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Consequencialismo
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O Consequencialismo diz que temos apenas um dever básico – ou seja, fazer aquilo que tiver as
melhores consequências. Neste capítulo, primeiro observaremos alguns pontos gerais sobre Ética
Normativa e Consequencialismo. Então consideraremos duas formas importantes de
Consequencialismo: Utilitarismo clássico e Utilitarismo de regras. Também examinaremos as
objeções a essas abordagens.

1. Ética Normativa
Até agora, concentramo-nos na natureza e metodologia dos juízos morais (Metaética).
Examinaremos se a moral é baseada em convenções sociais, sentimentos pessoais, vontade divina ou
verdades autoevidentes. Tenho argumentado que, qualquer que seja a forma pela qual encaramos essas
questões, devemos selecionar nossos princípios morais de uma maneira coerente (envolvendo a Regra
de Ouro1), informada, imaginativa, etc. Isso propicia um método para seleção e argumentação sobre
princípios morais.
Uma vez que temos um método, podemos usá-lo para chegar a princípios sobre como devemos
viver (Ética Normativa). Há duas abordagens básicas:
● O Consequencialismo diz que devemos fazer tudo o que maximize as boas consequências.
Não importa em si que tipo de coisa fazemos.
● O não-Consequencialismo diz que alguns tipos de ação (tal como matar um inocente) são
errados em si mesmos, e não apenas porque acarretam más consequências.
Examinaremos o Consequencialismo neste capítulo e o não-Consequencialismo no próximo.
Eis um exemplo para ilustrar a diferença. Suponhamos que sua esposa seja diagnosticada com
câncer terminal, mas ela não sabe a respeito. Ela lhe pergunta sobre o diagnóstico. O que você deve
fazer? Deve contar a verdade a ela – ou deve mentir?
Se você for um consequencialista, você achará que deve mentir se isso tiver consequências
melhores. Então você analisará se sua esposa ficaria mais feliz sabendo ou não sabendo da doença.
Como um consequencialista, você não acharia que mentir é, em si, errado. Ao invés disso, você
pensaria que mentir é correto se tiver consequências melhores.
Se você for um não-consequencialista, você provavelmente pensará que mentir é errado por si
mesmo em tais casos. Sua esposa tem o direito de saber e você estaria tratando-a de forma errada se
mentisse para ela – mesmo se mentir a fizesse mais feliz e, por consequência, melhores consequências
fossem obtidas.
Assim, você deve mentir ou não? Mais geralmente, as consequências sozinhas determinam o que
é certo e errado? Ou alguns tipos de ação são errados em si, e não apenas porque têm más
consequências? Esta é a questão mais básica da Ética Normativa. A nossa posição a respeito fará
grande diferença para toda questão moral que encararmos (inclusive, por exemplo, questões como
aborto ou eutanásia).
Começaremos ouvindo Mary Utilitarista explicar sua crença no Utilitarismo clássico – o qual é
uma forma popular de Consequencialismo.

Fórmula do Utilitarismo clássico: Devemos fazer qualquer coisa que maximize o equilíbrio do
prazer sobre a dor para todos os afetados por nossa ação.

2. Mary Utilitarista
Meu nome é Mary Utilitarista, mas, visto que meu namorado tem o mesmo primeiro nome,
geralmente sou chamada de “Útil”. Abracei o Utilitarismo clássico ao perceber que a finalidade
apropriada da moral é promover a felicidade e diminuir a infelicidade.

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Regra de Ouro: “Trate os outros como você quer ser tratado”. Teorema da Regra de Ouro (RO): Trate os outros somente
como você consente em ser tratado na mesma situação. A Regra de Ouro proíbe esta combinação: Faço algo para o outro.
Não desejo que o mesmo seja feito para mim na mesma situação. Violamos a Regra de Ouro se acharmos que devemos
fazer algo para outro, mas não desejamos que o mesmo seja feito para nós na mesma situação.
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Fui ensinada a crer em regras estritas. Aprendi, por exemplo, que era sempre errado roubar ou
mentir, ou quebrar promessas, ou desobedecer aos pais. Por muito tempo jamais questionei essas
coisas.
O Relativismo Cultural (RC) mexeu com meu pensamento.
O mundo tem muitas culturas com normas diversas. O RC diz que não podemos avaliar
objetivamente as normas de outra cultura – visto que, se tentarmos, avaliaremos suas normas usando as
nossas. Minha primeira impressão foi que o Relativismo Cultural era errado; podemos avaliar as
normas por suas consequências. Suponhamos que as normas da sociedade A levem à felicidade,
enquanto que as da sociedade B levem à infelicidade. A sociedade A claramente tem normas melhores.
Novos estudos confirmaram que a felicidade é crucial. Aprendi que o pensamento moral
esclarecido é informado, imaginativo e coerente – onde a coerência envolve a regra de Ouro. Quando
seguimos a RO, preocupamo-nos com as consequências de nossas ações para os outros. Tentamos
fazer os outros mais felizes e evitar sua infelicidade. Assim, a Regra de Ouro leva ao utilitarismo. O
utilitarista John Stuart Mill (1861: 22) pôs a questão desta forma:
Na regra de ouro de Jesus de Nazaré, lemos o espírito completo da ética da utilidade. Fazer o que
você gostaria que lhe fizessem e amar o próximo como a si mesmo constitui a perfeição da moral
utilitária.
Assim, o pensamento moral esclarecido leva-nos primeiro à Regra de Ouro e depois ao
Utilitarismo.
A Regra de Ouro não é o único caminho para o Utilitarismo. Meu namorado baseia o
Utilitarismo na vontade de Deus, já que acha que Deus deseja-nos toda a felicidade do mundo. Outros
aceitam o princípio como uma verdade autoevidente, ou como um reflexo de seus sentimentos
pessoais.
O Utilitarismo clássico diz que devemos sempre fazer aquilo que maximize o equilíbrio do
prazer sobre a dor para todos os afetados por nossa ação. Podemos aplicar o princípio de duas formas –
seja direta ou indiretamente.
Para aplicar o utilitarismo diretamente, faço três coisas:
(1) Calculo minhas opções. Talvez eu possa fazer A ou B.
(2) Estimo as prováveis consequências prazerosas e dolorosas de cada opção para as partes
afetadas. Talvez A far-me-ia um pouco mais feliz, mas faria outros dois muito infelizes.
(3) Decido qual opção maximiza o equilíbrio do prazer sobre a dor. Essa opção é meu dever.
Esses passos exigem pensar bastante. O passo (2) é difícil, visto que envolve tentar descobrir as
consequências futuras de nossas ações. Ainda que jamais possamos ter certeza a respeito disso,
podemos basear nossos juízos em estimativas melhores ou piores.
O passo (3) pode ser difícil também, visto que envolve adicionar benefícios e danos. Alguns
utilitaristas falam como se pudéssemos expressar prazer e dor em unidades numéricas. Se tal coisa
fosse possível, então poderíamos somar os números, usando números positivos para o prazer e
negativos para a dor, e chegaríamos ao total mais alto:
Opções A B
Tom +1 -3
Dick -3 +1
Harry +4 +5
Total +2 +3
O utilitarismo diz para fazer B.
Tais cálculos tornariam nosso pensamento moral mais nítido. Mas por enquanto não sabemos
como colocar números no prazer e na dor. Ao invés disso, pesamo-los em nossas mentes e verificamos
intuitivamente qual opção maximiza o equilíbrio de um sobre o outro. Nossos oponentes dizem que é
impossível fazer isso. Porém podemos fazê-lo de forma rudimentar; e nossos oponentes têm o mesmo
problema, visto que admitem que maximizar as boas consequências é um de nossos deveres (embora
eles reconheçam outros deveres básicos também).
Não é útil fazer tais cálculos utilitaristas diretos em cada ação. À medida que passo por cada
produto num shopping, devo calcular diretamente se devo roubá-los? Certamente não! É mais útil
aplicar o utilitarismo indiretamente, aplicando uma regra prática em relação a que tipos de ação
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tendem a ter resultados bons ou maus. “Não roubar” é uma regra prática útil, visto que roubar tende a
ter maus resultados. Assim, a não ser que as circunstâncias sejam peculiares, suporei que não devo
roubar.
Quando devemos aplicar o utilitarismo diretamente? É fácil fazer isso quando encaramos
grandes decisões. Quando escolhi uma Universidade, por exemplo, listei várias com seus prós e
contras, então selecionei o lugar com maior equilíbrio de prós sobre contras.
Uma aplicação direta também é útil quando as regra morais colidem. Semana passada minha mãe
pediu-me para revelar o que meu irmão contara-me em segredo. Nesse caso, “obedeça a seus pais” e
“não quebre sigilo” diziam para fazer coisas opostas. Assim, apliquei o utilitarismo diretamente.
Julguei que o silêncio teria melhores consequências, já que causaria menos dano para as relações
pessoais.
Também é útil aplicar o utilitarismo diretamente para se chegar a regras morais. Se examinarmos
casos particulares de roubo, descobriremos que roubar geralmente tem más consequências. Assim,
“não roubar” é uma regra prática útil. Logo, a não ser que saibamos que uma ação de furto específica
irá maximizar as boas consequências, é melhor não roubar.
Então, sim, acredito em regras, mas não as venero. E não acredito em regras sem exceção. Um
problema com regras sem exceção é que elas às vezes entram em conflito. Quando era criança,
ensinaram-me “sempre obedeça a seus pais” e “nunca conte segredos”, ambos não tinham exceção.
Mas esses ensinamentos receitavam ações conflitantes quando minha mãe mandava que eu revelasse
segredos. Um sistema moral coerente não pode ter mais do que uma norma sem exceção, do contrário,
levará a contradições. Assim, a exigência de ser coerente em nossas crenças elimina a abordagem que
aprendi quando criança.
Outro problema é que normas sem exceções podem levar a resultados desumanos em casos
incomuns. Ensinaram-me que roubar é sempre errado. Mas suponhamos que sua família irá morrer de
fome a não ser que seu pai roube um pedaço de pão de alguém a quem não vai fazer falta. Roubar é
então errado? Você deseja que seu pai não roube nesse caso? Se você disser “sim”, então você se
importa mais com regras do que com seres humanos. Os fariseus, que foram denunciados por Jesus,
insistiam nas regras do Sabá mesmo quando estas eram prejudiciais para o povo (veja Marcos 2:23-7).
Você quer ser como os fariseus?
Se você ainda acredita em normas sem exceção, deixe-me apresentar minha objeção do Dr. Evil.
Suponha que, a não ser que você desobedeça a uma norma que alegadamente não comporta exceções,
o Dr. Evil irá torturar todos e então destruir o mundo. Não deveríamos violar tal regra nesse caso?
Quase todos diriam “sim”. Então quase ninguém poderia defender coerentemente normas sem
exceção.
Visto que creio que o dever depende da situação, alguns me acusam de Relativista Cultural. Mas
isso é confuso. Vejo nosso dever como dependente não do que nossa cultura diz para nós, mas do que
tem melhores consequências. Assim, fumar é errado se causa grande infelicidade e dor – independente
se a sociedade aprova-o.

3. Consequencialismos
Ainda é Mary (ou “Útil”). Preciso explicar porque selecionei o Utilitarismo clássico (hedonista)
ao invés de outras formas de Consequencialismo.
O Consequencialismo é a concepção geral de que devemos fazer o que quer que seja que
maximize as boas consequências. O Consequencialismo vem em vários sabores. Estes diferem no que
diz respeito a maximizar os bons resultados para nós mesmos apenas (egoísmo) ou para todos os
afetados por nossa ação (utilitarismo) – e em relação a avaliar as consequências somente em termos
de prazer e dor (hedonismo) ou em termos de uma variedade de bens (pluralismo).
Primeiro, devemos maximizar o bem de quem? Devemos fazer aquilo que tem melhores
consequências para:
Nós mesmos (egoísmo);
Nosso grupo (família, cidade, nação ou raça...);
Todos os seres humanos; ou
Todos os seres sensientes (utilitarismo)?
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Visto que baseio minha concepção na Regra de Ouro, e esta se aplica ao nosso tratamento de
qualquer ser sensiente, escolho a opção (4) – a opção utilitária.
A coerência fornece uma base sólida para se rejeitar o egoísmo. O egoísmo diz “todo mundo
deve fazer o que quer que maximize seu próprio interesse, independente de como isso afeta os outros ”.
Para sustentar isso coerentemente, teríamos de querer que os outros vivessem dessa forma em relação a
nós. Assim teríamos de desejar que X prejudicasse-nos bastante (até mesmo nos paralisando para a
vida inteira) se isso maximizasse o autointeresse de X. Mas não podemos desejar isso. Assim, não
podemos aceitar coerentemente o princípio. Então o egoísmo, embora possa continuar uma tentação,
não pode ser aceito como uma visão racional sobre como devemos viver. Objeções semelhantes são
fatais para as opções (2) e (3).
Um outro problema é que o egoísmo leva à autoderrota. Ainda que os egoístas importam-se
muito com sua própria felicidade, é quase certo que a abordagem egoísta vai fazê-los infelizes. Se
seguirmos o egoísmo, outros irão desprezar-nos e provavelmente acabaremos desprezando a nós
mesmos. Buscaremos nossa felicidade de uma melhor forma se nos esforçarmos para promover o bem
de todos.
Ainda que rejeite o egoísmo, acho que há menos conflito entre o meu bem e o bem geral do que
muitas pessoas pensam. Normalmente sinto felicidade quando faço o bem para os outros e sofro
quando os prejudico. E o utilitarismo diz que devo promover meu próprio bem quando este não colide
com o bem do outro.
Uma segunda questão é como aferir o valor das consequências. Aceito o hedonismo, o qual
sustenta que somente o prazer é intrinsecamente bom (bom em si, abstraindo-se outras
consequências) e somente a dor é intrinsecamente ruim. No hedonismo, algo é bom à medida que:
● É agradável em si;
● Produz prazer futuro; ou
● Evita dor futura.
Coisas dolorosas, como ir ao dentista, podem ser boas se levarem a prazer futuro ou evitem dor
futura. É claro, devemos considerar as consequências a longo prazo de nossas ações, desde que
possamos predizê-las.
Algumas pessoas acham o hedonismo chocante. Não compreendem que nós hedonistas usamos
“prazer” num sentido amplo, para incluir não só prazeres físicos, mas qualquer tipo de satisfação ou
felicidade. Os prazeres superiores (provenientes da amizade, conhecimento e virtude) são mais
satisfatórios e duradouros do que os prazeres físicos (como comer). Talvez fosse menos escandaloso se
falássemos de “promover a felicidade”, mas a ideia seria a mesma.
Nem todos os utilitaristas avaliam as consequências por meio de prazer e dor.
Alguns dizem que devemos maximizar:
O que quer que as pessoas desejem em si (visão preferencial); ou
Muitas coisas, como conhecimento, virtude e prazer (pluralismo).
Rejeito a opção (1), pois as pessoas podem ter desejos ruins ou tolos; algumas pessoas desejam
vingança por vingança. Rejeito a opção (2), pois duvido que o mero conhecimento ou a virtude em si,
não levando em consideração a satisfação que trazem, tenham algum valor intrínseco. Logo, aceito o
hedonismo.
Devo mencionar a educação moral. Além da racionalidade moral, também precisamos ensinar
conteúdo moral. As crianças pequenas precisam de regras simples sem exceções – por exemplo, que é
sempre errado roubar ou desobedecer aos pais. Crianças maiores precisam aprender que tais regras têm
exceções, e que o importante é fazer aquilo que maximize a felicidade e minimize a infelicidade para
todos. Então devemos ensinar às crianças mais velhas amor à humanidade (e a outras vidas sensientes),
regras práticas para se promover bons resultados e como aplicar o utilitarismo diretamente
(determinando opções e consequências).
Deixe-me acabar listando algumas vantagens do utilitarismo. Essa concepção oferece um modo
simples, porém flexível, de determinar todos os nossos deveres. Ele está de acordo com o pensamento
moral esclarecido (ser informado, imaginativo, coerente e seguir a regra de ouro). E expressa uma
preocupação positiva pela felicidade de todos os seres sensientes.
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4. Implicações bizarras
Útil (Mary Utilitarista) deu-nos uma formulação clara de uma importante abordagem da moral.
Sua concepção é simples e intuitiva e expressa uma preocupação positiva com a felicidade geral. Mas
possui implicações bizarras e difíceis de aceitar. Assim, demonstrarei que o pensamento moral
esclarecido rejeitaria o utilitarismo.
Útil apresentou um sólido argumento contra o egoísmo baseado na coerência. Um argumento
semelhante funciona contra o utilitarismo. Imaginemos uma cidadezinha onde o esquadrão da morte
adora tanto enforcamentos que enforcar você por um crime que não cometeu maximizaria o prazer
deles. O utilitarismo aprovaria esse ato, visto que maximiza o prazer. Se você fosse um utilitarista
coerente, teria de desejar que, se estivesse nessa situação, você fosse enforcado. Visto que quase
ninguém pode desejar uma coisa dessas, quase ninguém pode ser um utilitarista coerente. Assim, o
pensamento moral esclarecido rejeitaria o utilitarismo.
Minha objeção recorre não a intuições morais (com as quais os utilitaristas talvez não se
importem), mas à coerência. Se os utilitaristas desejarem sustentar sua concepção racionalmente,
devem sustentá-la coerentemente.
Os utilitaristas poderiam responder a tais objeções rejeitando sua concepção e passando para
outra abordagem – talvez para uma em que as consequências sejam importantes, porém limitadas por
outras obrigações. Ou eles poderiam:
Aceitar o resultado implausível;
Negar que tais casos sejam possíveis; ou
Modificar o utilitarismo.
Examinaremos cada opção.
(a) Os utilitaristas poderão dizer “realmente desejo que eu seja enforcado neste caso a fim de
promover o prazer do esquadrão da morte”. Mas então poderemos encontrar mais objeções. Os
utilitaristas acharão difícil continuar aceitando resultados implausíveis.
(b) Os utilitaristas poderão dizer: “permitir tais linchamentos traria más consequências a longo
prazo – e, portanto, não iria realmente maximizar o prazer”. Mas podemos ajustar adequadamente a
situação imaginada para levar em consideração tais consequências. Talvez o momento politicamente
oportuno de opor-se a tais linchamentos é um ano após você ter sido linchado. Assim, poder-se-ia
maximizar o prazer total de linchar você agora – e então mais tarde se opor a futuros linchamentos.
Portanto o exemplo é possível.
Casos hipotéticos proporcionam a melhor forma de se avaliar o utilitarismo, visto que nos
permitem imaginar que uma determinada ação maximiza o prazer total. Com casos concretos, o
utilitarismo raramente leva a resultados nítidos – visto que as consequências a longo prazo são muito
incertas.
(c) Os utilitaristas poderão dizer: “Quero modificar minha concepção. Agora afirmo que
prazeres sádicos são intrinsecamente ruins. Consequentemente, posso alegar que linchar é errado –
visto proporcionar prazeres sádicos para o esquadrão da morte”. Essa modificação evitaria meu
exemplo de linchamento. Mas outras objeções podem exigir novas modificações.
Nosso personagem fictício David Utilitarista de Regra (UR) escolherá, na próxima seção, a
opção (c). Ele sugerirá uma versão aperfeiçoada do utilitarismo que tenta evitar as objeções.
Mas antes de chegar lá, será útil delinear algumas outras implicações bizarras com que os
utilitaristas precisam lidar. Eis aqui mais seis exemplos:
1. Você é um filósofo utilitarista contratado para dar uma justificação moral para a escravidão.
Você diz “meu trabalho é fácil, apenas tenho de assegurar que os benefícios para o senhor dos
escravos sejam maiores que o prejuízo para os escravos”. Então você encoraja os senhores a obterem
uma maior satisfação com a posse de escravos. E você droga os escravos para mantê-los dóceis e fazê-
los desfrutarem da condição de escravos. Se a escravidão maximiza o prazer total, então o utilitarismo
aprova-a.
2. Você maximiza o prazer matando seu pai rico e infeliz e doando o dinheiro dele para a compra
de um parque para crianças pobres. O utilitarismo aprova sua ação.
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3. Você é um juiz que sentencia um homem inocente à morte por um crime que ele não cometeu.
Ao desencorajar o terrorismo, seu ato maximiza o prazer total. O utilitarismo aprova sua ação. O
utilitarismo permite qualquer dano ao indivíduo em nome do bem geral.
4. Você pode produzir os mesmos resultados prazerosos ou dolorosos tanto por meios honestos
quanto desonestos. O utilitarismo diz que moralmente não importa qual você utiliza.
5. Você fere alguém, porque o prazer que lhe dá é maior do que a dor causada na outra pessoa.
Seu ato não tem outras consequências prazerosas ou dolorosas. O utilitarismo diz que você agiu
corretamente.
6. Você rompe uma promessa solene porque ao fazer isso você trará prazer para si mesmo. Não
há outras consequências prazerosas ou dolorosas. O utilitarismo aprova seu ato.
Agora David Utilitarista de Regra apresentará sua forma aperfeiçoada de utilitarismo, a qual
tenta evitar tais implicações.

Fórmula do Utilitarismo pluralista de regras: Devemos avaliar as consequências em termos de


vários bens, incluindo virtude, conhecimento, prazer, vida e liberdade. Devemos fazer o que seria
prescrito pelas regras com as melhores consequências para que as pessoas na sociedade tentem
seguir.

5. David Utilitarista de Regra (UR)


Meu nome é David Utilitarista de Regra. Acredito que o objetivo da moral é produzir as
melhores consequências para todos. Contudo, para mim “melhores consequências” significam mais do
que apenas prazer e dor – e reconheço a utilidade de se seguir regras estritas.
Você talvez conheça minha amiga Mary Utilitarista, visto que ambos temos o mesmo primeiro
nome, chamo-a apenas de “Útil”. Útil tem algumas ideias interessantes. Ela diz que a moral é
relacionada com a promoção da felicidade. Então devemos sempre fazer o que quer que seja que
maximize o equilíbrio do prazer sobre a dor para todos os afetados por nossa ação. Ainda que isso
pareça bom, tem implicações bizarras. Contudo, podemos evitá-las se fizermos duas mudanças na
concepção. Sugiro que:
(a) passemos do hedonismo para o pluralismo, e
(b) passemos do utilitarismo de ação para o utilitarismo de regras.
Primeiro, que coisas são intrinsecamente boas? Que coisas são boas em si, abstraindo-se as
consequências? Pode parece que o prazer é intrinsecamente bom e a dor intrinsecamente ruim. Mas há
exceções, visto que o prazer com a infelicidade alheia é intrinsecamente ruim. Suponhamos que seu
marido esteja chateado por perder o emprego. Seria intrinsecamente ruim se você sentisse prazer com
o infortúnio dele – e intrinsecamente bom se você sofresse pelo infortúnio dele. Assim sendo, somente
podemos dizer que o prazer é normalmente intrinsecamente bom e a dor intrinsecamente ruim.
Isso levanta a questão da metodologia: como devemos selecionar nossas crenças sobre o que é
intrinsecamente bom? Devemos seguir nossas intuições, ou nossos sentimentos, ou o que é aprovado
socialmente? Sugiro, ao invés disso, que sigamos uma abordagem racional. Devemos tentar ser tão
racionais quanto possível (coerentes, informados, imaginativos, etc.) e então vermos o que desejamos.
Isso proporciona uma forma racional de selecionarmos nossas crenças sobre valores intrínsecos.
Essa abordagem leva-me a aceitar o pluralismo, o qual diz que muitas coisas são
intrinsecamente boas. Estas incluem a virtude, o conhecimento, o prazer, a vida, a liberdade e talvez
algumas outras coisas mais. Seus opostos (vício, ignorância, etc.) são intrinsecamente ruins.
Útil rejeita o pluralismo porque duvida que o mero conhecimento ou a virtude em si, à parte o
prazer que proporcionam, tenham qualquer valor intrínseco. Mas com frequência desejamos
conhecimento ou virtude por si mesmos, independente se estes incluem prazer. E continuaríamos a
desejá-los caso fôssemos mais racionais (coerentes, informados, imaginativos, etc.).
Eis um exemplo para mostrar o contraste entre hedonismo e pluralismo.
Imaginemos duas vidas iguais em termos de prazer. Na primeira vida, seu prazer é irracional e
vem de uma “máquina do prazer” que estimula seu cérebro. Na segunda vida, você tem a mesma
quantidade de prazer, mas ele advém de um exercício normal de suas capacidades. Quase todos
prefeririam a segunda vida, embora ambas tenham a mesma quantidade de prazer. Assim, nossas
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preferências são pluralistas – não hedonistas. E é difícil imaginar que essas preferências mudariam se
nos tornássemos mais racionais. Assim, parece que nossas preferências racionais apoiam a visão
pluralista.
Meu argumento concorda com o hedonismo que a frase “duas vidas iguais em termos de prazer”
pode fazer sentido para nós. Na prática, entretanto, “quantidade de prazer” é muito vago. Para
verificar isso, pergunte a si mesmo quanto prazer você está sentindo exatamente agora. Adicionar
“unidades de prazer” é uma empreitada bastante duvidosa.
Deixe-me divagar sobre outro erro do hedonismo – sua identificação da felicidade com o prazer.
Essa ideia é completamente errada; ser feliz não é o mesmo que ter prazer. Podemos ter muitos
prazeres, mas sermos bastante infelizes – visto que acabamos vendo nossa vida de prazer como sem
sentido. Ou podemos ter poucos prazeres, mas sermos felizes – visto que vemos nossa vida como
significativa de uma maneira mais profunda.
Eu definiria a felicidade como uma satisfação geral em nossa vida. Assim, trata-se de um tipo de
satisfação, mas mais profundo do que o prazer. O prazer não traz felicidade necessariamente. Nem o
dinheiro, ao menos de acordo com muitos que o possuem; os ricos são quase que frequentemente
insatisfeitos com suas vidas assim como os pobres. Em minha opinião, a chave para ser feliz é viver
corretamente; a satisfação é um produto secundário de uma vida correta. Nossa satisfação pessoal não
deveria ser nosso foco principal. Se nos concentrarmos demais em nossa própria satisfação, então
provavelmente acabaremos infelizes. Ao invés disso, devemos tentar viver apropriadamente –
preocuparmo-nos com os outros, fazermos coisas significativas, etc. – e isso provavelmente trará
satisfação. Iria mais longe a ponto de dizer que a chave para ser feliz é viver de acordo com a
concepção utilitarista pluralista de regras. Mas preciso explicar do que isso se trata.
Vamos primeiro ver como a abordagem pluralista dos valores ajuda-nos a evitar implicações
bizarras. No Utilitarismo clássico, estas três ações seriam corretas se maximizassem o equilíbrio total
do prazer sobre a dor:
1. O esquadrão da morte enforca você por um crime que não cometeu – porque isso dá prazer ao
esquadrão.
2. Você tem escravos (a quem você droga para que gostem de ser escravos) – visto que isso dá
grande prazer a sua família.
3. Você mata seu pai rico e infeliz e doa o dinheiro dele para a compra de um parque para
crianças pobres.
Em nossa abordagem, todas as três ações seriam erradas. No caso (1), os prazeres sádicos do
esquadrão da morte são intrinsecamente ruins e sua vida (a qual lhe é tirada) é intrinsecamente boa,
assim, o linchamento tem consequências muito ruins. No caso (2), a liberdade é intrinsecamente boa,
assim, você prejudica bastante os escravos caso lhes prive da liberdade (ainda que você lhes dê prazer).
No caso (3), a vida de seu pai é intrinsecamente boa, então você o prejudica se tirar sua vida.
Assim, podemos evitar muitos problemas trocando o hedonismo pelo pluralismo.
Mas ainda há alguns problemas – como este exemplo:
Você mata seu pai rico e infeliz e doa parte de seu dinheiro para comprar um parque para
crianças pobres e outra parte para financiar uma pesquisa médica sobre alguma doença rara (a qual
salvará algumas vidas a longo prazo). Visto que sua ação tanto maximiza o prazer quanto salva vidas,
ela maximiza as boas consequências.
Não posso aceitar que esse assassinato seria certo. Felizmente, a parte “utilitarista regrista” de
minha concepção salva-me desse problema.
Deixe-me fazer uma distinção entre o tipo comum de utilitarismo (chamado de “utilitarismo de
ação”) e minha abordagem (“utilitarismo de regras”):
● O Utilitarismo de Ação (UA) diz que devemos realizar a ação de melhores consequências.
● O Utilitarismo de Regras (UR) diz que devemos fazer o que seria prescrito pelas regras com
as melhores consequências para que as pessoas na sociedade tentem seguir.
O UR usa uma abordagem de duas etapas para determinar nosso dever.
Primeiro, perguntamos que regras teriam as melhores consequências para que a sociedade tente
segui-las. Quando respondermos, devemos ter em mente as imperfeições e limitações dos seres
humanos.
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Segundo, aplicamos essas regras em nossa ação.
Defenderei que a abordagem de duas etapas do UR evita as implicações bizarras do UA e tem
melhores consequências para a sociedade.
Os Utilitaristas clássicos têm pouco respeito pelas regras. Eles desprezam normas desprovidas
de exceção. Veem as regras morais apenas como frouxas “regras práticas” sobre que tipos de ação
tendem a ter bons ou maus resultados. Eles estão preparados para quebrar qualquer regra quando isso
parecer ter melhores resultados.
Nós, Utilitaristas regristas, por contraste, temos pouco respeito pela especulação sobre o que
maximiza boas consequências. As pessoais facilmente convencem a si mesmas de fazer coisas tolas em
nome de bons resultados. Haveria resultados muito melhores a longo prazo se as pessoas seguissem
regras estritas ou mesmo regras sem exceção.
Qual regra a respeito de assassinato seria mais útil que a sociedade seguisse?
Deixe-me lhe dar as opções do utilitarismo de ação e do utilitarismo de regras:
UA – matar é certo se e somente se tiver as melhores consequências.
UR – matar é estritamente errado, com exceções talvez para uns poucos casos bem definidos
(como autodefesa).
Uma regra contra assassinato precisa ser firme e definida, senão as pessoas irão distorcê-la para
seus próprios fins. Eu teria medo de viver em uma sociedade que seguisse a regra do UA – onde as
pessoas matariam sempre que especulassem que matar teria melhores resultados. As pessoas
aplicariam isso de maneira irresponsável, com efeitos desastrosos. Ter-se-iam melhores resultados a
longo prazo se a sociedade seguisse uma regra estrita contra matar.
Vamos voltar ao caso acima.
Você mata seu pai rico e infeliz e doa parte de seu dinheiro para a compra de um parque para
crianças pobres e outra parte para financiar uma pesquisa médica para algum tipo de doença rara (a
qual salvará algumas vidas a longo prazo). Visto que sua ação tanto maximiza o prazer quanto salva
vidas, ela maximiza as boas consequências.
Nós, Utilitaristas regristas condenamos o assassinato. A regra por trás dessa ação (que você pode
matar caso ache que terá melhores consequências) acarretaria um desastre social. Como notei antes,
teríamos melhores resultados se a sociedade seguisse uma regra estrita contra matar.
Consideremos o exemplo do juiz:
Você é um juiz que sentencia um homem inocente à morte por um crime que ele não cometeu.
Ao desencorajar o terrorismo, seu ato maximiza o prazer total. O Utilitarismo clássico aprova sua
ação.
Mais uma vez, nós, Utilitaristas regristas, condenamos essa ação. Na vida real, os juízes não
sabem se sentenciar o inocente irá ter as melhores consequências. Eles podem somente fazer
adivinhações ou especular. Tal especulação geralmente entra pela culatra e traz consequências muito
ruins. Haveria melhores resultados a longo prazo se os juízes, ao invés de especular sobre futuras
consequências, simplesmente seguissem a regra de nunca sentenciarem uma pessoa inocente à morte.
Portanto nós, Utilitaristas regristas, achamos que em muitas áreas têm-se melhores resultados
aplicando regras estritas ou mesmo sem exceção. Deixe-me dar mais dois exemplos.
Primeiro considere as regras sobre drogas. Ter-se-iam melhores resultados se as pessoas
seguissem a segunda regra ao invés da primeira:
UA – use heroína para fins recreativos somente se isso trouxer as melhores consequências.
UR – jamais use heroína para fins recreativos.
As pessoas tentadas a tomar drogas tendem a ser más tomadoras de decisão. Se calcularem as
consequências, ao invés de seguir uma regra imediata e rígida, elas facilmente se renderão à tentação.
Elas se entregarão à pressão dos amigos quando estes falarem das boas consequências das drogas.
Então se tornarão viciadas e arruinarão suas vidas. Têm-se melhores resultados seguindo-se a segunda
regra: “apenas diga não”.
Ou suponhamos que você seja um homem feliz com seu casamento que ama sua família. Você
está numa viagem e é tentado a ser infiel. Ter-se-iam melhores resultados se você seguisse a segunda
regra ao invés da primeira:
UA – cometa adultério somente se tiver as melhores consequências.
9
UR – não cometa adultério.
Os homens tentados a serem infiéis são notoriamente maus tomadores de decisão. Eles
facilmente se convencem que a infidelidade trará as melhores consequências. Eles facilmente dizem
para si mesmos: “uma noitada será agradável e não terá maus resultados no futuro”. Mas esse ato, é
claro, está propenso a ter resultados muito ruins, está propenso a destruir seu casamento, magoar você
e as pessoas que você ama, ou ainda contaminá-lo com HIV. Mais uma vez, ter-se-iam melhores
resultados seguindo a segunda regra: “apenas diga não”.
Deixe-me resumir. Minha versão aprimorada do utilitarismo alega que:
● Devemos avaliar as consequências em termos de vários bens, incluindo virtude, conhecimento,
prazer, vida e liberdade.
● Devemos seguir as regras com melhores consequências para a sociedade seguir.
Minha versão do utilitarismo é melhor porque:
(a) evita as implicações bizarras do utilitarismo clássico, e
(b) sua ênfase em regras estritas teria melhores resultados para a sociedade a longo prazo.

6. Problemas do UR
O Utilitarismo Pluralista de Regras é uma abordagem aceitável? Certamente ele parece melhor
que o Utilitarismo clássico. Sua abordagem pluralista do valor intrínseco faz sentido. E ele tem uma
compreensão mais profunda da psicologia humana. Ele percebe que os seres humanos, sem regras
estritas, com frequência convencerão a si mesmos a fazer coisas tolas.
O UR parece evitar implicações bizarras. É difícil ter certeza a respeito disso, pois é difícil saber
a que o UR levaria. Aplicar o teste de “maximizar as boas consequências” a regras não é muito mais
fácil do que aplicá-lo a ações individuais. Em muitos casos, podemos apenas supor os resultados a
longo prazo de se seguir uma regra ao invés de outra.
Tenho duas objeções ao Utilitarismo de Regra.
Primeiro, suponhamos que as pessoas em sua sociedade fossem muito burras, e fosse útil
ensinar-lhes apenas regras morais muito simplistas. Por que você, que é mais inteligente, deveria ter o
dever de seguir essas regras simplistas – especialmente se você conseguisse melhores resultados
violando-as? Não estou certo sobre como um Utilitarista regrista responderia a essa questão.
Segundo, o UR, mesmo geralmente levando a juízos corretos, parece fazer isso pelas razões
erradas. Por que é errado matar seu pai no caso anterior (onde você doa o dinheiro dele para financiar
um parque e uma pesquisa médica)? Essa ação é incorreta só porque é socialmente útil ter uma regra
estrita contra matar? E se não fosse assim? E se as regras que fossem mais socialmente úteis
permitissem matar seu pai? Então matar seu pai seria certo? É difícil crer que fosse. A crença de que
isso seria correto parece violar a coerência da Regra de Ouro.
Os não-Consequencialistas têm uma resposta simples sobre porque é errado matar seu pai no
caso anterior. Eles dizem que matar um ser humano inocente é errado em si. Tal infração não depende
de qualquer fato conveniente sobre a utilidade social de uma regra estrita contra matar.
David Utilitarista de Regra sugeriu a seguinte metodologia para se justificar sua abordagem
pluralista do valor intrínseco:
Devemos tentar ser tão racionais quanto possível (coerentes, informados, imaginativos e etc.) e
então vermos o que desejamos por seu valor intrínseco. Isso propicia uma maneira racional de
selecionarmos nossas crenças sobre valores intrínsecos.
Quando seguimos esse método, parecemos desejar, abstraindo as consequências, que certos tipos
de ação (tais como matar inocentes ou violar promessas) não sejam realizadas. Assim, a sugestão de
David levar-nos-ia a crer que esses tipos de ação são ruins em si (e não só porque a regra contra eles
vem a ser socialmente útil). Assim, a sugestão de David parece levar ao não-Consequencialismo.
Se rejeitarmos o UR, como acho que devemos, talvez desejemos incorporar algumas de suas
ideias a uma abordagem melhor da Ética Normativa.
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Resumo do capítulo
O Consequencialismo diz que devemos fazer o que quer que maximize as boas consequências.
Não importa em si qual tipo de ação realizamos. O que importa é que maximizemos os bons
resultados.
Um tipo popular de Consequencialismo é o Utilitarismo clássico (hedonista). Essa concepção
diz que devemos sempre fazer o que quer que maximize o equilíbrio do prazer sobre o a dor para todos
afetados por nossa ação. Essa concepção pode ser baseada na Regra de Ouro, que nos leva a
interessarmo-nos pela felicidade e infelicidade alheia. Ou pode ser baseada na vontade de Deus, em
verdades autoevidentes, ou nossos próprios sentimentos pessoais.
Podemos aplicar o Utilitarismo diretamente (primeiro estimando as prováveis consequências de
cada opção, e então selecionando a opção com as melhores consequências) ou indiretamente
(aplicando uma regra prática sobre que tipos de ação tendem a ter resultados bons ou ruins). Muitos
utilitaristas rejeitam regras sem exceção. Eles acham que qualquer regra deve ser violada quando fazer
isso produz melhores consequências. Assim, eles veem as regras morais apenas como frouxas “regras
práticas”.
Apesar de sua plausibilidade, o utilitarismo tem muitas implicações bizarras; estas tornam difícil
sustentar tal concepção de um modo coerente. Por exemplo, imagine uma cidadezinha onde o
esquadrão da morte gosta tanto de enforcamentos que enforcar você por um crime que não cometeu
maximiza o prazer. Seria então correto enforcar você? Os utilitaristas podem responder a tais objeções
aceitando o resultado implausível, negando que tais casos sejam possíveis, ou modificando o
utilitarismo.
O Utilitarismo Pluralista de Regras é uma forma modificada de utilitarismo. Ele rejeita o
hedonismo (que somente o prazer é intrinsecamente bom). Ao invés disso, ele aceita uma visão
pluralista do valor (que muitas coisas são intrinsecamente boas, incluindo virtude, conhecimento,
prazer, vida e liberdade). Essa visão também diz que devemos fazer o que seria prescrito pelas regras
com as melhores consequências para a sociedade tentar seguir. Ela diz que viveremos melhor se
seguirmos regras estritas sobre matar ou sobre drogas. Sem regras estritas, com frequência
convencemos a nós mesmos a fazer coisas tolas. Os Utilitaristas regristas alegam que sua abordagem
evita as implicações bizarras e produz melhores consequências.
Pode-se objetar que o UR, mesmo se conduza a juízos corretos, o faz por razões erradas. O
Utilitarismo de Regra opõe-se ao assassinato de inocentes – baseado em regras socialmente úteis que
proibiriam tais ações. Mas e se as regras socialmente úteis permitissem tais ações? Então matar
inocentes seria certo? A crença de que isso seria certo parece violar a coerência da Regra de Ouro.
Então não seria melhor sustentar que matar inocentes é errado em si?
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Não-Consequencialismo

Fórmula da Concepção “prima facie” de Ross: Os princípios morais básicos dizem que devemos,
outras coisas sendo iguais, fazer ou não certos tipos de coisas: manter nossas promessas, fazer o
bem aos outros, etc.

O não-Consequencialismo diz que alguns tipos de ação (tais como matar inocentes ou romper
promessas) são errados em si, e não apenas porque têm más consequências. Tais coisas podem ser
erradas sem exceção ou podem apenas ter algum peso moral independente contra si. Alguns
consequencialistas (como o filósofo alemão do século XVIII Immannuel Kant) defendem regras sem
exceções. Outros (como o filósofo britânico, do século XX, W. D. Ross) defendem somente regras
“prima facie” mais fracas.
Começaremos ouvindo o personagem James Rossiano defender a abordagem de Ross. Então
consideraremos algumas objeções – especialmente aquelas que podem ser feitas a partir da perspectiva
das “regras sem exceções”. Por fim, examinaremos algumas outras áreas da Ética Normativa,
inclusive a justiça distributiva, as virtudes e os direitos.

1. James Rossiano
Meu nome é James Rossiano. Tenho tentado guiar-me entre a abordagem dos “deveres sem
exceções” que aprendi quando criança e o Utilitarismo de minha colega Mary; ambos levam a
resultados absurdos. Encontrei uma abordagem mais sensata na “concepção prima facie” do filósofo
britânico W. D. Ross.
Um dever prima facie é aquele que se sustenta caso outras coisas sejam iguais. Mais
precisamente, trata-se de um fator que tende por si mesmo a transformar algo em nosso dever, mas que
às vezes pode ser suplantado por outros fatores. A concepção prima facie de Ross alega que os
princípios básicos de moral dizem respeito a deveres prima facie. Outras coisas sendo iguais, devemos
manter nossas promessas, fazer o bem, não prejudicar os outros, etc. Nessa abordagem, o que importa
na Ética não são apenas as consequências, mas também que tipo de coisa fazemos.
Ross diz que quebrar promessas é errado em si. Quebrar nossa palavra é errado não só porque
tende a ter más consequências, mas por causa do tipo de ato em que consiste. Assim, manter promessas
é um dever independente, não somente uma “regra prática” para promover boas consequências. Mas
não se trata de nosso único dever, e outros deveres podem entrar em conflito com ele. A fim de cumprir
outros deveres mais urgentes, às vezes devemos quebrar uma promessa.
Eis um exemplo: prometi a meu amigo que iria fazer um passeio ecológico com ele nas trilhas de
Brecksville no fim de semana; ambos estávamos ansiosos para ver as belas cores da cascata. Visto que
prometi, senti-me na obrigação ou no dever de cumprir o prometido. Mas o quanto a obrigação era
forte? O que seria necessário para justificar a quebra da promessa?
A concepção dos “deveres sem exceção” diz que devo manter minhas promessas não importa o
que aconteça. Isso é loucura. Suponhamos que eu chegue em casa numa sexta-feira depois da aula e
encontre minha mãe doente, precisando ser levada ao hospital – e sou a único que pode levá-la. Devo
dizer “desculpe mamãe, mas não posso levá-la; você tem de sofrer e morrer – porque prometi fazer um
passeio ecológico e o dever de manter promessas não comporta exceções”? De jeito algum! Meu
dever de ajudar minha mãe é mais forte do que meu dever de manter a promessa. A não ser que meu
amigo seja um completo idiota, ele compreenderá.
Portanto rejeito deveres sem exceções. Concordo com minha colega Mary Utilitarista a respeito
disso. Não pode haver deveres sem exceção, argumenta ela, pois tais deveres:
1. Iriam entrar em conflito e, assim, levar-nos a contradições;
2. Iriam levar a resultados desumanos em casos incomuns;
3. Devem ser violados caso precisemos fazê-lo a fim de evitar que o Dr. Evil torture todos e
destrua o mundo.
Isso parece conclusivo para mim. Mas discordo dela em outros pontos.
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Mary Utilitarista explica exceções em termos de consequências. Ela vê as normas morais como
“regras práticas” sobre como se promover bons resultados. Ainda que tais regras possam ser úteis,
devemos quebrá-las sempre que isso trouxer melhores consequências. No caso sobre levar minha mãe
para o hospital, trará claramente melhores consequências quebrar a regra sobre o cumprimento de
promessas.
Isso parece sensato, até que você pensa a respeito mais cuidadosamente. Os utilitaristas dizem
que é certo quebrar uma promessa séria sempre que isso tiver consequências um pouco melhores. Isso
significa não levar suficientemente a sério o dever de manter promessas. Quando prometemos algo,
assumimos uma obrigação especial para com outra pessoa. Poderemos ter de quebrar a promessa em
alguns casos, mas um pequeno ganho nas boas consequências não justificará quebrá-la. Manter nossa
palavra é um dever sério.
Suponhamos que alguém trabalhe como babá de seu filho para que você e sua esposa possam ir
ao cinema. Você promete pagar-lhe uma certa quantia em dinheiro. Mas você descobre que pode obter
consequências um pouco melhores dando o dinheiro para os pobres ao invés de para ela – visto que o
benefício para os pobres seria maior que o desapontamento dela. O utilitarismo diz que você deve dar
o dinheiro aos pobres, já que isso maximiza as boas consequências. O fato de que você prometeu não
possui um peso moral especial. Mas isso é absurdo. Se você promete pagar-lhe, então uma forte
obrigação é criada. Eu protestaria se as pessoas levassem tão pouco a sério as promessas que me
fazem.
Assim, ao menos no que diz respeito a manter promessas, a concepção prima facie de Ross é
mais sensata do que a visão “das normas sem exceção” ou o Utilitarismo.

2. Nossos deveres básicos


Ainda é James Rossiano. Preciso de mais uma seção para falar sobre os deveres básicos de Ross.
Alguns de seus deveres são sobre fazer o bem ou o mal. Para irmos adiante, precisamos falar
sobre o que é intrinsecamente bom. Ross é um pluralista e aceita três bens intrínsecos principais:
virtude, saber e prazer. Eu gostaria de adicionar vida e liberdade. Assim, fazer o bem para o outro é
promover a virtude, o saber, o prazer, a vida, ou a liberdade da outra pessoa. E fazer o mal é gerar
vício, ignorância, dor, morte ou servidão.
Ross reconhece sete deveres básicos prima facie:
1. Fidelidade: mantenha suas promessas.
2. Reparação: repare o mal que você fez ao outro.
3. Gratidão: faça o bem para aqueles que fazem o bem para você.
4. Justiça: interrompa a distribuição de prazer e felicidade que não esteja de acordo com o
mérito.
5. Beneficência: faça o bem para os outros.
6. Autoaprimoramento: aperfeiçoe sua virtude e saber.
7. Não maleficência: não prejudique os outros.
Outras coisas sendo iguais, devemos seguir essas normas. Quando apenas uma norma aplicar-se,
é esta que indica nosso dever. Mas às vezes as normas entram em conflito. No exemplo sobre minha
mãe, a fidelidade e a benevolência receitaram coisas conflitantes:
● A fidelidade dizia para manter minha promessa de fazer o passeio (o que implicava em não
levar minha mãe ao hospital).
● A beneficência dizia para conduzir minha mãe para o hospital (o que implicava em quebrar a
promessa de fazer o passeio).
Quando nossos deveres colidem, temos de seguir o dever mais forte. Nesse caso o forte benefício
à minha mãe supera a promessa casual. Sendo assim, quebrei a promessa.
Os princípios de Ross fazem sentido para mim, com duas exceções.
Primeiro, não entendo seu princípio de justiça. Se meus irmãos e irmãs não estão felizes
proporcionalmente à sua virtude (o mais virtuoso sendo o mais feliz, o segundo mais virtuoso sendo o
segundo mais feliz, e assim por diante), devo tentar interromper isso? Será que Ross realmente quer
dizer tal coisa? Acho que precisamos de uma melhor regra de justiça.
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Ross é incerto quanto a se devemos incluir a promoção de nossa própria satisfação no dever de
autoaperfeiçoamento; ele diz que já promovemos nossa própria satisfação o suficiente. Ross
obviamente nunca conheceu minha mãe – a qual realmente deveria sair e se divertir às vezes, talvez
então ela não ficasse tão doente. Eu incluiria o dever de promovermos nossa própria satisfação e
baseá-lo-ia no princípio de autorrespeito.
Outros deveres derivam desses básicos. Quando falamos, fazemos uma promessa implícita de
não dizer mentiras, portanto, temos o dever de não mentir. E fazemos uma promessa implícita de
obedecer às leis do país onde vivemos, portanto, temos o dever de obedecer à lei. Esse último dever
também se origina em parte da gratidão (pelos benefícios que recebemos do país) e beneficência
(cooperar na promoção do bem geral).
Ross é um Intuicionista; ele baseia seus deveres nas intuições morais. Quando os deveres
colidem, recorremos à intuição para descobrir que dever é mais forte. Esta é a parte mais fraca da
concepção de Ross, e a parte mais frequentemente criticada. As intuições morais das pessoas variam
bastante, e sua concepção não oferece uma maneira de se criticar intuições defectivas (por exemplo,
intuições racistas).
Obtemos uma concepção mais sólida se substituirmos o Intuicionsmo de Ross por um método
que recorre à racionalidade (ser coerente, informado, imaginativo, etc.). A racionalidade endossaria a
maioria dos deveres de Ross. Visto que exigimos que os outros pratiquem a fidelidade, reparação,
gratidão, etc. para conosco, se formos coerentes, exigiremos o mesmo de nós próprios – e iremos
considerá-los como deveres.
A racionalidade pode proporcionar um guia útil quando as normas entram em conflito. No caso
sobre minha mãe, a coerência da Regra de Ouro praticamente iria forçar-me a pensar que deveria
quebrar a promessa e levar minha mãe ao hospital.
Ross vê alguns deveres básicos como mais fortes que outros. A não maleficência é normalmente
mais forte do que a beneficência. Em geral, não é certo prejudicar uma pessoa para ajudar outra ou
para promover a utilidade social. Um dos defeitos do utilitarismo é que ele permite qualquer dano ao
indivíduo pelo bem da maximização do prazer. A concepção de Ross conserta esse defeito.
Com frequência, nossos deveres são racionais, no sentido que eles dependem de como nos
relacionamos com a outra pessoa. Temos deveres especiais para com X caso tenhamos feito uma
promessa para X, ou tenhamos prejudicado X, ou se X ajudou-nos, ou é nosso(a) esposo(a) ou filho ou
amigo. Cada relacionamento leva a deveres especiais. O utilitarismo vê erroneamente tais
relacionamentos pessoais como moralmente irrelevantes; nosso único dever é maximizar as boas
consequências. Assim, o utilitarismo não faz justiça aos aspectos pessoais e relacionais do dever.
A principal desvantagem da abordagem de Ross é que ela não nos dá respostas claras para a
maioria das questões morais. Mas as outras concepções não são nem um pouco melhores nesse
aspecto. A concepção dos “deveres sem exceção” fornece-nos respostas claras, mas leva a contradições
quando suas normas entram em conflito. O utilitarismo dar-nos-ia respostas claras se soubéssemos as
consequências a longo prazo de nossas ações, mas isso está além do conhecimento humano.
Examinemos como a visão de Ross aplica-se ao assassinato. Segundo a não maleficência, é
errado acarretar algo intrinsecamente ruim para o outro. Visto que a morte é intrinsecamente ruim, é
errado causar a morte do outro. Assim, matar é errado. Mas o quanto é errado? Pode nosso dever de
proteger nossa própria vida pesar mais que o dever de não matar o outro? Pode ser correto matar em
autodefesa? E a respeito da pena de morte, aborto e eutanásia? A concepção de Ross é vaga nessas
questões. Apesar de sua concepção fornecer uma estrutura geral para enxergarmos nossos deveres,
ainda precisamos encontrar soluções (de forma coerente, informada e imaginativa) para deveres
específicos em áreas como matar.
A despeito de seu caráter vago, a visão de Ross tem muitas qualidades. Ela fornece uma
perspectiva equilibrada que concorda intimamente com o que a maioria das pessoas inteligentes
acredita ser nossos deveres.

3. Normas sem exceções


James deu-nos uma formulação clara de uma importante abordagem da moral. Concordo com
muito do que ela diz, inclusive suas críticas. Ele diz que a visão de Ross precisa de uma melhor regra
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de justiça (trabalharemos com isso mais tarde) e que sua concepção é vaga quando aplicada a questões
morais específicas.
Outro problema com a visão de Ross, na minha opinião, é sua rejeição a regras estritas ou sem
exceção – uma característica que ele tomou emprestado do Utilitarismo clássico. Ross não menciona o
Utilitarismo de Regras, o qual, em sua época, não havia sido muito desenvolvido. Sou a favor de
combinar a visão de Ross com algumas ideias do Utilitarismo de Regras sobre a importância de regras
estritas.
James Rossiano e sua colega tinham três argumentos contra deveres sem exceção.
Não pode haver deveres sem exceção, argumentaram eles, pois tais deveres:
1. Entrariam em conflito e assim levariam a contradições;
2. Levariam a resultados desumanos em casos incomuns;
3. Deveriam ser violados caso precisássemos fazer isso para evitar que o Dr. Evil torturasse todos
e destruísse o mundo.
Mas tais argumentos caem por terra se os examinarmos cuidadosamente.
(1) “Não pode haver deveres sem exceção, pois estes entrariam em conflito e levariam a
contradições”. As normas que James aprendeu quando criança de fato colidiam, mas nem todos os
grupos de normas sem exceção entram em conflito.
Consideremos estas três normas de David Utilitarista de Regra:
- Nunca mate uma pessoa inocente;
- Nunca use heroína para fins recreativos;
- Nunca cometa adultério.
Essas normas não entrarão em conflito. Assim, é coerente aceitar algumas normas que não
comportam exceções desde que sejam formuladas cuidadosamente.
(2) “Não pode haver deveres sem exceção, pois estes levariam a resultados desumanos em casos
incomuns”. James mostrou como “roubar é sempre errado” proibiria que você roubasse um pedaço de
pão para que sua família não morresse de fome. Certamente seria correto roubar nesse caso.
Concordo que devamos evitar normas desprovidas de exceções que tenham resultados
desumanos. Proponho a coerência como um teste para “resultados desumanos”: poderemos desejar que
a norma seja seguida mesmo se imaginarmos a nós próprios (ou nossa família) em tal lugar na mesma
situação? Se não podemos desejar isso, então seremos incoerentes ao sustentarmos a norma. O
exemplo de James mostra que seria difícil sustentar coerentemente que “roubar é sempre errado”.
As normas sem exceções mais plausíveis são aquelas que proíbem seriamente ações desumanas.
Lembremos que Sócrates e Jesus eram inocentes e, ainda assim, por razões utilitárias, foram
sentenciados à morte. “Nunca mate uma pessoa inocente” tem o objetivo de impedir tais ações
desumanas. A própria norma “nunca mate uma pessoa inocente” teria às vezes resultados desumanos?
Alguns acham que sim e citam exemplos como matar por piedade. Se esses exemplos convencessem-
me (o que não acontece), então apoiaria uma regra contra matar que tivesse mais qualificações – talvez
uma como (b) ao invés de (a):
Nunca mate uma pessoa inocente.
Nunca mate alguém exceto em autodefesa ou por piedade.
Considero ambas as normas como “desprovidas de exceção” (embora tenham restrições
embutidas), pois são formuladas usando “nunca”.
Portanto, se uma norma sem exceções mostrar ter resultados desumanos em casos incomuns,
podemos revisar a norma a fim de evitar os resultados – e então alegarmos que a norma revista
sustenta-se em todos os casos. É claro, pode ser difícil pensar em todas as qualificações necessárias,
mas isso não indica que normas sem exceções são impossíveis.
(3) “Não pode haver deveres sem exceção, pois qualquer regra – mesmo contra matar inocentes
– deve ser violada caso precisemos fazer isso para evitar que Dr. Evil torture todos e destrua o
mundo”.
Poderíamos responder a essa objeção de três maneiras:
(a) Poderíamos ser teimosos – e insistir que não devemos matar inocentes mesmo para impedir o
Dr. Evil de destruir o mundo.
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(b) Poderíamos qualificar a norma para evitar a objeção. Para isso, poderíamos ou adicionar uma
cláusula sobre desastres (como “nunca mate inocentes a não ser que isso seja necessário para evitar
um desastre”) ou insistir que nossa norma tem o objetivo de abranger somente casos concretos (e não
casos fantásticos como o do Dr. Evil).
(c) Poderíamos insistir que, mesmo se houver casos bastante incomuns em que matar inocentes é
justificável, ainda assim, na vida real, não sabemos o suficiente a ponto de sermos capazes de
reconhecer tais casos. Assim, tomaremos melhores decisões se seguirmos a regra prática de nunca
matar inocentes; seguir essa regra estritamente evitará muitos erros trágicos (esta resposta está dentro
do espírito do Utilitarismo de Regras).
Para fins práticos, não interessa que resposta nós dermos. Em todos os três casos, tomaremos as
mesmas decisões em casos práticos.
Quando devemos encarar uma norma como muito estrita ou mesmo sem exceção?
Sugiro este princípio: Encare uma norma mais estritamente se fazer isso tender a evitar grandes
malefícios ou opções tolas.
Nesse caso grandes malefícios abrangeriam coisas como matar um inocente, gerar dependência
por drogas, ou arruinar um casamento feliz. Quando tais coisas estiverem em risco, e quando seguir
uma regra mais frouxa estiver propenso a levar a más escolhas, faz sentido seguir uma regra estrita ou
até uma regra sem exceções.
É importante insistir que algumas regras morais devam ser encaradas bastante estritamente.
Muitos dos problemas do mundo de hoje vêm do fato de que muitas pessoas encaram as normas
morais de forma muito frouxa – e, portanto, conseguem convencer a si mesmas a fazer quase tudo.

4. Justiça distributiva
Como os benefícios devem ser distribuídos na sociedade? Notamos problemas com a visão de
Ross sobre a justiça distributiva. Assim, consideraremos aqui três outras visões – primeiro o
Utilitarismo, e então as visões não-Consequencialistas de John Rawls e Robert Nozick.
O Utilitarismo clássico diz que devemos maximizar o equilíbrio do prazer sobre a dor. Se nossa
ação maximizar o bem, não importa o quanto igual ou desigual a distribuição do bem é. Logo, o
Utilitarismo poderia em princípio justificar uma larga diferença entre ricos e pobres.
Os utilitaristas, contudo, alegam que sua concepção na prática prefere uma distribuição mais
igualitária. Consideremos uma sociedade simples de uma ilha com duas famílias. A família rica ganha
10.000 mil reais por mês e tem uma abundância de bens; a família pobre ganha 200 reais por mês e
quase morre de fome. Suponhamos que mil reais da família rica fossem para a pobre. A família pobre
seria bastante beneficiada e a rica mal notaria a perda. A razão para isso é a decrescente utilidade
marginal do dinheiro; à medida que ficamos mais ricos, cada real extra faz menos diferença para nossa
qualidade de vida. Passar de 10.000 mil para 9.000 mil tem pouca importância, enquanto que passar de
200 para 1.200 reais faz uma grande diferença. Consequentemente, os utilitaristas argumentam que
uma determinada quantia de riqueza tende a produzir mais felicidade total se for espalhada mais
uniformemente. Nossa sociedade insular provavelmente maximizaria sua felicidade total se ambas
famílias partilhassem sua riqueza igualmente.
Ainda que isso pareça sensato, os não-Consequencialistas têm suspeitas.
Se uma família obtém mais prazer do que a outra com uma quantia tal de dinheiro, ela deveria
então ganhar mais dinheiro (visto que isso maximizaria a satisfação total)? Será isso justo? E, mesmo
se o Utilitarismo levar a juízos corretos sobre igualdade, ele faz isso pelas razões certas? Será que a
igualdade é boa não por si mesma, mas meramente porque produz o maior total?
John Rawls propõe uma influente abordagem não-Consequencialista da justiça.
Como podemos decidir o que é justo? Rawls sugere que perguntemos com quais regras
concordaríamos sob certas condições hipotéticas (a posição original).
Imaginemos que somos livres, com ideias claras e conhecemos todos os fatos relevantes – mas
não sabemos nosso próprio lugar na sociedade (rico ou pobre, negro ou branco, homem ou mulher). A
limitação de conhecimento tem o objetivo de assegurar a imparcialidade. Se não sabemos a nossa raça,
por exemplo, não podemos manipular as regras a favor de nossa raça. As regras da justiça são as regras
com as quais concordamos sob essas condições imparciais.
16
Com quais regras concordaríamos na posição original?
Rawls argumenta que escolheríamos estes dois princípios básicos de justiça (cuja redação
simplifiquei):
● Princípio da liberdade igualitária: a sociedade deve salvaguardar a maior liberdade para cada
pessoa, compatível com uma liberdade igual para todos os outros.
● Princípio da diferença: a sociedade deve promover a distribuição igualitária da riqueza, com
exceção das desigualdades que servem como incentivos para beneficiar a todos (inclusive o grupo com
menos vantagens), estando abertos a todos de forma igual.
O princípio da liberdade igualitária assegura coisas como liberdade de religião e de expressão.
Tais direitos, diz Rawls, não devem ser violados em nome da utilidade social.
O principio da diferença diz respeito a como distribuir a riqueza.
A partir da posição original, podemos ser atraídos pela visão igualitarista, de que todos devem
ter exatamente a mesma riqueza. Mas a sociedade estagnaria dessa forma, visto que as pessoas teriam
pouco incentivo para fazer coisas difíceis (como se tornar médico ou inventor), que por fim beneficiam
a todos. Então, preferimos uma regra que permita incentivos.
Em uma sociedade Rawlsiana, todos teriam mais ou menos a mesma riqueza – exceto as
desigualdades (como maior salário para os médicos) que são justificadas como incentivos que acabam
beneficiando a todos, e que estão abertas a todos de forma igual.
Robert Nozick é o mais agudo crítico do princípio de diferença de Rawls. Ele propõe a
concepção do direito a posses justas. Essa concepção diz que tudo o que você ganhar honestamente
por meio de trabalho duro e acordos justos é seu. Se todos ganharem legitimamente o que possuem,
então a distribuição resultante é justa – independente de quão desigual possa ser. Ninguém tem o
direito de tirar suas posses, mesmo se outros tiverem bem menos. Planos (como um imposto de renda
progressivo) que forçam uma redistribuição de renda são errados, pois violam seu direito à
propriedade. Eles roubam de você para dar aos outros.
Quanto se deve pagar aos médicos? Na abordagem de Nozick, eles devem ganhar o que quer que
legitimamente mereçam. Em uma sociedade eles poderão merecer mais ou menos o mesmo que todos
os outros; em outra, poderão merecer grandes quantias de dinheiro. Em ambos os casos, eles têm
direito ao que merecem – e qualquer plano que tire seus ganhos para dar a outros é injusto.
Qual visão devemos preferir, a de Rawls ou a de Nozick? Se recorrermos às intuições morais,
teríamos um impasse; as intuições liberais concordariam com Rawls, enquanto que as intuições
libertárias com Nozick. Eu alegaria, entretanto, que a coerência racional favoreceria algo como a visão
de Rawls. Imaginemos uma sociedade organizada conforme a abordagem de livre mercado de Nozick,
na qual, após várias gerações, há um abismo entre ricos e pobres. Aqueles nascidos em uma família
rica são ricos, e aqueles que nasceram em uma família pobre sofrem com uma pobreza que não
conseguem superar. Imagine a si mesmo e sua família sofrendo na pobreza. Pode você desejar que, se
estivesse na mesma condição, os princípios de Nozick fossem seguidos?

Resumo do capítulo
O não-Consequencialismo diz que alguns tipos de ação (tais como quebrar promessas ou matar
inocentes) são erradas em si, e não só porque têm más consequências. Tais coisas podem ser erradas
sem exceção, ou podem apenas ter algum peso moral independente contra si.
A concepção prima facie de Ross é uma forma popular de não-Consequencialismo. Ela tenta
evitar as implicações extremadas da concepção de “deveres sem exceção” e do Utilitarismo. Ross
concentra-se em nosso dever de cumprir promessas. Esse dever não é um dever sem exceção, pois
pode ser suplantado por outros deveres. Mesmo assim, não se trata apenas de uma regra prática que
podemos violar sempre que fazer isso trouxer boas consequências. Ao invés disso, o dever de manter
uma promessa é um dever independente. Ele nos compromete, sendo outras coisas iguais, mas pode às
vezes ter de ceder a outros deveres.
Os princípios básicos de moral de Ross dizem que devemos, outras coisas sendo iguais, fazer ou
não certos tipos de coisas. Há deveres de fidelidade, reparação, gratidão, justiça, beneficência,
autoaperfeiçoamento e nãomaleficência. Quando esses deveres entram em conflito, temos de pesar um
dever contra outro e ver qual é o mais forte em tal situação.
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A não maleficência é mais forte do que a beneficência; em geral, não é certo prejudicar uma
pessoa para ajudar outra ou para promover o bem público. Muitos de nossos deveres são relacionais;
temos um dever específico para com X em vista de como X está relacionado conosco (por exemplo,
alguém para quem fizemos uma promessa).
A concepção prima facie de Ross, ainda que em grande parte pareça aceitável, tem várias
fragilidades. Primeiro, ela é vaga quando a aplicamos a questões morais específicas (por exemplo, a
questão moral de matar). Segundo, precisa de um melhor principio de justiça. Terceiro, suas objeções a
normas que não comportam exceções são um tanto simplistas; poderíamos aperfeiçoar tal concepção
adicionado insights do Utilitarismo de Regras sobre a importância de princípios estritos.
A justiça distributiva diz respeito a como os benefícios devem ser distribuídos em uma
sociedade. Os utilitaristas dizem que devemos maximizar o bem total e que geralmente faremos isso
melhor distribuindo a riqueza de forma igualitária. Rawls diz que a sociedade deve promover a
distribuição equânime da riqueza, com exceção das desigualdades que servem como incentivos para
beneficiar a todos. Nozick diz que qualquer coisa que você ganhe honestamente é sua – e a sociedade
não tem o direito de tirá-la para redistribuir a riqueza ou ajudar os pobres. Defendo que a Regra de
Ouro aproximar-nos-ia mais de Rawls do que de Nozick.
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Texto sem referência bibliográfica precisa. Usado em disciplina de Ética da UFRGS.

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