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Um Oceano Entre os Dois

Mariah Evans
Sinopse

Beatriz Ibáñez cursa doutorado em História da Espanha


do século XVIII, nas Bahamas. Em uma de suas travessias,
junto com seu tutor, se vêem surpreendidos por uma
estranha tormenta. Beatriz consegue sobreviver e chega a
uma ilha. Ali, encontra um grupo de homens dirigido por
Duncan, a quem pede ajuda. Depois de pensar que são
traficantes tenta fugir, e é, finalmente, capturada. Sua
surpresa é enorme ao se dar conta de que viajou para o
passado, e de que é prisioneira de piratas ingleses, inimigos
do Império espanhol.
Depois de ser resgatada pelos franceses, aliados do
Império, Bastian a acolhe em seu navio, que não só
transportam tecidos e manufaturas, mas também escravos.
Enquanto Beatriz os ajuda e tenta procurar uma tormenta
para conseguir retornar à sua época, Bastian se apaixona por
ela. Esta plácida calma se vê interrompida quando os piratas
ingleses, os mesmos que a capturaram na ilha, fazem-na de
novo sua prisioneira.
Viva uma romântica história e descubra um segredo que
lhe transportará até o século XVIII, onde a luta pela
conquista das Bahamas será o estopim de um amor, que
perdurará além dos tempos.
Esta novela está dedicada com todo meu carinho a
Sandra Martínez Grisalho.
Faz muito tempo que nos conhecemos e compartilhamos
muitas coisas juntas: experiências, risadas, conversações em
horas inoportunas… Encontrei em você uma magnífica
pessoa e amiga. Espero poder desfrutar sempre desta
cumplicidade com você. Muito obrigada por compartilhar este
sonho comigo e me dar apoio em todos os momentos.

Um forte abraço.
Mariah
Prólogo

Nova Iorque, ano 2020

William Davis subiu com dedos trêmulos os óculos,


enquanto tentava acalmar seu pulso, sua respiração.
Observou a sua entrevistadora se sentar a seu lado, com
aquele sorriso encantador e juvenil.
Uma das maquiadoras se aproximou dele e voltou a lhe
passar uma toalha, úmida, por seu rosto, tentando
dissimular os brilhos que o suor lhe produzia, provocado pelo
calor daqueles focos com os quais o iluminavam.
Observou suas mãos enrugadas pelo transcurso dos
anos. Contemplou as manchas que foram surgindo em sua
pele e olhou sua entrevistadora com um resquício de
preocupação em seu rosto.
― William, tranquilize-se, ― sussurrou, precavendo-se
de seu olhar, lhe agarrando a mão delicadamente. ― Tudo vai
sair bem, não se preocupe. ― Depois, olhou para um de seus
ajudantes. ― Por favor, traga um pouco de água.
Não sabia se o que faria estava correto, mas estava há
muito tempo ocultando, muito tempo calado. Era hora de que
todos soubessem.
Agora já não se importava com o que pensassem dele, o
que dissessem depois de escutar seu testemunho, de explicar
tudo o que havia guardado em segredo durante quinze longos
anos. Era hora de que o mundo soubesse a verdade.
Em seus oitenta anos podia se permitir o privilégio de
fazer o que ia fazer.
― Sophia, entramos direto em dois minutos, ―
pronunciou o câmera.
Ela se sentou corretamente, ainda com aquele tenro
sorriso, agarrando a mão de William, que não se atrevia a
olhar diretamente para as câmaras, para aquelas pessoas que
foram àquele set de televisão para escutar o que ele diria,
sentados em um pequeno degrau justamente diante deles.
― Fique tranquilo, William ― voltou a insistir. ― Se em
algum momento ficar sem saber o que dizer eu irei intervir.
Ele voltou a aceitar enquanto tentava elevar o olhar para
os focos de luz, que o iluminavam, quase cegando-o. Levou a
mão à gravata e em um gesto involuntário desfez um pouco o
nó.
― Está com calor?
― Um pouco ― sussurrou.
― Por favor ― comentou Sophia, ― deem mais potência
ao ar condicionado.
William a olhou com um sorriso tímido. Agarrou a pasta
que havia trazido para o set e abriu-a, observando os
documentos que estavam em seu interior. A mulher o olhou
intrigado, como se quisesse ver o que havia em seu interior,
mas William voltou a fechá-la e assinalou com um movimento
de seu rosto, para a pequena mesa de cristal que estava
diante do sofá de couro branco no qual estavam sentados.
― Posso deixá-la aqui?
― Sim, claro.
― Obrigado.
Outro dos ajudantes se aproximou para a revisão de
última hora dos pequenos microfones que haviam pendurado
em seu peito e uma vez comprovados, saiu correndo.
― Entramos direto em três, dois, a gente… ― pronunciou
o câmera enquanto a música começava a invadir o set.
William olhou de um lado para outro nervoso, engolindo
saliva e segurando as duas mãos, notando como tremiam.
― Boa tarde a todos. Bem-vindos às tardes da Sophia ―
comentou dirigindo-se para a câmera, com um agradável
sorriso. ― Como anunciamos toda a semana, hoje contamos
com a companhia do distinto professor William Davis, Doutor
em História e professor da Universidade de Nassau, nas
Bahamas.
William elevou levemente sua mão, interrompendo-a.
― Bom, eu… não exerço há cinco anos, quando me
aposentei ― apontou com um sorriso fazendo com que Sophia
lhe correspondesse com outro.
― É verdade ― respondeu divertida enquanto voltava o
olhar para ele, centrando toda a atenção em seu convidado. ―
Bem-vindo. É um prazer contar com você hoje. ― Depois,
marcou mais seu sorriso. ― Já está a cinco anos, desfrutando
de sua aposentadoria, não é verdade?
― Sim é.
― E durante mais de vinte anos foi professor de História
na Universidade de Columbia, e posteriormente decidiu
mudar-se às Bahamas, especificamente, para Nassau, onde
foi renomado reitor da Faculdade de História durante dez
anos.
― Sim.
― Por que decidiu se instalar ali?
― Minha mulher é de Nassau ― pronunciou
meigamente. ― Decidimos que já havíamos vivido bastante
em uma cidade grande e queríamos calma para os dois. Por
isso nos mudamos para lá.
Sophia confirmou, dando-lhe a entender que ele estava
se saindo muito bem, como se tentasse acalmá-lo.
― Bem ― disse ficando um pouco mais séria. ― Todos
recordamos aquele fatídico acontecimento que ocorreu faz já
vinte anos. ― William ficou tenso e, de novo, notou como as
mãos começavam a tremer. ― Como era Beatriz Ibáñez?
Ele sorriu diretamente, notando que seus olhos se
embaçavam.
― Era uma garota encantadora ― disse aflito. ― Naquele
momento mostraram muitas fotografias suas, suponho que
todos se recordam dela: uma garota magra, de cabelo
castanho e enormes olhos cor mel, com um sorriso
extremamente terno. Era muito agradável, divertida… como
boa espanhola sempre estava de bom humor.
Sophia voltou a afirmar mais séria.
― Todos recordam seu desaparecimento. Sua fotografia
percorreu o mundo inteiro. Hoje, justamente hoje, faz vinte
anos que faleceu. Essa é a causa pela qual, hoje, temos o
prazer de poder falar com você? Suponho que ainda lhe é
muito difícil falar disso.
William ficou pensativo durante alguns segundos,
observando a pasta que havia trazido para o set e que
continha àqueles documentos desgastados pelo transcurso do
tempo.
Engoliu a saliva e tentou modular sua voz.
― Sim, ainda me é difícil falar disso. Confesso-lhe que
demorei anos para voltar a conciliar o sono ― pronunciou
sem olhar a câmara, fixando seu olhar na pasta. ― E sim,
hoje faz justamente vinte anos que ela partiu.
― Você foi à última pessoa que a viu com vida, certo?
― Sim.
― Por que, depois de vinte anos, você, um considerado
professor de História, decide conceder uma entrevista aos
meios de comunicação? Por que não o fez antes?
William voltou a tomar ar, meditando cada uma das
perguntas.
― Porque, agora, em meus oitenta anos, já não me
importa o que pensem de mim. Sei que a maioria das pessoas
que estão vendo o programa neste momento pensará o que
faz ele na televisão? Beatriz desapareceu faz vinte anos.
Morreu. Por que vinte anos depois, volta a trazer este tema à
tona? É um oportunista. ― Logo sorriu de uma forma
delicada para a entrevistadora. ― Veja, durante muitos anos
caí em uma profunda depressão. Embora o juiz houvesse
decretado a morte de Beatriz eu não deixei de procurá-la, era
algo que me consumia por dentro. ― Notou como seus olhos
se umedeceram e finalmente olhou de volta para a câmera. ―
Poucos anos depois tudo fez sentido e, agora, necessito que
todos conheçam a verdade.
― A verdade sobre o quê? ― perguntou a entrevistadora,
realmente interessada.
― A verdade sobre o que ocorreu com Beatriz Ibáñez.
20 Anos antes
Nassau, Bahamas. Ano 2000

Beatriz apoiou, contra a parede, a bicicleta com a que


havia chegado, vinda de seu pequeno apartamento localizado
no centro da cidade perto da Universidade de Nassau.
Fazia quase dois meses que chegara a Nassau. Instalou-
se naquela calorosa cidade e começara redigir sua tese.
Em seus vinte e seis anos, era licenciada em história
pela Universidade de Salamanca, com um mestrado
universitário em estudos avançados e investigação em
história, sociedades, poderes e identidades e agora, estava a
ponto de terminar seu doutorado sobre A Espanha do Século
XVIII. Seu doutorado se apoiou no estudo do Império
espanhol, no comércio de escravos, em como tudo isso havia
influenciado na Guerra de Sucessão Espanhola e o sistema
do Utrecht; na mudança drástica que se deu nesse século, e
as reformas internas que se realizaram na política borbônica
que se aplicou. E que melhor lugar que as Bahamas para
acabar seu doutorado?
Essa zona foi a chave naquele período, onde os
espanhóis junto a seus aliados franceses lutavam pela
conquista daquelas novas terras, para expandir-se mais e
conquistar aquele novo mundo. Havia lhe atraído desde
pequena e, agora, estava a ponto de se converter em uma
qualificada doutora em história.
Havia solicitado o ingresso e, graças a seu imponente
currículo e à fluidez dos idiomas que falava, haviam
concedido.
Ali poderia visitar lugares concretos, museus e inclusive
ver algum navio afundado em um naufrágio. Graças aos
museus e à documentação que datava daquela época, poderia
fazer uma tese brilhante e, certamente, conseguir aquele
lugar, tão ansiado, como professora de história na
Universidade de Salamanca.
Entrou na universidade, sentindo aquele intenso calor.
Ao menos, enquanto o sol não continuasse roçando sua pele
seria mais suportável.
O professor William Davis era seu mentor ali. Se de algo
podia estar agradecida é que, além disso, possuía um dos
melhores historiadores a seu lado, um homem que havia
lecionado história na Universidade de Columbia durante vinte
anos, e que agora, fazia pouco mais de dois anos, era o reitor
da Universidade de Nassau. Não poderia ter tido um tutor
melhor que esse. William era um verdadeiro encanto.
Pouco depois de saber que lhe haviam concedido a bolsa
de estudos, recebeu um e-mail dele, dizendo que se
encarregaria de tudo para sua chegada, inclusive lhe pediu
informação sobre sua tese para começar a adiantar trabalho
e ajudá-la. Não era somente isso, jantara com ele e sua
esposa, uma infinidade de vezes naqueles dois últimos meses,
inclusive dormiu em sua casa.
― Se enrolou nos lençóis? ― perguntou William com um
sorriso enquanto lhe estendia uma boa xícara de café.
Beatriz forçou um sorriso, enquanto depositava a pasta
sobre a mesa e agarrava o café que ele oferecia, realmente
agradecida.
― Este calor é horrível ― disse a contra gosto. ―Não
consigo dormir de noite.
― Tudo é questão de se acostumar ― pronunciou,
sentando-se a seu lado. ― Bem ― disse sem mais demora, ―
preparou o que lhe pedi ontem?
Beatriz abriu a pasta e retirou alguns documentos.
― Aqui estão ― explicou enquanto lhe mostrava o mapa.
― Estive olhando as cartas navais tal e como me disse, e
acredito que tracei a rota que os navios espanhóis faziam,
entre as ilhas, para comercializar com os escravos.
William observou o mapa atentamente.
― É interessante. Incluiu os franceses também?
― Não, somente os espanhóis. Pensei em fazer outro
mapa com as rotas francesas.
Ele a olhou de esguelha.
― Pode ser que sejam as mesmas. Não se esqueça, eram
aliados.
― Sim, mas o governo era diferente ― pronunciou
divertida. ― Pode ser que tivessem outras diretrizes. Tenho
que conseguir as cartas de navegação de algum casco de
navio francês ― pronunciou pensativa.
William sorriu ante a emoção que a voz dela transmitia.
Depois de vários segundos a observando, adotou uma
posição despreocupada.
― Tenho uma surpresa para você.
Ela se voltou para olhá-lo com uma sobrancelha
arqueada.
― Não serão quatro livros de mais de oitocentas páginas,
não é? ― brincou. ― Porque de verdade que lhe agradeço isso,
mas…
Ele negou divertido pelo comentário.
― Richard Ericksen ― sussurrou.
Ela abriu os olhos de forma exagerada e ficou de pé,
imediatamente.
― Richard Ericksen? ― gritou. William a olhava muito
sorridente. ―Mas o que houve! ― continuou nervosa.
― Aceitou vê-la.
Beatriz levou suas mãos para sua boca, totalmente
impressionada.
Richard Ericksen, um dos historiadores mais
prestigiosos do mundo especializado na época da colonização
espanhola e de como isto afetou os índios da América, aceitou
uma entrevista com ela?
― Deus! Sério? ― continuava totalmente incrédula. ― De
verdade? Não brinque com isso ― lhe ameaçou.
― Sabe que eu jamais brincaria… ― riu William ao ver o
entusiasmo da moça.
Beatriz deu alguns saltos e diretamente se abraçou a
ele. Sabia que conseguira reunir-se com ele, era graças a
William. Obviamente, o Doutor Richard Ericksen não
aceitaria a visita de uma estudante, embora fosse uma futura
doutoranda. Supôs que ele devia ter despendido um grande
esforço.
― Obrigada, obrigada, obrigada…
William riu e se afastou dela.
― Poderá lhe perguntar tudo o que desejar.
― Meu Deus ― dizia fascinada ― Na universidade vão
enlouquecer!
― Suponho que ele poderá dar uma olhada à rota que
você elaborou e contrastá-la com as suas.
― É… é impressionante. Muitíssimo obrigada ―
pronunciou sentando-se de novo, tentando se acalmar. ―
Quando estaremos com ele?
William voltou a sorrir, embora desta vez de uma forma
enigmática, o que fez com que ela voltasse a olhá-lo, um
pouco contrariada.
― William? Quando?
― Hoje, convidou-nos para jantar em sua casa.
― O quê? ― voltou a se levantar inquieta.
― Que nos convidou para jantar hoje em sua casa ―
repetiu divertido. Beatriz parecia estar em êxtase. ― Agora
está veraneando aqui, em Exuma, tem uma bonita casa nos
Recifes. Chegaremos lá as sete.
― Às sete? ― continuava totalmente impressionada.
― Sim, então as seis você tem que estar em minha casa.
Demoraremos uns quarenta minutos para chegar com La
Gioconda ― disse feliz, embora aquelas últimas palavras
fizessem com que Beatriz enrugasse o nariz.
La Gioconda, uma bonita lancha de madeira que
sulcava aquelas cristalinas água a grande velocidade. A
primeira vez que a vira ficou totalmente impressionada. Era
uma lancha de linhas elegantes. La Riva Aquarama, tal e
como William lhe havia explicado. Era original da Itália, a
primeira delas, construída pelo carpinteiro Pietro Riva, em
um estaleiro familiar em mil oitocentos e quarenta e dois.
William a comprou de segunda mão, de um italiano,
pelo módico preço de pouco mais de trezentos mil euros. Um
luxo que obviamente podia se permitir e com o qual se
divertia, sempre que tinha oportunidade.
Com um comprimento de um navio de pouco mais de
oito metros, uma capacidade para oito pessoas e dois
assentos de couro branco, aquela beleza náutica destacava-se
sobre aquelas águas turquesa e cristalinas.
― Pode alcançar os oitenta quilômetros! ― dissera
William totalmente orgulhoso, como se falasse de um filho.
Beatriz afastou o cabelo de seus olhos, enquanto a brisa
marinha o movia de um lado para o outro. O certo é que
navegar por aquela zona era incrível. Saiu com ele e sua
esposa várias vezes e sempre ficou fascinada pela beleza do
lugar.
― Deveria ter pedido a sua esposa que viesse ― ela
pronunciou elevando, um pouco a voz para que a escutasse.
― É um convite, Beatriz. Além disso, sabe que não gosta
destes temas. Prefere ficar em casa ― explicou com desgosto.
― Uma lástima ― respondeu, observando as águas
cristalinas e como ao longe começavam a vislumbrar os
recifes.
Exuma era distrito das Bahamas que constava de mais
de trezentas e cinquenta ilhas ou recifes. O maior destes,
chamado Grande Exuma, com uns sessenta quilômetros de
longitude.
O lugar era impressionante, entre as águas cristalinas
se podiam contemplar as praias de areia branca.
Não demoraram mais de cinquenta minutos para divisar
a amarração para onde dirigiram a lancha.
Um homem de cor, de meia idade, correu para eles,
ajudando-os através de um gancho a agarrar as cordas que
William lhe lançava.
A amarração estava um metro acima da água,então ela
precisava da ajuda de William para se levantar. Deslocou-se
até uma pequena praia de areia branca e alguns metros mais
à frente, as palmeiras invadiam o pequeno recife.
Beatriz caminhou a seu lado. Colocara um vestido
branco que ressaltava o bronzeado que conseguira depois de
dois meses ali.
Estava nervosa, muito. Desde que William lhe anunciou
o convite naquela manhã, não deixou de imaginar quais as
perguntas que lhe faria. Não queria parecer muito ansiosa,
nem tensa… mas, tampouco, queria perder a oportunidade,
assim, colocou em um pequeno arquivo, um resumo de sua
tese, os mapas que havia elaborado as conclusões que
chegara e, como não, um documento que havia elaborado e
listado, com todas as perguntas que lhe ocorreram e que
pudessem ser de seu interesse.
Só esperava que fosse tão atento e amistoso quanto
William.
― William Davis ― pronunciou Richard com um enorme
sorriso, estendendo os braços para ele, que estava na frente
de uma formosa moradia tipo colonial ― Velho amigo!
William começou a rir enquanto estreitava-o em um
efusivo abraço.
― Richard, apresento-lhe Beatriz Ibáñez, a jovem
promessa espanhola em História.
Ela sorriu um pouco tímida.
― Prazer em conhecê-la, Beatriz ― pronunciou Richard
enquanto estreitava sua mão. ― William fala maravilhas de
você. ― Beatriz sorriu enquanto olhava de esguelha para seu
tutor, que sorria amavelmente, sem se importar com aquele
comentário.
― O prazer é meu ― ela sussurrou intimidada por
encontrar-se diante de tal personalidade.
― Bem, pois vamos, lhes mostrarei a casa. ― Convidou-
lhes enquanto passava um braço por cima dos ombros de
William. ― Logo poderemos jantar na sacada e falar sobre sua
tese.
2

A moradia era impressionante. Ele mostrou o primeiro


andar e depois foram à pequena sacada onde lhes serviram
uma bebida fria.
O jardim que havia na parte dos fundos, era tropical, as
palmeiras invadiam tudo e um par de cães corria entre elas,
brincando.
Quando o sol se pôs, acenderam algumas pequenas
lâmpadas e tochas pelo jardim, iluminando tudo.
Richard lhes ofereceu para degustar os pratos típicos da
área. A concha, um molusco típico da região, com forma de
caracol e que havia sido cozido acompanhado de salada,
como prato principal ensopado de peixe, com pescado fresco
e, cozido com linguiça, tomate, cebola e diferentes
especiarias, e um maravilhoso pão assado, feito com leite,
farinha, açúcar, sal e levedura. De sobremesa, um delicioso
bolo de coco.
Nesse momento, a única coisa que ela gostaria era
deitar-se sobre aquele manto verde de grama, repousar e ver
as estrelas, mas o tema era muito interessante, e ter a
oportunidade de desfrutar de dois historiadores como eles era
um privilégio que nunca mais teria na vida. Queria aproveitar
cada segundo que tivesse.
Richard voltou a sorrir enquanto desabotoava o primeiro
botão de sua camisa branca de algodão.
― Exuma foi colonizada em mil setecentos e oitenta e
três pelos norte-americanos que fugiam da Guerra da
Independência. Estes recifes não foram conquistados pelos
espanhóis ou pelos franceses.
― Pensava que a colonização havia abrangido toda
Bahamas ― pronunciou entusiasmada.
Richard negou.
― Não, embora como deva saber a maioria das ilhas e
recifes vizinhos às importantes ilhas como Nassau, ou a área
da cidade de Andros era usada pelos piratas para o tráfico de
álcool, ou, o tráfico ilegal de escravos. Sobretudo, piratas de
origem inglesa.
― Sim ― a confirmou. ― Mas esta parte não pertenceu a
nenhum bando, até a chegada dos americanos?
William sorriu intervindo na explicação.
― Os americanos expatriados criaram aqui, uma
plantação de algodão para melhorar a economia das ilhas,
mas como bem diz, meu fiel amigo, foi até essa época que
este território não pertencia a um país.
― Eram lugares escondidos, longe de qualquer
civilização e que eram utilizados para intercâmbios ilegais ―
repetiu Richard. ― O que chamamos de mercado negro,
daquela época, movia, inclusive, mais dinheiro que o mercado
legal. Embora seja verdade que a coroa espanhola respaldada
por seus aliados franceses contava com uma grande frota
para o transporte de escravos. Os ingleses, querendo minguar
a economia, assaltavam aqueles navios destruindo-os e
acabando com todos os marinheiros e com a mercadoria que
transportavam, fossem álcool, tecidos ou escravos.
Revendiam-na no mercado negro, nutrindo seu país com uma
economia bastante interessante. Onde acredita que eram
realizados esses intercâmbios ilegais? Como é óbvio, não
podiam fazê-los nas grandes ilhas, pois eram atacadas pela
coroa espanhola e seus aliados uma vez atrás da outra. Essas
ilhas eram o alvo do olhar da coroa espanhola, assim,
sabendo a quantidade de piratas e desertores que havia
nessas ilhas e levando em conta sua posição estratégica para
a Flórida, elas eram assaltadas sem descanso.
― Esses navios eram totalmente equipados, detonavam
seus canhões contra os fortes e as muralhas de ilhas como
Nassau, ― voltou a intervir William, ―, mas está claro que o
faziam, porque o casco de seus navios lhes permitia
aproximarem-se da costa, para bombardear.
― Não conseguiam chegar aqui ― continuou Richard. ―
Se tentassem se exporiam a ficar encalhados. De fato, muitos
naufragaram tentando chegar a estas ilhas.
― Apesar de tudo, navios espanhóis e franceses
naufragaram nestas águas. Seu plano de expansão, ainda
que sem respaldo, era muito mais tolerado que o inglês.
Beatriz sorriu e decidiu intervir.
― Sim, diferente dos ingleses, que não admitiam a
miscigenação por considerar outras raças que não fosse a
sua, como impuras, os espanhóis possuíam menos
preconceitos raciais, de fato, chegaram a fazer casamentos
entre as raças.
― Exato ― pronunciou William. Beatriz encolheu os
ombros.
― Suponho que o fato de que os espanhóis tiveram
séculos de convivência junto a árabes, judeus e cristãos na
Península Ibérica, os deixava mais tolerantes.
― E assim era ― pronunciou Richard lhe dando toda a
razão, mas logo sorriu sarcasticamente. ―Embora você não
possa ignorar o fato de que as mulheres espanholas sempre
foram muito escassas na América ― acabou rindo.
Sim, essa informação já era conhecida, ela sabia,
praticamente tudo sobre aquela época, mas escutar aquela
informação da mão daqueles dois grandes historiadores a
fazia dar-se conta do quanto era importante a história
daquele tempo.
― Mostre o mapa que fez com as rotas comerciais ― lhe
animou William.
Ela se remexeu nervosa, mas, finalmente aceitou. Abriu
a pasta e depositou o mapa sobre a mesa.
Richard se levantou e se estendeu levemente sobre ele,
observando com interesse.
― Está muito bom. Como bem expõe, a maior rota de
escravos era a do Senegal às Bahamas. ― Seguiu observando
e sorriu. ― Poderia acrescentar uma rota aqui. ― Assinalou
Portugal. ― De Portugal, também, saíam navios mercantes
com manufaturas do Senegal e Gambia. Muitas vezes usavam
os mesmos navios de escravos, para as manufaturas. Esses
eram os navios mais apreciados ― frisou divertido. ―Também
acrescentaria que das Bahamas havia uma rota para a
França e Inglaterra com a exportação de açúcar, café e
algodão. Convenhamos que traziam a mão de obra para cá,
para depois levar os benefícios.
― Sim, ainda preciso acabá-lo ― pronunciou ruborizada.
Richard aceitou com um sorriso.
― A área do vice-reino da Nova Espanha e o vice-reino
da Nova Granada é muito correta, muito precisa, sobretudo
traficavam ouro e prata. Muito cobiçados também, pelos
piratas ingleses ― informou.
Beatriz se aproximou um pouco mais do mapa e
observou.
― Pensei acrescentar, também, as que eram
exclusivamente francesas, as que saíam das colônias
britânicas e do Canadá.
― Algodão, tabaco e peles ― interveio William.
Beatriz sorriu para seu tutor e voltou a olhar o mapa.
― E pensei acrescentar a rota triangular da França,
Golfo da Guiné e as Bahamas.
― Vai precisar de um mapa maior ― brincou Richard. ―
Também pontos, para salientar até onde chegava o Império
espanhol, poderia acrescentar as rotas da Ásia. Sobretudo,
comercializavam com algodão, chá, seda e especiarias. Saíam
de Bombay, Goa, Madrás, Cantão e Batavia.
― Bom, queria me centrar unicamente nas Bahamas e
na América do Sul ― pronunciou timidamente.
― Faremos um anexo com as outras rotas ― interveio
William. ― Asseguro que será bem considerado pela banca
que vai apreciar sua tese.
Richard confirmou, de acordo com o que dizia seu amigo
William.
― Espere, tenho um mapa com todas as rotas no nível
mundial, que se deram no século dezoito ― comentou
enquanto entrava na moradia.
Beatriz ficou impressionada e olhou para William, com
os olhos muito abertos.
― Ele vai me entregar um mapa dele? ― perguntou.
William encolheu os ombros muito sorridente.
― Certamente vai lhe dar isso de presente.
― Ora ― sussurrou. ― Estou pensando em lhe dizer que
o assine na parte de trás ― brincou.
William sorriu ante aquele comentário e voltou a
observar o mapa dela.
― A verdade é que está fazendo um trabalho muito bom.
Amanhã podemos comparar os dados do mapa que vai nos
entregar com os que têm aqui e as cartas navais.
― Seria estupendo.
― Aqui está! ― pronunciou colocando o mapa sobre o
dela, ele o encobriu no momento, pois devia ser quatro vezes
maior que o seu, e nele estavam realçadas todas as rotas que
foram realizadas.
― Ora, é impressionante ― pronunciou observando-o.
Richard sorriu, a verdade é que gostava de poder
conversar com entendidos no tema e aquela moça, sem
dúvida, se converteria em uma grande historiadora.
― Procurarei algo para envolvê-lo.
Beatriz olhou com olhos arregalados para seu tutor.
― Está me dando isso? ― perguntou em um sussurro,
sem acreditar.
William encolheu de ombros.
― Tenho um quarto cheio de mapas deste estilo ―
brincou. ― Certamente eu tenho dez ou vinte iguais ―
explicou para diminuir a importância do ato.
Depois de uma hora mais de conversa e uma vez que era
noite fechada decidiram abandonar a moradia. Richard
ofereceu para que ficassem ali mas ambos declinaram sua
oferta, ao dia seguinte deviam madrugar para colocar mãos à
obra e William devia ministrar sua aula às nove da manhã
em ponto.
― Foi uma prazer conhecê-lo ― pronunciou Beatriz
enquanto estreitava sua mão.
― O prazer é meu. Espero que possamos nos ver logo em
algum congresso.
― Claro, eu adoraria ― disse com grande alegria
enquanto saltava à lancha de seu tutor.
Richard colocou uma mão no ombro de seu amigo e deu
uma palmada.
― E você… que não passe tanto tempo sem que voltemos
a nos ver. A próxima vez diga à sua mulher, que não mordo ―
brincou.
― Ora, mas falamos de História e, sinceramente, é um
suplício para ela ― pronunciou enquanto também saltava à
embarcação.
― A última vez ficou adormecida, não? ― perguntou
divertido Richard, ao que William estalou a língua e fez uma
careta graciosa para Beatriz.
― Só quando você falava você, amigo.
― Ora, que coisa!
A risada de Richard ficou amortecida pelo som do motor
de La Gioconda.
― Vão com cuidado ― pronunciou elevando uma mão a
modo de despedida. ― Cuidado com o Triângulo das
Bermudas ― brincou.
― Até logo. ― Beatriz despediu-se enquanto se sentava
no assento de couro segurando o grande tubo de plástico
onde guardara o mapa. ― E muito obrigado pelo mapa.
Richard esperou no cais até que se afastaram.
O clima continuava sendo bom. Ao atingir uma
velocidade, o ar era mais fresco, o que era agradável.
O mar calmo parecia um espelho onde se refletiam as
estrelas e a lua. Por sorte, La Gioconda possuía dois enormes
faróis dianteiros que lhes permitia ver muitos metros à frente.
― Foi fantástico ― disse Beatriz elevando um pouco o
tom. ― Por que não me disse que ele era seu amigo?
William rui.
― Era uma surpresa, mulher.
Ela riu divertida.
― E uma grande surpresa! Vão morrer de inveja na
Salamanca quando eu contar ― pronunciou com tom
aveludado. ―Deveria ter feito alguma fotografia com ele, não
acreditarão. ― William revirou os olhos. ― E levo um mapa de
lembrança! ― Brincou como uma fã que sustenta o pôster
assinado por seu ídolo.
― Guarde-o bem, dentro de dez anos em um leilão pode
valer muito dinheiro.
― Que tolice está dizendo! Penso em emoldurá-lo e
colocá-lo no apartamento.
― No apartamento? ― continuou com a brincadeira. ―
Melhor seria colocar um vaso com flores ou uma paisagem.
Ela se segurou no assento, quando William incrementou
um pouco a velocidade, segurando com força o mapa para
que não saísse voando.
― Isto é mais instrutivo.
Olhou à frente e observou a enorme lua cheia, no céu e
como refletia um caminho prateado sobre a água. Podia
encontrar cada uma das estrelas, do céu, naquele mar.
Durante alguns segundos a calma a embargou. Seu sonho
estava se tornando realidade, tudo estava indo bem, possuía
seus amigos na Espanha, seus pais que a apoiavam, seu
irmão dois anos mais velho que ela e que acabava de passar
em um concurso para juiz, conseguindo lugar no Tribunal da
Primeira Vara de Salamanca.
A vida lhe sorria, era plenamente feliz, e não só por ela,
mas também por todos os que a rodeavam.
― Ficará dormindo lá em casa? Não quero que vá
sozinha de bicicleta agora e não tenho vontade de dirigir.
Aquela pergunta fez que despertasse de seus
pensamentos.
― De acordo.
― Assim, amanhã vamos juntos à Universidade.
Ia concordar, novamente, quando o som de um trovão a
alertou.
― O que é isso? ― perguntou assustada. William reduziu
a velocidade ao máximo para que o som do motor não
amortecesse aquele estrondo. ― Parece um trovão ―
comentou observando o céu estrelado.
Uma corrente de ar veio de um lado fazendo-os observar
aquele lugar.
Notou como seu coração começava a palpitar
descontrolado enquanto o vento que surgiu do nada movia
seus cabelos para trás.
Na distância podia se ver alguns raios caindo em volta
do mar, mas aquilo era diferente de tudo o que vira até agora.
As espessas e negras nuvens que foram cobrindo o céu
pareciam surgir do nada, como se avançassem em volta
deles, enquanto os relâmpagos caim em volta do mar
iluminando tudo.
― Meu Deus ― sussurrou ela. ― William, o que é isso?
William parecia estar em estado de choque. Em todos os
anos que levava vivendo ali jamais vira algo igual.
Permaneceram observando aquela estranha tormenta,
vendo como a cada segundo que passava, o céu se iluminava
ao mesmo tempo em que uma luz cegante, causada pelos
relâmpagos, avançava para eles, com uma rapidez
sobrenatural.
Até que o som do trovão fez vibrar toda a lancha, ele não
saiu de seu atordoamento.
― Não sei ― gemeu assustado. ― Mas será melhor que
nos afastemos o quanto antes possível ― gritou.
Imediatamente, colocou a alavanca da velocidade ao máximo.
Beatriz introduziu o mapa no camarote interno,
atirando-o para dentro e se colocou ao lado de William,
assustada, sem afastar o olhar daquelas espessas nuvens
que cada vez mais, se aproximavam deles.
Teria proposto ir de marcha ré, voltar para a casa de
Richard, pois fazia poucos minutos que haviam abandonado
o lugar, mas aquelas nuvens lhes fechavam o caminho.
― Isto é normal? ― gritou fechando os olhos diante da
luminosidade do último raio.
William se virou para observar a tormenta. Avançava a
uma velocidade que distava muito de ser a de uma tormenta
normal.
― Jamais vi algo assim! ― gritou para ela. Nesse
momento a lancha saltou vários metros sobre uma onda
fazendo que os dois caíssem ao chão, ao se chocarem contra
o mar. ― Beatriz! ― gritou agarrando-a pelo braço e
levantando-a, novamente, tentando manter o equilíbrio, pois
o mar parecia ter se enfurecido de repente. Colocou-a seu
lado e insistiu a que ela se segurasse no corrimão, enquanto
ele voltava a colocar a potência máxima na lancha. ― Agarre
forte! ― Gritou enquanto outra onda os elevava para o céu.
Desta vez já estavam preparados para o impacto, assim,
nenhum dos dois caiu, mas custou bastante manter o
equilíbrio.
O vento cada vez era mais forte e as ondas começavam a
inclinar a lancha perigosamente.
― É um furacão? ― gritou Beatriz enquanto se segurava
com força.
― Não. Não sei o que é.
O vendaval esteve a ponto de atirá-los do barco. Beatriz
caiu sobre o assento com um golpe e William conseguiu
permanecer firme segurando-se ao leme.
― Está bem? ― gritou para ela assustado.
― Sim.
― Fique sentada! ― continuou gritando enquanto o som
do vento e o de outro trovão os envolvia. ― vamos sair daqui!
― gritou com determinação. Voltou a puxar a alavanca da
velocidade, ao máximo, mantendo o leme reto, tentando
esquivar as altas ondas que começavam a surgir, todas com
uma crista branca.
Mas o que estava acontecendo ali? Aquilo não era
normal. Beatriz olhou de um lado para outro, assustada,
observando como aquelas negras nuvens avançavam para
eles, descarregando enormes raios no mar.
A lancha se movia de um lado a outro fortemente. Teve
que segurar-se com todas as suas forças ao corrimão de
metal, tentando não cair pela amurada ante o enérgico
balanço.
― Não solte Beatriz.
Ela nem sequer possuía forças para falar. A única coisa
no qual se mantinha concentrada era em segurar-se o mais
forte possível naquela barra e em não ser puxada.
― Meu Deus ― escutou que William gritava, com um tom
de voz realmente apavorado.
Beatriz lançou seu olhar à frente. Uma onda de ao
menos cinco metros se dirigia para eles.
― William! ― gritou assustada, vendo aqueles raios
caírem cada vez mais perto.
― Terei que atravessá-la! Não se solte! Apesar de tudo
não se solte! ― gritou de novo, dirigindo-se para a onda a
toda velocidade. Sabia que se a onda rompesse na frente
deles faria derrubar a lancha.
Contemplou Beatriz, agarrada naquela barra de metal
com força e com o olhar cravado naquela onda.
― Conseguiremos ― disse William com toda a
determinação que pôde.
A lancha começou a se inclinar enquanto começavam a
subi-la e ela gritava assustada. O motor da lancha parecia
que ia explodir a qualquer momento.
― Vamos, vamos ― gritou William como se assim
pudesse ajudar à lancha a atravessar aquela onda.
Não foi assim. Sabia que faltava pouco para chegar, com
muita dificuldade meio metro, mas a lancha cedeu à água,
jogando-os para trás.
Beatriz sentiu-se cair, era como se tudo girasse ao seu
redor. Sabia que estava caindo, mas tudo se passava a uma
velocidade muito lenta. Pareceu-lhe uma eternidade até que o
impacto de suas costas contra o mar enfurecido lhe
arrebatasse o ar dos pulmões.
Pareceu que se elevavam alguns segundos sobre o mar e
depois este cedia com um forte impacto para se abrir e engoli-
la.
Durante alguns segundos o impacto foi tão brutal que
não conseguiu reagir, mas a falta de ar lhe fez recuperar as
forças e se dar conta de que se não saísse à superfície,
morreria afogada.
Deu várias voltas dentro daquela corrente, notando
como seus pulmões pareciam querer escapar de seu corpo
reclamando aquela baforada de ar tão ansiada.
Justamente quando acreditava que perderia a
consciência, saiu à superfície. Respirou uma baforada de ar,
enquanto um grito de desespero surgia do mais profundo de
seu ser.
O ar e a presença daquela estranha tormenta fazia que
as ondas ocultassem toda a visão do que estava à frente.
Cuspiu água enquanto lutava por manter-se flutuando e
para não ser arrastada pela corrente.
― William! ― gritou tentando dar uma braçada depois da
outra. Não via absolutamente nada, somente quando os
relâmpagos cada vez mais próximos iluminavam tudo
durante um breve segundo. ― William! ― gritou com todas
suas forças.
Nesse momento lhe pareceu ver, entre uma onda, a
lancha adernada. Começou a nadar naquela direção, mas lhe
era impossível.
― Beatriz! ― escutou a voz de William. ―Bea!
Ela girou sobre si mesma, tentando observar entre as
cristas brancas a silhueta de William.
― Não o vejo! William!
― La Gioconda! Vá para lá! Segure-se!
Com muita dificuldade conseguiu avançar um pouco,
sem que as ondas a deslocassem de um lado para outro.
Uma onda rompeu bem diante dela arrastando-a e
carregando-a de volta para dentro do mar. De novo, as
correntes arrastaram seu corpo em todas as direções,
descontroladamente.
A escuridão era tal que não sabia onde era acima e onde
era abaixo. Precisava sair à superfície, respirar. Começou a
mover-se desesperada até que conseguiu sair e flutuar de
novo.
― William! ― gritou desesperada, lutando para não ser
arrastada novamente para o fundo.
Então, um brilho de luz como jamais viu caiu diante
dela. Notou como a pele ardia, como a cegava, como,
inclusive a temperatura da água, nesse momento amena,
parecia subir vários graus.
Aquela luz foi tão penetrante que pensou que ficaria
cega. E justo quando a luz desapareceu e o trovão explodiu
em seus ouvidos, outra onda rompeu sobre ela, afundando-a
uma vez mais.
Não conseguia ver absolutamente nada. Aquela luz tão
brilhante, tão luminosa, a tinha cegado momentaneamente.
O som do trovão fazia com que em sua cabeça escutasse um
zumbido, enquanto seu corpo era miseravelmente tragado
pelas águas.
Ainda assim, conseguiu escutar os gritos de William ao
longe, entre o vento e a água, chegando até ela, embora cada
vez mais distante.
Soube nesse momento que morreria. Notou como seus
músculos relaxaram, rendiam-se. Deixou de lutar, de nada
serviria. Somente esperava que fosse rápido.
3

Estava em paz. Não havia ruído, nem dor, nada. Só


calma.
De repente ficou consciente de tudo. Estava se
afogando.
Começou a se mover, compulsivamente, consciente do
pouco ar que restava nos pulmões e da necessidade que
sentia nesse momento de sair para respirar.
Moveu-se desesperada até que conseguiu encontrar a
superfície. Respirou fundo, recuperando o fôlego, o oxigênio
que tanto ansiava. Quanto tempo havia permanecido sob a
água? Era como se estivesse adormecida. Certamente, ficara
inconsciente alguns segundos e o próprio corpo lhe fizera
reagir pela falta de ar.
Ficou totalmente parada.
A escuridão, aquele silêncio, aquela calma. Olhou de um
lado para o outro, assustada.
E a tormenta? Elevou seu olhar para o céu, onde
conseguiu divisar a enorme lua, as estrelas…
O mar estava calmo, como se se tratasse de um espelho.
O que estava acontecendo ali?
― William? ― perguntou em um sussurro, assustada
pela repentina calma.
Girou sobre si mesma, várias vezes tentando encontrá-
lo.
― William! ― gritou mais forte.
Não entendia nada. Mas o que tinha acontecido?
Algo chamou sua atenção, ao final, parecia que algo
flutuava, como uma silhueta, embora com a pouca luz que
havia não conseguia divisar corretamente o que era.
― William! ― gritou com todas suas forças nadando
naquela direção. Notou como seus músculos se tencionavam
ao máximo, sua respiração era agitada e seu coração pulsava
apressadamente, não era pelo esforço e sim pelo medo que
sentia naquele momento.
Ao chegar observou que se tratava de uma parte de
madeira e uma boia salva-vidas. Pegou a parte de madeira e a
reconheceu na hora. La Gioconda. Poderia reconhecer aquela
madeira em qualquer parte do mundo.
Agarrou-se a boia salva-vidas e gritou desesperada, o
nome de seu tutor até ficar afônica, mas nada,
absolutamente nada, nem um só som, nenhuma resposta.
Estava totalmente perdida. Uma lágrima começava a
escorrer por sua bochecha e o desespero começou a invadir
seu corpo, sua mente.
Devia pensar com clareza. Mas o que pensar? Há poucos
minutos se encontrava na moradia de Richard, jantando
junto a ele, depois, pegaram a lancha para voltar para casa,
pouco depois foram surpreendidos por uma tormenta, mas
uma tormenta muito estranha, muito.
Secou as lágrimas e olhou a ambos os lados. Agora
estava sozinha, totalmente sozinha, sem conhecer a área,
sem nenhuma forma de pedir ajuda, sem William.
Sabia que não estava longe da moradia de Richard,
embora realmente não conseguisse se localizar. Para onde
deveria ir?
Ela se lembrou que da lancha a lua estava a sua direita.
Contemplou-a, virou-se, entrou na boia salva-vidas e
começou a nadar naquela direção, observando de um lado
para outro e gritando de vez em quando o nome de William.
Jamais estivera em um lugar com tanto silêncio. Por
acaso estaria morta?
Decidiu afastar aquela ideia de sua mente, aquilo era
realmente estranho, mas não conseguiria nada pensando
nisso agora, a única coisa que deveria fazer, era juntar todas
as suas forças e se concentrar em nadar o mais rápido
possível até a casa de Richard para pedir ajuda. Precisava
encontrar o professor.
Ainda se sentia fraca depois da tormenta, os músculos
lhe doíam e quando já levava mais de quatro horas nadando
sem encontrar nada se rendeu. Apoiou seu rosto contra o
salva-vidas laranja e deixou que a pouca corrente que havia a
arrastasse.
Aquilo que via era terra? Começava a amanhecer e no
horizonte se via uma fina linha alaranjada.
Acabou de abrir os olhos lentamente, e não conseguiu
evitar explodir em lágrimas. Sim, aquilo era terra. Não sabia
se seria uma das ilhas habitadas ou uma na qual não vivia
ninguém, mas não lhe importava. Ao menos ali estaria a
salvo e, com o passar do dia, poderia encontrar alguém que a
ajudasse.
Começou a mover os pés para aquela praia branca,
totalmente esgotada, gemendo com cada movimento de suas
pernas, inclusive lutando para não perder a consciência pelo
esforço que estava realizando. Jamais se sentiu tão esgotada.
Demorou praticamente meia hora para chegar naquela
praia. Quando conseguiu sentir que dava a pé, relaxou,
mesmo assim, à medida que saia das cristalinas águas ficava
cada vez mais consciente de que suas pernas não
aguentariam seu peso.
Teve que abaixar-se e chegar engatinhando à borda,
lutando para não desfalecer. Quando se afastou um pouco do
mar se deixou cair sobre a areia branca, fresca e úmida,
notando como todo seu vestido se colava nela.
Com muita dificuldade conseguiu manter os olhos
abertos para olhar a seu redor, observando algumas pedras
arredondadas e, justamente em frente a ela, numerosas
palmeiras. Não vislumbrou nenhuma moradia, nenhuma
pessoa por aquela praia. Nem sequer se deu conta de que
perdia a noção, ficando inconsciente sobre a areia.
Não soube quanto tempo esteve inconsciente, mas
acreditava que por horas, já que quando abriu os olhos, o sol
brilhava com força, quase no ponto de maior altitude.
Custou-lhe centrar o olhar, mas finalmente conseguiu se
concentrar naquelas palmeiras, vários metros na frente dela.
Gemeu tentando se mover. Nesse momento todo o ocorrido
voltou para sua mente. William, o jantar na casa de Richard,
a tormenta, a falta de ar ao ser afundada e maltratada pelo
mar, o raio de luz mais potente que viu e a calma que houve
depois de voltar para a superfície.
Endireitou-se ligeiramente, enquanto notava que uma
gota de suor caía por sua bochecha. O calor era asfixiante.
Limpou a areia da bochecha que manteve apoiada durante
todas aquelas horas e sacudiu o vestido branco, ainda de
joelhos sobre a areia, quando o som de vozes a fez virar seu
rosto.
Atrás daquelas pedras, a muitos metros, vários homens
caminhavam em direção às palmeiras e outros tantos
arrastavam um barco de madeira com remos sobre a areia.
Levantou-se, imediatamente, notando como seu coração
voltava a pulsar. Enfim! Salva! Devia alertar aquelas pessoas
do que havia acontecido e que avisassem às patrulhas
marítimas para procurar William.
Notou suas pernas tremerem quando conseguiu ficar em
pé.
― Oi! ― gritou elevando a mão para eles. ― Ajudem! ―
pronunciou dando alguns passos em sua direção.
Aquele grito chamou a atenção dos quatro homens que
acabavam de deixar o barco sobre a areia e que começavam a
seguir os que entraram pelas palmeiras.
Viraram-se para ela observando-a confusos.
― Por favor ― gemeu Beatriz aumentando o passo. ―
Preciso que avisem a… ― ficou totalmente estática sobre a
areia.
Aqueles quatro homens a olhavam sem compreender
que ela fazia ali, mas não foi isso o que a surpreendeu.
Vestiam… vestiam algo diferente.
― Uma mulher? ― perguntou um daqueles homens
olhando de esguelha para o outro.
― Parece que sim ― respondeu o outro com um sorriso.
No instante, ambos puxaram suas espadas.
― Olá linda, necessita de nossa ajuda? ― perguntou o
primeiro enquanto a este se uniam mais dois.
Beatriz deu alguns passos para trás, totalmente
confusa. Merda! Deviam ser narcotraficantes, um pouco à
antiga, mas obviamente não possuíam muito boa aparência.
Não pensou mais. Virou-se e começou a correr na
direção contrária dirigindo-se para as palmeiras.
― Ora! Espere! Queremos ajudá-la! ― brincou um deles
com a espada na mão. Automaticamente, os quatro homens
saíram correndo atrás dela.
Beatriz os observou quando saltava por cima de alguns
arbustos e chegava à zona de vegetação. Mas quem eram
eles? Estava claro que não iriam ajudá-la.
Sabia que por essa área, o narcotráfico era intenso. O
que lhe faltava era aquilo, a única coisa que precisava era
que uma pessoa chamasse a guarda costeira e procurassem
William.
Correu entre as palmeiras, fugindo daqueles homens
quando foi alertada pelo som de pegadas atrás dela.
Virou-se para observar que um daqueles homens corria
atrás dela, muito perto.
― Merda! ― sussurrou contornando uma palmeira e
entrando em uma vegetação ainda mais frondosa. Sabia do
que eram capazes aqueles homens, certamente a estuprariam
e depois a matariam. Um gemido saiu do mais profundo de
seu ser, enquanto começava a afastar ramos baixos do
matagal que lhe impediam a passagem.
Justamente daquele matagal um dos homens saltou
pelo lado a jogando no chão.
Gritou enquanto caía, mas ao mesmo tempo começou a
remexer-se fugindo do peso daquele homem.
Ele possuía o cabelo castanho escuro, comprido, e
usava um cavanhaque, ao redor de seus lábios. Seus olhos
pareciam de uma cor cinzenta.
― A peguei! ― gritou para o matagal.
Chegou até ela o aroma de álcool e teve vontade de
vomitar durante alguns segundos.
― Me solte! ― gritou tentando sair de debaixo dele.
― Fique quieta! ― gritou, enquanto tentava segurar seus
pulsos.
Beatriz tentava arranhar sua face, certamente não teria
nada a fazer, acabariam com ela, mas ao menos esse levaria
alguns arranhões.
Sua esperança de sair ilesa daquele ataque aumentou
quando do canto do olho, viu uma pedra arredondada a seu
lado. Não pensou duas vezes, agarrou-a e bateu contra a
cabeça daquele homem que gritou e se atirou para o lado
levando as mãos à parte dolorida.
Entre gritos conseguiu livrar-se das mãos dele e voltou a
correr. Antes de desaparecer atrás de alguns arbustos,
conseguiu observar que aquele homem examinava a mão
ensanguentada e voltava o olhar para ela, um olhar cheio de
ódio.
Começou a correr sem rumo, tentando se esconder
daqueles homens. Estava complicado. Vira no mínimo seis,
quatro deles deixando o barco sobre a areia e dois deles
embrenhando-se entre a espessa vegetação, mas realmente
não sabia quantos mais poderia haver.
Seria difícil fugir dali sem topar com algum deles. Olhou
para trás e comprovou que ninguém a seguia. Deteve-se
alguns segundos para recuperar o fôlego e inclinou seu corpo
para frente, enquanto tentava normalizar sua respiração. Não
teve mais que alguns segundos para descansar pois escutou
passos rápidos vindo da vegetação. De onde eles vieram?
Começou a correr sem rumo, sem saber para onde ir.
Cada vez os passos eram mais próximos, não sabia se eram
de um só homem, ou de vários, mas não estava com vontade
de descobrir.
Ela passou por alguns arbustos quando notou que se
jogavam novamente em cima dela. Caiu no chão, atingindo a
terra, notando o peso de um dos homens sobre ela.
Gritou desesperada tentando se levantar, mas aquele
homem foi mais rápido e segurou suas duas mãos às costas.
― Quieta! ― gritou segurando-a.
Ela continuou se mexendo, tentando tirá-lo de cima,
mas era impossível. Tentou desfazer-se daquelas mãos e se
virar, mas não conseguia nem se mover.
Escutou passos rápidos e o movimento da vegetação e
as pernas de vários homens apareceram diante dela, embora
algo chamou sua atenção, usavam botas?
Olhou à frente para reconhecer o homem de cabelo
negro ao qual havia golpeado com uma pedra alguns minutos
antes.
― O que aconteceu? ― perguntou o homem as suas
costas, enquanto a mantinha segura contra a terra.
― Golpeou-me! Bateu-me com uma pedra! ― gritou
enquanto passava a mão pela testa, limpando-a do sangue.
Não era uma ferida muito profunda embora com certeza,
doesse horrores.
― Deixou-se enrolar por uma mulher? ― brincou o
homem às suas costas, mas aquilo fez com que o homem da
ferida na frente dela, estalasse a língua.
― Pegou-me de surpresa… esta cadela…
Beatriz começou a se mover novamente tentando soltar
as mãos.
― Quieta ― ele pronunciou com paciência, embora ela
não parasse, tentando derrubá-lo de cima dela. O homem
começou a rir às suas costas. ― Grande fera. ― Ele soltou
suas mãos agarrando-a pelos ombros e a virou diretamente
para ele. Beatriz tentou arranhar seu rosto, mas o homem
agarrou seus dois pulsos, imobilizando-a novamente.
―Vejamos o que temos aqui ― pronunciou com um sorriso.
Beatriz finalmente se fixou em seu rosto. Era um moço
jovem, não devia superar os trinta anos. Seu cabelo, de um
loiro escuro, caía com algumas mechas sobre sua testa.
Mostrava um tom dourado de pele que se destacava mais
ainda, com aquela camisa branca, folgada branca que estava
usando. A camisa não possuía botões, simplesmente, estava
atravessada por uma tira de couro, que levava pendurada ao
pescoço, e que se deslocava para a lateral, mas sem dúvida, o
que mais destacava naquele moço, eram seus enormes olhos
azuis.
― Me solte! ― gritou para ele.
Ele a olhou diretamente e sorriu, olhou para seus seis
companheiros e fez um gesto gracioso, como se a coragem da
moça o divertisse. Voltou a centrar o olhar nela, desta vez,
examinando-a atentamente.
― O que está fazendo aqui, senhorita? ― perguntou com
voz autoritária.
Ela olhou os homens que os rodeavam.
― Meu barco naufragou. Houve uma tormenta. O
professor William da Universidade de Nassau estava comigo,
preciso que avisem…
― Mas o que está dizendo? ― perguntou outro dos
homens aproximando-se.
― Está louca ― pronunciou o da pedrada.
O moço loiro que a retinha a olhou com uma
sobrancelha arqueada.
― Seu barco naufragou?
― Sim, sim… por favor, preciso de ajuda, que avisem a
guarda costeira para que procurem o professor William Davis.
O moço a observava com um ligeiro sorriso em seus
lábios, e voltou a olhar para seus companheiros bastante
divertidos.
― Ora! ― Beatriz chamou a atenção, ainda segura pelas
mãos dele ― Qual é a graça?
― Corajosa! ― exclamou outro.
― Sim, acredito que deveria se controlar um pouco ―
voltou a dizer o moço loiro, investigando-a. ― Seu sotaque
não é daqui, de onde é?
Ela pareceu se desesperar por aquela pergunta e
demorou alguns segundos em responder. A única coisa que
queria era que avisassem a guarda costeira, era a único que
lhe importava.
― Espanhola. ― Naquele instante, detectou como todos
pareciam ficar tensos, inclusive o moço de cabelo loiro que a
segurava apagou o sorriso de seu rosto. ― Estou vivendo aqui
há dois meses ― voltou a gritar. ― Estou fazendo o doutorado
de história na Univ…
― O que fazemos com ela, capitão? ― perguntou o do
golpe na testa, dando um passo para eles, com atitude
intimidante, algo que fez Beatriz silenciar.
Capitão? Beatriz olhou para todos confusa.
O jovem voltou a observá-la, desta vez com mais dureza.
― Como se chama?
Outra vez com as perguntas, aquela atitude a estava
desequilibrando.
― Mas será que não me escutou? ― voltou a gritar
nervosa. ― Estou dizendo que nosso barco afundou,
surpreendeu-nos uma tormenta no mar e o homem que
estava comigo afundou, pode ser que esteja morto neste
momento….
― Perguntei por seu nome ― ele cortou, com voz
contundente.
E nesse momento, ela decidiu que o melhor seria
responder à pergunta, pois nenhum sorriso cruzava seu
rosto.
― Beatriz ― gemeu. ―Beatriz Ibáñez.
Aquele moço, o loiro ao qual haviam chamado de capitão
aceitou e olhou para o resto de seus companheiros.
― Jerry, traga uma corda.
Beatriz tentou se mover de novo ao ver o que planejavam
fazer.
― Uma corda… para quê? ― gritou para ele.
― Para amarrá-la, possivelmente? ― perguntou
malicioso segurando-a sem problema algum.
― Nãoooooo! ― gritou com mais força.
― Acredito que uma mordaça tampouco seria ruim ―
pronunciou o da pedrada na testa.
Beatriz olhou para aquele homem com ódio, e depois
desafiou o jovem loiro com o olhar.
― Não me tente ― voltou a brincar, enquanto um de
seus amigos deixava uma corda ao lado. Amarrou com uma
só mão, os dois pulsos de Beatriz, colocando-a na frente dele,
mas ela voltou a espernear tentando tirá-lo de perto. ― Fique
quieta de uma maldita vez!
― Deixe-me! Nem lhe ocorra me amarrar, desalmado ―
dizia, tentando afastar seus pulsos das mãos dele.
Conseguiu soltar uma das mãos e agarrou com força
uma mecha de cabelo loiro, puxando com força.
― Ahhhhhh ― gritou o jovem enquanto soltava a corda e
agarrava a mão dela, com sua outra mão. ― Não repetirei isso
duas vezes! ― gritou com força.
― Então não me toque! ― pronunciou Beatriz
endireitando-se o quanto conseguiu.
As risadas dos companheiros daquele moço invadiram o
bosque, como se a situação os divertisse.
― Maldita mulher ― sussurrou o jovem, conseguindo
segurar, novamente, seus dois punhos, com uma mão.
― Não! Não! Não! Nãooooooooo! ― gritou com todas suas
forças enquanto ele passava a corda entre seus punhos.
O moço fez um nó muito forte para seu gosto, e,
posteriormente, se levantou de cima dela.
Nesse momento ela se deu conta de que ele era muito
alto, deviam faltar poucos centímetros para chegar a um
metro e noventa e era realmente bem constituído.
Agarrou-a por um braço e a colocou em pé, atraindo-a
para ele.
― Vai precisar de mais cordas? ― voltou a desafiá-la com
um olhar carregado de força.
Beatriz negou, embora seu olhar o percorresse de cima
abaixo. Mas de onde haviam escapado aqueles homens? O
jovem, com uma camisa branca bastante folgada, usava
calças marrons escuras e botas,nas suas costas, parecia que
carregava uma pistola e em sua cintura pendurava uma
espada.
Beatriz o olhou de novo e depois se fixou no resto de
seus companheiros. Todos se vestiam mais ou menos igual.
Mas o que estava acontecendo ali?
― Duncan ― pronunciou o homem que ela havia
golpeado com a pedra. O moço loiro se virou para ele. ―
Vamos amarrá-la a uma árvore até que voltemos?
Duncan? Assim é como se chamava?
Ele a olhou pensativo e depois se virou para seu amigo.
― Não, prefiro não me arriscar a que escape. Poderia
delatar nossa posição. ― Voltou a virar-se para ela e se
aproximou ameaçadoramente. ― Vai ficar bem quieta e muito
calada.
Ela olhou de um lado para outro e gemeu. Aquilo era
sério, parecia que aquelas pessoas eram realmente perigosas.
― Mas preciso avisar para que alguém vá procurar a…
― Cale-se ou juro que lhe coloco uma mordaça ― ele
acautelou de novo.
Ela engoliu saliva e aceitou. Depois de alguns segundos,
Duncan se virou e olhou para seus companheiros.
― Está bem. Ralph nos indique o caminho.
Duncan começou a puxá-la para a vegetação até que a
soltou e foi obrigado a caminhar na frente. Beatriz observou
suas costas e olhou para trás enquanto eles entravam na
vegetação. Para onde a levariam? As palavras “poderia delatar
nossa posição” a alertaram. Estava claro que se tratavam de
contrabandistas.
Durante alguns segundos, pensou em sair correndo
entre as árvores e tentar fugir, sabendo com certeza que, uma
vez que ela já não pudesse ser uma ameaça, acabariam com
sua vida, mas teve que desistir da ideia ao ver que os outros
seis homens seguiam seus passos. Cruzou o olhar com um
par deles, até que topou com os olhos cinza do homem a
quem havia golpeado. Ele possuía um olhar enfurecido. Ela
engoliu saliva, apertou os lábios e se limitou a continuar
caminhando.
Depois de vários minutos caminhando entre a mata
espessa Duncan se deteve. Todos ficaram em guarda levando
a mão para suas armas.
― Mas o que…? ― gemeu ela enquanto se remexia.
Duncan a agarrou pelo braço enquanto a ameaçava com
o dedo para que ficasse calada e a aproximou de uma árvore
lhe indicando que sentasse.
Ela o fez, notando que a respiração se acelerava que seu
coração parecia querer sair por sua boca. Que mais poderia
acontecer?
Todos os companheiros de Duncan se ajoelharam e
avançaram os últimos metros engatinhando até chegar a
alguns arbustos. Começaram a observar através deles.
Beatriz elevou os olhos, para Duncan, que seguia com o
olhar fixo nela.
― O que vai fazer comigo? ― ela soluçou.
Duncan não respondeu, limitou-se a estudá-la alguns
segundos mais e finalmente se abaixou, aproximando-se do
resto de seus companheiro e afastando parte dos arbustos
que estavam na frente para poder inspecionar o terreno.
Remexeu-se inquieta, enquanto observava os homens na
frente, todos agachados e sussurrando palavras entre eles.
Aquilo era coisa de loucos.
Precisava escapar dali e dar conhecimento às
autoridades de todo o ocorrido.
Examinou o bosque. Eles pareciam estar concentrados
no que estavam olhando, pareciam inclusive ter se esquecido
dela. Possivelmente se se movesse com cuidado e sem realizar
nenhum ruído até as árvores, poderia despistá-los.
Virou-se e viu que Duncan a olhava arqueando uma
sobrancelha. Colocou a mão no ombro de um de seus
companheiros e sussurrou muito baixo.
― Tentem escutar o que planejam.
Automaticamente, deu alguns passos engatinhando até
ela, colocando-se justamente a sua frente. Ela endireitou as
costas e olhou para o chão. Aquele homem, em que pese a
sua juventude, impunha-lhe um grande respeito.
Possivelmente fosse a agilidade de seus movimentos ou a
força que emanava daquele olhar azulado, mas o certo, é que
irradiava periculosidade e cada vez ela ficava mais consciente
disso.
― Não está pensando em escapar, não é verdade? ―
sussurrou olhando-a fixamente.
Ela o olhou de esguelha e mordeu o lábio negando,
notando como começava a tremer.
Ele deve ter se dado conta, porque a olhou, arqueando
uma sobrancelha e depois suspirou enquanto revolvia o
cabelo como se estivesse esgotado.
― Não respondeu a minha pergunta… ― sussurrou ela,
finalmente. Ele elevou de novo seu olhar. ―Não me disse o
que vão fazer comigo ― gemeu. ― Vão me matar?
Aquele comentário pareceu ser engraçado.
― Se você comportar-se bem, não. ― Ela soprou, mas
aquilo fez com que ele arqueasse a outra sobrancelha. ―Você
tem muita coragem para ser uma mulher.
Desta vez foi ela quem o olhou, sem compreender.
― O quê?
Duncan ia voltar a falar quando um de seus
companheiros o alertou.
Nem sequer se voltou para ela, simplesmente tornou a
se deslocar para o lado colocando-se junto de seu
companheiro.
Beatriz tentou afinar o ouvido. Precisava saber o que
estava acontecendo ali, para conseguir elaborar um plano de
fuga.
― Falaram um pouco sobre o Haiti ― sussurrou.
― Tem certeza?
Ele confirmou.
― O que carregam?
― Sobretudo homens, mas não descarto que levem
também um pouco de armas.
Aquilo intrigou Beatriz. Homens? Armas? Estava diante
de uma máfia de tráfico de pessoas? De tráfico de armas?
Sabia que o assunto do tráfico de pessoas era muito
comum nessa área, inclusive, havia jovens que estavam ali
somente pelo turismo sexual. Mas se fosse assim, o que eles
estavam fazendo? Estavam investigando esse caso?
Possivelmente não fossem tão maus como pensava.
Sem poder evitar avançou lentamente para o arbusto e
observou através dele.
A praia era imensa, podia-se perder inclusive de vista.
As águas turquesa se confundiam com o azul do céu, no
horizonte, mas aquilo não foi o que mais chamou sua
atenção.
Muitos homens caminhavam pela praia com algumas
caixas em suas mãos e dois enormes navios coloniais, com
seus altos mastros e suas velas içadas esperavam a vários
metros da costa. Navios coloniais? Velas içadas?
Notou que os homens vestiam uniformes brancos de
jaqueta azul, igual aos franceses do século XVIII. Alguns
deles remavam com força para a borda, em botes.
Notou que o coração paralisava, mais ainda quando viu
como em cima daqueles enormes navios passeavam alguns
oficiais franceses, conduzindo homens negros.
Ficou sem respiração diante daquilo. Aquilo não… não
podia ser real. Não entendia nada.
Girou seu rosto lentamente de volta aos sete homens
que estavam ao seu lado e que nem sequer reparavam em
sua presença, pois cochichavam sobre as armas e a
quantidade de escravos que poderia haver a bordo.
Vestiam-se também como se fossem do século XVIII: as
meias, as camisas folgadas, as botas… Seu olhar recaiu
diretamente naquela espada e naquela arma carregada.
Voltou seu olhar para o navio e observou como um
daqueles oficiais golpeava um homem negro no rosto, o qual
caiu de joelhos, mas no momento antes de cair ela viu que ele
estava com as mãos algemadas com grilhões oxidados.
Ficou de pé imediatamente, realmente assustada. Aquilo
não podia ser verdade… Não…. Não…
― Mas o que acon…? ― começou a gritar, mas neste
mesmo momento Duncan se jogou sobre ela derrubando-a no
chão e tampando sua boca.
4

Duncan não estava consciente da presença dela até que


escutou o grito, que o fez virar-se rapidamente, assustado.
― Mas o que acon…?
Jogou-se sobre ela tampando sua boca. Não foi delicado,
pois sabia o que estava em jogo. Se os franceses ou espanhóis
os vissem eles os matariam no mesmo instante.
Beatriz se moveu, no início alterada. Mas o que
acontecia com essa mulher?
Embora fosse uma mulher formosa, certamente uma
das mais formosas que já vira, não podia esquecer que ela era
espanhola.
Os homens que havia ao outro lado dos arbustos eram
franceses e, portanto, aliados do Império espanhol. Mas ela
não pedira ajuda, poderia ter gritado por auxílio e neste
momento estaria livre, eles seriam os prisioneiros e
certamente no dia seguinte seriam executados à alvorada.
Observou-a diretamente nos olhos, eles estavam
totalmente abertos e ela tentava verbalizar algumas palavras,
embora, felizmente, Duncan ainda cobria seus lábios com a
mão.
Colocou um dedo em seus próprios lábios e a olhou com
atitude zangada, gesticulando para que guardasse silêncio.
Olhou para seus companheiros, que estavam com as
armas preparadas para se defender se fosse necessário. Jerry
indicou com seu rosto que eles não haviam sido alertados, o
que fez com que respirasse um pouco mais tranquilo. Sabia
que eles, os sete, por mais que soubessem se defender, não
teriam nada a fazer contra todos os homens dos dois navios
franceses.
Voltou o olhar para ela, ameaçador, e se aproximou
levemente.
― Não voltarei a lhe repetir isso: guarde silêncio.
Ela demorou um pouco, mas ao final, aceitou. Duncan
foi retirando sua mão lentamente, mas no momento em que
deixou seus lábios mais ou menos livres, ela começou a
balbuciar.
― O que é tudo isto? De onde saíram esses navios? Têm
escravos! Escravos! O que aconteceu? ― Ela ia sussurrando
totalmente alterada.
Ele estalou a língua e voltou a tampar seus lábios com
sua mão enquanto olhava para seus companheiros com um
gesto um tanto desesperado. Não queria fazer mal a essa
garota, mas se ela continuasse assim, se veria obrigado a
fazê-lo. Não pensava colocar em perigo sua vida e a de seus
amigos.
Fez um gesto com a cabeça, para Jerry e no instante ele
tirou um lenço.
Duncan afastou a mão de sua boca e lhe introduziu o
enorme lenço fazendo que sua bochecha aumentasse. Beatriz
não gostou daquilo e começou a revidar, tentando golpeá-lo
com as duas mãos juntas.
Agarrou-a sem delicadeza e a sentou ao seu lado,
apoiando-a contra a árvore.
― Volte a pronunciar uma só palavra e lhe corto a
garganta ― ele ameaçou.
― Eu… brbbr… noo… brbrbr…
― Silêncio ― voltou a sussurrar ameaçador.
Ela gemeu, mas, finalmente pareceu desistir de seu
empenho por falar.
O que estava acontecendo ali? Aqueles dois navios com
suas altas velas de lona, três mastros e os homens vestidos
de franceses. Nesse momento, compreendeu, ou, ao menos,
uma ideia atravessou sua mente. A tormenta. Aquela era a
zona das Bermudas, onde haviam desaparecido navios e
aviões ao longo dos anos. Poderia ser possível?
Gemeu novamente fazendo com que Duncan voltasse a
olhá-la.
Estava-se certa, viajou ao passado. Ao passado! Negou
com seu rosto como se não acreditasse. Aquilo não podia
acontecer com ela, mas o certo é que a poucos metros de
onde estava posicionada, se encontravam dois enormes
navios coloniais, homens da armada francesa e, em frente a
ela… Aquilo a fez ficar gelada. Ingleses!
Começou a gemer e lhe custou respirar. Por essa razão
não sabiam o que fazer com ela. Os ingleses eram inimigos
dos franceses e dos espanhóis, lutavam contra eles. Piratas.
Aquele lenço a estava asfixiando e a qualquer momento
sofreria uma crise de ansiedade. Não conseguia respirar com
aquele lenço e começou a fazê-lo pelo nariz, muito forte,
alertando os ingleses. Praticamente todos giraram seu rosto
para ela.
― Ela está se sufocando? ― pronunciou Jerry assustado.
Duncan suspirou e revirou os olhos, esticou o braço e
retirou o lenço. Quando ele o tirou lhe produziu náuseas,
mas conseguiu controlá-las, o que não conseguiu controlar
foi o choro.
Estava perdida, totalmente perdida. Em um lugar que
não conhecia sequestrada por alguns piratas ingleses, que a
matariam, simplesmente por ser espanhola. As lágrimas
começaram a cair sobre suas bochechas até que se deu conta
de que Duncan a observava com o rosto um pouco
desfigurado.
― Não vou cortar seu pescoço ― ele sussurrou como se
assim quisesse tranquilizá-la. Ele pensava que a causa de
suas lágrimas era a ameaça dele?
Quem dera esse fosse seu único problema. Não,
realmente isso já não a assustava, o que a assustava era o
que havia atrás daqueles arbustos.
Gemeu um tanto mais forte e posteriormente tentou se
controlar. De nada serviria se entregar ao pânico.
A primeira a fazer era pensar. Ela era historiadora, sabia
perfeitamente tudo o que havia acontecido naquela época.
Agora bem, em que ano se encontrava? Podia assegurar que
pelos navios e as roupas que vestiam deviam encontrar-se em
finais do século XVII ou início do XVIII.
Fosse o século que fosse os espanhóis foram aliados dos
franceses, justamente os homens que estavam do outro lado
dos arbustos. Entretanto, os ingleses eram seus maiores
inimigos e nesse momento se encontrava rodeada deles.
A primeira coisa que precisava fazer era escapar e, em
segundo lugar, tentar procurar uma tormenta igual à de
poucas horas para voltar para seu tempo.
Devia escapar e ficar a salvo, e nada melhor que os
espanhóis ou os franceses para consegui-lo. Eles não
causariam nenhum dano a uma compatriota.
Nesse momento os ingleses se aproximaram dela e
Duncan voltou a agarrá-la pelo braço para levantar-la,
parecia realmente zangado.
Beatriz engoliu saliva e se deixou arrastar. Devia fazer
algo, sabia que não exitariam em matá-la, e a poucos metros
estava sua única salvação. Ao menos devia experimentar ou
morreria na tentativa. De todos os modos acabaria morta se
continuasse ali.
Contemplou do canto do olho aquele enorme homem.
Jamais vira um homem igual a esse. Era realmente atraente,
embora tudo desaparecesse quando se recordava que se
tratava de um pirata inglês. Precisava se afastar dali, já, e a
cada passo que a afastava daquela praia mais difícil se
tornava a fuga.
Melhor deixar de pensar e atuar.
Beatriz se queixou e no momento se deteve olhando para
o chão, para seus pés descalços.
― Aiiiiii ― gemeu como se tivesse se machucado,
inclinando-se para frente.
Duncan se deteve ao seu lado e se inclinou para baixo
olhando seus pés descalços.
― Machuco…? Ahhhhhhh.
Não conseguiu continuar. Beatriz ergueu suas duas
mãos atadas e o golpeou diretamente no nariz, fazendo com
que Duncan a soltasse, levando as duas mãos à parte
dolorida.
Nem sequer esperou para ver se ele sangrava ou como
reagia. Deu meia volta e saiu correndo na direção contrária.
Somente alguns poucos metros a separavam de seus aliados
franceses e somente então estaria a salvo.
― Deixem-na ― escutou que Ducan dizia ao ver que seus
companheiros saíam atrás dela. Beatriz saltou um arbusto e
se virou para observá-lo. Duncan a olhava friamente,
dolorido, embora algo chamou a atenção dela, ele parecia
surpreso. ― Ela irá delatar nossa posição. Teremos que partir
daqui, imediatamente.
Os seis homens saíram correndo em direção contrária a
ela. Duncan foi o último a abandonar o lugar. Observou-a
alguns segundos mais, e um meio sorriso curvou seus lábios.
Por que esse homem sorria?
Ele se virou e desapareceu atrás da vegetação.
Beatriz engoliu saliva e correu diretamente para a praia.
Não conseguiu evitar se virar várias vezes controlando se não
a estavam seguindo.
Saltando para a areia branca começou a falar em
espanhol. O prioritário era que aqueles franceses a
identificassem como espanhola desde o começo.
― Ajudem, por favor… me ajudem ― gemeu sem
controlar suas lágrimas, embora tropeçasse e caísse sobre a
areia.
Quando elevou seu rosto encontrou vários franceses
apontando seus rifles para ela, as maiorias dos homens da
praia se viraram para observá-la, totalmente assombrados.
― Sou espanhola, por favor… piratas ingleses me
mantinham sequestrada. Por favor… me ajudem ― gemeu
enquanto voltava a chorar desesperada e jogava seu rosto
para baixo.
Alguns homens pareciam duvidar até que um, de maior
escalão passou entre eles, com a espada na mão.
Ela nem sequer se atreveu a elevar o olhar.
― Senhorita, por favor, se levante ― ele pronunciou em
espanhol com um marcado sotaque francês.
Ela se levantou devagar. Olhou primeiro para o lado
onde alguns homens ainda apontavam com seus fuzis.
― Cavalheiros, por favor, baixem as armas ― ele
pronunciou em francês, depois voltou sua atenção para a
Beatriz. Ela finalmente o observou. Vestia um uniforme
francês e, tal como pensara, tratava-se de um escalão muito
superior, um general. ―Entende o francês? ― Ela afirmou
lentamente. ―De acordo ― pronunciou ele, já em francês ―
Como se chama?
Ela o observou nos olhos. Possuía olhos de cor marrom
esverdeada que contrastavam com o negrume de seus
cabelos.
― Beatriz, senhor.
― O que está fazendo nesta ilha? Mantinham-na
sequestrada? ― Ela confirmou, embora ao notar a delicadeza
com a qual ele realizava as perguntas relaxou. Sim, agora
estava a salvo. Notou como suas pernas tremiam e esteve a
ponto de perder o equilíbrio, mas o general a sustentou sem
permitir que caísse. ― Fique tranquila ― pronunciou
enquanto a segurava. ―Pierre ― Chamou um jovem que se
encontrava por perto. ― Encarregue-se de levá-la ao navio e
lhe deem tudo o que precisar. ― Depois observou seu curto
vestido. ―Fique tranquila, agora está a salvo. Lá lhe darão
algo para beber, comida e roupas. Não se preocupe.
Ela ficou observando-o durante alguns segundos,
agradecida, enquanto notava como seus olhos se embaçavam
de novo.
― Obrigada ― sussurrou enquanto o jovem a conduzia a
um dos barcos com o qual poderia chegar a um dos enormes
navios.
Totalmente perdida, sem saber o que fazer. Embora
muito familiarizada com a história não sabia realmente como
atuar.
Chegando ao navio lhe deram bebida e comida, e depois
de estar saciada a conduziram a um dos camarotes. O jovem
lhe mostrara um cofre com vários vestidos.
Escolheu um vermelho, por nada especial, foi o primeiro
que havia à mão. Acabou de amarrá-lo e deixou seu vestido
branco sobre a pequena cama. Certamente para eles, com
aquele vestido, era como estivesse com roupa de baixo.
Observou-se, no espelho e fez uma trança amarrou com
uma fita. O vestido era bonito e realmente ficava bem, como
se fosse feito a sua medida.
Era estranho se ver vestida assim.
Quando acabou de se arrumar, já bastante mais calma,
fixou-se na austeridade daquele camarote. Possuía
justamente o necessário. O pequeno baú situado em uma
lateral, sob uma pequena janela, um diminuto armário do
outro lado e uma poltrona em frente à cama. Não havia nada
mais. Não se importou, sentia-se segura ali.
Fez bem em escapar dos ingleses, certamente a estas
horas já estaria morta se não tivesse conseguido fugir.
Foi até a poltrona e se sentou. Precisava pensar elaborar
um plano. Se tudo aquilo fosse real e não se tratasse de um
pesadelo, ficara presa no passado. Havia viajado uns
duzentos ou trezentos anos atrás.
O que teria acontecido ao professor William Davis? Teria
acontecido o mesmo? Recordou que depois do estalo de luz do
relâmpago e após ser carregada pela onda, escutou sua voz
ao longe. Posteriormente, quando havia recuperado a
consciência e conseguido voltar para a superfície se
encontrou totalmente sozinha. Nem rastro do professor.
Poderia ser que não tivesse viajado ao passado? Tudo
apontava que era assim, ou ao menos, não viajara à mesma
época que ela.
O que estava acontecendo em sua época? Estariam
procurando-a? Aquilo a fez pensar em um dilema: realmente
para ela o futuro não existiria ainda. Recordariam dela? Ou
teria sido apagada da memória de todos?
Aquilo a fez sentir um calafrio. Relembrou de sua mãe,
de seu pai, de seu irmão…
Obrigou-se a afastar de sua mente os seus entes
queridos e se concentrar no que devia fazer. Devia tentar
voltar para seu tempo, para seu lar. Se havia viajado ao
passado, certamente, haveria uma forma de voltar para o
futuro, para sua época.
Analisava cada lembrança daquela tormenta quando
alguns golpes na porta a distraíram. Ela abriu-se levemente,
como se pedisse permissão, e Beatriz ficou em pé,
imediatamente.
O general francês a observava sob o marco da porta.
Percorreu-a de acima abaixo, como se lhe impressionasse vê-
la vestida assim, e deu um passo à frente com uma atitude
bastante elegante.
― O vestido e o camarote são de seu gosto?
Ela confirmou. Recordou a si mesma que devia
aparentar ser uma mulher daquela época, que o melhor seria
passar o mais despercebido possível.
― Sim, muito. Foram muito amáveis. Devo-lhes a vida.
O homem aceitou seus agradecimentos e deu um passo
à frente colocando-se em frente a ela. Era um homem alto,
também bastante jovem, devia ter cinco ou seis anos a mais
que ela, no máximo.
― Meu nome é Bastian Dupont.
Ela aceitou com um sorriso.
― Beatriz Ibáñez.
Deu alguns passos à frente afastando o olhar dela e se
dirigiu para a janela para observar a praia e a seus homens.
― Como uma mulher como você acaba em uma praia
como essa?
Beatriz se remexeu inquieta, enquanto sua mente
trabalhava a uma velocidade extraordinária elaborando uma
desculpa aceitável.
― Viajava para as Américas quando os ingleses nos
atacaram ― pronunciou. ―Meu pai possuía um navio
mercante, realizava a rota da Espanha para o Senegal, várias
vezes, para transportar manufaturas. ― O francês a olhava
interessado em sua história.
― E você o acompanhava? ― perguntou inquieto.
Ela afirmou.
― Minha mãe faleceu faz três anos, eu era sua única
família e não queria me separar dele. Pedi para acompanhá-lo
e ele aceitou, para me agradar.
Embora parecesse surpreso pela explicação acabou
aceitando.
― É uma rota perigosa para uma mulher.
― Sei. Mas nada me prendia na Espanha. Precisava sair
de lá.
Bastian pareceu refletir durante alguns segundos.
― Atacaram vocês?
― Sim.
― Quantos dias levavam de viagem?
Aquela pergunta a pegou desprevenida.
― Não recordo bem, pode ser que uma semana ou pouco
mais da saída do Senegal. ― Bastian a olhou fixamente e
aceitou. Aquele francês parecia estar realmente interessado
no que havia acontecido, e o que ela menos precisava era ter
que procurar desculpas, estava esgotada física e
mentalmente. ―Um dia, à alvorada, nos atacaram.
Afundaram o navio com seus canhões, mas, antes disso,
pegaram toda a mercadoria de meu pai e me levaram com
eles. Acabaram com todos. ― Nesse momento começou a
chorar. Não é que acreditasse na história, mas, realmente,
estava com necessidade de desabafar por tudo o que estava
acontecendo, pela situação em que se encontrava, e a história
que estava inventando, era bastante triste. Possivelmente
assim, o francês deixasse de perguntar.
Em um princípio parecia que aquele plano surtira efeito
e que ela não estava preparada para falar, pois se aproximou
e estendeu um lenço de tecido, embora depois de esperar
alguns segundos voltou para o interrogatório.
― Lamento ter que lhe fazer estas perguntas ― ele
sussurrou de forma terna. ―Mas isso não explica como
chegou a essa ilha.
Ela engoliu a saliva, endireitou suas costas e se virou
pensativa, caminhando lentamente para a janela, tentando
encontrar uma resposta.
― Queriam me vender ― pronunciou sem olhá-lo,
cravando seu olhar na formosa praia de areia branca.
― Vendê-la? ― perguntou horrorizado. Aquilo pareceu
enfurecê-lo.
― Sim, ou isso eu acredito. Não me explicaram nada.
Simplesmente me meteram em um bote e me levaram para a
praia. Pouco depois vi aparecer um par de silhuetas ao longe.
Não esperei a ver o que era, ou o que queriam ou pretendiam
e em um momento de desorientação, saí correndo. ―
Finalmente se virou para ele. ―O resto já sabe. Tive muita
sorte de encontrá-los.
Ele afirmou comovido pelos fatos que ela relatava.
― Teve muita sorte. ― Depois, deu um passo
aproximando-se dela enquanto colocava seus braços em suas
costas. ―Como se chamava o casco de navio de seu pai?
Esteve a ponto de começar a golpear a cabeça contra a
parede de madeira. “Pense Beatriz, pense”.
― Santa Cecília, em honra a minha mãe ― pronunciou
afastando o olhar dele.
Bastian permaneceu em silêncio, observando-a. Era
uma mulher linda, jovem, e parecia que vivera situações
muito difíceis. Ainda assim, demonstrava uma grande
valentia e não havia nada mais formoso que ver uma mulher
lutadora.
― Desculpe minha pergunta ― pronunciou Beatriz
virando-se de novo para ele. ― Poderia me indicar que dia é
hoje? Mantiveram-me encerrada em um camarote sem janela,
e…
― Vinte de agosto ― pronunciou interrompendo-a.
Ela aceitou, não muito de acordo com a resposta. O
olhou de esguelha e sussurrou.
― De… ― tentou que continuasse a frase.
― De mil setecentos e treze, é obvio. ― Ela engoliu a
saliva ante o atento e confuso olhar dele. ― Quanto tempo a
mantiveram presa? ― perguntou assustado.
― Não, não foi muito ― tentou acalmá-lo, pois parecia
realmente nervoso. ―É simplesmente que ando perturbada,
foram tempos difíceis. Pareceu-me uma eternidade.
Bastian a contemplou e aceitou compreendendo sua
situação. Aproximou-se e colocou uma mão em seu ombro,
ato que chamou a atenção dela.
― Agora não tem por que se preocupar. A armada
francesa a protegerá e cuidará de você. Pode ficar tranquila.
Aquelas palavras quase fizeram com que começasse a
chorar. Bastian deve ter notado aquele sofrimento porque
suavizou seu olhar.
― Muito obrigada. ― Inspirou, tentando se acalmar e
mordeu o lábio enquanto contemplava como os botes cheios
de soldados franceses voltavam novamente para o navio.
―Posso perguntar para onde nos dirigimos?
Bastian afastou finalmente a mão dela e contemplou
pela janela, bem as suas costas.
― Devemos atender alguns assuntos mais nesta área e
posteriormente retomaremos o rumo à França. Pode nos
acompanhar na travessia. Será bem recebida.
Ela aceitou e finalmente se virou para observá-lo.
Bastian a observava com certa dúvida em seu olhar, embora
seus gestos parecessem ser gentis. Uma barba de dois dias
aparecia em seu rosto, dotando-o de certa masculinidade e
seus olhos, graças à claridade do sol que entrava por aquela
janela, assumiram uma tonalidade esverdeada. Ela passeou o
olhar por seu rosto. Algo naquele homem, embora também
mostrasse um semblante perigoso, o fazia parecer muito
diferente do inglês. Possuía traços mais delicados.
Possivelmente era a forma em que ele falava as maneiras tão
gentis que apresentava.
― Eu agradeço muito.
Ele aceitou e se distanciou dela.
― Pode se instalar neste camarote e é livre para
movimentar-se pelo navio o quanto desejar. Qualquer coisa
que precisar, faça-me saber. Deixá-la-ei a sós para que
repouse.
Ela aceitou com um ligeiro movimento de cabeça
enquanto o observava sair pela porta sem lançar um olhar
para traz.
Uma vez sozinha no camarote foi para a cama e se
sentou pensativa. Ao menos, já se localizara. Vinte de agosto
de mil setecentos e treze.
5

Deve ter dormido durante várias horas, porque quando


despertou o sol começava a se esconder. Durante alguns
segundos não se localizou. Onde se encontrava? Depois,
todos os acontecimentos daquelas últimas horas a puseram
em alerta.
Endireitou-se sobre a cama notando o suave balanço do
mar, estavam-se movendo? O general Bastian lhe dissera que
atenderiam alguns assuntos e depois partiriam rumo à
França. O que ela faria?
Por um lado, ali estaria a salvo, sabia que nesse navio a
protegeriam em uma época conflitiva como era aquela, mas,
por outro lado, não podia ir à França, precisava ficar ali,
encontrar outra tormenta e voltar para seu tempo.
Levantou-se e olhou através da janela. A praia onde os
encontrara havia desaparecido, somente se via o mar.
Passou a mão pelo rosto e decidiu sair do camarote, de
todas as formas o general dissera que ela era livre de passear
pelo navio o quanto quisesse.
Caminhou pelo corredor até que chegou às escadas que
subiam até o convés.
Havia bastante movimento. Os marinheiros trabalhavam
no convés içando velas, vigiando.
Elevou o olhar para os altos mastros. Alguns dos
marinheiros desciam pelas cordas amarradas. Elevou mais o
olhar e observou, no alto do mastro, que um marinheiro, no
cesto de vigia, observava através de uma luneta.
― Desculpe ― pronunciou um marinheiro passando por
seu lado, levando uma enorme cesta de vime onde carregava
tecidos.
Afastou-se e voltou a olhar à frente. A verdade é que o
convés estava em constante movimento.
― Senhorita Ibáñez ― escutou que chamavam atrás dela.
Virou-se e viu que o general descia os degraus da popa, onde
estava situada a cabine e o leme.
À medida que ele se aproximava notou como o
acanhamento tomava conta dela, era a única mulher naquele
navio e nesse momento estava consciente de que todos a
observavam de canto de olho.
― Vejo que já descansou ― pronunciou sorridente
enquanto se colocava em frente a ela. Possuía um sorriso
doce, e era um homem atraente.
― Sim ― sussurrou mordendo o lábio, consciente de que
os três moços que estavam içando a vela secundária a
observavam. ― O camarote é muito cômodo.
Bastian se colocou diante dela, com suas mãos unidas
nas costas e um porte realmente elegante. Em seguida sorriu.
― Tivemos um problema com a vela secundária ―
explicou. ― Um bando de pássaros ― disse como se fosse algo
gracioso. ― Por sorte trouxemos uma reposição e a trocamos.
Não nos atrasará mais que algumas horas.
Ela aceitou aquela explicação, embora não entendesse
muito. Sabia que ele o fazia por cortesia. Afastou os cabelos
do rosto, pois o ar no convés soprava com força e voltou o
olhar para Bastian.
― Para onde nos dirigimos?
Bastian lhe fez um gesto com a cabeça, para que ela
continuasse se aproximando do corrimão e se apoiando nele.
― Tentaremos ancorar em Cuba esta noite e seguiremos
a rota pelas Bahamas. Levaremos somente alguns dias.
Posteriormente, como lhe comentei, partiremos para a
França.
Ela aceitou. Sabia o que havia acontecido nessa época.
A história escrita sobre Cuba começava com a chegada
de Cristóvão Colombo em mil quatrocentos e noventa e dois,
sempre recebera esse nome.
Sabia que em mil seiscentos e setenta e quatro o
governo espanhol daquela época, em que se encontrava,
havia autorizado o curso. Esta medida forçara os
aventureiros, os piratas do século XVII, a se moverem pelo
mar das Antilhas, visto que eram muito perseguidos no
Pacífico. Mas também sabia que em mil seiscentos e noventa
e sete, o almirante inglês Nivelle acabou com todos eles,
sendo o último o holandês Lorenzo Graff, chamado Lorenzito,
por sua baixa estatura. Aquilo lhe produziu certa calma e
tranquilidade. Sabia que no final do século XVII a colônia de
Cuba estava praticamente diminuída, estimando-se em trinta
ou quarenta mil habitantes, tendo quase extintos os nativos
da terra, acima de tudo pelas epidemias que os europeus
traziam. Ainda não existia a indústria e a educação era muito
básica.
Com a ascensão da dinastia Bourbon ao trono espanhol
se modernizaram as concepções mercantilistas que presidiam
o comércio. Longe de se debilitar, o monopólio se intensificou
e aquilo ajudou à sobrevivência econômica de colônias como
a de Cuba.
Em seu caso, a Coroa espanhola contribuiu naquela
zona à elaboração do tabaco, comercializando sua folha.
Aquilo deu lugar a protestos e levantes por parte dos
comerciantes e cultivadores. A terceira revolta foi reprimida
com a execução de onze plantadores em Santiago de Las
Vegas. A população de Cuba, vendo-se impossibilitada de
lutar contra o monopólio do governo espanhol, decidiu
participar de seus benefícios e conseguiu interessar o rei e
obter seu favor para constituir a Real Companhia de Havana
em mil setecentos e quarenta. Embora aquilo ainda não
tivesse acontecido.
Justamente no ano no que se encontrava chegava ao fim
à Guerra da Sucessão na Espanha, um conflito internacional,
mas também civil, pois enquanto a Coroa de Castilla e
Navarra se mantinha fiel ao candidato borbónico para ocupar
o trono, a Coroa de Aragón emprestou seu apoio ao candidato
austríaco. Os combates no país foram favoráveis às tropas
felipistas, que depois da vitória na batalha de Almansa, em
mil setecentos e sete, obtiveram o controle de Aragón e
Valência.
Concretamente em 1713, o arquiduque Carlos foi eleito
imperador da Alemanha e as potências europeias, temerosas
do excessivo poder dos Habsburgo, retiraram todas as tropas
e assinaram em poucos meses o Tratado de Utrecht, pelo
qual a Espanha perdia suas posses, na Europa, embora
conservasse os territórios metropolitanos, exceto Gibraltar e
Menorca, que passaram às mãos da Grã-Bretanha. Felipe foi
reconhecido como legítimo rei da Espanha por todos os
países, com a exceção do arquiduque Carlos, já convertido em
imperador, que reclamava para si mesmo, o trono da
Espanha.
― Quando chegarmos à França me encarregarei de seu
transporte até a Espanha ― o general interrompeu seus
pensamentos.
Ela o olhou confusa. Seu transporte à Espanha. Não
possuía ninguém lá, naquela época não conhecia ninguém.
Não podia se afastar tanto daquela área, precisava voltar para
seu tempo. Ela o olhou hesitante, procurando alguma coisa a
dizer para não ser arrastada à Europa.
― Não resta ninguém lá. De fato, eu não gostaria de
voltar ― sussurrou. Ele a olhou confuso. ― Eu gostaria de
começar uma nova vida nesta terra. ― Certamente essa não
era a resposta que o general esperava. ―Sei que estão
construindo novas colônias aqui, as mulheres espanholas
não são muito comuns. Eu gostaria de iniciar uma nova vida
aqui.
Bastian parecia confuso com o que ela dizia.
― Não acredito que isso seja o mais aconselhável para
uma moça como você.
Desta vez foi ela que o olhou com uma sobrancelha
arqueada, embora se recordasse em que época se
encontrava. Se estivesse em seu século lhe teria dito,
educadamente, que isso não era assunto dele, que ela podia
decidir por si mesma, mas se obrigou a morder a língua. Nem
que estivesse louca pensava em ir à Europa.
― Agradeço-lhe muito sua preocupação e seu interesse.
Mas acredito que poderia ser de ajuda e prestar um maior
serviço nestas ilhas ― pronunciou com um sorriso
agradecido. ― Tenho certeza de que as colônias espanholas
ficariam encantadas de me receber.
Ele continuava observando-a incrédulo. Ia começar a
falar quando um dos marinheiros chamou a atenção dele.
― Senhor, a vela já está içada.
Bastian ouviu, tentando concentrar-se na informação
que ela lhe dava. Parecia que o que ela pronunciara havia
deixando-o confuso. Sabia de sobra que aquelas colônias
eram pobres, muitas vezes passavam fome, mas aquilo não
lhe importava. Devia ficar naquela área como pudesse e
procurar uma daquelas tormentas.
― Corrijam o rumo para Cuba.
O marinheiro repetiu a ordem de seu general e se
distanciou.
Bastian voltou seu olhar para ela e depois olhou para o
horizonte, onde a linha alaranjada demarcava o limite do
mar.
― É tarde ― sussurrou voltando sua atenção sobre ela.
― Se desejar, eu gostaria de jantar com você.
Ela ficou um pouco aturdida ante sua proposta, mas
aceitou seu oferecimento com um ligeiro movimento de sua
cabeça. De toda maneira, não tinha nada melhor a fazer e
possivelmente daquela maneira poderia persuadi-lo para que
a levasse a alguma das colônias, nas Bahamas.
O camarote do general estava situado na popa do
enorme navio. Aquele camarote possuía todos os luxos
possíveis que se podiam permitir em um navio como aquele.
Era enorme. Em uma lateral estava uma mesa cheia de vários
mapas e cartas náuticas. Bem ao lado estavam estantes com
muitos livros, Bastian parecia um homem bastante culto. O
camarote dispunha de alguns quadros, com pinturas
marinhas, onde um navio colonial sulcava em águas
enfurecidas.
Bem debaixo de um desses enormes quadros havia uma
enorme cama com uma colcha azulada e várias almofadas de
conjunto. No meio do enorme camarote uma mesa para seis
comensais se encontrava atarraxada ao chão de madeira.
Bastian fechou a porta e indicou com um movimento
cortês que ela se dirigisse para a mesa e tomasse assento.
― Servirão o jantar em breve.
Beatriz se sentou tímida e guardou silêncio enquanto
Bastian se dirigia a um dos móveis e abria uma das gavetas.
Passeou seu olhar pelo camarote examinando tudo, e seu
olhar se deteve na enorme janela de onde se observava a
esteira que se desenhava no mar depois da passagem do
navio.
― Espero que seja de seu gosto ― ele pronunciou lhe
estendendo uma taça. Beatriz a observou. A taça fora servida
até a metade, de um vinho tinto com uma cor escura. ―Se
trata de um burdeos. É originário de onde nasci ―
pronunciou com um sorriso, enquanto tomava assento a seu
lado.
Ela aceitou sorridente.
― Onde você nasceu?
― Médoc, ao norte da França.
Ela aceitou e degustou o vinho. Era delicioso, e depois
dos acontecimentos daquele dia, necessitava dessa taça.
Sabia que durante o início do século XVIII, depois da
Guerra da Sucessão Espanhola, a navegação através da costa
francesa e do Canal da Mancha era muito arriscada dada as
tensões entre os governos inglês e francês, o que fez com que
o comércio “oficial” entre o Burdeos e o mercado Londrino se
visse paralisado. Apesar das sanções governamentais que
eram impostas, as garrafas daquele prezado burdeos
começaram a aparecer em casas de leilões de Londres, Bristol
e Plymouth, quando os corsários capturavam o tesouro.
Inclusive, se chegou a especular que houve um acordo
secreto entre contrabandistas e casas de leilões, em Londres,
para que estas fossem abastecidas deste prezado vinho
francês, evitando a política de opressão sobre o comércio da
bebida naquela época.
― É delicioso ― pronunciou com um sorriso. ―Agradeço
muito sua hospitalidade. ― Observou-a durante alguns
segundos com um sorriso e ficou pensativo. ―Se não for
muito perguntar, que mercadorias transportam? ― perguntou
tentando iniciar uma conversação, pois o silêncio a
incomodava.
― Tecidos e escravos.
Aquilo a fez enrijecer as costas. Era verdade, não havia
recordado até agora, uma das coisas que havia chamado sua
atenção naquela praia, foi ver os homens de cor com grilhões,
sendo golpeados por um oficial francês. Aquilo esteve a ponto
de fazê-la ficar de pé e abandonar aquele camarote, mas
precisava da ajuda desse homem, embora Bastian
interpretasse aquele olhar como assustado.
― Não se preocupe os escravos não sobem ao convés.
Justamente quando a encontramos estávamos recolhendo
outros escravos a mais para vendê-los no mercado.
Ela apertou seus lábios e confirmou não muito segura.
Tentou acalmar-se e respirou profundamente. Sabia que por
mais que tentasse dialogar com ele para que libertasse
aqueles homens não serviria de nada.
― Como decidiu por esta vida? ― perguntou tentando
trocar de assunto, pois aquele a deixava arrepiada.
― A vida no mar? ― perguntou sorridente. Encolheu os
ombros. ―Meu pai pertencia à armada francesa. Cresci,
praticamente, no mar. Minha mãe faleceu quando eu tinha
sete anos e meu pai me levou com ele para sulcar todos os
mares.
― Sinto muito.
Ele encolheu os ombros e arqueou uma sobrancelha
para ela com um sorriso de cumplicidade.
― Aí foi que descobri minha verdadeira paixão, o mar.
Realmente é a única forma de vida que conheci. ― Deu um
gole em seu vinho e voltou a depositar sua taça na mesa, com
o olhar fixo nela. ― Disponho também de terras que recebi
por parte de meu pai, na França, tenho elas arrendadas. ―
Depois elevou sua taça e lhe mostrou o vinho. ―Este vinho
procede, de certo modo, das vinhas que são cultivadas em
uma parte de minhas terras.
― E sempre está no mar?
Ele parecia satisfeito com a conversação. Negou no
momento.
― Não, é certo que a maior parte de meu tempo eu passo
no mar, mas também passo longas estadias em terra firme. E
você? Suponho que também amará o mar. Seu pai dispunha
de um navio.
Ela esteve a ponto de se engasgar. Devia recordar-se e
assimilar como sua, a história que lhe contara.
― Sim.
― Embora eu não aprove muito o fato de levar a uma
mulher a bordo. ― Por um momento sorriu. ―Não me
interprete mal ― pronunciou rapidamente ao ver como ela o
olhava fixamente. ―O mar é um lugar perigoso para uma
mulher. Você mesma experimentou.
Ela estalou a língua e depois sorriu.
― Sim, mas como em seu caso é o tipo de vida que eu
tive que escolhi, por vontade própria.
Bastian a olhou, como se estivesse maravilhado pelo que
ela dizia.
― É uma mulher muito valente ― pronunciou fascinado.
― Apesar de sua juventude.
― Bom, é a vida que me deram para viver, não posso
fazer nada para mudá-la, a única coisa que posso fazer é
seguir em frente.
Bastian assentiu e se apoiou contra o respaldo do
assento, pensativo outra vez.
― Deixou-me preocupado com o fato de que queira se
estabelecer em uma das colônias das Bahamas. ― Ela o olhou
de esguelha. ―Se me permitisse isso, poderia lhe procurar um
lugar na França, onde reiniciar. Como lhe disse, disponho de
terras. Seria um lugar muito mais tranquilo para viver,
afastada de todos os perigos.
― Eu volto a agradecer. Mas nada me une a França ―
sussurrou tentando cortar aquela conversação. Sabia que
suas intenções eram boas, ela era uma mulher espanhola,
pertencente ao Império para o qual ele trabalhava e sua
obrigação era buscar para ela, um lugar onde viver sem
perigos, mas com o que ele não contava é que, diferente de
muitas mulheres daquela época, ela preferia a independência
e viver sua vida, sem um homem a seu lado, sem sentir-se
amarrada a nada.
Nesse momento bateram à porta.
― Podem entrar ― pronunciou o general ficando em pé.
― Nos servirão o jantar ― explicou para ela.
Dois marinheiros entraram com bandejas nas mãos e as
depositaram sobre a mesa.
― Obrigado, eu mesmo sirvo ― pronunciou o general
para os marinheiros e eles abandonaram a estadia.
Beatriz observou as bandejas. Dispunham de um par de
pratos de sopa e vários pescados. Apesar de ter comido bem
pouco nas últimas horas não estava com muita fome, os
nervos lhe bloquearam o estômago.
Depositou o guardanapo de tecido sobre seus joelhos
enquanto ele, muito gentilmente, colocava dois pratos em
frente a ela.
― Obrigada.
Bastian se sentou desta vez frente a ela, com um
sorriso, parecia realmente satisfeito de desfrutar de
companhia durante o jantar, aquela atitude lhe pareceu
graciosa.
― Suponho que deve ser aborrecido jantar sozinho todos
os dias.
Ele aumentou seu sorriso.
― Sim, a verdade é que me agrada sua companhia. São
muitas horas, dias, semanas e inclusive meses de solidão.
Por mais que eu esteja rodeado de marinheiros a verdade é
que a vida no mar é muito solitária.
― Ora ― ela pronunciou voltando seu olhar para o prato
e pegando a colher.
― Então aproveite.
― Igualmente.
Mantiveram-se alguns minutos degustando aquela sopa
até que ele voltou a conversar.
― Se não for muito perguntar, não dispõe de irmãos?
Tios? ― perguntou enquanto pegava a garrafa de vinho e se
preparava para preencher a taça dela. ―Não tem nenhum
familiar na Espanha?
Ela permaneceu alguns segundos calada enquanto
observava como ele enchia sua taça. Seria melhor não beber
muito vinho se quisesse continuar improvisando sua história,
jamais tolerou muito bem o álcool.
― Temo que não. Sou filha única, igual minha mãe. Meu
pai possuía um irmão, mas ele faleceu por causa de uma
enfermidade.
Ele a olhou fixamente.
― Está muito sozinha no mundo. ― Ela encolheu os
ombros enquanto continuava tomando a sopa, sem olhá-lo
nos olhos. ―Não se assusta?
― Por que deveria me assustar? ― Aquela resposta o
pegou de surpresa. ―Estou triste porque perdi todos meus
seres queridos, mas não me assusta estar sozinha, considero-
me uma mulher trabalhadora e capaz de sobreviver sem a
ajuda de ninguém. De fato, tenho feito durante estes últimos
meses.
Bastian se remexeu incômodo no assento.
― Os inglese lhe fizeram-lhe mal? ― perguntou com tom
angustiado.
Ela sorriu e negou. No mesmo instante, o rosto daquele
inglês se apoderou de sua mente. Apesar de que era um
pirata inglês e sabia que ele odiava tudo o que pertencia ao
Império espanhol, não a tratou da forma brusca como ela
havia esperado. Embora fosse verdade que ele não foi muito
cortês, agora via tudo de outra forma. Poderia ter sido muito
pior.
― Não. Com isso não quero dizer que fossem amáveis,
mas foram respeitosos até certo ponto. Não me fizeram mal.
Bastian assentiu voltando seu olhar para o prato, como
se aquela resposta lhe tivesse acalmado.
― Sabe quem era o capitão do navio que a sequestrou?
Ficou pensativa.
― Acredito que era Duncan.
Ele elevou seu olhar.
― Duncan McCartney? ― perguntou assombrado.
Ela o olhou surpresa.
― Sinto muito, não sei seu sobrenome ― disse
depositando a colher no prato, inquieta pelo que aqueles
olhos transmitiam. ― O conhece?
― Temo que sim.
― Um jovem loiro, olhos claros…
― Sim.
― De onde o conhece?
Ele soprou e voltou a dar conta da sopa durante alguns
segundos.
― Assaltou vários navios espanhóis e franceses. Topei
uma vez com ele, faz vários anos.
― Atacou-o?
Bastian suspirou.
― Sim, é um dos piratas mais desumanos que conheci.
Estávamos defendendo a costa de Nassau dos piratas,
quando um navio inglês nos surpreendeu. Estava esperando
atrás de algumas rochas. Abandonou-nos contra a costa.
Afundou o navio no qual eu viajava. Muitos de meus
companheiros morreram afogados. Por sorte, alguns poucos
conseguiram saltar ao mar e nadar até a costa.
Sabia ao que se referia sobre defender a costa do
Nassau. Naquela época os piratas ingleses e holandeses
invadiram aquela ilha que pertencia ao Império espanhol e
estes tentavam atingi-los com tiros de canhões.
― Deve ter sido muito duro.
― O mais duro foi sobreviver naquela ilha entre os
ingleses. Por sorte, consegui chegar à costa junto com um
grupo reduzido de companheiros e nos escondemos em
cavernas perto da praia, ali esperamos umas duas semanas,
até que passasse um casco de navio espanhol ou francês.
Quando o vimos aparecer depois de bastante tempo, saltamos
ao mar nadando para ele, ainda sabendo que possivelmente
não nos veriam, mas conseguimos ser resgatados.
― Me alegro de que assim fosse ― respondeu.
Bastian, apesar de que também parecia ser bastante
jovem, tivera uma vida dura e cheia de perigos. Durante
alguns segundos imaginou ele escondido naquela caverna,
escura e úmida, esperando divisar no horizonte algum navio
espanhol ou francês. O desespero que deve ter sentido ao se
encontrar naquela ilha, sabendo que a qualquer momento
podia ter sido surpreendido pelos piratas ingleses que a
invadiram, deve ter sido horrível. E depois estava o
tratamento que ele estava dando a ela. Apesar de ser um
general da armada a tratava com delicadeza, inclusive com
doçura, embora se recordasse da quantidade de escravos que
levava nas adegas, e aquilo lhe fez arrepiar-se. Não parecia
um homem mau, ao contrário, parecia se preocupar com ela.
― Quantos escravos transportam… ― sussurrou sem
observá-lo, embora notasse o olhar dele sobre ela. ―De onde
eles vêm? ― Ela já sabia, mas era uma boa forma de mudar o
assunto.
― Do Senegal, e o último carregamento veio da Gambia
― pronunciou não muito convencido. Sabia que não eram
assuntos que uma mulher tratasse habitualmente.
― São adultos?
Bastian não afastou o olhar dela.
― A maioria.
― Transporta crianças? ― Nesse momento ela elevou o
olhar.
Bastian a observava com certa frieza.
― Alguns são jovens, onze ou doze anos. São os mais
apreciados.
Notou que suas tripas se revolviam. Sob seus pés,
possivelmente, havia cinquenta ou mais escravos, alguns
deles não estariam nem conscientes do que lhes estava
acontecendo. Tanta crueldade a desesperava.
― Alimenta-os? ― perguntou sem pensar.
― Desculpe senhorita Ibáñez, mas não são assuntos que
eu goste de tratar no jantar ― pronunciou bastante seco,
como se estivesse realmente aborrecido pela mudança na
conversação.
Nesse momento ela reagiu. Devia se controlar. Aquilo se
quisesse ou se não, era parte da História, e ela não
conseguiria nada. O melhor seria concentrar toda a sua
atenção em ter uma relação cortês e amável com ele, pois era
a única esperança que possuía para permanecer a salvo
naquela época tão dura.
― Desculpe ― sussurrou. ―Não era minha intenção
importuná-lo. ― Olhou para seu prato cheio por causa da
situação. ―O jantar está delicioso.
Bastian a observou durante vários segundos. Aquela
mulher era realmente impressionante, embora tivesse um
caráter bastante forte. Supunha que o fato de ter sido criada
sem mãe e rodeada de homens do mar a fizera endurecer. Por
um lado admirava essa coragem, pelo outro, intuía que era
uma mulher que não se deixaria dobrar facilmente. Era
realmente preciosa, seria um tolo se não se desse conta disso.
Bastian aceitou suas desculpas e continuou com a sopa
até que a acabou e pegou o prato com o pescado.
― Os ingleses a alimentavam bem?
Ela olhou de um lado para o outro, sem saber muito
bem como responder a isso.
― Sim, bastante bem ― pronunciou sem olhá-lo.
O resto do jantar transcorreu normalmente. Ele lhe
contou suas primeiras experiências no mar, algumas
aventuras que tivera. Era um grande orador, se deixasse de
lado ao que ele se dedicava, poderia inclusive achá-lo
encantador. Possuía um sorriso realmente terno, parecia
impossível que um homem que falava daquela forma, que a
tratava com tanta educação, pudesse comercializar escravos.
Embora soubesse que era, simplesmente, um general ao
serviço de seu rei e que obedecia a ordens.
Ela fixou-se em seus olhos quase verdes, em seu cabelo
negro, em seu sorriso divertido e juvenil. Era um homem com
boa aparência.
Depois do jantar e após um momento mais de conversa
ela se levantou de seu assento.
― Foi um jantar muito agradável ― pronunciou Beatriz
enquanto se levantava, ao mesmo tempo, Bastian ficou em
pé. ―Mas estou bastante cansada e, além disso, o vinho me
deixou um pouco enjoada ― sorriu. ―Eu gostaria de me
retirar para descansar.
― Claro, é obvio.
Abriu a porta e, ao contrário do que ela esperava,
Bastian a acompanhou até seu camarote situado no início
daquele corredor.
Beatriz abriu a porta, sem saber como se despedir, por
mais que dominasse a história da época e os costumes, a
prática era muito diferente.
― É um camarote muito austero ― pronunciou ele
olhando no interior.
― Não preciso nada mais.
Bastian a olhou e assentiu com um breve sorriso. Ficou
observando-a alguns segundos até que finalmente deu um
passo para trás.
― Então descanse. Boa noite.
― Igualmente, general.
Ele inclinou seu rosto e sorriu de forma mais aberta.
― Você não precisa me chamar assim ― pronunciou
divertido. ―Pode me chamar de Bastian. Sentir-me-ia mais
cômodo.
― Está bem, Bastian.
Depois de alguns segundos ele voltou a sorrir.
― Descanse ― ele pronunciou, antes de virar-se e se
dirigir para seu camarote.
6

Conseguiu dormir logo naquela noite. As ondas


balançavam o navio com força até que, em um determinado
momento, elas deram trégua e o navio permaneceu mais
estável.
Despertou quando a luz do sol começou a entrar pela
janela. Fazia pouco que devia ter amanhecido, pois o sol
estava ainda muito baixo, embora o som no convés fosse
ensurdecedor.
Através da janela somente conseguia ver a imensidão do
mar. Onde se encontrariam nesse momento? Teriam chegado
a Cuba?
Asseou-se o pouco que conseguiu e colocou um vestido
amarelo que havia naquele cofre. Era um vestido lindo, dava-
lhe vitalidade. Fez uma trança e saiu para o convés.
Tal e como imaginara, havia um constante movimento
no convés. Como imaginou, haviam chegado a Cuba, pois a
poucos metros deles se estendia uma enorme praia de areia
branca, aonde chegavam os barcos, carregados com dois ou
três marinheiros franceses, embora sentisse que se arrepiava
quando comprovou que alguns dos que retornavam ao navio,
vinham cheios de homens de cor. Mais escravos.
Notou como o sangue lhe fervia e sentiu desejo de
abandonar aquele navio, de saltar, literalmente, pela popa.
― Bom dia, dormiu bem?
Virou-se imediatamente. Bastian se encontrava as suas
costas.
― Sim, obrigada ― ela pronunciou voltando a olhar à
frente, para aquela praia e para os escravos que
transportavam para o navio.
― Em poucas horas partiremos novamente. ― Ela o
olhou de esguelha. ―Devemos levar a mercadoria ao mercado
e partiremos para a França.
Beatriz se virou de novo.
― Se não se importar eu ficarei aqui.
― Aqui? ― perguntou olhando para a ilha.
― No próximo barco, quando descerem os escravos ―
pronunciou com asco ao final.
Bastian a rodeou e se colocou diante dela. Inclinou seu
rosto para um lado e lhe sorriu levemente.
― Por seu tom de voz e a conversação de ontem, entendo
que não está muito de acordo com o trabalho que realizo.
Ela o olhou fixamente.
― Quer que lhe seja sincera? ― desafinou-lhe.
― É obvio.
Ela se remexeu inquieta.
― Supõe bem. Não estou de acordo com o tráfico de
pessoas, parece-me uma crueldade.
Ele permanecia sorridente, como se já soubesse a
resposta que daria e não o tivesse pegado despreparado. Ele
virou-se e observou a ilha.
― Damos a eles um lar, uma formação, e trabalham em
troca de alimento e teto, somente que em melhores condições
do que estão agora.
― Sim? Você acredita? ― desafiou-o . ― Perguntaram a
eles se estão de acordo indo com vocês?
Ele inclinou uma sobrancelha.
― Não é meu trabalho. ― Ele suspirou. ― Simplesmente
me encarrego de transportar o que meu reino solicita. ― Ela o
olhou de esguelha, voltaria a falar, mas lhe interrompeu. ―
Gostaria de dar um passeio pela praia? ― Aquilo a pegou
despreparada. Não era o que esperava. Deve ter visto seu
rosto surpreso porque aumentou seu sorriso. ―Ainda restam
algumas horas para que elevemos as âncoras. Possivelmente
goste de dar um passeio pela terra firme.
― Sim, claro ― pronunciou entusiasmada.
Já não era somente o fato de investigar a ilha naquela
época, sabia que Cuba não estava, ainda, colonizada, era
descer daquele navio o que de verdade a alegrava.
Bastian a ajudou a descer através de uma escada até
um dos barcos. Um oficial desceu colocando-se em frente a
eles e começou a remar.
Era um dia maravilhoso, não havia uma só nuvem. Uma
brisa fresca fazia com que as mechas de seus cabelos
dançassem de um lado a outro.
À medida que foram se aproximando da praia ficou mais
consciente da quantidade de marinheiros que havia nela. Ao
final desta, sobre a areia, vários homens de cor esperavam
sentados sob as palmeiras, a que chegasse sua vez de ser
conduzidos, mediante a força, ao navio.
O oficial e o general saltaram do barco para levá-la até a
costa. Beatriz ia fazer o mesmo quando se deu conta de que
Bastian a olhava surpreso por seu gesto. Decidiu manter-se
sentada até que ele oferecesse sua mão para ela descer.
― Obrigada.
Observou as altas palmeiras, a areia branca e a cor
turquesa, das águas. Aquilo seria um paraíso se ao final da
praia não houvesse gente escravizada.
Notou que em sua maioria eram homens, alguns bem
mais velhos, outros relativamente jovens, mas se
surpreendeu que não houvesse nenhuma mulher.
Virou-se para comprovar que o oficial entregava para
Bastian uma espada e uma pistola, o que a fez tencionar
suas costas.
― É perigoso estar aqui? ― perguntou enquanto ele dava
alguns passos se aproximando.
― Não. É somente como precaução.
Ela aceitou não muito segura.
― Vamos ― sugeriu agarrando-a pelo braço para ajudá-
la a caminhar pela areia.
Teve que puxar o vestido, com a outra mão, na verdade
é que era realmente incômodo caminhar por ali com aquele
vestido tão longo.
Quando chegaram à zona das palmeiras o sol deixou de
lhes queimar a pele e relaxou bastante.
Bastian a soltou e iniciou uma caminhada bastante
lenta, ao lado dela.
Permaneceram um momento em silêncio, caminhando
sobre aquela areia dura onde começava a crescer um pouco
de erva.
― Sabe para onde vamos? ― perguntou olhando para os
lados, vendo que se metiam um pouco mais na selva.
― Há um lago muito formoso aqui perto, sempre que
venho à ilha passo um momento ali ― pronunciou com um
sorriso. ―É tranquilo.
Ela aceitou. O lugar prometia.
Depois de quase quinze minutos de caminhada entre o
matagal, chegaram ao lugar. Havia uma pequena cascata que
formava um lago de águas cristalinas, rodeada de pedras e
plantas.
Detiveram-se diante do lago e finalmente Bastian se
virou para lhe sorrir.
― Chegamos.
Ela se distanciou alguns passos dele, observando. O
lugar parecia ter sido retirado de um conto.
― É maravilhoso.
Bastian se aproximou com um sorriso em seus lábios.
― Normalmente estou acostumado a me banhar ―
pronunciou olhando-a de canto de olho.
Ela se virou em atitude divertida. Esteve a ponto de lhe
dizer que se queria se banhar não se sentisse intimidado por
ela, entretanto uma vez mais, obrigou-se a lembrar de que
uma mulher desse século não diria tal coisa, nem faria tal
insinuação. E para quê? Duvidava que ele usasse um traje de
banho debaixo daquelas calças brancas. Banhar-se-ia nu?
Aquilo podia ser um espetáculo, estava certa de que debaixo
daquela camisa existia um grande corpo.
Olhou para ele com o canto dos olhos, sem saber como
responder. Aquilo a estava descontrolando. Precisava voltar
para sua época, já.
― General…
― Bastian ― ele interrompeu.
Ela assentiu, recordando-se que no dia anterior ele já
fizera o mesmo pedido.
― Duas noites atrás, onde se encontrava?
Ele pareceu rememorar alguns segundos.
― Aproximávamo-nos daqui.
Ela estalou a língua.
― Por acaso… não… não viu uma tormenta, verdade?
― Faz duas noites?
― Sim.
― Sim, é verdade, vimos uma ao longe, mas a
contornamos.
Ela o olhou impressionada.
― Em que zona se deu essa tormenta?
― Entre Nassau e os Recifes, acredito me recordar…
Ela negou pensativa. Bem, ao menos já sabia que a
tormenta não havia sido algo que afetasse unicamente ele e o
doutor Davis.
― E deve haver muitas tormentas por aqui?
Ele parecia intrigado. Sentou-se sobre a erva, de frente
para o lago.
― De vez em quando ― ele pronunciou como se não
tivesse muita importância.
― Sabe de quanto em quanto tempo? ― Ela sentou-se a
seu lado, intrigada.
― Não sei. Estou acostumado a fazer esta rota uma ou
duas vezes ao ano. Há vezes em que vi alguma tormenta, em
outras o mar estava calmo.
― Havia faíscas elétricas? ― Ele inclinou uma
sobrancelha ante esse comentário. ―Refiro-me a se houve
raios de luz e trovões.
― Algumas vezes, mas já lhe disse, se nos encontrarmos
com alguma estamos acostumados a contorná-la. É melhor
não atravessá-la quando levamos escr… ― ficou calado
imediatamente.
Aquela atitude a surpreendeu. Evitou dizer a palavra
escravo diante dela? Bastian afastou o olhar e contemplou o
lago.
― Estamos acostumados a esquivá-las ― acabou
dizendo.
Ela não soube como reagir, parecia que ele se esforçava
para ter uma boa relação com ela. Sabia que aquela palavra a
desgostaria.
Depois de alguns segundos ele voltou a olhá-la.
― Não se preocupe se houver alguma tormenta a
esquivaremos.
Ela sorriu agora ele pensava que a assustavam? Não, o
que precisava era outra tormenta daquelas. Claro, que sim!
― Ora. ― Ela estalou a língua e contemplou as águas
cristalinas do lago.
Nesse momento conseguiu observar de canto de olho,
como Bastian parecia olhá-la, fixamente, como se estivesse
observando seu perfil. Notou as bochechas se acenderem e o
olhou um pouco tímida.
― Não partirão sem nós, não é verdade? ― ela perguntou
tentando conversar.
― Não, é claro que não ― respondeu divertido.
―Necessitam de minhas ordens.
Ela assentiu. Passaram vários minutos observando a
brisa úmida e ela pensou que, face à crueldade daquela
época, ainda havia lugares onde se podia respirar-se um
pouco de paz.
Bastian parecia bom homem e devia reconhecer que era
muito atraente. Sabia que contar com uma mulher a bordo
era como um presente, naquela época desfrutar da
companhia de uma mulher, era um luxo que muitos homens
de mar não podiam se permitir, a não ser que parassem em
uma ilha, mas não sentia essa sensação com Bastian,
parecia um homem bastante honrável, de gostos refinados e
porte elegante.
― E o que me diz de se estabelecer em um lugar?
Ela o observou com um sorriso, sem compreender
aquilo.
― Estabelecer-me em um lugar?
― Sim, ontem me disse que queria ficar nas colônias e
agora diz que quer ficar em Cuba.
― Sim, Cuba, possivelmente não, pois não há muita
civilização ― pronunciou um pouco tímida. ― Mas com
respeito ao resto das colônias, assim é ― ela disse
rapidamente.
― Quer formar uma família lá?
Afastou o olhar dele. Formar uma família lá? Nem louca,
embora soubesse que isso seria o que desejaria a grande
maioria das mulheres desse século. Não, ela o que queria era
fugir dali, daquela época.
Encolheu os ombros. Durante alguns segundos pensou
no que ocorreria se lhe dissesse a verdade, se lhe confessasse
que ela não pertencia àquela época, que havia viajado no
tempo quase trezentos anos para trás e que a única coisa que
desejava era voltar para seu lar. Somente estava certa de
uma coisa, ele a tomaria por uma louca, sim, sim.
― Não sei. Tudo a seu devido momento ― pronunciou
nervosa. A companhia daquele homem e essa conversação
estavam alterando-a, sentia que seu coração se acelerava.
Ela não podia pensar nessas tolices naquele momento,
possuía coisas mais importantes a fazer, como encontrar
outra tormenta como a que a trouxera ali. Observou-o de
canto de olho, ele parecia totalmente, relaxado, inclusive com
um sorriso, como se estivesse satisfeito. ―Se importa se
voltarmos?
― Claro, é obvio ― disse ficando em pé e lhe estendendo
a mão. ― Você está bem?
― Sim, é… ― Procurou uma desculpa rápida. ―É que
não tomei o café da manhã e com este calor…
Ele assentiu e voltou a segurá-la pelo braço para ajudá-
la a se mover entre a vegetação. Não haviam chegado à praia
quando algo a alertou. Havia escutado um grito?
Soltou-se de seu braço e deu um passo para trás
olhando a seu redor.
― O que foi isso?
Ele se virou para observá-la e depois olhou também ao
redor.
― O quê?
― Um grito.
No mesmo instante escutou outro. Parecia o de um
jovem. Bastian foi segurar sua mão, mas ela se afastou um
pouco mais. Escutou com clareza. Pouco depois, ouviram
outro grito.
― Alguém precisa de ajuda ― disse aterrorizada. Não
esperou resposta por parte dele, correu para a área de onde
provinham aqueles gritos.
― Espere senhorita Ibáñez ― escutou Bastian as suas
costas. ―Espere… Beatriz ― ele disse seu nome pela primeira
vez.
Ela não esperou, os gritos se intensificavam a cada
passo que dava.
Afastou alguns ramos de uma árvore e ficou petrificada.
Notou que lhe cortava a respiração e sentiu desejo de
vomitar.
Um oficial francês erguia um pequeno chicote com o
qual fustigava um jovem de cor, que estava amarrado a uma
árvore. Mais três oficiais observavam o espetáculo com um
sorriso, como se o sofrimento que estavam infligindo lhes
fosse indiferente, ao contrário, inclusive produzia neles, certa
satisfação.
Escutou como aquele chicote cortava o vento e golpeava
a carne daquele jovem, que no instante inclinou seu rosto
sulcado por lágrimas para trás e gritou de dor.
Notou como seu coração se partia em dois.
― Basta! ― gritou atraindo o olhar dos quatro oficiais
franceses.
Todos ficaram petrificados ao observá-la, mas seus
olhares voaram para trás dela, onde Bastian aparecia as suas
costas, com atitude zangada.
― General ― disseram os quatro oficiais ficando firmes.
Ela estava avançando para o moço, que observava o que
ocorria com lágrimas nos olhos e a olhava assustado, mas
Bastian a segurou pelo braço e virou seu rosto para eles.
― O que está ocorrendo aqui?
― Senhor ― pronunciou o que ainda mantinha o chicote
na mão, ― ele tentou escapar.
Bastian olhou seus quatro oficiais e depois olhou para o
menino de cor, que estava com algumas gotas de sangue em
seu rosto. Teve que forçar Beatriz para que ela permanecesse
a seu lado, pois, parecia realmente escandalizada pelo que ela
estava vendo e sabia que ela queria se aproximar do escravo.
― Quantas chicotadas lhe deram?
Beatriz se virou para ele surpreendida por aquela
pergunta.
― Cinco senhor.
Bastian assentiu e depois contemplou o rosto
empalidecido de Beatriz.
― Não acredito que ele volte a tentar escapar. Soltem-no
e o levem para o navio ― Automaticamente se virou
arrastando Beatriz com ele, mas ela continuava resistindo.
Beatriz caminhou com sua cabeça virada para trás,
observando como soltavam a contra gosto, o pobre moço que
caiu ao solo abatido, e mesmo assim, elevou seu olhar para
ela justamente antes que a vegetação lhe tirasse toda a visão
possível.
Voltou a remexer-se tentando fazer com que Bastian a
soltasse, mas lhe era difícil. Ele parecia bastante zangado.
― Solte-me! ― ela gritou desfazendo-se de sua mão. Deu
alguns passos para um lado, preparada para esquivar a mão
dele se por acaso tentasse agarrá-la, mas ele não fez nenhum
gesto, observava-a fixamente, em atitude claramente séria.
―Por que permite que seus oficiais façam isso? ― gritou para
ele.
Bastian deu um passo para ela, muito calmo, tentando
segurar sua mão de novo, mas ela voltou a dar um passo,
afastando-se.
― Não, não se aproxime de mim. ― Ele olhou de um lado
a outro confuso, como se não compreendesse sua atitude. Ela
remexeu-se inquieta, sem saber como atuar diante da
brutalidade que vira. ―Nem sequer vai castigar a seus
homens?
― Por que os castig…? ― perguntou com tom paciente,
tentando manter a calma.
― Estavam fustigando a…
― A um escravo ― ele interrompeu elevando o tom. ―Um
escravo que tentou fugir.
Ela o observou com olhos carregados de lágrimas.
― É a única coisa que vê você? ― ela gritou. ―Um
simples escravo? Sabe? Quando você os golpeia sentem…
igual a você ou a mim. Você não é mais que ele,
simplesmente porque leve uma pistola ou uma espada.
Bastian endireitou suas costas e contemplou Beatriz de
cima abaixo, pensativo.
Ela sabia que se tivesse sido um homem que lhe tivesse
pronunciado aquilo ele não teria duvidado em usar as armas,
mas sabia que as boas maneiras de Bastian imperariam ante
o que ela pudesse chegar a lhe dizer. A forma em que a
tratava desde que a recebera em sua embarcação tinha sido
excelente.
― Senhorita Ibáñez ― pronunciou com voz grave e firme.
―Sou um general francês, obedeço às ordens que me dão,
sejam quais forem.
― E também lhe ordenam maltratar seus escravos?
Ele deu um passo para ela com atitude agressiva, aquilo
fez com que Beatriz desse um passo para trás fugindo dele, o
que o fez deter-se no momento. Desde que a viu naquela
praia, havia sentido uma vontade incrível de protegê-la. Ela
havia sido capturada e ele lhe daria seu amparo sem hesitar.
Inclusive durante o jantar fantasiara, enquanto falavam, com
a ideia de levá-la com ele à França e uma vez que estivessem
lá, lhe pediria que ficasse junto com ele. Não queria que ela
tivesse medo dele, nem que o detestasse pelo que fazia.
Qualquer mulher se sentiria orgulhosa e satisfeita de ser a
esposa de um jovem general francês, mas ela nesse momento,
parecia odiá-lo e detestá-lo.
― Sinto que tenha visto isso. Da próxima vez me dê
atenção e não se mova de meu lado, evitaríamos estas
discussões.
Ela o olhou impressionada. Essa era a solução que ele
propunha? Estava claro: o que os olhos não veem o coração
que não sente.
― Sei que tem um grande coração, Beatriz ― pronunciou
mais calmo, aproximando-se com a mão estendida, mas ela
voltou a dar um passo para trás. Ele suspirou e olhou para o
chão pensativo, durante alguns segundos, depois, colocou as
mãos em sua cintura. ―Devemos retornar ao navio ―
pronunciou em um sussurro.
Naquele instante, escutou os passos daqueles oficiais
que caminhavam passando entre o matagal. Virou-se e
conseguiu ver como levavam quase arrastado, aquele moço.
Seus olhos se embaçaram de lágrimas e mordeu o lábio. O
que esse moço jovem sofrera não era justo. Durante alguns
segundos sentiu ódio por sua própria raça e por ela própria.
― Beatriz ― sussurrou Bastian aproximando-se,
colocando a mão para diante dela. ―Vamos.
De todas as formas, o que faria? Devia voltar para o
navio.
― Se se sentir melhor farei com que o médico desça para
curar as feridas do… ― voltou a ficar calado, suprimindo
aquela palavra.
Ela suavizou seus traços. Sabia que Bastian crescera
com aquela ideologia, aqueles costumes, e até certo ponto
podia compreendê-lo. Se pudesse, naquele momento teria
esbofeteado a todos, mas o fato é que Bastian parecia se
esforçar para lhe agradar. Ao não pronunciar a palavra
escravo, o fato de que oferecesse que o médico de seu navio
se encarregasse de um dos escravos… sabia que aquilo não
era o comum. Nem sequer devia ter posto fim naquela surra.
Ela suspirou e tentou se calmar.
― Está bem ― sussurrou.
Bastian continuava com sua mão estendida para
conduzi-la através da vegetação, mas ela não a aceitou,
simplesmente passou ao lado e seguiu seu caminho para a
praia, sem sequer vira-se para observá-lo. Bastian a seguiu
em silêncio.
Tal e qual Bastian informara partiram pouco tempo
depois. Ao chegar ao navio se dirigiu a seu camarote. Uma
vez que haviam zarpado, dentro de poucas horas escutou os
passos de alguém pelo corredor detendo-se diante da sua
porta, como se hesitasse em chamar.
Conteve a respiração durante aqueles segundos. Estava
certa em cem por cento de que se tratava de Bastian.
Finalmente, na hora de comer decidiu sair. Afinal, ela
não estava fazendo nada de mal, os que teriam que se
envergonhar era eles.
Quando abriu a porta de seu camarote olhou para os
lados, tampouco ela queria encontrar-se com ele. Embora
soubesse que estava com razão, à situação era bastante ruim,
pois, afinal, ele a resgatara e isso era a única coisa que a
afastaria de qualquer perigo naquele momento, que a
protegeria, mas somente por aquele fato…ela devia fazer com
que ele abandonasse seus ideais?
Fechou a porta do camarote e avançou pelo corredor
para a cobertura. O sol a cegou durante alguns segundos e
foi obrigada a colocar mão como uma viseira.
Bem, objetivo a ser alcançado. Ir até a cozinha e comer
algo. Observou a porta diante dela ao outro lado do convés e
começou a avançar quando seu olhar se cruzou com o de
Bastian, apoiado no corrimão acima, no leme.
Beatriz afastou seu olhar e avançou para a porta, mas
de canto de olho se deu conta de como o general descia as
escadas em ritmo acelerado.
― Senhorita Ibáñez…
Ela não se deteve.
― Só vou comer algo, tenho fome ― sussurrou sem olhá-
lo. ― Logo voltarei para meu camarote e não o incomodarei
mais.
Escutou como Bastian estalava a língua e depois
interrompeu seu passo ficando diante dela. Ao princípio não
se atreveu a olhar seu rosto. Gritara com ele, com um general
francês, com o homem que estava lhe dando asilo e a estava
protegendo.
― Você não me incomoda ― sussurrou aproximando-se
um pouco mais.
Finalmente, elevou seu olhar tímido para ele. Não
conseguia evitar sentir ódio por esse homem, mas ao mesmo
tempo ele lhe transmitia certa ternura, a forma como
controlava suas maneiras diante dela era incrível.
― Não tem por que ficar encerrada no camarote, já lhe
disse que é livre de passear pelo navio o quanto quiser. ― Ela
voltou a remexer-se inquieta pelo jeito dele. Bastian a
segurou com delicadeza pelo braço e a conduziu para o
corredor que dava à cozinha, para terem um pouco de
intimidade. Assim que chegaram ele a soltou.
― Estou bem em meu camarote ―ela sussurrou
mordendo o lábio.
― Será? ― pronunciou não muito seguro. ― Está bem. ―
Virou-se para o cozinheiro. ― Prepare algo para ela comer. ―
E voltou o olhar para ela ― Depois eu gostaria que subisse ao
convés comigo.
― Para quê?
― Para conversar ― sorriu ele. ― Embora não acredite
gosto bastante de sua companhia. Aquilo a fez sorrir também
e finalmente se rendeu. Tampouco podia ficar zangada com
ele, nem sequer conseguia evitá-lo, tampouco, realmente não
sabia se queria. ― Coma tranquila, espero-a na popa.
― General, eu… ― disse ela ao ver que ele se virava para
a porta.
Olhou-a e inclinou seu rosto.
― Façamos um trato ― interrompeu-o. ―Eu deixarei de
lhe chamar senhorita Ibáñez e, se não se importar, a
chamarei de Beatriz. E você me chame de Bastian.
Finalmente assentiu, ele já havia falado várias vezes,
mas ao vê-lo vestido de uniforme chamava-o impulsivamente
de general.
― De acordo. Sabe… sabe como está o jovem a quem
seus homens…?
― Ficará bem. O médico examinou-o tal e como eu
prometi ― pronunciou em atitude séria.
― E… você… você acredita que eu…
― Bastian ― voltou a repetir.
Beatriz mordeu o lábio novamente.
― Poderia ir vê-lo?
Aquilo o pegou totalmente despreparado.
― Vê-lo?
― Sim, eu gostaria de me assegurar de que está bem e
bom… não sei muito sobre medicina, mas tenho boas mãos,
eu gostaria de ajudar o médico se fosse possível.
― Ajudá-lo? Não tem que fazer nada disso. Você é minha
convidada.
― Já, sei. E de verdade eu estou muito agradecida. Por
isso mesmo eu gostaria de compensá-lo de alguma forma.
― Não precisa compensar nada.
― Insisto, por favor. ― Depois suspirou.
Bastian voltou a olhá-la de canto de olho, não muito
contente com o que ela lhe oferecia.
― Embora eu agradeça seu oferecimento não vejo
adequado que ajude o médico ― ele pronunciou olhando-a
fixamente. Bom, isso ela já sabia, não a pegara de surpresa.
―Mas se desejar, depois de comer direi ao Pierre que a
acompanhe um momento para ver o jovem. Assim poderá
ficar tranquila.
Ela assentiu rapidamente, tal e como suspeitara Bastian
não lhe negaria duas coisas. Durante alguns segundos se deu
conta, de que mais ou menos, podia manipulá-lo e não se
sentiu muito bem, mas o certo é que ele parecia interessado
nela. Possivelmente pudesse tirar algum proveito durante sua
estadia no navio.
― Muito obrigada.
7

Comeu rapidamente e quando saiu para o convés, Pierre


se encontrava apoiado contra a parede de madeira,
esperando-a. Era jovem, devia ter um pouco mais de vinte
anos. Possuía o cabelo negro como o carvão e os olhos de
uma cor cinzenta.
― O general me pediu que a acompanhasse até a adega.
Atravessaram o convés justamente quando coincidiu o
olhar com Bastian, que a observava de canto de olho,
enquanto conversava com outro dos marinheiros. Viraram
por vários corredores até que deram com uma porta.
― Cuidado ― Pierre a avisou. ― Os degraus são estreitos.
Não só os degraus, o corredor também era, embora isso
lhe desse mais estabilidade para descer por aquelas altas
escadas já que podia apoiar suas mãos nas duas paredes.
Começou a descer quando algo chamou sua atenção. Havia
um forte aroma no ambiente fechado, com uma mescla de
suor e de sangue. Seu estômago se revolveu, até que
conseguiu se acalmar e continuou descendo os degraus que
restavam.
A primeira coisa em que se fixou foi na pouca luz que
iluminava o ambiente, apesar de ser pleno dia. Pequenos
orifícios nas paredes de madeira deixavam que filtrasse um
pouco de luz.
Toda aquela área estava constituída por pequenas
prisões. Em algumas delas se contava cinco ou seis homens,
outros, estavam presos à parede.
Teve que se conter para não começar a chorar ali
mesmo. Estudou em que consistia a escravidão, mas não
estava preparada para ver com seus próprios olhos. Sentiu
outra vez como o estômago se revolvia e durante alguns
segundos, fechou os olhos e tentou controlar a queimação
que subia de seu estômago.
Quando os abriu, Pierre havia se afastado alguns metros
e se virou para ela, esperando que ela se aproximasse.
Chamou-lhe a atenção como ele caminhava por ali, com total
normalidade, como se não tivesse consciência de que eles
estavam encarcerados, retidos contra sua vontade, mediante
grilhões.
― O jovem está no fundo ― pronunciou secamente.
Passou ao seu lado enquanto observava como todos
aqueles homens de cor a olhavam, impressionados.
O silêncio era extremo e só podia escutar o murmúrio
dos marinheiros no convés e o sussurro do mar, das ondas ao
golpearem contra o navio.
Reconheceu-o instantaneamente. Tal e como havia
intuído era um moço bastante jovem e apesar de estar
ajoelhado, parecia corpulento.
Olhava-a surpreso. Estava claro que a reconheu.
Beatriz se dirigiu a passo lento para ele, mas Pierre a
segurou pelo braço.
― Senhorita, é melhor que não se aproxime.
Ela se soltou a contra gosto.
― Deixe-me ― sussurrou, voltando o olhar para o jovem.
Não esperou para escutar outro protesto por parte daquele
marinheiro, e caminhou para o jovem, que a seguia com o
olhar cravado nela. Colocou-se diante dele e o examinou. Um
de seus braços estava para cima preso a parede de madeira
através de um grilhão.
― Entende francês? ― perguntou em um sussurro.
― Sim, um pouco.
Ela assentiu.
―Um médico veio examiná-lo?
― Sim, antes.
― Curou suas feridas?
O moço se remexeu inquieto.
― O médico ― comentou colocando-se de joelhos. ― Me
disse que tudo estava bem.
Ela inclinou uma sobrancelha e se virou para o Pierre,
que ficou alguns metros atrás e tinha a mão colocada na
espada, como se estivesse preparado para um eventual
ataque.
Voltou seu rosto para o moço, preocupada.
― Como se chama?
― Enam ― sussurrou.
Ela assentiu e se aproximou um pouco mais.
― Enam, pode me mostrar suas costas?
Os passos de Pierre atrás dela a deixaram tensa.
― Senhorita Ibáñez ― ele pronunciou como se fosse uma
ameaça. ―Não se aproxime mais.
Ela se virou fuzilando-o com o olhar.
― Você não tem que me dizer o que tenho que fazer. O
general me prometeu que enviaria um médico para examiná-
lo e o médico veio, mas não o curou. O que quer? Que as
feridas se infeccionem ele morra? ― perguntou em um tom
mais contundente. ― Afaste alguns passos, agora ― ela
ordenou.
Pierre a olhou com uma sobrancelha arqueada. Sabia
que aquele comportamento não era normal para uma mulher
daquela época, mas ver tanto desespero e tanta crueldade a
fizeram esquecer a maneira que devia ter.
Virou-se de novo para Enam, colocando-se totalmente a
seu lado.
― Deixe que eu olhe suas costas, por favor, ― sussurrou.
Ele virou-se lentamente, tudo o que lhe permitia o
grilhão que mantinha seu punho preso.
Estava com vários cortes, não eram muito profundos,
mas o suficiente para lhe abrir a pele e um pouco a carne.
Alguns deles pareciam mais vermelhos, e ela sabia que era
sintoma de que podia haver infecção. Precisava desinfetar a
ferida, mas ali não havia medicamentos, nem antibióticos.
Olhou para Pierre, que parecia bastante incomodado
com seu comportamento.
Ela ficou em pé e colocou suas costas eretas.
― Preciso de água com sal.
Pierre cruzou os braços com uma atitude que beirava a
prepotência.
― Para quê?
― Alguns desses cortes estão infectados. Preciso curar
as feridas.
― Você não tem por que fazer isso.
― Tem razão, um médico deveria fazer, mas seu médico
parece que não é suficientemente responsável para fazer ele
mesmo ― acabou pronunciando com maus modos.
Conseguiu ver que vários daqueles homens pareciam
aturdidos ao presenciar aquela atitude em uma mulher.
― Vá procurar água e sal ― ordenou finalmente,
enquanto se virava de novo para Enam. Depois de vários
segundos Pierre deu meia volta e se dirigiu para as escadas,
com uma marcha um tanto acelerada e agressiva. Pouco lhe
importava o que ele pensasse sobre ela, não podia
permanecer impassível diante do que estava ocorrendo,
diante de uma pessoa que necessitava sua ajuda. Enam se
virou para ela e a olhou confuso. ― A água com sal fará que a
ferida se feche antes, pode ser que arda um pouco, quando
eu colocar, mas logo doerá menos, logo verá.
Ele assentiu e olhou de esguelha para seus
companheiros.
― Obrigado.
Ela suspirou e olhou para todos aqueles homens que a
sua vez também a observavam.
― Que idade você tem?
― Vinte e três anos, senhora ― pronunciou tímido. ― A
vi em Cuba. Deteve os homens que me batiam.
― Não me parece justo o que lhes fazem ― sussurrou.
―Diga-me, ofereceram-se para vir com eles?
― Senhora ― disse o do lado. ― Aqui, seus amigos,
dizem-nos que trabalharemos em troca de comida, mas não
nos perguntam o que opinamos sobre isso. Se não, acredita
que estaríamos aqui encadeados? ― perguntou movendo seu
grilhão.
Ela assentiu e voltou o olhar para Enam.
― Dói sua cabeça? Teve febre?
Ele negou.
― Não, doem as costas e o braço ― pronunciou
movendo-o. Ela não estranhava ter o braço para cima
durante várias horas devia provocar uma dor muscular
horrível. ― A cabeça não.
Escutou quando a porta se abria, mas a alertou o fato
de escutar que não só descia as escadas, uma pessoa. Ficou
em pé quando o primeiro que apareceu diante dela foi
Bastian, seguido de Pierre, realmente zangado.
Bastian olhou de um lado a outro e depois arqueou uma
sobrancelha para ela.
― O que está ocorrendo aqui?
Ela deu um passo para ele, tentando parecer segura do
que dizia. Maldito Pierre, a única coisa que precisava fazer
era lhe trazer água com um pouco de sal, não ir direto ao
general.
― Você me prometeu que um médico o visitaria.
― E não foi assim? ― perguntou olhando-a, enquanto os
escravos afastavam o olhar dele.
― O médico não o examinou somente lhe disse que tudo
estava bem. Entretanto, as feridas não estão, e algumas delas
estão avermelhadas o que significa que…
― E você é médico? ― pronunciou dando um passo para
ela. Não usava um tom de voz elevado, mas seu olhar era
autoritário e sua voz era realmente seca. ―Acredito recordar
que já havíamos falado sobre este assunto ― pronunciou
colocando-se diante dela, baixando seu rosto.
Ela remexeu-se inquieta.
― A única coisa que pedi a seu marinheiro é um pouco
de água com sal para curar as feridas, nada mais ―
sussurrou com uma clara petição em sua voz.
Bastian a olhou diretamente e depois lançou o olhar
mais atrás, para o escravo ajoelhado, que o olhava
atemorizado.
― Pierre, traga um copo de água com sal. ― Ela assentiu
e apertou os lábios enquanto suspirava ― Com um copo terá
o suficiente?
Ela assentiu agradecida.
― Sim, muito obrigada.
Bastian olhou de um lado para outro comprovando os
homens que levava como mercadoria.
Beatriz se manteve calada, ao menos conseguira um
lucro. Não pronunciou nada até que Pierre chegou e lhe
estendeu o copo com água e sal delicadamente, embora seu
olhar não fosse amistoso, absolutamente. Estava claro que
havia procurado seu general, pensando que ele a faria entrar
em razão, mas o que Pierre não sabia é que Bastian parecia
estar interessado nela.
Agora via claramente, Bastian se sentia atraído por ela…
senão, por que atuaria daquela forma? Naquele momento o
viu com outros olhos. Era um homem atraente, alto, bonito…
mostrava um porte refinado e elegante.
― Pierre, agora eu me ocupo ― pronunciou o general,
indicando que ele os deixasse sozinhos.
― Claro senhor.
Beatriz foi até Enam e se ajoelhou a seu lado.
Possivelmente deveria ter pedido também um trapo, mas
duvidava que tivessem gazes esterilizadas naquela época.
― Pode ser que arda um pouco, mas melhorará rápido ―
sussurrou antes de ir jogando o conteúdo do copo sobre as
costas do jovem.
Os músculos do jovem se esticaram sob a pele,
certamente aquilo devia arder muitíssimo, mas Beatriz não
escutou nenhum gemido do jovem.
Enam se virou, com a mandíbula apertada.
― Muito obrigado ― sussurrou. Depois olhou para o
general, que lhe dava as costas, pois examinava a todos os
homens, um a um. ― O que faz neste navio? ― Ele
perguntou-lhe. ―Você não é francesa.
Beatriz o olhou e sorriu.
― Não, sou espanhola ― sussurrou. ― Me encontraram
em uma ilha. Resgataram-me.
― E fala com eles, assim? ― pronunciou entre assustado
e divertido.
Ela encolheu os ombros e respondeu com outro sorriso.
― Diga-me, eles lhes dão de comer?
― Uma vez ao dia. ― Ela assentiu e ficou em pé com o
copo na mão. ―Tentarei descer amanhã para ver como se
encontra.
Ele voltou a assentir.
― Muito obrigado ― voltou a dizer, realmente agradecido.
Ela sorriu e finalmente se virou. Bastian se voltara e a
olhava com semblante sério. Ela dirigiu-se para ele.
― Já acabou?
― Sim.
― De acordo ― pronunciou agarrando-a pelo braço.
Subiram as escadas pouco a pouco. A verdade é que
subir era mais difícil que descer.
Quando chegou ao corredor a luz a cegou, havia um
grande contraste entre a escuridão que havia nas adegas e
aquele corredor luminoso.
Virou-se para o Bastian enquanto ele fechava a porta.
― Bastian ― sussurrou. Ele se virou lentamente,
surpreso porque finalmente ela tivesse usado seu nome.
―Muitíssimo obrigada ― pronunciou lhe entregando o copo.
―Acredito… acredito que fui um pouco injusta com você.
Aquilo o pegou de surpresa e ele arqueou uma
sobrancelha para ela.
― Não compreendo.
― Compreendo seu trabalho ― explicou. ―Mas embora
minha opinião sobre o que faz não seja boa, tem bom
coração.
Ele acabou sorrindo.
― Só foi um copo de água com sal ― disse divertido.
― Ora. ― Ele encolheu os ombros. ―Não é pelo copo, é
pelo gesto que tiveste, não somente com esse menino, mas
também, comigo e com Pierre.
Ele estalou a língua e deu mais um passo para ela.
― Fiz uma promessa a você sobre que o médico o
examinaria, embora não possa controlar que todas as
pessoas façam seu trabalho corretamente. ― Ele suspirou.
―Respeito Pierre, é meu contramestre. A partir de agora deve
obedecê-lo, entende? Não me faça tomar uma decisão assim
novamente.
Aquilo foi pronunciado em um tom sério, embora seu
olhar lhe dissesse que ele estava realmente encantado pelo
que ela havia dito.
― De acordo.
― Bom ― pronunciou, e finalmente ele sorriu, depois fez
um gesto com seu rosto para a porta aberta que dava ao
convés. ― Saíamos?
Depois de passar a tarde junto a Bastian no convés,
desfrutou de um agradável jantar com ele em seu camarote.
Era um homem realmente encantador e se surpreendeu
sorrindo várias vezes durante o jantar. Durante aquelas
horas havia inclusive esquecido o que aconteceu há vários
dias.
Depois foi para seu camarote. Desfez a trança e se
aproximou da janela. A lua se refletia no mar. Não se via
terra.
Já estava há quase quatro dias ali. Estariam
procurando-a em sua época? O que teria sido de William?
Sua família estaria procurando-a?
Notou uma lágrima escorregar por sua bochecha
enquanto observava o mar. Sua mãe, seu pai, seu irmão…
todos os seus amigos. Poderia voltar para seu tempo? Voltaria
a vê-los? Sentiu-se totalmente desolada.
Passou até altas horas da madrugada sem poder dormir,
rememorando lembranças de sua infância, de seu primeiro
dia na universidade, de quando se licenciou.
Quando despertou devia ser quase meio-dia porque o sol
entrava com força através da janela.
Vestiu-se e saiu para o convés, seu cabelo se moveu
para trás pela leve brisa marinha, mas algo a alertou. Estava
nublado? No momento, as esperanças ressurgiram em seu
coração. Haveria uma tormenta?
Quando se virou, Bastian a observava do posto de
comandos e a saudou com um ligeiro movimento de seu
rosto. Beatriz não hesitou em dirigir-se para ele.
― Bom dia ― pronunciou Bastian enquanto se afastava
daquele enorme leme e um marinheiro se colocava em seu
lugar.
― Bom dia. ― Olhou diretamente para o céu. ―Vai haver
uma tormenta?
Ele inclinou seu pescoço para o céu, com gesto de
desagrado.
― É possível, mas a contornaremos. Não se preocupe ―
explicou como se aquilo a tranquilizasse.
Ela olhou de um lado para outro e finalmente se voltou
para ele.
― Para onde nos dirigimos?
― Haiti ― disse com um sorriso. ―Se o vento seguir
sendo favorável esta noite ancoraremos em sua costa, e
assim, amanhã poderemos partir para a França.
Ela o olhou com um sorriso forçado.
― Já… mmmm… o Haiti é uma colônia francesa, não é
verdade? ― perguntou como se não soubesse.
Bastian a olhou surpreso. Normalmente uma mulher
não sabia tanto sobre isso.
― Sim.
― Desejaria ficar ali ― ela disse rapidamente.
Ele voltou a remexer-se inquieto e olhou durante alguns
segundos para o horizonte. Finalmente suspirou e voltou a
centrar o olhar nela.
― Não acredito que seja aconselhável que…
― É o que desejo. Não quero ir à França.
Voltaria a falar quando um marinheiro a interrompeu.
― Capitão ― gritou para ele. ―Tomo este rumo?
Bastian se distraiu alguns segundos olhando para o
céu, para as nuvens negras que apareciam no horizonte.
― Sim. ― Voltou o olhar para ela. Parecia confuso, como
se não compreendesse porque ela queria ficar ali. Era lógico,
mas o que ele não sabia era o que acontecera. ―Esta terra é
perigosa ― ele continuou dizendo.
― Sei ― acabou dizendo perturbada pela insistência
dele. ―Mas meu pai faleceu nestas águas. Quero ficar aqui.
Ele pareceu ter sido pego de surpresa por aquela
resposta. Beatriz sabia o que fazia, sabia que ao mencionar a
morte de um ser querido certamente pararia em seu
empenho, ao menos no momento. Bastian quis falar de novo,
mas Beatriz o interrompeu.
― Seu médico desceu hoje à adega?
― Não que eu saiba ― ele respondeu sinceramente.
― Se não se importar, posso descer? Será somente um
momento. Quero me assegurar de que Enam está bem…
Bastian pareceu não gostar daquilo, mas, mais uma vez
se controlou e ficou pensativo.
― Se espera alguns minutos, eu a acompanharei na…
― Não precisa. Não quero incomodá-lo…
― Já lhe disse que você não me incomoda.
― Serão somente alguns minutos. Não vai acontecer
nada. Todos aqueles homens estão presos às paredes
mediante grilhões.
― Não vou deixá-la ir sozinha ― ele sussurrou, embora
em seu tom houvesse uma ordem implícita e essa era que ele
a acompanharia.
― De acordo. ― Estava claro que Bastian era
encantador, mas também que não havia conseguido aquele
título por cortesia. Embora tentasse manter todas as
maneiras possíveis, com ela, Beatriz era consciente de que
um título como o que ostentava não se conseguia somente
com boas maneiras.
Deu algumas ordens a seus marinheiros e lhe assinalou
com a cabeça para a porta.
― Vamos, acompanho-a.
Beatriz não disse nada, já havia obtido o que queria.
Acompanhou-a de novo pelo corredor e desceram as
escadas. O aroma carregado voltou a lançá-la para trás.
Havia um silêncio total.
Ajudou-lhe a descer os últimos degraus e avançou na
frente dela, com aquela postura que não deixava lugar a
dúvidas: se alguns tentassem algo se veriam com ele.
A maioria estava adormecida ou, ao menos, não
pareciam interessados em abrir os olhos para descobrir o que
acontecia.
Beatriz fixou diretamente os olhos em Enam, o qual a
observava com um sorriso em seus lábios.
Passou ao lado de Bastian e se colocou em frente de
Enam.
― Olá ― pronunciou, abaixando-se.
― Olá. ― Chamou-lhe bastante a atenção que naquelas
condições Enam ainda pudesse lhe oferecer um sorriso.
― Como se encontra?
Enam olhou atrás dela observando durante alguns
segundos o general que estava às costas dela. Beatriz se virou
para observá-lo. Virou-se de novo para ele e lhe sorriu.
― Não se preocupe, está somente me acompanhando ―
tentou acalmá-lo, pois parecia que a presença dele o havia
deixado nervoso. ― Como estão as costas?
― Acredito que melhor, não me dói.
― Posso vê-la?
Beatriz se colocou a seu lado enquanto ele se virava,
embora observasse de canto de olho como Bastian dava mais
outro passo, aproximando-se, como se tentasse protegê-la.
Algumas feridas haviam cicatrizado outras ainda
estavam avermelhadas, mas sem dúvida, melhoraram muito.
― Está muito melhor. Alegro-me muito.
Enam voltou a se apoiar contra a parede e depois levou
a mão para o ombro dolorido, preso pelo grilhão.
Beatriz se virou para Bastian lhe rogando com o olhar,
mas ele já estava negando antes que ela dissesse alguma
coisa. Sabia o que ela queria lhe pedir, certamente queria que
ele tirasse o grilhão.
Beatriz suspirou e finalmente ficou em pé. Tampouco
queria abusar nem perder a oportunidade de descer ali e
assegurar-se de que todos estavam mais ou menos bem,
sobretudo Enam.
― Obrigado por vir para ver-me ― pronunciou
agradecido.
Ela sorriu, mas Bastian já a agarrava pelo braço de
novo.
― Devemos subir.
― De acordo ― sussurrou. Voltou o olhar para o jovem e
lhe sorriu. ―Até a próxima.
Enam assentiu e a observou afastar-se agarrada pelo
braço do francês.
Quando fecharam a porta Beatriz se soltou. Bastian a
observou durante alguns segundos e começou a caminhar
para o convés.
― O que vai acontecer com eles?
Ele suspirou e colocou as mãos em suas costas.
― Amanhã os deixaremos no Haiti ― explicou olhando-a
fixamente, depois inclinou seu rosto, sem perder o contato
com os olhos dela. ―Verá, não quero parecer mandão, mas
preferiria que não abandonasse este navio. Haiti não é um
lugar agradável para uma mulher como você.
Ela sorriu divertida.
― Para uma mulher como eu?
Ele pareceu relaxar ao vê-la sorrir.
― Não nego que é uma mulher forte e com caráter, mas
a vida na colônia francesa é dura.
― Sei.
― Acompanhe-me à França. Prometo cuidar de você ―
ele sussurrou.
Ela o olhou fixamente e endireitou suas costas. No
momento mordeu o lábio.
Bastian não afastava seus olhos dos dela. Pensara em
adiar aquela conversação por alguns dias, mas depois dela
mencionar que queria ficar no Haiti o tempo se esgotava.
Sabia que era muito cedo, mas não queria perder aquela
oportunidade. Era uma mulher preciosa, de bom coração.
― Verá… ― pronunciou aproximando-se um pouco mais,
inclinando seu rosto, com um leve sorriso tímido. ―Estou há
vários meses pensando em deixar o mar durante um longo
tempo. Estabelecer-me em terra firme e, bem, cuidar de
minhas terras, procurar uma esposa… ― sussurrou ― criar
uma família.
De verdade, ele estava insinuando o que estava
insinuando?
― Bastian, eu…
― Não me interprete mal ― Ele riu. ― Não estou lhe
pedindo matrimônio ― brincou. ―Simplesmente lhe digo que
estarei na França, que disponho de um patrimônio
abundante e que não me importaria ajudá-la a iniciar uma
nova vida ali. O outro dia disse que não queria voltar para a
Espanha, que não possui família, e as colônias Francesas não
são um bom lugar para viver.
Ela assentiu, sem saber como declinar sua oferta. Sabia
que ele possuía muito boas intenções, igualmente sabia que
não era indiferente para ele.
― Veja, eu… estou muito agradecida, mas não quero
ficar com a dúvida do que tivesse ocorrido se eu ficasse aqui
― sussurrou. ―Você voltará para o Haiti?
― Quando chegar à França solicitarei minha última
expedição.
Ela respondeu rapidamente.
― Então retornará. ― Ele não pareceu muito seguro de
como estava encaminhando a conversação. ―Deixe-me aqui
durante estes meses e, se for possível, quando você retornar
ao Haiti talvez eu possa ir com você à Europa.
Ele não parecia de acordo, mas ela tomara sua decisão.
Realmente era o mais sensato, sabia que no mínimo
demoraria seis ou sete meses para voltar. Durante esse
tempo procuraria uma forma de retornar a casa, mas se não
o conseguisse, devia estar preparada para tudo. E se havia
ficado presa ali? E se não pudesse voltar alguma vez? Devia
deixar abertas todas as portas possíveis.
― General! ― escutou que gritavam ao longe. Um
marinheiro apareceu correndo vindo do convés. ―Acredite
que um casco de navio se aproxima.
Bastian se virou diretamente para ele.
― Um casco de navio?
― Há bastante névoa, senhor, mas o vigia gritou que lhe
pareceu ver alguns mastros.
Sem prestar mais atenção a ela correu em companhia
do marinheiro para o convés.
E o que acontecia agora?
Beatriz correu também para o convés. No instante, ficou
totalmente petrificada. A névoa era abundante e inclusive, a
temperatura parecia ter descido alguns graus.
Deu uns passos pelo convés, nem sequer podia
conseguir ver a popa. A névoa era branca, espessa, assim,
somente conseguia divisar poucos metros a frente dela.
Virou-se quando escutou os gritos que provinham da
gávea, uma pequena cabine no mastro maior, de onde um
marinheiro divisava o horizonte.
― Capitão! Um navio a poucos metros! A bombordo!
Notou como a pele se arrepiava. Todo o convés ficou em
movimento. Observou Bastian vários metros à frente, virar-
se, com nervosismo para o timoneiro.
― Gire tudo a estibordo!
Não passaram mais que alguns poucos segundos, até
que sentiu que o navio se inclinava bruscamente. O que
aconteceria? Bateriam?
Agarrou-se ao corrimão com força, tentando não perder
o equilíbrio quando detectou que alguém a agarrava pelo
braço.
― Beatriz, o que faz aqui? Meta-se em seu camarote.
Não saia dali até que eu a avise! ― gritou enquanto começava
a dar uns passos pelo convés, arrastando-a.
― Mas o que ocorre? ― perguntou alarmada enquanto
via os marinheiros correrem de um lado para o outro.
― Capitão! ― gritou o vigia.
Ambos elevaram seu olhar para o céu vendo como o
vigia, do alto, assinalava para bombordo.
Viraram-se justamente quando a imagem de um enorme
navio aparecia a seu lado, saindo de entre a névoa, como um
navio fantasma.
8

Retrocedeu alguns passos soltando do braço de Bastian,


assustada pela iminente colisão, porém o enorme navio
corrigiu seu rumo a tempo, colocando-se bem ao lado.
Bastian deu alguns passos à frente, em direção ao
timoneiro, embora com muita dificuldade, podia vê-lo pela
espessa névoa.
― Tudo a estibordo! ― gritou com todas as forças que
conseguiu. O timoneiro girou o leme a toda pressa até que
trancou, mas era impossível, o pouco vento que havia entre
aquela névoa, o grande veleiro que se colocou a seu lado agia
como barreira.
Beatriz o observou assustada, sabia o que isso
significava, certamente era um navio pirata, e suas suspeitas
se confirmaram quando umas cordas com ganchos foram
lançados dos mastros daquele enorme navio.
― Cortem essas cordas! ― ordenou Bastian. Mas as
cordas estavam muito altas. Gritos lhe congelaram o sangue.
Dentre a névoa começaram a aparecer homens, pendurados
daquelas cordas. Não conseguiu reagir, o coração parou e
suas pernas não respondiam diante daquele horror.
― Beatriz! ― gritou Bastian enquanto a sacudia. ―Corra
para seu camarote e não saia de lá, Ouça o que for não saia!
― Enquanto pronunciava aquilo, tirou a enorme espada de
seu cinturão.
Beatriz conseguiu reagir quando escutou o primeiro
choque de espadas.
Havia muita gente no convés. De repente tudo era caos.
― Corra! ― voltou a gritar Bastian fazendo com que
finalmente saísse correndo em direção a seu camarote, com o
coração a mil por hora. Que mais lhe aconteceria? Tropeçou
várias vezes, ouvindo o chocar das espadas, vendo de soslaio
como alguns membros da tripulação francesa já se
encontravam no chão, e apertando-se com força alguma parte
de seu corpo. Entrou no corredor, correndo, sem saber para
onde se dirigir. Nesse navio não havia nenhum lugar seguro
nesse momento.
Correu pelo corredor escutando os canhões disparar.
Não, aquilo não estava acontecendo. Negava-se à evidência.
Sabia que seu camarote não seria um lugar seguro,
mas, para onde iria? Se esses piratas conseguisse vencer a
luta, saqueariam tudo, inspecionariam cada parte do navio.
Primeiro pegariam o tesouro, as manufaturas, tecidos,
armas… e os escravos. Os escravos!
Possivelmente eles pudessem ajudar, a maioria era
jovens e, como era lógico pensar, os piratas seriam muito
mais cruéis que os franceses.
Hesitou alguns segundos, mas, finalmente, se
encaminhou para a porta que a levaria até a adega,
escutando como estava acontecendo uma dura batalha no
convés.
O navio voltou a mover-se bruscamente e uma explosão
a fez cair ao chão.
― Merda! ― sussurrou enquanto se levantava. Não era
só que os estivessem atacando, mas continuassem a
bombardear assim, afundariam o navio e todos morreriam.
Abriu a porta e desta vez não foi silêncio o que escutou.
Os escravos gritavam, sabiam o que estava acontecendo.
Desceu as escadas tropeçando, com o coração
compungido e a respiração acelerada. Todos a observavam,
mas Enam foi o primeiro que lhe gritou.
― O que está acontecendo?
― Atacam-nos. Piratas ― gritou correndo para ele.
Deteve-se a seu lado e olhou de um lado para o outro,
nervosa. ―Onde estão as chaves dos grilhões?
Um dos escravos que havia a seu lado assinalou à
entrada da adega.
― Chaves! ― gritou para ela.
Beatriz centrou seu olhar na viga de madeira, em um
prego onde estavam penduradas as chaves. Correu para ela
quando outra explosão fez com que caísse ao chão, igual à
maioria dos escravos. Os gritos se fizeram mais presentes.
Olhou à frente e viu as chaves, a forte explosão fez com
que acabassem no chão. Agarrou-as e correu para Enam.
Ficou a seu lado e lhe tirou o grilhão. A fechadura estava
oxidada e era muito pesada, mas assim que Enam estava
liberado tirou a chave da mão de Beatriz e começou a liberar
seus companheiros, com urgência.
― Escutem, os piratas querem a nós ― gritou para
Enam, que acabava de liberar um de seus companheiros e se
dirigia para o seguinte.
― A nós? ― perguntou alterado enquanto liberava um a
um.
Os que estavam livres agarraram vigas de metal para
ajudar a tirar os grilhões do resto de seus companheiros e
romper os cadeados que mantinham fechadas as portas das
pequenas prisões improvisadas.
― Eles os venderão no comércio negro. Acreditem em
mim, isso é muito pior que pertencer aos franceses ou aos
espanhóis. ― Correu e agarrou uma parte de metal, para em
seguida começar a esmurrar o cadeado de outra das portas
até que esta cedesse. ―Teremos que acabar com os piratas.
― E com os franceses ― gritou outro dos escravos que
acabava de ser liberado.
Nesse momento não sabia se o que fazia era correto,
pode ser que aquilo piorasse as coisas.
― Bastian ― sussurrou. Virou-se para Enam e o olhou.
―Devemos lutar junto com os franceses. Se os ajudarem os
deixarão livres.
Enam a olhou fixamente e assentiu.
Beatriz foi para seguinte ferrolho quando escutou alguns
passos acelerados pelo corredor. No momento a porta da
adega se abriu de par em par e reconheceu as vozes que
falavam em inglês.
― Não, não… ― gemeu. Não havia se equivocado.
Três homens desceram pelas escadas, mas ficaram
quietos ao comprovar que as maiorias dos escravos estavam
livres. Grande parte dos escravos se jogou sobre eles. Beatriz
ficou atenta ao ver que Enam agarrava uma barra de ferro e
se colocava diante dela protegendo-a.
― Não se afaste de mim.
― Sabe lutar? ― perguntou assustada.
Ele se virou um segundo, não muito seguro.
― Sei me defender.
Ela obrigou-se a afastar o olhar das escadas. Os
escravos haviam jogado os piratas ao chão e os golpeavam
com dureza.
Enam se virou e a puxou pelo braço.
― Vamos, aqui embaixo somos presas fácil se vierem
muitos mais piratas ― gritou enquanto a puxava.
Passaram ao lado dos piratas deitados no chão e
começaram a subir as escadas seguidos de alguns mais, os
quais empunhavam tudo o que haviam encontrado em seu
caminho: partes de madeira afiadas, algumas barra de ferro e
inclusive, conseguiram algumas correntes.
― Mas aonde vamos? ― gritou Beatriz.
Nesse momento acabaram de subir pelas escadas. Enam
ia diante dela quando recebeu um empurrão que o jogou para
trás, fazendo com que ela caísse ao chão.
Elevou o olhar para encontrar a vários piratas mais,
empunhando suas armas. O mais próximo elevava sua
espada para Enam, mas este colocou a barra de ferro diante
dele parando aquela folha afiada que descia a grande
velocidade. Justamente deteve o golpe quando com sua perna
golpeou a do pirata, que deu alguns passos para trás,
concedendo o tempo suficiente para Enam se levantar. Não
precisou que ele atacasse, atrás dela, pela porta, saíam um
grande número de escravos que atacaram diretamente
aqueles piratas.
Ele virou-se para agarrá-la pelo braço e levantá-la.
― Corra! ― gritou assinalando em sentido contrário.
Deu-se conta de que a frente dela entravam muitos
ingleses mais.
Correr? Para onde? Enam se virou e se uniu ao grupo de
escravos que tentava deter o avanço dos ingleses. Muitos dos
escravos começavam a cair ao chão feridos gravemente. Esses
piratas levavam vantagem, foram armados, enquanto que os
pobres escravos não dispunham de praticamente nada para
poder se defender.
Ficou paralisada durante alguns segundos até que ficou
consciente do avanço dos ingleses. Se não saísse daquele
corredor seria capturada.
Olhou pela última vez Enam esquivar a afiada espada e
correu em direção contrária.
Precisava sair para o convés e se fosse possível, saltar
pela amurada. Sem dúvida aquilo seria melhor que cair refém
de um daqueles desumanos piratas.
Quando saiu para o convés ficou consciente do
massacre que estava vendo. A maioria dos marinheiros
franceses permaneciam atirados no chão, sangrando, com
uma brecha aberta em sua cabeça ou atirados no chão sem
respirar. Poucos se mantinham em pé.
Devia sair já dali, antes que a vissem, sabia o que fariam
com ela se a encontrassem.
Procurou o rosto de Bastian entre todos aqueles
franceses atirados no chão, mas não o encontrou até que
escutou o som de espadas a poucos metros dela. Nesse
momento o reconheceu. Bastian lutava contra um daqueles
piratas, mas algo chamou sua atenção, aquele inglês não era
estranho. Não era o mesmo ao que ela golpeara com uma
pedra fazia poucos dias?
Nesse momento compreendeu. Recordou quando atrás
daqueles arbustos, haviam espiado os franceses, que diziam
algo sobre se dirigirem para o Haiti.
― Não, não, não… ― foi a única coisa que conseguiu
dizer.
A névoa continuava espessa. Com sorte, se se
apressasse, poderia saltar ao mar e refugiar-se lá até que
aquele inferno acabasse, embora parecesse que aquela
batalha não seria ganha por seus amigos.
Voltou a correr, sem saber para onde se dirigir. Nesse
momento uma figura apareceu entre a névoa. Ficou
paralisada. Esse corpo, as mãos, seu cabelo, seus olhos.
Reconheceu-o instantaneamente. O pirata inglês que a
amarrara, que a mantivera presa.
Seu coração paralisou.
Duncan a olhou sério, mesmo assim ele esboçou um
leve sorriso igual fizera a última vez que ela o vira. Avançou
para ela, ao princípio lentamente, logo apressou o passo,
sempre com o olhar fixo em Beatriz.
― Não, não, não… merda! ― gemeu enquanto punha-se
a correr em direção oposta a ele, agarrando seu vestido.
O que podia fazer? Para onde se dirigir? Correu em
direção à proa do navio, subiu as escadas que conduziam à
área do leme, onde vários homens lutavam corpo a corpo e se
dirigiu correndo para o final do navio.
Um dos piratas cravou o olhar nela, surpreso ao vê-la
ali. Sim, aquele era outro dos homens que acompanharam
Duncan em sua expedição. Guardou sua espada no cinturão
e sorriu. Automaticamente, correu em sua direção
interceptando-a.
Beatriz caiu no chão mas começou sua luta particular
golpeando-o com suas mãos e seus pés.
― Não! Me Solte! ― gritou desesperada.
Elevou seu joelho e o golpeou entre as pernas. Na hora a
soltou enquanto uma careta de dor atravessava seu rosto.
― Filha da… ― gritou em um perfeito inglês enquanto
ela ficava em pé.
Não esperou nem um segundo, precisava fugir desse
navio. Virou-se para se dar conta de que Duncan subia as
escadas com a espada na mão a passo apressado, e centrava
seu olhar nela, depois virou seu rosto para seu companheiro
e sorriu levemente, ao ver que ele apertava a delicada zona
dolorida que Beatriz acabava de golpear.
― Não se preocupe, agora eu me encarrego. ― ele
brincou passando ao seu lado.
― De acordo ― sussurrou o jovem que ainda continuava
encolhido. ―Mas tome cuidado.
Duncan sorriu ainda mais.
Beatriz subiu apressada no corrimão. Sabia que seria
uma queda dura, mas não lhe importava se conseguisse sair
desse navio com vida. Ao menos, aquele vestido era bastante
leve e seu peso não a arrastaria para o fundo.
Respirou profundamente e ia saltar quando um braço a
agarrou pela cintura e a virou sem contemplações.
― Nem pense em saltar ― ameaçou Duncan como se
tivesse lido seu pensamento.
Ela o olhou diretamente aos olhos.
― Você. Solte-me. Maldito inglês! ― Foi a única coisa que
saiu de sua boca.
Duncan a agarrou mais forte pela cintura e começou a
elevá-la, mas Beatriz lutava, lutava sem receio, para não ser
depositada em seu ombro. Rasgou sua camisa, golpeou seu
rosto… mas não havia jeito, as mãos do homem a mantinham
segura e era incapaz de desfazer-se dele. Quando Duncan
considerou apropriado lhe agarrou as duas mãos, inclinou-se
e começou a elevá-la sobre seu ombro.
― Basta de brincadeiras… por enquanto ― pronunciou
enquanto a colocava sobre seu ombro.
Beatriz golpeou suas costas tão forte como pode, entre
gritos e prantos.
― Não! Ajuda! Socorro! ― gritou rasgando a garganta.
Duncan fez pouco caso, das súplicas e soluços da moça.
Desceu as escadas quando uma espada se colocou diante
dele. Bastian apontava diretamente para seu peito.
― Solte-a ― ele pronunciou, com a voz esgotada pela
luta que mantivera.
Duncan o olhou enquanto recebia golpes nas costas por
parte dela.
Soltou-a lentamente até que os pés de Beatriz tocassem
o chão, ela correu para Bastian que a colocou diretamente,
atrás de suas costas.
Duncan aproveitou esse momento para certificar-se de
que seus homens já haviam acabado com praticamente todos
os franceses. A maioria deles se arrastava pelo chão e
gritando de dor e outros permaneciam inconscientes, ou sem
vida.
― Não tem nada a fazer, francês ― pronunciou Duncan
em um francês bastante fluente.
Bastian olhou para os lados, consciente de que
perderam a batalha. Passou um braço por trás unindo
Beatriz a suas costas, advertindo-se de que todo o corpo dela
tremia.
― Não permitirei que a leve ― sussurrou isso, elevando
mais sua espada.
Duncan encolheu de ombros com um leve sorriso em
seus lábios. Seu olhar recaiu de novo em Beatriz, que
permanecia escondida às costas do general francês.
― Não pode fazer nada para evitar ― pronunciou
tranquilamente. No momento, vários ingleses os rodearam.
―Baixe sua arma e deixarei que viva. ― Ele propôs.
Bastian continuou com a espada elevada. Duncan
esperou alguns segundos e olhou o resto de seus
companheiros, assinalando com um ligeiro movimento de sua
cabeça.
Segundos depois vários piratas se jogaram sobre
Bastian. Beatriz caiu ao chão enquanto gritava. Os ingleses
deram a volta em Bastian e começaram a lhe amarrar as
mãos às costas enquanto lhe tiravam a arma. Mas Bastian
não se rendia, continuava lutando, enquanto observava
Beatriz, que permanecia petrificada no chão.
Teve consciência de que seu coração se acelerava,
sobretudo, quando os ingleses arrastavam pelo convés os
escravos que ela mesma libertou.
― Não ― gemeu ficando em pé e dando alguns passos
para trás.
Seus olhos se umedeceram ao compreender a situação.
Contemplou, sem poder fazer nada para evitar, como
golpeavam o rosto de Bastian e este ficava inconsciente sobre
o convés.
Beatriz continuou se afastando, tentando colocar a
maior distância entre aqueles homens e ela, quando se deu
conta de que Duncan permanecia impassível, com o olhar
cravado nela, de braços cruzados, esperando seu próximo
movimento.
Beatriz olhou de um lado para outro. Diante dela oito
homens ingleses permaneciam observando-a, embora, entre
todos, Duncan destacava-se por sua altura.
Virou-se de novo e pôs-se a correr pelo convés em
direção ao corrimão, mas antes que se desse conta Duncan
tornava a interceptá-la.
― Não tão rápido. ― ele disse, enquanto a segurava pela
cintura e a elevava novamente.
― Não! Por favor ― gritou golpeando suas mãos.
Escutou o suspiro de Duncan que não disse nada mais
e começou a caminhar com ela até um de seus companheiros
de abordagem.
― Leve-a ao navio ― pronunciou enquanto a soltava no
chão e em seguida, ela era retida pelo outro homem.
― Não, por favor… por favor…. ― gemeu enquanto as
lágrimas banhavam seu rosto.
Duncan ficou observando-a enquanto a passavam para
o outro navio. A moça não deixava de espernear e lutar
contra seus homens. Ele estava com esperança de que
quando atacasse aquele navio ela ainda estivesse ali. Não
pudera tirá-la da cabeça durante aqueles últimos dias.
Ficou olhando para o convés de seu navio, onde ela
continuava lutando e gritando enquanto a levavam por uma
das portas. Pouco depois, seus gritos desapareceram.
Virou-se para seus homens e observou todas as baixas
francesas que havia.
― Levem toda a mercadoria ao navio ― pronunciou
lentamente. Depois olhou todos os franceses feridos, mortos e
inconscientes, e seu olhar voou diretamente para o general
que tentara proteger Beatriz, estalou a língua e se virou para
seu navio, enquanto subia no corrimão com um salto.
―Abandonem o navio assim que tenham carregado tudo.
Beatriz não deixou de gritar e espernear enquanto a
arrastavam pelo convés e pelo corredor daquele enorme
navio.
Aquele homem não era nada delicado, apertava-a com
força pela cintura afundando suas costelas.
Arrastou-a para uma das portas do final do corredor,
abriu e a empurrou para dentro, sem delicadeza.
Ela esteve a ponto de cair no chão, mas conseguiu
manter o equilíbrio. Quando se virou o marinheiro fechou a
porta deixando-a naquele camarote. Correu para a porta e
tentou abri-la quando escutou que passavam a chave.
― Nãooooo! ― Golpeou a porta com todas suas forças. ―
Por favor! Deixem-me sair! Socorro!
Machucou a garganta e os nódulos ficaram
avermelhados. Puxou a maçaneta tentando abrir, mas era
impossível. Tinham-na encarcerado.
A respiração ficava entrecortada, seu coração disparava
por sua boca e as lágrimas começaram, mais uma vez, a cair
por suas bochechas.
Aquilo não estava acontecendo, não ganhava nada tendo
pânico. Não fora suficiente ter sido arrastada para o passado,
agora era sequestrada por piratas ingleses. O que ela faria? A
única coisa que necessitava, naquele momento, era escapar e
procurar uma tormenta com a qual voltar para junto de seus
seres queridos, seus conhecidos… esse era seu maior desejo.
Olhou de um lado para o outro enquanto escutava os
passos acelerados que provinham do convés. Aquela
habitação era enorme, inclusive maior do que a de Bastian, e
estava decorada, com um gosto impecável. Parecia mentira
que aquilo se tratasse de um navio pirata. No centro havia
uma enorme cama, com uma colcha de cor verde, com
bordados em dourado. A mesinha de noite, a escrivaninha, as
cadeiras, a mesa e o armário eram de madeira escura, tudo
estofado com o mesmo tecido esverdeado da colcha.
Correu para uma das janelas e observou. Conseguia ver
o navio francês de ali.
― Bastian ― sussurrou. O que lhe teriam feito? O teriam
matado?
Secou as lágrimas sentindo que lhe custava respirar.
Precisava escapar dali como pudesse. Tentou abrir a
janela mas foi impossível.
― Malditos ingleses ― sussurrou. Bloquearam as
janelas. ― Merda.
Foi para a escrivaninha e começou a abrir as gavetas.
Documentos, uma pena com tinta, para escrever… nada.
Abriu outra das gavetas e encontrou uma pequena
adaga. Observou-a, era afiado e parecia de prata. Bem, aquilo
possivelmente lhe ajudasse a se defender, se chegasse o
momento. Colocou-a no cinturão de seu vestido amarelo e
escutou os passos acelerados no convés, sentindo como o
coração acelerava. Devia escapar fosse como fosse, ou
acabaria morta.
No instante percebeu que o navio balançava.
― Não, não, não ― gritou voltando, de novo, para a
janela. Começaram a se afastar do navio francês. Pegou a
adaga e a introduziu na janela, fazendo pressão.
Fixou-se na pequena fechadura que havia no marco da
janela. Apostaria que haviam fechado cada uma das janelas
que havia naquele camarote.
Foi provando uma a uma sem ter sorte.
Virou-se soprando e desta vez se dirigiu ao armário.
Tinham-na capturado, mas ela pertencia ao século XXI, poria
resistência, até o final.
Sabia o que significava ser uma prisioneira espanhola,
na mão dos ingleses e por nada do mundo ficaria quieta
esperando uma morte certa.
Abriu o armário. Perfeito, um monte de roupa, a maioria
bastante enrugada. Removeu-a com urgência até que
encontrou algo que podia lhe servir.
Uma escopeta. Agarrou-a entre suas mãos. Pesava
muito. Parecia que possuía algumas partes de madeira outras
gravadas em prata.
Analisou-a alguns instantes até que escutou que
colocavam a chave na fechadura. Fechou o armário, com
urgência, escondeu a adaga em seu cinturão tampando-o
com as dobras do vestido e apontou a escopeta para a porta.
Duncan entrou sem preocupação alguma, sem sequer
olhá-la. Fechou a porta de forma delicada e começou a
caminhar para a cama.
Beatriz o observou, sem baixar a arma até que Duncan
a olhou de esguelha e arqueou uma sobrancelha para ela.
Não fez nenhum gesto nem sinal de estar assustado porque
ela estivesse apontando para ele. Simplesmente se virou e
soltou o cinturão no qual levava sua espada, depositando-o
sobre a cama.
Era um pirata, sabia, devia estar muito acostumado a
lutar e a que lhe apontassem com armas. De fato, quando
Bastian apontara sua espada tampouco se alterou, mas não
esperava que se movesse tão descuidado.
― Baixe a arma ― ele ordenou enquanto se sentava na
cama e começava a tirar as botas, sem prestar atenção nela.
Ela apertou os lábios, mas não baixou o braço e sim deu
um passo para ele, aproximando-se.
― Exijo que me leve para os franceses.
Duncan sorriu enquanto atirava uma de suas botas ao
chão e logo moveu seu rosto, divertido.
― Exige?
― Sim.
Duncan suspirou e finalmente voltou seu rosto para ela.
― Não acredito que esteja em condições de exigir nada.
Ela deu outro passo para ele apontando, diretamente.
― Eu acredito que sim ― respondeu movendo com
contundência a arma para ele. Não sabia se lhe intimidava
mais ter uma arma de fogo em suas mãos ou o fato de que
Duncan não lhe dava importância.
Ele ficou em pé e a olhou com um sorriso.
― Vai disparar? ― perguntou em tom zombeteiro.
― Farei! ― ela rugiu. Ele suspirou e se dirigiu para ela. ―
Ora, fique quieto! ― se queixou enquanto dava alguns passos
para trás, distanciando-se dele. ― Fique quieto! Não se
aproxime! ― gritou movendo a escopeta compulsivamente.
Duncan chegou até ela colocando-se justamente em
frente a ela. A desafiou com o olhar durante alguns segundos
colocando-se em frente à arma e, ao final, agarrou sua mão
lhe tirando a escopeta, sem um mínimo esforço.
― Não, não! ― ela gritou enquanto lutava para que ele
não a levasse.
Duncan a segurou em suas mãos e a mostrou.
― Não está carregada. ― Em seguida a jogou na cama.
Beatriz deu alguns passos nervosos para trás da
escrivaninha, deixando espaço entre os dois, enquanto ele
colocava as mãos em sua cintura e a observava.
Bom, ao menos restava a adaga que poderia usar para
se defender chegado o momento, mas isso era algo que ainda
não lhe mostraria.
― E porque eu estou aqui? ― Conseguiu pronunciar,
embora a voz lhe saísse extremamente trêmula.
Ele passou a mão por seus cabelos loiros revolvendo-os
e voltou a dirigir-se para a cama.
― É parte do plano.
Ela ficou tensa.
― Parte do plano?! ― Ela gritou fazendo que ele se
virasse surpreso por aquele grito. O certo é que aquela
mulher era realmente surpreendente, jamais encontrara uma
moça com tanta coragem.
― Sim.
A viu se remexer inquieta, embora falasse com força,
podia apreciar o tremor de todo seu corpo.
― Ninguém vai oferecer dinheiro por mim, não lhe sirvo
de nada… ― Ele arqueou uma sobrancelha. ― O que você
pensava? Que pagariam um resgate por mim?
Ele a olhou de cima abaixo.
― Não. ― Finalmente ele se virou outra vez,
aproximando-se da cama. ―Mas duvido que os navios
espanhóis ou franceses nos ataquem se levarmos uma
mulher espanhola conosco, além disso…
― Vai me usar de escudo humano?! ― gritou,
interrompendo-o.
Ele a olhou divertido e ficou pensativo alguns segundos.
― Bonita expressão, não havia pensado nela ― disse
enquanto desamarrava o cós de suas calças. ― Em relação ao
que fala sobre um resgate… ― Estalou a língua enquanto
tirava a camisa de dentro das calças. ―Tenho tudo o que
preciso, não necessito de nada mais.
― Claro, como não vai ter tudo? ― respondeu com asco.
―É um pirata, saqueia navios e mata a todo aquele que o
impede de ter o que quer.
― Exato.
Ela se remexeu nervosa.
Contemplou-o, enquanto ele tirava a camisa e a jogava
no chão. Estava totalmente bronzeado, musculoso, a verdade
é que ele possuía um corpo perfeito. Ele se dirigiu para uma
bacia que havia em uma das mesas e derramou água de uma
jarra que fora colocada ao lado, sem importar-se em estar nu
da cintura para cima diante dela.
Pegou um pano e o mergulhou na bacia, enquanto
observava através da janela como iam se afastando do navio
francês.
― O que fizeram com o general francês? ― exigiu ela.
Escutou o suspiro de Duncan que se virou para
observá-la, enquanto se apoiava com um braço na bacia.
― Aquele general que tentou protegê-la? ― refletiu.
Depois, encolheu os ombros e sorriu. ―É melhor não entrar
em duelo contra um pirata, não acredita? ― Pegou o trapo
úmido e o passou pela nuca.
― Estou lhe perguntando ― disse ela com mais
contundência. ―O que fizeram com ele?
― A última vez que o vi, jazia inconsciente no convés.
Assim continuava vivo? Isso a deixou um pouco mais
tranquila. Se continuava vivo certamente a buscaria e
tentaria resgatá-la, mesmo que fosse difícil encontrar aquele
navio no oceano. Fixou-se através da janela em que o navio
francês ficava cada vez mais longe deles. Devia tentar escapar
dali o quanto antes possível, e voltar para junto de seus
aliados.
Duncan lhe dera as costas enquanto passava o pano
pelo pescoço, no peito e no estômago.
― E os escravos?
Ele se virou surpreso por sua pergunta.
― Tem muitas dúvidas, para ser uma mulher ―
pronunciou como se aquilo o zangasse.
― Pois se você não gosta, pode me devolver ao navio
francês ― respondeu brincando.
Ele sorriu, no momento.
― E quem diz que eu não gosto?
― Bem, e os escravos? ― Ela voltou a exigir, ignorando
sua resposta.
― Como lhe disse, os escravos e você fazem parte de um
plano. Eles estão onde devem estar e você também.
― E o que significa isso? ― perguntou nervosa.
Ele arqueou uma sobrancelha e jogou o trapo sobre a
bacia, virando-se para ela e cruzando os braços.
Naquele momento ela se assustou. Olhou a seu redor,
ela sabia que aquele era seu camarote e, ela estava onde
devia estar?
Correu para trás da escrivaninha e tirou a adaga
apontando para ele, o que fez com que ele voltasse a arquear
a sobrancelha.
― Nem lhe ocorra se aproximar de mim ― ameaçou
começando a sufocar-se pela ansiedade. Ele a violaria? Será
que faria?
― Essa é minha adaga? ― perguntou surpreso. Depois
estendeu os braços para os lados. ―Inspecionou todo o meu
camarote?
― E o que esperava? ― perguntou, elevando mais o
braço para ele.
Duncan se aproximou.
― Vamos, Beatriz, baixe isso. ― Mas ela continuava com
o braço no alto, direcionando-o diretamente para ele,
enquanto este, cada vez se aproximava mais. Correu para o
outro lado da escrivaninha, colocando mais distância entre
ambos. ― Nós dois sabemos que isso não vai servir de nada.
― Não me tente. ― ela chiou os dentes. ―Não me
conhece, não sabe nada sobre mim. Possivelmente posso ser
uma perita lutadora.
― Sim, claro, nota-se ― ele brincou enquanto rodeava a
escrivaninha, fazendo com que ela desse alguns passos
rápidos para o outro lado.
― Que não se aproxime! Inglês maldito!
Ele a observou durante alguns segundos, examinando-
a. A via pequena e esbelta a seu lado.
― Não tem porque temer…
― Ah não?
― Não. ― Observou-a de novo de cima abaixo. ―Não vou
te machucar.
Ela deu alguns passos para o lado, sem baixar seu
braço.
― Ora, claro, igual não fez mal aos franceses, não é
verdade?
Ele sorriu e deu alguns passos para mais perto fazendo
com que ela voltasse a rodear a mesa, levantando o braço
mais uma vez.
― Prometo que se você se aproximar ou sequer pensar
em chegar perto de me tocar eu lhe cravarei isso.
― Beatriz ― ele pronunciou seu nome enquanto se
apoiava sobre a mesa com seus dois braços. ―Estou a muitos
anos lutando no mar, de verdade acredita que vai poder fazer
algo com essa miniatura?
Ele estava com a razão, toda a razão do mundo, ela
sabia que não obteria nada, mas o a nível psicológico ajudava
o fato de ter algo cortante em sua mão.
― Solte-a, falaremos tranquilamente ― propôs ele, lhe
assinalando com a mão.
― Eu não tenho nada do que falar com você. Matou
meus amigos franceses, me sequestrou, me mantém presa no
seu camarote…
― Tem razão. ― Voltou a arquear uma sobrancelha
divertido. ―Prefere que lutemos?
― Nenhuma coisa, nem outra. A única coisa que quero é
que me deixe livre!
― Isso não vai ser possível. Agora você me pertence.
Ela ficou tensa.
― O quê? Que eu lhe pertenço?! ― Ela gritou para ele.
― Está em meu navio e tudo o que existe nele é meu.
Aquilo, em vez de assustá-la, a tirou do sério.
― Eu não pertenço a ninguém! ― gritou. ―E menos a um
egocêntrico pirata inglês! ― Automaticamente, agarrou um
dos livros que havia sobre a escrivaninha e o lançou para
Duncan, acertando-o, diretamente na cabeça.
― Ai! ― queixou-se ele, levando a mão à testa. ― Mas o
quê…? ― pronunciou assombrado ao ver sua reação, embora
tivesse que se abaixar para se esquivar do seguinte livro. ―
Fique quieta! ― Assinalou ele falando firme.
― Nem pensar! ― gritou agarrando uma das taças e
jogando-a para ele.
Duncan voltou a esquivá-la.
― Mas que temperamento você tem! ― Ele grunhiu
zangado enquanto observava a taça fazer-se em pedacinhos
contra o chão. Virou-se de novo para ela e a viu agarrar,
desta vez, uma luneta. ―Nem pense nisto, Beatriz! ― Ele
avisou com o dedo. Ela observou a luneta, a verdade é que
era bonita. ―Deixe-a na mesa, não penso em repetir isso duas
vezes.
― Ou o quê?
― Estou tentando ser paciente, mas está deixando isso
muito difícil. ― E desta vez pronunciou com um tom de voz
bastante autoritário e grave.
Ora, parecia que aquela luneta lhe importava.
Observou-a. Era de madeira escura, trespassada por alguns
anéis dourados. Examinou a luneta alguns segundos e depois
o olhou, ele mantinha uma postura relaxada, embora
detectasse que sua mandíbula estava tensa.
Não pensou duas vezes, era agora ou nunca.
Jogou o braço para trás e jogou a luneta para Duncan
enquanto saía disparada para a porta do camarote.
Duncan agarrou a luneta ao voo, jogou-a com um
impulso sobre a cama, saiu disparado para ela e, justamente
antes que ela chegasse a tocar o pomo da porta, ele a
levantou pelos ares. Quem lhe havia dito que seria tão fácil
escapar dali?
A reação dela foi imediata. Começou a lhe chutar as
pernas e a mover os braços para trás tentando golpeá-lo e
alcançar a adaga, embora antes que se desse conta, ele
jogara a adaga no chão e a conduzia para a cama.
― Não, não, não…! ― gritou ela.
Duncan a jogou sobre a cama sem muita consideração.
Quando ela caiu sobre o colchão se endireitou e rastejou para
a outra extremidade colocando a cama entre os dois.
― Maldito seja... ― sussurrou ela procurando algo mais
para jogar, mas a voz de Duncan a deteve.
― Volte a tentar me golpear ou me jogar algo e penso
colocá-la sobre meus joelhos. E acredite, não serei nada
delicado. ― Ele falou com tal intensidade que ela ficou
paralisada.
Aquilo a fez erguer as costas e olhá-lo assustada. Ficava
claro que não poderia escapar dele tão facilmente.
― Vamos deixar as coisas claras ― ele continuou
colocando as mãos em sua cintura. Agora parecia bastante
mais zangado, nenhum sorriso cruzava seu rosto. ―Aqui é
uma prisioneira, fará o que eu ordenar e quando eu ordenar.
Depende de você ter meu perdão e, pelo que lhe convém você,
será melhor que guarde para si esses arrebatamentos de
cólera.
Aquilo era sério, muito sério. Seus olhos se umedeceram
ao ficar consciente de que não havia escapatória, era uma
prisioneira, prisioneira de um pirata inglês, inimigo do
império ao qual ela pertencia e sabia que eles não teriam
nenhuma piedade com uma espanhola.
― Vai… vai me matar? ― perguntou com um fio de voz.
Ele continuou com o olhar cravado nela.
― Não ― ele sussurrou desta vez com a voz mais
pausada. ―Mas volte a fazer algo como agora, e lhe asseguro
que não me tremerá a mão. Está avisada. ― Seguiu
contemplando-a alguns segundos e começou a rodear a cama
devagar. Beatriz olhou de um lado para outro, não havia
escapatória, a cama à frente e a parede atrás. Recuou o
quanto conseguiu, tentando fundir-se com aquela parede
para escapar daquele homem que se aproximava. ―
Compreendeu? ― perguntou colocando-se a alguns palmos
dela.
Ela sentiu que tremeu o lábio inferior e uma lágrima já
começava a cair por sua bochecha. Afastou o olhar dele
desviando-o para o chão e assentiu, sem sequer se atrever a
falar. O certo é que nesse momento Duncan se impunha e a
assustava.
Que diferente havia sido o tratamento de Bastian,
amável, cortês… e agora, diante dela, se encontrava um
homem que ameaçava lhe dar uma surra se não obedecesse a
suas ordens.
― Olhe pra mim quando eu falo.
Ela respirou, tentado se acalmar e elevou levemente, seu
olhar para ele, com medo.
Duncan a observou, parecia que iria desmoronar a
qualquer momento. Ela mordia o lábio tentando frear seu
medo, seus olhos estavam chorosos e seu olhar perdido.
― Já lhe disse ― ele pronunciou desta vez suavizando
mais sua voz. ―Não tem porque temer. ― colocou-se em uma
postura mais relaxada e inclinou seu rosto para o lado, sem
afastar o olhar dela. ―Pode subir ao convés se desejar e ir à
cozinha, se tiver fome.
Ela assentiu, escondendo a lágrima que caía
lentamente.
― E o resto dos homens do navio? ― Ela perguntou
assustada.
― Meus homens fazem o que eu lhes ordeno. Não tem
que preocupar-se com eles. ― Depois, suavizou o olhar e a
observou, em silêncio, durante alguns segundos. ―Não chore,
por favor.
Aquilo a surpreendeu e ela olhou para cima. Duncan a
estudava e, embora seu rosto não fosse tão amistoso como no
princípio, ao menos havia suavizado seus traços.
Possivelmente havia um pouco de compaixão naquele
temível homem? Ela estava consciente de que não seria fácil
escapar dali, mas possivelmente se fosse calma e ganhasse,
mais ou menos, sua confiança poderia despistá-lo.
Beatriz aceitou e passou a mão pela bochecha.
― Posso… posso subir ao convés agora? ―Ela perguntou
com temor.
Duncan se virou enquanto se dirigia ao armário. Abriu-o
e pegou uma camisa folgada cor creme, passando-a pelos
braços.
― Ainda não. Brevemente.
Ela relaxou diante a distância.
― De acordo. ― Ela ficou alguns segundos calada
enquanto o observava agarrar, novamente, o cinturão com a
espada, colocando-o. E… ― engoliu a saliva nervosa. ― Posso
saber para onde nos dirigimos?
Duncan pegou umas botas novas e colocou-as, já sem
olhá-la nem lhe prestar atenção.
― Nassau.
Ao ouvir aquela palavra seu coração disparou. Nassau.
A ilha conquistada pelos piratas ingleses. Ao menos não se
desviariam da rota e continuaria pela área. Aquilo, de certo
modo, tranquilizou-a.
― E… onde posso ficar? ― Perguntou olhando de um
lado a outro.
Duncan ficou em pé.
― Aqui estará bem.
― Aqui? ― Perguntou dando um passo para ele.
Duncan encolheu os ombros como se não lhe desse
importância.
― Meus homens ocupam o resto dos camarotes do navio
e como compreenderá não vou enviá-la com os escravos.
― Mas você…
Ele voltou a arquear uma sobrancelha.
― Eu, o quê?
― Você… dorme… aqui…
― Sim. ― Ele colocou a camisa por dentro da calça. ―Se
quisesse lhe machucar já teria feito isso, não acredita? ―
Aquela afirmação a fez ficar arrepiada. Ficaria no mesmo
camarote que ele?
― No navio francês dispunha de um camarote para mim.
Duncan voltou a sorrir enquanto se dirigia para a porta.
― Acredito que é muito consciente de que este não é um
navio francês. ― Abriu a porta e a observou. ―Mas se preferir,
pode se instalar com o resto de meus homens. Asseguro que
muitos ficarão encantados de compartilhar seu camarote com
você.
― Não. ― ela respondeu assustada.
― Eu imaginava. ― Saiu para o corredor e fechou a porta
sem dizer mais nada, sem sequer olhá-la, deixando-a
totalmente sozinha.
Olhou nervosa ao redor. Necessitava de um plano.
Parecia que o inglês possuía um pouco de paciência.
Recordava-se de quando a encontrou na ilha, estiveram
espiando os navios franceses. Como não pensara nisso antes?
Ela aproximou-se correndo da janela e observou o navio
francês, já bastante afastado. Precisava sair dali como
conseguisse ou perecer no intento. Se ficasse ali a coisa
acabaria mal, pressentia isto.
Foi para a porta e desta vez se surpreendeu. Duncan
não a trancara? Abriu a porta lentamente. O corredor estava
deserto, embora os gritos e barulhos dos marinhos pelo
convés chegavam-lhe com força. Deu alguns passos à frente
esquivando-se de todas as cordas, cofres e armas que
estavam atiradas pelo corredor. Todo isso foi roubado do
navio francês.
Olhou à frente assegurando-se de que não havia
ninguém e pegou uma espada. Pesava muito, assim, ela se
obrigou a agarrá-la com as duas mãos. Não, ela não pensava
em se render. Sairia desse navio custasse o que custasse.
Precisava fugir para manter-se com vida, precisava voltar
para junto de seus amigos franceses e, para que se enganar?
Voltar para junto de Bastian. Seus olhos se alagaram com
lágrimas, ao recordar como ele tentara defendê-la.
Puxou ar e tentou reunir a coragem suficiente para sair
para o convés.
9

Duncan subiu os degraus do convés que lhe permitiam


acessar a popa, a parte mais elevada do navio e onde se
encontrava seu timoneiro. Deu-se conta de que enquanto
esteve em seu camarote com Beatriz, seus homens
completaram suas ordens perfeitamente. Içaram as velas e
tomaram o rumo indicado.
Passou a mão pela zona dolorida da cabeça onde ela lhe
golpeara com o livro.
― Maldita mulher... ― ele sussurrou enquanto observava
seus homens.
― Pequeno tesouro ― escutou que diziam atrás dele.
Duncan se virou para Jerry, que subia as escadas com
um tecido cor de rosa colocado sobre os ombros.
―Certamente os franceses possuem bom gosto.
Observou-o de canto de olho e finalmente com um
movimento ligeiro de sua cabeça, indicou ao timoneiro que já
podia abandonar o posto, ficando ele, diretamente ao leme.
― Tecidos, joias, armas, escravos… ― pronunciou Jerry
divertido, colocando aquele tecido como um xale. ― Que mais
podemos pedir?
― Tire isso ― pronunciou com o olhar à frente.
Jerry sorriu divertido e o tirou colocando o tecido em um
só ombro. Olhou todo o convés ainda com um sorriso em
seus lábios.
― E a mulher?
― Em meu camarote. ― Depois o olhou. ― Que tal o
golpe que ela lhe deu?
Jerry rugiu e olhou o horizonte.
― É muito… Está claro que ela sabe onde golpear um
homem. ― Logo se virou para seu amigo. ― Deveria tomar
cuidado. ― Cruzou os braços. ― O que fará com ela?
Duncan encolheu os ombros.
― Não sei.
― Uma moça espanhola deve ser muito apreciada no
mercado negro.
Duncan o olhou de esguelha e assentiu. Seu amigo
estava com razão, sabia que qualquer companheiro pirata
pagaria uma boa soma de dinheiro por ela ou para tê-la em
um dos bordéis de Nassau, embora aquela ideia não lhe
parecesse atraente. Quando a viu pela primeira vez na ilha,
ficou impressionado. Aqueles olhos cor mel, seu cabelo
comprido, castanho, ondulado, seu nariz arrebitado e seus
lábios carnudos fizeram com que não a tirasse da mente
durante aqueles últimos dias. Havia planejado atacar aquele
navio francês, mas os dias até que conseguira fazê-lo,
pareceram uma eternidade.
― Veremos quando chegar o momento ― acabou
dizendo. ― Por hora ficará em meu camarote, até que
cheguemos à ilha. ― Jerry o olhava com uma sobrancelha
elevada. ―Prefere que eu a deixe dormir no convés? Ou com o
resto dos homens? Ela não sobreviveria nenhuma noite.
Jerry estalou a língua dando a razão a seu amigo.
Voltaria a falar quando um revoo no convés os fez baixar o
olhar. Ambos ficaram surpreendidos. Mas o que…?
― Timoneiro ― gritou Duncan enquanto abandonava o
posto de mando para que aquele marinheiro o substituísse.
Ambos se dirigiram ao corrimão para observar o convés.
Vários marinheiros formavam um círculo, com sorrisos
em seus lábios e uma atitude à defensiva e, no centro, Beatriz
empunhava com as duas mãos, uma enorme espada.
Duncan suspirou e fechou os olhos alguns segundos
tentando se acalmar e se armar de paciência.
― Ordeno que desça um bote! ― Ela gritou desesperada.
O marinheiro elevou um momento o olhar para seu
capitão, alguns metros por trás dela, sem saber como atuar.
― Essa ordem só pode vir do capitão ― pronunciou
olhando-a.
― Ao diabo com o capitão! E ao diabo com todos vocês! ―
gritou Beatriz nervosa. ―Faz agora mesmo o que eu ordeno
ou eu juro que se arrependerá. ― O homem sorriu
maliciosamente, enquanto jogava olhadas furtivas a seu
capitão, que os observava com uma sobrancelha arqueada.
―Vamos! ― gritou aproximando a espada de seu pescoço.
O marinheiro continuava sem se mover, embora
elevasse as mãos como se estivesse sofrendo um ataque.
― Por que não pede você mesma? ― perguntou com
impaciência.
Ela parecia um feixe de nervos, nem sequer olhava o
resto dos homens que a rodeavam, parecia ter focalizado toda
sua ira naquele homem de uns quarenta anos, cabelo
comprido castanho e olhos verdes.
Fazia pouco mais de meia hora que começaram a se
afastar de seu navio, assim com um pouco de esforço
chegaria até ele, pois ainda conseguia ver a pequena silhueta
do navio no horizonte. Com um bote seria mais fácil chegar,
mas se não conseguisse ela pensou, mesmo que fosse
preciso, chegaria a nado.
O primeiro olhar que recebeu daquele homem foi de
incredulidade. Estava claro que não estavam muito
acostumados a que uma mulher lhes elevasse o tom, mas, ao
menos, parecia que não a atacavam. Sabia que se fosse um
homem agora mesmo seria arremessada sobre o solo,
recebendo chicotadas. Supunha que ele devia ter recebido
ordens de seu capitão, recordava-se da frase que ele dissera:
“meus homens fazem o que eu lhes ordeno”. Todos a
observavam pasmos, alguns com um grande sorriso de
incredulidade. Os estava divertindo? Não deveriam ficar
assim! Ela era perigosa, possuía uma arma!
― Pelo menos entretenimento não faltará. ― sussurrou
Jerry para seu amigo.
Duncan olhou de esguelha para seu amigo,
impressionado pelo que estava observando. Certamente,
aquela mulher era uma doida.
― Ordeno que desça um bote agora mesmo ― ela repetiu
furiosa.
O marinheiro voltou a olhar de esguelha para seu
capitão, sem saber muito bem como atuar frente a ela.
Duncan passou a mão pelo cabelo e finalmente, desceu para
as escadas, o que fez com que todas os olhares recaíssem
sobre ele. Aquilo chamou a atenção de Beatriz que se virou de
uma vez, esquecendo que estava apontando a espada para o
homem, embora o marinheiro não se moveu nem se
aproveitou de seu descuido, mas sim, aumentou seu sorriso
incrédulo para seu capitão.
― O que está acontecendo aqui? ― perguntou Duncan
fixando seu olhar nela. Ela ficou sem fala, totalmente pálida,
ainda virada para trás e apontando com a espada para outro
lado. Ele se encontrava a poucos passos dela, inclinando seu
rosto.
― A moça quer um bote, capitão ― explicou o homem.
Beatriz se virou de repente, recordando a presença do
marinheiro atrás dela, e voltou a lhe apontar com a espada.
― E quem lhe deu permissão para falar? ― gritou para
ele, chateada por sua intervenção. O homem estalou a língua
e olhou, novamente, para seu capitão.
Duncan observou o espetáculo, toda sua tripulação
estava assistindo divertida.
― Vamos, Henry ― pronunciou com voz pausada.
―Baixe as mãos e venha aqui.
O marinheiro começou a se afastar dela e a se dirigir
para seu capitão, como se Beatriz não estivesse a seu lado.
― Ora! Aonde acredita que vai? ― Continuava apontando
com a espada para suas costas ― Não se mova!
Passaram-se alguns segundos até que Duncan se
decidiu falar.
― Acredito que se recorda que já a adverti sobre o que
ocorreria se voltasse a ter um destes seus arrebatamentos ―
pronunciou um tanto agressivo, dando um passo à frente, até
ela. ―Eu a pensei que fosse mais inteligente.
Em seguida ela deu alguns passos para trás, sem baixar
a espada.
― Você não tem porque me reter aqui. ― ela gritou. ―Não
tem nenhum direito!
Duncan suspirou enquanto olhava de canto de olho,
para todos os seus marinheiros. A maioria olhava
impressionado para Beatriz, pois até esse momento ninguém
se atreveu a elevar a voz daquela forma para seu capitão.
― Baixe a arma de uma vez, não vai conseguir nada ―
ele lhe avisou dando um passo a mais para ela, armando-se
de paciência.
― A única coisa que desejo é um bote e remos, não é
pedir muito. ― ela gemeu.
― Sim, sim, querida, isso eu já sei ― ele brincou.
Ela endireitou as costas e desta vez se encorajou, dando
um passo para ele, elevando mais sua espada.
― Eu não sou sua querida! ― gritou-lhe enquanto
colocava sua espada no pescoço dele. Duncan permaneceu
com os braços baixados, olhando-a fixamente.
― Vou contar até três ― ele pronunciou com o olhar fixo
nela, um olhar carregado de força. ― Senão, já sabe o que vai
acontecer e, acredite-me, não vamos gostar nenhum dos dois.
Ela hesitou mas mesmo assim, continuou com o braço
elevado, sem afastar a espada afiada de seu pescoço.
― Um… ― disse Duncan sem afastar o olhar dela. ―
Dois…
Beatriz o olhou realmente nesse momento sentia medo.
Sabia o que aconteceria, e sabia que não poderia escapar
dele. Por Deus, era um pirata, não podia lutar contra ele, se,
ele nem sequer se alterava com aquela espada roçando a pele
de sua garganta.
― Tr…
― Está bem! ― gritou Beatriz. ― De acordo ― pronunciou
dando alguns passos para trás, afastando-se para ter um
pouco de espaço entre os dois.
Olhou para ambos os lados e se abaixou lentamente,
depositando a espada no convés.
― Muito bem, moça ― riu um dos marinheiros que a
observava, apoiado contra o corrimão.
Ela o fuzilou com o olhar, atitude que deve ter parecido
bastante graciosa àquele homem, porque acentuou seu
sorriso.
― Volte para o camarote, agora. ― Duncan apontou para
a porta.
Ela deu alguns passos mais para trás, observando de
canto de olho a figura já bastante longínqua do navio francês.
Neste instante, negou fracamente, com sua cabeça.
― Tenho que levá-la arrastada? ― Ele voltou a perguntar
com voz grave.
Ela o olhou durante alguns segundos e voltou a
observar a figura do navio bem longínqua. Bem, perdida por
perdida, somente restava aquela oportunidade.
― Vá! ― Duncan voltou a ordenar, embora com um tom
de voz mais contundente. ―Não me obrigue a… ―
Instantaneamente ficou calado. Beatriz virou para sua direita
e em seguida se pôs a correr pelo convés diante do olhar
atônito de todos. Embora ele tenha se dado conta muito tarde
do que ela planejava, conseguiu gritar antes que Beatriz
saltasse pela amurada.
― Nem lhe ocorra fazer isso! ― Ele advertiu.
Mas já era muito tarde. Beatriz havia pegado impulso,
subira de um salto no corrimão e dali, saltou ao mar.
― Está louca?! ― Gritou Jerry quando a viu se jogar.
Duncan, igualmente ao resto da tripulação, correu para
o corrimão justamente quando a viu se afundar nas claras
águas.
O golpe foi forte, muito, de fato ela não esperava que
doesse tanto. Ficou sem oxigênio nos pulmões e durante
alguns segundos pensou que desmaiaria. Justamente quando
conseguiu recuperar mais ou menos o controle de seu corpo,
depois daquela intensa dor, o mar a arrastou para baixo. Não
contou com a força do navio. Sugou-a para baixo, dando volta
atrás de volta, golpeando-a contra a madeira do navio.
― Maldita seja. Baixem as velas! ― Duncan gritou
enquanto tirava as botas e subia no corrimão.
― Damos uma volta com o navio? ― perguntou Jerry
nervoso.
― Não precisa ― ele gritou antes de atirar-se ao mar.
Beatriz conseguiu sair à superfície justamente quando
pensava que os pulmões fossem explodir, quando um
zumbido começara a se instalar em sua cabeça, pela falta de
oxigênio.
Tossiu e respirou compulsivamente. Possivelmente não
foi tão boa ideia. Notou um ligeiro enjoo enquanto conseguia
expandir seus pulmões para facilitar a entrada de ar, mas
entre o golpe que deu e o esgotamento de lutar contra a
corrente para subir à superfície, era-lhe difícil manter-se
flutuando.
Gemeu algumas vezes e se virou para o navio, situado a
poucos metros. Todos a observavam do convés.
― Volte aqui agora mesmo.
Aquele gritou a alertou, soava muito perto. Divisou o
rosto de Duncan nadando, agressivamente, até ela.
― Mas o que…? ― gritou desesperada. Saltou por ela? ―
Maldito louco! ― gritou antes de dar meia volta e começar a
nadar rumo ao navio francês com todas as forças que
conseguia. ― Deixe-me me paz! ― Ela gritou enquanto
estendia seus braços o máximo possível. Virou-se e o
observou mais perto. Certamente era um perito nadador.
― Isto vai lhe trazer consequências, e sabe disso, ―
gritou ele enquanto se aproximava.
― Sei que nãooooooo. ― Ela continuava esperneando,
mas o nervosismo era tanto, que ela nadava
imprudentemente, sem sincronização alguma.
Continuou nadando até que Duncan a agarrou pelo
tornozelo. Afundou alguns segundos antes de gritar, tentando
se desfazer da mão que a agarrava.
Duncan a puxou pelo braço e a fez flutuar, enquanto ela
começava a lutar.
― Me solte! ― Começou a remexer-se para soltar-se de
sua mão.
Duncan não dizia nada, simplesmente tentava parar os
golpes e mantê-la segura, flutuando. Conseguiu agarrá-la
pela cintura aproximando-a de seu corpo, a rodeando com os
dois braços.
― Não! ― gritou enquanto o golpeava no rosto com as
duas mãos. Duncan conseguiu esquivar alguns tapas, mas
levou alguns. Desta vez sim se moveu com mais energia.
Soltou um braço de sua cintura e conseguiu lhe segurar uma
mão, mas Beatriz tomou impulso e se apoiou no ombro dele
tentando afundá-lo, para baixo, feito que chamou a atenção
de Duncan, que pouco afundou diante da pressão dela.
― Está esgotando minha paciência ― ele rugiu, e
finalmente a afundou no mar durante alguns segundos.
Beatriz aguentou a respiração enquanto cravava suas
unhas na carne da mão que a afundava. Voltou a puxá-la e
desta vez a agarrou com as duas mãos pressionando-a contra
seu peito e imobilizando-a. Beatriz voltava a tentar recuperar
a respiração, mas assim que conseguiu voltou a gritar.
Agarrou-a pela nuca e a obrigou a olhá-lo. Seu olhar era
realmente frio, agressivo.
― Se tiver que lhe deixar inconsciente para leva-la de
volta ao navio, eu o farei ― ele ameaçou.
Ela rugiu tentando um último esforço para soltar-se,
mas as mãos de Duncan pareciam ter aderido a seus braços.
― Basta! ― Ele gritou tão forte que ela sentiu o sangue
gelar.
Gemeu e finalmente ficou quieta. Duncan a observou
com dureza até que a agarrou pela cintura com um braço e
começou a nadar arrastando-a para o navio.
De acordo, ela abortava a missão de fuga. Quando ela
saíra e flutuara ela pensou que ele a deixaria, mas aquele
homem não se rendia facilmente, isto estava claro.
Ela se deixou arrastar enquanto observava o navio
francês, à distância, vendo como a névoa que o rodeara no
início, voltava a acolhê-lo. Adeus a suas esperanças de voltar
para junto de seus aliados, junto de Bastian.
Nesse momento não suportou mais e começou a chorar
sem ocultar. Agora já não era somente o fato de que se
encontrava no passado, longe de todos seus entes queridos,
mas também, além disso, era a prisioneira de piratas
ingleses.
Duncan se manteve calado, concentrado em chegar até
seu navio, mantendo flutuando tanto a ele quanto ela, pois
agora Beatriz não lutava, nem sequer nadava simplesmente
se deixava arrastar com seu peso morto. Bom, melhor assim,
do que ter que levá-la à força.
― Atirem a escada! ― gritou Duncan, uma vez que se
aproximaram.
Uma escada de cordas com degraus de madeira se
desenrolou diante deles. Duncan segurou-a e colocou Beatriz
nela.
― Suba ― ele ordenou.
Ela o olhou fixamente e finalmente se agarrou à escada.
Subir não era fácil, apesar de que os marinheiros a
seguravam acima, ela se movia e lhe fazia perder o equilíbrio.
Por sorte ou não, Duncan subia bem abaixo dela e elevava a
mão para lhe dar um pouco de estabilidade.
Quando chegou em cima, Jerry a agarrou e a soltou no
convés. Estava com o vestido amarelo pego a seu corpo e,
apesar de que não fazia frio, sentiu toda a pele se arrepiar,
quando se tornou o centro de atenção de todos os
marinheiros do convés, e eles não eram poucos.
Abraçou a si mesma enquanto dava alguns passos para
trás, ao ver Duncan saltar sem nenhum esforço sobre o
convés.
Remexeu seus cabelos com a mão e depois a olhou.
Beatriz deu outro passo para trás e engoliu a saliva enquanto
a respiração lhe entrecortava. Jamais vira um olhar como
aquele, nem sequer quando havia jogado o livro e o golpeado.
As palavras dele voltaram para sua mente: “Isto vai trazer-lhe
consequências, e sabe disto”.
Duncan se aproximou colocando as mãos na cintura.
Ela o notava realmente tenso, como se estivesse se contendo.
― Para o camarote ― ele ordenou, indicando com a mão.
―Já, ― rugiu.
Beatriz tremeu, sua voz soara forte, muito forte para o
que ela podia suportar naqueles momentos tão angustiantes.
Suas pernas perdiam forças outra vez e rompeu a chorar,
novamente, com a respiração entrecortada e sem dissimular
suas lágrimas desesperadas. Aquilo pareceu pegar toda a
tripulação de surpresa, mas, sobretudo Duncan, que ficou
tenso, embora não suavizasse muito seu olhar.
Beatriz se virou e saiu correndo para o camarote,
esquivando-se dos marinheiros que permaneciam observando
o espetáculo no convés.
Quando ela desapareceu Duncan se virou para todos
aqueles homens com uma sobrancelha elevada e o rosto
enfurecido. Todos colocaram mãos à obra, cumprindo as
ordens que haviam recebido por parte de seu capitão antes
que ela saltasse pela amurada, um pouco nervosos e com
movimentos acelerados.
― Icem as velas novamente! ― ele gritou para um grupo
próximo às cordas.
Duncan soprou algumas vezes enquanto olhava
atentamente à porta por onde fazia poucos instantes Beatriz
saíra correndo em direção a seu camarote.
Sabia que ela devia estar assustada, e muito, para
arriscar-se a saltar pela amurada, mas não podia permitir
aquele comportamento a bordo. Não podia permitir que o
desafiasse diante de seus homens, sabia que possuía todo
seu respeito e além de serem seus homens, eram seus
amigos… mas aquilo ele não podia tolerar.
Caminhou acelerado para o corredor embora quando
entrou, diminuísse a marcha. Foi até um dos baús que
haviam roubado do navio francês e o abriu. Tecidos, vestidos,
camisas de seda… poderia vender tudo no mercado negro.
Pegou um vestido azul claro e fechou o baú com força. Seu
olhar voou para trás deste, onde um monte de espadas e
armas repousava no chão.
Suspirou e olhou para fora.
― Recolham estas armas. Guardem-nas ― gritou. O que
menos precisava é que todas essas armas estivessem por
perto e que Beatriz pudesse servir-se de todo o necessário.
Olhou diretamente para a porta de seu camarote,
enquanto um grupo de marinheiros entrava com rapidez e se
encarregava das armas. Não teria pegado outra, não?
― Onde as deixamos capitão?
― Levem-nas à adega ― pronunciou sem olhá-los.
Passou a mão pela camisa molhada, colada a seu corpo e
remexeu o cabelo com força, tentando sacudir as gotas de
água salgada que escorregavam por sua testa.
Não bateu na porta. Entrou diretamente e deu uma
batida forte. Estava zangado, o que aquela moça fizera
beirava a loucura. O que pretendia? Matar-se?
Mas se surpreendeu ao não encontrá-la ali. E agora
onde se colocou?
Deu alguns passos à frente enquanto a ira cedia pouco a
pouco, quando a encontrou atrás da cama, no chão, enrolada
feito um novelo e tremendo.
Ele a viu muito pequena e delicada, toda sua ira foi
desaparecendo de sua mente e seus músculos foram
relaxando.
Ela nem sequer olhou para cima, permanecia com o
rosto em seus joelhos e estava chorando desconsolada.
Duncan suspirou e deu alguns passos para ela, mas
nesse momento Beatriz elevou o olhar e se moveu para o
canto enrolando-se, com movimentos trementes. Estava
realmente assustada.
Duncan ficou em frente a ela, de pé, observando-a,
estudando-a.
― Sei que está assustada, mas já lhe disse que não tem
porque temer ― pronunciou. Sua voz ainda soava autoritária,
embora tentasse ser o mais suave possível.
Ela o olhou de esguelha, mas não disse nada, a única
coisa que fez foi virar seu rosto para o outro lado, enquanto
se limpava uma lágrima. Aquilo descontrolou Duncan, um
pouco, que preferia mil vezes vê-la enfurecida a vê-la com
essa atitude.
Depositou o vestido sobre a cama.
― Troque de roupa. Está ensopada. ― ele continuou
enquanto dava meia volta e se dirigia a seu armário.
Beatriz elevou seu rosto observando o vestido cor azul
que ele depositara sobre a cama. Voltou lentamente o olhar
para ele, estava lhe dando as costas, abrindo seu armário e
olhando a roupa para trocar-se. Tirou sua camisa jogando-a
ao chão e fez o mesmo com as calças.
Beatriz afastou o olhar, embora pudesse observar de
canto de olho, que ele a olhava de vez em quando.
O que faria? Estava claro que não podia escapar dali.
Que iludida havia sido ao pensar que poderia fazê-lo.
Duncan colocou uma camisa nova, calças e pegou um
dos cinturões preparados para segurar as armas que ele
necessitasse.
Quando se virou de novo, ela permanecia na mesma
posição, olhando para o vestido.
― Coloque-o, ele o voltou a ordenar.
― Vestirei quando você sair ― ela disse bastante
zangada.
Ele ficou pensativo durante alguns segundos,
observando seu cinturão. Jogou-o sobre a cama, fechou o
armário e se dirigiu para ela, com uma atitude mais
agressiva.
― No que estava pensando mulher? Será que queria se
matar? ― Ela se remexeu inquieta. Sim, sabia que foi uma
loucura, certamente a loucura maior que havia cometido na
vida, mas o que ele pretendia? Que ela ficasse quieta? Que
não tentasse fugir? ― Adverti você disso, disse que não
voltasse a empregar essa coragem comigo…
Ela endireitou-se ao escutar aquela ameaça.
― O que significa isso?
Deu um passo mais para ela.
― Disse que aquilo teria consequências e vai ter.
Beatriz ficou em pé enquanto o observava nervosa.
Engoliu a saliva e se remexeu sem saber o que fazer.
― O quê? ― perguntou surpreendida.
― Não pode atuar dessa forma ― ele disse alterado. ―Por
Deus, se jogou pela amurada, teve sorte de conseguir sair e
flutuar.
― E o que você queria? ― perguntou ela tremendo. ― É
um pirata inglês, não quero estar aqui.
― Disse-lhe que não faria mal a você ― Ele advertiu com
o dedo. ―E… ― seguiu nervoso. ― E embora tenha a grande
sorte de poder sair e flutuar, o que pretendia? Não
conseguiria chegar ao outro navio.
― Esse não era o plano… ― gemeu ela. ―Se supunha
que você me daria um bote e remos. ― pronunciou
desesperada.
― Ora! ― Elevou os braços para o céu. ―E já não é
somente o fato de que tenha saltado pela amurada. Colocou a
espada no meu pescoço ― ele rugiu.
Sim, ele estava furioso, muito furioso. Voltou a remexer-
se nervosa, algo lhe dizia que aquela conversação não
acabaria nada bem.
― Sinto muito… ― ela chorou.
― Sente muito? ― ele perguntou elevando uma
sobrancelha para ela. ― Agora, de nada me servem suas
desculpas. ― Deu um passo para a cama e agarrou o cinturão
voltando-se para ela. ―Eu lhe disse que não saísse para
convés ainda, que permanecesse um pouco aqui. ― Voltou a
explicar enquanto se aproximava em atitude intimidante. ―
Mas não, você precisava me desobedecer. ― Foi até ela e
tentou agarrá-la pelo braço, mas ela se esquivou.
Seus olhares se encontraram.
― O que está fazendo? ― perguntou assustada.
― Sou o capitão deste navio. ― Voltou a mover-se de
forma rápida e desta vez apanhou seu braço. ― E aqui se
obedecem a todas as minhas ordens. ― Começou a puxá-la.
― Nãooo… Me solte! O que faz?
― Vai aprender uma lição ― explicou enquanto a
agarrava pela cintura e começava a levá-la à cama.
― Nãoooo! Gritarei! ― ela chiou enquanto começava a
espernear de novo.
― Grite tudo o que queira. ―ele pronunciou enquanto a
levantava pelos ares ao mesmo tempo em que ela tentava
colocar resistência.
― Eu não sou parte de sua tripulação! Não sou um de
seus homens para que possa me dar ordens!
Chegou até a cama e a jogou sobre ela. Mas antes
sequer de que ela pudesse endireitar-se para fugir, ele a
agarrou pelo tornozelo e a puxou para ele. Beatriz se agarrou
à colcha desfazendo a cama.
― Tem razão, não é um de meus homens e isso vai
salvá-la. Se fosse um deles receberia uma surra muito maior.
Ela se virou para ele, assustada.
― O quê? ― ela gritou enquanto movia compulsivamente
sua perna tentando soltar-se dele.
― O que você ouviu! Aqui se obedece e se não o fizer por
bem será por mal.
Agarrou-a pelo outro tornozelo e a virou colocando-a
sobre seus joelhos.
Beatriz viu que Duncan segurava suas duas pernas com
o braço e agarrava o cinturão com a mão livre. Açoitá-la-ia? O
medo se apoderou de seu ser.
Começou a lutar como se sua vida dependesse disso,
esperneando sem parar até que conseguiu soltar uma das
pernas.
― Quieta! Quanto antes acabarmos melhor ― ele gritou
tentando agarrar sua perna.
― Não me toque! Coloque um só dedo em cima de mim e
é um homem, morto! ― ela gritou com todas suas forças.
Arqueou sua perna e lhe golpeou com o pé, no rosto, lhe
acertando em cheio o nariz.
― Ahhhhh! Mas o que está fazendo? ― ele gritou
nervoso.
Soltou-a levando-a mão ao nariz, sem soltar o cinturão,
o que deu tempo suficiente a Beatriz para endireitar-se,
engatinhar para o outro lado da cama e saltar dela.
― Quanto mais adiar será pior! ― ele gritou passando a
mão pelo nariz. ― E o que acaba de fazer vai piorar as coisas.
― Se voltar a se aproximar lhe romperei o nariz ― ela
ameaçou enquanto ficava de pé no outro extremo.
Escutou o grunhido de Duncan. Respirava muito forte,
como se estivesse contendo toda a raiva que sentia dentro de
si.
― Já lhe disse que sinto muito! ― ela gritou
desesperada. ― Prometo… prometo que… ― Saltou sobre a
cama ao ver que Duncan a rodeava para apanhá-la,
cruzando-a, com vários saltos. Desceu da cama pelo outro
lado enquanto ele se detinha e a observava fixamente. ―
Prometo que não voltarei a fazê-lo. ― Colocou suas mãos para
frente, como se assim pudesse acalmá-lo ― Prometo que farei
tudo o que me ordene, sem hesitar mas, por favor… por
favor… ― gemeu com lágrimas nos olhos. ―Não me bata.
Ele voltou a correr em sua direção. Beatriz saltou
novamente sobre a cama quando Duncan fez o mesmo
movimento interceptando-a bem no meio. Gritou com todas
as forças que conseguiu enquanto ele voltava a agarrá-la pela
cintura e a deitava sobre o colchão. Desta vez não lhe deu
tempo para se defender. Imobilizou suas duas pernas com as
suas e com uma mão segurou seus dois pulsos.
― Nãooooo! Por favor… ― Chorou com força. ―Por
favor… não me faça mal. Farei o que me peça… o que me
peça… mas, por favor… ― Tentava desfazer-se de suas mãos.
― Isto tampouco é agradável para mim ― grunhiu
segurando-a com força.
― Nãoooooo ― gritou movendo todo seu corpo. ―Maldito
pirata inglês ― gritou fechando os olhos com força. Não
queria ver como aquele cinturão de couro caía com força
sobre sua pele. ― Me prometeu que não me faria mal!
Abriu os olhos e encontrou Duncan extremamente
perto, observando-a com um olhar cheio de fúria, mas, ele
não estava com a mão elevada para golpeá-la.
Ela ficou calada. Uma lágrima escorregou por sua
bochecha. Deixou de resistir, simplesmente olhou para ele.
― Por favor ― sussurrou uma vez mais enquanto seu
peito se agitava pelo pranto.
Duncan percorreu seu rosto alguns segundos e
finalmente amaldiçoou baixinho.
― Maldita seja, mulher ― ele sussurrou atirando o
cinturão ao chão. ― Jamais volte a fazer algo assim, ou lhe
prometo que na próxima vez, deixarei seu traseiro tão
vermelho que não poderá se sentar durante dias.
Duncan a soltou imediatamente e saltou da cama
ficando em pé. Beatriz não se atreveu a se mover do lugar.
Ele permaneceu mais alguns segundos a observando,
lutando com uma mescla de sentimentos. Por um lado,
precisava temperar seus nervos, acalmar-se. Por outro, sentia
certa pena da moça e um sentimento de culpa invadiu sua
mente ao vê-la ali, caída tremendo e chorando.
― Levante-se e se vista ― ele ordenou, antes de sair pela
porta de seu camarote a passo acelerado batendo a porta.
10

Bastian abriu os olhos lentamente. Sentia uma forte dor


de cabeça. Grunhiu e se endireitou sobre o convés de seu
navio. A primeira coisa que notou foi o calor do sangue
escorrendo por sua bochecha. Levou a mão à testa e apalpou
sua umidade, morna, enquanto inalava o característico
aroma de ferro.
Custou-lhe fixar o olhar, mas quando o fez, viu que o
céu começava a escurecer. Quantas horas haviam se
passado?
Os gritos o fizeram reagir e apoiou-se contra o corrimão
do navio. Haviam sido atacados. Os ingleses pilharam seu
navio.
Percorreu o convés onde vários homens arrastavam os
corpos sem vida de seus companheiros. Deviam tê-lo afastado
do convés porque se encontrava em uma das laterais.
Reconheceu a figura do médico, abaixado em frente ao
corpo de um de seus homens.
Percebeu o sabor do sangue em sua boca e durante
alguns segundos sentiu enjoo. A lembrança de tudo o que
ocorreu voltou para sua mente.
― Beatriz ― ele sussurrou enquanto elevava seu olhar ao
céu, onde alguns pontos celestes começavam a aparecer. Os
piratas a levaram. Gemeu e passou a mão pelos olhos,
tentando controlar o enjoo que sentia. Aqueles bastardos a
levaram.
― General! ― gritou um dos marinheiros, correndo pelo
convés.
Custou a reconhecê-lo, entre o enjoo e a escuridão que
começava a tomar tudo, não conseguiu ver bem seu rosto, até
que o moço se ajoelhou a seu lado.
― Damien ― ele sussurrou, colocando uma mão no
ombro dele, em atitude amistosa.
Damien se virou diretamente para o médico.
― Chris! ― gritou. ―O general está consciente.
Chris ficou em pé e correu para eles se ajoelhando ao
seu lado.
― Bastian ― disse seu amigo com um sorriso. Pegou um
trapo e o colocou em sua testa, na ferida ainda aberta.
Bastian gemeu de dor. ―Fique tranquilo, vai ficar bem.
― A mulher. Beatriz ― sussurrou para ele. ― A levaram?
Chris e Damien se olharam durante alguns segundos e
finalmente foi o jovem quem falou.
― Sim, não conseguimos impedir.
Bastian se remexeu e tentou ficar em pé, mas ainda se
sentia muito fraco para que suas pernas pudessem aguentar
seu peso.
― Não, não, deve guardar repouso durante alguns dias.
Recebeu um golpe muito forte na cabeça.
― Preciso ir buscá-la ― ele gemeu, tentando ficar em pé.
― Fique tranquilo, general ― Damien pronunciou,
colocando uma mão em seu ombro, fazendo com que ficasse
quieto.
Bastian suspirou consciente de que não se aguentava
em pé e apoiou sua nuca contra o corrimão fechando os
olhos.
― Quantas horas estive inconsciente? ― perguntou.
― São quase nove da noite. Quase sete horas ― explicou
Chris.
Bastian voltou a abrir os olhos e passou a mão sobre
eles, tentando manter o olhar centrado em um ponto.
― Que rumo terão…?
― Bastian, não está em condições de dirigir o navio
agora ― lhe interrompeu Chris. ―E mais, o navio sofreu
consideráveis danos.
― Que danos?
― Temos várias brechas pelos bombardeios. A vela maior
e a de substituição estão rasgadas. ― Ele suspirou como se
aquilo o deprimisse. ―E derrubaram o mastro do centro. ―
Bastian o olhou fixamente. ― Os homens que sobreviveram
estão tentando arrumar as imperfeições.
Fechou os olhos lutando para não desfalecer.
― Quantos homens sobreviveram?
― Perdemos sete homens. E agora mesmo, há cinco
muito graves que não sei se conseguirão. Temos feridos leves
aos quais já assisti e estão colaborando para arrumar o
navio.
Bastian assentiu lentamente.
― O que levaram?
Chris e Damien se olharam.
― Tudo. As manufaturas e os escravos ― Continuou
Chris.
― E a mulher ― acabou Damien.
Todo seu carregamento, totalmente, perdido. O que faria
agora? Pilharam tudo, já não era somente a responsabilidade
que o império lhe encarregara e que ele não conseguira
defender, mas sim, também lhe haviam arrebatado Beatriz. O
estariam fazendo com ela nesse momento? Aquela ideia lhe
revolveu o estômago e precisou controlar a acidez que lhe
subia pela garganta.
― Quanto tempo estima que demorarão em ter tudo
arrumado?
Damien ficou pensativo.
― Pode ser que alguns dias. Mandei rumar para o Haiti,
com sorte poderemos chegar amanhã pela manhã se o mar
acompanhar. ― Ele olhou para as velas, com muita
dificuldade avançavam com somente as velas principais e a
superior. ―Lá poderemos arrumar melhor o navio.
― É o rumo que tomaram os piratas ingleses?
Damien se remexeu inquieto.
― Não senhor, rumaram em sentido contrário.
Bastian o olhou com dureza.
― E por que não os seguiu?
Chris interveio, tentando acalmar seu amigo.
― Agora não poderíamos fazer nada contra eles. As
maiorias de seus homens não estão preparados para o
combate e eles roubaram praticamente todas as nossas
armas. Não podemos nos defender.
Aquilo o pegou despreparado.
― As armas também? ― perguntou surpreso.
― Sim, general.
Bastian engoliu a saliva. Haviam roubado tudo. Por
mais que não quisesse aceitar, Damien fazia o correto. A
primeira coisa era deixar o navio em boas condições para que
navegasse e, a segunda e mais importante, era que seus
homens pudessem ser bem atendidos em terra.
Sabia que os ingleses não matariam uma mulher
espanhola. Pode ser que se divertissem com ela, mas não se
importaria em voltar a acolhê-la e fazer o mesmo
oferecimento que lhe fizera naquela mesma manhã, antes do
ataque. Encontrá-la-ia e a levaria à França com ele, a um
lugar onde pudesse protegê-la e deixa-la a salvo de todos os
perigos que entranhavam aquelas águas.
Precisava encontrá-la, tê-la a seu lado de novo. E o faria,
custasse o que custasse. Cedo ou tarde ele voltaria a tê-la
com ele, era somente uma questão de tempo.
― Está bem, Damien, boa decisão ― ele acabou
sussurrando.
O jovem pareceu feliz com o aceite de seu general. Chris
interveio novamente.
― Bastian, você deve descansar. ― Olhou para Damien
enquanto ele pegava seu general por um braço, jogando-o
sobre seus ombros. ―Ajude-me a levá-lo para o camarote.
Ela passara todo o dia encerrada no camarote do
capitão. Desceu da cama e ficara esquecida novamente
naquele canto. As horas passaram enquanto as lágrimas e as
lembranças embaçavam tudo.
Não tornou a receber nenhuma visita. Esteve toda à
tarde sozinha, pensando.
Quando o sol começou a desaparecer no horizonte,
entraram no camarote sem falar nada. Um jovem levava uma
bandeja com vários pratos de comida.
― O capitão me ordenou que lhe trouxesse o jantar.
Ela nem sequer agradeceu, nem sequer se incomodou
em saudá-lo, simplesmente escutou aquela voz ao fundo.
A lembrança de seu irmão, de sua mãe, de seu pai… o
que seria deles agora? Perdera tudo. Certamente os estariam
procurando, a ela e ao professor Davis.
Chorou mais forte, pelo desespero e impotência que
deviam sentir seus entes queridos. Aquilo não era justo, para
ninguém.
A escuridão tomava conta do camarote pouco a pouco,
até que não ela não pudesse ver praticamente nada, somente
a luz que a lua irradiava iluminava de vez em quando o
camarote, projetando algumas sombras.
Esteve a ponto de ficar adormecida quando escutou a
porta do camarote se abrir. Não houve uma batida, nem
pressa nos passos que escutava. Finalmente, ergueu seu
rosto e observou entre as lágrimas.
Duncan levava dois lampiões que iluminavam todo a
quarto. Custou um pouco para que suas pupilas se
adaptassem àquela luz repentina. Pendurou um dos lampiões
em um prego que sobressaía perto da porta de entrada, e com
o outro foi à mesa. Não se dignou a olhá-la, simplesmente
chegou até a mesa, depositou o lampião e observou os pratos
de comida fria. Seu olhar voltou para ela e, a sua vez, Beatriz
afastou o seu.
― Não comeu nada.
Quando ele partira daquele camarote, o fez com um feixe
de nervos, mas passar toda a tarde dando ordens e gritos, o
sossegaram bastante.
Beatriz não respondeu.
― Ora, estou falando com você ― disse em um tom um
pouco mais forte atraindo o olhar dela.
― Não tenho fome.
Duncan foi para ela cruzando os braços, observou-a
durante alguns segundos e depois estendeu a mão para ela.
― Venha, deve comer. Não quero ter uma prisioneira
doente.
Ela observou sua mão, mas desviou um olhar cheio de
fúria para seus olhos.
― Pois não tenha. Liberte-me, é muito mais fácil.
Duncan apertou sua mandíbula.
― Nem pense nesta ideia, não vou libertá-la ―
pronunciou isso lentamente, sem nenhuma ameaça em sua
voz, simplesmente como quem dizia como estava o tempo.
―Vamos ― ele insistiu. ― Precisa comer.
― Não quero comer.
Duncan ficou tenso e Beatriz ficou consciente de que,
novamente, começava a se esgotar a paciência dele. Bem,
acabaria tão farto dela que a liberaria somente para ficar
tranquilo.
― Quando lhe disse que não devia me temer… é sempre
e quando obedecer. Acreditei que ficou bastante claro ― disse
com um tom de voz gelado.
Ela engoliu a saliva e endireitou suas costas.
Merda, o cinturão. ― ela pensou, enquanto o observava
passar lentamente seus dedos sobre o fino couro, como modo
de advertência.
Ela ficou em pé, apoiando-se na parede. Duncan era
mais alto que ela, pouco mais de uma cabeça, com aquela
luz, seu cabelo se via mais escuro, também, seus olhos.
― Bom ― sorriu Duncan, embora com bastante ironia.
Depois fez um movimento com a cabeça à mesa. ― Coma.
Ela se moveu de forma enérgica para a mesa, com
movimentos tensos que denotavam aborrecimento, o que fez
Duncan sorrir. Certamente, tal e como havia dito seu amigo
Jerry, estaria muito entretido em sua companhia.
Beatriz chegou à cadeira e se sentou a contragosto.
Ficou olhando os dois pratos. Em um havia batatas fervidas,
em outro, uma parte de carne em um molho que não
conseguiu identificar. Era frango? Vitela talvez?
Remexeu o prato enojada e o afastou ficando com o das
batatas.
Duncan foi até ela e se sentou a seu lado, vendo-a
remexer a comida.
― Coma ― voltou a repetir com paciência, como quem
fala com uma criança.
Finalmente ela partiu uma batata com o garfo e a levou
à boca.
Ele pareceu relaxar quando a viu levar um pouco de
comida à boca. Depois a observou intrigado quando ela fez
cara de desagrado.
― Você não gosta?
― Está fria.
― Se tivesse comido isso quando lhe trouxeram, não
teria esse problema.
Ela o olhou de esguelha e soprou. Deixou o garfo com
um golpe mais forte do que queria sobre a mesa e o olhou
fixamente.
― Não tenho fome. Tenho o estômago fechado.
Ele se aproximou da mesa.
― Não a vi comer desde que chegou aqui, então vai
comer ― disse ele, pegando o garfo e passando-lhe de novo.
Olharam-se fixamente, durante alguns segundos,
desafiando-se, até que ela voltou a segurar o garfo à
contragosto, revolvendo as batatas.
― Não brinque com a comida ― ele advertiu.
Ela resmungou e pegou outra parte de batata levando-a
a boca. Permaneceram vários minutos em silêncio enquanto
ela comia, sem vontade.
― Então, seu navio naufragou ― ele pronunciou
pensativo. Beatriz o olhou de esguelha, não muito segura, e
confirmou, enquanto levava outra batata à boca. ― Com
quem viajava?
Ela endireitou as costas. Merda, quando o encontrara
pela primeira vez, não sabia nada do que havia ocorrido e ela
falara como se se encontrasse no século XXI.
― Com meu pai ― pronunciou sem olhá-lo, concentrada
nas batatas.
Ele a olhou fixamente.
― Falava de um tal William Davis…
― Meu pai ― ele cortou-a.
― Seu pai? Disse-me que se chamava Beatriz Ibáñez,
não Beatriz Davis.
Ela ficou gelada, sem chegar a colocar a batata na boca.
― Bem, era… ― tentou improvisar, qualquer coisa seria
melhor do que dizer que viera do futuro e que a tomassem
por uma louca. ― Era meu tio realmente. Meus pais
morreram quando eu era uma menina e ele me criou. Era
como meu pai.
Ele assentiu, como se aquela explicação o convencesse.
Passou a mão pela bochecha arranhando a barba de alguns
dias.
― Disse algo sobre guarda costeira… ― ele pronunciou
sem compreender.
Ela voltou a dar um salto. Merda, merda… aquilo se
complicava. Bom, ele era inglês, supunha-se que não
entendia o espanhol ou, ao menos, não todas as expressões
porque o que se recordava era que ele falara com Bastian em
francês.
― É uma expressão de minha terra ― improvisou.
―Significa que terá que alertar às pessoas.
― Não a conhecia.
Ela o observou intrigada.
― Fala espanhol?
― Um pouco. ― Depois ele sorriu mais abertamente. ―É
bom para fazer negócios com alguns países. ― Ela aceitou
não muito segura e voltou a concentrar-se nas batatas.
―Como seu navio afundou?
Aquela conversação a estava deixando desesperada.
Com ele era mais difícil improvisar, já não era somente que se
encontrasse mentalmente cansada, mas sim, a forma como
ele a pressionava.
― Um ataque.
― Um ataque?
― Sim, atacaram-nos ― ela respondeu, enchendo-a boca
de batatas, ao menos se a boca estivesse cheia não poderia
falar.
― Quem os atacou? ― perguntou intrigado. Beatriz não
se atreveu a elevar o olhar do prato. Ufff…a batata estava
realmente seca. Começou a mastigar com esforço. ―Como se
chamava seu navio?
Esteve a ponto de gemer. Por Deus, o que era aquilo?
Um interrogatório?
Duncan a analisava, fixamente, até que se deu conta do
volume de suas bochechas e da força com que mastigava. Foi
para um móvel e pegou uma garrafa e uma taça.
― Sentiu fome de repente? ― ele brincou sentando-se de
novo, a seu lado. Ela afastou o olhar, intimidada, e voltou a
engolir, enquanto agarrava a taça que ele acabar de encher. ―
Bem, como se chamava seu navio?
Levou a taça até seus lábios, perturbada. Como havia
dito para Bastian que ele se chamava? Merda, não se
lembrava. Santa algo… não? Pense, pense…
― Santa Cecilia ― ela disse finalmente, com muita
ênfase.
― Ora. ― Olhou-a estranhando. ― Nunca ouvi sobre ele.
― O nome era em honra a minha mãe ― ela explicou.
―Meu tio era seu irmão. Quando minha mãe morreu ele
colocou seu nome, ou ao menos, dizia ele.
― O que transportava?
― Manufaturas ― respondeu rapidamente. Ao menos,
essa resposta ela sabia. ―A rota do Senegal.
Olhou-a surpreso e inclinou seu rosto para ela.
― E como uma mulher como você se encontrava nesse
navio?
Beatriz voltou a afastar o olhar dele. Por Deus, aquele
homem a observava como se pudesse ler seu pensamento.
― Quando meu pai morreu fiquei sozinha. Pedi a meu
tio que me levasse com ele…
― E o fez? ― perguntou surpreso.
― Pois sim.
Soprou como se não acreditasse no que escutava, o que
fez com que ela o olhasse, arqueando uma sobrancelha.
― Parece-me uma atitude bastante temerária de sua
parte.
― Não seria temerária, se o mar não estivesse cheio de
homens como você.
Aquele comentário deve ter sido engraçado, porque
acentuou seu sorriso.
― E como chegou à ilha?
― Saltei pela amurada ― ela respondeu agarrando o
garfo rapidamente. Pelo visto esse homem não se cansava de
interrogar.
― Ora, você gosta bastante de saltar, não? ― brincou.
― Melhor isso que permanecer prisioneira.
Ele voltou a olhá-la pensativo.
― E chegou naquela ilha onde a encontrei?
― Sim.
― Mas disse que já estava há dois meses ali…
Ela afastou o olhar de novo.
― Eu não disse isso ― pronunciou olhando-o de canto
de olho. ―Disse que estava há dois meses pela área, não que
estivesse há dois meses naquela ilha.
― Disse que…
― E você? ― Ela o interrompeu para tentar trocar de
assunto. Aquele interrogatório a estava matando. Duncan
possuía uma forma muito mais exaustiva de interrogar que
Bastian. Possuía um olhar que intimidava muito.
― Eu, o quê?
― Você… estava naquela ilha para espionar os
franceses?
― Já sabe a resposta.
Ela assentiu, enquanto engolia e voltava a meter outra
batata na boca. A última. Se precisasse comeria aquela
carne, ao menos o fato de ter a boca cheia lhe permitia dispor
de alguns poucos segundos, para poder refletir.
― E um doutorado? O que é?
Endireitou-se. Maldita boca, a sua.
― São coisas privadas ― pronunciou em um sussurro. ―
Coisas pessoais.
― Ora. ― Ele passou a mão pelo cabelo despenteando-se
um pouco. Esperava que ao menos isso servisse. ―Que idade
você tem?
― Não tenho por que lhe dizer isso ― Isso está claro.
Ele sorriu de novo.
― E por que não? Acredito que é mais jovem do que eu,
assim que isso não teria que…
― Isso está claro.
Ele arqueou uma sobrancelha.
― O que significa isso?
― Significa que obviamente sou mais jovem que você.
― Isso eu não sei ― voltou a sorrir. ―Se tivesse a
amabilidade de me dizer sua idade poderíamos saber.
― Que idade você tem? ― perguntou ela rapidamente.
― Vinte e nove.
― Pois sim, sou mais jovem que você ― pronunciou
enquanto agarrava a taça de vinho e dava um bom gole.
Duncan molhou os lábios e sorriu divertido.
― Pois tem muita coragem para ser uma mulher tão
jovem. ― Depois observou as mãos dela e se apoiou sobre a
mesa. ― E não é uma mulher casada… ― acabou
pronunciando.
Depois pegou o prato de carne colocando-o diante dela.
― Já lhe disse que não eu não tenho ninguém a quem
você pudesse pedir um resgate ― ela explicou enquanto
tentava cortar uma parte da carne. Por Deus, parecia uma
pedra.
― Então é uma mulher solitária.
― Não estava só. Estava com os franceses. Levaram-me
à França e lá procurariam o transporte necessário para me
levar de volta à Espanha ― ela improvisou.
― Sim, já sei. O general parecia bastante interessado em
lhe manter a salvo.
― É um bom homem. Tratou-me muito bem. É educado
e atento. ― Depois se inclinou para ele. ― E jamais teria
ameaçado me bater.
― Se continuar falando dele assim, vai me dar sono ―
ele pronunciou com a voz um tanto rouca.
― Pois saiba… ele o conhecia. Parece que atacou seu
navio. Aquilo pareceu intrigá-lo e inclinou seu rosto para um
lado, feito que chamou a atenção de Beatriz. ― Não sabia?
― Como se chamava o general?
Ela endireitou-se, ainda mais.
― Não penso lhe dizer isso
― Oh!, Sim, tanto que o fará…
― Melhor! ― ela elevou um pouco seu tom de voz. ―Não
se recorda de seu rosto? Quantos navios você atacou?
― Muitos ― ele respondeu rapidamente. ―Diga seu
nome.
― Não, para que quer saber?
Duncan ficou em pé, em atitude ameaçadora.
― Bastian, Bastian… ― ela disse rapidamente e depois
soprou. ―O sobrenome não sei.
Maldito fosse. Estava claro que ela devia aprender a
fechar a boca.
― O que lhe contou? ― ele perguntou sentando-se de
novo.
― Praticamente nada. Disse-lhe que havia me
encontrado com… ― Depois baixou seu tom ao ficar
consciente do que aquilo carregava, estava confessando que
os delatara a um general francês.
― Fale ― ele ordenou.
― Disse-lhe que me encontrei com alguns piratas
ingleses e ele me fez descrever você. Disse-me que você havia
atacado seu navio e nada mais. Somente isto ― afastou o
olhar dele.
― Reconheceu-me por minha descrição?
― Disse-lhe seu nome ― ela sussurrou olhando
fixamente o prato. No momento, o garfo começou a tremer em
sua na mão. Duncan deve ter se dado conta disso porque
suspirou. ―Mas não lhe disse nada mais, sério.
Ela não conseguira lhe dizer nada mais, mas Bastian
sim, explicara sua história, como os surpreendera,
pressionando-os contra a costa e os haviam atacado como
Bastian sobrevivera durante várias semanas escondido em
uma cova, até que um navio os resgatara. Mas não contaria
aquilo. Se ele não se recordava era assunto dele, ela não
tinha porque ajudá-lo.
― Está bem ― ele pronunciou tranquilo. Depois olhou a
carne que Beatriz tentava cortar, sem muito êxito.
Soltou a faca e o garfo.
― Não tenho mais apetite.
Duncan assentiu de toda a maneira já conseguia que ela
comesse algo. Sabia que o estado de nervos em que se
encontrava teria tirado seu apetite, mas não queria que ela
ficasse doente e se fosse necessário, ele mesmo a obrigaria a
comer.
― De acordo. ― Ele ficou observando-a durante alguns
segundos e finalmente ficou em pé, enquanto começava a
tirar a camisa das calças. Beatriz afastou o olhar
imediatamente. Esse homem não possuía pudor algum? ―
Deite-se.
Virou seu rosto para ele e o olhou com olhos
extremamente abertos. Seu olhar voou para aquela cama e
depois viu que ele atirava a camisa ao chão.
No instante, ficou em pé, rodeando a mesa e interpondo-
a entre os dois, o que chamou bastante a atenção de Duncan.
― Não penso em me deitar com você. ― ela gemeu.
Duncan observou a cama e depois se virou para ela
muito sorridente.
― Pois é a única cama que há. ― Depois deu um passo
para ela tirando o cinturão, mas não a ameaçou, o colocou
sobre a cadeira com bastante delicadeza. ―Não vou violá-la ―
ele pronunciou ofendido. Ela se remexeu incomodada. ―
Deite-se na cama, precisa descansar.
― E você? Onde vai dormir?
Ele começou a rir enquanto se dirigia para o colchão.
― Aqui também ― ele disse, tirando a colcha.
Ela não se moveu de seu lugar.
― Não penso em me colocar na mesma cama que você.
Ele suspirou sem olhá-la, virou-se e soprando apagou o
lampião que estava pendurado ao lado da porta. Mesmo
assim, o que estava sobre a mesa, lhe permitia observar tudo.
― Pois eu não penso dormir em uma cadeira ou no chão
― sussurrou Duncan, enquanto voltava para a cama e
puxava o lençol, depois a chamou. ―Apague o lampião e
venha aqui ― ele ordenou.
― Não! ― ela gritou.
Duncan ficou olhando-a alguns segundos enquanto
passava pensativo, a mão pela bochecha.
― Pois faça o que quiser ― ele disse ao final sentando-se
sobre a cama. ― Mas à medida que avançar a noite pode ser
que baixe um pouco a temperatura e…
Beatriz foi para o armário e o abriu.
― Ora ― gritou Duncan endireitando-se sobre a cama,
mas para quando ia levantar, ela já segurava uma colcha
vermelha entre suas mãos.
Ela fechou o armário com um golpe seco e se dirigiu de
volta ao canto onde passara toda a tarde. Atirou a colcha no
chão e começou a esticá-la sobre a madeira.
Duncan a observava. Seria possível? Maldita mulher.
― Não vai dormir aí ― pronunciou com voz seca.
Beatriz se virou realmente zangada.
― Ah, não? ― gritou ficando em pé. ―E o que vai fazer?
Vai me bater? ― perguntou nervosa. Duncan ficou em pé e
arqueou uma sobrancelha para ela, com o olhar realmente
furioso.
― Se for o que quer agarre esse cinturão e me bata ― ela
acabou dizendo realmente enfurecida. ―Mas não penso em
ficar nessa cama de maneira nenhuma.
Estava claro que devia colocar alguns limites para ele ou
acabaria ameaçando-a cada vez que quisesse conseguir algo.
Preferia que a açoitasse de uma vez e que acabasse tudo
aquilo, a ter que aguentar suas ameaças constantemente.
Desafiou-lhe com o olhar durante alguns segundos.
Duncan observou o cinturão. Ela permanecia totalmente
erguida. Estava claro que era uma mulher de briga.
Soprou e foi diretamente à mesa. Beatriz começou a dar
passos para trás observando o cinturão, porém Duncan
agarrou o lampião em vez do cinturão e soprou, fazendo com
que o camarote se tornasse escuro.
Caminhou para a cama e Beatriz escutou como ele se
atirava sobre o colchão.
Bem, bom… não a espancaria. Suspirou e se fixou na
silhueta dele sobre o colchão. Estava, totalmente, esticado,
era um homem enorme.
Ficou um pouco descompensada ao ver sua reação, mas
finalmente se sentiu agradecida e se atirou sobre a colcha
que colocar no chão.
Dormir fatalmente, e com muita dificuldade poderia
conciliar o sono. Levou a mão ao estômago ao sentir que ele
se revolvia. Colocou-se de lado dando as costas para Duncan,
pois pelo pouco que podia intuir, ele parecia encontrar-se
convexo no colchão, direcionado para ela, possivelmente
observando-a.
Não deveria ter comido tão rápido as batatas. Tentou
acalmar sua respiração e fechou os olhos tentando dormir.
Devia tentar juntar forças. Sabia para onde se dirigiam.
Nassau era uma das colônias que havia invadido o Império
britânico e que nesses dias, era habitada pelos piratas
daquela área. Aquilo podia ficar difícil, mas se fosse terra
firme podia apostar de que seria capaz de encontrar alguma
alma caridosa que a levasse para os Recifes e uma vez lá,
procuraria uma nova tormenta.
11

Custou-lhe adormecer. Teve que ajeitar-se várias vezes.


O estômago parecia que explodiria. Estava claro que o
nervosismo e as batatas fervidas frias não foram uma boa
combinação.
Quando foi capaz de adormecer sobre o duro chão de
madeira não conseguiu descansar bem. Reviveu a infinidade
de momentos. Aquelas férias em Valência com toda a família,
quando saíra da festa com seus amigos depois de obter a
licenciatura…
As imagens foram passando por sua mente, lembranças
felizes que carregavam um futuro que ainda não acontecera e
para o qual faltavam ainda trezentos anos.
Despertou quando escutou alguns passos próximos e se
endireitou sobre a colcha que jogara ao chão.
A suave luz do amanhecer entrava pela janela. Olhou à
frente e encontrou a Duncan sentado sobre a cama, vestido,
calçando uma das botas. Observou-a durante alguns
segundos, como se não estivesse muito de acordo que ela
tivesse dormido no chão, mas não disse nada.
Beatriz levou a mão ao estômago sentindo a acidez que
subia por sua garganta.
Gemeu e ficou em pé. Correu para uma das janelas, mas
quando tentou abri-la recordou-se que estavam todas
fechadas. Soluçou de novo levando a mão o estômago.
― O que houve? ― Duncan perguntou colocando-se a
seu lado com cara de preocupação.
Não precisou perguntar nada mais, o gesto que Beatriz
fazia, nesse momento, dizia tudo.
Pegou-a pelo braço e a levou para a bacia. Justamente
quando ela se inclinou para começar a vomitar. Sofreu vários
espasmos enquanto lançava fora todo o jantar da noite
anterior. Era estranho como o corpo melhorava rapidamente:
estava vomitando e ao mesmo tempo já se encontrava muito
melhor.
Observou de canto de olho que Duncan permaneceu a
seu lado com uma mão em suas costas, mas se surpreendeu
ao ver que ele afastava o cabelo de seu rosto delicadamente,
enquanto outro espasmo a sobressaltava.
Um último espasmo a sacudiu e, finalmente, endireitou-
se. O estômago já não doía nada, mas, estava um pouco
enjoada.
― Deu? ― ele perguntou colocando seu cabelo com
delicadeza sobre suas costas. Ela confirmou ainda segurando
a bacia sem pronunciar nada. Duncan se afastou e agarrou
uma das taças que guardava em uma das gavetas junto a
algumas garrafas de vinho e a encheu de água. ― Enxágue a
boca ― ele pronunciou enquanto lhe alcançava a taça.
Ela a agarrou, um pouco intimidada, Duncan a
observava preocupado. De verdade, ele estava preocupado
com ela? Afastou o olhar dele e enxaguou a boca, várias
vezes.
Foi controlando-a de vez em quando enquanto revirava
nas gavetas. Pegou uma das chaves e abriu às janelas de par
em par. A habitação cheirava extremamente mal.
Ele atirou o conteúdo da bacia pela janela enquanto
Beatriz o observava se ocupando de tudo.
― Está melhor?
― Sim. As batatas de ontem não me sentaram muito
bem.
― Sim ― ele pronunciou deixando a bacia a seu lado.
―Suponho que os nervos tampouco ajudam. ― Olhou-a de
acima abaixo e a segurou pelo braço. ―Está enjoada?
― Um pouco.
― Venha ― ele disse decidido.
Saíram do camarote e começaram a caminhar pelo
corredor sem que ele a soltasse.
― Aonde vamos?
― Necessita de ar ― ele explicou enquanto a ajudava a
subir alguns degraus até ao convés.
Naquele momento o clima era estupendo. O céu no
horizonte estava alaranjado e pouco a pouco ia adquirindo
uma tonalidade rosácea que acabava transformando-se
posteriormente em azul.
A brisa marinha a atingiu no mesmo momento. O ar era
úmido e fresco àquela hora da manhã.
Um par de marinheiros passou na frente deles
saudando seu capitão com um movimento de sua cabeça e
observando-a, com caras estranhas.
Duncan a arrastou delicadamente para uma lateral e
subiu os degraus até a área do timoneiro, ao qual saudou
com um movimento de cabeça. A Acompanhou até um
suporte onde havia algumas cordas. Pegou-as e as atirou ao
chão e a colocou nelas sentando-a, e apoiando-a
brandamente contra a parede.
― Está bem? ― ele perguntou soltando-a.
Ela o observou totalmente perturbada, não esperava que
ele se comportasse daquela forma.
― Sim. Obrigada.
Ele sorriu e depois arqueou uma sobrancelha.
― Se eu me afastar não saltará pela amurada outra vez,
não é verdade? ― Esta vez não soou como uma reprimenda,
ela até conseguiu detectar certo tom gracioso naquela
pergunta. Ela negou enquanto apertava os lábios. ― Bem. Se
ficar mal de novo me diga.
Beatriz ficou observando-o durante alguns segundos.
Não esperava que mostrasse tanta consideração depois do
que ocorrera, no dia anterior. Sem dúvida era um homem de
caráter. Como não seria? Por Deus era um pirata inglês,
porém, depois daqueles últimos minutos algo lhe dizia que
possivelmente, se moderasse um pouco e obedecesse, não
passaria tão mal.
― Sim, não se encontra muito bem ― escutou que ele
falava ao timoneiro enquanto a observava de canto de olho.
―Como foi a noite?
Beatriz se distraiu observando o mar. Virou-se e apoiou
seus braços e o rosto sobre a madeira. O mar estava calmo,
embora de vez em quando, podia divisar-se alguma crista
branca.
Virou-se ao escutar alguns passos. Duncan descia as
escadas deixando o timoneiro no comando.
Ficou olhando-o um momento, relaxando. Ele parecia
agradável com os seus, via-o sorrir e colocar a mão em cima
de alguns ombros, em atitude amistosa. Possuía um sorriso
não isento de ternura.
Aquele pensamento a ofuscou. Não, Beatriz, recorde-se:
é um pirata inglês, mantém você prisioneira e ontem esteve a
ponto de te açoitar… Sim, mas não o fez.
Obrigou-se a apartar o olhar dele e apoiou seu rosto no
braço, contemplando o mar e como pouco a pouco, o sol
mostrava sua presença aumentando a temperatura do dia.
Não se deu conta de que ficou adormecida até que
tocaram seu ombro. Endireitou-se imediatamente, assustada,
até que reconheceu o rosto de Duncan.
― Está bem?
― Adormeci ―ela sussurrou. ―Não consegui dormir
muito nesta noite.
Ele assentiu enquanto continuava controlando sua
tripulação.
― Vá o camarote e descanse. Ninguém a incomodará.
Pegou-a pelo braço para ajudá-la a ficar em pé, mas ela
se soltou delicadamente.
― Estou bem ― ela pronunciou fugindo de seu contato.
― Está bem.
Ela se afastou dele, jogando olhadas furtivas. Já nem
sequer lhe prestava atenção, conversando com seu timoneiro,
que parecia se queixar de algo.
Entrou no corredor e foi para o camarote. Fora muito
bom sair, tomou ar e se recuperaria mais rápido. Entretanto,
precisava recuperar as horas de sono que não tivera na noite
anterior.
Quando entrou no camarote se deu conta de que estava
arrumado. Não havia camisas pelo chão e a cama estava
estendida. Deviam tê-lo arrumado enquanto ela permanecia
adormecida no convés.
Foi para seu canto e viu que também haviam recolhido a
colcha do chão.
Foi para o armário e procurou em seu interior, tirando a
colcha novamente e voltando a atirá-la sobre o chão. Seu
olhar voou diretamente para a cama de Duncan, estava certa
de que dormiria muito melhor do que atirada no chão. As
palavras dele voltaram para sua mente: «Vá para o camarote
e descanse. Ninguém a incomodará».
Bom, possivelmente pudesse esticar-se um momento.
Depois, se o escutasse vir, correria para seu prezado canto.
Deixou-se cair brandamente sobre a colcha, sem sequer
tirá-la. De toda a maneira seria somente um momento, e
depois poderia sair para o convés ou voltaria para chão, mas,
enquanto isso desfrutaria e descansaria como era devido.
Não demorou mais de um minuto para cair em um
profundo sono.
Abriu os olhos lentamente ante a suave claridade que
entrava pela janela. Estava totalmente aberta e podia divisar
o céu alaranjado, alaranjado? Passou todo o dia dormindo?
Notou que estava relaxada, até que escutou um golpe
suave sobre a mesa. Endireitou-se imediatamente.
Duncan permanecia sentado, sem prestar atenção,
estudando alguns mapas enquanto devorava seu prato.
Duncan estava ali? Merda! E ela em sua cama! Seu
olhar viajou diretamente para o céu alaranjado. Quanto
tempo devia estar ali?
Quando voltou o olhar para ele, Duncan a contemplava
intrigado. Parecia nervosa de verdade?
― Já dormiu o suficiente? ― Ele perguntou voltando o
olhar para os mapas.
― Sim, eu estava precisando.
― A cama é muito mais cômoda que o chão, não é
verdade?
Beatriz apertou os lábios. Maldito fosse… e o pior é que
estava com razão. Desde que chegara a essa época, não
conseguira dormir tão bem como nesse momento. Preferiu
não responder, embora o sorriso que conseguiu ver em
Duncan lhe deu a entender que se reprimia a resposta era
porque seria afirmativa.
― Já se encontra melhor? ― Ela se sentou na borda da
cama e confirmou. ―Venha comer algo. Há arroz. Vamos,
sentará bem.
A verdade é que esse homem a descontrolava. Nesse
momento se comportava de uma forma encantadora, mas
sabia que não podia confiar nele, e que ele escondia aquele
gênio ameaçador.
Levantou-se a contra gosto e foi até a mesa diante do
atento olhar dele.
Duncan moveu a cadeira que estava a seu lado lhe
indicando que se sentasse. No instante, colocou uma enorme
bandeja de arroz branco cozido diante dela.
― Não vou comer toda a bandeja.
― Já o supunha ― ele pronunciou desviando a atenção
para os mapas.
De novo parecia ignorá-la, concentrando toda sua
atenção nas cartas náuticas e mapas que mantinha
estendidos pela mesa.
Beatriz pegou a colher e levou um pouco de arroz à
boca. A verdade é que estava com o estômago vazio e muita
fome. Aquela atitude pareceu satisfazer Duncan que a olhou
de esguelha e assentiu.
Parecia cordial, assim, devia aproveitar esses momentos
para solicitar informação e traçar um novo plano de fuga.
― Para que vamos a Nassau? ― perguntou
inocentemente.
― Negócios ― ele respondeu sem olhá-la.
Ela o observou de canto de olho.
― Venderá tudo o que roubou do navio francês?
― Talvez.
Ela ergueu suas costas enquanto ele continuava
contemplando o mapa tranquilamente, como se estivesse
riscando uma nova rota.
― Vai vender os escravos?
― Já sabe a resposta.
Aquilo a alterou, mas decidiu que pelo bem de seu
traseiro seguiria falando em tom calmo.
― Poderia ir vê-los?
Aquilo chamou a atenção dele que a olhou diretamente.
― A quem?
― Aos escravos ― respondeu como se fosse a resposta
mais óbvia.
Duncan olhou novamente o mapa, e finalmente o retirou
de sua frente, concentrando todo seu interesse nela.
― Para quê?
― Um deles é meu amigo. ― Ele arqueou uma
sobrancelha. ― O que quer? ― Ele seguia olhando-a
fixamente. ―Se chama Enam, é um bom menino… ― Duncan
suspirou e esteve a ponto de revirar os olhos, enquanto
voltava sua atenção para o mapa, como se aquilo não lhe
importasse. ― Posso? ― Beatriz chamou sua atenção,
elevando o tom de voz, o que fez com que ele se virasse para
ela, impressionado.
― O quê?
― Perguntei se posso ir vê-los.
― Não.
Fuzilou-o com o olhar.
― Por que não?
― Porque são escravos ― ele pronunciou, elevando a voz
também.
Ela depositou a colher com força sobre a mesa.
― São escravos porque você os mantém retidos.
― São mão de obra para a coroa britânica ―
particularizou ele.
― Porque os obrigam a trabalhar para vocês.
Olhou-a confuso.
― Mas o que acontece agora? ― Seu tom de voz soava
descontrolado. ― Não vai ver os escravos e ponto.
― Claro, porque você diz, não é?
― Exato, porque eu digo ― ele pronunciou com um tom
de voz mais contundente.
― Porque você é o capitão e eu sou uma simples
prisioneira, e não passo de uma mulher. Para que vai escutar
uma mulher? O que uma mulher disser, entra por um ouvido
e… ― Duncan voltava a ter aquele olhar assombrado, como se
não acreditasse no que escutava, ― sai pelo outro. Escravos,
mulheres… Que mais importa? Aqui o único que tem a razão
é você e o que queiram outros ou o que opinem, não tem
valor nenhum se você não estiver de acord…
― Por Deus, cale-se! ― ele gritou alterado. ―Está me
dando dor de cabeça!
Ela sorriu ao ver que o alterava um pouco. Sabia que
não podia arriscar-se muito a zangá-lo ou acabaria sobre
seus joelhos, embora ele parecesse aguentar mais de que
aparentava.
Agarrou a colher e comeu um pouco diante do atento
olhar dele.
― São seus escravos porque os roubou do navio francês
― apontou quando ele voltou a olhar para os mapas
pensando que a conversação havia acabado, mas depois
voltou a observá-la. ― Eram dos franceses.
― Eram, exatamente.
― O general francês me deixava vê-los, inclusive me
deixou curá-los…
― Por Deus, pode deixar esse maldito general francês?
Volto a repetir, ― não está em um navio francês, está em um
navio inglês, às ordens do Império britânico. Aqui não somos
tão permissivos. Aqui ― disse batendo na mesa com o dedo, ―
cumprem-se as normas.
― Sim, ou se não os açoita ― pronunciou com ironia
fazendo com que ele arqueasse uma sobrancelha e cruzasse
os braços.
― Exato, e se não deixar esta conversação
experimentará isto.
Duncan voltou sua atenção para os mapas.
― E o que faz agora?
Revirou os olhos, mas quem dera corda para essa
mulher?
― Estudo outra possível rota ― disse com paciência.
― Para quê?
Deixou o mapa de novo sobre a mesa e soprou, voltando
seu rosto para ela.
― Por que não se dedica a jantar tranquilamente? ― ele
ironizou.
Ela encolheu os ombros com um sorriso.
― Me deixará em Nassau? ― ela perguntou diretamente.
― Agora mesmo é o que eu mais gostaria.
― E você, para onde irá depois?
Duncan soprou.
― Não vou deixá-la em Nassau, está louca? Não
sobreviveria nem dois minutos nessa ilha sem a companhia
de um britânico.
― E por que me leva para lá?
Duncan esteve a ponto de começar a golpear a cabeça
contra a mesa.
― Acabou-se. Mantenha-se calada, jante em silêncio ―
disse em um tom mais ameaçador.
Ela o olhou fixamente, fez um gesto de desagrado e
pegou a colher outra vez.
Bem, então iriam para Nassau, isso já sabia antes de
iniciar a conversação e, evidentemente, sabia que era para
vender os escravos e tudo o que haviam roubado do navio
francês. Também sabia que era uma ilha perigosa para todas
aquelas pessoas que não fossem piratas ingleses, naquela
época.
Saboreou o arroz durante um momento, olhando-o de
vez em quando. Duncan seguia com o dedo, algum caminho
imaginário no mapa. Assim, com a luz do lampião sobre a
mesa, ela o via realmente atraente. Maldito fosse, estava
muito bonito.
― E depois de Nassau aonde me levará?
Duncan endireitou suas costas. Estava claro que não
conseguiria trabalhar em silêncio. Suspirou e enrolou o mapa
prendendo-o com uma fina corda.
― Às treze colônias ― ele explicou ficando em pé e
guardando todos os documentos em uma das gavetas.
― Às treze colônias? ― gritou alterada. ― Foda-se ― ela
sussurrou fazendo com que ele arqueasse a sobrancelha. ― À
Virgínia?
Ele a olhou surpreso.
― Aonde?
― Merda ― ela voltou a sussurrar.
Aquilo se afastava totalmente da área em que precisava
encontrar uma tormenta, para poder voltar para seu tempo.
Sabia o que eram as treze colônias. O reino da Inglaterra se
estabeleceu na América do Norte desde 1607, quando os
colonos britânicos fundaram a primeira população
permanente em Jamestown, no século XX conhecida como
Virginia. Durante o século XVII a população nesse
assentamento foi aumentando, e o Império britânico fundou
muitas outras colônias.
― O quê? ― Ele estendeu os braços para ela, enquanto
tomava assento.
Beatriz ficou em pé imediatamente, realmente nervosa.
Não, não, não… ela não podia abandonar aquela zona, não
podia afastar-se dali ou jamais voltaria para seu lar.
― Não posso… ― gritou ante o olhar assombrado dele.
―Não pode me levar para Jamestown!
Ele não se levantou, ficou sentado calmamente e
encolheu os ombros.
― Claro que posso. De fato, vou fazer.
Ela rugiu enquanto sua respiração se acelerava.
― Nãooooo! Não quero! ― ela gritou. ―Você não tem por
que me levar lá, o que eu vou fazer naquelas colônias? Não!
Não pode me levar a…!
Duncan ficou em pé imediatamente e apontou.
― Feche essa boquinha que tem.
Ela quase deu um chute na cadeira. Passou as mãos
pelo rosto realmente curvado.
― Não penso em ficar aqui ― ela sussurrou. Depois o
olhou com força. ―Você não pode me reter aqui. Digo que não
vou às colônias e não penso em ir, entende?
Duncan inclinou seu rosto e deu um passo para ela,
mas nesse momento o aborrecimento de Beatriz era tal, que
não deu um passo para trás, mas sim, um passo à frente,
encorajando-se.
― E o que vai fazer para me impedir? ― perguntou ele,
como se se tratasse de uma provocação.
― Farei o que for preciso ― ela disse com os lábios
apertados.
― Saltaria de novo pela amurada? ― ele ironizou desta
vez, embora logo entreabriu os olhos para ela. ―Bem, isso
tem solução, amarrarei você à cama, ou não… ― disse
considerando seriamente outra ideia. ―Melhor a amarrarei ao
um mastro. ― Deu um passo para ela realmente intimidante.
―Não me provoque Beatriz, não é conveniente.
Ela elevou mais o olhar, sem retroceder.
― Sim? De verdade? ― gritou para ele. ―Cão que muito
late, pouco morde!
― O que disse? ― ele perguntou sem compreender.
― Se for tão homem, por que não cumpre sua ameaça?
― desafiou-lhe totalmente colérica. ―Sim, ohhhh… que
macho é… ― Duncan parecia que perderia os olhos das
órbitas. ―Ameaça uma mulher com…. ahhhh ― começou a
gritar quando Duncan a agarrou pelo braço atraindo-a para
ele. ―Solte-me! Não me toque! ― Duncan pegou seu outro
braço ― Não me toque! ― ela gritou com todas suas forças.
Não disse nada mais, simplesmente a elevou e a levou
para a porta do camarote, enquanto ela não deixava de
espernear e se queixar. Jogou seu rosto para trás com todas
suas forças e golpeou sua testa, fazendo com que Duncan
também gritasse e perdesse o equilíbrio, durante um
segundo.
― Ahhhhh… Quieta!
― Não! Solte-me! ― ela gritou enquanto tentava
esmurrá-lo com as pernas e os braços e ele a puxava do
camarote levando-a para o convés. ― Idiota! ― Apoiou suas
pernas contra a parede e se impulsionou com todas as forças
que pode, para trás, fazendo com que ele se chocasse contra
a outra parede. Não passaram mais que alguns segundos
antes que parte da tripulação aparecesse no corredor,
alertada pelos gritos.
Justamente quando escapou de seus braços, quando se
virou para ele para começar a bater com os punhos.
― Não volte a me tocar ou juro que….! ― Duncan
agarrou um de seus braços e com um movimento rápido a
jogou ao ombro. ―Baixe-me! Digo que me baixe! ― Começou a
golpeá-lo nas costas.
Ele ficou totalmente firme e olhou à frente. Três homens
da tripulação observavam assombrados, da porta de convés,
com os olhos muito abertos e algumas sobrancelhas
arqueadas.
Ele suspirou e começou a andar sem dizer nada,
suportando os fortes golpes que Beatriz aplicava em suas
costas.
Passou ao lado de seus homens e Jerry o olhou
assustado.
― Tudo bem, capitão? ― ele perguntou surpreso,
enquanto Duncan segurava Beatriz, com um braço, em seu
ombro, e ela não deixava de remexer-se.
― Sim ― sorriu com ironia. ―É… um pequeno problema,
somente ― pronunciou enquanto subia os degraus para o
convés.
― Aonde me leva? ― gritou ela. ―Deixe-me! ― E assim
que se viu no convés começou a gritar com mais força,
rasgando a garganta. ―Socooorro! Alguém me ajude! ― ela
gritava estendendo seus braços para alguns marinheiros, que
respondiam com gestos confusos. Era óbvio que nenhum
deles a ajudaria. Como fariam? Era seu capitão. Ela rugiu e
desta vez dobrou seu braço levando-o até o rosto de Duncan,
tentando golpeá-lo.
Duncan voltou a perder o equilíbrio, mas lhe agarrou a
mão com força atirando-a para trás.
― Não está fazendo mais que complicar as coisas ― ele
gritou, e em seguida golpeou seu traseiro com força, fazendo
com que Beatriz abrisse os olhos ao máximo. Começou a se
remexer sobre seu ombro enquanto ele a levava para a popa,
subindo os degraus para a área do timoneiro.
― Filho de puta! ― exclamou aos quatro ventos
enquanto golpeava suas costas. ―O que vai fazer? ―
perguntou de forma estridente enquanto ele continuava
subindo os degraus, e ela se dava conta que, no convés, todos
os marinheiros a olhavam com curiosidade. ―Estou
perguntando, o que vai fazer? ― gritou nervosa.
Duncan se abaixou e a deixou cair sobre convés, sem
delicadeza alguma. Beatriz caiu sobre a dura madeira com
força.
― O quê? Vai me açoitar diante de todos? ― perguntou
provocadora.
Duncan se virou para agarrar uma das cordas,
momento que Beatriz aproveitou para ficar em pé e sair
correndo, mas não tinha dado mais de três passos e já se
encontrava, outra vez, apanhada entre os braços dele.
― Verá, embora não acredite… eu não gosto nada de
açoitar uma mulher ― ele pronunciou enquanto voltava a
arrastá-la pela popa em direção ao mastro principal.
― Machista! ― ela gritou-lhe. ― É um desalmado! ―
gritou contra seu rosto.
― Sim, sim… eu adoro quando me diz coisas tão ternas.
― Apoiou-a contra o mastro e começou a amarrar seus
punhos.
Amarrá-la-ia? Ao mastro?
― Não! ― ela gritou tentando desfazer-se dele, mas lhe
era impossível. ―Não me amarre!
― Repeti isso até não poder mais ― ele pronunciou
enfurecido enquanto lutava para mantê-la contra o mastro.
―E esgotou minha paciência, mulher.
Ela o olhou furiosa.
― Pois que pouca paciência você tem ― ela gritou com
ironia fazendo que ele emitisse um sorriso burlesco.
Passou a corda por sua cintura e a sentou no chão
enquanto ela continuava protestando, gritando e tentando
fugir.
― Pois vai ficar aqui até que se acalme ― ele explicou,
fazendo um nó. ―Neste navio não há quem se concentre com
seus gritos. ― Reprovou-a.
Ela tentou se mover, mas lhe era impossível. Ele
amarrara seus pulsos e depois rodeara sua cintura no
mastro, unindo-os.
― Ahhh ― brincou ela. ―Agora se arrepende de ter me
trazido, não é verdade? ― ela perguntou virando seu rosto
para suas costas, visto que Duncan estava acabando de
amarrar a corda corretamente. ―Pois se lhe chateia! Você me
trouxe aqui e penso em tornar sua viagem impossível!
Naquele momento Duncan se moveu com agilidade
colocando-se em frente a ela, ajoelhado, à altura de seus
olhos.
― A verdade é que me resulta bastante divertido ― ele
brincou. ―Embora deva confessar que me deixa nervoso ―
acabou dizendo com voz mais grave.
― Pois penso em ficar toda a viagem até as colônias
assim… entende? ― ela provocou-o.
Ele entreabriu os olhos e durante alguns segundos
observou que toda a tripulação se encontrava no convés,
divertindo-se com o espetáculo. Coisa assim não se via
frequentemente.
― Vais continuar gritando? ― ele perguntou com tom
ameaçador.
Ela elevou mais o tom de voz.
― Toda a noite! ― gritou para ele feito uma fúria. ―Não
penso deixar que durma. Nãaao! ― gritou, ao vê-lo tirar um
lenço de seu bolso. ―Uma mordaça não!
Duncan arqueou uma sobrancelha e sorriu para ela com
ironia ao ver sua cara de espanto.
― Querida… ganhou isso no pulso, acredite em mim ―
disse enquanto a levava para sua boca.
Beatriz começou a sacudir seu pescoço, mas nada podia
fazer amarrada pela cintura e mãos. Duncan esticou o lenço e
o meteu em sua boca passando-o perto de suas orelhas e lhe
fazendo inclinar o pescoço para baixo para amarrá-lo a sua
nuca.
― Não… não… volvs… chamar-me… crerida… ―
pronunciou com muita dificuldade. ―Eu… não…
― Nem com uma mordaça vai se calar? ― ele voltou a
brincar colocando-se diante dela. Ela rugiu e ficou olhando-o
fixamente. ― Verá, pode agradecer que tomei a medida mais
suave… para mim teria sido muito mais fácil levantar essa
saia e deixar seu traseiro vermelho.
Ela voltou a rugir enquanto contorcionava seu pescoço
tentando desfazer-se da mordaça.
― Lhe… lhe oddeio…
― O quê? ― perguntou divertido.
― Você… odddeio… ― pronunciou com esforço, pois a
mordaça não lhe deixava pronunciar corretamente.
Duncan encolheu os ombros e inclinou seu rosto para
um lado.
― Pois vale, acredito que poderei viver com isso ―
pronunciou com um sorriso irônico. Em seguida deu meia
volta caminhando para as escadas que o conduziam ao
convés.
― Eeeehh ― Ela chamou a atenção dele, totalmente
assombrada. De verdade a deixaria ali? Amarrada?
Duncan se deteve em meio das escadas e se virou para
lhe responder.
― Passará toda a noite aqui. ― Ele informou.
―Possivelmente assim aprenda a se comportar um pouco
melhor.
Ela voltou a remexer-se inquieta.
― Idddiooota…. Coorn… quando me… me desamarrar…
peenso…
― Sim, sim ― afirmou ele. ― Imagino ― brincou. ―
Descanse ― acabou dizendo enquanto dava um salto para
descer para o convés. Todos os marinheiros o olhavam
surpresos. Alguém esteve a ponto de aplaudir, mas se refreou
por medo de represálias.
Suspirou enquanto passava a mão pelo cabelo e se
dirigia para o corredor, ainda escutando os bramidos e
rugidos dela.
Jerry o interceptou antes que ele entrasse.
― Capitão, parabéns para você.
― O quê? ― gritou nervoso, estendendo os braços para
ele.
― A moça, vai passar toda a noite em…?
Duncan revirou os olhos e se virou introduzindo-se no
corredor, tentando se armar de paciência.
― Não, somente até que eu acabe o que tenho que fazer
e ela se acalme. Faça-me um favor, a vigie. Está me deixando
nervoso ― ele gritou enquanto entrava em seu camarote e
dava uma batida, forte, com a porta.
12

Escutara seus grunhidos e gritos do camarote. A


primeira hora quase enlouqueceu, depois, o som de sua voz
se alternava, de vez em quando, com o som das ondas, como
se fosse gastando e fazia duas horas que não escutava nada.
Era impressionante que inclusive com Beatriz amordaçada
ele pudesse chegar a compreender, se se esforçasse um
pouco, os insultos que esta lhe gritava no convés.
Ao menos nas duas últimas horas de silêncio conseguira
traçar uma boa rota e descansar um pouco. Era como se
aquela mulher tivesse absorvido toda sua vitalidade, mas se
surpreendeu sorrindo quando a recordou diante dele,
gritando sem cessar, nervosa.
A encontrava bastante engraçada e ao menos lhe
serviria de distração até que chegassem às colônias. Ali
saberia o que fazer com ela. Certamente algum inglês a
quereria para ele e poderia ganhar uma boa soma de
dinheiro, embora aquela ideia lhe desagradou.
Quando fazia algum tempo que era noite fechada e as
estrelas infestavam o céu, decidiu ir ao convés. Somente
esperava que aquilo tivesse acalmado um pouco seus ânimos
de continuar discutindo.
Saiu para o convés e subiu as escadas para a popa. O
timoneiro o saudou com um ligeiro movimento de cabeça e
depois assinalou para o mastro onde Beatriz permanecia
amarrada.
Estava com a cabeça para baixo, parecia adormecida.
Umas mechas de cabelo que haviam saltado da mordaça e se
moviam com a suave brisa.
Suspirou e foi para ela abaixando-se justamente na sua
frente. Ela não reagiu, nem sequer levantou o olhou para
cima, assim Duncan tirou a mordaça com extremo cuidado
para não lhe puxar o cabelo. Nesse momento ela abriu os
olhos encontrando-se com os olhos azuis que a observavam,
cautelosos.
Ela não disse nada, simplesmente virou seu rosto
afastando-o de seu campo de visão.
― Vai se acalmar? ― ele perguntou lentamente. Esperou
durante alguns segundos, mas ela não respondeu. ―Isso é
um sim? ― Voltou a esperar, mas ela continuava sem
responder. Finalmente ele encolheu os ombros. ―De acordo,
tomarei como um sim ― ele pronunciou rodeando o mastro e
desfazendo o nó.
Beatriz permaneceu totalmente quieta enquanto a
desamarrava, mesmo quando voltou a se colocar diante dela
para lhe tirar a corda que unia seus pulsos, não o olhou.
Duncan ficou em pé enrolando a corda e a observando.
Ela permanecia estirada no chão, sem se levantar.
― Aprendeu a lição, não é verdade?
De novo aquele silêncio, o que fez com que ele arqueasse
uma sobrancelha. Ora, parecia realmente zangada.
― Espero que não volte a repetir tal insubordinação. ―
Deu alguns passos à lateral deixando a corda sobre o suporte
e se colocou ante ela de braços cruzados, olhando-a. Ela
continuava com seu rosto baixo, sem lhe dirigir a palavra,
mas percebeu que ela estava massageando os pulsos, algo
que o fez sentir-se mal. ― Pode voltar para o camarote.
Ela não disse nada, simplesmente se levantou e saiu
correndo pela popa descendo as escadas. Logo a perdeu de
vista.
Duncan suspirou pensativo. Sim, certamente aquela
mulher lhe deixava nervoso, mas tampouco podia evitar
sentir-se atraído por ela. Desde o momento em que a tivera
entre seus braços não conseguira tirá-la da cabeça.
Desceu acelerado, os degraus, e foi para o corredor. A
porta de seu camarote estava fechada. Abriu e entrou
fechando a porta com cuidado.
Beatriz estava enrolada de novo, em seu canto, sobre a
colcha vermelha.
Ele passou a mão sobre seu cabelo loiro e caminhou
devagar para a cama, sentando-se, sem deixar de observá-la.
Ela adotou uma posição fetal lhe dando as costas.
Naquele momento sentiu desejo de lhe pedir desculpas.
Jamais se comportara assim com uma mulher, realmente,
jamais uma mulher conseguira deixá-lo tão nervoso. Estava
acostumado a ser amável, cavalheiro, mas Beatriz… Beatriz
podia despertar o pior dele, ou o melhor. Vê-la ali estendida,
em uma posição tão indefesa, o comoveu.
― Sabe que pode dormir na cama. Estará mais cômoda
― ele pronunciou de forma delicada.
Ela continuou calada, embora por seu gesto ele
conseguisse intuir que ela estava limpando uma lágrima.
Aquilo o desesperou em certo modo, encontrou-se sem saber
como reagir.
― Se em algum momento da noite quiser se deitar aqui
pode fazê-lo ― pronunciou com uma voz extremamente suave.
Preferiu não continuar, parecia que ela estava realmente
magoada. Pegou o lampião e o apagou com um sopro,
deixando que a escuridão reinasse no camarote.
Os fortes golpes na porta do camarote fizeram com que
ambos se endireitassem ao momento. Duncan olhou para
Beatriz, que olhava assustada para a porta, com o cabelo
todo revolto.
A luz do sol começava a entrar pelas janelas.
― O que está acontecendo? ― desviou o olhar para a
porta.
― Capitão. Um navio está se aproximando. Bandeira
vermelha.
Duncan saltou de sua cama, como se estivesse acordado
há horas. Beatriz se endireitou, abandonando-se contra o
canto e tampando-se com a colcha.
Duncan colocou as calças, a camisa e amarrou o
cinturão.
Sabia o que isso significava. A bandeira vermelha.
Ao contrário do que se está acostumado a pensar, e
influenciados pelos filmes de piratas, as pessoas estão
acostumadas a acreditar que a bandeira que os piratas
usavam era de cor negra, com uma caveira em branco e dois
ossos cruzados. Bem, aquilo não era assim. A mais usada era
a bandeira pirata de cor vermelha, conhecida como Jolly
Rouge.
Beatriz se remexeu inquieta, enquanto observava
Duncan carregar seu cinturão com armas.
Aquela bandeira, a vermelha, havia sido inclusive mais
temida que as bandeiras negras.
Todos os seus estudos a fizeram acreditar que a origem
daquela bandeira podia estar nos corsários ingleses, por
ordem do Almirantado em 1664. Depois da guerra de
Sucessão Espanhola em 1714, muitos dos corsários ingleses
se converteram em piratas e alguns deles, retiveram a
bandeira vermelha, simbolizando o sangue que derramariam.
De fato, qualquer marinheiro esperava não se encontrar,
jamais com uma “Joli Rouge”, pois era um símbolo descarado
das intenções dos piratas cujo lema era: “Não se perdoará
uma vida, não se farão perguntas”.
Começou a tremer quando teve consciência do que
enfrentariam. Seriam atacados outra vez?
Duncan foi até ela lhe puxando a colcha de cima. Ela
gritou, mas ele lhe assinalou debaixo da cama enquanto lhe
entregava uma adaga.
― Esconda-se e não saia sob nenhuma hipótese ―
explicou de forma acelerada. ― Entendeu?
Ela assentiu e seguiu suas indicações, metendo-se
debaixo da cama. O oco entre o chão e o colchão era pequeno,
com muita dificuldade cabia, mas supunha que se os piratas
chegassem a invadir o navio não olhariam ali abaixo, pois
nenhum homem caberia ali.
Segurou com força a adaga, e viu como as botas de
Duncan corriam pelo corredor.
― Não saia! ― Ele voltou a repetir enquanto fechava a
porta.
Beatriz notou seu coração acelerado, sua respiração
entrecortada. Não, não, não… Outra vez uma abordagem?
Teve desejo de chorar pelo terror que a invadia, mas se
controlou e tentou prestar atenção a tudo. Precisava estar
alerta.
Duncan correu pelo corredor escutando o grande
alvoroço que estava se formando no convés. Nada mais a
fazer, se deu conta de que a enorme ilha de Nassau estava
próxima, tal e como calculara, chegariam ao amanhecer. Dali
conseguia apreciar os frondosos bosques, as praias de areia
branca e a água cristalina, mas aquilo não era o que lhe
importava naquele momento.
Um navio de menos quarenta metros de comprimento do
seu navio, se encontrava próximo a eles.
― Capitão ― exclamou Jerry correndo para ele. ―Nos
surpreenderam, estavam escondidos atrás das montanhas.
Duncan correu entre os marinheiros que se moviam de
um lado para o outro. Estavam próximos, certamente
tentariam uma abordagem, mas por sorte ainda não
dispunham do ângulo para alcançá-los com os canhões,
embora se seguissem aquela trajetória em poucos minutos os
alcançariam.
― Timoneiro, tudo a estibordo! ― gritou para a popa.
―Baixem as velas!
Precisava sair do ângulo, se conseguisse girar antes que
eles estivessem totalmente na horizontal, se livraria dos
bombardeios.
As velas caíram rapidamente fazendo com que o navio
deixasse de impulsionar-se, ganhando, portanto alguns
valiosos minutos.
― Capitão está virando! ― gritaram da cauda de vigia.
Duncan voltou a girar, observando o novo rumo que
aquele navio estava tomando.
Foi até o corrimão e o observou fixamente. Estavam
muito próximos para fugir, sabia que desde aquela posição
lhe tirariam o vento necessário para tentar uma fuga. Mas
ainda poderia surpreendê-los se se apressasse.
Olhou para Jerry, que parecia esperar bastante nervoso
pelas ordens.
― Icem as velas, novamente! ― Depois olhou para o
timoneiro. ―Corrija o rumo ― ele gritou, e depois assinalou
para o navio que se aproximava cada vez mais. ―Direto para
eles. Carreguem os canhões! Preparem-se para a abordagem!
Distanciou-se correndo entre os marinheiros de sua
tripulação e esteve a ponto de perder o equilíbrio diante da
virada tão brusca do navio.
Seu navio girou para a esquerda fazendo com que a
maioria dos marinheiros tivesse que segurar-se para não cair.
Ao menos, com esse giro tão brusco, conseguiria ficar na
horizontal com o outro navio e certamente que aqueles
piratas não esperavam algo assim.
Assim que conseguiu, viu que não colidiriam, embora
ficassem extremamente perto. Gritou com todas suas forças.
― Preparem-se para disparar!
Jerry, perto do corredor que levava até as adegas,
repetiu a ordem para que os homens preparassem os
canhões.
Os navios foram se aproximando pouco a pouco.
Duncan se deu conta que os oponentes também haviam
preparados seus canhões.
― Disparem os três primeiros! ― gritou quando as duas
proas estavam praticamente alinhadas.
Jerry gritou sua ordem e no mesmo momento o som dos
canhões inundou a calma que desfrutava o mar, até aquele
momento, fazendo com que seu navio retumbasse.
Pensavam-se que não lhes faria frente estavam muito
equivocados. Estava há muitos anos no mar dirigindo esse
casco de navio, para que algo pudesse surpreendê-lo.
Por sorte, seus homens estavam bem treinados e sabiam
combater e defender-se igualmente a ele.
No momento, todos os seus homens começaram a
disparar para ao convés do outro navio, ao ver que os
inimigos estavam elevando cordas com ganchos para aderir-
se a seu navio.
Duncan extraiu sua espada disposto a cortar toda corda
que chegasse.
― Disparem canhões do um ao sete! ― gritou para Jerry,
que repetiu sua ordem.
Embora o som da explosão lhes chegasse do outro
navio. Caiu ao chão quando as bombas se incrustaram em
seu navio fazendo que parte do convés saltasse pelos ares.
Endireitou-se rapidamente para ver como os ganchos
cruzavam o céu e se incrustavam na madeira de seu navio.
― Cortem as cordas! ― gritou aproximando-se de uma
delas e cortando-a, diretamente.
Olhou e comprovou que duas das bombas haviam
perfurado seu navio, uma perto da âncora e outra da
escotilha.
― Disparem! ― gritou de novo enquanto corria pelo
convés cortando todas as cordas que foram lançando.
Precisou atirar-se ao chão quando os disparos do outro
convés passaram roçando por ele.
Viu como alguns de seus homens caíam feridos e seu
olhar voou então diretamente para o corredor que conduzia
para seu camarote, onde Beatriz permanecia escondida.
Rugiu e ficou em pé de novo quando outro gancho se
cravou no convés. Partiu a corda a tempo, mas comprovou
atônito, como muitos daqueles homens se dispunham a
saltar para o convés.
Deu alguns passos para trás enquanto com a mão que
estava livre tirava sua pistola, preparando-se para a luta.
― Preparados para a abordagem! Não deixem que pisem
neste convés! ― rugiu enquanto elevava o braço com sua
pistola e apertava o gatilho para um dos piratas que se
lançava para seu convés amarrado a uma das cordas, embora
este nem sequer chegasse a roçá-la, caindo ao mar entre os
dois navios.
Os disparos aconteceram um após o outro, tentando
evitar que alguns deles pudessem colocar o pé em seu navio,
embora conseguisse escutar como começava na popa, o som
metálico das espadas ao se chocarem uma contra a outra.
Duncan disparou consecutivamente em cada um dos
homens que tentavam alcançar aquela parte de convés, mas
eram muitos para poder disparar em todos ao mesmo tempo.
Agarrou com força sua espada e a chocou contra um
dos homens que acabava de abordá-los. O homem possuía
bastante força, mas não suportou as investidas de Duncan
mais de dez segundos.
Duncan não se deteve quando afundou sua espada na
carne daquele homem e o deixou cair, mas sim, foi
diretamente para o seguinte. Precisava livrar-se de todos eles.
Embora normalmente fossem eles os que abordavam, alguma
vez também eram abordados. Aquela situação já acontecera
outras vezes.
Moveu sua espada de um lado para o outro derrubando
a todo aquele que se interpusesse em seu caminho, enquanto
com sua pistola ia disparando quando era possível.
Seu convés agora mesmo estava cheio de inimigos.
Fixou-se de que Jerry combatia com um daqueles
homens e que facilmente se desfazia dele.
― Muito bem ― sussurrou enquanto se virava para parar
o golpe de outra espada.
Não deixaria que levassem seu tesouro. Os escravos, os
tecidos, as armas… tudo o que haviam saqueado do navio
francês e, muito menos, pensava em permitir que levassem
Beatriz.
Deu-se conta de que alguns daqueles homens entravam
pelo corredor. Deu um chute naquele que estava lutando
contra ele naquele momento, e cravou sua espada no quadril.
Não esperou mais e correu para o corredor, mas o convés era
agora mesmo um campo de batalha e dar alguns passos, sem
encontrar uma espada que lhe freasse, era realmente
complicado.
Beatriz tampou os ouvidos ao escutar os bombardeios,
gritou algumas vezes, mas se obrigou a soltar a adaga e
tampar a boca para conter os gritos de terror.
Um silêncio se produziu durante alguns segundos e
posteriormente os disparos e as corridas pelo convés se
fizeram lentas.
Escutou os gritos, os rangidos da madeira quando
corriam pelo convés e inclusive o som das espadas.
Os alcançaram. Acelerou sua respiração e seu coração
parecia querer escapar pela boca.
Aquilo era como um pesadelo do qual não conseguia
despertar. Uma lágrima escorregava por sua bochecha
quando passos rápidos pelo corredor a alertaram.
Ficou tensa enquanto agarrava de novo a adaga que
Duncan lhe entregou. Por Deus, nesse momento a única
coisa que desejou foi que fosse Duncan quem corresse por
aqueles corredores. Apesar de que era um inglês, sabia até
que limite podia chegar com ele e, apesar de tudo, para o
comportamento daquela época, seu trato era bastante cordial,
se levasse em conta que ele era um pirata inglês e ela uma
mulher espanhola.
Naquele instante sentiu que o lugar mais seguro no qual
podia estar era junto dele, mas não sabia onde se encontraria
no navio, se lutava ali ou no casco do outro navio, nem
sequer estava certa de que continuava com vida.
É um pirata inglês, disse a si mesma, sabe se defender
bem. Não cairá tão facilmente. Tentou manter a mente fria
para não se desesperar enquanto os gritos invadiam tudo…
Até que com um forte golpe, a porta de seu camarote se
abriu. Saltou tão forte pelo susto que bateu contra o colchão.
Teve que tampar boca com uma mão para afogar um grito.
Apertou com força a adaga em sua mão e tentou
guardar silêncio.
Dois pares de botas entravam aceleradas no camarote.
Aquelas não eram as botas de Duncan. Controlou sua voz
enquanto as via se moverem por todo o quarto, registrando
tudo, compreendendo o que estava ocorrendo.
Escutou que lançavam várias coisas ao chão e abriam
as gavetas desordenando tudo, procurando coisas de valor.
Uma gota de suor frio escorregou por sua testa quando as
botas se aproximaram da cama e começaram a caminhar
lentamente a seu lado.
De novo, teve que tampar boca para controlar os
gemidos de terror e controlar sua respiração desenfreada.
Certamente podiam escutar o som de seu coração
bombeando.
Colocou a adaga em posição se por acaso precisasse se
defender, jamais fizera, mas não hesitaria em atacar.
Em um determinado momento o homem se abaixou e
olhou debaixo da cama, sorrindo.
― Olhe o que temos aqui! ― gritou para o outro homem
enquanto introduzia seu braço tentando alcançar Beatriz.
Ela começou a gritar, já não havia motivo para não fazê-
lo, a descobriram.
O homem tentou enfiar-se sob a cama para chegar até
ela, mas Beatriz se abandonou para o outro lado sem se
deixar alcançar e, em um determinado momento, cravou a
adaga em sua mão fazendo com que o homem gritasse
rasgando garganta.
― Atravessou-me a mão! ― gritou enquanto tirava o
braço de debaixo da cama deixando um rastro de sangue. ―
Está morta, moça! Morta! ― ele gritou com toda sua fúria.
Em seguida a apanharam pelo tornozelo e começaram a
puxá-la, querendo tirá-la de debaixo da cama. Era o outro
homem tentava tirá-la dali debaixo.
Ela começou a gritar enquanto tentava cravar as unhas
no chão para não ser arrastada. Endireitou-se tudo o que lhe
permitia o pouco espaço no qual estava colocada e cortou um
pouco a mão do sujeito que segurava seu tornozelo, embora
com muita dificuldade alcançava. Escutou o grito do homem
e as maldições que começavam a sair por sua boca, mas
aquele pequeno corte não o dissuadiu, mas ele agarrou seu
tornozelo com as duas mãos e a finalmente a tirou debaixo da
cama, enquanto Beatriz gritava sem cessar.
Aquele era seu fim. Certamente a matariam naquele
momento.
Mesmo sendo tirada debaixo da cama tentou cravar a
adaga na perna daquele homem. Não era muito alto e era
bastante gordinho. Possuía o cabelo comprido e encaracolado
e um cavanhaque que circundava finos lábios. Seus olhos
eram de um forte tom esverdeado.
O homem a quem havia fincado a adaga na mão,
apareceu em ação lhe agarrando do braço e lhe puxando a
adaga, sem gentilezas. Também usava o cabelo comprido,
embora de um tom loiro escuro, ondulado e bastante
gordurento.
― Maldita seja! ― ele gritou enquanto a agarrava pelo
cabelo e a levantava.
Beatriz gritou e se agarrou a essa mão cravando as
unhas, mas no momento ele a soltou e esbofeteou seu rosto
lançando-a para trás, fazendo-a cair com um forte golpe
sobre o chão.
Ela ficou sem respiração durante alguns segundos, mas
se obrigou a endireitar-se. Aqueles dois homens se
aproximavam de novo, dispostos a atacar. Era um fato que
eles não teriam compaixão com nenhuma mulher.
― Agarre-a ― pronunciou o loiro lhe mostrando a mão
em sinal de que ele não podia.
O moreno se aproximou dela, mas Beatriz golpeou sua
perna à altura do joelho, fazendo que o homem caísse ao
chão. Ela o atingiria com o outro pé quando ela recebeu um
chute no estômago que lhe afundou as costelas.
Seus pulmões se comprimiram e ela se encolheu de dor.
Não conseguia respirar. Não lhe entrava o oxigênio. Tentou
esticar-se para facilitar a entrada de ar mas não a deixaram.
O homem que acabava de golpeá-la a agarrou de novo
pelo cabelo e a levantou enquanto ela ainda lutava por
respirar.
― Vai ser o jantar dos peixes, pirralha insolente. ― disse
o loiro lhe apertando as bochechas. ―Porém antes, nos
divertiremos um pouco com você.
O homem moreno a erguer com um só braço enquanto
ela continuava lutando para respirar. Jamais recebera um
golpe como esse. Realmente desconhecia se lhe partiram
algumas costelas. Doía muito.
A mesma dor foi tão intensa quando ele a levantou que
expandiu seus pulmões e ela gritou, embora em seguida uma
bofetada a fez se calar.
― Cale-se! ― gritou o loiro enquanto se dirigiam à porta.
―Ou cortarei essa língua.
Ela ficou um pouco atordoada pelo golpe, mas
conseguiu reagir e começou a lutar contra aquele homem que
a segurava muito forte, comprimindo de novo suas costelas.
Quando saiu para o corredor pode observar dali o
convés. Havia uma luta corpo a corpo.
― Socorro! ― gritou para o convés. ―Duncan! ― gritou
desesperada. ―Duncan! ― No instante voltou a receber outro
golpe fazendo com que guardasse silêncio durante alguns
segundos.
― Faça com que se cale de uma maldita vez! ― gritou o
homem loiro que caminhava à frente, a passo acelerado,
porém um chute o jogou de bruços ao chão.
Caiu ao chão e, antes que pudesse se defender Duncan
lhe deu um chute em suas costelas. Teria parado ali mesmo,
mas o homem de cabelo escuro e encaracolado sustentava
Beatriz de mau jeito. Ela gritava sem cessar, algo que não o
surpreendeu, mas ele rugiu quando viu uma gota de sangue
escorregando por sua bochecha.
O homem loiro tentou se levantar, mas Duncan voltou a
lhe dar outro chute, o que fez com que seu rosto se chocasse
com força contra a parede do navio, e depois caísse
inconsciente.
O homem moreno o observou um pouco assustado, não
era apenas a coragem com que Duncan lutava, e sim que seu
rosto transmitia tamanha fúria que esteve a ponto de correr,
em vez disso, segurou Beatriz com mais força colocando-a
diante dele, para usá-la como escudo humano.
― Não se mova ou lhe fatio o pescoço ― gritou o homem
colocando a espada no pescoço dela.
Duncan não esperou, agarrou a mão dele e a torceu,
fazendo com que atirasse a espada no chão então o apertou
contra a parede. Beatriz caiu no chão, enquanto as lágrimas
banhavam seu rosto, ainda com dificuldade para respirar.
Não conseguiu olhar para cima, ficou olhando para um ponto
fixo na parede.
Duncan se esquivou da adaga que aquele homem tirou
do cinturão, agarrou-o pelo braço e voltou a estreitá-lo contra
a parede e, desta vez sim, cravou sua espada no estômago
daquele sujeito, que caiu diretamente ao chão.
Não esperou, abaixou-se ao lado de Beatriz, a qual
parecia estar nesse momento, em outro mundo.
― Ora, Beatriz ― pronunciou colocando uma mão em
sua bochecha com delicadeza, a obrigando que olhasse pra
ele. ― Feriram você? ― perguntou preocupado.
Ela o observou durante alguns segundos. Ele salvou sua
vida. Naquele momento foi tal o desespero que, sem poder
evitar, abraçou-se a ele rodeando seus ombros e começou a
chorar.
Duncan ficou totalmente imóvel ao ver sua atitude, sem
saber como reagir.
― Shhhh… fique tranquila ― ele pronunciou colocando
seu braço em volta dela e apoiando-a contra seu peito.
Realmente ela estava aterrorizada. Virou seu rosto para a
porta do corredor, se dando conta de que no convés
continuava travando-se uma batalha, quando outro daqueles
piratas entrou pela porta com a espada na mão.
Duncan endireitou suas costas, preparado para se
levantar e acabar com ele, mas o homem caiu fulminado por
um disparo. Quando ele caiu no corredor percebeu que Jerry
havia disparado diretamente para ele, do convés. Olhou um
segundo para Duncan e voltou para a carga, contra o
seguinte pirata.
― Terá que se mover Beatriz ― pronunciou enquanto
acariciava seu cabelo tentando reconfortá-la. ― Não podemos
ficar quietos. ― Afastou-a levemente dele e viu que Beatriz o
olhava com os olhos banhados em lágrimas. ― Não saia do
meu lado e tudo sairá bem. ― Em seguida, sem poder evitar,
beijou sua testa, não pensou quando o fez, mas gostou da
sensação. Gostou muito.
A ajudou a se levantar e segurou sua mão. Sabia que se
a deixasse sozinha, corria o risco de que a encontrassem e a
levassem. Não, sabia que o mais fácil era tê-la a seu lado,
assim poderia protegê-la melhor.
Correram pelo corredor e quando chegaram ao convés
Duncan conseguiu comprovar que seus homens estavam
realizando um bom trabalho. Certamente, aqueles piratas
erraram ao escolher seu navio como uma possível vítima.
A maioria das cordas com as que saltaram em seu navio
foram partidas, isso permitiu que o navio se afastasse
levemente. Aquilo significava que todos os piratas que
estavam em seu navio neste momento, não voltariam para ele
a não ser que saltassem pela amurada. Alguns pareciam
estar conscientes disso e se lançavam diretamente, enquanto
seus homens os seguiam com a espada na mão.
Colocou Beatriz às suas costas, contra a parede e deteve
um dos piratas que vinha para ele em atitude pouco
amistosa. Era um homem bastante forte, de igual estatura a
ele, com um trapo vermelho cobrindo parte de seu cabelo
negro e curto.
Golpeou sua espada contra ele justamente para parar o
golpe. O homem tentou com um movimento de sua arma tirar
a espada de Duncan da mão, porém ele se abaixou enquanto
agarrava uma adaga que levava em seu cinturão para rasgar
a carne da perna dele O homem se afastou alguns passos,
com olhar furioso, mas Duncan elevou sua perna e a bateu
contra seu peito. Não precisou seguir com ele, outro de seus
homens se aproximou para terminar o trabalho.
Virou-se e observou a popa. Erguer sua arma e disparou
em um dos homens que começava a descer as escadas para o
convés. O homem rodou pelos degraus até cair sem vida
sobre o convés.
Beatriz gritou observando a cena. Parecia estar
totalmente perdida, como se não pudesse assimilar tudo
aquilo.
Duncan olhou de um lado para outro. A situação
parecia estar mais ou menos controlada, poucos homens
continuavam lutando.
Olhou para o navio que estava em frente e depois olhou
para Jerry lhe assinalando com um movimento da cabeça.
Jerry compreendeu e se virou para seus companheiros.
― Vamos! ― gritou agarrando as cordas e as atirando,
novamente, para o navio que começara a se afastar. Agora
eram eles que assaltavam o navio que tentara saqueá-los,
pensou Beatriz. Que destino cruel.
Duncan foi diretamente para ela, assegurando-se de que
não havia nenhum perigo próximo, enquanto a maioria de
seus homens abandonava seu navio para saquear o navio
pirata inimigo.
Abaixou-se a seu lado e voltou a passar a mão por seu
cabelo e por sua bochecha. Girou seu rosto com delicadeza
observando um pequeno arranhão em sua testa e um
pequeno corte em seu lábio. Aqueles piratas a golpearam.
Uma ira incontrolável se apoderou dele, e teve que se
controlar para não ir para cada um dos corpos que
permaneciam inertes, sobre o convés e enfurecer-se com eles.
― Terminou. ― ele sussurrou ao ver que ela continuava
olhando o convés com lágrimas nos olhos. ―Fique tranquila.
Feriram você?
Ela o olhou e negou.
Duncan aceitou mais tranquilo, enquanto passava um
braço por seus ombros tentando acalmá-la. Observou como
seus homens invadiam o navio inimigo e lutavam com os
poucos piratas que ficaram no navio.
Ela continuava tremendo. Devia ser uma das piores
experiências de sua vida, o que para ele era algo comum,
para ela, era um dos piores pesadelos que pudesse ter.
Jerry ficou em pé no corrimão do outro navio.
― Capitão ― ele gritou segurando-se a umas cordas para
não cair pela amurada. Duncan o olhou sem afastar-se dela.
―Somente carregam um pouco de tecidos.
Duncan assentiu.
― Peguem tudo ― gritou para ele enquanto continuava
controlando o convés e a seus homens, que passeavam por
ele, vigiando.
Pouco depois passaram alguns baús de um navio para o
outro. Jerry foi o primeiro a saltar em seu convés.
Duncan apoiou Beatriz contra a parede, ela ainda não
pronunciara nenhuma palavra. Levantou-se preocupado,
observando-a.
― Agora venha ― sussurrou virando-se para Jerry, que
caminhava a passo apressado para ele.
― São somente tecidos e botas ― explicou assinalando
os dois baús. ― Não há nada mais de valor.
Duncan assentiu enquanto ia controlando Beatriz, de
vez em quando.
― Jerry, encarregue-se dos corpos.
― É claro, capitão.
― E meu camarote… que seja o primeiro a ser limpo ―
pronunciou olhando para Beatriz.
Jerry seguiu o olhar de seu capitão até encontrar à
moça apoiada contra a parede do navio, observando o mar
pensativa.
― Ela está bem? ― Jerry perguntou preocupado.
Duncan o olhou e não soube como responder a isso.
―Mandarei os homens tirarem os corpos de seu camarote e
do corredor.
― De acordo. Avise-me quando estiver pronto ― ele
pronunciou distanciando-se, embora no momento se virou e
disse. ― Com certeza, temos duas aberturas no casco.
― Encarrego-me, capitão.
Duncan assentiu agradecido, enquanto chegava até ela.
Naquele instante Beatriz começava a percorrer os corpos
estendidos no convés.
Duncan olhou de um lado para o outro, ao menos a
proa parecia estar mais limpa.
― Vamos ― disse pegando-a delicadamente pelo braço e
ajudando-a a se levantar.
A agarrou pela cintura, embora ela se queixasse
emitindo um gemido.
― Dói?
Ela mordeu o lábio e confirmou enquanto se encolhia.
Duncan suspirou e a soltou segurando-a somente pelo braço,
colocando o outro braço sobre seus ombros, aproximando-a
dele.
Cruzaram o convés devagar, Beatriz parecia que
desmaiaria a qualquer momento, assim que subiram os
degraus e chegaram ao início do navio, na proa, sentou-a no
chão e se colocou a seu lado, lhe tampando toda visão do que
ocorria no convés. Não queria que ela visse a limpeza que
deviam fazer e, até que seu camarote e o corredor estivessem
limpos de corpos, era melhor mantê-la ali.
13

Não pronunciara nenhuma palavra enquanto esperavam


no convés. Quase duas horas depois se dirigiram a seu
camarote.
A ajudou a se sentar sobre a cama e voltou a passar
uma mão por sua bochecha chamando sua atenção.
― Ei... ― sussurrou com voz tenra. ― Deite e descanse.
Tenho que fazer umas coisas e volto em seguida.
Ela se esticou na cama, sem protestar, embora voltasse
a emitir um gemido de dor quando se virou para um lado.
Duncan se debateu alguns segundos, entre abandonar o
camarote ou permanecer ali com ela. Estava realmente
absorta, como estivesse bloqueada, mas ele precisava fazer
algumas coisas. A primeira era ancorar perto da costa e
verificar os danos que seu navio sofrera, depois, arrumá-los e
finalmente levar todo o tesouro para Nassau. Devia levar os
escravos às cabanas e anunciá-los no mercado.
Abandonou o camarote jogando um último olhar para
ela.
O convés estava em constante movimento. Procurou
com urgência por seu amigo Jerry e o encontrou passando
umas madeiras para outros companheiros.
― Jerry! ― ele gritou enquanto se aproximava. Jerry
passou outra das madeiras para um dos homens que
permanecia pendurado em umas cordas. ― Como vão os
consertos?
― Falta só o estrago da âncora. O resto já está pronto
capitão.
Duncan ficou surpreso e olhou para seus homens e para
o convés. Alguns limpavam o sangue que ainda restava sobre
a madeira.
― E os corpos?
― No outro navio. Devolvemos para que façam um
enterro como quiserem.
Duncan assentiu.
― E nossos homens?
― Não houve baixas, apenas muitos cortes e Roger, que
acredito que tenha quebrado o braço. Danny o está ajudando.
― Bem, assim que acabe de reparar a âncora, vamos nos
aproximar mais da ilha e joguem a âncora.
― É claro. ― Duncan foi para o corredor em direção à
cozinha. ― Parabéns, bela luta.
Jerry sorriu enquanto se virava para seu companheiro
lhe passando alguns pregos.
Duncan entrou na cozinha onde efetivamente, tal e
como seu amigo lhe havia explicado Danny o cozinheiro
estava enfaixando o braço de Roger.
Duncan foi até ele e colocou uma mão em seu ombro.
― Que tal está?
― Acredito que está quebrado ― pronunciou Roger com
dor, olhando seu braço.
― Sobreviverá ― Danny riu.
Duncan se afastou e foi para os móveis, rebuscando algo
entre alguns potes.
― Terá que recolocar o braço?
― Eu já o recoloquei ― disse Danny, para seu capitão.
Duncan olhou de esguelha para Roger. Era um moço
jovem, de cabelo castanho e enormes olhos azuis, com
algumas sardas distribuídas por suas bochechas que lhe
davam um aspecto travesso. Quando ele fez dezesseis anos
fizera parte da tripulação e durante os três anos seguintes,
lhe encarregaram de tarefas como grumete, mas, já fazia
praticamente um ano, ele colaborava nos saques.
Duncan pegou alguns ramos de salsinha e começou a
rompê-las enquanto misturava-as com um pouco de
manteiga. Começou a mexer tudo fazendo uma massa e se
virou para observar como Danny acabava de amarrar uma
pequena tipoia, a seu braço.
― Em um par de semanas estará como novo ― sorriu
dando um forte golpe nas costas de Roger, que se queixou no
momento. Virou-se para seu capitão sorridente. ―
Desceremos a terra hoje?
― Sim, em poucas horas. ― Pegou uma parte de tecido
fino e colocou o unguento em seu interior. ―Preciso que vá ao
mercado e anuncie a venda dos escravos. Esperemos que não
demorem muitos dias para colocá-los à venda. ― Depois
olhou para Roger, que olhava a tipoia com desgosto.
―Também, informe dos tecidos e manufaturas que levamos
e…. Roger ― chamou a atenção do jovem. ―Faça-me um
favor, pegue alguns homens e olhem as armas que
saqueamos do navio francês, selecione as que acredita que
possam ser vendidas a um preço maior e o resto guarde para
nós, poderá fazer?
― Claro capitão ― ele pronunciou levantando-se da
cadeira.
― Bem, depois farei a recontagem de escravos e lhe direi
― disse isso para Danny, enquanto saía da cozinha e
atravessava todo o convés. Jerry já estava ajudando a voltar
para o convés, o companheiro que estivera pendurado pela
corda tampando o buraco. ― Tudo arrumado?
― De forma provisória. Ao menos foi acima do nível do
mar.
― Quando ancorarmos baixem os botes e acabem de
arrumá-lo ― ordenou antes de seguir seu caminho.
Cruzou o corredor e foi diretamente para seu camarote.
Entrou e observou Beatriz, que continuava deitada sobre a
cama, tal e qual a deixara.
Ele se aproximou lentamente e viu que ela estava com
os olhos abertos. Colocou-se diante dela e deixou o tecido
com o unguento de manteiga e salsinha, sobre a pequena
mesa, situada de um lado.
Ajoelhou-se e sentiu como algo dentro dele se rompia.
Era estranho quanto mudavam os sentimentos, na noite
anterior a estava amarrando ao mastro e amordaçando, e
agora, a única coisa que queria era que ela dissesse algo, que
reagisse. Parecia consumida em um mundo do qual não
conseguia escapar.
Passou uma mão sobre sua bochecha e aquilo chamou a
atenção dela que o olhou fixamente. Aquela luta de ver como
os homens se matavam uns aos outros sem um pingo de
compaixão, a forma em que a trataram aqueles dois homens
e, sobretudo, quando colocaram sua espada em seu pescoço.
Estava claro que a matariam, mas, como haviam dito, antes
teriam se divertido com ela. Faltara pouco daquela vez…
Quando teria que se ver, novamente, em uma situação
assim?
Precisava voltar para a segurança de seu mundo, de sua
época. Durante aquelas últimas horas a única coisa que fez
foi recordar de seus pais, de sua família, de seus amigos…
precisava que a abraçassem sentir-se protegida e saber que
nada de ruim podia acontecer.
― Você está bem? ― ele perguntou com suavidade.
Beatriz passou a mão pela bochecha, limpando uma
lágrima e confirmou, enquanto se endireitava sentando-se
sobre a cama, mas fez outro gesto de dor.
― Te golpearam nas costelas? ― Ela voltou a confirmar.
―Deixe-me ver ― ele pediu delicadamente. Ela o olhou
confusa, enquanto ele se colocava a seu lado. Aquele gesto foi
engraçado. Depois de todos os gritos e insultos que lhe
professara na noite anterior, agora estava tímida? ― Não se
preocupe ― ele pronunciou enquanto lhe baixava uma
manga. ― Só quero me assegurar de que você está bem.
― Já passará ― pronunciou sem olhá-lo, tentando se
afastar um pouco.
Duncan suspirou e puxou-a pelo braço atraindo-a.
― Nós sempre estamos no mar, temos que nos curar uns
aos outros. Não temos a sorte de contar com um médico a
bordo. ― Acabou de baixar a alça e puxou um pouco mais
para baixo seu vestido. Beatriz tirou timidamente o braço da
alça enquanto o olhava de soslaio, cobrindo o peito com o
vestido.
Duncan se curou bem e o haviam golpeado bastante
forte. Fazia poucas horas do incidente e já tinha um bom
hematoma.
― Dói para respirar? ― ele perguntou enquanto pegava o
unguento que havia feito.
― Não ― ela gemeu ao final. ―Mas me incomodou muito.
― Como não vai lhe incomodar? Foi um enorme golpe
―ele pronunciou enquanto abria o pequeno trapo. Viu que ela
observava fixamente aquela massa. ―Fará com que a
contusão melhore mais rápido.
― O que é?
― Salsinha com manteiga. ― Automaticamente colocou o
trapo na ferida. Ela gemeu, mas suportou bem a dor. ― Levei
muitos golpes, acredite em mim. Isto a aliviará.
Ajudou-lhe a colocar o vestido enquanto ela pressionava
o tecido no braço para manter aquele unguento na área
contundida.
Colocou-se diante dela e levou a mão para sua testa,
onde aparecia uma pequena ferida, enquanto um olhar de
desgosto percorria seu rosto.
― Não é nada. ― ela sussurrou dando um passo para
trás.
Ele ficou olhando-a fixamente até que apertou os lábios
e colocou suas mãos em sua cintura refletindo.
― À tarde iremos para Nassau.
Ela olhou pela janela.
― É essa ilha?
Duncan se virou para observá-la com um sorriso.
― Sim. Estão acabando de arrumar o navio e depois
devemos descarregar. Quando tudo estiver preparado iremos
para lá.
Ela ficou confusa.
― Eu também?
― Claro.
Ela remexeu-se um pouco inquieta.
― Mas ali… há piratas.
Duncan sorriu mais.
― Eu sou um pirata. ― Ela estalou a língua chateada.
―Não se preocupe ―ele sussurrou com paciência.
― Mas… sou espanhola ― gemeu. ― Lá… me odiarão.
Duncan inclinou seu rosto estudando-a, com certa
ternura. Sabia ao que se referia e era normal que estivesse
assustada.
― Ninguém se atreverá a colocar um dedo em cima de
você.
Ela olhou de um lado para o outro.
― Os piratas que nos atacaram não pensavam o mesmo.
― Aqueles piratas eram uns novatos. Não sabiam a
quem enfrentavam ― disse com um sorriso. Deu um passo à
frente e colocou uma mão sobre seu ombro, tentando
reconfortá-la. ―Se ficar a meu lado não acontecerá nada ― ele
disse enquanto a observava.
Aquilo a intimidou mas também a fez sentir-se
protegida. Pela primeira vez naquele navio, se sentiu a salvo.
Vira como ele lutava como cuidara dela desde que aqueles
desalmados haviam atacado o casco do navio. Primeiro fora
procurá-la acabara com os agressores que pensavam em lhe
machucar e depois ficou a seu lado até que tudo acabou.
Soube que ele dizia a verdade, se ficasse a seu lado não
aconteceria nada ruim ou, quando muito, a única coisa que
poderia lhe ocorrer seria que ele a amarrasse a um mastro.
Aquele pensamento a fez sorrir. Visto assim, sua experiência
da noite anterior lhe parecia, inclusive, graciosa.
Duncan pareceu de acordo com aquele sorriso e ele
sorriu, também.
― Quer ficar e descansar? ― perguntou-lhe apontando a
cama.
Ela negou.
― Preferiria me distrair e sair para o convés ― ela
sussurrou.
Duncan assentiu contente, embora se recordasse
imediatamente que ao chegar a Nassau deveria colocar todos
os escravos em um navio e enviá-los à costa. Entendia que
aquilo não agradaria em nada a Beatriz e não queria estragar
a calma que havia entre eles, nesse momento.
― De acordo, suba ao convés até que joguemos a âncora,
mas depois, sim eu preferiria que você voltasse para camarote
até o momento de partir a terra. Haverá muito movimento e
muitas vezes se aproximam embarcações, preferiria que
estivesse aqui dentro até o momento de partir.
Ela aceitou sem protestar, o que voltou a surpreender
bastante ao Duncan.
Ele virou-se para a porta para abri-la, mas Beatriz
segurou a mão dele de forma delicada. Ele ficou parado
durante vários segundos diante desse contato, diante do fato
de que ela, voluntariamente, mostrasse seu agradecimento
através desse gesto.
― Muito obrigada por salvar minha vida ― ela sussurrou
sem olhá-lo, ainda segurando dois dedos de sua mão.
Duncan a observou com doçura, por sua vontade, a
teria pego diretamente pela cintura e a teria estampado
contra a parede, para fundir-se em um beijo apaixonado, mas
se conteve. Não era somente o fato de que ela estava muito
dolorida pelos golpes que sofrera, mas que certamente não
reagiria bem diante desse arrebatamento, e acabaria
golpeando-o ou jogaria algo em sua cabeça.
Aceitou com um suave sorriso.
― Não há de que ― ele pronunciou antes que ela se
soltasse e desviasse timidamente o olhar para um lado.
Permaneceu a hora restante no convés. Ficou
contemplando Duncan, que se movia de um lado para outro
dando ordens. Era presente a cumplicidade que parecia ter
com todos seus homens. Parecia ágil e determinado.
Observou o céu durante um longo momento: não havia
nenhuma nuvem no horizonte, nem a menor esperança de
que uma tormenta se aproximasse. Aquilo estava se
complicando, entretanto se surpreendeu ao se encontrar
olhando outra vez para Duncan, sem tirar os olhos dele.
Depois voltou para o camarote tal e como ele lhe
ordenara.
Um estranho sentimento a embargava. Bastian fora
muito amável e tivera consideração com ela, porém Duncan
despertava sentimentos que não havia conhecido até agora.
Certamente vê-lo lutar, defendê-la daquela forma e ter
salvado sua vida a fazia vê-lo de outra forma… deveria ser
isso, mas também deveria somar quão atraente ele era, e a
forma como a tratava, às vezes com muita delicadeza.
Obrigou-se a afastar aqueles pensamentos de sua
mente. A única coisa que devia fazer era pensar em como
voltar para casa, com sua família, para seus entes queridos.
Precisava encontrar uma tormenta que a levasse de volta
para seu tempo, ao século XXI.
Aproximou-se da janela do camarote deixando que o
vento jogasse seus cabelos para trás quando comprovou que
um dos barcos se dirigiu para a praia. Já estavam descendo
do navio?
Prestou atenção até se dar conta de algo que fez com
que o sangue começasse a ferver. E muito…
O barco estava cheio de escravos. Por isso a mandara ao
camarote? Sabia que ela ficaria com raiva quando visse os
escravos… de fato, havia insistido em vê-los na noite anterior.
Por isso mesmo a mandara para lá, para que não montasse
outro espetáculo.
― O muito filho da… ― sussurrou enquanto se dirigia à
porta.
Abriu e saiu para o corredor feito uma fúria. Como
podiam fazer algo assim? O que faria com eles? Vendê-los
como se fossem animais ou manufaturas? Aquilo lhe tirava
do sério, mas por mais que soubesse que não conseguiria
nada, ela não precisava se calar. Aquilo não era correto e não
podia ficar de braços cruzados.
Saiu para o convés buscando-o diretamente. O convés
estava cheio de baús, os baús que roubaram, tanto do navio
francês, quanto do último que os atacara. E ele, onde estava?
― Duncan! ― ela gritou, chamando a atenção de vários
dos homens que se moviam pelo convés transportando
tecidos de um lado para outro. ―Duncan! ― voltou a gritar
apertando seus punhos.
Duncan olhou para cima e ficou em pé no barco que
desciam através de polias, para o mar. Não haviam descido
nem dois metros, quando escutou aquele grito. Ficou em
seguida em pé e revirou os olhos enquanto soprava.
― Merda ― sussurrou enquanto a buscava pelo convés.
O olhar de Beatriz voou para Duncan, de pé naquele
bote que estavam soltando, pouco a pouco. Somente podia
vê-lo até a cintura, mas à medida que foi se aproximando dele
descobriu que ele não ia sozinho no bote: seis escravos e dois
marinheiros armados os acompanhavam.
Ficou bem em frente a ele, em atitude desafiante.
Certamente se houvesse silêncio se teria escutado o chiar de
seus dentes.
― Para isto que me enviou para o camarote? ― Duncan
suspirou e lhe deu as costas, olhando o horizonte. Estendeu
os braços levemente para o céu como se estivesse se armando
de paciência. ― Para que possa fazer seu trabalho sem que eu
o incomode?
Ele se virou enquanto os escravos e seus dois homens
os observavam surpreendidos, novamente.
― Pois sim, era isso ou amarrá-la outra vez ao mastro…
e estando como está, pensei que preferiria o camarote.
Ela gritou e olhou para os escravos procurando Enam,
que não estava nesse bote.
― Não pode vendê-los! ― ela gritou com todas as forças
que conseguiu.
Duncan endireitou suas costas e apoiou os braços no
convés aterrissando com um salto, o que fez com que Beatriz
desse alguns passos para trás.
― Por que nenhuma vez faz o que lhe ordenam? Volte
agora mesmo para camarote ou lhe asseguro que volto a
amarrá-la ao mastro ― ele ameaçou.
Ela o olhou furiosa. Quem havia dito que ela poderia
permanecer calma durante algumas horas seguidas? Beatriz
o olhou de cima abaixo, notavelmente alterada, e depois
voltou seu olhar para o bote.
― Agora ― Duncan ordenou colocando as mãos em sua
cintura e inclinando seu rosto.
Beatriz voltou a remexer-se com gestos que denotavam
irritação, deu um grito e pôs-se a andar pelo convés
resmungando, fazendo com que toda a tripulação centrasse
seu olhar nela.
― Você não tem nenhum direito de fazer isso! ― gritou
para ele enquanto continuava avançando. ― Não é ninguém
para…!
― Está esquentando a minha mão. ― Ele ameaçou com
um grito.
Ela se virou antes de entrar pela porta rumo ao
corredor.
― Oh!… que medo ― ela ironizou.
Duncan apertou os lábios e apontou para ela. Ia lhe dar
outro grito quando ela desapareceu de sua vista deixando-o
com as palavras na ponta da língua. Moderou sua respiração,
tentando controlá-la e moveu a mão como se espantasse uma
mosca em direção aonde ela havia desaparecido. O melhor
seria continuar com o plano, sem se alterar.
Virou-se para ir para o barco quando escutou uma forte
batida. Beatriz fechara a porta do camarote, com todas as
suas forças.
Ele rugiu e se virou de novo para o convés dando alguns
passos, enquanto toda a tripulação o observava.
― Nem lhe ocorra dar outra batida como essa! ― ele
gritou a pleno pulmão, com uma voz realmente encolerizada.
Beatriz parecia estar francamente zangada porque no
instante outra batida de porta fez com que quase toda a
tripulação saltasse sobre o convés.
Duncan estreitou os olhos olhando para esse corredor.
Ela estava provocando-o? Se fosse até lá, usaria seu cinturão,
mas, por outro lado, sabia que a feriram gravemente. Beatriz
possuía bom coração embora se esforçasse muito para
provar.
Soprou várias vezes e se virou para o barco decidindo
que o melhor seria partir dali, antes que acabasse de esgotar
toda a sua paciência. De toda a maneira, sabia que ela não
daria seu braço a torcer, e ele, tampouco estava disposto a
isso. A única coisa que conseguiriam, seria continuar a gritos
um com o outro.
Subiu no barco enquanto amaldiçoava discretamente e
olhou com uma sobrancelha arqueada para os homens que
seguravam a polia.
― Podem baixá-la ― ele pronunciou, tentando moderar
sua voz.
Seus dois marinheiros remavam com força para a praia,
onde o restante dos barcos com os escravos os esperava, a
maioria sentada sobre a areia.
Ao chegar saltou do bote e se dirigiu para Jerry, que o
esperava com uma pistola na mão, controlando parte dos
escravos que permaneciam sentados à beira da praia.
― Tudo bem, capitão? ― ele perguntou de forma
inocente.
Ele os teria escutado da praia? Duncan revirou os olhos
diante do olhar questionador de Jerry.
― Onde está Danny? ― ele perguntou inspecionando a
praia, ignorando a pergunta de seu amigo.
― Foi com alguns homens para o povoado.
Olhou para todos os homens de cor sentados sobre a
areia. Supunha que poderia tirar uma boa quantidade de
dinheiro por todos eles, e se a isso somassem a grande
quantidade de tecido e armas que havia trazido com ele,
certamente poderia passar alguns meses, sem assaltar um
navio.
― Jerry, me faça um favor ― disse voltando-se para ele.
―Em um momento faça com que tragam Beatriz. Acompanhe-
a ao povoado. ―Jerry assentiu depois se virou para o resto de
seus homens. ― O restante, vamos, ou acabaremos no
escuro, nesta praia.
Seus homens fizeram levantar os quarenta escravos que
permaneciam sentados sobre a areia e, em seguida,
começaram a internar-se entre o matagal.
As palmeiras eram altas e entre o silêncio se podia
escutar o murmúrio de um riacho.
Jogou seu olhar para trás em várias ocasiões,
observando o navio e seu amigo Jerry tomar um dos botes
para dirigir-se para lá. Teria ido ele, em pessoa, buscá-la,
mas não estava com vontade de aguentar seus gritos. Muito
provavelmente descontrolaria Jerry, ele pensou com um
sorriso malévolo enquanto a silhueta de seu navio se perdia
entre a vegetação.
Depois de dez minutos de caminhada a passo acelerado
chegaram ao povoado. Continuava igual, fazia vários meses.
As casas feitas de madeira escura e velha, e pedra
apareciam no vale. O povoado era bastante grande, levando-
se em conta que quase nenhum dos que estavam ali o
habitava durante muito tempo.
A estalagem onde ele sempre se alojava possuía na
planta baixa um dos bares de diversão, onde as taças de rum
não ficavam vazias e as mulheres da ilha procuravam tirar
um dinheiro oferecendo seus corpos aos visitantes.
A maior parte desse povoado consistia nisso: bares e
hospedarias, embora também houvesse casas abandonadas
que eram invadidas se estivessem vazias em sua chegada.
No meio daquela praça, havia um enorme tablado, onde
realizavam a venda de escravos e tudo o que os piratas
trouxessem consigo.
Identificou Danny no instante. Ele se encontrava
falando com um dos homens que permanecia ao lado do
tablado. Estava cumprindo suas ordens, perfeitamente.
Aquele homem era o homem que devia dirigir o leilão.
Olhou para o lado e contemplou como alguns dos
homens revisavam as moradias nas laterais e outros se
perdiam pelo povoado procurando algum alojamento para os
escravos.
Depois de encontrar uma moradia vazia onde pudessem
colocá-los, fecharam com chave e alguns de seus homens
ficaram vigiando a porta. Ao menos aquela moradia estava
bastante afastada do centro, o que faria com que todos
aqueles escravos, passassem mais despercebidos. Sabia por
própria experiência que naquela ilha não podia confiar em
ninguém e, quanto antes os vendesse e conseguisse o
dinheiro, seria melhor. Se não se exporia a que acabassem
roubando-lhe.
Danny foi até ele.
― Nosso leilão será amanhã à noite. Esta noite, tem
outro programado.
Duncan soprou, pensava que com sorte poderia fazer o
leilão naquela mesma noite.
― Está bem. ― Suspirou e olhou à frente, onde alguns
de seus homens já entravam diretamente no bar daquela
velha pensão, abraçando-se com algumas mulheres que
pareciam desejosas de carinho. ―Descansem e desfrutem de
terra firme ― ele disse colocando uma mão no ombro de
Danny.
Caminhou para a estalagem quando viu que Jerry saía
de dentro do matagal. Ele olhou diretamente para Duncan,
como se uma força lhe atraísse, e começou a rir, ao mesmo
tempo, que fazia um gesto gracioso com sua cabeça.
Beatriz vinha atrás dele, escoltada por mais dois
marinheiros, e parecia dizer algo que provocava um sorriso
em Jerry.
Começou a se aproximar quando no momento uma
mulher de curvas extremadas ficou em frente a ele.
― Capitão McCartney ― ela pronunciou de forma lasciva
enquanto colocava uma mão em seu peito e a subia até seu
pescoço. ―Não sabia que viria. ― ela disse com um sorriso.
Duncan lhe sorriu e pigarreou enquanto Jerry ia se
aproximando.
― Ora, negócios, como sempre ― pronunciou sem
afastar a mão daquela mulher que lhe acariciava com
bastante luxúria. No instante seu olhar voou para Beatriz,
que a observava com uma sobrancelha elevada.
― Suponho que virá me fazer uma visita, não?
Duncan fez um gesto como se não soubesse o que
responder àquilo e riu para Jerry. Jerry parecia rir também,
mas ao contrário, de Beatriz saia faíscas dos olhos, algo que
lhe causou bastante graça.
― Espero poder escapar em algum momento, Helen ―
disse para a moça que cada vez se aproximava mais, e estava
a ponto de rodear sua cintura.
― Eu também espero capitão ― pronunciou
aproximando-se de seus lábios.
Duncan sorriu e olhou de esguelha para Beatriz, que os
observava totalmente fora de si. Helen se virou de costas para
ver o que era que observava Duncan com aquele sorriso
travesso e viu os marinheiros que estavam atrás, junto de
uma mulher.
― Jerry! ― exclamou Helen atirando-se em seus braços.
Beatriz deu um passo para trás, afastando-se. A mulher
era mais ou menos jovem, possuía um longo cabelo cor de
mogno recolhido em um coque de onde caíam algumas
mechas, e olhos escuros. Ainda assim, era uma mulher
bonita, embora precisasse de uma mudança de vestuário,
pois estava mostrando quase todo o peito. Estava claro que
aquela mulher era uma prostituta, identificara-a desde que a
vira, mas o fato de que Duncan soubesse seu nome, lhe
alterara mais do que ela esperava, e mais ainda, ficara
alterada ver que também conhecia Jerry e este a abraçava
como se se alegrasse de vê-la. A cadela parecia que conhecia
toda a tripulação.
― Está preciosa ― pronunciou Jerry enquanto a
agarrava pela cintura.
Helen começou a rir de uma forma estridente, fazendo
com que seus peitos quase saíssem pelo decote. Beatriz
soprou e voltou a fuzilar Duncan com o olhar, e ele não
ocultava estar se divertindo com a situação.
― Oh!, Não diga tolices… ― brincou Helen. ―Quantos
dias ficarão?
― Três ou quatro… ― pronunciou Duncan atraindo o
olhar de todos, inclusive o de Beatriz.
― Três ou quatro? ― protestou ela fazendo com que
todos se virassem para observá-la. Não gostava daquele
lugar, em sua época aquela ilha era preciosa, um autêntico
paraíso, agora, não era mais que um refúgio de piratas e
prostitutas.
― Sim ― respondeu Duncan secamente.
― Ora, ora… ― pronunciou Helen aproximando-se dela.
―O que temos aqui? ― pronunciou estudando Beatriz de cima
abaixo. ―Seu novo brinquedo? ― perguntou com um sorriso
lascivo para Duncan.
― Desculpe ― disse Beatriz chamando sua atenção. ―Eu
não sou o brinquedo de ninguém.
― Ora, que coragem da moça ― pronunciou surpresa
olhando para Duncan, ele ainda estava com aquele sorriso
travesso em seu rosto. ―É seu novo entretenimento?
Duncan estalou a língua com um sorriso, mas Beatriz
não achou nenhuma graça e lhe dedicou um olhar que dizia
tudo.
― Sim, Duncan, diga, sou seu novo entretenimento? ―
perguntou cruzando os braços e endireitando as costas.
― Já lhe disse que me diverte bastante ― brincou ele.
― Ora ― interveio Helen. ―Duncan? ― perguntou
surpresa para ele. ― Ela o chama por seu nome, capitão?
― É que eu não faço parte de sua tripulação, senhora ―
interveio Beatriz captando sua atenção, com um tom um
pouco petulante.
Helen começou a rir, enquanto observava à moça e se
aproximou de Duncan, colocando uma mão em seu ombro.
― Os homens pagariam uma boa soma por ela ―
pronunciou olhando-a fixamente. ―Deixe-a no andar de baixo
e lhe asseguro que amanhã terá grandes somas de dinheiro.
Beatriz ergueu suas costas e começou a remexer-se
inquieta. Deixá-la ali? Para isso ele a levara? Olhou
diretamente para Duncan, que a olhava com dúvida. A sério,
ele estava pensando na ideia? O muito… começaria a gritar
com ele quando ele a interrompeu.
― Não. Esta reservo para mim ― ele disse olhando
fixamente para Beatriz, porém depois, sorriu mais
abertamente e olhou diretamente para Helen. ―Embora eu
agradeça a oferta, é bom saber que se voltar a me deixar
nervoso, posso enviá-la para ficar um momento tranquilo. ―
E quando pronunciou aquilo o fez olhando de esguelha para
Beatriz, a qual não demorou nem um segundo para reagir,
embora não fosse o tipo de reação que ele esperava.
Conseguiu ver dali como ela começava a tremer e inclusive
como seu rosto empalidecia de repente. Mas será que essa
moça não identificava uma brincadeira? Embora, bem, o mais
lógico era que ela acreditasse. Nesse momento não havia um
mastro ao qual amarrá-la, assim devia supor que o que ele
acabava de dizer bem podia ser sério.
Duncan pigarreou e suspirou enquanto olhava com
preocupação para Beatriz.
― Diga-me ― disse voltando sua atenção para Helen.
―Tem quartos?
― Para você eu sempre tenho ― ela pronunciou voltando
a colocar a mão em seu peito, depois se virou e olhou para
Jerry com um grande sorriso. ―E para você também, querido.
― Voltou a centrar toda sua atenção no capitão. ―Te darei o
do andar de cima, sabe que é o melhor que eu tenho.
― Agradeço isso ― Depois fez um gesto para Beatriz.
―Ela dormirá comigo.
Helen a olhou e sorriu.
― Claro, pode deixar… ― pronunciou com voz picante, o
que enfureceu Beatriz, bastante. Mas o que aquela mulher
estava insinuando? Que ela era sua fulana?
― Sim, senhora, dormir ― disse com uma voz um tanto
violenta.
Helen voltou a olhá-lo de canto de olho.
― Ora, capitão McCartney, vejo que gosta das
provocações.
― Sabe que gosto ― pronunciou ele sorrindo para
Beatriz.
― Bem. Pois se vierem comigo, direi que lhes preparem
os quartos. Enquanto isso podem tomar algo ou comer.
14

Duncan tirou a camisa depositando-a sobre uma das


cadeiras de madeira. O quarto era um pouco austero. Um
enorme armário vazio, colocado no fundo do enorme quarto,
no centro e junto à parede, uma enorme e luxuosa cama com
alguns paus que subiam, quase até o teto e, a seu lado, uma
pequena mesa. Isso era tudo. A única coisa que dava um
toque aristocrático ao quarto eram as vigas de madeira que
atravessavam o teto.
Beatriz o observou, ainda ao lado da porta. Jantaram
um pouco de ensopado no andar de baixo e ela esteve tensa
durante todo o tempo. A fumaça que invadia tudo, o aroma
de ambiente fechado, a atitude despreocupada e altiva
daquelas mulheres de pouca roupa, que passeavam entre
todos os homens em busca de calor humano e, acima de
tudo, se sentir o centro de atenção de todos os homens,
faziam com que seu estômago fechasse.
Ao menos, a proximidade de Duncan fez com que muitos
daqueles homens não se aproximassem dela, visto que
quando alguém dava alguns passos em sua direção Duncan
se interpunha, dissimuladamente. Sim, ele marcava seu
território e ela soube identificar. Não se importara, a única
coisa que queria era que todos aqueles homens deixassem de
olhá-la.
Foi um alívio quando ele lhe disse para ir descansar,
embora agora que o via passear despreocupadamente, sem
camisa, pelo quarto voltava a ficar tensa.
Beatriz olhou para o pequeno cômodo ao lado.
Supunha-se que isso era um banheiro? Sentiu enjoo ao ver
aquele quadrado sujo e fedorento junto daquele quarto
minúsculo.
Esteve a ponto de chorar.
Dormindo em um prostíbulo. Nem louca pensava em
usar aquele balde e nem louca se deitaria naquela cama
embora ele a oferecesse… quantos homens e mulheres
haveriam estado entre aqueles lençóis.
Mas o pior de tudo era que Duncan parecia estar
tranquilo ali, como se estivesse em seu lar.
― Como está a dor nas costelas? ― ele perguntou
despertando-a de seus pensamentos.
Ela deu alguns passos para ele observando os lençóis
amarelados.
― Melhor.
Duncan aceitou e se sentou na cama enquanto tirava as
botas.
― Quer que eu dê uma olhada?
― Não ― ela respondeu rapidamente.
Duncan a olhou durante alguns segundos e suspirou
enquanto lançava uma das botas para o fundo do quarto,
sem cuidado algum, e tirava a outra.
Beatriz foi até janela e observou através dela. Embora
fosse noite alta, aquela praça continuava infestada de gente,
de homens que caminhavam sem rumo e com uma alta
concentração de álcool no sangue. Que diferente era aquela
ilha comparada com a de sua época.
― Você vem muito aqui? ― ela perguntou sem olhá-lo,
prestando atenção a todas aquelas pessoas que dançavam e
cantarolavam pela rua.
― Sim. ― Ela se virou com nojo no olhar. ―É a melhor
hospedaria da área e o tratamento é muito agradável ― sorriu
para ela, embora aquele sorriso levasse um claro toque de
indecência. Beatriz o recompensou com outra careta de asco
e voltou a afastar o olhar.
Certamente, se essa era a melhor hospedaria da área,
como seria o resto. E depois, estava o assunto do “tratamento
ser muito agradável” … ou seja, com quantas dessas
prostitutas ele se deitou.
― Muitas mulheres o conhecem por aqui. ― ela
pronunciou irônica.
Duncan sorriu abertamente.
― Sim, muitas me conhecem ― cantarolou como se não
desse importância, porém o olhar que recebeu por parte dela
foi de recriminação, ao que ele inclinou seu rosto e colocou as
mãos em sua cintura. ― Depois de passar vários meses no
mar, na companhia de homens, gosto da companhia de uma
mulher ― pronunciou ele encolhendo os ombros.
― Que nojo.
Duncan sorriu por causa de seu comentário, mas não
disse nada mais a respeito. A verdade é que estar ali lhe
deixava nervosa, sobretudo quando escutou as risadas
malucas de um casal que corria pelo corredor. Podia apostar
que a mulher simulava que fugia do homem, embora sua
risada a delatasse e parecia realmente ansiosa para se deixar
apanhar. Escutou a porta do quarto ao lado fechar e
imediatamente as risadas soaram mais fortes, conseguiu
escutar até quando se atiraram no colchão e a seguir, os
gemidos começaram a invadir tudo.
Ficou consciente de que todo seu rosto ruborizava, de
verdade aquilo estava acontecendo? Olhou de esguelha para
Duncan que retirava o lençol da cama e olhava para a parede
que coincidia com aquele quarto tão escandaloso e sorriu.
Beatriz cruzou os braços e o observou entreabrindo os
olhos.
― De verdade me deixaria no andar de baixo? ― ela
perguntou sem disfarces.
Duncan elevou o olhar lentamente para ela, surpreso
por aquela pergunta tão direta.
― De verdade, você está me fazendo essa pergunta? ―
Ela encolheu os ombros incomodada. Ele parecia ofendido.
―É obvio que não, Beatriz ― ele pronunciou. Virou-se e foi
direto para o pequeno banheiro, fechando a porta.
Bom, ao menos podia respirar um pouco mais tranquila.
Algo em seu interior lhe dizia que ele não seria capaz, mas o
certo é que sim, completara sua ameaça no que dizia respeito
a amarrá-la ao mastro.
Poucos segundos depois Duncan saiu do asseio,
pensativo, com aquela pergunta lhe rondando a cabeça.
― De verdade acredita que eu faria isso? ― ele parecia
sinceramente magoado.
― Bem ― ela se apressou a dizer ―, de fato, você me deu
um golpe no traseiro, amarrou-me ao mastro e vende
escravos… e antes disse que…
― É muito diferente isso tudo, a deixar que os homens a
levem à cama contra sua vontade ― ele pronunciou um pouco
enojado. Ela o olhou mordendo o lábio. ―Além disso, não
aguentaria seus gritos depois ― ele brincou finalmente.
Ela soprou e voltou a virar-se para a janela.
― Já lhe disse que não tem porque aguentá-los, é tão
fácil deixar que eu vá ― voltou a lhe explicar com paciência,
enquanto se virava de novo.
― E perder a diversão?
Ela revirou os olhos e se fixou em que um dos homens
que subia ao tablado que estava situado no centro daquela
pequena praça e iniciava um discurso.
― Feche a janela ― ele lhe ordenou.
Ela virou um segundo e prestou atenção.
― Há um homem no tablado. O que ele vai fazer?
Duncan suspirou e foi para a janela sem dar uma
resposta, fechando-a diretamente.
― Vão vender os escravos, não é? ― ela perguntou
finalmente.
― É uma garota muito esperta ― ele disse afastando-se.
Ela passou a mão pela testa, angustiada pelo que
aconteceria atrás daquela janela.
― São os escravos que transportava?
― Não.
― Outros?
― Sim.
― E os que você levava? Venderá?
Ele voltou a observá-la fixamente.
― É necessário que eu responda a isso? Já sabe a
resposta.
Ela gemeu e tentou se controlar, sabia que de nada
serviria se zangar com ele. Se Duncan não se interessava
sobre a conversação ela resolveria diretamente, mas,
possivelmente, empregando outro tom que pudesse averiguar
algo.
― Quando será feita a venda?
Duncan se sentou sobre a cama e apoiou suas costas na
cabeceira enquanto estendia suas pernas sobre o colchão.
― Para que quer saber?
Ela deu alguns passos até ele.
― Poderia me despedir ao menos de um deles?
A suavidade com que ela perguntou o pegou
despreparado.
― São escravos, Beatriz. Deveria esquecê-los.
― Como pode ser tão cruel? ― ela perguntou dando um
passo para ele, elevando um pouco mais a voz, porém no
momento se controlou e baixou seu rosto. ―Só estou lhe
pedindo para poder vê-lo pela última vez. É meu amigo.
― É um escravo ― ele voltou a repetir com paciência.
Ela se remexeu inquieta.
― Por favor ― gemeu.
Duncan afastou o olhar dela e ficou contemplando a
parede do lado, onde os gemidos aumentaram em frequência
e volume. Colocou seus braços por trás de sua cabeça, em
atitude pensativa.
― Por que se interessa tanto por esse homem?
Ela deu alguns passos mais, aproximando-se.
― Fizeram-lhe mal. Curei-o. ― Ele a olhou de esguelha.
―Será somente um momento, por favor.
Duncan suspirou e depois inclinou seu rosto para ela.
― Acredita que o beneficiará em algo o fato de que possa
vê-lo? ― Aquela pergunta a pegou de surpresa e ficou calada
durante alguns segundos.
― Chama-se Enam, é jovem e boa pessoa, e… deve estar
assustado.
― Como todos ― ele pronunciou. Ficou calado alguns
segundos e finalmente afastou o olhar dela voltando para a
parede, onde agora os golpes se intercalavam com os
gemidos, visto que a cama estava batendo contra a parede. ―
Precisa descansar ― ele disse, finalmente, sem continuar com
a conversação.
Ela suspirou compreendendo que a conversação
acabara, mas um gesto dele a surpreendeu foi para um lado
da cama e assinalou com um ligeiro movimento de sua
cabeça, para que ela se deitasse a seu lado.
― Nem louca penso em dormir nessa cama. ― Ele voltou
a sorrir. ― Imagine o número de homens e mulheres que
estiveram entre esses lençóis.
Ele se endireitou sobre o colchão e esboçou um sorriso
realmente malicioso.
― De verdade que você não quer prová-la? Muitas
mulheres elogiaram a comodidade deste colchão. ― Seu tom
soou aveludado.
― Pois eu não serei uma delas ― ele disse rapidamente
dirigindo-se para o armário. Abriu-o procurando algo par
lançar sobre o chão e deitar. Estava totalmente vazio.
Maldição!
― E agora o que vai fazer? ― ele perguntou com ironia
enquanto voltava a fazer movimentos com sua cabeça,
assinalando seu lado, para que ela se deitasse. Ela endireitou
as costas e foi para o canto do quarto. Se abaixou e apoiou
contra a parede, dobrando os joelhos. ―Oh!, Vamos… ―
protestou ele. ―Não vai conseguir dormir. ― Depois a olhou
com mais força. ―Não vou tocar você, se for o que a
preocupa, mas hoje lhe deram uma surra e está machucada.
Não vai dormir no chão, tanto você goste ou não.
― Não vou me colocar nessa cama ― ela disse com
contundência. ―Não se preocupe tanto comigo, sei me cuidar
sozinha.
Ele não saía de seu assombro.
― É uma mulher muito teimosa. ― Rugiu e ficou em pé,
depois assinalou a cama. ― Deite, eu dormirei no chão.
Aquilo a deixou totalmente surpreendida. Sério, ele faria
isso? Não soube reagir durante alguns segundos.
― Não… não é por você ― ela sussurrou impressionada
pelo que acabava de fazer. ―É… a cama dá-me nojo me deitar
aqui. É um bordel.
― É simplesmente uma cama.
― Onde se divertiram ― ela voltou a pronunciar com
nojo.
Duncan emitiu uma pequena gargalhada.
― Divertiram-se? ― disse satisfeito. ―Não sei se se
divertiram ou não, mas tratando-se de um bordel, certamente
terão brincado por todos os lugares ― Depois apontou para
ela. ―Inclusive onde você está sentada.
Ela se remexeu incomodada e enojada.
― E… Não podemos voltar para seu navio?
Ele inclinou seu rosto.
― Meus homens gostam de estar em terra firme e eu
também.
Ela suspirou.
― E… eu não poderia ir para lá? Prometo que não
escaparei, mas é que aqui não estou cômoda.
― Não. ― Ele respondeu enfático. ―Não vou deixá-la
sozinha.
― Estaria no navio ― ela gemeu.
― Se por acaso não se deu conta ― ele explicou
estendendo os braços para os lados, ― Você é uma mulher
espanhola em uma ilha repleta de piratas ingleses. Não lhe
aconselho que esteja sozinha.
― E porque me trouxe aqui? Sabia-se que é perigoso
deveria permitir que…
― Não é perigoso se estiver comigo. Ninguém em seu
juízo se atreveria a colocar um dedo em cima de você em
minha presença.
Ela o estudou de acima abaixo e inclinou seu rosto.
Duncan falava com muita, segurança.
― É muito conhecido por aqui? ― ela perguntou
inquieta.
― Bastante.
― Pois os do navio desta manhã…
― Aqueles eram alguns novatos, duvido ainda que
saibam a quem atacaram.
― Levavam a bandeira vermelha ― lhe recordou ela.
― Sim, e veja do que lhes serviu ― brincou ele.
Ela suspirou e olhou de um lado para o outro sem saber
o que fazer. Depois o olhou com um rosto de causar pena.
― Não quero estar aqui. ― Em seguida o olhar dos dois
voou diretamente para a parede que recebia os golpes de uma
cama em constante movimento.
― Acredite em mim, não há lugar mais seguro no qual
possa estar.
― Sim ― brincou ela. ―Em uma ilha de piratas ingleses
que odeiam tudo o que provenha do Império espanhol.
― Mas está com um pirata inglês. ― ele recordou.
― Diz isso como se estivesse orgulhoso. ― recriminou-o.
― Gosto do que faço.
― Como pode dizer isso? ― ela protestou. ―Mata
pessoas, vende pessoas, rouba…
― A meus inimigos.
Ela soprou, estava claro que não a ouviria. Suspirou e
se manteve calada. Não era um segredo que ela estava
ressentida, e não era para menos. Em parte, a compreendia.
A raptou e conduziu para uma ilha pirata. Era normal que se
mostrasse zangada e temerosa.
Duncan suspirou e foi até de um dos baús, abriu-o e
tirou um dos tecidos. Beatriz observou aquele lindo tecido,
era de uma cor dourada. Esses tecidos aparentavam ser
caros e, jogaria o pescoço de que vinham do navio francês.
Ele se aproximou da cama e o estendeu por cima.
― Bem, melhor assim? ― ele perguntou assinalando a
cama.
Ela o olhou impressionada. O certo é que ele estava
tendo muita preocupação para que ela descansasse bem.
Nesse momento o viu de outra forma, novamente a ternura se
apoderou de seu olhar. Duncan deve ter captado aquela
mudança em sua atitude, porque ficou olhando-a fixamente,
suavizando seus traços enquanto percorria o rosto de Beatriz.
Dedicou-lhe um sorriso terno e voltou a lhe apontar com
um movimento de sua cabeça, para a cama.
― Deite-se, por favor.
Ela puxou ar e finalmente se levantou devagar. Tirou os
sapatos e se sentou sobre o colchão avaliando-o, ante o
atento olhar dele.
Era um pouco mole para seu gosto, mas sem dúvida,
muito mais cômodo que o chão.
Acabou de esticar-se enquanto subia aquele tecido à
altura do travesseiro para cobri-lo, também.
Duncan ficou a observou fixamente até que ela coincidiu
o olhar com o dele, mas os gemidos vindos do outro quarto os
fizeram desviar o olhar para a parede.
― Meus homens se divertem ― ele pronunciou divertido.
― É um de sua tripulação?
― Certamente ― ele disse pegando a espada que
depositara sobre a cadeira. Agarrou-a e a colocou ao lado da
cama. Lançou um último olhar para ela antes de alcançar a
vela e apagá-la com um sopro, ficando tudo em total
escuridão. ― Tenha um bom descanso ― disse Duncan em
voz baixa.
Ela engoliu a saliva e suspirou.
― Igualmente.
Ao deitar-se naquela cama ficou consciente do quanto
estava esgotada. Fechou os olhos escutando os passos de
Duncan pelo quarto até que, em um determinado momento,
percebeu que o colchão se movia e descia ante o peso dele.
Beatriz se endireitou imediatamente.
― Você me disse que não dormiria em…
Duncan a agarrou pelo ombro deitando-a de novo.
― Durma. ― Foi a única coisa que ele disse.
Beatriz se aproximou o máximo possível ao extremo do
colchão, afastando-se dele. Sabia que não tentaria nada, mas
não consegui confiar. Por Deus, se todas as mulheres daquele
bordel o conheciam. Aquele pensamento a fez ranger os
dentes, como era possível que conhecesse tantas mulheres?
Teria se deitado com todas? E não só isso… elas pareciam
realmente encantadas diante de sua presença, como se o
adorassem.
― O que é esse som? ― sussurrou Duncan alerta.
Ela deixou de ranger os dentes e relaxou sua
mandíbula.
― Nada. Durma ― ela sussurrou como uma ordem.
Dito e feito. Não passaram mais de dois minutos e pode
escutar a respiração suave e pausada de Duncan a seu lado.

Bastian olhou novamente para seu navio enquanto


voltava a levar a mão à cabeça, à área que ainda pulsava com
a dor.
Chegaram ao Haiti àquela manhã e depois de atracar,
alguns de seus homens foram buscar provisões e procurar o
material necessário para arrumar o navio. Também
precisavam de armas.
Voltou a pegar a garrafa de rum que deixara sobre a
areia daquela larga praia e começou a caminhar para o bar
onde adquirira a garrafa, fazia umas duas horas. Sentiu-se
um pouco enjoado, mas ao menos a dor de cabeça cedera
bastante graças a ingestão de álcool.
Fixou-se nos numerosos homens que fumavam e
bebiam e seu olhar voou para uma daquelas jovenzinhas que
passeavam com pouca roupa.
Que diferente era de Beatriz. Eles a levaram. Ele
prometera que a protegeria e não conseguira fazer nada e,
agora, ela permanecia prisioneira de um pirata inglês.
Voltou a sentir como a acidez subia por sua garganta e
durante alguns segundos sentiu náuseas. Precisava colocá-la
a salvo, tê-la junto dele. Era incrível como em poucos dias,
ela chegara a assumir tanta importância para ele.
Imaginou um futuro junto dela. Ele a levaria à França,
para seu lar, onde a ajudaria a se instalar e a iniciar uma
nova vida e, pouco a pouco, seus laços iriam se estreitando,
até que ela se convertesse em sua esposa. Sim, aquilo era o
que ele queria, e o que mais necessitava.
Depositou a garrafa com um forte golpe sobre a mesa,
chamando a atenção de vários homens.
Voltou a olhar para trás, observando seu navio na
escuridão, ancorado a vários metros da costa. Com sorte, em
alguns dias, poderia zarpar a sua procura, embora aquilo lhe
parecesse, muito, muito distante. Não podia permitir nem um
dia a mais.
Sabia que os ingleses se alojariam na ilha de Nassau,
que ali venderiam seus escravos. Realmente era uma loucura
ir àquela ilha, mas se fosse necessário para recuperar Beatriz
e colocá-la a salvo, ele faria sem hesitar.
― Sete canhões novos ― pronunciou um dos homens
que tomava uma taça bem a seu lado.
Bastian virou seu rosto para ele, enquanto tentava se
manter em pé, apoiando-se no balcão. Era um homem que
não devia chegar aos quarenta e conversava com um jovem
que não passaria dos vinte. Algo em seus rostos o fez pensar
que seriam familiares, possivelmente pai e filho.
― Agora somente falta traçar a rota ― disse o jovem.
― Faremos Cuba e depois podemos partir à Florida.
― Algodão? ― perguntou o mais jovem, como se a ideia
lhe entusiasmasse.
― É uma mercadoria apreciada, possivelmente com
sorte, dentro de alguns anos possamos comprar um navio
maior.
Bastian os observou e sem pensar duas vezes deu
alguns passos para eles, aproximando-se, sem soltar a
garrafa.
― Querem um navio maior? Eu lhes darei um navio
maior.
Os dois giraram suas cabeças para ele, confusos. O
mais velho ficou em pé, em guarda, como se fosse precisar se
defender.
― Desculpe senhor, mas esta é uma conversação
particular.
― General Bastian Dupont ― ele pronunciou solene. No
mesmo instante, o homem olhou para o jovem confuso.
― General? ― perguntou o homem, olhando-o de cima
abaixo.
Sim, Bastian sabia que naquele momento não estava
com muito boa aparência.
― Exato ― confirmou depositando a garrafa sobre a
mesa. ―E posso ajudá-los a conseguir esse navio que tanto
anseiam.
Os dois se olharam como se não compreendessem nada.
Bastian olhou ao jovem e colocou uma mão em seu ombro.
― Moço, qual é seu nome?
O jovem pareceu hesitar alguns segundos e finalmente
respondeu.
― Jack, senhor, e este é meu pai, Collins.
― Perfeito, perfeito… ― cantarolou Bastian. ― E se
dirigem a Cuba?
Collins voltou a hesitar, mas, finalmente respondeu.
― Sim, pensamos em fazer compra grande de algodão.
Bastian colocou seu dedo indicador diante de seus olhos
e negou reiteradas vezes.
― Pouco conseguirão com isso ― sussurrou como se lhes
explicasse um segredo. ― Dispõem de homens?
― Dispomos de vinte homens, senhor ― disse Jack.
Bastian moveu sua cabeça inseguro.
― Vou propor-lhes algo… ― começou a explicar
enquanto lançava um braço sobre cada um dos ombros.
―Vocês gostam do navio que está ali ancorado? ― perguntou
assinalando seu navio.
Ambos o observaram com interesse.
― É um bom casco de navio ― respondeu Collins. ― Ou,
parece daqui.
― É. Posso lhes conseguir um igual, em troca de um
pequeno favor. ― Collins se remexeu inquieto e olhou de
esguelha para seu filho. ― Com um navio como este poderia
transportar muito mais quantidade, não somente de algodão:
tecidos, manufaturas, botas… tudo. Ali é onde realmente
estaria o dinheiro. Comprometo-me, como general, a lhe
conseguir uma patente de comércio com o governo francês…
― Dos olhos de Collins saíram faíscas ao escutar aquilo, o
que agradou Bastian. ― Está interessado, não é verdade?
― Poderia estar ― ele respondeu com muita urgência.
― Ontem fomos surpreendidos por alguns piratas
ingleses e… ― Naquele momento hesitou alguns segundos. ―
Levaram a minha prometida… ― comentou. Sabia que se
usasse aquela palavra os homens levariam mais a sério.
―Mas meu navio não estará pronto por vários dias e temo
pela vida de Beatriz.
― Claro.
― Ajudem-me a encontrá-la e lhes conseguirei uma
patente de curso e um navio igual ao meu. ― Collins e Jack
se olharam de esguelha, não muito seguros do acordo que ele
lhes oferecia. ―Não é difícil, somente precisam achá-la e me
trazer ela com vida.
Collins o olhou de cima abaixo.
― Mas diz que são piratas ingleses… ― ele disse
assustado. ―Nós não queremos ter nada a ver com…
― Eram poucos piratas, somente que nos pegaram de
improviso ― mentiu. ―Não deverá sequer bater em duelo com
eles. Quando nos atacaram levávamos um grande tesouro:
manufaturas, tecidos, armas e escravos. Posso lhe assegurar
que se encontram na ilha de Nassau, venderão tudo o que me
roubaram.
― E quer que a gente vá para Nassau?
― Todos os piratas ingleses me conhecem, sou um
importante general francês. Mas não conhecem vocês,
poderiam passear por aquela ilha sem nenhum tipo de
problema. ― Depois, voltou a se aproximar mais deles
descendo seu tom de voz até o sussurro. ―Juntem seus
homens, partam para Nassau, resgatem minha esposa e lhes
asseguro que terão um dos melhores navios que tenha
navegado estas águas.
Ambos se olharam durante alguns segundos.
― Desculpe Senhor ― pronunciou Collins. ― Agradeço
muito seu oferecimento, mas… é algo perigoso e não quero
colocar meu filho nisto. Mesmo assim lamento muito sua
perda e espero que possa recuperar logo a sua prometida.
― Está perdendo a oportunidade de sua vida, de se
converter em um verdadeiro comerciante…
Collins pegou o braço de seu filho colocando-o em pé e
sorriu com tensão para Bastian.
― Sinto-o seriamente, mas nem eu, nem nenhum de
meus homens entramos em combate, nenhuma vez.
― Não será necessário que…
― Sinto ― pronunciou de novo, interrompendo-o. Em
um ato reflexo puxou seu filho, com mais força de perto do
general. Afastaram-se sem mais.
Bastian os viu se distanciarem.
― Maldito seja ― sussurrou agarrando sua garrafa de
rum e dando um longo gole. Precisava fazer algo ou
enlouqueceria. Precisava encontrá-la.
No instante uma mão se colocou em seu ombro.
― Desculpe senhor…
Bastian se virou para observar que um homem de
cabelo comprido, grisalho e barba espessa, o observava com
um sorriso. Estava acompanhado de mais cinco homens.
Todos eles eram altos, fortes… com olhares carregados de
agressividade e força.
Bastian ficou mais firme enquanto depositava a garrafa
sobre a mesa.
― Sim?
O homem que parecia ser o líder olhou de esguelha aos
homens que o acompanhavam, com um sorriso, e finalmente
voltou seu rosto para Bastian.
― Não pudemos evitar escutar a conversação que acaba
de ter. ― Bastian os olhou um a um, surpreso.
―Possivelmente nós possamos ajudá-lo a encontrar sua
prometida ―ele acabou mais sorridente.
Bastian os olhou fixamente, inspecionando-os.
― De onde são?
― Da Holanda ― ele pronunciou. Depois, apoiou seu
braço sobre seu ombro em atitude cordial. ―Meu nome é
Tessel, sofremos um ataque pelas mãos de um navio pirata
inglês. ― Os homens grunhiram quando escutaram aquele
término. ―Acabamos de chegar à ilha há poucos minutos.
Perdemos vários homens, mas conseguimos salvar o navio.
Não estamos interessados em um navio novo, mas sim em
uma patente de corsário que nos respalde e nos financie.
― São piratas holandeses? ― perguntou surpreso. Em
todos os anos que estivera ali, era a segunda vez que se
encontrava com holandeses.
― De bandeira vermelha ― disse com um sorriso
endiabrado. ― Agora, me diga… quer falar de negócios?
15

Abriu os olhos pouco a pouco pois entrava uma grande


claridade pela janela. Endireitou-se sobre a cama e olhou de
um lado para outro, estava totalmente sozinha no quarto.
Nem sequer vira quando ele partiu.
Ao endireitar-se notou umas espetadas em suas
costelas. Ainda lhe doía, mas devia admitir que àquelas horas
de descanso caíram muito bem.
Foi até o baú de onde Duncan tirara o tecido no dia
anterior e o abriu. Bem, havia vários vestidos. Não sabia se
podia pegá-los, mas não lhe importava o mínimo o que ele lhe
dissesse naquele sentido.
Pegou um vestido vermelho e depois observou o cabelo.
Precisava de um banho, com urgência. Seu olhar posou
diretamente naquele cômodo que usavam como banheiro e
voltou a sentir náuseas.
Saiu do quarto e desceu pelas escadas os três andares,
até chegar ao mais baixo. À medida que descia o som das
vozes se fazia mais forte.
Sim, comprovou que nem durante o dia, as mulheres
daquele local descansavam, pois passeavam insinuando-se
entre os homens que tomavam o café da manhã.
Nesse momento se deu conta da fome que estava. Olhou
de um lado a outro procurando Duncan, mas a única coisa
que encontrou foram uns olhos que pareciam sair de suas
órbitas. Um homem apoiado sobre o balcão a observava
atentamente. Ela deu um passo para trás quando o homem
se encaminhou para ela. Seu cabelo comprido e negro ondeou
para trás, enquanto ele dava cada passo mais enérgico que o
anterior, aproximando-se, embora outro homem cruzou em
seu caminho. Reconheceu-o no instante, o amigo de Duncan,
Jerry.
Colocou uma mão no peito daquele homem e o fez
retroceder um passo.
― Aconselho que não se aproxime dela, é do capitão
McCartney.
O homem o olhou surpreso e depois observou Beatriz
com olhos de cordeiro degolado. Assentiu e apenas por ouvir
estas palavras ele deu meia volta e retornou para o balcão.
Jerry se virou para ela e sorriu.
― Eu não sou propriedade de seu capitão ― ela
sussurrou de mau humor.
― Aqui lhe convém ser. ― pronunciou Jerry enquanto
piscava um olho e se dirigia para o resto da tripulação, que
permanecia sentada em uma mesa ao final daquele enorme
salão.
Beatriz o seguiu de perto.
― Espere, onde está Duncan?
― O capitão está atendendo assuntos pessoais ―
pronunciou chegando até a mesa e sentando. ― Quer tomar o
café da manhã? ― ele perguntou passando-lhe uma fatia de
pão e uma fatia de queijo.
Ela pegou agradecida.
― Quer se sentar aqui?
Aquela pergunta a deixou aturdida. Observou os
companheiros de mesa de Jerry, todos sorridentes.
Negou no mesmo momento.
― Não, obrigada. ― Remexeu-se um pouco inquieta e se
aproximou de novo dele, somente para seu ouvido, o que
intrigou a todos. ― Ouça, onde poderia me lavar?
― Não pode ser no quarto? Mandarei que lhe subam
alguns baldes.
Beatriz sentiu como a pele se arrepiava. Nem louca
pensava em se lavar naquele quarto.
― Não há um rio por aqui? Eu também gostaria de dar
um passeio, posso?
Jerry a olhou de cima abaixo.
― Temo que não. ― ele pronunciou afastando o olhar
dela.
Beatriz ficou tensa.
― E por que não?
Jerry voltou a se virar ante o olhar divertido de toda a
tripulação.
― Primeiro, porque não lhe convém andar sozinha por
esta ilha, e segundo e mais importante, porque nosso capitão
assim ordenou.
― Duncan lhe disse que não posso sair?
― Exatamente ― ele pronunciou, pegando uma garrafa
de vinho.
Ela soprou e esteve a ponto de lhe golpear na cabeça
com a fatia de pão. Maldito Duncan. Não queria ficar ali
dentro, estava cheio de homens e mulheres de pouca roupa,
cheirava a mofo. Era realmente horrível.
― Eu não gosto de estar aqui, sinto-me incômoda… ―
ela pronunciou olhando às mulheres.
Jerry a olhou de esguelha, sem dizer nada. ― Ao menos
posso me sentar no banco de fora para pegar ar?
Jerry observou em direção à porta, a poucos metros
deles, fora do local. Havia um pequeno alpendre onde se
localizavam vários bancos.
― Está bem, mas não se mova dali. ― Ela assentiu feliz.
Poderia respirar ar puro e entreter-se olhando as ruas.
Começou a se afastar quando a voz de Jerry a fez virar-se.
―Beatriz, isto é muito sério, levante-se desse banco e lhe
asseguro que eu não tenho a mesma paciência que Duncan.
Ela engoliu a saliva e aceitou timidamente, não
discutiria com ele quando a única coisa que queria já havia
conseguido. Certamente todos possuíam um mau gênio.
Saiu para o exterior e no mesmo instante, respirou ar
puro, lá dentro lhe faltava o oxigênio.
Sentou-se no banco e observou de canto de olho que
todos os membros da tripulação a controlavam.
Decidiu ignorá-los, de toda a maneira e formas, o que
ela faria? Não podia escapar, isso era um fato. Começou a dar
pequenos beliscões no queijo e no pão. O pão estava muito
duro e o queijo muito mole. Mas de todo modo, seria bom ter
o estômago cheio.
Bom, ela analisou a situação: encontrava-se em Nassau,
em uma ilha que naquela época, tal e qual sabia, era
perigosa, e em seu caso mais ainda. Não só porque estivesse
infestada de piratas, mas porque estes eram ingleses e,
portanto, inimigos do Império espanhol.
Suspirou e olhou para frente, alguns homens
carregavam caixas repletas de garrafas de rum, outros iam
acompanhados de um cavalo, arrastando uma carroça cheia
de mantimentos ou bebidas e outros, simplesmente se
dedicavam a passar o tempo, igual a ela.
Entretanto, sabia que eles eram perigosos, mas também
sabia que aqueles homens se venderiam por um punhado de
moedas. Precisava abandonar aquela ilha e voltar para alto
mar. O tempo se esgotava e, tal e qual Duncan lhe dissera,
passariam várias noites ali, e depois, se dirigiriam às
colônias. Ela não podia se afastar não se quisesse voltar para
sua época.
Tentou controlar as lágrimas que ameaçavam brotar de
seus olhos, ante a lembrança de sua família e de seus amigos
e soprou. E se não pudesse voltar mais? E se tivesse ficado
presa ali para sempre?
Agora, como faria para chegar até o alto mar? Uma ideia
a fez ficar tensa.
Duncan. Duncan era um pirata, possuía cofres com
tecidos, armas e moedas de ouro. Possivelmente…
No mesmo instante fez um gesto de negativa com sua
cabeça. Roubaria dele? Roubaria um pirata?
Era um pouco arriscado, mas estava certa de que ele
não se incomodou em fazer inventário, assim…
Certamente com alguns tecidos, armas e moedas,
poderia conseguir que alguém a levasse a alto mar o tempo
suficiente para encontrar outra tormenta.
― Olá, querida ― um homem sussurrou, subindo os
degraus do alpendre. Beatriz ficou tensa no mesmo instante.
― Quanto?
Ela o olhou arqueando uma sobrancelha.
― Quanto o quê? ― ela perguntou surpresa.
― Quanto por uma hora? ― ele perguntou com um olhar
lascivo.
Se não soubesse que ele era um pirata o teria
esbofeteado, mas longe disso começou a sentir medo, quando
ele começou a se aproximar muito.
― Está equivocado… ― ela pronunciou ficando em pé.
― Mas está livre? Ou espera alguém? ― voltou a insistir
o homem, ansioso.
Sem aviso prévio Duncan apareceu às costas daquele
homem.
― Ela não está livre ― ele pronunciou com um tom de
voz seco. Lançou um olhar furtivo para Beatriz, que parecia
assustada.
O homem se virou e assim que o reconheceu deu um
passo para trás alerta. Mas o que acontecia com toda a
gente? Por que o temiam tanto? Ela gritava com ele e ele não
a incomodava.
― Capitão McCartney, não sabia que você estava por
aqui.
― Clive ― ele saudou com um ligeiro movimento de sua
cabeça enquanto se colocava ao lado de Beatriz.
No instante Jerry apareceu a seu lado saindo pela porta.
― Ah, já está aqui, capitão ― pronunciou Jerry com um
sorriso, depois olhou para Clive que parecia preocupado,
justamente o contrário de Duncan que parecia querer
assassiná-lo, e de Beatriz, que não afastava o olhar do chão.
Podia apostar que ele insinuou para ela diante de Duncan.
Ele olhou para Clive e apontou-lhe à frente. ―Vamos, saia
daqui.
― Sim, sim… ― ele disse rapidamente, enquanto
colocava-se a correr rua abaixo.
Beatriz ficou assombrada e olhou de esguelha para
Duncan, que por sua vez, a observava.
― Não entendo porque ele saiu correndo, você tampouco
dá tanto medo ― zombou ela.
― Ora ― ele brincou, fazendo com que o sorriso voltasse
a invadir seu rosto. ― Será melhor que não se esforce muito
para comprová-lo. ― Ele se virou para Jerry ainda com seu
sorriso. ―Será às nove da noite.
― Perfeito capitão, avisarei ― ele disse, enquanto saía do
alpendre e atravessava a rua, esquivando-se de todas as
pessoas.
― O que será às nove? ― perguntou Beatriz ficando a
seu lado.
Duncan a observou um segundo e depois olhou para
dentro do salão, onde alguns de seus homens o saudavam
com um movimento de cabeça.
― Esse é seu café da manhã? ― ele perguntou ignorando
sua pergunta.
Ela soube em seguida a que ele se referia. O leilão dos
escravos, a venda de todo o material roubado. Remexeu-se
inquieta. Se quisesse ter alguma possibilidade de sair dali
devia atuar rápido. Sabia que essa noite Duncan estaria
entretido com o leilão, assim, possivelmente, tivesse algum
momento de distração que ela pudesse aproveitar e, por outro
lado, devia se apressar e juntar tudo o que pudesse, para
oferecer a algum homem que a levasse em busca de uma
tormenta.
― Sim ― ela respondeu pensativa. Bem, possivelmente
se ele confiasse nela pudesse deixar um pouco mais de
espaço e lhe seria mais fácil escapar. Deu-se conta de que
Duncan a observava fixamente. ―Há algum lugar onde eu
possa me lavar? ― ela perguntou tímida.
― Não pediu que lhe subisse alguns…?
― Não quero usar aquele quarto. ― Ela se remexeu
incomodada. ―Perguntei para Jerry se havia algum rio ou
lago próximo, ou se podia dar uma volta para me banhar,
mas ele me disse que eu não podia sair.
Duncan colocou as mãos na cintura.
― Como vê não é muito seguro para uma mulher. ― ele
pronunciou direto.
― Está bem eu vi ― ela respondeu rapidamente. ― Mas
ontem você me disse que se estivesse com você não me
aconteceria nada… e depois de ver que todos saem correndo,
fugindo de você… algo que vejo como um pouco exagerado…
― ela brincou, fazendo com que ele sorrisse. ― Poderia me
acompanhar?
Duncan começou a rir desde que ela começara a dizer
aquelas palavras. Suspirou e voltou a olhar para dentro do
salão.
― Está bem. Esse é um vestido novo, não é verdade?
Ela engoliu a saliva.
― Sim, estava no baú que você deixou lá em cima… não
sabia se podia…
― Sim, está bem. Pegue o que precisar daqueles baús.
Oh!, Sim, tanto que ela pegaria.
― De acordo ― ela sussurrou.
― Bem, pois… precisa pegar algo da habitação?
Ela negou.
Duncan assentiu e sorriu, mas aquele sorriso lhe
produziu uma sensação estranha. Era um sorriso bastante
terno, como se ele gostasse de estar em sua companhia.
― De acordo, então vamos. ― Ele indicou com um
movimento de sua cabeça.
Desceram do alpendre e começaram a caminhar entre
as pessoas. Certamente, que diferença de quando estava
sozinha no alpendre, onde se sentira o centro da atenção de
todas aquelas pessoas que passavam pela rua. Agora que
caminhava com Duncan era como se quase não se
atrevessem a olhá-la.
― Fez algo a esta pobre gente? ― ela perguntou surpresa
ao ver que um homem desviava do caminho ao se dar conta
de que Duncan caminhava em sua direção.
― Não, eles simplesmente me conhecem.
― E por isso eles têm medo? Porque o conhecem? ―
perguntou surpresa. Duncan encolheu os ombros como se
aquilo não lhe importasse.
― Meus amigos não têm motivos para temer.
Esteve a ponto de perguntar se ele a considerava uma
amiga, mas preferiu não fazer aquela pergunta.
― Quando visitou a ilha pela primeira vez? ― ela
perguntou interessada enquanto viravam uma rua, saindo da
central e tomando a rua que ia para o bosque.
Duncan pareceu sorrir com aquela pergunta.
― Eu tinha treze anos quando visitei Nassau pela
primeira vez.
― Tão pequeno?
Duncan sorriu de novo.
― Meu pai me trouxe.
― Era um pirata? ― ela perguntou interessada.
Duncan negou.
― Corsário do Império britânico. Como eu.
Ela ficou, totalmente, perplexa ao escutar aquilo e
deteve sua marcha.
― Tem uma carta de corso1 para exercer a pirataria? ―
ela perguntou elevando o tom de voz.
Duncan se virou surpreso.

1
A carta de corso (do latim cursus, «corrida»), ou carta de marca, era um documento emitido pelo
governo de um país pelo qual seu dono era autorizado a atacar navios (piratas) e povoados (bases), de
nações inimigas. Desta forma convertendo o proprietário da carta em membro da marinha daquele país,
conforme a chamada "Lei do Mar" (Tratado Internacional da época, quando se criou esse instrumento
jurídico internacional)
― Claro, do Império britânico. Vamos ― ele insistiu para
que ela continuasse caminhando.
Beatriz começou a caminhar lentamente. Agora
começava a compreender certas coisas. O Império britânico
respaldava-o, amparava-o, enquanto que ao resto dos
homens daquela ilha, certamente não.
O olhou de esguelha e soprou.
― E há quanto tempo faz isso?
― Anos ― ele se limitou a responder.
Beatriz caminhou a seu lado em silêncio, pensativa.
Realmente aquilo não mudava muito, a única diferença era
que ele possuía um documento emitido pelo monarca de seu
Império, que o autorizava a atacar com seu navio, os navios e
as populações das nações inimigas. De fato, convertia-se em
parte da marinha do Império que expedira aquele documento.
Sabia que a França, Inglaterra e a Espanha as haviam
utilizado amplamente. Daquela maneira os monarcas, de
certa forma, controlavam o proprietário da embarcação e
obrigavam os corsários a realizarem ações impróprias para
um membro da marinha nacional, protegendo assim, as
costas. Também era uma forma de economia para os
monarcas, que mesmo sem a necessidade de investir na
construção de navios, tripulação ou armamento, ainda
possuíam direito a uma parte dos benefícios obtidos.
Mas aquilo não mudava muito o que ele fazia, realmente
não mudava nada. As ações eram desumanas, tanto com o
documento como sem ele, e, além disso, sendo um corsário
inglês, ele sabia que a maioria das embarcações atacadas
seriam aquelas que pertenciam ao Império espanhol. E mais,
se fosse um simples pirata, ele atacaria qualquer tipo de
embarcação, independentemente de sua nacionalidade, mas
ao ser um corsário, sabia que o foco de seus ataques seria
centrado nas embarcações espanholas, dada a inimizade dos
espanhóis com o Império britânico.
― Por que você escolheu esta vida?
Aquela pergunta o pegou despreparado e ele a observou
durante alguns segundos.
― É a única vida que conheci. ― Depois a olhou de
esguelha.
― E, o que sente quando ataca navios que…?
― Beatriz ― ele a cortou. ― Como compreenderá não vou
responder a estas perguntas.
― Por que não? ―ela perguntou.
― Porque não são perguntas que se respondam para
uma prisioneira ― pronunciou ele com certa calma,
aumentando seu passo.
Ela ficou de pé sem se mover e apertou os punhos.
Avançou para ele furiosa e lhe cortou o caminho.
― É assim que me vê, não é verdade? Como uma
prisioneira…
― É o que você é ― ele disse tentando cortar a
conversação. ―Embora seja uma prisioneira com certos
privilégios. A outro eu não acompanharia para que pudesse
se lavar.
― E devo estar agradecida por isso? ― ela perguntou
zangada.
Ele inclinou uma sobrancelha.
― Não está?
― Como quer que eu esteja? Sou mantida prisioneira,
por sua culpa estiveram a ponto de me matar e agora,
quando sairmos desta ilha quer me levar às colônias
britânicas. Não me parece correto, Duncan. Nada do que faz
me parece correto. Duncan suspirou e olhou de um lado
para outro como se procurasse algo. ― O quê? ― ela
perguntou confusa.
― A partir de agora vai deixar de me chamar de
Duncan… ― ele pronunciou entre os dentes.
― E como você diz que devo chamá-lo?
Ele cruzou os braços e endireitou suas costas.
― Pode me chamar de capitão. ― Ela soprou. ― Ou se
preferir pode me chamar de carinho, de amor…. ― Ele
brincou. Ela gritou, deu-lhe as costas e continuou
caminhando rua abaixo, seguida por ele. ― Mas diante de
outras pessoas não volte a empregar meu nome.
― Está claro. O senhor quer manter a reputação… ― ela
pronunciou acelerando o passo.
― Exato ― ele disse colocando-se a seu lado.
Beatriz o olhou de esguelha.
― Quanto falta para o lago?
― Logo chegaremos.
Ao fim de vários minutos entraram no bosque. Depois de
subir uma pequena colina Beatriz notou que entre as árvores
começava a ver o resplendor da água cristalina.
Era um pequeno lago formado graças a uma pequena
cascata que caía entre duas pequenas colinas.
Duncan apontou para a água.
― Aí tem seu lago ― ele pronunciou com voz seca.
Ela olhou de um lado para o outro e depois ficou
olhando-o fixamente. Ambos se desafiaram com o olhar, mas
Duncan não falava nada a respeito.
― Pode me deixar sozinha alguns minutos?
Duncan ficou pensativo.
― Não.
― Não penso em me banhar com você aqui ao lado.
Ele encolheu os ombros e olhou para o bosque, por onde
haviam chegado.
― De acordo, pois foi um bonito passeio, então voltemos
― ele disse enquanto lhe dava as costas e começava a
avançar para o bosque.
Beatriz gritou desesperada e em seguida levou as mãos
à cintura para tirar a faixa.
― É um pervertido ― ela pronunciou enquanto começava
a baixar as alças.
Duncan voltou a encolher os ombros, enquanto levava a
mão à espada e sorria. Ficou observando-a baixar o vestido
até que ele caiu pelos pés. A fina camisa que usava debaixo
era um pouco transparente e sua cintura e seus quadris
eram vislumbrados sob a suave seda.
Ele se sentou sobre uma rocha, sem perder o contato
visual com ela e Beatriz foi para o lago lhe dando as costas.
― Não vai tirar a camisa? ― ele perguntou enquanto ela
começava a introduzir-se no lago.
― Não ― gritou energicamente, notando a água cálida
em seus joelhos.
Duncan estalou a língua e sorriu, enquanto jogava o
olhar para trás, controlando o bosque. Beatriz era uma garota
realmente inteligente, muito… e fazia perguntas que não
eram as típicas de uma mulher de bons costumes.
Realmente, ele adorava ver aquela energia, entretanto, o
descontrolava às vezes.
Certificou-se que ninguém se aproximasse e voltou a
olhar para frente, onde ela mergulhou no lago
completamente. A viu sair enquanto seu cabelo estava preso
a seu rosto. Era realmente linda e ela sabia que isso, nessa
ilha, era um problema. Embora a maioria das mulheres dali
usasse pouca roupa e consentissem que um homem lhes
fizesse tudo que quisesse por um punhado de moedas, sabia
que aquilo não deteria um homem que a observasse e
quisesse o mesmo Beatriz.
Estava claro que muitos estavam ansiosos para se meter
sob sua saia embora ela se negasse. Teria deixado-a sozinha
para que aproveitasse o banho tranquila, entretanto ele não
podia se arriscar a que um homem se aproximasse. Conhecia
muito bem a mente e os pensamentos de um homem ao ver
uma mulher como aquela.
Observou Beatriz passar a mão pelo cabelo e depois
começar a nadar pelo lago.
― Não se distraia muito ― ele gritou ao ver que ela ficava
na posição de boiar. Embora ela não tenha respondido, ele
escutou seu grunhido, o que fez despertar outro sorriso em
seu rosto.
― Se tiver pressa pode ir ― ela gritou finalmente.
Duncan ficou em pé e foi até a borda, observando-a.
Beatriz ficou de pé, a água lhe chegava por cima de seu peito.
Ele entraria no lago? Duncan a observava intensamente até
que voltou a desviar o olhar para as árvores.
― Não é conveniente que um homem a veja em um lago,
quase nua e indefesa.
Ela suspirou entendendo a que ele se referia. Tudo bem,
se ele queria ficar ali como medida de proteção lhe parecia
muito bem, mas o que ele não podia lhe impedir é que
desfrutasse tranquilamente do banho.
― De acordo, levarei em conta. Mas penso aproveitar o
banho durante mais um momento.
Ele voltou a olhá-la com o rosto mais sério.
― Já se banhou, vamos ― ele disse lhe assinalando a
areia.
Ela o desafiou com o olhar.
― Não.
― Beatriz… ― ele pronunciou como se estivesse
esgotando a paciência. ―Se tiver que entrar para tirá-la daí
arrastada, eu lhe asseguro que…
― O quê? Aqui não há mastros para que possa me
amarrar, nem traz uma corda.
― Só preciso do meu cinturão ― ele pronunciou com um
sorriso fingido.
Ela o olhou fixamente, mas ao contrário do que Duncan
esperava tomou ar com força e afundou nas cristalinas
águas.
Duncan soprou e esperou alguns segundos.
― Beatriz! ― gritou dando um passo, colocando seu pé
na água.
Ela saiu à superfície e passou a mão pelo rosto tirando a
água dos olhos e afastando o cabelo.
― Já vou, já vou! ― ela gritou com impaciência enquanto
começava a dar passos com dificuldade até a borda.
Assim que a água lhe chegou pela cintura esteve
consciente de que toda a camisa ficou grudada a seu corpo e
sua carne aparecia.
Olhou à frente vendo que Duncan ainda permanecia
com os pés metidos na água, esperando-a.
― Vire-se ―ela gritou.
Ele pareceu se desesperar, mas ao menos deu meia
volta e foi para a pedra onde se sentou.
Ela tropeçou algumas vezes tentando sair do lago. A
camisa grudava em suas pernas e lhe custava avançar.
Voltou a tropeçar e esteve a ponto de cair, mas finalmente
sentiu que a água lhe chegava por debaixo dos joelhos e foi
mais fácil sair do lago, ergueu o olhar.
Duncan se dirigia para ela com determinação e o passo
acelerado, seu vestido na mão. Voltou a passar mãos por seu
rosto afastando as gotas de água até que Duncan se deteve a
um metro.
― Toma, coloque-o. ―Ele ordenou jogando o vestido pelo
ar.
Beatriz o agarrou a tempo e suspirou.
O colocaria em cima da camisa molhada e quando
chegasse à hospedaria o colocaria para secar e depois se
vestiria com outro vestido. Ao menos a hospedaria estava
relativamente perto e com aquele calor que fazia, duvidava
que antes de chegar sua camisa continuasse molhada.
Cobriu o peito com o vestido enquanto acabava de sair
do lago. Duncan parecia se debater entre ajudá-la ou não,
contudo, finalmente não o fez, tampouco fez falta sua ajuda.
Passava os braços pelo vestido quando sem aviso prévio
Duncan colocou sua espada em posição de alerta e ficou
diante dela. Beatriz esteve a ponto de cair, mas a mão de
Duncan a fez recuperar o equilíbrio.
― O que acontece? ― ela perguntou assustada acabando
de colocar o vestido.
Duncan olhou de um lado para outro. Beatriz fez o
mesmo até que detectou o som de vozes dirigindo-se para
eles. Poucos segundos depois três homens saíam do meio da
mata, conversando e rindo entre eles.
Todos ficaram surpresos por se encontrarem ali. Beatriz
observou de canto àqueles homens, ou o pouco que podia ver,
pois, as costas de Duncan impediam praticamente toda visão.
― Capitão McCartney ― disse um deles surpreso ao vê-lo
ali. ―Não sabíamos que se encontrava aqui. ―Em seguida
lançou seu olhar às costas dele e observou o rosto assustado
de Beatriz. O sorriso daquele homem se intensificou.
Duncan suspirou e no instante guardou sua espada no
cinturão. Aquele gesto tranquilizou bastante a Beatriz. Ele
pegou sua mão e começou a puxá-la para as árvores.
― A senhorita estava com vontade de tomar um banho ―
explicou puxando-a.
O homem sorriu para os dois e assentiu.
― Por certo, esta noite ficamos depois do leilão. Eu
gostaria de lhe convidar para uma taça se quiser. Queremos
falar de alguns assuntos.
― Claro Barry ― ele pronunciou sem olhá-lo, passando
ao lado dele e puxando Beatriz.
― Então até depois.
Duncan não soltou seu braço, porém Beatriz, assim que
se afastaram daqueles homens, tentou desfazer-se de sua
mão. Lutou um pouco e finalmente se soltou afastando-se
alguns passos dele.
― Então venderá os escravos esta noite ― ela acusou-o.
Duncan a olhou aborrecido.
― Já lhe disse que não penso em falar com você sobre
isso. ― Tentou lhe agarrar a mão, novamente, mas ela a
esquivou, o que fez que Duncan se zangasse um pouco mais.
― E do que vai falar com aqueles piratas? Vai atacar
mais navios?
― Isso não lhe diz respeito.
― Navios espanhóis? ― ela gritou com todas as suas
forças.
Duncan deu um passo rápido para ela e a segurou pelo
braço. Olharam-se fixamente durante alguns segundos.
Duncan possuía os olhos mais azuis que já vira e, nesse
momento, brilhavam com força, como se a tensão daquela
conversação pudesse criar alguns brilhos de luz em sua íris.
Mas o gesto que a fez ficar, totalmente, quieta. Duncan a
observou intensamente e durante alguns segundos conseguiu
detectar como ele olhava para seus lábios. Aquele gesto a
intimidou no princípio, todavia também não conseguia evitar
pousar seu olhar nos grossos lábios de Duncan e sentiu como
algo em seu peito disparava. Seu coração.
Duncan olhou de novo para seus olhos cor mel.
Realmente era um homem bonito, atraente, inclusive quando
nenhum sorriso estampava seu rosto.
Deu um passo para trás e, para surpresa dela, Duncan
a soltou como se ele também tivesse experimentado algo que
o deixara em estado de choque.
Os gritos e as risadas provenientes do lago os distraíram
e viraram para trás durante alguns segundos.
Beatriz tentou controlar sua respiração. Aquela situação
a deixara sem ação. Desde que o vira pela primeira vez em
sua chegada, depois de sobreviver ao naufrágio, havia
pensado que ele era um homem atraente, mas não podia
negar a si mesma, que à medida que foram passando os dias
e estava em sua companhia, seus traços masculinos se
faziam cada vez mais visíveis e presente para ela.
― Precisamos voltar. ― sussurrou Duncan sem se
mover.
Beatriz se virou de novo e o observou. Assentiu, sem
olhá-lo, tentando cobrir o rubor que aparecera em suas
bochechas.
Tentou pensar com clareza e esquecer aquilo. Se
Duncan partisse naquela noite teria o caminho livre. Além do
que se efetuaria a venda, depois disso Duncan conversaria
com aqueles piratas. Poderia contar com um bom tempo para
tentar escapar. Era essa noite ou nunca, mas primeiro
precisava pegar um bom tesouro que lhe permitisse comprar
a ajuda de um navio.
― De acordo. ― Ela passou por seu lado e caminhou a
passo ligeiro para a hospedaria, sem lançar um olhar para
trás.
16

Já eram nove da noite porque o leilão começara fazia


poucos minutos. Beatriz voltou a aparecer pela janela. Notou
a presença de Duncan, que a observava de baixo, perto do
tablado, de braços cruzados e com um olhar interrogativo.
Ela voltou a lhe lançar um olhar cheio de ódio e fechou a
janela. Duncan deve ter interpretado como uma amostra de
desaprovação porque antes de fechar a janela conseguiu
observar como ele suspirava e lançava o olhar para o chão.
Bem, obviamente também fosse de desprezo. Ele
venderia os escravos, venderia Enam, embora sendo realista,
ela não podia fazer nada. Não, o que precisava era que ele
não a visse.
Correu para o baú e o abriu. Desde que ele partiu fazia
pouco mais de uma hora, pegou o tecido com o qual ele
cobria a cama e fez um saco. Colocou tecidos, vestidos,
inclusive algumas joias que consistiam em colares de pedras
e algumas armas que acreditava que teriam um grande valor.
Fazia um bom tesouro e duvidava que não fosse bem
suculento para algum daqueles piratas. O problema agora era
escapar dali.
Pela última olhada que deu pela janela viu praticamente
todos os homens da tripulação ali junto de Duncan, com
garrafas de rum na mão, como se estivessem celebrando o
que aconteceria. Com a venda de tudo o que saquearam do
navio francês, conseguiriam uma boa soma de dinheiro,
embora ninguém lhe assegurasse que nenhum membro da
tripulação ainda continuasse pela hospedaria ou, inclusive,
que a estivessem vigiando. Aquela manhã Jerry tivera essa
missão, porém agora, todos eles estavam em frente à
hospedaria e a única porta de saída era visível a todo mundo.
Quando chegara ali, enquanto subia ao quarto, ela
observou tudo tentando não levantar suspeitas. Tal e como
imaginara, havia somente uma porta de entrada e saída, mas
notara que no primeiro andar, ao final do corredor que dava
para vários quartos, havia uma janela que dava à parte
traseira. Poderia saltar dali. A queda não era muito alta e se
considerava uma garota ágil.
Abriu a porta com cuidado enquanto arrastava o saco. A
verdade é que pesava mais do que ela imaginara. Jogou-o as
suas costas e voltou a observar. Perfeito, não havia ninguém
a vista.
Saiu do quarto fechando a porta com cuidado,
aumentando seu passo e dirigindo-se rapidamente para a
escada. Parecia que o leilão mantinha todos os inquilinos da
hospedaria entretidos.
Começou a correr pela escada quando escutou as vozes
de alguns homens que vinham do segundo andar.
Jogou o saco ao chão e se apoiou na parede escutando
atentamente. Os homens estavam bastante embriagados por
causa das taças de rum e cantarolavam alegres.
Revirou os olhos, grandes bebedeiras marcavam esse
século. Os batimentos de seu coração se acalmaram quando
escutou que as portas do que deviam ser seus quartos, se
fechavam.
Respirou fundo, armou-se de coragem e reposicionou o
saco nas costas. Sabia que aquilo era uma loucura, mas era a
única maneira que possuía para tentar escapar do contrário,
jamais poderia retornar à sua época.
Correu escada abaixo até o primeiro andar e ia virar
para o corredor onde vira a janela, quando se encontrou de
frente com um homem. O homem cheirava a álcool e sentiu
revolver o estômago diante de sua proximidade.
― Olá bonita... ― ele disse com a boca pastosa.
O homem não devia passar dos quarenta anos de idade,
usava um cabelo castanho, comprido e gordurento, sua barba
devia ser de pelo menos, uma semana e era muito alto e
corpulento.
Beatriz depositou o saco dissimuladamente sobre o chão
colocando-o atrás dela. O indivíduo estava tão embriagado
que lhe custava manter-se em pé e precisou apoiar uma mão
na parede para continuar em pé.
― Olá ― ela pronunciou com um grande sorriso. Colocou
as mãos em sua cintura. ―Procura companhia? ― perguntou
em um sussurro meloso.
O homem a olhou sorriu e deu um passo para ela,
estendendo sua mão, mas Beatriz se distanciou com um
gesto gracioso.
― Espere ― disse colocando uma mão em seu peito.
―Devo levar isto à chefa ― disse com um sorriso. ―Mas se
quiser posso ir vê-lo depois. Em que quarto está?
― No vinte ― disse o homem depois de refletir um
momento.
Ela piscou os olhos e fez outro gesto gracioso.
― Agora vá para lá, vá se preparando ― ela cantarolou.
O homem assentiu euforicamente e saiu, disparado,
para a escada, quase escorregando, mas deve ter tropeçado,
porque caiu de bruços no primeiro degrau. Virou-se para ela
um pouco consternado, mas ela fez um movimento com a
mão.
― Subo em seguida ― e disse. ―Espero que esteja
preparado, eu não gosto de esperar.
O homem voltou a assentir entusiasmado e subiu as
escadas caindo várias vezes.
Beatriz esperou sorrindo até vê-lo desaparecer. Revirou
os olhos e soprou.
Agarrou a trouxa e a arrastou pelo chão até a janela,
com grande rapidez.
Ao menos a janela podia ser aberta. Quando conseguiu,
seus cabelos voaram para trás.
Com isso conseguiu ver que não era muito alto. Olhou
para os lados, não parecia ter ninguém, embora nas esquinas
se notasse a claridade que vinha da praça da frente da
hospedaria, e de onde vinham as risadas e os gritos. Soube
que o leilão começara porque conseguiu escutar como os
homens ofertavam preços.
Lançou a trouxa pela janela e em seguida se sentou no
marco. Olhou para trás assegurando-se de que não havia
ninguém, puxou ar e pulou.
Caiu com uma perna sobre a terra e outra sobre o saco.
A aterrissagem não foi suave e notou como a dor das costelas
que diminuíra durante as últimas horas, aumentava.
Gemeu algumas vezes colocando a mão nas costelas e
ficou em pé. Não podia perder tempo. Ao menos não quebrara
nada. Lançou um olhar fugaz à janela por onde saltou,
assegurando-se de que ninguém a tivesse visto e agarrou a
trouxa pondo-se a correr entre as árvores.
Adeus piratas britânicos. Adeus capitão Duncan
McCartney.
Correu mais de uma hora entre as árvores. Conhecia o
caminho que devia tomar para chegar à costa, era o mesmo
que usaram quando chegaram em Nassau, mas não se
atrevia a tomar o mesmo caminho, assim, decidira pegar um
atalho. Sentiu-se perdida, não conhecia a área. Mesmo que
estivesse vivendo dois meses, em sua época, naquela ilha,
tudo era muito diferente, onde havia estradas agora era
somente mata.
Finalmente chegou à praia. Suspirou e atirou o saco
sobre a areia. Olhou de um lado para outro. A luz da lua se
refletia no mar, as estrelas enchiam todo o céu.
Ao final da praia conseguiu divisar uma fogueira, ao
redor da qual identificou a silhueta de vários homens. Bem,
chegara o momento de ir com tudo.
Abriu a trouxa, um momento, e guardou uma pequena
adaga no cinturão do vestido branco que colocara. Lançou a
trouxa sobre as costas e caminhou lentamente, tentando
esconder-se entre as árvores.
Durante alguns segundos a imagem de Duncan invadiu
seus pensamentos. Seguramente ficaria furioso quando não a
visse no quarto. Já teria se dado conta? Com sorte o leilão
ainda não teria acabado, e depois ainda precisava ficar com
os outros piratas, assim, ela ainda dispunha de um pouco de
tempo.
Ela se escondeu atrás de uma árvore e observou os oito
homens que estavam ali. Falavam em inglês. Suspirou e se
manteve calada durante alguns segundos. O tema de
conversação era claro, falavam sobre as possíveis rotas a
percorrer e as próximas ilhas a visitar. Surpreendeu-se
quando um dos homens assinalou um navio ancorado a
poucos metros dele, falando da rapidez com a que sulcava o
mar e quão rápido chegariam de uma ilha a outra.
Estupendo, ao menos sabia que possuíam um navio.
Tocou de novo a adaga assegurando-se de que não a perdera
e voltou a segurar a trouxa. Bem, começava o espetáculo.
Avançou para eles e, justamente quando a luz da
fogueira a iluminou, alguns homens se levantaram
apontando-a com espadas e algumas escopetas.
Ela não demonstrou se assustar, depositou a trouxa
sobre a areia e colocou as mãos em sua cintura em uma
posição calma.
― Senhores, não é necessário que me apontem as
armas, não venho armada ― disse com um sorriso.
Os homens baixaram suas armas lentamente, olhando a
seu redor e comprovando se havia mais alguém.
― Fiquem tranquilos ― ela continuou. ―Vi a fogueira e
decidi me aproximar. ― Os homens a olhavam surpresos.
―Não pude evitar escutar sua conversação. Aquele navio é de
vocês? ― Assinalou em direção ao mar.
Um dos homens, de cabelo castanho curto e barba
espessa, deu um passo para ela enquanto olhava de esguelha
para o resto de seus companheiros.
― Quem pergunta?
― Meu nome é Beatriz. ― Depois cruzou de braços. ― E
então? ― perguntou com impaciência.
― É de nosso capitão ― continuou dizendo o homem.
―Por que quer saber?
― Onde está seu capitão? ― perguntou ela olhando de
um lado para outro. ― Quero lhe oferecer um acordo.
Outro dos homens se aproximou dela com um sorriso.
― Que trato?
Ela se arrepiou ao ver que se aproximavam, mas
igualmente tentou manter-se tranquila, o melhor que podia
fazer era demonstrar confiança em si mesma.
― Estou interessada em que me levem a outra ilha. ―
Depois assinalou a trouxa. ―Tenho algumas coisas que
poderia trocar por uma passagem.
Um dos homens se aproximou da trouxa e a agarrou.
― Ora ― protestou ela ao ver que começavam a abri-la.
― O conteúdo é para vocês, mas somente se aceitarem me
levar.
O homem da barba, que parecia o porta-voz do grupo,
aproximou-se de seu companheiro enquanto abria a trouxa.
Abriu-o e tocou os tecidos, as armas e os colares.
― De onde os tirou? ― perguntou ficando novamente em
pé.
― Isso não é de sua conta ― ela disse diretamente.
―Bem, onde poderia falar com seu capitão?
Os homens se olharam entre eles e finalmente o homem
da barba assentiu.
― Encontra-se no navio. ― Ela olhou para o enorme
navio, mas o homem deu mais alguns passos mais para ela.
―As peças que leva são de muito valor. De onde as tirou? ―
ele perguntou desta vez com um tom de voz mais
contundente.
― Já lhe disse que isso não é assunto seu. Além disso,
se tiverem valor suponho que seu capitão as quererá. ―
Depois endireitou as costas. ―Quero falar com ele.
O homem sorriu e depois olhou para seus companheiros
enquanto voltava a encolher os ombros.
― De acordo, senhorita. ― Ele se virou para um de seus
companheiros. ― Prepare o bote, voltaremos para navio.
Em menos de cinco minutos quatro desses homens a
acompanhavam no bote, remando com força. Beatriz levava a
enorme trouxa sobre seus joelhos, agarrada a ele, olhando
um pouco assustada, como se afastavam da costa.
Enquanto dois daqueles homens remavam, os outros
dois a observavam com um ligeiro sorriso em seus lábios. Não
soube como interpretar aquilo. Possivelmente não deveria ter
fugido.
Observou a costa durante os minutos que lhe restaram
até chegar ao navio. Assim que se aproximaram, atiraram
uma escada.
O porta-voz agarrou a trouxa e estendeu uma mão para
ela, em atitude cortês.
― Vamos, ajudo-a ― ele pronunciou amavelmente.
Beatriz pegou a mão que a ajudava a subir. Quando
chegaram ao convés vários homens a ajudaram e atrás dela,
subiu o homem com a trouxa, que soltou imediatamente
sobre convés. Beatriz a agarrou enquanto estudava todos os
homens, com olhadas furtivas.
Um dos homens se colocou a seu lado e indicou que o
acompanhasse com um movimento de sua cabeça.
― Por favor, por aqui. ― Beatriz voltou a colocar a trouxa
sobre suas costas. ― Precisa de ajuda? ―ele perguntou
tentando agarrar a trouxa.
― Não ― disse ela distanciando-se. ―Eu consigo.
― Está bem.
O navio era similar ao de Duncan, embora parecesse
muito mais novo. Introduziram-se por um corredor bastante
escuro, iluminado somente por alguns lampiões, até que eles
chegaram a uma das portas.
O homem golpeou várias vezes até que uma voz rouca
chegou do interior.
― Capitão, venho acompanhado de uma mulher que
solicita falar com você.
Não passaram mais de dez segundos antes que a porta
se abrisse bruscamente. O homem era muito alto. Possuía o
cabelo curto e negro, com algumas entradas aparecendo pela
lateral. Seus olhos pareciam cinza, ao menos era o que intuía
com a pouca luz que irradiava dos lampiões, além de uma
cicatriz, que cruzava sua bochecha direita.
O homem a olhou e depois observou a seu companheiro.
― O que é tudo isto?
― A moça quer fazer um acordo ― ele pronunciou com
um sorriso. ―Acredito que pode ser de seu interesse. ― Desta
vez o tom que empregou foi tão lúgubre que fez com que
sentisse arrepios na nuca.
O capitão e o companheiro se olharam durante alguns
segundos e finalmente abriu a porta lhe permitindo a
passagem com um movimento de seu rosto.
― Sou o capitão O’Donell. No que posso servi-la?
O amigo do capitão também entrou no camarote
fechando a porta atrás de si, gesto que não agradou a Beatriz.
Ela supunha que devia falar a sós com o capitão.
― Verá, quero lhe propor um acordo. Quero sair desta
ilha. Quero comprar uma passagem neste navio. ― Depois
assinalou a trouxa. ―Tudo o que levo na trouxa será para
você, se me levar neste navio.
O capitão sorriu, divertido, para seu amigo e foi para a
trouxa. Abriu-o e observou os tecidos, vestidos, colares e
armas.
O capitão começou a rir enquanto tocava o suave tecido
dos vestidos.
― E do que poderia me servir esta roupa e estes colares?
― ele perguntou cruzando os braços para ela.
Beatriz se remexeu inquieta.
― Pode vendê-los, tirará uma grande soma de dinheiro.
São de origem francesa, de qualidade.
O capitão voltou a olhar de canto de olho para seu
companheiro, mas, no instante, Beatriz se deu conta de que
se equivocou, justamente quando o amigo do capitão se
colocou diante da porta impedindo assim sua fuga.
― Se não lhe interessar eu partirei ― ela pronunciou
com voz um pouco trêmula.
― Eu não disse isso ― disse o capitão rapidamente,
depois cruzou os braços apoiando-se em uma escrivaninha. ―
Por que quer sair desta ilha?
Ela voltou a remexer-se inquieta.
― Quero iniciar uma nova vida.
― Estou vendo. ― Ele pronunciou. Deu alguns passos
para ela aproximando-se, o que fez com que Beatriz
começasse a retroceder. ― É espanhola?
Beatriz engoliu a saliva.
― De origem sim, mas vivi quase sempre em Newcastle,
desde que fiz dez anos ― ela mentiu.
― Em Newcastle? ― ele perguntou surpreso. Ela
assentiu o que fez com que ele voltasse a sorrir. ―E está
sozinha aqui?
Durante alguns segundos hesitou aquilo não lhe
cheirava bem. Possivelmente deveria dizer que viajava com o
capitão McCartney.
― Está sozinha? ― ele voltou a perguntar com
impaciência.
Beatriz deu alguns passos para trás.
― Não, viajei com uma tripulação inglesa até aqui, mas
não quero seguir com eles.
O capitão olhou de esguelha para os tecidos, os
vestidos…
― Isto pertencia a essa tripulação?
Merda pensou.
― Sim.
― E roubou?
Ela deu alguns passos para trás, se chocando contra
uma das paredes. Aquilo estava se complicando.
― Roubou? ― ele perguntou desta vez com um grito.
― Sim! ― ela admitiu. ―Quero partir daqui e faria o que
fosse preciso! ― acabou gritando também.
O capitão O’Donell sorriu e se aproximou dela em
atitude intimidante. Colocou um braço de cada lado dela,
retendo-a contra a parede.
― Com que tripulação viajava? ― ele perguntou olhando-
a fixamente nos olhos.
Ela apertou os lábios e afastou o olhar dele, mas o
capitão segurou seu rosto com força, apertando sua bochecha
e a fez olhá-lo.
― Com que tripulação? ― voltou a gritar.
― Com a do capitão Duncan McCartney ― ela sussurrou
enquanto começava a tremer.
O’Donell soltou seu rosto e se distanciou dela olhando-a
de cima abaixo, depois se virou para seu companheiro.
― Havia escutado que ele estava na ilha.
― Estão fazendo um leilão no povoado ― confirmou seu
amigo.
Depois olhou muito sorridente para Beatriz.
― Também escutei que havia atacado um navio francês.
― Depois ele olhou para tudo o que ela havia trazido. ― E que
capturara uma espanhola.
Ela começou a tremer quando ele voltou a virar-se para
ela.
― Diga-me, é sua prisioneira? ― Beatriz sentiu seu
coração acelerar. ―Você escapou?
― Eu… ele não estava interessado em mim, ia a…
― Ora ― ele lhe cortou enquanto voltava a se aproximar
observando-a fixamente. ―Permita que eu mude isso, duvido
que não esteja interessado em ti. ― Olhou de esguelha para
seu amigo com um sorriso. ― Muito bem, pode nos deixar.
O companheiro abandonou o camarote deixando-os,
totalmente, sozinhos, mas longe de se sentir mais tranquila,
aumentou sua ansiedade.
― É uma mulher muito bonita ― pronunciou rodeando-a
com os braços. ― Estou certo de que o capitão McCartney
está desejando recuperá-la.
― Eu… ― Ela tremeu ao mesmo tempo em que seus
olhos se umedeciam. ―Eu somente quero sair daqui, por
favor…
― Não, não vai a nenhum lugar. Estou certo de que o
capitão daria uma boa soma de dinheiro para lhe recuperar.
Ela segurou a respiração. Ficou imediatamente
consciente. Aquilo não ia sair bem, nesse momento, era
prisioneira de outro pirata que, longe de ajudá-la, não se
daria o trabalho de tratá-la muito bem.
― O que vai fazer comigo?
― Suponho que o capitão McCartney ficará encantado
em recuperá-la.
Ela negou com sua cabeça.
― Não, ele não…
Em seguida ele esbofeteou seu rosto fazendo-a cair ao
chão. O’Donell se ajoelhou a seu lado, enquanto ela se
endireitava levando a mão à bochecha.
― Verá, não penso em ser cúmplice da fuga de um de
seus prisioneiros, é melhor não enfrentá-lo. Mas já que está
aqui, possivelmente aproveite a situação e consiga um pouco
de dinheiro.
― Ele não pagará nada por mim ― gemeu.
― Não? ― Agarrou-a pelo pescoço e apertou. Beatriz
levou as mãos até as dele, enquanto gemia. ―Para seu bem,
esperemos que ele esteja suficientemente interessado para
pagar seu resgate, do contrário, não me servirá de nada.
Soltou-a justamente quando um disparo proveio do
convés.
O’Donell ficou em pé, imediatamente, e agarrou sua
arma. Beatriz ia ficar em pé quando recebeu um golpe em seu
peito empurrando-a para trás, golpeando-se contra a parede
e caindo de novo.
Apontou-a sem contemplações com a arma.
― Nem lhe ocorra se mover daqui.
Automaticamente, saiu para o convés com a escopeta
em uma mão e a espada na outra.
Todos os seus homens apontavam para o centro do
convés. Duncan McCartney, acompanhado de mais quatro
homens, elevava uma mão com a pistola para um de seus
homens e com a espada apontava para o outro lado.
― Capitão Duncan McCartney ― O’Donell sorriu
malicioso. ― Quanto tempo.
Duncan o olhou fixamente e apontou sua pistola para
ele dando alguns passos rápidos.
― Onde está a mulher? ― perguntou com tanta
agressividade que O’Donell deu um passo para trás.
Duncan remou com força. Depois de ver Beatriz fechar a
janela com tanto desprezo se sentira mal. A verdade é que ela
o atraía, aquela mulher o estava enlouquecendo, sobretudo
depois de ver como ela baixara seus olhos para seus lábios,
igual ele fizera.
Depois de meia hora ele subira ao quarto só para ver,
surpreso, que ela não estava. A primeira coisa que fez foi se
assustar. Percorreu a hospedaria de cima abaixo, mas depois
de ver que seu baú fora roubado enfureceu. Havia somente
uma explicação. Ela escapara e levou com ela tudo o que
conseguiu. Ela o roubara!
Um dos homens do hotel, muito alcoolizado, assegurava
ter visto a mulher que ele descrevia, no primeiro andar.
Rugiu quando viu a janela do fundo do corredor foi aberta.
Era uma mulher esperta, inteligente e não era difícil
adivinhar o que ela pensara.
Para escapar da ilha ela necessitaria de um navio. Não
possuía dinheiro, assim, a única coisa que ela podia oferecer
era o que havia no baú.
Maldita fosse. Avisou parte de sua tripulação e saíram
em sua busca. Tampouco fazia muito que havia escapado,
assim não seria difícil encontrá-la.
Dirigiram-se diretamente à praia mais próxima e tiveram
sorte de encontrar um grupo de homens. Surpreendeu-lhes
escutar sobre o que falavam. Pelo visto haviam levado ao
navio a uma mulher. Não podia ser outra que não, Beatriz.
Foram reticentes a dar essa informação, mas finalmente
e depois de alguns quantos golpes e ameaças, eles falaram.
Duncan, Jerry e mais três homens subiram em um dos
botes e se dirigiram para o navio. O resto dos homens ficou
em terra, se passasse meia hora sem que tivessem sinais,
eles se dirigiriam para o navio.
Quando descobriu que ela finalmente estava no navio se
tranquilizou, mas quando lhe disseram que o navio pertencia
ao capitão Ou´Donell ficou mal. Beatriz não poderia ter
escolhido um homem pior para tentar fugir. Sabia a fama que
aquele indivíduo possuía e ele experimentara em sua própria
carne. Um pirata inglês que não hesitaria em massacrar os
próprios navios de sua pátria, e às populações que lhe
fizessem frente.
Nesse momento, enquanto remava para o navio teve
consciência do que Beatriz realmente significava para ele.
Conhecera muitas mulheres, mas nenhuma como ela.
Nenhuma mulher conseguira completá-lo tanto, fazê-lo se
sentir daquela forma. Sentia medo por sua segurança, à
única coisa que precisava naquele momento, era voltar a tê-la
a seu lado, e por Deus que o faria. Embora tivesse que
afundar esse mesmo navio para o qual se dirigiam e acabar
com a vida de todos aqueles marinheiros, voltaria a ter a
Beatriz junto dele.
Os homens do navio não pareceram se alertar quando
eles chegaram, certamente esperavam que os homens da
praia que restavam para chegar se dirigissem ao casco de
navio. A escuridão os ajudava a passar mais despercebidos, e
a que não os reconhecessem, assim, quando chegaram ao
navio lhes estenderam a escada tranquilamente.
Duncan foi o primeiro a subir, mas, ao chegar ao convés
golpeou com um chute um marinheiro e arrancou suas
armas, enquanto o resto de seus companheiros chegava atrás
dele.
Pouco depois os olhos de toda aquela tripulação
pousaram sobre eles. Foram pegar as armas, mas os cinco
começaram a aponta para todos fazendo com que se
mantivessem quietos.
Aquele que permanecia no chão teve a intenção de se
levantar, mas Duncan se dirigiu para ele e voltou a golpeá-lo,
enquanto apontava com a arma.
Olhou de um lado para outro procurando Beatriz, não
havia nem rastro dela.
Nesse momento escutou um disparo. Jerry disparara
perto de um dos homens que tentava alcançar uma arma,
fazendo saltar a madeira do corrimão, do navio.
― Não vamos atacá-los, somente viemos buscar uma
coisa ― pronunciou para o homem que permanecia no chão e
que elevava as mãos para ele a modo de rendição.
Alguns passos o alertaram voltando o olhar para a porta
que havia no convés.
― Capitão Duncan McCartney ― sorriu com malícia, o
capitão O’Donell. ― Quanto tempo.
Duncan o olhou fixamente e apontou sua pistola para
ele dando alguns passos rápidos.
― Onde está a mulher?
O’Donell se aproximou.
― A mulher está bem ― disse sorridente, embora aquele
sorriso distasse muito de ser de alegria. ― Por enquanto… ―
continuou. Aquela palavra fez com que o olhar de Duncan se
enfurecesse. ―Foi ela quem veio a mim. Fugiu
voluntariamente ― ele pronunciou colocando as mãos para os
lados.
― A devolva para mim! ― ele exigiu.
O’Donell estalou a língua e sorriu abertamente, olhando
de esguelha para seus homens. Depois olhou para seu mais
fiel companheiro e com um movimento de cabeça, indicou
que fosse para sua cabine.
― Traga-a. ― ele sussurrou. Posteriormente, enquanto o
homem cumpria suas ordens, voltou toda sua atenção para
Duncan e seus homens. Todos permaneciam com as armas
ao alto, dispostos a disparar ao mínimo movimento. ―Baixem
as armas ― ele disse com tom seco. ―Aqui somos mais de
trinta homens e vocês são somente cinco. Não se dão conta
de que não podem fazer nada para nos enfrentar?
Duncan deu outro passo para ele, sem baixar a arma.
― Quer provar? ― O desafiou.
O’Donell cruzou os braços.
― Ora, deve estar muito interessado nela para se
arriscar a vir aqui. Ou isso, ou está louco.
― Possivelmente um pouco de ambos. ― pronunciou
Duncan com um sorriso.
O’Donell sorriu mais efusivamente, mas se virou quando
escutou os gemidos de Beatriz. Era arrastada de mau jeito
pelo convés, enquanto lutava tentando desfazer-se do braço
que a puxava. O marinheiro a conduziu até seu capitão e
atirou-a para ele, que a agarrou pela cintura.
Beatriz não sabia o que acontecia, até que olhou para
frente. Duncan estava ali. Ficou totalmente surpresa e sentiu
que seus olhos começavam a embaçar, enquanto tentava
desfazer-se das mãos que a seguravam.
― Duncan, sinto muito ― ela gemeu. ― Eu não queria
que…
― Cale-se! ― gritou O’Donell, agressivo, apertando mais
sua cintura. Colocou-a diante dele e com sua espada em sua
garganta.
Duncan deu alguns passos para ele, mas ficou quieto ao
ver que começava a apertar a lâmina de metal na garganta de
Beatriz.
― Solte-a! ― ele gritou.
― Oras… ― Ou´Donell sorriu, enquanto aproximava seu
nariz do cabelo de Beatriz. Inalou seu aroma e sorriu para
ele, que o olhava cada vez mais enfurecido. ―Sim, não me
equivocava, está realmente interessado nela.
― Toque-a e é um homem, morto.
― Tranquilo, tranquilo… ― ele pronunciou enquanto
elevava sua mão até o seio dela. ―É realmente linda, não é
verdade? ― perguntou-lhe enquanto a tocava e passeava seus
lábios por seu pescoço.
Beatriz se remexeu, enquanto as lágrimas banhavam
seu rosto, embora ao notar a lâmina afiada em sua garganta,
obrigou-se a ficar quieta.
― Vamos fazer um trato ― pronunciou O’Donell
separando os lábios dela. ―Eu tenho algo que você quer e
você tem algo que pode me interessar. ― Duncan o olhou
fixamente. ―Quero parte do tesouro. Veja, sua formosa
jovenzinha me trouxe uma amostra do que você roubou do
navio francês e estou interessado nas armas. Façamos um
trato: as armas para mim e a mulher para você.
Duncan apertou os lábios e olhou Beatriz durante
alguns segundos. Pouco a pouco foi baixando a arma,
enquanto olhava de esguelha para seus companheiros e para
o resto dos marinheiros do navio.
Suspirou e conectou o olhar com ele.
― De acordo.
Beatriz abriu os olhos de forma desmesurada, e
coincidiu seu olhar durante alguns segundos, com os olhos
azuis dele. Seu olhar expressava raiva, mas também revelava
medo por ela, preocupação. Rompeu a chorar desconsolada
sem conseguir se controlar. Duncan fora procurá-la apesar
de ter roubado seu tesouro. Entregaria o seu tesouro para
salvá-la. Que equivocada estivera com ele. Depois de ver a
crueldade dos homens daquela época, se dava conta da sorte
que tivera ao topar com o Duncan, o capitão Duncan
McCartney.
Duncan estendeu a mão para ele e olhou Beatriz por um
segundo.
― A entreguem e trarei as armas.
O’Donell deu alguns passos para trás, distanciando-se
dele enquanto ria sem baixar a arma da garganta.
― Nem pensar. Eu coloco as condições.
― E quais são? ― perguntou com asco.
― Ficamos ao amanhecer na praia. Carrega todas as
armas em um dos botes e, quando meus homens confirmem
que nesse bote estão as armas francesas, eu a devolverei. ―
Duncan rugiu e deu alguns passos para ele realmente
encolerizado, mas, O’Donell voltou a apertar a espada contra
a garganta de Beatriz, que gemeu e fez com que ele se
detivesse.
― Ao amanhecer. ― pronunciou O’Donell com um
sorriso. ―E será melhor que não se atrase, porque durante
todo este tempo penso em me divertir com ela. Se se atrasar
eu partirei e, acredite em mim, você não gostaria de saber o
tratamento que eu penso em lhe dar.
Beatriz chorou ainda mais. Que estúpida fora ao pensar
que poderia escapar dele.
Duncan a observou fixamente, com certa dor, e
finalmente assentiu para O’Donell.
― Ao amanhecer ― assinalou. ― Mas caso ela tenha um
só arranhão eu juro que o perseguirei, seja onde for e
acabarei com você.
O’Donell voltou a rir e a aproximar seus lábios do ouvido
dela.
― E isso por que você pensava que ele não estava
interessado em você, não é? ― ele brincou.
Duncan endireitou suas costas, coincidindo o olhar com
o dela. Beatriz chorava sem consolo. Uma vontade,
irrefreável, de protegê-la o invadiu. Fora um tolo, pensando
que aquilo não podia acontecer, era o mais lógico. Não
deveria tê-la deixado sozinha nem um só minuto.
― São só algumas horas. ― ele pronunciou guardando
sua espada e sua arma em seu cinturão. Depois a olhou
diretamente. ―Fique tranquila, eu voltarei ― pronunciou com
ternura.
Beatriz se deu conta de que seu coração ameaçava sair
de seu peito. Já não era somente o fato de que tivesse ido
procurá-la, e sim o olhar que ele lhe dedicava, um olhar que
manifestava medo, preocupação… e aquelas últimas
palavras, tentaram tranquilizá-la, que não se preocupasse
que ele voltaria para buscá-la.
Duncan se virou e desceu as escadas para o bote
apressado, lançando um último olhar para ela. Precisava se
apressar o quanto pudesse, sabia que cada minuto que
Beatriz estivesse na companhia daquele desalmado, seria um
sofrimento.
Começaram a remar para a borda, com esforço,
inclusive com desespero. Sim, daria as armas, mas aquilo
não ficaria assim, ninguém o ameaçava e menos, ainda, o
ameaçavam machucando ou tirando a vida de Beatriz.
― Jerry ― ele disse enquanto remava com força. ―Diga à
tripulação que prepare o navio.
Jerry sorriu para ele. Sabia o que ele propunha. Aquele
capitão era um inconsciente ameaçando-o, colocando uma
faca no pescoço de Beatriz… e esses atos teriam suas
consequências.
17

Beatriz voltou a gemer enquanto era empurrada contra


a parede. Desde que Duncan abandonara a embarcação a
levaram para o camarote do capitão.
Durante as primeiras horas não lhe deram muita
atenção, e ela limitou-se a permanecer sentada contra a
parede, amarrada pelas mãos e tremendo de medo. Depois
começaram a incomodá-la.
O’Donell se ajoelhou diante ela, e passou uma mão por
uma mecha de cabelo castanho, tocando-o, levou-o até seu
nariz e o cheirou, enquanto um sorriso invadia seu rosto. Ela
fez um gesto brusco para tentar afastar-se, mas o homem a
agarrou pelo pescoço, sufocando-a.
― Tomara que seu capitão traga as armas que pedimos
― sussurrou para ela. ―Porque se não, eu penso em me
divertir com você.
O companheiro do capitão, que também se encontrava
no camarote, aproximou-se com um sorriso malicioso, às
costas de seu capitão.
Finalmente O’Donell a soltou deixando que ela voltasse
a respirar com desespero, mas igualmente não se afastou
dela.
― McCartney deve estar muito interessado na moça ―
pronunciou às suas costas.
O capitão se virou um segundo e depois voltou seu rosto
para ela sorridente.
― E quem não estaria? ― Levou a mão para o vestido e o
subiu à altura do joelho. ―É toda suave.
Beatriz o olhou fixamente e golpeou sua mão, nem louca
deixaria que a violassem, mas O’Donell ergueu a mão e
esbofeteou com força sua bochecha fazendo com que caísse
para um lado.
― Quieta. ― disse com voz relaxada enquanto Beatriz
começava a chorar e levava as mãos à sua bochecha, notando
o sabor do sangue em sua boca. Aqueles homens eram
desalmados. Ficou quieta enquanto tentava se concentrar em
outros pensamentos. Quando era pequena e corria para o
parque com seu irmão, nas festas de Natal que passara com
seus pais, e depois se viu surpreendida pela imagem de
Duncan, quando sorria, quando a atendeu porque ela se
encontrava mal, quando a acompanhara ao lago para que se
banhasse e se colocou diante ela, com a espada na mão, para
protegê-la, quando ele olhara seus lábios… Se deu conta do
engano que cometera. Em que pese que fosse um pirata e
embora tivesse muitas brigas com ele, Duncan jamais lhe
batera, e mais, fora atencioso com ela. Nesse momento se deu
conta de que o único pensamento que a acalmava não era o
de seus pais, nem o de seu irmão, nem sequer o de Bastian, a
única coisa que conseguia acalmá-la era aquele último olhar
de Duncan, quando ele dissera que voltaria por ela. Somente
esperava que não fosse uma mentira, que não fosse uma
estratégia e que realmente voltasse a procurá-la. Chorou
mais forte ao se dar conta de como a mão de O’Donell voltava
a subir lentamente por sua panturrilha. Desta vez decidiu
ficar quieta, sabia que continuariam golpeando-a se se
movesse.
― Possivelmente deveria ter pedido algo mais por você ―
pronunciou O’Donell passando uma mão por sua bochecha e
afastando algumas mechas de cabelo de seu rosto. ―É
realmente deliciosa. ― Passou uma mão por sua bochecha e
desceu por seu pescoço até chegar a seu seio. Beatriz fechou
os olhos com força, tentando proteger-se. ― Mas sabemos que
tampouco é bom abusar. Na verdade, menina, você fez com
que minha estadia em Nassau tenha valido a pena.
Esteve a ponto de replicar, mas ficou calada e saltou de
susto, quando a porta do camarote se abriu de repente.
― Capitão, está amanhecendo. Há homens na praia. ―
O’Donell sorriu e se voltou para ela.
― Parece que McCartney veio buscá-la.
Em seguida a agarrou pelo cabelo enquanto ela gritava,
colocando-a em pé. Assegurou-se de que estivesse bem
amarrada e puxou-a para o convés.
Sim, estava amanhecendo, uma faixa laranja era vista
no horizonte. As cores do dia começavam a reviver, depois de
uma noite escura.
Com muita dificuldade podia divisar as silhuetas na
praia, mas O’Donell pegou a luneta que um de seus
marinheiros lhe oferecia e observou através dela.
Deviam estar na praia, porque o capitão olhou para um
dos marinheiros e assentiu.
― Baixe o bote. ― ele ordenou.
Beatriz não parava de tremer. Jamais passara tanto
medo quanto naquela noite. Nada se comparava com aquilo.
Agarrou-a pelo braço e a ajudou a descer as escadas.
Em menos de cinco minutos ela, o capitão O’Donell e mais
quatro homens remavam para a praia. Não foram sozinhos,
pois mais quatro botes desceram cada um com cinco homens
a bordo.
Seus cabelos foram movimentados pela brisa marinha,
enquanto as ondas faziam com que a embarcação se movesse
com um pouco de brutalidade, então o viu. Ao final, no
horizonte, via umas nuvens negras, inclusive lhe pareceu ver
um raio caindo em direção ao mar. Uma tormenta. Ante
aquela imagem, seus olhos se umedeceram e o coração
disparou. Seria possível? A tormenta estava muito longe, mas
podia observar suas nuvens negras com clareza, assim como
o véu provocado pela chuva.
A tormenta que ela estava procurando. Precisava chegar
até lá para voltar para seu lar.
Voltou o olhar para a praia onde conseguiu observar
como Duncan esperava, acompanhado de mais cinco
homens. O coração lhe pulsou ainda mais descontrolado. Ele
estava lá, fora procurá-la. Sabia que depois de seu
desaparecimento ele a buscaria, totalmente, enfurecido, mas
não esperava aquela reação de sua parte.
O’Donell deu um salto do bote e ajudou os marinheiros
a arrastar a barco para a borda. No mesmo momento,
apontaram com suas armas para Duncan e para os quatro
homens, a vários metros de distância.
O olhar de Duncan pousou na de Beatriz. Estava com
um olhar duro. Observou-o durante alguns segundos, vendo
como suas mechas de cabelo loiro se moviam para os lados
pelo ar que aquela tormenta longínqua trazia.
O’Donell a pegou pelo braço e a arrastou para fora do
bote de mau jeito, ante o atento olhar de Duncan, que
permanecia totalmente imóvel na praia.
Voltou a segurá-la pela cintura e a colocou em frente a
ele, com a espada na mão.
― Trouxe o que eu pedi?
Duncan assinalou, com um ligeiro movimento de
cabeça, para um bote que havia ao lado de seus homens.
― Aí está.
O’Donell fez um gesto a um de seus companheiros para
que se aproximasse do bote para investigar.
Beatriz olhou diretamente para Duncan, ele voltara a
observá-la. Seu olhar era realmente duro. Certamente voltaria
a amarrá-la ao mastro, até pode ser que lhe batesse com o
cinturão, mas, naquele momento, não se importava, sabia
que seria muito pior permanecer sob o mando do capitão
O’Donell.
― Há armas, capitão ― ele informou. ―E são de muito
boa qualidade.
O’Donell olhou para Duncan.
― Como sei que estão todas ali? ― ele pronunciou
ameaçador.
― Estão.
O’Donell o estudou durante alguns segundos e
finalmente sorriu. Contemplou o perfil da moça e se
aproximou de novo dela, passando seus lábios por seu
pescoço e sua orelha, observando de canto de olho como
Duncan tencionava seus músculos.
― Foi uma noite inesquecível, não é verdade, preciosa? ―
pronunciou com tom lascivo. Automaticamente a virou para
ele segurando-a pela nuca e estampou seus lábios contra os
dela. Beatriz começou a golpear seu peito tentando fugir
daqueles lábios ásperos que a empurravam, sem delicadeza
alguma.
Afastou-se dela e lhe dedicou um sorriso, embora o
apagasse quando observou que Duncan se aproximou alguns
metros empunhando sua pistola para ele.
― Cumpri minha parte do trato. Agora, devolva-me ela,
ele ordenou.
O’Donell lhe sorriu e finalmente assentiu.
― Um prazer tê-la para mim nesta noite ― sorriu para
ela. Em seguida olhou em direção a um de seus marinheiros.
―Agarrem o barco com as armas e levem para o casco do
navio. ― Depois retirou a espada da frente de Beatriz e a
empurrou levemente, para que começasse a caminhar na
direção de Duncan e do resto de sua tripulação.
O bote que prepararam com as armas começou a se
afastar sobre as ondas, tal e como havia ordenado o capitão
O’Donell, mas Duncan não observava nessa direção. Seu
olhar estava cravado em Beatriz, que caminhava os metros
que os separavam, sobre a areia, com as mãos amarradas
com uma corda e virando-se, de vez em quando, para trás,
observando o capitão inimigo, realmente assustada.
Ele viu em que algumas lágrimas sulcavam suas
bochechas enquanto se aproximava. Deu alguns passos para
ela e pegou-a pela cintura rodeando-a com um braço,
apertando-a contra ele durante alguns segundos. Somente
nesse momento Beatriz respirou tranquila, era estranho como
mudava a percepção das coisas, dependendo das
circunstâncias. Nesse momento, entre os braços de Duncan,
sentiu-se protegida.
― Você está bem? ― ele perguntou sem olhá-la,
simplesmente apertando-a contra seu peito e olhando para
O’Donell, que avançava tranquilamente, com um sorriso,
para o bote que os trouxera até a praia.
Beatriz não conseguiu responder, somente um gemido
saiu de seus lábios enquanto dava rédea solta a todo o
nervosismo que acumulara naquela noite. Finalmente, ela
assentiu.
Duncan a observou durante alguns segundos, seu gesto
era preocupado, mas algo chamou a atenção de Beatriz. Ao
mesmo instante, Duncan olhou para os lados, para seus
companheiros e lhes fez um leve sinal. Posteriormente voltou
a olhar para Beatriz.
― Corra para as árvores ― ele sussurrou soltando-a,
embora a puxou pelo braço e insistiu com um movimento,
para que começasse a correr.
― O quê? ― ela perguntou assustada.
― Corra! ― ele disse desta vez com um rugido.
Nesse momento ela compreendeu todos os seus homens
extraíram as espadas e as pistolas, apontando para o bote
que O’Donell empurrava para a borda junto com seus
marinheiros.
Sim, estava claro que seria melhor correr.
― O’Donell! ― gritou Duncan dando alguns passos para
ele de forma agressiva. O capitão elevou seu olhar e ficou,
totalmente, petrificado.
― Fizemos um trato! ― gritou ele, ficando consciente do
que Duncan pretendia.
― Comigo não se fazem entendimentos. Já deveria
saber, ele devolveu o grito. ― E muito menos ameaçam. ― Em
seguida ela disparou sua arma para o capitão, que caiu um
segundo depois, sobre a areia, levando a mão a seu ombro
enquanto o sangue começava a cobrir suas roupas.
Beatriz gritou ao ver o que acontecia. A única coisa que
recebeu foi o olhar ameaçador de Duncan, que voltou a
indicar para que corresse para as árvores. Desta vez sim, ela
fez, mais, ainda, quando viu aparecer o navio de Duncan por
trás das montanhas, da ilha de Nassau. Eles prepararam
uma emboscada.
Os marinheiros de O’Donell tiveram consciência, nesse
momento, de que estavam em um beco, sem saída, sobretudo
quando de entre as árvores, parte da tripulação de Duncan,
saiu correndo para eles.
Beatriz continuou correndo para as árvores, enquanto
de canto de olho, viu que começava uma batalha, na areia e,
por outro lado, o navio de Duncan parecia estar tomando
ângulo frente ao do capitão O’Donell. E não intuiu mal,
porque poucos segundos depois os canhões do navio de
Duncan dispararam e presenciou como alguns dos homens
que permaneciam no convés saltavam pela amurada, quando
as explosões fizeram com que partes daquele navio voassem
pelos ares.
O enfrentamento corpo a corpo começou com
agressividade sobre a areia. Ao menos vinte membros da
tripulação de Duncan permaneceram escondidos atrás das
árvores, esperando o sinal de seu capitão.
Observou o chocar das espadas, umas contra outras,
mas seu olhar voou diretamente para Duncan. Lutava contra
vários marinheiros, abrindo-se caminho até o capitão
O’Donell, que se arrastava sobre a areia tentando alcançar
sua espada.
Chegou até ele e golpeou seu braço fazendo com que ele
se virasse para olhá-lo.
Beatriz se apoiou contra uma árvore tampando a boca,
tentando não gritar.
Duncan se abaixou a seu lado e olhou para seu navio,
que não deixava de bombardear o do capitão O’Donell. Este
virou seu rosto para trás e observou o que ocorria.
― Pensava que isto não aconteceria? ― sussurrou-lhe
Duncan com agressividade. ― E que sairia tranquilo, depois
do que fez? ― O’Donell começou a se arrastar para trás.
Duncan o observou durante alguns segundos e ficou de pé,
empunhando a espada. ― Jamais alguém tocou em algo que é
meu sem ter consequências, já deveria saber ― pronunciou
enquanto avançava para ele.
― Por favor… ― gemeu O’Donell.
Em um determinado momento se abaixou o suficiente,
para agarrá-lo pela gola da camisa e deixá-lo de joelhos,
depois, colocou sua espada na garganta dele, enquanto o
olhava fixamente e O’Donell gemia. Cortaria sua carne,
quando escutou o grito de Beatriz ao longe. Virou-se o
suficiente para vê-la gritar assustada para ele, das árvores.
Voltou seu rosto para O’Donell, que continuava
suplicando piedade. Suspirou e o soltou jogando-o sobre a
areia.
― Aproxime-se dela ou de mim e lhe juro que é um
homem morto. Se fosse por mim já teria cortado seu pescoço.
Deve a vida a ela, está claro.
O’Donell assentiu assustado, enquanto continuava se
arrastando pela areia, fugindo dele. Virou-se para seus
homens. A maioria dos marinheiros inimigos se encontravam
estendidos na areia, gritando ou lutando para respirar. O
navio de O’Donell praticamente fora destruído.
― Partamo-nos ― ele ordenou enquanto voltava a lançar
uma última olhada ao capitão, vários metros, afastado de
todos eles. Jerry e mais alguns homens recuperaram o barco
com as armas. Esperava que aquilo lhes servisse de lição.
Jamais teriam a ousadia de voltar a ameaçá-lo.
Continuou avançando pela praia, caminhando sobre a
areia e observando os corpos gravemente feridos. Não queria
vítimas mortais, queria que todos estivessem conscientes
para que jamais tentassem brincar com ele, ou acabariam
mortos.
Lançou o olhar para as árvores procurando Beatriz, mas
não a encontrou. Onde ela se metera?
― Maldita mulher. ― sussurrou enquanto começava a
correr naquela direção.
Beatriz presenciou como Duncan agarrava O’Donell pelo
pescoço e apertava sua espada. Iria degolá-lo? Ali mesmo?
Embora odiasse aquele capitão não queria que o matassem.
Aquilo havia sido culpa dela, se não tivesse escapado isso não
teria acontecido, e pensar que ele cortaria seu pescoço ali
mesmo, sem pensar duas vezes, lhe arrepiou a pele.
Gritou o mais forte que pôde, assustada ao intuir que
em seguida veria a espada de Duncan manchada com o
sangue de O’Donell, e este agonizaria enquanto sangrava na
areia.
Gritou rasgando a garganta, com todas suas forças. Viu
que Duncan olhava para ela, observando-a, embora no
mesmo momento voltasse a olhar para O’Donell.
Não conseguia vê-lo, não podia ver como, apesar do que
aquele capitão lhe fizera, Duncan tirava a vida de um homem.
Deu as costas à praia e se apoiou contra uma palmeira.
Notou a angústia crescer em seu interior, como a
respiração lhe entrecortava como começava a sufocar
enquanto os gritos de dor e o som do metal contra o metal ao
se chocar inundavam a praia. Durante alguns segundos
sentiu que enlouqueceria ante tanta crueldade. A culpa se
apoderou dela. Ela foi a causadora. Embora fosse verdade
que queria escapar, não queria que fosse às custas da vida de
outros homens, mesmo que fossem desprezíveis.
Não suportava aquilo.
Começou a correr, desesperada, internando-se no
bosque enquanto a dor e a angústia brotavam por seus olhos,
em forma de lágrimas.
Jamais havia sentido algo assim, um remorso tão
grande que desejasse ser ela quem estivesse naquela praia.
Precisava afastar-se daquilo, precisava voltar para sua época
e esquecer aquele episódio de sua vida.
Afastou os ramos das árvores, saltou sobre arbustos
sem olhar para trás, sem querer saber o que acontecera
naquela praia, sem contar às vidas que se teriam apagado
depois de sua fuga.
Correu como jamais fez, fugindo da dor, até que parou
observando o horizonte. Entre as árvores viu aparecer uma
pequena baía de areia branca e, ao longe, aquela enorme
tormenta, cada vez mais próxima.
Precisava chegar, precisava voltar para sua época,
seguir adiante com sua vida.
Voltou a correr em direção à praia e saltou sobre a areia
branca. Deteve-se a tempo para vislumbrar um raio que caía
sobre o mar. Sim, estava quase certa de que devia ser a área
onde tivera o acidente, entre Nassau e os Recifes.
Estava longe, mas se considerava boa nadadora.
Possivelmente levasse algumas horas para chegar até a
tormenta, mas se não fizesse, ficaria presa nesse tempo para
sempre. Ela não pertencia a esse século, aquele não era seu
tempo, nem seu lugar.
Avançou lentamente para a borda, observando como as
ondas aumentavam seu tamanho pela corrente de ar, que
cada vez, era mais forte.
Uma dúvida a assaltou. E se conseguisse chegar até a
tormenta e não acontecesse nada? Ou pior ainda, e se
chegasse, mas fizesse outro salto no tempo?
Chorou desesperada contemplando à distância as
explosões de luz produzidas pelos raios, que faziam com que
tivesse que praticamente fechar os olhos.
Não podia se entregar, não podia ficar ali… precisava
voltar a abraçar sua mãe, seu pai, seu irmão, ao professor
Davis, a todos os entes queridos e amigos aos quais amava e
que, nesse momento, estavam tão longe. Gemeu desesperada.
Não havia outra saída, aquela era a única esperança que
possuía de afastar-se de toda aquela dor, daquele sofrimento.
Deu alguns passos colocando os pés na água, notando o
calor do mar, e inspirou com força. Aquela era a única
maneira de escaparo e se não se lançasse agora duvidava que
tivesse outra oportunidade.
Reuniu todo a coragem possível e com determinação
começou a entrar no mar, com um único objetivo, chegar até
a tormenta, mas um grito atrás dela a fez virar-se assustada.
― Beatriz! ― gritou Duncan saindo dentre as árvores,
correndo para a areia.
Ela se virou justamente quando a água lhe chegava
pelos joelhos.
― Não! ― ele gritou. Automaticamente olhou para a
tormenta e tentou mergulhar na água para nadar para lá.
Sabia que Duncan era um perito nadador e que acabaria
agarrando-a, mas era sua única oportunidade de retornar
para seus entes queridos.
― Espere! Beatriz! ― gritou Duncan enquanto corria
sobre a areia e entrava no mar, saltando sobre as ondas.
Ela gritou enquanto tentava acelerar seu passo.
― Não! Deixe-me! ― ela gritou desesperada sem deixar
de olhar a tormenta, enquanto as lágrimas brotavam de seus
olhos e caíam por suas bochechas.
― O que está fazendo? Volte aqui! ― ele gritou,
aproximando-se, impulsionando-se tão forte quanto podia,
com as pernas sobre o fundo do mar e ajudando com os
braços. ― Volte!
― Nãoooooo! ― Ela tentou nadar tão vigorosamente
como foi possível, mas logo notou como o braço de Duncan a
rodeava pela cintura e a elevava. ―Nãooooo! Solte-me! ― ela
gritou esperneando. ― Por favor ― ela gemeu enquanto
observava a tormenta. ―Preciso voltar ― ela chorou abatida.
― Preciso voltar!
Duncan começou a arrastá-la para a borda enquanto ela
continuava gritando, chorando, esperneando, dizendo
palavras que não faziam sentido para ele.
Mas justamente quando chegou à borda, Beatriz perdeu
o equilíbrio e caiu sobre a areia. Duncan caiu a seu lado de
joelhos, mas, mesmo assim, conseguiu segurá-la com um
braço, contra seu peito. A reação de Beatriz não se fez
esperar e começou a golpeá-lo.
― Eu não deveria estar aqui! ― ela gritou enquanto
chorava. ―Eu não deveria!
Duncan segurou suas mãos tentando evitar os golpes,
em silêncio. Até que a pegou pelos ombros e a sacudiu,
levemente.
― Acalme-se! ― ele gritou mais preocupado do que
furioso, pois Beatriz parecia estar desesperada para entrar no
mar.
Ela o olhou fixamente enquanto uma lágrima
escorregava por sua bochecha.
― Eu não deveria estar aqui! ― ela voltou a dizer,
enquanto chorava desesperada, e nesse momento amoleceu,
sentando-se sobre seus tornozelos. ―Eu somente quero voltar
para meu lar, para minha mãe, meu pai… ― pronunciou
entre soluços.
Duncan arqueou uma sobrancelha para ela. Não
compreendia nada do que ela dizia, porque ela lhe dissera
que sua família havia morrido. Contemplou-a fixamente, tão
pequena, desesperada, inocente e assustada, que sua fúria se
transformou em preocupação. Jamais a viu daquele modo.
Era realmente desespero e tristeza o que ela transmitia, uma
tristeza tão profunda que o fez se acalmar.
Apertou-a diretamente contra seu peito, enquanto as
ondas os cobriam até a cintura. Beatriz apoiou o rosto em
seu ombro chorando desesperada.
Duncan acariciou seu cabelo tentando tranquilizá-la,
acalmá-la, pois todo seu corpo tremia.
― Fique tranquila. ― ele sussurrou tentando reconfortá-
la. Ela se afastou levemente dele, observando-o durante
alguns segundos e afastou o olhar para o chão. Duncan
percorreu seu rosto. ―Seja o que for asseguro que tem
solução. ― ele sussurrou de forma terna enquanto continuava
com suas mãos sobre seus ombros. ―Agora está a salvo, não
permitirei que lhe façam mal.
Ela o contemplou enquanto tentava controlar uma onda
e nesse momento se deu conta de algo. Se voltasse para sua
época sentiria falta dele. Seu coração ficaria dividido em dois.
Duncan voltou a abraçá-la e ela, praticamente, se
deixou cair sobre ele, abatida, enquanto as ondas
continuavam envolvendo-os. Não esperava aquela reação por
parte dele, nem sequer teria imaginado. Permaneceu quieta
entre seus braços, sentindo-se realmente protegida, pela
primeira vez desde que chegara ali, tentando se acalmar,
enquanto observava a tormenta ao longe.
Duncan não disse nada, simplesmente se limitou a
abraçá-la tentando que se acalmasse.
18

Decidiram abandonar a ilha e se dirigir ao navio.


Duncan a acompanhou, a deitou na cama e partiu. Precisava
descansar.
Não pronunciaram nada em relação ao acontecido, nem
ela nem Duncan.
Beatriz entrara em um profundo sono durante longas
horas. O nervosismo com o que acontecera nas últimas
horas, a falta de sono… causaram estrago nela. Pelo menos
Duncan se deu conta disso e a deixara descansar.
Ele aproveitara para solucionar tudo o que não
conseguira fazer naquela noite e, uma vez que acabou, voltou
para navio. Não demoraram mais de uma hora para partir,
rumo às treze colônias.
Apareceu várias vezes em seu camarote para assegurar-
se de que Beatriz continuava ali. Durante todo o dia quase
não mudou de posição. Ele se aproximou algumas vezes para
ver como ela dormia de forma tranquila.
Ficou observando-a vários minutos, consciente dos
sentimentos que foram despertando pouco a pouco em seu
interior.
Tê-la entre seus braços enquanto chorava desconsolada
lhe tocou o coração. Tudo o que ela havia dito: “Eu não devia
estar aqui”, “somente quero voltar para minha família, minha
mãe, meu pai….»
Ela escondia algo.
Passou toda à tarde no convés até que o sol saiu.
Quando se decidiu a ir para seu camarote se
surpreendeu quando não a encontrou sobre a cama. Beatriz
se levantara e olhava através de uma janela o sol, que já se
escondia no horizonte.
Duncan fechou a porta, cuidadosamente, como se não
quisesse assustá-la e se aproximou dela, lentamente.
Beatriz observava o pôr-do-sol com olhos frágeis.
― Está bem? ― Ela o olhou de esguelha e confirmou.
Duncan passou a mão pelo cabelo e se apoiou contra a
parede, a seu lado, cruzando os braços. ― O que você fez foi
uma estupidez ― ele disse bastante tranquilo. Ela apertou os
lábios. ―Se eu não a encontrasse, certamente eles a teriam
matado… ou algo pior.
Ela suspirou e se afastou da janela, aproximando-se da
cama onde se sentou. Duncan a observava fixamente.
― Acaso a tratei tão mal para que fuja? ― ele perguntou
magoado.
Ela voltara a ficar quieta e aquilo o incomodou.
Aproximou-se e se ajoelhou em frente a ela, levou uma mão
até sua bochecha e a acariciou.
― Fizeram-lhe mal?
Ela não pronunciou nenhuma palavra, simplesmente
negou com a cabeça. Duncan começou a se impacientar.
― Fale Beatriz.
Ela suspirou e o olhou de novo, com certo acanhamento.
― Sinto muito o que fiz ― ela gemeu. ―Mas é que… Sinto
muito seriamente… Eu não queria…
― Shhhh… ― ela a interrompeu. Estalou a língua e
sorriu de forma terna. ―Não vou negar que fiquei furioso o
bastante quando não a encontrei no quarto, mas depois de
saber que estava com O’Donell temi por você. Aquele homem
é uma besta.
Ela o olhou surpresa.
― É? ― Duncan arqueou uma sobrancelha. ― Continua
vivo?
― Sim. Mas se voltar a se aproximar eu o matarei ― ele
pronunciou com contundência.
Beatriz secou uma lágrima e suspirou.
― Sinto os problemas que eu causei. Eu não queria que
isto acabasse assim.
― Ora, você somente queria escapar… ― pronunciou
com voz seca. ― Por que tenta fugir de mim?
Ela ficou surpresa pela pergunta.
― Você é inglês e eu espanhola.
― E? ― Beatriz se remexeu inquieta. ―Eu vejo somente
uma garota que precisa que a protejam ― ele pronunciou,
enquanto voltava a acariciar sua bochecha. ―Não vou negar
que estou zangado, mas… não quero que fuja mais de mim.
Não vou machucá-la Beatriz.
Ela voltou a gemer.
― E o que vai fazer? ― ela sussurrou. ― Vai me levar às
colônias?
― Estará a salvo lá.
Ela afastou o olhar dele e se levantou fugindo de seu
contato.
― Não quero ir para lá ― ela voltou a chorar. ― Quero
ficar aqui…
― Aqui? ―ele perguntou ainda ajoelhado. ― Este não é
um lugar seguro para você, será que não vê o perigo que
corre nestas águas?
― Não tem que se preocupar tanto comigo ― ela falou,
um pouco tensa ao observar que ele se levantava.
Duncan a olhou de cima abaixo e afirmou.
― Você disse que não possuía família, mas na praia
disse que queria voltar para sua mãe, seu pai… ― Estudou-a
atentamente ― Seguem vivos?
Ela passou a mão pela testa, enquanto notava como seu
lábio começava a tremer.
Depois negou com a cabeça.
― Não, eles… ― ela sussurrou contendo as lágrimas,
depois elevou o olhar para ele. Durante alguns segundos se
debateu entre lhe contar a verdade ou não, em explicar tudo
o que acontecera, mas aquilo era muito estranho para que ele
acreditasse.
― Diga-me está escondendo isso.
― Nunca voltarei a vê-los ― ela gemeu, e em seguido se
virou cobrindo seu rosto. Duncan avançou rapidamente e
colocou suas mãos em seus ombros. ― Eu era uma garota
feliz, possuía tudo o que queria, amava o que fazia… possuía
minha família, meus amigos. Amava-os muito e agora… agora
eles já não estão ― ela gemeu. ―Eu perdi tudo. ― Afastou o
olhar dele. ―Estou totalmente sozinha.
Duncan tomou ar e voltou a passar uma mão por seu
cabelo.
― Não está ― ele pronunciou. ―Sei que às vezes fui um
pouco duro, mas volto a lhe dizer que jamais faria algo que
pudesse machucá-la.
Beatriz o observou. Duncan não elevara a voz, em
nenhum momento, nem sequer a exortava, nem estava
fazendo referência a sua fuga. Ela ficou aturdida durante
alguns segundos até que voltou a observar como ele descia o
olhar para seus lábios. O coração lhe acelerava de novo. E se
seu verdadeiro destino estivesse ali? Junto a ele…
A mão de Duncan acariciou seu cabelo, até que
finalmente baixou seus lábios, muito lentamente, para ela.
Desejara beijá-la desde que a viu naquela ilha, desde que se
jogara sobre ela, pela primeira vez, retendo-a, mantendo-a
prisioneira e, com o passar dos dias, deu-se conta do quanto
ela era importante. Para que se enganar mais? Sim, era
espanhola, mas jamais uma mulher o fizera enlouquecer
como ela fazia.
Passeou seus lábios com cuidado sobre os dela,
enquanto colocava as mãos em sua cintura, temeroso de que
ela se afastasse. Beatriz não se moveu, simplesmente ficou
quieta, como se não esperasse aquele beijo. A verdade é que
era muito prazeroso.
Afastou-se dela e a observou diretamente nos olhos. Ela
o observava surpresa, jamais teria pensado que ele chegaria a
beijá-la, e muito menos, daquela forma. A agressividade que
demonstrava ao mando daquele navio ficava anulada pela
ternura de suas carícias e seus beijos.
Duncan voltou a descer para ela com mais decisão desta
vez um pouco mais malicioso. Ele pensou que possivelmente
ela o golpeasse, ou enfrentasse, mas a única reação que vira
nela, fora a surpresa.
Abraçou-a com mais força, notando o sabor das
lágrimas em seus lábios. Era preciosa, e era dele. Não
permitiria que ninguém a arrebatasse.
Beatriz ficou maravilhada uma vez mais, pela suavidade
de seu beijo e, sem poder evitar, elevou seus braços rodeando
seus ombros. Duncan não demorou em responder àquele
gesto, abraçando-a com mais força.
Afastou os lábios dos seus e foi diretamente para seu
pescoço enquanto a agarrava pela cintura e a apoiava contra
a parede. Os dedos de Beatriz se entrelaçavam em seu cabelo,
consentindo aquele beijo, colaborando com ele.
Sim, aquilo era o que ele desejara desde o princípio, e
agora que ela não resistia, ele parecia encontrar-se em um
sonho.
Beijou seu pescoço, até sua clavícula, passeando sua
língua enquanto com suas mãos seguiam sua pequena
cintura. Escutou seu primeiro gemido e aquilo o alterou mais.
Voltou para seus lábios beijando-os com urgência, com uma
paixão desenfreada, que havia controlado desde que a levara
a seu navio, pela primeira vez.
Notou que as mãos dela desciam por seu peito e se
instalavam em sua cintura. Imediatamente, começou a baixar
uma de suas alças, sem deixar de beijá-la um segundo
somente, notando como seu coração pulsava com força e
como a necessidade ia invadindo seus corpos.
Esteve a ponto de rasgar seu vestido, mas se controlou e
tentou ficar calmo. Ela sofrera uma experiência ruim naquela
noite, parecia abatida até fazia alguns minutos. Não queria
assustá-la, não queria preocupá-la, a única coisa que queria
era amá-la como ela merecia.
Desabotoou e deixou que seu vestido caísse para baixo,
ficando somente com a camisa.
Beatriz começou a perder a prudência. As mãos de
Duncan, seus lábios… estavam fazendo-a esquecer de tudo
de ruim que lhe acontecera. Agora se encontrava em um
lugar prazeroso, um lugar onde não existiam os problemas,
nem a dor, nem as preocupações.
Para que negar-se mais? Por mais que repetisse que
esse não era seu lugar, que não era seu tempo, que aquele
homem que a abraçava era um pirata inglês, aquilo não podia
evitar que tivesse consciência dos sentimentos que
começavam a aflorar, por aquele homem, independentemente
de que seus impérios fossem inimigos, de que uma guerra
confrontasse seus países. Devia-lhe a vida e seu coração
pulsava com mais força nesse momento em resposta a cada
uma de suas carícias.
Aquele beijo fora uma simples confirmação que a fizera
abrir os olhos e ter consciência daquilo que sua mente sabia
já fazia dias. Ele a atraia gostava… e estava se apaixonando
por ele.
Deixou-se arrastar para a cama, enquanto Duncan se
desfazia de sua camisa folgada jogando-a sobre o chão e a
agarrava pela cintura para deitá-la.
Beatriz observou seu peito, o pouco pelo que se
acumulava sobre seus peitorais. Achara-o bonito e atraente
desde o princípio, desde a primeira vez que o vira, mas agora
que passeava suas mãos sobre sua pele nua, ela desejava
muito o homem mais bonito que já vira.
Duncan se deitou sobre ela, endireitando-se sobre um
braço. Se lhe houvessem dito que uma moça espanhola
irromperia em sua vida daquela forma, não teria acreditado.
Beijou-a desesperado enquanto, pela primeira vez,
acariciava sua coxa introduzindo sua mão por baixo de sua
camisa.
Era suave, esbelta e seu sabor o enlouquecia.
Subiu sua camisa, pouco a pouco, até que a passou por
seus braços deixando-a totalmente nua. De novo voltou a
beijá-la enquanto percorria com sua mão por todo seu corpo.
Ela não resistia, invadia-lhe a mesma necessidade que a
dele.
Passeou sua língua por cima de seu seio e no instante
se deu conta que ela se agarrava a seus cabelos, puxando-o,
pelo prazer que lhe dava. Sua respiração começou a ficar
agitada, os gemidos logo invadiram o camarote, enquanto as
ondas balançavam o navio.
Ela o tocava de uma forma suave, tímida, e aquilo o
excitava ainda mais.
Levou seus lábios até os dela, enquanto acabava de se
despir e se endireitou entre suas pernas.
Observou-a alguns segundos. Estava com os olhos
fechados, a boca entreaberta e sua respiração era profunda e
rápida.
Começou a introduzir-se nela, com cuidado, enquanto a
beijava, notando como suas mãos passeavam por suas costas
e o apertavam, impedindo que se afastasse dela. Tampouco
ele tinha intenção de fazê-lo.
Beijou-a durante alguns instantes permanecendo quieto
até que começou a balançar-se lentamente.
Suas respirações se compassaram e Beatriz começou a
gemer. Jamais tivera uma experiência tão excitante quanto
aquela. Podia perceber a brisa fresca entrando por sua janela,
sentir o corpo de Duncan tencionar-se ante cada suave
investida, seus músculos estenderem-se sob as palmas de
suas mãos e seus lábios dançarem brandamente sobre os
seus.
Aquilo era a coisa mais excitante que fizera.
Abriu os olhos enquanto os gemidos brotavam de seus
lábios e apreciou aqueles olhos azuis a poucos centímetros
sobre ela, observando-a com uma ternura que nunca
conhecera.
Duncan levou sua mão até seu cabelo e a acariciou, sem
deixar de se mover sobre ela.
― Minha pequena fera ― ele sussurrou com um sorriso,
sem afastar seu olhar de seus olhos.
Beatriz sorriu e voltou a fundir-se em um apaixonado
beijo, enquanto Duncan incrementava seu ritmo, levando-a a
lugares que não conhecera até então.
Remexeu-se entre os lençóis ainda adormecida. A luz do
amanhecer entrava pela janela do camarote. Havia tornado a
adormecer. Relaxou notando as carícias de Duncan em suas
costas e seus suaves beijos, até acabar totalmente relaxada,
caindo em um sonho prazeroso.
Jogou o braço para um lado buscando-o, mas não
encontrou ninguém. Virou seu rosto, Duncan não estava.
Endireitou-se devagar tampando-se com o lençol
quando encontrou com aqueles mágicos olhos azuis, que a
contemplavam a poucos metros. Ele se encontrava debruçado
sobre a mesa, de braços cruzados, olhando-a fixamente.
Quanto tempo estava ali? Remexeu-se e subiu o lençol
praticamente até seus olhos, o que despertou um sorriso em
seu rosto.
― Por que se esconde? ― ele perguntou divertido. Ela
encolheu os ombros, mas, igual, não desceu o lençol. Duncan
foi para a cama e se sentou a seu lado ante o atento olhar
dela. ― Acredito que temos uma conversa pendente.
Desta vez foi ela que arqueou uma sobrancelha para ele.
Ah, sim? Tinham uma conversação pendente? Olhou-o
intrigada, embora preferisse se manter calada. O silêncio de
Duncan a descontrolou um pouco, somente a observava,
então, finalmente se decidiu falar.
― Sobre o quê?
― Sobre sua fuga.
Beatriz endireitou as costas.
― Acredito que já falamos tudo, ontem.
Duncan inclinou seu rosto e sorriu.
― Não, ontem não falamos.
― Claro que sim ― ela protestou. ― Me disse que estava
zangado, ainda está.
Ele começou a rir.
― E ainda está? ― ele repetiu divertido.
― Sim, claro. Eu lhe disse que sentia muito… ― Depois
ela fez um gesto gracioso. ―Acredito que ontem ficou tudo
claro. ― Ele a obsequiou de novo com uma sobrancelha
arqueada. ― Ou não? ― ela perguntou temerosa. ― Já me
disse que não precisava fugir de ti. Não farei isso outra vez.
― É ― ele disse não muito seguro, como se sua resposta
não o convencesse.
Ela ficou tensa.
― Ouça, não pensa em usar o cinturão, não é? ― ela
perguntou assustada. Duncan estalou a língua. ―Ou me
amarrar ao mastro de novo, não é verdade? Porque lhe
asseguro que se fizer algo assim…
― Agora mesmo preferiria amarrá-la a minha cama ― ele
respondeu sinceramente. Ela soprou ante aquele comentário.
―Mas não é sobre isto que quero falar…
― Ah, não?
Duncan suspirou e olhou alguns segundos através da
janela. Finalmente, voltou seu rosto para ela.
― Por que tentou mergulhar no mar?
Ela o olhou surpresa.
― Mergulhar?
― Ontem, depois de que a trouxeram para a praia ― ele
pronunciou com o olhar intrigado. ―Quando voltou a
escapar, mesmo quando eu havia dito que me esperasse nas
árvores. ― Desta vez ele usou um tom de voz um pouco mais
seco. ―Eu a encontrei na praia se dirigindo para dentro do
mar.
Beatriz engoliu a saliva e afastou o olhar dele.
― Só queria fugir… ― ela sussurrou.
― Para o fundo do mar? ― ele perguntou surpreso.
―Mulher não sabe o que ronda por sua cabeça, mas
obviamente não era a direção mais adequada se queria
escapar com vida.
― Não queria voltar a ser uma prisioneira ― ela apontou
com voz mais grave. Duncan inspirou fundo e a observou de
soslaio, pensativo. Finalmente afirmou. ― Pensava que você
estaria zangado e…
― E estava ― ele disse rapidamente, depois a observou
com um pouco de acanhamento, o que a surpreendeu
bastante. ― Mas estava mais preocupado com você. ― Pegou
sua mão e beijou-a. ― Já não é minha prisioneira. De fato,
nunca se comportou como tal.
Ela o olhou um pouco mais relaxada e divertida.
― Então posso ir quando quiser? ―ela brincou.
Ele sorriu de forma malévola enquanto se levantava.
― Não. Tampouco eu disse isso ― continuou com um
sorriso, foi para o armário e tirou seu cinturão colocando-o.
Amarrou-o e colocou sua espada e sua escopeta nele. Fechou
o armário e se virou para ela. ―Sim, antes que eu me
esqueça. Acredito que lhe convém saber que onde estivesse
eu a encontraria. Será melhor que não tente a sua sorte ― ele
disse tocando levemente o cinturão.
Embora usasse um tom cortante Beatriz sorriu.
― Ora, claro. ― brincou ela levantando-se. Ela pegou a
camisa e a passou por seus braços. ―Sabe? Acredito que não
é tão temível como aparenta ser. Se não me golpeou o traseiro
depois de ontem, duvido que possa fazê-lo por algum outro
motivo.
Virou seu rosto ao não receber resposta. Duncan a
olhava com uma sobrancelha arqueada e um sorriso em seu
rosto. Suspirou e passou a mão pela barba de vários dias,
pensativo.
― Será melhor que não tente a sua sorte. Sou capaz de
muito mais coisas do que acredita.
Virou-se para a porta e começou a abri-la.
― Claro, capitão ― ela voltou a brincar.
Duncan endireitou as costas e revirou os olhos. Era a
primeira vez que o chamava de capitão tal e como ele lhe
pedira na ilha.
Balançou a cabeça, enquanto sorria divertido e saiu
para o corredor.
― Suba ao convés quando quiser.
Depois disso a deixou sozinha. Um sorriso surgiu em
seu rosto. Desde que chegara àquela época não sentira
vontade de sorrir, mas aquela última noite tinha sido incrível.
Notava umas cócegas em seu estômago, uma vitalidade
que fazia tempo que não sentia.
Ele acabava de partir e ela já estava com vontade de vê-
lo outra vez. Era como se aquelas últimas horas lhe tivessem
aberto os olhos, suas ameaças já não faziam sentido para ela,
sabia que ele brincava, era como se ao fazer amor com ele, a
fizesse compreender. E como não compreenderia? Não fora
nada agressivo, a agressividade era deixava para o campo de
batalha. Naquela cama a única coisa que encontrara fora
ternura, amor e paixão.
As lembranças dolorosas pareceram ficar de um lado e
uma ligeira esperança apareceu em seus pensamentos. A
lembrança de sua família, de seus entes queridos, de seu
passado… ainda doía… mas, era mais suportável. Uma
dúvida assaltou sua mente e, então, teve consciência. Devia
escolher, mas escolhesse o que escolhesse, sempre sairia
perdendo.
Tentou afastar aquele pensamento de sua mente.
Quando chegasse o momento decidiria, mas até então, não
queria pensar mais nisso. De toda a maneira, não viu uma
tormenta para a qual se dirigir, e se haviam tomado rumo às
colônias, deviam estar se afastando da zona das Bermudas.
Suspirou, tentando armar-se de coragem. Devia ser
forte. Abriu o baú e observou alguns vestidos. Pegou um de
cor creme e o vestiu, ao menos o corpete era fácil de colocar
já que tinha as cordas na frente.
Quando saiu do camarote o som das vozes invadiu tudo.
Os marinheiros corriam pelo convés, conversavam
animadamente e inclusive lhe pareceu escutar que alguns
cantarolavam alguma canção.
Era estranho, porém nesse momento aquele navio já não
lhe parecia tão desagradável, era como se pudesse encontrar
um sorriso em cada um daqueles marinheiros.
Dirigiu-se à cozinha onde comeu uma fatia de pão com
queijo e depois voltou a sair para o convés. Não sabia para
onde se dirigir, mas Duncan lhe indicou da popa, com um
movimento de mão, que se aproximasse.
Conversava animadamente com Jerry, lhe dando ordens
sobre o rumo que devia tomar. Manteve-se a distância até
que Jerry se afastou, não sem antes despedir-se dela, com
um ligeiro movimento da cabeça.
― Venha. ― chamou Duncan enquanto assinalava ao
timoneiro para que se apartasse.
Ela se apoiou sobre o leme e olhou para o convés. Todos
os seus homens estavam entretidos em algo.
― Então, capitão. ― Ela deu um sorriso fazendo
referência à última frase que ele havia dito. ― É o que me
ordenou. ― ela encolheu os ombros.
Duncan estalou a língua enquanto ficava firme e
agarrava aquela enorme roda que respondia pelo leme, com
as duas mãos.
― Acredito que prefiro que você não o faça. ― Ela
arqueou uma sobrancelha. ―Pode me chamar de Duncan.
― Ora, obrigada Duncan. ― ela ironizou.
Ele voltou a olhá-la, divertido.
― Sabe? Ainda penso que apesar da noite que
passamos, tem muita coragem para ser uma mulher. ― Ela
encolheu os ombros. ― Mas isso a faz única… ― Sorriu
posteriormente. Aquele comentário fez com que ela o olhasse
tímida. Era uma adulação? Duncan lhe fizera um galanteio?
Remexeu-se um pouco inquieta, sem saber como
responder àquilo.
― Quer tentar? ― perguntou com um sorriso.
― O quê? ― No instante apontou o leme como se fosse a
resposta mais óbvia. ―Levar o navio? ― ela perguntou
surpresa, inclusive assustada.
― Venha, provém de uma família de navegantes. Digo eu
que terá aprendido alguma coisa ― ele pronunciou com um
sorriso.
Ela engoliu a saliva e mordeu o lábio.
― Nunca conduzi um navio.
Ele a olhou de cima abaixo e pegou sua mão.
Aproximou-a dele e conduziu sua mão para o leme.
― É muito fácil. Além disso, não acredito que vá
provocar um acidente, nem sequer há terra firme à vista ― ele
brincou. Agarrou sua outra mão, com delicadeza e a colocou
sobre o leme, também. Com um movimento de sua mão livre
a agarrou pela cintura situando-a em frente ao leme e se
colocou às suas costas. ― Bem, pois siga este rumo durante
algumas horas, não o perca. Volto em um momento… ―Em
seguida ela gritou, fazendo com que ele começasse a rir. ― É
brincadeira. ― ele pronunciou aproximando-se de novo.
Contemplou-a e depois sorriu de forma terna.
― O que houve? ― ela perguntou ao notar que ele não
deixava de observá-la.
Duncan encolheu os ombros.
― Fique bem aí.
― Pensa em me usar como timoneiro?
Ele se aproximou até ficar a seu lado, com certa aura de
periculosidade e lhe brindou um sorriso malicioso.
― Não precisamente para isso. ― falou com um sorriso
desavergonhado.
Entraram no camarote a tropicões, enquanto ele a
agarrava pela cintura com um braço e ela se segurava em seu
pescoço. Mas o que estava fazendo? Sempre se considerara
uma garota formal, jamais estivera com alguém, que não
fosse seu namorado, mas ele… com ele era totalmente
diferente. Jamais conhecera um homem que com somente
um olhar, pudesse derretê-la.
Duncan fechou a porta com uma batida, sem se
importar que o resto da tripulação escutasse aquele golpe.
Agarrou-a pelas pernas elevando-a e fazendo com que
rodeasse sua cintura.
A estreitou contra a parede enquanto invadia o decote
dela.
Por Deus, se agora, cada vez que ele dissesse algo
malicioso fossem acabar assim, iriam mal, mas a verdade é
que ela gostava. Duncan parecia esforçar-se em lhe dar o
maior prazer possível, e ela obviamente, não rechaçaria esse
oferecimento tão cortês.
Beijaram-se com paixão, enquanto Duncan levantava
sua saia de forma desengonçada.
Enlouquecera? Ele era um pirata inglês, inimigo da
coroa espanhola nesse momento.
Notou como seus lábios viajavam por seu pescoço com
doçura e começou a caminhar para a cama segurando-a por
sua cintura.
E já não era somente isso, ela não era desse tempo!
Precisava voltar para sua época, não podia…
― Hmmmm… ― gemeu quando ele a deitou sobre a
cama e caiu sobre ela beijando-a com paixão.
Aquilo era muito prazeroso.
Duncan se ajeitou sobre ela e a observou enquanto
passava sua mão por sua bochecha.
Possuía um olhar especial. Beatriz ficou contemplando-o
absorta, estaria apaixonada por ele? Não, não, não… não
podia fazer isso.
Voltou a beijá-la enquanto desabotoava a camisa e a
tirava. Sem pensar um segundo mais, levantou todo o vestido
dela, ajeitando-se entre suas pernas.
Sim, estava realmente ansioso, mas apesar de que seus
movimentos fossem rápidos e acelerados havia um matiz de
devoção em cada carícia que lhe professava.
Beijou-a enquanto se fundiam, enquanto ela se agarrava
com força a seus ombros e ele começava a balançar-se sobre
ela.
Já não havia volta atrás, estava apaixonada por ele e
aquilo poderia ser uma verdadeira dor de cabeça.
19

Os últimos raios do sol entravam pela janela. Foi até lá e


sentiu a brisa do mar em seu rosto. Agora via tudo de outra
forma, havia paz, calma…
Virou-se e observou Duncan olhando os planos que
havia sobre a mesa. A luz que emitia o pequeno lampião,
situado na mesa, fazia com que aqueles olhos azuis se
destacassem sobre sua pele bronzeada onde caíam algumas
mechas curtas de seu cabelo loiro.
Contemplou-o durante um momento, tão concentrado…
e notou como seu coração disparava mais uma vez. Devia
tentar parar aquilo, devia tentar ser forte e não se apaixonar
mais por ele ou acabaria perdida. Entretanto não conseguiu
evitar que um sorriso brotasse em seus lábios quando se deu
conta que ele a observava, arqueando uma sobrancelha e
sorrindo, parecia que a pegara o encarando.
― O que está fazendo? ― ela perguntou aproximando-se
dele.
Duncan colocou uma cadeira a seu lado e lhe indicou
que se sentasse.
― Risco a rota a seguir.
― Para a Virginia?
Ele hesitou um pouco antes de responder.
― Não, primeiro passaremos alguns dias pelas
Bermudas.
Ela o olhou surpresa.
― Pensava que íamos às colônias.
― E vamos, mas primeiro tenho que acabar alguns
assuntos nas Bermudas. Serão somente alguns dias.
As Bermudas. Ela intuía a que assuntos ele poderia se
referir.
Recordava-se que as Bermudas foram descobertas pelo
ano de 1503, embora não existissem provas concretas se esse
era o ano era correto, e de quem havia sido seu descobridor.
Igualmente, dito descobrimento era atribuía a Juan
Bermúdez, de Palos da Fronteira Huelva, porém embora
segundo o que dizia em sua crônica não conseguiram atracar
por causa do mau tempo. Aquela lembrança lhe revelou
certos dados dos quais não tinha consciência até esse
momento. Pode ser que as tormentas elétricas, iguais à que a
trouxera até ali, tivessem ocorrido sempre, que não fosse
simplesmente uma anomalia. Possivelmente ainda tivesse
esperanças, embora daquela vez não notasse aquele
sentimento, ao pensar que ainda havia uma oportunidade de
voltar para seu lar.
Olhou de esguelha para Duncan, como usava seus
instrumentos navais sobre o mapa. O que ela faria se tivesse
outra possibilidade de voltar? Aquilo estava se complicando.
― Duncan ― ela sussurrou pensativa. ―O que aconteceu
com os escravos que levava?
Ele estalou a língua como se não gostasse daquela
pergunta.
― Já sabe ― ele pronunciou sem olhá-la, os vendemos.
Ela apertou os lábios e tentou controlar sua respiração.
― Para que vamos às Bermudas? Para recolher mais
escravos?
Ele a olhou, em parte surpreso, pois seu tom não
admitia réplica, mas sim, bem entristecido.
― Não. ― Sorriu e se apoiou contra o respaldo. ― Quer
que seja sincero? ― ele perguntou arqueando uma
sobrancelha. Ela hesitou durante alguns segundos e
finalmente assentiu. ―Sempre paramos ali quando nos
dirigimos à Virginia. Os homens agradecem por colocar os
pés em terra firme, além disso… ― afastou o olhar dela, ― me
encontro com muitos compatriotas ali e podem ter
informação que podem nos interessar.
― Informação?
― Carregamentos, rotas que os navios usam… ― hesitou
um pouco antes de continuar e a olhou de esguelha.
― Espanhóis, pode dizer… navios espanhóis ― enfatizou
ela de mau humor.
Ele sorriu ignorando aquele comentário.
― Sim, isso mesmo.
Beatriz suspirou e se apoiou contra o respaldo como se
estivesse rendida.
Sabia a história das Bahamas. O primeiro assentamento
foi produzido em 1609, tratava-se de colonos ingleses que
tomaram o rumo à Virginia. Uma frota de nove navios que
zarpara de Plymouth, com mantimentos e colonos para a
colônia britânica de Jamestown, para onde eles se dirigiam.
Durante outra tormenta, um dos navios que compunham a
frota, o Sea Venture se chocou contra os recifes. O almirante
conseguiu chegar a terra, junto com toda a tripulação e os
colonos, um total de 150 pessoas. Permaneceram na ilha
durante 10 meses. Durante esse tempo construíram dois
navios, o Deliverance e o Patience e, finalmente, rumaram às
colônias.
Três anos depois, em 1612, a Virginia Company of
London, reclamou as ilhas e enviou um grupo de 60 colonos,
que sob o mando de Sir Thomas Moore, primeiro governador
das ilhas, fundou a população de St. George.
De novo, saber que outra tormenta fora a causa de outro
naufrágio lhe fez pensar de que possivelmente, sim, existia a
possibilidade real de que essas tormentas fossem se
repetindo ao longo dos anos.
― Faz muito esta rota?
― Bastante.
― E… ― Ela se remexeu incômoda. ― Deve haver
tormentas?
Ele ficou pensativo.
― Sim, de vez em quando ― ele respondeu como se não
fosse nada enquanto continuava observando o mapa, porém
depois elevou seu rosto lentamente para ela. ―Por que
pergunta?
― Não, por nada.
Ele voltou a olhá-la enquanto refletia.
― Não tem o que temer se nos encontramos com
alguma, cruzei muitas tormentas.
― Sim ― ela disse pensativa.
― Cruzaremos por aqui ― explicou com um sorriso,
mostrando um ponto no mapa com o dedo.
Ela o olhou e sorriu.
― Rodeando a barreira de coral ― disse ela.
― Exato. Fazia anteriormente esta rota?
― Não, mas… os marinheiros falam ― pronunciou dando
uma desculpa.
― E você como boa mulher, escuta ― ele disse divertido.
Ela sorriu.
― E depois iremos para as colônias?
― Sim.
Ela suspirou e mordeu o lábio.
― E o que vai ser de mim? ― ela perguntou em um
sussurro.
Ele a olhou intrigado.
― A que se refere?
Beatriz encolheu os ombros.
― Bom, sou… espanhola. ― Engoliu a saliva e não se
atreveu a olhá-lo. ― O que farei lá? Onde… onde vou ficar?
― Pode ficar comigo ― pronunciou como se não
importasse.
― Com você?
Duncan encolheu os ombros e voltou a olhá-la.
― Tenho uma pequena casa nas Bahamas e outra nas
colônias. Maior.
Ela o observou surpresa.
― Ah! ― ela disse sem saber o que responder a isso.
― Não lhe parece bom?
Ela negou.
― Não, é… simplesmente pensei que me deixaria ali e…
― E o quê?
― E que partiria.
Duncan ficou surpreso e esteve a ponto de voltar a rir.
― E o que a faz pensar isso?
― Bom, como eu disse… Você é inglês e eu…
― Sim, espanhola, isso eu já sei. Soube desde que a
escutei falar pela primeira vez. Seu sotaque a delata. Mas
pelo resto, que eu saiba você é uma mulher e eu um
homem… e funcionamos bastante bem na cama ― apontou
com um sorriso. ― Por que acredita que eu quereria me
desfazer de você? Somente por ser espanhola?
Ela ficou tensa.
― Porco sujo! ― ela sussurrou ficando em pé.
Duncan revirou os olhos e se levantou. Não sabia por
que, mas intuíra que ela reagiria assim, ao escutar aquilo, o
que lhe foi bastante engraçado, era bastante fácil provocá-la.
― Vamos… não se zangue outra vez.
Beatriz se virou contrariada.
― Para isso que me quer? Para estar em sua cama?
Passei de ser sua prisioneira para ser sua prostituta?
Ele voltou a olhá-la assombrado.
― Certamente você tem uma boca suja ― ele pronunciou
com um tom de voz mais sombrio. ― Você precisa ficar mais
uma hora no mastro principal.
― Ui, sim, já começamos outra vez, com as ameaças…
Beatriz deu um passo para trás quando Duncan
avançou para ela com um gesto que recordou a um felino.
Colocou-se atrás da mesa, observando-o fixamente.
Duncan chegou e se apoiou nela com um sorriso.
― Sabe? Eu adoro quando mostra esse seu gênio. Dá-me
vontade de lhe levantar a saia e… ― deixou a frase sem
acabar.
Ela o olhou questionando enquanto se movia ao outro
lado da mesa.
― Usar seu cinturão? ― ela zombou.
Ele estalou a língua.
― Não precisamente. ― Em seguida se mostrou bastante
seguro. ―Tenho descoberto uma outra forma de fazer com
que se cale, e que eu gosto de empregar muito mais.
Ela rangeu os dentes.
― Você é um pervertido.
Duncan deixou escapar uma pequena gargalhada e
finalmente arqueou uma sobrancelha para ela.
― Será que você não gosta? ― ele sussurrou com um
olhar lascivo. ― Sabe o que é que mais eu gosto em você? ―
perguntou correndo para onde estava ela, embora Beatriz
corresse para o outro lado, marcando espaço entre os dois.
― Não sei se quero saber.
― Quando se retorce sob meu corpo, quando crava as
unhas em minhas costas, quando geme junto a meus
ouvidos, isso é música celestial para mim, mas, sobretudo
quando…
―Cale-se! ― ela gritou. Escutar aquelas palavras lhe
estava fazendo ficar nervosa…. E muito nervosa.
― Quando vejo o prazer em seus olhos ― ele apontou
divertido.
― Você adora me escandalizar, não é verdade?
― Seriamente eu consegui escandalizar você? ― ele
perguntou inocente.
Responderia quando alguns golpes à porta
interromperam.
― Capitão. ― Jerry entrou diretamente no camarote,
embora em seguida seu olhar voasse para Beatriz.
―Desculpe, mas avistamos um navio que nos segue.
Duncan a olhou para ela diretamente.
― Não saia daqui. ― Assinalou para ela enquanto se
dirigia à porta. ― Está muito longe?
― Bastante longe, mas está a mais de duas horas
seguindo nosso rastro.
Duncan deu uma batida na porta deixando Beatriz
assustada no interior do camarote. Correu para a janela e
olhou. Seus cabelos voaram para trás. Não podia ver nada
dali, somente o vasto oceano.
Remexeu-se inquieta. Bem, se o navio estava longe não
havia perigo.
Foi para a porta e saiu dirigindo-se para o convés. Uma
fina linha alaranjada delimitava céu e mar.
Procurou Duncan pelo convés, que se encontrava na
popa olhando através de sua luneta.
― Danny ― ela chamou o marinheiro que conhecia. ―O
que acontece?
― Um navio, senhora. Há horas está nos seguindo.
Ela voltou a olhar para Duncan, pensativa.
― Mas isto é uma rota comercial, é normal que haja
outros navios que… ― Precisou se calar porque viu que
Danny se afastava com um monte de cordas em seu ombro.
―Valeu, perfeito ― sussurrou ao vê-lo se afastar.
Agarrou seu vestido com as duas mãos e subiu os
degraus até a popa.
Jerry, mais três marinheiros e Duncan olhavam em
direção ao horizonte. Ficou um pouco afastada observando
com atenção. Sim, ao longe se via um enorme navio, mas não
compreendia porque tanta espera.
― Acredita que chegaremos às Bermudas antes do
amanhecer? ― perguntou Duncan sem reparar que ela se
encontrava atrás.
― De momento o vento nos favorece. É possível ―
respondeu o timoneiro. ―Se não for antes do amanhecer, será
um pouco depois.
― Vão controlando-o e, se se aproximar, peguem ângulo
para…
― Capitão ― interrompeu Jerry, que se havia se virado e
olhava Beatriz. Deu uma cotovelada em seu amigo e este se
virou diretamente.
O suspiro de Duncan fez que Beatriz ficasse sabendo
que todos os homens a olhavam.
― Não lhe disse que esperasse no camarote?
Ela se remexeu incômoda ao ser o centro da atenção.
― Bem, Jerry disse que o navio estava longe, assim não
há perigo de…
― Ora, mas se lhe ordenar algo, espero que cumpra. ―
ele pronunciou com voz severa.
Ela colocou as mãos em sua cintura.
― Ah, mas era uma ordem? ― ela brincou. ―Desculpe-
me, capitão.
Todos se olharam de esguelha e depois olharam para
Duncan, confusos.
Duncan soprou e, para surpresa de todos, virou-se sem
dizer mais nada para Beatriz.
― O que está acontecendo? ― ela perguntou
aproximando-se.
Todos a olhavam cada vez mais surpresos, não somente
pelo tom que empregava com ele, mas, sim, porque Duncan,
seu capitão, não dissesse nada a respeito. Ao contrário,
Duncan sorria diante daquela situação.
― Um navio está nos seguindo.
― Isso eu já sei, mas é uma rota comercial, eu digo que é
normal, não? Por que tanta espera?
Duncan voltou a se virar e lhe indicou com um
movimento de sua mão que ela se aproximasse. Todos se
afastaram para deixar à moça ao lado do capitão.
Voltou a olhar pela luneta e suspirou, depois a passou
para ela, que aceitou satisfeita.
Beatriz a pegou com as duas mãos e observou através
da pequena luneta enquanto Jerry olhava com uma
sobrancelha arqueada para o capitão, e este encolhia os
ombros e depois revirava os olhos.
Olhou para Beatriz, que movia a luneta de um lado para
o outro procurando o navio.
― Necessita de ajuda? ― ele brincou a seu lado.
― Não.
Nesse momento Duncan sorriu.
― Achei ― ela disse feliz.
Embora se visse longínquo, podia apreciar as ondas do
mar rompendo contra o navio, e também alguns pontos, que
supostamente eram pessoas, moviam-se sobre convés.
― E o que acontece? ― ela perguntou intrigada, pois não
via nenhum problema.
― Olhe para o mastro, querida.
Ela elevou pouco a pouco a luneta, perdendo por
momentos o campo de visão do navio, mas depois de vários
intentos conseguiu e, quando o fez, esteve a ponto de voltar a
gritar.
― Bandeira vermelha! ― ela gritou nervosa baixando a
luneta.
Duncan a tirou das mãos dela, rapidamente.
― Prêmio para a garota bonita ― ele disse com um
sorriso.
― Espere… eles nos… seguem? ― ela gritou histérica.
― Parece que sim ― respondeu Jerry.
― Mas terá que despistá-los ― ela voltou a gritar.
― E onde a senhora sugere que façamos isso? ― Jerry
voltou a perguntar com um sorriso, estendendo os braços
para o mar, o que fez com que recebesse um olhar de
desaprovação de seu capitão.
― Beatriz, fique tranquila ― disse Duncan colocando
uma mão em seu ombro.
― Que eu me tranquilize? ― ela gritou para ele. ―Como
quer que o faça? Temos malditos piratas nos seguindo o
rastro!
Duncan passou a mão pelos olhos em atitude cansada.
― Não sei para que lhe dei a luneta ― ele suspirou.
― E se nos alcançarem? ― ela seguia nervosa.
― Não nos alcançarão.
― Mas e se o fizerem? Terei que suportar outra
abordagem?
― Não vai ter que suportar outra…
― Arggggggg… ― gritou interrompendo-o. ― Malditos
piratas! ― Todos sorriram com esse comentário e arquearam
uma sobrancelha para ela. Beatriz compreendeu, sim, estava
falando com piratas. ― Isso também vai para vocês. ―
Assinalou lhes diante do olhar divertido de Duncan, que fez
um gesto de descaso atrás dela. ― Se deixassem de se colocar
em confusões não teríamos que fugir outra vez de… ―
Imediatamente ficou calada e se virou para Duncan, que
parecia estar se divertindo com sua atitude ― Acredita que
são os mesmos que nos atacaram?
Ele encolheu os ombros.
― Não acredito, seriam sem juízo se o fizessem.
― E… e vocês não têm bandeira pirata?
― Temos uma ― respondeu Jerry, que também parecia
divertido com a moça.
Ela se virou diretamente para ele.
― E por que não a estendem? Possivelmente se virem
que são piratas não nos siga.
― Verá querida… ― voltou a intervir Duncan.
Ela se virou nervosa para ele.
― Deixe de me chamar assim ― ela sussurrou.
― O fato de que nós mostremos a bandeira não vai fazer
que mudem de opinião. A bandeira vermelha significa que…
― Sei o que significa: não se farão perguntas, não haverá
sobreviventes.
Todos a olharam de cima abaixo.
― Então entenderá que se querem nos atacar, será
melhor que os peguemos de improviso.
Ela abriu os olhos ao máximo e deu um passo para trás.
― Vai deixar que nos alcancem?
― Não ― ele respondeu rapidamente. ― É obvio que não.
Tranquila, chegaremos às Bermudas antes que eles possam
nos alcançar.
Ela parecia realmente nervosa e assustada.
― Mas… e se nos alcançarem… O quê?
― Pois os enfrentaremos ― interveio Jerry sorridente,
inclusive, com voz animada.
Duncan observou o gesto assustado dela e deu alguns
passos aproximando-se enquanto com a mão assinalava para
Jerry e lhe dedicava um olhar enfurecido para que se calasse.
― Ouça, fique calma, não nos alcançarão. Este navio é
muito rápido.
― Ora, mas o deles também parece, está há horas, atrás
de nós, e não conseguimos perdê-los de vista.
Duncan suspirou, porém se surpreendeu ao ver os olhos
chorosos dela. Ora, realmente ela estava assustada.
― Fique tranquila, vá para o camarote. ― Ela negou.
―Não?
― Não quero, quero ficar aqui no convés.
Duncan passou a mão pelo cabelo, revolvendo-o.
― Precisa jantar.
― Como pode falar de jantar enquanto temos um navio
pirata nos seguindo? ― ela gritou surpresa.
Ele estendeu os braços para os lados.
― Beatriz, eu faço exatamente o mesmo. Assalto navios.
É minha vida… ― Depois encolheu os ombros. ―Suponho que
estou acostumado.
― Não é um costume muito bonito ― ela brigou.
Ele estalou a língua.
― É o que tem. ― Ele se aproximou e a agarrou pelo
braço aproximando-se dele. ― Agora, vai me acompanhar. E
vai jantar.
― Não tenho fome ― ela pronunciou tentando se
desfazer de sua mão.
Começou a puxá-la para as escadas que o conduziam
para o convés.
― Não, Duncan… quero ficar aqui e controlar o navio…
― Meus homens o controlam ― ele pronunciou
agarrando-a pela cintura para que não escapasse.
― Arrrrgggg ― ela grunhiu. ―Igual, eu não tenho nada
de fome! ― gritou remexendo-se.
― O jantar será em meia hora.
― Pois então para que vamos agora ao camarote? Vamos
para fora ― ela gritou enquanto ele a colocava pelo corredor
rumo ao camarote.
Duncan abriu a porta de seu camarote e a colocou para
dentro com pouca delicadeza. Depois fechou a porta atrás
dele e a olhou fixamente com um sorriso.
Em seguida ele tirou a camisa e a jogou no chão diante
do olhar surpreso dela.
― Primeiro, vou fazer que relaxe, e depois… ―
pronunciou agarrando-a pela cintura e aproximando-a ―, vou
abrir seu apetite.
Duncan tivera razão em tudo, não só no fato de que
sabia como lhe abrir o apetite, mas também, de que não
conseguiriam alcançá-los antes de chegar às Bermudas.
Ela apoiou-se contra o corrimão e observou como
desciam outro dos botes com marinheiros.
A ilha era realmente linda. Jamais estivera ali, mas a
visão era espetacular. As praias de areia branca, a água
ainda mais clara e transparente que na costa do Nassau.
Aquilo realmente era como um sonho.
Duncan se colocou a seu lado.
― Preparada? ― ele perguntou lhe oferecendo sua mão.
Ela sorriu e a pegou. Desceu pelas escadas até o bote
onde Jerry a ajudou a se sentar enquanto o capitão dava
suas últimas ordens e começava a descer.
― Ouça Jerry ― ela sussurrou um pouco tímida. ―
Perdoe-me pelo golpe que lhe dei.
Ele a olhou confuso.
― Que golpe?
― Com a pedra. Na primeira vez que nos vimos.
Ele pareceu rememorar. Imediatamente sorriu,
recordando-se como se jogou para ela e Beatriz o golpeara
com uma pedra na cabeça.
― Sabe se defender bem. ― Ele piscou o olho. Isso é
bom.
― Bem ― disse Duncan sentando-se a seu lado e
segurando um dos remos. ―Vamos lá.
Em pouco menos de dez minutos Duncan e Jerry
saltavam da embarcação e a arrastavam para fora do mar,
sobre a areia branca.
Beatriz saltou, sem esperar que nenhum dos dois a
ajudasse e contemplou as altas palmeiras. Certamente,
aquilo era um autêntico paraíso. Ao não ter estado ali,
anteriormente, não podia compará-la com a Bahamas de sua
época, mas podia apostar que o lugar continuava sendo
igualmente espetacular.
Vários homens saíram dentre as palmeiras, armados até
os dentes, embora não teve tempo de se assustar, pois,
rapidamente, elevaram seus braços e sorriram para Duncan.
― Capitão McCartney! Que agradável surpresa! ―
Duncan foi diretamente para aquele homem de compleição
grossa e uma barba enrugada e larga e se estreitou contra
ele. ―Não o esperava por aqui.
― Estamos de passagem, vamos para as colônias.
― Fantástico. ― Depois seu olhar voou para Beatriz. ― E
vejo que vem bem acompanhado.
― Sim. ― Virou-se para ela. ― É Beatriz. ― Voltou de
novo toda sua atenção para ele, aproximando-se,
maliciosamente. ―Mas como não lhe interessa Ridley, afaste
essas mãos gordurentas dela ― ele brincou.
― Claro. ― Piscou seu olho para ele.
― Bem ― ele pronunciou colocando uma mão em seu
ombro. ―Vamos moços ― gritou para seus homens. ―Vocês
têm dois dias livres. Aproveitem.
Houve uma exclamação generalizada de júbilo em toda a
praia e em seguida, os homens saíram correndo em direção à
mata entrando nela. Duncan foi para a Beatriz e a pegou pelo
braço.
― Vamos ― ele pronunciou com um sorriso. Parecia
realmente feliz de se encontrar ali.
Observou como Ridley desaparecia com outros homens
para dentro da mata, em direção contrária a eles.
Duncan a puxava, sorteando pedras e arbustos, com um
sorriso em seu rosto. Aquilo lhe produziu uma estranha
sensação. Sentia-se feliz ao vê-lo sorrir.
― Você gostará deste lugar ― ele pronunciou sem olhá-
la, com ao olhar cravado no pequeno caminho que seguiam.
Assim era, havia um pequeno povoado, humilde, em
plena natureza. As casas eram de pedra e algumas eram
feitas de madeira. Embora não fosse muito grande, estava
cheio de vitalidade. Contemplou como alguns homens de cor
transportavam para algumas casas, baldes de água de um
poço que havia em meio da pequena praça.
Caminharam por um caminho íngreme, até que Duncan
parou em frente a uma pequena casa e abriu. Em seguida,
indicou-lhe com um movimento de cabeça para que entrasse.
O lugar era fresco dentro. Não era muito grande. Ao
entrar havia uma enorme sala, bastante rústica, com uma
mesa no meio, várias cadeiras e uma pequena cozinha em
uma lateral. Havia vários assentos divertidos distribuídos
pelo salão e em uma lateral, uma escada que subia ao
segundo andar.
― É sua casa? ― ela perguntou olhando de um lado para
outro.
Duncan permanecia quieto na porta de entrada, como
se lhe permitisse observar tudo.
― Sim.
Ela se virou e sorriu, depois encolheu os ombros.
― É muito boa.
― Bem, é bastante pequena, mas tem tudo o que
necessito. ― Agarrou-a pela mão e a conduziu para o andar
de cima. Parou em frente a uma das duas portas e a abriu.
Havia uma enorme cama no centro e um armário, nada mais,
mas o que mais gostou, foi o que viu quando abriu a segunda
porta. Uma enorme banheira no meio daquela peça.
― Posso usá-la? ―ela perguntou com ansiedade.
Duncan riu.
― Sim, claro. Mandarei que lhe tragam uns cubos de
água para enchê-la. ― Ele afirmou rapidamente. ―Eu vou sair
um momento, aproveita e relaxe.
― De acordo. ― sussurrou sem afastar o olhar da
banheira. Parecia totalmente hipnotizada, mas a mão de
Duncan em sua cintura a fez elevar o olhar para aqueles
olhos azuis que a observavam, divertidos, ao ver sua reação.
―Não demorarei muito ― Em seguida desceu seus lábios e a
beijou. Aquele gesto a deixou confusa, mais ainda quando ele
lhe dedicou um sorriso e desceu pelas escadas como se fosse
a coisa mais natural do mundo.
Passou a mão pela testa, com calor, enquanto escutava
como a porta da moradia se fechava com um golpe.
Bem, não havia tempo a perder. Queria investigar.
Foi para o quarto de Duncan, supunha que aquele
também seria o seu. Observou a enorme cama e notou aquele
borbulhar pelo estômago. Tentou tirar aqueles pensamentos
da mente e foi para o armário. Havia um pouco de roupa,
muito pouca, de homem.
Deu várias voltas sobre si mesma, a verdade é que não
havia nada mais.
Quase deu um salto quando escutou que a porta da
casa se abria de repente, várias vozes invadiam o andar de
baixa.
Foi correndo para a escada e desceu assustada.
Vários homens de cor entravam com baús. Devia ser
tudo o que não conseguiram vender no leilão.
Suspirou enquanto os observava, até que algo chamou
sua atenção.
Desceu com o coração apertado, enquanto seus olhos se
embaçavam diante o que vira. Seria possível?
― Enam? ― ela pronunciou com um fio de voz.
O moço elevou o olhar para as escadas e sorriu no
mesmo instante.
― Senhora Beatriz ― ele pronunciou com um amplo
sorriso.
Correu para ele e se fundiu em um abraço.
― Enam ― gemeu. Depois se distanciou um pouco dele.
―O que está fazendo aqui? Pensei que o haviam vendido.
Ele sorriu e negou.
― Não senhora vendeu a muitos, mas o senhor ficou
comigo e outros dois homens.
Ela o olhou impressionada, não saía de seu assombro.
― O senhor? ― ela perguntou olhando-o fixamente.
― Sim, claro, o capitão.
Sentiu como o lábio inferior tremia e teve que se
controlar para que uma lágrima não derramasse por sua
bochecha.
― Não sabia de nada.
Enam sorriu mais abertamente.
― Você está bem? ― Ela afirmou emocionada.
― Sim, sim estou.
― Bom ― ela disse com um sorriso, depois olhou para os
outros dois homens.
― O senhor disse que quer tomar um banho. Traremos
alguns baldes de água fresca.
20

Ainda não podia acreditar-se que Enam estava ali, a


salvo. Parecia-lhe incrível que Duncan não tivesse lhe dito
nada, que tivesse se calado com respeito ao destino de Enam,
mas aquilo a fez ver o quanto estava agradecida e, se a isso
somasse os sentimentos, cada vez mais intensos, que sentia
por ele, estava em muito mau caminho se quisesse voltar
para casa.
Afundou-se de novo na banheira sentindo seus
músculos relaxarem sob sua pele. Demoraram um pouco
para lhe trazer os baldes e enchê-la, mas, ao fim, conseguiu
aproveitar banho um relaxante.
A sensação era prazerosa. Fechou os olhos e os únicos
pensamentos que percorreram sua mente foram sobre
Duncan. Aquele homem ancorou em sua mente e não havia
forma de tirá-lo.
Saltou e salpicou fora da banheira, quando escutou que
a porta se abria sem aviso prévio. Passou a mão por seu rosto
afastando os cabelos que ficaram grudados.
― Duncan ― ela gritou ao vê-lo entrar tão tranquilo.
Cobriu os seios imediatamente.
― Olá ―ele respondeu, com um sorriso, aproximando-se.
― Por que não bateu à porta? ― ela perguntou zangada.
― Por que se cobre? ― ele perguntou também, com o
mesmo tom.
Ela soprou.
― Me assustou, poderia avisar…
Ele a olhava sorridente, percorrendo cada parte de seu
corpo, até que finalmente encolheu os ombros.
― Não tenho porque avisar, é minha casa.
― Mas estou eu aqui. ― Duncan começou a se despir. ―
O que está fazendo?
― O que lhe parece? Vou tomar um banho.
Não teve tempo de pigarrear ou se queixar. Duncan tirou
toda a roupa e entrou na banheira removendo toda a água e
fazendo com que parte dela derramasse.
― Está jogando a água fora. ― sussurrou enquanto o via
se apoiar contra o outro extremo, com um sorriso.
Duncan não disse nada, somente olhava-a, sorridente
ao ver que ela ainda cobria os seios.
― Eu… vi Enam. Por que não me disse que ele estava
aqui?
Ele a interrogou com o olhar e depois se aproximou dela,
fazendo com que a água voltasse a se derramar da banheira.
― Isso a faz feliz? ― Ele perguntou agarrando-a pela
cintura e fazendo que se sentasse sobre ele.
Beatriz passou as mãos por seus ombros e o rodeou.
Observou-o fixamente e sem poder evitar, passou uma mão
por sua bochecha, acariciando-o. Observou como Duncan
fechava os olhos ante aquele contato, como se gostasse dele.
― Sim, sim me faz feliz ― ela sussurrou.
Duncan olhou para seus lábios e se fundiu com ela, em
um apaixonado beijo, enquanto a segurava pela cintura
estreitando-a contra ele.
Seus corpos escorregavam, a sensação e o momento,
eram realmente excitantes.
Ele desceu o rosto até seus seios e os beijou, um a um,
fazendo que Beatriz arqueasse suas costas para trás. Duncan
agarrou seu cabelo e puxou sua cabeça para trás, enquanto
passava sua língua por seu pescoço.
― Minha Beatriz… ― ela sussurrou contra seu ouvido. ―
Minha espanhola….
A ergueu com um braço e começou a introduzir-se nela,
enquanto um gemido escapava de seus lábios ao sentir-se
totalmente plena. Parecia que seus corpos eram um para o
outro, encaixando perfeitamente.
Conteve o fôlego e se agarrou com força a ele enquanto
suas bocas se uniam em uma dança, sem lhes importar que a
água saísse transbordando pela banheira.
Moveu-se sobre ele, com delicadeza ao princípio, mas as
mãos de Duncan apertavam suas coxas e a fizeram
compreender que necessitava de mais agressividade.
Agarrou-se forte a ele, deixando que a conduzisse a
aquele plácido lugar, onde somente havia prazer, onde não
havia dor pela perda de tudo o que conhecera até agora,
deixando-se levar a um mundo onde somente estavam as
carícias de Duncan e seus beijos.
Duncan se sentou à mesa daquele pequeno bar onde
serviam um rum antigo e pediu uma taça, enquanto sorria
para seus amigos. Ridley se sentou a seu lado, passando um
braço por seus ombros. Fazia várias horas que anoitecera,
jantara junto à Beatriz e partiu. Necessitava de informação de
primeira mão.
― E essa mulher que está com você? ― ele perguntou
enquanto pedia outra taça ao moço. ―É muito bonita. De
onde a tirou?
Duncan agarrou a taça que estendiam frente a ele e deu
um gole, depois olhou sorridente para seu amigo.
― Raptei-a ― ele brincou.
Aquilo despertou uma gargalhada em Ridley, que tossiu
compulsivamente e teve que segurar-se à mesa, para não
cair.
― Ora, você está bem?
O homem pigarreou um pouco.
― Ah, moço, estou ficando velho ―ele pronunciou
sentando-se no tamborete. Deu um gole em seu rum. ―Então
é sua prisioneira.
Duncan estalou a língua, sem saber bem como
responder a isso.
― Bom, ela jamais se comportou como tal ― ele brincou.
―Tem bastante coragem.
― Sua amante? ― ele perguntou com tom malicioso,
Duncan começou a rir. ― Ora, moço ― ele riu dando alguns
golpes em suas costas. ― Você sempre teve bom gosto.
Deu mais outro gole e olhou ao redor. A maioria dos
homens que havia conhecia pessoalmente ou de vista, com
algum deles,inclusive, havia compartilhado uma jarra de
rum. Virou-se de novo para seu amigo.
― Ouça, Ridley ― pronunciou, desta vez mais sério. ―
Quando nos aproximávamos da ilha, nos seguiu um navio.
Bandeira vermelha.
Ridley fez gesto de desagrado e suspirou.
― Sim, menino, ultimamente muitos optam por essa
bandeira, há pouca camaradagem.
― Também nos atacou um de bandeira vermelha antes
de chegarmos a Nassau.
― Atacou-lhes? ― ele exclamou surpreso. ―Bem,
suponho que lhe deram uma boa surra.
― Assim foi.
Ridley se apoiou contra a mesa e se aproximou
levemente dele.
― Escutei que ultimamente os holandeses transitam
muito por estas águas.
― Holandeses?
― Sim, parece que esta zona os atrai bastante.
Duncan assentiu e ficou olhando fixamente a taça que
estava entre suas mãos. A verdade é que os piratas que os
atacaram perto do Nassau possuíam um sotaque estranho,
pode ser que fossem de lá.
― Bem, e tem alguma embarcação nova? ― perguntou
Duncan tentando desviar o assunto.
― Escutei que os espanhóis vão transportar mais
manufaturas e escravos pela rota do Senegal ― disse com um
sorriso.
― Sabe quando?
Ridley negou.
― Mas tenho algo muito mais suculento para ti ―
sussurrou aproximando-se. ―Não falei para ninguém. ―
Duncan o olhou intrigado. ―Abriram uma nova rota com ouro
e prata, cruzando o atlântico até a Espanha.
Duncan o olhou intrigado.
― Ouro e prata?
― Exato.
― Suponho que a rota já está há um tempo aberta, mas
chegou a meus ouvidos faz algumas de semanas. ― Olhou
para os lados comprovando que ninguém lhes escutasse.
―Estive falando com Charles, que a sua vez disse que um
amigo lhe contara, que seu primo assaltara um desses
navios, e que encontrara centenas de moedas de ouro e prata.
― Charles lhe disse que um amigo seu lhe havia dito que
seu primo encontrara ouro e prata? ― ele brincou.
Ele encolheu os ombros.
― Te conto do mesmo modo que me disseram. Mas…
não para por aí ― continuou sussurrando. ―Verá, ele me
explicou tão convincente, que decidi dar uma oportunidade a
essa história, assim estive indagando.
― E?
― O vice-reinado da prata ― explicou. ―É certo. Está a
uns dez ou doze dias de navegação para o sul. Os espanhóis
exploram as minas de ouro e prata dessa área e depois o
transportam em grandes embarcações até a Espanha. É
verdade, mas há um problema… ― Duncan arqueou uma
sobrancelha. ―O oceano é muito grande, assim não sei bem
que rota seguem… ― Duncan soprou. ―Mas… ― continuou
com um sorriso. ― Charles me disse que se estivesse
interessado poderia contatar com o primo de seu amigo,
parece que está procurando um sócio para saquear a área.
Duncan já estava negando, antes que ele acabasse a
frase.
― Sabe que prefiro trabalhar sozinho.
― Acorde moço, é sua oportunidade ― pronunciou com
ênfase. ― Quer se retirar de uma vez? Ou quer continuar
nesta merda toda sua vida?
― Gosto do que faço.
― Pois, claro ― ele reprovou. ―Todos nós adoramos nos
jogar na vida continuamente. Estou lhe oferecendo uma nova
vida, poder começar do zero longe de tudo… somente deveria
entregar uma percentagem por sua patente e ficaria liberado.
― Esqueça ― ele disse rapidamente com um movimento
de sua mão. ―Se for verdade o que diz, certamente esses
navios estarão bem protegidos, devem ter quarenta canhões
ou mais.
― Quando foi isso um problema para você?
― Nunca foi. Mas a vida de meus homens depende de
mim.
― Ora ― respondeu não muito seguro, depois arqueou
uma sobrancelha para ele. ―Diga de onde é essa moça que
trouxeste?
Duncan endireitou as costas e o estudou com o olhar.
― Isso não lhe importa.
― Eu diria que é espanhola. ― Duncan ficou em pé e se
aproximou perigosamente, de forma ameaçadora.
― Que você está insinuando?
― Esta mulher não estará lhe amansando? ― Duncan o
olhou fixamente. ― Sabe? Os espanhóis não são muito bem
recebidos nesta ilha.
― Ela está comigo.
― Sim, e o que tem?
― Ninguém se atreverá a tocá-la ― pronunciou rangendo
de dentes.
― Claro, claro… ― ele brincou. ―Quem em seu são
julgamento se atreveria a tocar alguém que esteja sob seu
amparo?
Duncan o agarrou pelo pescoço, aproximando-se de seu
rosto.
― Não sei por que está jogando, nem para que essas
suas insinuações, mas se aproxime dela e pagará com sua
vida.
Ridley se desfez com um movimento ágil e agressivo e o
olhou fixamente.
― Eu simplesmente estava lhe oferecendo a
oportunidade de participar de algo grande. Poderia conseguir
muito ouro e prata e eu somente ficaria com uma pequena
porcentagem, mas se não estiver interessado…
― Oferecendo ou ameaçando? ― ele perguntou entre
dentes.
Ridley sorriu com um pouco de malícia.
― Sempre oferecendo já sabe, mas fique tranquilo,
haverá muitos homens como você para fazer o trabalho.
― Pois vá buscá-los ― pronunciou com voz seca.
Ridley soprou e em seguida saiu do bar a passo rápido,
empurrando alguns homens que bebiam placidamente.
Aquele comentário não lhe agradou em nada. Sabia que
Ridley era inofensivo, que jamais faria algo contra ele, mas
também sabia que a cobiça o movia e essa cobiça acabaria
com ele. O comentário sobre Beatriz o enfureceu mais do que
esperava. Que ameaçassem a ele era uma coisa, mas que
usassem Beatriz para uma finalidade, como o obrigar a
aceitar um acordo para assaltar navios espanhóis, que
transportavam ouro e prata, era passar do limite. O que ele
pretendia fazer? Dizer que havia uma mulher espanhola com
ele? Tampouco acreditava que o resto dos homens fizesse algo
a respeito, para o resto deles, ela era sua prisioneira, para
ele… se converteu em algo mais.
Saiu do bar rumo a sua residência, pensativo e zangado
consigo mesmo. Possivelmente não foi tão boa ideia trazê-la
ali, podia ter problemas, mas onde não os teria com uma
mulher espanhola?
Embargou-lhe a ira enquanto se dirigia a sua moradia.
Quando chegou tudo era silêncio e nenhum lampião aceso
iluminava a estadia.
Às escuras, acendeu um pequeno lampião e subiu as
escadas rumo a seu quarto. Quando abriu a porta, a ira se
transformou em ternura. Beatriz permanecia adormecida
sobre a cama, recostada sobre um lado.
Aproximou-se com cuidado e depositou o lampião sobre
a mesinha. Era realmente linda e a única coisa que lhe dava
um pouco de paz, naquele mundo. Aquela mulher se
converteu em um pilar fundamental e não pensava em deixá-
la escapar jamais. Não somente tê-la entre seus braços o
reconfortava, também, fazer amor… embora seu olhar, seu
sorriso, a forma provocadora como ela falava, o
enlouqueciam.
Sorriu enquanto passava uma mão por sua bochecha.
Tirou a camisa e se deitou a seu lado rodeando-a com um
braço e aproximando-a dele. Sim, poderia ficar assim toda
sua vida.
Ridley caminhou pela praia furioso. Intuía que Duncan
rechaçaria seu oferecimento, mas até que não confirmara
havia mantido a esperança. Ele era um dos melhores, sem
dúvida, contar com ele neste projeto seria um sinal claro de
vitória, mas também o conhecia e sabia que não se arriscaria
se não estivesse certo de ganhar. O fato de não contar com
uma informação cem por cento confiável, o repeliria, e aquilo
era prejuízo dele. Pensara em lhe convencer, daquela forma,
lhe dando a informação, ele levaria um bom pedaço do
tesouro que conseguissem. Necessitava do dinheiro mais que
nada. Era isso ou perderia seu navio. Não deveria tê-lo
apostado naquele jogo em Nassau. E agora, contra as cordas,
era uma boa soma de dinheiro ou entregar o navio,
definitivamente.
Passeou nervoso pela praia, pensativo, até que alguns
homens lhe cortaram o caminho. Ridley ficou tenso, no
instante, levando sua mão para a espada que mantinha
segura a seu cinturão.
― Tranquilo amigo, somente queremos falar ―
pronunciou um deles.
Ridley deu alguns passos para trás.
― O que querem?
― Disseram que falássemos com você. Estamos
procurando o capitão McCartney.
Ridley olhou para um dos homens e, embora com aquela
escuridão não pudesse apreciá-los bem, intuía que possuía o
cabelo comprido e grisalho e os olhos claros.
― Quem pergunta?
― Tessel.
― Tessel? Não conheço.
― Somos novos pela área.
Aquilo o alertou e deu alguns passos para trás. Tanto o
nome como o sotaque não soavam bem. Olhou a seu redor
dando-se conta de que alguns homens se colocaram nos
lados lhe cortando o caminho.
― De onde são? ― ele perguntou agarrando o cabo de
sua arma.
― O que importa isso? ― perguntou Tessel com um
sorriso. ―Somente queremos saber onde podemos encontrar o
capitão McCartney.
― Para?
Tessel tirou sua espada e apontou diretamente para ele.
― Faz muitas perguntas, velho.
Naquele momento viu claramente. Holandeses.
Apostaria sua vida que eram holandeses. Duncan lhe dissera
que foram atacados por piratas de bandeira vermelha e
posteriormente os seguiram até a ilha e, por isso diziam os
marinheiros, os holandeses optaram pela bandeira vermelha,
como seu símbolo.
― São holandeses ― sussurrou olhando fixamente a
folha de metal afiada.
― Muito bem ― ele sorriu de forma agressiva. ―Agora me
diga, onde está?
Ridley apertou os lábios.
― Não sei, sei que está nesta ilha, mas não sei onde está
neste momento ― mentiu.
― Tem certeza? ― ele perguntou com um sotaque muito
marcado.
― Acredita que eu mentiria com uma espada apontando
para mim? ― gritou nervoso.
Tessel baixou sua espada e deu alguns passos para ele.
― Eu acredito que sim. ― sorriu de forma irônica. ―Nos
disseram que conhece todos os homens desta ilha, que
controla tudo.
― Conheço-os, mas não sei onde estão a cada momento.
― Onde dorme? ― perguntou diretamente.
Ridley voltou a apertar os lábios.
― Não sei. Conheço-o, mas não sei onde dorme, nem
onde está agora mesmo.
Tessel o agarrou pelo cabelo e puxou seu pescoço para
trás.
― Pois se não sabe, não me serve. ― Colocou a espada
em seu pescoço e o degolou.
Ridley caiu sobre a areia da praia com suas duas mãos
na garganta enquanto o sangue brotava sem parar,
asfixiando-o.
Abaixou-se diante dele, contemplando como o homem se
asfixiava em seu próprio sangue.
― Uma pena, poderíamos ter chegado a um bom acordo.
― Em seguida pegou uma adaga e a cravou em seu estômago.
Quando abandonaram a praia o corpo de Ridley jazia
sem vida sobre a areia avermelhada.
― Vamos, há muito mais gente a quem perguntar ―
pronunciou Tessel enquanto limpava o sangue de sua adaga
com a manga de sua camisa azulada.
Os fortes golpes na porta o fizeram abrir os olhos
assustado. Entrava bastante claridade pela janela. Afastou
com cuidado o braço da cintura da Beatriz, que se moveu
ronronando, mas os insistentes golpes a fizeram endireitar-
se.
― O que está acontecendo?
Duncan saltou da cama e colocou as calças e a camisa
rapidamente.
― Não sei. Não se mova daqui ― ele disse enquanto ia
para a porta, embora se virasse, imediatamente. ―E não se
mova, de verdade ― ameaçou antes de sair.
Desceu as escadas de dois em dois degraus, enquanto
os gritos e os golpes não cessavam.
Abriu a porta e se encontrou com Jerry e um pequeno
grupo da tripulação.
― O que ocorre? ― perguntou alertado.
Jerry hesitou um pouco e olhou para seus
companheiros de canto de olho.
― Trata-se de Ridley… ― sussurrou Jerry. Duncan
arqueou uma sobrancelha.
― Ridley? O que lhe aconteceu? ― Escutou alguns
passos por trás, deu-se meia volta e olhou para as escadas.
Beatriz o observava da parte de cima. ― Não lhe disse que
espere no quarto? ― pronunciou nervoso.
― Capitão… ― interrompeu Jerry fazendo com que o
olhar de Duncan caísse de novo nele. ― O encontraram na
praia… morto ― sussurrou.
Duncan ficou tenso e ficou olhando-o fixamente.
― O quê? ― passou a mão pelo cabelo, nervoso. ― O que
ocorreu?
― Degolaram-no.
Deu um passo para trás perturbado ante a notícia e se
virou um segundo para trás observando Beatriz, ela parecia
intrigada pelo que Jerry contava.
― Espere aqui, não saia da casa ― ele disse enquanto
saía dela sem lhe dar nenhuma explicação, nem esperar que
ela respondesse.
Fechou a porta atrás de si e se distanciou um pouco.
― Continua na praia?
― Sim, encontraram-no faz apenas alguns minutos.
Duncan assentiu e começou a se afastar da moradia,
rumo à praia, seguido de seus companheiros. Ridley estava
morto. Não podia encaixar aquela ideia em sua mente. Fazia
poucas horas que estivera com ele conversando no bar.
Maldito louco. Em que confusão teria se metido?
A praia estava repleta, vários homens rodeavam um
corpo estendido sobre a areia. Duncan incrementou seu
passo e afastou vários homens de mau jeito.
Ridley permanecia com os olhos abertos, olhando para o
céu. Seu rosto estava esbranquiçado. Em uma parte de seu
rosto se acumulava bastante areia, como se o tivessem virado
fazia pouco.
Abaixou-se a seu lado lentamente, observando aqueles
olhos que foram cor de mel e sua barba espessa. Fizeram um
corte profundo em sua garganta e, além disso, sua camisa
branca estava manchada de sangue à altura do estômago.
Pelo visto também o esfaquearam naquela área.
Passou a mão, desesperado, pelo cabelo enquanto
observava seu amigo. Se se tivesse ficado com ele aquilo não
teria ocorrido, poderia tê-lo protegido.
― Quem o encontrou? ― ele perguntou para os homens.
Um deles elevou um pouco a mão, com o olhar fixo no
cadáver, como se estivesse emocionado.
― Havia algo mais?
― Não, senhor, nada. ― Engoliu a saliva, nervoso. ―O
reconheci e pensei que estivesse bêbado, a única coisa que fiz
foi girá-lo para despertá-lo e então… então vi o corte em sua
garganta.
Duncan olhou de um lado para outro e acabou gritando,
pela impotência.
Recordava-se do que ele propusera na noite anterior. Os
navios espanhóis, navios com ouro e prata que cruzavam o
Atlântico do vice-reinado da prata até a Espanha. Era uma
informação importante, levando-se em conta que fosse
verdadeira. Mas não acreditava que ninguém o matasse por
algo assim.
― Sabem se estava com problemas?
Um dos homens, mais velho e com lágrimas nos olhos,
se aventurou a dar um passo à frente.
― Sei que possuía dívidas ― Ele pronunciou com o olhar
entristecido para Duncan. ―Perdera o navio e necessitava
dinheiro para que não o tomassem, entretanto possuía um
prazo de tempo para consegui-lo.
Duncan ficou paralisado ao escutar aquilo. Dívidas?
Tudo se encaixava, por isso ele queria o trato na noite
anterior. Nesse momento compreendeu ao recordar sua frase:
ele ficaria com uma porcentagem do que conseguissem no
assalto ao navio espanhol.
Esfregou os olhos com um sentimento de culpa lhe
invadindo e se abaixou de novo a seu lado.
― Por que não me disse nada, amigo? ― sussurrou
enquanto colocava uma mão em sua testa.
Poderia ter ajudado. Conhecia-o já fazia muito tempo,
somente precisaria lhe pedir ajuda, explicar a situação e ele o
teria ajudado. Velho louco. Entretanto, agora se encontrava
morto na praia, assassinado sem piedade, por algum
desalmado.
Sentiu desejo de gritar e lhe umedeceram os olhos ao
recordar de seu amigo Ridley. Tentou se controlar enquanto
ficava em pé e olhou para todos os homens.
― Alguém viu algo? ― Ninguém disse nada, mas Duncan
estava realmente alterado e quem tivesse feito aquilo pagaria
caro. ―Alguém viu algo? ― gritou outra vez com todas suas
forças.
Todos negaram com a cabeça ou emitindo um tímido
“não”.
Rugiu e deu meia volta dando grandes passadas pela
areia. Jerry ficou imediatamente a seu lado.
― O que faremos capitão?
Duncan se deteve e suspirou tentando se acalmar.
― Teremos que partir daqui ― disse com o olhar cravado
nas frondosas árvores que rodeavam a praia. ―Preparem o
navio. Partimos antes do anoitecer.
― Mas capitão… E Ridley?
Duncan se virou com gesto agressivo.
― Não posso fazer nada pelo Ridley, está morto ― ele
grunhiu. Depois tentou se controlar, enquanto passava a mão
sobre a barba de vários dias. ― Preparem tudo para partir.
E se afastou sem dizer mais nada. Ali não tinha nada
mais a fazer. Poderia se dedicar a procurar a seu assassino,
mas certamente já haveria partido da ilha. A única coisa que
precisava era se afastar daquela imagem de seu amigo e levar
Beatriz para um lugar mais seguro.
Afastou-se dando grandes passadas sobre a areia, sem
ter consciência de que olhos o observavam escondidos entre
as árvores.
― Encontrei você. ― Sussurrou o homem.
21

Beatriz observou como carregavam os últimos baús na


embarcação e olhou para Duncan que dava as últimas ordens
à tripulação. Não lhe havia dito praticamente nada desde que
chegara e a única coisa que pronunciara era que partiriam
para as colônias. Mas ela intuía que algo não ia bem.
Por um lado, Duncan se mostrara frio durante o resto
do dia, o que a preocupava, mas lhe preocupava mais saber
que se afastaria da zona das Bermudas e que agora já não
havia retorno, se partisse passaria uma boa temporada até
que pudesse voltar para seu lar. Mas realmente queria voltar?
Aquele homem se instalou em seu coração, a fazia sentir
coisas que jamais imaginara e, a certo modo, uma parte dela
desejava ficar junto dele.
Ela pensava que voltaria para sua época e não sentiria
nada? Sempre levando em conta de que pudesse voltar claro,
o qual já era bastante complicado por si só.
Aproximou-se do corrimão do navio e observou a água
cristalina, as altas montanhas em frente a ela e as praias de
areia branca.
Aquele lugar recordava sua época, se não fosse porque
se encontrava em um navio pirata inglês nem notaria a
diferença.
Observou para o outro lado, o sol começava a se
esconder no horizonte. De novo, as lembranças de sua família
a assaltaram. Tentou afastar aqueles pensamentos de sua
mente, não podia fazer nada em frente a isso, exceto esperar
que o professor Davis e eles estivessem bem.
Quis se dirigir para o camarote quando algo a alertou.
Três paus apareciam atrás da montanha bem a frente deles.
Não soube por que, mas sentiu que algo não ia bem. Por que
aquele casco de navio se aproximou tanto à costa ameaçando
bater contra as rochas?
A popa do navio começou a aparecer quando viu algo
que fez com que seu coração se paralisasse. Não, outra vez
não.
Virou-se para trás observando como a tripulação
continuava trabalhando para içar as velas, alheios à
embarcação que se aproximava.
― Bandeira vermelha! ― vociferou Beatriz.
Ao escutar aquilo todos ficaram tensos e olharam para
onde ela indicava. Um alvoroço se apoderou de todo o convés.
Estavam perto, muito perto para poder manobrar a
tempo e pegar um ângulo que lhes permitisse bombardeá-los.
Duncan correu para ela e puxou-a pala mão enquanto
observava aquele navio se aproximar perigosamente deles.
― Esconda-se! ― ele gritou agarrando-a com uma mão
por um braço e com a outra tirando a espada. Ela gemeu.
Não, outra vez não. ― Vamos! ― ele ordenou.
Beatriz correu em direção ao interior do camarote,
enquanto via de soslaio que toda a tripulação agarrava suas
armas preparando-se para uma abordagem.
Duncan permaneceu com o olhar cravado nas costas
dela até que a viu desaparecer pelo corredor. Continuando,
desencapou também sua pistola e gritou para Jerry.
― Podemos conseguir ângulo?
― Estão muito perto, capitão ― gritou compreendendo o
que ele queria fazer.
Duncan apertou mais forte, suas armas na mão.
― Preparem para serem abordados! ― gritou para o
restante dos homens e, de repente, todos caíram ao chão
quando uma explosão próxima fez com que o casco do navio
tremesse.
Endireitou-se imediatamente e observou que os piratas
do outro navio seguravam em suas mãos as cordas
necessárias para enganchar a sua embarcação.
Olhou de um lado para outro desesperado. Estavam
presos contra a costa, praticamente sem saída.
― Icem as velas! Teremos que sair daqui! ― grunhiu
correndo para a popa enquanto algumas cordas com seus
ganchos voavam pelo ar para se cravarem na madeira e
facilitar o acesso. ―Cortem-nas! ― Assinalou para elas.
Vários de seus homens foram direto para as velas para
cumprir suas ordens e outros foram para as cordas que
foram se cravando mediante ganchos à madeira do convés.
Teve que abaixar-se quando os disparos chegaram,
fazendo com que todos tivessem que se atirar sobre convés.
Rugiu de novo e seu olhar voou para aquele corredor por
onde Beatriz entrara fazia alguns minutos.
Ainda atirado sobre o convés, observou como vários dos
piratas invadiam seu navio enquanto os disparos não
cessavam.
Fazendo uso de toda sua coragem ficou em pé e correu
para os homens que invadiam seu navio, enquanto de soslaio
viu que as velas estavam já a meio mastro.
Começou sua luta pessoal contra vários homens,
esquivando espadas e balas enquanto o número de pessoas
aumentava no convés.
De novo, reiniciaram-se os bombardeios e parte do navio
saltou pelos ares jogando parte da tripulação ao chão, mas
quando se levantou e elevou seu olhar ficou petrificado.
Uma das bombas alcançara o mastro principal que
começava a cair perigosamente sobre o convés.
― Cuidado! ― gritou girando um segundo para trás para
alertar a sua tripulação.
Sua mente trabalhava a uma velocidade extrema,
quando observou como Jerry lutava contra um de seus
oponentes, sem se dar conta de que o mastro caía em sua
direção.
Correu para eles e se jogou sobre Jerry rodando pelo
chão justo quando o mastro caiu sobre convés apanhando a
perna de seu oponente.
Gritou ainda sobre o corpo de Jerry, que não
compreendia nada do que tinha ocorrido, embora seu olhar
voasse diretamente para o mastro e as velas que haviam
coberto alguns homens que se moviam tentando sair debaixo
dos tecidos.
Levantaram-se imediatamente, quando de repente, seu
coração congelou. A poucos metros dele um homem de cabelo
comprido grisalho o apontava com uma arma, quieto,
observando-o.
Duncan ficou em pé ao lado de Jerry, que também se
mantinha em uma posição de ataque.
Olharam para os lados sendo conscientes de que
estavam sendo derrotados. A maioria de seus homens
permanecia com as mãos ao alto em sinal de rendição.
O homem que apontava com a arma virou um segundo
seu rosto para a lateral e disparou em um dos homens ali
presente, membro da tripulação de Duncan, fazendo com que
no convés reinasse o silêncio e que Duncan desse alguns
passos para ele em atitude agressiva.
― Não, não, capitão McCartney, melhor que fique quieto
ou a próxima bala será para você ― ele pronunciou com voz
grave.
Duncan olhou de novo para os lados. Havia pegados eles
de improviso, sem capacidade para conseguir se defender.
― Revistem todo o navio ― gritou o homem. Depois, deu
alguns passos para Duncan sem baixar a arma. ― Você é
muito escorregadio, capitão ― ele disse com um sorriso que
distava muito de ser de felicidade.
Duncan também sorriu maliciosamente.
― Seguiu-nos em direção à ilha ― ele deduziu
recordando que havia sido seguido por um navio que levava
uma bandeira vermelha, igual à que ondeava no mastro
principal do navio inimigo.
― E também nos vimos em Nassau, não se recorda?
Aquilo o fez ficar tenso. Sim, o sotaque que ele possuía
era praticamente igual ao daqueles homens. Duncan o olhou
atentamente, do que se tratava tudo aquilo? No anterior
combate, eles ganharam, mas aqueles homens os seguiram e
agora voltaram a atacar.
― É uma vingança pelo massacre que fizemos a outra
vez? ― perguntou com um sorriso endiabrado.
O homem aproximou sua arma a seu peito e o olhou
fixamente.
― Não, verá capitão McCartney, são negócios ― disse
divertido. ―Meu nome é Tessel, e… tenho um acordo com
certa pessoa de influência para recuperar certa coisa que
você lhe arrebatou. ― Duncan arqueou uma sobrancelha sem
compreender o significado. ―A verdade é que me custou um
pouco te encontrar… ― pronunciou afastando-se um pouco
dele. ―Seu navio é rápido. ― Depois estalou a língua
observando o mastro que caíra sobre convés. ―Era ― retificou
com um sorriso. ― Na verdade, ― pronunciou como se
lembrasse naquele momento, ― Ridley lhe manda
lembranças.
Duncan conteve a respiração e deu um passo para ele
apertando os punhos.
― Você… ― sussurrou.
Tessel fez um gesto gracioso e encolheu os ombros.
― Negou-se a me dar certa informação sobre seu
paradeiro.
― Filho de… ― Voltou a lançar-se sobre ele, mas Tessel
esticou mais seu braço, ameaçando-o, embora aquilo não
detivesse Duncan.
― Dispare! Vamos! ― gritou para ele.
― Ahh!, Mas isso seria muito fácil, capitão. Tenho outra
forma de conseguir o que quero.
Ambos viraram seu rosto para a porta do corredor por
onde se escutavam os gritos de Beatriz. Naquele momento,
puxaram-na para o convés segura por um braço, enquanto
ela golpeava o braço do homem que a segurava.
― Hmm… é preciosa ― disse Tessel afastando-se de
Duncan, mesmo assim, não baixou sua mão. ― Uma
verdadeira joia espanhola.
Duncan olhou fixamente para Beatriz. Tessel agarrou
uma mecha de cabelo comprido dela e o cheirou, fechando os
olhos.
Duncan deu um passo para ele, ameaçador, mas desta
vez se viu rodeado por vários homens, todos com a espada na
mão.
― Amarrem ― ordenou Tessel. Todos os membros de sua
tripulação começaram a golpear os de Duncan, jogando-os no
chão e amarrando suas mãos com fios e cordas.
Duncan olhou diretamente para Beatriz, que o olhava
assustada. Por Deus, se tivesse que dar a vida por alguém,
daria por ela sem hesitar.
― Deixa-a, ela não tem nada a ver em tudo isto. Isto é
entre você e eu. Pegue tudo o que quiser inclusive o navio,
mas não lhe faça mal ― pronunciou para Tessel.
Tessel se afastou dela sorridente e depois o interrogou
com o olhar.
― Isto é entre eu e você? ― repetiu o que ele havia dito.
―Me parece que não compreendeu o que aconteceu, capitão.
Isto não é entre você e eu. Como já lhe disse, isto são
negócios… ― Depois se virou para ela. ―Há uma pessoa que
está desejando vê-la e pagará uma grande soma de dinheiro
para recuperá-la… entre outras coisas.
Duncan e Beatriz se olharam sem compreender, depois
Tessel encolheu os ombros e sorriu para Duncan.
― Então, simplesmente é isso, não tenho nada contra
você, capitão. São somente negócios ― sorriu mais
abertamente e olhou para os homens que seguravam Beatriz.
―Levem-na para o navio!
― Não! ― gritou Duncan dando alguns passos à frente,
mas nesse momento, nem as espadas puderam com ele,
lançou um daqueles homens ao chão e em outro deu um
chute, enquanto via como começavam a arrastar a Beatriz
pelo convés enquanto ela gritava assustada.
Tessel observou a imagem impressionado, com os olhos
muito abertos, e inclinou o rosto para ele enquanto
finalmente um grupo de seus homens conseguiu retê-lo de
novo.
― Encontrarei você ― Duncan gritou para Beatriz.
―Prometo que a encontrarei.
Beatriz não parava de gritar enquanto a passavam para
o outro navio, tentando se desfazer daquelas mãos.
A última vez que a viu, ela tentava com suas pernas
golpear um dos homens, porém este a ergueu, agarrando-a
pela cintura. Conseguiu identificar o terror em seus olhos,
enquanto as lágrimas banhavam suas bochechas. Não
conseguiu ver mais, pois Tessel se colocou diante dele.
― Ora, ora…. ― Tessel disse divertido.
Duncan tentou se jogar sobre ele, mas os homens o
mantinham preso pelos braços.
― Toque um só cabelo dele e será a última coisa que
você fará ― ele ameaçou.
Tessel riu sem graça, e voltou a colocar a arma em seu
peito.
― Que conste que eu não tenho nada contra você,
capitão ― riu abertamente. Depois olhou a seu redor e
assinalou um de seus homens para que se aproximasse.
―Amarre-o ― ele pronunciou distanciando-se.
― Juro que acabarei com você ― gritou Duncan
enquanto vários homens o seguravam e um deles amarrava
suas mãos às costas. ― Encontrarei você, onde estiver e o
matarei com minhas próprias mãos!
Tessel fez um gesto como se não se intimidasse com
suas palavras e voltou a encolher os ombros.
― Sabe? Havia pensado em ter um pouco de clemência
com você ― ele disse olhando as mãos. ―Mas visto que minha
vida vai ficar em perigo posteriormente… ― Olhou para seus
homens e sorriu. ― Queime o navio. ― Levantaram Duncan
com as mãos atadas às costas e o levaram até um dos
corrimões onde estavam amarrando o resto de sua tripulação.
― E, por favor… ― continuou com tom brincalhão. ― Façam
nós fortes, eu não gostaria que se desamarrassem. Vereemo-
nos, capitão. ― Saudou com a mão enquanto subia o
corrimão e cruzava para o outro navio. ―Embora eu acredite
que será dentro de muito tempo, e não neste mundo ― ele
brincou enquanto saltava para seu convés e Duncan o perdia
de vista.
Olhou para seu lado, a poucos metros, parte de sua
tripulação permanecia amarrada, alguns feridos gravemente,
com cortes pelo peito, braços e na face.
Jerry estava amarrado bem frente a ele, do outro lado do
convés. Olhou-o durante alguns segundos, enquanto aqueles
piratas começavam a encharcar o convés de seu navio, com
azeite.
Duncan tentou desatar as mãos, apertaram forte os nós
e era praticamente impossível movê-las.
Observou como um daqueles homens lançava um dos
lampiões acesos sobre o azeite e em seguida as chamas
invadiram parte do convés. O calor começou a sufocá-los,
enquanto os piratas cruzavam para seu navio, sem olhar para
trás.
Duncan olhou para seu lado. Damien, um moço jovem
permanecia ajoelhado a seu lado, se queixando.
― Damien ― gritou. O moço elevou o olhar para ele e
Duncan aproximou sua bota o máximo possível. ―Tente tirar
a adaga de minha bota e corte as cordas ― ele pronunciou
com urgência, enquanto as chamas cada vez se aproximavam
mais.
Beatriz se remexeu inquieta. A haviam levado,
praticamente arrastada, até um pequeno quarto, enquanto
ela lutava para se desfazer de suas mãos. Foi impossível.
Atiraram ela para dentro e fecharam a porta com a chave.
O cômodo estava totalmente vazia. Nem sequer havia
uma cama. Nada, absolutamente nada. A única coisa que
havia era algumas cordas e alguns utensílios marinhos.
Voltou a se aproximar da porta e começou a puxar a
maçaneta.
Arrasada, gemeu e apoiou a testa contra a porta. Sentiu
desejo de gritar. Duncan era o único que estava em sua
mente. O viu correr para ela, tentar defendê-la, mas não
conseguira e agora… o que seria dele? Seu coração se partiu
em mil pedaços. Aí teve a plena consciência. Amava-o.
Apaixonou-se perdidamente por aquele homem, sem
reservas.
Gemeu e se deu conta de sua respiração acelerada
enquanto as emoções tomavam conta dela, e o quanto ficava
consciente da perda, do medo e da dor que a açoitavam
naquele momento.
O navio começava a se mover, afastando-se. Virou-se e
olhou pela pequena janela em frente a ela. Era uma janela
bastante pequena, porém algo chamou sua atenção. Havia
muita luz.
Aproximou-se lentamente dela. Então viu. Não
conseguiu conter o grito e começou a golpear a janela com
raiva, sentindo a impotência.
O navio de Duncan estava totalmente em chamas,
envolto em um fogo abrasador que destruía toda a madeira e
a convertia em cinzas. Contemplou a queda de outro mastro.
Gritou desesperada machucando a garganta, consciente
de que ele estava naquele navio, consciente dos sentimentos
que afloraram nela e consciente de que, certamente, não
voltaria a vê-lo.
Caiu para o chão, rodeando-se com os braços, tremendo
de medo e de dor, observando aquela pequena peça vazia,
com um só pensamento em sua mente. Duncan.
Ficou ali, sentada, sem se mover, consciente do perigo
que corria. Passaram-se várias horas até que escutou alguns
passos que pararam atrás da porta. Moveu-se rapidamente,
ficando em pé em um canto daquela pequena habitação e
observou como a porta se abria, lentamente.
Tessel apareceu diante dela, com sua típica postura,
com as mãos nas costas. Beatriz ficou ainda mais nervosa, ao
ver que ele empunhava a arma e começou a tremer.
Moveu-se para um lado diante do atento olhar dele, e se
apoiou contra a parede como se quisesse se fundir com ela.
― O que eu estou fazendo aqui? ― ela perguntou com
voz trêmula, a beira do pranto.
Tessel a observou de cima abaixo e guardou a arma em
seu cinturão, mas aquilo não a acalmou.
― Já disse anteriormente. Negócios.
Ela apertou os lábios enquanto notava como uma
lágrima escorregava por sua bochecha.
― O que fez com Duncan? ― gritou para ele.
Tessel sorriu.
― Eu não fiz nada. ― Depois deu alguns passos para o
lado enquanto tocava a barba. ― O fogo se encarregou disso.
Beatriz prendeu a respiração, enquanto um gemido saía
do mais profundo de seu ser. Sua tristeza se transformou em
raiva e, sem poder evitar, lançou-se para ele começando a
golpeá-lo no peito, mas Tessel não parecia ter tanta
paciência. Agarrou-a pelos braços e a empurrou contra a
parede sem pena alguma. Ela bateu forte na parede e voltou
a cair ao chão.
― Não me provoque moça ― ele rugiu.
Ela se arrastou para o canto e se encolheu segurando as
pernas com os braços.
Tessel ficou observando-a, a pouca distância, até que
deu um passo à frente.
― Foi mais fácil do que eu esperava, e você vai me
conseguir uma boa soma de dinheiro e uma patente muito
importante para mim.
Ela ficou pensativa e se remexeu nervosa.
― Não sei do que está falando ― ela gritou para ele.
―Mas lhe asseguro que pagará o que fez ―ela ameaçou.
― E quem vai me fazer pagar? ― ele ironizou abaixando-
se em frente a ela. Depois inclinou seu rosto com um leve
sorriso. ― Que eu saiba seu maravilhoso capitão, que se
esforçou bastante para mantê-la a salvo, agora deve estar
alimentando os peixes, com suas cinzas.
Ela prendeu a respiração e gemeu.
― Você é um assassino! ― gritou para ele.
Tessel ficou em pé de novo.
― É o preço que terá que pagar para obter certos
benefícios. ― Se virou e observou-a da porta. ―Não se
preocupe, uma moça tão linda como você não demorará em
encontrar outro homem que esteja disposto a dar sua vida
para tê-la a seu lado. ― Sorriu ironicamente. ―Espero que
sua estadia seja agradável.
Virou-se e foi diretamente para a porta, fechando-a
atrás de si com uma batida.
Aquela batida a fez se encolher. Sua respiração estava
muito acelerada, seu coração parecia que ia sair de seu peito.
Duncan, morto? Sua mente não conseguia conceber algo
assim, não podia ser.
Viu-se arrastada à deriva, sem conseguir controlar os
espasmos nervosos do pranto que a sacudia. Ele tentara
protegê-la. As lembranças reapareceram. Quando o vira pela
primeira vez naquela ilha, quando saquearam o navio francês
e a levara, quando fora ao navio de O’Donell para procurá-la,
a forma em que a beijara e fizera amor, a forma como tentara
protegê-la, jogando-se sobre Tessel, aquele olhar protetor e
divertido, seu sorriso… Aqueles pensamentos a deixaram
consciente do que perdera. O que faria agora? Agora ele já
não estava ali e algo ficara claro, nada a retinha ali. Precisava
retornar para sua época. Para seu lar.
22

As horas passavam muito lentas. Observou através da


pequena janela como a noite dava passagem ao novo dia. Um
dia, totalmente, diferente para ela. Apesar de que nenhuma
só nuvem atravessava o céu, era como se faltasse luz, cor… O
céu estava opaco, o mar já não era brilhante, mas, sim,
escuro.
Nem sequer sabia para onde se dirigiam, mas em um
determinado momento Tessel entrou depressa.
― Vamos ― ele pronunciou agarrando-a pelo braço.
Beatriz nem se queixou. Praticamente não possuía
forças, não somente porque não lhe deram alimento, nem
água, mas sim por um sentimento de pena e perdição que a
invadia. Jamais havia sentido algo assim.
A conduziu através do corredor e quando saiu para o
convés ficou impressionada ao ver a praia diante dela.
― É Nassau? ― ela perguntou.
Tessel nem se dignou a responder. Limitou-se a
continuar puxando-a para um navio que estava em frente.
Não sabia para onde a levavam, nem quem estaria naquele
navio. Nada lhe importava, absolutamente nada.
Certamente, em sua época já a teriam dado por morta.
Nada mais longe da realidade, ela se sentia assim nesses
momentos, como se tivessem pegado seu coração e o
houvessem partido em mil pedaços.
Tessel a conduziu para o interior desse novo navio. O
que fariam com ela? Venderiam? Matariam?
Não sabia de onde se encontrava até que reconheceu
aquela porta. O coração deu um salto e uma lágrima
começou a escorregar por sua bochecha quando a porta se
abriu e reconheceu Bastian. Ele se encontrava no outro lado
do camarote, com uma taça de vinho na mão.
Tessel a soltou e no instante e seus olhares se
encontraram.
― Bastian! Ela disse a beira do pranto.
Bastian também se emocionou, pois, seus olhos estavam
mareados. Deixou a taça de vinho sobre a mesa e correu para
ela, abraçando-a.
― Está vivo… ―ela gemeu contra seu peito. ―Está bem.
Notou como a mão dele acariciava seus cabelos.
― Sim Beatriz, estou bem ― sussurrou contra seu
ouvido ainda a abraçando. ―E você? Como está?
Ela se afastou um pouco dele, ainda maravilhada por
vê-lo, enquanto secava uma lágrima.
― Estou bem.
― Tinha tanto medo de não voltar a vê-la ― ele voltou a
abraçá-la contra ele. ―Pensava que poderiam tê-la
machucado.
― Não ― gemeu ela. ―Não me fizeram mal.
― Senti tanto medo ― ele sussurrou contra seu ouvido.
Uma tosse intencional, fez com que ambos se virassem.
Beatriz se colocou instintivamente atrás de Bastian,
assustada, pois esquecera, totalmente, que aquele bárbaro
pirata se encontrava ali.
― Bem ― sorriu Tessel. ―Já a tem. Agora… me entregue
o que me prometeu.
Beatriz ficou totalmente paralisada. Já a tem? Entregue-
me o que me prometeu? O que significava aquilo? Todo o
sangue de seu corpo se gelou. Ele era a causa do por que ela
estava ali?
Bastian se afastou levemente e abriu uma das gavetas
tirando alguns documentos. Observou-os e confirmou, como
se estivesse de acordo com o que estava escrito neles.
― Aqui os tem. Um trato é um trato ― pronunciou
oferecendo-os.
Tessel pegou-os a contragosto, como se tanta educação
o desgostasse, e os observou. Um sorriso apareceu em seu
rosto. Sim, uma carta de corso que o autorizava a saquear
todos os navios ingleses que quisesse, uma patente que
legalizava sua presença naquelas águas.
Beatriz observou a cena sem pestanejar, afastando-se
daqueles dois homens. Bastian contratara àqueles bárbaros
para que a resgatassem? Os mesmos bárbaros que acabaram
com a vida de Duncan?
― Encantado de fazer negócios com você, general ―
pronunciou Tessel com um sorriso. Olhou Beatriz pela última
vez e abandonou o camarote a passo ligeiro.
Bastian se virou para ela com um sorriso. Sim, tudo
saíra tal e como esperava. Ela estava novamente junto dele.
Agora, nada podia ser ruim. A mulher que ele amava se
encontrava a seu lado. Nada importava, nem os remorsos o
escavavam por dentro, pelo que fizera, por aquele acordo sujo
com os holandeses. Agora somente ela importava.
― O que você fez? ― perguntou Beatriz incrédula, que
sem caráter Bastian foi ela o acusava com o olhar. Ficou
alguns segundos hesitando.
― Fiz com que a trouxessem de volta. ―ele sussurrou
coibido.
― Você fez o quê? ― ela perguntou surpresa. ―Você
mandou os holandeses por mim?
― Sim ― ele sorriu como se estivesse orgulhoso disso.
Ela se remexeu inquieta, até que lhe falharam as
pernas. Os holandeses. Duncan. Bastian fora a causa. Uma
ira que não conhecera até o momento se apoderou dela.
― Como pode? ― ela gritou para ele dando alguns
passos, realmente encolerizada.
Bastian a olhou de cima abaixo, surpreso pela atitude
raivosa de Beatriz.
― Pensei que estaria agradecida. Resgatei você daqueles
bárbaros!
― Mataram os ingleses! ― ela voltou a gritar.
Ele apertou os lábios.
― Não mereciam outra coisa.
Foi até ele e o esbofeteou.
Bastian ficou com o rosto abaixado, totalmente imóvel
pelo que ela fizera.
― Como pode fazer algo assim? ― Quase cuspiu nele. ―
Contratou alguns piratas holandeses para que me
resgatassem! Você se vendeu! E, além disso, mataram muita
gente! ― Gritou. ― É um ser desprezível.
Bastian a olhou diretamente nos olhos. Naquele
momento Beatriz identificou um olhar totalmente diferente
nele. Não o conhecia muito, mas jamais vira um olhar tão
furioso e gélido como aquele.
Elevou sua mão e esbofeteou a bochecha de Beatriz,
atirando-a ao chão. Ela bateu o ombro ao cair e notou o
sabor do sangue em sua boca.
― Isto fiz por você! ― ele gritou para ela. ―E teria feito o
que fosse preciso para colocá-la a salvo!
Beatriz se endireitou enquanto levava a mão à bochecha
que começava a pulsar. Girou seu rosto para ele com os olhos
lacrimosos e gemeu.
― Você o matou! ― ela chorou. ―Incendiaram o navio…
― São ingleses! ― ele gritou sem remorso algum, como
se não compreendesse como ela podia dizer isso.
Beatriz se virou para ele e o fuzilou com o olhar.
― Como pode ser tão cruel? Mataram muitas pessoas.
Bastian se abaixou a seu lado, sem nenhum sentimento
aparecendo em seu rosto inexpressivo.
― São ingleses ― ele voltou a dizer como se aquela fosse
a resposta que devia dar depois a olhou arqueando uma
sobrancelha e sorriu ironicamente. ―Se não conhecesse a
piedade de seu coração, eu pensaria que sentia certo carinho
pelos ingleses.
― Não é carinho, sentia algo mais ― sentenciou ela.
Ele a olhou fixamente e depois agarrou seu rosto
apertando suas bochechas. Aproximou-se de forma
intimidante, furioso.
― Não é o que uma garota espanhola deveria sentir pelos
ingleses!
Ela se afastou dele e se arrastou, engatinhando pelo
chão.
― Você não pode me dizer o que devo ou não sentir.
Porque para mim, você não é melhor que aqueles que tanto
odeia. Vendeu seus ideais. Diga, seu governo foi informado
do que fez?
Bastian não se moveu, permaneceu abaixado enquanto
ela se arrastava tentando manter a distância.
― Verá que por sorte sou um general francês muito bem
valorizado por meu rei ― ele explicou com paciência, embora
sua voz não transmitisse nada. ―E suponho que meu rei e o
império ao qual sirvo, estarão de acordo com o que tenho
feito. Afinal, resgatei uma mulher espanhola das cruéis
garras dos ingleses que a mantinha prisioneira.
Ela ficou quieta, com uma lágrima escorregando por sua
bochecha. Não tinha nada a fazer. Contemplou-o durante
alguns tensos segundos. Ele parecia ter ficado pensativo. Não
se atreveu a dizer mais nada.
Ele se levantou lentamente, sem sequer olhou-a e
arrumou a camisa.
― Partiremos à França, hoje mesmo.
Beatriz se atreveu a elevar o olhar.
― A França? ― Negou com a cabeça. ―Eu… não quero…
Por favor, me escute, deixe que eu fique em Nassau, prometo
que não direi nada do que aconteceu, mas não me leve à
França, suplico-lhe isso!
Bastian ajustou as mangas da camisa com calma e
finalmente se dignou a olhá-la.
― Arrisquei muito para tê-la de volta comigo ― ele
pronunciou. ―Tenho feito coisas que jamais teria imaginado
que faria por uma mulher ― acabou admitindo. ―E lhe
asseguro que não penso em deixá-la ir.
Dito isto se virou e saiu do camarote sem olhar para
trás.
Beatriz ficou no chão. Já não era somente por tudo o
que perdera, mas, também, por descobrir que Bastian era o
culpado disso. Ele tinha sido a causa pela qual Duncan
morrera.
Aquela última frase que ele pronunciou lhe arrepiou a
pele: “E te asseguro que não penso em deixá-la ir”. Bem, se
conseguira escapar de Duncan uma vez, podia apostar que
escapar de Bastian seria muito mais fácil.
Levantou-se quando escutou que uma chave era
introduzida na fechadura da porta, e dava várias voltas.
Correu para a porta e puxou a maçaneta.
― Não! ― gritou enquanto esmurrava a porta. ―Por
favor, Bastian!
Voltou a puxar, consciente de que ele a deixara
encerrada em seu camarote.
Apoiou a testa contra a porta e se deixou cair sobre o
chão do camarote enquanto seu corpo tremia desesperado,
pelos espasmos do pranto.
Segurou as pernas com os braços e baixou seu rosto até
os joelhos dando rédea solta a toda a dor, medo e desespero
que sentia.
Os dias foram passando. Bastian não voltara a aparecer
por aquele camarote. Durante os primeiros dias estivera
nervosa quando escutava passos pelo corredor, ou quando
abriam a porta para lhe deixar, uma vez ao dia, um prato de
comida com água. No terceiro dia compreendeu que Bastian
não a procuraria, o que a deixou mais tranquila.
No sexto dia ancoraram perto de algumas ilhas. Nem
sequer as viu, simplesmente pode olhar através da pequena
janela quando baixaram os botes. Supunha que deviam ser
as ilhas Açores, assim em um dia mais ou quando muito
dois, a partir de quando saíssem, chegaria à França.
Fora uma única noite. Quando os marinheiros
retornaram ao navio a altas horas da madrugada, ouvira-os
gritar e cantar, animados, provavelmente, por um consumo
excessivo de álcool. Temeu a aproximação de algum deles,
mas nada, era como se não soubessem que ela se encontrava
ali.
Partiram no dia seguinte e, tal e como havia calculado,
demoraram pouco mais de um dia para alcançar à costa
francesa.
Durante todos aqueles dias presa, pensava em alguma
forma de escapar, de fugir. Ao menos, na França seria muito
mais fácil encontrar alguém que a ajudasse e possivelmente
pudesse ir à Espanha e conseguir que algum navio a levasse,
novamente, às Bahamas. Sabia que seria complicado, mas
não ficaria de braços cruzados. Devia escapar, fosse como
fosse e, se tivesse a mínima oportunidade, faria.
Bastian mudara. Já não era o homem cândido e de
porte elegante que ela conhecera, devia ter levado em conta
que ele era um general francês e que não teria conseguido
aquele posto, se não tivesse um caráter em parte hostil. Era
um homem de batalha, de guerra… Mas parecia que o fato de
admitir que estivesse interessada em um inglês o tinha
desequilibrado, até o ponto de golpeá-la. Aquilo ele não
poderia perdoar.
Quando o conhecera, durante seus primeiros dias,
intuíra que ele sentia algo por ela. Ficou claro que era assim,
do contrário não teria contratado piratas holandeses para seu
resgate. Podia compreendê-lo, até certo ponto, pois ele não
sabia dos sentimentos que dedicava para Duncan, já morto.
A forma como ele executara aquele plano fora tão horrível,
que ainda lhe produzia ânsias. A forma como desprestigiara
os ingleses, ao Duncan, sem uma ponta de remorso pelas
mortes que causara, deixavam claro que aquele homem não
possuía coração.
Duncan, entretanto, a perdoara. Também se recordava
que ao escutá-la gritar, deteve-se naquela praia quando
esteve a ponto de acabar com O’Donell.
E agora, por culpa de Bastian, Duncan já não existia.
Foi um alívio quando o navio finalmente se deteve na
costa francesa, Chris, a quem ela reconhecera no princípio,
foi procurá-la no camarote.
Não disse absolutamente nada, simplesmente se limitou
a segurá-la pelo braço e a arrastá-la pelo corredor.
Depois de tantos dias sem notar a brisa marinha em sua
pele se sentiu livre. O convés era uma verdadeira confusão,
vários homens arrastavam cordas, latas…
Reconheceu o porto de Havre, no instante. Recordava-se
que o visitara em sua época, na viagem de fim de curso do
EGB, à França.
O Havre recebera seus primeiros navios, em outubro de
1517. Rapidamente se converteu em um de pontos de união
da frota militar francesa durante as sucessivas guerras que
açoitaram o país.
Em finais do século XVI o contrabando começou a
chegar com produtos americanos tais como: açúcar, tabaco e
couro.
Era irônico pensar que durante o ano 1562,
concretamente em 8 de maio, durante a guerra da Religião,
reformadores sitiaram O Havre e, temendo um contra-ataque
da armada real, pediram ajuda aos ingleses, que enviaram
mais de seis mil soldados de infantaria e mais de trezentos a
cavalo, e que mesmo assim, foram derrotados e o forte de
Warwick, foi destruído pelo rei da França.
Depois disso, nos séculos XVII e XVIII o porto foi
modernizado por ordem do Cardeal Richelieu, governador da
cidade, que mandou construir um arsenal, reforçar as
muralhas e levantar uma fortaleza, que, posteriormente,
usaria para encarcerar os príncipes herdeiros.
Foi justamente no século XVIII quando O Havre
reafirmou sua vocação marítima e internacional, ao ser
instalada: A companhia das índias, nesse porto. O tráfico de
escravos enriqueceu os negociantes do porto.
Seu olhar foi para Bastian, que se mantinha ereto,
observando o porto marítimo e como seus homens baixavam
barris e baús pela rampa até o cais.
Como se Bastian se dessa conta ou como o olhar de
Beatriz pudesse lhe queimar a nuca, virou-se para ela.
Contemplou-a durante alguns segundos e se aproximou
indicando para Chris, com um movimento de sua cabeça, que
os deixasse a sós.
Ela deu um passo para trás ante a proximidade de
Bastian.
― Espero que a viagem tenha sido de seu agrado ― ele
ironizou.
Ela o olhou fixamente, mas não respondeu. Parecia que
ele procurava de novo uma confrontação, mas não, a partir
de agora se manteria calada, sem pronunciar nada, à espera,
simplesmente, de poder escapar.
Bastian esperou alguns segundos, sua resposta, e ao
não obter, encolheu os ombros e voltou a olhar para a
passarela.
― Partiremos em breve para Burdeos. ― Depois deu um
passo afastando-se, sem olhá-la. ― Espera-nos uma longa
viagem, assim, sugiro que estique as pernas agora.
Sim, ela ia esticá-las, mas, quem dera fosse para lhe dar
um chute em todo seu traseiro.
Dito e feito, Bastian não podia ter sido mais pontual. Em
pouco mais de uma hora se encontrava em uma carruagem
passeando pelo porto marítimo. Depois de carregar alguns
baús e barris na parte alta daquela luxuosa carruagem,
tomaram direção a Burdeos.
Ao menos a carruagem possuía assentos macios, porque
sabia que a distância entre Havre e Burdeos era longa, e
levando-se em conta que a viagem era em uma carruagem.
Sabia que poderia passar dois dias inteiros viajando. Aquilo a
fez imaginar de que deveriam passar a noite em algum lugar.
Prometeu-se que não lhe dirigiria a palavra, mas se
quisesse escapar devia ter um plano.
Virou-se e observou Bastian, que permanecia olhando
pelo outro lado.
― A viagem até Burdeos é longa ― ela sussurrou
olhando novamente para sua janela. ―Não vamos parar até
chegar?
Bastian não fez gesto de virar-se.
― Os cavalos precisam descansar e também meu chofer
― pronunciou sem um ápice de entonação. ―Passaremos a
noite em Mans.
Não sabia muito bem onde se localizar no mapa, mas se
algo estava claro é que se afastavam da costa e, portanto, das
suas possibilidades de encontrar um navio que a ajudasse a
retornar às Bahamas.
A única coisa que sabia é que Mans, durante aquele
século, caracterizou-se pela produção de cera e têxtil, e que
graças a isso, conseguira um grande prestígio internacional,
assim com sorte, se conseguisse perder Bastian de vista,
possivelmente encontrasse algum comerciante que se
dirigisse ao porto e que pudesse acompanhá-lo.
Devia tentar, embora se falhasse restaria Burdeos. Lá se
encontrava o Porto da Lua e seria muito mais fácil conseguir
um navio.
23

Durante cinco horas e meia atravessaram bosques e


povoados pequenos. O estalo continuado da carruagem sobre
o barro e as pedras, estava provocando dor de cabeça e nas
costas.
Finalmente tomaram um caminho de terra, ao final do
qual, havia uma enorme mansão de pedra.
Manteve-se totalmente calada durante todo o trajeto,
sem se dignar a olhá-lo. Notara que ele a observava de vez em
quando, mas, também, se negou a lhe dirigir a palavra.
Quando a carruagem se deteve, um suspiro saiu do
mais profundo de seu ser, embora se assustasse quando
abriram a porta rapidamente e um mordomo os recebeu com
uma reverência.
― General Dupont ― pronunciou totalmente absorto.
Depois disso, deu um passo para trás para deixá-los descer.
―Não esperávamos sua visita. ― Bastian observou de canto
de olho como ela se mostrava na porta da carruagem. ― O
senhor… veio acompanhado.
― Sim ― ele sorriu para o homem e se virou para ela lhe
estendendo a mão para ajudá-la a descer. Ela o olhou e
desceu diretamente sem segurar sua mão.
Bastian encolheu os ombros como se sua reação não lhe
importasse e deu um passo à frente, aproximando-se do
mordomo.
― Está em casa a Senhora Blanche?
― Sim, senhor. Acompanhe-me ― disse virando-se,
caminhando para a enorme moradia.
A mansão era enorme, toda de pedra.
Beatriz caminhou atrás de Bastian pelo caminho de
pedra, ladeado por um jardim cuidado, até o último detalhe.
As árvores frondosas se encontravam circundadas por
numerosas flores. A grama estava bem cuidada e aparada.
Subiram os degraus, atravessaram o enorme alpendre e
entraram.
Era espetacular. O mármore de cor amarela do solo dava
luminosidade a toda a moradia. As paredes, de um branco
imaculado, unicamente se rompiam pelos enormes quadros
de paisagens.
― Se esperarem aqui, por favor, ― disse o mordomo
fazendo uma pequena reverência.
Assim que os deixou a sós, Bastian se virou para
Beatriz, que olhava a seu redor.
― Uma casa muito luxuosa, não é verdade? ― perguntou
com indiferença.
Ela se virou para observá-lo. Ele se mantinha naquela
postura tão ereta, colocando sua mão sobre a espada que
levava no cinturão.
― Quem é a senhora Blanche?
― Trata-se de uma viúva.
Ela arqueou uma sobrancelha.
― Uma viúva?
Ele a olhou de cima abaixo diante do olhar insinuante
que ela lhe dirigia. No instante sorriu de forma mais aberta.
― Ora, Beatriz ― disse aproximando-se lentamente. ―É a
viúva de meu amigo. ― Colocou-se ante ela e a olhou
fixamente. ―Não sou tão desprezível quanto você imagina.
Ela lhe devolveu o olhar.
― Não, acredito que é ainda mais.
Bastian ia responder quando a voz de uma mulher
chamou sua atenção.
― Bastian? ― dizia a mulher maravilhada.
Era realmente formosa. Não devia chegar aos quarenta
anos. Seu cabelo comprido loiro permanecia recolhido em um
coque alto. O vestido vermelho ressaltava sua impressionante
figura enquanto caminhava para eles com um sorriso, com
seus formosos olhos azuis, cintilantes de felicidade.
Bastian se adiantou para ela e segurou sua mão
inclinando-se para beijá-la.
― Senhora Blanche.
― Que agradável surpresa, não sabia que vinha.
Ele ficou ereto de novo, embora lhe notasse muito mais
relaxado.
― Sinto me apresentar assim, mas cheguei esta mesma
manhã ao porto.
Ela sorriu ainda mais.
― Não se preocupe. Este tipo de surpresas são as que
me alegram a vida.
Bastian lhe devolveu o sorriso.
― Espero não lhe causar nenhum desgosto. Dirigimos-
nos para Burdeos e são muitas horas de viagem. Perguntava-
me se seria possível passar a noite aqui ― pronunciou
assinalando Beatriz.
A senhora Blanche pareceu se dar conta da presença da
Beatriz naquele momento.
― Oh! ― ela disse dando alguns passos para ela. ―
Desculpe não a tinha visto. Sou a senhora Blanche ―
pronunciou cordialmente enquanto flexionava seus joelhos.
― Beatriz Ibáñez. ― Repetiu o mesmo gesto dela.
― Prazer em conhecê-la. ― Virou-se para o Bastian de
novo. ― E é obvio que são bem recebidos. Podem ficar os dias
que necessitarem.
― Será somente esta noite ―ele respondeu agradecido.
A senhora Blanche se virou para um de seus mordomos
e assinalou para a porta de entrada.
― Descarreguem da carruagem tudo o que necessitem. ―
Depois olhou algo nervosa para Bastian. ― E levem para uma
habitação ou para duas?
Beatriz interveio nesse momento.
― Para duas ― disse divertida. ―Somos somente
conhecidos.
A senhora Blanche pareceu confusa durante alguns
segundos, porque ambos viajavam juntos e era estranho, mas
conseguiu reagir bastante rápido.
― Bem, pois deverão me explicar como se conheceram ―
propôs ansiosa para conhecer sua história. Depois olhou o
relógio situado sobre uma das mesas, que descansava ao lado
de um enorme vaso com flores. ― Senhorita Ibáñez, suponho
que estará esgotada. ― Assinalou para outro de seus
serventes. ―Acompanhem eles as suas diferentes habitações.
O jantar será servido em algumas horas. ― Ambos aceitaram
agradecidos. ―Ah, e… ―se aproximou um pouco mais a ela,
como se fosse lhe confiar um segredo. ―Suponho que
agradecerá um banho, não?
Ela sorriu imediatamente.
― Muitíssimo.
― Perfeito. Agora o prepararão ― continuou realmente
animada. ―Jantamos as sete.
Fez uma nova reverência e voltou para o salão por onde
vieram. Parecia uma mulher agradável. Olhou de esguelha
para Bastian, que a observava com um olhar interrogativo,
até que o mordomo indicou que o seguissem.
Conduziu-os por amplas escadas que se dividiam em
duas, conduzindo a primeira para o corredor da direita e a
outra para a esquerda.
Tomaram o corredor da direita, um corredor comprido,
enfeitado, com quatro portas a cada lado.
― Esta é a habitação da senhora. ― Assinalou à primeira
porta. ―E esta a do senhor ― continuou, ao colocar-se frente
à seguinte.
― Muito obrigado ― disse Bastian.
― Se precisarem de algo estamos ao seu dispor. ―
Depois olhou para Beatriz. ―Mandarei que encham sua
banheira e assim que esteja pronta lhe aviso.
― Obrigada ― ela respondeu timidamente.
Em seguida e sem esperar que o mordomo ou Bastian
dissessem algo mais, entrou em sua habitação e fechou a
porta atrás de si. Apoiou-se contra ela e suspirou, fechando
os olhos e tentando se acalmar.
Quando abriu os olhos ficou totalmente deslumbrada
ante o que presenciava. A habitação era enorme. Os móveis
eram de madeira escura. No centro havia uma enorme cama
que bem poderia ter servido de cama de matrimônio,
enfeitada com numerosas almofadas coloridas sobre uma
colcha azulada. A cada lado, havia uma pequena mesa.
Foi para a cama e passou a mão pela colcha de seda.
Era suave, dormiria realmente bem ali.
Ao lado da cama e contra a parede havia uma grande
penteadeira com um espelho e, em frente, um enorme
armário. Embora não fosse isso o que mais chamou sua
atenção.
Atravessou correndo a habitação e correu a cortina da
janela. Abriu-a e olhou para baixo. Estava praticamente em
cima do alpendre. A esperança voltou a se apoderar dela.
Possivelmente, depois de tudo, poderia escapar. Se tivesse
sorte poderia perder o Bastian de vista o tempo necessário.
Embora não soubesse onde se encontrava, estava claro que
era bastante afastado do mar, não obstante, esperava
encontrar alguma alma caridosa que a ajudasse a chegar até
a costa. O primeiro e mais importante era escapar dali, sem
ser vista, e afastar-se o máximo possível. Encontrar um navio
era secundário. Não se importava em demorar um, dois ou
três dias até chegar a um porto se conseguisse fugir daí.
Uma dúvida a assaltou. O que pensaria a senhora
Blanche sobre ele, mantendo-a retida contra sua vontade?
Estaria de acordo? Durante alguns segundos cogitou a ideia
de lhe pedir ajuda, parecia boa mulher, porém logo a
descartou. Era amiga de Bastian, não podia expor-se a lhe
explicar algo e que ela acabasse por delatá-la. O melhor era
fazer aquilo no mais absoluto silêncio.
Voltou a observar para o alpendre. Era uma boa queda,
mas devia admitir que fosse maior que altura daquela
hospedaria em Nassau, quando tentara fugir de Duncan. O
coração voltou a entristecer, não havia uma só hora que não
o tivesse em sua mente, mas alguns momentos eram mais
difíceis do que outros, de aguentar.
Saltaria sobre o alpendre, dali poderia saltar à rua e, se
não quebrasse nenhum osso, poderia chegar a um dos
povoados pelos quais passaram. Recordava-se que tomaram
aquele caminho de terra uns quinze minutos depois de
passar por um pequeno povoado. Sabia que caminhando ou
correndo seria maior o tempo empregado, mas podia tentar
despistá-los escondendo-se no bosque. Sim, faria aquilo, o
melhor nesses momentos era se afastar de caminhos e
estradas.
Virou-se imediatamente e fechou a janela quando
bateram à porta. Certamente seria o mordomo lhe indicando
que seu banho já estava preparado, mas encontrou Bastian
abrindo a porta sem pudor algum, sem esperar que lhe desse
passagem.
― A habitação é de seu agrado?
Ela deu um passo para trás ao certificar-se de que ele
fechava a porta lentamente.
Ficou totalmente calada. Não responderia, de fato, não
queria falar com ele nunca mais em sua vida. Já tivera que
falar diante da Senhora Blanche, mas a sós não precisava se
mostrar cordial.
Bastian esperou um tempo razoável para que ela
respondesse, mas ao ver que ela não emitia som algum,
começou a avançar para ela alguns passos.
― Verá ― disse com um sorriso curvado ―, a senhora
Blanche, como mulher viúva e de alta sociedade que é, adora
fazer perguntas e adora as fofocas. ― Nesse momento apagou
o sorriso e a olhou seriamente, detendo-se menos de um
metro dela. ―Assim confio em que se mostrará cordial com
ela e agradecida porque nos permitiu passar a noite aqui… e
mais, não tem por que saber nada, sobre nosso assunto.
Desta vez ela endireitou as costas e não conteve suas
palavras.
― A que assunto se refere? ― ela ironizou. ―Ao feito de
que me mantém retida contra minha vontade? Ou ao feito de
que você, general da frota francesa, fez entendimentos com
piratas holandeses?
Aquela resposta o alterou, pois conseguiu ver como os
músculos de sua mandíbula se esticaram. Foi diretamente
para ela e a esbofeteou na bochecha. Não foi uma bofetada
para jogá-la ao chão, e sim para fazê-la retroceder vários
passos para trás.
― Jamais… ― disse assinalando-a e elevando a voz.
―Jamais volte a pronunciar uma ameaça contra mim,
entende? ― Ela voltou seu rosto sério para ele. ―Ou lhe juro
que da próxima vez costurarei sua boca eu mesmo, cadela.
Ela o olhou com os olhos muito abertos, enquanto a ira
voltava a se apoderar dela.
― Como se atreve a me golpear? E a me chamar assim?
― Elevou também o tom.
Bastian a agarrou pelo braço com brutalidade,
aproximando-a para ele.
― Não é mais que uma prostituta. ― ele sussurrou.
―Acredita que sou idiota? Não deixa de se lamentar pela
morte daquele asqueroso inglês. Estava apaixonada por ele?
Apaixonou-se por um miserável pirata inglês?
Ela se soltou de seu braço.
― Pode ser que fosse um pirata e que fosse inglês, mas
não tinha nada de asqueroso, nem de miserável. Você sim. ―
apontou para ele. ― Jamais poderá ser nem a metade do
homem que ele era.
Bastian a olhava como se estivesse a ponto de
assassiná-la, embora um sorriso zombador voltasse a seu
rosto.
― Nem a metade do homem que ele era? ― Desafiou-a
destacando-se a si mesmo. Em seguida voltou a agarrá-la
pelo braço e com um empurrão a atirou sobre a cama. ―Vou
mostrar o homem que posso chegar a ser.
Durante alguns segundos, Beatriz ficou paralisada.
Sabia que Bastian, ao contrário do que ela imaginara no
início, e da imagem que tivera dele, era um homem sem
escrúpulos, mas não imaginava que fosse chegar a ponto de
violá-la.
Agarrou-a pelos ombros enquanto ela começava a lutar
e a deitou sobre a cama colocando-se sobre ela.
― Solte-me! Maldito bastardo! ― gritou enquanto ele
tentava com uma mão, tampar sua boca, mas ela foi mais
rápida e quando conseguiu cravou seus dentes fazendo com
que Bastian gritasse. Aproveitou para golpeá-lo em seu rosto
enquanto conseguia endireitar-se e sair debaixo de seu corpo.
Conseguiu saltar da cama e se dirigiu, correndo para a porta,
agarrou a maçaneta e nesse momento se deteve. ―Vamos
deixar as coisas claras ― grunhiu para ele, enquanto
observava como ele se levantava, lentamente, e como uma
fúria incontrolada ia se apoderando dele. ―Jamais… jamais
se atreva a colocar uma mão em cima de mim, ou todos
saberão que você, o grande general Bastian Dupont, além de
tentar me violar, fez acordos com os holandeses. Diga-me, o
que eram aqueles documentos? Cartas de corso? ― Agora foi
ela quem sorriu abertamente. ―Falsificou a assinatura de seu
superior? Ou o enganou para que assinasse? ― Bastian a
olhou seriamente. ―Atreva-se a colocar uma mão em cima de
mim e juro que gritarei tão forte que poderão me escutar na
Espanha.
Ele permanecia totalmente sério, contemplando-a.
― Acredito que tenho outra solução, em vez de costurar
sua boca, posso cortar sua língua. Não seria a primeira vez
que o faço.
Ela deu um passo para ele, decidida.
― Se atreva ― ela grunhiu. ―Embora eu não acredite
que se sairá muito bem com seus superiores, se eles
souberem do que faz com uma pobre espanhola sequestrada
pelos ingleses. Não se esqueça, meu país é o Império
espanhol e você é, simplesmente um aliado. Não me tente.
Não sou nenhuma mulher estúpida. ― Depois abriu a porta e
indicou com um movimento acelerado, que ele abandonasse
seu dormitório. ―Mantenha a mão quieta que eu manterei a
boca fechada, agora, volte a me machucar ou a me insultar e
eu juro por Deus, que você acabará na forca, entende?
Bastian se aproximou dela até colocar-se bem em frente.
― Entendo ― ele sussurrou. ―Mas agora entenda você,
isto… diga algo outra vez e a matarei com minhas próprias
mãos.
Saiu do dormitório dando uma batida forte na porta.
Beatriz levou as mãos para seus lábios contendo o grito
pelo nervosismo dos últimos minutos. Bastian infundia muito
medo, mas agora, ao menos, parecia que ela encontrara seu
ponto frágil.
O que estava totalmente claro é que precisava partir dali
de qualquer maneira.
O jantar foi rápido. As sete, depois de desfrutar de um
tranquilo banho no qual analisara tudo o que acontecera e
voltara a imaginar seu plano de fuga, dispôs-se a descer até o
salão.
Limitou-se a comer, com bastante pressa, e a
permanecer calada com a desculpa de que estava esgotada,
pois tantas horas na carruagem lhe tinham produzido uma
dor na cabeça e nas costas.
Até se permitiu fingir um pouco de dor durante o jantar,
fazendo com que a senhora Blanche emitisse olhadas
preocupadas para ela, de modo que quando se desculpou
para voltar para seus aposentos e descansar, se despediu
agradecendo aquele fantástico jantar, não surpreendeu à
senhora Blanche, que aceitou e desejou que melhorasse.
Bastian a seguira com o olhar enquanto ela subia as
escadas. Devia reconhecer que segurara a respiração durante
toda a subida, pois o que menos queria, é que Bastian se
oferecesse a acompanhá-la até seu dormitório. De todas as
maneiras, tal e como ela deixara claro, na chegada, eram
somente conhecidos, assim não teria sido muito apropriado
que a acompanhasse.
Estava tremendo quando fechou a porta atrás dela.
Assumia que era arriscado, mas se ficasse ali, tudo indicava
que não conseguiria escapar. Ali, ao menos, Bastian estaria
mais entretido e contido pela senhora Blanche, ao contrário,
quando chegassem a Burdeos, certamente a alojaria em sua
moradia e lá, ele não teria porque ocultar ou moderar seu
comportamento.
Sim, essa era sua oportunidade de escapar, embora
devesse levar em conta que ele dormia na habitação ao lado.
Acendeu a vela e se aproximou da janela. Havia total
escuridão. A lua dotava de claridade, o bosque em frente a
ela. Não lhe custaria caminhar por aqueles bosques.
Observou a porta e começou a traçar seu plano.
Depois do que ocorrera entre eles aquela tarde, não
acreditava que ele fosse capaz de ir a seu dormitório e no
momento ele continuava no andar de baixo com a senhora
Blanche. Estava distraído e seria muito mais fácil escapar
quando ele estivesse na habitação ao lado, estaria mais
alerta. Precisava somente chegar àquele bosque. Atravessaria
a pradaria tão rápido quanto pudesse e se esconderia entre
as árvores.
Depositou a vela na pequena mesinha e colocou várias
almofadas debaixo do lençol, tentando simular um corpo.
Quando estava bom, soprou a chama deixando escura a
habitação.
Permaneceu alguns minutos em silêncio, escutando, até
que lhe pareceu ouvir ao fundo, a voz de Bastian, que
mantinha uma agradável conversação com a anfitriã.
Abriu a janela e avaliou os passos a seguir. Aquela
habitação dava no outro lado do salão, onde em princípio
ambos se encontravam, assim, com sorte, não sentiriam sua
fuga.
O portal sobre o qual devia saltar estava um pouco
baixo, somente esperava que aguentasse seu peso.
Sentou-se no marco da janela e tentou deixá-la o menos
aberta possível, para que parecesse que estava fechada.
Desprendeu-se pouco a pouco, tentando que a queda não
fosse tão grande, até que seus braços não aguentaram mais e
cederam com seu próprio peso.
Tentou controlar o grito, embora não conseguiu evitar
gemer quando aterrissou sobre o alpendre. Recuperou o
fôlego e olhou para a janela. Bem, ao menos acreditava que
não fizera muito ruído, fora bastante silenciosa. Agora já não
havia volta atrás, era impossível alcançar a janela de sua
habitação.
Engatinhou sobre o alpendre de madeira, rezando para
que ele não cedesse com seu peso e se sentou na lateral.
Bem, se a primeira queda foi bastante pomposa, esta seria
ainda mais.
Inspirou armando-se de coragem e se deixou cair para o
solo, flexionando os joelhos, embora caísse praticamente de
bruços. Sentiu uma espetada ao cair torcendo o tornozelo e
gemeu.
― Merda ― ela sussurrou enquanto se sentava sobre a
grama, estava quase segura de que torceu o tornozelo e ele
incharia em breve.
De todo modo aquilo agora não importava, a única coisa
que precisava era afastar-se o mais rápido dali, não queria
nem imaginar o que aconteceria se Bastian a encontrasse.
Ficou em pé notando a dor crescente no tornozelo e
começou a caminhar o mais rápido que conseguiu, coxeando
e lançando o olhar atrás, para aquela habitação escura de
onde havia escapado.
O bosque estava bastante perto e assim que entrasse
nele, poderia respirar mais tranquila.
Recolheu com suas duas mãos, o vestido, enquanto
tentava aumentar o ritmo, sentindo que custava cada vez
mais, apoiar seu peso naquele pé. Ele estava dolorido? Quase
asseguraria que causara uma entorse.
Voltou a lançar seu olhar para trás quando o coração se
deteve alguns segundos de susto. Havia luz em sua
habitação?
Chegou até a primeira árvore ocultando-se na escuridão
e se deteve alguns segundos para observar. Pouco depois
conseguiu ver Bastian aparecer realmente encolerizado à
janela.
Escondeu-se o mais que conseguiu na escuridão,
enquanto via como Bastian olhava de um lado para o outro.
Sentiu ressecar a boca e o ritmo de seu coração
aumentou no momento em que escutou o rugido de Bastian,
que desapareceu da janela com movimentos furiosos.
Sabia o que aconteceria, sairia para procurá-la e se a
encontrasse…
Começou a correr o mais rápido que conseguiu,
metendo-se entre as árvores, sem prestar atenção à dor de
seu tornozelo. Precisava chegar naquele povoado ou, no pelo
menos, afastar-se o máximo possível daquela moradia,
colocar distância entre ambos, embora, claramente, com a
dor do pé não pudesse correr tudo o que ela queria.
Saltou sobre rochas, raízes, rodeou árvores e afastou
ramos enquanto corria de forma desesperada, sem rumo fixo,
sem saber bem para onde se dirigia e com o único objetivo de
que Bastian não a encontrasse.
Continuou correndo, durante aproximadamente quinze
minutos, sentindo que a dor provocada pela torção era cada
vez mais insuportável, parecia como se fosse se romper de
um momento a outro, até que lhe pareceu escutar o som dos
cascos de um cavalo.
Ficou totalmente quieta e se jogou ao chão
imediatamente, ocultando-se atrás de alguns arbustos.
Certamente se fosse Bastian, ele a encontraria, pois não
duvidava de que pudesse escutar os batimentos desenfreados
de seu coração.
Tampou a boca tentando silenciar sua respiração
acelerada, escutando, até que a poucos metros, entre
algumas árvores observou uma luz.
Reconheceu-o no mesmo instante. Sua figura era
inconfundível. Caminhava pelo bosque esquadrinhando tudo,
iluminando com um lampião em sua mão, mas algo chamou
sua atenção. Bastian observava a terra e depois os arbustos.
Nesse preciso momento elevou o olhar diretamente para onde
ela se encontrava, fazendo com que ela entrasse mais na
escuridão.
Devia estar seguindo seu rastro.
Uma lágrima escorregou por sua bochecha ao ficar
consciente de seus rastros na terra, e em volta, todos os
galhos que deixara em sua passagem. Certamente, se tivesse
oportunidade de escapar novamente, faria com mais cuidado.
Aproximou-se quase se arrastando de uma árvore e se
enrolou atrás dela, rezando para que Bastian passasse por
cima. Colocou-se o mais enrolada possível, enquanto
escutava os cascos dos cavalos sobre a terra, o relinchar do
cavalo.
Não se atreveu a se mover, nem sequer a virar-se para
observar como o cavalo se aproximava da árvore onde
permanecia escondida.
Conteve a respiração durante alguns segundos,
debatendo-se entre ficar quieta ou sair correndo. Fechou os
olhos desejando que ao abri-los estivesse em sua época, que
tudo tivesse sido um simples pesadelo, mas o relincho do
cavalo a poucos passos dela lhe fez saltar e tampar a boca
com força.
Escutou como o cavalo que Bastian montava se
encontrava a poucos metros dela, até que finalmente pareceu
desistir, e seguir sua busca para a direita.
Beatriz suspirou. Todo seu corpo tremia, estava certa de
que desmaiaria a qualquer segundo. Finalmente decidiu
espiar, observando que a figura de Bastian iluminada pela
tênue luz desaparecia entre as árvores.
Bem, se moveria com todo o silêncio que fosse possível,
na direção contrária.
Ficou em pé e começou a caminhar, lançando o olhar
para trás e controlando aquela figura que ia se afastando,
pouco a pouco. Apoiou o pé sem se lembrar da dor e caiu no
chão com um pequeno grito.
Imediatamente, ficou totalmente quieta, paralisada. Meu
Deus, se a tivesse escutado viria direto para ela. Segundos
depois escutou os cascos do cavalo naquela direção.
Ficou em pé, imediatamente, sem olhar para trás, com a
respiração entrecortada e começou a correr o mais rápido que
lhe permitia aquele pé machucado.
― Beatriz! ― Escutou seu grito.
Ela gemeu enquanto saltava sobre umas raízes e
afastava os ramos sem cuidado. Jogou o olhar para trás, para
observar que ele a seguia a pouca distância, trotando sobre
aquele enorme cavalo negro e sustentando o lampião em sua
mão.
Ele a vira, não restava a menor dúvida.
Desviou-se para o lado entrando entre o matagal mais
espesso. Alguns galhos finos rasgaram sua pele e sua carne,
mas não se importava, a única coisa que importava era
perdê-lo de vista, mas, em seguida teve a noção de que o som
do cavalo era muito próximo para conseguir despistá-lo. Não
havia escapatória e tampouco dispunha de uma arma com a
qual se defender.
Virou-se para presenciar que a poucos metros, Bastian
começava a se inclinar sobre o cavalo com a clara intenção de
agarrá-la.
Abaixou-se o suficiente para esquivar seu braço, mas
deslizou e caiu ao chão, enquanto um grito saía do mais
profundo de seu ser.
Bastian deteve o cavalo e desceu de um salto enquanto
deixava o lampião sobre o solo. Beatriz não hesitou nem um
segundo. Ainda deitada sobre o solo, agarrou uma pedra e a
lançou, mas Bastian cobriu o rosto com o braço esquivando a
pedra, embora tenha gritado quando recebeu o golpe.
Ela tentou ficar em pé enquanto que com a mão
agarrava outra pedra e a lançava com força.
― Não se aproxime! ― ela gritou enquanto agarrava um
pau e o empunhava com suas duas mãos, movendo-o de um
lado a outro, com ar ameaçador.
Bastian ficou totalmente quieto, paralisado, observando-
a. Estava realmente enfurecido.
― Não se aproxime ou bato em você! ― Gritou para ele.
Bastian se moveu para um lado, estudando seus
movimentos e ela também começou a se virar preparada para
o assalto. Sabia que ele a apanharia, mas não deixaria nada
fácil.
― Solte-o agora mesmo ― gritou.
― Não!
Bastian apertou sua mandíbula enquanto a observava
colocar aquele enorme pau junto a seu ombro, disposta a dar
impulsão para golpeá-lo. Olhou-a fixamente e em um
determinado momento se aproximou, abaixou-se esquivando
o golpe e a segurou pela mão, girando-a e colocando-a de
costas enquanto ela gritava. Apertou-a contra uma árvore,
enquanto retorcia sua mão para que soltasse o pau, mas ela
resistia com todas suas forças.
― Solte-me!
Ele não respondeu, simplesmente apertou mais forte
sua mão fazendo com que ela finalmente o soltasse. Assim
que o fez, a virou para ele e a pressionou contra a árvore.
A reação dela não se fez esperar e lhe cuspiu
diretamente na face.
― Maldito seja! ― ela gritou com todas suas forças.
Bastian limpou a bochecha e rodeou seu pescoço com
sua mão sufocando-a. Nesse momento ela se assustou de
verdade. O ar deixou de fluir por seus pulmões, a pressão
começava a se acumular em sua cabeça. Segurou-se em seu
braço com as duas mãos e começou a golpeá-lo para que a
soltasse.
― Você pensou que fosse escapar de mim? ― ele
sussurrou aproximando-se dela, enquanto Beatriz continuava
golpeando-a, ― A única maneira de escapar seria com a
morte. ― Em seguida a soltou. Beatriz caiu ao solo, levando
as mãos ao pescoço, respirando profundamente, tentando
recuperar o oxigênio que não tivera durante os últimos
segundos.
Bastian ficou de pé em frente a ela. Escutou o gemido de
Beatriz, que elevou seu olhar desafiante para ele, ainda
recuperando o fôlego.
― E por que não me matas agora?
Desta vez Bastian ficou surpreso ante daquela pergunta.
Abaixou-se com um leve sorriso.
― Investi muito para tê-la comigo.
Ela tentou endireitar-se, mas tal era a proximidade de
Bastian que ela nem sequer conseguiu.
― E se eu não quiser estar com você? Não se importa?
Ele encolheu os ombros.
― Não, a verdade é que não.
Ela o olhou fixamente.
― Pensei que você era boa pessoa ―ela gemeu. ― Antes
me tratava de outra forma…
Ele revirou os olhos, como se o fato de ver que ela
empregava aquele tom entristecido o enojasse.
― Refere-se a que eu arriscasse minha vida para colocá-
la a salvo? De que removesse céu e terra para encontrá-la
indo contra meus próprios princípios? Refere-se a me dar
conta de que me traiu com o inglês que a tirou do meu lado?
― Eu não o traí ― gemeu para ele. ―Não pode mandar
em quem quero ter a meu lado, mandar em quem eu deva
amar… ― Nesse momento se deu conta de seu engano. Uma
coisa era que ele pensasse e outra, que ela dissesse
claramente.
Bastian se remexeu nervoso.
― Se deu conta do que disse? ― ele gritou para ela
furioso. ―Você é espanhola, os ingleses nos massacram.
Atacam nossas colônias, matam a nossa gente…
― Você também faz o mesmo ― ela recordou.
― Você acredita nisso? ― desafiou-a. ―Acaso fui eu
quem a manteve sequestrada? Eu a resgatei naquela ilha!
Beatriz apertou os lábios ao se recordar do que ela havia
dito o motivo pelo qual se encontrava naquela ilha, onde o viu
pela primeira vez.
Teve consciência de que Bastian estava totalmente,
encolerizado, e também ficou consciente de que se encontrava
sozinha com ele naquele bosque, longe de todas as pessoas e
da residência.
― Bastian ― disse em um tom mais tranquilo. ―Sei que
sua intenção foi boa e de verdade, não sabe quão agradecida
estou pelo que fez ― ela disse para ele. ―Poucas pessoas
teriam arriscado tanto como você arriscou por mim, mas isso
não é motivo para que me retenha.
― Apaixonei-me por você. ― ele disse apertando os
dentes. Ela ficou tensa, imaginara isto, mas escutar de seus
lábios, naquele momento e depois das coisas que ele fizera,
longe de lhe acalmar, produziu náuseas. ― Pensei que você
me correspondia, ou que possivelmente, com o tempo,
poderia chegar a me amar. ― Depois a olhou com mais
dureza. ―Mas finalmente o que encontro é que está
apaixonada pelo inglês.
― Sinto muito ― ela gemeu a beira do pranto.
Ele a olhou fixamente e voltou a revirar os olhos.
― Sente muito? ― ele perguntou zangado. ―Você não
tem princípios, mulher. Não tem realmente consciência de
tudo o que fiz por você.
― E isso justifica que me trate assim? ― A repreendeu,
finalmente. ― Justifica que me bata? Que me retenha?
Bastian ficou tenso.
― Não, isso não. Mas me traiu e não só a mim, mas a
todo o seu império ― ele explicou com voz gelada. Depois
ficou em pé. ―Tem sorte de que seja eu, outro já teria lhe
matado.
Ela ficou estendida sobre a terra, afastou o olhar dele
tentando se recompor.
Bastian não esperou mais, agarrou-a pelo braço e a
colocou em pé, com um puxão. Ela começou a se queixar
enquanto a arrastava para o cavalo.
― Se não ficar quieta eu a amarrarei ― ele ameaçou. E o
fez com tanta força que ela ficou, totalmente, paralisada
enquanto ele a colocava no cavalo para levá-la até a moradia.
24

Beatriz sorriu de forma forçada para a senhora Blanche


quando se despediu dela. Ao que parecia aquela mulher não
soubera de nada do que acontecera na noite anterior.
Depois de outras cinco horas intermináveis, viajando na
carruagem, desejou chegar a Burdeos. Quando finalmente a
viu aparecer, não soube se sentia desespero ou alegria.
Recordava que visitara Burdeos em sua viagem do EGB,
e na verdade é que os edifícios continuavam sendo os
mesmos, a mesma estrutura, embora não fosse tão grande
quanto em sua época.
Os edifícios de uma cor clara continuavam dando uma
nota de distinção e elegância à cidade. Por mais que estivesse
ofuscada, devia admitir que fosse uma das cidades mais
belas que visitara, e reconheceu que aquela época possuía
muito mais encanto que na sua.
A carruagem se desviou por um caminho, e começaram
a atravessar campos de cultivo. Nesse momento lembrou-se.
Bastian contara que dispunha de terras arrendadas onde
cultivava vinhedos para elaborar o vinho típico da região.
Supôs que aquelas eram suas terras, porque a
carruagem se deteve em frente a uma pequena mansão. Não
era tão distinta como a da senhora Blanche mas era
igualmente, elegante e, ao estar rodeada daqueles formosos
campos verdes, revestia-se mais formosura.
Bastian saiu da carruagem sem reparar nela e no
instante escutou como ele começava a falar.
Quando saiu, oito pessoas esperavam na porta.
Reconheceu o típico uniforme de serviço.
Bastian foi para a carruagem e lhe estendeu a mão,
mas, Beatriz não a aceitou e desceu da carruagem com um
pouco de esforço.
― O que quer? Não quer se curar? ― ele ironizou
enquanto a segurava pelo braço para ajudá-la a caminhar até
o pessoal de serviço. Ela não respondeu nem fez nenhum
gesto para se soltar, simplesmente deixou que ele a
conduzisse até eles. ―Esta é a senhorita Ibáñez, é nossa
convidada. ― Ela pigarreou, o que fez com que Bastian
apertasse um pouco mais seu braço. ―Permanecerá um
tempo conosco. ― Ela o olhou confusa. Um tempo? ―Atendam
em tudo o que ela precisar. ― Depois olhou para uma mulher
mais velha. ― Loanne, acompanhe à senhorita Ibáñez até
nova habitação para que se instale e descanse e, por favor…
avisem um médico para que ele examine seu pé.
― Não precisa ― ela sussurrou a seu lado.
Bastian a olhou com uma sobrancelha elevada.
― Sim precisa. Uma torção é perigosa. Quer ficar assim
para sempre? Pense que não poderá correr ― ele ironizou. ―
O que fará sua presença aqui muito aborrecida ― ele acabou
brincando, embora Beatriz captasse que aquele era um toque
de atenção.
Beatriz aceitou e suspirou.
Loanne se colocou a seu lado e lhe indicou que a
acompanhasse com um movimento de sua cabeça. Ela
começou a coxear, subindo lentamente os degraus do
alpendre, virou-se para observar Bastian dirigir-se para os
serviçais, e começar a dar ordens.
― Senhorita, por aqui. ― ela indicou para umas escadas
que havia ao final do enorme corredor, decorado
excessivamente. Muito carregado para seu gosto. Numerosos
vasos, figuras de porcelana e alguns candelabros dourados
sobre mesas de mármore que não ficavam, nada, bem ali. ―
Poderá subir? ― perguntou preocupada. ― Necessita de
ajuda?
― Não, fique tranquila. Posso andar sozinha, somente
que irei um pouco mais lenta.
Ela pareceu de acordo com a resposta, e se colocou a
seu lado acompanhando-a durante sua subida.
O andar de cima era igualmente carregado que o
anterior. Não teve que caminhar muito mais, já que Loanne
abriu a primeira porta do corredor emperiquitado, e lhe
indicou, com um movimento cortês, que entrasse.
O dormitório era de novo excessivamente espalhafatoso.
Muito pomposo para seu gosto. Uma enorme cama com
colcha dourada em conjunto com as cortinas e as almofadas
e pequenas toalhas de mesa que cobriam a mesa ao lado da
cama.
Havia dois enormes sofás decorados de verde situados
ao lado da janela e outro vermelho, ao lado de um enorme
armário branco. Certamente, aquela habitação fora decorada
sem bom gosto algum.
― Por favor, sente-se ― indicou um dos sofás. ― Em
breve virá o doutor para examiná-la.
Ela não protestou e aceitou rapidamente, pois a cada
passo que dava um gemido lhe escapava.
― Trarei uma taça de café e algo para comer. Gosta de
café?
Beatriz se sentou e finalmente sorriu para a mulher por
aquele gesto de cortesia.
― Sim, agradeceria muito.
― Volto em seguida ― ela pronunciou saindo acelerada
da habitação.
Assim que ficou sozinha voltou a passear o olhar pelas
paredes esbranquiçadas, a cama, aqueles sofás que
destoavam… e revolveu o cabelo, nervosa.
Estava metida em uma boa confusão. Encontrava-se
longe das Bahamas e, além disso, estava impedida, o que
seria um problema, se quisesse tentar outra fuga. Sabia que
era arriscado, mas, o que faria? Ficar de braços cruzados e
ficar ali? Não, sua mente se negava a assimilar que ela viveria
naquele século para sempre.
A lembrança de Duncan voltou para sua mente. Seu
sorriso. Era tão diferente de Bastian. Quando ela escapara
dele, a única coisa que ele fizera foi se preocupar com ela,
pela sua integridade e seu bem-estar. Aquela lembrança fez
com que derramasse tímidas lágrimas. A forma como a
beijara, como fizera amor…
Não suportou mais e rompeu a chorar. Apaixonou-se
profundamente por ele e agora o perdera para sempre. A cada
dia que passava se dava conta de quão importante ele foi
para ela. Não conhecia o que era amar a uma pessoa até tal
ponto.
Secou as lágrimas e tentou se recompor, quando
bateram à porta, mas ao descobrir que era Bastian quem
entrava, deixou de melhorar o rosto. Que a visse chorar já
não lhe importava, porém, tampouco parecia importar muito
a ele. Verdade que ele ficou um pouco confuso na chegada,
mas pareceu aceitar aquelas lágrimas, sem muito remorso.
― A habitação não é de seu agrado? ― ele ironizou.
― Esta habitação é a pior que vi em minha vida ― ela
disse afastando o olhar dele e observando através da janela,
os campos de cultivo.
Ele se aproximou com as mãos às suas costas,
pensativo.
― Meus serventes são conhecedores de sua temeridade e
de sua ânsia em escapar. ― Ela o olhou fixamente. ―Então,
se encarregarão de que não lhe falte de nada e de que esteja o
mais confortável possível.
― Quer dizer que me vigiarão, não é? ― Ele voltou a
encolher os ombros. ― Você é um louco ― ela sussurrou
enquanto afastava o olhar dele, enojada de tudo aquilo.
Bastian voltou a ignorar aquele comentário, como se não
tivesse esperado outras palavras de sua parte.
― O doutor estará aqui em poucos minutos. Suponho
que não poderá caminhar durante alguns dias, depois será
livre de se mover pela casa e por minhas terras, embora
sempre que sair desta casa irá acompanhada. ― Pronunciou
com mais severidade.
Ela apertou os lábios.
― Gosta de me fazer sofrer.
Ele se inclinou levemente para ela.
― O sofrimento é mútuo mas tudo isto poderia mudar se
finalmente se rendesse e aceitasse seu lugar aqui.
― Aqui? ― pronunciou assustada.
― E aonde seria?
Esteve a ponto de lhe dizer que às Bahamas ou a
Inglaterra, mas se conteve, era melhor não zangá-lo mais.
Limitou-se a afastar o olhar dele e voltá-lo para os campos.
Bastian demorou alguns minutos para continuar.
― Quando estiver curada poderá trabalhar para mim e
ganhar seu próprio dinheiro.
Ela se voltou de novo, zangada.
― Trabalhar para você? ― ela gritou com desdém. ―Vou
ser sua escrava?
― Quer ganhar sua liberdade? ― ele disse olhando-a
fixamente. Ela o contemplou confusa. Ganhar sua liberdade?
Não lhe importaria trabalhar se com aquilo conseguisse
economizar um dinheiro que lhe permitisse uma passagem de
navio até a Bahamas.
― Está bem ― ela disse finalmente. ― E quando obtiver
minha liberdade poderei partir?
― Exato.
― E quando será isso? ― ela perguntou diretamente.
― Depende de seu comportamento e de seu bom serviço.
― Quanto tempo? ― insistiu.
Bastian ficou olhando-a fixamente, mas nesse momento
um homem bateu à porta. Beatriz soube imediatamente que
se tratava do doutor. Um homem de meia idade, de cabelo
grisalho e uma espessa barba branca, vestido com um limpo
e elegante traje.
― Doutor, já está aqui ― ele disse dirigindo-se para ele
com a mão estendida.
― General Dupont, alegra-me de que tenha retornado de
sua última travessia são e salvo.
― Assim foi ― disse com um sorriso. Depois se virou
para Beatriz. ―Apresento-lhe à senhorita Beatriz Ibáñez,
permanecerá um tempo conosco. Machucou o pé.
O doutor se aproximou com um sorriso.
― Encantado em conhecê-la ― ele disse enquanto
deixava a maleta e Bastian aproximava uma das cadeiras
para que ele se acomodasse. ― O que lhe ocorreu?
Ela olhou de esguelha para Bastian.
― Caí ― ela disse enquanto levantava levemente o
vestido para lhe mostrar o tornozelo.
― Permite-me? ― ele disse mostrando as mãos.
― Claro.
O doutor pegou seu pé colocando-o sobre seus joelhos e
o apalpou com mãos peritas.
― Necessita uma bandagem que lhe comprima para que
a inflamação diminua. ― Em seguida pegou sua maleta.
― Quantos dias demorará em sarar? ― perguntou ela
com interesse.
Ele a olhou sorridente enquanto extraía uma atadura.
― Se guardar repouso absoluto supõnho que em dez
dias, poderá caminhar sem problemas.
Ela precisou de doze dias depois da visita do doutor
para poder caminhar sem medo nem dificuldade. Depois de
estar tantos dias sem apoiar o pé, estava com a sensação de
que precisava voltar a aprender a caminhar.
Começara com poucos passos, do sofá à cama. Depois
fora aumentando pouco a pouco seus percursos, ao longo da
habitação e posteriormente se atreveu a sair para o corredor e
começar a descer as escadas.
Loanne se surpreendera ao vê-la aparecer na cozinha,
aquele terno sorriso que a iluminava sempre que a via,
preenchera seu rosto. Era uma boa mulher, supunha que
Bastian lhe explicara que ela queria escapar, mas aquilo não
parecia importar para Loanne. Durante aqueles últimos dias,
em uma das vezes em que ela havia levado a comida, esteve
tentada de lhe perguntar o que sabia sobre ela, mas desistira
da ideia, não podia esquecer que trabalhava para Bastian e
que sob nenhum conceito Loanne o trairia, ou poderia ganhar
um castigo.
Ao décimo quarto dia já conseguia caminhar
perfeitamente, embora ainda não se atrevesse a correr.
Bastian se limitara a visitá-la alguns dias, perguntando
simplesmente como se encontrava e pouca coisa mais.
Contudo, vira ele, da janela de sua habitação, trabalhando
em sua própria terra. Parecia gostar daquela atividade.
Aborreceu-se excessivamente, mas fizera tudo o que o
doutor lhe dissera: manter o pé ao alto e repouso total.
Cumprir com as ordens que o doutor dera, surtiu efeito, pois
já conseguia caminhar, sem problemas.
― Já desapareceu totalmente o inchaço ― murmurou
Loanne observando-a.
― Sim, não me incomoda nada.
― Isso está bem ― ela pronunciou enquanto dobrava
uns lençóis.
― Espere, ajudo você. ― disse pegando o outro extremo.
Mas Loanne se afastou no mesmo instante.
― Não, não, nada disso.
Beatriz ficou confusa.
― Bastian me disse que devia trabalhar para… ― ficou
calada quando observou que Loanne olhava para trás dela.
Beatriz se virou. Bastian a observava da porta, com
gesto sério. Deu alguns passos para ela, sem pronunciar
nada.
― Vejo que já pode caminhar bem.
Beatriz ficou tensa.
― Sim, e estou disposta a trabalhar, tal e como
combinamos.
Bastian a olhou de cima abaixo e finalmente assentiu.
― Venha, me siga ― disse virando-se e começando a
caminhar pelo corredor.
Beatriz olhou de esguelha para Loanne antes de segui-
lo, um pouco temerosa. Nem sequer vira o andar de baixo
daquela mansão, mas continuava extremamente decorada
para seu gosto. Era como se quisesse aparentar ostentação.
Abriu a porta de uma das salas daquele corredor. A peça
era muito simples: uma cama singela, uma mesa com um par
de cadeiras e um armário. Nada a ver com a habitação que
ela ocupava no andar de cima.
Bastian fechou a porta e se dirigiu diretamente para o
armário, abriu-o e estendeu um precioso vestido verde sobre
a cama.
― Vista-o
Ela arqueou uma sobrancelha para ele enquanto se
aproximava da cama. Era um dos vestidos mais lindos que
ela vira até esse momento. Possuía um decote bastante
pronunciado, deixando seus ombros descobertos. O corpete
possuía fios de linho dourado e a saia adquiria tonalidades
verdes mais escuras e claras dependendo por onde se
olhasse.
― Não acredito que com este vestido eu possa trabalhar
bem a terra ― ela pronunciou olhando-o.
― Não vai trabalhar em minhas terras. ― Ela o olhou
confusa. ―Seria uma pena desperdiçá-la ali.
― Não compreendo.
― Me acompanhará aos atos sociais.
Beatriz ficou calada alguns segundos.
― Isso não é o que falamos.
― Em nenhum momento eu disse que trabalharia em
minhas terras, disse que trabalharia para mim.
― Acompanhando-o em suas reuniões e bailes?
― Exato. ― Deu um passo para ela. ―Verá, o fato de que
a tenha resgatado de alguns piratas ingleses, me dará muito
renome… ― Beatriz mordeu a língua para não contra-atacar e
dizer que ele não era seu salvador, mas preferiu ficar calada.
― Recorda-se da senhora Blanche? Organiza um baile esta
noite. Não havia confirmado nossa presença, se por acaso
você ainda não conseguisse caminhar, mas estou certo de
que lhe daria muita satisfação que fosse.
Então isso era o que ele planejara para ela? Aproveitar-
se de que era uma mulher espanhola, que a protegia e que a
havia salvado, segundo ele, dos bárbaros ingleses.
Estava certa de que seria considerado um herói levando-
a junto dele e fazendo um relato que certamente mudaria a
seu favor.
― Disse-me que ganharia minha liberdade trabalhando
para você, até quando terei que acompanhá-lo?
Bastian pareceu ficar incomodado com aquela pergunta.
― Até que eu consiga uma melhor posição social, então
deverá se esforçar para falar bem de mim.
Desta vez, foi ela quem obscureceu o olhar.
― Está bem.
Se essa era a única forma que possuía de ganhar a
liberdade, ela faria. A única coisa que queria era partir dali
pegar um navio e voltar para a Bahamas, para encontrar uma
tormenta que pudesse devolvê-la a seu lar. Aquele seria seu
prêmio por suportar Bastian até conseguir sua liberdade.
― Prove o vestido ― ele pronunciou cruzando os braços.
Ela o pegou e o observou, mas depois torceu seu rosto
para ele.
― Vai ficar aí, olhando? ― ela perguntou ofendida.
Bastian suspirou e em seguida saiu do quarto deixando-
a sozinha.
Beatriz fechou os olhos com força, tentando relaxar. O
que estava lhe acontecendo não era justo. Perdera tudo, não
somente em sua época, mas, nesta também. A lembrança de
Duncan voltou a entristecê-la.
Devia ser forte e enfrentar aquilo. Olhou para o vestido e
o vestiu, observou-se em um espelho próximo. A verdade é
que era um vestido realmente lindo e ela chamaria a atenção
com ele. Recolheria o cabelo em um coque alto e
acompanharia Bastian àquele estúpido baile. Tentaria fazer o
melhor possível para ganhar sua liberdade.
Tirou o vestido e saiu da sala. Bastian esperava apoiado
contra a parede, mas seu olhar pareceu confuso, quando a
viu sair, novamente, com seu vestido marrom.
― Serviu perfeitamente ― comentou Beatriz passando a
seu lado, sem olhá-lo. ―Me avisará da hora que devo estar
preparada.
Bastian não disse nada. Sem dúvida o acompanharia,
mas isso não implicava que teria que ser amável com ele.
Tal e como Bastian lhe dissera, a senhora Blanche ficou
encantada de que ela aceitasse. Depois de solicitar a
permissão de Bastian, a mulher a apresentara a várias
pessoas distintas, da cidade, enquanto explicava que era uma
moça espanhola a que era prisioneira dos piratas ingleses e
que o valente e belo Bastian Dupont, a havia salvo. Não
restava dúvida, de que aqueles comentários correriam como a
pólvora e logo o general Dupont progrediria em sua carreira
militar.
Virou seu rosto enquanto tomava um gole do vinho que
a senhora Blanche lhe entregara e a pegou pelo braço, para
passear junto a ela enquanto esquivava-se de todas aquelas
pessoas.
A casa era realmente luxuosa. O salão estava decorado
com bom gosto. Ao princípio, Bastian a seguira com o olhar,
mas, posteriormente, parecia que relaxou e começar a falar
com os homens do salão, sem prestar muita atenção nela, o
que ela agradeceu o bastante. Não gostava nada, de se sentir
observada de forma contínua.
― Outra taça de vinho? ― perguntou a senhora Blanche
com um sorriso, fazendo com que Beatriz despertasse de seus
pensamentos.
― Não, obrigada, ainda não acabei esta. ― Mostrou-a.
― De acordo ― ela pronunciou enquanto voltava a
segurar seu braço. ― Posso lhe fazer uma pergunta pessoal?
Beatriz se sentiu deslocada com aquela pergunta, mas
aceitou.
― Há algo entre você e o general? ― ela sussurrou.
Beatriz abriu os olhos ao máximo, não pela pergunta em
si, mas sim, porque alguém imaginasse que ela pudesse ter
algum tipo de relação com aquele desprezível, embora
estivesse bem claro, que o resto das pessoas não conhecia
aquela faceta.
― Não, nada ― ela pronunciou secamente. ― Por que me
pergunta isso?
A senhora Blanche encolheu os ombros.
― Bem, está vivendo com ele e a trouxe como sua
acompanhante.
― Não tenho outro lugar para onde ir ― ela pronunciou
com tristeza.
Ela se aproximou um pouco mais, com pena por suas
palavras, como se quisesse consolá-la.
― Deve ser muito duro ― continuou com delicadeza,
embora depois aumentasse seu sorriso. ―Pelo menos tem o
general, que tenho certeza de que a ajudará em tudo o que
precisar.
Beatriz engoliu a saliva e contemplou à mulher. Parecia
boa pessoa, de fato, ao vê-la entrar no salão lhe dera um
grande abraço e desde aquele momento não se afastou dela.
Supunha que por ser a anfitriã e conhecedora de que ela era
nova na cidade e não conheceria ninguém. Durante alguns
segundos pensou em desabafar com ela. Aquela mulher
possuía influências. Certamente se lhe explicasse o que
acontecera, ela poderia ajudá-la, de toda a maneira, não
estaria em pior situação que a atual.
Beatriz se deteve lhe agarrando do braço enquanto se
mordia o lábio.
― Posso ser sincera com você? ― ela sussurrou
temerosa.
A senhora Blanche a olhou intrigada.
― Claro, querida.
― É… é algo que somente vou explicar a você. Preciso de
sua ajuda ― ela gemeu.
Aquele gesto fez com que a senhora a olhasse
preocupada, automaticamente pegou sua mão com força.
― Claro, me diga.
― Veja, eu… ― Engoliu a saliva. ―O general Dupont não
me resgatou, me….
― Beatriz ― Ela escutou a voz de Bastian atrás dela. As
duas se viraram de uma vez. ― Está aqui ―ele pronunciou
com um sorriso. ―Acredito que já vai sendo hora de
partirmos, suponho que esteja cansada.
Beatriz engoliu a saliva e contemplou à senhora
Blanche, que permanecia pensativa.
― General ― disse a senhora Blanche. ― Eu gostaria de
aproveitar um pouco mais de sua convidada ― ela propôs
com um sorriso e, no mesmo instante, apertou um pouco
mais forte a mão de Beatriz como se assim a tranquilizasse ―
Nem todos os dias se pode aproveitar um novo rosto.
Beatriz reteve o fôlego enquanto esperava a resposta de
Bastian, ao que parece aquela mulher compreendera um
pouco de sua situação e se esmerava para ajudá-la.
― Beatriz está há muito tempo de pé e como sabe
machucou o tornozelo. Convém que descanse, mas podemos
vir outro dia se assim desejar.
― Eu adoraria, que tal manhã? Poderiam vir tomar o
chá, assim me faria companhia nestes dias. Sinto-me
bastante só aqui.
Bastian pareceu não gostar, mas, depois voltou a sorrir.
― Claro, podemos tomar o chá com você.
― Perfeito ― ela disse voltando seu rosto para Beatriz.
Depois voltou seu olhar sorridente para Bastian. ―Suponho
que ela ficará um longo tempo aqui.
― É possível ― ele continuou nervoso, pois estava
desejando partir.
― Eu gostaria de acompanhar Beatriz a alguma
costureira. Agora começa a temporada de reuniões sociais e
acredito que lhe conviria ter algum vestido.
Beatriz soube nesse momento que a senhora Blanche
possuía a intenção de querer ajudá-la, assim não deixou
passar a ocasião.
― Eu adoraria! ― ela respondeu sorridente. Depois olhou
para Bastian com uma sobrancelha arqueada. ―Suponho que
iremos a mais bailes e atos sociais e não tenho muito
vestuário, seria possível ir?
Bastian a olhou fixamente. Não estava muito de acordo
com isso, mas se obrigou a aceitar, novamente.
― Claro, por que não?
― Pois amanhã mesmo posso chamar minha costureira,
assim quando vierem para o chá, ela poderá anotar as
medidas. A semana que vem se organiza um baile promovido
pela família Henderson. Suponho que irão, não?
― Sim, claro que iremos.
― Perfeito ― ela voltou a dizer entusiasmada. Depois se
virou para Beatriz e se aproximou para lhe dar um abraço,
mas se aproximou de seu ouvido. ―Sei que o general não é o
que aparenta, estou aqui para o que necessite. ―Em seguida
se distanciou ainda a segurando pela mão, em um gesto
carinhoso. ―Então nos veremos amanhã ― ela pronunciou
risonha. Fez uma pequena reverência para o general e partiu
lentamente.
Beatriz a viu se afastar. Era viável pensar que aquela
mulher a ajudaria no que pudesse, além disso, dava a
impressão de que possuía bastante informação sobre
Bastian, que possivelmente lhe servisse. Sabia que era viúva
e quem sabe se possivelmente, seu marido antes de falecer
tivesse conhecido Bastian e lhe tivesse colocado a par de
certas coisas.
― Bem, vamos? ― perguntou Bastian oferecendo seu
braço para acompanhá-la pelo salão e pelo longo corredor.
Beatriz se agarrou a seu braço e começou a avançar
junto dele. Bastian foi saudando com ligeiros movimentos de
sua cabeça, a todos os que cruzavam com eles, até que
chegaram ao portal, onde um dos mordomos deu a ordem de
que trouxessem sua carruagem.
A ajudou a subir e fechou a porta com cara de desgosto.
― A senhora Blanche é muito atenciosa ― pronunciou
Beatriz enquanto começavam a se afastar-se da mansão.
Bastian não respondeu, simplesmente se limitou a olhar pela
janela. ― Quando perdeu a seu marido?
― Faz uns seis anos.
Ela ficou calada alguns segundos, esperando que ele
continuasse com a explicação, mas não foi assim.
― Conhecia-o?
Ele suspirou e finalmente a observou.
― Era meu amigo. Um general. ― Ela endireitou as
costas e o olhou fixamente. ―Os ingleses nos atacaram, perto
das Bahamas. Não sobreviveu.
Beatriz se remexeu nervosa. Não podia esquecer que o
Império espanhol junto com seus aliados franceses, era
inimigo dos ingleses e que, obviamente, no meio daquela
guerra, havia vítimas em ambos, os lados.
Naquele momento duvidou se deveria explicar à senhora
Blanche todo o ocorrido, possivelmente seu marido, antes de
morrer, tivesse explicado algum traço sujo sobre Bastian ou,
simplesmente, o tratamento com os escravos, embora,
inegavelmente, os causadores da morte de seu marido fossem
os ingleses. Não acreditava que ela aceitasse muito bem o fato
de que ela estivesse apaixonada por um inglês. Possivelmente
somente deveria explicar a situação pela metade, lhe dizer
que sim, que a resgatara, mas, que atualmente a mantinha
presa e não lhe permitia partir, que a retinham contra sua
vontade.
Suspirou e olhou novamente para Bastian. Face à
escuridão que reinava naquela noite acreditou ver como ele
girava seu rosto para observá-la fixamente.
― Amanhã iremos até ela, para o chá?
― Não.
Aquilo a pegou de surpresa.
― Não? Mas você disse que…?
― Sei o que eu disse ― ele a cortou. ―Mas tem vestuário
de sobra em minha casa e igualmente essa mulher é uma
fofoqueira.
― Resulta-me agradável.
Bastian começou a rir, incrédulo.
― É uma mulher que está sozinha e a única coisa que
procura é entretenimento e você agora é seu brinquedo novo.
― Não me importa, eu gostaria de… ― Precisou se calar
porquê de repente ambos saltaram sobre o assento e, poucos
segundos depois, a carruagem se inclinou para um lado
caindo sobre a terra, como se tivesse perdido uma roda.
Beatriz caiu de lado, mas por sorte a carruagem não
tombara, somente se inclinou. Derrapou alguns segundos
sobre a terra até que se deteve. Uma nuvem de pó a fez
começar a tossir.
― O que… o que aconteceu? ― articulou com
dificuldade.
Bastian se endireitou a seu lado, enquanto extraía a
espada e aparecia pela pequena janela da porta. Gritos lhe
gelaram o sangue.
― Bandidos ― ele grunhiu enquanto a agarrava pelo
braço e a empurrava para o outro lado da carruagem,
justamente antes que a porta se abrisse por fora e Bastian
apontasse com a espada para frente.
25

Gritou assustada quando a porta se abriu sem aviso


prévio. Se ainda não bastasse tudo o que lhe acontecera,
agora eram atacados por bandidos?
Dois homens, cobrindo parte do rosto com alguns trapos
agarraram Bastian atirando-o ao chão. Beatriz se endireitou,
imediatamente, enquanto gritava, colocando-se no outro
extremo da carruagem inclinada.
Um dos homens saltou para o interior e a contemplou
durante alguns segundos. Ela permanecia abandonada,
olhando-o assustada.
O homem foi até ela e a agarrou pelos ombros, mas ela
começou a lhe golpear para se defender. Nem louca deixaria
que a sequestrassem outra vez, mas ao reconhecer a voz
daquele homem ficou petrificada.
― Beatriz ― ele disse rapidamente. Ela elevou seu olhar
para aqueles olhos azuis que brilhavam na escuridão,
automaticamente baixou o lenço com o qual cobria a metade
de seu rosto, descobrindo-o. ―Fique tranquila, sou eu.
Ela ficou em estado de choque durante alguns
segundos. Aqueles olhos azuis, sua pele bronzeada, seus
lábios entre abertos por um meio sorriso e a mecha de cabelo
loiro, caindo sobre sua testa. Emocionou-se tanto que lhe
saltaram as lágrimas.
― Duncan? ― balbuciou.
― Sim ― ele sorriu.
Beatriz se agarrou ao Duncan com o coração
descontrolado, trêmula pela emoção que sentia naquele
instante.
― Está bem. ― Conseguiu gemer enquanto as lágrimas
banhavam seu rosto. ― Está vivo. Pensava que havia…
― Não ― ele sorriu separando-se e segurando seu rosto
entre as mãos. ―Estou bem. ― Automaticamente desceu seus
lábios até os dela e a beijou de forma apaixonada. ―Você está
bem? ― ele perguntou preocupado.
― Sim ― respondeu passando as mãos por seu rosto,
ainda sem acreditar que o tivesse diante dela. ―Mas como…?
― Depois lhe conto, agora teremos que partir daqui ―
pronunciou enquanto a agarrava pela cintura e a ajudava a
sair do veículo.
Ao chegar àquela porta inclinada reconheceu Jerry, que
estendia seus braços para ajudá-la a descer da carruagem.
Ao contrário do que o homem esperava, ela se equilibrou
para ele para lhe dar um abraço e fez despertar uma risada
nervosa em Jerry.
― Pois sim, que está alegre de nos ver ― Jerry riu.
Duncan deu um salto da carruagem e Jerry deixou
Beatriz, delicadamente, no chão.
― Afaste-a daqui, Jerry ― ele sussurrou enquanto
voltava seu olhar à frente.
Beatriz voltou seu rosto para observar. Bastian
permanecia no chão junto ao cocheiro da carruagem,
rodeados, ambos por quatro homens, certamente membros de
sua tripulação. Viu que Duncan tirava sua espada, refletindo
a luz da lua sobre o metal enquanto se dirigia para os dois
homens.
Nesse momento Jerry começou a puxá-la para alguns
cavalos.
― Espere ― se queixou ela. ―Jerry, espere ― ela gritou
com impaciência sem afastar o olhar de Duncan, que havia se
colocado diante deles. Nesse momento compreendeu o que ele
faria, iria matá-los, estava certa. Duncan roubara o seu
coração, mas era um homem com o qual não se podia
brincar. Seu instinto era maior, era certo que Bastian a
maltratara, que fora cruel com ela, mas não queria ser a
causa da morte dele. ― Não! Por favor! ― gritou para Duncan,
que se virou um segundo para observá-la e pareceu revirar os
olhos.
Jerry puxou-a mais forte dela.
― Mas me solte! ― gritou para ele.
― Certamente continua como sempre, pequena ― Jerry
riu enquanto a elevava e a levava para trás da carruagem,
junto a um grupo de cavalos.
Duncan suspirou quando a viu desaparecer atrás da
carruagem e voltou seu olhar para Bastian, que permanecia
atirado sobre a terra, com as mãos elevadas em gesto de
rendição. Aquele era o homem que mandara amarrá-lo a seu
próprio navio antes de prendê-lo nas chamas, que estivera a
ponto de acabar com sua vida e com a de sua tripulação, que
levara a mulher que mais amava no mundo.
Apertou com força a espada e apontou.
― Deveria ter lhe matado desde o início.
Bastian arqueou uma sobrancelha para ele e foi então
que Duncan teve consciência de que Bastian não o
reconhecera. Abaixou um pouco mais o trapo com o qual
ainda, cobria parte de seu rosto e o olhou fixamente.
Bastian notou como todo seu corpo ficava em tensão,
como uma corrente elétrica percorria toda sua coluna
vertebral. Seu olhar passou a ser um olhar assustado.
― McCartney?
― Capitão McCartney ― retificou ele.
― Mas como…? Como é possível? Incendiei seu navio,
amarrei você…
Duncan ergueu mais sua espada colocando à altura de
seu pescoço.
― Já lhe disse uma vez que era melhor não enfrentar um
pirata. ― Depois, elevou a folha de metal até tocar o queixo de
Bastian e fazer com que elevasse seu rosto. ―Mas, além
disso, levou Beatriz.
― Ela é espanhola, não deve estar com você.
― Ela estará onde desejar estar ― ele disse com
contundência. ―E pela recepção que tive acredito que prefira
estar comigo ― ele ironizou.
Bastian enrugou sua testa e se moveu levemente para a
lateral para tentar procurá-la, mas Duncan se interpôs em
seu caminho lhe tampando toda visão.
Bastian grunhiu e olhou de novo para Duncan.
― Como chegou até aqui? ― ele praticamente cuspiu a
pergunta.
Duncan sorriu maliciosamente enquanto voltava a
colocar a espada à altura de seu queixo fazendo com que
Bastian tivesse que elevar seu rosto de novo.
― Não foi tão complicado. ― Encolheu os ombros. ―Não
esqueça que está falando com um pirata inglês e na região
onde afundou meu navio gozo de muitas amizades. Não
precisei mais que saltar do navio e em poucos minutos,
muitos de meus colegas estavam nos ajudando ― Sorriu.
―Verá, os piratas holandeses que você contratou não sabem
se esconder muito bem. Encontramo-los em poucos dias, em
Nassau e não foi nada difícil fazer com que confessassem e….
― Depois colocou uma mão em seu bolso e tirou um
documento. ― Olhe o que eu encontrei uma patente de curso
expedida pelo governo francês. ― Há mostrou alguns
segundos e depois voltou a guardá-la em seu bolso.
―Simplesmente, ocultando minha bandeira e com esta
patente consegui aproximar da costa francesa, sem nenhum
problema, então… muito obrigado ― voltou a ironizar. ―E
depois, vem o fato de que você é um general bastante
conhecido, todos sabem de onde é originário. Assim não me
custou nada encontrar você, ao contrário, esperava mais,
deixou isso muito fácil.
Bastian se remexeu nervoso e se arrastou um pouco
para trás afastando-se da espada.
― E agora o que vai fazer?
― Ela não é sua ― ele gritou. ―Então a esqueça.
― Tampouco é sua ― Bastian lhe devolveu o grito.
Duncan colocou de novo a folha de metal em sua
garganta e desta vez pressionou um pouco mais.
― Volte a cruzar meu caminho e lhe asseguro que da
próxima vez o matarei. Entende? ― Desta vez incrementou
um pouco mais a pressão em seu pescoço cortando a fina
pele de sua garganta.
Bastian não disse nada, somente incrementou sua
respiração e apertou sua mandíbula.
― Duncan ― comentou nervoso o moço que estava a seu
lado. ―Alguém se aproxima.
Duncan elevou seu olhar para contemplar como
algumas carruagens se aproximavam certamente mais
convidados do baile.
― Esqueça-a ― voltou a ordenar antes de afastar a
espada de seu pescoço.
Virou-se e sem dizer mais nada, correu o outro lado da
carruagem, onde Beatriz permanecia no alto de um dos
cavalos, bastante nervosa.
Subiu com um salto, atrás dela e a rodeou com os
braços para segurar as rédeas. Em seguida esporeou o cavalo
para que ele lhe obedecesse, e ele saiu ao trote levantando
uma nuvem de pó a sua passagem.
Ela se se virou e se abraçou forte a ele, enquanto
apoiava seu rosto em seu peito. Já não era somente por que
Duncan fizesse com que o cavalo fosse ao galope e precisasse
se agarrar a algo, mas, sim, também necessitava
desesperadamente o contato com ele.
Duncan estava vivo, sobrevivera e, melhor ainda, fora
procurá-la. Elevou a vista e observou seu olhar fixo, à frente,
bordeando as árvores daquele bosque pelo qual galopavam
apressadamente.
Entrou em território inimigo somente para resgatá-la,
para tê-la com ele. Notou como uma lágrima voltava a
escorregar por sua bochecha e juntou o rosto contra seu
peito, dissipando, enfim, todo o nervosismo que sentira,
abraçando-se a ele e gemendo.
Amava-o, jamais estivera tão segura de algo, e não era
somente isso, ele havia se arriscado por ela.
Um dos braços dele a rodeou pela cintura e a apertou
contra seu peito, imediatamente notou seus lábios sobre sua
testa.
Que diferente era estar entre seus braços e os de
Bastian. Deixou repousar sua testa contra ele e fechou os
olhos, enquanto um longo suspiro saía do mais profundo de
seu ser. Sentia-se a salvo, com ele.
― Aonde vamos? ― conseguiu sussurrar quando se
acalmou um pouco.
― Tenho o navio na costa, está há uma meia hora daqui.
― Baixou seu rosto alguns segundos para observá-la. ― Tem
certeza de que está bem?
Ela assentiu fracamente.
― Pensei que você havia morrido ― ela gemeu.
Ele sorriu meigamente.
― Não tem que se preocupar nunca por isso.
― Mas vi como afundava seu navio.
Ele sorriu mais abertamente.
― Tinha uma adaga escondida na bota, conseguimos
cortar as cordas com as quais nos amarram. Todos estão
bem.
Ela assentiu e depois ficou tensa.
― E por que demorou tanto para vir me buscar?
Ele riu mais forte e a contemplou com ternura.
― Não foi por minha própria vontade. Bastian não deve
ser muito bom general porque não sabe ocultar as pistas para
não ser rastreado, mas precisávamos ir com cuidado para
não sermos descobertos e, acima de tudo, que ele a tirasse
dessa casa.
― Está há muitos dias aqui?
― Cinco dias ― ele explicou. ―Jerry interceptou um
convite para este baile que convidava você também,
supusemos que ele a levaria. Precisávamos esperar.
― Mas poderia ter dado algum sinal de que estava vivo ―
voltou a insistir com um gemido.
Aquela atitude lhe pareceu adorável e voltou a beijá-la
com ternura durante alguns segundos, embora se separasse
antes do que ela tivesse desejado, pois ele deveria controlar
as árvores, não obstante, não a soltou nem um centímetro.
― Tive medo de que a tivessem machucado ― sussurrou
contra ela, como se se justificasse. Aquelas palavras a fizeram
voltar seu olhar para ele. ―Pensei que enlouqueceria se não a
encontrasse ― ele reconheceu e, depois de alguns segundos,
sorriu timidamente, gesto que chegou ao mais profundo de
seu coração.
Beatriz ia responder quando o cavalo de Jerry se igualou
ao dele.
― Acredito que nos segue ― ele gritou. Duncan se virou
um segundo para trás para comprovar o que seu amigo lhe
dizia.
― Não se vê nada.
― Pareceu-me escutar o som de alguns cavalos.
Duncan assentiu e voltou a esporear com força, o
cavalo.
― Certamente Bastian terá avisado às carruagens que
vinham do baile e não demorarão em sair em nossa busca.
Teremos que abandonar a França o quanto antes possível.
Beatriz compreendeu o que ele dizia, então se agarrou
com força à cintura dele, que começou a esporear o cavalo
com os calcanhares, para que aumentasse sua velocidade.
Jamais montara a cavalo, mas a sensação era agradável.
Não sabia se era pela sensação de felicidade que a inundava,
ou por sentir o ar fresco sobre sua pele, a sensação de
liberdade.
Cavalgaram em silêncio durante pouco mais de meia
hora, esquivando árvores, saltando por cima de arbustos e de
pedras, não conseguia saber como podiam conduzir aqueles
cavalos naquela velocidade através da absoluta escuridão.
Em um determinado momento deixaram o bosque para
trás e pegaram um caminho que os conduziu até uma praia.
Duncan desceu do cavalo e a ajudou a correr sobre a
areia, para um bote que estava preparado.
― Vamos, suba ― disse enquanto a subia ao bote e o
resto de homens empurravam a barco para o fundo.
Em questão de segundos todos tomaram posições,
pegando os remos e começaram a remar com força.
Nesse momento se sentiu em paz, estava abandonando
a França, o lugar onde acreditava que passaria um longo
tempo. Fechou os olhos e durante alguns segundos deixou
que a brisa marinha acariciasse sua pele. O céu estava,
totalmente, iluminado pela lua e as estrelas, entretanto a
corrente de ar fazia com que o barco saltasse sobre algumas
pequenas ondas que foram se formando.
Duncan não tirava olho de cima dela, como se estivesse
memorizando cada matiz de seu corpo, ou de seu rosto
naquela escuridão, até que poucos minutos depois, ficou em
pé e assinalou à frente.
― Atirem as cordas! ― ele gritou.
Beatriz se virou para comprovar que um enorme navio
estava atrás dela e nem se deu conta, mas esteve a ponto de
cair na água, quando outro grito a alarmou.
― Capitão! A praia! ― gritaram do alto do navio.
Todos naquele bote se viraram para trás, de repente
quase toda a praia se iluminou com pequenos lampiões.
Beatriz compreendeu o que aconteceu. Certamente Bastian
interceptara a carruagem no caminho e dera o alarme sobre
alguns piratas ingleses.
Duncan a pegou pelo braço para colocá-la em pé e a
conduziu até a escada que haviam jogado.
― Suba! Rápido! ― ele gritou.
Todos tiveram que abaixar-se no bote quando uma bala
passou a pouco mais de um metro de altura sobre suas
cabeças.
Duncan se jogou sobre ela enquanto o pequeno bote se
movia de um lado para o outro.
― Carreguem os canhões! ― ele gritou sem afastar-se
dela.
Mas aquilo pareceu assustar Beatriz.
― O quê? ― ela gritou remexendo-se.
― Não se mova ― ele se queixou, depois voltou a subir
seu rosto. ― Disparem perto da borda. ― Depois se jogou
novamente sobre ela. ―Somente precisamos ganhar tempo,
ninguém quer montar um massacre.
Aquilo de certo modo a tranquilizou. Sim, precisavam
ganhar tempo, a guarda francesa os seguia de perto e estava
armada até os dentes.
Outra onda de balas fez saltar a madeira do navio.
Duncan grunhiu quando várias lascas caíram sobre eles e
começou a sacudir o cabelo.
― Preparados capitão ― eles gritaram do convés.
― Assim que dispararem subam para o convés ― indicou
Duncan, depois voltou a elevar seu olhar para o céu, em
direção para o convés. ―Disparem!
Beatriz escutou como repetiam sua ordem no convés e
automaticamente o corpo do Duncan ficou sobre o dela,
protegendo-a do estrondo.
Jamais escutara uma explosão tão de perto, mas a
ensurdeceu durante vários segundos. Os canhões explodiram
enviando a carga para a borda, pouco depois do estrondo,
outro, um pouco mais longínquo, embora igualmente intenso,
chegou até eles seguido, dos gritos dos homens da praia.
Não teve tempo de escutar mais gritos, quando explodiu
Duncan a agarrou pela cintura colocando-a em pé, virou-se e
a colocou na escada.
― Suba! ― ele gritou.
Beatriz começou a subir por aquela escada, sabendo que
devia ter toda a pressa possível, pois a qualquer momento
uma bala proveniente da praia podia atravessá-la. Eram
poucos metros, mas pareceram eternos.
Ao chegar ao convés um dos homens da tripulação se
equilibrou sobre ela jogando-a ao chão. Agora estava mais ou
menos a salvo, todavia não respirou tranquila até que viu
todos os homens do bote subirem.
A primeira coisa que Duncan fez, foi fixar o olhar nela,
deitada sobre o convés e depois de parecer estar de acordo
com aquela posição, correu para o outro extremo do navio.
― Icem as velas! Já! Temos que nos afastar da costa.
Correu pelo corrimão e examinou de novo o mar. No
mínimo, parecia que os pegara com a guarda baixa.
Escolhera aquela praia porque não estava vigiada e, muito
menos, havia botes que pudessem ser ocupados por seus
perseguidores para conseguirem lhes perseguir. Por outro
lado, não havia nenhum porto relativamente próximo, a não
ser que fosse o Porto da Lua, mas aquilo lhe dava algumas
horas de vantagem frente aos franceses e, além disso, se
levasse em conta a escuridão, estava certo de conseguir uma
fuga perfeita daquelas águas.
Outra onda de disparos atravessou parte da madeira do
navio. Duncan se atirou ao chão, igual a seus homens e
olhou para Beatriz, a poucos metros dele, ainda tombada
sobre o convés.
― Não se levante. ― ordenou.
Ela assentiu. O navio começou a virar graças às velas
içadas e Duncan ficou de novo em pé voltando-se para o
timoneiro.
― Rumo à Inglaterra.
Jerry e o resto dos homens de convés começaram a ficar
em pé.
― Estamos fora de perigo?
― Dos disparos sim, já não têm suficiente ângulo, mas
não estarei tranquilo até que nos afastemos da costa ― ele
pronunciou enquanto dava passadas até Beatriz. Agarrou-a
pelo braço ajudando-a a se levantar e a examinou dos pés a
cabeça. ―Está bem?
― Sim ― embora no momento o interrogasse com o
olhar. ―Vamos à Inglaterra?
― Só para trocar de navio. É muito possível que tenham
visto qual é e possam reconhecê-lo. ― Olhou para Jerry
diretamente. ―Encarregue-se.
― É claro, capitão.
Jerry não acabara de responder quando Duncan puxou-
a para um corredor. De novo, escutou como as balas se
incrustavam na madeira do navio, fazendo com que Beatriz
quase se atirasse ao chão, mas Duncan se virou com um
sorriso, como se lhe fosse engraçado aquele gesto.
― Querida, eles já não têm ângulo, tranquilize-se.
Arrastou-a com certa urgência pelo corredor até que
chegaram a uma porta. Abriu-a e lhe deu um empurrão para
o interior enquanto a fechava detrás de si.
Não teve nem tempo para observar o camarote, Duncan
a virou para ele agarrando-a pela cintura e a beijou,
enquanto colocava uma mão em sua nuca para que não
afastasse seu rosto. Aquilo é o que Beatriz sonhara durante
os mais de vinte dias nos quais, acreditara que havia perdido-
o para sempre e que jamais voltaria a vê-lo.
― Senti saudades ― suspirou entre beijos. Não se deu
nem conta do que disse até que Duncan se distanciou
levemente dela, observando-a fixamente. Por Deus, com
aquele olhar poderia reviver um morto.
― E eu de você ― ele sussurrou finalmente.
Voltou a beijá-la com paixão, embora desta vez houvesse
mais urgência naquele beijo, como se daquela forma pudesse
lhe demonstrar que o que disse era verdade.
Sentira saudades, mas era mais que isso, estivera a
ponto de enlouquecer nos dias seguintes a que Bastian a
levara. Era como se tivessem levado a metade de seu ser. A
necessidade de tê-la a seu lado se transformou em sua maior
prioridade e não teria parado de procurá-la mesmo que
tivesse levado toda a vida para encontrá-la. Por sorte, o
general Dupont não era tão bom como se gabava e nem
sequer se incomodou em apagar seus rastros.
Voltou a segurá-la pela cintura e a conduziu à cama
sem afastar seus lábios dos dela. Beatriz se deixou levar,
agarrou-se a seus ombros e se deixou depositar sobre aquela
cama, sem afastar o olhar daqueles olhos que a observavam
com um amor infinito.
Aquele homem enfrentou aos piratas holandeses,
cruzara um oceano e se infiltrara nas linhas inimigas por ela,
somente por ela.
A necessidade se apoderou dela e começou a lhe tirar a
camisa folgada da calça, mas Duncan não pareceu se
importar pois ele acumulava a mesma ânsia para senti-la.
Ajudou-a tirara-la e automaticamente começou a
desabotoar o corpete do vestido, extraindo as cordas de seu
peito, enquanto ela ia desabotoando o cinturão.
Em poucos minutos ambos estavam pele contra pele. A
sensação era deliciosa, mas agora, depois de tanto tempo, era
ainda melhor.
Colocou-se entre suas pernas e começou a introduzir-se
sem afastar o olhar de seus olhos, beijando-a com
intensidade.
Beatriz passou uma mão por sua bochecha, notando
uma barba recente de dois dias, enquanto ele começava a se
balançar, com delicadeza, sobre ela.
Duncan a beijou de novo e depois começou a descer por
seu pescoço enquanto ela tentava controlar seus gemidos.
― Eu a encontraria em qualquer parte do mundo ― ele
sussurrou antes de voltar a unir-se a seus lábios. ―Embora
me tivesse custado o resto de meus dias.
Beatriz se virou apoiando-se contra seu ombro. Duncan
suspirou e afastou uma mecha de seu cabelo. Contemplou-a
durante um longo momento, divertindo-se em seus lábios, em
suas bochechas rosadas, em seu terno olhar.
― Bastian a machucou? ―ele perguntou.
O que responder àquilo? Sim, a machucara,
esbofeteara-a e quase a asfixiara, mas isso agora já não tinha
importância. O que mais lhe tinha doído era pensar que
Duncan havia morrido e agora, ao estar junto dele, tudo o
que lhe acontecera já não era tão relevante, por outro lado,
não queria que Duncan se enfurecesse ou se sentisse
culpado.
Negou levemente com seu rosto e sorriu, mas aquela
resposta não pareceu convencer ao Duncan.
― Tem certeza?
― A única coisa pela qual eu sofria era porque você
havia morrido. ― ela reconheceu. ―Agora o resto não tem
importância.
― Sim, tem para mim ― ele disse rapidamente.
Beatriz suspirou e voltou a negar com seu rosto.
― Não me fez mal, fique tranquilo.
Duncan não parecia, totalmente, convencido.
― E por que demorou tanto para sair da casa? Você
estava presa?
Ela estalou a língua e sorriu mais abertamente.
― Torci o tornozelo. ― encolheu os ombros. ― Não podia
caminhar. Tentei fugir dele e tropecei.
Aquilo lhe pareceu engraçado.
― Então, também tentou fugir dele ― ele ironizou.
―Espero que não tente mais fugir de mim ― ele pronunciou
divertido provocando um sorriso nela. Agarrou sua mão e a
levou até seus lábios para beijá-la enquanto ficava pensativo.
―Pensei que depois poderemos ir para Nassau e poderíamos
ficar na casa que tenho ali.
Beatriz o olhou fixamente. Estava pedindo para que
ficasse com ele? Endireitou-se pensativa. Ficar com ele,
aquilo seria maravilhoso se ela não pertencesse à outra
época, se toda sua família estivesse ali com ela.
― O que houve? ― perguntou ele ao ver que ela parecia
hesitar. Ele endireitou-se se colocando a seu lado. ― Não quer
ficar comigo? ― Ele perguntou cauteloso.
Ela o olhou e sorriu.
― Sim, mas… não é isso o que me preocupa.
― E o que é? ― perguntou lhe segurando sua mão de
novo.
Ela mordeu o lábio e o observou fixamente. Finalmente
suspirou e se sentou rodeando-as pernas com os braços.
― Se lhe dissesse, você não acreditaria ― ela sussurrou.
Duncan ficou consternado durante alguns segundos.
― Experimente ― ele sugeriu.
Ela engoliu a saliva.
― Pensará que estou louca.
Desta vez Duncan sorriu.
― Isso eu já penso ― falou divertido fazendo com que ela
voltasse a sorrir. Acariciou sua mão e suspirou. ― O que a
preocupa?
Beatriz ficou observando sua mão entre a dela, a forma
como a segurava e a acariciava com delicadeza e finalmente
negou.
― Nada ― acabou dizendo.
― Não minta.
Ela encolheu os ombros.
― É que… ― Suspirou e mordeu o lábio. ― Sou
espanhola e…
― Por que dá tanta importância a isso? ― ele perguntou
como se não compreendesse.
Ela voltou a negar. Ainda não estava preparada para
confessar a ninguém o que acontecera. Sabia que Duncan a
amava, por Deus, arriscara sua vida por ela, mas, e se
pensasse que era uma louca? E se a deixasse na primeira
ilha que visse? Não acreditava que fosse capaz de fazer isso,
mas não podia arriscar-se a ficar ali, sozinha. Por outro lado,
não conseguiria nada se contasse e tampouco sabia se
poderia voltar para sua época. E se encontrasse outra
tormenta e depois de conseguir introduzir-se nela saltasse
para outra época? Era arriscado, muito, mas admitir aquilo
era como se render, resignar-se a perder sua família.
Seus olhos se umedeceram levemente, ao se dar conta
de que, de toda a maneira, já não se importava tanto voltar
para seu século. Sua família pensaria que havia morrido,
fazia praticamente dois meses que se encontrava naquela
época, mas… se voltasse não teria Duncan, o perderia para
sempre.
Ficou contemplando-o durante alguns segundos,
debatendo-se no que dizer no que fazer. Jamais tivera
dúvidas sobre querer voltar para sua época, até esse
momento.
Duncan deve ter intuído que ela se encontrava em uma
luta interna, pessoal, porque voltou a beijar sua mão e sorriu.
― Seja o que for asseguro que poderemos solucionar os
dois.
Ela sorriu agradecendo que ele não a pressionasse.
Finalmente ele se levantou e começou a se vestir.
― Será melhor que eu vá dirigir este navio e controle que
não nos sigam.
Ela assentiu enquanto ficava, também, em pé, para se
vestir. Nesse momento aproveitou para observar o camarote.
Era um camarote espaçoso, não tanto quanto o do navio
antigo de Duncan, mas, sim, era bastante elegante.
― Quem lhe emprestou o navio?
Duncan acabou de fechar a calça e ficou de camisa.
― Era de um amigo. ― Colocou o cinturão e sua espada.
― Amanhã chegaremos ao Monte de San Miguel, Cornualhas.
A paróquia pertence à família Aubyn, mudaremos de navio e
pegaremos provisões.
― Refere-se à família do coronel John Aubyn? O do
parlamento?
Duncan a olhou surpreso.
― Como sabe de tudo isso?
Ela encolheu os ombros.
― Viajei muito ―ela pronunciou colocando o vestido e
lhe dando as costas. Fechou o corpete e quando se virou
encontrou ao Duncan bem atrás dela. Esteve a ponto de dar
um passo para trás, mas ele não permitiu.
― É uma mulher bastante misteriosa ― ele disse
divertido e, automaticamente, beijou-a. ― Eu gosto disto.
Beatriz afastou seu olhar enquanto notava como suas
bochechas se acendiam ninguém, nunca, se preocupou de
elogiá-la tanto.
― Acompanha-me ao convés?
26

O Monte de San Miguel tratava-se de uma ilha marítima


situada a trezentos e sessenta e seis metros, da costa da
Cornualha. A praia de Perranuthnoe se encontrava bastante
afastada, mas, apesar de tudo, parecia um lugar mágico.
Recordava-se que visitara outro monte Saint-Michel na
França, em sua viagem de fim de curso, situado na
Normandia francesa, mas este, era igualmente lindo.
Pareciam-lhe extraordinários, aqueles lugares.
Beatriz observou como a tripulação ia passando coisas
de um navio a outro, enquanto Duncan conversava com um
homem, supunha que o antigo proprietário do navio que
acabava de trocar, muito maior e elegante que o que se
encontravam.
Jerry se colocou a seu lado com um sorriso.
― Bonito lugar, não é? ― disse todo risonho.
Beatriz se virou para observá-lo.
― Sim, é lindo.
― Sabe? ― ele pronunciou enquanto assinalava para o
Monte de San Miguel. ―Até faz bem pouco, tudo estava
rodeado de árvores. Lembro-me que meu pai me trouxe aqui
uma vez quando pequeno. Em mil e setecentos houve uma
grande onda que inundou toda esta região.
― Faz quatorze anos? ― ela perguntou assombrada.
― Sim. ― Depois se virou para observar Duncan, a
bastante distância, e olhou de esguelha para Beatriz.
―Duncan é um bom homem ― ele pronunciou de forma
inocente, embora Beatriz captasse sua intenção.
― Sei.
― Não, não sabe ― ele respondeu com um sorriso
virando-se para ela, que o observou um pouco tímida. ―Teria
removido o mundo inteiro para encontrá-la. Jamais o vi tão
desesperado.
Ela o olhou divertida.
― Pediu que me dissesse isto? ― ela brincou.
Jerry arqueou uma sobrancelha.
― Não, por quê?
― Por nada ― ela respondeu rapidamente.
Jerry a olhou confuso, mas igualmente lhe sorriu.
― Digo isso porque é um bom amigo, conheço-o bem, e
lhe asseguro que ele não teria feito isto por ninguém, que não
lhe importasse de verdade.
― Mas você também o acompanhou… e toda a
tripulação.
Jerry encolheu os ombros, como se não tivesse
importância.
― Você não faria por um amigo? ― ele perguntou
ironicamente. ―Além disso, aquele bode do general francês
esteve a ponto de acabar com nossas vidas, afundou-nos o
navio e levou você com ele. Não podíamos permitir que as
coisas ficassem assim.
― Sei...― ela disse não muito convencida.
― E já faz parte da tripulação ― ele continuou.
Beatriz começou a rir.
― Duvido muito.
Jerry arqueou uma sobrancelha com jeito brincalhão.
― Bem, compartilha o camarote e a cama com nosso
capitão, não é? ― Beatriz ficou tensa como um pau. ―Isso lhe
dá certos direitos e merece nosso respeito. ― Ele piscou um
olho. ― E mais, ao final gostamos de você, o navio é muito
mais divertido com você a bordo ―ele pronunciou com um
sorriso enquanto se distanciava até alguns rapazes, que
levavam baús pesados, de um lado para outro.
Embora aquelas últimas palavras denotassem um claro
contexto sexual não se importou, ele pronunciara em um tom
tão brincalhão, tão cômico… que até achou engraçado. E
pensar que ela lhe deu uma pedrada na cabeça, algumas
semanas antes!
― Obrigada ― gritou para ele. Jerry se virou para ela.
―Por me buscar.
No instante ele sorriu.
― Não há de que.
Nesse momento se deu conta de que Duncan a
observava com um sorriso. Estreitou a mão do homem com o
qual conversava e se aproximou dela, enquanto passeava o
olhar pelo convés, observando como acabavam de passar o
resto do mobiliário.
― Esse é seu novo navio? ― perguntou com um
movimento de sua cabeça.
― Sim.
― É bonito.
― É um pouco maior que o outro e tem alguns canhões
a mais.
Ela sorriu, pois parecia que ele falava com orgulho sobre
um filho.
― Sinto o que Bastian fez a seu navio.
Ele encolheu os ombros.
― Tinha-lhe carinho, mas é somente um navio, pode ser
substituído ― respondeu enquanto olhava para Ralph. ―
Quantos baús restam para passar?
― Seis, capitão. Quase acabamos.
Virou-se para ela e apontou com um movimento de sua
cabeça.
― Vamos, ensinarei isso.
Tal e como ele dissera, notava-se que o convés era um
pouco maior. Por dentro estava extremamente bem decorado.
Por isso, ele foi explicando, aquele navio pertencera durante
cinco anos à família Aubyn, mas, depois da compra de novas
embarcações, alguns estavam sem uso.
Estava decorado de forma singela e elegante. Recordou-
lhe bastante o primeiro navio de Duncan.
― Quantos navios você teve? ― ela perguntou enquanto
caminhavam pelos corredores.
― Este é o segundo.
― E lhes coloca nome?
― Claro.
Aquilo a pegou despreparada.
― Como se chamava o outro?
― O Falcão Negro.
Não pensara nisso até esse momento.
― E como vai chamar a este?
― Pensei colocar o mesmo ou deixar o que tem: O
Matreiro ― Depois se virou para ela. ―Pensou em algum
novo?
Beatriz encolheu os ombros.
― O Matreiro soa bem. Ardiloso, dissimulado…
― Como eu ― brincou Duncan. ―Vai ficar com esse
nome.
Depois de dar um passeio e lhe mostrar o novo navio a
acompanhou até a cozinha.
― Tome o café da manhã, o que quiser ― disse ele a
deixando passar. ―Eu ajudarei à tripulação, devemos tomar
rumo as Bermuda o quanto antes possível.
Ela assentiu.
― De acordo ― pronunciou antes de vê-lo virar-se.
―Duncan, espere… ― Interrompeu suas passadas. ―
Obrigada por ir me buscar ― ela sussurrou.
Duncan sorriu e desfez o caminho andado para beijá-la
de novo.
― Não demorarei nada ― ele pronunciou acariciando seu
ombro.
A incerteza não a abandonara nos últimos dias,
enquanto cruzavam o oceano Atlântico rumo as Bermuda.
Seu olhar voou de novo para Duncan, que se encontrava no
convés, ajudando alguns homens a subir uma das velas.
Afastou o cabelo de seu rosto e se apoiou contra o
corrimão enquanto um longo suspiro saía do mais profundo
de seu ser.
Aquela, sem dúvida, era a decisão mais importante e
difícil que tomaria.
Rendia-se e ficava junto a Duncan? Ou voltava para
junto de sua família? Tomasse a decisão que tomasse,
sempre perderia alguém.
Voltou a observar Duncan, seus cabelos loiros voavam
de um lado a outro enquanto ele ria com seus companheiros.
Jamais sentira nada assim por alguém. Recordou-se de
quando o viu pela primeira vez, jogando-se sobre ela naquela
ilha e fazendo-a prisioneira, quando saquearam o navio de
Bastian dias mais tarde, quando a amarrara ao mastro
principal, como a resgatou quando fora presa pelo capitão
O’Donell e como cruzara todo um oceano em sua procura.
Um sorriso percorreu seu rosto. Como não amar aquele
homem? Mas a lembrança de sua família a entristeceu.
Aquela não era sua época, não era seu mundo… Ou,
possivelmente sim?
Desde pequena se sentiu atraída por aquela época, por
aqueles costumes, pela história dos séculos dezessete e
dezoito e, agora, ela se encontrava ali, possivelmente aquele
fosse realmente seu destino. Mas, e sua família? Se ficava ali
somente teria a ele. Se decidisse finalmente não tentar voltar
para sua época, jamais voltaria a ver sua família, a seus
amigos… para todos, teria morrido.
Afastou o olhar de Duncan e ficou contemplando o pôr-
do-sol, que pintava tonalidades rosadas e alaranjadas no céu.
Mas outra frente se abria. Duncan lhe disse que a
levaria com ele às Bermudas, a seu lar. Deveria contar para
ele, finalmente? Deveria lhe explicar o que havia acontecido?
Possivelmente aquilo fosse o que a ajudaria a tomar
uma decisão se ficaria ou tentaria voltar. Se suas intenções
eram que ela vivesse com ele, devia ser sincera.
Surpreendeu-se quando virou de novo seu rosto e
Duncan caminhava tranquilamente para ela com um sorriso.
Sim, possivelmente isso fosse o melhor, ser sincera com ele,
afinal ele já demonstrara suas intenções cruzando todo um
oceano para resgatá-la.
― Bonito entardecer ― ele sussurrou colocando-se a seu
lado.
Ela sorriu, mas, finalmente engoliu a saliva, um pouco
nervosa e olhou à frente. Quanto antes dissesse melhor.
― Sim, muito bonito ― ela sussurrou. Suspirou e o
olhou de esguelha. ―Quando me disse sobre ir a Bermuda,
viverei com você?
Aquela pergunta o fez olhá-la, surpreso, embora
acabasse sorrindo.
― Você gostaria? ― ele perguntou de forma terna, algo
que a surpreendeu.
Beatriz mordeu o lábio e olhou de novo para o horizonte,
onde a linha alaranjada do céu se confundia com o mar.
― Não tenho ninguém aqui ―ela sussurrou com tremor
na voz.
― Isso não é verdade ― ele sussurrou aproximando-se
mais dela. ― Tem a mim. ― Ela sorriu, embora o
acanhamento a fez voltar a afastar o olhar dele, mas Duncan
se aproximou mais, colocando-se as suas costas e passando
um braço de cada lado. ―Não tenho pensado me dedicar a
isto, para sempre ― explicou também olhando o horizonte.
―Como já lhe disse, tenho uma casa nas treze colônias. Ali
possuo terras às quais poderia tirar um bom rendimento e
comercializar seus frutos. ― Depois inclinou seu rosto para
ela. ―Lhe asseguro que não lhe faltaria de nada.
De acordo, agora estava segura de suas intenções, tal e
como havia pensado. Se algo havia de bom em Duncan é que
não fazia rodeios.
― Ora, veja, eu… deveria… deveria….
Duncan começou a rir.
― Mmmmm… ― Interrompeu-a. ―É dessas mulheres
que necessitam um anel para viver com um homem?
Aquela pergunta fez com que Beatriz o olhasse
intensamente. Começou a rir fazendo com que Duncan
arqueasse uma sobrancelha surpreso. Ele pensava-se que
seu nervosismo era por isso? O ataque de risada que deu
deixou Duncan, totalmente, desconcertado, ele olhava de um
lado para outro confuso.
― Não, não se trata disso ― acabou dizendo quando
consegui se acalmar.
Ele a olhava fixamente, sem compreender.
― E por que está rindo? ― ele perguntou com seriedade.
Ela ficou séria no instante, e encolheu os ombros, desta
vez um pouco nervosa ao ver seu gesto.
― Não, é… é que me surpreendeu essa pergunta ―
Olhou de um lado para outro, nervosa, e finalmente puxou ar
com força. ―É somente que preciso saber que não estarei
sozinha.
Ele sorriu.
― Não estará ― ele sorriu enquanto segurava sua mão,
depois a observou dúbio e acabou suspirando. ―Sei que me
oculta alguma coisa ― ele sussurrou. ―Algo sobre sua família,
sobre sua origem. ― Ela afastou o olhar dele. ―Mas isso não
mudará o que sinto por você, nem minhas intenções.
Ela assentiu. Possivelmente sim, deveria dizer-lhe, mas,
o que pensaria? Não ia lhe dizer que havia fugido ou que
estava prometida. Não, era algo que beirava a loucura.
Engoliu a saliva e o olhou, sem saber o que fazer.
― Quando estiver preparada sabe que estou aqui.
Ela assentiu, apertando os lábios, debatendo-se entre
lhe dizer tudo, de onde provinha ou seguir discretamente. Ia
falar quando Jerry gritou do outro lado do navio.
― Capitão!
Ambos se viraram assustados pelo grito. Jerry corria
para eles com a luneta entre suas mãos.
― Apareceram bandeiras francesas no horizonte. Três
navios.
Duncan agarrou imediatamente a luneta e foi para o
corrimão.
Beatriz começou a tremer. Não havia dúvida do que
estava ocorrendo.
― Bastian ― ela sussurrou a suas costas.
Duncan se virou para ela e depois olhou preocupado
para Jerry.
― Maldito seja ― ele sussurrou pensativo. Depois olhou
para Jerry com determinação. ―Mude o rumo, direto aos
Açores.
Jerry assentiu e saiu correndo em direção ao timoneiro
para lhe explicar a nova situação.
― Aos Açores? ― ela perguntou intrigada.
― Sim. Ali poderão nos ajudar.
― A fugir? ― ela perguntou alterada.
Duncan se virou de novo para ela, consciente do estado
de nervos no qual ela se encontrava e se aproximou
agarrando-a pelo braço.
― Os Açores pertencem a Portugal, é a única parte que
se amotinou com o Império espanhol. Suponho que, chegado
o caso, poderão nos ajudar a combater contra os franceses.
Conheço um pouco a região…
― A região?
― Sim, muitos de meus companheiros das Bahamas
interrompem suas rotas para ficarem alguns dias na terra.
Haverá alguém ― ele pronunciou já se afastando.
― E se não houver? Não seria melhor seguir rumo as
Bermuda?
Duncan se virou e negou.
― Não. E se nos alcançarem? Não quero ter uma batalha
contra três navios franceses de uma vez. De toda a maneira,
se seguirem nossa nova rota saberemos que nos perseguem.
Ela assentiu compreendendo.
― Há quanto tempo estamos dos Açores?
― Quase um dia.
Ela se se remexeu inquieta.
― Chegaremos a tempo?
Duncan sorriu tentando acalmá-la.
― Claro.
Duncan se jogou sobre ela cobrindo-a com seu corpo.
― Disse que chegaríamos a tempo ― ela gemeu sob seu
peso.
Duncan se endireitou levemente, o suficiente para
observar por cima do corrimão, como outro dos navios
franceses começava a ter o ângulo perfeito para bombardeá-
los.
Durante as horas seguintes, viram impassíveis como
aquela pequena fragata de três navios franceses foram
ganhando terreno. Não havia a menor dúvida, eles os
seguiam e sabiam qual era a causa. Já não era somente que
eles, piratas ingleses, tivessem invadido terras francesas, mas
sim, além disso, havia Beatriz. Essa era a verdadeira causa
pela qual o general francês teria partido em seu rastro.
Maldito fosse. Deveria tê-lo matado quando teve
oportunidade, mas agora, já não teria nenhuma desculpa
para não fazê-lo, embora Beatriz se opusesse, acabaria com
ele.
― Tudo a estibordo! ― ele gritou para o timoneiro, que
não deixava de lançar olhadas para trás, comprovando a
cercania dos navios inimigos.
Voltou seu olhar à frente, a Terceira ilha aparecia ante
eles. Enorme, com muita vegetação e cristalinas águas. Se ao
menos conseguissem chegar até lá, possivelmente tivessem
uma oportunidade, embora a visse difícil, muito difícil. Os
navios franceses já estavam muito perto e começavam a
atingir o ângulo perfeito para bombardeá-los.
De fato, embora nenhuma bomba conseguira alcançá-
los, ainda, não hesitaram em disparar seus canhões, em sinal
de ameaça e não duvidava de que em pouco tempo, estariam
em cima.
― Por que estamos tão lentos? Eles vêm muito mais
rápidos ― gritou ela.
― Eles têm um comprimento de navio menor e as
mesmas velas que nós ― respondeu como se fosse evidente.
Observou a ambos os lados. Um dos navios começava a
se aproximar pela esquerda, outro pela direita e o que vinha
nos calcanhares, estava já a poucos metros.
Soprou e se deu conta de que o navio virava a estibordo.
― Preparem os canhões!
― Não, não, não ― começou a gemer Beatriz levando as
mãos à cabeça como se não suportasse tanta tensão.
Duncan correu para ela agarrando-a pelos ombros,
tentando acalmá-la e seu olhar pousou diretamente na ilha,
ainda muito longe. Se estivessem mais perto possivelmente
poderia mandá-la com um bote para lá, mas, sendo sincero, o
bote seria muito lento comparado com os navios que os
perseguiam e não conseguiriam chegar a terra sem que os
interceptassem.
Remexeu-se inquieto enquanto ela continuava gemendo.
― Não se afaste de mim, sob nenhuma hipótese.
Ela assentiu tentando recuperar a prudência, quando a
explosão de uma bomba próxima fez com que o navio se
movesse de um lado para outro, fazendo-os cair.
Duncan se endireitou imediatamente, colocando uma
mão nas costas dela, que se encontrava estendida sobre o
convés.
― Jerry! ― gritou para seu companheiro, que se
levantava naquele momento. ―Necessitamos de ângulo, já!
Jerry assinalou diretamente à frente.
― Não podemos, vão bloquear nosso caminho ― gritou
para ele nervoso, comprovando que o navio inimigo já se
aproximava, excessivamente, ao deles. ― Nos chocaríamos
contra eles.
Beatriz se remexeu tentando ficar em pé.
― Duncan, Duncan… ― tentou chamar sua atenção,
mas ele olhava de um lado a outro nervoso, procurando
alguma via de escapamento.
Não podiam virar, se o fizessem corriam o risco de não
ter o tempo suficiente para virar e se chocariam contra o
navio inimigo.
Estava consciente de que não dispunha de muito tempo,
antes que eles invadissem tudo. Seu comprimento do navio
era mais largo, quer dizer, seu navio media mais que o
francês, por isso, embora sua fragata fosse rápida, não podia
competir em velocidade contra uma corveta que media menos
e, portanto, seu peso era inferior, sendo suficientemente
ligeira para alcançar uma maior velocidade e ir ganhando
terreno.
― Duncan! ― voltou a gritar Beatriz chamando
finalmente sua atenção. ―O que vamos fazer?
Ele a observou durante alguns segundos. Não podia
permitir que eles os pegassem, sabia que se os apanhassem,
os matariam, a todos, e a levariam como prisioneira.
Remexeu-se inquieto e se afastou dela apoiando-se
contra o corrimão.
Começavam a contornar a Terceira, ainda bastante
longínqua. No princípio teriam que contornar a ilha e deixar o
navio na outra parte da Terceira, mas com a pouca distância
em que eles estavam, duvidava que pudessem despistá-los.
Olhou para trás, alguns de seus marinheiros
permaneciam quietos, esperando nervosos alguma ordem,
outros simplesmente corriam de um lado a outro segurando
cordas.
Voltou a olhar para as corvetas cada vez mais próximas
e uma ideia lhe assaltou. Era arriscado, muito, mas era a
única via de escapamento que podiam ter. Virou-se para o
timoneiro.
― Timoneiro! ― ele gritou correndo pelo convés. ―Pegue
o rumo à ilha do Pico!
Beatriz o olhou sem entender, mas no convés, todos se
moveram rapidamente como se compreendessem, enquanto
ela sentiu que o navio girava ligeiramente a estibordo.
Conhecia a localização da ilha do Pico, era uma das
ilhas que compunham os Açores, próxima a Terceira. Mesmo
assim, duvidava que pudessem chegar a tempo e muito
menos poderiam chegar a Terceira antes que os alcançassem.
― Não teremos tempo! ― ela gritou angustiada
aproximando-se dele.
Tiveram que abaixar-se em uma fração de segundos,
quando o som de outra bomba caiu muito perto e os
surpreendeu. Duncan jogou um braço em cima dela,
protegendo-a, e assim que conseguiu ficou novamente em pé.
― Não pretendo chegar ― ele pronunciou agarrando pela
mão e correndo pelo convés rumo ao timoneiro e Jerry, que se
encontrava a seu lado.
Soltou-a deixando-a ao lado do timoneiro e voltou a
olhar a distância que havia entre eles e as corvetas francesas.
― Precisamos nos desfazer de peso ― pronunciou para
Jerry. ―Ganharíamos em velocidade. ― Depois voltou o olhar
para ele. ―Com dez canhões nos bastará.
Jerry afirmou e saiu correndo para o convés gritando as
ordens. Pouco depois o barulho e os gritos invadiram tudo.
Ela, a diferença da tripulação, não compreendia o plano.
― Vais se desfazer dos canhões? ― ela perguntou
assustada. ―Não poderemos nos defender. ― ela gemeu.
― Não todos ― disse aproximando-se dela. ―Dispomos
de quase cinquenta canhões, é muito peso. Dez canhões
bastarão para enfrentá-los e ganharemos um pouco de
velocidade.
Ela se remexeu inquieta quando viu que alguns dos
canhões eram jogados no mar, afundando-se naquelas águas
profundas.
Beatriz voltou a se virar.
― E então por que nos dirigimos à ilha do Pico? Se
pudermos conseguir velocidade vamos para a Terceira, não?
― Teremos um pouco mais de velocidade, mas
possivelmente não a suficiente para poder despistá-los.
Ela deu um passo para trás ao compreender o que ele
queria dizer.
― Vamos fazer lhes frente? ― Seu corpo começou a
tremer depois de dizer aquelas palavras. Duncan se deu
conta disso e a seguro com suas mãos pelos braços, fazendo
que ela o olhasse fixamente.
― Escute, escute… ― Beatriz mantinha o olhar cravado
nas corvetas francesas. ―Beatriz, me olhe!
― Se me entregarem eles os deixarão em paz ―
pronunciou sem olhá-lo.
Duncan, compreendendo o significado de suas palavras,
ficou totalmente ereto e negou para ela, zangado pelo que
dizia.
― Não. Isso não entra em meus planos. ― Beatriz o
olhou com temor. ―Não vou deixar que nos agarrem. ―
Inspirou tentando recompor-se das palavras dela. ― Nosso
navio tem um comprimento de navio mais largo, mas o
casco é um pouco menor que o das corvetas. ― Ela centrou
sua atenção nele. ―Perto da ilha do Pico há uma região
rochosa. Nós fomos várias vezes ali, o timoneiro sabe o
caminho, mas duvido que eles saibam, e igualmente seu
casco é maior… ― Ela começou a negar, ao compreender o
que queriam fazer.
― Quer encalhar aqueles navios?
― O navio deles é mais profundo, vários metros a mais,
toparão com alguma rocha antes que nós. Se conseguirmos
passar a zona das rochas mais altas eles ficarão parados,
poderemos atacá-los sem problemas.
― Mas é muito arriscado, poderia não func…
― É a única coisa que podemos fazer ― ele cortou. ―Não
penso perdê-la de novo. Já a perdi uma vez. Não voltará a
acontecer. ― Olhou-a fixamente e a beijou sem rodeios, nos
lábios. Passou uma mão por seu cabelo a modo de carícia,
tentando lhe infundir um pouco de calma e se distanciou dela
correndo para o convés, começando a dar ordens a todos os
seus tripulantes.
Ela ficou totalmente quieta enquanto observava como
ainda seguiam lançando canhões ao mar e se virou para o
timoneiro.
― Conseguiremos a velocidade suficiente?
O timoneiro lançou o olhar para trás alguns segundos
antes de responder.
― Pela conta que nos traz, será melhor que sim.
Duncan ajudou a atirar pela amurada, outro dos
canhões e ficou olhando a distância que mantinha das
corvetas.
Embora notasse que o navio começava a ir mais ligeiro
ainda não conseguira a velocidade que necessitavam para
colocar um pouco de distância ou, ao menos, manter a que já
tinham. Aquilo se complicava.
Olhou nervoso de um lado para o outro, devia desfazer-
se de mais coisas se quisesse chegar à ilha do Pico.
― Os móveis! Atirem pela amurada!
― Estão atarraxados, senhor ― pronunciou um dos
marinheiros.
― Pois os desatarraxe, vamos! ― ele gritou enquanto
corria pelo convés e entrava no corredor que o levava rumo
aos camarotes. ―Os armários, as mesas, as cadeiras… vão! ―
voltou a rugir. ― A única coisa que precisamos são as armas.
Mais da metade da tripulação ficou a tirar tudo. As
mesas de madeira maciça, as cadeiras, inclusive alguns
armários eram jogados pela amurada sem sequer olhar em
seu interior.
Quando se virou, Danny e Jerry estavam atirando todos
os objetos pesados da cozinha, enquanto outros marinheiros
jogavam baús pela amurada.
Aquilo não tinha importância, posteriormente, se
conseguissem sair dali com vida, poderiam comprar todo o
necessário, mas agora, a única coisa que lhe interessava era
aliviar o máximo possível o navio.
― Jerry! ― gritou para seu companheiro que estava
ajudando outros marinheiros com outra das mesas. Teve que
abaixar-se quando escutou o som de um canhão explodir.
Assim que todos voltaram a ficar em pé Jerry correu para seu
capitão. ―Precisamos aliviar o máximo possível o navio, se
quisermos passar por cima das pedras sem roçar ―
pronunciou de forma atropelada. ― Os baús de comida da
despensa, inclusive as velas de reposição, as portas… tudo ―
ele disse. ― A única coisa que não pode jogar são as armas.
― E os marinheiros ― brincou Jerry.
― Sim, muito certo ― ele pronunciou olhando para suas
velas, logo observou para a Terceira e olhou o horizonte onde,
ao final de tudo, podia ver ilha do Pico. ― O vento nos
favorece. ― Olhou para os navios franceses. Ainda não
conseguiram nenhuma distância, mas, ao menos, parecia que
ao começar a aliviar peso foram ganhando velocidade e
começavam a se igualar a deles. ― Como vamos de artilharia?
― Ficam por jogar, ainda, uns quinze canhões.
― De acordo. ― Logo assinalou para popa, onde Beatriz
ainda permanecia ao lado do timoneiro. ― Quero cinco
homens na popa, que disparem nas velas dos franceses. Que
tentem algumas vezes, mas se não conseguirem, que não
gastem munição.
Jerry assentiu e voltou a correr para o corredor
enquanto ordenava a todos os marinheiros que arrancassem
inclusive as portas para jogá-las fora.
Pouco depois os cinco marinheiros elevavam seus rifles
para as velas da corveta que os seguia bem atrás, a poucos
metros de distância.
Beatriz desceu para o convés rapidamente colocando-se
ao lado de Duncan.
Quando os fuzis dispararam Duncan esperou com o
coração na boca. Foi Jerry quem agarrou a luneta e observou
o navio. Automaticamente, virou-se e procurou seu capitão
com o olhar, negando no momento.
― De acordo, que não gastem nenhuma bala mais, até
que seja seguro.
Duncan voltou a olhar para seus marinheiros,
continuavam jogando tudo o que podiam pela amurada, mas
realmente desconhecia se aquilo seria suficiente.
Com o passar dos minutos, a ilha do Pico ia se tornando
maior no horizonte, inclusive podiam começar a divisar as
altas montanhas, mas a distância com os franceses não
aumentava o suficiente.
― Atiraram já os barris da adega? ― ele perguntou a um
dos marinheiros.
― Não, ainda não. Estamos subindo.
― Então os atirem, imediatamente!
Voltaram a repetir a ordem e Beatriz observou do convés
como arrojavam uma grande quantidade de barris pesados ao
mar das janelas que estavam por debaixo.
― Vamos, vamos… ― escutou que Duncan gritava,
observando os três veleiros se aproximarem.
― Não conseguimos velocidade? ― gritou para ele.
Duncan esperou alguns segundos.
― Um pouco, mas não a suficiente. ― Virou-se para o
timoneiro, que se abaixou para esquivar alguns disparos.
―Merda. Abaixe-se ― ordenou para Beatriz, que se jogou
sobre convés no instante. ― Direto às rochas! ― gritou para
ele.
O timoneiro se endireitou mudando corretamente o
rumo.
― Quanto tempo demoraremos? ― ela perguntou
aproximando-se dele, ainda abaixada.
― É possível que em dez ou quinze minutos entremos na
zona.
― E chegaremos a tempo? ― perguntou realmente
estressada.
― Mais nos vale…
Endireitou-se de novo e indicou a ela que não se
levantasse.
― Disparem! ― ele gritou para os cinco homens que se
encontravam ao lado do timoneiro. ―Para as velas!
Imediatamente, o som dos disparos se intercalou com os
golpes das ondas no casco do navio.
Permaneceu quieta, durante minutos, tal e como
Duncan lhe ordenara. Não soube quanto tempo passou. Os
segundos se faziam eternos, mas em um determinado
momento, os gritos no convés se fizeram mais audíveis. Uma
mão a elevou colocando-a em pé.
― Preparem os canhões de estibordo e a âncora! ― gritou
com todas suas forças. Foi com ela até o mastro e se agarrou.
― Assim que passe as primeiras rochas gire a bombordo ―
gritou para o timoneiro, que permanecia abaixado, embora
sem soltar o leme. ― Todos se preparem!
Beatriz começou a tremer, mas mais ainda, quando
Duncan a rodeou com seus braços apertando-a contra o
mastro.
― Não se solte. Vai ser um giro brusco. ― Olhou-a
diretamente nos olhos. Ela assentiu e se segurou ao mastro,
notando como ele a rodeava com força a suas costas.
No início ela fechou os olhos, mas logo os abriu.
Precisava ver tudo, embora se desse conta de que aquilo não
era uma boa ideia, assim que presenciou como a poucos
metros algumas pedras apareciam entre as ondas, sendo
cobertas de novo pela espuma branca.
― Chocaremos! ― gritou para ele.
― Não, nosso casco é menor que o dos navios franceses
― disse com convicção tentando tranquilizá-la.
Seu cabelo voou para trás enquanto a água salgada
salpicava seu rosto.
Em um determinado momento o navio pareceu saltar
um buraco e se moveu de um lado a outro. Soube que tinham
passado por cima de uma rocha. Esteve a ponto de se soltar
do mastro se Duncan não se encontrasse atrás dela.
Sentiu que todo seu corpo se tencionava enquanto o
navio se movia de um lado a outro, tocando, sem dúvida,
levemente as pedras.
Os gritos invadiram o convés durante alguns segundos.
Duncan a apertou mais forte.
― Agora! ― ele gritou para o timoneiro, depois girou mais
seu rosto. ―A âncora! Preparem os canhões!
O som da corrente baixando a toda velocidade lhe fez
arrepiar a pele.
― Segure-se! ― gritou a seu lado apertando-se mais.
Foi acabar de pronunciar aquilo e o navio começou a
girar a grande velocidade. A âncora devia ter se encravado em
uma das rochas e fazia girar o navio com força. Começou a se
inclinar a grande velocidade e ela acreditou que cairia para o
outro extremo do convés.
Ao momento, observaram como as lascas começavam a
saltar. A corrente da âncora estava destroçando parte do
convés do navio.
― Meu Deus! ― ela gritou agarrando-se com força ao
mastro enquanto o navio continuava girando. Teve que fechar
os olhos com força, sobretudo quando observou como o navio
girava tomando o ângulo suficiente para ficar horizontal aos
três navios que o seguiam de perto.
Agora compreendia tudo. Se Duncan tivesse razão e o
casco dos navios franceses era maior não poderiam
atravessar as rochas, entretanto, para eles representava um
muro que os franceses não poderiam atravessar e estavam
em ângulo perfeito para disparar seus canhões para eles.
O navio acabou de girar ficando totalmente na
horizontal, fazendo com que todos os marinheiros tivessem
que segurar-se com força.
― Disparem! ― gritou Duncan com todas as suas forças.
Não se passaram mais de dez segundos antes que o
estalo dos canhões invadisse tudo. Agora os franceses não
dispunham de ângulo suficiente para disparar.
Duncan a agarrou jogando-a ao chão. Certamente, os
franceses não dispunham do uso de canhões, nesse
momento, mas, sim, de pistolas e fuzis.
Ajoelhou-se a seu lado enquanto olhava o convés e como
seus marinheiros se moviam de um lado a outro com imensa
agilidade.
― Não deixem de disparar com os canhões!
Jerry repetiu sua ordem e em menos de um segundo
outro estalo fez com que até seu navio vibrasse.
― Vá para o corredor. ― disse Duncan agarrando-a pelo
braço. ―Mas não se levante.
Beatriz assentiu e começou a engatinhar pelo convés,
mas algo chamou sua atenção. Um dos navios franceses
estava girando lentamente para atacar com seus canhões, o
outro parecia também estar tomando ângulo, mas o terceiro
vinha direto para eles e se superasse as pedras se chocaria.
Duncan também ficou consciente disso. Ele ficou em pé
tirando a espada de seu cinturão.
― Bombardeiem! ― voltou a gritar enquanto dava alguns
passos para trás ao ver que aquele navio francês não se
detinha, nem parecia querer corrigir seu rumo para evitar as
pedras. Ia direto para eles. ― Por Deus ― sussurrou quando
viu que o navio se encontrava a poucos metros das rochas. ―
Preparem-se para um assalto!
Beatriz chegou, com muita dificuldade, ao corredor para
ficar em pé e observar a cena dali.
Do navio francês saltaram partes de madeira enquanto
as bombas se incrustavam nele. Gritou quando viu que se
chocava contra as pedras e começava a subir sobre elas. Meu
Deus, conseguiriam, passariam aquelas escarpadas rochas e
se jogariam contra eles.
Duncan se virou para a Beatriz e a observou um
segundo.
― Jerry! Leve Beatriz para a terra!
Ela ficou tensa.
― Não!
― Leve-a, ele ordenou com fúria para ele.
No instante, Jerry se situou ao lado dela agarrando-a
pelo braço e começando a atirar, mas saíram disparados para
o outro lado do convés quando finalmente o navio francês se
chocou contra o deles.
Duncan caiu sobre o convés, tentou se levantar várias
vezes, mas o golpe ao chocar os dois navios havia sido duro.
Parte de seu convés saltava pelos ares e seu olhar voou
diretamente para Beatriz, que permanecia em pé, sobre o
convés junto de Jerry.
27

Com muita dificuldade conseguiu se mover, ficou


totalmente congelada contemplando como a proa daquele
navio francês se incrustava no convés do navio de Duncan.
Pelo menos, os outros dois navios pareciam que tinham sido
alcançados pelos canhões e os marinheiros se lançavam ao
mar pelo convés.
Os gritos fizeram com que finalmente conseguisse se
mover.
― Tire-a daqui! ― voltou a gritar Duncan para Jerry.
Jerry a elevou pela cintura enquanto ela não conseguia
afastar o olhar dele. Duncan se encontrava a poucos metros
da proa, do navio francês que se incrustou contra o seu,
espada na mão, preparado para o ataque.
― Não! ― gritou lutando contra o braço de Jerry, que a
levava para um dos botes que conseguira sobreviver à
investida. Gritou com mais força quando os marinheiros do
navio francês saltaram sobre o convés de Duncan.
O som do choque do metal contra o metal das espadas
invadiu tudo.
― Vamos, vamos, Beatriz ― gritou Jerry arrastando-a,
embora tivesse que soltá-la quando os marinheiros franceses
se aproximaram deles. ― Pegue um bote e saia do navio,
vamos! ― ele ordenou enquanto se dirigia para um dos
franceses que corria para eles.
Correu veloz rumo à área dos botes, compreendendo que
nada mais podia fazer se quisesse sair com vida dali, mas
notou como o navio começava a inclinar para um lado, sem
dúvida ficaria inundado pela brecha que abriram no convés e,
se não saía rapidamente do navio, ela afundaria com ele.
Teve que atirar-se ao chão quando escutou uma bala
passar perto de seu corpo.
Gritou jogando-se no chão, procurando o causador
daquele disparo. Mas paralisou seu coração e lhe gelou o
sangue quando descobriu Bastian, saltando sobre o convés e
apontando para ela. Bastian? Ele disparara?
Seu olhar foi para aqueles olhos injetados em sangue.
Quando se conheceram pela primeira vez, seus olhos
expressaram ternura, amor, misericórdia… agora parecia
estar possuído por uma ira incontrolável.
Bastian deu alguns passos para frente, saltando alguns
marinheiros e apontou mais uma vez mais, elevando seu
braço.
Beatriz o observou incrédula. Ele a mataria e ela não via
nenhum rastro de dúvida em seus olhos.
Bastian começou a apertar o gatilho quando Duncan se
jogou sobre ele jogando-o no chão e fazendo com que o
disparo se dirigisse ao céu.
Beatriz aproveitou aquele momento para ficar em pé e
analisar a situação. Duncan se encontrava sobre ele,
golpeando seu rosto com o punho.
Bastian não conseguiu deter o primeiro murro, mas sim,
o segundo e colocou o pé no estômago de Duncan para jogá-
lo para trás.
Beatriz gritou ao ver que Duncan caía para trás e
Bastian agarrava a espada jogando-se sobre ele. Por sorte,
Duncan conseguiu parar o golpe do metal a poucos
centímetros de seu pescoço.
― Devia ter lhe matado a primeira vez que o vi ―
grunhiu para ele enquanto mantinha a espada de Bastian
afastada de seu pescoço. Com esforço conseguiu separar-se
dele o suficiente para ficar em pé, e arremeter de novo contra
Bastian, mas este conseguiu deter o golpe, imediatamente,
embora saísse tropeçando para trás, vários passos.
Beatriz agarrou um dos remos do bote e olhou para o
lugar. Às vezes os perdia de vista, quando se interpunham
entre eles os marinheiros lutando uns contra outros. Elevou o
remo à altura do ombro para arremeter contra o primeiro que
se aproximasse, embora o que precisasse de verdade era uma
arma, uma pistola.
Olhou de um lado para outro procurando uma pelo
convés enquanto, de canto de olho, viu Jerry lutar contra
todos os franceses, para não permitir que se aproximassem
dela.
Duncan saiu disparado contra o corrimão do navio pelo
impulso do forte chute que Bastian lhe dera e, ao se chocar
contra a madeira, sentiu que o navio se inclinava ainda mais.
Teve apenas um segundo para observar a grande brecha
aberta em seu convés e como a água entrava por ele.
Esquivou-se evitando que a espada o atravessasse,
rodando sobre seu próprio corpo e paralisando o golpe.
Bastian o olhava com ódio, com uma fúria indescritível que
jamais vira antes em nenhum homem.
― Você a tirou de mim! ― grunhiu para ele.
Duncan arremeteu contra ele, mas Bastian parou o
golpe em seco, estava claro que ele sabia lutar.
― Eu não a tirei de você, ela escolheu. ― Elevou sua
perna até o estômago de Bastian e o golpeou fazendo-o cair
ao chão.
Foi direto para Bastian, naquela batalha um dos dois
morreria e não pensava ser ele. Brandiu sua espada e a
baixou com força, mas Bastian girou pelo convés evitando o
aço e elevando sua perna, que golpeou contra o joelho de
Duncan, que caiu de joelhos dando um grito.
Bastian se levantou e chocou de novo a espada contra a
de Duncan.
― Não será sua! ― grunhiu para ele.
Duncan preferiu não responder, limitou-se a empurrá-lo
com todas as forças fazendo com que ele retrocedesse o
suficiente para poder se levantar e ficar em guarda.
Ambos se apontaram a espada durante alguns
segundos, medindo suas forças, intimidando-se mutuamente
com o olhar.
Beatriz finalmente localizou o que necessitava. Embora
estivesse vários metros separado dela, uma pistola se
encontrava ao lado do corpo sem vida de um francês.
Correu para lá sem soltar o remo e se abaixou para
agarrá-la. Não fazia nem ideia de como funcionava. Soltou o
remo e segurou-a com as duas mãos, ficando em pé e
cravando o olhar em Bastian e Duncan, que lutavam corpo a
corpo.
Jamais disparara uma arma, mas sabia que haveria
impacto e que isso podia sacudi-la com força para trás.
Elevou suas mãos lentamente para eles, tentando
centrar o ponto do olhar no corpo de Bastian enquanto uma
gota de suor caía por sua frente. Não queria fazê-lo, não
queria disparar nele, mas estava claro que aquela luta
sanguinária entre os dois homens, não acabaria bem para
um deles, e não queria que fosse Duncan. Amava-o, amava-o
como jamais havia amado ninguém.
Deu alguns passos à frente, com convicção, enquanto
elevava seus braços para frente, tentando acalmar seu pulso,
enquanto se movia de um lado para outro levemente,
esquivando as lutas entre os marinheiros e tentando apontar
para Bastian.
O coração pulsou incontrolável e emitiu um grito
abafado quando observou como Bastian voltava a golpeá-lo,
jogando-o no chão, embora, por sorte, Duncan, voltou a parar
o golpe da espada com a sua.
Precisava agir o quanto antes.
Deu alguns passos mais para frente, com a arma firme,
convencendo a si mesma de que isso era o que devia fazer se
quisesse viver em paz, pois sabia que Bastian não mataria
somente Duncan, depois mataria ela.
Sem pensar mais apontou para Bastian e apertou o
gatilho. Ficou totalmente imóvel. Voltou a apertar o gatilho,
será que não funcionava? Agora que enfim tinha conseguido
coragem…
― Merda! ― gritou jogando-a ao chão com todas suas
forças, a arma estava vazia.
Olhou de um lado para outro procurando outra arma
enquanto comprovava como Jerry lutava contra dois
franceses de uma vez. Aquilo estava se complicando. Não
deveria fugir?
Rugiu e olhou de um lado a outro. Vários metros à
frente, havia um rifle atirado sobre o convés. Correu para ele
quando notou um empurrão em suas costas. Caiu sobre ao
convés machucando o joelho. Gritou e se virou diretamente
para observar como um homem a seu lado se abaixava para
agarrar seu braço. Nem sequer chegou a tocá-la.
O francês caiu desabado para trás enquanto sua camisa
começava a se manchar de vermelho. Beatriz se arrastou
sobre o convés, atemorizada ao vê-lo cair morto diante de seu
nariz. Elevou seu olhar e contemplou que, a poucos metros,
Jerry baixava sua arma e arremetia contra outro francês, lhe
cravando sua espada no estômago.
Aquilo lhe impactou sobremaneira, ficou em estado de
choque durante vários segundos, perdida entre aqueles
gritos, entre o aroma da pólvora e de sangue que começava a
invadir todo o convés. Os gritos de dor, os gemidos… aquela
situação a transtornou durante um bom momento.
Um grito fez com que reagisse e olhasse a seu lado.
Duncan estrelava sua espada contra Bastian e este caia no
chão. Ela não afastou seus olhos dali, era como se visse tudo
em câmara lenta: observou como Bastian caía sobre o convés
golpeando fortemente a cabeça, mas seus olhos voaram para
a arma que havia a poucos metros dele. Bastian esticou seu
braço até que sua mão agarrou aquela pesada pistola e
apontou diretamente para ela.
O grito de Duncan foi dilacerador enquanto se atirava
para ele tentando deter o disparo.
Beatriz observou como Duncan caía sobre ele lhe
cravando a espada no estômago, mas a bala já havia sido
disparada. Percebeu inclusive o pequeno halo de fumaça da
pólvora ao sair da pistola, enquanto uma bala assobiava para
ela a grande velocidade.
Tudo transcorreu em menos de um segundo, mas, sem
dúvida, foi o segundo mais longo de sua vida. Contemplou
inclusive a reta que a bala formava atravessando o convés em
direção a ela.
Ficou totalmente petrificada até que notou como aquela
bala se incrustava em sua carne, perto de seu peito. Jamais
sentira uma dor igual. Jogou seu cabelo para trás tentando
encher seus pulmões de oxigênio, pois uma intensa dor lhe
cortava a respiração.
Caiu para trás ao não suportar mais tanto sofrimento,
sem fôlego para gritar.
Ela não conseguiu gritar, mas Duncan gritou, enquanto
afundava com mais força a espada no estômago de Bastian,
que ainda mantinha a arma em sua mão.
Extraiu a espada deixando Bastian sangrando-se no
chão e correu para Beatriz, saltando os franceses que ainda,
lutavam no convés contra seus homens.
Não se deteve para analisar se estavam ganhando ou
perdendo, isso já pouco importava, abaixou-se desesperado
ao lado dela com um tremor em seu corpo que jamais havia
sentido e a estreitou entre seus braços.
― Beatriz ― ele gritou agarrando seu rosto com sua mão
e lhe obrigando a olhá-lo. ― Olhe para mim… ― ele gemeu
enquanto observava a ferida perto de seu peito, de onde
brotava sangue em abundância. ―Não, não, não… ― gemeu
tampando a ferida, tentando deter a hemorragia. Ela tinha os
olhos entre abertos, gemendo de dor. ― Olhe, me olhe… ― ele
gritou impotente enquanto notava como os olhos se
embaçavam de lágrimas. ―Não me deixe, por favor… não me
deixe… ― ele sussurrou enquanto colocava sua testa contra a
dela e acariciava seu cabelo. ―Por favor ― suplicou para ela
notando como a raiva o invadia completamente. Contemplou-
a entre seus braços. Ela era a mulher que mais amara na
vida e se a tirassem duvidava que pudesse continuar vivendo.
―Te amo ― ele gemeu contra seus lábios. ― Amo você.
Beatriz permanecia entre seus braços, quase sem poder
respirar. Gemeu de forma entrecortada enquanto tentava
fixar seu olhar nos olhos azuis de Duncan.
― E eu também ― ela sussurrou com um fio de voz.
Duncan apertou os lábios e passou a mão por seu
cabelo, acariciando-o. Olhou para os lados, onde a batalha
seguia, onde seus homens lutavam sem descanso contra os
franceses.
Baixou seu olhar de novo para ela.
― Não me deixe, seja forte ― ele sussurrou. A segurou
com mais força. Ninguém iria arrebatá-la. Ninguém. Agarrou-
a nos braços enquanto escutava os gemidos de dor dela e
olhou para Jerry lhe gritando. ―Abra caminho!
Jerry pareceu emocionado durante alguns segundos,
como se não se dessa conta da bala que haviam disparado
para ela e, durante alguns segundos, ficou estupefato,
embora reagisse rapidamente.
Beatriz tentou manter os olhos abertos, notando como
Duncan a estreitava contra ele, enquanto Jerry ia abrindo
caminho pelo convés. A última coisa que conseguiu ver antes
de perder a consciência foi o corpo inerte de Bastian.
Duncan olhou de um lado para outro, precisava afastá-
la e lhe dar os cuidados necessários, mas não podia levá-la a
seu camarote, o navio afundaria breve.
Olhou para o bote e depois para a ilha, se conseguisse
chegar à ilha com Beatriz poderia pedir ajuda.
Depositou-a com cuidado no bote e olhou para seu
amigo.
― Deve haver algum médico entre os franceses. ― ele
falou entrando no bote e assinalando as polias para que o
deixassem cair. ― O traga para mim.
― É claro ― ele disse observando atrás, onde uma
intensa batalha ainda estava acontecendo. ― E aproveitem
que o navio ainda flutua para disparar os canhões para o
outro navio.
Jerry assentiu e olhou para Beatriz, que permanecia
inconsciente no bote.
― Em seguida me reúno contigo.
Duncan o olhou com uma clara súplica nos olhos.
― Não demore muito, por favor.
28

Primeiro escutou o murmúrio dos canhões, cada vez


perdendo mais intensidade, as ondas do mar se chocando
contra aquele bote, depois houve silêncio.
Não soube quanto tempo esteve assim, era como se seu
cérebro tivesse desligado durante um longo tempo, sumindo-
a em uma escuridão prazerosa, mas quando conseguiu
finalmente abrir os olhos, continuava em um bote, embora
desta vez fosse noite fechada e podia ver as estrelas no
firmamento.
Gemeu levemente e notou o barco se balançar, e no
instante, o rosto de Duncan apareceu diante dela.
― Beatriz ― sussurrou acariciando sua bochecha.
― Duncan… o que…?
― Fique tranquila, vamos a um navio, ali lhe atenderão.
A dor nesse momento se fez presente e teve que apertar
os dentes para não gritar. Duncan agarrou sua mão,
consciente da dor que sofria.
― Ficará bem, prometo que ficará bem ― ele pronunciou
tentando acalmá-la.
Finalmente conseguiu recuperar o fôlego, embora a dor
a mantinha enjoada.
― O que aconteceu? ― Conseguiu sussurrar. ―
Conseguimos…?
― Estamos a salvo. Já lhe disse que tenho muitos
amigos nos Açores ― Ele sorriu tentando acalmá-la. ―Um
deles nos levará até a Bahamas.
― E… Bastian?
Duncan a olhou fixamente.
― Não voltará a nos incomodar.
Sabia a que ele se referia, recordava-se que alguns
segundos antes que a bala a alcançasse Duncan se jogou
sobre ele lhe cravando a espada.
Ela assentiu enquanto uma dor aguda se apoderava
dela, mas, por outro lado, existia calma, como se estivesse
totalmente relaxada. Ele tentara matá-la, mas Duncan havia
acabado com ele.
Duncan acariciou seu cabelo com delicadeza, abaixou-se
até ela e a beijou nos lábios, com cuidado.
Tinha muitas perguntas, muitas, mas agora mesmo não
possuía nem forças para poder falar. Outra onda de dor a
atravessou era como se algo lhe estivesse queimando em seu
peito. Tentou mover sua mão até a área dolorida, mas
Duncan a deteve.
― Não toque ― disse com ternura. ―Precisarão extrair a
bala. ― Duncan olhou para o outro extremo do barco. Beatriz
não conseguiu se virar para observar. ―O médico está aqui?
― Sim ― Reconheceu a voz de Jerry.
Duncan voltou toda sua atenção para ela quando voltou
a se queixar.
― Shhh… fique tranquila, ficara bem. Prometo que
ficará bem.
Pode ver seu olhar assustado e soube que não ia tudo
tão bem como tentava aparentar. Notou como a inconsciência
e a escuridão se apoderava dela enquanto se aproximavam do
navio.
Sentiu uma gota fria escorregar por sua testa e sua
bochecha enquanto a dor mais intensa que sentia a fazia se
recuperar inclusive da inconsciência.
Duncan apareceu de novo sobre ela segurando-a pela
mão e passando a mão por seu cabelo.
― Quase. Fique tranquila…
Beatriz gritou enquanto ele apertava sua mão. Duncan
virou seu rosto e observou como deixavam o ferro ardendo em
uma panela com água.
― Já está. Cauterizamos a ferida, por sorte a bala não se
partiu.
Ela não podia nem pensar. Por Deus, se pensava que o
disparo fora a dor mais brutal que conhecera até o momento,
aquilo superava com acréscimo. Notava uma dor tão intensa
que lhe cortava a respiração.
― Não, não su… suporto… ― disse em espanhol.
Duncan a olhou sem compreender muito bem, mas
assentiu intuindo o significado.
― Tudo sairá bem, cauterizamos a ferida e a hemorragia
se deteve.
Ela engoliu a saliva enquanto uma lágrima começava a
lhe escorregar pela bochecha. Nesse momento os rostos de
sua mãe, seu irmão, seus amigos voltaram a aparecer em sua
mente. Quanto precisava deles e que longe estavam… Se
sentiu totalmente só e desprotegida, até que Duncan se
colocou sobre ela, com seus enormes olhos azuis observando-
a com um amor infinito.
― Descanse ― ele disse enquanto acariciava sua
bochecha. Ela o observou com temor enquanto tentava
controlar os gemidos de dor. ―Estarei aqui quando despertar
― sussurrou beijando-a de novo com delicadeza.
Quando ela abriu os olhos o sol estava se pondo outra
vez. Certamente estivera dormindo todo o dia. Embora a dor
voltasse a deixá-la sem respiração, conseguiu aguentar muito
melhor. Agora era suportável e o fato de ter descansado
durante muitas horas lhe sentara bem.
― Olá ― sussurrou Duncan a seu lado.
Girou seu rosto e o observou sentado a seu lado, sobre
aquele colchão macio.
― Olá ― ele repetiu com um sorriso.
― Olá ― Conseguiu balbuciar.
Duncan passou a mão por sua testa, tomando a
temperatura.
― Sim, já está muito melhor ― ele sorriu finalmente.
Ela tentou se mover, mas lhe custou muito, então
desistiu e ficou deitada.
― Quanto tempo dormi?
― Vários dias. Foi bem. Teve muita febre. Agora parece
que diminuiu.
Ela gemeu.
― Me, dói-me o…
Duncan voltou a parar sua mão que ia direto para seu
peito.
― Sim, sei. Em uma semana estará melhor. Prometo-lhe
isso. ― Ela engoliu a saliva e tentou endireitar-se de novo ―
Quer de sentar?
― Doem-me as costas.
Duncan a ajudou a se colocar com delicadeza, pondo o
travesseiro atrás de suas costas.
Beatriz ficou alguns segundos calada, observando-o.
Seu rosto transmitia cansaço, tinha uma barba de vários dias
e marcadas olheiras. Aquilo lhe enterneceu, permanecera a
seu lado durante todo esse tempo.
― Tem que comer algo. Direi a…
― Não ― ela disse agarrando sua mão.
― Precisa comer ― voltou a insistir. ― Deve recuperar as
forças.
― Espere, dentro de um momento. Tenho o estômago
revolto ― ela admitiu.
Duncan suspirou e assentiu.
― De acordo, mas depois comerá ― ordenou.
Ela assentiu levemente e agarrou sua mão.
― Esteve aqui todo este tempo?
Duncan a observou fixamente, com certo acanhamento
em seu rosto.
― Cada minuto ― acabou reconhecendo.
Beatriz sorriu fracamente e afastou o olhar dele, um
pouco coibida.
― A última coisa de que me lembro é quando Bastian
disparou, como conseguiu escapar?
― Já lhe disse isso, conheço muita gente nos Açores,
tenho amigos. Deram-se conta de que um navio francês
estava nos atacando e vieram em nossa ajuda. ― Sorriu mais
abertamente. ―Igualmente quando vi que Bastian disparou a
tirei do navio, Jerry se encarregou de tudo enquanto eu me
dirigia a terra. ― Ela assentiu. ― Antes de chegar a terra vi
que se aproximavam dois navios, reconheci-os no momento.
Tivemos sorte de levar a bandeira inglesa içada, puderam nos
identificar. Acabaram de afundar os três navios franceses.
― E este navio?
― É de meu amigo, de um que nos ajudou a escapar.
Ela perguntou.
― Um pirata? ― perguntou com um sorriso.
Ele fez um gesto divertido.
― Meu irmão. ― Ela ficou surpreendida. Recordava-se
que ele havia falado dele alguma vez. ― Nos levará para
Nassau.
Ela assentiu enquanto notava como ele continuava
acariciando sua bochecha. Nesse momento foi invadida por
um sentimento de ternura como jamais antes havia
experimentado. Jamais amara um homem tanto quanto o
amava, e não acreditava que pudesse sentir algo assim por
ninguém mais.
Nesse momento, um som surdo chamou sua atenção,
ricocheteando contra as paredes de madeira do navio.
Reconheceu-o no instante. Um trovão? As lembranças
voltaram a invadir sua mente. Quando fora com o professor
Davis no barco, a tormenta, os trovões, os raios invadindo-o
tudo…
― Há tormenta? ― ela perguntou alterada.
― Sim, está um pouco longe, mas…
― Quanto resta para chegar às Bahamas?
Duncan ficou perplexo, era como se ela tivesse
recuperado as forças. Encolheu os ombros e continuou
olhando-a assombrado.
― Suponho que alguns dias, lá poderá acabar de se
recuperar de…
Nesse momento deixou de escutá-lo. Sentiu que o medo
a embargava. Uma tormenta, no mar, perto das Bahamas.
Olhou diretamente para Duncan, que não deixava de lhe
dizer palavras tranquilizadoras e, nesse momento, ficou
consciente de que não poderia se afastar dele, de que tomara
uma decisão.
― Contorne a tormenta ― ela o cortou.
Duncan ficou calado.
― O quê?
― Contorne a tormenta ― gemeu nervosa.
Duncan voltou a lhe agarrar a mão, tratando de
tranquilizá-la.
― Beatriz, não se preocupe, meu irmão e eu
atravessamos muitas tormentas, não ocorre…
― Não, não, por favor, por favor. ― Agarrou sua mão
com mais força. ―Deve confiar em mim. Contorne a tormenta.
― Mas o que está acontecendo? ― ele perguntou
preocupado.
― Quer que eu fique com você?
Ele a olhou com um sorriso.
― Sim, isso é o que eu gostaria que ocorre…
― Pois a contorne ou é possível que me perca para
sempre ― ela cortou de novo.
Nesse momento ele ficou calado e a observou de cima
abaixo.
― Mas o que acontece com as tormentas? ― Desta vez
sua voz soou mais descontrolada.
Ela mordeu o lábio e suspirou.
― Me tomaria por uma louca ― sussurrou sem olhá-lo.
Duncan permaneceu em pé, enquanto esperava a que ela
falasse, mas de novo ela voltou a surpreendê-lo. ― Vai
contornar ou não?
Duncan arqueou uma sobrancelha, sem se mover. Ela
se remexeu nervosa, o pouco que podia sem começar a gritar
de dor. Suspirou e o olhou fixamente. Se ia ficar com ele,
Duncan tinha direito, a saber, a verdade. Não podia guardar
um segredo como esse o resto de sua vida. Notou como os
olhos embaçavam e o lábio começava a tremer. No momento
notou a mão dele reconfortando-a.
Inspirou tentando agarrar forças, diante do olhar
preocupado dele e, finalmente, assentiu.
― Certamente quando eu explicar isto, me atirará pela
amurada ― gemeu fazendo com que Duncan a olhasse com
ternura.
Passou sua mão por seu cabelo e beijou sua testa.
― Acredito que não tem consciência do quanto
importante é para mim ― ele acabou dizendo. ― Nada do que
dissesse ou fizesse poderia fazer que eu a jogasse pela
amurada ― ele brincou. ―A amo muito.
Ela apertou os lábios enquanto segurava mais forte a
sua mão, chorando como uma Madalena.
― Eu… ― soluçou. ―Tenho minha família, mas… estão
longe. ― Aquela informação o pegou despreparado, mas não
disse nada a respeito, deixando que ela falasse. ― O dia que
me encontrou naquela ilha, eu… acabava de chegar, meu
barco naufragou. ― Engoliu a saliva e respirou
profundamente. ―Mas não porque os ingleses me atacassem,
mas sim… por… por uma tormenta. ― Duncan suavizou o
olhar.
― Não tem por que voltar a acontecer ― ele pronunciou
tentando acalmá-la, como se essa fosse a razão pela qual
queria que a contornasse.
― As tormentas não me assustam ― ela disse
rapidamente. Depois abaixou seu rosto segurando com mais
força, sua mão. ― Mas sim o que me aconteceu em uma
delas. ― Duncan arqueou uma sobrancelha. ―As ondas se
fizeram imensas, o vento nos movia, de um lado para outro e
finalmente o barco virou, nos jogando no mar. ― Passou a
mão pela testa curvada. ―Depois de ser afundada várias
vezes e de que os relâmpagos caíssem sobre mim, consegui
sair e flutuar, mas… mas algo havia trocado. ― Olhou-o
diretamente nos olhos, enquanto notava como a boca lhe
secava. Permaneceu vários segundos calada, perdendo-se
naqueles olhos azuis que a observavam com curiosidade.
―Estamos no ano de mil setecentos e quatorze ― ela gemeu.
―Mas quando caí do barco… eu… eu estava… ― Aquilo era
mais difícil do que ela imaginara. ―Eu estava no ano de dois
mil!
Duncan a olhou fixamente e depois ficou tenso, sem
afastar a mão dela. Beatriz começou a chorar ante o olhar
contrariado dele.
― Viajei no tempo, Duncan. Uma tormenta me trouxe
até aqui ― acabou pronunciando entre soluços, enquanto
observava como ele afastava o olhar dela e observava o mar
enfurecido pela tormenta próxima, através da janela. ―Eu
não pertenço a este século. ― Ela gemeu. ―Nem sequer
compreendo o que aconteceu, nem como cheguei até aqui. A
única coisa que sei é que quando caí daquele barco me
encontrava no ano dois mil e agora… estou trezentos anos,
antes. ― Duncan não dizia nada, parecia haver ficado em
estado de choque. Certamente, de todas as opções que havia
pensado, jamais teria imaginado algo assim. ―Duncan ―
chorou apertando mais forte sua mão. ―Diga-me algo ― ela
sussurrou.
Duncan finalmente a contemplou. Esteve vários
segundos pensativo, como se não soubesse o que fazer, ou
dizer a respeito, até que se levantou da cama soltando sua
mão. Ela gemeu ao ver aquele comportamento.
― O que vai fazer? ― Ela chorou com todas as suas
forças.
Duncan inspirou tentando relaxar.
― Direi a meu irmão que contorne a tormenta.
Aquilo a fez ficar calada e o olhou fixamente, totalmente
absorta.
― Acredita em mim?
Ele se remexeu incômodo colocando os braços em sua
cintura.
― Suponho que algo lhe aconteceu ― ele disse não muito
convencido. ―Igualmente não vou arriscar-me a que o que diz
seja verdade… se isso pode fazer que eu a perca.
Beatriz ficou calada enquanto o observava-o um pouco
nervoso, como se lhe custasse compreender o que ela havia
dito. E a quem queria enganar? Nem ela mesma
compreendia.
Ficaram se observando alguns segundos, até que sem
dizer nada mais, Duncan foi para a porta.
― Em seguida volto ― pronunciou sem olhá-la.
Saiu e tal como fechou a porta se apoiou contra ela
tentando acalmar sua respiração. Sabia que ela escondia
alguma coisa, mas aquilo… ficou olhando um ponto fixo na
parede. Aquilo escapava a sua compreensão, mas o que
estava dizendo? Que viajara no tempo? O que vinha do
futuro? Recordava-se do dia que a encontrara, surpreendeu-
se ao ver os navios, não pediu ajuda aos franceses, mas havia
gritado assustada. Perguntou várias vezes pelas tormentas e,
além disso, o dia em que ela fugira dele na praia, entrando no
mar, dirigindo-se para a tempestade e gritando que ela não
devia estar ali.
Passou a mão por seu rosto angustiado, mas, por que
não acreditaria? Realmente era uma garota inteligente e…
sua coragem o surpreendera algumas vezes. Para falar a
verdade, muitas vezes.
Soprou e deu alguns passos pelo convés. Não teve
consciência das ordens que dava, da pequena conversa que
manteve com seu irmão sobre que deviam contornar a
tormenta, simplesmente o fez, com seus pensamentos em
outro lado.
Voltou para o corredor e se apoiou, novamente, contra a
parede, observando a porta do camarote onde ela se
encontrava. Fazia dias que não saía dali.
O que faria? Dizia a verdade? Estava louca? Era uma
simples invenção? Em que pese a todas as dúvidas que o
assaltavam algo estava claro, queria ela. Queria-a mais que
tudo, como nunca quisera ninguém, isso era a única coisa
que importava. Que importava se ela dizia que vinha do
futuro? Dizia-se que viajara no tempo? Ela, agora, estava ali,
com ele, e o queria isso ele sabia.
Inspirou tentando se acalmar e entrou no camarote. Ela
se encontrava na mesma posição de quando a deixara. A via
tão fraca… Uma vontade tremenda de protegê-la atravessou
sua alma. A única coisa que precisava saber era que ela
estaria a seu lado, que ele a protegeria de todo o mal.
― Mudamos a direção ― ele pronunciou sentando-se a
seu lado, ante o atento olhar dela. ―Possivelmente
demoremos um dia mais para chegar a Nassau, mas
contornaremos a tormenta.
Ela ficou admirada e assentiu enquanto segurava sua
mão. Ficou em silêncio até que notou que ele finalmente
passava uma mão por sua bochecha, acariciando-a.
― Então, acredita em mim?
Ele a olhou e sorriu meigamente.
― É complicado ― ele reconheceu com um sorriso
tímido.
― Sei ― assentiu enquanto uma lágrima escorregava por
sua bochecha.
Ele se aproximou um pouco mais dela, rodeando-a com
um de seus braços.
― A única coisa que preciso saber é que você ficará a
meu lado. É o que realmente me importa.
Ela afirmou e finalmente se aproximou e o abraçou. Não
o culpou por suas palavras, nem ela mesma podia
compreender o que havia acontecido, mas agora estava ali,
com ele, havia tomado sua decisão.
Com a ameaça de Bastian extinta, e sem se ver
perseguida pelos franceses, só vislumbrava um longo futuro
com ele, com Duncan. Possivelmente não era o futuro que
teria imaginado, mas ele sim era o homem indicado e, embora
lhe doesse saber que não voltaria a ver sua família, agora ele
se converteu em tudo o que ela queria e necessitava.
Aquela era sua decisão. Duncan era seu futuro, embora
para isso tivesse que ter viajado ao passado.
Beijou seus lábios e permaneceu abraçada a ele durante
um momento, saboreando aquela sensação e, pela primeira
vez naquela época, sentiu-se em paz.
― Irei buscar um pouco de sopa.
Ela assentiu com um meio sorriso, mas antes que ele
saísse pela porta o deteve.
― Duncan, poderia me trazer um papel e algo para
escrever?
Ele ficou surpreso, mas assentiu com um sorriso.
― Claro, volto em seguida volto.
29

Quatro meses depois.

Beatriz voltou a pegar sua pena, molhou-a em tinta e


realizou sua assinatura no papel. Ficou contemplando-o
durante alguns segundos e depois lentamente elevou seu
olhar para a estante ao lado, onde depositou uma garrafa
vazia.
Escutou os passos de Duncan pelo corredor e se virou
para observá-lo. Seu Duncan. Embora suas lembranças do
futuro causassem tristeza, agora se encontrava completa,
como se durante toda sua vida anterior sempre lhe tivesse
faltado uma parte, que agora possuía.
Duncan se apoiou contra a porta e a observou com um
sorriso.
― Outra vez escrevendo? ― ele perguntou com um
sorriso.
― Já acabei ― ela disse segurando as sete folhas, e
enrolando-as. Demorara meses em escrever aquelas
palavras, As escolhera minuciosamente.
Levantou-se e pegou a garrafa.
Instalaram-se em Nassau desde sua chegada. As
primeiras semanas tinham sido duras. Permanecera na cama
quase duas semanas e, posteriormente, teve a dura tarefa de
ficar em pé de novo, um pouco difícil quando seu corpo se
encontrava fraco depois de ter estado prostrada quase três
semanas.
No mínimo, Duncan e Enam a ajudaram em tudo o que
podiam.
Enam se convertera em um fiel amigo, passando longas
horas com ela. Duncan parecia de acordo com isso.
Ali era feliz. A tranquilidade e a calma que respiravam
lhe faziam ter consciência da vida anterior, de sua ocupada
vida.
Sabia que em breve iniciariam uma nova vida nas
colônias, mas já não se importava onde estivesse, sempre que
fosse com ele.
O som do trovão chegou até eles de novo. Não hesitou
em aparecer à janela e correr a pequena cortina para
observar como ao longe, no horizonte, os raios desciam até o
mar.
Durante alguns segundos sentiu temor, medo pela
decisão que tomara, mas a mão dele sobre seu ombro a
acalmou.
― Preparada? ― ele perguntou um pouco preocupado.
Beatriz mordeu o lábio e assentiu contemplando-o fixamente.
― Vamos. ― Ele ofereceu sua mão.
Atravessaram o pequeno corredor da moradia em
Nassau e desceram pela rua, agarrados pela mão, notando
como a corrente de ar frio balançava seus cabelos para trás,
com o olhar totalmente fixo naquelas nuvens que
resplandeciam com intensidade.
Caminharam sobre a areia da praia notando sua
umidade e, antes de chegar à borda e que seus pés se
molhassem, ela ficou petrificada olhando o horizonte. Duncan
não disse nada, simplesmente se limitou a contemplá-la em
silêncio, sabendo o importante que era para ela, o que ia
fazer, até que o som de um trovão o fez virar seu rosto de
novo para a tormenta, cada vez mais próxima.
Beatriz se soltou de sua mão e enrolou os documentos
que havia escrito. Meteu-os na garrafa e apertou com força a
cortiça. Notou como uma lágrima começava a escorregar por
sua bochecha. Agora devia dizer adeus a tudo o que tinha
conhecido em seu século, mas uma nova vida se abria diante
dela e, sem dúvida, seria uma vida cheia de aventuras e de
amor.
Inundou seus pés na água, avançando enquanto levava
a garrafa a seu peito, apertando-a contra ela.
Duncan ficou olhando-a da borda, sem se mover, lhe
dando aqueles minutos que tanto parecia necessitar.
Subiu a garrafa até seus lábios e a beijou.
― Jamais os esquecerei. Sempre os levarei em meu
coração ― sussurrou tentando manter-se serena.
Baixou a garrafa até o mar e a impulsionou para frente.
Uma onda a arrastou para dentro, entre aquelas águas claras
e cristalinas.
Ali ia seu legado, ali ia toda sua vida e ali ia à
mensagem que queria dar a todos seus entes queridos.
Notou como as lágrimas banhavam seu rosto enquanto
a garrafa de cristal se dirigia para aquela tormenta,
afundando durante alguns segundos no mar, mas voltando a
sair para a flutuação.
A mão de Duncan acariciou a dela. Nem sequer se tinha
dado conta de que ele havia chegado até ela. Colheu-a com
mais força enquanto também observava a garrafa afastar-se e
dirigir-se para aqueles raios, mas o choro dela o distraiu e o
fez contemplá-la.
― Sempre estarei com você ― ele sussurrou
aproximando-se mais a ela.
Ela o contemplou, assentiu e se abraçou a ele. Duncan
a acolheu rapidamente entre seus braços enquanto o ar
balançava seus cabelos, a água salgada molhava suas roupas
e olhavam o horizonte, para onde aquela mensagem se dirigia
internando-se entre as ondas que precediam à tormenta.
Embora custasse aceitar, finalmente via com clareza:
Duncan sempre fora seu destino, nunca mais se voltaria a
sentir sozinha, embora as lembranças de sua família e
amigos permaneceriam sempre com ela, em seu coração.
Agora fazia sentido para ela a frase que tantas vezes
escutara: o lar sempre se encontra junto à pessoa amada,
sem importar o lugar ou as circunstâncias.
A partir desse momento, Duncan seria seu lar para
sempre.
Epílogo

Ano 2020, New York.

A entrevistadora voltou o olhar para o professor Davis,


nervosa com o ele que acabava de dizer. Conseguiu detectar
como inclusive no set de televisão se escutava um suave
murmúrio.
Colocou-se corretamente na cadeira e o olhou intrigada.
― A que se refere com: que o mundo precisa saber a
verdade sobre o que ocorreu com Beatriz Ibáñez?
O professor Davis voltou a subir óculos com o dedo, os
quais escorregavam de vez em quando, e sorriu de forma
amarga para a jovem entrevistadora.
― Verá ― disse ele pegando a pasta que depositara sobre
a mesa de vidro no início da entrevista, ― durante cinco
longos anos não consegui conciliar o sono ― sussurrou
pensativo, como se estivesse confessando. ―Passeava todas
as noites pela praia, a sós. Embora no fundo de meu coração
soubesse que ela não voltaria, eu não perdia a esperança de
vê-la de novo, de ver seu sorriso e escutar sua voz alegre. De
fato, jamais encontraram seu corpo, assim como eu jamais
perdi a esperança de voltar a encontrá-la. ― Depois gemeu e
um ligeiro tremor se apoderou de seu lábio inferior. ―As
lembranças daquela noite na volta dos recifes quando a
tormenta nos surpreendeu, levarei sempre marcados a fogo
em minha mente. Ver seu rosto assustado, no momento em
que o barco a derrubou. ― Notou como os olhos ficavam
embaçados. ―Lembrar-me que a vi flutuando, lutando contra
o mar, contra aquelas ondas… até que finalmente voltaram a
afundá-la. ― Ele ficou pensativo alguns segundos. ―Isso me
perseguirá durante toda minha vida. ― Depois voltou a elevar
o olhar para ela e a passeou pela sala, refletindo. ―Durante
cinco longos anos os pesadelos me perseguiram. Caminhava
sem rumo pela praia dia e noite, procurando-a, desejando
voltar a encontrá-la ― sorriu amargamente, tentando
controlar suas lágrimas. ―Até que encontrei algo. ― Abriu a
pasta e tirou um envelope de plástico, transparente, que
continha alguns documentos velhos. ― Quando o encontrei
não acreditei. Passei dez anos estudando-os, sua caligrafia, a
tinta, as provas de carbono… ― Abriu o envelope de plástico e
tirou um dos documentos. ―Acreditarão que estou louco, mas
vocês mesmos poderão comprová-lo, aqui trago todas as
provas científicas que realizei nestes últimos anos e, se algum
cientista deseja fazer alguma prova, cederei o documento
satisfeito. ― A entrevistadora o observava sem compreender.
―Já não me importa o que pensem de mim ― ele acabou
dizendo com um sorriso, enquanto aproximava o documento
de seus olhos, recordando-se quando a luz de um novo dia se
refletiu no cristal da garrafa que permanecia na areia da
praia. Surpreendeu-se ao vê-la, mas mais ainda quando vira
que continha alguns documentos. Não hesitara em abri-los e
lê-los, ficando, totalmente, assombrado. No início pensara
que podia se tratar de uma brincadeira de mau gosto, uma
brincadeira pesada, mas teria reconhecido aquela caligrafia
em qualquer parte do mundo. Recordou o mesmo momento
em que leu aqueles documentos pela primeira vez, com a luz
do amanhecer no horizonte e uma rajada de vento fazendo
voar seus cabelos cinza para trás. ―Eu gostaria de ler os
documentos ― ele pronunciou com um fio de voz.
A entrevistadora lhe indicou com a mão que procedesse
ainda sem compreender o que era tudo aquilo.
O professor Davis segurou a respiração alguns
segundos, enquanto passeava o olhar por todo aquele amplo
set de televisão, repleto de um público espectador. Controlou
uma lágrima e finalmente baixou o olhar para o documento.
― Meu nome é Beatriz Ibáñez ― ele pronunciou com
solenidade enquanto lhe quebrava a voz. ―Nasci na Espanha,
em Salamanca, em mil novecentos e oitenta e cinco, mas
agora, vivo e viverei o resto de minha vida no século dezoito.
― Teve que se deter durante alguns segundos, pois notava
como a voz se quebrava pela emoção e a alegria que lhe
embargava ao ler aquilo. ― E sou feliz ― ele gemeu tirando
um peso de cima ao ler aquelas palavras. ―Não sei realmente
o que aconteceu naquela noite, não compreendo, nem
acredito que alguma vez possa fazê-lo. ― Suspirou e se armou
de coragem para continuar. ―Se alguém encontrar esta
garrafa, por favor, digam a minha família que sempre os
amarei e os levarei em meu coração e, ao professor Davis, que
não se preocupe com o que aconteceu. Isto foi uma aventura.
― Sorriu ao ler aquilo e voltou a tomar fôlego. ―Agora, se me
permitirem… eu gostaria de lhes explicar minha história ―
continuou lendo enquanto a entrevistadora o olhava
totalmente surpreendida e todo o set permanecia em silêncio,
escutando atentamente o que ele estava narrando. Baixou de
novo o olhar ao documento e desta vez sorriu. ― Uma
tormenta nos surpreendeu quando vínhamos dos recifes.
Lutei para me manter flutuando. Consegui sobreviver à
tormenta chegando a uma ilha. Ali foi onde o vi pela primeira
vez. Ele é realmente a causa pela qual decidi ficar aqui. ― O
sorriso do professor se alargou, enquanto a imaginava
abraçada àquele homem, vestida com aqueles longos
vestidos, sulcando os mares. Sabia que ela seria feliz lá, com
ele, isso não duvidava, igual sabia que ela confiava em que
alguém encontraria algum dia, aquela mensagem e
tranquilizaria a todos, que lhes faria conhecer o que
realmente acontecera. Não lhe importava o que pensassem
dele, aquela mensagem fora uma liberação e lhe havia
devolvido a esperança.
Sorriu e continuou lendo diante do olhar atônito de
todos os que se encontravam naquele set.
Embora soubesse que jamais voltaria a vê-la, embora
uma distância tão grande quanto um oceano entre os dois, os
separasse, sabia que ela teria uma vida longa, plena e feliz
junto dele.

FIM
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar quero dar as graças a Edições Kiwi e,


em concreto, a minha editora Teresa. Muito obrigada por me
ajudar a cumprir uma vez mais meu sonho e me dar uma
nova oportunidade de publicar com vocês. Sempre é um
prazer trabalhar a seu lado, fazem-me sentir como em casa.
A meu par Raúl: obrigada por sua paciência e por me
apoiar sempre, por me dar o tempo necessário para escrever,
aproveitando sempre comigo e, acima de tudo, por implicar
tanto em me ajudar a cumprir minha ilusão.
E, por último, de todo coração, muitíssimas graças a
todas as leitoras. Espero que tenham gostado desta história,
que as tenha feito rir, emocionado e apaixonado tanto
quanto, quando a escrevi, dando vida a meus personagens e,
acima de tudo, obrigada, também, por me deixar entrar em
suas vidas.

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