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Revista
de estudos
ibericos
N. 15
2019
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Coordenação deste número
Rui Jacinto
Alexandra Isidro
Apoio à Coordenação
Ana Margarida Proença
Ana Sofia Martins
Impressão
.....
Edição
Centro de Estudos Ibéricos
Rua Soeiro Viegas, 8
6300-758 Guarda
cei@cei.pt
www.cei.pt
ISSN: 1646-2858
Depósito Legal:
dezembro 2019
LEITURAS DO TERRITÓRIO.
SERRA DA ESTRELA: SAÚDE & MONTANHA 101 > 187
De Trancoso à Toscânia:
portugueses em Itália na primeira metade de quatrocentos 303
Rita Costa Gomes
RUI JACINTO
INTRODUÇÃO
Um dos primeiros pesquisadores dos Mura, Curt Nimuendajú, informa que
este povo foi citado pela primeira vez em 1714 pelo jesuíta Bartolomeu Rodri-
gues, que vivia na missão dos Tupinambás e o localizou na margem direita do
rio Madeira, entre os rios Torá e Unicoré. Depois disso, segundo Curt, o padre
Tastevin, em 1923, e Barbosa Rodrigues, em 1892, registram pequeno vocabulá-
rio e algumas frases daquele povo. Nimuendajú informa que, ainda em 1723, os
padres denunciavam que os Mura saqueavam a vila de Abacaxis, localizada no
rio Jamari, fato que provocou a mudança desta vila para o rio Madeira, em 1742.
O chefe da tropa de resgate João Gonçalves da Fonseca lutou contra eles em
um lago da margem direita do rio Solimões, no lado oposto à foz do rio Autazes,
em 1749. Tempos depois, o povo Mura habitou a região do baixo rio Purus e,
em 1768, havia se transferido para o norte do rio Solimões, perto de Codajás,
não havendo registro de que eles tivessem ido além do rio Jamary. Nimuendajú
levanta a hipótese de que o deslocamento do povo Mura não se deveu à luta
entre eles e o Munduruku, pois estes ainda estavam no rio Maués, antes decor-
reu da depopulação de significativa parte dos outros povos indígenas que havia
sido levada para as missões após ser contactada por tropas de resgate. Este
pesquisador supõe ser desse período o estabelecimento dos Mura em torno do
rio Autazes, embora outros povos tenham habitado a região. Curt informa que
o Ouvidor Sampaio cita vinte e um lugares, rios e povoações, onde os Mura fo-
ram atacados. Acrescenta que outros viajantes do século XVIII citam mais nove
lugares. Para o pesquisador, inesperadamente, em 1784, os Mura “desceram”
para Santo Antônio de Imaripi, no baixo rio Japurá e foram seguidos por outros
Mura para Tefé, Alvarães e Borba, entre outras povoações, de modo que em
1776 os Mura viviam nas povoações da Amazônia. Nimuendajú atribui a isso as
*
Professora efetiva do curso de Letras – Língua e Literatura Portuguesa e do Programa de Pós-Graduação
em Letras – Estudos Literários da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Amazonas. Realiza Pós-
-doutoramento no Centro de Literatura Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
20 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Simá – Romance Histórico do Alto Amazonas foi publicado em 1857 por Lou-
renço da Silva Araújo e Amazonas, que foi engenheiro topógrafo, etnógrafo e
capitão-tenente da Marinha Imperial na Comarca do Amazonas e publicou do
Dicionário Topográfico, Histórico e Descritivo da Comarca do Alto Amazonas,
em 1852. A data de Simá corresponde à do período das narrativas indianistas do
Romantismo no Brasil.
Segundo o crítico Tenório Telles, do ponto de vista temático e histórico, este
romance é mais relevante que o romance Iracema (1865), de José de Alencar,
pois “a percepção de Lourenço Amazonas em relação à presença europeia na
Amazônia é crítica e pessimista, o que difere do autor de Iracema, visto que Alen-
car é complacente e tenta justificar o processo civilizatório empreendido pelos
europeus no Brasil e no continente americano” (Telles, 2012, p. 17).
Diferentemente de Alencar, na introdução ao romance Simá, Lourenço Ama-
zonas refere-se ao massacre dos Mura e dos Cabanos, afirma que os gover-
nantes não se importam com os pobres, informa que em 1755 já havia a lei de
liberdade indígena que impedia missionários e colonizadores de o escravizarem,
pois ele deveria receber como “vassalo português as honras e empregos em
proporção de seu merecimento e capacidade” (Amazonas, 1857, p. 5). Este es-
critor registra que, no entanto, em 1757, acontece a Revolução de Lamalonga em
toda a região do Rio Negro, coincidindo com as expedições chamadas Partidas
de Demarcações, tanto portuguesa quanto espanhola e com o litígio do Reino
de Portugal com a Companhia de Jesus, esta possuindo algumas missões na
Amazônia. Por fim, o autor lança a hipótese de que os revolucionários usaram o
desentendimento de um padre com um indígena como pretexto para irromper a
guerra contra a ocupação de seus domínios (Amazonas, 1857, pp. 5-6).
DA ORALIDADE PARA A ESCRITA: PERSONAGENS INDÍGENAS NA LITERATURA NO AMAZONAS
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Rita Barbosa de Oliveira
cujas consequências ainda repercutem. Wilkens falou dos Mura a partir de sua
cultura, e os Mura se viram terrivelmente criticados como aquele que é comple-
tamente diferente até da noção de humano que tinha o outro cultural de Wilkens.
E o eu coletivo dos alunos Mura remontou aos motivos pelos quais sua cultura
foi descaracterizada, aproximada da cultura do outro pela perda da língua e
assimilação da língua do outro, pela mudança do hábito de ser viajante dos rios
da Amazônia para o de morar em casas às margens dos rios e lagos, ocorrendo
radical transformação do processo de reprodução material e imaterial para a
sua sobrevivência. Reviver a dor dos antepassados foi, naquela aula, a dor deles
também. A respeito de tal choque, Neri de Paula Carneiro escreve que o eu cul-
tural “se define pelas suas diferenças em relação aos seus vizinhos, aos outros
que também se constituem por características específicas”, havendo encontro
e choque entre este eu e o outro cultural portador de “cultura distinta a partir
da qual se fala” (Carneiro, 2013, p. 11). De acordo com os documentos já citados
neste artigo, houve muito mais choque que encontro.
Retorno ao relato das aulas. No final daquela aula à tarde voltei ao hotel na
companhia da professora da outra turma de formação de professores Mura, de
graduação em História. Contei a ela o que se passara e ela me disse para os recon-
quistar propondo algo que os envolvesse. Pensei em propor que eles respondes-
sem a Henrique João Wilkens por meio de uma carta e mostrassem quem eles são.
Depois lembrei-me que eles eram muito bons em atividades faladas e encenadas.
Proporia, então, que escrevessem uma peça de teatro. E rascunhei um trecho ini-
cial da peça para eles terem uma ideia do ponto de partida. É o que narro a seguir.
Peça de teatro “Os Mura na literatura, artes e história” – reação dos alunos
Mura da Formação de Professores Indígenas de Letras e Artes ao texto de Wilkens
Na manhã seguinte, disse que eles poderiam escrever uma peça de teatro
em resposta aos participantes da devassa e ao autor do poema épico e apresen-
tei o esboço de uma peça que intitulei “Os Mura na literatura”, que começava as-
sim: “– A peça de teatro aqui apresentada resultou de nossos estudos na turma
de Letras e Artes sobre o poema épico Muhuraida, de Henrique João Wilkens, e
dos documentos históricos editados no livro Autos da Devassa contra os Mura,
de 1736 a 1737”. Orientei que eles poderiam criar os personagens e as cenas.
Então um aluno mais jovem disse que seria o guerreiro Mura e iria enfrentar um
daqueles brancos do poema. Perguntei quem seria o Ancião, pois era o Mura
que demonstrou firmeza no poema de Wilkens. Os jovens disseram que seria um
dos senhores mais velhos, mas se havia dois senhores na turma, a peça poderia
ter dois anciãos. Então se pensou qual seria a fala de cada um. As mulheres da
sala concordaram que encenariam a dor de perder parentes na guerra. E assim a
peça foi ganhando personagens, paisagem de aldeia na floresta. Enquanto eles
30 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
1º. e 2º. apresentadores: [Vão para o centro do palco e dizem juntos:] – Boa tarde a
todos!
DA ORALIDADE PARA A ESCRITA: PERSONAGENS INDÍGENAS NA LITERATURA NO AMAZONAS
31
Rita Barbosa de Oliveira
falar com eles ou tocá-los, mas eles não o escutam nem sentem o seu toque.
Assim, invisível e imperceptível aos Mura de 1700, ele assistirá momentos deci-
sivos da história desta nação. A cada cena, o rapaz, sem nada dizer, faz gestos
de alegria, de espanto e de tristeza, movimentando-se na frente, do meio para
a direita do palco para ser observado pelo público.]
Líder guerreiro Mura: [Chega no centro da aldeia o líder guerreiro Mura, bate uma
flecha no terreiro, e todos se levantam e o olham. Ele então diz:] – Velhos,
guerreiros Mura e mulheres! O branco pretende nos levar para a sua cidade por
nossa vontade ou pela força.
[Os velhos permanecem parados, os outros guerreiros Mura aproximam-se mais do
seu líder, as mulheres levam as mãos ao rosto, algumas carregam suas crianças.]
Líder guerreiro Mura: [O jovem guerreiro continua:] – O branco pretende nos tornar co-
merciantes dos frutos da natureza para eles depois venderem em outras cidades.
Primeiro Velho: [O Primeiro Velho dá um passo à frente e bate seu cajado no terreiro.
Todos o olham. O Primeiro Velho fala:] – Homens e mulheres! Desde a chegada
do branco a esta terra, ele quer se beneficiar de nosso saber para explorar os
rios e a floresta.[Grita] Basta! [Grita.] Vamos continuar a enfrentá-los!
Guerreiros Mura: [Os guerreiros Mura juntam-se e gritam:] – Sim! Vamos enfrentá-los!
Mulheres: [As mulheres carregam suas crianças, se abraçam, caminham para o fundo
do palco e lá ficam paradas até sua próxima participação em destaque.]
Velhos: [Os velhos caminham para o lado esquerdo do palco e ficam assistindo a
cena até sua próxima participação]
Líder guerreiro Mura e guerreiros Mura: [O líder dos Mura e seus guerreiros perma-
necem no centro do palco e, após as mulheres irem para o fundo do palco, e os
velhos irem para o lado esquerdo do palco, eles iniciam a luta contra o branco.
Ao sinal do líder, empunham seus arcos, colocam as flechas, alguns apenas mi-
ram e lançam flechas, outros lutam usando outras armas. Alguns caem feridos.
[A cena “paralisa”. Poucos guerreiros estão em pé e em gesto de luta, enquanto
muitos outros guerreiros “estão paralisados” feridos no chão.]
Mulheres: [Enquanto a cena principal está paralisada, as mulheres saem do fundo do
palco, pelo lado direito do palco, passando pela frente dos guerreiros “parali-
sados”, uma por uma: uma chorando, outra assustada, outra “esgueirando-se
pela mata”. À medida que saem, as mulheres vão ficando uma ao lado da outra
no lado esquerdo do palco, mais ao fundo, atrás dos velhos.]
Tempo: [A saída de cada mulher é seguida por uma batida de tambor do Tempo, que fala:]
[Primeira mulher olha aterrorizada os feridos, lamenta e sai. O Tempo:] – tum: 380
mortos!
[Segunda mulher olha aterrorizada os mortos, lamenta e sai. O Tempo:] – tum: 723
mortos!
[Terceira mulher olha aterrorizada a aldeia destruída, lamenta e sai. O Tempo:] – tum:
1.149 mortos!
DA ORALIDADE PARA A ESCRITA: PERSONAGENS INDÍGENAS NA LITERATURA NO AMAZONAS
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Rita Barbosa de Oliveira
Tempo: [Assim que o rapaz cai no chão, o Tempo entra no palco e começa a bater o
tambor e contar o tempo para voltar a 2011:] – Tum: 1700! Tum: 1800! Tum: 1900!
Tum: 2000! Tum: 2011!
Rapaz: [Quando ouve o Tempo dizer 2011, o rapaz se levanta devagar, ainda assusta-
do, olha em volta e diz:] – Que aconteceu? [Pausa] – Que foi isso? [Pausa] – Um
sonho? [Pausa] – Viajei no tempo? [Pausa] – Não! Revivi uma parte de mim!
[Pausa] – Eu sabia desse fato. Meus avós, meus parentes contaram essa histó-
ria. Mas eu nunca dei importância a ela. [Pausa] – Hoje, alguma coisa despertou
a memória da perseguição e quase extermínio do meu povo. [Pausa] – Sou
Mura [fala um pouco baixo]. [Faz pausa, caminha em volta e olha as pessoas
também caminhando na rua.]
Pessoas na rua: [os mesmos atores que fizeram os personagens do Tempo, Velhos,
Mulheres, Líder Mura, Guerreiros Mura e Apresentadores]
[Enquanto o rapaz fala “Hoje, alguma coisa...”, os atores que fizeram os personagens
do Tempo, Velhos, Mulheres, Líder Mura, Guerreiros Mura e Apresentadores
entram caminhando no palco como se estivessem caminhando na rua.]
Rapaz: [O rapaz caminha para a frente do palco e grita:] – Sou Mura! – Sou Mura! –
Sou Mura!
Pessoas na rua: [As pessoas na rua param e olham para o rapaz. Aproximam-se dele,
se abraçam e gritam junto com ele:] – Somos Mura! – Somos todos Mura!
REFERÊNCIAS
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(1).pdf.
AMOROSO, Marta Rosa (1991). “Guerra Mura no século XVIII: Versos e Versões:
Representação dos Mura no Imaginário Colonial”. Dissertação de Mestrado.
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38 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
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logia do Eu com o Outro”. II Simpósio de Recursos Hídricos: Possibilidades
e Desafios Socioambientais na Amazônia. 28 de agosto a 01 de setembro
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1-12. Disponível em: file:///C:/Users/922/AppData/Local/Packages/Microsoft.
MicrosoftEdge_8wekyb3d8bbwe/TempState/Downloads/806-2777-1-PB%20
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tícias. Disponível em: https://cimi.org.br/2019/04/manifestacao-mostra-forca-
-e-resistencia-do-povo-Mura/
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1833). Caixa 10. Códice 935.
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NIMUENDAJÚ, Curt. “The Mura and the Piraha”. In: The Tropical Forest Tribes. Smi-
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nolinguistica.wdfiles.com/local-files/hsai%3Avol3p255-269/vol3p255-269_
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SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Diário da Viagem que em Visita e Corre-
ção das Povoações da Capitania de São José do Rio Negro fez o Ouvidor e
DA ORALIDADE PARA A ESCRITA: PERSONAGENS INDÍGENAS NA LITERATURA NO AMAZONAS
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Rita Barbosa de Oliveira
RESUMO
O Censo 2010 do IBGE verificou a existência de 896.917 indígenas no Brasil,
sendo 342.836 na região Norte, e destes, 261.891 vivem em terras indígenas
(2012, p. 55), sendo 68% deles alfabetizados em uma língua indígena e/ou em
língua portuguesa (IBGE, 2012, p. 71). No Amazonas, Estado do Brasil que com-
porta aproximadamente 138 terras indígenas (IBGE, 2012, pp. 192-196), as nar-
rativas orais das lendas e mitos das culturas indígenas são registradas desde os
relatos e crônicas dos primeiros viajantes, bem como dos etnólogos e linguistas.
Uma das primeiras narrativas literárias que reinventam parte das culturas indíge-
nas e que inserem personagens indígenas na ação surge no poema épico Muhu-
raida, escrito em 1785, pelo soldado português Henrique João Wilkens, que nar-
ra o descimento do povo Mura para a cidade de Ega, após anos de guerra entre
eles e o europeu. São também indígenas parte dos personagens do livro Simá:
romance histórico do Alto Amazonas, publicado em 1857 pelo brasileiro nordes-
tino Lourenço da Silva Araújo Amazonas, a respeito da rebelião que destruiu não
apenas as povoações de Lamalonga, Caboquena e Bararoá como também gran-
de parte da etnia dos Manaós. Os dois textos literários tratam poeticamente de
processos históricos de aculturação, no caso dos Mura, e de extermínio, no caso
dos Manaós, dois povos indígenas da região amazônica. Mais recentemente,
autores indígenas têm publicado livros sobre o universo cultural de seus povos
e desconstroem ideias convencionadas a respeito do comportamento do índio.
Um desses textos contesta a escrita literária do narrador branco da Muhuraida,
na peça de teatro de único ato intitulada “Os Mura na literatura, artes e histó-
ria” (2011), escrita por um grupo de estudantes Mura do curso de Formação de
Professores Indígenas da Universidade Federal do Amazonas que recria parte
da história de seu povo, agora sob o olhar do índio. Diante do contexto acima
descrito, proponho-me a discorrer a respeito do entrelaçamento histórico e
literário do poema épico e do romance para a seguir apresentar a situação de
reconstrução cultural em que se encontra o povo Mura, suas lendas, sua língua
e suas terras.
FALAR CABO-VERDIANO E PORTUGUÊS:
A EDUCAÇÃO BILINGUE EM CABO VERDE
E NA DIÁSPORA
ANA JOSEFA CARDOSO*
INTRODUÇÃO
A formação da língua cabo-verdiana surge do contexto de colonização em
que as diferentes línguas levadas pelos povoadores se misturaram e forjaram
uma nova língua, o crioulo cabo-verdiano que se veio a tornar a língua materna
e que ao longo da história tem convivido lado a lado com a língua portuguesa,
embora sempre marcada pela diglossia provocada pela diferença de estatuto
existente entre as duas línguas em presença.
Cabo Verde não tem uma tradição de ensino formal da língua materna e a
língua da educação tem sido exclusivamente o português.
As experiências educativas que incluem o crioulo cabo-verdiano têm sido de-
senvolvidas sobretudo na diáspora, nomeadamente em Portugal e nos Estados
Unidos. A primeira experiência de ensino da língua materna, oficialmente reco-
nhecida pelo Ministério da Educação de Cabo Verde, com crianças do ensino
básico, teve início no ano letivo 2013/2014.
A Educação Bilingue é apontada como uma mais-valia para os contextos em
que há diversidade linguística, independentemente do estatuto das línguas en-
volvidas. As suas vantagens são sustentadas por diversos autores (Bialystock,
2007, 2009, García, 2010).
Para além de uma breve abordagem ao percurso histórico da língua cabo-
-verdiana, serão destacadas duas experiências de educação bilingue cabo ver-
diano/português, uma realizada em Portugal e outra em Cabo Verde.
*
CLUNL-FCSH – Universidade Nova de Lisboa
42 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
interagirem e darem origem a uma nova língua, uma língua crioula, formada com
o material linguístico trazido pelo colonizador português e pelos escravos
pertencentes a diferentes grupos étnicos, oriundos da costa africana.
Segundo Carreira (2000:319),
“…o crioulo formou-se nas ilhas de Cabo Verde a menos de cinquenta anos do seu
achamento e dali se propagou e enraizou na costa ocidental servindo de língua fran-
ca entre o europeu e os nativos e mesmo entre estes quando de etnias diferentes.”
Esta situação incomodava a coroa portuguesa, mas ela era irreversível. A par-
tir do séc. XVIII começaram a surgir correntes de opinião desfavoráveis ao criou-
lo. O testemunho de José Joaquim Lopes de Lima, datado de 1844 refere que
“Os indígenas não falam outra linguagem: rezam em crioulo; os párocos lhes ex-
plicam a doutrina cristã em crioulo, e em crioulo falam eles a qualquer autoridade,
que não sendo do país carece de intérprete para os entender. Os que habitam nas
povoações marítimas pela maior parte compreendem o português, mas não o falam.
(...) Os mesmos brancos animam este uso, aprendendo o crioulo logo que chegam da
Europa, e usando-o depois no trato doméstico, educando os seus filhos a falarem-no
quase com exclusão do português limpo (assim lá chamam, e com razão, o puro)”
(Duarte, 1998:124).
primeira vez em 2010. Apesar de ter tido desde logo um parecer favorável, só
três anos depois foi possível materializar a sua implementação.
A elaboração deste projeto baseou-se em dez fundamentos principais:
(i) a situação de diglossia vivida em Cabo Verde e o facto da língua materna
ser ignorada no processo de ensino/ aprendizagem;
(ii) o ensino apenas em língua portuguesa não dar provas de total eficácia
nem de elevados níveis de sucesso;
(iii) o convívio entre a língua portuguesa e a língua cabo-verdiana ser mar-
cado não apenas pela diferença de estatuto, mas também pelo efeito das
interferências e da contaminação do contacto entre línguas;
(iv) grande parte das atualizações linguísticas processam na língua cabo-ver-
diana e mesmo aqueles que dominam de forma satisfatória as duas línguas
têm uma performance mais apurada na sua língua materna do que no por-
tuguês;
(v) a legislação cabo-verdiana existente é favorável ao apoio a iniciativas que
valorizem a língua materna, a sua introdução no ensino e o desenvolvimento
da língua segunda com vista à paridade entre elas. (Resolução nº48/2005,
Boletim Oficial nº 46, de 14 de Novembro de 2005);
(vi) o Decreto-Legislativo nº 2/2010 referente à Revisão da Lei de Bases do
Sistema Educativo refere no artigo 10º, alínea h), que são objetivos da política
educativa “Aprofundar o conhecimento e a afirmação da escrita da língua
nacional cabo-verdiana, enquanto primeira língua de comunicação oral, vi-
sando sua utilização oficial a par da língua portuguesa”;
(vii) desrespeito pela Declaração Universal dos Direitos Linguísticos que re-
fere no artigo 29º, ponto um, que “Todos têm direito ao ensino na língua
própria do território onde residem.”;
(viii) em países onde foram desenvolvidos projetos de Educação Bilingue
constatou se que a inclusão no currículo escolar de áreas de desenvolvimen-
to do bilinguismo tem reflexos positivos na aprendizagem das línguas e de
outros conteúdos curriculares;
(ix) a investigação na área do bilinguismo tem demonstrado que a aprendiza-
gem bilingue é uma mais-valia tanto do ponto de vista linguístico, como do
ponto de vista cognitivo e que as crianças que dominam mais do que uma lín-
gua têm probabilidades acrescidas de um nível superior de desenvolvimento
das capacidades linguísticas e metalinguísticas;
(x) há um Alfabeto Cabo-verdiano oficial que ainda não foi testado na escola
em Cabo Verde.
CONCLUSÃO
A educação formal em Cabo Verde tem um longo caminho a percorrer no
sentido de contribuir para a construção de um bilinguismo efetivo. A legislação
existente é favorável ao desenvolvimento da língua materna e da sua inclusão
no sistema educativo, mas tem faltado coragem política de colocar a questão
linguística entre as prioridades do país.
A experiência de Educação Bilingue demonstrou as vantagens que a língua
materna transporta para a aprendizagem da segunda língua e os ganhos dos alu-
nos relativamente ao desenvolvimento das suas capacidades linguísticas em to-
dos os domínios, nomeadamente oralidade, leitura, escrita que os prepara para
o uso pleno das suas competências comunicativas. Estes ganhos estendem-se à
aprendizagem dos conteúdos das outras áreas curriculares.
A eliminação do preconceito linguístico é clara nesta experiência, onde não
existe uma melhor ou pior, o português e o cabo verdiano são línguas aprecia-
das, respeitadas, amadas e usadas com rigor. Elas complementam-se no univer-
so linguístico destas crianças que serão verdadeiros bilingues, podendo exibir
uma boa proficiência e performance em ambas as línguas.
REFERÊNCIAS
BAPTISTA, M., BRITO, I. & BANGURA, S. (2010). Cape Verdian in education. A lin-
guistic and human right. In Migge, B., Léglise, I. & Bartens, A. 2010. Creoles
in Education: an appraisal of current programs and projects. Philadelfia/Ams-
terdam. John Benjamins Publishing Company.
FALAR CABO-VERDIANO E PORTUGUÊS: A EDUCAÇÃO BILINGUE EM CABO VERDE E NA DIÁSPORA
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Ana Josefa Cardoso
*
Catedrático jubilado de la Universidad de Orleans (Francia), miembro del Laboratoire Ligérien de Linguisti-
que (LLL, Univ. Orleans-Tours) y del Centro de Estudios Mirobrigenses (CEM, CECEL-CSIC), angel.iglesias@
wanadoo.fr.
54 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
El topónimo tiene, por tanto, una motivación fitonímica, como tantos otros de
la umbría salmantina, algunos de ellos muy cercanos a este territorio histórico,
localidades de escasa entidad y despoblados (dehesas), cuyos nombres son re-
veladores de un paisaje y de un modo de vida centrado en la explotación forestal
y ganadera:
– Agallas, El Bodón, El Cuisal, La Encina, El Fresno, La Genestosa, Malvarín,
El Manzano, El Olmo, Robliza, El Sahugo.
Esta frontera montañosa, un tanto remota, gira del Noreste hacia el Noroeste,
en un progresivo declive que oculta la frontera con la tierra llana más allá de
Ciudad Rodrigo:
– El Robledo, La Jastiala y El Guindo (Monsagro); las sierras de las Serradillas
(Serradilla del Arroyo y Serradilla del Llano) y El Carazo (Guadapero); las coli-
nas y cerros cercanos de El Collado (Bodón), El Guijo y Guinaldo (Fuentegui-
naldo).
El caso más llamativo era El Jaque, que también sedujo a Llorente (2003:
150), y ha resultado ser un probable espejismo, desde que Mari Paz Salazar
(2004) señaló la existencia de un Casar de don Jácome, si se refiere a este
despoblado, cedido por el concejo de Ciudad Rodrigo en 1290, y por tanto
relacionable con el apellido de una familia mirobrigense de presumible origen
franco (v. fr. Jacomme y Jame-s, variantes de Jacques, derivado de Jacobus,
forma latinizada del hebreo Ya‘qob). Un Libro berdadero de comienzos de s.
XVII utiliza la grafía Faque (Iglesias 2004b: 45, nota). La hipótesis arabista para
este rincón, sin embargo, tampoco se puede descartar por completo, pues
en documentos medievales se alude a Mezquitiella, que F. J. Morales Paíno
(2008: 53-54) sitúa en los aledaños de este lugar, aunque también podría re-
ferirse a La Aldegüela (R).
De momento es un misterio la paronimia de Perosín (derivado de Pero, hipo-
corístico de Pedro, nombre de un posesor o poblador, como parece confirmarlo
la forma latina medieval Pedrosin, con un sufijo – in alusivo a un lugar homóni-
mo) y la forma de un topónimo cacereño, Pedroso de Acim, localidad del antiguo
partido judicial de Garrovillas, cerca del puente de Alconétar en la Vía de la Plata
¿Puede ser arabismo el segundo elemento de este complejo toponímico; tuvo la
forma Pedroso un homónimo en tierra rebollana?
En espera de una respuesta por parte de historiadores y arabistas, los datos
manejados dejan indicios de una presencia arabófona anterior a la repoblación,
o de mozárabes entre los repobladores (A. Llorente), pero en concreto los tér-
minos árabes también pueden haber sido aplicados por hablantes posteriores.
Menéndez Pidal (1968a) se corrigió a sí mismo al analizar las analogías entre
algunos aspectos de la modalidad lingüística de El Payo y el asturiano central,
que primeramente atribuyó a la procedencia de los repobladores norteños y más
tarde consideró como un islote testimonial de la lengua romance en el período
visigodo. Esta interpretación resta importancia a la motivación en el nombre de
un posesor o conquistador de origen noroccidental (antropónimo Payo, de lat.
Pelagius), sin que ello apuntale plenamente la posibilidad de un étimo relaciona-
do con pagus ‘aldea’, como podría ser *pageus, referible a un asentamiento de
cabreros o vaqueros.
En el mismo sentido de una continuidad humana interpreta A. Llorente (2003:
104-105) el topónimo Navasfrías, cuya primera documentación (Navas Frías) re-
monta a la cesión de Alfonso IX a la Orden de Alcántara (antes San Julián del
Pereiro, ubicada en Sabugal, antes de 1175). Considera que el étimo nava per-
tenece al sustrato de las primeras oleadas indoeuropeas (véneto-ilirias), y fue
de uso frecuente en el territorio de los vetones y carpetanos (“cultura de los
verracos”). Y su enorme presencia en la toponimia en el área comprendida entre
el Duero y el Tajo no puede atribuirse a repobladores llegados del Norte, donde
apenas se utiliza el término.
60 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
La frontera entre León y Extremadura sería menos conflictiva, una vez con-
cluida la ocupación leonesa de la Transierra. El recuerdo de los Moros se trans-
formó en leyenda. Y el contraste con los habitantes de la Solana fue menos trau-
mático, aunque si bien la pobreza podía ser una señal de identidad compartida,
no por ello se borraba un socio-centrismo que también arrastraba una desestima
de los serragatinos extremeños, portadores de sobrenombres poco halagüeños:
– Belloterus, Jurdanus, Mangurrinus, Serranus, etc.
DEL NACIMIENTO A LA IGNORADA AGONÍA DE LA MODALIDAD LINGÜÍSTICA “CASTELLANO-LEONESA” EN EL REBOLLAR (SALAMANCA)
61
Ángel Iglesias Ovejero
Sin duda la frontera menos visible físicamente para los rebollanos ha sido la
de León y Castilla, aunque históricamente sigue vigente en la actualidad, y ello a
pesar de que en el plano político dejó de existir en 1230. Los conflictos existieron
antes y después de aquella fecha, y de un modo simplista se puede decir que
el “matrimonio” de la actual Comunidad de Castilla y León, ha tenido efectos
ambiguos, por no decir perversos, en la cultura y la modalidad lingüística de El
Rebollar, dentro de un proceso de castellanización del área lingüística leonesa,
que, habiéndose consumado en gran parte del territorio leonés en el siglo XIV
(A. Zamora 1967: 11, mapa), ahora se remata en la periferia de esta comunidad.
del pasado no puede llevar a echar de menos la miseria. Ahora bien, aunque
los antepasados estaban inmersos en un ciclo económico de subsistencia, las
labores alternaban con la fiesta, en la prolongación del indispensable descan-
so. En cierto modo es lo que recupera el folclore festivo, pero también incluía
la compañía y la comunicación humana natural, la caraba y la corrobra, sin los
artilugios mediáticos. Los datos objetivos de aquella sociedad agropecuaria vi-
gente hace medio siglo, se conocen relativamente bien desde el catastro del
marqués de la Ensenada (mediados del siglo XVIII). Las actividades económicas
giraban en torno a la agricultura, la ganadería y la explotación forestal, que hasta
cierto punto afloran en la designación oficiosa de los rebollanos: los etnónimos
o sobrenombres colectivos, a veces motes (Iglesias 2005a).
para ahorrarse gabelas, como sucedía con la sal), aunque menciona la venta de
carbón (y ciscu), elaborado con la cepa de berezu principalmente en el Carbonal
de las sierras mencionadas (supra: 1). Los Carruchinus u otros transportistas de
poca monta lo distribuían por el campo de Argañán y otras tierras llanas, para
que su combustión se terminara en las fraguas y braseros. Quizá desde el siglo
XIX y, en todo caso, hasta bien entrado el s. XX los sufridos rebollanos también
transportaban traviesas de roble para las vías del tren, sirviéndose para ello del
inevitable puente del Villar para llevarlas a la estación de Espeja (EP), hasta que
pudieran hacerlo a Ciudad Rodrigo (La Ciá) por el puente de Vaucarrus (R). Sin
embargo el expediente económico más rentable y socorrido para paliar la nece-
sidad permanente era el contrabando. En esta actividad fraudulenta colabora-
ban Rebollanos, Serranos, Portugueses, que, cuando no disponían de caballerías
o vehículos (los de motor eran prácticamente inexistentes hasta la década de los
cuarenta), llevaban a cuestas el macuto o carga, y por ello recibían los sobre-
nombres adecuados:
– Contrabandistas, Macuterus, Carreguistas.
5.1.1. Vocalismo
iv) [-e-i] final etimológica. Menéndez Pidal señalaba en los textos y en al-
gunos lugares del área leonesa la -e final conservada tras la consonante d
(parede), en El Rebollar con igualamiento en /e-i/:
– redi, joci ‘hoz’, peci.
5.1.2. Consonantismo
ii) Aspiración en [h] del fonema general /x/, como en Extremadura, donde
Lapesa y Zamora Vicente analizan este fenómeno como meridionalismo, así
como en general en aquellos lugares en que existe la mencionada aspiración,
tanto en el área leonesa (Cantabria, etc.) como en otras áreas del mundo his-
panohablante (Antillas y en la mayoría de los países ribereños del Pacífico,
desde California al Perú), incluido el judeoespañol de Marruecos:
– ágil [áhil], diju [dihu], truju [trúhu].
iii) Determinantes. Coinciden con las hablas leonesas los usos pleonásticos
del artículo en el Norte y en el Sur de la Sierra de Gata:
– con los adjetivos posesivos, generalmente tónicos, rasgos ambos compro-
bables en las hablas leonesas: los mís hijus, la mí Pepa, la mí casa
– el interrogativo ¿lo qué?, incluida la formulación indirecta: Se descompusun
yo no sé por lo qué.
Cabe señalar, por añadidura, entre las formas apelativas: (mu)chacho y (mu)
chacha, compañero y compañera, a los que habría que añadir en El Rebollar
dagal y dagala, hoy en desuso o decadencia.
5.3.1. Occidentalismos
5.3.2. Francesismos
i) la construcción y la vivienda:
– barraca ‘caseta’ (< fr. baraque), bricola ‘chapuza’, ‘chuchería’ (< fr. bricole),
cava ‘bodega’ y ‘garaje’ (< fr. cave ‘bodega’), etc.
ii) los lugares de trabajo, labores del campo, relaciones laborales, vida sin-
dical y seguridad social:
– ferma ‘granja’, ‘majada’ (< fr. ferme), usina ‘fábrica’ (< fr. usine), comuna
‘municipio’ (< fr. commune), retreta ‘jubilación’ (< fr. retraite), segurancia o
seguranza ‘seguro’, ‘seguridad social’ (< fr. assurance), vacancias o vacanzas
(< fr. vacances), etc.
iii) los medios de comunicación y transporte: gara ‘estación’ (< fr. gare),
michelina ‘automotor ferroviario’ (< fr. micheline), mobileta (< fr. mobylette),
posta ‘correos’ (< fr. poste), remolca (< fr. remorque);
DEL NACIMIENTO A LA IGNORADA AGONÍA DE LA MODALIDAD LINGÜÍSTICA “CASTELLANO-LEONESA” EN EL REBOLLAR (SALAMANCA)
75
Ángel Iglesias Ovejero
iv) objetos, utensilios domésticos, vestido, comida: brocha ‘cepillo’ (< fr.
brosse), calrotas o carotas ‘zanahorias’ (< fr. carottes), culotas ‘bragas’ (< fr.
culotte), lesiva ‘colada’ (< fr. lessive), pubela ‘basurero’ (< fr. poubelle), etc.
como sucede en general con todo aquello que es minoritario y periférico, rele-
gado al apartado del “tipismo”.
Los responsables de la política cultural de esta Comunidad, aparte de alguna
reciente medida tardía, más simbólica que eficaz, no han sabido valorar la rique-
za que supone la variedad lingüística de su amplio territorio, y ello resulta paten-
te en el vacío informativo. A propósito de una partida de 50.000 euros aprobada
en 2017 por la Junta para “confeccionar material didáctico” en El Rebollar y Las
Arribes, el órgano de prensa que desde hace un siglo defiende la ideología po-
lítica (y la economía) dominante en la provincia de Salamanca insinuó que era
un derroche. Para ello, con tanta osadía como ignorancia, y refiriéndose a la
modalidad vernácula de El Rebollar, publicó que su destino era: “para estudiar
un dialecto leonés que no interesa” (29/06/17).
El ninguneo informativo actual atañe a las actividades de Documentación y
Estudio del El Rebollar, una asociación que en colaboración con el equipo uni-
versitario de PROHEMIO (Orleans) desde 2003 había organizado y publicado
las actas de jornadas internacionales, con varias decenas de profesores y es-
tudiosos españoles (entre ellos colegas del Centro de Estudios Mirobrigenses)
y extranjeros. Quizá resulte superfluo añadir que dicho órgano de prensa no se
había enterado de las decenas y decenas de historiadores, lingüistas (de la Es-
cuela Española, de la de Hamburgo, británicos, etc.), antropólogos y folcloristas
que durante más de un siglo han realizado trabajos de campo por estos pagos.
Al cabo de otros dieciocho meses (16/02/2019) ha descubierto que “hace unos
años se publicó un libro sobre el tema”. (Por algo se empieza, cualquier día co-
nocerá el nombre del autor).
Aquella promesa de la Junta de Castilla y León era (fue) un brindis al sol.
Hasta ahora no se tiene constancia del menor interés por parte de entidades o
personas representativas comunitarias hacia dichas actividades, ni por supuesto
la menor colaboración cuando fueron solicitadas. Asisten a la agonía del habla
rebollana con la misma impavidez que (dejando a un lado el espinoso asunto
de la memoria histórica con respecto a la represión del primer franquismo) han
mantenido ante la emigración masiva, la despoblación, el envejecimiento demo-
gráfico, y, concretamente en la comarca mirobrigense, el desmantelamiento de
los servicios públicos, la insuficiencia de los transportes (por tren y carretera), la
falta de centros sanitarios adecuados (con obligados, laboriosos y arriesgados
desplazamientos a Salamanca al menor síntoma de enfermedad), el cierre de la
mayoría de los centros escolares locales (por falta de niños), con el consiguiente
desarraigo de la cultura y la forma de vida en el campo, etc., etc.
En suma, a las circunstancias adversas para mantener viva el habla rebollana,
se une la impotencia, la incapacidad y la insensibilidad de quienes estarían lla-
mados a resolver los problemas que condicionan su pervivencia. De modo que,
DEL NACIMIENTO A LA IGNORADA AGONÍA DE LA MODALIDAD LINGÜÍSTICA “CASTELLANO-LEONESA” EN EL REBOLLAR (SALAMANCA)
77
Ángel Iglesias Ovejero
por así decir, esperan que el tiempo acabe con incómodos habitantes (y hablan-
tes), haciendo buena la nada evangélica terapia del dicho:
REFERENCIAS
Para las referencias detalladas anteriores a 2005, véase Iglesias 2005b, y
para las posteriores a ese año, Iglesias 2010e y 2018b, que pueden consultar-
se, como otras publicaciones en la red informática: Angel IGLESIAS OVEJERO
- Academia.edu
IGLESIAS OVEJERO, Ángel (2005b) = “El Rebollar: balance provisional y perspec-
tivas del estudio de su patrimonio cultural”. En: Estudios Mirobrigenses, 1,
C.E.C.L.-C.S.I.C., Ciudad Rodrigo, 27-58.
ID. (Iglesias 2010e), “Situación del habla de El Rebollar (Salamanca): analogías
y contrastes con las hablas extremeñas”. En: Lletres Asturianes, 103, 35-59.
ID. (Iglesias 2018b), “El árbol paremiológico de Rodrigo, epónimo de Ciudad Ro-
drigo”. En: Estudios Mirobrigenses, V, CEM, C.E.C.E.L.-C.S.I.C., 219-246.
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suroeste mirobrigense durante los siglos XII-XIII, Centro de Estudios Mirobri-
genses, C.E.C.E.L.-C.S.I.C., y Ayuntamiento de Ciudad Rodrigo, 2008.
78 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
RESUMO
Neste trabalho apresentar-se-á a situação linguística de alguns espaços que
nos permitem problematizar a questão da interação histórica entre a definição
da fronteira política luso-espanhola na Península Ibérica e a delimitação de fron-
teiras linguísticas nesse mesmo território. Assim, depois de uma breve referência
à motivação histórica da configuração linguística da Península Ibérica, debruçar
-nos-emos sobre três realidades linguísticas particulares: o mirandês, variedades
galego-portuguesas em território espanhol e o barranquenho. Tratando-se, em
todos os casos, de línguas ou de variedades que se encontram em situação de
contacto linguístico, elas resultam, ainda assim, de processos históricos particu-
lares. Se, por vezes, estamos perante variedades autóctones que sobrevivem
em áreas nas quais outras se tornaram hegemónicas, casos há que resultam de
situações de mobilidade populacional ou de contacto reiterado e sistemático
entre as populações dos dois lados da fronteira.
*
FLUC / CELGA-ILTEC.
80 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
1
«[Não] é possível conhecer a distribuição exacta dos romances em formação na Península Ibérica nas vés-
peras da invasão muçulmana pois esta (e depois dela a Reconquista) alteraram completamente a situação
existente no centro e sul da Península» (Castro 2006, 65-66) (o negrito é nosso).
LÍNGUAS E HISTÓRIA(S) DE FRONTEIRAS
81
Isabel A. Santos, Cristina Martins, Isabel Pereira
2
A exceção é constituída pela perda de vitalidade do mirandês na cidade de Miranda do Douro, um processo
cujo embrião se localiza no século XVI. Sobre esta problemática, cf. Martins (1994a).
LÍNGUAS E HISTÓRIA(S) DE FRONTEIRAS
83
Isabel A. Santos, Cristina Martins, Isabel Pereira
3
Registe-se, ainda assim, a sua perda de vitalidade mais recente (Martins 2014), que tem vindo a ser contrariada
através de medidas de planificação linguística (Martins e Santos 2015).
4
Outros exemplos encontram-se em Martins (2014).
84 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
5
Não nos debruçamos, assim, sobre a situação da fronteira entre Portugal e Galiza, onde a separação política
não anula um continuum linguístico revelador da história comum do português e do galego. Do mesmo modo
não se descreverá, junto à fronteira norte, na província de Zamora, o enclave português de Hermisende
(Segura 2013, 117; Maia 2000, 785-786).
86 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
«[en] Salamanca los límites [do leonês] coinciden com la frontera política, excepto el
enclave de Alamedilla (partido de Ciudad Rodrigo), que habla português. Análoga
entrada se verifica en dos zonas de la provincia de Cáceres: en el ángulo noroeste,
donde son portugueses Valverde del Fresno, Eljas y San Martín de Trevejo, y nue-
vamente, más al sur, en Cedillo y Herrera de Alcántara. Una nueva entrada hace el
português en la comarca de Olivenza, en tierras de Badajoz. El sur de esta ultima
provincia, reconquistada por Alfonso X, marca la extermidad meridional de la corona
leonesa, donde se pueden todavia hallar rasgos lingüísticos más o menos borrosos»
(Zamora Vicente 1960, 73).
Por outro lado, e embora não se detalhando, no presente trabalho, tal ques-
tão, é necessário realçar que são variáveis os graus de vitalidade destes falares
locais, que se encontram, em todos os casos, em contacto com o espanhol. Além
de fenómenos de transferência que a situação de contacto propicia, a pressão
(pelo poder e prestígio que lhe estão associados) da língua oficial e as atitudes
positivas dos falantes relativamente ao espanhol colocam em perigo as varie-
dades locais e processos de substituição linguística são observáveis em muitos
destes espaços, sobretudo nas localidades de maior dimensão (Carrasco Gon-
zález 2007).
Assim, na zona que confina com a região portuguesa de Riba Coa (cf. Mapa
2), registam-se duas situações linguísticas particulares: a de La Alamedilla (Sa-
lamanca) e a de Valverde del Fresno, Eljas e San Martín de Trevejo, povoações
localizadas no norte de Cáceres, na serra de Xalma. Deparamo-nos, em ambos
os casos, com situações que Zamora Vicente (1960, 73) sinalizou como de pene-
tração do “português” na delimitação do espaço leonês.
As regiões de Xalma e Alamedilla, juntamente com povoações portuguesas
fronteiriças do concelho do Sabugal, foram estudadas por Maia ([1965] 1977), que
identifica, em La Alamedilla, uma variedade de português fonética, morfológica
e lexicalmente muito semelhante ao português, conservador e com arcaísmos,
que é falado nas vizinhas povoações do concelho português (Maia [1965] 1977,
551; Segura 2013, 118). Atesta-o, por exemplo, de acordo com os dados recolhi-
dos pela autora, a existência de um sistema de sibilantes com profundas afini-
dades com os falares da região fronteiriça estudada, as duas áreas partilhando
um conjunto de 7 unidades que inclui 4 alveolares, a palatal surda e as duas
africadas palatais, a surda ([tʃ]) e a sonora ([dʒ]) (Maia [1965] 1977, 193). A atestar
o expressivo conservadorismo da zona está o facto de desta última consoan-
te, [dʒ], restarem apenas vestígios em falares contíguos da Beira Baixa (Segura
2013, 118).
Já no recanto noroeste da província de Cáceres, nas povoações de Valverde
del Fresno, Eljas e San Martín de Trevejo, encontram-se variedades idiomáticas
arcaicas, filiadas no galego-português e apresentando alguns traços leoneses.
LÍNGUAS E HISTÓRIA(S) DE FRONTEIRAS
87
Isabel A. Santos, Cristina Martins, Isabel Pereira
6
Maia (2007, 135-136) evoca este contexto histórico referindo uma «íntima associação de toda a zona portu-
guesa a oriente do Rio Coa (a região de Riba-Coa) e a área fronteiriça espanhola».
7
Para uma visão das diferentes abordagens à questão da filiação histórica destas variedades, ver Maia (2007).
8
Maia (2007: 144) não deixa também de assinalar que, além dessa base essencial galego-portuguesa, para a
especificidade linguística da área contribui também (i) a influência do português, propiciada pelos contactos
com as populações vizinhas além da fronteira territorial; (ii) o elemento leonês que se observa nalguns
resultados fonéticos, em aspetos morfológicos e no léxico; (iii) a influência de traços linguísticos originários
de territórios meridionais de Espanha que se encontram também nos falares da Estremadura, região onde
geograficamente estão inseridos os falares de Xalma; (iv) a influência, relativamente recente, do espanhol,
a língua oficial do Estado, resultante do fenómeno da escolarização, da maior facilidade de comunicação e
da expansão dos meios de comunicação social.
LÍNGUAS E HISTÓRIA(S) DE FRONTEIRAS
89
Isabel A. Santos, Cristina Martins, Isabel Pereira
9
Quando procedeu ao estudo linguístico dessa área, Vilhena ([1965] 2000, 23) descreveu-a como de difícil
acesso às autoridades espanholas devido à falta de comunicações e ao afastamento de meios populosos,
sendo, por isso, um local de refúgio de indivíduos, tanto portugueses como castelhanos, que fugiam à justiça.
90 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
10
Para uma apresentação sistematizada dos dados históricos relevantes, cf. Vilhena ([1965] 2000, 37-38).
LÍNGUAS E HISTÓRIA(S) DE FRONTEIRAS
91
Isabel A. Santos, Cristina Martins, Isabel Pereira
Carrasco González (1994, 62), este facto poderá relacionar-se com as guerras da
Restauração, momento em que o castelo foi destruído.
Assim, Herrera de Alcántara preserva traços linguísticos muito arcaicos já de-
saparecidos do português, como a não redução de vogais átonas (Vilhena, [1965]
2000, 100), que a estrutura do castelhano igualmente favorece; ao mesmo tem-
po, a variedade aí falada torna-se, numa tendência que se acelerou nos últimos
tempos, muito permeável à penetração de castelhanismos (Carrasco González
1994, 62).
11
A variedade aí falada distingue-se, então, da falada em Cedillo , localidade
constituída no séc. XVIII (Segura 2013, 118) e provavelmente a continuação de um
“casalinho” fundado por pescadores portugueses; neste caso, a situação de re-
lacionamento regular com Portugal não parou até época bem recente (Carrasco
González 1994, 62). Tudo isto explica a existência de um falar português moder-
no com muita vitalidade e de características idênticas às dos falares da região
portuguesa contígua (Vilhena [1965] 2000, 36). Estão, por exemplo, registados
em Cedillo timbres vocálicos semelhantes aos que se encontram numa zona ex-
tensa da Beira Baixa e Alto Alentejo: é o caso da vogal mista [Ø], resultante da
monotongação de OU, ou da vogal [u] que tende para palatal ([y]) (Vilhena [1965]
2000, 56-57).
Situações linguísticas semelhantes encontramo-las novamente mais a sul,
12
em localidades fronteiriças do concelho de Valencia de Alcántara : Las Ca-
siñas; El Pino; Jola; La Fontañera (Segura 2013, 118; Carrasco González 2001,
142; 1994, 64) (cf. Mapa 4). Deparamo-nos, neste caso, com variedades sinaliza-
das e estudadas mais recentemente e faladas em localidades que, como Cedillo,
se terão constituído provavelmente no séc. XVIII, resultado de emigração portu-
guesa. Também como em Cedillo, a língua falada nestas localidades correspon-
de ao português moderno ouvido nas localidades vizinhas portuguesas (neste
caso, da região de Portalegre).
Como já adiantámos no início desta secção, aquilo a que Zamora Vicente se
refere como “entrada do português” em Espanha, ocorre ainda «en tierras de
Badajoz». Nesta província podemos, no entanto, e tendo em consideração as
razões que explicam a situação linguística particular, distinguir dois grupos de
localidades onde se fala, igualmente, uma variedade de português semelhante à
falada nas localidades portuguesas vizinhas:
11
No entanto, em ambas as localidades se encontra [tʃ], consoante idêntica à que se encontra em falares
portugueses (Vilhena [1965] 2000, 59) setentrionais, mas que, no interior, atinge o sul do distrito de Castelo
Branco.
12
Este concelho foi dos que mais sofreram nas guerras da Restauração, permanecendo muito tempo sob o
domínio de Portugal (1664-1698 e 1705-1715). O facto de estar desabitada e sob o domínio de Portugal toda
a faixa fronteiriça favoreceu as relações com as localidades vizinhas portuguesas e o estabelecimento de
portugueses na zona ao longo dos séculos XVIII e XIX (Carrasco González 1994: 65).
92 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
13
Relativamente às povoações do sul de Cáceres, estas aparecem em época mais recente sem constituir
localidades tão grandes; é maior a proximidade da fronteira e há uma maior dependência comercial dela; a
vinculação familiar com Portugal mantém-se intacta e a maioria dos habitantes de maior idade nasceu em
Portugal e conserva passaporte português (Carrasco González 2001, 146-148.).
LÍNGUAS E HISTÓRIA(S) DE FRONTEIRAS
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Isabel A. Santos, Cristina Martins, Isabel Pereira
pelo que estas são, «en consecuencia, las únicas que en rigor conservan la len-
gua portuguesa de sus abuelos» (Carrasco González 2001, 144). Conserva-se aí,
em suma, o português falado neste concelho no início do séc. XIX, com profun-
das influências do castelhano na fonética e no vocabulário.
14
De acordo com o Censos 2011, tem uma população de 1834 habitantes.
15
Já na época romana haveria ambiguidade na definição das fronteiras administrativas entre o convento
pacense, da Lusitânia, e o convento hispalense, da Bética, que se terá prolongado pelo período de ocupação
árabe, em que as divisões administrativas foram definidas com base nas divisões romanas (Navas 2017,
47-48).
94 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
16
Na crise sucessória de 1383-1385, Noudar terá estado do lado do pretendente castelhano ao trono; também
nas guerras da Restauração se terá colocado do lado dos espanhóis, pois D. João IV ordenou a sua destruição
(Navas 2017, 56).
17
No sistema fonológico do barranquenho, manifestam-se as características que definem o português, por
oposição às demais línguas da Península Ibérica (Vasconcelos 1995, 18).
LÍNGUAS E HISTÓRIA(S) DE FRONTEIRAS
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Isabel A. Santos, Cristina Martins, Isabel Pereira
18
i) ausência de oposição B/V ;
ii) aspiração ou supressão de consoantes sibilantes em final de sílaba, e mais
particularmente em final de palavra;
iii) supressão de /l/ e, sobretudo, de /r/ em final de palavra.
18
Nas línguas da Península Ibérica, a oposição B/V apenas ocorre no português, nomeadamente nos dialetos
centro-meridionais, em que se integra a variedade padrão da língua. A inexistência desta oposição caracteriza
os dialetos portugueses setentrionais, que assim se aproximam das restantes línguas peninsulares Não é,
no entanto, plausível que a presença deste traço no barranquenho esteja relacionada com os dialetos por-
tugueses setentrionais, sendo, portanto, atribuído a influência do espanhol, com que tem contacto próximo
e continuado no tempo.
19
Optou-se por uma grafia fonética, a fim de permitir uma leitura ilustrativa da realidade fonética.
20
Vasconcelos refere, «à toa», calabaça, côdu, culebra, nutra, pilá, tubilhu (Vasconcelos 1955, 16).
96 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
5. CONCLUSÕES
Dos dados e considerações acima apresentados, uma constatação emerge:
as fronteiras políticas e as fronteiras linguísticas não são forçosamente coinci-
dentes. O espaço correspondente às fronteiras políticas é um lugar de contacto
entre línguas, não de separação. Daí decorre uma distribuição de variedades
linguísticas que nem sempre corresponde ao expectável. No que concerne às
(não) fronteiras do português no contexto da Península Ibérica, verificamos que o
contacto ocorre de diversas formas. Por um lado, com uma outra língua români-
ca, que se preserva em território politicamente português (o mirandês, do grupo
asturo-leonês). Por outro lado, com o castelhano, seja através da presença de
variedades galego-portuguesas em território espanhol (La Alamedilla, Serra de
Xalma, Herrera de Alcántara, Cedillo, Valencia de Alcántara, La Codosera, Olivença),
LÍNGUAS E HISTÓRIA(S) DE FRONTEIRAS
97
Isabel A. Santos, Cristina Martins, Isabel Pereira
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do Encontro Regional da Associação Portuguesa de Linguística. Lisboa: As-
sociação Portuguesa de Linguística/Edições Colibri, pp. 95-105.
98 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
*
Universidade de Coimbra.
104 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
que se desenvolveu e ampliou até nós, Nietzsche dela fez o lugar de origem do
seu super-homem, Zaratustra, de que Thomas Mann se recordará no célebre
romance A Montanha mágica, onde o seu herói, Hans Castorp, descobre a vida
superior das «gentes do alto».
Não nos surpreende que um romancista filósofo como Vergílio Ferreira adote
acentos nietzschianos para falar de uma realidade que lhe é familiar pois que
nasceu no pé da Serra. Escutemo-lo:
RUI JACINTO*
*
Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT).
1
A discussão é recorrente e, como atestam por diferentes exemplos, é suscitada por motivos distintos: Savoir
lire le territoire: plaidoyer pour une géographie régionale attentive à la vie quotidienne (Antoine S. Bailly,
Jean-Paul Ferrier, 1986); Lire les territoires (Yves Jean et Christian Calenge, 2002).
108 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
2
a geografia e a literatura . Os geógrafos que começaram a explorar este diálogo
advogavam, por reação a um positivismo exacerbado e redutor, uma geografia
3
de pendor mais humanista (Y.-F. Tuan, 1974; A. Frémont, 1976; D. Pocock, 1988) ,
4
aproveitando as potencialidades da geografia literária e as possibilidades desta
frutuosa relação para prosseguir, nesta senda, uma linha de pesquisa que se
5
continua a diversificar .
6
As repercursões epistemológicas no seio da geografia resultantes destes
debates foram equivalentes ás geradas em torno da “diferença conceitual real
e importante entre o espaço (geográfico, social) e o território”, na tentativa de
decifrar “o que implica do ponto de vista da prática social, da ação política e das
representações culturais” o papel e a missão do geografo visando “melhorar
nosso conhecimento da verdadeira natureza dos territórios. Tal empreendimento
supõe a abertura de três projetos: um de definição das lógicas políticas, sociais
e culturais (mesmo ideológicas) das construções e do funcionamento dos terri-
tórios; o outro decodifica os efeitos reguladores de tensão que os governam;
2
É um debate transversal que tem sido animado, do lado da geografia, por estudos como: (i) Literature and
geography: implications for geographical research (Y.-F. Tuan, 1978); (ii) Geography and Literature (D. Pocock,
1988) (iii) Géographie et littérature (J.-L. Tissier, 1992; 2007); (iv) Entre géographie et littérature: frontières et
perspectives dialogiques (M. Brosseau, M. Cambron, 2003) (v) Géographie et littérature (B. Lévy (dir), 2006;
Le Globe, numéro thématique); (vi) Géographie et littérature (Bédard M., Lahaie C. (dir.), 2008, Cahiers de
Géographie du Québec, dossier) (vii) Géographie, Littérature, Territoires (Mauricette Fournier, 2016; Territoire
en mouvement, «Éditorial», Número temático); (viii) Literature and Geography (E. Péraldo (dir) 2016). No
caso português foi antecipado por Amorim Girão quando escreveu uma nota sobre Geografia e Literatura
(Boletim do Centro de Estudos Geográficos, Coimbra, 1952); nesta linha surgiram trabalhos como As outras
geografias: a literatura e as leituras do território (Rui Jacinto, 1995).
3
Importa destacar: Space and Place: Humanistic Perspective (Tuan Y.-F., 1974), La région espace vécu (A.
Frémont, 1976), Geography and Literature (D. Pocock, 1988) ou, ainda, Géographie humaniste et littérature:
l’espace existentiel dans la vie et l'œuvre de Hermann Hesse (1877-1962) (B. Lévy, 1989, Thèse de doctorat).
4
Exemplo: Pour une géographie littéraire (M. Collot, 2011); entre os elaborados por geografos lusófonos:
Território, poesia, identidade (Rogério Haesbaesrt, 1996; 2009), Geografia e Literatura: ensaios sobre
geograficidade, poética e imaginação (Eduardo Marandola Jr., Lúcia Helena Batista Gratão, 2010), O mapa
e a trama. Ensaios sobre o Conteúdo Geográfico em criações romanescas (Carlos Augusto de Figueiredo
Monteiro (2002), Geografia, literatura e arte: reflexões (Maria Auxiliadora da Silva; Harlan Rodrigo Ferreira
da Silva, 2010) e Ficção, espaço e sociedade: notas para uma leitura geográfica e social da obra de Alves
Redol – Avieiros (Fernanda Cravidão. 1992).
5
Estudos realizados em dois domínios apenas reforçam esta ideia:
a) Os que exploram diferentes estilos literários ou a geograficidade latente na obra de certos escritores,
dispersos por trabalhos como: (i) De l’esprit géographique dans l’œuvre de Julien Gracq (J.-L. Tissier, 1981);
(ii) Julien Gracq, un écrivain géographe: Le Rivage des Syrtes, un roman géopolitique (Y. Lacoste, 1987); (iii)
De l’imaginaire géographique aux géographies de l’imaginaire Écritures de l’espace (Dupuy L., Puyo J.-Y,
2015); (iv) Le roman policier. Lieux et itinéraires (M. Rosemberg, 2007, coordenador de um numéro thématique
de Géographie et Cultures).
b) aproveitam o potencial da literatura para estudar diferentes aspetos da geografia do turismo: (i) Herbert
D., 2001, «Literary places, tourism and the heritage experience», Annals of Tourism Research, vol. 28, no 2,
p. 312-333. (ii) Robinson M., Andersen H.-C., (dir), (2003), Literature and Tourism: essays in the reading and
writing of tourism, Londres, Thomson, 320 pages. (iii) Watson N.-J., 2006, The literary tourist. Readers and
Places in Romantic and Victorian Britain, Basingstoke, Palgrave Macmillan, 256 pages. (iv) Lévy B., Raffestin
C. (dir.), 2004, Voyage en ville d'Europe: géographies et littérature, Genève: Métropolis, 318 p.
6
Por exemplo: E.- W. Soja (1989). Postmodern geographies: The reassertion of space in critical social theory.
GEOGRAFIA, LITERATURA, VIAGEM: LER O TERRITÓRIO, INTERPRETAR A SERRA DA ESTRELA
109
Rui Jacinto
7
Guy Di Méo (2002). Quels usages de l’espace et des territoires? in Lectures des territoires. In Jean-Pierre
Lécureuil- De la lecture des territoires, pp: 221-223.
8
Ciências de ar livre (Orlando Ribeiro, Diário Popular, 14 de Fevereiro de 1943, texto republicado em Variações
sobre Temas de Ciências, 1970: 189).
9
Paul Claval (2013). O papel do trabalho de campo na geografia, das epistemologias da curiosidade às do
desejo.
110 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
10
Os Apontamentos de viagem [1853-1864], incluídos num dos Tomos das Obras Completas de Alexandre
Herculano, foram reunidas e organizadas por Vitorino Nemésio (Livraria Bertrand, pp: 184).
11
Gerardo Augusto Pery de Linde (1835-1893) foi oficial do exercito e importante cartografo que, nesta quali-
dade, percorreu boa parte do centro e do sul do país com a missão de efectuar levantamentos cartográficos
sob o comando do general Filipe Folque. É da sua lavra o levantamento de muitas folhas da moderna Carta
Militar, sendo responsável por várias folhas da Região Centro na escala 1:100.000. Os conhecimentos do país
que adquiriu neste âmbito e o acesso a abundante acervo estatístico permitiram a publicação, em 1875, no
ano em que foi co-fundador da Sociedade de Geografia de Lisboa, duma obra pioneira, marco da moderna
geografia portuguesa: Geografia e Estatística Geral de Portugal e Colónias, com um Atlas (Imprensa Nacional,
Lisboa, 402 p.).
12
Amorim Girão (1951). Uma Velha Descrição Geográfica do Centro de Portugal. Boletim do Centro de Estudos
Geográficos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, n.º 2/3, pp. 2-34.
112 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
esta, são precisos certos preparativos indispensáveis; tais são, arranjar bons prá-
ticos das veredas impercetíveis, apenas trilhadas pelos rebanhos de ovelhas; é
preciso fazer boa provisão de mantimentos, porque se pode dar o caso de ter
de ficar na serra mais tempo do que aquele que se deseja; e enfim fazer bom
fornecimento de casacos de abafar de mantas etc., para poder resistir ao frio.
(…) pusemo-nos a caminho para a parte mais elevada da serra denominada Serra
dos Cântaros, por aí haver dois enormes rochedos, a que chamam Cântaro Gor-
do e Cântaro Magro. Quando chegámos ao alto da serra onde se acha a Pirâmide
de primeira ordem, eram dez horas; tínhamos gasto sete horas nesta trabalhosa
ascensão. Chegado ali, ao ponto mais elevado de Portugal, a 2000 metros acima
do mar, eu quis abranger num só golpe de vista o grandioso e imenso horizonte
que se desenrolava em torno de mim”.
13
A recém-criada Sociedade de Geografia de Lisboa (1875) havia de patroci-
nar nas décadas seguintes a exploração das terras desconhecidas, de aquém e
de além-mar, mobilizando esforços para substrair do anonimato vastas parcelas
do império. O propósito de impulsionar o conhecimento cientifico, da geografia
e da cartografia, não era, contudo, o único objectivo que movia uma agremiação
que criou, no seu seio, imediatamente após a sua constituição, uma Comissão
Nacional Portuguesa de Exploração e Civilização da África, destinada a “desper-
tar a opinião pública para as questões do Ultramar”. O empenho da Sociedade
de Geografia de Lisboa por África não era inocente dada a concorrência que se
havia estabelecido entre as potencias europeias que apostam num novo impul-
so à colonialização do continente. Prepara, desde logo, as “primeiras grandes
expedições de exploração científico-geográfica, recorrendo a financiamento por
subscrição nacional, contribuindo assim para a definição de uma política colonial
portuguesa em África”. Embora tenha surgido mais tardiamente relativamente
às suas congéneres europeias, teve um papel importante na defesa da posição
portuguesa em África, perante o novo quadro geopolítico e os interesses emer-
gentes que se revelariam conflituantes.
As viagens de reconhecimento empreendidas por exploradores ingleses,
designadamente Cameron e Stanley (entre 1873 e 1875), apenas aceleraram o
13
A fundação da Sociedade de Geografia de Lisboa e a criação da Comissão Central Permanente de Geografia
ocorrem na sequencia do Congresso Internacional de Geografia, realizado em 1875, que teve profundas
repercussões em Portugal. Os estatutos da Sociedade de Geografia de Lisboa foram aprovados por alvará
de 29 de Janeiro de 1876, requeridos por Luciano Cordeiro, em 10 de Novembro de 1875; no seu Conselho
Central figuraram três destacados elementos da Direcção-Geral dos Trabalhos Geodésicos: José Júlio
Rodrigues, Carlos Ribeiro e Gerardo Augusto Pery, ficando Luciano Cordeiro como seu primeiro secretário
perpétuo. A Comissão Central Permanente de Geografia foi criada por decreto de 17 de Fevereiro de 1876,
assinado por João Andrade Corvo, Ministro da Marinha e Ultramar, sendo composta por 18 vogais efectivos
e funcionaria junto do Ministério dos Negócios da Marinha e do Ultramar. A sua missão era “coligir, ordenar e
aproveitar, em benefício da Ciência e da Nação, todos os documentos que pudessem esclarecer a Geografia,
a História Etnológica, a Arqueologia, a Antropologia e as Ciências Naturais, em relação ao território português,
e especialmente às províncias ultramarinas” (http://www.iict.pt/imagens/151.pdf).
GEOGRAFIA, LITERATURA, VIAGEM: LER O TERRITÓRIO, INTERPRETAR A SERRA DA ESTRELA
113
Rui Jacinto
14
As duas viagens de Hermenegildo Carlos de Brito Capello e Roberto Ivens proporcionaram outros tantos
livros, com forte impacto e ampla divulgação, intítulados: (i) De Benguela às Terras de Iaca, descrição de
uma viagem na Africa Central e Ocidental (Lisboa: Imprensa Nacional, 1881); (ii) De Angola á contra-costa;
descripção de uma viagem atravez do continente africano (Lisboa: Imprensa Nacional, 1886).
O decreto que os incumbiu de realizarem a primeira viagem (1877) referia destinar-se “a explorar, no inte-
resse da ciência e da civilização”. Foi iniciada na companhia de Serpa Pinto, surgindo divergências com este
explorador que o levaram a tentar, por sua iniciativa, a travessia até Moçambique; Brito Capelo e Roberto
Ivens, foram triunfalmente recebidos em Lisboa em 1 de Março de 1880. Manuel Joaquim Pinheiro Chagas,
Ministro da Marinha e do Ultramar, criaria uma Comissão de Cartografia (decreto de 19 de Abril de 1883),
com o objetivo de elaborar um atlas geral das colónias portuguesas, para a qual nomeou como vogais
aquels dois exploradores. A pretensão era criar um caminho comercial que ligasse Angola e Moçambique,
incumbindo-os de procederem aos reconhecimentos e explorações, por territórios desconhecidos, não
114 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
cartografados, nos quais era necessário avançar, recorrendo aos princípios da navegação marítima, tão
familiares a estes exploradores. Iniciam, assim, a segunda viagem (De Angola à Contra-Costa), entre 1884
e 1885, que estabeleceu a tão desejada ligação por terra entre as costas de Angola e de Moçambique.
A missão iniciou-se a 6 de Janeiro de 1884; regressaram em 20 de Setembro de 1885, sendo recebidos
triunfalmente pelo rei D. Luís.
15
Alfredo Fernandes Martins (1952). Tríptico galego. Crónicas duma viagem à Galiza publicadas, inicialmente,
no Diário de Coimbra (Ano XXIII, 1952).
16
O Guia de Portugal foi concebido e organizado por Raul Proença [até ao vol II] e, posteriormente, por Sant’anna
Dionísio. A obra, que teve como responsável gráfico Raul Lino, foi preparada nas Oficinas Gráficas da Biblioteca
Nacional de Lisboa e, a partir do vol III, editada pela Fundação Calouste Gulbenkian, que reeditou todos os
volumes, com apresentação e notas de Sant’ana Dionísio. Este “monumento de patriotismo cultural” (José
Rodrigues Miguéis), foi apoiado, quando Raul Proença já era “perseguido pela Ditadura Militar e o Fascismo”
e Jaime Cortesão dirigia a Biblioteca Nacional, sendo continuado pelo “Grupo da Biblioteca” [António Sérgio,
Aquilino Ribeiro, Câmara Reys e Raul Brandão] e o grupo da “Seara Nova”.
Publicaram-se os seguintes volumes: I vol: “Generalidades. Lisboa e Arredores”, 1924 [org. por Raul Proença];
II vol: “Estremadura, Alentejo e Algarve”, 1927 [org. por Raul Proença]; III vol: “Beira Litoral, Beira Baixa e Beira
Alta”, 1944 [org. por “um grupo de amigos de Raul Proença” (R. P. morre a 20 Maio de 1941), que assinavam,
Afonso Lopes Vieira, António Sérgio, Aquilino Ribeiro, Câmara Reys, Ferreira de Castro, Raul Lino, Reynaldo
dos Santos, Samuel Maia e Sant’Anna Dionísio” e sob coordenação de Sant’ana Dionísio [a reed. do III vol
dividiu-se em 2 tomos: tomo I (1993), “Beira Litoral” e tomo II (1994), “Beira Baixa e Beira Alta”]; IV vol: “Entre
Douro e Minho”, 1964/1965 [II tomos: I (1964), “Douro Litoral” e II (1965) “Minho”] [org. por Sant’ana Dionísio];
V vol: “Trás-os-Montes e Alto Douro”, 1969/1970 [II tomos: I (1969), “Vila Real, Chaves e Barroso” e II (1970)
“Lamego, Bragança e Miranda”] [org. por Sant’ana Dionísio]
(cf.: José Manuel Martins: http://arepublicano.blogspot.com/2013/06/guia-de-portugal.html)
GEOGRAFIA, LITERATURA, VIAGEM: LER O TERRITÓRIO, INTERPRETAR A SERRA DA ESTRELA
115
Rui Jacinto
17
A contributo dos geógrafos para o Guia de Portugal foi assegurado por Amorim Girão, Orlando Ribeiro, Silva
Teles, Carlos Alberto Marques e Virgílio Taborda. Entre os escritores destacam-se nomes como: Afonso
Lopes Vieira, António Sérgio, Aquilino Ribeiro, Brito Camacho, Eugénio de Castro, Ferreira de Castro, Jaime
Cortesão, José Rodrigues Migueis, Júlio Dantas, Miguel Torga, Raul Brandão, Sant’ana Dionísio, Teixeira de
Pascoais, Tomás da Fonseca, Vergílio Correia, Vitorino Nemésio.
116 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
19
Orlando Ribeiro (Lisboa, 1911-1997) colaborou com as seguintes entradas: Beira Baixa. Introdução geográfica
e etnográfica; De Fratel a Castelo Branco; Proença-a-Nova e Sertã colab.; Malpica, Monfortinho, Idanha-
a-Nova; Beira Alta Introdução; Serra da Estrela. Clima; Vestigios glaciários; Pastoreio; De Seia a Alvoco
da Serra. Amorim Girão (Fataunços, Vouzela, 1895 – 1960) escreveu: Vale de Lafões; Serra das Talhadas;
Serra de S. Macário; Viseu — História; Serra do Caramulo; Serra da Estrela - Introdução. Contributos menos
expressivos foram assegurados por Carlos Alberto Marques (Guarda - Excursão ao Caldeirão) e Francisco
Xavier da Silva Teles (Ascenção ao Colcorinho).
20
Alfredo Fernandes Martins (1949). Le Centre Littoral et le Massif Calcaire d’Estremadura. Livret-guide de l’excur-
sion B du XIV Congrès Internacional de Géographie. CEG, Lisboa. Orlando Ribeiro (1949) - Le Portugal Central.
Livret-guide de l’excursion C du Congrès International de Géographie. CEG, Lisboa (reimpressão em 1982)
118 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
21
Recordemos alguns títulos: Geografia Sentimental (Aquilino Ribeiro, 1951); A melancolia do geógrafo (Brigitte
Paulino-Neto, 1995); Geografia do medo (Francisco Duarte Mangas, 1997); Portugal. Geografia do Fatalismo
(Mário Ventura, 2001). Na poesia destacam-se: Geografia (Sophia de Mello Breyner Andresen,1972); Geografia
do Caos (Nuno Júdice; Duarte Belo, 2005; fotografia e poesia); A função do Geógrafo (Rui Cóias, 2000,
Poesisas); Geografia do Olhar (Ilda Figueiredo, Agostinho Santos, 2011;recentemente, Amosse Mucavele
(2017), escritor moçambicano, lançou um livro de poesia com o mesmo título) e, num outro registo, é ainda
de referir Geografia da Alma (Graça Morais). Há ainda exemplos de edições estrangeiras traduzidos em
Portugal: Atlas de Geografia Humana (Almudena Grandes, 1998); O sonho do cartógrafo. Meditações de
Fra Mauro na Corte de Veneza do Século XVI (James Cowan, 1996; 2000); Biblioteca do Cartografo (John
Fasman, 2005); O meu chapéu cinzento. Pequenas geografias (Olivier Rolin, 1999); O mapa e o território
(Michel Houellebecq, 2010).
GEOGRAFIA, LITERATURA, VIAGEM: LER O TERRITÓRIO, INTERPRETAR A SERRA DA ESTRELA
119
Rui Jacinto
22
A propósito da Viagem a Portugal de José Saramago escrevi num outro contexto: “as ricas e acutilantes
descrições interpretativas que faz da sociedade e do espaço, mesmo quando metafóricas e supostamente
ficcionais, como acontece em A jangada de pedra, não deixam de apelar a exercícios especulativos de
geografia prospetiva. José Saramago, embora não sendo geógrafo, não deixava de estar munido de uma
cultura territorial com que leu e interpretou o país. A preparação da Viagem terá beneficiado de ensinamentos
colhidos no Guia de Portugal, atrás referido, da leitura direta ou indireta de alguns geógrafos, sobretudo
Amorim Girão e Orlando Ribeiro, eventualmente das suas obras mais divulgadas, fosse a Geografia de
Portugal ou Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico. As observações de campo feitas durante a viagem,
temperadas pela subjetividade do olhar e a reflexão pessoal de José Saramago, acrescentaram valor ao
conhecimento inicial, sedimentando informação suficiente para podermos concluir que a cultura territorial
do autor quando termina a sua viagem será incomparavelmente superior a inicial” (Jacinto, 2013).
120 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
adivinha, é viagem o estrondo das águas caindo esta subtil dormência que envolve
os Montes" (Viagem a Portugal, 21ª ed.: 318-321).
primeiro trabalho sobre a Bacia do Rio Côa, aproveitou o ano que passou na
serra a curar-se da doença que havia contraído para elaborar A Serra da Estrela:
subsídios para o estudo da geografia de Portugal, publicado em 1938 na Revista
Biblos (XIV; reeditado em 1996). Alfredo Fernandes Martins, concluíria em 1940
uma monumental tese de licenciatura, O esforço do Homem na Bacia do Monde-
go, onde dedicou páginas suficientes para que este estudo continua a ser uma
referência sobre o ambiente natural e humano da Serra da Estrela.
Contudo, foram os geógrafos então já consagrados, Amorim Girão e Orlando
Ribeiro, a dedicaram trabalhos posteriores à Serra da Estrela, designadamente
23
os, atrás referidos, incluídos no Guia de Portugal . Sobre a Serra Orlando Ribeiro
publicaria outros artigos, designadamente Contribuição para o estudo do pas-
toreio na Serra da Estrela (1941), a que se seguiu Significado geográfico do pas-
toreio na Serra da Estrêla (1941) e Estrutura e relevo da Serra da Estrela (1954).
Neste último trabalho abordou a evolução do modelado do relevo, a escadaria
de blocos da parte mais elevada, o contorno tectónico da parte setentrional, o
fosso do Alto Mondego, as fracturas e as “escarpas múltiplas, dispostas numa
escadaria marginal, e sulcos tectónicos interiores, deslocamentos ao longo de
planos de fractura paralelos” (p. 565). Não é possivel esquecer os trabalhos que
igualmente publicou sobre as áreas adjacentes: A Cova da Beira. Controvérsia
de Geomorfologia (1949), O fosso do médio Zêzere (1949), Três notas de Geo-
morfoloia da Beira Baixa (1951). Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico. Estudo
geográfico (Coimbra, 1945), a sua obra mais citada, inclui vastas referências à
Serra e á evolução da transumância. Escreveu bastante sobre diferentes as-
petos de geografia física e humana, do pastoreio ao queijo da serra, temas
indissociáveis que ainda envolve o imaginário da montanha mais alta. Discorre
ainda sobre a aldeia pastoril do Sabugueiro, os modos de vida na montanha, o
quadro natural da Serra da Estrela, as comunidades agro-pastoris, o povoamen-
to, as pastagens e os gados, a invernada e outras modalidades de transumância,
a agricultura e a evolução das atividades artesanais para a especialização na
mono-indústria dos lanifícios, perfil marcante duma fase não muito remota da
economia regional.
23
No volume do Guia de Portugal dedicado às Beiras Orlando Ribeiro, além do Pastoreio na Serra da Estrela,
publicaria ainda: de Seia a Alvôco da Serra, Beira Baixa: Introdução geográfica; de Fratel a Castelo Branco;
Proença-a-Nova e Sertã; Malpica, Monfortinho, Idanha-a-Nova; e, ainda, Beira Alta: Introdução, bem como,
Condeixa-a-Nova; Ruínas de Conímbriga.
124 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
todos os gostos, existe tanto uma Grande Rota como uma Pequena Rota (PR),
exemplificada pela que tem com ponto de partida e de chegada Folgosinho
(Gouveia), um percurso que engloba o troço de duas calçadas romanas, uma
delas com a designação de Galhardos e a outra de Cantarinhos. A consagra-
ção da Serra da Estrela com o estatuto de Geopark Mundial pela Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) abre
novas oportunidades que importa integrar ao permitir explorar o elevado nú-
mero de geossitios e geomonumentos.
Museus e Centros de Interpretação: nós duma rede territorial e temática. A
rede de Museus locais e de âmbito regional, localizados na envolvente da
Serra, tem vindo a ser reforçada com um conjunto de Centros de Interpre-
tação, quase sempre temáticos, que importa levar em consideração nesta
aproximação à leitura do território que se tem vindo a propor. Sem uma preo-
cupação exaustiva apontam-se os Museus locais, focados no espaço, na arte
e na preservação da memória, podendo esboçar num ou noutro caso algu-
ma especialização, como acontece com o Museu Municipal de Arte Moderna
Abel Manta, inaugurado em Gouveia em 1985. De referir que, muitos destes
museus aproveitam edifícios que são património, por ser classificado, ser re-
presentativo ou integrar a memória urbana.
Complementa esta rede alguns museus temáticos, como os singulares Mu-
seus da Miniatura Automóvel ou do Brinquedo ou os dedicados a saberes e
fazeres locais, onde releva o Museu dos Lanificios (Covilhã), por preservar a
memória e a arqueologia industrial, o Museu dos Meios, ligado à tradição do
cobertor de papa, ou o Solar do Queijo da Serra da Estrela. Os Centros de
Interpretação, que correspondem a uma geração mais recente de equipa-
mentos, criados com preocupações mais ancoradas no território e com dis-
cursos expositivos mais inovadores e contemporâneos, tem como principais
representantes o Centro de Interpretação da Serra da Estrela (CISE; Seia), o
Centro Interpretativo do Vale Glaciar do Zêzere (Manteigas) e o Centro de
Interpretação do Geopark Estrela (Torre).
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GEOGRAFIA, LITERATURA, VIAGEM: LER O TERRITÓRIO, INTERPRETAR A SERRA DA ESTRELA
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GEOGRAFIA, LITERATURA, VIAGEM: LER O TERRITÓRIO, INTERPRETAR A SERRA DA ESTRELA
129
Rui Jacinto
2
HELENA GONÇALVES PINTO
1
Excerto da obra inédita “Uma viagem ao cume do conhecimento. A Expedição Científica à Serra da Estrela
em 1881”, de autoria de Helena Gonçalves Pinto.
2
Colaboradora do Centro Nacional de Cultura e docente da Universidade Autónoma de Lisboa.
134 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
3
Voyage en Portugal fait depuis 1797 jusqu’en 1799, par M. Link et le comte de Hoffmannsegg; contenant
une foule de détails neufs et intéressants sur la situation actuelle de ce royaume, sur l’histoire naturelle et
civile, la géographie, le gouvernement, les habitants, les moeurs, usages, production, commerce et colonies
du Portugal, spécialment le Brésil foi publicada originalmente em língua alemã e traduzida para francês em
1808, uma edição que incluía a Carte générale du Portugal. No capítulo dedicado à Serra da Estrela, os
naturalistas descreveram não só as singularidades geológicas e botânicas, mas pontuaram também o seu
relato com as aventuras vivenciadas, incluindo o momento em que o conde de Hoffmannsegg se perdeu
nos desfiladeiros do Cântaro Magro.
A EXPEDIÇÃO CIENTÍFICA À SERRA DA ESTRELA EM 1881. DA AVENTURA AO DOMÍNIO DO TERRITÓRIO
135
Helena Gonçalves Pinto
4
Pertenceu à Sociedade de Estatística de Paris e à Academia das Ciências de Lisboa. Cf. PERY, Gerard Augusto;
FRANÇA, F.M. – Vida e Alma: breve exposição de algumas verdades scientificas. Lisboa: Tip. do Futuro, 1870.
5
Carta geographica de Portugal: [Divisão por distritos e concelhos] / Publicada por ordem de sua Magestade,
levantada em 1860 a 1865 sob a direcção do Conselheiro Filipe Folque Gen.ral de Brig. Garduado e director
do Instituto Geographico; pelos officiaes do Exercito A. J. Pery, C.A. da Costa e G.A. Pery; Barreto, Palha e
Santos gr.. - Escala 1:500000. [Lisboa]: Instituto Geographico. BNP cc-956-r.
6
Lisboa: Imprensa Nacional, 1875.
7
Em 1836, Alexandre de Abreu Castanheira publicou As Alagoas da Serra d’Estrella, um relato da viagem que se
realizou em Agosto desse ano. Seguiu-se a publicação do relato da viagem que António de Vasconcelos Pereira
Coutinho de Macedo efectuou em Agosto desse ano na companhia da filha, Beatriz Emília de Vasconcelos
Castello Branco, e do marido, Alexandre Cupertino Castello Branco (autor de um trabalho sobre a Serra).
Na caravana seguiam doze pessoas, entre as quais Serafim Garcia Ribeiro (natural de S. Paio), Jerónimo de
Moraes Almeida e Sousa (director do abarracamento), pastores, caçadores, bagageiros, guias práticos e
Benedita (a jovem criada substituta que ocupou o lugar do jovem Laceiras, criado de D. Beatriz). A viagem
iniciou-se em S. Romão no dia 6 de Agosto, com saída da caravana composta por 12 pessoas montadas a
cavalo. As etapas seguintes de subida da Serra foram realizadas nos dias seguintes, alternando a subida
com as pausas para descanso e visita de algumas localidades.
136 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
8
Júlio Augusto Henriques era o cientista que melhor conhecia a Serra da Estrela, já que, em Julho de 1880,
tinha percorrido uma grande extensão do território.
Desta vez (1881), a Secção de Botânica previa partir de S. Romão, indo pela Senhora do Desterro até à Lapa
dos Dinheiros, seguindo para a Ribeira da Caniça, Nave, Vidoal, Pomar de Judas e Lagoa Comprida até ao
Planalto do Acampamento.
9
Alguns destes instrumentos foram encomendados pelo Ministério do Reino, por solicitação prévia da Sociedade
de Geografia de Lisboa e indicação precisa de Brito Capello. O Ministério acordou que, após esta Expedição,
os instrumentos deveriam ser entregues para serviço no Observatório D. Luiz, colmatando assim as lacunas
sentidas pela falta desses equipamentos científicos.
138 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
10
Em ferro, arame e lona (SN-48, Museu da Marinha).
11
O modelo de farol dióptico de borda, a petróleo, de cor branca, em ferro e vidro (IN-IV-80, Museu da Marinha);
e o modelo de farol de borda, a petróleo, de cor vermelha, em cobre, latão e vidro (IN-IV-36, Museu da
Marinha).
12
Modelo de ancoreta com bebedouro, em madeira e ferro (PB-103, Museu da Marinha) e os modelos de copo
de ancoreta, em alumínio (SN-52, Museu da Marinha), e de copo de ancoreta, em aço e arame (SN-51, Museu
da Marinha). No acervo do Museu também se encontram os baldes, em madeira e ferro (PB-100, Museu da
Marinha) e, ainda, o modelo de balde, em madeira, latão e lona (PB-31, Museu da Marinha).
13
Em alumínio (EQ-30, Museu da Marinha).
14
Existem os seguintes modelos: Cantil, em ferro esmaltado e couro (EQ-25, Museu da Marinha); Cantil, em
ferro esmaltado e feltro, com copo de alumínio adaptado (EQ-9, Museu da Marinha); Cantil com copo, em
ferro esmaltado, cabedal e cobre (EQ-70, Museu da Marinha).
15
O Ministério da Marinha, através do director-geral, o visconde da Praia Grande, o chefe da Repartição, sr. Sori,
o superintendente do Arsenal, Silva e Costa, e o chefe dos Depósitos, o capitão-de-fragata Álvaro da Silva,
contribuiu com um conjunto diversificado de equipamentos e utensílios. Também os Ministérios das Obras
Públicas, da Guerra e do Reino colaboraram, entregando objectos para a logística da expedição. Também
a Câmara da Guarda, através do vereador Joaquim Gonçalves Ribas e a Câmara do Carregal, através do
presidente, Pedro Botelho Corte Real, e do vereador, António de Magalhães, deram um grande apoio, quer
facultando os meios de acolhimento e de transporte do grupo, quer facultando a logística e a alimentação.
Também ao comandante do Regimento de Infantaria n.º 13, da localidade, foi pedida a colaboração, forne-
cendo à comissão uma força de seis homens e um cabo para acompanhar a expedição na Fonte dos Perus.
A EXPEDIÇÃO CIENTÍFICA À SERRA DA ESTRELA EM 1881. DA AVENTURA AO DOMÍNIO DO TERRITÓRIO
139
Helena Gonçalves Pinto
16
“Aviso aos Expedicionários”, in Expedição Scientifica á Serra da Estrella: Disposições regulamentares. Lisboa:
Casa da Sociedade de Geographia, 1881, p. 1.
17
Quando a caravana saiu de Manteigas, deixou os médicos Augusto Jacinto Medina e Leonardo Torres, da
Secção de Medicina/Hidrologia. Sem hotel na povoação, os dois médicos ficaram acomodados em “systema
de alugar quartos e mandar cada um cozinhar o que quer”, pagando 160 réis diários nos dias 5 a 8 de Agosto.
O quarto foi simultaneamente laboratório, consultório, observatório, sala de dormir e de jantar.
As observações e as medições meteorológicas eram sistematizadas pelo menos em três momentos do dia:
das 6 às 9 horas; 12 horas; 21 horas da tarde, com auxílio de um barómetro, que “era um pequeno ameroide
sem thermometro adjacente”, não sendo, porém, possível realizar a correcção da altura barométrica, por se
ter partido na viagem o termómetro de mínima que tinha sido fornecido pela Secção de Meteorologia.
Os dois médicos colheram amostra da água termal e analisaram-na no laboratório. As observações médicas
foram sistemáticas, sendo criadas tabelas de registos dos aquistas que estavam nas Caldas fazendo os
seus banhos. Os dados quantitativos (número de banhos, etc.) e os dados qualitativos (perfil dos doentes:
idade, sexo, proveniência, doenças, uso de águas, observação, melhorias, etc.) foram sendo rigorosamente
avaliados.
Finalizada esta tarefa, partiram no dia 10, pelas 4 da manhã, em direcção ao acampamento, em caminhadas,
travessias difíceis, exigindo mais destreza e vitalidade energética por parte dos exploradores.
140 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
COMISSÃO EXECUTIVA
Presidente: Conde de Ficalho; Vice-Presidente: João Capello; Secretário: Ro-
drigo A. Pequito; Tesoureiro: Eduardo Coelho; Vogais: F. A. de Oliveira Feijão,
Luiz F. Marrecas Ferreira e Nuno de Freitas Queriol.
EXPLORAÇÃO GERAL
Agronomia e Silvicultura (Chefe: Jayme Batalha Reis; Antonio Lopes Men-
des e Joaquim Pedro de Freitas Castello Branco); Antropologia (Chefe: José
Joaquim da Silva Amado); Arqueologia (Chefe: Francisco Martins Sarmento;
Gabriel Pereira e Joaquim de Vasconcellos); Botânica (Chefe: Júlio Augus-
to Henriques; Júlio Daveau); Química (Chefe: Carl von Bonhorst); Etnografia
(Chefe: Luiz Feliciano Marrecas Ferreira); Geologia (Chefe: João Eduardo Al-
bers); Hidrografia (Chefe: João Emilio de Sant’Ana Castello Branco), Subsec-
ção: Levantamento e Sondagens das Lagoas (Chefe: Francisco da Silva Ribei-
ro; Luís Feliciano Marrecas Ferreira); Medicina (Chefe: José Thomaz de Sousa
Martins. Subsecções: Hidrologia Minero-Medicinal (Chefe: Leonardo Moreira
da Costa Torres; Jacintho Augusto Medina); Oftalmologia (Chefe: Francisco
Lourenço da Fonseca); Meteorologia (Chefe: Augusto Carvalho da Silva; Her-
menegildo Carlos de Brito Capello e Jacintho Augusto); Fotografia (Chefe:
Frederico Augusto Torres; Alberto Júlio Brito e Cunha e Norberto Amâncio de
Almeida Campos); Zoologia (Chefe: Fernando Mattoso dos Santos); Secção
Auxiliar – Topografia (Chefe: António Xavier de Almeida Pinheiro; Augusto
Paes de Faria e Luiz da Silva Mouzinho de Albuquerque; auxiliados por 5
condutores de obras públicas).
A EXPEDIÇÃO CIENTÍFICA À SERRA DA ESTRELA EM 1881. DA AVENTURA AO DOMÍNIO DO TERRITÓRIO
143
Helena Gonçalves Pinto
18
“Serviço Topographico Auxiliar da Expedição Scientifica á Serra da Estrela. Mapa geral dos levantamentos
executados”. Escala 100.000, Lisboa 18 de Abril de 1882. Tela parafinada, tinta-da-china e cor vermelha.
As outras vinte e duas folhas do Mapa são igualmente em tela parafinada, tinta-da-china, tinta vermelha
(orografia), tinta azul (rios). SGL/Cota 7-H-23 (23 folhas)
19
Esta foi construída sobre uma pequena camada de terra que cobria o granito das fundações. Ficando
orientada no sentido do comprimento, na direcção do meridiano magnético, tendo, no alçado voltado para
E., a porta de entrada e duas janelas. O ponto “em que o terreno próximo estava mais alto, em relação ao
acampamento, era a Estrela, com 141 metros de diferença de nível, ficando a distância aproximadamente
de 1:750 metros e demorando a pirâmide de 13.º30’SE verdadeiros; a partir deste ponto, a altura do terreno
descia até ao Cântaro Gordo do lado E. e para W até um pouco além da pirâmide do Malhão Grosso, o qual
se marcava por 26 SW. Verdadeiros”. A elevação do solo dos 10º NE aos 52.º SW era formada pelos cabeços
do Rodeio Grande, que ficava muito perto do acampamento.
20
Martins, José Thomaz de Sousa – “Carta-Prefácio”, in Quatro Dias na Serra da Estrela. Porto: Livraria
Civilisação, 1884.
144 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
21
Martins, José Thomaz de Sousa – A Tuberculose Pulmonar e o Clima de Altitude da Serra da Estrela. Lisboa:
Imprensa Nacional, 1890, p. 30.
146 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
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ABREU, Adelino de (1905). Serra da Estrela, Guia do Touriste. Lisboa: Livraria
Ferreira & Oliveira, L.da.
22
Idem, pp. 38-39.
23
Ibidem.
24
Wachsmann, Fred, Como Eu Vi a Serra da Estrela. Alcobaça: Tip. Alcobacense, [1948].
A EXPEDIÇÃO CIENTÍFICA À SERRA DA ESTRELA EM 1881. DA AVENTURA AO DOMÍNIO DO TERRITÓRIO
147
Helena Gonçalves Pinto
1
MANUEL SANTOS ROSA
1
Z. BISCAIA FRAGA
2
FRANCISCO FRAGA DE MELLO
3
ÂNGELA ALVES
1
Médico (natural da Serra da Estrela)
2
Aluno do 2º ano de medicina
3
Licenciada em Jornalismo
152 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
GALERIA
SOUSA MARTINS
FRANCISCO SOBRAL
HÉLDER SEQUEIRA*
A MONTANHA MÁGICA
A designação de “Cidade da Saúde” atribuída no século passado à Guarda
em muito se fica a dever a uma instituição que a marcou indelevelmente, ao
longo de sete décadas; embora a situação geográfica e as especificidades cli-
matéricas associadas tenham granjeado à cidade esse epíteto, a construção do
Sanatório Sousa Martins validou e rentabilizou as condições naturais da cidade
para o tratamento da tuberculose, doença que vitimou, em Portugal, largos mi-
2
lhares de pessoas.
A Guarda foi, nessa época, uma das localidades mais procuradas de Portugal,
afluência que deixou inúmeros reflexos na vida económica, social e cultural; a
3
sua apologia como terra “eficaz no tratamento da doença” foi feita por distintas
figuras da época.
*
Instituto Politécnico da Guarda.
1
Este Encontro decorreu nos dias 10 e 11 de maio de 2019.
2
A tuberculose é uma doença infecto-contagiosa resultante da acção do Mycobacterium tuberculosis (conhecido
por bacilo de Koch), o qual é comum ao homem e a alguns animais (nomeadamente bovídeos) cuja lesão
anatómica característica é o tubérculo ou nódulo tuberculoso. Esta doença pode assumir formas diversas,
em função do local da inoculação, da extensão das lesões, do modo evolutivo e, naturalmente, do grau de
resistência do organismo. Na maioria dos casos, a infecção ocorre por inalação, sendo a localização mais
frequente ao nível dos pulmões.
3
Para utilizarmos a expressão do Dr. Lopo de Carvalho, apresentada na intervenção que proferiu no II Congresso
Nacional de Tuberculose; citado por Ladislau Patrício, in o “Sanatório Sousa Martins na Guarda”, 1936.
156 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Rua Direita. Uma das ruas onde se alojaram muitos doentes em cura livre.
ANTIGO SANATÓRIO DA GUARDA. SAÚDE, MEMÓRIA, PATRIMÓNIO
157
Hélder Sequeira
4
Como se pode verificar no “Livro de matrículas dos enfermos de moléstia pulmonar em tratamento nesta
cidade”, ano de 1896 e seguintes. Registo feito pela entidade policial da época.
158 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
5
Cf. “A Guarda”, 17 de março de 1907, nº 104.
6
Cf. Guarda, Album Ilustrado, Edição da Comissão de Iniciativa da Guarda, s. d., p. 27. As taxas referidas
foram colhidas, como é mencionado nessa publicação, no trabalho de Amândio Paul, intitulado “Questões
de Higiene Pública do Distrito da Guarda”.
7
José Tomás de Sousa Martins nasceu em Alhandra, a 7 de março de 1843, no seio de uma família com escas-
sos recursos económicos. O seu nome, mercê dos seus trabalhos e análise de casos clínicos, atravessou
fronteiras. Apesar de não ter legado muitas publicações, Sousa Martins deixou atrás de si várias gerações
de médicos, uma Escola Clínica e, sobretudo, um verdadeiro exemplo de doação à sociedade e à Medicina.
Este clínico morreu a 18 de agosto de 1897, na sua terra natal.
8
Diversos Relatórios, Imprensa Nacional, Lisboa, 1883. Citado em A Serra da Estrela – estudo geográfico, de
Carlos Alberto Marques, Ed. Assírio e Alvim, Lisboa, 1996.
9
O médico Ladislau Patrício (terceiro director do Sanatório) caracterizou o Club Hermínios como “uma socie-
dade de beneficência em prol dos tuberculosos pobres, possível embrião da actual A.N T”.
10
O clima serrano e a sua influência terapêutica foi objecto de trabalhos não só de Sousa Martins mas também
de Serras e Silva (professor catedrático da Universidade de Coimbra); J. Mendes dos Remédios, Sousa Martins
e a Serra da Estrela, Viseu, 1898; Francisco António Mendes Póvoas, Herminismo, Seia, 1922; A. Vaz de
ANTIGO SANATÓRIO DA GUARDA. SAÚDE, MEMÓRIA, PATRIMÓNIO
159
Hélder Sequeira
A CONSTRUÇÃO DO SANATÓRIO
Em 1901 foi adquirido o espaço necessário à edificação dessa unidade; par-
te dos terrenos foram adquiridos à Quinta do Chafariz, tendo a escritura sido
celebrada em 9 de novembro, na Guarda. O Dr. Lopo de Carvalho figurou como
procurador de D. António de Lencastre, Secretário-Geral da Assistência Nacional
aos Tuberculosos. À referida Quinta foi adquirida “toda a parte ocidental que se
acha separada das restantes terras da mesma pela estrada real número cincoen-
ta e cinco que desta cidade vai a Castello Branco e que parte pelo nascente com
a dita estrada, pelo norte com o Largo do Chafariz de Santo André, e caminho
público, poente com a quinta das Lameirinhas e quinta do Pina, e pelo sul com a
12
mesma quinta do Pina” .
No dia 21 de Dezembro desse mesmo ano, foi assinada uma outra escritura
(onde o Dr. Lopo de Carvalho representou igualmente o Secretário Geral da ANT)
através da qual foi vendida à Assistência Nacional aos Tuberculosos uma área de
terreno pertencente à Quinta do Pina, com setenta e cinco mil metros quadrados,
Macedo, Serra da Estrela, Estância de Repouso, Lisboa, 1929; Joaquim da Cruz Filipe, A Serra da Estrela
como Estância de Repouso, Lisboa, 1936. Amorim Girão, num artigo publicado no Bola de Neve (1951), fala
de “A Serra da Estrela num passo de Estrabão”. São também conhecidas antigas referências, como seja o
caso de André de Resende, De Antiquitatibus Lusitanie, Coimbra, 1670.
11
O Prof. Tiago de Almeida, catedrático da Faculdade de Medicina do Porto, que passou algum tempo em
repouso na Guarda, referiu-se a Lopo José Figueiredo de Carvalho como detentor de um “carácter nobilíssimo,
pondo no tratamento dos doentes a enorme afectuosidade do seu coração; cercando os seus clientes do
carinho e conforto é que ele, como médico distinto que é e como doente que foi, sabe perfeitamente serem
indispensáveis elementos terapêuticos”. Citado por Ladislau Patrício no Jornal “A Medicina Contemporânea,”
outubro de 1962, Ano LXXX, nº 10, Lisboa, p. 394. Lopo José de Carvalho era pai de Fausto Lopo Patrício
de Carvalho (que nasceu a 15 de maio de 1890; faleceu em 23 de maio de 1970), outro destacado vulto
da Medicina portuguesa e que gozou de enorme prestígio internacional. O jornal A Guarda, 18 de maio
de 1907, refere-se a Lopo de Carvalho (pai), como “médico distinctíssimo, paladino devotado da cruzada
anti-tuberculosa”. Cf. p. 4.
12
Arquivo Distrital da Guarda, Escritura de Venda, L133/135, Fls 7v - 8v.
160 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
13
Arquivo Distrital da Guarda, Escritura de Venda, L133/135, Fl. 19v.
14
Actualmente cortada pelas Avenidas Afonso Costa e Francisco Sá Carneiro.
15
Refira-se que, desde 1737 e até 1834, os primogénitos dos reis de Portugal intitulavam-se Príncipe da Beira.
D. Luis Filipe (assassinado a 1 de fevereiro de 1908), filho de D Carlos, retomara a tradição, a qual seria
abolida com a implantação da República.
16
A inauguração esteve prevista para o dia 28 de abril, e depois para 11 de maio, não se concretizando devido
ao mau tempo. “Em vista do tempo invernoso que tem feito desde há dias, foi adiada a festa de inauguração
do Sanatório que se anunciara para hoje. Está marcada para o dia 18”. In O Combate, 11 de maio de 1907,
nº 106, primeira página, segunda e terceira colunas. Também A Guarda, na edição de 5 de maio de 1907,
na primeira página, tinha anunciado que a inauguração estava prevista para dia 11 de maio.
17
Cf. Dulce Borges, “Encontro com a cidade”, Revista Praça Velha, Ed. Câmara Municipal da Guarda, Ano I, nº
1, I Série, julho de 1997, p. 31.
18
Cf. os jornais “Notícias da Guarda”, “Jornal do Povo”, “O Combate”, “O Districto da Guarda”, “A Guarda” e
“Correio da Beira”. O “Distrito da Guarda” faz alusão à deliberação camarária relativa à preparação “condigna”
da “recepção a Suas Magestades e aos numerosíssimos visitantes que por essa ocasião aqui concorriam”,
pelo que foi constituída uma “Grande comissão dos festejos”. Cf. edição de 24 de março de 1907.
ANTIGO SANATÓRIO DA GUARDA. SAÚDE, MEMÓRIA, PATRIMÓNIO
161
Hélder Sequeira
para a Guarda, reina aqui grande e justo enthusiásmo. A nossa excelsa Rainha,
a quem se deve em grande parte tão importante melhoramento vem na compa-
19
nhia de lusido cortejo, presidir à solemnidade” . E a abertura dos pavilhões, que
atraiu alguns milhares de pessoas à cidade, foi feita com pompa e circunstância
e registada documentalmente.
“Aos dezoito dias do mês de Maio de mil novecentos e sete, num dos edifícios re-
centemente construídos no reduto da antiga Quinta do Chafariz, situada à beira da
estrada número cinquenta e cinco, nos subúrbios da cidade da Guarda, estando
presentes Sua Majestade a Rainha Senhora Dona Amélia, bem como os funcioná-
rios abaixo assinados, procedeu-se à solenidade da abertura da primeira parte dos
edifícios do Sanatório Sousa Martins e da inauguração deste estabelecimento da
Assistência Nacional aos Tuberculosos, fundada e presidida pela mesma Augusta
Senhora. Neste acto, Sua Majestade a Rainha, em nome da dita Associação, fez
saber às pessoas ali reunidas que desde então ficavam abertos três pavilhões, cada
um com vinte e oito leitos para o tratamento de tuberculosos curáveis, um para
doentes de mais posses, outro para os remediados e outro para pobres, o hospi-
tal para doenças intercorrentes, com capacidade para doze leitos, o pavilhão dos
serviços gerais, a abegoaria, a casa destinada à desinfecção e à lavandaria, e seis
habitações reunidas duas a duas, em três chalés, cada uma destinada a ser aluga-
da a uma família abastada, constituindo todos estes edifícios a primeira parte do
Sanatório Sousa Martins, inaugurado na mesma data. Para perpetuar a memória
deste acontecimento, foi redigido o presente auto, por mim, Guilherme Maria da
Silva Jones, segundo-secretário do Conselho Central da Assistência Nacional aos
Tuberculosos, que o subscrevo, depois de o haver lido perante as pessoas presentes
20
e de por elas ter sido assinado, do que dou fé” .
19
Cf. “A Guarda”, 24 de março de 1907, nº 105, Ano III.
20
Auto da inauguração, citado por Ladislau Patrício em “O Sanatório Sousa Martins na Guarda (Memórias)”,
trabalho publicado em separata de A Medicina Contemporânea, Jornal Português de Ciências Médicas,
fundado por Manuel Bento de Sousa, Miguel Bombarda e Sousa Martins. Cf. edição de outubro de 1962,
Ano LXXX, nº 10, Lisboa.
21
“De 18 de maio, dia da inauguração, a 18 de setembro vão quatro mezes certinhos; e n’estes quatro mezes
não se poderiam ter já tratados muitos doentes? Agora começa a fazer frio, e é menos convidativa uma
permanência na Guarda”. Cf. “A Guarda”, 29 de setembro de 1907, última página.
22
Cf. “A Guarda”, 26 de maio de 1907.
162 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
23
Este pavilhão foi alvo, mais tarde, de uma nova intervenção, passando a integrar um terceiro piso. Neste
edifício funciona, atualmente, a sede e administração da Unidade Local de Saúde da Guarda, E.P.E.
ANTIGO SANATÓRIO DA GUARDA. SAÚDE, MEMÓRIA, PATRIMÓNIO
163
Hélder Sequeira
“Situado a 1 039 metros sobre o nível do mar, possui todas as comodidades e con-
fôrto modernos reclamados pela higiene no tratamento dos doentes que sofrem de
tuberculose pulmonar, anemia, fraqueza orgânica, impaludismos, etc (...).
Três grandes pavilhões para doentes de 1ª, 2ª e 3ª classes; um pavilhão de isolamen-
to para doenças intercorrentes; seis chalets para famílias que prefiram viver inde-
pendentemente; a séde da Farmácia e do novo Pôsto radiológico para diagnóstico
e tratamento; um chalet à entrada do Sanatório para os serviços de escritório e da
Administração e, finalmente, o edifício destinado à Lavanderia a vapor e rouparia,
montada segundo processos mais modernos, tendo anexa a casa das desinfecções
provida de uma grande estufa Geneste Haerscher e de todo o material exigido num
estabelecimento desta natureza.
Lavanderia e Central eléctrica – A nova Lavanderia, consideralvelmente ampliada
e melhorada em material e instalações para todos os serviços, tem anexa a central
eléctrica, privativa do Sanatório.
24
Nesta publicação não aparece indicada a data mas, seguramente, é da década de 20, no período em que
Amândio Paul aparece como Director Clínico e Ladislau Patrício, que o substituiu, como Médico-Adjunto.
Lopo de Carvalho faleceu a 6 de julho de 1922. Amândio Paul foi nomeado Director a 14 de julho de 1922,
cargo que desempenhou até 1934. Nesse ano, Ladislau Patrício (cunhado do poeta Augusto Gil) assumiu as
funções de Director do Sanatório.
164 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Dispensário - Guarda
ANTIGO SANATÓRIO DA GUARDA. SAÚDE, MEMÓRIA, PATRIMÓNIO
165
Hélder Sequeira
25 26
como foi instituído por Brehmer e continuado por Detweiler , é o que é funda-
mental e rigorosamente sempre tem sido seguido no Sanatório Sousa Martins,
único também que na hora presente é unânimemente considerado como o mais
eficaz, dado o insucesso constante de tôdas as tentativas feitas com os agentes
27
da chamada terapêutica específica – soros e vacinas” .
Essa mesma publicação evidenciava o clima da região, com “as característi-
cas gerais dos climas de montanha – pressão barométrica baixa, ar puro, sêco
e isento de gérmens, raros nevoeiros, elevada ozonização e acção intensa da
luz. A Guarda, porém, tem sôbre a região do Observatório da Serra da Estrêla, a
vantagem de registar menor grau de humidade (68,9 contra 74,2), maior estabi-
lidade de temperatura (0º,36 contra 1º, 40), menos dias de nevoeiros (112 contra
159), menos de metade dos dias de vento forte (41 contra 85) e a quinta parte
28
apenas dos dias de vento tempestuoso (17 contra 85)” .
Acentuando as condições do Sanatório e as virtualidades da zona, era dei-
xada a informação para as “pessoas saudáveis que acompanham os doentes,
a cidade e seus arredores proporcionam-lhes um certo número de distracções
agradáveis: sport, teatro, cinematógrafos, passeios (Vale do Mondego, Caldei-
29
rão, Serra da Estrêla, etc.)” .
As décadas de quarenta e cinquenta “são um tempo de viragem na Guar-
30
da” , pois sofreu grandes transformações na sua estrutura urbana, econó-
mica e social. Foram executadas novas artérias, desencadeou-se um novo
ritmo de construção, surgiram novos estabelecimentos comerciais e mais
serviços.
A Lei 2.044, de 20 de julho de 1950, “abre as portas a toda a pessoa com
tuberculose. Rapidamente é construído aqui um novo Pavilhão para 300 camas
e a lotação passa para 600 leitos, pelos quais chegaram a passar, em cada ano,
800 doentes. As necessidades de ordem social avolumam-se rapidamente com
31
tal avalanche” .
25
Hermann Brehmer, a quem se ficou a dever a construção, em Gobersdorf (Silésia) do primeiro hospital
especializado na cura de tuberculosos.
26
Peter Dettweiler, colaborador de H. Brehmer, fundou o Sanatório de Falkenstein, na Alemanha Central.
Ficaram igualmente famosos os Sanatórios de Davos e Leysin, o primeiro dos quais evocado na conhecida
por Thomas Mann, em “A Montanha Mágica”. Cf. pp. 244-245.
27
Ob. cit., p. 27.
28
Guarda, Album Ilustrado, Edição da Comissão de Iniciativa da Guarda, s. d., pp. 19-20.
29
Ob. cit., p. 23.
30
Veja-se Jaime Couto Ferreira, “Do Perpianho ao Betão – Deambulações entre 1940 e 1959”, in “A Guarda
Formosa na Primeira Metade do Século XX”, Ed. Câmara Municipal da Guarda, 2000. Este tempo de viragem
coloca a Guarda “entre a pequena cidade com muitos traços medievos e o crescimento contínuo e acentuado
do último quartel da centúria, que a estendeu em todas as direcções para os terrenos municipais e privados,
agrícolas e maninhos dos seus arrabaldes”, p. 95. O Ante-Plano Geral de Urbanização da Guarda, da autoria
do arquitecto João António de Aguiar, foi concluído em 5 de Setembro de 1949.
31
Como evidenciou o Dr. Martins de Queirós, quarto e último Director do Sanatório Sousa Martins. Este médico
trabalhou, antes de vir para o Sanatório da Guarda, na Estância Sanatorial do Caramulo, onde integrou a
ANTIGO SANATÓRIO DA GUARDA. SAÚDE, MEMÓRIA, PATRIMÓNIO
167
Hélder Sequeira
32
O novo pavilhão foi inaugurado em 31 de maio de 1953 , no terreno em
33
frente da, atual, Avenida Rainha D. Amélia . Com este novo pavilhão o Sana-
tório Sousa Martins ganhou uma maior dimensão, projetando-se, como uma
autêntica “povoação” auto-suficiente, dentro da própria cidade; apenas recor-
ria ao exterior em casos muito esporádicos ou por manifesta indisponibilidade
de meios.
equipa de cirurgiões, da qual faziam parte o Prof. Doutor Bissaia Barreto e o Dr. Luis Quintela.
32
A inauguração esteve inicialmente prevista para o domingo anterior, talvez até por razões políticas, como
aliás deixava transparecer o “Correio da Beira,” na edição de 28 de maio de 1953. “A Guarda, possivelmente,
ainda nem se deu conta deste facto: a obra a inaugurar é a de maior vulto de quantas se dão prontas – e
são tantas – em todo o país nesta semana comemorativa da Revolução Nacional de 28 de Maio. De maior
vulto não só pela verba dispendida pelo Estado, como pela sua finalidade social.” Este acto foi também
abordado na sessão ordinária do executivo municipal da Guarda, de 27 de maio de 1953. Cf. Acta da sessão,
fl. 137. Igualmente na acta de 3 de junho de 1953, fl. 143, é feita referência à visita do Ministro das Obras
Públicas, “que veio a esta cidade inaugurar o novo pavilhão do Sanatório Sousa Martins”.
33
Assim se passou a denominar o troço da Estrada Nacional entre a Rua Batalha Reis e ao longo da cerca do
Sanatório. A atribuição do nome da Rainha foi decidida na sessão de Câmara de 5 de dezembro de 1951.
168 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
34
Cf. J. Pinharanda Gomes, Memórias da Guarda, Ed. Câmara Municipal da Guarda, 2001, pp. 19-20. Cf. também,
op. cit., “Espirituais no Sanatório”, pp. 121-129.
35
“Um certo aspecto cultural e recreativo do Boletim não lhe rouba o carácter informativo que deve ter, para
proporcionar aos sócios da nossa instituição mais regalias e mais um interesse de fraternidade e harmonia
entre todos os doentes do Sanatório”. Cf. “Bola de Neve,” 1 de abril de 1948, Ano I, nº 4, p. 5.
36
A edição de 6 de julho de 1948 identifica o “Bola de Neve” já como mensário.
37
Cf. edição de 14 de agosto de 1950, Ano III, nº 21, p. 6. Na coluna onde eram divulgados os novos colaboradores,
o BN salientava que “Damião Peres é catedrático da Faculdade de Letras de Coimbra e membro titular da
Academia Portuguesa de História. É um dos mais altos valores da ciência histórica portuguesa (...)”.
38
Tem um poema, inédito, publicado na edição de 4 de dezembro de 1951, Ano IV, nº 25, 1ª página, intitulado
o “Mergulho” e datado de junho de 1951, Poço do Inferno (Serra da Estrela).
39
Reitor do Liceu da Guarda.
40
Como era referida, “prestigioso nome da literatura contemporânea do Brasil”.
41
Cf. Bola de Neve, 28 de abril de1950, pag. 1. “Doutor pela Sorbona, funcionário superior da Unesco, uma
das maiores autoridades mundiais da história dos grandes descobrimentos portugueses es espanhóis”.
42
Professor de Geografia no Liceu de Gloteborg (Suécia).
43
“O grande lírico nacional, a quem todo o Algarve, em 1941, rendeu comovida homenagem de apreço e de
gratidão”. Cf. Bola de Neve, 28 de abril de 1950, primeira página.
44
Bola de Neve, nº 26. Na edição de 23 de abril de 1952 o “Correio da Beira” faz referência à saída deste
número, “de 12 páginas, em óptimo papel de luxo, felicitando “o ilustre Director da ‘Bola de Neve’ e os seus
colaboradores pelo belíssimo exemplar deste jornal literário, cultural e regionalista”.
ANTIGO SANATÓRIO DA GUARDA. SAÚDE, MEMÓRIA, PATRIMÓNIO
169
Hélder Sequeira
Hospital Francisco dos Prazeres. Unidade hospitalar que coexistiu com o Sanatório.
45
mesma campanha de optimismo” . A partir de 10 de agosto de 1959 não são
46
conhecidas mais edições do Bola de Neve .
Por outro lado, a actividade radiofónica desenvolvida, a partir de 1947, no
Sanatório suscitou a preferência de muitos doentes. A rádio era um fascínio con-
tagiante, acrescido pelo facto de não ser normal a possibilidade de contactar, de
perto, com uma emissora de radiodifusão sonora.
A maior parte dos internados, no Sanatório Sousa Martins, que eram admi-
tidos na Rádio, designada de “Altitude”, ocupavam-se quer na manutenção téc-
nica dos equipamentos de emissão ou de estúdio quer no apoio administrativo
ou no arquivo de discos e registos magnéticos, onde se podia verificar uma irre-
preensível catalogação; apenas os doentes com melhores condições de saúde,
e outras características exigidas, eram escolhidos para efectuarem locução ou
47
apresentação de programas.
O Bola de Neve noticiava, na edição de 1 de abril de 1948, que a Caixa Re-
creativa do Sanatório Sousa Martins tinha adquirido um aparelho emissor. “Po-
deremos escutar dos nossos quartos as festas realizadas e deliciarmo-nos com
45
Cf. Bola de Neve, 24 de março de 1959, nº 27, Ano VI, Director e Editor: Dr. Martins de Queirós, p. 2.
46
Cf. edição nº 30.
47
Sobre a Rádio Altitude veja-se de Helder Sequeira, Os Sons do Tempo na Cidade da Saúde – Rádio Altitude
um património da Guarda, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Outubro de 2001 (Tese de
Mestrado) e “Na Guarda das Memórias da Rádio”, Praça Velha, Ed. Câmara Municipal da Guarda, Ano II, nº
5, pp. 119-144.
170 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
48
“Bola de Neve”, ed. cit., Ano I, nº 4, p. 5.
49
Cf. “Bola de Neve”, 1 de outubro de 1948, Ano I, nº 12.
ANTIGO SANATÓRIO DA GUARDA. SAÚDE, MEMÓRIA, PATRIMÓNIO
171
Hélder Sequeira
A INTEGRAÇÃO NO HOSPITAL
Na década de 70, a terapêutica começou a ser ministrada em regime ambu-
latório, o que se traduziu numa importante alteração no tratamento da doença.
Daí que as instituições sanatoriais tenham iniciado um rápido declínio, sendo
algumas pura e simplesmente encerradas, enquanto outras foram integradas em
Hospital Centrais ou Distritais, como foi o caso do Sanatório Sousa Martins.
Após o 25 de Abril de 1974, o Sanatório Sousa Martins entrou na fase final
da sua existência. Nesse mesmo ano, a 12 de setembro, ocorreu a última assem-
bleia geral, extraordinária, do Centro Educacional e Recuperador dos Internados
no Sanatório Sousa Martins.
Com a publicação do Decreto-Lei 260/75, de 26 de maio, o Sanatório Sousa
Martins foi desligado do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos e,
50
por despacho de 5 de novembro de 1975 do Secretário de Estado da Saúde ,
aquele Sanatório foi integrado no Hospital Distrital da Guarda.
50
Publicado a 14 de novembro de 1975 em Diário do Governo, nº 264, II Série, p. 7172. “Despacho. 1 - Nos termos
do artigo 7º do Decreto-Lei nº 260/75, de 26 de Maio, o Sanatório Sousa Martins, na Guarda, fica integrado
no Hospital Distrital da Guarda, passando a dispor da autonomia que lhe for delegada pela administração
do mesmo Hospital. 2 - A presente integração faz-se sem prejuízo do princípio fixado no nº 2 do artigo 4º
do referido decreto-lei. Secretaria de Estado da Saúde, 5 de novembro de 1975 – O Secretário de Estado
da Saúde, Carlos Matos Chaves Macedo”.
172 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
51
O Dr. Lopo de Carvalho faleceu a 6 de julho de 1922.
52
Tomou posse em 14 de julho de 1922.
53
Cf. Dulce Helena Borges, “Proposta de Musealização do Ex-Sanatório de Sousa Martins”, Praça Velha, Ed.
da Câmara Municipal da Guarda, nº 7, 2000, pp. 189-217.
54
Através do despacho nº 10 647/98 (2ª série), do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.
ANTIGO SANATÓRIO DA GUARDA. SAÚDE, MEMÓRIA, PATRIMÓNIO
173
Hélder Sequeira
“O antigo Sanatório Sousa Martins, projetado no início do século XX por Raul Lino e
instituído na Guarda, cujo clima favoreceria a cura de doenças respiratórias graves,
foi a primeira instituição criada de raiz para a assistência a doentes com tubercu-
lose, tendo-se constituído como um complexo hospitalar de referência nas áreas
social, científica e arquitetónica.
O sanatório, ampliado entre 1950 e 1955, insere-se num extenso parque concebido
de acordo com o gosto romântico e revivalista da época, onde se distribuem espa-
ços exuberantemente ajardinados, lagos, fontes, grutas e recantos pitorescos. Entre
os edifícios principais, exemplos de grande qualidade de arquitetura do ferro, desta-
cam -se, pela sua autenticidade, o pavilhão D. Amélia e, particularmente, o pavilhão
D. António de Lencastre, verdadeiro ex-libris do conjunto.
55
Cf. Diário da República, 2.ª série — N.º 14 — 21 de janeiro de 2014.
174 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
56
Cf. Dulce Helena Pires Borges, “O Sanatório Sousa Martins e o conceito de obra de arte total”, in Revista
Praça Velha, nº 37, Ano XIX, 1ª série, novembro 2017, Ed. Câmara Municipal da Guarda, pp. 53-62.
57
Idem, p.55.
ANTIGO SANATÓRIO DA GUARDA. SAÚDE, MEMÓRIA, PATRIMÓNIO
175
Hélder Sequeira
REFERÊNCIAS
Actualidade (A), 1910-1911.
Actualidade, 1926-1927.
Alta Cidade, 1974-1975.
Bola de Neve, 1948-1952.
Correio da Beira, 1946-1974.
Districto da Guarda, 1906-1935.
Guarda (A), 1906-1988.
Jornal do Fundão, 1948-1988.
Jornal da Guarda, 1898-1900; 1913-1914; 1924-1935.
Jornal do Povo, 1902-1910.
Notícias da Guarda, 1906-1907; 1984-1990.
176 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
O Combate, 1904-1931.
“Livro de matrículas dos enfermos de moléstia pulmonar em tratamento nesta
cidade”, ano de 1896 e ss, Guarda.
MÁRIO BRANQUINHO
1.
2.
vendidos para o Porto e, por sua vez, exportados para a Holanda. Os mesmos
também apanhavam bagas de zimbro que vendiam para serem misturadas na
aguardente, vendida aos turistas (Martinho, 2008).
Com o fim do têxtil, uma mono-indústria que caracterizou durante décadas
o concelho de Seia, e com a invasão de supermercados de média dimensão e
consequente abandono agrícola, foram surgindo ao longo da Estrada Nacional
339 várias lojas comerciais vocacionadas para o turismo que rumava à Serra. Era
outra transformação que se ia operando.
A primeira loja comercial destinada aos turistas tinha aberto as suas portas
em 1959 e, em 1972, já eram 3 estabelecimentos (Martinho, 2008).
3.
4.
REFERÊNCIAS
MARTINHO, Alberto (2008). O Caixão das Almas.
BIGOTTE, Quelhas (1992). Monografia da cidade e concelho de Seia.
MARTINHO, Alberto (1978). O Pastoreio e o Queijo da Serra.
MARTINHO, Alberto (1972). Sabugueiro, uma Aldeia da Serra da Estrela.
DIAS, Capitão Dr. António (1945). Monografia do Sabugueiro.
Webgrafia:
Entidades:
Turismo de Portugal, Registo Nacional de Turismo
https://rnt.turismodeportugal.pt/RNT/ConsultaAoRegisto.aspx
Freguesia do Sabugueiro:
http://www.sabugueiro.pt/
CÉLIA GONÇALVES*
*
Coordenadora da Associação de Desenvolvimento Integrado da Rede de Aldeias de Montanha (ADIRAM)
184 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
deve ser visto como uma oportunidade para a transformação deste território em
torno de uma identidade de montanha forte e coesa capaz de posicionar a marca
Aldeias de Montanha enquanto produto turístico de referência, nas serras da
Estrela e Gardunha, capaz de criar vantagens competitivas e diferenciadoras,
que certamente irão acrescentar valor à região.
O FUTURO
O Projeto da Rede de Aldeias de Montanha cofinanciado pelo CENTRO 2020,
integra a EEC PROVERE iNATURE, enquadrado no Eixo Aldeias do Conhecimento.
Uma estratégia a operacionalizar no triénio 2019-2021 – Aldeias de Montanha
Ecossistema Criativo e Comunitário – que assenta em lógicas de laboratórios
vivos com uma aliança estratégica entre o património ambiental das aldeias
REDE DE ALDEIAS DE MONTANHA: UM TERRITÓRIO E UMA ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO RURAL INTEGRADO
187
Célia Gonçalves
(natureza e cultura), com forte tradição rural marcada por uma vivência de mon-
tanha e os novos fatores de competitividade, como o desenvolvimento tecnoló-
gico (a trabalhar por via do reforço das parcerias), a criatividade e inovação, a
economia da partilha, a solidariedade e a sustentabilidade.
É pretensão da ADIRAM assumir as Aldeias de Montanha como Pólo de teste
e experimentação de um modo de vida inteligente, sustentável, inclusivo e soli-
dário, posicionando-se regional e nacionalmente como “portas de entrada” para
uma vivência rural de imersão na natureza, cultura e identidade das Aldeias de
Montanha.
Desta forma o projeto assenta numa abordagem focada numa estratégia de
comunicação e marketing territorial coerente com os valores identitários e trans-
versal às ações do projeto. O Plano de Inovação e Empreendedorismo que se
traduz em modelos de inovação, empreendedorismo social, por via da criação
de redes colaborativas, como fontes de conhecimento e cocriação de soluções
para incentivar um desenvolvimento inteligente e a dinamização de sectores
emergentes no domínio da economia verde e da partilha.
O Plano de animação explora e privilegia por via de um calendário de Festas
de Montanha, a criação de sinergias com as dinâmicas locais que já mobilizam
as comunidades possuindo por isso um forte sentido de pertença. As atividades
propostas no calendário da animação materializam-se numa abordagem que va-
loriza as tradições locais, a sustentabilidade, a arte e o design. Exemplos como a
Cabeça Aldeia Natal, as Festas do Solstício, o Festival do Pão, as Paisagens So-
noras, o Festival do Míscaro e os Chocalhos, valorizam as especificidades endó-
genas de cada uma das Aldeias de Montanha e traduzem-se em ativos e forças
motoras de afirmação territorial.
Museus
e Centros
de
Interpretaçao
MUSEU DE LANIFÍCIOS DA UNIVERSIDADE
DA BEIRA INTERIOR
1
www.ubi.pt
190 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
3. Râmolas de Sol
O terceiro núcleo, de ar livre, preserva in situ, junto à Ribeira da Carpinteira,
no Sineiro, um conjunto de râmolas de sol e um estendedouro de lãs, pertencen-
tes à antiga firma Inácio da Silva Fiadeiro & Sucessores (1910-1939).
192 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
O Museu de Lanifícios, de acordo com o lema que o norteia “os fios do pas-
sado a tecer o futuro”, pratica a conservação ativa do património dos lanifícios,
desenvolvendo a dimensão projetiva do acervo que incorpora, através da inves-
tigação aplicada, da disponibilização de serviços e do apoio ao desenvolvimento
de produtos. Para este fim, conta também, no edifício da Real Fábrica Veiga, com
uma oficina têxtil, espaço de experimentação de técnicas e de estímulo a no-
vas aprendizagens, estrutura que pode considerar-se relevante para promover
a conservação patrimonial e a inovação, através de uma cuidada programação
das atividades educativas.
Em paralelo, aposta igualmente na valorização do património industrial e la-
neiro da região e da cidade onde o Museu se insere, visando, através da verten-
te turística, contribuir para o desenvolvimento sustentável do território. Neste
sentido, o Museu definiu, no âmbito da “Rota da Lã”, um conjunto de itinerários
turísticos e culturais, tendo a lã como fio condutor, com a finalidade de desco-
brir por toda a região as múltiplas e diversas evidências patrimoniais (Pinheiro,
2009). Em complemento, propõem-se atividades de turismo criativo para sentir
a cultura laneira explorando um mapeamento cultural assente na diversidade
morfológica das lãs e na consequente especialização de técnicas.
Assim, a partir da divulgação de conhecimento, da investigação, da educação
e da valorização turística, o Museu de Lanifícios convida a um outro olhar sobre
uma paisagem cultural que se quer evolutiva, caracterizada por um património
vivo, que importa conservar, valorizar e divulgar para poder fruir, experienciar e
viver.
REFERÊNCIAS
PINHEIRO, Elisa Calado (2009). Rota da Lã TRANSLANA: Percursos e marcas de
um território de fronteira: Beira Interior (Portugal) e Comarca Tajo-Salor-Al-
monte (Espanha), Vol.1- Reconhecimento e valorização patrimonial. Vol. 2 -
Inventários das vias agro-pecuárias e do património edificado associado à
indústria de lanifícios. Covilhã: Museu de Lanifícios da Universidade da Beira
Interior.
A MANTA DE PAPA E O MUSEU
DE TECELAGEM DA ALDEIA DOS MEIOS
O Museu de Tecelagem localiza-se na aldeia dos Meios que, pela sua altitu-
de, é a segunda aldeia mais alta de Portugal, cuja paisagem natural e íngreme,
beijando o Rio Mondego, fazem dela um cantinho onde a historia e a natureza se
cruzam. Marcada desde muito cedo pela pastorícia, agricultura e a tecelagem,
esta freguesia ainda hoje presenteia aos visitantes uma sensação agradável de
um regresso ao passado, onde se destaca um rico património histórico, arquite-
tónico e cultural.
O COBERTOR DE PAPA
O cobertor de Papa ou manta de Papa teve a sua origem nas freguesias do
concelho da Guarda, nomeadamente nos Trinta, Meios e posteriormente em Ma-
çainhas. A proximidade do Rio Mondego terá contribuído para tal uma vez que
foram construídas várias fábricas de fiação para transformação de lã suja em lã
194 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
cor desta manta (amarela, vermelha e verde), é tingida antes de ser tecida, ao
contrário das mantas totalmente de cor, que são tingidas depois de tecidas.
Como a manta de Papa tem origem nestas terras da Beira Alta, muito es-
pecialmente em freguesias que pertencem ao actual Parque Natural da Serra
da Estrela, facilmente se percebe que a rigorosidade dos invernos obrigava a
planeamentos por parte dos pastores, no que concerne ao alimento das ovelhas.
Como os invernos eram terríveis, com nevões que se prolongavam por semanas,
tornava-se muito difícil alimentar as muitas ovelhas que existiam pelo que a so-
lução passava pela chamada Transumância e no caso desta encosta da Serra da
Estrela, ela era feita para as terras da Cova da Beira (Alpedrinha, Idanha-a-Ve-
lha…). As chamadas “descidas” ocorriam em Novembro e as “subidas” em Maio.
Da fauna de então fazia parte o lobo que abundava pelas serranias da Estrela
e Gardunha. A manta Lobeira, e daí o nome, fazia parte sempre da transladação
do gado para as pastagens mais ricas e disponíveis e sempre que o rebanho era
atacado por lobos, a manta Lobeira servia como arma de defesa uma vez que as
fortes cores da manta confundia os lobos sempre que os pastores as atiçavam
para o meio da alcateia. Por ser feita com cores muito fortes, os lobos investiam
contra as mantas e quando se apercebiam que afinal não se tratava de alimento, já
o repasto estava a salvo das intenções do lobo. Existe também a possibilidade, em
casos extremos de o pastor se enrolar na manta e ficar imóvel e desta forma aque-
le conjunto enrolado com cores fortes, não ser reconhecido pelo lobo como alvo.
196 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
MANTA BORDADA: São mantas de Papa, menos usuais, com uma barra para-
lela bordada, geralmente em losangos, nas extremidades.
pastor e da queijeira. Num dos cantos da sala, foi recriada uma cozinha rural
onde predominam os artefactos ligados à produção do queijo, os quais podem
ser, simultaneamente, visionados no vídeo demonstrativo de todo o processo de
produção de queijo e requeijão, que é projetado neste espaço durante a visita.
Na parede, pode observar sugestivos painéis interpretativos de todo o processo
de laboração do queijo e do requeijão, com textos em português, inglês e fran-
cês que permitem ao público estrangeiro compreender estes processos ances-
trais de produção artesanal destas iguarias serranas.
No 1.º andar encontram-se as salas destinadas à realização das provas de
degustação e/ou venda de queijo Serra da Estrela, amanteigado ou duro e de
outros produtos do concelho.
Aceite o nosso convite e traga os amigos para (re)visitar o Solar do Queijo
Serra da Estrela e/ou para saborearam alguns dos tesouros da gastronomia ser-
rana: queijo Serra da Estrela, presunto, chouriço, requeijão e doce de abóbora,
sempre acompanhados com pão centeio e regados com um bom vinho.
Esperamos por si!
CENTRO INTERPRETATIVO
DO VALE GLACIAR DO ZÊZERE
Uma casa com história. Dar a conhecer um pouco da história do próprio edi-
fício e da atividade de quem ali trabalhava.
Fonte: http://www.civglaz-manteigas.pt/index.php/localizacao
INTERPRETAÇÃO E PROMOÇÃO
DO PATRIMÓNIO GEOLÓGICO
NO GEOPARK ESTRELA
EMANUEL CASTRO*
HUGO GOMES*
FÁBIO LOUREIRO*
LUCAS CEZAR*
*
Geopark Estrela.
204 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
*
Universidade de Coimbra. Plano Nacional de Leitura, Ler+ Ciência.
214 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
testemunho evidente, sendo neles a descrição das paisagens marcada por uma
mistura de precisão técnica e de lirismo contido. Citemos, do primeiro, as se-
guintes linhas:
Não é a altura nem essa espécie de sucção que exercem a profundidade abrupta
e o seu vazio que me perturbam. É um vazio bem diferente que age sobre um sen-
tido diferente… A solidão essencial, o extremo da rarefação dos seres… Ninguém,
OS ESCRITORES PERANTE A MONTANHA
217
Cristina Robalo Cordeiro
primeiro; e depois, menos do que ninguém. Nem uma réstia de erva, um musgo. A
natureza terrestre, exausta, para sem forças um pouco mais abaixo. Nada mais aqui
senão pedras, neve, um pouco de ar, a alma e os astros. Quatro ou cinco palavras
bastam para tudo dizer deste lugar muito alto. Que esse pouco diga tudo, é bem um
sinal do universo. Há imensamente de nada no Todo… O resto? Uma pitada de pó
semeado… E a vida? Um rasto insensível num grão deste pó.
Serra da Estrela
Grandeza de um incerto pavor – Alfredo Fernando Martins
A Beira (Serra) – Miguel Torga
A Serra da Estrela. Estudo Geográfico – Carlos Alberto Marques
Serra da Estrela – Introdução – Amorim Girão
Pastoreio – Orlando Ribeiro
A lã e a neve – Ferreira de Castro
A serra descia a toda a pressa para a aldeia – Vergílio Ferreira
Castanheira – Irene Lisboa
A Beira e as Beiras – Jaime Cortezão
*
Universidade de Coimbra.
**
Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT).
***
Arquiteto.
220 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
1
Alfredo Fernandes Martins (1940), Esforço do Homem na Bacia do Mondego. Ed. autor, Coimbra: 25-27;
111-112; 237; 239.
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
221
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
traduz, como notou Emídio Navarro, pela persistência dos aumentativos na topo-
mínia local — fragões, covões, malhöes — tal a impressão recebida pelos que se
deslocam nessas paragens.
A serra levanta-se rápidamente sôbre o planalto beirão e ainda mais na ver-
tente da Covilhã. Atendendo a esta diferença, dividiu-se a serra em duas par-
2
tes — Brava e Mansa — correspondendo primeira designação às encostas de
Sueste na zona da Covilhã e a vertente Sudoeste que desce abrupta dos cumes
escalonados de NW a SE — Corvo (1.149 m.), S. Bento (1.513 m.), Penha-do-Gato
(1.768 m.), Rodeio-Grande (1.854 m.), Penha-dos-Abutres (1891 m.) Malhão-Gros-
so (1892 m.), Malhão-Grande (1.991 m.), Tanoeiro (1.785 m.) e Zebrais (1.736 m.)
— sôbre a linha já referida, de Valezim a Unhais. Por Serra-Mansa entende-se a
vertente de Noroeste que, embora muito declivosa, oferece mais fácil acesso,
não se encontrando nela aquela brusca diferença de nível que na Serra-Brava
se acentua de forma tão extraordinária — cerca de 1000 metros entre a linha de
cumes e a região baixa. (…)
Envolta de Inverno num sudário de neve ou queimada de Verão pela torreira
de Agosto; triste nas encostas sáfaras da região xistosa; sempre igual e diferente
na paisagem granítica; alcantilada nos zimbórios fragosos e caótica na dispersão
2
Sousa Lacerda – Viagem à Serra-da-Estrêla. Lisboa, 1908 e Adelino de Abreu – Serra da Estrêla. Lisboa,
1905.
222 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
dos blocos; mirante de longes terras, vendo a Espanha e olhando o mar, a Serra-
-da-Estrêla transforma-se a pouco e pouco numa atracção turística de real valor,
sendo já hoje freqüente a prática do sky na maravilhosa pista da Nave-se-Santo-
-António. Assim, a-par-da economia pastoril e do desenvolvimento industrial que
tem e se tornará maior quando convenientemente aproveitados todos os recur-
sos hidro-eléctrìcos — temos a sensação de que a Estrêla será dentro em breve
um magnífico cartaz turístico, ao menos um Saint-Moritz a-dentro das fronteiras.
Para tanto contribuirá a fisionomia da Serra — agreste sem dúvida, impres-
sionante nos desfiladeiros, alterosa nos cumes, às vezes triste, mas de um pito-
resco inexcedível. (…)
Lá para cima, nas serranias, a arquitectura rude do relevo, a sombra arroxeada
das ravinas, os horizontes que a vista mal abarca, se tornaram o homem concentra-
do e um tanto meditativo, dão-lhe também costumes austeros e uma certa poesia
que o bucolismo duma flauta rústica, ecoando nas quebradas, vem confirmar.
A montanha impõe-se! As vozes roucas são a ressonância do ribombar das
tormentas nos píncaros nevados; as próprias canções, os rimances, como lhes
chamam por algures, são monótonas, da monotonia da montanha — não na es-
cultura sempre variada, mas na côr pardacenta da áspera serrania. (...)
Verdadeiramente transumantes são os rebanhos de ovinos, excluídas as pou-
cas cabeças que, em geral, têm os lavradores do planalto — essas, ficam sempre
nas regiões de origem. Os grandes rebanhos das faldas da Estrela e das regiões
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
223
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
A BEIRA (SERRA)
3
MIGUEL TORGA
3
Miguel Torga (1950) – Portugal. Coimbra, 3ª Ed. Revista, 1967: 80-83.
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
225
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
como pode. Mas a Estrela não divide: concentra. O muro cresceu, alargou,
e transformou-se na extensão que teria de partilhar. O pouco que ficou
desse abraço, são flancos, abas, encostas e escorrências de aluvião. (…)
Pouco sensível à estética, o beirão não cuida da beleza dos seus burgos.
Mas ela surge-lhe mesmo sem ele querer, como os coelhinhos brancos nas leis
mendelianas. E temos Avô, Coja e Celorico, por exemplo.
Dessa pobreza artística que o marca, e da ingratidão dos materiais de que
dispõe — nas zonas de xisto a inventiva para automaticamente —, sofrem os
monumentos as consequências. Uma ou outra igrejinha românica, às vezes de
pedra rolada, como a de Arganil, a estátua orante ou jacente de algum fidalgo de
antanho, um pelourinho desgarrado, um solar perdido nos confins duma quinta,
uma sé gótica e pesada na austeridade da Guarda, um pormenor sobrevivente
da grandeza passada de Viseu, é quase tudo. O que fica, e que o inventário do
bricabraquista pode ainda descobrir, não se impõe como valor. É uma perna de
santo aqui, uma cadeira sem palha acolá, uma mísola mais adiante, cacos de
226 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Não. Não se pode fugir ao magnetismo do íman que tudo atrai e que tudo dis-
põe. E é justo. Se alguma coisa de verdadeiramente sério e monumental possui
a Beira, é justamente a serra. (…)
Perder-se por ela a cabo num dia de neve ou de sol, quando as fragas são
fofas ou há flores entre o cervum, é das coisas inolvidáveis que podem aconte-
cer a alguém. Para lá da certeza dum refúgio amplo e seguro, onde não chega
a poeira da pequenez nem o ar corrompido da podridão, o peregrino esbarra a
cada momento com a figuração do homem que desejaria ser, simples, livre e fe-
liz. Um homem de pau e manta, a guardar um rebanho, — criatura ainda impoluta
do pecado original, para quem a vida não é nem suplicio nem degradação, mas
um contínuo reencontro com a natureza, no que ela tem de eternamente casto,
exaltante e purificador.
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
227
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
4
Carlos Alberto Marques (1938). A Serra da Estrela. Estudo Geográfico (Assírio & Alvim, 1996:].
228 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
5
A junta de freguesia de Folgosinho, por feliz e benéfica iniciativa e por intermédio e auxílio do Ministério
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
231
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
os tugúrios ou buracos onde entra sem cerimónia a neve, a chuva, o frio e... a
miséria, onde nascem às vezes os sentimentos da revolta da pobreza imerecida;
há as habitações das quintas e herdades, casas para habitação do operário, do
ganhão, dos gados e do proprietário que quase sempre a troca, por infeliz urba-
nismo, pelo menos física e moralmente higiénico palacete da cidade. As casas da
Serra, os chalets das estâncias sanatoriais de altitude, são de construção resis-
tente e de planta simples: paredes graníticas bem rebocadas com argamassa e
cobertas de zinco, sobre as quais assenta um telhado de grande declive forrado
de madeira em escama e também revestido de zinco; porta de entrada chapeada
de metal e meia dúzia de janelas com persianas ou vidraça dupla; uma cozinha,
uma sala de jantar e de estar, quatro ou meia dúzia de quartos espaçosos e so-
bretudo, essencial, um corredor envidraçado e virado para Sueste, a galeria ou
sala de repouso e cura.
Finalmente o tipo de habitação permanente e predominante é a casa de um
andar com rés-do-chão ou lojas, coberta por um telhado de grande declive, de
telha da Pampilhosa e às vezes romana. A construção é feita com granito ou com
xisto, segundo a região geológica, tendo, todavia, as casas das regiões xistosas
pedras de granito ou simples pranchões de madeira a guarnecer janelas e por-
tas, as soleiras, torças e ombreiras. Sobe-se ao primeiro e único piso por uma es-
cadaria de seis a oito degraus, sendo o patamar que antecede a entrada quase
sempre coberto por alpendre que assenta por colunas de pedra, varões de ferro
ou simples e rústicos paus nas resguardas do balcão; no telhado, quando não
é apenas de duas ver tentes ou águas, encontram-se sótãos ou águas-furtadas,
construídas de madeira e forradas exteriormente de zinco; ao lado das janelas
há pedras salientes para os vasos do manjericão, cravo, do serpol. Um curral ou
recinto fechado, anexo, a pocilga dos porcos, o cabanal para as lenhas, estru-
mes e alfaias agrícolas, a ramada e às vezes o horto ou quintal com fruteiras,
jardim e plantas hortícolas, completa-se a vivenda ou habitação dos remediados.
As paredes são caiadas de branco nas povoações do Ocidente e do Sul da Serra
e às vezes também na parte setentrional e oriental. (…)
das Obras Públicas, construiu na sua Serra, isto é, nos territórios serranos da freguesia, umas cinco casas
de abrigo para pastores que a tempestade pode colher de surpresa e para todo o transeunte, turista ou
negociante, que possa precisar de abrigo. Bom seria que tal exemplo fosse imitado por outras freguesias
altas da Serra.
232 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
de lanifícios espalhada por quase toda a Serra. Junto dos rios principais e dos
seus afluentes, instala-se o pisão, o engenho ou a fábrica, utilizando-se a água
para lavagem e para força motriz. Em Vate de Estrela, Meios, Fernão Joanes,
Maçaínhas, Trinta e Videmonte fazem-se os cobertores de lă (de papa) e os cha-
les e também nos Trinta e nos Meios há indústria de fiação de lã para artigos de
malha, de manufactura caseira. A Covilhã é a metrópole portuguesa da indústria
de lanifícios, a cidade -fábrica, a Manchester portuguesa, como lhe chamam (nós
preferiríamos chamar-lhe a Leeds portuguesa) com mais de quarenta fábricas,
de cardação, fiação, penteação e tecido; acessórias dos lanifícios, há também
indústrias de algodão e de linho. Gouveia, Tortosendo, Seia, Manteigas, Alvoco,
Unhais (com uma fábrica modelar, sob o ponto de vista técnico, social e moral),
Moimenta, Loriga, S. Romão e S. Paio, têm várias fábricas de lanifícios onde são
preparados cobertores, briches, saragoças, baetas, meltons, montanhaques, fla-
nelas, castorinas, casimiras e estambres, rivalizando sempre com os melhores
tecidos da estranja.
com as lenhas dos matos e cobra por tal o seu proprietário e também o forneiro a
bola ou poia, que é um pão pequeno, que constitui o rendimento do forno.
Lagares. Com extensas manchas de vinhedo e de olivedo, indispensável se
tornou construir por toda a Serra da Estrela os lagares respectivos para o vinho
e azeite; aqui se espremem as uvas, acolá se esmaga a azeitona, abundando os
lagares por todas as regiões vinícolas e oleícolas.
6
Amorim Girão (1944). Serra da Estrela – Introdução. Guia de Portugal vol III, Tomo II - Beira Baixa e Beira Alta
(2a ed. 1985), FCG: 878-880.
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
239
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
PASTOREIO
7
ORLANDO RIBEIRO
7
Orlando Ribeiro (1944). Pastoreio. Guia de Portugal vol III, Tomo II - Beira Baixa e Beira Alta (2a ed. 1985),
FCG: 886-889.
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
241
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
ombro de dia, e onde se enrola para dormir, os alforjes com algum pão e uma
coma (pedaço de chifre, fechado na extremidade mais delgada e provido de
tampa ria outra, também usado no Alentejo) com gordura, carne ou azeitonas, e
uma lata a ferrada — que lhe serve para cozer batatas, mungir o leite ou ir buscar
agua à nascente Pelo tempo frio usa pelica (espécie de casaco) safões, de pele
de ovelha, feitos na Serra ou comprados no Alentejo. (…)
No S. Bartolomeu (24 de Agosto), começam a dispersar os grandes rebanhos
e cada proprietário toma conta do seu gado. Fazem-se as contas, o dono recebe
a mais as crias que nasceram e conforma-se com a perda das reses que o lobo
levou. Nesse dia o pastor janta melhor, bebe com o dono um trago de vinho, dis-
cute da gordura e da magreza dos vivos, da falta de pasto e das arremetidas do
lobo. Depois guiadas pelos danos, descem as reses a parti das até à Terra Chã,
onde já vão dormir. A maior parte do gado retira-se por essa época, outra fica
até à Santa Eufémia (3 de Setembro), dia da cobrança dos gados de fora, e vai
depois, com os primeiros frios, deixando a montanha, até a invernada, em que
os rebanhos serranos também a abandonam.
Em resumo: de Novembro a Março os gados permanecem nas terras baixas,
de Abril a Outubro, na montanha, reforçados durante os dois meses mais quen-
tes (Julho e Agosto) com os rebanhos de fora.”
244 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
A LÃ E A NEVE
8
FERREIRA DE CASTRO
8
Ferreira de Castro (1947). A lã e a neve.
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
245
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
“Agora a serra descia a toda a pressa para a aldeia. Depois, tranquila, alas-
trava devagar num grande vale, para subir ainda, suavemente, lá ao longe. Que-
brado de cansaço e quase de surpresa, o engenheiro parou um instante no alto
de um penhasco, soprando o fumo largo do cigarro, olhando em roda o silêncio
da tarde. Um grande vento de solidão e montanha embatia-lhe no peito, inchan-
do-lhe a camisa desapertada, penetrando-o de grandeza e de um incerto pavor.
Mas logo reagiu, metendo a passo batido pelo caminho pedregoso que se lhe
abria adiante, resvalando pesadamente no cascalho. De um e de outro lado,
num pavor de precipícios, duas ribeiras iam fugindo para o vale, longo tempo
acompanhadas por filas de arvoredo que lhes caminhavam à beira. De súbito,
porém, o engenheiro parou de novo. Mas não valia a pena insistir, E outra vez foi
descendo, largando atrás o negrume das matas, a hostilidade tenaz do pedregal.
Quando, porém, vencida logo adiante uma pequena colina, se lhe levantou do
chão o pico da torre do Paço com a massa negra das ruínas, ele parou ainda,
emocionado, na expectativa de ver surgir o Outeiro.” (...)
9
Virgílio Ferreira (1976). Contos. Bertrand, Lisboa: 25. Vergílio Ferreira, Escrever (2001; edição de Hélder
Godinho). Bertrand, Lisboa: 122.
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
247
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
“Voltar à aldeia, à terra onde fui. Mas é impossível porque não é voltar ape-
nas às casas e ruas, mas às pessoas que al foram e já não são. Olhar-me-iam
assim a olhos estranhos e surpresos quem é? E eu não saberia dizer-lhes quem
sou. Resta repetir a memória evocação do espaço em que fui e das pessoas
que se integravam nele e eram a sua necessidade como de todos os espaços
habitáveis, e o passar das estações desde as invernias glaciais aos calores do
Verão, ao Outono das tardes que esmorecem. Voltar à imobilidade da montanha
desde a criação do mundo. A sua mudez na eternidade. À infinidade dos séculos
que choram no seu peso e imensidão. Voltar à aldeia. Nunca mais. Ainda que
voltasse.”
248 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
CASTANHEIRA
10
IRENE LISBOA
“É grato a todo o que escreve e a todo o que pensa, e passa os ora doces,
aceitáveis, ora pesados, gastadores dias sucessivos da vida própria e alheia, ter
uma diversão. E uma diversão pode ser tirar o pé de um cerro ou de um simples
cabeço e pô-lo em outro...
Desta eira chamada das Bichas me virei para a Castanheira.
Para as bandas da Castanheira sucedem-se, grupam-se os cerros, altaneiros
uns, outros maneirinhos e declivosos. A Estrela revolta e maciça, descaindo já,
cortada pelo Mondego infante, nesta Castanheira sem castanhas, apresenta-se-
-nos recolhida, tranquila e solitária. O ar dos mil metros, cada vez mais fino,
alivia-nos. Os casais, a princípio indescortináveis, de pobríssimos rendeiros dos
senhores daquelas lombas agras e sáfaras, que de muito longe e descansados
as desfrutam, casam-se com o chão. Não têm cor, se cor se chama à tinta que
borra a paisagem, ao acidente que declina (termo local) ou assinala a distância a
vida humana. E tomam ou conservam o mesquinho nome de cortes.
10
Crónicas da Serra, Obras de Irene Lisboa, Vol. VII, Editorial Presença, 1997, pp.136-137.
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
249
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
Correndo a estradinha pitoresca, que nos depõe na casa do guarda das ma-
tas nacionais, nada mais se vê, viradas as costas à funda vilória de Manteigas,
que cerros mansos. Amansa-os, malha-os docemente o pão. Este pãozinho ainda
por ceifar na terra, mas já amarelo, intercalado com o mato sombrio, lista-o com
certa bizarria. E as cortes nas baixas onde deve aflorar água, que do caminho se
nem suspeita, acaçapam-se com extrema humildade. Quase não têm altura; en-
tra-se nelas de corpo dobrado. As suas paredes são de xisto, pedra de lasca, que
se não apruma, se sobrepõe deitada como folhas de papel, finas e grossas; e os
tectos são de palha, negra do fumo interiormente, cor do pó e de todas as cinzas
exteriormente. A custo, com surpresa, casualmente mesmo os descobrimos. E
temos sorrisos para estas escondidas graças (graças nos parecem) da região.
O Mondego, nascido umas poucas léguas acima e vindo la por onde só ca-
breiros e ovelheiros sabem até este recanto vagamente povoado e amanhado,
dá aqui umas duas ou três voltas caprichosas
Os açudes o atalham aquém e além e lhe emprestam alguma fundura; nunca
o bastante, no entanto, para se afogar nele uma cabra.
Dou-me ao gosto — a manhã é longa — de caminhar a pé com a água. Eu
marcho sobre as belas barras de xisto, de quinas rectas e longos veios, como os
da madeira cortada, num sentido. Suponho que desço. A água ora repousa, ora se
encrespa, ora reflui. Ramagens, que o acaso e o tempo ou alguma mão mais amá-
vel e mais melindrosa que a do pastor aqui deixou crescer, batem graciosamente
250 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
no frouxo rio. Vejo, mercê do sol que o atravessa fácil e por inteiro, o movimento
dos insectos da água, alados e rasteiros. A sombra deles, agitada, estrelada e
corredia no líquido incolor e calmo, parece-me deliciosa, estranha. Criadora de
formas e imagens.
Ser pintor... Quem soubesse pintar... Mais uma vez de mim para mim o digo e
penso, até sem a certeza, até duvidando de que a pintura reflectisse semelhan-
tes coisas. Nem o cá dentro tão absorvente da memória as poderia deter.
Continuo a andar. Cessa a rama. As pedras de um açude deixam, finalmente,
escorrer a água presa e uma espécie de praia de seixos brancos a divide. Vai fio
para um lado e fio para outro. Sente-se frescura e uma graça de solidão indizível.
O sol já anda por todos os lados, cobre tudo sem morder ainda. Outros insectos,
brilhantes, metálicos e esguios correm e adejam à minha vista. São escuros,
de um verde, azul e negro, lindos a mais não. Qualquer coisa igualável a estes
formosos seres estonteados e ligeiros voa ou quer voar também em mim, com
os meus olhos e o meu espírito. Estou parada, a água corre-me entre os pés. E
um apetite me vem, subreptício, puro, inominável, de oferecer ou de repartir,
de dissipar a sensação que me toma. De a tornar um dom, bem de partilha.
Sinto-me instantaneamente remontada a outras épocas vividas.
Mas porque serei eu só, neste furtivo momento, a colher a graça da terra, do
ar ou da luz ou dos insectos ou da água ou dos seixos? Tudo para mim...
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
251
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
sua melhor conhecedora. Descubro nele uma elegância particular, uma beleza
natural e sóbria. É uma pedra inteiriça, de faces muito lisas e estriadas; pedra
que nunca se poderá chamar pedregulho... E simultaneamente delicada e rígida
e toma umas vezes por outras aspectos vegetais.
Andando, vamo-nos aproximando da corte mais perto da ponte. Baixa, cober-
ta de palha ruça, quase hermética, sem uma fenda no xisto apertado, diz-nos que
destes lados vêm os maus ventos e as tempestades. Damos-lhe a volta. É escuro;
tudo é e parece sombrio, sumido ou alheado da claridade que reina.
Uma mulher andrajosa, como as mulheres da serra se apresentam sempre,
num cercadito triste, descasca batata miúda. Logo se desculpa, o que também
aqui é usual: já se gastou a grada, agora temos de ir expurgando esta...
Mostra idade incaracterística e tem os olhos doentes. A seu lado duas crian-
ças loiras, bonitas, sujas e fortes, olham-nos. São suas netas. Há cinquenta anos
que para ali veio. Por umas leirazitas, que nós estamos vendo, cobertas de rama
de batata, e por aquela choça paga sessenta medidas de pensão a uma família
de Folgosinho, que nós devemos conhecer... Falamos-lhe do Riquinho, que sa-
bemos lá da aldeia ter feito para ali fortuna.
Por malas-artes, diz-nos a mulher. Mas lá para outro cerro, na volta do Mon-
dego. Por aqui ninguém chama seu ao que cria, anda tudo à renda.
Pedimos-lhe licença para entrar em sua casa. Nada tem de especial. É térrea,
suja e escura. Há dois buracos mais resguardados, um onde se dorme, outro
onde se guarda a lã no chão e os queijos numas tábuas suspensas.”
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
253
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
A BEIRA E AS BEIRAS
11
JAIME CORTEZÃO
11
Jaime Cortezão (1964). Portugal. A terra e o homem. INCM.
254 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
12
Jaime Cortezão (1964). Portugal. A terra e o homem, pp: 103-104.
256 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
povoado aqui e além de casebres de pedra solta, cobertos de colmo, e tão ru-
des que mal se distinguiam dos blocos erráticos. E tudo isto respirava uma tão
espessa tristeza e remota Antiguidade, que mais lembrava a história trágica da
Terra que do Homem.
Nesta primitividade telúrica e humana vive ainda hoje o mais antigo e
genuíno tipo de português. Netos de Viriato e dos seus indomáveis compa-
nheiros, os mesmos homens que resistiram às legiões romanas de Licínio
Luculo ou de Galba, que, em Trancoso e antes de Aljubarrota, desbarataram
as hostes castelhanas, que expulsaram as águias napoleónicas dos flancos da
Estrela, continuaram agarrados à mesma terra, cem vezes invadida e arrasada
pelo massacre, o incêndio, o saque, o estupro, e sempre semeando centeio e mi-
lho; construindo calhadas — os socalcos da Beira; plantando e podando cepas; e
guardando arme tios, mas capazes de voltar de novo o cajado, o alvião e a foice,
contra os invasores.
Daqueles milenários pastores que se vestiam de lã e se alimentavam com o
leite das ovelhas, ainda hoje derivam as maiores indústrias das abas da Estrela —
a dos tecidos e a dos lacticínios. São coisas típicas, que lisonjeiam a vista, o tacto
e o paladar, os queijos da serra e os panos de lã — burel, serguilhas, picotilho —
fabricados em teares e pisões primitivos. E os mesmos homens que transumam
rebanhos e lavram penhas de granito, poderiam repetir com o mesmo rompante
o sal agreste, as falas sublimes ou cândidas do Lavrador e do Pastor no Auto do
Purgatório de Gil Vicente.
Fiéis ao carácter primitivo, os beirões de hoje, moradores das aldeias da
montanha ou do planalto arremetem com a mesma fereza defendendo os bens
próprios ou comuns. Há tempo, quando na companhia de Aquilino Ribeiro visita-
va a aldeia de Aguas-Boas, situada num desvão ínvio do planalto, entre a serra
da Nave e a da Lapa, a mil metros de altitude, com a intenção de estudar, na
igrejinha local, certa imagem de sabor primitivo e popular, um dos habitantes da
povoação, supondo talvez que éramos altos funcionários do Estado (os pobres
de nós!) com a missão de transferir para museu os seus pobres tesouros de arte,
ameaçou-nos de olhos fuzilantes, sibilando por entre os dentes que os defende-
13
riam «como lobos» .
13
Jaime Cortezão (1964). Portugal. A terra e o homem. INCM, Pag. 111-113.
258 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
14
Carlos Alberto Marques (1935; 1995). A Bacia Hidrográfica do Côa, seguido de Algumas Notas Etnográficas
de Riba Côa.
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
259
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
15
Orlando Ribeiro (1944). Beira Baixa. Guia de Portugal vol III, Tomo II - Beira Baixa e Beira Alta (2a ed. 1985),
FCG: 627-628.
16
Hipólito Raposo (1944). Cova da Beira. Guia de Portugal vol III, Tomo II - Beira Baixa e Beira Alta (2a ed.
1985), FCG: 705-706.
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
261
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
17
Orlando Ribeiro (1945). Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico. Livraria Sá da Costa: 151.
262 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
18
Beira Baixa: horizontes fundos, um mundo de soledade . Beira Baixa, «pro-
víncia charneira», cuja meada agrária eu próprio comecei a desfiar há uns trinta
anos, com o sentimento de reconstituir pela observação um Alentejo mais pobre
e mais arcaico. [...] A primeira distinção fundamental a estabelecer na paisagem
é entre incultos e terras cultivadas. A extensão dos primeiros era considerável
ainda em 1868, as aldeias apareciam no meio de clareiras: o papel destas char-
necas era, contudo, essencial na antiga economia agrícola. As arroteias eram
abertas a ferro e fogo para afugentar os animais bravios, que danificavam as
sementeiras e atacavam o gado: no século xviii, os lobos ameaçavam os reba-
nhos nos arredores da própria cidade de Castelo Branco. Porque tal extensão
de incultos? O relevo (o mato era tão denso que não se conseguia chegar ao
cimo de alguns montes) e a posição fronteiriça parecem ser responsáveis de tão
extensos matagais. Todas as povoações raianas sofreram muito com as guerras
da Restauração e da Sucessão de Espanha e algumas foram abandonadas; a
primeira e terceira invasões francesas assolaram também a região, menos pelos
combates do que pelo vazio criado aos exércitos inimigos, a tal ponto que ainda
em 1817 o Governo mandava bois aos agricultores de Castelo Branco. Em tempo
de guerra, só no meio de matagais incultos os habitantes sentiam a segurança
das arroteias: assim nasceu o lugar de Cubeira, cultivado por gente foragida de
Monforte e Malpica.
Outro facto é o isolamento devido à carência de estradas e seu péssimo esta-
do, posto em relevo por um economista do princípio do século XIX. Um relatório
da campanha do Conde de Lippe (1762) descreve, em vivas cores, as dificulda-
des dos caminhos. (…)
Que o essencial do povoamento se desenvolveu já, na época portuguesa
está patente nos nomes das vilas e aldeias, quase todos explicáveis pela língua
actual sem qualquer dificuldade de interpretação: nomes tirados do assento ou
da natureza do terreno (Penha Garcia, Pedrógão, Lousa, Bemposta, Aguas, Vale
de Prazeres, Soalheira), da segurança na defesa (Monforte, Castelo Branco, Cas-
telo Novo, Salvaterra, Segura), da vegetação (Mata, Salgueiro, Freixial, Sobral,
Lentiscais, Rosmaninhal) ou da fauna (Zebrais, Zebreira — de zevro, onagro ou
burro selvagem —, Ninho do Açor, Aranhas), de circunstâncias do próprio povoa-
mento (Aldeia do Bispo, Aldeia de João Pires, Atalaia, Póvoa de Rio de Moinhos),
de invocações religiosas (Salvador, Santa Margarida); e ainda, por influência do
Sul da França, Proença (-a-Velha), fundada pelos Templários; a contrapor a estes,
apenas um nome germânico (Medelim) e alguns de consonância arábica (Alfrí-
vida, Alcafozes, Alcains, Almaceda), outros que evocam monumentos funerários
(Orca) ou cultos pré cristãos (Monsanto).
18
Orlando Ribeiro (1970), A Evolução Agrária no Portugal Mediterrâneo. Centro de Estudos Geográficos, Lisboa:
pag.25-26.
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
263
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
Saímos às seis horas para a Guarda a três léguas, terreno pouco acidentado e
medianamente cultivado: entramos na planície e tornamos a passar o Mondego:
caminho quase sempre plano: por mais duma légua. No meio a Lajeosa, grande
e próspera aldeia a uma légua de Celorico. É o melhor caminho que temos anda-
do desde a Igreja da Lapa. Chegamos ao Porto da Carne, onde tornamos a pas-
sar o Mondego a vau: a estrada inclina-se a poente seguindo a montanha o rio
que se aproxima das suas fontes indo sumir-se por entre as serras. Magnificência
do vale entre o Porto da Carne e a Faia na margem direita e Porco na esquerda.
Nesta margem também se vê a Miserela a certa distância, onde o vale parece
começar a estreitar-se. O fundo do vale, regado por águas derivadas do rio, é
uma sucessão contínua de pomares, hortas, campos de milho e feijão, grupos de
árvores silvestres, castanheiros, vinhas. As encostas olivedos, soutos, bosques
de carvalhos, que elevam até onde há uma pouca de terra entre as fragas: os
visos das duas cordilheiras nus e ásperos terminam em penedias dentadas e re-
cortadas tão caprichosamente que chegam a simular linhas de árvores isoladas.
19
Alexandre Herculano, Apontamentos de viagem (1853-1854). Lisboa, Bertrand, 1973: 180.
264 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
POVOADOS FRONTEIRIÇOS
20
NUNO DE MONTEMOR
20
Nuno Montemor (1939). Maria Mim. Câmara do Sabugal (4ª ed., 2003): 121.
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
265
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
Esta era uma Covilhã de casas e pessoas que hoje só existem por dentro de
mim. Daí para cá a cidade cresceu mas pergunto-me se as cidades terão que
crescer assim. Se não seria possível preservarem-se os fragmentos que fizeram
a história do nosso dia-a-dia, bem mais real e visceral que a história dos ma-
nuais. É que isto assim dá-nos depois um trabalho de memória verdadeiramente
sobre-humano: é preciso lembrar a forma dos lugares, a postura das pedras, a
cércea das casas, a perspectiva das ruas onde começamos a vida. (...)
É um sentimento difícil de explicar, este, que me prende à Beira Baixa. É tudo
aquilo que eu disse da Covilhã que se estende por cerros lugares que ficaram
ligados às minhas recordações de infância, Agora, quando vou por lá, são todos os
que morreram que me vêm à memória, personagens que passeavam por aqueles
cenários, só que os cenários já mudaram também. Não posso separar a minha
infância da Serra da Estrela, sobretudo da casa do meu avô. Subia-se da Covilhã
por uma estrada estreita, toda calçada de pedra, que serpenteava pela encosta
até à Nave de Santo António. Primeiro vinha a floresta, depois a Varanda dos Car-
queijais, logo a seguir o Sanatório que eu, menino, me lembro de ver construir.
266 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
21
Fernando Paulouro Neves (2003). Os fantasmas não fazem a barba. CCC (Cuidado Como Cão Ed.), Lisboa:
35-36.
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
267
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
RAIA
22
ANTÓNIO SALVADO
Turvam os olhos estas viajeiras / rotas da raia tão enraizadas; / afogos que
nos sonhos afogados/ cruzaram as nortadas da fronteira.//
As moitas insinuam no perfil/ do espaço largo/ a vontade sem glória de partir/
sem saber até onde por atalhos.//
Há sangue no restolho; indefinida/ a esperança derramou/ sobre o cheiro
vivaz do rosmaninho, um pássaro ferido/ que não voa.
Como agarrar as amplidões dos cumes,/ arrancar da neblina a fenda proibi-
da/ de céu azul/ e retalhar por entre a incerteza/ a pedregosa e mendigante via/
de mitigar a fome e saciar a sede?//
Ficou tombado no florar das urzes,/ dos giestais transidos de humildade/ um
coração calcado sem futuro/ e retalhado.
22
António Salvado (1997). Obra II. A Mar Arte, Coimbra.
268 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
“Quem vem de longe, das terras frescas do litoral, onde o verde salpica os
olhos e se debruça nas estradas, e após a transição das ravinas do Zêzere, en-
contra uma paisagem que passo a passo se atormenta: a Beira Baixa. Aí, trans-
posta que é a charneca com a sua cabeleira rala, nos cômoros a ferida aberta
das ribeiras que descem ao Tejo por entre sobressaltos de xisto, ou ainda o dou-
rado da campanha da Idanha, a querer-se alentejana sem o ser — aí, senhores,
já a tristeza começa a espessar-se, a montanha crepita tendo por detrás relances
de horizontes fundos, e as coisas se tornam graves. Ei-lo, um mundo de soleda-
de, sobre que pesam crimes, mesmo se as frondes e as ramadas lhe escondem
as dores do exílio.
Assim, de facto, o sentimos: remoto e em degredo. E Monsanto se chama, de
pedra é feito — minha nave coalhada. (...)
Lá no Norte de mimos (o Norte foi sempre a tua saudade vingativa e toda a
vingança é desforço do débil), vizinho do mar ou das cidades em que nos jul-
gamos mais perto da vida, cada pedaço cheira ao seu dono, quase se habita
do sofrer e do júbilo humanos. A terra é cerne, um corpo a pulsar. Por isso lhe
ouvimos o riso e lhe saboreamos o renovo em cada ciclo de fecundação. Aqui,
perante estes serros taciturnos, estes alqueives desnudos à fornalha do Estio
ou aos Invernos agachados sobre as moradas que lembram fojos (e a neve, a
sombra azul sobre o imenso e expectante coágulo branco — lembras-te?), pare-
ce que as coisas exalam um frio de entranhas, se repassam de abandono, que
ora é desterro, estigma da distância, ora pura melancolia, com o silêncio a unir
o instante ao eterno. Coisas que se supõem ao desprezo, longe que os homens
andam, tão raro os vemos, escuros como o granito e nele fundidos. O friso álgido
da Gardunha, donde parte o vento carregado de gumes, e a raia aguçada são a
muralha que fecha tal mundo dentro da sua solitude. (...)
Por aqui, dizia, se encontra Monsanto. Onde a fraga se torna pesadelo. De
longe a vi e a temi, um dorso de monstro a crescer para nós até tomar conta de
23
Fernando Namora (1975). A Nave de Pedra. Libraria Bertrand, Amadora: 9-19.
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
269
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
quase todo o céu, num tempo de já não sei quando e com uma personagem
decerto desaparecida, esse eu bisonho a eriçar-se de espinhos, ou de frouxidão
embuçada, no trato dos homens. Um eu que só tarde veio a reconhecer que é no
gesto sem medo, afinal o gesto que pedia e lhe pediam, que estava o segredo
da comunicabilidade.
Homens e panoramas desta Estremadura beiroa, de desconfiança em aler-
ta, nos oferecem, pois, a ideia de um viver tão duro quanto marginal. Curtido
na servidão e por isso amuado. Se, em muitos outros sítios (a que o viajante
esteja afeito, como eu o estava), ao camponês pertence o agro onde mal cabe
a sua sombra mas onde planta uma esperançada tenacidade, na Beira Baixa,
na maioria dos casos, nem isso: o campónio tem de seu os braços e aluga-os
para subsistir. Ou então, parte: a raia é um ir e vir no mesmo dia, o jogo de
morte com a guarda compensa quem à vida dá mais préstimo que valor; e a
cidade também é aceno que tenta, por muito que um jugo seja trocado por
outro às vezes maior.
270 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
24
Fernando Namora (1975). A Nave de Pedra. Libraria Bertrand, Amadora: 9-19.
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
271
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
Era o tempo em que uma aldeia era um organismo vivo, espécie de homem
colectivo separado do mundo que o desconhecia e ele desconhecia, homem de
dura enxada e de seus parcos frutos. Entre a fome e o sol, todos dias eram seus.
Pouco a pouco, esse vasto mundo invadiu-lhe a casa, separou-o de si mesmo
convidando-o para manjares mais suculentos que nunca mais lhe saciarão a an-
tiga fome. Envergonhou-se dos tamancos, das meias de algodão, do casaco de
sorrobeco, pôs um pouco mais de açúcar no café, aprendeu a ler e a esquecer o
que lia e conheceu enfim a sua milenária miséria. Em quarenta anos passou da
flauta de Pan e das aventuras de Dafnie e Cloé ao esplendor imaginário da tele-
visão e seus amores piegas, seus locutores ventríloquos, vendedores de elixires
divinos. Só é pena que tanta felicidade e tanto sonho a domicílio nem cure fome
de séculos nem faça florir o deserto. As novecentas almas do povoado recolhe-
ram à sombra ou esperam por ela. Já não habitam essas cozinhas enfumadas
de trogloditas felizes. As mais audazes partiram à busca de alimento, música,
cinema, escola. Estão em Africa, no Brasil, em França, na Alemanha e até na Es-
panha. Lá é o São Pedro deles. Esta minha aldeia, sem história de ouro e sangue,
navio encalhado na meseta hispânica, enterra-se docemente na sua inexistên-
cia, com todas as luzes apagadas e um carregamento de fantasmas cobertos de
antigo suor e de mais antigas lágrimas. Quem os pudesse ressuscitar ...
272 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
25
Eugénio de Andrade (1979), Poesia, terra de minha mãe. In Rosto precário, Ed. Fundação Eugénio de Andrade,
Porto, (64 ed. 1995): 29
SERRA DA ESTRELA: LITERATURA GEOGRÁFICA
273
Cristina Robalo Cordeiro, Rui Jacinto, Duarte Belo (Fotografia)
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SALVADO, A. (1997). Obra II. A Mar Arte, Coimbra.
REDE DE ALDEIAS DE MONTANHA: UM TERRITÓRIO E UMA ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO RURAL INTEGRADO
275
Célia Gonçalves
A Oficina de História da Guarda é um projeto coordenado por
Rita Costa-Gomes, Professora de História na Universidade de Towson
(Maryland, Estados Unidos da América), que tem como principal
objectivo oferecer aos seus utilizadores conteúdos para
divulgação sobre a história da Guarda e da sua região, incluindo
fontes de arquivo e patrimoniais, trabalhos inéditos devidamente
licenciados pelos seus autores, e trabalhos publicados em edição
impressa, com salvaguarda dos respectivos direitos.
Mais informação em: http://www.cei.pt/ohg/
oficina
de historia
da guarda
A NOVA IGREJA DE SÃO VICENTE:
CONSTRUÇÃO E ESTÉTICA
ANTÓNIO PRATA COELHO
DANIEL MARTINS
ANTONIETA PINTO
1
Rita Costa Gomes, A Guarda Medieval, 1200-1500, Lisboa, Sá da Costa, 1987, p. 53.
2
Rita Costa Gomes, A Guarda Medieval, 1200-1500, Lisboa, Sá da Costa, 1987, p. 38.
3
Maria José Ferro Tavares, “O Povoamento Judaico no território da diocese da Guarda (Período medieval e
Moderno)”, in Praça Velha 36 (2016) , p. 65-87.
4
Maria José Ferro Tavares, O Povoamento Judaico…, p.73.rei, localizadas no termo da cidade, da qual não
nos ocupámos por agora.
280 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
5
“Item [G73] Um campo onde estava o alpendre em que costumavam estar as regateiras, que está sob a
cabeceira da igreja de São Vicente e confronta com a rua pública. No tempo em que havia alpendre tinham
que estar ali as regateiras, ainda que não quisessem; cada uma pagava ao rei, cada dia, dois dinheiros da
moeda antiga.
Item [G74] Um alpendre que o rei tem na dita cidade, o qual o dito Rui Peres mandou fazer por ordem do
dito senhor, no qual estão seis tendas. Situado no campo da Igreja de São Vicente, da parte da Rua Direita.
O almoxarife do rei arrenda-as no dia da feira aos mercadores, que nelas queiram estar.” http://www.cei.pt/
ohg/a-judiaria-da-guarda-em-1395.html - consultado a 4 de julho 2018.
6
Rita Costa Gomes, A Guarda Medieval…, p.31.
7
Maria José Ferro Tavares, O Povoamento Judaico…, p.75.
8
Arquivo Distrital da Guarda (doravante ADGRD), Paroquiais de S. Vicente, Batismos, Folha 65 verso, Item 6,
Rolo 743.
A NOVA IGREJA DE SÃO VICENTE: CONSTRUÇÃO E ESTÉTICA
281
• António Prata Coelho, Daniel Martins, Antonieta Pinto
10
D. Jerónimo Rogado do Carvalhal e Silva, Bispo da Guarda
9
ADGRD, Paroquiais da Sé, Óbitos, Folha 192, Item 7, Rolo 749.
10
Retrato existente no Paço Episcopal de Portalegre. Reproduzido em José Joaquim Pinto Geada, José Maurício
(1752-1815), Mestre da Capela na Sé da Guarda, Guarda, Câmara Municipal da Guarda, 2003.
11
Este caderno em papel abarca o período de 1757 e 1784 e apresenta um índice onomástico, por ordem alfa-
bética do primeiro nome, das pessoas a quem é atribuída culpa. Cumpre destacar o registo que se encontra
escrito nos fólios de 13 a 15, contendo uma síntese das culpas imputadas ao padre jesuíta Gabriel Malagrida.
Arquivos Nacionais – Torre do Tombo, https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4490650, consultado em 04 de
julho de 2018.
12
Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Lisboa/São Paulo, Verbo, 1998-2003, Vol. 28, s.v. “Jerónimo Rogado
do Carvalhal e Silva”.
13
“Antes de 1740 e das diligências efetuadas em Roma por ordem de D. João V, o rei «suplicava» ao papa
o provimento dos bispos nas dioceses antigas e apresentava os das novas. Depois de 1740, passou a
«apresentá-los» ou «nomeá-los» todos.”: José Pedro Paiva, Os Bispos de Portugal e do Império (1495-1777),
Coimbra, Imprensa da Universidade, 2006, p. 562-563.
282 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
14
José Pedro Paiva, Os Bispos de Portugal..., p. 536.
15
José Pedro Paiva, Os Bispos de Portugal..., p. 538.
16
José Pedro Paiva, Os Bispos de Portugal..., p. 568.
17
José Pedro Paiva, Os Bispos de Portugal..., p. 568.
18
José Pedro Paiva, Os Bispos de Portugal..., p. 569.
19
José Pedro Paiva, Os Bispos de Portugal..., p. 543.
20
Biblioteca Geral da Universidade, Catálogo da Colecção de Miscelâneas, Coimbra, Imprensa da Universidade,
1988, p. 58.
A NOVA IGREJA DE SÃO VICENTE: CONSTRUÇÃO E ESTÉTICA
283
• António Prata Coelho, Daniel Martins, Antonieta Pinto
21
José Joaquim Pinto Geada , Obras de José Maurício (1752-1815), Mestre da Capela na Sé da Guarda, Guarda,
Câmara Municipal, 2003, p. xi e xiii.
22
Vitor Serrão, “Le tableau de Grão Vasco à Santa Maria de Porco”, Revue de l’Art 133 (2001-2003), p. 63.
284 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
23
Benedito Lima Toledo, “Espaços Públicos: Mariana e Ouro Preto” in Manuel C. Teixeira (ed), Colóquio Portugal-
Brasil “A Praça na Cidade Portuguesa”, Lisboa, Livros Horizonte, 2001, p. 177-178.
24
Alpoim foi mestre do curso regular de engenharia militar denominado “Aulas de Artilharia e Uso de Fogos
de Artifícios”, no Rio de Janeiro: Toledo, “Espaços Públicos..”, p. 179.
25
Aldo Luiz Leoni (ed), Copiador de Algumas Cartas Particulares do Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Dom Frei Manuel da Cruz, Bispo do Maranhão e Mariana (1739-1762), Brasília, Edições do Estado Federal,
2008, p. 239-243, 287.
A NOVA IGREJA DE SÃO VICENTE: CONSTRUÇÃO E ESTÉTICA
285
• António Prata Coelho, Daniel Martins, Antonieta Pinto
26
referido. Regressou definitivamente a Lisboa em 1762 onde passou a trabalhar
como gravador e arquiteto.
Das suas obras salientamos o Desenho da Alegoria ao Marquês de Pombal
(1762), o projeto para cemitério-tipo em Lisboa (1791) e o “Prospecto da Máquina
de Fogo de Vista” (1793).
27
Alegoria ao Marquês de Pombal, 1762
Estas três obras muito diferentes ilustram bem a multiforme atividade de Fer-
nandes Rodrigues em Lisboa, como desenhador e gravador, como arquiteto, e
como projetista de arquitetura efémera (neste caso, para comemorar em 1793 o
nascimento da filha do Príncipe Regente, o futuro D. João VI). Segundo o con-
temporâneo Volkmer Machado, que o conheceu bem, o artista fez o risco de São
28
Vicente da Guarda no período lisboeta da sua vida, certamente após 1773.
A partir 23 de Abril de 1781 António Fernandes Rodrigues foi convidado, por
Pina Manique, para dirigir a Aula de Desenho na Casa Pia do Castelo. Segundo o
seu plano de estudos, a Casa Pia era local onde os alunos deveriam ser tratados
“com civilidade” e inspirados na “verdadeira nobreza” que reside nas “virtudes
29
moraes” e em ser “útil à Pátria e em geral ao próximo”. Transmitia-se nesta
26
Cyrillo Volkmar Machado, Collecção de Memorias, Relativas Às Vidas dos Pintores, Escultores, Architetos,
e Gravadores Portugueses, e dos Estrangeiros que estiverão em Portugal, Lisboa, Victorino Rodrigues da
Silva, 1823, p. 288. Biblioteca Nacional Digital http://purl.pt/28030.
27
“Alegoria ao Marquês de Pombal”, Biblioteca Nacional Digital http://purl.pt/6779.
28
Cyrillo Volkmar Machado, Collecção…, p. 288.
29
“Regras para os Estudos e Colégio da Real Casa Pia de Lisboa”, Direção Geral de Arquivos – Torre do Tombo,
Intendência Geral da Polícia, Papéis Diversos, Maço 3, número 71.
286 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
30 31
Projecto para cemitério-tipo em Lisboa, 1791 Prospecto da Máquina de Fogo de Vista, 1793
32
Luis A. de Oliveira Ramos, “Sobre os Ilustrados da academia de Coimbra”, Estudos em homenagem a João
Francisco Marques, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2001, vol. II, p. 313-326.
33
José Pedro Paiva, Os Bispos de Portugal..., p. 549-550.
34
José Pedro Paiva, Os Bispos de Portugal..., p. 549.
288 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
35
referido. Em todo o caso, a proteção de Pina Manique ao artista continuou a
ser uma constante da sua carreira, como o demonstram as suas obras dos anos
de 1780 e 1790, fato que certamente seria do conhecimento do Bispo da Guarda.
Sendo Pombal especialmente atento à escolha e nomeação episcopal, con-
figura-se-nos pertinente a hipótese de o bispo da Guarda, D. Jerónimo Rogado
do Carvalhal e Silva, estar também próximo deste pensamento reformador. Eram
escolhidos para nomeação episcopal os que já tinham dado provas em institui-
ções criadas ou reformadas por Pombal, como a Real Mesa Censória, o Tribunal
do Santo Ofício ou a Universidade de Coimbra. “Ser anti-jesuíta tinha passado a
ser um fator de peso no momento em que se apuravam candidatos ao episco-
36
pado”, afirma o historiador José Pedro Paiva . Lembremo-nos que D. Jerónimo
Rogado de Carvalhal e Silva, enquanto ministro do Santo Ofício foi corresponsá-
vel pela elaboração de um “culpeiro” no qual eram imputadas culpas ao padre
Malagrida. Com este processo terá dado suficientes provas da sua posição cri-
tica em relação ao papel dos Jesuítas na sociedade portuguesa do século XVIII,
posicionando-se a par com as pretensões do Marquês de Pombal de diminuir o
poder da Companhia de Jesus ao mesmo tempo que o Tribunal do Santo Ofício
37
se submetia aos interesses do Estado.
Outra questão que se pode colocar é relativa à estética do edifício de São
Vicente. Que dizer de um risco barroco da Igreja de São Vicente vindo de um
homem que integrava uma instituição imbuída de princípios iluministas, onde a
racionalidade devia prevalecer sobre a exuberância? Que pensar de um projeto
de cemitério de influência neoclássica ao lado de uma Igreja Barroca? Terá o
projeto de António Fernandes Rodrigues sido acompanhado por ele, ou levado a
cabo por um desconhecido mestre de obras?
Estas questões não são de resposta fácil. Podemos afirmar que em Portugal,
durante o século XVIII, não existiu uma verdadeira arquitetura do neoclassicis-
mo. Uma parte significativa dos projetos neoclássicos levados a cabo resultaram
de importações de arquitetos como John Carr (Hospital de Santo António, Porto),
John Whitehead (Feitoria Inglesa, Porto) e de uma vasta empresa que resultou
das ideias de Pombal e da tradição urbanística portuguesa – a Lisboa pombalina,
o acontecimento arquitetónico do século XVIII em Portugal. Embora se tenha
construído muito, entre nós o barroco prolongou-se até muito tarde enquanto
o neoclássico revela, ao mesmo tempo, a relação da nossa arquitetura com o
35
Neuma Brilhante Rodrigues “Para a Utilidade do Estado e “Glória À Nação”: A real Casa Pia de Lisboa Nos
Tempos de Pina Manique (1780-1805)”, Revista Territórios e Fronteiras 1, 2 (2008), p. 25-46.
36
José Pedro Paiva, Os Bispos de Portugal..., p. 542.
37
A suposta participação do padre Malagrida no episódio do atentado ao rei tornou-se preciosa acusação
para os objetivos de Sebastião de Carvalho e Melo. Colocando pessoas da sua confiança na Inquisição, o
ministro conseguiu dominar o processo referente ao padre Malagrida e, por conseguinte, a sua condenação
em Auto de fé. Este processo levou à desacreditação da Companhia de Jesus e à sua consequente expulsão
do país a 3 de setembro de 1759: Giuseppe Marcocci e José Pedro Paiva, História da Inquisição Portuguesa,
1536-1821, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2016, p. 336-343.
A NOVA IGREJA DE SÃO VICENTE: CONSTRUÇÃO E ESTÉTICA
289
• António Prata Coelho, Daniel Martins, Antonieta Pinto
que se fazia na Europa. Este facto, segundo o historiador Varela Gomes, não
pode esclarecer-se através da escassa teoria da arquitetura em Portugal, pois a
38
“nova arquitetura erguida em Portugal no século XVIII fez-se sem teoria” . Só
Cyrillo Volkmar Machado, o biógrafo do arquiteto António Fernandes Rodrigues,
produziu alguma teoria arquitetónica muito com base nas afirmações de outros
39
autores. Criticou, por exemplo, a “libertinagem” portuguesa do barroco e o seu
exagero decorativo, o que faria dele mais um adepto do neoclassicismo. No en-
tanto, entre 1794 e 1823 não se coibiu de fazer rasgados elogios ao trabalho do
40
arquiteto de Mafra – Frederico Ludovice . Surge também no seu discurso uma
posição ideológica ao lado de valores aristocráticos que eram contrários a uma
arquitetura que advogava, com lembra Varela Gomes, um certo “igualitarismo
utilitário”. Podemos, assim, afirmar que a apreciação da arquitetura portuguesa
nos círculos em que participou Fernandes Rodrigues oscilava entre o barroco e a
construção pombalina, entre a imponência e respeitabilidade do neoclássico e a
extravagância sensorial do barroco.
É nesta ambivalência que podemos encontrar as respostas para uma com-
preensão dos trabalhos que conhecemos do arquiteto da Igreja de São Vicente.
António Fernandes Rodrigues, homem do seu tempo, revela no conjunto da sua
obra não lhe ser necessária a adoção de uma orientação precisa. Apresenta-nos
trabalhos como “Prospecto da Máquina de Fogo de Vista” (1793) e a igreja de
São Vicente (entre 1773 e 1780) de estética marcadamente barroca, enquanto
que a alegoria intitulada “Desenho e elogio ao Marquês de Pombal” (1762) e o
“Projeto para cemitério tipo em Lisboa” (1791) revelam uma outra linguagem (no
primeiro caso eivada de símbolos maçónicos e greco-latinos) fazendo-os aproxi-
mar da estética neoclássica.
A IGREJA
Face à controvérsia relativa à data de 1790 como conclusão ou início da obra
foi feito levantamento dos registos de batismos na Paróquia de São Vicente,
41
entre 1769 e 1797 , como consta do gráfico apresentado. Da análise dos dados
pode concluir-se que, no período correspondente à década de 1780, algo alterou
a rotina paroquial. Nesse espaço de tempo verifica-se a ausência ou redução
considerável de registos de batismo na Paróquia o que pode indiciar a existência
de obras em curso. 1790 será, no nosso entender, a data de conclusão da obra
38
Paulo Varela Gomes, A Cultura Arquitectónica e Artística em Portugal no século XVIII, Lisboa, Caminho, 1988,
p. 80.
39
Paulo Varela Gomes, A Cultura Arquitetónica…, p. 84.
40
Paulo Varela Gomes, A Cultura Arquitetónica…, p. 86.
41
ADGRD, Registos Paroquiais da Paróquia de São Vicente, rolo 744; item 2: Registo de Batismos de São Vicente.
290 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
pois esse momento coincide com a normalização dos registos paroquiais. A par-
tir dessa data o número de batismos retoma valores semelhantes aos registados
42
nos anos anteriores a 1780.
42
Uma vez que não se encontram na Torre do Tombo os livros de registos de casamentos e óbitos da Paróquia
de S. Vicente relativos ao período em questão, aguardamos a abertura à investigação do Arquivo Diocesano
da Guarda, pois o acesso a outras fontes poderá comprovar esta hipótese.
A NOVA IGREJA DE SÃO VICENTE: CONSTRUÇÃO E ESTÉTICA
291
• António Prata Coelho, Daniel Martins, Antonieta Pinto
Fachada principal
Pia Batismal
A NOVA IGREJA DE SÃO VICENTE: CONSTRUÇÃO E ESTÉTICA
293
• António Prata Coelho, Daniel Martins, Antonieta Pinto
Por cima da porta principal surge o coro alto, em madeira, suportado por
arco abatido em granito, apresentando forma de asa de cesto.
Coro alto
O interior do edifício é composto por dois retângulos de nave única com co-
bertura em abóbada de berço em madeira pintada a azul celeste. O arco triunfal
de volta inteira, coroado com o brasão do bispo encomendador, divide a nave
principal do altar mor. Os alçados laterais são simétricos e apresentam, cada
um, porta de acesso lateral ao templo, púlpito, confessionário, janelão em can-
taria com lintel decorado com moldura em meia cana, como acontece com as
restantes aberturas do edifício. O pavimento da nave é soalhado enquanto que
a capela mor apresenta no primeiro patamar um lajeado mais antigo, tendo o
segundo nível um lajeado mais recente.
Toda a estrutura interior do templo, se despojado dos elementos decorati-
vos compostos pelos retábulos e azulejos, revela uma simplicidade marcada
por alçados laterais completamente direitos, por friso linear, e pela ausência de
pilastras ou colunas que lhe provoquem a irregularidade típica da estética do
Barroco. Em termos estruturais importa sublinhar que se trata de um edifício
desornamentado lembrando a “arquitetura chã” comum em muitas igrejas por-
tuguesas. Usando as palavras de Varela Gomes, diríamos que foi o azulejo neste
caso a “dar voz” a um templo que sem ele seria apenas um vasto salão decorado
com talha dourada. António Fernandes Rodrigues desenhou para a Guarda um
conjunto arquitetónico que podemos considerar mais um exemplo da arquitetura
294 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
por colunas de fuste liso e capitel compósito sustentadas por mísulas douradas.
Na parte superior apresenta entablamento e duplo frontão curvo com anjos. En-
44
cimando tudo está uma glória solar com um remate de folhagens douradas . A
decoração é exuberante com palmetas, grinaldas, querubins, sobre a superfície
marmoreada em tons de verde azulado, rosa e dourado.
44
João Paulo Cardinal Martins das Neves, “Algumas considerações sobre a talha dourada e policromada de
S. Vicente da Guarda”, in Praça Velha, nº 21, 2007, p. 63.
296 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
49
O secretário da Real Mesa Censória, Alexandre Faria Manuel, referiu-se a esta carta pastoral numa missiva
de 18 de Fevereiro de 1773 enviada de Lisboa a Frei Manuel do Cenáculo: Francisco António Lourenço Vaz
(ed), Correspondência Inédita dirigida a Frei Manuel do Cenáculo. As Cartas de Joaquim Sá e Alexandre
Faria Manuel, Évora, CIDEHUS, 2018. <http://books.openedition.org/cidehus/3346>
50
José Viriato Capela, Henrique Matos (eds), As Freguesias do Distrito da Guarda nas Memórias Paroquiais
de 1758, Braga, Universidade do Minho, 2013, p. 89.
51
José Viriato Capela, “A crise da paróquia…”, p. 105.Veja-ser a escritura datada de 1791 relativa ao contrato
de reedificação do orgão da Sé: ADGRD/NOT/NGRD3/00026
A NOVA IGREJA DE SÃO VICENTE: CONSTRUÇÃO E ESTÉTICA
299
• António Prata Coelho, Daniel Martins, Antonieta Pinto
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção da igreja resultou da ocupação de um espaço que desde a épo-
ca medieva cumpriu funções religiosas. A igreja de São Vicente era um edifício
central na vida da cidade. O novo templo foi obra da vontade de um bispo, fi-
gura integrada no seu tempo e promotor de dinamismo cultural da cidade e da
região. Conhece-se a sua preocupação com a reforma do grande órgão da Sé,
52
com a criação da escola de música para a qual convidou excelentes Mestres.
A ornamentação de outras igrejas paroquiais foi também alvo do seu mecena-
to. A igreja de S. Vicente resultou da implementação de um projeto feito por
um homem de ascendência negra, num período marcado por estigmas sociais
e étnicos, o que não incomodou D. Jerónimo. Por outro lado, a aceitação de um
projetista vindo do círculo da Casa Pia, instituição onde germinavam os ecos do
pensamento iluminista europeu, provam a abertura do bispo para o pensamento
mais moderno e prenunciador da sociedade do século XIX.
Este bispo, Ministro do Santo Ofício, assumindo as orientações do Concílio de
Trento, envolveu a paróquia na construção de uma religiosidade mais exuberan-
te onde a cenografia e o espetáculo religioso surgiam como parte integrante do
serviço litúrgico, afirmando o poder da Igreja. Na sua orientação espacial inversa
à do anterior templo medieval e ao que era habitual, a nova igreja fecha-se em
relação ao espaço da antiga judiaria, mas abre-se à comunidade cristã servindo
de palco para a encenação do poder da igreja católica. A própria escadaria de
acesso ao portal principal transforma a fachada num palco.
A possibilidade de o pároco residir junto da igreja reedificada consolidava a
presença do agente religioso na comunidade civil, com a dupla função de apoio
e vigia da moralidade imposta pela hierarquia, como claramente explicavam as
53
constituições sinodais promovidas após Trento. O bispo D. Jerónimo exprimia
deste modo o seu entendimento da importância da Paróquia e da necessidade
52
José Joaquim Pinto Geada , José Maurício…, p.13
53
Aires Diniz, “Constituições Sinodais do Bispado da Guarda”, Praça Velha 35 (2015), p. 135-157.
300 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
REFERÊNCIAS
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para a história da judiaria da Guarda”, Praça Velha 36, pp. 183-200.
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rural portuguesa a caminho de um novo modelo de acção paroquial. Nova
pastoral. Ensino e assistência” in Maria Marta Lobo de Araújo, Alexandra Es-
teves (eds), Marginalidade, Pobreza e Respostas Sociais na Península Ibéri-
ca, séculos XVI-XX, Braga, CITCEM, pp. 89-105.
CAPELA, José Viriato, MATOS, Henrique (eds) (2013). As freguesias do Distrito da
Guarda nas Memórias Paroquiais de 1758, Braga, Universidade do Minho.
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ço Atlântico, Lisboa, Círculo de Leitores.
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35, pp. 135-157.
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na Sé da Guarda, Guarda, Câmara Municipal da Guarda.
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ses” in Ensaios e Estudos. Uma maneira de pensar, Lisboa, Sá da Costa, Vol.
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GOMES, Paulo Varela (1988). A cultura arquitectónica e artística no Portugal do
século XVIII, Lisboa, Caminho.
A NOVA IGREJA DE SÃO VICENTE: CONSTRUÇÃO E ESTÉTICA
301
• António Prata Coelho, Daniel Martins, Antonieta Pinto
FONTES IMPRESSAS
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celentíssimo e Reverendíssimo Senhor Dom Frei Manuel da Cruz, Bispo do
Maranhão e Mariana (1739-1762), Brasília, Edições do Estado Federal.
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Pintores, Escultores, Architetos, e Gravadores Portugueses, e dos Estrangei-
ros que estiverão em Portugal, Lisboa, Victorino Rodrigues da Silva.
VAZ, Francisco António Lourenço (ed) (2018). Correspondência Inédita dirigida
a Frei Manuel do Cenáculo. As Cartas de Joaquim Sá e Alexandre Faria
Manuel, Évora, CIDEHUS.
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FONTES MANUSCRITAS
1
Rita Costa Gomes (ed), A Portuguese Abbot in Renaissance Florence. The letter collection of Gomes Eanes
(1415-1463), Florença, Olschki, 2017.
304 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Santa Maria, mais conhecido pelo nome de “Badia Florentina” – estas cartas
missivas dão-nos notícia de uma sucessão ininterrupta de actos de comunica-
ção ocorridos durante mais de duas décadas (entre 1415 e 1463) e centrados,
maioritariamente, na figura do português Gomes Eanes, abade deste abasta-
do mosteiro toscano. As cartas desvendam, portanto, a existência de círculos
de correspondentes em Portugal e em Itália, o assunto que gostaria de explo-
rar convosco nesta ocasião.
Quem era Gomes Eanes, o destinatário destas cartas? Como tantos outros
jovens estudantes atraídos pelas famosas universidades italianas (nomeada-
mente, pela Universidade de Bolonha, mas também por Pisa, Pavia, Pádua,
Siena, etc.), este lisboeta cursou leis em Pádua nos primeiros anos do século
XV, antes de optar em 1413-14 pela vida monástica. Assim entrou no círculo dos
monges reformadores que então se originava em torno de figuras bem mais
conhecidas na Itália daquele tempo, como a do aristocrata veneziano Ludo-
2
vico Barbo . Durante os anos da sua vida florentina, entre 1419 e 1441, o aba-
de português construiu uma carreira eclesiástica brilhante, mas continuando
sempre em contacto assíduo com as mais diversas personalidades, homens
e mulheres, que lhe escreviam a partir de Portugal. Em claro contraste com
o conteúdo das maioria das cartas enviadas de Itália, as cartas portuguesas
recebidas pelo Abade Gomes solicitavam, as mais das vezes, assistência para
tratar diversos assuntos e pedidos na administração papal, ou o seu patrocínio
e conselho em diligências tão diversas como a feitura de um livro manuscrito
3 4
com belas iluminuras , a organização de uma peregrinação à Terra Santa , a
5
procura de um parente de quem se não tinha notícias , ou a escolha de um
6
curso de estudos para um jovem português nas escolas de Itália .
O que significava, para o português Gomes Eanes, a direcção da “Badia”
de Florença nas décadas entre 1420 e 1440? Lembremos rapidamente alguns
factos bem conhecidos da história florentina. Por exemplo, que entre 1420 e
1436 o famoso arquitecto Brunelleschi completou o espantoso feito do pro-
jecto, construção, e inovadora obra de engenharia da monumental cúpula da
2
Para uma breve biografia desta figura: Alessandro Pratesi, “Barbo, Ludovico”, Dizionario Biografico degli
Italiani, Roma, Istituto della Enciclopedia Italiana, 1964, Vol. 6, pp. 244-249. A biografia e carreira de Gomes
Eanes em Itália foram alvo de uma primeira reconstrução na obra de Eduardo Borges Nunes, Dom Frey
Gomez, Abade de Florença: 1420-1440, Braga, Livraria Pax, 1963, Vol I (e único).
3
O caso mais interessante e detalhado diz respeito a um livro de horas encomendado por um mercador do
Porto: Rita Costa Gomes, “Between Pisa and Porto: Afonso Eanes, Merchant of the King of Portugal (1426-
1440)”, Diogo Ramada Curto, Eric R. Dursteler, Julius Kirschner, Francesca Trivellato (eds), From Florence to
the Mediterranean and Beyond, Florença, Olshki, 2009, pp. 235-248.
4
Por exemplo, aquela que fez Vasco Rodrigues, chantre da Sé de Braga, em 1437: ver Carta 400 in A Portuguese
Abbot, pp. 385-387.
5
Em vão pedia Fernão Fogaça, então à frente da casa do Infante D. Duarte, notícias de um seu parente que
exercia medicina em Itália: ver Cartas 177 e 215 in A Portuguese Abbot, pp. 168-169 e 205.
6
O juiz régio Rodrigo Anes Vilela, por exemplo, solicitava orientação para seu filho, e dava novas da expedição
de ataque à cidade marroquina de Tânger: ver Carta 416 in A Portuguese Abbot, pp. 405-406.
DE TRANCOSO À TOSCÂNIA: PORTUGUESES EM ITÁLIA NA PRIMEIRA METADE DE QUATROCENTOS
305
Rita Costa Gomes
catedral da cidade, ainda hoje de pé. Que após um escasso ano de exílio, o as-
tuto banqueiro Cosme de Médicis (mais tarde chamado “o Velho”) conseguiu
em 1434 regressar à cidade, juntamente com seu irmão Lourenço, e tornar-se
a partir desse regresso no mais poderoso homem do governo da república,
cujas instituições controlava de modo directo e indirecto através de influência
pessoal, vínculos de clientelismo, e usando a sua imensa fortuna. A conhecida
facciosidade do governo florentino, numa sociedade política frequentemente
dividida em bandos sediciosos e rivais, era justamente uma das razões pe-
las quais os homens de religião na cidade, nomeadamente os abades das
comunidades monásticas mais importantes, eram chamados a participar em
processos políticos – por exemplo, nas eleições e sorteios para a escolha de
certos cargos oficiais. Como esclareceu o historiador Richard Trexler, não sen-
do eles mesmos eleitores nem eleitos, e sendo considerados mais tementes
do julgamente divino, os religiosos podiam ser alvo da confiança da oligarquia
local para supervisionar e intervir com honestidade em actos delicados do
7
governo político da cidade .
Mas não só o governo da cidade estava próximo do abade português – até
fisicamente, pois que a “Badia Florentina” se situava a um quarteirão apenas
do palácio da Senhoria de Florença. Estava-o também o governo da própria
Igreja Romana. Durante o tempo do abaciado de Gomes Eanes, dois papas
se instalaram na cidade do Arno, governando a Igreja a partir dela: Martinho
V (em1419-1420) e Eugénio IV (em 1434-1436, e de novo em 1439-1443). Sob
iniciativa deste último, e contando com o precioso apoio do grupo dirigente da
8
cidade, teve lugar o famoso Concílio de Florença, em 1439 , no qual represen-
tantes das igrejas da Grécia, Etiópia, e Arménia tentaram uma reconciliação
e solução para o cisma que dividia Roma e Constantinopla há quase quatro
séculos. Juntamente com as figuras mais notáveis de Florença, Gomes Eanes
recebeu em 1439 o papa Eugénio fora das muralhas, acompanhando-o em
9
solene procissão na entrada da cidade .
Para responder à nossa pergunta de há pouco, basta lembrar, portanto,
que estar à frente da “Badia Florentina” significava, nestas décadas cruciais
do Renascimento florentino, estar próximo do poder. Durante os anos do seu
7
Richard Trexler, “Honor among thieves: the trust function of the urban clergy of the Florentine Republic” in
Dependence in Context in Renaissance Florence, Binghampton, Center for Medieval and Early Renaissance
Studies, 1994, pp. 17-34.
8
O Concílio foi transferido da cidade de Ferrara, entretanto acometida pela peste. Embora a historiografia
seiscentista tenha atribuído sobretudo a Cosme de Medici a iniciativa desta política florentina de atracção
da reunião conciliar, parece que ela deve atribuir-se a toda a oligarquia do governo: Luca Boschetto, Società
e Cultura a Firenze al Tempo del Concilio. Eugenio IV tra Curiali, Mercanti e Umanisti (1434-1443), Roma,
Edizioni di Storia e Letteratura, 2012, pp. 170-171.
9
Uma entrada descrita, por exemplo, no “livro de lembranças” do mercador de vinhos Bartolomeo del
Corazza, Diario Fiorentino (1405-1439), ed. Roberta Gentile, Anzio, De Rubeis, 1991, pp. 79-80 (embora este
não mencione o abade português).
306 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
10
Veja-se o que a este propósito afirmamos na introdução do volume in A Portuguese Abbot, pp. xix-xx.
11
Incluem-se 24 missivas de D. Duarte nesta colecção, mas nela se dá notícia do envio de muitas mais. O
abade Gomes Eanes pedia ao monarca que lhe mandasse o manuscrito do livro que este então escrevia,
para a sua leitura e tradução: ver Carta 458 in A Portuguese Abbot, pp. 450-452.
12
Sobre esta visita a Roma ver Francis Rogers, The Travels of the Infante Dom Pedro de Portugal, Cambridge
(Massachusetts), Harvard University Press, 1961, pp. 52-53. A companhia de Gomes Eanes não é mencionada
por Rogers, embora surja referida em várias cartas desta colecção.
DE TRANCOSO À TOSCÂNIA: PORTUGUESES EM ITÁLIA NA PRIMEIRA METADE DE QUATROCENTOS
307
Rita Costa Gomes
13
Trata-se de Estevão de Aguiar, que se tornou Abade do Mosteiro de Alcobaça (entre 1431 e 1446), e de
Fernando Falcão, que transitou, já em Portugal, para os Franciscanos: ver, entre outras, as Cartas 30, 37,
221, pp. 33-34, 41, 209-211.
14
Vejam-se, por exemplo, as Cartas 77, 120, 211, 213, 217 in A Portuguese Abbot, pp. 78-79, 112-113, 201-202,
203, 206-207. A diversidade caligráfica revela que algumas foram escritas por secretários, devido à doença
que acometeu o Prior Álvaro.
308 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
de Gomes Eanes era apenas um aspecto das suas relações. As cartas troca-
das entre ambos, sugestivamente misturando várias línguas – o português, o
latim, ocasionais palavras em dialecto italiano – revelam bem o paralelismo
das suas experiências italianas e a profunda confiança que os unia. Álvaro
esteve à cabeça da “Badia Florentina”, substituindo o Abade Gomes no go-
verno da comunidade quando este fez uma viagem a Portugal em 1424-1426.
Deslocou-se então ele mesmo a Portugal, instando pelo regresso de Gomes
a Florença. Também viajou ocasionalmente em Itália, em várias missões de
grande delicadeza, nomeadamente para participar das reuniões gerais dos
vários mosteiros “reformados”, comunicando com Barbo e outros abades e
15
tomando posições em nome do Abade Gomes . As suas funções eram, na
própria “Badia”, sobretudo de gestão material dos recursos da comunidade
monástica e das suas obrigações face à cidade. Enviado por Gomes para
a comunidade pisana de San Donnino, onde os monges da “Badia” foram
restaurar um pequeno mosteiro quase extinto e reduzido a um só membro
já idoso, Álvaro Dias liderou essa iniciativa denodadamente, aconselhando
o abade na procura de patrocínio local nas famílias abastadas de Pisa, na
orientação de obras de construção, na escolha dos monges a enviar, na ges-
tão patrimonial.
Tudo isto desenha um quadro de competências sobretudo centrado em
tarefas de administração, gestão patrimonial e financeira, organização e re-
crutamento da vida monástica. Mas sabemos também das opiniões e gostos
de Álvaro porque elas afloram em breves notações nestes textos. Uma missiva
muito curiosa de um outro intelectual português vivendo em Itália, o conhecido
André Dias de Lisboa, refere, por exemplo, as leituras de Álvaro Dias, explici-
tamente o seu empréstimo de uma obra espiritual muito popular nesta época:
16
a “Vida de Cristo” de Ludolfo da Saxónia (c. 1295-1337). Tal como a famosa
carta que Ludovico Barbo escreveu para os seus monges, onde descrevia um
método particular de meditação centrado na figura de Cristo, esta era uma lei-
tura que indiciava práticas espirituais bem apropriadas a um monge envolvido
em ambientes reformadores. Concluiremos este breve retrato notando que,
se não fora a doença inexorável que o vitimou precocemente, o companheiro
e compatriota do Abade Gomes estaria certamente bem posicionado para se
tornar, ele também, num homem de igreja bem sucedido.
15
Veja-se por exemplo a Carta 20 in A Portuguese Abbot, pp. 22-24.
16
Carta 67 in A Portuguese Abbot, p. 69-70. Tratava-se de um livro manuscrito “em papel, de escrita velha, em
linguagem itálica”, ou seja uma tradução em vulgar deste conhecido tratado. O prior Álvaro Dias era instado
a devolver este livro que pedira emprestado. Sobre André Dias de Lisboa pode ler-se a breve síntese de
Manuel Simões, “André Dias” in Giulia Lanciani, Giuseppe Tavani (eds), Dicionário da Literatura Galega e
Portuguesa, Lisboa, Caminho, 1993, p. 52. A recepção desta obra e sua enorme influência foram descritas
por Mary Immaculate Bodenstedt, The Vita Christi of Ludolph the Carthusian, Washington, Catholic University
of America, 1944, pp. 53-93.
DE TRANCOSO À TOSCÂNIA: PORTUGUESES EM ITÁLIA NA PRIMEIRA METADE DE QUATROCENTOS
309
Rita Costa Gomes
Tal como o próprio abade, Álvaro Dias mantinha contactos com Portugal e
com outros portugueses que viviam em Itália: mercadores, estudantes, pere-
17
grinos, ou religiosos vivendo em outros mosteiros (por exemplo, em Veneza ).
Alguns portugueses visitaram a “Badia Florentina” e ali estiveram como
hóspedes, como era então costume fazer-se em muitos mosteiros. Álvaro Dias
esteve envolvido em variadas transacções e encomendas desses hóspedes
em Florença e em Pisa, nomeadamente na aquisição de objectos de luxo, li-
vros, obras de arte, e objectos litúrgicos cujo destino final foi o reino portu-
guês. De tudo isto encontramos notícia em numerosas cartas. O prior recebia
amiúde novas de Portugal, quer por via epistolar quer directamente através
destes visitantes. Eis um exemplo revelador, em missiva datável possivelmen-
18
te de 1424, e enviada a Álvaro Dias desde Trancoso :
“Dom Álvaro,
Fernão Vasques me envio encomendar em vossa mercê. Faço-vos saber que eu fui
em Trancoso, e pousei em casa de vossa irmã Maria Dias e de vosso cunhado. E
me fizeram muita honra pelo vosso, assim vossa irmã como vosso cunhado, e vos
mandam muito saudar todos vossos irmãos e parentes e amigos.
Vossa irmã Maria Dias vos manda rogar e pedir que, porquanto ela tem uma filha
para casar que é bem de dezoito anos, e lha demandam pera a averem de casar,
e me disse vossa irmã que não tinham maneira como a casassem segundo fosse
vossa honra e sua. Por que vos pede pela benção vossa e sua que lhe fezessedes
aguma ajuda daqueles bens que vós tendes em Trancoso, todos ou [parte] deles.
E eu Fernão Vasques assim vo-lo peço por mercê, que lhe façades deles doação
àquela vossa sobrinha, porquanto será encaminhamento de a chegarem a bom lu-
gar. Que já ela não seria filha de vossa irmã, salvo uma moça orfã, ajudarde-la-íeis
com aqueles bens com que vós puséssedes haver por a ver encaminhada, e mais
ser filha de vossa irmã. Em esto faredes vossa honra e faredes-me grande prazer,
nom embargando que vós dizíeis em Pisa que não eram vossos, salvo da ordem.
Esto vos rogo e peço, além de ela ser vossa sobrinha, porquanto ela é moça de
bem, e para lhe Deus fazer mercê ela não perca pelo vosso. Fazei-o pelo amor de
Deus.
Outrossi Gil Anes me disse que a seda que eu levei a Florença, de Álvaro Gonçal-
ves e minha com o dito Gil Anes, que vo-la leixara. Se vo-la tendes, peço-vos que
a dedes a Gonçalo Afonso portador desta carta.
Feita em Trancoso dez dias de Novembro
Fernam Vasquez [assinatura]
17
Tal como o monge português Estevão: ver Carta 25 in A Portuguese Abbot, pp. 27-28.
18
Carta 21 in A Portuguese Abbot, pp. 24-25. O texto foi actualizado na ortografia, e inseriu-se pontuação.
Palavras acrescentadas foram colocadas entre parênteses rectos.
310 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
[post scriptum] Desto todo vos peço que me mandedes recado por este Gonçalo
Afonso
Como pode apreciar-se através deste texto, a “Badia Florentina” servia aos
visitantes portugueses de lugar de depósito e guarda de objectos, somas de
dinheiro, e mercadoria. Encontram-se por vezes em apêndice ou, até, inseri-
dos nas próprias cartas, breves elencos destes bens escritos pelos seus donos
– por exemplo, listas de livros, ou de peças de vestuário. A carta revela que
mercadores oriundos de Trancoso transacionavam têxteis de luxo em Floren-
ça, que tinham deixado ao cuidado de Álvaro na “Badia”. Por outro lado, como
vemos, os contactos com a família de origem de Álvaro Dias, de Trancoso para
a Toscânia, fazia-se também com relativa facilidade devido à presença destes
viajantes. Não sabemos muito sobre estes habitantes da Beira quatrocentista,
para além dos pormenores que esta missiva nos refere: o casamento de uma
jovem, a posse de propriedade rural e o seu uso para estabelecer um dote,
a entreajuda dos vários mercadores e agentes de comércio activos em Itália.
Mas estes são dados sobre a sociedade portuguesa da década de 1420 que
este tipo de fonte – as cartas missivas – nos fornecem de modo especialmente
evocador, pois surgem expressos nas palavras mesmas dos protagonistas.
A carta missiva era, nas sociedades da Europa quatrocentista, uma forma
de escrita relativamente comum, subsistindo para nós hoje como um precioso
vestígio de actos de comunicação irremediavelmente perdidos e que geral-
mente envolviam a oralidade (na composição da própria carta, e/ou na sua
transmissão). Mas a carta era também um modo de estabelecer e cultivar a
relação interpessoal, alimentando a confiança mútua e desenvolvendo o ter-
reno comum onde poderiam crescer modos de agir (como a cooperação, a
negociação, ou a troca), mas também cadeias de relações humanas por onde
circulava a informação e o poder. Não só os príncipes ou aristocratas próximos
dos centros de poder em Portugal sabiam usá-la. Também os mercadores da
Beira interior obtinham de lugares distantes como a Itália o que precisavam,
lançando mão deste instrumento flexível, e mais comum do que geralmente se
tem por estabelecido para a sociedade portuguesa do século XV.
Premio
Eduardo
Lourenço
2019
CARLOS REIS:
BREVE PERFIL
2017 2018
FERNANDO PAULOURO BASÍLIO LOSADA
Jornalista e Escritor Professor e Escritor
2019
CARLOS REIS
Professor e Escritor
CARLOS ALBERTO CHAVES MONTEIRO
PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DA GUARDA
“Cultivar as nossas raízes, inspirar-se nelas para sentir-se como uma espécie de bar-
ca que voga no tempo, não é nenhum pecado. A Beira e a nossa Guarda são terras
de larga e funda memória.”
Temos aqui um legado rico, autêntico e singular, que justifica a nossa aposta:
“Somos assim: sem seduções exteriores, fiéis a esta inconsciente alma de semeado-
res de centeio e cortadores de pedra dura para resistir ao vento, à chuva e ao peso
dos anos. Sob os pés temos todos uma herança mais de granito que de terra e com
ela um passado que nunca nos deixará perder na areia do presente e na confusão
prodigiosa do mundo.”
Muitos Parabéns!
Estimada Señora Secretaria del Estado del Turismo, Dr.ª Ana Mendes Godinho
Estimado Señor Presidente de la Câmara Municipal da Guarda, Dr. Carlos Chaves
Monteiro,
Estimado Señor Vicerrector de la Universidad de Coimbra, Prof. Doutor Delfim Leão,
Estimado Señor Presidente del Instituto Politécnico de Guarda, Prof. Doutor Joaquim
Brigas
Estimado Señor Premiado, Prof. Doutor Carlos Reis
Estimado Señor Prof. Doutor José Augusto Cardoso Bernardes
Y todos los presentes,
Ex.ma Senhora Secretária de Estado do Turismo, Dra. Ana Mendes Godinho, futura
Ministra Trabalho, Solidariedade e Segurança Social,
Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal da Guarda, Dr. Carlos Chaves Monteiro,
Ex.mo Senhor Dr. Adriano Faria, irmão e representante nesta cerimónia, do Senhor
Professor Eduardo Lourenço, mentor e diretor honorífico do Centro de Estudos Ibéricos,
Ex.mo Senhor Vice-Reitor da Universidade de Coimbra, Prof. Doutor Delfim Leão,
Ex.mo Senhor Vice-Reitor da Universidade de Salamanca, Prof. Doutor Efrem Yildiz
Sadak,
Ex.mo Senhor Professor Doutor Carlos Reis, notável galardoado com o Prémio Eduar-
do Lourenço do Centro de Estudos Ibéricos
Ex.mo Senhor Professor Doutor José Augusto Cardoso Bernardes, que irá fazer o
elogio do premiado
Ex.mos Convidados,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Senhor Professor Doutor Carlos Reis: é uma honra para o Instituto Politécnico
da Guarda, para a cidade e para o Centro de Estudos Ibéricos tê-lo como titular
do Prémio Eduardo Lourenço!
Bem-haja pelo seu talento e pelo seu contributo para a literatura e para a
cultura portuguesas!
Muito obrigado!
Quero começar por agradecer ao Doutor Carlos Reis o facto de me ter indi-
cado para estar aqui hoje a falar dos seus méritos. Não precisava de o ter feito.
Outros colegas, de várias gerações, poderiam testemunhar, tão bem ou melhor
do que eu, o apreço que lhe votam e o muito que devem ao seu magistério.
O gosto que sinto é enorme e o custo é escasso. Para mais, dizendo o que
sinto e o que penso a missão torna-se bem simples. Trata-se apenas de confir-
mar o que todos já sabem: que o Prémio Eduardo Lourenço foi, também desta
vez, atribuído com muita justiça, total adequação e grande oportunidade.
A justiça resulta dos méritos do Premiado e traduzem-se no trabalho que vem
desenvolvendo ao longo de 45 anos. Estamos, de facto, perante um universitário
infatigável, que produziu uma obra vasta, continuada, coerente e de largo im-
pacto em muitas gerações e em muitos lugares.
ser a sua segunda Alma Mater e onde por diversas vezes assegurou cursos
como Professor Visitante. Também por convite, regeu e rege frequentemente
seminários em outras universidades espanholas e também francesas, ameri-
canas e brasileiras, sobretudo.
2. Refiro agora o desempenho de importantes cargos fora da sua Universida-
de. A este nível, cumpre lembrar que Carlos Reis foi Reitor da Universidade
Aberta e Diretor da Biblioteca Nacional. Abstenho-me de entrar em detalhes
mas é bem conhecido o dinamismo da sua ação à frente destas instituições e
o excelente rasto que nelas deixou.
3. Falo, por último, da obra que publicou e continua a publicar, centrada em
muitos focos de pesquisa: os estudos queirosianos, a teoria e a didática da
literatura, a coordenação de edições críticas, para citar apenas alguns dos
domínios que vem cultivando com mais assiduidade.
Também por isso o nome de Carlos Reis fica associado à renovação que ocor-
reu nos Estudos Literários em Portugal desde o último terço do século XX. Repor-
to-me, pelo menos, ao ano de 1975, quando publicou a sua Tese de Licenciatura,
intitulada Estatuto e perspectivas do narrador na ficção e Eça de Queirós. Nessa
obra notavelmente fundamentada e inovadora, o jovem Assistente conjugava o
que parecia condenado ao divórcio: textualidade e história literária. Desde en-
tão, manteve uma atenção pioneira ao que foi surgindo de novo. Atenção pionei-
ra, sim; mas sempre uma atenção crítica. Não é fácil apanhá-lo em claro. O que é
usual é encontrar nele uma atitude de escrutínio, cumprindo aquele que é talvez
o preceito maior do universitário: o de escolher depois de ponderar.
O exemplo mais elucidativo desta atitude é talvez o esforço que tem vindo
a consagrar ao domínio transversal dos estudos narrativos, onde se afirmou já
como um dos maiores nomes a nível mundial.
Os Estudos Literários encontram-se hoje numa situação bastante diferente
daquela em que se encontravam há 45 anos. É assim, em primeiro lugar, porque
a Literatura estava então bem mais presente do que hoje na esfera pública. Não
é certo que antes se lesse mais mas é indesmentível que se lia de maneira dife-
rente: de forma mais lenta e, sobretudo, mais profunda. Discutia-se o que se lia
e o aparecimento de certos livros era um acontecimento de grande repercussão
cívica. Por outro lado, na correlação dos saberes universitários, o estudo da lite-
ratura gozava de um prestígio inatacável mesmo para além do subclaustro que
eram as Faculdades de Letras.
Por motivos que agora não vem a propósito referir, o fenómeno literário não
goza já do mesmo prestígio e do mesmo impacto. Do mesmo modo, os estudos
literários têm vindo a ser postos em causa (algumas vezes reconheça-se por
culpa própria) e são obrigados a constantes provas de legitimação.
Não são fáceis os tempos mas há quem resista. Carlos Reis é um dos que não
desiste. A sua resistência, tal como consigo avaliá-la, está longe de ser corporati-
va. Pelo contrário. Tem uma dimensão cívica ou política e encontra alimento em
duas crenças nucleares: a de que a Literatura é construtora de conhecimento (um
conhecimento específico que nenhuma outra atividade humana proporciona); e a
de que também ela deve constituir objeto de averiguação qualificada e exigente.
Esta crença arreigada e sincera nas potencialidades da Literatura tem leva-
do muitas vezes Carlos Reis a travar combates difíceis: destaco a sua presença
assídua na televisão e em outros órgãos de comunicação social para defender
justamente estes princípios.
E destaco a área do ensino. Carlos Reis tem estado na linha da frente quan-
do se trata de valorizar a presença da literatura na Escola. Têm vindo de si
argumentos certeiros para convalidar essa presença: é pela literatura que se
adquire o treino hermenêutico, que se fomenta e educa o espírito crítico, o gosto
e a sensibilidade; e é pela literatura (nomeadamente através da literatura ca-
nónica) que se constroem e consolidam as comunidades democráticas.
334 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
PRÉMIOS
Prémio Prix Européen de l'Essai "Charles Veillon" 1994 (correspondência; 1 de
março de 1995)
Prémio Luís de Camões 1996 (diploma; 1996)
Prémio Vergílio Ferreira 2001, da Universidade de Évora (diploma e medalha; 1
de março de 2001)
Premio Extremadura a la Creación 2006 – Mejor Trayectoria Literaria de Autor
Iberoamericano (galardão; 2006)
Prémio Letterario Giuseppe Acerbi Castel Gofrredo (salva de prata; 10 de novem-
bro de 2007)
Prémio Pessoa 2011 (diploma; 16 de dezembro de 2011)
Prémio Vida e Obra Autor Nacional, da Sociedade Portuguesa de Autores 2011
(diploma e galardão; 2011)
Prémio Universidade de Lisboa 2012 (diploma e galardão; 6 de janeiro de 2013)
*
O presente inventário corresponde ao espólio doado, em 2019, não cobrindo, por este motivo, todas as ho-
menagens, prémios e condecorações atribuídas ao Professor Eduardo Lourenço. Este legado complementa
a doação de parte da sua biblioteca pessoal, feita em 2008, cuja lista foi incluída na publicação Leituras de
Eduardo Lourenço. Um labirinto de saudades, um legado com futuro (CEI, 2008), pp. 117-221.
338 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
CONDECORAÇÕES
Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada. Grão Mestre das Ordens
Portuguesas (insígnias e diploma; 29 de maio de 1981)
Ordem Infante Dom Henrique Portugal "Talant de bien faire" (insígnias e diplo-
ma, 1992)
Officier de L´Ordre National du Mérite (insígnia e diploma; 12 de maio de 1995)
Ordre des Arts et des Lettres de la Republique Française (insígnia, 2000)
Officier de la Légion d´Honneur de l´Ordre National de la Légion D'Honneur
(insígnia e diploma; 16 de maio de 2001)
Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada. Grão. Mestre das Ordens
Portuguesas (diploma; 21 de maio de 2003)
Encomienda de Número de la Orden del Merito Civil (insígnia e diploma; 7 de
julo de 2008)
Laurel de Gratidão do Gabinete Português de Leitura Real (diploma; 15 de setem-
bro de 2010)
Ordem da Liberdade (Grã. Cruz) – 2014 (insígnias; 10 de junho de 2014)
HONRAS ACADÉMICAS
Medalha Oskar Nobiling da Sociedade Brasileira de Língua e Literatura (certifica-
do; 27 de julho de 1990)
Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (diploma; 14
de setembro de 1995)
Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
(diploma; 21 de abril de 1996)
Doutoramento Honoris Causa pela Universidade Nova de Lisboa (1998)
HOMENAGENS
Cidadão Honorário do Concelho de Cascais (diploma; 30 de abril de 1999)
Medalha de Ouro da Cidade de Coimbra (medalha de ouro e diploma; 22 de
junho de 2001)
EDUARDO LOURENÇO E O CENTRO DE ESTUDOS IBÉRICOS: INVENTÁRIO DE ESPÓLIO DOADO 339
DIPLOMAS E CERTIFICADOS
R. P. Doctor R. Nogueira Lobo de Alarcão e Silva (diploma)
Diploma do Pai de Eduardo Lourenço, Abílio de Faria, da Escola Comercial de
Oliveira Martins (diploma; 21 de setembro de 1927)
Diploma do Pai de Eduardo Lourenço, Abílio de Faria, da Escola Central de Sar-
gentos (diploma; 1930)
R. P. Doctor Maximinvs Iosephvs de Morais Correia (diploma; 1947)
Certificado de conferencista no VII Encontro Nacional de Professores Universi-
tários Brasileiros de Literatura Portuguesa da Universidade de Minas Gerais
(certificado; 4 de agosto de 1979)
Simpósio sobre Fernando Pessoa (certificado; 1980)
Certificado de Participação no IX Encontro Nacional de Professores Universitá-
rios Brasileiros de Literatura Portuguesa da Universidade Federal de Pernam-
buco (certificado; 30 de julho de 1982)
Conferência "Camões e a Europa"
Certificado de conferencista na "V Reunião Internacional de Camionistas" na Uni-
versidade de São Paulo (certificado; 1987)
Certificado de participação como conferencista no Colóquio Internacional "Emi-
gração e Ensino" promovido pelo Instituto Politécnico da Guarda (certificado;
30 de outubro de 1987)
Certificado de Homenagem pela Vida e Obra. SIC 12 anos (certificado; 6 de ou-
tubro de 2004)
Certificado de participação como relator no Simpósio sobre Fernando Pessoa, na
340 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
OUTROS
Diploma de Augusto da Fonseca Lage de Aprovação do 3º Ciclo do Colégio Mili-
tar (diploma; 30 de julho de 1940)
Mosaico 1960 (fotografia; 1960)
5 correntes d' Escritas da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim (quadro; feve-
reiro 2004)
Eduardo Lourenço (quadro, 7 de setembro de 2004)
Município do Porto "Porto Cidade de Ciência" (quadro, 25 de maio de 2009)
Cidade de Gouveia (prato em estanho)
Cidade de Viseu (prato em estanho)
Desenhos de crianças (3 desenhos)
Manuscrito do Jornal Insula nº 370 pág. 12 (manuscrito)
Diálogos Franco. Portugueses para o século XX; 1º Ciclo: A Globalização (Cartaz;
1977?)
342 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Jornal Insula nº 370 pág. 12. Artigo Henry Bonneville e José. Carlos Mainer (fo-
tocópia do jornal)
Moeda de ouro "Expo universale siviglia 1992 Palazzo Italia" do Istituto Poligra-
fico e Zecca dello Stato (moeda ouro; 1992)
AIX. EN. Provence. Lettres portugaises (cartaz; 25. 28 janeiro 1996)
Reunião de Coimbra Comissão Europeia (prato de loiça “Faiança de Coimbra”;
abril de 1996)
40 anos do Provedor de Justiça (moeda de 2,50€; 2015)
Revista Visão pág. 64. 67 (4 fotocópias; 22 de março 2018)
Eduardo Lourenço. Chaos and splendor & Other Essays editado por Carlos Velo-
so (cartaz)
VENCE. Aquarelle de Jean Pierre Béroard (fotografia)
Fotografias de Eduardo Lourenço (fotografias várias)
“O Académico e Senhora Roberta Marinho“ da Academia Brasileira de Letras
(estandarte; 1997)
Canetas oferecidas pela Association Nationale des Handicapés de France (caixa
com 2 canetas e estojo)
“Ville de Champigny. Sur Marine" (caixa em madeira com 1 caneta e outros ob-
jetos)
Caixa de madeira com uma dedicatória e uma garrafa de licor
Pin´s de participação de conferências (vários pin´s)
Eduardo Lourenço – Playlist (3 dicos de vinil)
Chaves da Fundação José Saramago oferecidas por ocasião da homenagem a
Jorge de Sena (4 chaves; 10 de julho de 2008)
Dossiers d'Annie. Curso de Litteratura (Espagne. Amérique Latim) (documenta-
ção)
Cartaz da «Fête du Livre»(cartaz; janeiro de 1996)
Colégio Militar "13 Prémios Barretina" (peça em acrílico; 1992)
40 anos da Associação dos Deficientes das Forças Armadas. ADFA (placa come-
morativa; 1974)
Estatueta com a descrição "Homenagem Eduardo Lourenço" (estatueta de pro-
veniência desconhecida; 1999)
Do Secretário. Geral do MDN Luís Augusto Sequeira (base de vidro, 2008)
EDUARDO LOURENÇO E O CENTRO DE ESTUDOS IBÉRICOS: INVENTÁRIO DE ESPÓLIO DOADO 343
Ordre des Arts et des Lettres de la Ordem da Liberdade (Grã. Cruz) – 2014
Republique Française (2000) (2014)
HONRAS ACADÉMICAS
ENSINO E FORMAÇÃO
[http://www.cei.pt/cv/]
3 de julho – Guarda
Mesa 1. Patrimónios, paisagens e desenvolvimento local
Sessões Paralelas: “Patrimónios, paisagens e desenvolvimento local”
e “Dinâmicas socioeconómicas em diferentes contextos territoriais”
Mesa 2. Idiomas minoritários e falares de fronteira
5 de julho –Guarda
ENCONTRO
LEITURAS DO TERRITÓRIO: SAÚDE E MONTANHA
Realizou-se nos dias 10 e 11 de maio, na Guarda, o Encontro "Leituras do Ter-
ritório: Saúde & Montanha", iniciativa de revisitação literária sobre a importância
do Ar, da Altitude e da Saúde, coordenada pela Profª Cristina Robalo Cordeiro,
da Universidade de Coimbra.
Penhas Douradas, Guarda e Penhas da Saúde, tal como depois o Caramulo,
são historicamente e graças a gente como José Thomaz Souza Martins, Alfredo
César Henriques, Lopo de Carvalho, Abel, Jerónimo e João Lacerda e outros,
os locais em que o tratamento da "tísica" com base na "altitude" se iniciou em
Portugal, em 1881, quais Davos e as montanhas tirolesas.
Não já na altitude mas ainda nas faldas destas montanhas, as águas das ter-
mas ou caldas de Manteigas, Unhais, Loriga, Alvoco, Felgueira, Alcafache entre
outras, são uma das mais antigas formas de "pela água chegar à saúde", os hoje
tão vulgares SPA's.
Intervenções: Carlos Chaves Monteiro (Presidente da Câmara Municipal da
Guarda); Cristina Robalo Cordeiro (Univ. Coimbra); Rui Jacinto (CEGOT – CEI);
Helena Gonçalves Pinto (Centro Nacional de Cultura | Univ. Autónoma de Lisboa);
Lúcio Cunha (Univ. Coimbra); Manuel Santos Rosa (Univ. Coimbra); Zeferino Bis-
caia Fraga; Hélder Sequeira (IPG)
Roteiro: Manteigas: Visita ao Centro Interpretativo do Vale Glaciar do Zêzere;
Termas de Manteigas; Visita à Estância Termal – Caldas de Manteigas; Penhas
Douradas; Sabugueiro; Torre; Sanatório dos Ferroviários; Miradouro Varanda dos
Carqueijais.
CEI ACTIVIDADES
359
2019
360 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
SEMINÁRIO CAMINHOS
DAS NOVAS GEOGRAFIAS DOS PAÍSES
DE LÍNGUA PORTUGUESA
Realizou-se no dia 05 de abril, na Faculdade de Letras
da Universidade de Coimbra, o Seminário Caminhos.
Das Novas Geografias dos Países de Língua Portugue-
sa, integrado na programação da 21ª Semana Cultural
da Universidade de Coimbra. No final, foi apresentado
o livro “Novas fronteiras, outros diálogos: Paisagens,
Patrimónios, Cultura” (Coleção Iberografias nº 35 –
CEI/Âncora Editora).
Intervenções: Rui Jacinto (CEI – CEGOT); María Isabel
Martín Jiménez (Univ. Salamanca); Fernando Delgado (Direção Regional de Agri-
cultura e Pescas do Centro); Valentín Cabero Diéguez (Univ. Salamanca).
SEMINÁRIO
AGRICULTURA FAMILIAR, AGRICULTURA
BIOLÓGICA E DESENVOLVIMENTO RURAL
No âmbito do projeto “Pontes entre agricultura fa-
miliar e agricultura biológica”, de Cristina Amaro da
Costa, apoiado pelo CEI – Investigação, Inovação &
Território [CEI – II&T], o Centro de Estudos Ibéricos le-
vou a efeito no dia 18 de janeiro, no Auditório do Paço
da Cultura, na Guarda, o “Seminário Agricultura fami-
liar, agricultura biológica e desenvolvimento rural”.
Nesta iniciativa serão divulgados os resultados duma
investigação que aposta na definição dum “modelo
de intervenção, a nível técnico e social, que permita estabelecer pontes entre
a agricultura familiar e a agricultura biológica, com vista à adoção deste modo
de produção”, sendo norteado pelos seguintes objetivos: elaborar uma refle-
xão teórica sobre a proximidade entre a realidade das práticas agrícolas da
agricultura familiar e agricultura biológica; definir um modelo de intervenção,
a nível técnico e social, que contribua para alterar as práticas adotadas por
agricultores familiares no sentido da agricultura biológica; e propor recomen-
dações ao nível das orientações de políticas públicas, que permitam alcançar
modos de produção mais sustentáveis e saudáveis.
CEI ACTIVIDADES
361
2019
Intervenções:
Painel 1. Agricultura familiar e agricultura biológica: conceitos, práticas,
experiências e dinamização dos agricultores – Paulo Barracosa (Escola Superior
Agrária de Viseu); Pedro Santos (Confederação Nacional da Agricultura); Jaime
Ferreira (AGROBIO – Associação Portuguesa de Agricultura Biológica); José
Sousa Guedes (ADER-SOUSA – Associação de Desenvolvimento Rural das Ter-
ras do Sousa); Cristina A. Costa (Escola Superior Agrária de Viseu); Raquel Gui-
né (Escola Superior Agrária de Viseu); Telmo Costa (Escola Superior Agrária de
Viseu)
Painel 2. Agricultura familiar: do direito à alimentação até ao consumo –
Aníbal Cabral (Associação Distrital dos Agricultores de Castelo Branco); Antó-
nio Machado (Associação Distrital dos Agricultores da Guarda); Laura Rodri-
gues (Câmara Municipal de Torres Vedras); Maria Helena Marques (Instituto
Universitário de Lisboa); Cláudia Chaves (Escola Superior de Saúde Viseu);
Maria do Carmo Bica (Rede Rural Nacional)
Painel 3. Agricultura familiar e desenvolvimento rural: economia, sociolo-
gia e ambiente – María Isabel Martín Jiménez (Univ. Salamanca); Paulo Poço
(Acriguarda – Associação de Criadores de Ruminantes do Concelho da Guar-
da); Valentín Cabero Diéguez (Univ. Salamanca); Fernando Delgado (Direção
Regional de Agricultura e Pescas do Centro); Emiliano Tapia (Presidente de As-
decoba – Asociación de Desarrollo Comunitario Buenos Aires); António Mexia
(Instituto Superior de Agronomia)
Painel 4. World café: Construir o futuro da agricultura familiar e da agricul-
tura biológica. Problemas e soluções em grupo. Propostas de recomendações
– Cristina Parente (Univ. Porto)
362 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
INVESTIGAÇÃO
[http://www.cei.pt/iit/]
PRÉMIO CEI-IIT
INVESTIGAÇÃO, INOVAÇÃO E TERRITÓRIO
Estiveram abertas até 31 de maio as candidaturas à segunda edição do Pré-
mio CEI-IIT Investigação, Inovação e Território, iniciativa que visa distinguir tra-
balhos, projetos de investigação e outras iniciativas que revistam uma dimensão
inovadora, contribuam para divulgar estudos, experiências e boas práticas que
concorram para reforçar a coesão, a cooperação e a competitividade dos territó-
rios fronteiriços e de baixa densidade.
Esta iniciativa decorre do compromisso do Centro de Estudos Ibéricos com
a cooperação e difusão do conhecimento nestes territórios envolvendo investi-
gadores, atores e instituições de diferentes regiões e países que apostam num
justo equilíbrio entre a investigação e a ação.
O Prémio CEI-IIT tem duas modalidades:
– Apoio a trabalhos e projetos de investigação nas seguintes áreas: Dinâmi-
cas territoriais e iniciativas de desenvolvimento local; Património, recursos
do território e riscos naturais; Coesão social e Governança, capacitação e
modernização institucional.
– Apoio a projetos e iniciativas inovadoras de dinamização económica e so-
cial, que contribuam para a coesão dos territórios de baixa densidade, que
apostem, sobretudo nos seguintes domínios: Valorização e uso eficiente dos
recursos endógenos; Tecnologias ao serviço da qualidade de vida e Inovação
territorial.
OFICINA
HISTÓRIA DA GUARDA
[GUARDA HISTORY WORKSHOP]
[http://www.cei.pt/ohg/]
[http://www.cei.pt/pel/]
TRANSVERSALIDADES
FOTOGRAFIA SEM FRONTEIRAS.
[http://www.cei.pt/transversalidades17/2018/]
PREMIADOS
Melhor Portfólio: Javier Arcenillas (Espanha)
III ENCONTRO
IMAGEM E TERRITÓRIO
ROTEIRO FOTOGRÁFICO
AUSÊNCIA E TERRITÓRIO: AS ALDEIAS DA SERRA,
DO VALE E DA MESETA
Salamanca
Esteve patente em 08 a 25 de fevereiro,
na Faculdade de Geografia e História da
Universidade de Salamanca e no Museu de
Salamanca a exposição Transversalidades
2019. Fotografia sem Fronteiras.
Lisboa
A Exposição "Transversalidades 2018" es-
teve patente de 01 a 30 de abril, na sede
da Infraestruturas de Portugal, em Lisboa.
A colaboração com a I.P. iniciou-se em
dezembro de 2018 na Estação da CP da
Guarda, onde esteve patente a Exposição
"Guarda: Património Cultural Local".
A Infraestruturas de Portugal colabora com o CEI na divulgação da edição de
2019 do Concurso Transversalidades: Fotografia sem Fronteiras e no acolhimen-
to das várias mostras resultantes deste Concurso.
370 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Coimbra
Esteve patente de 14 de junho a 14 de julho, no
Museu Municipal Espaço Chiado, em Coimbra, a
exposição Transversalidades 2018. Fotografia sem
Fronteiras.
A Câmara Municipal de Coimbra acolhe, num em-
blemático espaço expositivo, os portefólios ven-
cedores do projeto Transversalidades: Fotografia
sem Fronteiras, concurso que o Centro de Estudos
Ibéricos promove anualmente, organizado em
torno de quatro núcleos temáticos: (i) Património
natural, paisagens e biodiversidade; (ii) Espaços
rurais, agricultura e povoamento; (iii) Cidade e
processos de urbanização; (iv) Cultura e socieda-
de: diversidade cultural e inclusão social.
Vila do Conde
Esteve patente de 07 de setembro a 04 de ou-
tubro a exposição Transversalidades 2018. Foto-
grafia sem Fronteiras. Esta iniciativa insere-se na
colaboração com a Câmara Municipal de Vila do
Conde, através do FOTOVC.
Teve lugar também uma Conversa sobre Fotogra-
fia com Rui Jacinto e José Pedro Martins, no âm-
bito do projeto "Transversalidades", no dia 28 de
setembro, em Vila do Conde.
Seia
Esteve patente de 12 de outubro a 12 de novembro
a exposição Transversalidades 2018. Fotografia
sem Fronteiras.
CEI ACTIVIDADES
371
2019
CONCURSO
FRONTEIRAS DA ESPERANÇA: MINHA TERRA, MEU FUTURO
EDIÇÕES
IBEROGRAFIAS 15 (2019)
Este número da Revista Iberografias compila vários
conteúdos, dando a melhor atenção a duas efeméri-
das preconizadas pela Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), ao
destacar: (i) o Ano Internacional das Línguas Indígenas
(International Year of Indigenous languages – IYIL2019),
que esteve subjacente a um debate realizado durante o
Curso de Verão; (ii) o Geopark Estrela, palco da primeira
edição do projeto Leituras do território, cuja candidatu-
ra foi aprovada por ser reconhecido o potencial geoló-
gico e o património natural e cultural da Serra da Estrela. Além da evocação devida
ao seu patrono, Professor Eduardo Lourenço, o conjunto de atividades levadas a
cabo facultaram temáticas como as que estruturam a presente edição da Iberogra-
fias: (i) Idiomas minoritários e falares de fronteira; (ii) Leituras do território. Serra da
Estrela: Saúde & Montanha; (iii) Oficina de História da Guarda.
COLEÇÃO IBEROGRAFIAS
CATÁLOGOS
TRANSVERSALIDADES 2019
FOTOGRAFIA SEM FRONTEIRAS