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o DISCERNIMENTO DOS ESPÍRITOS

EM SANTO INÁCIO DE LOYOLA


Benno Broã, S. J.

A busca de Deus em todas as Assim, conhecemos todo o tra-


coisas constitui o núcleo da espi- balho dos Profetas, que são, por
ritualidade e da oração de Santo excelência, os leitores do desígnio
Inácio e da Companhia de Jesus. de Deus enquanto ele se manifesta
Coloca-se-nos com isto a grande nos acontecimentos simples, histó-
pergunta de como, sempre e em ricos, econômicos, políticos, sociais
todas as coisas, achar a Deus e e religiosos do povo de Israel. Por
sua Vontade. É sobre isso que uma assistência especial de Deus
vamos refletir e dividiremos nosso (o dom da fé e da sabedoria), os
estudo em três partes: primeiro, Profetas sabem ler e interpretar a
olharemos o Discernimento na Sa- história de seu povo e descobrem
grada Escritura; em seguida, ve- nela um Plano de Deus, uma dire-
remos a experiência de Santo tividade.
Inácio no Discernimento dos espí- Os "Sábios" do Novo Testamento
ritos; e, por fim, faremos algimias herdaram a mesma tradição: des-
reflexões teológicas, espirituais e cobrir, diante de um acontecimento
pastorais conclusivas. qualquer, especialmente diante de
acontecimentos "chocantes", qual a
I Vontade de Deus que neles se ma-
nifesta. Numa linguagem teológica
O DISCERNIMENTO NA mais atual, nós diríamos: descobrir
SAGRADA ESCRITURA a Palavra de Deus nos sinais dos
tempos. Assim, por exemplo, São
A Sagrada Escritura, desde o Lucas nos refere que, na Anun-
Antigo Testamento, tem uma tra- ciação do Anjo, Maria ficou pen-
dição impressionante de reflexão sando no que significaria aquela
sobre a história para ver o sentido saudação. Muitas coisas estranhas
dela, para descobrir a Vontade de que aconteciam com o Menino
Deus, manifestada através dos Jesus levaram José e Maria a re-
acontecimentos. É um esforço de fletir dias, talvez anos inteiros,
Interpretação dos acontecimentos para lhes descobrir o sentido.
à luz da fé. Quando os pastores e os magos

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foram embora, louvando a Deus, nio e delirava, outros ponderando:
Maria ficou "guardando tudo no "Estas palavras não são de alguém
seu coração". Igualmente a perda que está endemoninhado. Acaso
de Jesus no templo e suas palavras, pode o demônio abrir os olhos de
que seus pais não compreenderam, um cego?" (Jo 10, 19-21). Estamos
foi objeto de meditação. Portanto, sempre na linha da tradição pro-
vemos sempre essa reflexão, esse fética, da busca da Palavra de
esforço de discernimento. Deus e da sua Vontade nos aconte-
O capitulo 7.° do Evangelho de cimentos que são presenciados.
São João pode ser considerado Pentecostes se evidencia, neste
como que uma teologia do discerni- contexto, com uma força toda
mento dos espíritos. Temos várias especial. Afinal, fora a respeito do
vezes a impresão que causa no Espirito Santo que Jesus tinha
povo o falar ou o agir de Cristo, e o dito: "Eu teria ainda muitas coisas
povo se põe a refletir. Por exemplo, a vos dizer. Mas virá o Espírito
no versículo 12: "E na multidão só Santo: ele vos introduzirá em toda
se discutia a respeito dele. Uns a verdade" (Jo 16, 12-13). Acom-
diziam: É um homem de bem. Ou- panhemos um pouco esses fatos:
tros, porém, diziam: Não, ele seduz quando irrompe o Pentecostes, to-
o povo". Versículos 25-26: "Algumas das as pessoas acorrem atônitas,
das pessoas de Jerusalém'diziam: sem saber o que pensar. Não des-
Não é este, por acaso, aquele a cobrem o significado de tantas
quem procuram tirar a vida? E eis coisas estranhas de que são tes-
que ele fala em público. Será que temunhas: os Apóstolos falando
as autoridades reconheceram nele línguas, com um entusiasmo in-
o Cristo?" Versículo 31: "Muitos do comum, o ruído, o vendaval, etc.
povo creram nele e perguntavam: "Profundamente impressionado, o
Quando vier o Cristo, fará mais povo manifesta a sua admiração:
milagres do que ele?" E no versí- Como é que eles falam e nós os
culo 40: "Ouvindo estas palavras, entendemos em nossas línguas?"
alguns daquela multidão diziam: (At 2, 7s). E adiante: "Estavam
Este é realmente o Profeta. Outros todos atônitos, sem saber o que
diziam: Este é o Cristo. Mas outros pensar, e perguntavam uns aos
protestavam: É por acaso da Ga- outros: O que significa tudo isso?"
liléia que deve vir o Profeta?" (At 2, 12).
Debatem, portanto, entre si todos No capítulo 5.° dos Atos temos
os aspectos, todas as razões pró e outro exemplo: Pedro e João
contra. tinham sido presos, depois liber-
No capítulo 10.°, quando Jesus tados e novamente presos. Em tudo
fala do Bom Pastor, que é ele isso os dois Apóstolos mostram
mesmo, João observa a certa altu- uma extraordinária coragem e for-
ra: "Jesus disse-lhes esta parábola, taleza. Impressionam pelas suas
mas eles não entendiam do que ele palavras, eles que não estudaram.
queria falar" (v. 6). Jesus continua Soltos, mas proibidos de falar sobre
falando, e no fim São João mostra Jesus ao povo, logo voltam a pre-
como o povo continua refletindo e gar. São novamente presos e de
como as opiniões se dividem: uns noite misteriosamente libertados
achando que Jesus tinha um demô- por um anjo. Em meio a tudo isso.

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o sumo-sacerdote, os escribas e os feria com as Profecias; para ver se
chefes do povo começam a ficar a Palavra atual que eles ouviam, os
perplexos e indagam entre si sobre apelos atuais, conferiam com a
o que significaria tudo aquilo. E Palavra revelada: "anakrínontes
aqui temos um pormenor impres- tás graphás"!
sionante: enquanto estão neste si- Concluindo, podemos dizer que,
lêncio, nesta reflexão, procurando sem termos (é claro) na Sagrada
uma explicação a todos os fatos Escritura um método de discerni-
estranhos de que são testemunhas, mento, temos nela, de fato, o con-
sobrevém de repente algo que teúdo. A Sagrada Escritura é, afi-
transtorna tudo, que os tira da nal, não somente a história dos
tranqüilidade e da capacidade de "gestos" de Deus comprometendo-
reflexão. Alguém traz a notícia: se com os homens, nem somente a
"Os dois que metestes na prisão história da resposta dos homens
estão no templo ensinando o aos apelos de Deus, mas é também
povo!" E como isso tudo desmo- a história da descoberta desses
rona; perdem a paz, nem têm mais apelos de Deus pelos homens. A
condições de continuar a reflexão. Escritura nos mostra o carisma, a
Tinham tido uma hora de graça. espiritualidade, a mística e a teolo-
Se ao menos neste dia tivessem gia dos "profetas", daqueles que
conhecido o que lhes poderia tra- procuravam discernir, à luz da
zer a paz! Mas o ocultaram a seus fé, na trama dos acontecimentos,
olhos (Cf. Lc 19, 42). normais ou'excepcionais, qual era
Em Jope, Pedro sobe ao terraço a Palavra, a Vontade, o Desígnio
para fazer sua oração ao meio-dia. de Deus em relação à humanidade.
Tem então a visão do lençol cheio
de animais, visão que se repete II
duas vezes. Pedro se põe a pensar
no que significaria aquela visão e SANTO INÁCIO E O
as palavras do anjo que ouvira. E DISCERNIMENTO DOS
sabemos que se tratava de uma ESPÍRITOS
questão muito séria que agitou a
primeira Igreja: admitir ou não os Santo Inácio nos dá uma verda-
pagãos à Igreja, fazendo-os passar deira metodologia para fazermos o
ou não pela observância da lei Discernimento dos Espíritos. Aqui,
mosaica. em primeiro lugar, vamos ver as
Finalmente, mais um fato suges- experiências iniciais de Inácio e de
tivo que os Atos nos narram, no seus companheiros, desde Paris até
capitulo 17: quando Paulo chega à a Grande Deliberação de Roma;
Beréia (depois de pregar em outros depois, a Grande Deliberação, a
lugares, donde, perseguido, se re- "Deliberatio Primorum Patrum".
tirou), anuncia o Evangelho e os 1. As primeiras deliberações de
judeus de Beréia receberam a Pa-
lavra "com todo o coração" (At 17, S. Inácio e de seus companheiros.
11). Mas, por dias a fio ficaram Sabemos que Inácio, antes de
perscrutando as Escrituras para iniciar sua atividade apostólica, e
ver se tudo o que Paulo dizia a também depois de formar o seu
respeito de Jesus de Nazaré con- grupo de "companheiros de ideal".
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foi um homem do silêncio, da re- nheiros determinam, após longa
flexão sobre tudo o que acontecia reflexão, não ir, por enquanto, a
com ele. É o Inácio da solidão, que Jerusalém, como tinham projetado.
reflete o que fazer, que observa e Decidem fazer voto de pobreza, e
analisa tudo, desde os seus movi- depois irão a Jerusalém, se houver
mentos internos de paz e gozo, ou navios, para ajudar os fiéis e in-
de desolação e tristeza, na conva- fiéis. Alguém do grupo faz uma
lescença em Loyola, até as longas objeção: achava que se deviam de-
meditações sistemáticas em Man- dicar só ao apostolado entre os
resa. Quando não sabe o que fazer, infiéis. Voltam a refletir e a dis-
abandona-se ingenuamente à Pro- cutir. Não chegam a ver claro, e
vidência: é o caso anedótico, do então decidem finalmente voltar
estilo dos Fioretti de São Francisco, ao assunto em Jerusalém, por não
em que deixa sua montaria tomar acharem solução por enquanto; lá
o caminho da direita ou da es- fariam oração sobre o assunto e
querda. A visão do Cardoner signi- decidiriam por maioria de votos.
ficou como que a compreensão Manifestam suma seriedade e pru-
fimdamental do Plano de Deus dência: se não têm clareza, voltam
sobre sua vida: viu-se radicalmen- a procurá-la e isso se notará sem-
te colocado diante do Criador e pre em Inácio: enquanto não hou-
Senhor de todas as coisas e do ver clareza, não se toma decisão.
apelo que ele lhe fazia. Foi uma
experiência de iluminação profun- b) No caminho de Veneza
damente mística, e Inácio não nos (1536-1537).
deixou dela uma descrição siste-
mática, mas ela vai estar espargida é Inácio fica doente de estômago e
mais tarde ao longo do livro dos sua terra natal.a Reúnem-se
aconselhado ir tratar-se em
Exercícios Espirituais e nas Cons- decidir onde se encontrarão para
tituições. Uma vez fundado o grupo volta dele. Seria em Veneza. nJá a
dos "amigos de ideal", faz todas as
suas opções no discernimento co- sem Inácio, os outros decidem jun-
munitário. Nada mais se decideNo caminho edecidem
tos quando como ir a Veneza.
individualmente. Alguns passos pobreza que vão adotarodurante modo de
a
dessa experiência dos primeiros je- viagem e como irão: se dois a dois,
suítas nos mostrará, sempre mais ou todos juntos. Reúnem-se para
claramente, o método inaciano de decidir tudo isso, todas essas, coisas
fazer o Discernimento: pequenas. Vão com isso aprenden-
do a procurar seriamente a vonta-
a) Paris (1528-1536). de de Deus em tudo. E aos poucos
Aqui eu sigo e resumo um estudo aparece um verdadeiro método pa-
do Padre Francisco Xavier Egana, ra achar com mais verdade a von-
S. J.: "Orígenes de Ia Congregación tade de Deus no discernimento:
General en Ia Compafiía de Jesus" preparam-se à decisão pela oração,
(Bibliotheca Instituti Historiei, S.J. confissão e eucaristia; propõem as
vol. XXXIII, Roma, 1972, pp. 1-16). várias opções e as discutem entre
Em Paris temos a primeira grande si por ordem; finalmente se tomam
decisão em grupo, o voto de as decisões que mais ajudam ao
Montmartre. Inácio e seus compa- fim que intentam, por maioria de

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votos; e, depois de decidir, dão rando sorte. Agora não mais tiram
graças a Deus. Portanto, tudo é sorte, mas refletem sobre isso: o
iniciado com a oração, com a qual que é melhor? O prazo de o navio
querem se tornar atentos à Pala- partir chega ao fim. Inácio está
vra de Deus; segue a reflexão, em Roma. Decidem encontrar-se
diante de Deus, sobre quais os mo- com ele em Roma para a importan-
dos que mais levam a fazer a von- te decisão do que fazer agora, já
tade divina, e, no fim, um último que a esperança de poderem reali-
olhar para Deus, na gratidão. zar a viagem à Terra Santa, ob-
jeto do voto em Paris, desapareceu
c) Em Veneza (1537). para sempre. Deve também ser des-
Em Veneza os companheiros se se tempo a decisão do nome que
reúnem para decidir como empre- deram ao grupo. Refere o Padre
gar melhor o tempo enquanto es- Polanco que, como não tinham
peram o navio para ir à Terra chefe nem prepósito algum — isso
Santa: servir aos pobres e ir a é interessante observar: não ti-
Roma pedir a bênção do papa pa- nham nenhum superior propria-
ra seus projetos. No caminho de mente dito do grupo — decidem que
Roma discutem e decidem em co- se chamarão "Companhia de Je-
mitm qualquer dificuldade que sus", porque Jesus seria e era o
apareça. Irrompe a guerra entre único chefe deles. Em todas essas
Veneza e os turcos: não há mais decisões sempre precedia a oração,
navios. Reúnem-se e decidem es- a fim de se colocarem numa dis-
perar um ano. Novamente se reú- posição de alma aberta, pobre, dis-
nem e decidem se ordenar. Final- posta a descobrir a Vontade de
mente decidem não mais trabalhar Deus.
só com os pobres, porque isso lhes
tira muito tempo e não lhes deixa e) Em Roma (1537-1539)
a paz desejada para crescer. Deci- PedrO' Fabro, Laynez e Inácio,
dem então trabalhar em diversos que foram a Roma antes dos outros
centros, em diversas cidades, por companheiros, decidem juntos o
pequenos grupos. apostolado que na cidade eterna
d) Em Vlcema (1537). iriam exercer: Inácio dá os Exer-
cícios Espirituais e os outros dois
Nesta cidade se encontra o pe- se ocuparão do ensino na Sapien-
queno grupo apostólico de Inácio, za. Quando vêm os companheiros,
formado ainda por Laynez, Fabro tomam várias decisões em comum.
e Coduri. Os quatro decidem e Em Veneza, por exemplo, cada um
fazem tudo no discernimento co- tinha sido, por seu turno, o repre-
munitário: reúnem-se para orga- sentante do grupo por uma sema-
nizar o apostolado. Como ainda na. Agora aumentam o prazo para
não há navios para Jerusalém um mês; mas ainda não têm pro-
reúnem-se todos os grupos e re- priamente um superior. Deliberam
solvem consagrar-se ao trabalho sobre os pedidos de alguns novos
nas diversas cidades universitárias que se apresentam para entrar no
da Itália. Decidem jimtos a com- grupo deles, novas vocações. Reú-
posição dos grupos. Na primeira nem-se, rezam, refletem e decidem.
vez tinham formado os grupos ti- Reúnem-se novamente para deci-

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dir se deixam Roma diante da per- ra se trata de uma deliberação
seguição que sofrem por parte do realmente comunitária, feita em
agostiniano Mainardi. Todos acham grupo e pelo grupo. Também no
que deveriam sair para deixar pas- grupo de companheiros o método
sar a tempestade, e temos então a fora sendo tentado, amoldado e
única vez em que S. Inácio sozinho aperfeiçoado.
vai contra todo o resto do grupo: Devemos recordar que os dez
diz que não devem sair, mas en- companheiros ainda não tinham
frentar a situação. Esta objeção de nenhuma constituição jurídica, ne-
Inácio é feita durante o debate, nhimi voto de obediência a um su-
não depois da decisão final — por- perior. Inácio certamente era con-
que nunca decidiam enquanto não siderado no íntimo de todos como
chegavam à unanimidade. o irmão mais velho, e mesmq como
o pai do grupo. Mas não como supe-
2. A "Deliberatio Primorum Pa- rior hierárquico. Eram um grupo es-
trum" — Roma (1539). pontâneo de homens que sentiram
Finalmente vem a grande deci- uma vocação de Deus e se encon-
são do que agora fazer da Compa- traram neste mesmo chamamento.
nhia. É nesta deliberação, que o A grande deliberação, portanto, se
método de discernimento dos es- faz numa Companhia onde não há
píritos é levado à maior perfeição. ainda voto de obediência. Hoje a
O objetivo de irem a Jerusalém, Companhia já não é assim. Por isso
como vimos, desaparecera defini- há uma diferença fundamental en-
tivamente. Afinal, isso tinha sido tre um grupo de jesuítas que hoje
o objetivo do grupo, conforme o faz o discernimento comunitário e
voto de Paris. Então, o que fazer? o primeiro grupo de Inácio. Hoje
Vamos acompanhar; passo por temos voto de obediência, temos
passo, todos os momentos da De- constituição jurídica e superiores
liberação, já que nela está o nú- dentro da Companhia, não só na
cleo de toda a metodologia de Iná- Companhia como um todo, mas
cio. Veremos primeiro uma Intro- também em suas províncias e ca-
dução, depois o próprio desenrolar sas. Numa comunidade que hoje
histórico da Deliberação, e final- faz discernimento, coloca-se uma
mente uma análise dela. pergunta essencial: qual é o papel
do superior, desde o Geral, o Pro-
a) Introdução. vincial, até o superior de uma ca-
É nesta Deliberação que o grupo sa? Qual seu papel no interior de
de Inácio segue o que poderíamos um discernimento comunitário?
chamar de método definitivo, sis- Não entramos aqui nesta questão,
temático, científico do Discerni- mas, tendo tomado consciência de-
mento comunitário. Inácio já o la, vejamos mais detalhadamente
ensaiara há vários anos nos Exer- o que foi aquela "Deliberação dos
cícios que dava. Fazia o retirante Primeiros Padres", considerada
fazer o discernimento. Mas era um prototípica.
discernimento individual, ainda
que não totalmente, porque o re- b) O histórico.
tirante sempre contava com o eco Tratava-se do seguinte: como o
do diretor dos Exercícios. Mas ago- objetivo do grupo, assim como o
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tinham projetado em Paris (tra- questão: "vamos tratar agora do
balhar entre os fiéis e infiéis da seguinte"; refletir sobre ela sozi-
Terra Santa) tinha desaparecido, nho; depois expor no grupo as
perguntavam-se se se dispersariam, opiniões de cada um, aduzindo as
ou se ficariam unidos; se forma- razões que acharam na sua refle-
riam uma nova Ordem e se, por xão e oração; votação e aceitação,
conseguinte, fariam voto de obe- por todos, da solução que tivesse
diência a um superior do grupo. mais votos e mais razões eficazes.
A Deliberação dos Primeiros Pa- Segundo este método, chegaram
dres durou pelo menos uns três a um resultado quanto à primeira
meses, de abril até junho de 1539. grande questão: se continuariam
Eram dez os componentes do unidos ou se acabava a história de-
grupo. Nem sempre estavam todos les como grupo. Fói fácil decidir
presentes durante a Deliberação, que deveriam continuar imidos.
mas o que se decidisse engajaria a Mas na questão da obediência, por-
todos, presentes e ausentes! Fal- tanto de formar realmente uma
tava às vezes um; no máximo che- Ordem Religiosa, o método até en-
garam a faltar três. tão empregado não deu o resultado
Reuniam-se à noite, na casa de desejado: não chegavam a uma
um amigo, Antônio Frangipani. conclusão que "contentasse suas
Durante o dia se dedicavam aos almas". Nem. depois de muitos dias
costumeiros trabalhos de caridade de oração e discussão.
e apostolado, pensando e orando Reexaminam então o método e
sobre os pontos a tratar de noite. estabelecem o seguinte:
O procedimento seguido para — Deveria proceder uma prepa-
achar a vontade de Dexis foi o se- ração espiritual mais intensa, que
guinte: consistia em: primeiro, colocar-se
— Insistir, durante o dia, na na disposição de alma do "terceiro
oração; ou durante os dias, pois grau de humildade" (1). É a má-
não se encontravam cada noite. xima perfeição que Santo Inácio
Essa oração era uma oração so- também exprime na Regra 11 das
bretudo pessoal. Constituições. Segundo, guardar
— Usar toda a diligência huma- silêncio com os homens, para ouvir
na possível. Quer dizer: procurar melhor e só a voz de Deus. Ter-
compreender, digamos assim, cien- ceiro, des-subjetivar o problema,
tificamente, todos os dados, pró e isto é, decidir não como se deci-
contra, da questão a decidir. E pa- dissem uma questão deles, mas
ra isso seguiram os seguintes pas- como se decidissem algo que va-
sos: determinar claramente a lesse para outros. Assim tiravam
(1) No livro dos Exercícios Espirituais, mente a Cristo Nosso Senhor, quero
Santo Inácio explica assim este ter- e escolho antes a pobreza com Cristo
ceiro grau de humildade: "O terceiro que a riqueza, opróbrlos com Cristo
modo é humildade perfeitíssima: a coberto deles que honras, e prefiro
saber, quando, incluindo o primeiro ser tido como néscio e louco por
e segundo e sendo igual o louvor e Cristo, que primeiro foi tido como
glória da Divina Majestade, para imi- tal, a passar por sábio e prudente
tar e assemeltiar-me mais efetiva- neste mundo" (n.o 167).

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tudo aquilo que poderia ser incli- com sua inteligência humana; ter-
nação pessoal, ou autodefesa. ceiro, encontro do grupo; quarto,
Vemos que é radical esse con- julgamento e avaliação das razões;
junto de exigências. O mesmo en- quinto, o "sentir" a Vontade de
contramos na Eleição dos Exercí- Deus; e sexto, "confirmação" e
cios Espirituais. E assim, após toda ação de graças. A oração explícita
essa preparação, se seguiu a dis- está mais no primeiro, no quinto
cussão que, por sua vez, era tam- e no sexto momentos.
bém mais ordenada: Algumas considerações a respei-
— Durante um primeiro momen- to de cada elemento:
to só discutiam as vantagens, e A disposição da alma.
depois só as desvantagens. Um dia
os prós, e no outro os contras, ex- Trata-se, antes de mais nada,
pondo tudo o que acharam, todas de uma exigência radical prévia:
as circunstâncias, todas as razões. a "indiferença inaciana": tanto faz
Todos expimham o que acharam que descubramos isto ou aquilo;
e, em seguida, discutiam e con- se for isto, assumi-lo-emos; se des-
frontavam tudo entre si, para ve- cobrimos o contrário, com a mes-
rem as "razões mais eficazes". ma disponibilidade tomaremos a
E chegaram ao resultado: todos direção contrária. A "disposição da
unanimemente "sentiram" — é a alma" também implica em colocar-
palavra que se usa — qual a Von- se diante de Deus, "na paz e no
tade de Deus: formariam uma Or- gozo do Espírito Santo": "quod
dem Religiosa. unusquisque niteretur in invenien-
do gaudium et pacem in Spirito
Contudo, voltaram no dia se- Sancto". Portanto, não só hmna-
guinte para "confirmar", para namente estar indiferente, mas
rever tudo. E assumiram a con- diante de Deus, em Deus, no Espí-
clusão a que tinham chegado. rito Santo. Pergunto-me se eu,
c) Análise. olhando nos olhos de Deus, estou
totalmente tranqüilo. Não me es-
Analisando um pouco mais essa condendo, nem escondendo qual-
Deliberação e seu método, quere- quer coisa, mas numa total aber-
mos destacar o seguinte: tura: estou tranqüilo? A essa "dis-
Em primeiro lugar, percebemos posição da alma" pertence ainda o
que em toda essa Deliberação estão estar disposto ao terceiro grau de
envolvidas a oração e a reflexão. humildade, isto é, preferir sofrer
É a oração daquele grupo, naquele como e com Jesus e por amor a ele,
momento histórico, que procura do que gozar de honra e reconhe-
descobrir a Vontade de Deus a seu cimento, pelo simples motivo de ser
respeito. Depois, parace-nos que, mais semelhante a Cristo. Inácio e
no método de S. Inácio e de seus seus companheiros querem procu-
companheiros, temos os seguintes rar a vontade perfeita de Deus:
grandes elementos básicos: pri- "quaerere Dei beneplacitam et
meiro, a disposição da alma; se- perfectam voluntatem". Levaram
gundo, a diligência pessoal, a dias se dispondo na oração, pois
reflexão, o estudo de todas as ra- significava chegar a uma liberta-
zões que conseguissem descobrir ção total no seu interior.

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2fi) A diligência pessoal. pormenor muito fino: maioria de
votos, sim, porém junto com as
É a reflexão, em que se procu- "razões mais eficazes". Assim é
ram todas as razões humanamen- afastada toda a possibilidade de
te possíveis e ao alcance da inte- pressão no grupo. Nunca o voto foi
ligência. Aqui teríamos, talvez, — sacralizado como se fosse a mani-
se quiséssemos falar em dons do festação definitiva da Vontade de
Espírito Santo — o dom da ciên- Deus.
cia: trata-se da própria capacida-
de da inteligência humana. É um 5flJ O quinto momento é o "sentir".
dom de Deus, mas, digamos assim, Palavra da qual é difícil dizer
um dom humano, uma "faculda- todo o significado e conteúdo. Mas
de" humana. É diferente do dom é certamente a palavra-chave em
da sabedoria que encontraremos todo esse Discernimento. Compor-
em outro momento: no "sentir" e ta aquele "gaudium et pacem in
na "confirmação". A diligência pes- Spiritu Sancto", ou a "consolação",
soal consiste, portanto, como di- que é descrita no livro dos Exer-
zíamos, em colher todos os dados cícios. É ter na alma aquela "mo-
que puderem ser colhidos, contra ção interna com que nos inflama-
e a favor. Durante essa diligência mos no amor para com nosso Cria-
pessoal, Inácio e seus companhei- dor e Senhor, e, em virtude da
ros exigiram de si o não falar com qual, a nenhuma criatura sobre a
ninguém sobre o assunto. Cada terra podemos amar em si mesma,
um, com as suas possibilidades, mas só no Criador e Senhor de to-
com a sua capacidade, sem se dei- dos" (Exercícios Espirituais, n.°
xar influir, refletindo sozinho, pro- 316). Portanto, é ter aquela liber-
curava todos os dados e pesava tação e inteira alegria no Espírito
todas as razões. Santo. Consolação, segundo o mes-
3. °/* O encontro do grupo. mo livro dos Exercícios, também se
chamam as "lágrimas que movem
O grupo,se reúne e todoá expõem ao amoj (e que são) suscitadas pe-
o que acharam, e expõem também la dor dos pecadas, pela Paixão do
se chegaram à liberdade interior, Senhor ou por outras coisas orde-
ao gozo e paz no Espírito. Expõem nadas diretamente a seu serviço e
e discutem sistematicamente os amor" (ibid.). Ainda é consolação
prós e os contras de todos. "todo o aumento de esperança, fé
e caridade" (ibid.). Trata-se, por-
4.") O julgamento. tanto, de um sentir teologal, que
É feito por maioria de votos. só se tem em Deus e de Deus. E,
Quando todos expuseram tudo o finalmente, consolação é toda a
que tinham achado, então fazem "alegria interior que nos chama e
votação. Porém, nimca, em todos atrai para as coisas do céu, levan-
esses Discernimentos do grupo de do-nos a cuidar da verdadeira sal-
(Santo Inácio, está dito que a maio- vação da nossa alma, tranqüilizan-
ria de votos eqüivale, de per si, à do-a e pacificando-a em nosso
decisão final. A simples maioria de Criador e Senhor" (ibid.). São co-
votos não significa terem achado lunares estas palavras; simples-
a Vontade de Deus. Há mais um mente radicais na sua exigência.

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Quanto à obediência, por exemplo, nos olhos de Deus, é necessário que
o grupo de Inácio levou muito tem- a gente tenha luna imagem verda-
po para pô-la em votação, como deira de certas coisas, de si mesmo
vimos antes. Discutiram muito, e principalmente de Deus. Se não,
mas não acharam a melhor ver- todas as distorções, que talvez se
dade. Por quê? Porque "não sen- infiltraram em nós desde a infân-
tiam" onde estava a paz. Viam as cia, nos bloqueiam e impedem que
razões, viam o resultado das vota- sua verdade se nos manifeste. Mui-
ções, mas não se sentiam tranqüi- ta coisa seria certamente distorci-
los. Não sentiam o "gaudium et da, inconscientemente, por nosso
pacem in Spiritu Sancto". Isto não modo falso de ver a Deus). A ação
é mais algo jurídico, apenas huma- de graças é a última olhada para
no ou intelectual. Vai ao terreno Deus, a última escuta e o último
do místico. "Nihil occurrebat quod gesto de amor. É, de novo, o último
impleret ânimos nostros": não nos olhar para os olhos do Senhor.
ocorria nada que satisfizesse nossos Concluindo, podemos dizer que a
corações. É um novo dom do Es- sincera procura desta paz, desta
pírito Santo, mais profundo que o indiferença, desta confirmação, é
dom da ciência: é o dom da "sa- a procura sincera da liberdade in-
bedoria", do "sabor" da Vontade terior. É um estar desarmado,
de Deus. sem pre-conceitos alguns, sem ra-
dicalismos conscientes, nem, se
6fi) E finalmente vem a confirma- possível, inconscientes, sem classi-
ção e ação de graças. ficação prévia de dados, aconteci-
No outro dia voltam para se per- mentos ou pessoas. Estamos no
guntar: como nos sentimos? De fa- âmago da espiritualidade de Santo
to confirmamos o que vimos e sen- Inácio. É fácil constatar quanto
timos ontem? Na mesma paz e é difícil ter tal atitude. Por exem-
gozo do Espírito? Confirmamos — plo, a gente fala de tal ou tal
no Senhor — aquilo que tínhamos pessoa em evidência, digamos de
descoberto? É a última e defini- Dom Helder Câmara: esponta-
tiva resolução, feita totalmente nu- neamente, o que ele disse vem co-
ma atitude orante frente ao Pai. lorido com prós ou contras, com
Trata-se, portanto, de olhar a Deus pre-conceitos, ou com pós-concei-
nos olhos para lhe ver os movi- tos acriticamente formados. Outro
mentos, para lhe ver o interior, pa- exemplo: uma canção de Roberto
ra ver sua Vontade. É um ver-se Carlos. Seria maravilhosa... se
em Deus e xrni ver-se visto por Ele, não fosse dele; mas, por ser dele,
frente a frente. (Fazemos aqui uma talvez haja em muitos qualquer
observação que nos parece muito reação instintiva, pre-concebida,
importante: tudo aquilo que vimos pre-estabelecida que bloqueia e dis-
e discutimos por ocasião da pales- torce uma apreciação livre. Em tais
tra do Pe. Oscar Mueller sobre as condições, não há possibilidade de
fixações afetivas e os complexos "achar a verdade", pois não existem
negativos, volta a ser capital aqui na gente os pre-requisitos necessá-
no Discernimento. Pois é evidente rios. E eu pergunto se haveria na
que, para se poder ter esta paz, Igreja os radicalismos, inamoviveis
para se poder olhar com verdade de suas trincheiras, que muitas ve-

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zes verificamos, de "progressistas, e III
"conservadores" que não conse-
guem mais dialogar, mas que se REFLEXÕES TEOLÓGICAS,
brigam, que firmaram posições e ESPIRITUAIS E PASTORAIS
se definitivizaram nelas. Tudo
isto não existiria se tivéssemos 1. O Discernimento dos Espíri-
esta liberdade interior, esta que- tos segundo o método de Santo
nose na procura da Vontade de Inácio é, certamente, uma das
Deus, na verdade e na paz do Espi- contribuições mais próprias deste
rito Santo. Aqui eu lembraria uma Santo e da Companhia de Jesus à
passagem de Frei Leonardo Boff: espiritualidade da Igreja. É esta,
diz ele que um elemento desta paz me parece, sua contribuição espe-
é a pobreza, a capacidade de cífica, carismática. Os Exercícios
desinstalação. Escreve ele: "A Espirituais, em seu núcleo essen-
tendência geral do homem, e, em cial, consistem nisso: descobrir e
particular, das instituições, é es- eleger a Vontade de Deus, ou, em
tagnar-se no arranjo existencial palavras de uma teologia a que es-
bem sucedido dentro de uma deter- tamos hoje mais acostumados: em
minada época. Surgem então os responder à Palavra de Deus que
mecanismos de autodefesa e a me é dita nas circunstâncias de
tempo, pessoas e cultura em que
mentalidade dogmática, que teme vivo. Como os Profetas do Antigo
e reprime toda espécie de crítica, Testamento descobriam a Vontade
feita em nome da funcionalidade de Deus nos acontecimentos que
de todas as instituições e da aber- eles e seu povo viviam. O Discer-
tura permanente para o futuro, nimento dos Espíritos constitui a
que a sociedade deve sempre guar- base de toda a formação e espiri-
dar se não quiser perder o ritmo tualidade da Companhia de Jesus.
da história. Daí o elemento crí- As Constituições nos dizem que ser
tico... frente às tradições... e
instituições... que hoje se tor- jesuíta
as
é buscar a Deus em todas
coisas: in omnibus quaerere
naram, muitas vezes, obsoletas, Deiun, e todas as coisas em Deus.
anacrônicas e um centro de con-
servadorismo emperrador..." (Je- Infelizmente, a busca de Deus
sus Cristo Libertador, Vozes, 1972, em tudo foi, muitas vezes, inter-
pp. 58-59). Pobreza e escuta para pretada simplesmente como de-
continuar na marcha, nas novas vendo ser um esforço de fazer tudo
vontades de Deus, nas novas Pala- com "reta intenção", isto é, em
vras que ele nos diz. Para se fazer consagrar, em dedicar, em ofere-
esta crítica, esta releitura, esse me cer-lhe aquilo que faço, sem talvez
discernimento, é necessário ser aquiloquestionar
que eu
profundamente se
fazia era o que ele
criança (cf. Lc 10, 21; Mt 18, 3-4), queria! Se eu descubro
um menino de escola que ainda tade no discernimento esua lhe
Von-
res-
não cavou seu nicho existencial, pondo fazendo-a, já não preciso
necessitando de defendê-lo, e ne- mais "fazer" reta intenção, estou
cessitando de defender-se dentro na "intenção" reta, na direção, na
dele, porque esse nicho é sua se- orientação a ele! Não é o meu
gurança (id.). dizer: "faço isto por amor a Deus,

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para a glória de Deus, para o bem Deus no homem: "A Palavra de
do Reino", que faz minhas ações Deus é viva, eficaz, mais penetran-
terem reta intenção. Intenção é te do que uma espada de dois
"intendere", buscar a Deus, ten- gumes, e penetra até a divisão da
der para ele. alma e do corpo (alguns códigos
Se vivo nesta verdadeira "inten- dizem: "até a divisão da alma e
ção", então sempre poderei ser um do espírito", o que parece indicar
homem feliz, estarei sempre no algo ainda mais interior ao ho-
meu lugar, mesmo se amanhã ti- mem), e das juntas e medula, e
vesse que fazer o contrário do que discerne (ou, segundo outra tra-
hoje estou fazendo. "Quem perder dução, "julga") os sentimentos e
a sua vida por minha causa, salvá- pensamentos do coração". A pene-
la-á" (Lc 9, 24). Serei livre, pronto tração da Palavra de Deus em nós
para qualquer trabalho e lugar. Lá pode deslanchar uma resistência,
onde estiver, estarei na minha ver- uma reação em cadeia, de todos os
dade, porque estou na Vontade e nossos sentimentos opostos, talvez
na Verdade de Deus. Não sou mais não dispostos a se desinstalar, re-
um homem que tem que garantir sistentes em seguir a Vontade de
ansiosamente posições adquiridas, Deus. A Palavra de Deus é imper-
nichos, arranjos existenciais. Só doável, nos põe em cheque, separa,
tem medo de perder suá posição divide, distingue o bem e o mal
aquele que não acredita encontrar dentro de nós. Nada "lhe fica in-
sua verdade em outro lugar, sua visível. Tudo é nu e descoberto aos
solidez em outro trabalho. Assim olhos de Deus" (Hb 4,13). O próprio
a gente poderá responder em ple- Cristo é mn exemplo desta luta,
nitude à voz de Cristo em todos os desta "agonia" no Horto. Sua san-
momentos da vida, como diz o Pe. gue, cai extenuado por terra, im-
John Futrell (Discernimento Ina- plora ao Pai que o liberte daquele
ciano, Ed. da Cúria Provincial, S. J., cálice, procura auxílio junto a seus
Lisboa, p. 11). amigos. Foi uma agonia de vida e
2. Quanto à paz e gozo no Es- morte, uma "tristeza mortal" (Mt
pírito ISanto, ainda umas observa- 26, 38). Seu sim foi um amém
ções. É, como vimos, a certeza doloroso à Palavra do Pai, à Von-
"sentida" da verdade, a "consola- tade dele. E esse amém só se
ção", o "aumento de fé, esperança transformou em aleluia de paz e
e caridade". Tudo isso, porém, não de alegria na manhã da Ressur-
quer dizer que, para chegar a esta reição. Talvez outros exemplos de
paz, não se passe às vezes, ou, quem semelhante luta para se "render"
sabe, muitas vezes, por lutas dolo- à Palavra de Deus seriam: Abraão
rosas. Ver com clareza a Vontade naquele seu êxtase de pavor, diante
de Deus, ouvir distintamente sua do seu altar, ao cair da tarde,
Palavra, nos pode pôr em pânico; quando Deus lhe propunha fazer
pode colocar em processo de reação aliança com ele (cf. Gen 15, 12); a
violenta todas as forças de resis- luta de Jacó com o Senhor, ao
tência que temos no nosso interior. atravessar, à noite, o vau de Jaboc
É impressionante a palavra da (cf. Gên. 32, 24-32); os emocionan-
Carta aos Hebreus (4, 12) e que tes capítulos 3.° e 4.° do Êxodo:
descreve a ação da Palavra de Moisés, o futuro libertador do povo

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oprimido, resistindo desesperada- mundiais devem, por conseguinte,
mente à vocação de Deus, para estar presentes em nossa vida. Ê
afinal se entregar e se transformar necessário que eles façam parte do
num dos mais extraordinários li- nosso "breviário de cada dia", onde,
deres que a história dos povos à luz do nosso breviário bíblico,
conhece; Jeremias é o exemplo tí- discernimos os apelos, os questio-
pico de um Profeta que lutou a namentos de Deus, suas vocações
vida inteira: "a Palavra do Senhor que se transformam para nós em
converte-se para mim, dia a dia, missões. É este também um dos
em insultos e escárneos, e eu disse objetivos do nosso diário exame de
a mim mesmo: Não a mencionarei consciência. Assim, para quem sabe
mais!" (Jer. 20, 8-9) A Palavra de ler, na fé, os fatos da história,
Deus era para Jeremias "um fogo estes se transformam em sinais de
devorador a se encerrar nos seus Deus dentro do nosso tempo. Por
ossos" (Jer. 29, 9), e, por outro lado, exemplo, o fato que ocorreu no
essa Palavra "constituía a alegria ano passado em Roma, na Basílica
e as delícias do seu coração" (15, de São Pedro: a quebra da estátua
16); lembremos ainda o recalci- da Pietà de Miguel Aingelo. Os
trar de Paulo contra o aguilhão jornais e, por eles, muitas pessoas
(At 26, 14). logo falaram em "demente", refe-
3. Portanto, pelo Discernimento rindo-se ao homem que martelou a
dos Espíritos queremos descobrir a obra de arte. Possivelmente, ou
Vontade de Deus. Por ele quere- mesmo provavelmente, tenha de
mos ter a atitude fundamental e fato sido um demente. Mas Dom
radical de nos nortear sempre para Valfredo Teepe, nimia palestra so-
Deus, para o serviço do seu Reino. bre a oração, feita em Porto Alegre
Queremos ler e acolher a sua Pala- a religiosos, fez uma pergunta:
vra, Palavra que ele nos diz agora, "Aquilo não poderia significar ou-
na trama dos acontecimentos, em tra coisas A Igreja não se tornou,
nossa história e na história dos para muita gente, demais guarda-
homens, isto é, nos "sinais dos dor a de objetos de museu em vez
tempos". Podemos distinguir a de libertadora dos homens? Não
"palavra transcendente", revelada volta demais a atenção às riquezas
em Cristo, e uma "Palavra imanen- mortas do passado, em vez de se
te", existencial. Esta Palavra ima- consagrar, de corpo e alma, à po-
nente à história atual é ambígua; breza dos homens de hoje?..."
deve ser conferida com Cristo, no Precisamos de um espírito desar-
qual está a Palavra in-ambígua, mado para discernir um fato desses
unívoca, definitiva, referencial. É e ler nele, quem sabe, uma Palavra
necessário que a Palavra de Deus de Deus à sua Igreja. Outro exem-
se encarne em todas as realidades; plo: se os jornais destes dias
que em nós aconteça o acolhimen- diziam que a Guerra do Vietnam
to, a encarnação da Palavra, do custou 137 bilhões de dólares,
Verbo, analogicamente à encarna- que questionamento nos lança
ção do Verbo no homem Jesus de Deus?... Mais van exemplo: se
Nazaré. Para isso, é necessário que tanta gente não encontra na Igreja
estejamos atentos à Palavra que Católica aquilo que o coração hu-
Deus nos diz. Os acontecimentos mano procura (com todas as im-

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perfeições e distorções que há nesta que nos fará ser leitores e profetas
procura), se tanta gente vai pro- da Palavra que Deus nos diz hoje.
curar o espiritismo, as religiões O "Sábio" estima que a Sabedoria
pentecostais, temos que nos per- vale mais do que tudo; que "todo o
guntar, pobre e sinceramente, o ouro ao lado dela é apenas um
que isto significa e o que Deus nos pouco de areia, e que todo o di-
está dizendo. nheiro diante dela é como lama"
Ainda uma observação: é sabido (Sab 7, 9). "Há nela lun espírito
que os regimes totalitários não inteligente, santo, único, múltiplo,
permitem contestação. Os inte- sutil, móvel, penetrante, puro, cla-
lectuais são "queimados" em tais ro, inofensivo, inclinado ao bem,
países; a imprensa é censurada, agudo, livre, benéfico, benévolo, es-
porque o regime instaurado não tável, seguro, livre de inquietação,
permite que seus atos sejam "jul- que pode tudo, que cuida de tudo,
gados". O trabalho de "conscien- que penetra todos os espíritos, os
tização" de Paulo Freire e do MEB inteligentes, os puros, os mais
sofreu esta "queima" no Brasil. sutis" (Sab 7, 22-23). Se a Sabe-
Toda a autoridade, para ter o di- doria é dom do Espírito, nós só a
reito de governar, deve ter a ca- podemos pedir na pobreza e n a
pacidade de aceitar o desafio da humildade, mas também na con-
contestação e do julgamento. Num fiança, pois ela nos foi prometida
célebre discurso Paulo VI disse por Cristo: "Eu rogarei ao Pai, e
que queria que na Igreja houvesse ele vos dará um outro Paráclito,
"opinião pública". para que fique eternamente con-
O Discernimento é dom do Espí- vosco. É o Espírito da verdade que
rito Santo: "Teria muitas coisas a o mundo não pode receber, porque
vos dizer ainda; mas o Espírito não o vê nem o conhece; mas vós
Santo vos introduzirá no conheci- o conhecereis, porque permanecerá
mento de toda a verdade" (Jo 16, convosco e estará em vós" (Jo 14,
12-13). É este dom da Sabedoria 16-17).

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