de escolas
públicas, ou mesmo financiando a criação e manutenção de escolas
privadas92.

A escolarização era diferenciada, com 2 anos de duração nas


escolas isoladas e nas escolas reunidas, enquanto nos grupos escolares
era previsto um percurso obrigatório de 4 anos93. As escolas isoladas

92 Como destacado anteriormente, especialmente a população de origem


imigrante do centro sul do país recorreu ao financiamento da instrução em
escolas comunitárias.

93 Segundo a maioria das legislações estaduais, embora se possam


observar diferenciações regionais e mudanças dentro do mesmo estado ao

junqueira&marin editores 342


11
BRASIL

enfrentavam não apenas a precariedade da infraestrutura e material


didático, como seus professores recebiam salário inferior, sendo
muitas vezes responsáveis pelo aluguel do local de funcionamento
das mesmas. Todos estes fatores resultaram em índices acentuados de
evasão e repetência,na comparação comos índices das escolas urbanas,
apontando para abaixa eficácia da instrução da população rural.

No que se refere às relações de gênero, no decorrer do regime


republicano fez-se notável a ampliação do acesso à instrução pela
população feminina. Ampliação paulatina, desembocando em 1933
num quadro de quase equidade no acesso à instrução primária.
Dos 2.466.092 alunos matriculados, 130.7558 eram meninos e
1.158.534 meninas.Uma interessanteobservação é queo número de
meninas que concluía o ensino primário era ligeiramente superior
ao de meninos (dos 179.625 que conseguiam terminar o curso
primário, 88460 eram homens e 91165, mulheres). O aumento
da demanda pela instrução feminina ocorreu pari passu com a
ampliação do mercado de trabalho para as mulheres. Destaca-se
o acentuado processo de feminilização do magistério, acarretando
um quadro em que, em 1933, as mulheres já constituíam a maioria
absoluta do professorado (48.517 professoras no ensino primário e
9182 professores). O número mais elevado de mulheres concluindo
o ensino primário talvez se relacione com o ingresso na carreira do
magistério, função que demandava, ao menos nos grandes centros
urbanos, o diploma do curso primário.

As reformas educacionais previam a inserção separada


da população masculina e feminina nos grupos escolares e
escolas isoladas. Porém, fez-se presente a constituição de
salas mistas, dado o insuficiente número de alunos para
instauração de classes separadas por gênero. Permanecia a
diferenciação na grade curricular, em que algumas disciplinas,
como trabalhos manuais tinham conteúdos distintos (por
exemplo, trabalhos com agulha para meninas e carpintaria

longo do período.

343 junqueira&marin editores


BRASIL
11
para meninos). Os materiais didáticos centravam-se na difusão
de um ethos marcado por diferenciações de gênero, afirmando
a domesticidade do universo feminino e a inserção na vida
pública do mundo masculino.

No que se refere à composição étnica da população escolar,


para alguns pesquisadores (Veiga, idem, ibidem; Fonseca, idem,
ibidem; Müller, 2008) a escola do primeiro período republicano
teria sido marcada por um embranquecimento, não apenas de sua
população, mas do seu ideário pedagógico. Mesmo que discursos
e práticas de desqualificação da população afrodescendente já
se fizessem presentes na escola imperial, as teorias raciais iriam
conferir sustentação cientifica à difusão de saberes e materiais
didáticos fundados nesta representação94. É possível afirmar que a
população afrodescendente teve sua escolarização comprometida,
com um alto índice de evasão, reprovação e repetência. Os dados
estatísticos contendo índices de escolarização da população
brasileira reforçam tal análise, apontando ainda hoje uma
persistente defasagem na duração do tempo de escolarização das
populações negra e branca.95

Na análise da composição étnica da população escolar


discente do período, cabe dar destaque ao intenso processo de

94 Em discurso de formatura de alunos da Escola Normal de Belo


Horizonte, assim se expressava o paraninfo, destacado educador: “Não
pensem que encontrarão nas escolas crianças louras e dóceis, tereis pois,
que vos avir com alunos rebeldes, bravos, em cujo coração haverá explosões
súbitas e formidáveis de ferocidade primitiva de antepassados selvagens.
Pois bem, são precisamente estes que necessitam que inoculeis nas almas o
magnífico leite da ternura humana” (Aurelio Pires, 1909, p. 17 apud Fonseca,
2007, p. 39).

95 Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (


IBGE), em 1999 o Brasil apresentava 8,3% de analfabetos brancos e 21% de
pretos e pardos. No que se refere aos anos de escolaridade, enquanto entre
brancos a média de escolaridade era de 6 anos, entre pretos e pardos era de
3,5%. Vide www.ibge.gov.br

junqueira&marin editores 344


11
BRASIL

imigração levado a cabo. Na transição do trabalho escravo para


o trabalho livre, buscando recompor a mão de obra escrava e
contar com trabalhadores melhor qualificados, foi desenvolvido
um programa de recepção de imigrantes de origem europeia
e asiática que iria alterar não apenas a composição étnica da
população brasileira do centro-sul do país, como também
reconfigurar as relações socioeconômicas, bem como as
práticas e patrimônio cultural desta parte do território. Para
além da recomposição da força de trabalho, o incentivo à vinda
de população estrangeira constituía estratégia das elites de
embranquecimento do brasileiro, através da miscigenação dos
estrangeiros com a população nativa96.

A entrada de imigrantes alterou também os processos


de instrução. Os estrangeiros possuíam índices mais altos
de letramento (52% da população imigrante sabiam ler e
escrever, contra 23% da nacional (vide CARVALHO, 2003).
Essa população iria demandar do Estado a ampliação do
número de escolas, principalmente nas colônias rurais do sul
do país. Porém, diante da incapacidade dos governos estaduais
atenderem a tal demanda, foram criados outros espaços de
instrução, quer através de escolas comunitárias (financiadas
pela população e pelos governos de origem), quer através de
instituições confessionais não católicas (NASCIMENTO, 2008).
Esta demanda por instrução expressa-se nos dados escolares,
que indicam que os estados com população imigrante
apresentavam percentagem mais alta de escolarização, como
vimos anteriormente.

96 No Brasil, as teorias raciais defensoras de uma inferioridade


absoluta e incontornável da população negra fizeram-se menos presentes.
Diante de uma população altamente miscigenada, tornou-se dominante a
difusão das teorias defensoras do embranquecimento, para as quais, no
entrecruzamento de raças distintas, as mais desenvolvidas fariam prevalecer
sua herança genética para as novas gerações. Assim, a entrada de imigrantes
e a miscigenação com a população local levariam ao embranquecimento e à
consequente purificação da composição racial brasileira.

345 junqueira&marin editores


BRASIL
11
A presença dessas escolas, inicialmente representadas
como complementares ou substitutivas da ação do Estado foi
paulatinamente constituindo-se como ameaça à propalada
construção da nacionalidade, caracteristicamente após
a entrada do Brasil na Primeira Guerra em 191797. As
escolas voltadas para a população imigrante tinham um
perfil curricular diferenciado, em que a aprendizagem da
língua portuguesa e da história e geografia do Brasil eram
secundarizadas ou substituídas pelo ensino da língua,
história e geografia dos países de origem.

O papel da instrução no desenvolvimento da


nacionalidade desponta também, a partir da década
de 20, acionado por fatores culturais. Nessse período
se intensifica, em diferentes expressões da cultura
brasileira, uma outra relação com a identidade nacional,
em que o a composição étnica da população98 e seu
patrimônio cultural passam a ser positivados, como já
se podia observar, por exemplo, na música popular desde
as décadas iniciais da República (ABREU, GOMES, 2009).
Alteram-se também as relações e representações sobre as
populações estrangeiras.

97 Embora não tenha tido uma participação maisdireta com envio de tropas
como na Segunda Guerra Mundial, o bombardeio de um navio brasileiro
por um submarino alemão provocou a declaração de guerra em 1917,
detonando internamente o desenvolvimento de uma atitude xenófoba ou de
desconfiança em relação aos imigrantes. Contribuiu também para a eclosão
de tais manifestações a participação ativa de imigrantes, especialmente de
origem italiana nas greves urbanas de 1917 a 1919.

98 No campo artístico um marco de mudança na representação do país


foi a realização da Semana de Arte Moderna em 1922 em São Paulo que,
em diferentes manifestações, expressava uma arte identificada com a
brasilidade, valorizando a cultura e a identidade racial do povo brasileiro.
No campo científico destaca-se a publicação, em 1933, do clássico estudo de
Gilberto Freyre, Casa Grande e senzala, no qual o autor reescreve a história
das relações raciais no Brasil, destacando a complexidade da cultura africana
e sua contribuição para a conformação do povo brasileiro.

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No que se refere à origem social dos alunos verifica-se que,


inicialmente, na escola republicana, as camadas populares tiveram
maior acesso às vagas (Vago, 2002, FARIA FILHO, SOUZA, 2006).
Coerente com o projeto de alfabetização da população a instrução
primária era nomeada como educação popular. Os grupos escolares
foram pensados nessa direção, como forma de racionalização,
potencializando num único espaço o atendimento a uma população
escolar maior. Porém, à medida que os grupos afirmaram-se
como padrão de referência na oferta da escola primária, foram
demandados por outras parcelas sociais, como as elites dirigentes
e as camadas médias urbanas99.

Observa-se a emergência de um fenômeno novo que atesta


a demanda popular pela instrução: a falta de vagas, que iria
atravessar a maior parte do século XX. Faz-se presente, ao menos
em São Paulo, a denúncia de que as vagas dos grupos escolares
estavam sendo ocupadas pelas camadas médias em detrimento
da população de baixa renda (SOUZA, 1999). Ao lado do pequeno
número de vagas (vagas estas muitas vezes tornadas objeto de
negociação por dirigentes políticos), a localização geográfica
dificultava o acesso das camadas populares, já que, via de regra,
os grupos se localizavam em regiões centrais da cidade, local de
moradia das elites e extratos médios.

Por outro, as camadas populares tinham em vista um projeto


de escolarização de caráter instrumental dirigido à aprendizagem
de saberes elementares (ler- escrever e contar) que lhes permitisse
o exercício do trabalho pouco qualificado. Delineava-se uma
escolarização de curta duração, em que, após dois anos na escola, a
criança inseria-se no mercado de trabalho. As taxas de escolarização
são demonstrativas desta questão em que as matrículas reduziam
se drasticamente a partir da terceira série. Se,no discursodas elites,

99 Souza (1999) faz interessante registro de manifestações na imprensa


paulista denunciando como as escolas foram sendo ocupadas pelas camadas
médias em detrimento dos grupos populares urbanos.

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os pobres não demandavam a escola, verifica-se a existência de
projetos diferenciados de instrução, definidos pelo pertencimento
social dos alunos e origem familiar.

Outro fenômeno que emerge no período, ainda não


observado na escola do império e relacionado à implementação
da escola graduada, foi a reprovação e a evasão que marcaram a
história da escola primária brasileira até a década de 80 do século
XX. Os dados oficiais são eloquentes neste sentido, demonstrativos
da ineficiência da instituição. De acordo com os dados de 1933, dos
2.466.092 alunos matriculados no país, 1.628.656 eram frequentes,
revelando o descompasso entre o registro da criança na escola e sua
inserção na instituição. Destes, concluíam o curso primário apenas
179.625, um pouco mais de 10% dos que entravam na primeira
série. O descompasso continuava nos demais níveis de ensino,
configurando uma pirâmide na trajetória escolar da população
brasileira, na qual havia 98141 alunos no ensino secundário e no
curso superior 2.842. Ou seja, da população que entrava na escola
na primeira série, apenas uma ínfima porcentagem chegava ao
ensino superior.

A reprovação e a evasão da escola incidiram sobremaneira


sobre os grupos sociais populares. Cabe analisar até que ponto tal
fenômeno se relaciona a um projeto de escola dirigido à formação
das camadas médias e superiores, em razão do qual as crianças das
camadas populares (em grande parte de origem negra e parda)

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BRASIL

viam-se excluídas da escola, quer pela falta de vagas, quer pelos


padrões culturais transmitidos pela instituição, quer pelos elevados
níveis de excelência exigidos dos alunos.

Outro espaço importante de escolarização da infância, que foi


crescendo ao longo do período, foi o segmento das escolas privadas.
Existentes desde a Colônia, fortemente concentrados em colégios
religiosos e dirigidosà formação das elites dirigentes, sua ampliação
reforça a segmentação da escola primária brasileira, com percursos
e espaços diferenciados de instrução, de acordo com a origem social
dos alunos. Pelos dados de 1922, 45,7% das escolas primárias de
São Paulo eram particulares, 31% em Pernambuco, demonstrando
a força destes segmentos. Tal tendência iria ser reforçada nos anos
posteriores, em que a iniciativa privada disputou a primazia da
oferta da instrução primária, a Igreja Católica atuou fortemente
no Congresso Nacional, já sob o regime varguista, reivindicando
o direito de ser a responsável pela instrução primária, através
da transferência pelo Estado dos recursos públicos para a rede
privada (preponderantemente escolas religiosas católicas). Neste
modelo, a escola pública teria apenas uma atuação complementar,
na ausência da oferta de instrução privada.

Conclusão:

Verifica-se, no acúmulo das pesquisas até o momento


desenvolvidas,que a históricadesigualdade no acesso à instrução no
Brasil constituiresultado das desigualdades não apenas econômico
sociais, mas também de diversidades regionais, étnicas e de gênero
entre as diferentes populações. Tem-se, ainda, como resultante,
condições históricas também desiguais de acesso a cidadania.
Cabe, porém, ter em vista que ainda são escassas as pesquisas que
se dedicam a investigar a dinâmica social brasileira, considerando
as lutas históricas dos variados grupos sociais pela educação e a
constituição de outros espaços de afirmação da cidadania não
atrelados à instrução escolarizada formal. Numa sociedade em
que a presença do escrito fez-se tradicionalmente precária, cabe
destacar a riqueza e a permanência das manifestações da oralidade,

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dimensão constitutiva da transmissão da cultura brasileira e de
formação do povo. ♠

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