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Bernard Palissy: Um Cientista do Século XVI

Paulo Cesar Strauch – D.Sc.- pesquisador

Em Paris, bem em frente à igreja de Saint- Germain no Boulevard Saint Germain des Près (VI
EME.) situa-se a aprazível praça Félix Desruelles. Dentre outras atrações, nela pode-se
encontrar uma estátua de bronze de 1880, de autoria do escultor francês Louis-Ernest Barrias
(1841-1905). Ela representa um homem de pé diante de um forno, portando na mão esquerda
um prato de sua fabricação, ornado por uma serpente e um peixe.

Trata-se de Bernard Palissy (c.1510-c.1590), naturalista, ceramista, escritor e conferencista


francês. Sua diversificada atividade científica cobriu uma vasta área do conhecimento, com
trabalhos em agricultura, agrimensura, alquimia, botânica, cerâmica, engenharia, fabricação
de vitrais, filosofia, física, geologia, hidrologia, jardinagem, literatura, medicina, metalurgia,
meteorologia, mineralogia, paleontologia, pintura, toxicologia e zoologia.

Os biógrafos divergem tanto em relação à data quanto ao local do seu nascimento. A maioria
é de opinião que ele tenha nascido em 1510, na pequena cidade de Agen, a cerca de 150 km
de Bordeaux (1). Sabe-se pouco da sua família, bem como da sua infância e juventude. Seu pai
era provavelmente um artesão, porque Palissy sabia desenhar e pintar, técnicas que na época
eram passadas de pai para filho. Palissy, mais tarde, aprendeu os ofícios de pintura de vitrais,
agrimensura e possivelmente fabricação de vidro.

No início da sua mocidade, empreendeu viagens por várias regiões da França, como Guienne,
(2)
Gascogne, Pyrénées, Savoie, Auvergne, Bourgogne e outras , um trajeto que hoje seria
melhor descrito como a Tour de France. Segundo seu biógrafo Louis Audiat (1832-1903),
“ele partiu como partem todos os trabalhadores, com os bolsos vazios, ricos de esperança,
ávidos por ver e conhecer. Caminha-se um pouco ao sabor da aventura, sem pensar no
amanhã. Deus é grande, a terra é vasta e se tem dois fortes braços. A mocidade sabe muito
bem dourar o futuro.” (3). Sustentou-se o tempo todo com seus conhecimentos de montagem e
pintura de vitrais bem como de agrimensura.

Esta viagem por um país que apresenta em seu relativamente pequeno território uma grande
diversidade de ambientes geológicos, como a França, permitiu-lhe realizar muitas
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investigações em história natural. Sua mente captava todas aquelas imagens, ao mesmo tempo
que procurava interpretar os fenômenos que observava. Tratava-se de mente bastante curiosa;
para ele, a natureza constituía um grande livro e “ a ciência se manifesta a quem a procura”
(4)
.

É provável que em 1539 ele tenha terminado a sua viagem exploratória pela França. Naquele
ano, casou-se e fixou residência em Saintes, capital da antiga província real de Saintonges;
atualmente no departamento Charente-Maritime, no sudoeste da França.

Não se sabe se foi naquela época, ou antes, que ele avistou “uma taça de barro, torneada e
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esmaltada com tal beleza que perturbou a minha mente...” . Muitos afirmam que se tratava
de uma peça de majólica esmaltada da Itália, o que parece pouco provável, já que dificilmente
um homem tão viajado quanto ele poderia ter-se impressionado com a cerâmica revestida com
esmalte branco de estanho, produzida na Itália, na Espanha, na Alemanha e no sul da França,
e conhecida na época. Tudo indica que ele tenha se deparado com uma peça de porcelana
chinesa na casa de algum nobre. (6)

Ele tomou a decisão de fabricar peças como aquela. Só que não conhecia nada de esmaltes, de
construção de fornos, da produção do fogo. Iniciou então o seu aprendizado de forma
aleatória. Muitos anos mais tarde, ele recordou aquela época no capítulo De L´Art de la Terre
do seu conhecido livro Discours admirables de la nature des Eaux et Fontaines, tant
naturelles qu´artificielles, des métaux, des sels et salines, des pierres, des terres, du feu et des
émaux; aux plusieurs autres excellents secrets des choses naturelles. Plus en traité de la
Marne, fort utile et nécessiare à ceux qui se mellent de l´agriculture, publicado em 1580,
como segue:

“Sem ter-me dado conta que eu desconhecia totalmente as terras argilosas, pus-me a
investigar os esmaltes, como um homem que tateia em trevas. Sem saber de que forma
eram feitos esses esmaltes, eu reduzi a pó em pilão, naquela época, todo tipo de matérias
que eu imaginava que serviriam para fazer um esmalte, e tendo-as moído, eu comprei uma
quantidade de potes de barro e os reduzi a pedaços e sobre eles depositei os materiais que
eu tinha preparado. Então, eu coloquei por escrito, à parte, as substâncias com que eu
tinha revestido cada um dos fragmentos, a título de memória e, depois de ter construído
um forno a meu gosto, eu pus essas peças no forno, a fim de ver se as minhas substâncias
poderiam produzir alguns tipos de esmalte branco, pois eu buscava somente esmalte
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branco, porque eu tinha ouvido dizer que o esmalte branco era a base de todos os outros
esmaltes”. (7)

E prosseguiu:

“Ora, como eu nunca tinha visto a argila ser cozida em forno e desconhecia o grau de fogo
[temperatura] no qual este esmalte se fundiria, era impossível para mim fazer qualquer
coisa com isso, e ter certeza de que minhas misturas eram boas, porque em alguns casos
os lotes tinham sido superaquecidos e em outros pouco aquecidos,e quando os objetos
acima referidos tivessem sido insuficientemente cozidos ou queimados no forno, eu não
poderia, de maneira alguma, apontar a causa exata para a falha e colocar a culpa sobre o
material, porque o experimento pode às vezes ter sido bem sucedido , ou pelo menos, se
eu pudesse ter encontrado alguns indícios para que eu pudesse alterar o meu
procedimento, se eu pudesse ter produzido o fogo requerido pelos materiais...” (8)

Estas tentativas totalmente empíricas sem nenhum conhecimento teórico demandaram-lhe


bastante tempo e recursos, levando-o e a sua família à penúria. Pelo seu próprio relato, as
cercas do seu jardim, as tábuas do assoalho e os móveis da sua casa foram utilizados em suas
experiências, tendo também a família vivido situações de grande pobreza. Depois de muitos
anos acabou por obter sucesso e, muito embora não tenha conseguido reproduzir a porcelana
chinesa, acabou por produzir uma técnica própria e seus trabalhos passaram a ser bastante
valorizados pela classe nobre que pagava um bom preço pelas peças.

Estas, segundo o biógrafo Paul Antoine Gratacap (1788-1877), de pseudônimo Cap, foram
denominadas “figulines rustiques” pelo próprio Palissy, por representarem objetos rústicos, de
rochedos, de grutas, de árvores, de animais e algumas vezes de pessoas; o todo em relevo ou em
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uma saliência redonda e revestido(a) por um verniz escuro. A maior parte das peças, todavia,
constituem pratos, redondos e na maioria ovais, que reproduzem o fundo de um lago e decorados
com plantas, insetos, crustáceos e répteis de argila, trabalhadas em relevo. Várias dessas peças
podem ser vistas em importantes instituições como o Musée du Louvre, Hôtel Cluny e Sèvres na
França e Victoria and Albert Museum, British Museum e Wallace Collection no Reino Unido (10).

Estes pequenos animais que parecem vivos, foram obtidos por moldagem em gesso de seus
cadáveres realizada cuidadosamente, de modo a não deixar quaisquer indicações de danos
provocados em seus delicados tecidos. Por meio desta técnica, podem ser mostrados na cerâmica
pequenos detalhes, como escamas de serpentes e peixes e nervuras de folhas, por exemplo.
4

Palissy não fora o primeiro a fazer isso, mas seu trabalho foi especialmente valorizado e ele
zelosamente manteve segredo das suas técnicas não deixando detalhes nos seus registros escritos.

As historiadoras de arte francesas Maryvonne Cassan (Musée du Louvre) e Géraldine Vendé-


(11)
Lobert relatam que a cerâmica desenvolvida por Palissy é feita de argila vermelha da
região de Saintes que, depois de cozida, recebe uma decoração por incisão ou por relevos
moldados. O conjunto é então coberto com uma camada de sais de chumbo muito fluida que
forma um esmalte que confere aos objetos uma característica brilhante ao qual devem seu
nome. O esmalte pode ser colorido com óxidos metálicos. Algumas peças são decoradas com
esmaltes policrômicos que lhes dão um aspecto "jaspeado" caracterizando uma imitação de
peças domésticas fabricadas em jaspe daquela época. Elas também informam que, também
neste caso, se desconhece a técnica utilizada por Bernard Palissy para produzir esmaltes
coloridos à base de chumbo, já que aquele ceramista não divulgou seus segredos nos seus
escritos, comportando-se, neste caso, como muitos artistas de seu tempo.

A respeito, o próprio Palissy aponta o valor econômico do conhecimento tecnológico, no


mesmo capítulo De L´Art de la Terre do Discours admirables, da seguinte forma:

“Os erros que cometi na dosagem dos materiais dos meus esmaltes trabalharam a meu
favor. Portanto eu sou da opinião que todo homem deve procurar encontrar a sua própria
dosagem, como eu fiz, porque de outra forma o conhecimento não teria nenhum valor,
razão pela qual muitos desprezam a aprendizagem. Eu sou da opinião de que não há
ninguém no mundo que desvalorize a pesquisa e o artesanato, exceto aqueles para quem
estas atividades tenham custado muito pouco, ao passo que aqueles que as praticaram com
grande esforço e trabalho não as trataram tão levianamente”. (12)

De qualquer forma, ele deu algumas pistas sobre o tipo de substâncias que ele utilizava,
quando no mesmo capítulo escreveu que:

“Os esmaltes de que me ocupo são feitos de estanho, de chumbo, de ferro, de aço, de
antimônio, de safira, de cobre, de areia, de salicácea, de cinzas de cascalho, de litargírio,
de pedra de Périgord.” (13)

Nesta listagem cabem algumas explicações. A salicácea é uma espécie vegetal cujas cinzas
fornecem sódio e entra na fabricação dos esmaltes. O litargírio (PbO) ou óxido de chumbo
amarelo é empregado como fundente na fabricação dos esmaltes. O estanho opacifica os
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esmaltes. Os demais materiais constituem óxidos de antimônio para a cor amarela, de cobre
para o verde, a safira ou cobalto para o azul, se bem que ferro possa fornecer as cores azul e
verde, sendo frequentemente misturado com outros pigmentos. Quanto à pedra de Périgord,
contém óxido de manganês, responsável pela cor marrom ou preta. (14)

Seus trabalhos já eram conhecidos na região, quando o duque de Montmorency- Anne de


Montmorency (1493-1567) - chegou em 1548, para debelar uma revolta em Saintonges. Ele
ficou impressionado tanto com as “figulines rustiques” como com o seu autor. Ele não só se
tornou seu patrocinador, como o encarregou de desenhar os mapas das ilhas e pântanos
salobros daquela província. Encomendou-lhe também várias peças de seu artesanato e a
execução de uma gruta artificial, usando aquelas técnicas, para decorar o jardim do seu
castelo de Ecouen (20 km de Paris). O projeto desta realização foi descrito por Palissy em um
pequeno livro intitulado Architecture et ordonnace de la grotte rustique de Monseigneur le
duc de Montmorency, publicado em 1563.

Esta proteção ducal era importante por dois motivos. Em primeiro lugar, dava uma projeção ao
seu nome e à sua obra. E, em segundo lugar, e talvez mais importante, livrava-o da prisão por
professar o calvinismo. Ele adotara esse credo em 1546, quando da chegada a Saintes de
Philibert Hamelin (?-1557), um dos seus principais propagadores. Promovia reuniões em sua
casa e, por causa disso, foi sempre perseguido por suas ideias. Foi preso algumas vezes e solto
em seguida por interferência do seu patrono. Com a morte deste na segunda guerra religiosa
em 1567, a própria rainha Catarina de Médici (1519-1589) passou a protegê-lo . Em 1562, ele
teve sua oficina e fornos destruídos, mas foi poupado junto com sua família, agora por
interferência real. Para melhor protegê-lo e dar publicidade ao reconhecimento real, foi-lhe
conferido o título de Inventeur des rustiques figulines, por influência de Montmorency e, em
1564, a rainha o nomeou Diretor de Jardins do Palácio das Tulherias, onde, além do traçado
dos jardins, também construiu uma “grotte rustique”. Ele passou a residir em Paris, onde
construiu uma nova oficina.

Na célebre noite de 24 de agosto de 1572, conhecida por noite de São Bartolomeu, ele
escapou do massacre dos calvinistas perpetrado pelos católicos, permanecendo em casa com a
sua família, por determinação expressa da rainha. Mais tarde, viajou para a Alemanha, as
províncias renanas e Flandres. Estudou fósseis na Lorena e Soissons, marga em Le Brie,
fontes quentes em Aix-la-Chapelle. Ele retornou a Paris no dia 24 de junho de 1575. A partir
6

de então ele pretendeu tornar-se conhecido, não mais como calvinista e ceramista, mas como
cientista. (15)

No período de 1575 a 1584 realizou palestras públicas em Paris. Elas eram anunciadas através
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de cartazes afixados em diversas estradas da França. Não eram gratuitas, mas pagas ao
preço de 1 escudo (valor alto segundo historiadores), para que, segundo ele, estivessem
(17)
presentes apenas “os mais doutos e os mais curiosos” A intenção de Palissy era que suas
ideias fossem divulgadas e submetidas ao escrutínio público de sábios, já que tinham
(18)
resultado apenas de suas observações e interpretações. Nos cartazes era informado que se
as palestras fossem consideradas fraudes, Palissy pagaria aos reclamantes o valor de 4 vezes o
(19)
preço de entrada. Segundo ele, para sua alegria, não houve contestação. Os frequentadores
(20)
eram de bom nível ,como, por exemplo, o célebre cirurgião Ambroise Paré (1510-1590) .
(21)

Por conta dessas palestras, ele tornou-se conhecido como um Filósofo Natural, como eram
chamados os cientistas naquela época, apesar de ser, segundo sua próprias palavras, “um
(22)
homem desprovido de latim” . Aliás, suas palestras em bom francês traziam uma
contribuição inestimável à disseminação das ciências, seguindo a tendência do que se fazia na
Alemanha e Itália, onde as técnicas eram detalhadamente explicadas em vernáculo. A
utilização da língua francesa para este fim sofria forte oposição da poderosa Universidade de
Paris, que defendia que apenas o latim deveria ser usado para difusão das ideias. Mesmo
assim, alguns professores mais esclarecidos daquela universidade defendiam posição
contrária, apoiando desta forma os esforços de Palissy, como Pierre de la Ramée (1515-1574),
que, no prefácio de sua pioneira gramática da língua francesa, assim se expressou sobre a
importância do ensino de ciências em francês:

“...levar adiante o curso de artes liberais, não somente em latim para os doutos de qualquer
nação mas em francês para a França, onde há uma infinidade de boas mentes capazes para
todas as ciências e disciplinas, que todavia delas são privados pela dificuldade das
línguas.” (23)

Com todo o seu prestígio, continuava a sofrer perseguições, até ser preso, em 1587, desta vez
de forma definitiva. Sem a proteção da rainha, já sem poder político nenhum, ele passou a ter
a sua sorte dependente do novo rei Henrique III (1551-1589), que lhe ofereceu o perdão
desde que abjurasse a sua crença, o que ele não fez, vindo a morrer em data incerta. De acordo
7

com Audiat, Pierre d´Estoyle (1546-1611) relatou a morte do seu amigo Palissy, em sua obra
Journal de Henri III, tomo II, página 115 da seguinte forma:

“No mesmo ano [1590] morreu nas masmorras da Bastilha mestre Bernard Palissy,
prisioneiro por causa da religião, com a idade de 80 anos e morreu de miséria, necessidade
e maus tratos, e com ele três outros prisioneiros mantidos prisioneiros pelo mesmo motivo
de religião, que a fome e os vermes dizimaram.” (25)

Já nos arquivos da Prefeitura de Paris, ela foi registrada como segue:

“Segunda-feira, 4 de julho de 1589, Bernard Palissy foi enforcado, estrangulado e seu


corpo queimado e reduzido a cinzas. Por sua heresia isto foi feito.” (26)

Muito embora suas “rustiques figulines” continuassem a existir, o trabalho de Palissy como
naturalista permaneceu desconhecido até o século XVIII, quando ele passou a ser reconhecido por
cientistas franceses. Sabe-se que em 1720, em sessão da Académie des Sciences de Paris, seu
secretário perpétuo, Bernard de Bouyer de Fontenelle (1657-1757), fez menção aos escritos e
descobertas de Palissy em história natural; em 1772, George Louis Leclerc (1707-1788),
Conde de Buffon o famoso naturalista francês, em sua Théorie de la Terre deu consistência às
conjecturas de Palissy; em 1777, o cientista e engenheiro de minas francês Barthélemy Faujas
de Saint –Fond (1741-1819), que lançou os fundamentos da geologia, mandou reimprimir os
livros de Palissy. (27)

Seus dois principais livros foram Recepte Véritable, publicado em 1563 e Discours
Admirables, publicado em 1580. Eles foram escritos de forma similar sob a forma de
diálogos, entre “Demande “ e Réponse” no primeiro e entre “Théorique” e “Pratique” no
segundo. Em “Réponse” e “Pratique” Palissy apresenta suas ideias e conceitos.

O primeiro livro tem o longo título de Recepte véritable, par laquelle tous les hommes de la
France pourront apprendre à multiplier et augmentar leurs thrésors . Item, ceux que n´ont
jamais eu cognoissance des lettres, pourront aprrendre une philosophie nécessaire à tous les
habitantes de la terre. Item, en ce livre est contenu le dessin d´un jardin autant déletable et d
´utile invention, qu´il em fût oncques veu. Item, le dessin et ordonnance d´une ville de
fortresse, la plus imprenable qu´homme onyt jamais parler. Nele Palissy aborda uma grande
variedade de assuntos, incluindo agricultura (no qual propõe métodos melhores para a lavoura
e o uso de adubos), geologia (no qual teoriza sobre a origem dos sais, fontes, pedras preciosas
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e formações rochosas), minas e florestas. Neste trecho, pode-se ler, por exemplo, um texto
com uma visão ecológica de impressionante atualidade, conforme reproduzido a seguir.

“Não existe arte no mundo para a qual se necessite mais entendimento do que a agricultura e
eu lhe asseguro que se esta atividade for realizada sem entendimento constituirá uma violação
diária da terra. Na verdade, eu imagino que a terra e os produtos não exigem vingança de
alguns assassinos, homens ignorantes e mal agradecidos, que, sem nenhuma razão, depredam
e destroem árvores e plantas. Ouso também afirmar que se a terra for adequadamente
cultivada, cuidadosamente lavrada como deve ser, um diarista produzirá mais do que dois
poderão com os métodos atuais... As práticas ignorantes que vemos serem feitas todos os dias
em nome da agricultura atormentaram muitas vezes a minha mente e me enfureceram porque
eu vejo como um homem se engrandece sugando substância da terra sem, em contrapartida,
lhe dar sustento. Aborrece-me ver os grandes, que deveriam ser inteligentes, deixar suas
fazendas nas mãos de ignorantões. Segue-se assim que a terra e o que ela produz são
frequentemente pobres e grande prejuízo é causado aos animais que Deus criou para o
conforto do homem”. (28)

Como ele mesmo aponta no título, também é apresentada neste livro a descrição de um jardim
ideal, muito embora não esteja incluído um desenho do mesmo. Segundo ele, o jardim deve
estar perto de um rio, ter forma retangular, ser dividido em quatro partes, separadas por
paredes ou terraços. Ele enfatiza a importância da presença de um riacho ou fonte. Considera
bastante relevante o conhecimento de geometria para o projeto do jardim. Todos estes
princípios acabarão por governar os projetos de jardins nos séculos XVII e XVIII, tanto na
França como em outros países.

O mesmo livro também trata da fundação da igreja protestante e perseguição aos calvinistas
em Saintes. Neste contexto, é também apresentado um projeto (sem desenhos) para uma
fortaleza em espiral, segundo ele inexpugnável e que poderia eventualmente servir de refúgio
aos crentes quando perseguidos.

No segundo livro, Discours admirables, como o próprio nome indica, ele parece deixar
registradas suas palestras públicas para a posteridade. Da mesma forma que no primeiro livro,
aborda vários assuntos, mas neste a quantidade de temas é muito maior, conforme relatado no
início deste trabalho. O livro é dividido em diversos capítulos. O primeiro, e também o mais
longo, trata da água. Os capítulos seguintes abordam os metais e a sua gênese, remédios, os
9

diferentes tipos de sais e sua natureza, efeitos e métodos de geração, características dos
minerais e rochas, tanto comuns como preciosas, argila e marga e arte da cerâmica.

Não cabe aqui detalhar seus pontos de vista, mas acentuar não só o pioneirismo como a
atualidade de muitas das suas ideias. Por exemplo, mesmo sendo desprovido de uma
compreensão moderna da biologia, sua interpretação sobre o processo de fossilização estava
bastante à frente dos seus contemporâneos, bem como no reconhecimento da relação entre
fósseis e seres vivos e extintos e do processo de petrificação. Esta sua visão deve ter sido
muito influenciada pela sua técnica de moldagem em gesso de corpos de animais, bem como
por suas explorações naturais pela França, pesquisando seu solo. Para ilustrar suas palestras,
ele convidava os assistentes a visitar sua coleção particular de espécimes por ele recolhidos,
onde predominavam fósseis, que Cap considera como o primeiro gabinete de história natural
da França (29).

Também surpreendente é sua visão sobre o ciclo de água da natureza, sendo reconhecido hoje
como um dos pioneiros no estabelecimento do papel das chuvas no mecanismo de formação das
fontes e rios. Ele também discorreu sobre os poços artesianos e sua recarga a partir de rios
próximos e o reflorestamento como meio de evitar a erosão do solo. Explicou até mesmo que “ a
causa do arco-íris não é senão principalmente que o Sol passa diretamente através das chuvas
que se opõem ao aparecimento do sol” (30)

A partir do século XIX, passou a haver um renovado interesse por Palissy, dos pontos de vista
artístico, científico e literário, a ponto terem sido escritas entre 1830 e 1890 pelo menos 70
(31)
biografias dele . Do ponto de vista literário, sua obra é bastante apreciada. O escritor
francês Alphonse de Lamartine (1790-1869) dele fez uma biografia no tomo II da sua obra La
vie des Grands Hommes de 1855 e o colocou entre os grandes escritores da língua francesa
pelo seu estilo vigoroso e simples; Honoré de Balzac se inspirou na vida de Palissy, para
escrever seus romances La recherche de l´absolu (1832) e Souffrances de l´inventeur (1834)
(32)
.

Por outro lado, o químico Michel Eugène Chevreul (1786-1889), por exemplo, afirmou que
seu trabalho científico “o coloca completamente acima do seu século por seus comentários
sobre a agricultura e a física da Terra, juntamente com a novidade da maioria de suas
observações, ele demonstra a originalidade de seus pensamentos”. (33)
10

Outros autores apontam a sua influência sobre Francis Bacon (1561-1626). Por exemplo, o físico
e historiador de ciência alemão, naturalizado francês Ferdinand Hoefer (1811-1878) em sua obra
Histoire de la Physique et de la Chimie depuis les temps les plus reculés jusqu´a nos jours de
1873 afirma taxativamente que :

"Foi a Bernard Palissy e não a Francis Bacon, que devemos a introdução final do método
experimental na ciência. L´Art de Terre do ceramista apareceu antes [1580] do Novum
Organum [1620] do cavaleiro da Inglaterra.” (34)

Alguns autores modernos compartilham desta visão. Por exemplo, o químico e historiador da
ciência norte-americano Hugh Salzberg (n.1921) ressaltou que “[Palissy] enfatizava a
importância da pesquisa e experimentação independentes e insistia que as teorias deveriam ser
sempre comprovadas por observação.” Foi ainda mais longe. Para ele, “as palestras de Palissy
tiveram uma influência considerável na geração seguinte de cientistas franceses. Francis
Bacon provavelmente assistiu a algumas delas quando em visita a Paris em sua juventude.” (35)

A multidão de assuntos por ele abordados, as interfaces ciência, técnica e arte que existem nos
seus escritos e a sua própria vida, tornam Bernard Palissy uma personagem fascinante e ao
mesmo tempo altamente relevante para investigar aquelas interfaces, bem como aquelas entre
diversas ciências e, até mesmo, a interface disso tudo com o social. Esta investigação deverá
ser muito facilitada pela existência de abundante literatura, a maior parte da qual em francês,
que trata de muitos destes aspectos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1) AUDIAT, L. – Bernard Palissy: Étude sur sa vie et sur ses travaux – Paris: Didier –
1868, p.1-10

(2) AUDIAT, L. – 1868 - op.cit. p.25-36

(3) AUDIAT, L. – 1868 - op.cit. p.24

(4) CAP, P.A.G. – Oeuvres complètes de Bernard Palissy – Paris: Béthune et Plon – 1844, p.
xxix
11

(5) PALISSY, B. - Discours admirables de la nature des Eaux et Fontaines, tant naturelles
qu´artificielles, des métaux, des sels et salines, des pierres, des terres, du feu et des émaux;
aux plusieurs autres excellents secrets des choses naturelles. Plus en traité de la Marne,
fort utile et nécessaire à ceux qui se mellent de l´agriculture. – Paris: Chez Martin Le
Jeune – 1580, p.274

(6) CLASSIC Encyclopedia, baseada na 11ª edição da Encyclopedia Britannica ,


publicada em 1911. Disponível em http:// www.1911encyclopedia.org/Bernard_Palissy.

(7) PALISSY, B. -1580 – op.cit. , p.274

(8) PALISSY, B. -1580 – op.cit., p.275

(9) CAP P.A.G. – 1844 – op.cit., p.15

(10)CLASSIC Encyclopedia

(11)CASSAN,M.; Vendé-Lober, G. – Bernard Palissy, ses suiveurs, ses emules – Dossier


Pédagogique – Service Culturel – Musée National Adrien Dubouché – Limoges, 2003 –
Disponível em www.musee-adriendubouche.fr/documents/bernardpalissy.pdf, p. 4

(12)PALISSY, B. -1580 – op.cit., p.291

(13) PALISSY, B. -1580 – op.cit., p.291

(14) CASSAN,M.; Vendé-Lober, G. – 2003, op.cit.p. 19

(15)FOSTER, M.L. – Bernard Palissy: Sixteenth-Century Scientist – Jounal of Chemical


Education, Vol.8 No.6 (1931), p. 1058

(16)AUDIAT, L. – 1868 - op.cit. p.350

(17)AUDIAT, L. – 1868 - op.cit. p.350

(18)AUDIAT, L. – 1868 - op.cit. p.350-351

(19)AUDIAT, L. – 1868 - op.cit. ,p.351

(20)AUDIAT, L. – 1868 - op.cit., p.421-5


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(21)AUDIAT, L. – 1868 - op.cit. ,p. 426

(22)PALISSY, B. -1580 – op.cit., prólogo

(23)RAMUS,P. – Grammaire de P. de la Ramée Lecteur du Roy en l´Université de Paris –


Paris: Chez Denys du Val – 1587, p.3-4

(24)RÉAUME, E.; Causade, F. de – Oeuvres Complètes de Théodore Agrippa d ´Aubigné


– Tome II – Paris: Alphonse Lemerre- 1877, p. 351

(25)AUDIAT, L. – 1868 - op.cit. ,p. 400

(26)FOSTER, M.L. – 1931 – op.cit., p. 1050

(27)DELECLUZE, E.J.– Bernard Palissy – Revue Française, T.10, 3, III-1838, p. 61

(28)PALISSY, B. - Recepte véritable, par laquelle tous les hommes de la France pourront
apprendre à multiplier et augmenter leurs thrésors. Item, ceux que n´ont jamais eu
cognoissance des lettres, pourront apprendre une philosophie nécessaire à tous les habitantes
de la terre. Item, en ce livre est contenu le dessin d´un jardin autant déletable et d´utile
invention, qu´il en fût oncques veu. Item, le dessin et ordonnance d´une ville de fortresse, la
plus imprenable qu´homme onyt jamais parler.- La Rochelle – 1563, p. 3

(29)CAP, P.A.G. – 1844, op.cit., p. 18

(30 CAP, P.A.G. – 1844, op.cit., p. 22

(31)CASSAN,M.; Vendé-Lober, G. – 2003, op.cit.p. 6

(32) CASSAN,M.; Vendé-Lober, G. – 2003, op.cit.p. 6

(33)AUDIAT, L. – 1868 - op.cit. ,p. 224

(34) HOEFER, F. – Histoire de la Physique et de la Chimie depuis les temps les plus
reculés jusqu´a nos jours – Paris: Librairie Hachette –- 1873, p.394

(35)SALZBERG, H.W. – From Caveman to Chemist: Circumstances and Achievements –


Washington, D.C.: American Chemical Society – 1991, p. 132-133

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