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SÃO PAULO
2013
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SÃO PAULO
2013
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Banca Examinadora
Prof. Dr.____________________________________________________
Instituição: ____________________Assinatura_____________________
Prof. Dr.____________________________________________________
Instituição: ____________________Assinatura_____________________
Prof. Dr.____________________________________________________
Instituição: ___________________Assinatura______________________
Prof. Dr.____________________________________________________
Instituição: ____________________Assinatura______________________
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DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Aldaíza Sposati, orientadora desse trabalho, por aportar saberes e por
valorizar e tornar visível para mim linhas de força a serem exploradas que seriam
ignoradas não fosse essa oportunidade de diálogo. Mas, essencialmente agradeço a
acolhida generosa e carinhosa, as constantes manifestações de confiança e de
valorização que produziram em mim a segurança necessária para realização do
percurso.
À Maria Julia Azevedo Gouveia (Maju), que num encontro potente, afetivo e motivador
colocou à minha disposição suas elaborações e convicções sobre o tema, de modo
que eu pudesse dar continuidade à nossa construção conjunta, respeitando nossos
achados e escolhas.
À Stela Ferreira, por sua parceria dedicada e motivadora em todas as fases desse
projeto, colocando à disposição seus saberes e suas convicções éticas e políticas
sobre o lugar e o papel da política de Assistência Social na atenção aos cidadãos. Mas
também, por sua presença afetiva que me transmite certeza de companhia e
segurança de proteção em todos os momentos e em quaisquer circunstâncias.
À She Nilson, Sheila Marcolino, Kelly Mellati e Stefânia Heren, pela disponibilidade
para construção conjunta, por visualizar elementos a serem explorados no material
bruto e pelo compromisso de corresponsabilidade expresso na disponibilidade
constante para leitura e revisão do texto em toda a sua construção.
Às amigas Marô Gomes, Neiri Chiachio, Vânia Nery e Silvia Britto, pelas muitas
reflexões sobre o cotidiano profissional na Assistência Social, desenvolvidas por meio
de presença “saltitante”, afetiva e festiva.
À Rose Ferreira, parceira amiga com quem tenho partilhado projetos profissionais e
pessoais, pela construção conjunta sempre respeitosa e pela certeza de afeto.
Aos meus pais, irmãos, sobrinhos, amigas irmãs (Neide Russo, Rosimeire Morgado e
Tânia Barros), pela rede de proteção e pelas muitas e constantes manifestações de
afeto e admiração que me tornam autoconfiante e me transmitem a certeza de que sou
estimada e reconhecida.
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RESUMO
ABSTRACT
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
4 CONCLUSÕES 223
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
1
SANDEL (2012, p.10), aponta que atualmente são poucas coisas que o dinheiro não compra, pois há
preço fixado para situações as mais distintas, tais como: upgrade em cela carcerária, acesso às pistas de
transporte solidário para fugir do rush, barriga de aluguel indiana, direito de ser imigrante nos Estados
Unidos, direitos de abater um rinoceronte negro ameaçado de extinção, celular exclusivo para acesso ao
médico em qualquer momento, direito de lançar uma tonelada métrica de gás carbônico na atmosfera,
matrícula do filho numa universidade de prestígio, dentre outras. Assim, observa-se que a lógica de
compra e venda não está restrita apenas a bens materiais. In: SANDEL, M. O que o dinheiro não
compra: os limites morais do mercado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
2
Em notícia divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo em fev/2012, o Brasil é o 4º país do mundo com
maior presença de redes sociais. Cerca de 97% dos internautas brasileiros frequentam redes sociais. No
mundo, a comunicação virtual alcança cerca de 1 bilhão de pessoas, segundo os dados dessa mesma
pesquisa. In: Brasil é o 4º país do mundo em usuários de redes sociais. Disponível em
http://www.agenciars.com.br/blog/brasil-e-o-4-pais-em-numero-de-usuarios-nas-redes-sociais/. Acesso
em: 05 nov.2012.
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3
Falecido em março desse ano, o sociólogo francês Robert Castel era diretor da Escola de altos Estudos
de Ciências Sociais (EHESS), desde 1990. Durante sua trajetória acadêmica, dirigiu o Centro de Estudos
dos Movimentos Sociais (EHESS-CNRS). Nos anos 1970, começou sua carreira com estudos sobre a
psiquiatria e a doença mental, na linha de Michel Foucault e Franco Basaglia. Mas foi sua análise da
formação do mundo de trabalho assalariado, as transformações trabalhistas e as políticas sociais o que
lhe rendeu amplo reconhecimento. Estudou as consequências do trabalho assalariado sobre as relações
sociais e o indivíduo contemporâneo devido ao surgimento de um mundo de precariedade, flexibilização e
desemprego. Utilizou o conceito de “desfiliação” — exclusão do mundo do trabalho e isolamento social—
para designar os novos excluídos do contrato social. In:
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=208320&id_secao=10. Acesso em: 10 jun. 2013.
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4
(...) A mobilização do indivíduo é um empreendimento muito custoso e muito aleatório quando não está
apoiado por suportes coletivos. (...) a obrigação de conduzir-se como um indivíduo, de manejar ele
mesmo sua vida em um mundo desestabilizado, se volta então contra ele e o invalida socialmente. (...)
Pedir, por exemplo, a alguém que não tem trabalho e se encontra em uma situação familiar e social muito
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difícil que reconstrua um projeto de existência, não é exigir demais dele? Observar que, se recorrem ao
serviço, é porque não têm por si mesmo os recursos suficientes para sair de sua situação não é
precisamente demonstrar desprezo para a maioria dos usuários dos serviços sociais. (Tradução livre).
5
A bela consigna de ter que comportar-se como um indivíduo responsável corre então o risco de
converter-se ao contrário, para fazer responsáveis – porém com o objetivo de condená-los e culpabilizá-
los – a todos aqueles que estão abaixo dessa exigência simplesmente porque são incapazes de assumí-
la, sem que por isso mereçam o desprezo com quem tem sido tratados. (Tradução livre).
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6
Analisando essa questão NOGUEIRA (2004) identifica uma campanha contra o Estado, pela qual há um
entendimento de que tudo aquilo que é público é ruim ou de má qualidade se comparado ao que é
vendido em uma empresa particular. De certo que há motivos para a avaliação negativa da atenção
pública em muitas localidades e no Brasil em especial, mas não é somente em relação à vivência
concreta de atendimento inadequado a que o autor está se referindo, mas sim e principalmente a uma
campanha deliberada de desqualificação. Registra ainda que o efeito é de desinteresse pelo Estado e de
procura do mercado. Quando o cidadão sofre uma decepção ou tem um desgaste, ao não ser
adequadamente atendido, não há uma insistência ou manifestação exigindo a atenção, mas sim um
abandono, uma desistência. O cidadão desiludido não tem força para buscar essa atenção, ele
“simplesmente” deseja ter recursos e busca reuni-los para adquirir atenção no mercado. É o ideário de
uma classe consumidora que vai se forjando pelo econômico destituindo o social do âmbito de relações
não mercantis.
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José PAIS esclarece que o conceito de “desatenção cívica” foi desenvolvido por Erving Goffman, em
1961, na obra Encounters.Two Studies in the Sociology of Interaction. NY: MacMillan.
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Nesse caso priorizei o Caderno de Orientações do PAIF (MDS, 2012) e o documento de concepção e
traçado metodológico do Serviço Projovem Adolescente (MDS, 2008). As razões dessa escolha vinculam-
se ao fato de que a construção das orientações do trabalho com adolescentes e jovens para o
PROJOVEM tem inspirado outras publicações posteriores, inclusive para faixas etárias distintas. Já o
Serviço PAIF configura-se como o principal serviço de atenção à família ao qual pela proposição de
organização do SUAS, todos os serviços de convivência deveriam estar vinculados. Logo, sua dimensão
estratégica no sistema é evidente.
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O BRA/04/046 é um instrumento de cooperação entre o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento – PNUD e o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS que está
em vigor desde 01/10/2004 e tem como objetivo contribuir para o fortalecimento institucional da Secretaria
de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI) do MDS com vistas ao alcance da efetividade dos
programas e políticas sociais, promovendo uma melhor aplicação dos recursos públicos. Nesse sentido,
tem a finalidade de fortalecer a SAGI, dotando-a das condições necessárias para: desenvolver processos
de avaliação e monitoramento, instituir sistemas de informação, capacitar agentes em políticas públicas,
instituir mecanismos de acesso público às informações referentes às políticas e programas sociais.
Disponível em: http://www.pnud.org.br/Projetos.aspx?BRANUM=BRA04046. Acesso em: 23 jul.2012.
10
A consultoria foi desenvolvida em parceria com a Psicóloga Maria Júlia Azevedo Gouveia, que
responsabilizou-se pela sistematização final dos subsídios coletados da qual resultou o documento
técnico que apresenta a concepção de convivência e fortalecimento de vínculo para a proteção social
básica de assistência social.
11
Para Antonio Carlo Gil, a entrevista por pauta “apresenta certo grau de estruturação, já que se guia por
uma relação de pontos de interesse que o entrevistador vai explorando ao longo de seu curso. (...) O
entrevistador faz poucas perguntas diretas e deixa o entrevistado falar livremente à medida que refere às
pautas assinaladas”. (Gil, 1999, p.120).
12
O roteiro foi construído em diálogo com Maria Júlia Azevedo e Adriana Pereira – Diretora Técnica do
MDS, de modo a levantar elementos necessários para a construção da concepção de convivência social
no âmbito da política de assistência social.
13
Essa definição foi feita entre consultoras e equipe do MDS, sendo que as entrevistas à Aldaíza Sposati,
Ana Lígia Gomes e Denise Colin foram realizadas em parceria com Maria Julia Azevedo Gouveia.
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14
Aldaíza Sposati : Doutora em Serviço Social pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (1986). Pós-doutora pela
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Professora titular
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo onde é responsável
pela disciplina Assistência Social: Política e Gestão I e II, do Programa
de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social onde Coordena o
NEPSAS – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Seguridade e
Assistência Social e do CEDEST – Centro de Estudos das
14
A despeito da Profa. Dra. Aldaíza Sposati ser a orientadora desta pesquisa, e portanto, corresponsável
por essa produção, optou-se por entrevistá-la para registrar sua contribuição para o tema que decorre de
sua trajetória profissional como gestora e pesquisadora.
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Nesse caso, embora a atuação dessas profissionais tenha sido prevalecente na cidade de São Paulo,
não se esgota nessa localidade e tampouco limita-se à assistência social, tendo atuado várias delas na
política de educação também.
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16
Por observação simples entende-se aquela em que o pesquisador, permanecendo alheio à comunidade,
grupo ou situação que pretende estudar, observa de maneira espontânea os fatos que aí ocorrem. Neste
procedimento, o pesquisador é muito mais um espectador do que um ator. (Gil, 1999, p.111).
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17
As três cidades têm porte distinto e estão localizadas em diferentes regiões administrativas do Estado.
Santos localiza-se no litoral Sul paulista e é sede de região; Franca está na região centro-oeste do Estado
e Salto compõe a região metropolitana de Campinas, distante pouco mais de 100 km da Capital paulista.
18
A moderação desses grupos foi desenvolvida em parceria com Stela Ferreira e Sheila Marcolino.
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19
As principais referências utilizadas nesse capítulo provêm da produção de Jessé de Souza, Lucio
Kowarik e Vera Telles.
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O filósofo e sociólogo alemão Axel Honneth é considerado o principal representante contemporâneo da
tradição da teoria crítica da “Escola de Frankfurt”, sendo o atual diretor do Instituto para Pesquisas Sociais
de Frankfurt, ligado à Universidade, cuja tradição em síntese vincula-se ao desafio de assumir a tarefa de
mais do que descrever a realidade, compreender o seu funcionamento à luz de uma perspectiva de
emancipação apostando que essa emancipação é possível embora bloqueada pela própria organização
social vigente. Desse posicionamento decorre não só uma orientação para os estudos e debates, mas
também um comportamento em relação ao conhecimento produzido. Ex-assistente de Jürgen Habermas
com quem trabalhou até 1990, Axel Honneth aponta em sua tese de livre-docência que se tornou o livro
Luta por reconhecimento, por mim utilizado nesse estudo, que a teoria dos seus antecessores tinha
impasses, que denominou déficit sociológico. O principal impasse apontado é que esses teóricos não
analisaram as atividades cotidianas, tarefa a que se propõe de modo a inovar o debate sobre a
construção social da identidade pessoal e coletiva, que na sua formulação passa por processos de luta
por reconhecimento. É a contundência de sua obra que o torna reconhecido hoje como o maior
representante da terceira geração de Frankfurt. (NOBRE, 2011).
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21
O sociólogo francês Serge Paugam é o atual Diretor de Pesquisa da Escola de Autos Estudos em
Ciências Sociais da França e diretor de pesquisa no CNRS. Dirige a equipe de pesquisadores sobre as
desigualdades sociais do Centro Maurice Halbawachs, a coleção Le lien social, da PUF e também a
revista Sociologie. Sua tese de doutorado, defendida em 1988, tratou dos processos de desqualificação
social. Seu programa de pesquisa se inscreve nas análises comparativas, qualitativa e quantitativa, das
formas elementares da pobreza nas sociedades modernas, notadamente na Europa e na América Latina.
Tem desenvolvido a análise da reprodução e da renovação das desigualdades, como também vem
estudando os fundamentos dos vínculos sociais a partir dos quais é possível definir e conceituar
diferentes tipos de rupturas sociais. Disponível em http://www.serge-paugam.fr/. Acesso em: 10 jun. 2013.
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das relações por ele estabelecidas; a outra, o “contar para”, que expressa a
expectativa e o reconhecimento ao materializar o que as pessoas esperam
daquele indivíduo.
Para contribuir com a identificação dos tipos de relação que
produzem reconhecimento, recupero alguns argumentos utilizados em cada um
desses padrões para explicitar melhor a tese de Axel Honneth. Com isso a
intenção é demonstrar como essas distintas teorias se complementam e se
reforçam na ideia de que a dimensão relacional é fundamental para
compreensão da sociedade e das possibilidades de atuação sobre ela,
buscando mudar sua forma de organização ou desorganização. Para Bernardo
Toro trata-se de ordens/desordens criadas pelas pessoas e só modificáveis por
elas.
Cabe ressaltar que a teoria do vínculo desenvolvida por Serge
Paugam dialoga com a formulação de Honneth, conforme ele mesmo aponta,
no que tange ao conceito de reconhecimento, mas estabelece outra dimensão
para os vínculos, que é a proteção. Dessa forma, as relações produzem ao
mesmo tempo reconhecimento, expresso na consigna “contar para”, e
proteção, que se manifesta na lógica de “contar com”. Portanto os vínculos
respondem a todas as demandas dos indivíduos para sua existência. Nas
palavras do autor:
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A proteção remonta ao conjunto de suportes que o indivíduo pode mobilizar face aos riscos da vida (
recursos familiares, comunitários, profissionais, sociais...), o reconhecimento refere-se à interação social
que estimula o indivíduo fornecendo a prova de que sua existência tem valor para o olhar de outro ou de
outros. A expressão “ contar com” resume bem o que o indivíduo pode esperar de sua relação com outros
e com instituições em termos de proteção, enquanto a expressão “contar para” exprime a expectativa,
igualmente vital, de reconhecimento. (tradução livre)
44
Les sociologues savent que la vie em societe place tout être humain
dès as naissance dans une relation d’interdépendance avec les
autres et que la solidarité constitue à tous les stades de la
socialisation le socle de ce que l’on pourrait appeler l’homo
sociologicus, l’homme lié aux autres et à la société, no seulement
pour assurer as protection face aux aléas de l avie, mais aussi pour
45
Assim, cada pessoa singular está realmente presa; está presa por
viver em permanente dependência funcional de outras; ela é um elo
nas cadeias que ligam outras pessoas, assim como todas as demais,
direta ou indiretamente, são elos nas cadeias que a prendem. Essas
cadeias não são visíveis e tangíveis, porém não menos reais, e
decerto não menos fortes. E é essa rede de funções que as pessoas
desempenham umas em relação a outras, a ela e nada mais, que
chamamos “sociedade”. (ELIAS, 1994, p.23)
Trago essa análise porque entendo que ela tem uma direção
importante para pensar a convivência social e alguns de seus elementos, pois
23
Os sociólogos sabem que a vida em sociedade coloca todo ser humano desde o nascimento numa
relação de interdependência com os outros e que a solidariedade constitui a todos os estados de
socialização a base do que se poderia denominar homo sociologicus, o homem ligado aos outros e à
sociedade, não somente para assegurar sua proteção face aos males da vida, mas também para
satisfazer suas necessidades vitais de reconhecimento, fonte de sua identidade e de sua existência
enquanto homem. (Tradução livre)
24
O sociólogo alemão de origem judaica Norbert Elias (1897-1990), notabilizou-se pela preocupação em
retratar a relação dos indivíduos com a sociedade. Para Renato J. Ribeiro o que diferencia esse autor é
sua preocupação com as formas de sentir e de imaginar como tema de estudo. Seus estudos são sobre o
pormenor, a minúcia, para a partir dessas manifestações enxergar a ação e a força que vai constituindo a
sociedade, a cultura, os costumes. Para Renato J. Ribeiro, sua obra revoluciona a psicologia, a sociologia
e a história, pois põe em xeque varias verdades aceitas. Na obra a sociedade dos indivíduos, utilizada
nesse estudo e citada por vários autores renomados como CASTELL, PAUGAM e PAIS, dentre outros,
reconhece-se uma mudança significativa na maneira como a sociedade é compreendida eliminando a
oposição entre sociedade x indivíduo. (RIBEIRO, R.J, 2011).
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Toda ordem social é criada por nós. O agir ou não agir de cada um
contribui para a formação e consolidação da ordem em que vivemos.
Em outras palavras, o caos que estamos atravessando na atualidade
não surgiu espontaneamente. Esta desordem que tanto criticamos
também foi criada por nós. Portanto e antes de converter a discussão
em um juízo de culpabilidades- se fomos capazes de criar o caos,
também podemos sair dele. Bernardo Toro
25
Para Paugam e Honneth, as relações humanas estabelecidas no início da vida são fundamentais para
o desenvolvimento de seus estudos. Destacarei essa particularidade mais adiante. Quero somente
mencionar que para Paugam estamos aqui nos referindo a vínculos de filiação, e para Honneth trata-se
48
(...) cada um dos interlocutores formam ideias que não existiam antes ou leva
adiante ideias que já estavam presentes. Mas a direção e a ordem seguidas
por essa formação e transformação das ideias não são explicáveis unicamente
pela estrutura de um ou outro parceiro, e sim pela relação entre os dois. E é
justamente esse fato de as pessoas mudarem em relação umas às outras e
através de sua relação mútua, de se estarem continuamente moldando e
remoldando em relação umas às outras, que caracteriza o fenômeno reticular
em geral. (ELIAS, 1997, p.29)
de um dos padrões de reconhecimento que ele denomina como o amor, que é responsável pela produção
de autoconfiança nos sujeitos que vivenciam essa experiência amorosa de reconhecimento recíproco,
especialmente, entre mãe e filho.
49
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Para Axel Honneth, só o gesto vocal é capaz de promover uma interação imediata entre os sujeitos
como também produz mudanças no próprio sujeito falante, visto que esse ao ouvir sua própria
expressão/manifestação coloca-se para si, como um estímulo externo. Nesse sentido, é importante
destacar que somente o animal humano pode estimular-se a si mesmo do mesmo modo que aos outros e
reagir aos seus estímulos da mesma maneira que aos estímulos dos outros.
51
27
Até mesmo a solidão é fruto dessas relações e quando sozinho, reproduzo gestos comportamentos
aprendidos na relação com outros. Afirma: “ninguém se sente em solidão se não sente a necessidade da
presença de alguém”. (PAIS, 2006, p.19)
52
28
Em cada sociedade, os quatro tipos de vínculos constituem a trama social que pré-existe aos indivíduos
e a partir dos quais eles são convocados a tecer seus pertencimentos ao corpo social para o processo de
socialização. Se a intensidade desses vínculos sociais varia de um individuo para outro em função das
condições particulares de socialização, eles dependem também da importância relativa que as
sociedades lhes concedem. O papel que desempenha, por exemplo, a solidariedade familiar e as
expectativas coletivas a seu respeito são variadas de uma sociedade para outra. As formas de
sociabilidade que decorrem do vínculo de participação eletiva ou do vínculo de participação orgânica
dependem, em grande parte, dos gêneros de vida e são múltiplas. A importância atribuída ao princípio de
cidadania como fundamento da proteção e de reconhecimento não é o mesmo em todos os países.
59
29
Gastão Wagner, ao abordar a autonomia afirma que a dependência nessa fase da vida é biológica e
psicológica: “Pensem, se alguém consegue trocar parte de nossa dor e de nossa fome por alívio e prazer
é, então, compreensível que rapidamente sejamos tomados de amor por essa pessoa”. (2006: 671).
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É bom estar aqui, porque quando a gente tá em casa, mesmo que ele
esteja perto, sempre estamos fazendo outra coisa, nunca temos um
momento de atenção só para o filho como temos aqui. (Usuária –
CRAS Alterosa- Betim)
Meus filhos gostam muito quando eu brinco com eles, mas em casa
não é possível fazer o que fazemos aqui, porque temos muito
trabalho nos outros dias em que não estamos trabalhando fora, então
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30
Ao discutir as formações de redes de indivíduos, MARQUES (2010), baseado nos estudos de Simmel,
aponta que há maior pertinência nesse tipo de análise para a vida nas metrópoles modernas, onde há
liberdade de circulação e escolha social, diferentemente dos padrões característicos do mundo rural e das
cidades pequenas. (MARQUES, 2010, p.45).
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31
Lembremo-nos das afirmativas de ELIAS quanto ao amálgama entre indivíduo e sociedade, de modo a
se constituir uma condição em que não se distingue o inicio.
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32
PAUGAM refere-se a pertencimento a grupos e bandos também como vínculos eletivos, mas tratarei
dessa modalidade mais adiante ao discutir a estima social e a solidariedade como modalidades de
reconhecimento, aproximando assim a elaboração dos dois autores principais desse capítulo.
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33
A amizade implica em poder se confiar a outro e aceitar as confidências de outro. Como na relação de
casais, ela responde ao sentimento de poder contar com o outro para além de seus próprios limites.
Convém destacar que a amizade constitui em algumas pessoas um vinculo mais forte que o vínculo de
filiação. (Tradução livre)
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34
Para MARQUES (2010) as políticas sociais (...) podem produzir efeitos ao incentivar os indivíduos a
interagir e a construir laços, expandindo suas redes. (...) De forma geral, os elementos que devem ser
incentivados estão associados a sociabilidade menos homofílicas e locais, que possam gerar contatos
com indivíduos diferentes do ego (em várias dimensões). [Os resultados de pesquisas] destacam as
vantagens de contextos sociais em que os contatos entre os indivíduos são frequentes e nos quais grupos
sociais diversos convivem cotidianamente. Em termos amplos, isso indica uma direção oposta à dos
contextos sociais e urbanos isolacionistas e segregadores que produzem o empobrecimento dos espaços
públicos. (p.192). Trata-se de um aspecto tangencial a essa discussão, posto que não é foco desse
trabalho, mas que cabe aqui destacar visto a relevância da intervenção estatal nesse campo que diz
respeito às intervenções urbanísticas. Pois por vezes é a vivência em territórios isolados ou de baixa
acessibilidade que reduz a diversificação de relações entre as pessoas, ou mesmo impede a manutenção
de vínculos pelo custo monetário que representa o deslocamento na cidade. Em seus estudos sobre
vínculos, PAUGAM aponta, especialmente para a França. Como essa intervenção estatal é relevante,
advoga a implantação de políticas de miscigenação social na gestão do espaço urbano, de modo que
favoreça a aproximação de diferentes categorias sociais no mesmo lugar. Afirma que isso não garante
uma convivência social positivada, mas é uma estratégia desejável para limitar o risco de segregação
espacial, promovendo a mobilidade urbana e o acesso a equipamentos e serviços centrais.
68
35
Estes vínculos são interligados e cada um deles contribui para a tecelagem que envolve os membros
de uma sociedade. Reforçar ou renovar o vínculo social é, então, reforçar cada tipo de laço social de
modo a que cada um dentre eles se entrecruze realmente com os outros e permita assim a integração
solidária de todos os membros da sociedade. (tradução livre)
69
36
Esse autor também identifica uma luta por direitos e aponta que há na contemporaneidade alguns
“novos direitos” impensáveis antes da evolução tecnológica ou mesmo antes do desenvolvimento
econômico, como é o caso de questões relacionadas ao meio-ambiente, à sexualidade e à bioética.
Afirma ainda que essa luta por direitos tem uma dimensão de certo modo inesgotável e ineliminável: “Em
boa medida, a questão dos direitos espelha o mundo em que vivemos, com suas injustiças, suas
desigualdades, seus dilemas e suas contradições”. (NOGUEIRA, 2005, p.17)
70
37
Para SAVEDRA e SOBOTKA (2008), ao fazerem uma introdução da teoria de Axel Honneth afirmam
que “[Ele] procura mostrar que, junto com o surgimento de uma moral oude uma sociedade pós-
tradicional, houve também uma separação da função do direito e daquela do juízo de valor
(Wertschätzung). Na teoria de Ihreringe na tradição kantiana de diferenciação de duas formas de
Respeito (Achtung), principalmente com base na pesquisa de Darwall, ele encontra elementos para
determinar a diferença entre direito e juízo de valor. Para o direito, a pergunta central é: como a
propriedade constitutiva das pessoas de direito deve ser definida; no caso do juízo de valor: como se
pode desenvolver um sistema de valor que está em condições de medir o valor das propriedades
características de cada pessoa”.
72
38
Para Bobbio (1986), participação está diretamente vinculada à tomada de decisão, situação em que os
atores contribuem direta ou indiretamente para uma decisão. Descarta, portanto, práticas que nomeadas
como de participação relegam atores a uma participação marginal, na qual o indivíduo é espectador das
decisões, mas sem contribuir pessoalmente no seu encaminhamento, e a ativação que caracteriza como
uma participação eventual em que o sujeito exerce funções que lhe foram confiadas por delegação, de
que é incumbido de vez em quando ou que ele mesmo pode promover.
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pode afirmar que o indivíduo está protegido por vínculos de cidadania. Pode-se
dizer que a vivência da cidadania está diretamente vinculada às oportunidades
de participar autonomamente das decisões que lhe diz respeito.
Inserir a participação como um elemento no debate sobre
fortalecimento de vínculos associa-se à ideia de ampliação de
relações na perspectiva da vivência da cidadania, pressupõe
compreender que a participação exige que condições sejam criadas
para favorecê-la e essas condições têm relação com acesso à
informação e com formação para participar. Para Muñoz (2004, p.57)
participação não se improvisa e não se aprende de imediato, requer
reconhecer que não se está no lugar do outro, mas que é possível
fazer perguntas inteligentes e respeitosas que permitam que o outro
expresse suas características, o que e como pensa, o que e como
sente e deseja. Para esse autor participação é sinônimo de
compartilhamento de poder às pessoas e só aquele(a) que participa
pode ser e sentir-se cidadão (ã), sentir a cidade como sua, sentir-se
orgulhoso/a de viver em “sua” cidade. (TORRES e GOUVEIA, 2012,
p.19)
39
Experiência disponível In: MDS/ Projovem Adolescente. Caderno do Orientador Social: Ciclo II:
Percurso Socioeducativo V: coletivo articulador-realizador. Brasília, MDS, 2009.
40
Idem, 2009.
75
41
Uma formulação que se aproxima dessa discussão apontada por Aldaíza Sposati é a trazida no
Caderno de Concepções do Projovem Adolescente (MDS, 2009) que entende participação como um
qualificativo da convivência e tem uma visão ampliada para além da participação no serviço, pressupondo
participação nas decisões que lhe diz respeito.
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42
Honneth procura mostrar que uma experiência social de desrespeito atua como uma forma de freio
social que pode levar à paralisia do indivíduo ou de um grupo social. Por outro lado, ela mostra o quanto o
ator social é dependente do reconhecimento social. Honneth sustenta que o indivíduo está sempre
vinculado em uma complexa rede de relações intersubjetivas e que, consequentemente, ele é dependente
estruturalmente do reconhecimento dos outros indivíduos. (SAAVEDRA e SABOTTKA, 2008, p.15)
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43
Essa elaboração está presente no Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária (CNAS e
CONANDA, 2006) ao afirmar que a palavra “sujeito” traduz a concepção da criança e do adolescente
como indivíduos autônomos e íntegros, dotados de personalidade e vontade próprias que, na sua relação
com o adulto, não podem ser tratados como seres passivos, subalternos ou meros “objetos”, devendo
participar das decisões que lhes dizem respeito, sendo ouvidos e considerados em conformidade com
suas capacidades e grau de desenvolvimento.
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A gente não trata eles com dó, com pena, você é capaz, é forte, a
gente procura já ver além, ele já fazendo o que a gente quer que ele
faça, e aí ele vai caminhando. (Educadora social – artes- Governo do
Distrito Federal).
Fica claro na fala deles que as crianças não vêm aqui porque elas
gostam de jogar bola né, elas gostam de estar aqui porque elas são
reconhecidas enquanto sujeito, enquanto autores da história de vida
delas, da comunidade né, é subjetivo, ninguém precisa dizer pra elas:
“Você vai mudar sua vida!”, eles não entram na oficina pra ouvir isso,
mas por meio do trabalho eles recebem isso e se entendem dessa
forma. (Coordenadora técnica de unidade – Governo do Distrito
Federal).
44
Essa referência inspira a concepção de trabalho socioeducativo presente no Caderno Projovem:
concepções e fundamentos. (MDS, 2009).
82
uma dimensão essencial na convivência que protege, pois ela não substitui o
outro no rumo da sua vida, não toma para si essas decisões, pois estabelece
uma prática social que cria condições e abre oportunidades para a vivência
dessas escolhas. As experiências observadas no âmbito da pesquisa de
campo foram sinalizando em pequenas e simbólicas atitudes – e em diferentes
“modos” de fazer a prática social nessa política – que essa direção ganha
materialidade no cotidiano. Reconhecer essa construção supera o saber pré-
existente. Não é um saber que eu tenho, mas sobre o qual aprendo no diálogo
com o outro.
Na elaboração de profissionais e usuários, esse elemento
essencialmente ético-político, assim aparece:
Antes nós fazemos uma reflexão, o porquê, porque tudo tem uma
razão. Nós levantamos a situação, problematizamos com eles a partir
dos exemplos que eles têm, pra depois nós construirmos algo da
parte que a gente tem, não é nada assim: vamos fazer. Não! É tudo
comentado, por isso a gente senta, se reúne, planeja, porque na
verdade é mais importante eles falarem do que a gente, a gente
pensa em completar alguma informação que às vezes é
curiosidade, passa despercebido, pra pontuar, mas quando eles
falam é importante mesmo. (Educadora Social – dinamização-
Governo do Distrito Federal).
Quando tem uma atividade que a gente não gosta nós falamos: Ah!
Isso é chato, e aí podemos fazer outra coisa. (Criança de 10 anos,
Usuária do COSE – Governo do Distrito Federal)
45
Para VENTURA (2009, p.161): “São os contextos particulares da vida cotidiana, intersubjetivamente
construídos, que asseguram e encorajam os indivíduos ao autocontato com suas próprias necessidades e
habilidades pessoais, pelo qual exteriorizam conflitos e articulam e expressam suas necessidades na vida
cotidiana e no espaço público”. E é por meio dessas relações cotidianas e de suas formas de expressão
que os indivíduos se sentem encorajados para exigir e lutar por condições mais adequadas de vida, de
respeito e de valorização pelos outros.
83
A gente vive em uma sociedade que já tem tudo tão padronizado que
eu vejo oportunidade de discutir e enfrentar isso na minha oficina.
Quando fazemos algo e uma criança diz: “Ah, não quero, ficou feio.”
[Eu respondo] “Feio? Quem é que falou? O que é o feio? Você fez, é
impossível estar feio.” Se ele diz: “Vou jogar fora.”, eu digo: “Você não
vai jogar fora”, aí eu faço drama, faço palhaçada, eu vou morrer, eu
vou me jogar junto, e de repente ele já tá mostrando pros outros e
dizendo “Olha, fui eu que fiz.”, porque a gente vive em uma sociedade
crítica, a criança acaba reproduzindo muito isso, eles são alvo disso,
do que é feio, do que é belo, do que é certo, o que é errado...
(Educadora de artes plásticas, Distrito federal)
46
Para BAUMAN (2010, p.44), embora seja verdade que os grupos treinem e controlem as condutas de
seus membros, disso não decorre necessariamente que eles tornem essas condutas mais humanas e
morais. Isso significa apenas que, como resultado dessa vigilância e dessa atitude correcional, a conduta
se adapta melhor aos parâmetros considerados aceitáveis em um dado tipo de grupo social.
92
Eu fico pensando como a gente tem que ficar definindo tudo, como se
a gente manipulasse as pessoas assim. Sabe, eu quero que chegue
aqui, vamos trabalhar para que chegue aqui, e não deixa a coisa
47
Vide produção de Gastão Wagner, Emerson Merhy, Rosana Onoko, dentre outros.
93
(...) Entendo que há outros grupos possíveis que não o etário, como é
o caso, de grupos de homens ou de mulheres, dos quais a política
não tem se ocupado e tem pouca clareza do que fazer, embora essas
pessoas tenham um papel fundamental nas relações e laços
familiares, por exemplo, na dinâmica e sustentação da família. Assim,
definir, antecipadamente, grupos etários termina engessando e induz
que o serviço seja provido sem dizer necessariamente para que.
Enfim, entendo que não há necessidade de definição antecipada de
que os grupos devem ser organizados dessa ou daquela maneira.
(Carla Bronzo)
relato profissional atesta que essa estratégia produz uma boa dinâmica de
trabalho e se revela em momento prazeroso para quem os vivencia.
Misturamos todo mundo... não pode ter gueto. Temos meninos que
passaram no vestibular e estão estudando junto com meninos que
cumprem medida socioeducativa e estão com dificuldades de
frequência escolar. Não isolamos os idosos entre eles. Os
adolescentes, por exemplo, gostam de conviver com os idosos, às
vezes têm problema em casa com a mãe ou com a avó, mas com
outros idosos não têm dificuldade. Os idosos se divertem com as
“doidices” e brincadeiras deles. Mas isso é a presença dos
profissionais é a referência que eles criam que favorece essa relação.
O grupo tem força e eles torcem uns pelos outros. É fundamental o
vínculo e a mobilização dos afetos,eles estão ali porque querem,
porque gostam do lugar e das pessoas e é isso que permite que o
trabalho seja planejado e desenvolvido. (Ana Lígia Gomes,
Subsecretária de Assistência Social, GDF).
48
A existência humana só faz sentido, só vale a pena ser vivida, se cada um é reconhecido não somente
como membro de um grupo, como participante de uma identidade coletiva, mas também na sua
identidade particular, como membro de seu grupo, e na sua identidade singular, como sujeito. Identidade
distinta de todas as outras e cuja, particularidade, está em oposição com os outros sujeitos porque esta
identidade singular deve ser conquistada e afirmada. Nós não só acessamos a autoestima a partir do
reconhecimento que os outros estão dispostos a nos oferecer, mas também em conflito potencial com
eles, pois eles podem temer que o valor que nos reconhecem somente é possível em decorrência da
subtração do seu. Como os jogadores, nós nos reconhecemos a nós mesmos, nós nos valorizamos e
atribuímos sentido à nossa existência com nossos parceiros e rivais, amigos e inimigos. Com eles, graças
a eles, mas, ao mesmo tempo, contra eles. Contra/com. Drama e charme da pobreza e da riqueza da vida
dos homens! Nós somente sabemos ser diferentes, e nos reconhecemos como tais, na diferença.
(tradução livre)
96
49
KOWARICK (2009) ao citar CALDEIRA (2000, p.94), lembra que a morte de 111 presos no Carandiru
teve anuência do Governo do Estado e que “esse acontecimento assume sua plena significação quando
se sabe que 33%, segundo a Folha de S.Paulo, e 44%, segundo pesquisa realizada pelo jornal O Estado
de S.Paulo, dos habitantes da cidade apoiaram o massacre, cujas fotos foram estampadas na imprensa
escrita e televisionada”.
50
Escrita nos anos 1990 a música “O Haiti é aqui. O Haiti não é aqui” é de autoria de Caetano Veloso e
Gilberto Gil. Nesse período desenvolveram-se no país campanhas humanitárias para apoiar o Haiti, que
havia sofrido com um tremor de terra, fato desencadeador da composição. In: Tropicália 2, 1993.
98
51
Graduado em Direito e mestre em sociologia pela Universidade de Brasília, doutor em Sociologia pela
Karl Ruprecht Universität Heidelberg, Alemanha (1991) e livre docência em sociologia pela Universität
Flensburg, Alemanha (2006). Escreveu como autor e organizador 23 livros, em diversas línguas, sobre
teoria social, pensamento social brasileiro e estudos teórico/empíricos sobre desigualdade e classes
sociais no Brasil contemporâneo. Atualmente é Professor titular de sociologia da UFJF e coordenador
geral do CEPEDES/UFJF (Centro de pesquisa sobre desigualdade social). Neste instituto coordena duas
pesquisas: 1)uma pesquisa nacional sobre a "sociodicéia do privilégio" cuja finalidade é analisar a
especifiicidade das classes dominantes e da dominação social no Brasil. 2) Outra pesquisa, esta
internacional, em conjunto com colegas alemães e indianos, acerca das formas de classificação e
legitimação social prevalecentes no Brasil, na Alemanha e na Índia. Disponível em:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4781769T1. Acesso em:
10 jun. 2013.
52
Lucio Kowarick possui graduação em Ciências Políticas e Sociais pelo Fundação Escola de Sociologia
e Política de São Paulo(1961), mestrado em Ciências Sociais pela Diplôme D'études Approfondies En
Sciences Sociales(1967) e doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo(1973). Atualmente é
professor titular da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase
em Estado e Governo. Atuando principalmente nos seguintes temas: Dependência, Marginalidade,
Urbanização. Disponível em:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4727402Z5. Acesso em
10 jun.2013.
99
53
Um privilégio é sempre particular e específico, não pode generalizar-se num interesse comum nem
universalizar-se num direito sem deixar de ser privilégio. A democracia funda-se na criação,
reconhecimento, garantia e consolidação de direitos. O autoritarismo social e a divisão econômica sob a
forma da carência e do privilégio bloqueiam a emergência de uma sociedade democrática”. (Chauí, 1994,
p.28)
101
54
Para SOUZA (2013) A classe social implica uma forma específica de perceber e atuar no mundo em
todas as dimensões, ou seja, o pertencimento de classe constrói uma "condução da vida” muito singular,
e isso não pode jamais ser inferido a partir do nível de renda. É claro que indivíduos que estejam em
uma mesma "situação de classe” vão tender – longe de ser verdade em todos os casos – a ter um padrão
de renda semelhante. É isso que vai explicar o fato de que as "fantasias sociais”, como a associação de
classe, a renda, antes de serem "mentiras”, sejam "meias-verdades” Afinal, alguma espécie de
ancoragem no mundo real elas têm que ter para nos convencer (...). E como o "mistério” da produção e
reprodução das classes sociais (ou seja, a produção e reprodução de indivíduos desigualmente
aparelhados para a competição social) é o segredo mais bem guardado de toda sociedade moderna cuja
legitimação fundamental é precisamente a "igualdade de oportunidades”, ou seja, a "igualdade” básica
entre todos, isso explica por que essas "meias-verdades” são repetidas tão exaustivamente por tudo e
todos que possuem interesse na reprodução do mundo tão injusto como ele é. Sem elas não poderíamos,
por exemplo, pensar em "mérito individual” quando nos comparamos com pessoas que não tiveram as
mesmas oportunidades que tivemos e preservar, ao mesmo tempo, nossa "boa consciência” e nosso
sentimento de "superioridade” em relação a elas. (SOUZA, 2013, p.5 – grifo meu)
102
55
O autor localiza a origem da ralé no “dependente” ou “agregado”, grupo formalmente livre e que na
sociedade escravocrata não tinha nenhuma função econômica importante, visto que a atividade produtiva
principal era sustentada pela mão de obra escrava. Assim, sobreviviam nas franjas do sistema como
“homens a rigor dispensáveis, desvinculados dos processos essenciais à sociedade” e que para
sobreviver não só desenvolvem atividades de natureza esporádica e diversa como também lançavam
mão de práticas violentas para sobreviver no sertão e na cidade, mas essencialmente dependiam de
favores e de concessões dos senhores para desenvolverem essas atividades esporádicas. E é essa
dependência informal e camuflada que configura a dominação. Para Caio Prado Júnior (2000) a escala
social brasileira no período colonial é marcada por dois extremos: os senhores e os escravos, entre essas
duas categorias, localiza várias subcategorias que vão se avolumando: “Entre essas duas categorias
nitidamente definidas e entrosadas na obra da colonização comprime-se o número, que vai avultando
com o tempo, dos desclassificados, dos inúteis e inadaptados; indivíduos de ocupações mais ou menos
incertas e aleatórias ou sem ocupação alguma. (...) Compõe-se sobretudo de pretos e mulatos forros ou
fugidos da escravidão; índios destacados de seu hábitat, (...),; mestiços de todos os matizes e categorias,
que, não sendo escravos e não podendo ser senhores, se veem repelidos de qualquer situação estável,
ou pelo preconceito ou pela falta de posições disponíveis; até brancos, brancos puros, e entre eles até
rebentos de troncos portugueses ilustres, (...) os nossos poor whites, detrito humano segregado pela
colonização escravocrata e rígida que os vitimou”. (p. 288-289). Após a abolição da escravatura os negros
ex-escravos passam também a compor essa categoria de pessoas sem ‘meio conhecido de subsistência’.
(SANTOS, 2003, p.73)
103
56
Na sabedoria popular, por vezes, essa intensidade se manifesta por expressões como: “Doeu mais do
que um tapa na cara”, pois a agressão física vem acompanhada da humilhação, que gera sofrimento
ainda maior.
105
57
Ao discutir as singularidades da constituição das sociedades modernas, SOUZA (2012) recupera o
conceito de “imaginário social” presente em Charles Taylor, pelo qual ele identifica que há uma ordem
moral que estabelece obrigações e direitos que configuram e organizam as relações entre as pessoas.
Essa ordem moral pode até ter sido originada em lideranças políticas ou religiosas, mas, a partir da
influência desses líderes passa a compor o imaginário social de parte da sociedade ou de sua totalidade.
Não se trata de uma teoria, mas o que as pessoas comuns percebem como sendo seu ambiente social e
que se manifesta sob a forma de imagens, estórias, lendas, piadas, anedotas, etc, Essa percepção está
construída e prescinde de fatos para explicá-los, ou seja não se sustenta ou se apoia em fatos, ela
antecede a eles, o que legitima a ordem social. Ao reconhecer a presença do imaginário social e de sua
força para explicar os fatos, a questão é identificar como se dão as mudanças sociais que permitem a
transformação de um imaginário em outro.
Na continuidade de sua análise SOUZA apoiado nos estudos de Max Weber destaca que nas grandes
civilizações orientais e ocidentais, a concepção de mundo estava fortemente e predominantemente
assentada em explicações religiosas, é o caso por exemplo, da influência hindu no oriente e protestante
na Inglaterra e EUA. Esse processo é distinto em sociedades como a brasileira, pois nestas não havia
uma visão de mundo articulada institucional e simbolicamente por meio da religião, constituída
antecipadamente e autônoma em relação a outras estruturas de poder, portanto não foi por meio de uma
pré-concepção religiosa que as diferenças e hierarquias foram explicadas, embora posteriormente
servissem para mantê-las. Assim, destaca essa lógica peculiar para ressaltar que disso decorre que as
práticas institucionais se impõem e se reproduzem sem uma articulação com valores que lhe dão
finalidade e articulam intencionalidades, como exemplo cita: “a legitimação das relações hierárquicas e
desiguais era conseguida a custo da violência física aberta, no pior dos casos, ou da violência psíquica
encoberta da cooptação implícita na relação de dependência pessoal, nos outros casos”. (SOUZA, 2012,
p.95).
108
58
Dialoga especialmente com o antropólogo Roberto da Matta e com o sociólogo Gilberto Freyre.
59
A esse respeito afirma KOWARICK (2009, p.100) (...) estar desempregado, morar em favela ou ser
assassinado pela polícia ou por bandidos é equacionado como uma sina que cai sobre os deserdados da
sorte: trata-se, enfim, de um “coitado”.
109
60
Jessé de Souza com base em Charles Taylor afirma que caracteriza a sociedade moderna duas fontes
morais, a ideia de que elas estão pautadas no princípio de justiça social, pelo qual cada cidadão é tratado
de acordo com seu mérito e a expressividade do indivíduo singular, que se materializa na liberdade
individual de procurar a felicidade. Mas, afirma, “na realidade, a transformação e o amesquinhamento de
escolhas morais – no caso, a da busca da felicidade – em escolhas que se reduzem, todas elas, à
expressão quantitativa em dinheiro, é uma das formas principais de legitimação de todas as sociedades
ocidentais”. (SOUZA, 2011, p.388-391)
110
61
Ao discutir as redes relacionais de indivíduos de diferentes classes sociais, MARQUES (2010, p.188)
aponta que as redes, num movimento circular e cumulativo, reproduzem as desigualdades e variam
substancialmente de uma classe para outra e também dentro de uma mesma classe, assim, indivíduos de
classe média possuem redes mais diversificadas, amplas e menos localizadas, para ele, “essas variações
ajudam a explicar uma parcela importante das condições sociais e da pobreza, visto que o acesso a bens
e serviços é mediado pelas redes, tanto no mercado quanto fora dele”.
62
Ao analisar o trabalho e as formas de sociabilidade dele advindas nas classes subalternas, YAZBECK
afirma que: “Chama a atenção no conjunto dos depoimentos o sofrimento moral advindo da falta de
trabalho, da instabilidade nos empregos, das precárias opções dos desempregados, dos rendimentos
insuficientes, do desamparo dos doentes e deficientes e seus trabalhos desqualificados.(...) O
descompasso entre o que aspiram obter como o trabalho e a realidade de exploração que permeia suas
trajetórias como trabalhadores leva-os a uma relação de sujeição e de antagonismo com a experiência de
trabalho. (YAZBECK,1996, p.98-103). MARQUES (2010) também discute o trabalho e nesse caso o
acesso a ele como decorrente de diferentes condições e oportunidades. Assim, a trajetória escolar e a
vivência da imigração são componentes que interferem na possibilidade de inserção no mercado de
trabalho e na qualidade do trabalho que poderá desenvolver, aponta ainda a relevância da rede de
relações para garantir esse acesso.
111
63
Em outro trabalho sobre a construção social da subcidadania, SOUZA (2012, p.102-104) lembra a
emblemática atitude de Rui Barbosa que para esquecer a violência da escravidão, ordena que todos os
arquivos relativos à ela sejam queimados. Relembra o autor que a “real superação de traumas se resolve
estimulando-se a ‘lembrança’ e não o ‘esquecimento’. O esquecimento da instituição da escravidão no
Brasil e sua especificidade e singularidade em terras tropicais é para esse autor uma lacuna importante
que ajuda a compreender a sociabilidade aqui construída.
112
64
Para SANTOS (2003, p.163) havia uma dupla determinação nessa classificação de serviços de negro,
que na verdade não eram realizados exclusivamente por estes: Cabe ponderar que a desvalorização de
certas ocupações não ocorria apenas por causa do tipo de serviço considerado pesado, grosseiro, sujo e
mal remunerado. Possivelmente havia uma estreita relação entre as pessoas que costumeiramente os
exerciam, geralmente apontadas como brutas, feias, perigosas, ignorantes, possuindo uma maneira de
viver bárbara, expressa por suas vestimentas e comportamentos, assim como pela desqualificação
dessas atividades. Em outras palavras, se as pessoas eram julgadas pelas ocupações que possuíam, o
inverso também ocorria: as ocupações eram qualificadas pelas pessoas que as desempenhavam.
113
ficam sozinhas por longos períodos sem cuidados porque as mães são
negligentes, adolescentes cometem atos infracionais porque a família não lhes
ensinou valores como honestidade e respeito ao próximo, e por aí vão as
explicações às situações de conflito e violação como decorrentes da
incapacidade das famílias e não das condições concretas que possuem.
Portanto, ainda que a educação, seja também valorizada pelas
classes subalternas, sabe-se que esse é um investimento custoso e de longo
prazo para as famílias, que pode ser ameaçado ou suspenso a qualquer tempo
por circunstâncias as mais diversas. Desse modo, há uma dissociação entre o
projeto e as possibilidades reais de concretizá-lo. Os estudos de MARQUES
(2010, p.179) dão conta de que a trajetória educacional interrompida antes do
ensino universitário é uma questão crucial para compreender a trajetória de
socialização e a possibilidade de inserção no trabalho dos pobres. Isto porque
é no ambiente universitário que começa a construção de uma rede profissional.
A duração da vida escolar mais curta e a superposição com eventos da vida
adulta como o casamento e a gravidez são elementos a serem considerados
para analisar as relações e as oportunidades para jovens subalternizados.
Logo, uma condição para melhor compreender a complexidade dessa
subalternização é não separar o indivíduo e a sociedade, ou seja, não se pode
“esquecer” o pertencimento e as especificidades de classe.
65
Jessé de Souza afirma que é a separação entre alma e corpo, a primeira tomada como elemento
superior que deve guiar o corpo - morada de paixões animalescas e insaciáveis -, que justifica interpretar
a ralé brasileira como a classe do corpo por excelência não só porque é por ele que é vista como
instrumento de trabalho, mas também porque estão associadas a ausência de disciplina, autocontrole,
pensamento prospectivo. Assim, quem é só corpo não tem a mesma dimensão de humanidade que os
demais. (SOUZA, 2011, p. 398-399).
116
convívio social, essa dimensão é fundamental, porque é ela que vai definir as
relações e as formas de reconhecimento ou de desrespeito que delas derivam.
66
Se tomarmos por base a reflexão de Dirce Koga, é possível constatar que instalar serviços em
territórios de vulnerabilidade, não significa ter o eixo territorial como orientador da ação.
119
“não chora que ano que vem você está aqui de novo” (15%);
“na hora de fazer não chorou, não chamou a mamãe” (14%);
“se gritar eu paro e não vou te atender” (6%);
“se ficar gritando vai fazer mal pro neném, ele vai nascer surdo” (5%).
Minha filha, já morreu, eu não tenho mais que explicar nada não.
(Resposta de um médico a Aline estagiária de Serviço Social que lhe
solicitava para explicar à família de uma paciente a razão de seu
falecimento). LUNA, 2011, p.319.
traduz em intenso sofrimento para os que fracassam, pois estes sabem que
não serão dignos do reconhecimento e da valorização social destinados aos
que possuem maior escolaridade. Os pesquisadores citados (FREITAS e
LEÃO) entrevistaram esses jovens e descrevem em seus relatos posturas
envergonhadas, olhares baixos, falas intimidadas que traduzem a frustração
que muitas vezes é estendida aos seus familiares.
A reflexão de DUBET (1998) para a realidade francesa cria uma
tipologia que sintetiza a experiência de diferentes alunos com a escola e o
impacto que essa vivência tem em suas trajetórias:
pouca preocupação com os sentimentos produzidos nos sujeitos que vivem tais
humilhações e os impactos em sua identidade e imagem.
Reafirmo que não houve destaque para a política de assistência
social simplesmente porque há maior profusão de pesquisas com usuários no
âmbito da educação e da saúde. Todavia, o diálogo com profissionais e a
associação entre essas práticas e a de outras políticas permite afirmar que
também nesse âmbito são registradas práticas autoritárias e violentas que
reduzem, subordinam e oprimem os cidadãos, o que exige um olhar mais
atento para o cotidiano institucional de modo a não naturalizar e banalizar
essas práticas.
por vezes, em intensidade temporal. O fato é que o lugar no qual se vive é fator
a ser considerado quando se discute a dimensão relacional e as proteções e
desproteções dela decorrentes. Todavia, é fundamental compreender que não
se trata de uma situação estática que possa ser tipificada para cada diferente
território mas de dinâmicas que se constroem e descontroem na trajetória dos
sujeitos nessas localidades. Desse modo, eventos de diferentes intensidades e
gradações como a chegada ou a saída de parentes do bairro67, o rompimento
de relações com um amigo ou parente, a substituição de uma chefia do tráfico,
o envolvimento de um membro da família com práticas ilegais ou até mesmo o
avanço da faixa etária alteram totalmente a rede de relações.
67
No estudo de MARQUES dois processos são especialmente importantes para a constituição das redes.
O primeiro deles é justamente a saída ou entrada de pessoas em função de mudanças geográficas da
residência. Esse fator é especialmente importante nas relações entre os pobres, pois os custos
financeiros e de tempo para deslocamentos tornam oneroso manter vínculos com pessoas distantes,
especialmente se essas mudanças se associam a locais diferenciados estruturalmente em relação ao
bairro de origem, visitar um parente ou amigo que se mudou para um bairro melhor pode também ser
constrangedor. Como consequência desse custo observou que uma parcela significativa das redes de
indivíduos pobres é abandonada periodicamente, ou seja, as relações são mais instáveis, menores e
menos duradouras, o que também interfere na questão da confiança e na possibilidade de contar com
apoio. Outro motivo de alteração da rede pode estar associado a conflitos e brigas ou ainda pela dinâmica
de organizações ou instituições em que se está inserido, por exemplo, mudança de turno na escola ou
alteração de local de trabalho. (MARQUES, 2010, p.175-177)
132
68
Em seu trabalho KOWARICK (2009, p. 290-291) aponta as vantagens e desvantagens de três tipos de
moradia: cortiços, favelas e autoconstrução em loteamentos periféricos, que são “as três principais formas
de alojar a população pobre” e afirma que todas essas são opções espoliativas com muitas
desvantagens, mas as possíveis em virtude da inexistência de políticas públicas habitacionais
universalizadas. (p. 290-291).
69
Para TELLES o território não é um objeto do qual se possa fazer o inventário das características,
variáveis e determinações. “Não se confunde com o perímetro espacial dos locais de moradia, tampouco
se reduz às “comunidades” de referência. É sobretudo um plano de referência que permite colocar a
cidade em perspectiva”. (TELLES, 2006, p.16).
133
70
Em pesquisa realizada pelo NEPSAS-PUCSP em 12 diferentes territórios da cidade de São Paulo sob
coordenação da profa. Aldaíza Sposati, da qual participei, foi possível apurar que de 510 famílias
entrevistadas somente 7% não tinha algum mecanismo de segurança em sua moradia, sendo muros e
portões o tipo de mecanismo mais comumente utilizado e presente em 62,4% das moradias pesquisadas.
(SPOSATI, 2011)
135
71
HOGA et al.apontam por exemplo que há uma forte tendência a responsabilizar a mãe pela gravidez da
adolescente, atribuindo a essas a função de orientar as filhas em suas práticas sexuais. In: HOGA, Luíza,
BORGES, Ana; REBERTE, Luciana. Razões e reflexos da gravidez na adolescência: narrativas dos
membros da família. Revista de Enfermagem da Escola Anna Nery. São Paulo, USP: 2010. Disponível
em: http://www.scielo.br/pdf/ean/v14n1/v14n1a22.pdf.Acesso em: 10 jun.2013.
140
própria Flávia que também afirma com orgulho que sua mãe nunca se
prostituiu.
Outras formas de discriminação se estabelecem no interior do
ambiente familiar, como a diferenciação entre filhos de distintos casamentos,
especialmente se isso representa diferenças étnicas, se o companheiro anterior
esteve envolvido com criminalidade ou tem uma inserção no trabalho mais
precária que o atual.
Cabe aqui um destaque para a discriminação racial que aparece
em alguns estudos, especialmente em casais mistos quando um dos cônjuges
é negro. Os relatos de dores de cabeça decorrentes de tentativas de alisar
cabelos crespos, crianças que tomam “banhos de cândida” para tentar
branqueamento e crianças negras que evitam o sol para ficarem mais claras
aparecem no estudo de ROCHA (2011) sobre o racismo no Brasil. Dessa
análise pareceu-me especialmente importante considerar o que o autor
chamou de “racismo doméstico”, presente na expectativa de que os filhos
nasçam com traços predominantemente brancos ou mesmo na aversão,
comentários e “piadinhas de mau gosto” que os brancos expressam em relação
aos filhos ou companheiros negros, uma questão mais presente na composição
“mulher negra casada com homem branco”. Nos casos pesquisados, observou-
se também outro aspecto relevante. As mulheres casadas com homens
brancos possuíam maior escolaridade e por vezes trabalhos melhor
reconhecidos socialmente, mas ainda assim sofriam discriminação do seu
companheiro.
72
É interessante destacar que, mais de vinte anos da aprovação da Constituição Federal, esse artigo
ainda está em debate para sua revogação, tendo já sido aprovada sua extinção na Câmara Federal
estando ainda em tramitação no Senado, no aguardo de parecer da Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania desde 2010, conforme informa o site oficial do Senado. Acesso em: 09 jul.2013.
147
73
Disponível em: http://www.idisa.org.br/site/documento_8753_0__cns-repudia-pratica-da-internacao-
compulsoria-e-involuntaria.html. Acesso em: 03 fev. 2013.
148
74
Ao analisar a política pública para tratamento de hanseníase COSTA e CAVALIERE (2011, p.2),
apontam que a institucionalização para esses pacientes foi compulsória, mediante constrangimento
violento e não raras vezes com a aprovação da própria população, movida por várias motivações, dentre
as quais o medo do contágio. E afirmam: No sentido de controlar e abolir a “lepra” no país, o isolamento
compulsório representou a principal estratégia, e um conjunto de práticas com esse sentido irá perdurar
entre início e meados do século XX. A partir de 1924, o governo decidiu pela internação compulsória de
portadores de hanseníase: retira-os do convívio público, admitindo que isolar o doente resguardaria a
sociedade sadia. Muitos dos “suspeitos de lepra”, em geral, por denúncia de vizinhos, foram capturados
em seus lares, tiveram suas casas queimadas e sofreram constrangimentos provocados pela internação.
150
75
Já abordei esse conceito de autonomia ao fazer referência à teoria do reconhecimento no capítulo 1.
Reproduzo aqui esses elementos para contextualizar o momento em que esse debate se intensifica.
151
Esta prática foi tão difundida que alguns autores denominam que
existe no Brasil uma cultura de institucionalização, firmada no entendimento de
que as famílias pobres eram incapazes de proteger e educar seus filhos.
Assim, o Estado e predominantemente as organizações sociais, quase sempre
de cunho religioso, assumam essa responsabilidade77.
Cabe aqui um destaque. A institucionalização justifica-se por um
posicionamento de que o Estado tem melhores condições de cuidar e proteger
do que a família e a sociedade e, por sua vez, a entrega de um membro ao
cuidado estatal representava a abnegação do direito de interferir sobre as
formas de tratamento e a renúncia ao contato, ainda que esporádico. Trata-se
de uma destituição do vínculo e do poder da família sobre aqueles membros.
Assim, as formas de organização dessas instituições foram
historicamente marcadas pelo atendimento em grandes grupos, com elevada
disciplina, restrição de contato com o mundo externo, comportamentos
homogeneizados e forte rotina voltada a assegurar condições para o
desenvolvimento dos procedimentos profissionais. Há também relatos de
violência nas instituições provocada por funcionários e entre os próprios
internos.
76
Além do trabalho de Rizzini e Rizzini e sem nenhuma pretensão de aprofundar-se nesse aspecto do
tema, há registros desse processo de institucionalização. In: PRIORE, M. (2007), FREITAS (1997) e
ZOLA (2011), PEREIRA (1998), dentre outros.
77
A internação em unidades educacionais também foi modelo utilizado por famílias abastadas, prática
que só caiu em desuso a partir da segunda metade do século XX. (RIZZINI e RIZZINI, 2004).
153
78
Para ilustrar essa situação, RIZZINI e RIZZINI (2004, p.31) apresentam um levantamento realizado pelo
Juizado de Menores do Distrito Federal em 1939, pelo qual se pode observar que “ 60% dos
requerimentos eram por internações. A grande maioria dos requerentes de internações era de mulheres
sem companheiro (viúvas, solteiras e separadas, em ordem decrescente). Cerca de 80% eram
empregadas domésticas. Menores de idade também solicitavam internação e não eram poucos. Foram
quase 600 pedidos, sendo apenas 21% do sexo feminino, o que sugere a requisição de internação para si
próprio, pois os pedidos (de adultos) geralmente partiam de mulheres, principalmente das mães.”
154
79
Relato registrado por meio de entrevista concedida em Maio de 2012.
155
80
Já mencionei esse processo de construção do imaginário coletivo, tendo como referência a reflexão de
Jessé de Souza sobre a produção de Charles Taylor ao dialogar sobre consensos firmados sobre classes
subalternas no capítulo dois do nosso estudo.
81
Em publicação do Governo federal de 1998, afirma-se que: “os serviços assistenciais mais significativos
nos municípios ainda são as creches, os plantões de atendimento emergenciais às famílias, os centros de
apoio socioeducativo a crianças e adolescentes no período complementar a escola, os projetos de
enfrentamento coletivo da pobreza e geração de renda”. (GUARA, 1998: 30)
157
82
A já referida publicação do Governo Federal de 1998, em nota anterior, destacava que as atividades
realizadas para crianças de 7 a 14 anos associavam-se ao reforço escolar, nutricional, atividades lúdicas,
dentre outras, cumprindo uma função compensatória em relação à educação. Para os adolescentes de 14
a 18 anos predominavam atividades de iniciação profissional, acompanhadas de atividades lúdicas ou
esportivas. E afirmam: “o curto espaço de tempo que a criança passa na escola é insuficiente para a
apreensão dos conhecimentos básicos do currículo e também para a diversificação dos conteúdos
complementares exigidos pela modernidade”. (GUARÁ, 1998: 30)
158
83
PEREIRA (1998) afirma que é dessa iniciativa que se inicia o atendimento dos OSEMS – Orientação
socioeducativa ao menor, na cidade de São Paulo, voltada ao atendimento de crianças e adolescentes.
159
84
É no início dos anos 2000 quando Aldaíza Sposati foi secretária municipal e já sob a regulação da
LOAS que a cidade de São Paulo faz um amplo investimento para definir percursos de trabalho e de
supervisão de serviços socioeducativos. Essa experiência foi sistematizada por FERREIRA (2004) que
registra a busca de padronização das atividades, a direção das ações em conformidade com o público e
portanto com suas demandas e particularidades e ainda o investimento em educadores para que se
constituíssem em multiplicadores e formadores de outros profissionais. Registre-se, ainda que, à época a
cidade de São Paulo possuía 536 núcleos socioeducativos voltados a crianças e adolescentes de 6 a 15
anos e que normativas para funcionamento já estavam em vigor.
160
85
MIOTO (2004, p.44) ao refletir sobre os programas de orientação e apoio familiar, destaca que há uma
forte presença de princípios assistencialistas e normatizadores da vida familiar nessas ações ainda na
contemporaneidade e, paradoxalmente, assentados no discurso “homogêneo” da justiça e cidadania.
86
Dentre esses inúmeros estudos, destaco a publicação Política Social, família e juventude: uma
questão de direitos, organizado por Mione Sales et al. , em 2004, e Família: redes, laços e políticas
públicas, organizado por Ana Rojas Acosta e Maria Amalia Vitale, ambos publicados pela Editora Cortez.
Como também destacam-se as várias publicações das pesquisadoras Marta Campos e Regina Célia
Mioto que abordam a relação entre políticas públicas e famílias.
161
87
Para ilustrar ressalte-se pesquisa desenvolvida por NERY (2009, p.213) nos Centros de Referência de
Assistência Social, em que observa que o trabalho com famílias apresenta duas tendências distintas de
intervenção profissional uma que reedita práticas conservadoras por meio de oficinas ou grupos voltados
ao ensino de atividades, quase sempre manuais ou com instrumento de baixo custo, voltadas à geração
de renda, embora sem nenhuma perspectiva de aferição se há realmente algum impacto na renda
decorrente dessa atividade e tampouco sem compromisso em prover condições para que a habilidade
aprendida possa ser replicada na residência e, ao mesmo tempo, práticas e concepções assentadas na
ideia do desenvolvimento do indivíduo e da família como estratégia para superar desproteções sociais,
embora nesse último caso com “tendências vinculadas à escala individual, com frágil aderência coletiva”.
162
88
O relato dessa experiência por Aldaíza Sposati, coordenadora do NEPSAS, registra que a busca inicial
era construir um cadastro da rede de serviços socioassistenciais, o que foi feito por uma pesquisa de
campo. A análise dos resultados possibilitou identificar que, após a atenção de provisão do acolhimento, a
atividade mais incidente no campo socioassistencial era a que proporcionava o convívio social. Muitas
das iniciativas pesquisadas ofereciam espaços ou centros de convivência para crianças, adolescentes e
jovens. Assim, em sua elaboração inicial os pesquisadores do NEPSAS denominaram essa área como
segurança de convívio em contraponto à insegurança de isolamento, ou fortalecendo a perspectiva de
vínculos e coesão própria do campo social. (Entrevista concedida em 19 abr.2012).
164
89
A expressão segurança de convivência aparece de forma distinta nos documentos norteadores da
política, ora como convivência, ora como convívio ou ainda associada aos qualificativos convivência
familiar e convivência comunitária.
165
90
Refiro-me aqui ao Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e
Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária – PNCFC/2006, Caderno de Concepções e
Fundamentos do Serviço Socioeducativo Projovem Adolescente (2008);Tipificação Nacional dos Serviços
166
93
Em sua tese de doutorado NERY destaca que em pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos e
Pesquisa em Seguridade e Assistência Social – NEPSAS/PUC-SP, da qual participou, identificou entre
1984 e 2005, 324 trabalhos sobre Assistência Social. Destes, 40% da produção encontra-se na PUC-SP,
dois quais 37% são de mestrado e 52% de doutorado. As fontes dessa pesquisa foram os bancos de
dados da Capes e da PUC-SP, considerando as mais diferentes áreas de conhecimento (NERY, 2011,
p.115). Ressalte-se que, pela mobilização que a aprovação do SUAS representou tanto no debate
acadêmico quanto na implementação de unidades públicas em municípios, é possível estimar que esse
volume seja bastante superior em período mais recente. Ainda há que se reconhecer que a Assistência
Social tem sido objeto de análise por Institutos de pesquisas sobre políticas públicas, como é o caso do
IPEA, além é claro, da ampla produção financiada diretamente pelo MDS.
168
94
Se considerarmos somente as publicações do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à fome,
diretamente relacionadas com a segurança de convivência chega-se próximo de 10 publicações em
quase uma década. Em alguns casos, essas publicações são compostas de vários cadernos.
95
Ao mencionar a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, aprovada em 2009, Denise Colin
afirma: “Em especial para o serviço de convivência, que é esse momento em que estamos agora, o que
está na tipificação, tem sido apontado como insuficiente, para dar sustentação, compreensão e
reconhecimento desta potencialidade da área da assistência social junto a esse público e nesse campo”.
170
as quais se lida. Tão logo foi aprovado o sistema, SPOSATI (2004) identificou a
questão:
Ocorre entre os diversos agentes de assistência social: o
desconhecimento sobre o que é o SUAS; há ausência de consenso
sobre o conteúdo e alcance do SUAS; há ausência de unidade de
compreensão – da e sobre a – assistência social; há ausência de um
sistema de comunicação para troca de experiências e informações
sobre a gestão da assistência social. (SPOSATI, 2004, p.172)
Não, não sei, não informamos, de forma teórica não, não vejo ainda
esse vínculo com essas seguranças (E2) (ALMEIDA, 2011, p.111).
96
Outras autoras, também ligadas à área, questionam a adoção desse conceito, por entender que, uma
concepção mais alargada de pobreza que a considere em suas múltiplas dimensões seria mais pertinente
do que adotar-se o conceito de vulnerabilidade. Entendem que a associação do conceito de
vulnerabilidade com o de risco pode ter como implicação a associação às noções de debilidade e
desvantagem, concepções que consideram não capturar as diferenças que marcam a realidade e a
diversidade nas condições de vida da população em geral. (AGUIRRE e WANDERLEY, 2009, p.160 -
162).
174
97
A pesquisa foi realizada em 20 municípios brasileiros pelo Centro Latino-Americano de Estudos de
Violência e Saúde Jorge Carelli da Fundação Oswaldo Cruz (CLAVES/FIOCRUZ) em parceria com o
MDS, e teve como objetivo “construir uma proposta de padronização nacional dos modelos de registros
dos atendimentos realizados no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) pelos Centros de Referência
de Assistência Social (CRAS) e pelos Centros de Referência Especializados de Assistência Social
(CREAS)”.
178
98
Em um exercício desenvolvido por mim, Stela Ferreira e Neiri Chiachio, e aplicado junto com Rose
Ferreira, Sheila Marcolino e Stela Ferreira em 05 municípios paulistas com pouco mais de 300
trabalhadores do SUAS em processo de capacitação, simulamos situações que exigiram intervenção da
política por um período hipotético de dois anos. Nessas simulações estavam elencadas situações de
conflito, de violência e outros agravos do campo relacional e solicitávamos que propusessem uma
intervenção e relatassem para uma reflexão coletiva o trabalho desenvolvido e os resultados alcançados.
Invariavelmente, o resultado apontado foi a melhora da renda quer seja por inclusão em programas de
transferência de renda ou por inclusão no trabalho e a inserção na educação e saúde, as situações de
conflito “desapareceram” dos relatos quando os profissionais partilharam o trabalho desenvolvido.
Contudo, não há registro/relato do trabalho profissional voltado a essas violações. Tal exercício se
constituiu em um ponto de partida para que nesses encontros pudéssemos dialogar com os profissionais
sobre o trabalho social a ser desenvolvido em serviços.
99
Esse estudo foi desenvolvido em três municípios paulistas, em parceria com Stela Ferreira e Sheila
Marcolino, no âmbito de processos de capacitação voltados aos trabalhadores de proteção básica e
especial. Indagamos de mais de cem profissionais se reconheciam situações de desproteção no campo
relacional como responsabilidade da assistência social; também verificamos a responsabilidade da
assistência social e a presença de instrumento para colher essas informações.
179
Nas entrevistas realizadas para esse estudo, Dirce Koga foi uma
das analistas que mais enfaticamente destacou a necessidade de aprofundar o
conhecimento para o trabalho voltado à convivência social. Ela enfatiza a
importância de sua vinculação com o conceito de território, como uma
estratégia para melhor conhecer a condição vivida pelas pessoas e como
mecanismo para estabelecer pactos coletivos de responsabilidade que
superem a análise caso a caso e a responsabilização individual que decorrem
dessas leituras. Observa que a política está um pouco distante da ideia de
território, aponta que essa categoria precisa ser melhor explicitada,
especialmente ao considerar Milton Santos que afirma o sentido do território se
dar em seu uso e não numa definição conceitual prévia. A partir desse
raciocínio, entende que é “o uso” que está em questão na política, ou seja, as
relações que as pessoas estabelecem no território e como ele pode ser
incorporado à prática profissional.
185
100
Para RIZZINI e RIZZINI (2004) afirmam que ao observar as tortuosas vias que conduzem crianças e
adolescentes necessitados de proteção à institucionalização é possível entender “porque o abrigo acaba
sendo entendido como um muro que isola e não como um teto que protege”. In: RIZZINI, I; RIZZINI, I. A
institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e desafios do presente. São Paulo: Loyola,
2004, p.10.
189
101
Como já apontado anteriormente, o conceito de autonomia que aqui está sendo utilizado, é o adotado
por CAMPOS & CAMPOS (2006, p.670) e essencialmente vincula-se à uma concepção de que autonomia
está associada à capacidade do sujeito de lidar com sua rede de dependências. A autonomia não é uma
190
condição interna mas depende de fatores externos. Assim, autonomia é sempre uma dimensão relativa e
depende do acesso dos sujeitos à informação, e mais do que isso depende de sua capacidade de utilizar
esse conhecimento em exercício crítico de interpretação. Afirmam que autonomia poderia ser traduzida
na “maior capacidade dos sujeitos de compreenderem e agirem sobre si mesmos e sobre o contexto
conforme objetivos democraticamente estabelecidos”.
191
102
Ressalte-se, porém que, por vezes, nem mesmo os discursos são novos. Isaura Isoldi em sua
experiência de acompanhamento do trabalho com famílias em diferentes municípios aponta que
expressões como “famílias desestruturadas”, “mães preguiçosas e acomodadas”, “eu lutei muito e as
pessoas querem tudo na mão”, “as pessoas não querem aproveitar as oportunidades”, estão mais
presentes nas falas dos profissionais do que se imagina.
194
103
A presença do conservadorismo nas práticas da política de assistência social e o seu impedimento
para consolidação do direito à convivência esteve mais presente na reflexão de Marcia Lopes, Simone
Albuquerque e Isaura Isoldi.
196
104
Afirma Jorge Larrosa: A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o
que se passa, não o que acontece, ou o que toca.
202
105
Na visita ao Centro Intergeracional Zoé Gueiros em Belém, observei uma atividade com idosos em que
a profissional refletia com eles, por meio de músicas e poesias, a imagem social que existe da infância,
adolescência, maturidade e velhice e a situação vivida pelo grupo, o que permitiu discutir a vida
idealizada, a vida cotidiana e as relações estabelecidas.
203
106
O médico Emerson Merhy é graduado e mestre pela USP e doutor em Saúde Coletiva pela UNICAMP.
Livre-docente em Planejamento e Gestão em Saúde, pela Unicamp. Atualmente é Professor Titular de
Saúde Coletiva da UFRJ. É um dos coordenadores da Linha de Pesquisa Micropolítica do Trabalho e o
Cuidado em Saúde. Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase nos processos de Avaliação
da Produção do Cuidado e o Mundo do Trabalho em Saúde, bem como, em Gestão e Planejamento em
Saúde, atuando principalmente nos seguintes temas: trabalho em saúde, medicina social, rede básica,
gestão da mudança e gestão de processo de trabalho, educação permanente e gestão organizacional.
Dedica-se a pesquisa sobre micropolítica do trabalho e o cuidado em saúde e participa do coletivo
micropolítica, instituicão e governo. Como pesquisador atua nas relações intercessoras entre micropolítica
do trabalho, educação permanente e produção de conhecimento, tendo junto ao coletivo desenvolvido
metodologias de investigação pautadas pelos processos de avaliação compartilhadas, nos quais o melhor
avaliador é quem pede, quem faz e quem usa. In:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4787507A3. Acesso em
10 jun.2013.
205
107
Os relatos observados no capítulo 2 quanto a barreiras de convivência na intervenção estatal ilustram
como essa interpretação de quem é o anormal se objetiva na ação dos profissionais.
207
108
Refiro-me aqui, especialmente ao Caderno de Concepções do Projovem que influenciou outras
publicações dirigidas aos serviços de convivência e os recentemente formulados cadernos de orientação
do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF).
208
109
Ao tratar dos processos de escuta na saúde, CAMPOS (2001, p.101) registra um importante paradoxo
pelo qual o cidadão como conselheiro e, portanto, sujeito político tem oportunidades de fala e é ouvido,
pelos demais atores da saúde. Mas, esse mesmo cidadão, ao viver a condição de paciente, já não terá
essa mesma valorização. E afirma: “Os cidadãos devem ser escutados; os doentes, nem tanto”. (p.101)
Uma hipótese a ser verificada é se reproduz-se situação similar com usuários da política de assistência
social que participam de conselhos, conferências e outros espaços de controle social. Assim como tem
sido protagonista o movimento de defesa da população em situação de rua, caberia averiguar se na sua
209
condição de usuário dos serviços a atenção para sua fala se dá na mesma direção e com a mesma
atenção que se observa quando exercem o papel de representantes do segmento nos espaços de
participação e controle social.
210
110
Afirma Muños ao refletir sobre processos de escuta e diálogo na educação: “ O ser humano em geral
e, concretamente, as crianças, adolescentes e jovens são seres desejantes, de linguagens e de afetos
múltiplos. O desejo, o sentimento são a base, o ponto de partida de toda intervenção educativa, de toda
ação. O desejo, o sentimento [do usuário e do profissional] que intervém educativamente estão presentes,
incidindo positiva e negativamente em todo momento. Por isso há que incorporá-los, tê-los presentes
quando se intervém. Por isso é preciso estar atento para que o sentir não represente armadilha, garantir
que se realize, o máximo possível, uma utilização positiva dos sentimentos. (MUNOS, 2004, p.53)
111
Ana Maria Costa e Silva é Doutora em Educação, na área de especialização de Desenvolvimento
Curricular, professora e investigadora na Universidade do Minho/Portugal e tem, ao longo da última
década, centrado os interesses de investigação nas questões relativas à formação de adultos e
identidades socioprofissionais. Leciona em cursos de graduação e pós-graduação unidades curriculares
211
ESCUTA ATIVA
Técnicas Objectivos
Mostrar interesse Transmitir interesse.
Estimular o outro a falar.
Clarificar Tornar claro o que é dito.
Obter mais informação.
Ajudar a ver outros pontos de
vista.
Parafrasear Mostrar que estamos a
compreender o que se passa.
Verificar o significado.
Fazer-se eco Mostrar que se compreendem os
sentimentos.
Ajudar a outra pessoa a ficar
mais consciente daquilo que
sente.
Resumir Verificar o progresso alcançado.
Juntar os factos e as ideias
importantes.
Fonte: Material partilhado em atividade programada coordenado pela profa. Dra. Maria Lúcia
Martinelli.
112
BARBOSA, João Alexandre. In: Prefácio de BOSI,Ecléa. Lembranças de velhos. 2.ed. São Paulo,
EDUSP, 1987.
213
113
Jorge Larrosa Bondía é Doutor em pedagogia pela Universidade de Barcelona, Espanha, onde
atualmente é professor titular de filosofia da educação.
218
produzirá nos sujeitos que a vivem. Por isso é fundamental demorar-se nos
detalhes, refletir sobre o sentimento desencadeado, cultivar a atenção e a
delicadeza que os encontros proporcionam, como afirma Larrosa.
Ah, eu acho que eu, eu não vou dizer que eu fiquei independente de
mim mesma, né, que ainda tô dependente, mas eu posso dizer que
eu me tornei uma pessoa mais sábia, pensar bem o que quer,
escolher as coisas certas, que acha certo, o que é melhor para você,
porque antes, eu fazia as coisas para minha família, eu não fazia pra
mim, eu não pensava em mim, mesmo tendo esse receio de família
que não gosta, eu pensava na minha família, não pensava em mim.
(Vânia, entrevistada por Coelho. COELHO, 2008, p.104)
4 CONCLUSÕES
convívio social enquanto uma relação entre sujeitos que requer considerar que
seu processo supõe vontades, escolhas e desejos distintos em cena. São
relações que se estabelecem em diferentes espaços, contíguo ou próximo,
virtual ou íntimo, privado em família ou em território público e coletivo, em
relações institucionais. São relações que se estabelecem em diferentes
tempos, desde o cotidiano, em contatos eventuais, contínuos ou descontínuos.
Ênfase especial precisa ser dada ao caráter contraditório da
convivência social sob pena de iludir-se pela visão ingênua que pressupõe que
para conviver basta estar junto e, assim, vive-se em harmonia, acompanhado e
protegido. Os estudos tomados como referência e o diálogo com os sujeitos da
pesquisa permitem afirmar que é fundamental olhar mais de perto as relações
entre os sujeitos para observar o significado que as pessoas têm umas para as
outras. Somente aprofundando o conhecimento sobre essas relações é
possível afirmar quando são protetivas ou quando possuem, paradoxalmente,
distância e até mesmo violação. Conflitos e disputas são parte do viver
conjunto e, estar junto, não significa necessariamente um convívio social
agradável e protetivo.
114
Não me propus a detalhar procedimentos de trabalho, se a intervenção está referida ao
acompanhamento individual ou coletivo, tampouco a quem compete tais atribuições dentre os
trabalhadores do SUAS, por entender que os instrumentos orientadores e normativos da política se
encarregam desse detalhamento, como também a própria sistematização das práticas profissionais no
SUAS ofertarão tais subsídios. Minha intenção foi apontar a postura a ser adotada e fortalecida na
atenção ao cidadão, por entender que reconhecer sujeitos de direitos exige a revisão de lugares e de
modos de relacionar-se na política pública.
237
verdades que, por serem externas ao sujeito, não produzem para ele sentido e
dificilmente o afetará.
No decorrer do estudo, as práticas profissionais analisadas
explicitam oportunidades de viver experiências no cotidiano da política de
assistência social. Estratégias potentes foram narradas, como experiências de
produção coletiva, de exercício de escolhas, de tomadas de decisão sobre sua
própria vida e de seu grupo, de reconhecer limites e possibilidades sobre as
situações vividas e de experimentar, reconhecer e nominar suas emoções.
Experiências estas que poderão ser transportadas para outras relações
estabelecidas e vividas pelos sujeitos. (TORRES e GOUVEIA, 2012).
REFERÊNCIAS
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1413-2478, dez. 2003.
______. Norbert Elias por ele mesmo. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
242
MERHY, Emerson Elias. O ato de cuidar: a alma dos serviços de saúde. In:
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação
na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Brasília:
Ministério da Saúde, p.108-137, 2004.
RIZZINI, Irene. O século perdido: raízes históricas das politicas públicas para
a infância no Brasil. 2.ed.São Paulo: Cortez, 2008.
ROCHA, E. Cor e Dor Moral: sobre o racismo na ralé. In: SOUZA, J. A Ralé
Brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: UFMG, 2011.
______. A falsa cisão retalhadora do homem. In: MARTINELLI, Maria Lúcia et.
all. O uno e o múltiplo nas relações entre as áreas do saber. 3.ed. São Paulo:
Cortez, 2001.
________ Direitos Sociais: afinal do que se trata? In: Cenpec Muitos lugares
para aprender. São Paulo: CENPEC/Fundação Itau Social/Unicef, 2003.
ANEXO A
Eu,_____________________________________________,
uso de entrevista por mim concedida para servir como material de análise
do estudo.
_______________________
Assinatura da Entrevistada
253
ANEXO B
Eu, _____________________________________________,
análise do estudo.
______________________________
Assinatura do Participante do Grupo
254
ANEXO C
ANEXO D
ANEXO E
Situação de desproteção
Internação/abrigamento de membro da família
Cuidados com membros da família em dependência de droga
Paternidade na adolescência
Conflitos constantes entre adultos da família
Família vítima de violência com adolescentes ou jovens institucionalizado
Cuidados com membros da família doentes com algum grau de dependência
Ocorrência de fuga ou desaparecimento de pessoas da família
Idoso que tenha sido vítima de maus tratos ou violência em instituições de abrigo
Famílias que residem há pouco tempo na cidade.
Presença de pessoas com deficiência que permanecem períodos do dia em casa
sem companhia de um adulto.
Falecimento de alguma pessoa da família
Momentos de tristeza ou desânimo
Pessoa com deficiência que tenha sido vítima de maus tratos ou violência em
instituições de abrigo
Famílias que tem membros (crianças ou adultos) que permanecem nas ruas.
Presença de Idosos com dependência que permanecem períodos do dia em casa
sem companhia de um adulto.
Cuidado de pessoas que estão em sofrimento mental
Adolescente ou jovem membro da família em medida de internação
Gravidez de adolescentes
Adolescente ou jovem membro da família em medida socioeducativa de liberdade
assistida ou prestação de serviço a comunidade
Crianças pequenas que permanecem períodos do dia em casa sem companhia de
um adulto
Presença de maus tratos/violência no ambiente familiar
Vivência de situações de discriminação (ou isolamento social) relacionada com a
cor, origem, religião, local de moradia, sexo, orientação sexual.