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Artigo para debate

“Precisamos repensar a escravidão,


porque o que aprendemos nos livros são
mentiras”
Date: 15/04/2019

Por Kátia Mello

A antropóloga afro-americana e diretora executiva da ONG Afrodiáspora,


Sheila S Walker esteve rodando o Brasil para lançar seu último
livro Conhecimento desde dentro – os afro-sul-americanos falam dos seus
povos e suas histórias. Sheila, que também é cineasta, conjuntamente com o
livro lançou o filme Rostos familiares, lugares inesperados – uma diáspora
africana global, em que aborda os universos da diáspora africana.

Sheila foi diretora do Programa de Estudos da Diáspora Africana e professora


de Antropologia no Spelman College, uma universidade de mulheres afro-
americanas em Atlanta, no Estado da Georgia, e antes dirigia o centro de
estudos africanos e afro-americanos da Universidade de Texas, em Austin. Ela
tem feito pesquisas, dado palestras, e participado em atividades culturais na
maioria dos países da África e da Diáspora Africana Global.

Nesta conversa com a coluna Geledés no debate ela ressalta a importância de


se conhecer a história da diáspora africana. A antropóloga, que visita o país
desde a década de 80, também apontou as diferenças que hoje encontra em
relação ao posicionamento da população sobre as questões raciais.

Geledés – Como surgiu seu interesse pela diáspora africana?

Estudei em Bryn Mawr College (na Pensilvânia, EUA) – uma universidade da


elite branca -, sendo a única negra de minha classe. Entendi que era necessário
haver um equilíbrio para compensar a minha educação eurocêntrica. Neste
contexto, resolvi fazer parte de um intercâmbio universitário e fui morar, na
década de 60, na casa de uma família maravilhosa, pan-africanista, na cidade
de Foumban, capital do reino do povo Bamum, na República dos Camarões.
Morar com essa família foi a experiência mais importante da minha vida,
sobretudo em relação à diáspora africana. Foumban era um lugar fascinante,
onde havia um palácio. No começo do século XX, o rei Ibrahim Njoya havia
criado um sistema de escritura para o seu idioma no qual havia escrito
manuscritos com a história de seu povo. Também havia criado escolas, que os
colonialistas franceses fizeram questão de fechar para que não houvesse uma
fonte independente de pensamento. A minha família pan-africanista me
perguntava se eu conhecia grandes personalidades negras como o cantor
Sparrow, de Trinidade no Caribe e o Pelé do Brasil. Eu não tinha essa
consciência internacional ainda, mas comecei a refletir sobre os
afrodescendentes (uma palavra que não se usava na época) no mundo, como
uma extensão de uma grande família africana.

“Durante três séculos a base populacional do


continente foi africana. Se não conhecermos essa base
demográfica, como podemos entender as Américas?”
Geledés – E como vieram os estudos sobre os afrodescendentes na América?

Passei a ficar curiosa sobre a diáspora africana. Nos Estados Unidos, por
exemplo, diziam que éramos o único grupo étnico que nao tinha cultura — o
que não me agradava e claro que não o acreditava. Eu queria escrever sobre a
cultura do meu povo e estudar outras culturas da diáspora para conseguir
compará-las. Fiz um doutorado em antropologia, sem, no começo, saber que era
uma disciplina racista e colonialista. Foi uma luta estudar com professores
racistas e posso dizer que todos os meus estudos são antirracistas e minha ideia
principal era e continua a ser tornar conhecidas as nossas culturas, a nossa
africanidade. Primeiro embarquei para a Bahia, onde fui para passar duas
semanas e acabei ficando três meses (risos). Foi ótimo conhecer a africanidade
da Bahia. Depois passei por Minas Gerais e Maranhão para conhecer
fenómenos culturais afro-brasileiras. Viajei, então, para outros países na
América Latina e dessas viagens saiu o livro Conhecimento desde dentro: Os
afro-sul-americanos falam de seus povos e suas histórias (Kitabu Editora).
Ainda faltam? visitar Guiana e El Salvador para completar minha jornada. Por
todos os países que passei, pude constatar a africanidade. Mesmo naqueles em
que dizem não haver afrodescendentes — tais como Argentina, Bolivia,
Paraguai e Chile.

Geledés – Existem mitos sobre a escravidão que desprezam o conhecimento da


população africana que veio para as Américas. Neste sentido, como repensar a
história dos negros no continente?

Precisamos repensar a escravidão, porque o que aprendemos nos livros são


mentiras. Entre elas está a de que os africanos chegaram nas Américas apenas
como braços e corpos e não como cabeças pensantes. Não aprendemos quais as
tecnologias esses africanos trouxeram e que foram utilizadas pelos europeus.
Os europeus davam nomes às costas africanas que designaram as tecnologias
conhecidas pelos africanos da região. Então, por exemplo, existia a Costa dos
Cereais de onde vinha o arroz, a Costa da Mina, de onde vinha o ouro. Quando
os portugueses “descobriram” o ouro das Américas foram “recrutar” —
escravizar — africanos de locais onde já havia minas de ouro. Se pensarmos no
Brasil, por exemplo, os africanos trouxeram a tecnologia da extração do ouro.
Adoro uma frase que li sobre Ouro Preto (MG). Dizia-se que a presença de
africanos que os portugueses chamaram de “negros minas” nas minas trazia
“uma sorte quase mágica”. Sorte ou conhecimento? Outra coisa: o primeiro
arroz cultivado nas Américas veio da África. Era um arroz cultivado na África
chamado Oryza glaberima. Só depois veio o arroz asiático. Portanto, temos que
repensar a escravidão e quais foram as contribuições dos africanos para a nossa
cultura.

Geledés– Que outros conhecimentos eles trouxeram que não constam nos livros
de história?

Entre as técnicas trazidas pelos africanos escravizados, a senhora menciona o


mergulho em profundidade para a busca de pérolas. Uma das primeiras riquezas
encontradas nas Américas foram pérolas. No Arquipélago das Pérolas, no
Panamá, no Oceano Pacífico, os mergulhadores africanos iam buscá-las. Eram
mergulhadores com técnicas muito específicas, detentores de um conhecimento
que só pertenciam a eles e que não era compartilhado com mais ninguém.
Geledés – Existe um grande esforço em alguns países sul-americanos de
preservação da cultura quilombola, como a Colômbia. Quais nações latinas
melhor fazem esse trabalho e como avalia o Brasil neste contexto?

Na Colômbia existe o quilombo Palenque de San Basilio, ou simplesmente


Palenque (povoado localizado a cerca de 50 quilômetros ao sul de Cartagena)
que tenha permanecido isolado e preservado melhor do que outras comunidades
também quilombolas seus costumes. Uma antropóloga escreveu sobre San
Basilio e assim passou a ser tão conhecido. E o governo colombiano apoia essa
comunidade. Na América do Sul, me aparece que o país que está fazendo mais
pelos quilombolas é o Brasil no sentido de prover títulos aos territórios. Mas
também, obviamente, é no Brasil onde existe o maior número de quilombos, se
formos comparar ao resto da América Latina. Na Jamaica, há um festival em
que se comemora um tratado dos quilombolas assinado pelos ingleses em 1700.
É a maneira desses quilombolas de recordarem a história heroica de seu povo.
Em todo mês de janeiro, eles fazem uma festa, inclusive com a presença de
representantes governamentais.

“É um momento propício para enxergamos além das


fronteiras. A minha identidade é que sou da diáspora
global. Precisamos desenvolver nossas identidades que
vão além-mares e falarmos mais sobre nossas culturas”
Geledés – Estamos vivendo um desmantelamento da preservação da cultura
afro-brasileira, com ameaças, inclusive, de desmonte do Museu Afro-
Brasileiro, em São Paulo. Como analisa este momento político na vida da
população negra brasileira e quais os impactos deste tipo de iniciativa para o
Brasil?

Vejo que é um período difícil. Tive esperança no Brasil, uma vez que 54% da
população são afrodescendentes e imaginei, portanto, que não fossem votar
numa pessoa assim. Infelizmente tive uma surpresa infeliz. A ideia de fechar o
melhor museu do mundo negro é um crime. Gosto do nosso Museu Nacional
de História e Cultura Africana Americana, mas o meu preferido é o de São
Paulo. Não consigo nem imaginar alguém querendo fechar um museu que
representa a maior parte da população brasileira. Mas vejo algo de positivo: as
pessoas estão se tornando mais conscientes sobre os nossos governos, e neste
sentido, precisamos nos organizar mais e lutar mais, fazer mais pesquisas e
análises a partir de nosso ponto de vista. É também um momento propício para
falarmos mais sobre nossas culturas e imaginar as nossa identidades além das
fronteiras nacionais. A minha identidade é que sou da diáspora africana global.

Geledés – Há quatro décadas a senhora visita o Brasil. O que tem a dizer sobre
as mudanças que vê em relação à população negra durante este período?

Tenho visto muitas mudanças no Brasil desde que comecei a visitar o país.
Quando cheguei pela primeira vez na Bahia, duas coisas me impressionaram: a
africanidade e a negação dos próprios afrodescendentes sobre o racismo. Nos
anos 80, passei bastante tempo viajando pelo país, especialmente pela Bahia, e
era difícil para mim falar sobre racismo. As pessoas me diziam que tinham pena
de mim, porque havia segregação racial nos Estados Unidos — quase duas
décadas depois do fim da segregação oficial. Naquela época nós africano
americanos tínhamos passado por vários processos, como o movimento Black
is beautiful. O Brasil estava atrasado em relação a isso. Se eu estava num bairro
bonito, não havia negros. E muitos afro-brasileiros me diziam ah, são apenas
diferenças econômicas. Ninguém queria falar sobre esse tema proibido do
racismo. Hoje as pessoas falam muito sobre o racismo, muito mesmo. Nos
Estados Unidos não precisamos aprender sobre racismo estrutural porque
vivíamos o racismo estrutural. Ainda bem que os brasileiros deixaram de
acreditar na democracia racial, essa bobagem. E fico feliz em ver
afrodescendentes em lugares onde não estavam antes. Hoje vejo negros e negras
fazendo doutorado! Uauau! Isso é muito bom! Mas ainda sou muito
frequentemente a única negra em aviões. Quero ver os negros brasileiros em
todos os lugares, nos aviões como tripulantes, pilotos, precisamos ocupar os
nossos lugares em todas partes das nossas sociedades.

Geledés – Ainda sobre a perspectiva de reconstrução histórica, a demografia


das Américas era composta por um contingente populacional muito maior
africano do que europeu. De que maneira esses valores africanos poderiam ser
redimensionados?
Hoje sabemos que entre 1500 e 1800 dos 6, 5 milhões de pessoas que
atravessaram o Atlântico para chegar às Américas, apenas um milhão veio da
Europa. 5,5 milhões vieram da África! Ou seja durante os primeiros três séculos
do desenvolvimento das novas sociedades das Américas, a base populacional,
foi africana. Se não conhecermos essa base demográfica, como podemos
entender as Américas?

Dra. Sheila S. Walker

Sheila S. Walker, doutora em antropologia, é Diretora Executiva de


Afrodíáspora, Inc., uma organização sem fins de lucro que cria documentários
e materiais didáticas sobre a Diáspora Africana Global. A Dra Walker era
Diretora do Programa de Estudos da Diáspora Africana e Professora de
Antropologia no Spelman College (uma universidade africana americana de
mulheres) em Atlanta, Georgia, e Diretora do Centro de Estudos Africanos e
Afro-Americanos e Professora de Antropologia na Universidade de Texas em
Austin. Ela tem feito pesquisas, dado palestras, e participado em atividades
culturais na maioria dos países da África e da Diáspora Africana Global. Entre
as suas múltiplas publicações são os livros: Raízes Africanas/Culturas
Americanas: África na Creação das Américas(inglês) e Conhecimento desde
dentro: Os afro-sul-americanos falam de seus povos e suas historias (Kitabu
Editora, Rio de Janeiro). Foi produtora dos documentários Africa Dispersa:
Rostos e vozes da Diáspora Africanae Rostos Familiares: Lugares
Inesperados: Uma Diáspora Africana Global.

Fonte: https://www.geledes.org.br/precisamos-repensar-a-escravidao-porque-o-que-
aprendemos-nos-livros-sao-mentiras/08/05/2019.

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