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JACQUES TATI
A obra completa de Jacques Tati
pela primeira vez em Portugal em
VERSÕES DIGITAIS RESTAURADAS
Cada filme de Tati marca ao mesmo tempo: Evidentemente, Tati não é apenas a testemunha
1) um momento na obra de Jacques Tati; 2) um exemplar e desolada do recuo do cinema francês
momento na história do cinema francês; 3) um e da degradação do ofício (ainda que cada um
momento na história do cinema. Desde 1948, dos seus filmes seja como um documentário,
os seus seis filmes são talvez os que pontuam uma perspectiva abissal das suas condições
mais profundamente a nossa história. Tati de possibilidade). Ele toma o cinema nas
não é só um cineasta raro, autor de poucos condições em que o encontra (tecnologicamente
filmes, aliás todos bons; é, vivo, um ponto de também) e curiosamente, ele que tantas vezes
referência. Todos nós pertencemos a um período foi acusado de passadismo, não pensa senão
do cinema de Tati: assim, eu pertenço àquele em inovar. Começamos a saber que Tati não
que vai de Mon Oncle (1958: um ano antes esperou por ninguém para repensar ex nihilo,
da Nouvelle Vague) a Playtime (1967: um ano a partir de Jour de Fête, a banda sonora do
antes dos acontecimentos de Maio 68). Apenas cinema, mas sabemos que no outro extremo
Chaplin, a partir do sonoro, teve esse privilégio: da cadeia, quase trinta anos mais tarde, Parade
estar presente mesmo quando não filmava e, (escandalosamente ignorado quando da estreia,
quando filmava, estar à hora exacta, quer dizer pelos “Cahiers” também) é uma extraordinária
um pouco adiantado. Tati: antes de mais uma exploração no domínio do vídeo. Na verdade,
testemunha. o grande tema dos filmes de Tati, através dos
avatares da produção (ou graças a eles), é
[…] Se olharmos em perspectiva para os seis aquilo a que chamamos hoje com uma certa
filmes realizados por Tati desde 1948 (Jour de facilidade os media. Não no sentido restrito dos
Fête), percebemos que eles traçam uma linha “grandes meios de informação”, mas no sentido,
de fuga que é, mais coisa menos coisa, a do mais próximo de McLuhan, das “extensões
cinema francês do pós-guerra. […] Quem é que especializadas das faculdades mentais ou
ainda hoje é capaz de isolar, de mimar, os gestos psíquicas do homem”, dos prolongamentos
mais quotidianos (o de um criado de café a do seu corpo no todo ou em parte. Os media,
servir à mesa), e, ao mesmo tempo, de falar da são já, por excelência a história de Jour de
concepção de Playtime como se se tratasse de Fête, em que um carteiro, à força de refinar
uma tela de Mondrian? Tati, evidentemente. na transmissão da mensagem, a perde (é
Além disso, cada um dos seus filmes é um uma criança que a herda, mas desviada pelo
marco-testemunho de “como vão as coisas” no caminho por um circo, não a irá transmitir: bela
cinema francês de há trinta anos para cá. Se Jour metáfora da intransitividade da arte moderna),
de Fête testemunha da euforia do pós-guerra, no momento em que o espectador tiver
se Les Vacances e Mon Oncle da aparente compreendido que a mensagem é ele, o carteiro,
perenidade de um género muito francês (a sátira Tati. Mas os media são também o fogo-de-
social) no quadro do “cinema de qualidade”, -artifício lançado cedo de mais e por engano no
Playtime, grande filme antecipador, constrói a fim de Vacances e que transformava Hulot em
Défense antes da existência da Défense, mas diz espantalho luminoso, prefigurando o fim genial
também que o cinema francês já não pode tratar de Parade em que cada um – seja quem for – se
o gigantismo da realidade francesa, que perde torna rasto luminoso de uma cor numa paisagem
terreno nela e que, como ela, vai degradar- electrónica (numa entrevista, Tati explica que
-se ao abrir à internacionalização, ou seja à tinha substituído os pinos dos malabaristas por
americanização, a que já ameaçava o carteiro pincéis). E os media eram também, em Mon
de Jour de Fête. Efectivamente, os dois filmes Oncle, esse parti-pris muito surpreendente para
seguintes já não são nem inteiramente franceses a época de não fazer rir à custa dos programas
(Trafic é uma co-produção, um filme muito de televisão comprada pelo casal, mas de reduzir
“europeu”), nem inteiramente cinema (Parade essa televisão ao espectáculo das variações de
é uma encomenda da televisão sueca). luz fria e baça iluminando o jardim ridículo.
A lista não tem fim e poderiam citar-se cem
outros exemplos.
O essencial é que haja a todo o momento e para Tati, num quarto do Hotel Ritz, renitente
qualquer um (numa espécie de democratização a entrevistas, mas disposto a dialogar. E a
do cómico que é a grande aposta dos entrevista fez-se.
últimos três filmes de Tati e sem dúvida o
reconhecimento de que todos nos tornámos, P.: Parece-nos que os seus filmes estabelecem
pouco a pouco, cómicos) uma possibilidade francamente duas espécies de mundos opostos:
de tornar-se medium. Do porteiro de Playtime o mundo estabelecido dos “outros”, o mundo de
que, com o vidro partido, se transforma na um outsider, Hulot…
porta toda, à criada aterrorizada com a ideia
de passar sob o raio electrónico que abre a Jacques Tati: Sim, é isso…
porta da garagem onde os portões se fecharam
estupidamente (Mon Oncle), há para os corpos P.: As relações entre eles são uma confrontação
(numa indiferenciação crescente) a possibilidade puramente binária: Hulot e os outros. E o gag é o
(a ameaça?) de se tornarem por sua vez um arquétipo dessa relação?
limite, um limiar.
in Cahiers du Cinéma, nº303, Setembro de 1979, JT: Sim, sim…
incluído no catálogo Jacques Tati,
editado pela Cinemateca Portuguesa, 1987
P.: O gag provém sobretudo da observação que
Tradução de Vera Futscher Pereira
Hulot realiza sobre o mundo dos “outros”?
Sobre o cinema e os “gags” tinha Jacques JT.: Sim. Mas também da observação dos outros
Tati ideias bastante precisas. “A possibilidade sobre Hulot. Por exemplo, um presidente
de abrir uma varanda sobre a vida e de fazer de uma grande empresa pode muito bem
conhecer todas as riquezas da existência dos interromper o seu discurso se, por acaso, depara
homens é uma das finalidades do cinema”, disse, com uma personagem que nada tem a ver com
um dia, o cineasta de origem russa nascido ele, como é o caso de Hulot. Neste caso, é o
Jacques Tatischeff em 1908. E o “gag”? “O ‘gag’ presidente que é o observador.
é democrático, atinge sem preconceitos ricos e
pobres, pequenos e grandes, malandros e bem P.: Mas nesse mundo dos outros há sempre
comportados.” personagens que se aproximam de Hulot (a
velha inglesa e as crianças de As Férias, o
O primeiro “gag” de Tati é a sua desmesurada sobrinho do Tio. Em Play Time, o nome dessa
altura. Ao contrário de Charles Chaplin ou personagem é Barbara…
de Buster Keaton – que criaram, no cinema,
personagens cómicos do tipo “pequeno homem JT.: Nunca tinha pensado nisso… não, não, de
sozinho contra a multidão” – o senhor Hulot modo nenhum… estas coisas acontecem… os
de Tati é o homem enorme, esguio, também que estão perto dele são, de certo modo, os
ele “sozinho contra a multidão” mas com o inocentes. Tenho a impressão que a rapariga que
privilégio de olhar de cima – de muito de cima chega a Paris, que tem aquela personalidade,
– o mundo que o rodeia. “Não se pode evitar o que leu, que quer descobrir coisas, sente-se
confronto entre Tati e Chaplin, mas que isso sirva muito mais só do que a turista riquíssima que
para tornar evidentes as diferenças”, escreveu tem tudo organizado.
Henri Agel e com toda a razão. Hulot não é
um vagabundo sentimental com pretensões a P.: E Hulot também está só?
melhorar o mundo. O desejo de interferir, de
ajudar, é tudo em Chaplin-Charlot, que ajuda JT.: Sim, está só. […]
cegas, paralíticas, órfãs e crianças a encontrar
um equilíbrio ou uma porta para a felicidade.
Leonor Pinhão, Público Magazine, 31 de Março de 1996
PRÉMIOS:
Festival de Veneza ‘49 – Selecção Oficial, Em Competição
Festival de Veneza ‘49 – Prémio Melhor Argumento
PRÉMIOS:
Festival de Cannes ‘58 - Prémio Especial do Júri
Oscars ‘59 – Melhor Filme Estrangeiro
PRÉMIOS:
Grande Prémio da Academia do Cinema ‘68
PRÉMIOS:
National Board of Review ‘73 – Melhor Filme Estrangeiro