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ANPOF - Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia

Diretoria 2017-2018
Adriano Correia Silva (UFG)
Antônio Edmilson Paschoal (UFPR)
Suzana de Castro (UFRJ)
Agnaldo Portugal (UNB)
Noéli Ramme (UERJ)
Luiz Felipe Sahd (UFC)
Cintia Vieira da Silva (UFOP)
Monica Layola Stival (UFSCAR)
Jorge Viesenteiner (UFES)
Eder Soares Santos (UEL)
Diretoria 2015-2016
Marcelo Carvalho (UNIFESP)
Adriano N. Brito (UNISINOS)
Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros (USP)
Antônio Carlos dos Santos (UFS)
André da Silva Porto (UFG)
Ernani Pinheiro Chaves (UFPA)
Maria Isabel de Magalhães Papaterra Limongi (UPFR)
Marcelo Pimenta Marques (UFMG)
Edgar da Rocha Marques (UERJ)
Lia Levy (UFRGS)

Produção
Samarone Oliveira
Editor da coleção ANPOF XVII Encontro
Adriano Correia
Diagramação e produção gráfica
Maria Zélia Firmino de Sá
Capa
Philippe Albuquerque
COLEÇÃO ANPOF XVII ENCONTRO

Comitê Científico da Coleção: Coordenadores de GT da ANPOF

André Leclerc (UnB)


Antônio Carlos dos Santos (UFS)
Antonio Glaudenir Brasil Maia (UECE/UVA)
Arthur Araujo (UFES)
Carlos Tourinho (UFF)
Cecilia Cintra Cavaleiro de Macedo (UNIFESP)
César Augusto Battisti (UNIOESTE)
Christian Hamm (UFSM)
Claudemir Roque Tossato (UNIFESP)
Cláudia Drucker (UFSC)
Cláudio R. C. Leivas (UFPel)
Daniel Lins (UFC/UECE)
Daniel Omar Perez (UNICAMP)
Daniel Pansarelli (UFABC)
Dennys Garcia Xavier (UFU)
Dirce Eleonora Nigro Solis (UERJ)
Dirk Greimann (UFF)
Emanuel Angelo da Rocha Fragoso (UECE)
Fátima Regina Rodrigues Évora (UNICAMP)
Felipe de Matos Müller (PUCRS)
Flávia Roberta Benevenuto de Souza (UFAL)
Flavio Williges (UFSM)
Francisco Valdério (UEMA)
Gisele Amaral (UFRN)
Guilherme Castelo Branco (UFRJ)
Jacira de Freitas (UNIFESP)
Jairo Dias Carvalho (UFU)
Jelson Oliveira (PUCPR)
João Carlos Salles Pires da Silva (UFBA)
Juvenal Savian Filho (UNIFESP)
Leonardo Alves Vieira (UFMG)
Lívia Mara Guimarães (UFMG)
Lucas Angioni (UNICAMP)
Luciano Carlos Utteiche (UNIOESTE)
Luís César Guimarães Oliva (USP)
Luiz Antonio Alves Eva (UFPR)
Luiz Henrique Lopes dos Santos (USP)
Luiz Rohden (UNISINOS)
Marcelo Esteban Coniglio (UNICAMP)
Marco Antonio Azevedo (UNISINOS)
Marco Aurélio Oliveira daFICHA
Silva (UFBA)
CATALOGRÁFICA
Maria Aparecida Montenegro (UFC)
Maria Cristina de Távora Sparano (UFPI)
Maria Cristina Müller (UEL)
Es85 Estética / Organizadores Cintia Vieira da Silva,
Mariana de Toledo Pedro
BarbosaDuarte. São Paulo : ANPOF, 2017.
Mauro Castelo Branco
414 p. –de Moura XVII
(Coleção (UFBA)Encontro ANPOF)
Milton Meira do Nascimento (USP)
Nilo Ribeiro JuniorBibliografia
(FAJE)
Noeli Dutra Rossatto (UFSM)
ISBN 978-85-88072-63-3
Paulo Ghiraldelli Jr (UFRRJ)
1. Estética
Pedro Duarte de Andrade (Filosofia) 2. Arte (Filosofia) I. Silva, Cintia Vieira
(PUC-Rio)
da (Org.)
Rafael Haddock-Lobo II. Duarte, Pedro (Org.) III. Associação Nacional de Pós-
(PPGF-UFRJ)
Ricardo PereiraGraduação em Filosofia IV. Série
de Melo (UFMS)
Ricardo Tassinari (UNESP) CDD 100
Roberto Hofmeister Pich (PUCRS)
Rodrigo Guimarães Nunes (PUC-Rio)
Samuel Simon (UnB)
Silene Torres Marques (UFSCar)
Silvio Ricardo Gomes Carneiro (UFABC)
Sofia Inês Albornoz Stein (UNISINOS)
Sônia Campaner Miguel Ferrari (PUC-SP)
Susana de Castro (UFRJ)
Thadeu Weber (PUCRS)
Vilmar Debona (UFSM)
Wilson Antonio Frezzatti Jr. (UNIOESTE)
FICHA CATALOGRÁFICA
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Es85 Estética / Organizadores Cintia Vieira da Silva,


Pedro Duarte. São Paulo : ANPOF, 2017.
414 p. – (Coleção XVII Encontro ANPOF)

Bibliografia
ISBN 978-85-88072-63-3

1. Estética (Filosofia) 2. Arte (Filosofia) I. Silva, Cintia Vieira


da (Org.) II. Duarte, Pedro (Org.) III. Associação Nacional de Pós-
Graduação em Filosofia IV. Série
CDD 100
O corpo do pensamento: sobre a escrita
filosófica e sua dimensão expressiva

Mariana Andrade Santos


(UFG)

Se considerarmos que os filósofos contemporâneos reivindicaram


para a filosofia a atividade essencial da reflexão autocrítica, podemos afir-
mar que a crítica da razão e a crítica ao projeto iluminista trouxeram à
tona a necessidade desse exercício autocrítico do pensar filosófico. Uma
das questões postas diz respeito às relações recíprocas entre pensamento
e linguagem, fazendo assim com que a reflexão sobre a forma de apresen-
tação da filosofia ganhasse um lugar de destaque. As filosofias de Walter
Benjamin e Theodor Adorno são marcadas por essa insistência na neces-
sidade da filosofia pensar a sua própria forma e as questões relativas à
escrita filosófica são essenciais na filosofia de ambos. O que gostaríamos
de investigar nesse texto que agora toma a palavra é o modo como essa
importância conferida pelos filósofos à questão da forma está relacionada
a uma reinvindicação da dimensão estética do discurso através da defesa
do caráter linguístico e de expressão do exercício do pensamento filosófi-
co, presente tanto em Benjamin quanto em Adorno.
A preocupação fundamental com o resgate do caráter linguístico do
exercício filosófico marca o pensamento de Benjamin desde o seu projeto
epistemológico de juventude. No texto escrito em 1918, Sobre o programa
da filosofia a vir, em que o jovem filósofo dialoga com filosofia de Kant, a
insuficiência detectada e sua consequente proposta de reformulação do
projeto kantiano se baseiam na exigência da reflexão sobre a essência lin-
guística do conhecimento. Diz Benjamin (1991) que a grande transforma-
ção, a correção à qual deve ser submetida a filosofia é o deslocamento do
conceito de conhecimento que deve ser pensado em relação à linguagem
e não de modo unilateral para as matemáticas, já que “todo conhecimen-
to filosófico tem sua única expressão na linguagem e não em fórmulas e

Silva, C. V. da; Correia, A.; Duarte, P. . Estética. Coleção XVII Encontro ANPOF: ANPOF, p. 318-329, 2017.
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O corpo do pensamento: sobre a escrita filosófica e sua dimensão expressiva

números”1 (BENJAMIN, 1991, p. 83). É somente através desse resgate da


essência linguística do pensamento filosófico que Benjamin vislumbra a
possibilidade de ampliar o conceito kantiano de experiência e uma alter-
nativa ao modelo epistemológico moderno.
Benjamin critica o que chama de concepção mecânica da expe-
riência, isto é, uma noção de experiência elaborada a partir do modelo
de experimentação da ciência moderna e a filosofia que se desenvolve
sob as bases do paradigma físico-matemático iluminista. A necessidade
de reformulação do projeto kantiano é consequência da reivindicação
da necessidade de pensar outra forma de apreensão dos fenômenos não
restrita às formas representacionais (Vorstellung), isto é, que supere o
esquematismo sujeito-objeto e a sistematização através da subordinação
dos elementos. Essa recusa das formas representacionais aparece nos
seus primeiros escritos e permanecerá por toda a sua obra. A busca de
uma via alternativa à filosofia da representação levará Benjamin a desen-
volver, em seus textos seguintes, uma teoria da linguagem ampliando a
concepção de linguagem para que esta não fique reduzida à sua dimen-
são representativa-comunicacional. O resgate da essência linguística do
pensamento filosófico passa pelo resgate de uma dimensão mimético-
-expressiva que caracteriza sua teoria da linguagem, desenvolvida ainda
nos anos de juventude. A crítica epistemológica do prefácio do livro sobre
o Trauerspiel2 de 1925 é caracterizada por Benjamin como um segundo


1
O texto não possui tradução publicada em português. Tradução nossa a partir da tradução espa-
nhola (BENJAMIN, 1991c) cotejada com o original (BENJAMIN, 1991b).

2
Diversos tradutores, comentadores e estudiosos de Benjamin divergem e propõem alternativas
para a tradução de Trauerspiel. Rouanet bem evidencia essas dificuldades, ora apontadas, na
nota de sua tradução. (Cf. ROUANET, Sergio Paulo. Nota do Tradutor. In: BENJAMIN, 1984, pp.
9-10.) As duas traduções para o português publicadas dessa obra possuem o termo traduzido
de formas diferentes. Rouanet (BENJAMIN, 1984) traduz como drama barroco, Barrento (BEN-
JAMIN, 2013) adota drama trágico. As duas alternativas têm insuficiências. Barrento verte para
o português a alternativa tragic drama do tradutor inglês John Osborne (BENJAMIN, 2003), con-
trariando a opção das línguas neolatinas ou românticas como faz Rouanet. A aproximação pelo
parentesco das línguas, entretanto, não ajuda na articulação contextual do termo. O significado
corrente de Trauerspiel é tragédia, designada em alemão também por Tragödie. É justamente a
diferenciação entre Trauerspiel e tragédia que Benjamin reivindica em seu livro, contra a inter-
pretação da tradição da crítica literária do Barroco. Drama é uma categoria mais geral que Ben-
jamin utiliza para referir-se tanto ao Trauerspiel como a tragédia clássica. Drama barroco, ape-
sar de resolver boa parte dos objetivos práticos da tradução, traz alguns prejuízos. Trauerspiel é
gênero literário que nasce no barroco, mas não se refere exclusivamente a esse período. Drama

319
Mariana Andrade Santos

momento de desenvolvimento da sua teoria da linguagem3 e marca a sua


renúncia total ao ideal de sistema da tradição filosófica.
Walter Benjamin foi o filósofo que colocou em evidência a impor-
tância da questão da forma de apresentação ou exposição (Darstellung)
do pensamento filosófico. O conceito de apresentação aparece logo na
primeira linha do prefácio, numa afirmação enfática de Benjamin: “É
característico do texto filosófico confrontar-se, sempre e de novo com
a questão da apresentação”4 (BENJAMIN, 1984, p. 49). No prefácio do
Trauerspiel Benjamin expõe os alicerces teóricos de sua filosofia na forma
de uma crítica do conhecimento. Benjamin procura com o prefácio mos-
trar a interpelação entre linguagem, história e verdade: operando uma
reabilitação das dimensões histórias e estéticas do pensamento filosófico.
A questão da forma de apresentação caracteriza a tarefa filosófica por-
que Benjamin defende que o esforço expressivo da linguagem constitui
o exercício do pensamento filosófico. Em um dos fragmentos de Imagens
do Pensamento Benjamin (2000, p. 268) afirma: “É sabido que o dizer não
é apenas a expressão do pensamento, mas também a sua realização. Do

barroco caracteriza-se como um vocabulário específico de crítica literária enquanto Trauerspiel


é tem uso comum na língua alemã. Haroldo Campos (1992) sugere o neologismo luti-lúdico,
buscando etnologicamente uma aproximação na tradução em português. Spiel refere-se a jogo,
espetáculo, folguedo e Trauer designa tristeza, não de forma geral, mas a tristeza provocada
pela morte, isto é, o estado do luto. Trauerspiel que Benjamin utiliza para caracterizar o teatro
barroco alemão seria, então, uma encenação do luto. A saída de Campos faz jus ao composto
da palavra original, mas desdobra a dificuldade de operá-la dentro da argumentação filosófica.
Romero de Freitas (2003) sugere a opção drama de luto, uma opção que parece interessante
mas apaga o elemento do lúdico que a expressão original possui. Pela dificuldade da tradução
optaremos por designar o termo no original em alemão.

3
Benjamin descreve o TrauerspielBuch como “antigo trabalho sobre a linguagem (...) maquilado
em teoria das ideias” em carta a Scholem, datada de 19 de fevereiro de 1925. Cf. BENJAMIN,
Walter. Correspondance, v. I, Tradução de G. Petitdemange. Paris: Aubier-Montaigne, 1989, p. 71
apud MURICY, 1999, p. 131.

4
Tradução modificada. Os dois tradutores dessa obra de Benjamin publicadas em português, a
saber, Barrento (BENJAMIN, 2013) e Rouanet (BENJAMIN, 1984), traduzem a palavra Darste-
llung utilizada por Benjamin (1991, p. 207) como representação. Gagnebin (2005, p. 184) dis-
cute a tradução e sentido da palavra Darstellung e aponta que o termo deve ser traduzido por
apresentação ou exposição, afastando a opção de traduzi-la por representação, porque reme-
teria ao sentido clássico do processo de representação mental de objetos exteriores ao sujeito
(Vorstellung), quando é justamente dessa tradição da filosofia da representação que Benjamin
está se contrapondo. Por essa razão, optamos por seguir a alternativa de Gagnebin e pela modi-
ficação das traduções disponíveis.

320
O corpo do pensamento: sobre a escrita filosófica e sua dimensão expressiva

mesmo modo, o caminhar não é apenas a expressão do desejo de alcançar


sua meta, mas também a sua realização.” O traçado da escrita expõe o
percurso do pensamento, o corpo do texto, a sua forma, é o espaço onde
se realiza o pensamento. E se como lembra Benjamin (1994, p. 37), re-
tomando uma antiga significação romana, texto é aquilo que é tecido, o
primeiro entrelaçamento que se mostra é aquele entre linguagem e pen-
samento. Ao se colocar como ponto de partida para o filosofar essa re-
lação profunda entre pensamento e linguagem, a reflexão sobre a forma
de apresentação ou exposição (Darstellung) da filosofia torna-se funda-
mental e desemboca, por sua vez, na discussão sobre as fronteiras e os
limiares entre a filosofia e a literatura.
No prefácio crítico-epistemológico, Benjamin (1984, p. 50) distin-
gue duas formas de conceber o pensamento filosófico, opõe a filosofia
como guia para conhecimento (Erkenntnis) e a filosofia como apresenta-
ção (Darstellung) da verdade. O primeiro modo do pensamento filosófico
desenvolve-se através dos procedimentos demonstrativos lógico-mate-
máticos, enquanto o segundo reivindica a natureza histórica e linguística
do pensamento filosófico. Nesse modo do pensamento filosófico defendi-
do por Benjamin a filosofia é entendida como exercício da forma e escrita
da apresentação, o pensamento filosófico realiza-se na codificação histó-
ria das línguas e não pode ser expresso através de um more geometrico. É
importante ressaltar que Benjamin não está invalidando um dos modos
do pensamento filosófico e sim reivindicando o direito à existência des-
sa outra dimensão do pensamento filosófico e outra possibilidade para
a expressão filosófica. Segundo Benjamin a filosofia que se desenvolve
através dos instrumentos da lógica-matemática acaba por eliminar o ver-
dadeiro problema com o qual a filosofia deve lidar, que é a questão da
apresentação, e se distancia da verdade que só pode ser alcançada pela
linguagem, através do exercício da forma de apresentação. Benjamin faz,
então, uma crítica a filosofia apresentada na forma do sistema. Diz Benja-
min (1984, p. 50):

O conceito de sistema, do século XIX, ignora a alternativa à forma


filosófica, representada pelos conceitos da doutrina e do ensaio
esotérico (...) Na medida em que a filosofia é determinada por esse
conceito de sistema, ela corre o perigo de acomodar-se num sin-
cretismo que tenta capturar a verdade numa rede estendida entre

321
Mariana Andrade Santos

vários tipos de conhecimento, como se a verdade voasse de fora


para dentro. (...) Se a filosofia quiser permanecer fiel à lei de sua
forma, como apresentação da verdade e não como guia para o co-
nhecimento, deve-se atribuir importância ao exercício da forma, e
não à sua antecipação, como sistema.

O sistema para Benjamin, age como se pudesse capturar e possuir


a verdade. Benjamin diferencia verdade e conhecimento: o sistema pode
ser capaz de possuir o conhecimento mas a verdade não pode ser possu-
ída, qualquer tentativa de posse é infrutífera uma vez que a verdade só
pode ser apresentada através do exercício da apresentação contemplati-
va. Benjamin nos fala, então, de uma apresentação contemplativa da ver-
dade através da imersão nos pormenores da coisa e nos diversos estratos
ou camadas de sentidos que elas possuem.
A leitura do Trauerspielbuch tem uma influência muito grande na
filosofia de Adorno, o contato com as ideias expostas por Benjamin mar-
carão e instigarão o pensamento de Adorno. Sem que desconsideremos
as divergências teóricas com as quais os dois filósofos se confrontarão e
as particularidades de seus pensamentos, uma evidência é inegável: as
questões apresentadas por Benjamin naquelas páginas densas e obscuras
de sua crítica epistemológica deixaram rastros e ecoam na filosofia de
Adorno. Também em um prefácio, de sua obra Dialética Negativa, Adorno
(2006, p. 37) afirma:

Para a filosofia a sua apresentação não é algo indiferente e extrín-


seco, mas imanente à sua idéia. Seu momento expressivo integral,
mimético-aconceitual, só é objetivado por meio da apresentação –
da linguagem. (...) O pensamento só se torna conclusivo enquanto
algo expresso, somente por meio da apresentação linguística; o
que é dito de maneira frouxa é mal pensado. Por intermédio da
expressão, o acuro lógico é conquistado laboriosamente para o
que é expresso.

Na passagem citada, Adorno evidencia o caráter de linguagem do
pensamento filosófico e a centralidade da questão da apresentação do
pensamento filosófico. Os vestígios do pensamento apresentado por Ben-
jamin no seu prefácio são notórios. Isto porque, assim como Benjamin,

322
O corpo do pensamento: sobre a escrita filosófica e sua dimensão expressiva

Adorno constrói sua filosofia a partir desse resgate da essência linguís-


tica do pensamento filosófico. A preocupação primordial com a forma
de apresentação da filosofia levou Benjamin, nas palavras de Adorno, a
filosofar contra a filosofia (ADORNO, 1986, p. 194), isto é, contra as exi-
gências sistemáticas da tradição filosófica. Adorno e Benjamin têm em
comum a mesma renúncia ao modelo metodológico lógico-matemático
que busca apropriar-se da verdade por meio do sistema filosófico. Contra
o sistema Benjamin recorre à forma do tratado medieval, apontando as
mesmas características da forma moderna do ensaio, que Adorno defen-
derá tão enfaticamente em O ensaio como forma. Os filósofos procuram
uma alternativa de uma forma para a escrita filosófica que não se devol-
va através dos “instrumentos coercitivos da demonstração matemática”
(BENJAMIN, 1984, p. 50).
A forma da escrita aparece, desse modo, em Benjamin e Adorno,
como possibilidade do desvio. Por esta razão, Benjamin afirma que o mé-
todo é o contrário do que é o método: o método é desvio. Ao lado da carac-
terização do método como desvio aparece a metáfora do mosaico. Benja-
min relaciona a forma do tratado com o mosaico pois ambos justapõem
elementos isolados e heterogêneos Diz Benjamin (1984, pp. 50-51):

A quintessência do seu método é apresentação. Método é caminho


indireto, é desvio. A apresentação como desvio é portanto a carac-
terística metodológica do tratado (...) Incansável, o pensamento co-
meça sempre de novo, e volta sempre, minuciosamente, às próprias
coisas. Esse fôlego infatigável é a mais autêntica forma de ser da
contemplação (...) Pois ao considerar um mesmo objeto nos vários
estratos de sua significação, ele recebe ao mesmo tempo um estí-
mulo para o recomeço perpétuo e uma justificação para a inter-
mitência do seu ritmo. Ele não teme, nessas interrupções, perder
sua energia, assim como o mosaico, na fragmentação caprichosa de
suas partículas, não perde sua majestade.

A forma ensaística aparece, na filosofia de Adorno, como a grande


opositora ao procedimento metodológico cartesiano. A forma ensaística
renuncia à maneira de proceder dos sistemas filosóficos e abandona as
regras metodológicas estabelecidas por Descartes em seu Discurso do Mé-
todo. Na história do pensamento, diz o filósofo (ADORNO, 2003, pp. 24-
25), o ensaio foi um dos poucos que ousou colocar em dúvida o direito,

323
Mariana Andrade Santos

sempre tido como incondicional, do método. Nesse sentido, ensaiar seria


o oposto de seguir um método, uma vez que proceder através de um mé-
todo é seguir um caminho pré-estabelecido, isto é, que delimita a inves-
tigação dentro de um caminho traçado que permita segurança e certeza
ao empreendimento buscado. O ensaio, enquanto forma de apresentação,
denuncia as pretensões de totalidade e continuidade como teoricamente
suplantadas.
Na forma ensaística o modo de apresentação é tão fundamental
uma vez que o seu elemento expressivo é decisivo para sua formulação.
No ensaio, o que se pretende nunca é uma mera comunicação de conte-
údos. Conteúdo e forma de apresentação são inseparáveis: ele não age
como quem comunica um conteúdo pronto e indiferente a sua forma de
dizer. Aquilo que o ensaio quer dizer está unido a sua forma de dizer, isto
é, ao próprio dizer. O ensaio, por isso, nunca age como se tivesse exposto
por completo a coisa, mas sim construído um modo de expressão dela.
Essa característica que marca a forma ensaística carrega algo em comum
com a peculiaridade do pensamento filosófico. Para Adorno (1995, p. 23),
como o pensamento filosófico se realiza, antes de tudo, na formulação do
problema, para a filosofia a apresentação também é um momento impres-
cindível. Por esta razão, Adorno (2003) afirmará a forma ensaística como
aquela que melhor consegue realizar e expressar o pensamento filosófico.
As observações de Adorno sobre o ensaio evidenciam, portanto, a relação
profunda entre a forma de apresentação e conteúdo do pensamento filo-
sófico, tal qual a posição defendida por Benjamin na crítica epistemológi-
ca no prefácio do Trauerspielbuch.
Para Adorno, a forma ensaística não cria uma estrutura, um cons-
truto fechado como os sistemas filosóficos; Adorno afirma (2003, p. 30)
que a configuração própria do ensaio é o movimento. O ensaio é mar-
cado, portanto, por uma profunda interação entre os conceitos de modo
a formarem uma espécie de tessitura em que esses estão dispostos em
configuração de um campo de forças. O que diferencia o ensaio das for-
mas consagradas pela tradição filosófica é o meio como ele arranja os
seus conceitos. O ensaio desenvolve-se reunindo os conceitos, operando
através da coordenação desses e não através da subordinação. O ensaio
não abandona, pois, a argumentação ou simplesmente se opõe a lógica
discursiva, ele abandona o procedimento discursivo da hierarquização

324
O corpo do pensamento: sobre a escrita filosófica e sua dimensão expressiva

subordinativa. Para Adorno (2003, p. 31), na tradição é esse procedi-


mento que confere alicerce e força persuasiva para os discursos teóricos
dos sistemas filosóficos. O ensaio, entretanto, não deixa de ser discurso e
não é alógico. É justamente porque o ensaio não abre mão da linguagem
discursiva e do trabalho com os conceitos que a exposição se torna tão
fundamental para essa forma de apresentação.
O ensaio, diferentemente do pensamento produzido pelos sistemas
tradicionais da filosofia, escolhe para si a experiência intelectual como mo-
delo da sua própria organização conceitual. Segundo Adorno (2003, p. 32),
na experiência intelectual os conceitos não formam uma ordem contínua
de operações, isto é, o pensamento não avança em um sentido único. Por
isso Adorno (2003, p. 30) afirma que “o ensaio procede, por assim dizer
metodologicamente sem método.” Esse desvio do método operado pela for-
ma da escrita opera uma quebra do continuum linear argumentação lógico-
-discursiva e na estrutura metodológica que aprisiona o pensamento em
sua necessidade de ser contínuo e ininterrupto: nessa forma de conceber
o pensamento filosófico, contrariamente, o pensamento escapa dos limites
do método e nele é permitido ao pensamento errar e caminhar por des-
vios, através de descontinuidades e atalhos através da tensão criada pela
reunião desses fragmentos do pensamento - isolados e diferentes entre si
como os elementos que formam mosaico. A relação entre as partes, entre
os fragmentos do pensamento não é de ordem lógico-matemática ou casu-
al. A imagem que Adorno (2003, p. 30) traz à tona é a de um tapete, em que
os pontos ou nós que o constituem são como os vários momentos do pen-
samento que se entrelaçam. O pensador que consegue fazer de si mesmo
palco dessa experiência, sem tentar desemaranhá-la é aquele que está mais
próximo dessa verdadeira experiência intelectual. Na defesa adorniana do
ensaio ouvimos ecoar a conhecida afirmação de Benjamin (1984, p. 50) no
prefácio: “A quintessência do seu método é a apresentação. Método (Weg) é
caminho indireto, é desvio (Umweg)”.
No prefácio da Dialética Negativa Adorno nos mostra uma interes-
sante interpretação do conceito de dialética: etimologicamente, a dialética
entendida como “organon do pensamento” (ADORNO, 2009, p. 55) expres-
saria justamente o co-pertencer da linguagem e do pensamento. Adorno
(2009, p. 54) diz que “pela sua ligação, seja manifesta, seja latente, a textos,
a filosofia confessa o que ela tenta em vão negar pelo ideal de método, a

325
Mariana Andrade Santos

saber, sua essência linguística”. A defesa da essência linguística do pensa-


mento filosófico, isto é, o seu pertencer à linguagem, nas filosofias de Ador-
no e Benjamin trazem à cena e tornam visível o corpo do pensamento, isto
é, a linguagem entendida como a expressão física do pensamento. A defesa
dessa dimensão linguística do pensamento filosófico evidencia o momento
não-conceitual do e no próprio conceito: esse momento mimético do pen-
samento se funde no momento racional, uma faculdade mimética que co-
existe justo ao órgão lógico. Para Adorno (2009, p. 18), todos os conceitos,
mesmo os filosóficos, apontam para um elemento não-conceitual: esse se-
ria o momento ou a dimensão mimética do pensamento.
Adorno, nessas páginas introdutórias de sua obra, afirma que a es-
sência linguística foi prescrita ao longo da história da filosofia como re-
tórica e é essa dimensão retórica que defende e faz ver que na filosofia o
pensamento só pode ser pensado na linguagem. O filósofo nos fala de uma
espécie de alergia ou preconceito da tradição filosófica com relação ao as-
pecto retórico do pensamento: a dimensão retórica do pensamento foi his-
toricamente considerada “uma mácula do pensamento” (ADORNO, 2009,
p. 55). Adorno relaciona, então, o aspecto retórico do pensamento como
sendo sua dimensão mimético-expressiva e, portanto, a dimensão corporal
do próprio pensamento. Tomando, então, a linguagem como sendo o corpo
do pensamento, Adorno (2009, p. 56) afirma que essa questão sempre foi
vista como pecaminosa pela filosofia. Isto porque historicamente, na filo-
sofia, o corpo sempre foi considerado como aquilo que atrapalha e rebaixa
a alma. Segundo esse olhar crítico para a história da filosofia, existiria na
filosofia um ideal ainda vigente que procura emancipar o pensamento de
sua relação com o corpo e com a linguagem, na tentativa de se aproximar do
pensamento puro: na expressão de Jeanne-Marie Gagnebin (2001, p. 358),
“o ideal desencarnado e deslínguistico do pensamento filosófico”, isto é, pu-
rificado de sua relação com a materialidade e com a espessura linguística.
A afirmação da necessidade da reflexão sobre de apresentação da
filosofia e a defesa da essência linguística da filosofia denunciam uma
concepção dogmática que sustenta a possibilidade de separação entre as
dimensões de forma e conteúdo, isto é, entre a forma de exposição e o
pensamento filosófico. Nesse sentido, argumenta Jeanne-Marie Gagnebin
(2006, p. 202):

326
O corpo do pensamento: sobre a escrita filosófica e sua dimensão expressiva

A afirmação implícita da existência de uma dimensão “meramente


metafórica” ou “meramente retórica” repousa em uma concepção
acrítica, dogmática, e mesmo trivial das relações entre pensamento
e linguagem: como se o pensamento elaborasse a si mesmo numa
altivez soberana sem tatear na temporalidade das palavras que, no
entanto, o constitui.

Essa concepção dogmática está escondida no interior da partilha,


histórica e socialmente consolidada, dos vários tipos de saberes. E de-
monstra uma posição que desconsidera as ambiguidades presentes no
discurso filosófico, ao colocar de lado as relações recíprocas entre pensa-
mento e linguagem, entre as formas de apresentação (Darstellungsformen)
e a elaboração do pensamento filosófico.
Contra essa tradição filosófica que afasta ou desconsidera a densi-
dade linguística e histórica do pensamento, Benjamin e Adorno buscam
uma reelaboração da tarefa filosófica através de um duplo resgate: resga-
te do caráter linguístico do pensamento filosófico e resgate do caráter his-
tórico da verdade através da defesa da dimensão estética do pensamento.
A atenção à historicidade da linguagem e à materialidade das palavras se
torna condição de possibilidade para o exercício do pensamento filosófi-
co. Para esses filósofos, o lugar do pensamento é na sua forma, no corpo
do texto, entre as suas margens. O lugar do pensamento não é no espaço
interior e delimitado dos saberes é no lugar-entre, nas suas margens. E
recusar o lugar de pertencimento e delimitação é colocar-se às margens.
Saímos assim do lugar de conforto e segurança que é pertencer ao reino
da soberania da razão, e estamos num lugar, por natureza, híbrido e fron-
teiriço, nas margens e limiares em que se entrecruzam os caminhos do
pensamento, da linguagem e da história.

Referências

ADORNO, Theodor. Introdução. In: Dialética Negativa. Tradução de Marco Anto-


nio Casanova. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, pp. 11-56.

______. O ensaio como forma. In: Notas de Literatura. Tradução de Jorge de Almei-
da. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003, pp. 15-46.

327
Mariana Andrade Santos

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