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era conhecido e cuja presença física era sensível.

Com o nascimento da nação e do Estado, o ser humano fez-se pela A Fome no Mundo Explicada a Meu Filho
primeira vez solidário com aqueles que não conhecia e com os que
provavelmente nunca encontraria. Acabava de nascer um sentimento de – Quantas pessoas no mundo estão actualmente ameaçadas de morrer de
identidade nacional, algumas instituições de solidariedade, uma
fome?
consciência supra-familiar, uma lei comum. A única identidade humana
– A FAO (Food and Agricultural Organization), Organização para a
válida é a que nasce do encontro real ou imaginário com os outros, do
Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas, avalia, no seu último
acto de solidariedade.
relatório, em mais de 30 milhões o número de pessoas que morreram de
Não pode haver um mundo dentro do mundo, uma inserção de
fome em 1999 e, para o mesmo período, em mais de 828 milhões de seres
bem-estar num mundo de dor. É inaceitável uma economia mundial que
torturados pela desnutrição grave e permanente. São homens, mulheres
relega para o não-ser a sexta parte da humanidade. Se o flagelo da fome
e crianças que, devido à falta de alimentos, padecem de lesões
não desaparecer rapidamente do nosso planeta, não haverá humanidade
frequentemente irreversíveis. Ou morrem num prazo mais ou menos
possível. Portanto, é preciso reintegrar na humanidade essa “fracção
breve, ou vegetam num estado de deficiência grave – cegueira,
sofredora”, que hoje está excluída e perece na noite.
raquitismo, desenvolvimento precário da capacidade cerebral, etc.

Tomemos o exemplo da cegueira: em cada ano, sete milhões de


pessoas, normalmente crianças, perdem a vista, na maioria das vezes por
falta de uma alimentação suficiente ou como consequência de
enfermidades vinculadas ao subdesenvolvimento. Cento e quarenta e
seis milhões de cegos vivem nos países da África, da Ásia e da América
Latina. Em 1999, Gore Brundtland, directora da Organização Mundial da
Saúde, ao apresentar o seu plano “Visão 2020” em Genebra, disse: Oitenta
por cento dos afectados na vista seriam perfeitamente evitáveis. Sobretudo por
Jean Ziegler meio de uma dose regular de vitamina A para as crianças pequenas.
A Fome no Mundo Explicada a Meu Filho
Petrópolis, Editora Vozes, 2002 Em 1990, havia 822 milhões de pessoas severamente afectadas
(Excertos adaptados)
pelo flagelo da fome. Podemos ler de duas maneiras estas estatísticas.
Primeira leitura: as vítimas da subalimentação aumentam sem cessar no intercâmbio e consumo de alimentos. Afirmar a autonomia da economia
mundo, especialmente nos países do Sul; mas se comparamos os em relação à fome é absurdo ou, pior ainda, é um crime. Não se pode
mártires do flagelo da fome com a progressão demográfica da população abandonar a luta contra essa catástrofe ao livre jogo do mercado.
mundial, constatamos um ligeiro retrocesso. Em 1990, 20% da humanidade Todos os mecanismos da economia mundial devem submeter-se a
sofria de subalimentação extrema; oito anos depois, “só” 19%. este imperativo primordial: vencer a fome, alimentar convenientemente

– Onde vivem as pessoas mais gravemente subalimentadas? todos os habitantes do planeta. Para impor este imperativo é preciso

– No sul e leste da Ásia, 18% dos homens, mulheres e crianças, criar uma estrutura jurídica internacional, apoiada em tratados e

padecem de uma severa desnutrição. Na África, o seu número alcança normas. Jean-Jacques Rousseau escreveu: “Entre o fraco e o forte, é a

35% da população continental. Na América Latina e no Caribe, 14%. As liberdade que oprime e a lei que liberta”. A liberdade total do mercado é

três quartas partes dos “gravemente subalimentados” do planeta são um sinónimo de opressão; a lei é a primeira garantia da justiça social.

gente do campo; a outra quarta parte são habitantes das periferias que O mercado mundial necessita de normas e de uma restrição

se amontoam em torno das metrópoles do Terceiro Mundo. imposta pela vontade colectiva dos povos. A luta contra a maximização
do lucro como única motivação dos protagonistas que dominam o
– A nossa Terra poderia alimentar convenientemente em cada dia todos os
mercado e a luta contra a aceitação passiva da miséria são imperativos
seus habitantes?
urgentes. É preciso fechar a Bolsa das matérias-primas agrícolas de
– Não só isso, mas poderia alimentar pelo menos o dobro da
Chicago, combater a deterioração constante das relações de intercâmbio
população mundial actual. Hoje em dia somos quase seis biliões de seres
e acabar com a estúpida ideologia neo-liberal que deslumbra a maioria
humanos na Terra. Há mais de quinze anos, a FAO elaborou um
dos governos dos países ocidentais.
relatório no qual assinalava que o mundo, no estado actual das forças de
O ser humano é o único vertebrado que pode sentir na sua
produção agrícola, poderia alimentar sem problema mais de doze biliões
consciência o sofrimento do outro. Será que a constituição de uma
de seres humanos. Alimentar quer dizer fornecer a cada homem, mulher
consciência da identidade, da solidariedade radical com aquele que sofre
e criança uma ração equivalente a 2.400 ou 2.700 calorias diárias, uma
se infere de um projecto utópico? Não. No decurso da história já
vez que as necessidades alimentares variam segundo os indivíduos, em
ocorreram alguns saltos qualitativos análogos. Por exemplo, o
função do trabalho que realizam e das zonas climáticas onde vivem.
nascimento do Estado. Numa época remota, os humanos fizeram uma
– O flagelo da fome não é então uma fatalidade?
escolha fundamental: até então, a solidariedade, a identificação com o
– De modo algum. Se a distribuição de alimentos na Terra fosse
outro limitavam-se à família, ao clã, em consequência, àqueles cujo rosto
A oligarquia decide o destino da multidão. A massa de vítimas justa, haveria comida suficiente para todo o mundo.
anónimas padece, impotente, a sua própria agonia. Só a brutal – Por que razão nunca ninguém nos fala na escola da fome no mundo e das
imbecilidade de um regime de classes sociais existentes antes do seu pessoas que a provocam e daquelas que a combatem?
nascimento, de ideologias discriminatórias, de privilégios defendidos – Para mim, isso também é um mistério. Muitos professores de
pela violência explica a desigualdade entre os seres humanos. institutos e de escolas são pessoas abertas, generosas e estão
A política deve velar para que todos possam saciar a fome. Seria profundamente solidarizadas com a luta dos povos do Terceiro Mundo.
horrível tomarmos como natural o facto de todos os anos morrerem Muitos deles alertam os seus alunos quando se declara uma fome grave
dezenas de milhões de pessoas por causa da subalimentação crónica e e promovem-se colectas públicas. No entanto, não sei de nenhuma
da fome aguda. A fatalidade não preside à ordem mortal do mundo. escola onde o tema da fome, que mata todos os dias mais gente do que
Basta lembrar que, no actual estado das forças produtivas agrícolas, todas as guerras do planeta juntas, figure no seu programa. Não existe
seria possível alimentar sem problemas doze mil milhões de pessoas. nenhum tipo de ensino onde se analise, se discuta o problema da fome,
Alimentar significa proporcionar a cada indivíduo 2.600 calorias por se examinem as suas raízes e os meios de lhe dar um fim.
dia. A população actual do mundo chega a menos de seis mil milhões de Mas os técnicos internacionais dizem as coisas bem claras. Ouça,
pessoas. por exemplo, esta frase que é a conclusão de um relatório da FAO de
Conclusão: estamos diante de uma falta contingente e não de uma 1998: Recent trends give no room for complacency as progress in some regions has
falta objectiva de alimentos. Por outras palavras, o problema da grave
been more than offset by a deterioration in others1. Isto quer dizer que as
fome no mundo é um problema social. As centenas de milhões de
batalhas ganhas numa frente são imediatamente anuladas pelas derrotas
pessoas que morrem todos os anos de subalimentação aguda morrem
sofridas noutra. Os bons sentimentos não bastam, são um luxo para os
por causa da injusta distribuição de alimentos disponíveis no planeta.
filhos dos ricos. A calamidade da fome manifesta-se de mil maneiras. O
A Acção contra a Fome, organização não-governamental (ONG), de
seu aparecimento e os seus efeitos exigem análises precisas e
um compromisso exemplar, constata que “um grande número de pobres pormenorizadas. Mas a escola não diz nada, não cumpre a sua função.
no mundo carece do alimento necessário, na medida em que a produção Os adolescentes frequentemente saem dela cheios de bons sentimentos
alimentar se ajusta à demanda solvente” Quem tem dinheiro, come. e de uma vaga convicção de solidariedade, mas nunca com um
Quem não tem, morre lentamente de fome. verdadeiro conhecimento, uma clara consciência das origens e dos
Trata-se portanto de civilizar o actual jugo do capitalismo
1
Os últimos dados não permitem contemplações, uma vez que o progresso numas
selvagem. A economia mundial é fruto da produção, distribuição,
regiões tem sido anulado pela deterioração noutras.
estragos da fome. alimentação que vai receber desde o momento do seu nascimento. A
– Como se a fome fosse um tabu? criança chega ao mundo num ambiente condicionado: ou com muitos
– Exactamente. Um tabu que dura há muito tempo. Já em 1952 o privilégios ou com muitas privações. Nos primeiros anos da história da
brasileiro Josué de Castro dedicava todo um capítulo do seu célebre humanidade, o mundo era aquele em que o macho mais forte se
livro Geopolítica da fome a esse “tabu da fome”. A sua explicação é apropriava da comida da qual necessitavam a mulher e a criança. Hoje, a

interessante: as pessoas sentem-se tão envergonhadas por saber que história não mudou em absoluto, porque os poderosos continuam a
uma grande parte dos seus semelhantes morre por falta de alimento que apropriar-se da comida.

ocultam o escândalo com um espesso silêncio. Esta vergonha é – Por quê esses esqueletos da fome? Por quê esse martírio quotidiano,
compartilhada pela escola, pelos governos e pela maioria de nós. interminável, para tantas centenas de milhões de seres humanos?
O nível de alimentação está em relação directa com o nível de – A causa principal das hecatombes por subalimentação e por
bem-estar e com o nível de saúde das pessoas. Por um lado, onde não se fome aguda é a desigual distribuição das riquezas do nosso planeta. Esta
come o suficiente, encontramos pobreza, miséria, desnutrição, doença, desigualdade é negativamente dinâmica: os ricos são cada vez mais ricos
fome e morte. Por outro, no extremo oposto, onde há meios de e os pobres cada vez mais pobres. Em 1960, 20% dos habitantes mais
subsistência e alimentos, encontramos esperança desde o nascimento, ricos do mundo desfrutavam de uma renda 31 vezes superior à dos 20%
saúde e vida. mais pobres. Em 1998, o rendimento dos 20% mais ricos é 83 vezes
Já no ventre da mãe, o bebé sofre as consequências desta superior à dos 20% mais pobres. A concentração do rendimento e das
desigualdade, inclusivamente na constituição de seu intelecto. A riquezas nas mãos de uns poucos progride a grande velocidade.
desnutrição da mãe durante a gestação – quando o bebé deve O conceito de desigualdade soa-nos irreal e o seu significado é
desenvolver o conjunto de células que o constituirão como um ser insuficiente. O termo aparece num mundo que já não se assusta com as
dotado de todas as suas faculdades – diminui as possibilidades de que a estatísticas. As cifras acima referidas escondem uma realidade de
criança nasça, pois a placenta – alimento, água, oxigénio e anticorpos do sofrimento e de desespero. A desigualdade negativamente dinâmica que
bebé instalado no útero – não escapa aos danos causados pelas rege a ordem actual do mundo produz a seguinte situação: por um lado,
carências de alimentação. A mãe deve nutrir-se convenientemente desde um poder político, económico, ideológico, científico e militar sem
a formação do embrião. limites identificáveis, exercido por uma escassa oligarquia
A constituição física e intelectual da criança, a sua capacidade de transnacional; por outro, a falta de vida, o desespero e o flagelo da fome
desenvolvimento e a sua força para o trabalho também dependem da vividos por centenas de milhões de seres anónimos.

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