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RECURSOS HÍDRICOS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO
EM RECURSOS HÍDRICOS
VOLUME 6
República Federativa do Brasil
Dilma Vana Rousseff
Presidenta
Secretaria-Geral (SGE)
Mayui Vieira Guimarães Scafuto
Procuradoria-Geral (PGE)
Emiliano Ribeiro de Souza
Corregedoria (COR)
Elmar Luis Kichel
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO
EM RECURSOS HÍDRICOS
VOLUME 6
Brasília – DF
2011
3
© Agência Nacional de Águas (ANA), 2011.
Setor Policial Sul, Área 5, Quadra 3, Blocos B, L, M e T.
CEP 70.610-200, Brasília, DF PABX: 61 2109 5400
www.ana.gov.br
ISBN 978-85-89629-78-2
CDU 347.247(81)(075.2)
APRESENTAÇÃO
A Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) O quarto volume concentra-se em outro ente
foi instituída pela Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de do Singreh: a Agência de Água ou Agência de
1997. O conhecimento e a divulgação de seus Bacia. São apresentadas as competências, os
conceitos, muitos deles inovadores, são formas pré-requisitos para a criação, os possíveis ar-
de fortalecê-la e consolidá-la. ranjos institucionais para a constituição, o con-
trato de gestão na Política de Recursos Hídri-
A Agência Nacional de Águas (ANA), criada pela cos e os demais temas afins.
Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, e instalada
a partir da edição do Decreto nº 3.692, de 19 O quinto volume concentra-se nos instrumen-
de dezembro do mesmo ano, completa em 2010 tos de planejamento da política: os planos de
uma década de existência e funcionamento. recursos hídricos e o enquadramento dos cor-
pos d’água em classes segundo os usos pre-
Dando prosseguimento à sua desafiadora mis- ponderantes. Tópicos como: o que são, a im-
são de implementar a Política Nacional de Re- portância e como construir esses instrumentos
cursos Hídricos, a ANA apresenta, em comemo- são aprofundados nesse volume.
ração aos seus dez anos, essa série de cadernos
com o objetivo de discorrer, de forma sucinta, so- O sexto volume aborda a outorga de direito
bre os instrumentos previstos na Lei das Águas, de uso de recursos hídricos. Apresenta breve
bem como sobre o Sistema Nacional de Geren- histórico do instrumento, seus aspectos legais,
ciamento de Recursos Hídricos (Singreh). outorga para as diversas finalidades de uso, en-
tre outros. Além da outorga, o volume discorre
O primeiro volume discorre sobre um dos en- também sobre alguns aspectos da fiscalização
tes do Singreh: o Comitê de Bacia Hidrográfi- e do cadastro de usuários de recursos hídricos.
ca. São apresentados o contexto histórico da
criação dos comitês, as atribuições, como e por O sétimo volume discorre sobre a cobrança
que os criar e as diferenças quando compara- pelo uso de recursos hídricos – a importância
dos a outros colegiados. do instrumento, os passos para sua imple-
mentação, os mecanismos e valores, além
O segundo volume tem objetivo mais prático: de algumas experiências brasileiras na im-
orientar o funcionamento dos comitês de bacia. plementação da cobrança.
São apresentados a estrutura organizacional, o
papel de cada um dos elementos constituintes O oitavo volume tem o objetivo de apresentar
(Plenário, Diretoria, Secretario, Câmaras Téc- a importância dos sistemas de informações
nicas, Grupos de Trabalho etc.), exemplos de sobre recursos hídricos para o avanço da ges-
documentos e informações úteis para o funcio- tão da água, com destaque para o Sistema
namento do comitê. Nacional de Informações sobre Recursos Hí-
dricos (Snirh).
O terceiro volume aborda alternativas organiza-
cionais para a gestão de recursos hídricos. São Esperamos com essas publicações estimular a
apresentados exemplos exitosos de gestão de pesquisa e a capacitação dos interessados na
águas em escalas locais, passando por instâncias gestão de recursos hídricos, sobretudo aque-
de gestão de águas subterrâneas e de águas em les integrantes do Singreh, fortalecendo assim
unidades de conservação ambiental, chegando todo o sistema.
até os complexos arranjos institucionais de geren-
ciamento de águas de bacias transfronteiriças. Boa leitura!
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Relação entre os instrumentos da Política de Recursos Hídricos 17
Figura 2 Domínio das águas e a outorga 18
Figura 3 Estrutura para captação a fio d‘água em curso de água superficial 22
Figura 4 Reservatório formado por um barramento 22
Figura 5 Descarga de fundo em barramento 24
Figura 6 Equipamento para perfuração de poço 25
Figura 7 Efluente lançado em um curso de água 26
Figura 8 Mistura do efluente lançado com o curso de água em sua situação natural 27
Figura 9 Usina Hidrelétrica 28
Figura 10 Travessia para transposição de corpo d’água 29
Figura 11 Curso d’água canalizado 29
Figura 12 Açude construído com a finalidade de regularização de vazões 30
Figura 13 Empreendimento integrado usuário de recursos hídricos 42
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Comparação entre PCH e UHE 28
Quadro 2 Critérios adotados para outorga de captação de águas superficiais 31
Quadro 3 Vazões de pouca expressão por Estado 32
LISTA DE SIGLAS
Aesa/PB Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba
Adasa Agência Reguladora de Águas e Saneamento do Distrito Federal
ANA Agência Nacional de Águas
Aneel Agência Nacional de Energia Elétrica
Apac Agência Pernambucana de Águas e Clima
Caesb Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal
Cnarh Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos
CNRH Conselho Nacional de Recursos Hídricos
DAEE/-SP Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo
DBO Demanda Bioquímica de Oxigênio
DRDH Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica
Igam/MG Instituto Mineiro de Gestão das Águas
IGARN Instituto de Gestão das Águas do Estado do Rio Grande do Norte
Inema/BA Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia
Ipáguas Instituto das Águas do Paraná
Naturatins/TO Instituto Natureza do Tocantins
PCH Pequena Central Hidrelétrica
PNRH Política Nacional de Recursos Hídricos
Sema/RS Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul
Semar/PI Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí
Semarh/GO Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Estado de Goiás
Semarh/SE Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Estado de Sergipe
Singreh Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
Snirh Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos
SRE Superintendência de Regulação
SRH/CE Secretaria dos Recursos Hídricos – Governo do Estado do Ceará
UHE Usina Hidrelétrica
SUMÁRIO
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 11
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 45
REFERÊNCIA 47
GLOSSÁRIO 49
9
Foto:Por do sol em Manacapuru - AM / Cláudia Dianni
/ Banco de Imagens da ANA
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CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
1
11
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
que os usuários outorgados exerçam seus di- legais, os tipos de outorga existentes, os usos
reitos de uso de acordo com o estabelecido em sujeitos à outorga, a situação da outorga nos
seus atos de outorga, ou seja, não usem mais estados e os passos para sua obtenção são
do que está outorgado. Dessa forma, garante- também assuntos desse capítulo.
se que haverá água para todos os usos e usuá-
rios cadastrados, além do uso ambiental. O terceiro capítulo aborda a fiscalização, na
forma como prevista na legislação de recursos
Esse caso hipotético pode ser constatado em hídricos. São apresentadas as formas do exer-
várias partes do Brasil. A solução adotada, com cício da fiscalização, tais como as de caráter
base na gestão das demandas, e apresentada de preventivo e educativo e as de caráter corretivo.
forma simplificada ilustra determinadas ações que Nessa parte, elucida-se o papel da Agência Na-
se configuram imprescindíveis para uma eficiente cional de Águas (ANA) e das entidades gesto-
e eficaz gestão de recursos hídricos, utilizando ras estaduais de recursos hídricos no processo
instrumentos oferecidos pela legislação, como a de fiscalização, assim como a importância das
fiscalização, o cadastramento e a outorga. ações da sociedade. São debatidas as campa-
nhas integradas de fiscalização e apresentados
Nesse sentido, este volume aprofunda a discus- os instrumentos de fiscalização e penalidades
são sobre tais instrumentos e espera-se que o associadas. Apresentam-se, ainda, nesse ter-
leitor possa adquirir conhecimentos e buscar, ceiro capítulo, algumas experiências acumula-
por meio dos pressupostos legais que norteiam das, notadamente no que diz respeito às cam-
a gestão de recursos hídricos, os meios neces- panhas de regularização efetuadas.
sários para o uso racional e eficiente da água.
O quarto capítulo discorre sobre o cadastra-
O volume está organizado em cinco partes in- mento e a importância de se conhecer os usos
cluindo esta introdução. e os usuários de recursos hídricos de uma bacia
hidrográfica. São debatidas as metodologias de
O segundo capítulo descreve o que é direito cadastramento, as diretrizes de cadastro em fun-
de uso da água e o que é a outorga de direito de ção dos seus objetivos e das condições da bacia,
uso de recursos hídricos, superficiais e subter- entre vários aspectos considerados relevantes.
râneos. Apresenta breve histórico da aplicação No âmbito desse capítulo, foi enfatizada a estrei-
da outorga no País e enfatiza sua importância ta articulação do cadastro de usuários com os
como instrumento de regulação pública compa- instrumentos da Política de Recursos Hídricos.
tível com os objetivos estabelecidos nos planos Apresenta-se ainda o Cnarh e a sua concepção.
de recursos hídricos e respectivos enquadra-
mentos de corpos d’água. A coordenação da Nas considerações finais são apresentados
outorga com os demais instrumentos definidos os desafios para implementação coordenada
na Política de Recursos Hídricos, os aspectos dos diferentes instrumentos da política.
12
2
Imagens da ANA
OUTORGA DE DIREITO DE USO
DE RECURSOS HÍDRICOS
Segundo a Constituição Federal de 1988, a água é ou Distrito Federal) faculta ao outorgado (re-
um bem de domínio ou da União ou dos estados. querente) o direito de uso de recursos hídri-
A Lei nº 9.433/1997, conhecida como Lei das cos, por prazo determinado, nos termos e nas
Águas, estabelece, em seu artigo 1º, inciso I, que a condições expressas no respectivo ato. O ato
água é um bem de domínio público. Tais instrumen- administrativo é publicado no Diário Oficial da
tos legais configuram-se nos principais argumen- União (no caso da ANA), ou nos Diários Ofi-
tos que sustentam a implementação da chamada ciais dos Estados ou do Distrito Federal.
outorga de direito de uso de recursos hídricos.
A outorga de direito de uso de recursos hídricos
Isso significa dizer que, se um empreendedor deve ser solicitada por todos aqueles que usam,
necessita, por exemplo, de utilizar a água em um ou pretendem usar, os recursos hídricos, seja
processo produtivo, tem de solicitar a outorga ao para captação de águas, superficiais ou sub-
poder público, seja ele federal, seja estadual. terrâneas, seja para lançamento de efluentes,
seja para qualquer ação que interfira no regime
A outorga de direito de uso de recursos hídricos hídrico existente, além do uso de potenciais hi-
é o instrumento da Política de Recursos Hídri- drelétricos. No caso das águas subterrâneas, a
cos que tem os objetivos de assegurar: outorga deve ser emitida pelo poder público es-
• o controle quantitativo e qualitativo dos tadual ou do Distrito Federal.
usos da água; e
• o efetivo exercício dos direitos de acesso Não importa se o usuário já tem seu uso im-
à água. plantado ou não. A outorga deve ser obtida para
todos os usos de recursos hídricos. A exceção
A outorga é o ato administrativo mediante o é para algumas formas de uso da água que po-
qual o poder público outorgante (União, estado dem ser consideradas de pouca expressão, no
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2 OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
tocante à quantidade de água demandada fren- com a gestão ambiental. A Política Nacional de
te à disponibilidade existente no local. Nesses Recursos Hídricos (PNRH) apresenta, como dire-
casos, exclui-se a obrigatoriedade da outorga, triz geral de ação, a integração entre a gestão de
mas não a responsabilidade de computar os recursos hídricos e a gestão ambiental. Assim, os
usos e, portanto, de informar ao poder público instrumentos outorga e licenciamento ambiental,
federal ou estadual os valores utilizados. quando avaliados de forma articulada, contribuem
com essa integração, uma vez que permitem que
Essas informações repassadas ao poder público sejam avaliados os empreendimentos quanto ao
são preciosas para a correta gestão dos recursos seu aspecto ambiental e à disponibilidade hídrica
hídricos. O controle feito a partir das outorgas para as diversas fases do empreendimento (pla-
permite evitar conflitos entre usuários de recursos nejamento, implantação, operação e fechamento).
hídricos e assegurar o efetivo direito de acesso à Sobre essa temática – a articulação dos procedi-
água. Por isso, a outorga é valioso instrumento de mentos para obtenção da outorga com os procedi-
gestão e sua efetiva implementação depende do mentos do licenciamento ambiental –, o Conselho
compromisso de todo usuário. Nacional de Recursos Hídricos aprovou resolução
específica (Resolução nº 65/2006).
A definição da outorga e da respectiva vazão
outorgável (quantidade de água a ser disponibi- Entretanto, para que essa articulação seja efeti-
lizada para os diversos usos), para além de cri- vamente aplicada, é necessário que os sistemas
térios meramente hidrológicos, deve levar em de informações utilizados nos órgãos gestores de
conta as opções e as metas de desenvolvimen- meio ambiente e de recursos hídricos sejam inte-
to social e econômico que se pretende atingir, grados, com a troca constante de informações e,
considerando os múltiplos usos, a capacidade ainda, que as análises dos respectivos órgãos não
de suporte do ambiente e a busca do desen- gerem duplicidade de aspectos avaliados ou de es-
volvimento sustentável. tudos encaminhados por parte do empreendedor.
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OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
recursos hídricos com as políticas dos setores outorgante. As autorizações não necessitavam
usuários da água, visto que esses setores ne- passar pelo Presidente da República.
cessitam da outorga para desenvolvimento de
suas atividades. O Código de Águas tinha a previsão de deri-
vações de pouca expressão, afirmando que
A seguir, serão apresentados breve histórico da deveriam ser dispensadas de outorga sem, no
outorga no País, os tipos e finalidades de uso, a entanto, estabelecer critérios para tal dispensa.
quem devem ser solicitadas as autorizações e
quais os principais aspectos avaliados. As concessões ou autorizações para deriva-
ções que não se destinassem à produção de
energia hidrelétrica seriam outorgadas pela
2.1 União, pelos estados, pelo Distrito Federal ou
BREVE HISTÓRICO DA OUTORGA DE DIREITO DE USO DE pelos municípios, conforme o domínio das águas
RECURSOS HÍDRICOS ou a titularidade dos serviços públicos a que se
No Brasil, é no Código de Águas de 1934 que destinavam, considerando, à época, os dispo-
aparece a primeira menção à necessidade de sitivos do Código e as leis especiais sobre tais
obter uma autorização para usar a água. serviços. As concessões ou autorizações para o
uso da água destinado à produção de energia
O Código criou três categorias de propriedade seriam atribuições dos estados ou da União.
das águas (domínio): as públicas, subdivididas
em águas de uso comum e águas dominicais; Embora a Constituição Federal de 1946 tenha
as comuns; e as particulares. feito alterações quanto ao domínio das águas,
foi a Constituição de 1988 que trouxe elemen-
As águas públicas de uso comum são: os tos significativos para a atual gestão dos recur-
mares territoriais; as correntes, os canais, os sos hídricos no País. Ao longo desses anos, foi
lagos e as lagoas navegáveis ou flutuáveis; eliminada a figura da propriedade privada da
as fontes e os reservatórios públicos; as nas- água, assim como das águas municipais.
centes; os braços que influam na navegabi-
lidade das correntes públicas; as águas si- Pertencem à União os lagos, os rios e quaisquer
tuadas nas zonas periodicamente assoladas correntes de água em terrenos de seu domínio,
pelas secas. As águas públicas dominicais ou que banhem mais de um estado, sirvam de
são todas as águas situadas em terrenos limites com outros países, ou se estendam a
que também o sejam, quando elas não forem território estrangeiro ou dele provenham. São
de domínio público de uso comum ou não de propriedade dos estados e do Distrito Fede-
forem comuns. ral as águas superficiais ou subterrâneas, fluen-
tes, emergentes e em depósito, ressalvadas as
O Código de Águas estabeleceu que são par- decorrentes de obras da União.
ticulares as nascentes e todas as águas situa-
das em terrenos que também o sejam, quan- Em outras palavras, todo rio que banha ape-
do elas não estiverem classificadas entre as nas determinado estado, as águas subterrâne-
águas comuns de todos, as águas públicas ou as e as acumuladas por meio de reservatórios
as águas comuns. construídos com recursos do próprio estado,
municípios ou recursos privados são de domí-
No que se refere aos usos de recursos hídri- nio estadual. Vale ainda ressaltar e fortalecer
cos, eram autorizados por meio de concessões o entendimento de que as águas acumuladas
ou autorizações. As concessões eram outorga- por meio de reservatórios construídos com re-
das por meio de decreto do Presidente da Re- cursos federais, mesmo em um rio de domínio
pública, após encaminhamento pela entidade do estado, são de domínio da União.
15
2 OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
Em 1997, a Lei n° 9.433 (Lei das Águas) insti- gestão da água na bacia, ou seja, é o comitê
tuiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, quem define as prioridades de uso da água,
sendo a outorga de direitos de uso de recursos as metas de racionalização e a criação de
hídricos um dos seus instrumentos. áreas sujeitas à restrição de uso e, tais defini-
ções, devem ser utilizadas como condicionan-
tes para a análise das outorgas por parte das
2.2 entidades gestoras, seja dos estados, seja da
A OUTORGA E OS INSTRUMENTOS DA POLÍTICA DE da União. Assim sendo, a outorga é um instru-
RECURSOS HÍDRICOS mento de regulação pública, compatível com
A Lei das Águas instituiu outros quatro instru- os objetivos socialmente estabelecidos nos
mentos de gestão de recursos hídricos que es- planos de recursos hídricos.
tão relacionados diretamente à outorga.
Outro instrumento que pode condicionar a
Os planos de recursos hídricos são planos dire- análise das outorgas é o enquadramento dos
tores com a finalidade de fundamentar e orien- corpos d’água em classes, uma forma de clas-
tar a implementação da política de recursos hí- sificar os corpos d’água conforme o uso pre-
dricos e seu gerenciamento. Em seu conteúdo ponderante. As principais finalidades desse
mínimo, devem constar as prioridades para instrumento são assegurar qualidade compatí-
outorga de direitos de uso de recursos hídri- vel com a sua destinação e reduzir custos de
cos, metas de racionalização e proposição de combate à poluição. O enquadramento é um
áreas sujeitas à restrição de uso. instrumento essencial à análise das outorgas
quanto aos aspectos de qualidade das águas,
Nesse sentido, vale ressaltar a importância como no caso do uso de corpos hídricos para a
dos comitês de bacia, pois a eles cabe, legal- diluição de efluentes.
mente, aprovar os planos de recursos hídricos
considerando a sua área de atuação. Uma Os efluentes lançados em determinado corpo
vez que o Plano de Recursos Hídricos é o d’água não podem piorar as condições da clas-
instrumento orientador na implementação da se determinada por meio do enquadramento.
gestão, conclui-se que os comitês são os res- Dessa forma, os empreendimentos, sejam pú-
ponsáveis pela definição das diretrizes para a blicos ou privados, devem utilizar tecnologias
Metas de racionalização: programação de cenários futuros com relação aos usos da água, nos quais
são definidos o horizonte de alcance, bem como as ações e os investimentos necessários para atingir
as metas de racionalização programadas.
Áreas sujeitas à restrição de uso: áreas de relevante interesse para a preservação dos recursos
hídricos, tais como nascentes, margens dos rios e lagos, áreas de recarga de aquíferos, as quais po-
dem estar restritas a alguns tipos ou restrição total de uso, com o objetivo de garantir as condições de
quantidade e qualidade dos recursos hídricos para a bacia como um todo.
16
OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
nos meios de produção que levem a melhoria cadastro e de outorgas adequados e abrangen-
ou, no mínimo, a manutenção da classe de tes, para que os usuários estejam efetivamente
uso estabelecida. regularizados e com seus usos corretos. Nesse
sentido, os usuários sujeitos à outorga serão co-
Cabe ao Comitê de Bacia selecionar a alterna- brados de forma apropriada, a partir do volume
tiva de enquadramento dos corpos d’água em de água que efetivamente estão autorizados a
sua área de influência. Esse enquadramento é utilizar (seja para captação, consumo ou dilui-
depois encaminhado para aprovação final pelo ção), que corresponde ao valor que faz parte de
Conselho de Recursos Hídricos. Ou seja, as di- seus atos de outorgas.
retrizes e os critérios principais para análise de
outorgas quanto aos aspectos de qualidade das O Sistema de Informações sobre Recursos
águas são estabelecidos pelo enquadramento, Hídricos também tem relação direta com a
definido pelo Comitê de Bacia e aprovado pelo outorga. Esse sistema deve armazenar, den-
Conselho de Recursos Hídricos. tre outras, todas as informações relevantes à
análise dos pedidos de outorga. Além disso,
A outorga também está relacionada com a co- deve conter informações sobre as demandas
brança pelo uso das águas, a partir do momen- autorizadas nas bacias hidrográficas do País,
to em que a Lei das Águas determina que os por meio das outorgas emitidas pelos órgãos
usos de recursos hídricos a serem cobrados gestores de recursos hídricos, bem como da-
são aqueles sujeitos à outorga. dos de oferta hídrica.
Sendo assim, para uma cobrança eficiente, A Figura 1 mostra a relação da outorga com os ou-
é muito importante que haja um sistema de tros instrumentos de gestão de recursos hídricos.
COBRANÇA OUTORGA
VEJA MAIS: os volumes 5, 7 e 8 tratam dos demais estão sujeitos à outorga. Dispõe, ainda, que
instrumentos de gestão das águas, quais sejam: o cabe ao Poder Executivo Federal, dos estados
plano de recursos hídricos e o enquadramento dos ou do Distrito Federal a emissão da outorga, por
corpos d’água em classes; a cobrança; e o sistema meio de entidades competentes para tal fim.
de informações sobre recursos hídricos.
Com a publicação da Lei n° 9.984, de 17 de ju-
2.3 lho de 2000, foi criada a ANA, como a entidade
responsável pela implementação da Política
ASPECTOS LEGAIS SOBRE A OUTORGA
Nacional de Recursos Hídricos.
A Política Nacional de Recursos Hídricos deter-
mina que todos os usos que alterarem a qua-
lidade, a quantidade e o regime existente nos Entre as atribuições da ANA, estabelecidas
corpos d’água, superficiais ou subterrâneos, nessa lei, está a de outorgar, por intermédio de
17
2 OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
Conceitos
1. As águas dos rios R2 e R4 são de domínio da União. P1
08
2. As águas dos rios R1, R3, e R5 são de domínio estadual.
3. Se o reservatório 1 (Res.1) for da União, as águas são Estado 1
da União; caso contrário, são estaduais. R1 Res.1 R2
4. A água do poço P1 é de domínio estadual. 01
R4
02 04
Competências R3
1. As outorgas 02, 06, 07 e 08 são estaduais.
2. As outorgas 03, 04, e 05 são federais. 06
3. A outorga 01 será federal se o reservatório 1 for da União.
Estado 2 Res.2 03
R4
R5
Estado 3 05
Legenda
Limite entre estados 07
Hidrografia R4
Limite da bacia hidrográfica
Poço
Reservatório
18
OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
Um dos fundamentos da Política Nacional de Mesmo para os usos de pouca expressão é im-
Recursos Hídricos determina que a gestão da portante que o usuário cadastre essas vazões
água deve ser descentralizada. A delegação por no órgão competente. Esse tema será discutido
parte da ANA da emissão de outorgas de águas no capítulo 4 que aborda o cadastro de usuários.
de domínio da União para os estados e Distrito
Federal corrobora esse fundamento. Entretanto,
vale ressaltar que esse procedimento de delega-
ção deve ser utilizado com bastante precaução e USOS QUE INDEPENDEM DE OUTORGA
com avaliação criteriosa, uma vez que a ANA não Compete aos Comitês de Bacia Hidrográfica
se exime da responsabilidade referente aos atos propor aos Conselhos de Recursos Hídricos os
de outorga, como em casos em que o descumpri- usos que não necessitam ser outorgados. En-
mento de regras gere ações na justiça. quanto não houver essa definição, as entidades
públicas outorgantes podem definir, de acordo
Portanto, para que, de fato, se implemente a com o domínio do corpo hídrico, os usos que
descentralização da gestão da água em todo não serão sujeitos à outorga. Entretanto, vale
o país, é necessário que haja o fortalecimen- a pena reforçar que esses usos devem ser ca-
to dos órgãos gestores estaduais. A grande dastrados junto à autoridade outorgante.
diversidade de níveis de estruturação dos ór-
gãos gestores de recursos hídricos brasileiros
dificulta sobremaneira a delegação da emissão
de outorgas, principalmente em bacias interes- Para o caso de corpos hídricos de domínio da
taduais que envolvam vários estados. União, a ANA definiu, por meio de Resolução ANA
nº 707/2004, que não estão sujeitos à outorga:
• serviços de limpeza e conservação de
Poucos atos de delegação de outorga foram
margens, incluindo dragagem, desde que
emitidos até o momento. Nas bacias dos rios
não alterem o regime de vazões, a quanti-
Piracicaba, Capivari e Jundiaí, a ANA delegou a
dade ou a qualidade do corpo hídrico;
competência aos estados de Minas Gerais e São
• obras de travessia (pontes, dutos, pas-
Paulo para emitir as outorgas de águas de domí-
sagens molhadas etc.) de corpos hídri-
nio da União. Outra delegação de competência já
emitida trata do estado do Ceará. Nesse caso, a cos que não interfiram no regime de va-
ANA delegou a competência para a emissão das zões, quantidade ou qualidade do corpo
outorgas para captações voltadas para abasteci- hídrico, cujo cadastramento deve ser
mento público em todo o estado e para todas as acompanhado de atestado da Capitania
finalidades nas bacias dos Rios Poti e Longá. Es- dos Portos quanto aos aspectos de com-
tão em análise pedidos de delegação para os es- patibilidade com a navegação; e
tados do Pará, Paraíba, Rio de Janeiro e Sergipe. • vazões de captação máximas instantâneas
inferiores a 1,0 L/s, quando não houver de-
liberação diferente do Conselho Nacional
A Lei das Águas estabelece os usos que inde-
de Recursos Hídricos (CNRH).
pendem de outorga, mas que devem ser devi-
damente informados ao poder público. São eles:
• o uso de recursos hídricos para a satisfação Há exceções com relação ao último caso, por
das necessidades de pequenos núcleos po- exemplo, nas bacias dos rios Piracicaba, Capi-
pulacionais, distribuídos no meio rural; vari e Jundiaí, o comitê propôs e o CNRH apro-
• as derivações, as captações e os lança- vou, por intermédio da Resolução nº 52, que
mentos considerados de pouca expres- todas as derivações, captações, lançamentos e
são (em relação a quantidade captada e acumulações são considerados significantes.
o volume existente no local); e
• as acumulações de volumes de água Para a Bacia do Rio São Francisco, o Comitê propôs
consideradas de pouca expressão. e o CNRH aprovou por intermédio da Resolução
19
2 OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
nº 113, de 10 de junho de 2010, o valor de 4,0 L/s A legislação de recursos hídricos define que a outor-
para isenção da obrigatoriedade de outorga. ga poderá ser suspensa parcial ou totalmente, em
definitivo ou por prazo determinado, em tais casos:
A legislação de recursos hídricos apresenta critérios • descumprimento dos termos da outorga
importantes que devem ser considerados em todas pelo outorgado;
as análises de outorgas realizadas, tais como: • ausência de uso por três anos consecutivos;
• as prioridades de uso estabelecidas nos • necessidade de água para atender a situa-
Planos de Recursos Hídricos (obrigato- ções de calamidade, incluindo aquelas re-
riedade prevista na Lei nº 9.433/1997); sultantes de situações climáticas adversas;
• o respeito à classe em que o corpo • necessidade de prevenir ou reverter gra-
d’água estiver enquadrado; ve degradação ambiental;
• a manutenção de condições adequadas ao • necessidade de atendimento a usos prio-
transporte aquaviário, quando for o caso; e ritários (consumo humano e desseden-
• a relevância da preservação do uso múl- tação de animais), de interesse coletivo,
tiplo dos recursos hídricos. Isso significa quando não se possui fontes alternativas;
que não deve ser comprometida a dispo- • indeferimento ou cassação da licença
nibilidade hídrica de uma bacia com ape- ambiental; e
nas um usuário ou um setor usuário, em • necessidade de manutenção da navega-
situações em que haja diversos setores bilidade do corpo d’água.
com interesses de uso.
O prazo máximo legal de vigência das outor-
Para o caso de grupos de usuários organizados gas segundo a Lei das Águas é de 35 anos,
em uma instituição legalmente formalizada, é pos- podendo ser renovada. Entretanto, essa de-
sível a emissão de uma única outorga, que deve finição da vigência de cada ato de outorga
representar o volume de água necessário para as deve ser avaliada caso a caso. No que se
atividades produtivas dos usuários desse grupo. refere às outorgas em águas de domínio da
União, o empreendedor tem o prazo de até
A outorga coletiva ou outorga em lote também dois anos para iniciar a implantação do proje-
pode ser utilizada em casos como campanhas to e até seis anos para conclusão de sua im-
de regularização de usos, quando a autoridade plantação, após a data de publicação do ato
outorgante emite um único ato administrativo, de outorga. Alguns estados têm prazos máxi-
listando todos os usuários outorgados naquela mos de vigência das outorgas menores que o
campanha na bacia, discriminando a vigência da Lei das Águas. Como exemplo, podemos
da outorga de cada um dos empreendimentos. citar os casos do Ceará, da Paraíba e do Rio
Outra forma de outorga coletiva possível se dá a Grande do Sul, em que o prazo máximo de
partir de uma alocação negociada da água, em vigência da outorga é de 10 anos1.
que um grupo de usuários se compromete a utili-
zar uma vazão máxima, definida no processo de Até o momento, tratou-se da outorga de direito de
negociação. Nesse caso, a outorga tem um pra- uso. Mas existem outros tipos de outorga em cor-
zo comum de vigência, e os percentuais de água pos d’água de domínio na União, nos estados e no
alocados para cada um dos usuários que com- Distrito Federal: a outorga preventiva e a Declara-
põe o grupo pode ser renegociado anualmente. ção da Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH).
20
OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
A outorga preventiva, como o próprio nome in- sítio eletrônico (www.ana.gov.br) e o Diário Oficial
dica, destina-se a reservar determinada vazão da União, dos Estados e do Distrito Federal.
passível de ser outorgada, possibilitando, dessa
forma, melhores estudos e planejamento mais
detalhado para implantação de empreendimen- 2.4
tos por parte dos setores usuários. No intuito de A OUTORGA PARA AS DIVERSAS FINALIDADES DE USO
assegurar a disponibilidade hídrica, esse tipo de A outorga é a garantia de água para todos os usos,
outorga deve ser emitida nos casos de grandes sendo, portanto, obrigatória. Essa obrigatoriedade
empreendimentos que demandem consideráveis é necessária para que o poder público possa, efe-
períodos de tempo para realização de estudos. tivamente, assegurar o controle, tanto quantita-
tivo como qualitativo dos usos da água, e para
Nos estados e no Distrito Federal, há procedimen- que o usuário tenha a autorização de direito de
tos e nomenclaturas distintos, uma vez que vários acesso à água para as finalidades desejadas.
não dispõem da figura da outorga preventiva, mas
possuem a outorga prévia, a outorga de implanta- Alguns usos são concorrentes entre si, em ou-
ção, a anuência prévia, a carta consulta, que têm tros casos não existe a concorrência. Cada tipo
objetivos semelhantes à outorga preventiva. de uso tem suas características próprias na uti-
lização da água e todos estão sujeitos à outor-
Para aproveitamentos hidrelétricos, há o ato de ga pelo poder público.
Declaração de Reserva de Disponibilidade
Hídrica (DRDH). Trata-se de um documento, Conforme está disposto na Lei Federal nº
solicitado pela Agência Nacional de Energia 9.433/1997, dependem de outorga:
Elétrica (Aneel) à entidade outorgante, confor- • derivação ou captação de parcela da
me o domínio do corpo hídrico em questão, que água existente em um corpo d’água para
consiste em garantir a disponibilidade hídrica consumo final, inclusive abastecimento
requerida para aproveitamento hidrelétrico, com público, ou insumo de processo produtivo;
potência instalada superior a 1 MW. Essa decla- • extração de água de aquífero subter-
ração é, depois, automaticamente transformada rânea para consumo final ou insumo de
em outorga de direito de uso de recursos hídri- processo produtivo;
cos para empresas ou instituições que recebe- • lançamento em corpo d’água de esgotos
rem autorização ou concessão da Aneel para e demais resíduos líquidos ou gasosos,
uso do potencial de energia hidráulica. tratados ou não, com o fim de sua dilui-
ção, transporte ou disposição final;
A DRDH é fundamental para o planejamento do se- • aproveitamento dos potenciais hidrelé-
tor elétrico, pois os empreendimentos para geração tricos; e
de energia hidrelétrica necessitam de muitos anos • outros usos que alterem o regime, a quan-
para a sua implantação, desde a etapa do planeja- tidade ou a qualidade da água existente
mento propriamente dito, das licenças ambientais, em um corpo d’água.
até a instalação e efetivo início da operação.
Vejamos cada um desses usos.
A ANA é responsável por tornar pública as solicita-
ções de outorga em corpos d’água de domínio da
2.4.1
União, bem como os atos administrativos decor-
rentes. Portanto, são publicados todos os pedidos
RETIRADA DE ÁGUA SUPERFICIAL PARA CONSUMO,
de outorga e seus atos resultantes, seja a autori- INCLUSIVE ABASTECIMENTO PÚBLICO, OU INSUMO DE
zação ou o indeferimento do processo, seja sua PROCESSO PRODUTIVO
suspensão ou revogação. Para dar essa publici- A outorga para captação de águas superficiais
dade, a ANA utiliza os recursos da internet em seu pode ser aplicada de duas formas principais.
21
2 OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
As vazões de referência utilizadas, segundo Cardoso da Silva e Monteiro (2004), são as vazões mí-
nimas, de forma a caracterizar uma condição de alta garantia de água no manancial. A partir dessa
condição, são realizados os cálculos de alocação da água, de modo que, quando essas vazões mínimas
ocorram, os usuários ou os usos prioritários mantenham, de certa forma, suas retiradas de água.
As vazões mínimas aplicadas como referência são vazões de elevada permanência no tempo, cal-
culadas de forma estatística.
As vazões de permanência no tempo mais utilizadas são as vazões Q90 ou Q95 (veja explicação
a seguir).
A definição da vazão de referência a ser aplicada depende da garantia de atendimento que se deseja
considerar para os usos a serem instalados em determinada bacia. Se os usos exigem maior garantia,
deve-se optar por vazões mais conservadoras, como a Q95 e a Q7,10.
Após a definição das vazões de referência, deve ser determinado o percentual máximo a ser alocado
para a divisão entre os diversos usos da bacia. A determinação desse percentual deve ser realizada
Continua...
22
OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
Continuação
em função da possibilidade de atendimento aos diversos usos na bacia e das vazões mínimas rema-
nescentes que se deseja manter nos cursos d’água.
Dessa forma, quando o poder público analisa uma solicitação de outorga de um dado usuário, con-
siderando uma captação a fio d’água em cursos d’água superficiais, ele deve considerar a vazão
solicitada para o empreendimento frente ao percentual definido como outorgável em relação à vazão
de referência adotada.
Q90 é a vazão determinada a partir das observações em um posto fluviométrico em certo período
de tempo, em que em 90% daquele período as vazões foram iguais ou superiores a ela. Em outras
palavras, pode-se aceitar que existe um nível de 90% de garantia de que naquela seção do curso
d’água as vazões sejam maiores do que o Q90. Diz-se que a Q90 é a vazão com 90% de permanência
no tempo, podendo ser extrapolado para outras seções do curso d’água, com base na área da bacia
hidrográfica contribuinte e nas quantidades de chuvas da região.
Q95 tem o mesmo significado que a Q90, entretanto a garantia corresponde a 95% do tempo de observação.
Isso significa que a vazão em determinado corpo d’água é igual ou superior àquele valor em 95% do
tempo. Por exemplo, se a Q95 de determinado rio é 10 m³/s, isso significa que durante aproximada-
mente 347 dias ao ano, ou seja, 95% dos dias, a vazão naquele rio é maior ou igual a 10 m³/s. Se
considerarmos Q90, o tempo de permanência da vazão cai de 347 (95%) para 329 (90%) dias ao ano,
assim o valor da vazão de referência aumenta, pois a garantia de permanência daquela vazão diminui.
Q7,10 é a menor vazão média consecutiva de sete dias que ocorreria com um período de retorno de
uma vez em cada 10 anos. O cálculo da Q7,10 é probabilístico, enquanto os da Q90 e da Q95 decorrem
de uma análise de frequências.
O segundo grupo de outorgas para captação O estado do Ceará é um dos pioneiros no estabe-
de águas trata de reservatórios para a regula- lecimento de outorgas em rios intermitentes. Nes-
rização de vazões. Nesse caso, a vazão outor- se caso, as outorgas são avaliadas em função de
gável é aquela regularizada, mas que permite, uma vazão de referência, que é definida e calcu-
ao mesmo tempo, a manutenção de vazões lada tomando por base a regularização proporcio-
mínimas a jusante do reservatório para atendi- nada pelo reservatório. Porém, como os rios que
mento a demandas ambientais e de outros usos afluem aos reservatórios são intermitentes, pode-
antrópicos porventura existentes. -se considerar que ao final do período chuvoso,
os volumes acumulados são aqueles que podem
No caso de captações em reservatórios, o obje- ser divididos ou alocados entre todos os usuários
tivo principal é dividir a vazão regularizada para durante o período seco subsequente.
os usuários existentes ou previstos em seu en-
torno. Esse procedimento pode ocorrer para Sendo assim, todos os anos, ao final das chuvas,
rios intermitentes ou perenes. é avaliado o volume acumulado no reservatório
23
2 OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
24
OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
25
2 OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
ÁGUAS SUBTERRÂNEAS
E ÁGUAS MINERAIS
Apesar de as águas subterrâneas serem de domínio estadual, sendo as outorgas solicitadas aos estados
e ao Distrito Federal, é relevante a participação da União em estudos de aquíferos estratégicos, que per-
passem as divisas de estados ou as fronteiras do País, como o Aquífero Guarani.
Outro aspecto relevante refere-se às águas minerais. Essas águas, apesar de serem subterrâneas, têm sua
gestão realizada pelo Código de Águas Minerais e pelo Código de Mineração; sendo tratadas como recursos
minerais (sujeitas à lavra) e não como recursos hídricos (sujeitos à outorga). O Departamento Nacional de
Produção Mineral (DNPM) é quem autoriza utilização de água mineral.
Para a integração entre a gestão de recursos hídricos e a gestão de recursos minerais, foi editada a Resolução
nº 29, de 11 de dezembro de 2002, do CNRH. Essa resolução estabelece os procedimentos para compartilha-
mento de informações e compatibilização de procedimentos e tomadas de decisão.
2.4.3
LANÇAMENTO EM CORPO D’ÁGUA DE ESGOTOS E DEMAIS
RESÍDUOS LÍQUIDOS OU GASOSOS, COM O FIM DE SUA
DILUIÇÃO, TRANSPORTE OU DISPOSIÇÃO FINAL
O enquadramento é o instrumento da legislação
de recursos hídricos que tem como principal obje-
tivo assegurar às águas qualidade compatível com
os usos mais exigentes a que forem destinadas e,
essa mesma legislação, dispõe como uso sujeito
à outorga o lançamento de efluentes em corpos
d’água. O uso da água para diluição está direta-
mente ligado ao enquadramento. Tratando desse
uso, é importante o comentário inicial sobre o ter-
mo lançamento de efluentes. Na figura 7, há um Figura 7 – Efluente lançado em um curso d’água. Foto: Ricardo Koch /
exemplo de uma fonte de lançamento de efluentes. Banco de Imagens da ANA.
26
OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
A outorga não deve autorizar o lançamento de do mesmo poluente – gerará uma mistura com
efluentes, mas sim, o uso da água para fins de vazão e concentração que podem ser calcula-
diluição dos efluentes, respeitando o enquadra- das pela equação de mistura. A Figura 8 de-
mento do corpo d’água. monstra essa mistura.
Assim, a outorga para esse fim deve avaliar a No processo de outorga para diluição de
disponibilidade hídrica, ou seja, a quantidade efluentes, a ANA avalia os parâmetros relativos
de água necessária à diluição dos efluentes, à temperatura, à Demanda Bioquímica de
conforme parâmetros considerados outorgá- Oxigênio (DBO) e, em locais sujeitos à eutro-
veis, de forma a não alterar a classe de enqua- fização (tais como lagos e açudes), o fósforo
dramento do corpo d’água receptor. e o nitrogênio. A temperatura e a DBO são pa-
râmetros muito utilizados na caracterização de
Uma metodologia para essa análise é apresen- efluentes, além de serem de fácil medição, so-
tada por Cardoso da Silva e Monteiro (2004) e bretudo a temperatura. A avaliação de fósforo e
Cardoso da Silva (2007) e consiste na utiliza- nitrogênio faz-se necessária nos casos citados,
ção do balanço de massa, com base na equa- visto que esses elementos servem de nutrien-
ção de mistura. Ou seja, o lançamento de um tes para plantas aquáticas, devendo ser rigoro-
efluente – com determinada vazão e concen- samente avaliados para que não provoquem o
tração de poluente em um curso d’água com crescimento excessivo de algas e prejudiquem
sua vazão mínima e a concentração natural a qualidade da água do corpo receptor.
+ =
Q= vazão
C= concentração do poluente
Figura 8 – Mistura do efluente lançado com o curso de água em sua situação natural. Fonte: Cardoso da Silva (2007).
27
2 OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
No primeiro momento, a Aneel solicita à ANA Quadro 1 – Comparação entre PCH e UHE
ou ao órgão gestor estadual a DRDH, seja para
Pequenas Centrais Usina
uma pequena central hidrelétrica (PCH) seja Hidrelétricas (PCH) Hidrelétrica (UHE)
para uma grande usina (UHE).
Potência 1-30 MW Potência superior
Área inferior a 3 km2 a 30 MW
Após a obtenção da DRDH, a Aneel licita ou au-
Autorização Concessão
toriza o aproveitamento do potencial hidrelétri-
co, dando uma autorização no caso das PCHs
e uma concessão no caso de usinas hidrelétri- Posteriormente, a DRDH deve ser transforma-
cas (Figura 9). As PCHs tratam dos aproveita- da, automaticamente, por solicitação da Aneel,
mentos com potência entre 1 MW e 30 MW e em outorga para a empresa que receber sua
área de reservatório inferior a 3 km². As usinas autorização ou concessão. As outorgas têm vi-
hidrelétricas referem-se aos aproveitamentos gência coincidente com o respectivo prazo de
com potência superior a 30 MW (Quadro 1). autorização ou concessão.
Figura 9 – Usina hidrelétrica. Foto: Anna Paola Bubel / Banco de Imagens da ANA.
28
OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
2.4.5
OUTROS USOS QUE ALTEREM O REGIME, A QUANTIDADE OU A
QUALIDADE DA ÁGUA EXISTENTE EM UM CORPO D’ÁGUA
Para garantir o uso múltiplo e o direito de
acesso à água e assegurar o controle quan-
titativo e qualitativo dos usos, são considera-
dos sujeitos à outorga quaisquer outros usos
que alterem o regime, a quantidade ou a qua-
lidade da água existente.
29
2 OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
30
OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
quali-quantitativo, com séries históricas consis- acordo com os termos da outorga, inclusive em
tentes, de forma a permitir o cálculo da quan- períodos de escassez hídrica.
tidade de água disponível com alto grau de
certeza; conhecimento da demanda por água, Os critérios adotados pelas instituições ou-
não só em termos quantitativos, mas também torgantes permitem constatar que as vazões
os tipos de usos preponderantes, pois depen- de referência utilizadas para avaliação dos pe-
dendo das características dos usos, pode ser didos de outorga, bem como os percentuais
necessária maior garantia do acesso à água; considerados outorgáveis, são bastante di-
existência de instrumentos regradores dos versificados no País. Esse fato representa
usos das águas na bacia, tais como enquadra- um importante desafio para a articulação
mento, áreas de restrição de uso e prioridades entre os órgãos gestores, na prática da ges-
para outorga. Todas essas informações devem tão compartilhada de bacias hidrográficas.
ser consideradas na determinação dos critérios O Quadro 2 indica os critérios adotados por
para emissão das outorgas, pois estas devem alguns órgãos para a outorga de captações
garantir o acesso da água aos usuários, de de águas superficiais.
70% da Q95 podendo variar em função das peculia- Não existe, em função das peculiarida-
ANA
ridades de cada região. Até 20% para cada usuário des do país, podendo variar o critério
Inema-BA 80% da Q90. Até 20% para cada usuário Decreto Estadual nº 6.296/1997
Apac-PE Depende do risco que o requerente pode assumir Não existe legislação específica
Semar-PI 80% da Q95 (rios) e 80% da Q90reg (açudes) Não existe legislação específica
Semarh-SE 100% da Q90. Até 30% da Q90 para cada usuário Não existe legislação específica
75% Q90 por bacia. Até 25% da Q90 para cada Decreto estadual aprovado pela
Naturatins-TO usuário. Para barragens de regularização, 75% Câmara de outorga do Conselho
da vazão de referência adotada Estadual de Recursos Hídricos
Fonte: Ana (2007)
31
2 OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
Estudos da ANA (2007) ressaltam que os es- social e econômico que se pretende atingir, con-
tados do semiárido emitem outorgas até limi- siderando a capacidade de suporte do ambiente.
tes de percentuais superiores em relação a
estados situados em áreas de maior disponi- A diversidade de critérios também passa pela de-
bilidade hídrica, como Minas Gerais, Paraná finição quanto aos valores relativos aos usos de
e São Paulo. pouca expressão, como pode ser visto no Qua-
dro 3. Esses valores foram considerados como
De acordo com os estudos do Geo Brasil (2007), referências iniciais, mas é preciso que sejam fei-
a definição da vazão outorgável, para além de tos estudos para avaliar a pertinência compatível
critérios meramente hidrológicos, deve consi- com os principais usos e a disponibilidade dos
derar as opções e metas de desenvolvimento recursos hídricos das bacias de cada região.
Sema-RS Média mensal até 2,0 m /dia (águas subterrâneas) Decreto Estadual nº 42047/2002
32
OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
Há grande variação entre os estados brasilei- entrada com os pedidos de outorga e a lista dos
ros com relação ao instrumento outorga. Como documentos e os estudos específicos.
fazer, então, quando uma bacia é composta por
território de mais de um estado? Como fica a O acompanhamento dos pedidos de outorga
gestão da água por bacia, um dos fundamen- protocolados na ANA pode ser feito pelo site,
tos da Política Nacional de Recursos Hídricos? acessando “biblioteca”, “centro de documenta-
Faz-se necessária a existência de mecanismos ção” e o “protocolo geral”. A pesquisa pode ser
que contribuam para a harmonização de crité- feita pelo nome do requerente, pelo número do
rios e integração dos entes envolvidos com a documento ou pelo número do processo. O in-
gestão da água na bacia. Esse é um dos prin- teressado também pode entrar em contato por
cipais desafios da PNRH. telefones ou e-mail. A solicitação de outorga na
ANA é gratuita, bem como a sua publicação.
33
2 OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
Foto: Registro de água em comunidade de Águas Vermelhas - MG /
Eraldo Peres do / Banco de Imagens da ANA
34
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
3
35
3 A FISCALIZAÇÃO DO USO DE RECURSOS HÍDRICOS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
36
OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
vez que não há fiscais dos órgãos gestores du- por meio de ofícios, e-mails, ou mesmo
rante todo o tempo em todos os pontos de in- demandas de outras entidades. Nesse
terferências em recursos hídricos. A sociedade caso, a vistoria realizada é pontual e di-
pode ter um papel atuante por meio da apre- reta ao usuário denunciado, com vista à
sentação de denúncias responsáveis, relatando verificação da denúncia e, se pertinente,
à autoridade outorgante as infrações às normas a aplicação das sanções cabíveis, tendo
de uso dos recursos hídricos vigentes. em vista a regularização do uso.
• Fiscalização sistemática – atividade
considerada proativa e planejada, pois
É importante que a denúncia seja redigida de
visa à regularização de usos de uma
forma clara e contenha informações precisas so-
bacia ou de um setor usuário. Nesse
bre o fato denunciado, especialmente o local da
sentido, é definida a bacia hidrográfica
suposta irregularidade para que a equipe de fis-
que será alvo da ação de fiscalização,
calização tenha condições de encontrá-lo. A au-
a fim de decidir sobre a estratégia a
sência de dados pode impossibilitar ou retardar
ser utilizada. Essa estratégia tem ca-
o atendimento da denúncia.
ráter preventivo e educativo, visando
a atingir maior número de usuários
ainda não regularizados, prevenindo
A denúncia à ANA pode ser feita pelo Correio à: possíveis conflitos futuros pelo uso da
Agência Nacional de Águas – ANA água, ou repressivo, buscando a re-
Setor Policial, área 5, quadra 3, blocos “B”, “L” e “M”. gularização dos usuários irregulares e
Brasília-DF, CEP: 70610-200 coibindo as práticas de mau uso dos
ou por e-mail gefis@ana.gov.br. recursos hídricos.
2 Para informações complementares sobre as legislações referentes à fiscalização de recursos hídricos no País, recomenda-se consultar:
ANA (2009) Legislação de recursos hídricos no Brasil com foco na fiscalização dos usos. Brasília, 117p.
37
3 A FISCALIZAÇÃO DO USO DE RECURSOS HÍDRICOS
Foto: Reservatório de água em Amélia Rodrigues -BA / Eraldo Peres /
Banco de Imagens da ANA
38
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
4
39
4 CADASTRO DE USUÁRIOS DE RECURSOS HÍDRICOS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
da metodologia a ser aplicada. O primeiro passo obter informações da maior parte dos usu-
é definir se o cadastro envolverá todos os usu- ários. Esse tipo de cadastro é mais fácil de
ários de recursos hídricos, ou seja, um cadastro ser implementado em bacias pequenas com
censitário, ou apenas os usuários significativos um número reduzido e facilidade de acesso
para a gestão da bacia, cadastro não censitário. aos usuários. Em geral, são contratados ca-
A segunda decisão importante é quem será o pro- dastradores que irão visitar todas as proprie-
tagonista no preenchimento das informações no dades que fazem uso da água no intuito de
cadastro: usuários, técnicos ou ambos. Vamos registrar as informações no cadastro. A des-
discutir as vantagens e os limites de cada decisão. vantagem dessa metodologia é o alto custo
por usuário cadastrado, além disso, sempre
O cadastro censitário tem como principal ca- demandará grande esforço para a atualiza-
racterística a abrangência, com objetivo de ção dos dados.
Esse cadastro foi utilizado no balanço hídrico da bacia, definindo-se uma metodologia de previsão de vazões,
que permitisse antever a necessidade de racionamento de usos a cada ano, preservando a captação para abas-
tecimento público e minimizando os conflitos entre usuários. O cadastro foi a base para a regularização dos usos
com a emissão de outorgas e certificados de regularização.
No caso da escolha de um cadastro não censi- A segunda forma de cadastro não censitário é
tário há, pelo menos, duas formas distintas de considerada uma estratégia mista, pois o pro-
preenchimento das informações. cesso inicia com a declaração feita pelo usu-
ário no escritório ou pela internet e, posterior-
A primeira forma é a declaratória ou autode- mente, as informações são complementadas
claratória, na qual o preenchimento das infor- em visita a campo. Assim, aquilo que o usuário
mações é feita pelos usuários. Para tanto são desconhecia de informações podem ser regis-
montados ou utilizados escritórios em diversas tradas posteriormente em campo por técnicos
áreas da bacia, assim, o usuário é quem vai ao treinados para tal.
escritório para fornecer suas informações de
uso da água. Há situações em que o cadastro é De toda forma, é relevante afirmar que a exe-
realizado apenas pela internet, com a utilização cução de qualquer atividade de cadastramen-
de sistemas ou bancos de dados em que são to de usuários deve ter a cooperação e a ação
inseridas as informações via rede. A vantagem conjunta entre a ANA e os órgãos gestores
principal desse cadastro é o custo mais baixo, estaduais, seja por intermédio de campanhas
uma vez que não demanda a visita aos usuários de regularização, seja por outra metodologia
em campo. Entretanto, requer forte processo de de cadastro. É extremamente importante a
divulgação do cadastro, além disso, os usuários articulação dessas entidades gestoras, princi-
podem não ter conhecimento de algumas infor- palmente no caso de bacias compartilhadas,
mações técnicas sobre o uso da água. com corpos d’água de domínios da União,
40
OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
dos estados e do Distrito Federal, pois com possível obter um cadastro mais abrangente,
a soma de esforços dos órgãos gestores é que retrate de fato os usos na bacia.
Diante desse quadro, a ANA fez um esforço conjunto com os estados de MG e BA para que, de forma articulada,
fosse possível retomar a liberação do pedido de outorga na região. Para tanto, verificou-se a necessidade de
atualizar o cadastro de usuários de águas superficiais da bacia.
Dessa forma, de dezembro de 2003 a março de 2004, com base no cadastro iniciado pela antiga Secretaria
de Recursos Hídricos do MMA e com apoio da Ruralminas, foi realizada a campanha de recadastramento
de usuários. Foram montados quatro escritórios técnicos com equipes itinerantes espalhados pela bacia,
com o objetivo de receber os dados dos usuários convocados durante a campanha. Uma equipe técnica foi
designada para complementar o cadastro, coletando diretamente as informações dos usuários que não com-
pareceram aos escritórios técnicos. O cadastro foi a base para a regularização dos usos com a emissão de
outorgas e certificados de regularização.
A campanha de regularização de usos desenvolvida na bacia foi baseada em convocação pública e no auto-
cadastramento dos usuários. O cadastramento declaratório-obrigatório por parte dos usuários atuou como um
requerimento de outorga. Esse processo contou com um sistema que permitiu o autocadastramento de cerca de
4.500 usuários, dos quais 81% fizeram suas declarações diretamente via internet.
O cadastro de usuários nessa bacia foi eficiente, ainda, para iniciar o processo de cobrança pelo uso da água,
uma vez que buscou as informações reais dos usos existentes.
41
4 CADASTRO DE USUÁRIOS DE RECURSOS HÍDRICOS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
O objetivo principal do Cnarh é permitir o co- Vale destacar que o registro no Cnarh é efetua-
nhecimento do universo dos usuários das do tendo em vista o empreendimento de forma
águas superficiais (de todos os domínios) e integrada e não apenas o ponto de coleta da
subterrâneas em determinada área, bacia ou água ou de despejo de efluente. Tal estratégia
em âmbito nacional. é fundamental para ter uma visão de todo o
empreendimento. Na Figura 13, observa-se, de
O conteúdo do Cnarh inclui informações so- forma esquemática, um empreendimento inte-
bre: vazões utilizadas; locais de captação; grado de usuário de recursos hídricos.
PONTOS DE PONTOS DE
PC 1 PC 2 PC 3 PC 4 CAPTAÇÃO
LANÇAMENTO
Empreendimento Integrado
Rio 3
Estadual PL 1
Caracterização Administrativa
O Cnarh está inserido como o módulo de Ca- Como o Cnarh é um módulo de cadastro que
dastramento do Subsistema de Regulação do funciona em uma plataforma on-line e é autode-
Snirh. O Subsistema de Regulação, que con- claratório, o próprio usuário acessa a sua decla-
tém os módulos de cadastro, outorga, fiscaliza- ração (cadastro) pela internet e mantém os seus
ção, cobrança e arrecadação, tem sido pensa- dados atualizados, retificando-os quando neces-
do e desenvolvido de maneira que permita um sário. Mas vale lembrar que as declarações reti-
alto grau de automatização dos procedimentos ficadoras só passam a ter efeitos práticos sobre
e das análises e mantenha uma interface e fun- o cadastro do usuário após serem homologadas
cionamento simples. (aprovadas) pelo gestor de recursos hídricos.
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OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
Todos os dados internalizados no Cnarh pas- daquelas interferências que não ocorrerem di-
sam por séries de análises automáticas de con- retamente em corpo hídrico (captação em rede
sistência, tanto no preenchimento, quanto na pública ou privada, lançamento em rede de es-
análise e na aprovação das declarações pelo gotos ou fossa séptica etc.).
gestor de recursos hídricos, e, só depois dis-
so, o empreendimento passa a ter um número A Resolução ANA nº 317, de 26 de agosto de
Cnarh. Estas análises comparam os dados in- 2003, instituiu o Cnarh para registro obrigatório
formados no sistema com uma série de parâ- de pessoas físicas ou jurídicas usuárias de re-
metros técnicos aceitáveis para o tipo de uso cursos hídricos.
em questão, apenas permitindo a finalização de
declarações que tenham elevado grau de con-
Para se cadastrar, o usuário deve acessar <http://
fiabilidade nos dados (consistentes).
cnarh.ana.gov.br> e, em seguida, clicar no link
“Acesse o Cnarh”. Uma vez na página do sis-
Alguns estados implantaram ou estão implan- tema, o usuário deverá fazer o cadastro a partir
tando seus sistemas de cadastro próprio. As- do link “Novo usuário”. O sistema pedirá alguns
sim, a ANA desenvolveu ferramentas que permi- dados de identificação (nome completo, CPF e e-
tem a integração das bases de dados estaduais mail para contato), em caso de dúvidas, clique no
com o Cnarh. A implementação do Cnarh está botão “Instruções de operação”. Após o registro,
sendo realizada de forma progressiva priorizan- o usuário recebe uma senha automaticamente
do as bacias que apresentam conflitos pelo uso no e-mail cadastrado. Nos próximos acessos ao
das águas, além daquelas consideradas priori- sistema, o usuário deverá informar sua identifica-
tárias pela ANA. ção, CPF e a senha recebida via e-mail.
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4 CADASTRO DE USUÁRIOS DE RECURSOS HÍDRICOS
Foto: Adutora no Cariri - PB / Eraldo Peres / Banco de Imagens da ANA
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CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
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Rio Olho d’Água em Bonito-MS / Ricardo Koch
/ Banco de Imagens da ANA
REFERÊNCIA
ANA. Diagnóstico da outorga de direito de uso ______. Nota Técnica n° 158/2005/SOC. Va-
de recursos hídricos no Brasil. Caderno de Re- zões ecológicas. Agência Nacional de Águas.
cursos Hídricos. Volume 4. Agência Nacional Brasília. 2005.
de Águas. Disponível em: <www.ana.gov.br>.
Brasília. 2007. 168 p. ______. Glossário de termos hidrológicos.
Versão 2.01. Meio digital. Disponível em: <www.
______. Programa das Nações Unidas para o ana.gov.br>. 2002.
Meio Ambiente. GEO Brasil: recursos hídricos:
componente da série de relatórios sobre o es- CARDOSO DA SILVA, L. M.; NOLETO, F. A.; Ri-
tado e perspectivas do meio ambiente no Bra- beiro, M. O. Alocação negociada de Água do
sil. Ministério do Meio Ambiente. Brasília : MMA; Açude Cocorobó. In: VIII SIMPÓSIO DE RE-
ANA, 2007. 264 p. CURSOS HÍDRICOS DO NORDESTE. Gravatá,
Pernambuco. 2006.
______. Nota Técnica n° 364/2007/GEOUT/
SOF-ANA. Revisão da Resolução ANA nº CARDOSO DA SILVA, L. M. Cobrança pelo uso
707/2004, que dispõe sobre procedimentos dos recursos hídricos para diluição de efluen-
de análise técnica e administrativa de pedi- tes. In: XVII SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RE-
dos de outorga. Agência Nacional de Águas. CURSOS HÍDRICOS. Anais eletrônicos...
Brasília. 2007. São Paulo. 2007.
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BIBLIOGRAFIA
Foto: Preparo da terra para cultivo em Alegrete-RS / Ricardo Koch
/ Banco de Imagens da ANA
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CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
Foto: Barco em Trancoso-BA / Ricardo Koch
/ Banco de Imagens da ANA
GLOSSÁRIO
Açude – lago ou reservatório formado pelo Calado – profundidade mínima de água ne-
barramento de um curso d’água. cessária para a embarcação flutuar3.
Afluente (ou tributário) – curso d’água que Capacidade de suporte – níveis de utiliza-
desemboca em curso maior ou em lago. ção dos recursos hídricos, garantindo os usos
múltiplos e o respeito aos padrões de qualida-
Água bruta – é a água retirada do rio, lago ou de da água.
lençol subterrâneo, possuindo determinadas
características para o consumo. Curva-chave – é a curva que indica a rela-
ção entre cota e vazão para um dado curso
Aquífero – formação permeável com capaci- d’água. O gráfico é desenvolvido a partir de
dade de armazenar quantidades apreciáveis inúmeros dados históricos e tem como obje-
de água³. tivo facilitar a determinação da vazão a partir
de um nível de água medido.
Assoreamento – processo de elevação do fun-
do do rio, lago ou reservatório por deposição Delegação – ato de delegar, transmitir poderes4.
dos sedimentos, trazidos do trecho a montante.
Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) –
Balanço hídrico – balanço de entradas e saídas é a medida da quantidade de oxigênio con-
de água no interior de uma região hidrológica sumida para biodegradar, em um período de
bem definida (uma bacia, um lago etc.), levando cinco dias, a uma temperatura de 20º C, o ma-
em conta as variações efetivas de acumulação. terial orgânico presente no meio.
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GLOSSÁRIO
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 6
Derivação de água – é toda retirada de água, Hidrologia – é a ciência que trata das águas
proveniente de qualquer corpo hídrico, ou da Terra, sua ocorrência, circulação e distri-
seja, é toda água desviada do seu curso natu- buição, suas propriedades físicas e químicas
ral destinada a um uso como o abastecimento e suas reações com o meio ambiente, incluin-
doméstico, irrigação, industrial, entre outros. do suas relações com a vida.
Dessedentação de animais – água utilizada Jusante – parte do curso d’água oposta à nas-
para saciar a sede de animais. cente, no sentido da foz; sentido rio abaixo3.
Efluente – água residual que flui de um reser- Macrodrenagem – é responsável pela dre-
vatório ou de uma estação de tratamento3. nagem de vazões mais significativas, prove-
nientes de áreas de drenagem maiores, ou
Enquadramento de corpos d’água em clas- seja, sub-bacias com superfície da ordem de
ses, segundo os usos preponderantes da alguns hectares a alguns km . (Exemplos de
água – é um dos instrumentos de gestão de re- sistemas de macrodrenagem: as galerias plu-
cursos hídricos que visa ao estabelecimento do viais, os cursos d’água canalizados ou não, os
nível de qualidade (classe) a ser alcançado e/ou bueiros, as pontes etc.).
mantido em um segmento de corpo d’água ao
longo do tempo. Tem o objetivo de assegurar às Montante – em direção à cabeceira de um rio;
águas qualidade compatível com os usos mais sentido rio acima3.
exigentes a que forem destinadas, bem como
diminuir os custos de combate à poluição das Perene – que dura muitos anos, incessante,
águas mediante ações preventivas permanentes. ininterrupto3; rio que não seca naturalmente.
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