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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Faculdade de Direito – Unidade Barreiro

Diogo Tadeu Souza Inácio

A FALTA DE TUTELA ESTATAL PERANTE A MORTANDADE DA JUVENTUDE


NEGRA, SOB A ÓTICA DO DIREITO QUÂNTICO

Belo Horizonte

2019
Diogo Tadeu Souza Inácio

A FALTA DE TUTELA ESTATAL PERANTE A MORTANDADE DA JUVENTUDE


NEGRA, SOB A ÓTICA DO DIREITO QUÂNTICO

Trabalho de Conclusão de Curso como


Requisito para a Obtenção do Título de
Bacharel em Direito pela Universidade Católica
de Minas Gerais

Orientador: Luiz Augusto de Lima Ávila

Belo Horizonte

2019
Dedicatória
Este trabalho é dedicado à memória de Aderval
Souza Nascimento e Delevinda Gonçalves
Souza, assim como, à memória de todos os
africanos que foram condicionados à
escravidão e de seus descendentes, invisíveis
ou não, que sobrevivem na diáspora, cujos
ensinamentos se fazem presentes em minha
trajetória.
Agradecimentos
Agradeço aos meus pais, pela disponibilidade,
compreensão e auxílio na construção e
entendimento da complexa teoria quântica e da
ciência jurídica.
Agradeço ainda a todos os meus amigos e
familiares, que são o sistema de referência
ético da minha existência.
RESUMO

O presente trabalho tem o objetivo de perceber a teoria do Direito Quântico


em face da ausência de uma tutela estatal perante a mortandade da juventude negra
brasileira. Tendo-se passado aproximadamente 130 anos após a abolição da
escravidão no Brasil, torna-se imperiosa a investigação da atuação estatal para com
a população negra, desde o início do período escravagista, até o advento do século
XXI. Inicialmente, são expostos os pressupostos fáticos para a compreensão da
Vida, observando a relação entre a natureza e o ser, assim como entre o ser e o
movimento. Após, são expostas as relações entre a Mecânica Quântica e o Direito,
para então alcançar a compreensão do Direito Quântico, que surge como o
resultado da complexificação do mais evoluído de todos os seres vivos, o ser
humano. Busca-se compreender que as bases do Direito são oriundas da natureza,
não passando de reproduções em grande escala das interações quânticas
desenvolvidas pelos núcleos celulares de cada ser. Faz-se uma explicação do
caráter autorizante e imperativo das normas jurídicas, além de expor o que ela não
é. Também é explanado que a experiência jurídica só pode ser compreendida de
maneira integral quando comparada com o ser humano, que serve de sistema de
referência para a criação e aplicação da norma. Após, é apresentado um relato
histórico da população africana e de seus descendentes até o período atual, sendo
demonstrada a falta de reconhecimento e de compreensão do Estado brasileiro para
com a população negra. Por fim, é compreendido que o Direito Brasileiro está longe
de ser um Direito Legítimo, sendo que está repleto de normas inválidas, visto que
não foi levada em consideração a maior parte da população brasileira na hora de se
criar as normas jurídicas brasileiras. Conclui que o Direito Brasileiro é um Direito
Artificial, longe de compreender os movimentos e os elementos da população negra
brasileira.

Palavras chave: Universo. Mecânica Quântica. Direito Quântico. Escravidão


Brasileira. População Negra. Genocídio da Juventude Negra. Direito Artificial.
ABSTRACT

This present work aims to understand the theory of Quantum Law in the face
of the absence of a state guardianship against the death of brazilian black youth.
Approximately 130 years after the abolition of slavery in Brazil, it’s imperative to
investigate the state action towards the black population, since the beginning of the
slave period, until the advent of the XXI century. Initially, the factual assumptions for
understanding Life are exposed, observing the relationship between nature and
being, as well as between being and movement. After that, the relations between
Quantum Mechanics and Law are exposed, in order to reach the understanding of
Quantum Law, which arises as a result of the complexification of the most evolved of
all living beings, the human being. It’s intended to understand that the bases of Law
originate from nature, being merely large-scale reproductions of the quantum
interactions developed by the cellular nuclei of each being. An explanation of the
authorizing and imperative character of legal norms is made, besides exposing what
she’s not. It’s also explained that legal experience can only be fully understood when
compared to the human being, which serves as a reference system for the creation
and application of the norm. Afterwards, a historical account of the African population
and their descendants is presented until the present period, showing the lack of
recognition and comprehension of the Brazilian State towards the black population.
Finally, it’s understood that the Brazilian Law is far from being a Legitimate Law, and
is full of invalid norms, since most of the Brazilian population was not taken into
account in the creating of the Brazilian legal norms. It’s concludes that the Brazilian
Law is an Artificial Law, far from understanding the movements and elements of the
brazilian black population.

Keywords: Universe. Quantum Mechanics. Quantum Law. Brazilian Slavery. Black


Population. Black Youth Genocide. Artificial Law.
SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO ......................................................................................................8

2 – O UNIVERSO E A ECLOSÃO DA VIDA ............................................................11

2.1 – A Analogia da Mecânica Quântica com o Ser Humano ........................13

2.2 – O Ser e o Movimento ...............................................................................15

2.3 – Características Peculiares das Micropartículas ....................................22

3 – DA TEORIA QUÂNTICA E SUA RELAÇÃO COM O DIREITO .........................24

3.1 – A Norma Jurídica .....................................................................................29

3.2 – O Direito Objetivo e o Direito Positivo ...................................................32

3.3 – Direito Subjetivo .......................................................................................34

3.4 – O Ser Humano como Fonte Doadora de Sentido ao Mundo e a


Experiência Jurídica como Experiência Integral ...........................................40

3.5 – O Direito Natural e o Direito Artificial .....................................................45

3.6 – O Direito Quântico ...................................................................................50

4 – A AUSÊNCIA DA TUTELA ESTATAL BRASILEIRA DIANTE DAS


NECESSIDADES DA POPULAÇÃO NEGRA ..........................................................52

4.1 – A Escravização dos Africanos e sua Diáspora para o Brasil ..............52

4.2 – Do Período Pós-Abolição até o Estado Democrático de Direito .........61

4.3 – O Brasil e as Desigualdades Raciais .....................................................65

5 – CONCLUSÃO .....................................................................................................70

6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................73


1 – INTRODUÇÃO
Para se entender as dificuldades das comunidades negras brasileiras em
encontrar o amparo da jurisdição, em sentido amplo desta proteção estatal, o melhor
caminho é a análise da situação desta parcela popular, sob a ótica do “Direito
Quântico”.
A expressão “Direito Quântico” foi criada por Goffredo da Silva Telles Junior
(TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. Direito quântico: Ensaio sobre o fundamento
da ordem jurídica. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014), na compreensão de que as Leis
são expressões culturais, tempestivas, originadas das disposições genéticas da
Mãe-Natureza e, portanto, devem responder às expectativas gerais do ser humano,
mas, o ser humano compreendido como um eu feito das próprias consciências
individuais, um eu que é construído e construtor da sua própria história, e não
apenas à sua natureza física. Tal conclusão foi encontrada no fato de que o Ser Vivo
é o produto final do processo cósmico de inexoráveis mutações químicas e físicas,
resultando em um complexo físico e não físico de comportamentos múltiplos e
personalizados, bem como individuais e coletivos. Daí, a necessidade de elevar a
compreensão do Direito para o campo além das necessidades físicas do ser
humano, alcançando sua subjetividade originária, tal qual a matéria é compreendida
pelos físicos, em sua originariedade celular, da energia quântica.
TELLES JÚNIOR referenciou-se no grande aumento exponencial da
complexidade da matéria bruta, que, por meio de suas interações químicas,
proporcionou o surgimento de um ser de imensa complexidade, com propriedades
que ultrapassam a matéria bruta, sua fonte originária, alcançando outras
propriedades, como por exemplo, a propriedade de escolher e a de se conduzir em
razão de ideais. Dessa forma, este autor percebeu que, por ser imensamente
complexo, o ser humano, não pode ser considerado apenas como matéria, mas
deve ser percebido como matéria e inteligência.
Isto porque, conforme elucida este autor, os animais evoluídos são dotados
de cérebro complexíssimo e têm uma extraordinária capacidade de adaptação a
situações novas, com o auxílio de conhecimentos anteriormente adquiridos. Esta
capacidade de submeter, conscientemente, meios a fins é denominada Inteligência,
a qual surgiu no planeta Terra após bilhões de anos de evolução.

8
TELLES JÚNIOR demonstra que do interior da matéria bruta, originou-se a
matéria viva, e, na matéria viva, surgiu a consciência. Demonstra que a consciência,
a princípio, não se distinguia muito de um instinto, caracterizado pelas tendências
ditadas pelas necessidades fundamentais e primárias do animal. Lembra que ao
longo dos milênios, a consciência foi evoluindo gradativamente em formas sempre
mais organizadas de matéria viva, até se fazer em inteligência.
Percebe o autor que, o ser humano, que é o mais complexo de todos os
seres, é composto de trilhões de neurônios constituindo seu sistema nervoso central,
onde, aproximadamente, um quatrilhão de sinapses estabelecem a
intercomunicação entre tais neurônios. Não obstante, quinze bilhões de células,
extraordinariamente especializadas, com o emaranhado incompreensível de seus
axônios, dentritos e arborescências, fazem a conexão entre os centros nervosos
cerebrais do ser humano.
Aprofunda ainda que cada comando implica adesão a uma dessas vias. Neste
caso, como as vias são inúmeras, impossível é a predeterminação, em cada caso,
de qual delas será a escolhida. A efetiva adesão de um ser humano a uma dessas
vias, que são alternativas oferecidas pela complexidade do agente, é que se chama
de ato de escolha.
Logo, um sistema que construa o Direito dos seres, precisa ser dinâmico ao
ponto de alcançar suas escolhas subjetivas, ou seja, precisar ser próximo dos
elementos quânticos que constituem todos os seres, precisa ser Direito Quântico.
Isto porque, após o surgimento da Vida no planeta Terra e após a lenta evolução do
ser humano, surge, como elaboração polida do mais evoluído dos seres, a
Ordenação Jurídica da Convivência, o Direito Quântico propriamente dito.
Importante lembrar que os primeiros sinais da Vida, na matéria do mundo, se
deram através de manifestações de um ácido nucleico, no núcleo das células. Essas
manifestações eram legítimas mensagens genéticas, emitidas pelo ácido
desoxirribonucleico, o DNA; o mesmo tipo de mensagem que o DNA continua a
emitir permanentemente, sendo causa determinante de predisposições dos seres
vivos.
Tais mensagens são dependentes do impulso natural para a convivência, isto
é, dessas notáveis mensagens, depende, indubitavelmente, a vocação social do

9
gênero humano. Por este motivo, é cediço que a primeiríssima fonte da disciplina da
convivência se encontra situado no patrimônio genético do ser humano.
Verdade é que em todos os indivíduos da espécie humana, existe, por força,
uma mesma base genética, motivo pelo qual o ser humano se distingue dos outros
animais. Conquanto, na realidade concreta da existência, a influência significativa de
meios ambientes diversos, no correr da evolução do planeta Terra, causaram
mutações nos patrimônios genéticos coletivos, o que resultou na formação de
índoles e estados de consciência diferentes, em grandes e sortidas coletividades.
Essas mutações, na visão do autor, foram determinantes para a desigualdade
de caracteres dos povos e das nações, e para a propagação de costumes e
ordenações éticas peculiares. Não obstante, até o patrimônio genético de cada ser
em particular é causador de sua identidade própria, de seus pendores naturais, suas
peculiares predisposições.
Ademais, para se chegar a esta conclusão, é necessário a abordagem de
diversos conceitos atinentes à ordem e desordem, bem como, conceitos relativos à
noção de normalidade e à concepção de lei e de norma, o que nos leva ao
deciframento do sistema de referência de cada ser, transpondo pelas questões
culturais, éticas, de valores e juízos; do mesmo modo que se analisa os conceitos de
direito subjetivo e direito objetivo, e, principalmente, as peculiaridades da norma
jurídica e suas características permissivas únicas.
Por tal motivo, uma verdadeira compreensão do comportamento humano e da
liberdade, bem como, uma correta interpretação das leis que regem os
comportamentos e a liberdade, exige uma evidente consciência da interação natural
das predisposições genéticas e dos fatores circunstanciais do meio em que
transcorre a existência dos seres. Neste diapasão, o Direito Quântico é a intenção
deliberada de demonstrar que as leis, que são criações da inteligência, para a
ordenação do comportamento humano em sociedade, nada mais são do que
oportunas expressões culturais de implícitas, silenciosas e eternais disposições
genéticas inseridas no próprio ser humano.
O Direito Quântico também propõe uma necessária evolução do pensamento
jurídico, superando algumas referências baseadas em conceitos físicos, que são
considerados por grande parte da doutrina, alcançando os fenômenos e os

10
fundamentos jurídicos sob outro prisma, o da inteligência e da interatividade entre o
indivíduo e seu coletivo nas suas escolhas
O Direito Quântico tende a ser mais acessível e interativo a novas
interpretações e novos paradigmas, na compreensão de um ser, que por mais
complexo que já seja, torna-se mais complexo e perfeito ao longo do tempo.

2 – O UNIVERSO E A ECLOSÃO DA VIDA


Para iniciar o contato do Direito com as demais ciências da natureza,
Goffredo da Silva Telles Junior, a partir de então chamado de “autor”, passa a
analisar a relação do macrocosmo e da vida propriamente dita. Neste enredo, passa
a expor sobre os conceitos da astronomia e cosmologia, analisando as estrelas, as
galáxias, a expansão do universo, assim como sobre o nosso sistema solar1
relacionando este macro universo com o micro universo unicelular.
Neste contexto, o autor explica o universo macrocósmico relacionando-o com
o universo microcósmico e demonstrando o papel importantíssimo das
micropartículas2, na formação de todo o universo macroscópico. Mostra que as
partículas são compostas por micropartículas e subdivididas em duas espécies:
partículas que detém massa3 quando repousadas e partículas que não possuem
massa quando estão em repouso. Expõe o autor:
Pois bem. Esse material, essa substância, de que o Universo é feito, se
compõe de duas espécies de micropartículas: partículas que possuem
massa em repouso, e partículas que não a possuem. (...) Chamamos de
micropartículas ou partículas elementares os últimos elementos, com
individualidade própria, a que os cientistas lograram chegar, ao dividir a
matéria.4

Visto isso, conclui-se que as micropartículas formam a menor parte da


matéria em que os pesquisadores científicos conseguiram alcançar até o momento.
Percebe-se ainda que esta fração mínima de matéria detém suas características
próprias, se diferenciando das demais, mas formando o todo da matéria. Para mais,

1 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 17-47.
2 “As micropartículas são entidades perfeitamente definidas, que evoluem em porções de espaço

extremamente pequenas, com dimensões que medeiam entre um centésimo da milionésima parte de
um centímetro e um décimo de trilhonésima parte de um centímetro (10-8 a 10-13 cm). Para que se
tenha ideia mais exata do que significa esta última dimensão, basta lembrar que ela é igual a uma
das frações de um milímetro dividido um milhão de milhões de vezes.” Ibidem, p. 47.
3 “(...) é a quantidade de resistência, que um corpo oferece, a qualquer alteração de seu movimento

ou posição no espaço.” Ibidem, p. 48.


4 Ibidem, p. 47.

11
o autor passa a demonstrar que, apesar de serem subdivididas em partículas
elementares com massa em repouso e sem massa em repouso, todas as partículas
se encontram em contínua movimentação. Sendo que aquelas que se encontram em
repouso, somente são consideradas assim, quando comparadas relativamente, com
um sistema de referência. Observa ele:
Todas as micropartículas se acham em continuo movimento. Mas,
consideram-se em repouso, aquelas que não estiverem se deslocando,
relativamente a um sistema de referência. Se um passageiro, sentado sobre
um banco de trem, fosse uma micropartícula, diríamos que essa
micropartícula está em repouso dentro do vagão em movimento (dentro do
sistema de referência, constituído pelo trem). É evidente que todo repouso é
relativo. O passageiro sentado está em repouso, relativamente ao trem, mas
está em movimento, relativamente aos trilhos, sobre os quais o trem
caminha, ou aos postes, às árvores, às casas, à beira da estrada. 5

Para o autor, a realidade do ser humano é idêntica. Há seres que estão em


eterno movimento e seres que estão estáticos quando observados por seu sistema
de referência grupal como família, etnia, profissão, nacionalidade, gênero e etc.
Denota-se que na medida em que umas espécies de partículas elementares
se movimentam visivelmente, outras encontram-se em repouso, em relação a
determinado sistema de referência, que impede a percepção de seu movimento.
Todavia, encontram-se em movimento propulsionado pelo seu sistema de
referência. Logo, todas as partículas estão em movimento. Denota o autor:
Outras micropartículas não podem jamais ser consideradas em repouso,
porque se deslocam permanentemente, em relação a qualquer sistema de
referência. Se um passageiro num trem fosse micropartícula desta espécie,
tal passageiro não estaria sentado num banco de vagão, e se deslocaria
continuadamente, animado de movimento próprio, dentro do trem. 6

Portanto, como as partículas, todos os seres humanos estão em movimento e


devem ser observados por si sós e por seu sistema de referência. Logo, para o
autor, o Direito deve garantir a liberdade de movimento individual do ser humano e
do movimento de seu sistema de referência.
Infere-se, portanto, que ao sair-se do macrocosmo das galáxias para
analisarmos o microcosmo das partículas elementares, depara-se com dimensões
desafiadoras, visto que não há qualquer divisão evidente entre um universo e o
outro. Neste contexto encontra-se a dimensão do ser humano, que nada mais é do

5 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 47.
6 Ibidem, p. 47-48.

12
que uma partícula e parte de um sistema de referência, ou seja, intermediário entre
essas duas dimensões7.

2.1 - A Analogia da Mecânica Quântica com o Ser Humano


Em analogia com o ser humano, ao individualiza-lo em um quantum, pode-se
observar as características próprias de cada pessoa quando isolada e quando
agrupada em seu sistema de referência como família, grupo social, grupo religioso,
nacionalidade, etnia e etc. Portanto, pelos estudos do autor, não poderia o Direito
descuidar-se desta sua lei natural.
Revela o autor que em diversas experiências, restou comprovado que a
partícula formadora da luz, os fótons, eram quanta de energia e tinham massa, o
que é uma propriedade dos corpos ou matérias. Ademais, outras experiências foram
mais a fundo e ratificaram que os quantas de energia, de fato, contém massa, visto
que são capazes de exercer pressão sobre um corpo e até de expulsar elétrons de
um pedaço de metal.
Porém, demonstra o autor que, a dualidade de energia e massa se mostrou
presente, também, nas demais partículas elementares, visto que, os elétrons, a título
exemplificativo, também apresentaram terem energia, além de serem corpúsculos.
Em sua explicação temos que:
Se um feixe de elétrons (que, em laboratório, pode ser produzido, como se
sabe, por um filamento metálico incandescente) for dirigido
perpendicularmente contra uma barra de cristal, ele penetrará no sólido,
sendo absorvido. Mas, se for dirigido em ângulo fechado, como se se
quisesse fazer os elétrons deslizarem sobre a superfície do sólido, sem nele
penetrar profundamente, os elétrons ricochetearão ao se encontrar com o
cristal, e seguirão adiante pelo espaço. Se a propagação dos elétrons
ricocheteados for interceptada por uma chapa fotográfica, eles incidirão
sobre esta chapa, velando-a nos pontos em que a atingirem. Elétrons são
capazes de velar (enevoar, queimar) uma chapa fotográfica, à maneira de
luz visível ou de Raios X8.

7 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 50.
8 “No ano de 1924, Louis-Victor Pierre Raymond de Broglie propôs, em sua tese de doutorado, o

conceito de ‘onda de matéria’. Sua ideia consistia no fato de que o comportamento dual onda-
partícula, característico das radiações eletromagnéticas, também pudesse ser aplicado à matéria.
Desta forma, assim como o fóton apresenta propriedades de matéria, partículas materiais (como o
elétron, por exemplo) também deveriam exibir características ondulatórias. (...) Inicialmente, a ideia
de de Broglie foi vista com certo ceticismo até que, em 1927, Clinton Davisson e Lester Germer
verificaram experimentalmente o caráter ondulatória do elétron. Em seu experimento, Davisson e
Germer observaram o fenômeno de difração de um feixe de elétrons (com energia definida) incidindo
sobre um cristal de Ni [níquel]. Neste caso, e assim como no caso da difração de raios-x por um
sólido, os átomos do cristal de Ni atuam como centros de difração os quais espalham o feixe de
elétrons incidentes em direções muitos características.” INSTITUTO DE FÍSICA DE SÃO CARLOS,
USP. Difração de Elétrons. Artigo online disponível em:
13
Pois bem, na chapa fotográfica, os elétrons ricocheteados produzirão uma
imagem de círculos ou anéis, alternadamente escuros e claros9.

Assevera o autor que essa experiência revela que a natureza do elétron é


semelhante a da luz, visto que é capaz de velar a chapa fotográfica. Para mais, o
feixe de elétrons, que foram em direção ao cristal, foram capazes de contornar os
átomos mais externos da barreira que lhes era oposta, e seguiram seu caminho,
seguindo a direção preconizada pelas leis da mecânica10. No tocante ao
contornamento realizado pelo feixe de elétrons, salienta o autor que:
A propriedade de contornar os obstáculos, opostos à progressão do
movimento, e de seguir adiante, por trás do obstáculo rodeado, apenas
mudando ligeiramente a direção da trajetória, é uma qualidade específica
das ondas, e se chama difração. Tudo que difrata é onda. 11

Na experiência citada acima, a imagem de círculos alternadamente escuros e


claros, produzida pelo feixe de elétrons em incidência sobre a chapa fotográfica, é a
“fotografia” de ondas difratadas. Diante disso, conclui o autor que os elétrons são
concomitantemente, corpo, visto que possuem massa, e onda, ao passo em que
sofrem difração12, ou seja, o elétron é energia e matéria, ao mesmo tempo.
Tal qual o elétron, o ser humano também é dual, é matéria e inteligência, que
em movimento tem a capacidade de contornar diversos obstáculos, tem a
capacidade de difratar. Atua com suas próprias regras quando sozinho, e atua com
regras unificadas com outros, quando em grupo, como família, amigos, etnia,
nacionalidade e etc. Tal qual o elétron, o ser humano também é guiado por
movimentos probabilísticos, sendo que ninguém poderá saber, com certeza
absoluta, um ato de escolha do ser humano, antes que ele a manifeste.
Dessa forma, deve-se perceber o ser humano em nova leitura de seu “status
quo”, considerando sua individualidade e seu agrupamento. Devem-se considerar as
diversas características de cada qual dos diversos “modelos” de seres humanos,
relacioná-las conforme seu comportamento individual e seu comportamento coletivo,
Não se esquecendo de averiguar as características próprias de cada agrupamento

<http://www.ifsc.usp.br/~lavfis/images/BDApostilas/ApDifraEletron/DifracaoEletrons_1.pdf>. Acesso
em 21 de set. de 2019.
9 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem

jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 53.


10 Ibidem, p. 54.
11 Ibidem.
12 Ibidem, p. 55.

14
coletivo. Só assim pode-se começar a considerar uma lei geral que estabeleça uma
tutela jurisdicional a todos.
A releitura destes conceitos aplica mudanças substanciais em diversas áreas
da física, chegando a ultrapassá-la, e a atingir as diversas outras ciências como as
ciências humanas. Apesar de que, não exclui o que a física tradicional acrescentou à
nossa compreensão de universo, visto que se trata de uma observação que se
manifesta no macrocosmo, mas só pode ser observada com mais apuro,
exclusivamente, no microcosmo.

2.2 – O Ser e o Movimento


Conforme demonstrado pelo autor, fora descoberto um dualismo onda-
partícula no interior das partículas elementares, situação impossível de ser
observada por objetos macros, com os quais estamos habituados a lidar.
Atualmente, não restam mais dúvidas de que todas as partículas elementares são
corpúsculo e ondas concomitantemente.
Em complementação, conforme salienta o autor, a ciência vem
acompanhando essa mudança completa de paradigmas: “E a convicção, que se vai
progressivamente firmando na ciência, é a de que esse dualismo existe em todas as
coisas do Mundo, desde as partículas elementares do Microcosmo até as estrelas
da Metagaláxia”13. Ou seja, a ideia da dualidade entre energia e matéria, ou onda e
corpúsculo, já está sendo observada como fundamento primordial em todas as
coisas do Cosmos. Entre todas as coisas, presente estão os seres humanos.
De mais a mais, a característica ondulatória da matéria somente se manifesta
em local onde as velocidades são imensas, sendo que, nenhum objeto com o qual
nos deparamos na vida comum consegue atingir velocidade suficiente para alcançar
tal imensidão, sendo uma característica exclusiva das micropartículas.
Logo, no sentido estrito, o ser humano, matéria que é, também se movimenta
e seu movimento é direcionado a buscar seu interesse particular em seu sistema de
referência. Seu movimento expressa-se por sua paixão.
Desta forma, o movimento apresenta-se como um elemento constitutivo das
partículas elementares, sendo que o movimento deixa de ser uma característica do
ser para se tornar um componente essencial do ser. Neste enredo, surge a

13 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 58.
15
necessidade de se adentrar nos conceitos propriamente ditos de, ser e movimento,
sob a ótica da mecânica quântica.
Salienta o autor que, ao nos depararmos com os estudos sobre o movimento,
é verificável que todo ser é um movente14. Isto porque o movimento é o modo de
existência da matéria, pois esta é detentora de uma estrutura de micropartícula
móvel e flexível.
Desta forma, a argumentação de que o movimento é anterior ao ser, torna-se
uma argumentação incorreta, como salienta o autor:
Sustentar que o movimento precede o ser é sustentar que aquilo que se
movimenta não é, ou seja, que o que é não é. Ora, isto constitui negação do
princípio da identidade, e é um absurdo. Em consequência, o que podemos
afirmar, de acordo com a evidência, é que o ser suporta o movimento.15

Portanto, resta ilusória, a intenção de buscar colocar o movimento em


condição anterior ao ser, visto que só se movimenta aquilo que realmente é, sendo
que o que não-é, não existe, e, consequentemente, não se movimenta. No entanto,
tal conclusão deve ser enunciada com extrema cautela, visto que, após a descoberta
da física moderna, revela-se que a micropartícula é corpúsculo e onda.
Demonstra ainda o autor, que os movimentos podem ser de transporte16
(movimento local) ou de transformação17 (movimento qualitativo ou quantitativo).
Sendo que, o movimento de transporte pode ser caracterizado como um movimento
exterior ao ser, que o transporta, mas não o modifica em seu interior. Ao passo em
que o de transformação se caracteriza por ser a mudança interna do ser, fazendo
este se tornar outro ser, ocorre, na realidade, uma alteração da essência do Ser, que
se torna diferente do ser que ele era.

14 “Todas as coisas, em verdade, estão em movimento. Todo ser é um movente. O movimento é o


que há de absoluto no Mundo.
Ao estudar o movimento, verificamos, antes de tudo, que o movimento é sempre movimento de um
ser. Não se compreende um movimento sem um ser que se movimente. Logo o ser e o movimento
são concomitantes.” TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o
fundamento da ordem jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 60.
15 Ibidem.
16 “Quando um ser passa de um local para outro, o movimento que o transporta não o modifica no

que ele é, em si próprio. Não o transforma. Tal movimento exterior se denomina movimento local.”
Ibidem.
17 “Quando um ser é modificado no que ele é em si próprio, tornando-se diferente do que era

(tornando-se outro, mas não um outro) o movimento, que o transforma, verifica-se no interior dele.
Chama-se movimento qualitativo, se a mudança é de qualidade. Chama-se movimento quantitativo,
se a mudança é de quantidade.” Ibidem, p. 60-61.
16
O movimento de transformação pode ocorrer de duas maneiras distintas,
pode ser movimento qualitativo ou quantitativo18. O movimento qualitativo, ou a
alteração, pode ainda ser acidental ou substancial, ora vejamos sua exposição:
A alteração, movimento qualitativo, é alteração acidental, quando não
implica transformação da substância do ser que se movimenta. (...) A
alteração é substancial quando uma substância se transforma em outra
especificamente diferente.19

Ou seja, a alteração acidental, ou movimento qualitativo acidental, não implica


na transformação da essência do ser que se movimenta, que continua sendo o
mesmo ser que era antes. A título exemplificativo, podemos utilizar a alteração da
forma de determinada substância líquida para outro estado (quer seja gasoso, quer
seja sólido), como a água, que pode apresentar-se na forma líquida, gasosa ou
sólida, mas continua sendo água.
Já a alteração substancial, ou movimento qualitativo substancial, implica,
necessariamente, na alteração da essência do ser que se movimenta e passa a se
tornar outro ser, diferente daquele que era antes.
Por exemplo, um papel no qual haja um contrato de aluguel transcrito, mas
não assinado, e, consequentemente, sem valor; porém, no ato de assinatura das
partes contratadas, passa a exercer valor jurídico. Percebe-se que antes da
assinatura das partes contratadas, o referido “contrato” não passa de mero papel,
sem qualquer valor jurídico, podendo ser confundido, inclusive, com uma folha de
rascunho. Conquanto que, no ato de assinatura das partes contratadas, o “pedaço
de papel” se transforma em um contrato jurídico, e passa a exercer um vínculo
jurídico entre as partes contratadas.
No entanto, aduz o autor que intricadas dificuldades surgem no momento em
que se pretende explicar, cientificamente, como se verifica o movimento.
Isto, porque, facilmente é passível de identificação o movimento visível,
conforme assevera o autor: “Sabemos que há movimento quando andamos, quando
conversamos, quando escrevemos. Sabemos que há movimento num vôo de
pássaro, na passagem de uma nuvem, na queda de um corpo”. Todavia, o
movimento visto apenas em experiência, é de difícil aprendizado no âmbito da
inteligência. Explica ele que:

18 “O movimento qualitativo é, propriamente, alteração. O movimento quantitativo é aumentação ou


crescimento, diminuição ou decrescimento”. TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico.
Ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 61.
19 Ibidem.

17
Merece atenção a velha teoria dos metafísicos sobre este assunto.
Como, a que título, pergunta os metafísicos, pode um ser se transportar ou
se transformar? Será, acaso, em virtude do que ele é? Não, evidentemente,
porque um ser, que é isto ou aquilo, é o que é, e já é tudo o que é. No que
ele é, pois, não está nenhuma razão para que ele venha a ser: ele já é. Uma
estátua já feita não é uma estátua a ser feita, disse Aristóteles.
Será, então, em virtude do que ele não é? Também não, evidentemente,
porque ‘não ser isto ou aquilo’ é uma pura negação, e uma pura negação é
igual a nada. Ora, do nada, nada se faz. Um bloco de mármore não é uma
estátua. Esta negação ou privação da forma da estátua não poderá fazer
uma estátua, do bloco de mármore.20

Em outras palavras, pode-se evidenciar que a explicação apropriada do


movimento não está em sua causa eficiente e sim em sua natureza.
A partir do pressuposto de que as presenças ser e movente são sinônimas21,
o autor chegou à conclusão de que todo movente se move para alcançar um fim:
“Os escoláticos dizem que omne agens agit propter finem, todo ser age por causa do
fim, e que sustentar o contrário do que se afirma nessa axioma seria cair no
absurdo22”. Pois bem, caso os moventes se movessem ao acaso, sem fim
determinado, o universo não teria ordem alguma, sendo que sua diversidade na
unidade seria impossível23.
Este, portanto, é o motivo pelo qual todo ser é dotado de um determinado
apetite, uma tendência do próprio movente para atingir determinado fim24. Esse ato
de conseguir atingir determinado fim, de saciar o apetite do ser, nas palavras do
autor, é precisamente o efeito de que os seres são causa. Em suas palavras:
A consecução dos fins ou bens para que os seres tendem é, precisamente,
o efeito de que os seres são causa. O hidrogênio, por exemplo, tende para
o oxigênio e procura unir-se a ele. Uma vez conseguida essa união, produz-
se a água, que é o efeito do hidrogênio e do oxigênio com seus respectivos
apetites e tendências. O ser é causa por força de suas tendências. O efeito
sempre é satisfação de um apetite. A relação entre causa e efeito é relação
entre o apetite e sua respectiva satisfação25.

20 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 61-62.
21 “Segundo os metafísicos, nenhuma explicação do movimento é satisfatória se não se fundar no

próprio conceito do ser. Não há movimento sem ser que se movimente; não há movimento sem o ser
que o suporte. O movimento é do ser. Logo, só pode ser explicado pelo ser. As palavras ser e
movente são sinônimas. Jamais se saberá, portanto, o que é o movimento se se for buscar fora do
movente, fora do ser, a razão do movimento”. Ibidem, p. 63.
22 Ibidem.
23 “Negar o princípio da finalidade é negar o Cosmos”. Ibidem.
24 “Este é o motivo pelo qual os metafísicos afirmam que, na raiz de todo movimento, está o apetite, a

inclinação, a tendência do próprio movente. É para ‘saciar seu apetite’ que o ser se movimenta.
Omne esse sequitur appetitus, todo ser segue seu apetite”. Ibidem.
25 Ibidem, p. 63-64.

18
Assim, assegura o autor que um efeito sempre vai ser o contentamento de um
determinado apetite, sendo que o apetite é estabelecido em consonância com a
natureza do ser, em que o apetite se apresenta26. Assim sendo, continua o autor
que, há de se considerar o apetite não como propriedade do ser já feito, mas como
tendência para um ser futuro e possível, que também é o ser.
Igualmente, as possibilidades do ser se tornar outro, faz parte de sua
natureza, pois conforme salienta o autor, cada poder ou possibilidade de se tornar
outro, que existem dentro do ser, são aptidões para ser, um poder ser. São as
denominadas potências27, ativas (ou faculdades) ou passivas28.
Tais considerações resultam na divisão dos seres29 em duas vertentes: i)
Seres em potência (sentido não pleno de ser); ii) Seres em ato (sentido pleno de
ser). Ao analisar o Ser em potência, salienta o autor que os metafísicos observam
que este ser é uma realidade relativa, porque ele é “o próprio ser que será enquanto
ainda não é30”:
Observam os metafísicos que o ser em potência não é uma realidade
absoluta. Dele não se pode fazer nem sequer uma imagem. Não se pense
que ele seja algum ser incerto e vago, algum esboço ou gérmen da coisa. O
ser em potência é absolutamente nada de feito, nada se fazendo. Não tem
nenhuma realidade em si. A sua realidade lhe advém, exclusivamente, de
sua relação com o ser que ele será31.

Assevera o autor que, a realidade relativa do ser em potência não deve ser
compreendida como uma ficção de espírito. Os poderes dos seres são reais, ora
vejamos: “Em virtude de suas próprias naturezas, a bola tem um real poder de rolar;

26 “Num sentido amplo, os metafísicos dizem que os apetites são as aptidões, as capacidades de uma
natureza, sejam elas ativas ou passivas. Nesta lata acepção, é apetite tanto o apetite ativo dos olhos
pela visão, da asa pelo voo, da planta pela chuva, do animal pelo alimento, do homem pelo livro,
como o apetite passivo do mármore pela forma de estátua”. TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O
Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 64.
27“O apetite ou poder, considerado como propriedade de um ser, é potência desse ser. Mas,

considerado em relação ao efeito, que sua satisfação produziria, é um ser em potência: é o efeito que
ainda não é, mas que pode ser. Assim, o poder da semente de se fazer árvore é potência da
semente. Mas esse mesmo poder, considerado como árvore (que ainda não é, mas pode ser), é a
árvore em potência.” Ibidem, p. 65.
28 “As potências ativas são as que dispõem os seres para a ação, e se chamam faculdades. As

potências passivas são aptidões de receber formas que determinam os seres.” Ibidem.
29 “As considerações que vêm de ser feitas levam os metafísicos à grande divisão dos seres.

Dividem-se os seres em:


1. Seres que não são seres no sentido pleno do termo, mas que também não são nada; são alguma
coisa: são aptidão, possibilidade, poder-ser.
2. Seres que são seres, no sentido pleno do termo.” Ibidem.
30 “O ser em potência e o ser em ato constituem dois tempos da mesma realidade, e não duas coisas

de espécies diferentes. Mas o ser em potência só é realidade enquanto potência de se tornar ser em
ato. Daí o velho axioma: potentia dicitur ad actum, a potência se define em razão do ato.” Ibidem, p.
65-66.
31 Ibidem, p. 66.

19
o ferro, de se aquecer; a semente, um real poder de ser árvore (...) 32”. Portanto,
conclui o autor que, é indiscutível a existência da potência dos seres33.
Noutro lado, ao analisar o ser em ato, o autor demonstra que os seres em ato
são os seres principais, visto que, em sua ausência, nenhum ser existe. Sendo que
é incontestável, a afirmação de que a passagem de uma potência para ato requer
um ser em ato.
Há de se ressaltar que a palavra ato, aqui empregada, está no sentido de ato-
ser34, ou seja, no sentido do ser perfeito, concluído na sua ordem. Dessa maneira,
aduz o autor que o ser em ato é o ser que encontrou a perfeição35, não uma
perfeição absoluta, mas a perfeição no sentido de o ser encontrar o seu estado
concluído, no interior da ordem ou categoria a qual ele pertence.
Contudo, devemos ter em mente que o ser em ato está misturado com o ser
em potência, porque, conforme já dito, o ser perfeito, além de ser aquilo o que ele é,
é também, aquilo que ele pode ser, é também um conjunto de poderes ou aptidões.
Ou seja, todo ser é vulnerável à mudança, tendo a aptidão de se tornar diferente
daquilo que ele é.
Assim como as micropartículas, que são dotadas da dualidade onda-partícula,
os seres são dotados da dualidade ato-potência ou perfeição-imperfeição. Sendo
que estes princípios (ato e potência ou perfeição e imperfeição) são princípios
intrínsecos do ser:
Estes dois princípios – ato e potência, perfeição e imperfeição – são
coprincípios do ser em ato. Mas, note-se, não são causas eficientes do ser;
não são princípios extrínsecos de espécie alguma. São, isto sim, princípios
que, pela sua união, compõem o que o ser é. São princípios intrínsecos do
ser36.

32 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 66.
33 “Se existem, podem ser considerados não apenas como propriedades do ser, mas como seres.

Ora, como seres, são seres em potência. Logo,os seres em potência, longe de serem meras ficções
do espírito, prendem-se à própria natureza das coisas. Se não se prendessem à própria natureza das
coisas, os poderes de uma coisa seriam coisas quaisquer em potência. Mas isto não é assim. O ferro
é, em potência, estátua, mesa, cama, mas não é, de forma alguma, homem, peixe, flor”. Ibidem.
34 “A palavra ato (do latim, actio) é a tradução de duas palavras gregas, criadas por Aristóteles

(Metafísica, IX, c, 3, 1047a, 32). A primeira significa ação, operação, ato de agir ou fazer. A segunda
designa o ser, mas o ser feito, perfeito, isto é, concluído na sua ordem, na sua categoria; designa, em
suma, o ser que se opõe ao ser em potência. No seu primeiro sentido, a palavra ato significa ato-
ação; no segundo, ato-ser”. Ibidem.
35 “A palavra perfeição deriva do adjetivo latino perfectus, a, um, que designa, como já dissemos, a

qualidade do que está concluído, acabado, completo. Perfectum é o particípio passado do verbo
perficere, que significa terminar, concluir, acabar de fazer”. Ibidem, p. 67.
36 Ibidem, p. 68.

20
Interessante perceber que dois ramos da ciência, completamente opostos
entre si, Física e Metafísica, sendo que o primeiro prioriza pelos resultados e dados
empíricos, no passo em que o outro menospreza o empirismo, alcançaram o mesmo
ponto, por caminhos diversos (a dualidade das micropartículas e dos seres). Ao
passo em que, a análise objetiva das dualidades metafísicas e físicas permitem uma
compreensão maior do todo, e confirma, empiricamente, aquilo que se pensou,
abstratamente.
Sendo cediço que um movimento livre é uma ação determinada pela
manifestação da vontade, conforme salienta o autor, há de se averiguar que a
manifestação da vontade, nada mais é do que um julgamento da inteligência, mas
um julgamento daquilo que é bom. Portanto, a vontade é movida pela inteligência,
mas, a inteligência só pode julgar os objetos dos quais ela detém conhecimento. Por
isso, esses objetos, que atuam como estímulos da inteligência, colocam em
movimento a inteligência e a vontade, sendo eles quem determinam a execução do
ato voluntário ou livre37.
Os metafísicos consideram confirmada, desta maneira, a asserção de que o
mais espontâneo dos movimentos só se verifica em virtude de uma causa
distinta do ser que se move38.

Tendo em vista que o movimento, para os metafísicos, conforme assevera o


autor, é a passagem do ser em potência para o ser em ato, sendo que todo
movimento é um perfazimento do ser que se movimenta, há de se concluir que todo
o movimento tende, imperiosamente, para a perfeição dentro da ordem ou categoria
a que pertence o ser em movimento39.
Neste enredo, dada a situação de que todas as coisas do Universo se
encontram em contínuo movimento, por causa da movimentação inquietante das
partículas elementares, conclui-se que todas as coisas tendem ao movimento para a
sua perfeição, de forma que aduz o autor que: “Cada coisa aspira o domínio das
formas que a dominam40”, sendo que, continua asseverando que, no perfazimento

37 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 71.
38 Ibidem.
39 “O ferro, uma vez quente, é ferro quente perfeito, relativamente ao ferro quente em potência,

existente no ferro frio”. Ibidem, p. 72.


40 Ibidem.

21
dos seres é que reside a causa do desenvolvimento41 das coisas, onde o novo
substitui o velho, em todos os reinos da natureza.

2.3 – Características Peculiares das Micropartículas


Quanto às características peculiares das micropartículas, apresentadas pelo
autor, cediço é que as micropartículas se comportam de maneira singular, porque
estão em altíssimas velocidades num movimento ondulatório contínuo.
O autor apresenta um experimento bastante famoso, já citado aqui42, do qual
ao se realizar algumas alterações, perceber-se-á que coisas interessantes passam a
acontecer com o feixe de elétron. Se for posta uma barreira com um pequeno orifício
circular, entre a fonte geradora de elétrons e o cristal, o feixe de elétrons adquirirá
diâmetro certo e definido para poder passar pelo orifício. O feixe de elétrons, já com
diâmetro certo, cairá sobre o cristal, sofrerá difratação e refletirá sobre a chapa
fotográfica43.
Outras precisas experiências em laboratório demonstraram que o
comportamento dos elétrons, após difratados, se dá de maneira completamente
aleatória, sem ordem aparente, visto que atingem a chapa fotográfica em vários
pontos diferentes, inclusive fora do círculo que aparece na chapa fotográfica, o qual
representa a projeção do pequeno orifício pelo qual os elétrons passaram.
Deste modo, é perceptível que inúmeras dificuldades aparecem quando
tentamos prever em qual local o elétron irá incidir sobre a chapa fotográfica, o que
demonstra uma incongruência das leis da mecânica clássica, visto que os elétrons a
acertam em pontos diversificados, sem qualquer ordem aparente, conforme
assevera o autor:
Este é um fato realmente notável. O que nele mais surpreende é que cada
elétron parece manifestar suas propriedades como se tivesse vontade
própria, como se fosse livre. Pois, em verdade, é impossível prever em que
ponto o elétron incidirá sobre a chapa fotográfica 44.

Conquanto, demonstra o autor, que, caso a experiência com o feixe retardado


de elétrons, não seja interrompida em seu início, em sede de que permita que uma
41 “Da luta entre as tendências contrárias, resulta o desaparecimento de coisas velhas e o surgimento
de coisas novas. Lenin dizia que ‘ o desenvolvimento é a luta dos contrários’ (Obras, Tomo 38, p.
150, da 4ª edição russa)”. TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o
fundamento da ordem jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 73
42 Refiro-me à experiência de de Broglie. Para mais informações, verificar nota de rodapé número 8.
43 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem

jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 76.


44 Ibidem, p. 77.

22
quantidade grande de elétrons atinjam, já difratados, a chapa fotográfica, a já
conhecida imagens dos círculos concêntricos, alternadamente claros e escuros,
aparecerá na chapa. Dessa forma, por mais que, nessa experiência, os elétrons
aparentam estar sendo movidos à esmo, sem qualquer ordem aparente, a exposição
demorada revela que não é isso que ocorre, sendo que há o aparecimento dos
círculos claros e escuros, que representam os anéis de difração dos elétrons.
Uma análise desta imagem revela dois fatos. Primeiro: há regiões da chapa
que os elétrons não tocam; são as regiões dos anéis claros. Segundo: as
regiões marcadas pelos elétrons, que são as dos anéis escuros, não se
enevoam de maneira uniforme, havendo anéis mais escuros mais escuros
do que outros. Tais fatos denotam o grau ‘preferência’ dos elétrons por esta
ou aquela região da chapa. Há regiões que não são atingidas: as dos anéis
claros. Das regiões atingidas, umas os são mais do que as outras. As
regiões dos anéis escuros são, evidentemente, as regiões mais atingidas
pelos elétrons.45

Por isto, podemos compreender que os elétrons não se comportam em


conformidade com as leis da Física Clássica, sendo que o seu comportamento se
desenvolve em conformidade com as leis da probabilidade46. Neste enredo, aduz o
autor que, as leis de probabilidade são universais47, ou seja, não se aplicam
somente aos elétrons, mas sim, para todas as partículas elementares da matéria,
ademais, a física quântica não poderá indicar, com certeza absoluta, o local de
incidência dos elétrons na chapa fotográfica, quando estes estiverem difratados,
apenas podendo realizar cálculos de probabilidades:
A física moderna não anunciará jamais que um elétron ou um determinado
grupo de elétrons incidirá num determinado ponto da chapa fotográfica.
Dirá, isto sim, que não sabe onde um elétron ou determinado grupo de
elétrons irá incidir, mas que um elétron ou um grupo de elétrons tem uma
probabilidade igual a x% de incidir na região do anel 1; uma probabilidade
igual a y% de incidir na região do anel 2; uma probabilidade igual a z% de
incidir na região do anel 3, e assim por diante; e que há uma probabilidade
igual a zero por cento de incidir na região dos anéis claros.48

Por este motivo, salienta o autor que, do interior da matéria bruta, uma forma
desconhecida de liberdade parece ser originada pelo “indeterminismo operacional
dos corpúsculos quânticos”. Significa dizer que o fato de não podermos determinar o

45 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 78.
46 “A imagem demonstra, realmente, que o número de incidências nos diversos anéis escuros não é

um número constante. É um número que vai diminuindo à medida que os anéis vão se tornando
menos escuros, sendo certo que os anéis vão se tornando menos escuros à medida que seus
diâmetros aumentam. Quanto maior o anel (quanto mais distante do centro, quanto menos escuro),
menor é o número de incidências sobre ele”. Ibidem.
47 “Reveladoras experiências provam que tais leis são rigorosamente universais. Não são leis apenas

dos elétrons, mas leis de todas as micropartículas da matéria”. Ibidem, p. 79.


48 Ibidem, p. 78.

23
caminho escolhido pela partícula elementar difratada, é a indicação de sua
misteriosa liberdade.
Enfatiza o autor que, só podemos conhecer as partículas elementares depois
de observamos o seu comportamento, em diversas interações distintas. Por causa
dessas interações e de suas mútuas influências, as micropartículas da matéria se
organizam em grupos com propriedades determinadas, que se denominam
átomos49.
Sendo a complexidade uma condicionante da variedade de um ser, pode-se
compreender, conforme salienta o autor, que quanto mais complexo for um ser, mais
variadas serão as suas possibilidades de manifestação. Tendo em vista o número de
reações e de aprendizado acumulado existente em cada ser, contidos em suas
células nervosas50, resta a necessidade de se entender um pouco mais sobre a
liberdade humana, que se manifesta no ato de escolha de cada ser humano.

3 – DA TEORIA QUÂNTICA E SUA RELAÇÃO COM O DIREITO


Demonstrados as bases e os contornos da mecânica quântica, necessário se
faz adentrar, para dar sequência a este trabalho, na relação entre a Mecânica
Quântica e o Direito. O autor apresenta uma nova interpretação para os conceitos de
lei, norma, direito objetivo e direito subjetivo, que são conceitualizados na
perspectiva da harmonização do Universo, Macro e Microcósmico.
Para o Direito Quântico, as sociedades são complexas estruturas de seres.
São verdadeiras associações e movimentos dos moventes que por isso não podem
ser compreendidos como individuais, tendo em vista que tudo aquilo que está em
contínuo movimento, está em incessante mudança, não sendo dotados de
estabilidade suficiente para se permanecer e perdurar estático.51
Conforme demonstra o autor, acreditar-se na existência dos seres, sem os
considerar como estruturas de outros seres, como conjunto ordenado destes que os
constituem, é cair em erro, ora vejamos:
Em verdade, os seres, de que as armações ou as estruturas se constituem,
não podem existir realmente, e o motivo é simples: tais seres se acham em
contínuo movimento. Todos os seres conhecidos se movem sem parada.

49 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 81.
50 “Em todos os animais pluricelulares, exceto nas esponjas, formaram-se células especializadas nas

funções de percepção dos objetos e de reação às manifestações do meio ambiente. Tais células são
chamadas células nervosas ou neurônios”. Ibidem.
51 Ibidem, p. 181-184.

24
Ora, movimento é mudança, mover-se é mudar. O que se acha em contínuo
movimento, muda continuamente. Em consequência (como tem sido
assinalado por pensadores diversos), nenhum ser individual pode existir,
pode ser o que é, pois no momento o que é o que é, já não é mais o que
era, não é mais o mesmo porque mudou, passou a ser outro, e, portanto, já
não existe como era. E este outro, como ser individual, não tem tempo de
existir, porque, no mesmo instante em que começa a existir, já não é mais
ele próprio, já mudou, passou a ser outro52.

Tendo isso em vista, é passível alcançar o entendimento de que a estrutura é


a condição da existência dos seres. Pode-se dizer que as estruturas reúnem num
conjunto ordenado, duradouro e contínuo, portanto estável, os seres mutantes e
descontínuos, que as constituem, conforme demonstra o autor:
Um átomo é uma estrutura, uma armação estável, dentro da qual se agita
uma constelação de movimentadas micropartículas. Um grão de areia, uma
estrela, um vegetal, um homem são estruturas estáveis, dentro das quais se
movem os mais diversos componentes mutantes 53.

Conquanto, salienta o autor que a estabilidade das estruturas é dependente


do equilíbrio de forças e da harmonia dos movimentos de seus elementos
constitutivos, ou seja, no interior das estruturas há uma exata quantificação de seus
elementos componentes e dos movimentos que a constituem. Por esta razão, é
imperioso evidenciar que: “os elementos de uma estrutura e seus respectivos
movimentos são quânticos, isto é, são quantificados, em razão da natureza da
própria estrutura54”.
Diante disso, uma sociedade só pode existir realmente, se estiver presente
em seu núcleo organizador todos os movimentos e elementos que a constituem,
para que se possa realizar um real equilíbrio quântico dos seres que a formam,
sendo que uma sociedade em que haja desequilíbrio das forças e das harmonias
está fadada à morte.55
Diante tal constatação, assevera o autor que toda a existência (dos vivos e
dos não vivos; do animal, do vegetal, do mineral) tem por condição a estrutura.

52 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 183.
53 Ibidem, p. 184.
54 Ibidem, p. 184.
55 “Fácil seria demonstrar que as chamadas causas da morte – velhice, moléstias, lesões, traumas –

sempre são processos, lentos ou rápidos, por vezes instantâneos, de rompimento da unidade
estrutural do organismo vivo. Durante a atuação das referidas causas, a estrutura vai sendo aluída
por pressões anormais e por desgaste dos nexos entre suas partes e componentes. Desequilibram-
se as forças em conflito, no seu interior. Quebra-se a harmonia quântica, da qual sua vida era
manifesta expressão. Como consequência desse progressivo desmantelo, a morte vem chegando e,
afinal, se instala.” Ibidem, p. 187-188.
25
Significa dizer que todo ser existente é uma real harmonia quântica que resulta em
uma “disposição certa de seres56”.
Tal disposição certa de seres pode ser aludida como uma disposição
ordenada, sendo que “o Universo, tido como um conjunto de todas as coisas
existentes, só pode ser considerado como um todo ordenado”57. Neste sentido a
desordem é apenas uma falsa compreensão de uma ordem diferente. Uma ordem
que não nos agrada, ou seja, a desordem é uma ordem em desacordo entre a
ordem existente e a nossa ideia de ordem58. Exemplifica o autor, da seguinte
maneira:
É assim [que dizemos], igualmente, que os governantes, em regimes
totalitários, chamam de subversivos e de desordeiros, os adversários da
ordem ditatorial vigente, enquanto estes consideram subversivos os
causadores da desordem, precisamente, aqueles que defendem a ordem
vigente59.

Por esta razão não é incomum encontrar determinado juízo ou forças policiais
que vêem nos bailes funks promovidos nas comunidades do Brasil um motivo para o
“benefício do tráfico de drogas”, sem sequer levar em consideração outros fatores
preponderantes e determinantes de uma cultura que se viu condicionada a conviver
em locais nos quais a mão do Estado só aparece para condenar e limitar.
Para mais, não tão raro é conceituar a relação de amizade entre as pessoas
de determinada comunidade, seja através de mensagens, fotos ou demonstrações
públicas de afeto, como uma possível exaltação ao tráfico, conforme aduzido pela
Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que condenou
um DJ organizador de bailes funks, na cidade do Rio de Janeiro, por associação ao
tráfico de entorpecentes60.
Continua mostrando o autor, que o fato de se concluir que tudo está em
ordem, não significa dizer que tudo é normal, a dizer: “A ordem não se confunde

56 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 188.
57 Ibidem.
58 “O que a realidade nos ensina é que tudo quanto chamamos de ‘desordem’ compreende dois

elementos, a saber: 1. fora de nós, uma ordem (criada pela vontade humana ou resultante do
determinismo físico); 2. dentro de nós, a representação ou ideia de ordem, diferente da primeira, mas
que é a que nos interessa. (...) A desordem, portanto, é composta de duas ordens: uma, objetiva;
outra, subjetiva.”. Ibidem, p. 192
59 Ibidem, p. 193.
60 Confira os motivos que levaram desembargadores a determinar a prisão de Rennan da Penha. Por

Jornal O Dia, 2019. Disponível em: <https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2019/03/5629950-confira-os-


motivos-que-levaram-desembargadores-a-determinar-prisao-de-rennan-da-penha.html#foto=1>.
Acesso em 2 de nov. de 2019.
26
com normalidade. Ordens existem que não são normais”61. Sendo que as ordens
normais62 são aquelas ajustadas a padrões e modelos condizentes com as
concepções dominantes sobre o que deve e não deve ser feito, ao passo em que, as
ordens anormais63 são aquelas que conflitam com persuasões generalizadas, ou
com aspirações comuns.
Dessa forma, há de se levar em consideração o que o Estado-juiz brasileiro
considera como normalidade64, e se é de fato a real normalidade do Estado
brasileiro, um país marcado pela desigualdade social, discriminação racial e
preconceito social epigeneticamente65 inseridos no DNA das pessoas. Sendo certo
que o Brasil é um país que se ergueu sobre um sistema escravagista e cruel, que
compreendia, e ainda compreende, os negros e escravizados como uma subespécie
da espécie humana66.
Conforme já vimos, a estrutura depende, exclusivamente, da harmonia dos
movimentos e dos equilíbrios das forças dos elementos que a constituem, sendo

61 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 193.
62 “Normal é a qualidade do procedimento ou do estado não extravagante, não contrário às referidas

concepções dominantes, ou seja, a qualidade do procedimento ou estado que se ajusta com padrões
éticos e modelos assentados, ou com persuasões da ciência sobre os movimentos e os modos das
coisas, no mundo físico.” Ibidem, p. 194
63 “Anormal é a qualidade do insólito, do incongruente com as referidas concepções, incompatível

com o que se acha firmado e estabelecido como padrão e modelo de comportamento e modo de ser,
ou colidente com as ‘certezas’ científicas sobre os movimentos e formas em geral”. Ibidem.
64 “Dá-se o nome de normalidade ao estado (a maneira de ser estável) que se caracteriza pela

predominância de procedimentos normais. É o estado do corpo ou da mente, de um átomo ou de


uma galáxia, de um agrupamento social ou de uma nação, em que os procedimentos não contrariam
as convicções dominantes sobre como as coisas devem ser, podem ser, ou como as coisas são
necessariamente”. Ibidem, p. 195.
65 “A epigenética é definida como modificações do genoma que são herdadas pelas próximas

gerações, mas que não alteram a sequência do DNA. Por muitos anos, considerou-se que os genes
eram os únicos responsáveis por passar as características biológicas de uma geração à outra.
Entretanto, esse conceito tem mudado e hoje os cientista sabem que variações não-genéticas (ou
epigenéticas) adquiridas durante a vida de um organismo podem frequentemente serem passadas
aos seus descendentes. (...) Existem evidencias científicas mostrando que hábitos da vida e o
ambiente social em que uma pessoa está inserida podem modificar o funcionamento de seus genes”.
FANTAPPIÉ, Marcelo. Epigenética e Memória Celular. Artigo disponível em:
<http://revistacarbono.com/artigos/03-epigenetica-e-memoria-celular-marcelofantappie/>. Acesso em
2 de nov. de 2019.
66 Raimundo Nina Rodrigues discutindo sobre a “realidade da inferioridade social dos negros”,
argumenta que alguns autores acreditavam que os negros eram inferiores dado o fato de que a sua
constituição orgânica, modelada pelo habitat físico e moral em que se desenvolveram, não
comportava uma adaptação à civilização das raças superiores, tendo em vista a ossificação precoce
das suturas cranianas que impediam o desenvolvimento do cérebro negro, resultando em uma
incapacidade revelada pelos negros, em todo o período histórico, para assimilar as civilizações dos
povos com quem mantinham contato e para criar uma cultura própria. Mais sobre o tema pode ser
encontrado em: RODRIGUES, Raimundo Nina. Os Africanos no Brasil. São Paulo: Poeteiro Editor
Digital – Projeto Livro Livre. 2016, p. 226-227.
27
que, uma estrutura que não considera os elementos que a constituem, está fadada à
morte. Dessa forma, um Estado que não compreenda os movimentos e que não
promova o real equilíbrio das forças quânticas que o compõe, está destinado a ser
um Estado falho. Que a qualquer momento pode estourar-se em uma ruptura social
que resulte em um conflito civil que o condene à morte.
Neste enredo, salienta o autor que, em determinado grupo social ou em uma
sociedade inteira, as convicções generalizadas sobre o que é bom e mau, sobre o
que é conveniente e inconveniente, sobre o que é belo e feio, se articulam, de
maneira espontânea. Umas com as outras, resultando na possibilidade da vigência
simultânea de todas, sem as contradições que redundariam em sua recíproca
anulação. Resultando em um sistema de referência67 onde os comportamentos são
julgados normais ou anormais.
Conquanto, tais convicções generalizadas não são unânimes entre os
elementos quânticos constituintes da estrutura social. O que deságua em um real
conflito de convicções e de sistemas de referências. Em decorrência do conflito
entre sistemas de referências, em busca da manutenção e defesa de um
determinado sistema de convicções, tido como fundamental e dominante, toda a
sociedade se abastece de uma aparelhagem especializada. No qual a sua
constituição e funcionamento são dependentes da cultura do meio em que ela está
inserida.
Conforme elucida o autor, a força é sempre posta em serviço dessa
aparelhagem e a serviço do sistema de convicções tido como dominante. Porém, o
sistema dominante sempre se encontra ameaçado, quer seja pela pressão dos
interesses não atendidos, quer seja pela renovação dos ideais de equidade de
perfeição. Por esta razão, salienta o autor, que a força é o único recurso capaz de
assegurar a permanência do sistema dominante, ainda que este esteja em
desacordo com as convicções de seus elementos quânticos68.

67 Por sistema de referência se entende um universo cognitivo, um conjunto ordenado de


conhecimentos, uma estrutura cultural capaz de conferir sentido a conhecimentos particulares, sendo
este sistema a condição do conhecimento. Nas palavras de Telles Júnior: “Tal sistema é, ele próprio,
um conhecimento: um conhecimento global. É um universo de conhecimentos. E este universo
cognitivo é produto de muitas causas. É produto de legado genético, aprendizagem, experiência. É
produto também, de perspectivas ocasionais e de situações fortuitas.” TELLES JUNIOR, Goffredo da
Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p.
222.
68 Ibidem, p. 199.

28
Por isto, o autor demonstra que o “normal” e o “anormal” não podem ser
considerados como qualidades absolutas, como estruturas permanentes e estáveis
de determinada sociedade, ora vejamos:
O normal é normal relativamente ao sistema de convicções tido como
dominante; mas o anormal é, muitas vezes, normal, relativamente, a um
sistema de convicções que hoje ainda não é o sistema dominante, mas que
amanhã poderá vir a sê-lo69.

Por esse motivo é que a união de pessoas para se divertirem em bailes funks,
rodas de duelos de MC’s, campeonatos de skates, ou, até mesmo a constituição
física de determinado ser humano, podem ser compreendidas como condutas
anormais, e que devem ser repreendidas pelo uso da força, quando comparadas
com o sistema de convicções dominante, que não reconhece essas e outras formas
culturais. Assim como, as expressões e traços físicos de determinados seres vivos,
como elementos quânticos constitutivos de sua estrutura social.

3.1 – A Norma Jurídica


Conforme apresenta o autor, a norma jurídica70 deve ser compreendida como
“imperativo autorizante”, sendo que se define por imperativo devido ao fato de ser
um “mandamento71”, e por autorizante72 devido ao fato de autorizar a reação contra
a ação que a viola73.
Neste cenário, deve-se compreender que a norma jurídica é um imperativo
normativo, visto que ela é sempre um mandamento incluso em uma ordenação
jurídica vigente. Ademais, convém lembrar, conforme assinala o autor, que:
(...) a ordenação, a que a norma jurídica se vincula necessariamente, não
precisa ser a ordenação do Estado. Toda comunidade possui uma
ordenação normativa própria. (...) Todo grupo social há de manter a sua
normalidade própria, que se resume numa certa disciplina interna. Cada
grupo social possui seu próprio Direito. ora, a qualidade normativa dos

69 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 199.
70 “São normas jurídicas, os mandamentos sobre os movimentos humanos que, em sociedade,

podem ser oficialmente exigidos e oficialmente proibidos. (...) Isto significa que somente são jurídicas,
as normas relativas às interações que a inteligência governante considera necessárias, para que uma
coletividade ou agrupamento humano seja, efetivamente, uma comunidade e, assim, atinja seus
objetivos”. Ibidem, p. 266.
71 “São mandamentos [as normas jurídicas], porque enunciam as ações que devem ser praticadas

sempre que se verificarem as hipóteses para as quais tais normas existem”. Ibidem.
72 “E são autorizantes [as normas jurídicas], porque autorizam os lesados pelo não cumprimento dos

mandamentos expressos nas normas, a exigir que os violadores cumpram esses mesmos
mandamentos”. Ibidem, p. 267.
73 Ibidem, p. 268

29
mandamentos, no interior dos grupos sociais, depende de sua vinculação
com a ordenação desses mesmos grupos 74.

No entanto, a qualidade normativa dos mandamentos dos grupos sociais só


são reconhecidas pelo Estado, em caso de se harmonizarem com a ordenação
estatal, sendo que, do contrário, caso não se harmonizem, o mandamento só será
normativo no interior dos grupos sociais e será um mandamento contrário à
normalidade instituída pelo Estado75.
Noutro lado, a norma jurídica é autorizante graças à autorização que ela dá, a
quem for lesado pela sua violação efetiva ou previsível e iminente, de exercer, pelos
meios legais, ou por movimentos consagrados pela tradição, coação sobre o
violador, com o intuito de fazer cessar, ou de obstar a violação; ou de obter do seu
violador, reparação do dano que a violação causou. Ou ainda, de submetê-lo às
penas da lei, nos casos de crime76.
Isto significa dizer que, se uma pessoa violar uma norma jurídica, a pessoa
que foi lesada pela violação estará autorizada, por intermédio da própria norma que
fora violada, a exigir o cumprimento dela, ou a reparação do dano sofrido, ou a
aplicação da pena ao infrator, conforme demonstra o autor:
Seja, por exemplo, a norma: ‘Pelo contrato de compra e venda, um dos
contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro a
pagar-lhe certo preço e dinheiro’. Se o vendedor não transferir o referido
domínio, ou o comprador não pagar o referido preço, violada estará a norma
citada. Nessa hipótese, o lesado, que tanto pode ser o vendedor como o
comprador, ficará autorizado a exigir o cumprimento da norma infringida (a
transferência do domínio, o pagamento do preço)77.

Para mais, salienta o autor que não se deve ater à ideia de que a norma
jurídica seja atributiva, ou de que a norma jurídica atribui a quem foi lesado pela sua
violação, a faculdade de exigir o cumprimento dela, ou a faculdade de exigir, do seu
violador, a devida reparação pelo dano causado. Isto, por dois motivos essenciais: i)
ela não atribui a faculdade de coagir, porque não é detentora dessa faculdade; ii) ela
não atribui ao lesado a faculdade de coagir, porque ele já é detentor dessa
faculdade por natureza78.

74 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 270.
75 “Por exemplo, uma ordenação para fins ilícitos, por mais que seja normativa no interior da

associação dos infratores, será sempre considerada uma anormalidade, à luz da ordenação do
Estado. Será sempre uma contrafação do Direito.” Ibidem, p. 270.
76 Ibidem, p. 274.
77 Ibidem, p. 275
78 Ibidem, p. 285.

30
Em análise mais detalhada, é passível de percepção de que a norma jurídica
não tem, nela própria, a possibilidade de coagir alguém. Ou seja, levando-se em
consideração que coagir é agir, a norma jurídica não tem a capacidade de coagir,
porque a norma jurídica não age. Se a norma jurídica não tem a faculdade de agir, a
mesma não pode atribuir a alguém uma faculdade que ela não possui.
Da mesma maneira, a faculdade de coagir é uma potência79 própria do ser
humano, independentemente de qualquer norma, ou seja, a coação é uma potência
ativa dos seres humanos. É uma faculdade natural dessa espécie, uma faculdade
que não decorre do Direito, conforme demonstra o autor:
A norma jurídica não atribui ao credor, por exemplo, a faculdade de exigir o
que lhe é devido. Tal faculdade, o credor a possui, com ou sem norma
jurídica. É uma faculdade natural do ser humano, independente de
quaisquer normas. (...) Em suma, a norma jurídica é que autoriza o credor a
exercer coação sobre o devedor, para obter do devedor aquilo a que o
credor tem direito. E essa coação, quando assim autorizada, é ato lícito. É
ato ilícito, quando o credor o pratica sem estar autorizado por meio da
norma jurídica80.

Por estas razões, depreende-se que a norma jurídica não atribui faculdades,
que já são inerentes aos seres humanos. A norma jurídica declara, em nome da
sociedade, que o lesado, para os fins legais, está autorizado a efetivar a sua
faculdade de coagir. Compete à norma jurídica, estritamente, permitir ou proibir o
uso das faculdades humanas.
Reconhecido o seu caráter autorizante, compreende-se que a norma jurídica
é um autorizamento, sendo que, este autorizamento é causa da autorização de que
o lesado é titular. Noutras palavras, a autorização é do lesado e o autorizamento é
da norma81:
Em virtude do autorizamento das normas jurídicas, o lesado pode, com
autorização jurídica, completar sua interação com quem o prejudicou. Após
a ação, violadora da norma, a própria norma, exprimindo um imperativo da
sociedade, autoriza a reação correspondente82.

Há de se entender que a coação é exercida por quem tem a possibilidade de


exercê-la, ou seja, é exercida pelo lesado, por meio dos órgãos competentes do
Estado, ou, quando permitido por lei, por suas próprias mãos. O que deve restar
insípido é que a coação é exercida pelo lesado, e não pela norma jurídica.

79 Verificar nota de rodapé nº 27.


80 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 286
81 Ibidem.
82 Ibidem.

31
O autor aduz que toda pressão recebida por um corpo qualquer, sempre é
realizada por outro corpo, e não por este em si, ora vejamos:
Lembremos que a pressão, sofrida por um corpo qualquer, é sempre
exercida por outro corpo. O que atrai e o que repele um corpo é sempre
outro corpo. Não são as leis, obviamente, que exercem essa pressão. A lei
da gravidade, por exemplo, não atrai nem repele corpo nenhum. O que ela
faz é descrever, sinteticamente, a maneira pela qual a matéria atrai a
matéria83.

Assim, a norma jurídica é apenas uma fórmula verbal que não possui a
potência de coagir ninguém. A coação é, conforme ressalva o autor, um ato que
depende da vontade do lesado, que pode querer, ou não, exercê-la.
Enfatiza o autor que a coação não tem qualquer possibilidade de definir a
norma jurídica, tendo em vista que aquela é um elemento contingente do Direito, ou
seja, a coação só aparece no momento em que a norma jurídica é violada e pode
acontecer de a norma jurídica nunca ser violada, sendo este o estado natural do
Direito. Para mais, ainda que ocorra a violação da norma jurídica, a coação ainda é
contingente, visto que depende da vontade do lesado em exercer a coação, vejamos
sua exposição:
Contingente, duas vezes contingente, é a coação. Contingente, primeiro,
porque depende de haver violação da norma jurídica, e pode esta violação
não se verificar. Inúmeras são as normas jurídicas que não são nunca
violadas. Contingente, também, porque a coação depende de haver vontade
de exercê-la, por parte do lesado, e pode essa vontade não existir.
Inúmeros são os casos em que os lesados abrem mão de sua autorização
de exigir o cumprimento da norma violada84.

Por esse motivo é que se torna impossível, também, definir a norma jurídica
pela coatividade, que, também, é um elemento que não lhe pertence. A coação é um
elemento externo que vem em amparo à norma violada85.
Dessa forma, as normas jurídicas são imperativas porque são fórmulas para o
comportamento humano, são mandamentos pertencentes ao gênero das leis éticas.
Também são autorizantes porque trazem um autorizamento, para o lesado, que
passa a ser autorizado a exercer, por meios legais, a devida coação sobre o violador
da norma jurídica.

3.2 – O Direito Objetivo e o Direito Positivo

83 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 287.
84 Ibidem, p. 289.
85 Ibidem, p. 294.

32
Assevera o autor que, o conjunto de todos os imperativos autorizantes, isto é,
o conjunto de todas as normas jurídicas, estrutura o que se chama de Direito
Objetivo. É denominado de Objetivo, porque é composto de normas, que são objetos
(do latim ob-jectum = o que está colocado diante) aos quais as pessoas se sujeitam.
São objetos para os sujeitos de Direito86.
Inserido no interior do Direito Objetivo, há um grupo de normas que compõem
o Direito Positivo. Por Direito Positivo se entende a parte do Direito Objetivo
composta por “normas ditadas pelos governos políticos da sociedade 87”, ou seja, as
Constituições dos Estados, as leis, os decretos, os tratados internacionais, as
resoluções, os despachos, os regulamentos e mais tantos outros são exemplos das
normas do Direito Positivo.
Necessário se faz compreender que todo o Direito Positivo está incluído no
Direito Objetivo, porém, a maior parte deste não está inserido naquele. A título
exemplificativo salienta o autor o seguinte: “As normas contratuais em geral são
normas jurídicas do Direito Objetivo, mas não constituem normas do Direito
Positivo”.88
Do Direito Objetivo é que depende a “unidade do sistema jurídico nacional”89.
Portanto, a violação de um Direito Objetivo põe em risco todo o sistema jurídico de
determinado Estado, devendo ser rechaçada esse tipo de violação.
Sendo certo que a estrutura social é composta por diversas ordenações
jurídicas, um pluralismo inevitável em virtude da necessária existência de um
pluralismo de agrupamentos humanos que estruturam a sociedade global, é certo
também que a unidade da ordem jurídica depende da harmonização das ordenações
grupais com a ordenação feita das normas ditadas pelos governos políticos da
coletividade.
Continua o autor, argumentando que, não pode ser compreendida como
jurídica a norma contrária ao Direito Positivo dessa mesma sociedade, sendo que tal
norma deve ser considerada inválida90, podendo ser inconstitucional. Para mais, a
violação de norma não jurídica não autoriza o lesado pela violação dela ao se utilizar

86 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 295.
87 Ibidem, p. 295.
88 Ibidem, p. 296.
89 Ibidem.
90 “A norma que contraria norma hierarquicamente superior a ela, ou que, no caso da norma ser lei,

não for resultante de um processo legislativo regular, é norma inválida”. Ibidem, p, 323.
33
dos meios oficiais de coação, com o intuito de exigir o cumprimento da norma
conflitante.
Dessa forma, resta evidente que o Direito Positivo, conforme aduz o autor,
prevalece sobre os demais grupos de normas do Direito Objetivo, sendo que uma
norma só é jurídica, para o Poder Público, se ela não contraria o Direito Positivo.

3.3 – Direito Subjetivo


Por Direito Subjetivo se entende todas as permissões concedidas por
intermédio de normas jurídicas, ou seja, aquele que detém a permissão jurídica para
fazer ou não fazer alguma coisa, para ter ou não ter alguma coisa, possui o Direito
Subjetivo, a liberdade de fazer ou não fazer algo, de ter ou não ter alguma aquisição.
Aquele que não tiver a permissão concedida pela norma jurídica, não possui o
Direito Subjetivo, embora possua a faculdade de fazê-la ou não fazê-la, de tê-la ou
não tê-la91.
Vejamos por exemplo, o art. 2º da Lei nº 12.288 de 201092, que dispõe que é
dever do Estado e de toda a sociedade garantir a igualdade de oportunidades e
reconhecer a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele,
o direito à participação na comunidade, principalmente quando se tratar de atividade
econômica e cultural. Esta norma jurídica expõe o Direito Subjetivo do Estado e da
sociedade em garantir a igualdade de oportunidades e de reconhecimento de
qualquer cidadão brasileiro, ao mesmo tempo em que autoriza aquele que foi lesado
pela violação dessa norma de coagir o lesante, na forma predisposta pela lei.
Assim sendo, havendo todo o aparato legal que permita uma atividade cultural
em determinada região, em consonância com o que determina a legislação local, os
fiscais da lei e da ordem não têm o Direito Subjetivo de impedir qualquer atividade
cultural, sem que violem a unidade do sistema jurídico nacional.

91 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 297.
92 “Art. 2º. É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades. Reconhecendo a

todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na


comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais,
culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais.” BRASIL. Lei nº
12.288, de 20 de julho de 2010. Estatuto da Igualdade Racial, Brasília, DF, jul. 2010.
34
Uma violação neste sentido ocorreu em um bloco de carnaval de Belo
Horizonte, em março de 201793. O “Bloco Arrasta, Bloco de Favela” fora impedido de
iniciar o seu desfile, de maneira truculenta, pela Polícia Militar do Estado de Minas
Gerais, que chegou a apreender o celular do Conselheiro Municipal de Cultura da
Regional Leste e efetuou a prisão de uma cidadã que se recusou a se identificar
para um Sargento94.
A ação da Polícia Militar, em flagrante violação do art. 2º da Lei nº
12.288/2010, é fato gerador do Direito Subjetivo concedido, pela mesma norma
jurídica, para que os lesados pela violação possam exercer a devida coação contra
seus algozes, nos termos da lei.
Dessa forma, podemos inferir que as permissões jurídicas constituem os
Direitos Subjetivos porque são autorizações concedidas por meio de normas
jurídicas. As permissões que não são concedidas por normas jurídicas não são
permissões jurídicas, e não constituem Direitos Subjetivos, conforme assevera o
autor95.
Vale salientar que as permissões consistentes em meras liberalidades,
fortuitas e ocasionais, não podem ser compreendidas como Direitos Subjetivos.
Portanto, não são Direitos Subjetivos, as permissões, dadas a alguém, de caçar e
pescar em terras e águas pertencentes a outrem; de utilizar, de maneira gratuita, o
telefone de outrem; de assistir a séries na conta de Netflix de um amigo.
Da mesma maneira, não são Direitos Subjetivos, as permissões dadas para a
prática de ato ilícito. Assim, não é um Direito Subjetivo, a permissão da Secretaria
de Segurança Pública de São Paulo, dada à Polícia Militar de São Paulo, para entrar
no Centro Paula Souza, que na época estava ocupado por alunos que protestavam
contra problemas com a merenda escolar, sem o devido mandado judicial para o
cumprimento da ordem96.

93 Desfile do Arrasta Favela é cancelado em BH após abordagem policial. Portal G1, com informações
do MGTV 1ª edição, 2017. Disponível em: <https://g1.globo.com/minas-
gerais/carnaval/2017/noticia/desfile-do-arrasta-favela-e-cancelado-em-bh-apos-abordagem-
policial.ghtml>. Acesso em: 3 de nov. de 2019.
94 Bloco impedido de desfilar em BH faz ‘Abraço Negro’ nesta quarta. Portal G1 MG, 2017. Disponível

em: <https://g1.globo.com/minas-gerais/carnaval/2017/noticia/bloco-impedido-de-desfilar-em-bh-faz-
abraco-negro-nesta-quarta.ghtml>. Acesso em: 3 de nov. de 2019.
95 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem

jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 297.


96 Juiz manda polícia sair de ocupação e dá 72 horas para secretário se explicar. Portal G1 São

Paulo, 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/05/justica-suspende-


reintegracao-de-posse-do-centro-paula-souza.html>. Acesso em: 3 de nov. de 2019.
35
Nos exemplos citados acima, permissões existem, mas permissões que não
são jurídicas, não são permissões conferidas por meio de normas jurídicas, e que,
portanto, não são Direitos Subjetivos.
Conforme demonstra o autor, o termo subjetivo designa o que está colocado
dentro do sujeito de direitos, é subjetivo porque as permissões, que o constituem,
são próprias das pessoas que as possuem, ora vejamos:
O termo subjetivo, como é óbvio, tem raiz latina. Provém de sub-jectum, que
designa o que está submetido, o que é sujeito, o que é ‘pertence’ de alguma
coisa; ou, no caso especial do Direito Subjetivo, como em casos análogos a
este, designa o que está colocado dentro97.

Outrossim, os Direitos Subjetivos não podem ser confundidos com a “facultas


agendi”, ou seja, os Direitos Subjetivos não são as faculdades de ação das pessoas.
Conforme aduz o autor, as faculdades são “potências ativas que dispõem um ser a
agir98”, por ser uma potência, a faculdade não pode ser considerada como ato99,
como ser perfeito, mas sim, como uma aptidão para produzir um ato. Dessa forma, a
faculdade é anterior ao ato.
Conforme já exposto, o ato é o ser que já se perfez. É o ser perfeito, o ser
concluído, dentro da sua própria ordem de realidades. No passo em que, a potência,
ou a faculdade, é a possibilidade de ser, a possibilidade de se fazer ato. Por esta
razão argumenta o autor que a faculdade é um ser em potência:
Não sendo nada, uma faculdade é. É alguma coisa. Ora, o que é é ser.
Somente o que não é não é ser. Somente o nada é nada de ser. Logo, uma
faculdade é um ser. É um ser que ainda não chegou a se perfazer, não
chegou a ser ato, mas que é um prenúncio, um ser como aptidão, como
aptidão de ser: é um ser em potência.100

Por isso, uma faculdade, uma potência, pode se fazer ato, ou seja, ela pode
atualizar-se, tornar-se ato, sendo que, neste caso, ocorrerá o perfazimento da
potência no ato para o qual se dispunha:
O perfazimento da potência é o ato, o ato em que a potência se realiza. E
este é o motivo pelo qual a Filosofia afirma que o ato é a perfeição da
potência.101

Conforme apresenta o autor, em todo ser em ato, existem determinados seres


em potência, que podem tornar-se seres em ato. Estas, são as faculdades próprias

97 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 298.
98 Ibidem, p. 299.
99 Aqui compreendido como ato-ser, para mais, verificar nota de rodapé nº. 34.
100 Ibidem, p. 300.
101 Ibidem.

36
desse mesmo ser em ato, faculdades que existem nele porque ele é o que
precisamente é.
Para mais, as faculdades dos seres humanos são as potências próprias
deles, potências que pertencem aos seres humanos porque os seres humanos são o
que são. Suas faculdades são suas propriedades, porém, não são propriedades no
sentido comumente empregado no direito, ora vejamos:
As faculdades do ser humano são, realmente, propriedades dele. Mas não
são propriedades, no sentido jurídico deste termo. Não podem ser
adquiridas e alienadas, pelos modos comuns do Direito. A expressão
propriedade, como aqui está sendo empregada, designa, apenas, o que é
próprio. É neste sentido, que se diz que as faculdades humanas são
propriedades do ser humano. Por exemplo, são propriedades dele, as
aptidões de ver, pensar, falar. Analogamente, é propriedade do pássaro, a
aptidão de voar102.

Todavia, o Direito não pode dar à nenhum ser vivo o que só a natureza pode
lhe oferecer. Ou seja, o Direito não tem métodos que atribuam aos seres vivos
qualquer tipo de faculdade, porque a faculdade se origina na natureza, que faz
destes seres o que eles efetivamente são. Por isso afirma o autor que “Nenhuma
faculdade humana é um Direito. Nenhum Direito Subjetivo é faculdade”103.
De fato, o Direito Subjetivo é uma permissão que a lei confere, retira e torna a
conferir, enquanto a faculdade permanece a mesma, vejamos um exemplo
introduzido pelo autor:
A mãe, que contrai novas núpcias, não perdia, obviamente, sua faculdade
de exercer o poder familiar, quanto aos filhos do leito anterior. No Brasil,
porém, a mãe perdia o direito de exercê-lo, porque o art. 393 do Código
Civil de 1916 lhe negava a permissão de usar a referida faculdade. O direito
se extinguia, por força da proibição legal, embora a faculdade
permanecesse. Tão real era a permanência da faculdade, que o citado
artigo do Código também dispunha que a mãe, tornando a enviuvar,
recuperava o direito que havia perdido. Logo, a mesma lei voltava a
conceder-lhe a permissão de novamente usar sua faculdade de exercer o
poder familiar. Tão real, em verdade, era a permanência dessa faculdade
(embora extinto o direito de usá-la), que a Lei n. 4.121, de 27 de agosto de
1962, alterou a referida disposição do Código Civil Brasileiro, e estabeleceu
exatamente o contrário do que dispunha o citado art. 392. Segundo essa lei,
‘a mãe que contrai novas núpcias não perde, quanto aos filhos do leito
anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer
interferência do marido’. No mesmo sentido, estabelece o art. 1.636 do atual
Código Civil.104

Neste exemplo, é importante demonstrar que a faculdade de exercer o poder


familiar, da mãe, não se altera, mas o direito de exercê-lo somente existe quando
102 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 301.
103 Ibidem, p. 302.
104 Ibidem, p. 303.

37
consubstanciado por lei, ou seja, quando permitido pela norma jurídica. Portanto, é
na permissão legal que reside o Direito Subjetivo de exercer o poder familiar.
Outrossim, conforme apresenta o autor, o Direito Subjetivo não é a “facultas
agendi”, e sim, é a permissão, conferida por norma jurídica, para usar a faculdade de
agir. O Direito Subjetivo pode ser compreendido como a permissão jurídica para o
uso da faculdade de agir.
Todo cuidado é pouco. É preciso ater-se para o fato de que somente podem
ser compreendidas como Direitos Subjetivos as permissões conferidas por meio de
normas jurídicas válidas105, noutras palavras, só são Direitos Subjetivos as
permissões que não podem ser impedidas por ninguém, de maneira lícita. Sendo
que, conforme já demonstrado acima, aquele que impedir o uso de um Direito
Subjetivo estará violando, frontalmente, a norma jurídica válida, configurando,
portanto, um ato ilícito.
Em verdade, constitui ato ilícito, toda ação ou omissão que viola norma
jurídica, impedindo ou perturbando o uso de um Direito Subjetivo (o uso de
uma permissão concedida por meio da norma jurídica violada) .106

Ademais, o impedimento do uso de qualquer permissão concedida por meio


do Direito Objetivo, é uma violação do Princípio da Legalidade, contido no art. 5º,
inciso II, da Constituição Federal, que dispõe o seguinte: “Ninguém será obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”107. Conforme aduz o
autor, este princípio é um princípio fundamental do Direito, visto que resume toda
razão de ser de toda e qualquer ordenação jurídica, sendo que pode ser convertido
na seguinte maneira: “A todos é permitido fazer o que a norma jurídica não proíbe, e
não fazer o que a norma jurídica não manda fazer”108.
De maneira exemplificativa, conforme no exemplo citado acima109, foi uma
violação de norma jurídica, e um flagrante ato ilícito, o impedimento do desfile, sem
fundamento legal, do bloco “Bloco Arrasta, Bloco de Favela”, assim como, também

105 “Se a norma é uma lei – se é norma jurídica do Direito Positivo – ela será válida se, além de não
contrariar lei que lhe seja superior, foi elaborada e promulgada com observância das formalidades
impostas pela Constituição, para a produção das leis, ou seja, se a lei foi elaborada e promulgada
com obediência do chamado processo legislativo, instituído na Constituição”. TELLES JUNIOR,
Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. São Paulo:
Saraiva. 2014, p. 323.
106 Ibidem. p. 307.
107 BRASIL. Constituição (1988), Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado,

1988.
108 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem

jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 310.


109 Verificar notas de rodapé nº. 93 e 94.

38
foram atos ilícitos, a apreensão do celular do Conselheiro Municipal de Cultura e a
prisão da cidadã que lá se encontrava.
Para mais, sendo um ato ilícito o impedimento do uso de Direitos Subjetivos,
cediço é que é obrigação imposta à todos a possibilidade do uso de Direitos
Subjetivos. Ou seja, a toda permissão jurídica, corresponde uma obrigação das
outras pessoas em possibilitar esse uso.
Dessa forma, em resposta aos atos ilícitos citados acima, quais sejam, a
violação dos Direitos Subjetivos contidos no art. 2º do Estatuto da Igualdade Racial,
e nos incisos II, IX, XVI, LIV e LXI, e no caput do art. 5º, da Constituição Federal110,
é autorizado às pessoas lesadas pela referida violação, por força da norma
infringida, a exigir o cumprimento da obrigação correlata ao Direito, e a exigir a
cessação do cerceamento legal, com intuito de que as referidas pessoas possam
usar o Direito Subjetivo (a permissão) que lhe é concedida por meio da norma
violada.
Assim, como as pessoas lesadas pela Secretaria de Segurança Pública e
pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, conforme no exemplo já aduzido 111,
estão autorizadas a coagir os órgãos violadores, na forma em que a lei lhe faculta, a
cumprir a norma jurídica violada, além de obrigá-los a não impedir o uso do Direito
Subjetivo, pelos referidos órgãos obstados.
Evidente é, que a força estatal, no exercício de suas funções de garantir a
tutela jurídica a seus cidadãos, não deveriam dar motivo a esta causa. Resta a
dúvida sobre os motivos que levam o Estado a agir desta forma.

110 “Art. 5º.Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, á liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
(...) IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença;
(...)XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público,
independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada
para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
(...)LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
(...)LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente
militar, definidos em lei.” BRASIL. Constituição (1988), Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília: Senado, 1988.
111 Conferir nota de rodapé n°. 96.

39
3.4 – O Ser Humano como Fonte Doadora de Sentido ao Mundo e a
Experiência Jurídica como Experiência Integral
Assevera o autor que o Direito Objetivo de determinada sociedade nem
sempre é coincidente com o Direito Objetivo que os elementos dessa sociedade
gostariam de ver vigorante. O Direito Objetivo que os elementos da sociedade são
desejosos de ver vigorante é sempre aquele que melhor possa fazer, do meio
ambiente em que eles vivem e em que todos usufruam de seus bens soberanos112.
Transformando-se os sistemas éticos de referência, devido a mudança dos
juízos da inteligência humana, sendo que estes dependem das condições em que
são feitos, transformam-se em conjunto as fisionomias das civilizações.
Como exemplo, é cabível citar o período Imperial do Brasil, onde a permissão
de ter escravos era um Direito Subjetivo, enquanto a coletividade admitia o regime
de escravidão e concedia tal permissão, por intermédio do Direito Objetivo. Durante
este regime os africanos e as pessoas negras e nativas, subjugadas à condição de
escravas, tinham a natureza jurídica de bens móveis semoventes, e eram
submetidas a um regime jurídico especial113.
Tais pessoas foram impedidas de formar família114, ter patrimônio próprio e de
poder transmitir suas posses a eventuais herdeiros, bem como de receber herança,
tendo em vista que constituíam o conjunto patrimonial de seu senhor 115. Conquanto,
no momento em que este regime fora abolido, devido a uma mudança sistemática

112 “(...) são bens intelectuais ou espirituais, são os únicos bens da perfeição especificamente
humana.
São bens que falam a todos os seres humanos, que a todos conclamam e a todos dirigem seu
chamado (...)”.TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento
da ordem jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 239.
113 CAMPELLO, André Barreto. Manual jurídico da escravidão: Império do Brasil. 1ª Ed. Jundiaí, SP:

Paco, 2018, p. 168.


114 “No Direito brasileiro, admitia-se tal violenta e antinatural impossibilidade de constituição de

vínculos matrimoniais e familiar entre escravos, bem como da impossibilidade de exercício do pátrio
poder pelo cativo, à luz da lei civil. (...) Portanto, o senhor poderia alienar separadamente o casal de
escravos, bem como pais de filhos e as mães da sua prole, pois não existia nenhuma vedação legal,
até porque a lei vigente em nada protegia os cativos”. Ibidem, p. 182.
115 “Registre-se que, como o escravo não poderia constituir patrimônio próprio, também não poderia

transmitir alguma posse a seus herdeiros, uma vez que a lei não reconhecia a possibilidade de
possuírem um vínculo de parentesco. Se não poderia constituir nenhum patrimônio e nem ter
sucessores, na forma da lei, não existiria transmissão de herança do escravo falecido. Igualmente o
escravo não herdaria, nem teria aptidão para fazer testamento, pois ele integrava o conjunto
patrimonial de seu senhor (...)”. Ibidem, p. 184.
40
dos bens soberanos da coletividade da época116, ter escravos passou a constituir
crime.
Conforme demonstra o autor, ao discorrer sobre a inteligência do ser humano:
“A inteligência humana estará sempre condicionada por um fato inarredável: a
inteligência é sempre inteligência do ser humano”117. Ora, sendo própria do ser
humano, a inteligência deve ser correlata com o todo em que é parte, ou seja, a
inteligência é, necessariamente, definida pelo que o ser humano realmente é.
O ser humano real118, conforme apresenta o autor, é um fenômeno histórico,
é um ser no tempo, no passo em que, separá-lo de sua história é desconhecê-lo e
falsificá-lo. Cediço é que a história do ser humano, ou de qualquer outro ser vivo,
tem início com a história do ácido nucleico119, com o surgimento do DNA e do RNA.
Argumenta o autor, que o ser humano é o resultado de um coletivo de consciências
individuais120. Principalmente do que essas consciências individuais têm em comum,
em uma determinada circunstância histórica, devendo o ser humano ser
compreendido como um Ser histórico:
Esse eu mesmo é o eu construído pela sua história e, em parte, construtor
de sua história. É um eu moldado por um patrimônio genético e dotado de
uma inteligência com função ‘constituinte’, ativa e determinante, capaz de
originar ideias e de traçar os caminhos do ser humano. É um eu formado
pelas experiências já vividas e já sofridas por esse ser. É um eu ‘difratado’,
um eu que traça caminhos novos, em razão dos caminhos já percorridos.
Esse eu mesmo é um eu decantado pela história – pela história da qual ele
próprio é, em parte, uma das causas determinantes. É o eu cultivador e, ao
mesmo tempo, o eu produto da cultura. Em suma, é o eu histórico121.

116 “Imagina-se que a Abolição foi um ato súbito de poder da Regente Imperial em 1888. Essa visão é
equivocada: a abolição foi fruto de lutas sociais (não apenas a maciça mobilização da classe média
urbana, mas de setores mais humildes da sociedade), bem como da intensificação da resistência
escrava à dominação”. CAMPELLO, André Barreto. Manual jurídico da escravidão: Império do Brasil.
1ª Ed. Jundiaí, SP: Paco, 2018, p. 290.
117 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem

jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 316.


118 “(...)O ser humano real é um ser em seu processo vital, dentro das condições concretas de sua

evolução e perfazimento(...)”. Ibidem, p. 316.


119 “Os ácidos nucleicos são moléculas com extensas cadeias carbônicas, formadas por nucleotídeos:

um grupamento fosfórico (fosfato), um glicídio (monossacarídeo com cinco carbonos / pentoses) e


uma base nitrogenada (purina ou pirimidina), constituindo o material genético de todos os seres vivos.
(...) Podem ser de dois tipos: ácido desoxirribonucleico (DNA) e ácido ribonucleico (RNA), ambos
relacionados ao mecanismo de controle metabólico celular (funcionamento da célula) e transmissão
hereditária das características”. RIBEIRO, Krukemberghe Divino Kirk da Fonseca. Ácidos Nucleicos.
Mundo Educação. Disponível em: <https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/biologia/acidos-
nucleicos.htm>. Acesso em: 4 de nov. de 2019.
120 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem

jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 317.


121 Ibidem.

41
Conforme apresenta o autor, o ser humano é um ser vivo de imensa
complexidade, devendo ser compreendido como matéria e inteligência,
diferentemente da micropartícula, que é ser de imensa velocidade, devendo ser
compreendida como corpo e onda122.
Essa imensa complexidade do ser humano resulta, em uma de suas facetas,
no eu histórico, um eu que cria e é criado por sua cultura, e que não pode ser
compreendido sem as suas experiências já vivenciadas.
A exemplo disso, podemos levar em conta os descendentes dos escravos e
dos indígenas no Brasil.
Estes só podem ser compreendidos, realmente, se analisados todos os
aspectos históricos do período escravagista. Marcados por um processo de
escravização e de desumanização, iniciado pelos colonizadores europeus e mantido
por seus descendentes, a população indígena e negra atual não pode ser
conceituada sem o reconhecimento das alterações epigenéticas provocadas pelos
hábitos da vida e pelo ambiente social do período escravagista brasileiro.
Portanto, o eu real, o eu histórico de qualquer indivíduo negro ou indígena, é
o resultado dessas experiências, que provocaram mudanças significativas em seus
genes.
Ademais, o eu histórico é um eu permanente, mas não no sentido de se
permanecer o mesmo, o que tem de permanente no ser humano é justamente a
transformação e a mudança, ou seja, o ser humano é uma espécie em constante
mudança, em contínuo perfazimento, conforme demonstra o autor:
O eu histórico é um eu permanente, mas um eu permanente em contínuo
perfazimento. É o ser considerado na sua realidade concreta, no que ele é
por natureza. E o ser humano por natureza é um ser sempre tendido para
os bens que o perfazem, um ser ‘intencional’, um ser imantado pelo que ele
julga ser seu bem. Porque é da condição da espécie humana, perfazer-
se.123

122 “Devido a sua imensa velocidade, a micropartícula adquire propriedades que não são dos corpos,
como, por exemplo, a propriedade de difratar e de se conduzir, após haver contornado o obstáculo,
de maneira indeterminável e imprevisível. Por causa destas propriedades, a micropartícula não pode
ser considerada apenas como um corpo, mas deve ser tida como corpo e onda.
Devido a sua imensa complexidade, o ser muito evoluído, como o ser humano, adquire propriedades
que não são da matéria, como, por exemplo, a propriedade de escolher e a de se conduzir em razão
de ideais. Por causa destas propriedades, o ser humano não pode ser considerado apenas como
matéria, mas deve ser tido como matéria e inteligência”. TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O
Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 179.
123 Ibidem, p. 317.

42
Por isso não seria errado afirmar que a história do ser humano é causa e
efeito dele próprio. Sendo que é efeito de determinações da inteligência, e é causa
das formas culturais, que, em cada particularidade, define cada pessoa.
Por isso afirma o autor: “Bem pouco, ou nada, se conhecerá do ser humano,
se não tiver alcançado esta verdade124”. Desta forma, todas as coisas do mundo,
incluso os fatos sociais, têm um sentido para o ser humano. Não são meros dados,
que ocupam o espaço e tempo dentro do Universo, como objetos. Todas essas
coisas adquirem um sentido quando relacionadas com o eu, quando comparadas
com cada sistema de referência específico de cada pessoa.
As coisas do mundo devem ser compreendidas como objetos confrontados
com o eu histórico e apreciados pelo eu histórico, que será sempre a fonte doadora
de sentido ao Universo que o circunda. As coisas adquirem valor porque são
julgadas e avaliadas pelo ser humano, conforme apresenta o autor:
Para o próprio eu, é que o eu sujeita as coisas da natureza. Sujeita-as ao
seu conhecimento e sujeita-as, quando é o caso, aos seus interesses. Para
o próprio eu, é que o eu modela as coisas, se não a sua imagem, ao menos
em conformidade com seus fins. Em razão do eu, as coisas são julgadas,
são avaliadas e, em consequência, adquirem valor – o valor que o ser
humano lhes atribui.125

Com isso, cada pessoa humana passa a ser a referência de todos os valores,
porque é ela quem constitui o bem primordial capaz de ser referência para a
valoração dos demais bens126.
Por tal motivo é que a experiência ética em geral e a experiência jurídica, que
está inserida no mundo ético, não podem ser determinadas como um usual suceder
de fatos objetivos, nos quais o cientista foca o seu olhar. Por isso aduz o autor que:
“o direito como experiência não pode ser considerado como uma simples série de
fatos incluídos dentro de uma categoria estática, dentro de uma forma jurídica a
priori”127.
O direito, situado como experiência jurídica, deve ser compreendido em sua
integralidade, ou seja, como uma experiência integral, onde os fatos objetivos e
subjetivos são partes da experiência jurídica, e em conjunto se acham inseridos na
história do ser humano. A experiência jurídica deve ser sempre uma atualização

124 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 318.
125 Ibidem.
126 Ibidem.
127 Ibidem.

43
objetiva de um estado de consciência de determinada comunidade, ou seja, a
experiência jurídica é a vivência daquilo que uma estrutura social, por convicção
generalizada, qualifica de jurídico, em um determinado momento histórico em um
determinado lugar128.
Portanto, ao decidir sobre um caso específico, o juiz não deve se ater
somente aos critérios objetivos ali formulados, devendo ir além, devendo ir de
encontro à subjetividade de cada ser humano, devendo buscar o sistema de
referência de cada um, para só então, conseguir compreender as demandas de
cada parte, e decidir o caso específico.
A experiência jurídica só pode ser completa, ou compreendida, se for levado
em conta a medida de valoração de todas as coisas do mundo, o a priori, que é o eu
histórico, o ser humano real, ora vejamos:
O homem histórico, o eu real, embora não seja transcendental, é, sem
dúvida, um a priori, porque é condição subjetiva de compreensão da
experiência objetiva. É condição para a compreensão da experiência. É um
a priori, como é um a priori, o ‘peso’ padrão que se coloca num dos pratos
da balança para saber qual é o peso do objeto colocado no outro prato. (...)
O eu real a priori é a medida com que se avaliam as coisas do mundo. É a
referência para a determinação do sentido e do valor das coisas. Mas é um
eu que inclui toda a sua experiência. Um eu que é eu mais a sua longa
história.129

Por isso, é que para irmos de encontro ao eu real, ao eu histórico de


determinada pessoa, devemos nos ater ao sistema de referência dessa pessoa, por
que este sistema de referência vai ser o a priori que valoriza todas as coisas do
mundo. Por exemplo, se um juiz utilizar o seu sistema de referência para julgar todos
os seus casos, haverá uma grande chance de a justiça não conseguir solucionar a
lide e ainda agravá-la ainda mais.
Do exemplo acima, podemos extrair e elucidar as seguintes arbitrariedades,
recentes e recorrentes no Brasil: a) um magistrado brasileiro que interrompeu uma
audiência trabalhista porque uma das partes estava de chinelo, ocasião em que
alegou que o calçado “atentaria contra a dignidade do Judiciário”130; b) um juiz que
decidiu divulgar uma interceptação telefônica de conversa entre a então Presidenta

128 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 319.
129 Ibidem, p. 320.
130 Juiz que barrou lavrador por usar chinelo é condenado a pagar R$ 12 mil. Portal G1 PR, com

informações da RPC Cascável e Foz do Iguaçu, 2017. Disponível em: <http://g1.globo.com/pr/oeste-


sudoeste/noticia/2017/03/juiz-que-barrou-lavrador-por-usar-chinelo-e-condenado-pagar-r-12-
mil.html>. Acesso em: 4 de nov. de 2019.
44
da República e um Ex-Presidente, e mesmo após assumir a ilegalidade, manteve a
convicção de que estava correto, porque não viu relevância na ilegalidade 131; c) uma
juíza que autorizou que a polícia realizasse busca e apreensões coletivas no bairro
Cidade de Deus, na cidade do Rio de Janeiro, em razão de “situação
excepcional”132; d) a anulação, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, do julgamento
dos 73 policiais condenados pelo massacre do Carandiru, onde o desembargador
relator argumentou que não houve massacre, e sim, legítima defesa dos policiais 133;
e, e) a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que afirmou que a
operação “lava jato” não precisaria respeitar as regras de casos comuns por ser uma
“situação excepcional”134.
Tais exemplos demonstram uma flagrante violação de diversos Direitos
Subjetivos processuais e materiais, sendo que refletem a atuação solipsista do
julgador, que com base exclusiva em seu sistema de referência, decide de maneira
afastada do Devido Processo Legal. Isso se decorre porque, conforme o autor
apresenta, o ser humano não pode ser compreendido se afastado de sua história,
afastá-lo de sua história implicaria em falsear o ser humano, em não conhecê-lo, e,
dessa maneira, torna-se impossível reconhecê-lo judicialmente.

3.5 – O Direito Natural e o Direito Artificial


Conforme já explanado, o Direito Objetivo tem como fundamento o sistema
ético de referência da sociedade em que está inserido.
No entanto, pode ocorrer que, devido ao constante movimento dos seres
humanos, o sistema de referência ético de uma sociedade passe por uma mutação,
por uma evolução, e que o Direito Objetivo vigente não consiga se alterar da mesma
maneira, perecendo socialmente. O Direito Objetivo, nesta situação, passa a se

131 Nas escutas, juristas se revelam mais moristas do que o próprio Moro. STRECK, Lenio Luiz.
Revista Consultor Jurídico, 2016. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-mar-21/lenio-
streck-escutas-juristas-revelam-moristas-moro>. Acesso em: 4 de nov. de 2019.
132 Juíza do RJ autoriza busca e apreensão coletiva na Cidade de Deus. Revista Consultor Jurídico,

2016. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-nov-22/juiza-rj-autoriza-busca-apreensao-


coletiva-cidade-deus>. Acesso em: 4 de nov. de 2019.
133 TJ-SP anula julgamentos dos 73 policiais condenados por Massacre do Carandiru. Revista

Consultor Jurídico, 2016. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-set-27/tj-sp-anula-


condenacoes-policiais-massacre-carandiru>. Acesso em: 4 de nov. de 2019.
134 “Lava jato” não precisa seguir regras de casos comuns, decide TRF-4. Revista Consultor Jurídico,

2016, Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-set-23/lava-jato-nao-seguir-regras-casos-


comuns-trf>. Acesso em: 4 de nov. de 2019.
45
estagnar, resta imobilizado por não poder mais acompanhar o sistema de referência
daquela sociedade, conforme elucida o autor:
Neste caso, a movimentação humana que, dentro da sociedade, pode ser
oficialmente exigida, e a que é oficialmente proibida talvez não sejam as
movimentações que devem ser oficialmente exigidas e proibidas.
Isto também pode suceder quando um governo impõe a uma sociedade
uma ordenação em discordância com os ideais apontados pelo sistema de
referência da coletividade.135

Um exemplo de evolução do sistema ético de referência brasileiro foi o


surgimento dos movimentos abolicionistas e dos movimentos políticos pela
absolvição da escravidão, no final do século XIX136.
Apesar de se dividirem no tocante dos efeitos da abolição, ou seja, se esta
deveria ser indenizada ou não137, e mesmo sendo compostos, em sua maioria, pela
elite brasileira, estes grupos foram os percussores na evolução ética da futura
sociedade brasileira, que começava a ganhar contornos. Visto que organizavam
arrecadações de valores para obter cartas de alforrias e prestavam auxílio no roubo
e fuga dos escravos para as Províncias que já haviam abolido a escravidão138.
Conforme já dito, só são jurídicas aquelas normas que são autorizantes. Que
autorizam o lesado por sua violação a exigir o seu cumprimento ou a reparação do
dano sofrido. Este autorizamento é decorrente da própria natureza social, que há de

135 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 321.
136 “Em 9 de julho de 1880, foi fundada a Sociedade Brasileira contra a Escravidão. A partir de então,

surgiram inúmeras associações comprometidas com o projeto abolicionista, que deram origem à
criação, em 12 de maio de 1883, da Confederação Abolicionista.
No mesmo período, na Província do Ceará, se iniciava um movimento político radical pela absolvição
da escravidão pautado na recusa dos jangadeiros, no final de janeiro 1881, em embarcar os escravos
nos navios ancorados no Porto de Fortaleza.” CAMPELLO, André Barreto. Manual jurídico da
escravidão: Império do Brasil. 1ª Ed. Jundiaí, SP: Paco, 2018, p. 293.
137 Utilizando como referência Evaristo de Moraes, André Barreto Campello, em seu livro Manual

Jurídico da Escravidão, descreve que existiam três correntes abolicionistas: i) Emancipadores


Moderados – os que pensavam ser preciso tomar medidas emancipatórias, mas nos termos da Lei do
Ventre Livre (Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871); ii) Emancipadores Adiantados – aqueles que
demonstravam interesse em ir além da Lei do Ventre Livre, mas que fossem respeitados os direitosde
propriedade dos senhores de escravos; e iii) Abolicionistas – os que reclamavam pela abolição total e
incondicional do sistema escravagista, sem se falar em direitos de propriedade.
“Os últimos exigiam a abolição imediata e sem indenização; por sua vez, os primeiros desejavam
medidas graduais, com respeito ao direito de propriedade.” Ibidem.
138 “Surgiu um clima de verdadeira desobediência civil, no qual as Sociedades Abolicionistas agiam

não apenas arrecadando valores para obter cartas de liberdade – alforria –, mas também
incentivando e auxiliando o roubo e a fuga de escravos para Províncias em que a abolição já
houvesse ocorrido. Muitos escravos, principalmente nos redutos escravistas, estavam simplesmente
abandonando os engenhos e formando quilombos: ‘ As fazendas e os engenhos se despovoavam. As
fugas cada dia mais desfalcavam os contingentes do trabalho escravo’.” Ibidem, p. 299.
46
exigir e proibir certos movimentos, com o intuito de que a sociedade alcance sua
natureza instrumental139.
Em situações semelhantes a do exemplo supracitado, onde a sociedade
almeja a realização, ou não, de movimentos que são divergentes daqueles que são
oficialmente proibidos ou permitidos, a ordenação imposta deve ser compreendida
como um Direito Artificial140.
Este Direito é um Direito que não reflete a “realidade biótica da sociedade”141,
é um Direito fora de sincronia, ora corrompido, ora corruptor, que compelirá na
aparição de interações humanas142 indisciplinadas.
Assevera o autor que o Direito Artificial, ou seja, o Direito desconexo com a
realidade da estrutura social, é um pseudodireito, e às vezes, chega a ser uma
falsificação do Direito, ou em suas palavras, uma “contrafação do direito”. Sendo
que, por isso, enorme parte da vida social irá se movimentar à revelia dos
mandamentos jurídicos artificiais. Neste enredo, expõe o autor, sobre o Direito
Natural:
Um Direito autenticamente natural é sempre um conjunto de normas
jurídicas, ou seja, um conjunto de normas autorizantes. E toda norma
jurídica é norma declarada pela inteligência governante; é norma
promulgada por quem tem competência para promulgá-la.
Mas nem todo Direito promulgado é Direito Natural. Natural só é o Direito
promulgado que for consoante com o sistema ético de referência da
coletividade em que ele vigora.143

Enfim, o Direito Natural é o conjunto dos mandamentos autorizantes onde a


inteligência governante da coletividade declara os movimentos humanos que podem

139 “Nas sociedades dos irracionais (das abelhas, formigas, térmitas, etc.) a defesa da espécie parece
ter sido sempre o objetivo soberano. Desinteressada e indiferente mantém-se a coletividade, ante a
sorte individual de seus componentes. Em verdade, nesses agrupamentos, os indivíduos são apenas
partes de um todo e, em consequência, integralmente submetidos aos interesses da sociedade
global.
Nas sociedades dos homens e das mulheres, porém, a inteligência submeteu a sociedade às
pessoas, isto é, fez da sociedade, um meio a serviço de cada ser humano. Nesses agrupamentos, a
sorte de seus componentes é o que, sobretudo, interessa. A sorte da sociedade também interessa,
mas na medida em que a sociedade é instrumento de cada ser humano”. TELLES JUNIOR, Goffredo
da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014,
p. 258.
140 Ibidem, p. 321.
141 Ibidem.
142 Goffredo argumenta que quando as pessoas vivem em sociedade, cada ser humano cria, ao seu

redor, um campo. Este campo é onde se dão as interações entre as pessoas e os conjuntos de
pessoas e onde um age sobre o outro. Nestes campos, que são as áreas onde as energias das
pessoas se manifestam, há variadas e incontáveis interações, onde as pessoas exercem suas
influências de maneira livre, umas sobre as outras, no interior de seus respectivos campos. Ibidem, p.
263-264.
143 Ibidem, p. 322.

47
ser oficialmente exigidos e proibidos, em consonância com o sistema ético de
referência vigente. Em outras palavras, o Direito Natural é aquele que se encaixa
com o sistema ético de referência de determinada coletividade, é o oposto do Direito
Artificial: “O Direito Natural é o Direito Legítimo”144.
Neste ponto, o autor salienta que é necessário estabelecer uma distinção
entre as normas válidas e as leis legítimas, porque “a divisão de normas em válidas
e inválidas não coincide com a divisão das leis em legítimas e ilegítimas”145. Ora, há
leis que mesmo válidas são ilegítimas, porque não coadunam com o sistema
dominante de convicções éticas, porque não se adéquam ao sistema ético de
referência da sociedade.
Compreende-se por norma jurídica válida a norma que não contraria outra
norma hierarquicamente superior a ela e que tenha sido elaborada e promulgada
pelo processo legislativo instituído pela Constituição146. Já a norma jurídica inválida
é aquela que contraria a norma hierarquicamente superior a ela, e/ou que, não tenha
sido resultante do processo legislativo regular147.
No tocante às leis legítimas, são aquelas normas jurídicas que estão em
harmonia com as concepções éticas dominantes da coletividade na qual está
inserida, ou seja, as leis que concordam com a “normalidade ambiente”, com o
sistema ético de referência de uma estrutura social. Só são legítimas as leis que
forem, de fato, leis de Direito Natural148. Já as leis ilegítimas são aquelas que
constituem uma anormalidade149 no quadro de concepção vigente, é a lei que não é
norma, que não é normal150, que é uma disposição do Direito Artificial, uma real
falsificação do Direito151.
O autor sustenta que a lei legítima tem proveniência, em regra, da fonte
legítima primária e secundária. A fonte legítima primária é a sociedade a que as leis
dizem respeito, ou seja, é o povo, ou uma fração do povo, ao qual as leis interessam

144 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 323.
145 Ibidem, p. 323.
146 Verificar nota de rodapé nº. 105.
147 Verificar nota de rodapé n°. 90.
148 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem

jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 323.


149 Verificar nota de rodapé n°. 64.
150 Verificar notas de rodapé nº. 62 e 63.
151 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem

jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 324.


48
e de onde as ideias e as leis germinaram e germinam, como formas naturais das
exigências da vida, conforme demonstra o autor:
Os dados sociais, as contingências históricas da coletividade, as
contradições entre o dever teórico e o comportamento efetivo, a média das
aspirações e das repulsas populares, os anseios dominantes do Povo ou de
uma população, tudo isto, em conjunto, é que constitui o manancial de onde
emanam normas espontâneas de convivência, originais intentos de
ordenação, às vezes usos e costumes, que irão inspirar a obra do
legislador.152

Significa dizer que da interação dos seres humanos entre si, e destes com o
meio ambiente que o circunda, da convivência que impera na comunidade, é que se
manifesta a ideia dos mandamentos autorizantes que o legislador forja como leis
legítimas.
Já a fonte legítima secundária das leis, é o conjunto de legisladores que
compõem os órgãos legislativos do Estado. Porém, estes só são fontes legítimas
das leis enquanto estiverem representando, autorizadamente, a coletividade como
um todo. Conforme assevera o autor, o Povo é quem outorga os poderes
legislativos, e somente o Povo é detentor da competência para escolher os seus
representantes.
Por esse motivo é que as normas jurídicas, ou leis, que não advém do interior
da coletividade e não foram editadas em conformidade com os processos prefixados
pelos representantes do Povo, e sim impostas de cima para baixo, são ilegítimas,
conforme elucida o autor:
Há, portanto, uma ordem jurídica legitima e uma ordem jurídica ilegítima. A
ordem imposta, vinda de cima para baixo, é ordem ilegítima. Ela é ilegítima
porque, antes de mais nada, ilegítima é sua origem. Somente é legítima a
ordem que nasce, que tem raízes, que brota da própria vida, no seio do
Povo.153

A exemplo de leis ilegítimas que vigoraram e vigoram no Brasil, podemos citar


as Ordenações Filipinas, de 1603, que passou a considerar como escravos apenas
os negros africanos, subjugando-os à condição de coisa154; e a Emenda
Constitucional n°. 95/2016, que instituiu o Novo Regime Fiscal brasileiro e passou a

152TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 324.
153 Ibidem, p. 325.
154 “As Ordenações Filipinas, de 1603, surgiram como o diploma legislativo mais próximo das

realidades do Novo Mundo e da exploração mercantilista das riquezas naturais das colônias. O
vocábulo ‘servo’ aparece totalmente substituído por ‘escravo’, relacionado apenas aos africanos”.
CAMPELLO, André Barreto. Manual jurídico da escravidão: Império do Brasil. 1ª Ed. Jundiaí, SP:
Paco, 2018, p. 34.
49
limitar o crescimento dos gastos federais pelos próximos 20 anos 155, emenda que,
antes de aprovada, chegou a ser considerada uma “máquina brasileira de produzir
desigualdade”156.
Enfim, conclui o autor que toda ordem imposta é uma violência, sendo que,
em determinadas ocasiões, de convulsão social, pode ser reconhecida como um
remédio emergencial, conquanto, é um remédio que não pode ser utilizado por um
período de tempo prolongado, porque pode ocasionar males piores que os causados
pela doença157.

3.6 – O Direito Quântico


Sendo o ser vivo uma obra resultante da seleção natural dos gêneros e das
espécies, tendo em vista que é “produto final do processo cósmico de inexoráveis
mutações”158, a sua complexidade foi aumentando mais e mais ao longo dos
milênios e de sua vivência, se tornando cada vez mais impossível separar a matéria
da inteligência.
Cumpre salientar que os primeiros passos da vida no planeta Terra, se deram
por meio de manifestações de um ácido nucleio. Foram reais mensagens genéticas,
emitidas pelo ácido desoxirribonucleico, o DNA. Estas mensagens continuam a ser
emitidas até o presente momento e são as causas determinantes dos apetites dos
seres vivos, de suas tendências e de suas vontades.
Isto significa dizer, que das mensagens do DNA dependem o impulso natural
de convivência de cada ser vivo, ou seja, a “vocação social”159, conforme apresenta
o autor, do gênero humano, é dependente das disposições genéticas do DNA. Por
tais motivos, afirma o autor que a primeira fonte da Ética se encontra inserida no
patrimônio genético do ser humano, ora vejamos:

155 PEC do teto de gastos é promulgada no Congresso. Por G1, 2016. Disponível em:
<https://g1.globo.com/politica/noticia/pec-do-teto-de-gastos-e-promulgada-no-congresso.ghtml>.
Acesso em: 5 de nov. de 2019.
156 A PEC 55 (antiga 241), é a máquina brasileira de produzir desigualdade, afirma Tânia Bacelar.

PORTELA, Laércio. Marco Zero Conteúdo, 2016. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/166-


sem-categoria/562338-tania-bacelar-a-pec-55-antiga-241-e-a-maquina-brasileira-de-produzir-
desigualdade>. Acesso em: 5 de nov. de 2019.
157 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem

jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 325.


158 Ibidem.
159 Ibidem, p. 326.

50
Tal é o motivo pelo qual dizermos que a primeiríssima fonte da disciplina da
convivência se encontra situada no patrimônio genético do ‘animal
político’.160

Como o DNA se demonstra presente em todos os seres, é certo que todos os


indivíduos da espécie humana são detentores do mesmo “fundo genético”161,
levando-o a se diferenciar dos outros seres vivos. Ou seja, o DNA do ser humano é
único, assim como o da abelha, o da formiga e dos demais animais, sendo que, as
disposições genéticas do DNA é que são determinantes para diferenciar uma
espécie da outra.
Conquanto, o DNA humano não é alterado somente por suas mutações
naturais. Restou comprovado que os meios ambientes diversos causaram e causam
diversas mutações em seu patrimônio genético coletivo, o que resultou na formação
de estados de consciência e índoles diferentes, em grandes e sortidas sociedades.
Tais mudanças epigenéticas, foram as principais determinantes dos variados estilos
sociais dos povos e das nações, bem como de seus costumes e suas ordenações
éticas ímpares.162
Aliás, as disposições genéticas de cada ser humano em particular são
causadoras de sua própria identidade, de suas tendências naturais e de suas
peculiares predisposições. Por tal motivo, assevera o autor que, a interação natural
dos patrimônios genéticos e dos fatores circunstanciais do meio em que estão
inseridos os seres, é fundamental para a real compreensão da liberdade humana e
da interpretação das leis, ora vejamos:
Tal é a razão pela qual uma verdadeira compreensão do comportamento
humano e da liberdade – assim como a correta interpretação das LEIS que
regem comportamento e liberdade – exige clara consciência da interação
natural das predisposições genéticas e dos fatores circunstanciais do meio
em que transcorre a existência dos seres.163

Daí, então, a necessidade da aplicação do Direito Quântico nas interações


jurídicas humanas, porque só compreendendo a real origem e natureza deste ser
vivo, será possível compreender e aplicar a norma jurídica em seus atos.
Conforme assevera o autor, o termo Direito Quântico foi criado com o
propósito determinado de demonstrar que as Leis, que são criações da inteligência

160 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 326.
161 Ibidem.
162 Ibidem.
163 Ibidem.

51
para ordenar o comportamento dos seres humanos em sociedade, são oportunas
expressões culturais de implícitas, silenciosas e ininterruptas disposições genéticas
oriundas da natureza164. Ou seja, este particular do Direito surge do interior das
disposições quânticas dos seres vivos. Surge para instituir a Ordenação Jurídica na
convivência e harmonia humana.

4 – A AUSÊNCIA DA TUTELA ESTATAL BRASILEIRA DIANTE DAS


NECESSIDADES DA POPULAÇÃO NEGRA
Explicitado os conceitos básicos da mecânica quântica, a movimentação
probabilística das micropartículas e a relação destas com o Direito Quântico, nos
capítulos anteriores, passa-se, nesse momento, a apresentar um estudo de caso,
em que, se aplicando o Direito Quântico, pretende-se demonstrar a ausência da
tutela estatal brasileira diante das necessidades da população negra, aqui
compreendida como pretos e pardos.
Para isso, será feita uma abordagem histórica da inserção forçada dos
africanos no Brasil colônia, seguida pela demonstração da atual situação em que se
encontram os seus descendentes, para que, por fim, possa ser feita uma análise sob
a ótica do Direito Quântico.

4.1 – A Escravização dos Africanos e sua Diáspora para o Brasil


Conforme é apresentado por Jaime Pinsky, em sua obra “A Escravidão no
Brasil”, o processo de escravidão brasileira foi decorrente da falsa descoberta do
país pelos portugueses. Visto que não se há relatos de quaisquer relações
escravistas de produção nas sociedades indígenas e africanas. Não significa dizer
que não se tinha escravos entre as estas variadas sociedades, mas os eventuais
casos de escravização, que eram sempre precedidos de lutas entre as tribos e\ou
sociedades, não tinham grande impacto na estrutura econômica e nas relações de
produção na tribo e\ou sociedade vitoriosa165.
Salienta este autor, que a primeira experiência portuguesa com a
escravização de africanos se deu em 1441, quando Antão Gonçalves trouxe de
presente para o D. Henrique, cerca de meia dúzia de africanos capturados na costa

164 TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem
jurídica. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 326-327.
165 PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010, p. 7.

52
do Saara. Naquela época, Portugal, graças à guerra da independência contra
Castela, se encontrava com sua população cada vez mais diminuta, sendo que a
chegada dos africanos, com experiência em pecuária, artesanato com madeira,
agricultura e mineração166, formava uma espécie de compensação dessa perda
populacional, abrindo mais espaços para a migração da mão de obra útil portuguesa
para a África e para as Índias167.
Conforme apresenta PINSKY, a população negra em Portugal, no século XV,
aumentara bastante, em atuação de atividades agrícolas e domésticas. No entanto,
surgiu uma nova forma de mercado, em flagrante contrariedade ao interesse da
aludida repovoação de Portugal, qual seja, o tráfico de escravos para outros
locais168.
Os comerciantes portugueses passaram a ver nos africanos uma espécie de
produto, que de certa forma se demonstrava oriundo de uma fonte inesgotável e
pronto pra ser utilizado, bastando que fossem capturados169. Dessa forma, os
portugueses passaram a se valer do lucrativo sistema de tráfico de pessoas, assim
como, os senhores de escravos passaram a se valer da lucrativa força de trabalho
africana para preencher suas lavouras, ora vejamos as considerações de PINSKY:
Verificamos assim que, ao lado do interesse português na presença do
escravo como fonte de trabalho e serviços, já encontramos o negro-
mercadoria, aquele que era tratado pelo comerciante da mesma forma que
a malagueta ou o marfim africanos. (...) Assim, se permitem abastecer
Espanha e Itália e, principalmente, as ilhas mediterrâneas produtoras de
açúcar e, em seguida, suas próprias ilhas atlânticas – Madeira, São Tomé,
Açores, e Cabo Verde.170

Dessa forma, PINSKY conclui que ao longo do século XVI já era possível de
se encontrar diversos elementos constitutivos da grande lavoura escravista, que se
desenvolveria mais tarde no Brasil. Seriam os traficantes de pessoas, os
proprietários, os escravos africanos – compreendidos como força de trabalho e
mercadoria – e as grandes lavouras açucareiras. No entanto, ainda faltava um palco

166 “Assim, simplesmente atribuir às sociedades africanas negras o caráter de “atrasadas” ou


“primitivas” é não apenas um preconceito injustificável mas um erro histórico. Lançando um rápido
olhar sobre a África na época dos descobrimentos, no início do tráfico mercantilista, podemos
reconhecer desde grupos com organização social tribal, como povos já divididos em classes sociais e
sociedades tribais-patriarcais. Agricultura, pecuária, artesanato com madeira e metal eram atividades
econômicas desenvolvidas com bastante competência.” PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. São
Paulo: Contexto, 2010, p. 15.
167 Ibidem, p. 8.
168 Ibidem, p. 8-9.
169 Ibidem.
170 Ibidem, p. 9.

53
principal, onde tal atividade se desenvolveria de maneira desenfreada, sob o apoio
constante da Igreja Católica e da Coroa, local este que logo foi encontrado, em
1500.
Importante frisar que o processo de escravização dos africanos não se tratava
de pessoas que tinham a vontade de se dispor aos comandos dos portugueses, pelo
contrário, conforme PINSKY demonstra, se tratavam de indivíduos, que foram
trazidos, à força e contra a sua vontade, para laborarem no projeto da grande
lavoura. Continua dizendo este autor que, naquela época, existia um problema real
para os latifundiários: a ausência de mão de obra em grande escala, que fosse
obediente e de custo operacional baixo, para que o projeto da grande lavoura
pudesse se estabelecer de maneira adequada171.
Para mais, a exploração do Brasil não se deu de maneira metódica e racional,
conforme demonstra Sérgio Buarque de Holanda, em sua obra “Raízes do Brasil”.
Na realidade, a exploração do Brasil se apresentou com abandono e desleixo,
afastada de uma vontade de construção social. Afirma este autor que os
portugueses, ingleses e espanhóis eram típicos aventureiros, com pouca disposição
para o trabalho, sendo o ideal do trabalhador, para eles, um ideal estúpido e
mesquinho172. Registrou este pesquisador:
Se isso é verdade tanto de Portugal como da Espanha, não o é menos da
Inglaterra. O surto industrial poderoso que atingiu a nação britânica no
decurso do século passado criou uma ideia que está longe de corresponder
à realidade, com relação ao povo inglês, e uma ideia de que os antigos não
partilhavam. A verdade é que o inglês típico não é industrioso, nem possui
em grau extremo o sendo da economia, característico de seus vizinhos
continentais mais próximos. Tende, muito ao contrário, para a indolência e
para a prodigalidade, e estima, acima de tudo, a ‘boa vida’.173

Logo, a terra brasileira, amplamente farta de recursos e de fácil aceitação


para o plantio, se tornou o objeto da colonização europeia. Mas ainda faltava a mão
de obra, além do mais, conforme demonstra HOLANDA, o português tinha o
interesse de buscar riqueza sem trabalho, da mesma forma em que tinha alcançado
na Índia, com as especiarias e os metais raros.
Conforme continua demonstrando HOLANDA, não se pode aplicar a palavra
“agricultura” aos processos de exploração das terras brasileiras com os engenhos de

171 PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010, p. 13.
172 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 44.
173 Ibidem, p. 45.

54
cana, isto porque, a técnica europeia devastou as florestas tropicais, pela agricultura
e pela extração vegetal174.
Por outro lado, PINSKY assevera que o africano fora trazido para realizar o
papel de “força de trabalho compulsória, numa estrutura que estava se organizando
em função da grande lavoura”175, ou seja, o interesse principal dos produtores era
em produzir para o mercado, de forma que a lógica da grande lavoura só poderia ser
atingida com a fundamental mão de obra escrava. Assim, a grande lavoura, que já
se encontrava estabelecida no sistema mercantilista globalizado do século XVI, tinha
como destinatário principal o mercado mundial e como condição básica para
existência, a mão de obra escrava. Para mais, também poderia ser caracterizada
como um trabalho coletivo, que partia de um comando unificado, conforme aduz
PINSKY:
Realmente, a estrutura de poder na grande lavoura baseava-se na família
de proprietários – de terra e de escravos – sob cuja direção gravitavam
feitores, agregados e principalmente escravos. Na grande lavoura, horários,
tarefas, ritmo e turnos de trabalho eram todos determinados pelo
proprietário e sua equipe. Para aqueles que têm o (bom) hábito de
comparar, observe-se aqui a flagrante distância entre essa forma de
organização de trabalho centralizada e a organização feudal, na qual
pequenas unidades produtivas de caráter familiar dispunham de relativa
autonomia.176

Além disso, nos moldes em que é aduzido por CAMPELLO, a escravidão no


Brasil ultrapassava a relação de força de um grupo social sobre o outro, alcançando
o patamar de um fenômeno social legitimado, visto que se estruturava no
ordenamento jurídico brasileiro.177 Ademais, na perspectiva deste autor, a
escravidão representou “o verdadeiro alicerce jurídico da sociedade brasileira”178,
tendo em vista que as relações sociais eram eivadas pelo instituto jurídico da
escravidão.
Este autor também registra que distorcidas são as visões da escravidão,
elucidada no fato de que a escravidão era passivamente aceita pelos africanos e
seus descendentes, e que consequentemente se estabelecia em um ambiente

174 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 49.
175 PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010, p. 13.
176 Ibidem.
177 CAMPELLO, André Barreto. Manual jurídico da escravidão: Império do Brasil. 1ª Ed. Jundiaí, SP:

Paco, 2018.
178 Ibidem, p. 15.

55
paternalista179, e no fato de não houvesse um direito positivado que gerasse
fundamentos jurídicos para exercer o direito de propriedade sobre outros seres
humanos, o que se demonstra uma inverdade, tendo em vista que, apesar de não
ter existido um Código Preto180 no Brasil, a escravização dos africanos foi amparada
por uma legislação, que mais tarde, fora incorporada pela Constituição de 1824,
conforme é asseverado por CAMPELLO:
Por fim, também incorreta é a visão de que não havia um direito positivo
que possibilitasse a construção de fundamentos jurídicos para a relação de
propriedade sobre outro ser humano. Nunca houve, de fato, um Código
Negro no Brasil, como em vigor em outras localidades da América, isto é,
um diploma jurídico púnico que viesse a regulamentar o sistema de trabalho
escravo, o tráfico, os órgãos administrativos, bem como os castigos,
estabelecendo sanções e multas por seus descumprimento. Entretanto, isso
não significa que não existia um arcabouço jurídico que viesse a
regulamentar as complexas situações decorrentes das relações humanas
presentes na exploração da mão de obra escrava, bem como seus
conflitos.181

Portanto, conforme salta aos olhos, a escravidão aqui retratada tinha o apoio
da Coroa Portuguesa e, posteriormente do Império do Brasil, que legitimavam e
dispunham de diversas normas jurídicas para fundamentar seu exercício. Fato é,
que se tinham normas jurídicas especificamente direcionadas aos escravos, como
as Ordenações Filipinas182; a Constituição de 1824183; a Lei Euzébio de Queirós, de

179 “Igualmente distorcida é a perspectiva de que a escravidão era passivamente aceita pelos
escravos, urbanos ou rurais, e que tais relações se assentavam em um ambiente de cordialidade
entre senhores e servos, sempre de forma paternalista ou de franca e respeitosa camaradagem.
Longe disso, a escravidão era uma relação social que, por meio da violência (potencial ou efetiva,
mas sempre presente), brutalizava toda a sociedade, tornando-a quase insensível a um problema que
atingiam milhões de indivíduos que viviam no cativeiro, muitas vezes ilicitamente”. CAMPELLO, André
Barreto. Manual jurídico da escravidão: Império do Brasil. 1ª Ed. Jundiaí, SP: Paco, 2018, p. 18.
180 Segundo Silva Júnior (2013, p. 155), “uma coletânea de regulamentos compilados até o presente,

concernentes ao governo, à administração da justiça, à polícia, à disciplina e ao comércio de negros


nas colônias francesas”. Apud ibidem, p. 27.
181 Ibidem, p. 18-19.
182 “As Ordenações Filipinas, de 1603, surgiram como o diploma legislativo mais próximo das

realidades do Novo Mundo e da exploração mercantilista das riquezas naturais das colônias. O
vocábulo ‘servo’ aparece totalmente substituído por ‘ escravo’, relacionado apenas aos africanos. (....)
Neste diploma legal, as normas sobre escravidão estavam agrupadas no Livro IV (direito civil
substantivo) e no Livro V (direito penal e processual criminal) das Ordenações Filipinas”. Ibidem, p.
34.
183 “A escravidão não estava prevista, expressamente, em nenhum dos dispositivos da Constituição

Imperial de 1824. (...) Dispor sobre a escravidão em uma Constituição liberal seria uma contradição,
entretanto, o legislador constituinte encontrou uma saída: implicitamente, fez referência aos cidadãos
brasileiros libertos, isto é, aqueles que emergiram da capitis diminutio máxima [perda da liberdade],
passando a gozar de seu status libertatis, mas sem alcançar o mesmo status civitatis dos cidadãos
brasileiros ingênuos. Tal conclusão pode ser ratificada pela leitura da Constituição de 1824, em seu
art. 6º, § 1º, a qual classificava os cidadãos brasileiros em duas categorias, os ingênuos e os libertos”.
Ibidem, p. 56-57.
56
1850184; a Lei do Ventre Livre, de 1871185; a Lei do Sexagenário, de 1885186; e o
Código Criminal do Império e várias outras normas jurídicas.
Para mais do apoio Estatal, o instituto jurídico da escravidão recebia amplo
apoio e incessante incentivo da Igreja Católica, a qual apregoava que a escravidão
era para o próprio bem do escravo e para a salvação de sua alma, sendo que o
escravo era obrigado a abdicar de seu nome, religião e qualquer outro aspecto
cultural que remetesse à sua origem187, conforme assevera PINSKY, “o escravo não
apenas podia ser católico: ele tinha que sê-lo”188. Ademais, a Igreja Católica
mantinha presente e constante atuação no papel de ensinar mansidão e
conformismo ao escravo, obrigando-o a compreender o seu senhor como um pai,
ora vejamos sua compreensão:
O senhor deveria ser entendido como um pai, severo e duro, temido e
respeitado, que tudo fazia para o bem dos seus filhos. (...) Tanto em Cuba,
como no Brasil, a par da exploração material, acenava-se com a igualdade
espiritual; conviviam o fato da miséria terrena e o ideal do paraíso celeste;
argumentava-se com o infinito àqueles que só enxergavam suas cadeias;
acenava-se com um assento à mesa de Deus aos miseráveis que engolia sua
comida nojenta de cócoras; falava-se de plenitude aos carentes, de calor aos
que tinham frio, de alegria aos tristes, de alívio aos sofridos.
Tudo isso, porém, só poderiam obter se cumprissem o seu dever. Porque a
virtude do homem – dizia a religião para o escravo – estava em trabalhar duro
para o seu sustento; em conformar-se e se manter manso (Cristo não o
fora?); em submeter-se à ordem vigente, em respeitar o senhor e arrepender-
se das faltas – mesmo pequenas – que eventualmente cometesse.”189

184 “Em síntese, o tráfico de escravos foi equiparado à pirataria prevista no Código Criminal do
Império. Os escravos apreendidos seriam ‘reexportados’ para o porto de origem ou para qualquer
lugar fora do império, por ato discricionário do poder público. Enquanto esse ato de ‘reexportação’
não era concretizado, eles eram empregados em trabalho debaixo da tutela do Governo, não sendo
em caso algum concedido os seus serviços a particulares”. CAMPELLO, André Barreto. Manual
jurídico da escravidão: Império do Brasil. 1ª Ed. Jundiaí, SP: Paco, 2018, p. 123.
185 “Por tais dispositivos [Lei nº. 2.040, de 28 de setembro de 1871], a aquisição do status libertatis

não mais estava condicionada à manifestação de vontade do senhor: a lei concedia ao escravo o
direito à alforria se o seu pecúlio fosse suficiente para indenizar o seu senhor, ou mesmo concedia a
possibilidade de a indenização se adimplida por meio de trabalho. a justificativa para a indenização
decorre, claramente, do dispositivo no § 22, do art. 179, da Constituição de 1824, que prescreve a
exceção ao direito à propriedade”. Ibidem, p. 177.
186 Segundo Mattoso (2016, p. 202), “A lei de 28 de setembro de 1885, ‘Lei do Sexagenário’, que

libertava os adultos com mais de 60 anos, previa também que o escravo alforriado devia indenizar
seu senhor e que, se fosse incapaz de fazê-lo em dinheiro, deveria servi-lo por mais três anos se
tivesse entre 60 e 62 anos, os outros, até 65 anos. Sabe-se que em 1887, na Província de São Paulo,
2.553 escravos foram libertados em aplicação da lei e, entre eles, 2.503 obtiveram a liberdade com
cláusulas que impunham um tempo de serviço muito mais longo do que aquele estipulado pela lei”.
Apud ibidem, p. 317.
187 “O escravo era batizado logo que chegava ao seu local de trabalho – fazenda ou cidade –

recebendo um nome ‘cristão’. Devia esquecer a forma pela qual era chamado no seu lugar de origem.
A atribuição de um novo nome e o batismo representavam a transformação do cativo em escravo, isto
é, o início do trabalho compulsório”. PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto,
2010, p. 31.
188 Ibidem, p. 29.
189 Ibidem, p. 30.

57
Outrossim, importante é salientar, que a grande atividade lucrativa do Brasil,
durante o período da escravidão, não era a utilização de mão de obra escrava, e
sim, o próprio tráfico de escravos em si, conforme apresenta CAMPELLO190.
Continua dizendo este autor que chegou um período em que o tráfico de escravos
começou a consumir a própria atividade produtiva. Vez que os proprietários
importadores se viram em fronte a dívidas astronômicas, tendo que hipotecar as
suas terras e as perdendo para os traficantes de escravos, enquanto estes sugavam
as riquezas oriundas da atividade produtiva para financiar o próprio tráfico. Ademais,
o Estado era detentor de lucros, que eram gerados pelos impostos e tributos que o
mesmo impunha sobre o tráfico de escravos.
Isto se defere do fato de que, conforme elucida CAMPELLO, o preço de um
escravo não era um preço acessível para todas as pessoas, sendo que tinha um
valor de mercado muito alto no comércio jurídico do Brasil Imperial, sendo
necessário um grande investimento de capital, como ele registra:
Duas dezenas de escravos homens, na faixa de vinte anos, aptos ao
trabalho braçal, valiam tanto quanto um engenho inteiro, com a casa grande
e toda sua mobília, na Zona da Mara de Pernambuco. Quanto mais o
escravo estivesse apto, seja pela idade ou por saúde, ao trabalho (e a
procriação), maior o seu valor. Para se fazer uma comparação, por volta de
1870, uma imagem trabalhada em ouro de um santo padroeiro de uma
Paróquia, em Paudalho, na Província de Pernambuco, era estimada em
quatro mil-réis; a um escravo crioulo de 17 anos atribuía-se um valor de
mais de um conto e duzentos mil-réis.191

Para mais, com o advento da Lei Eusébio de Queirós192, que extinguiu o


tráfico intercontinental de escravos, e com o aprofundamento da crise econômica no
Nordeste, sofrido pela seca, o tráfico interprovincial de escravos passou a ser a nova
forma de movimentar a economia brasileira, a partir de 1850, o que produziu um
grande desnível entre as Províncias do Império. Demonstra CAMPELLO, de maneira
simples, que houve transferências volumosas de escravos das regiões Norte e

190 CAMPELLO, André Barreto. Manual jurídico da escravidão: Império do Brasil. 1ª Ed. Jundiaí, SP:
Paco, 2018, p. 81.
191 Ibidem, p. 149.
192 “Art. 1º As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras encontradas

nos portos, enseadas, ancoradouros, ou mares territoriais do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja
importação é proibida pela Lei de sete de novembro de mil oitocentos e trinta e um, ou havendo-os
desembarcado, serão apreendidas pelas autoridades, ou pelos Navios de guerra brasileiros, e
consideradas importadoras de escravos.
Aquelas que não tiverem escravos a bordo, nem os houverem proximamente desembarcado, porém
que se encontrarem com os sinais de se empregarem no tráfico de escravos, serão igualmente
apreendidas, e consideradas em tentativa de importação de escravos”. Ibidem, p. 122.
58
Nordeste do Brasil para os centros cafeicultores do Sudeste193, de maneira que foi
extremamente vantajoso para as finanças públicas brasileiras, em vista dos pesados
tributos que começaram a incidir sobre o tráfico interprovincial, conforme é elucidado
por Luís Luna, que fora citado por CAMPELLO:
Esse tributo de competência tributária do Município neutro e das
Províncias, poderia ser instituída para incidir sobre a compra e venda
de escravos, em operações inter ou intraprovinciais. Em São Paulo,
com a fixação da alíquota de 5% sobre a operação, chegou-se a uma
receita equivalente a 7% da renda global. Por essa razão, também
não existia interesse para a abolição, já que a manutenção da
escravidão era um negócio ótimo para s cofres públicos.194

Portanto, o que se conclui do período Imperial do Brasil, até o alcance da Lei


Áurea, promulgada em 1888, é que a população negra não era detentora de
nenhuma proteção ou tutela estatal, para mais, os negros nem eram considerados
como pessoa, sendo considerados como uma coisa, como um produto mercantil que
gerava enormes rendas para os traficantes de escravos e para o próprio Estado.
Em contradição, apesar de serem considerados como bens semoventes com
regime jurídico especial, no âmbito civil, os negros eram considerados legalmente
capazes, ou seja, imputáveis, para o direito penal, sendo que estavam submetidos
ao Código Criminal, conforme elucida Elciene Azevedo, que é citada por
CAMPELLO:
Se perante o direito civil o escravo era considerado bem semovente,
portanto sem nenhum direito ou obrigações jurídicas, perante a lei
penal não só era plenamente responsabilizado por seus crimes como
deveria responder a processo e ir a julgamento. (...) No Código
Criminal, portanto, os escravos eram tratados como homens
plenamente responsáveis por seus atos, considerados legalmente
capazes de arcar com suas responsabilidades criminais perante o
Tribunal do Júri como um cidadão qualquer. 195

Disto se infere a total falta de tutela do Estado para com os negros, que eram
reconhecidos como cidadãos somente no momento em que figuravam como agentes
ativos de algum crime qualquer, sendo revelada para a população negra somente a
face acusatória e punitiva do Estado, com a evidente intenção de negação e de
impor inferioridade aos negros.
Além de que, se conclui que o instituto jurídico da escravidão era composto
de duas frentes, uma jurídica e estatizada, e a outra religiosa e cultural. Ademais,

193 CAMPELLO, André Barreto. Manual jurídico da escravidão: Império do Brasil. 1ª Ed. Jundiaí, SP:
Paco, 2018, p. 124.
194 Apud Ibidem, p. 157.
195 Apud Ibidem, p. 223-224.

59
levando-se em conta os ensinamentos de Goffredo Telles Júnior, é passível de
percepção de que, em um sentido amplo, ambas as frentes estão inseridas no
mundo da cultura, o que nos leva a compreender que o processo de instauração e
de manutenção da escravidão no Brasil foi uma verdadeira tentativa de destruição e
de negação de toda uma cultura continental, visto que os africanos que foram
submetidos à escravidão eram de várias nações diferentes196.
Um dos exemplos mais marcantes de tentativa de destruição e de negação da
cultura africana é localizado em Benin, mais especificamente em seu litoral marítimo,
local que era conhecido como Costa dos Escravos, devido ao comércio ativo
praticados pelos portugueses em 1472. Neste local fora construído um forte,
denominado Forte de São João Batista de Ajudá, assim como o Portal do Não-
Retorno e a Árvore do Esquecimento197.
O Portal do Não-Retorno, que era voltado para o oceano, era a última parada
dos escravos antes de irem para as Américas, e oferecia a última visão da África aos
cativos. Já a Árvore do Esquecimento era uma árvore que era considerada mágica
pelos africanos, de forma que acreditavam que ela detinha o poder de fazer as
pessoas esquecerem seus nomes, suas família, sua história e sua terra. Os
africanos eram obrigados a darem voltas (nove voltas, os homens; sete voltas, as
mulheres) em torno da Árvore do Esquecimento para que a mesma os fizessem
esquecer de sua história.
Assim, posto que o sistema escravista desumanizou milhões de seres
humanos, com diversos argumentos jurídicos e morais, sob as vistas de uma
sociedade que aceitava e se apoiava neste sistema, é possível compreender que o

196 “Dessa forma poderemos notar uma grande variedade de grupos negros trazidos ao Brasil pelos
traficantes (portugueses e ingleses, os mais expressivos já no século XVIII). Se temos os guinéus e
os angolanos, temos também os bantus, os sudaneses, os minas, entre outros. A multiplicidade de
etnias e clãs era decorrente não apenas do processo de apresamento do negro que, como vimos,
variava com o tempo; decorria também do interesse que os senhores tinham em ter escravos de
diferentes origens; isso a seu ver, representaria a diversificação de hábitos, língua e religião,
dificultando a integração da população escrava e o surgimento de qualquer espécie de organização
conduzida por eles”. PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010, p. 17.
197 “O portal, com cerca de 15 metros de altura, tem, na parte superior do arco, figuras de homens

nus, acorrentados, caminhando em direção ao mar. Ao lado do portal, esculturas em metal


representam as famílias dos prisioneiros”. 11 lugares de memória da escravidão na África e no
Caribe. Por Geledés – Instituto da Mulher Negra, 2015. Disponível em:
<https://www.geledes.org.br/11-lugares-de-memoria-da-escravidao-na-africa-e-no-caribe/>. Acesso
em: 9 de nov. de 2019.
60
escravo não passava de um “meio para reproduzir as riquezas de quem os
possuía”198.
Conquanto, a escravidão ia além, chegando a se creditar o fato de que este
sistema só existia para manter o tráfico transoceânico de seres humanos, que era
atividade muito mais lucrativa e que fomentava a ganância dos traficantes de
pessoas e dos próprios Estados ou Províncias, além do próprio Império, tendo em
vista os pagamentos dos altíssimos tributos. A violência estava estampada em todas
as fases do sistema escravista, que conforme salienta CAMPELLO, alcança um nível
incompreensível para as pessoas do século XXI199.
A Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, serviu apenas para declarar findo um
sistema que já não se mantinha inteiro mais, a qual tinha a intenção escusa de
transformar a Regente, Princesa Isabel, em Redentora e Imperatriz do Brasil 200,
conforme dispõe CAMPELLO. Ressalta este autor que os escravos jamais foram
integrados, de maneira efetiva, à sociedade brasileira, visto que não havia interesse
político para essa integração, bastando a liberação formal201.
Passado a analise do período colonial, começaremos a verificar o período
subsequente.

4.2 – Do Período Pós-Abolição até o Estado Democrático de Direito


Em 1888, já não existia nenhuma sociedade na América que tivesse a sua
legislação com face para o trabalho escravo, somente o Brasil.
O ideal republicano começava a se irradiar pelo Império do Brasil, que dava
seus últimos suspiros, assim como o regime de exploração da mão de obra africana
e de seus descendentes. Antes do advento da Lei Áurea, as fugas eram cada vez
mais frequentes, assim como a pressão exercida pelos movimentos abolicionistas da
época.
No entanto, a libertação dos africanos e seus descendentes se deu de
maneira meramente formal, sendo que não fora instituída nenhum tipo de política
pública ou auxílio estatal que visasse oportunidades de vidas dignas para a

198 CAMPELLO, André Barreto. Manual jurídico da escravidão: Império do Brasil.” 1ª Ed. Jundiaí, SP:
Paco, 2018, p. 326.
199 Ibidem, p. 327.
200 Ibidem, p. 330.
201 Ibidem.

61
população negra202. De fato, a escravidão havia acabado, mas a desigualdade social
não.
O período festivo que se deu em sequência à promulgação da Lei Áurea 203,
logo fora substituído pela realidade. Primeiro com a promulgação, por Rui Barbosa,
do Decreto de 14 de dezembro de 1890, que determinou a queima dos arquivos
referentes à escravidão dos africanos e de seus descendentes, sob a justificativa de
se apagar da história brasileira o instituto da escravidão dos africanos e de seus
descendentes e de evitar futuras indenizações dos senhores de engenho.
Importante se faz registrar a citação de um trecho do voto do Ministro Marco Aurélio
de Mello no Habeas Corpus nº 82.424/RS:
Diante dos horrores da escravidão negra no Brasil, Rui Barbosa, à época
Vice-Chefe do Governo Provisório e Ministro da Fazenda, determinou, por
meio do Decreto de 14 de dezembro de 1890, que se destruíssem todos os
documentos referentes à escravidão/Intentava com esse gesto apagar, da
história brasileira, o instituto – como se isso tivesse o condão de fazer
desaparecer da memória nacional a carga do sofrimento suportada pelo
povo africano e pelos afrodescendentes – e evitar possíveis pedidos de
indenização por parte dos senhores de engenho.
O ilustre baiano não se apercebeu que determinação em tal sentido, além
de imprópria a alcançar o fim desejado – apagar a mancha da escravidão
feita a sangue no Brasil -, subtrairia às gerações futuras a possibilidade de
estudar a fundo a memória do País, o que as impediria, por conseguinte, de
formar um consciente coletivo baseado na consideração das mais diversas
fontes e de emergir do legado transmitido – a ignorância.204

Ficou pior, com a entrada da população negra em uma sociedade que jamais
quedou o olhar sobre ela, a não ser o olhar punitivista e sancionador, que sempre
lhes desprezou e subjugou205.
Para mais, a população negra passou a migrar para outras áreas,
principalmente entre os negros mais jovens, seja pela falta de opção de trabalho,
seja por optarem por se afastarem do local onde eram aprisionados e tratados como
objeto206.
Como se não bastasse a falta de tutela do Estado, já Republicano, para com
os negros recém-libertos, os grandes proprietários de terra, que não estavam em

202 Artigo, À própria sorte. Revista Momentos da História, Ano 2, nº 8. Editora Alto Astral, 2019, p. 20.
203 CAMPELLO, André Barreto. Manual jurídico da escravidão: Império do Brasil.” 1ª Ed. Jundiaí, SP:
Paco, 2018, p. 303-304.
204 PIZA DUARTE, Evandro; SCOTTI, Guilherme; NETTO, Menelick de Carvalho. Ruy Barbosa e a

queima dos arquivos: as lutas pela memória da escravidão e os discursos dos juristas. Universitas
Jus, v. 26, n. 2. UNICEUB, 2015. Disponível em:
<https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/jus/article/view/3553>. Acessado em: 9 de nov. de
2019.
205 Artigo, À própria sorte. Revista Momentos da História, Ano 2, nº 8. Editora Alto Astral, 2019, p. 21.
206 Ibidem.

62
consonância com a abolição da escravidão e pela consequente perca da mão de
obra, se defrontaram com a recusa dos negros para trabalhar em troca de péssimos
salários e em condições de trabalho deploráveis. Diante disso, os senhores de
engenho forçaram as autoridades a impedir o processo migratório dos negros, o que
resultou em uma repressão institucionalizada contra as denominadas “vadiagem” e
“vagabundagem”207.
Além do que, as crianças negras também foram vítimas de novas agressões
por parte dos ex-senhores de escravos, que reivindicavam, às vezes à força, a
tutoria desses jovens, sob a alegação de que com o investimento deles, as crianças
teriam melhores qualidade de vida, o que na realidade era apenas a manutenção da
força de trabalho nas casas escravocratas208.
Após quase quatro séculos de trabalho forçado e de sofrimento constante, e
mais de 5 milhões africanos reduzidos à meros objetos, a abolição veio e deixou os
negros de mãos vazias, os quais se viram obrigados a sair das senzalas, para uma
terra estranha e diferente da sua. Sem condições materiais para poderem se
reerguer, e sem qualquer tipo de política pública promovida pelo Estado, os negros
se viram obrigados a se manter à margem da sociedade.
Porém, o Estado brasileiro, logo após a abolição, promoveu uma política
pública de fomentar a imigração europeia para o Brasil, oferecendo salários e
porções de terra para italianos, alemães, espanhóis e outros que viessem para o
Brasil para ocuparem o posto de trabalho que fora exercido por mais de 300 anos
pelos africanos e seus descendentes. O que, insta salientar, caso fosse oferecido da
mesma forma aos negros, seriam deles209. Situação que é elucidada da seguinte
maneira:
Em levantamento realizado pelo historiador Petrônio José Domingues, havia
no Brasil pós-abolição cerca de quatro milhões de pessoas ociosas – sem
emprego. Entre 1851 e 1900, dois milhões de imigrantes europeus
chegaram ao Brasil. Com isso, a oportunidade de trabalho e terra aos
negros, que deveria ser oferecida, mas não foi, atraiu os europeus. O
motivo disso, além do racismo, seria algo complementar: a ideologia do
‘branqueamento’.210

207 Artigo, À própria sorte. Revista Momentos da História, Ano 2, nº 8. Editora Alto Astral, 2019, p. 21-
22.
208 Ibidem, p. 22.
209 ibidem.
210 Ibidem.

63
Desta forma, resta cediço a continuação de um sistema que excluía os
negros, ainda não considerados como cidadãos, visto que não tinham direito de
voto, de se incluírem na sociedade brasileira, o que pode ser cabalmente
demonstrado pela fala de Joaquim Nabuco, um dos nomes importantes do
movimento abolicionista brasileiro, que escreveu em 1883, que o movimento
abolicionista desejava um país:
Onde, atraída pela franqueza das nossas instituições e pela
liberalidade do nosso regime, a imigração europeia traga sem cessar
para os trópicos uma corrente de sangue caucásico vivaz, enérgico e
sadio, que possamos absorver sem perigo.211

Neste enredo, a população negra obteve a liberdade, mas não obteve acesso
ao processo de formação da sociedade brasileira, que a marginalizou econômica e
politicamente, impedindo, com o aval do Estado, seu acesso à esfera política e
pública, onde seriam capazes de articular sua própria narrativa212.
De forma que a inclusão do imigrante europeu como trabalhador livre, no
sistema de produção brasileira, e a perda da força do movimento abolicionista,
desfeito logo após a abolição, foram fatos marcantes para o impedimento da
diáspora africana no Brasil de assegurar a sua liberdade formal213.
Sem a oportunidade de uma ascensão social e de uma melhora nas
condições de vida, alguns libertos optaram por retornar à África. Outros se viram
compelidos a garantir a sua sobrevivência em troca de trabalho, muitas vezes na
mesma fazenda em que eram escravos. Uma parte maior se dirigiu às cidades em
busca de sub-empregos e do trabalho informal, ora vejamos um registro histórico:
Vendedores ambulantes, empregadas domésticas, quitandeiros, além da
prostituição, ganharam espaço, bem como os cortiços, habitações de baixo
custo e baixa qualidade, que serviam de lar para os novos libertos – ainda
não cidadãos, uma vez que nem mesmo o direito ao voto, exclusivo para
homens letrados, era garantido. Quando não, moravam na rua. Com o
passar das décadas, processos de ‘higienização’ dos centros urbanos ainda
retiraram os negros dos locais que se estabeleceram, levando-os à margem
também das cidades, formando as favelas.214

Portanto, apesar da efetiva abolição da escravidão, os negros foram


abandonados e esquecidos pela visão protetora do Estado, o que ocasionou um

211 Apud, Artigo, À própria sorte. Revista Momentos da História, Ano 2, nº 8. Editora Alto Astral, 2019,
p. 22.
212 Ibidem.
213 Ibidem.
214 Ibidem.

64
aumento exponencial da desigualdade social no Brasil ao longo dos anos chegando
até os dias presentes.
Certo é que, desde a sua abolição, a população negra ainda continua à
margem da sociedade brasileira, que promoveu poucos avanços em relação às
políticas públicas para a inserção do negro em campos de maior dificuldade de
acesso para ele. O resultado de tal falta de tutela estatal se dá nos mais variados
dados de desigualdade do país, na disparidade social e de tratamento, dos negros
em relação à população branca.

4.3 - O Brasil e as Desigualdades Raciais

No Brasil, o fenômeno da desigualdade racial tem se mostrado parte da sua


formação histórica, do regime escravocrata, bem como da naturalização deste
fenômeno, que impossibilita grande parcela da população de exercer plenamente
sua cidadania.
Neste sentido, a questão racial brasileira possui seu embasamento na história
e relaciona-se ao processo de formação desta nação de raças plúrimas.
O modelo de produção capitalista/racista do Estado brasileiro, demonstra ser
desigual. Ao mesmo tempo em que produz riqueza para alguns, gera pobreza e
miséria para muitos. Em meio a isso, encontram-se os descendentes dos
escravizados.
Este modelo de produção divide as sociedades em classes, com formas
diferentes de acesso à serviços, à cultura, ao lazer, ao trabalho, à educação, ao
saneamento básico e etc. Assim, gera desigualdade social que não diz respeito
apenas a questões socioeconômicas, mas passam fundamentalmente por
dimensões socioculturais e étnico-raciais.
O país convive, há séculos, com uma dinâmica de distribuição de igualdade
com foco em separação por raças, que se pode claramente comparar a uma grave
doença social.
Doença esta que atua no sentido de impedir condições de igualdade e
equidade no desenvolvimento humano de parte significativa de sua população. O
que se apresenta nas mais diversas formas, sejam elas institucionais ou na ausência
de políticas públicas à parte significativa da população. Nada obstante, o Atlas da

65
Violência de 2019, demonstra que o Brasil é um dos quatro países que concentram
80% dos assassinatos de ativistas por direitos humanos registrados no mundo 215. A
exemplo disso, em 2018, foi assassinada no Rio de Janeiro a vereadora negra,
lésbica, feminista e ativista por direitos humanos Marielle Franco, caso que foi alvo
de grande repercussão nacional, o qual a investigação ainda segue em curso.
Quanto ao aspecto sócio econômico, a desigualdade social se faz presente
na maioria do povo brasileiro, atuando na segregação de parte considerável desta
população, leia-se descendentes dos escravos, nos guetos, periferias, vilas e
favelas.
Esse viés sócio-racial também está presente nos diversos componentes da
justiça criminal. Na polícia, nos juizados, tribunais e no sistema prisional, nota-se
esta disparidade. A polícia, já antes da abordagem, idealiza o negro como criminoso
em potência, os juizados percebem os negros como seu público maior. Os tribunais
idem, migrando para o sistema prisional a maioria absoluta desta população.
Sobreviver na periferia a confrontos armados entre criminosos e a polícia
oferece mínima ou nenhuma chance para os negros inocentes. O mesmo quadro
muda-se, estaticamente comprovado, quando os mesmos conflitos ocorrem entre a
polícia armada e a população não negra. Ou seja, dentro ou fora das favelas, dos
guetos e das periferias, a chance de um negro morrer num confronto armado com a
polícia é superior à dos brancos.
Isso sem falar da total insegurança nesses espaços, onde o Estado é
comumente ausente e a população não recebe a tutela jurisdicional da segurança
pública.
As favelas brasileiras são consideradas áreas de alto risco, estas são
marcadas pela ausência do Estado, pela inexistência e ineficácia dos serviços
públicos. Não dispõem de estruturas comerciais e sociais o que acaba por gerar
uma situação de isolacionismo e de difícil acesso à defesa de direitos. Tornando as
mesmas, espaços onde a violência física é sentida cotidianamente, o que acaba
sendo um grave fator de desagregação da vida comunitária e, consequentemente,
dificulta o exercício da cidadania dos que ali residem.

215 Atlas da Violência 2019. Organizado por: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum
Brasileiro de Segurança Pública. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=34784&Itemid=432>.
Acesso em 9 de nov. de 2019.
66
Esse emaranhado de situações e caos social, desacreditam a população de
alcance aos seus Direitos Objetivos e Subjetivos. Reforçam a ausência de práticas
cidadãs, demonstrando o quanto esta situação influencia no já instalado processo de
pobreza de renda, acumulando a esse a pobreza política a pobreza no exercício e
defesa de direitos, formalmente previstos na legislação.
A falta de condições dignas e cidadãs nestas comunidades impedem a
expansão de oportunidade, o direito de escolhas e, a mais grave, o direito á vida. A
juventude negra é a maior vítima das violências sociais, estruturais, políticas e
econômicas. O que confirma que grande parte da população brasileira vive em
situação de total adversidade, uma situação para além da pobreza de renda, mas
também da pobreza de direitos.
A Assembleia Geral da ONU definiu, em 1985, a juventude como as pessoas
entre os 15 e os 24 anos de idade, sem prejuízo de outras definições de Estados
Membros.216 É nesta fase que o ser humano toma consciência da sua necessidade
de independência da família, bem como da sua entrada ao mundo, composto por
grande parte da sociedade. Também é nesta fase, que grande parte do seu
aprendizado acontece longe das áreas protegidas do lar e da religião, deixando para
a oralidade a matrix da fonte do conhecimento.
Este grupo de brasileiros não tem recebido a atenção necessária pelos
setores sociais. Menos ainda o jovem negro, que enfrenta enormes barreiras,
principalmente, no acesso à educação formal, à oportunidade de trabalho e
à informações em geral.
A juventude negra brasileira é um segmento que se encontra em total
situação de vulnerabilidade social, e, portanto, mais exposta às situações de
violência. Suas diversas manifestações, principalmente quando levamos em
consideração o espaço geográfico onde habita, tornam-se determinantes para
processos discriminatórios.
Desta feita, conforme afirma WAISELFISZ, no Mapa da Violência de 2012,
entre os anos de 2002 e 2010, de acordo com dados divulgados pelo Sistema de
Informação de Mortalidade, do Ministério da Saúde, 272.422 cidadãos negros foram
assassinados no Brasil, o que representa uma média de 30.269 assassinatos por

216Alguns dados sobre a Juventude. Por Centro Regional de Informação das Nações Unidas.
Disponível em: <https://www.unric.org/html/portuguese/ecosoc/youth/Jovens-3.pdf>. Acesso em 9 de
Nov. de 2019.
67
ano, em um país que não aparenta qualquer tipo de guerra civil interna ou
externa217.
WAISELFISZ demonstrou que, no ano de 2010, enquanto as taxas de
homicídios de jovens brancos, entre os 12 e os 21 anos de idade, passaram de 1,3
para 37,3 em cada 100 mil jovens, representando um aumento de 29 vezes. As
taxas de homicídios de jovens negros, na mesma faixa de idade, aumentaram de 2,0
para 89,6 em cada 100 mil, representando um aumento de 46 vezes, ou seja, foram
assassinados aproximadamente três vezes mais jovens negros do que jovens
brancos no Brasil, somente no ano de 2010. Essa gritante diferença na mortalidade
entre os jovens brancos e os jovens negros se intensifica a partir dos 12 anos de
idade, onde se inicia um assombroso crescimento da violência homicida,
principalmente contra os negros, até os 20/21 anos de idade, conforme afirma
WAISELFISZ. Como se não bastasse, entre os anos de 2002 e 2010, comparando e
analisando o Brasil em sua completude, houve um decréscimo no número de
homicídios de jovens brancos de 33%, enquanto o de jovens negros cresceu 23,4%,
ampliando ainda mais a brecha histórica pré-existente.
Sob esta análise, a pesquisadora Társila Flores218, se aprofundou em uma
versão do IHA (Índice de Homicídios na Adolescência) publicada em 2015, pesquisa
realizada pelo Observatório de Favelas (RJ), em parceria com o Laboratório de
Análise da Violência (LAV), da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ), com o apoio
da UNICEF, a qual demonstrou que, caso o contexto de vulnerabilidade não mude,
42 mil adolescentes, entre 12 e 18 anos de idade, poderão ser assassinados nos
municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, entre 2013 e 2019. Na visão
desta pesquisadora, a situação se agrava ainda mais quando delimitamos os dados
para os jovens negros, que apresentam uma tendência a serem vítimas de homicídio
quase três vezes maior que os jovens brancos. Sendo verificável que este fenômeno
é um fenômeno predominantemente urbano, porque quanto maior o número
populacional dos municípios, mais elevados são os índices de homicídio na

217 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012: A Cor dos Homicídios no Brasil. Rio de
Janeiro: CEBELA, FLACSO; Brasília: SEPPIR/PR, 2012. Disponível em:
<https://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2012_cor.php>. Acesso em 15 nov. 2018.
218 FLORES, Társila. Genocídio da juventude negra no Brasil: as novas formas de guerra, raça e

colonialidade do poder. Brasília, 2016. Disponível em:


<https://www.academia.edu/attachments/43987850/download_file?st=MTU0MjMwODU0NiwxODkuMj
YuMjAyLjIzMyw5Mjk0MjY4Mw%3D%3D&s=profile&ct=MTU0MjMwODU0MiwxNTQyMzA4NTY2LDky
OTQyNjgz>. Acesso em 15 nov. 2018.
68
adolescência, fato que alcança números assombrosos na região nordeste do país, e
ainda vem encontrando espaço para crescer nos últimos anos.
O Atlas da Violência de 2019219 aponta para o fato de que as mortes por
assassinato de pessoas negras continuam a apresentar diferenças, para com as
mortes por assassinato de pessoas brancas.
Do total de vítimas de assassinato em 2017, 75,5% destas mortes foram de
indivíduos negros. A taxa de homicídios de negros e pardos, por grupo de 100 mil
habitantes foi de 43,1; enquanto estas taxas entre os não negros (brancos, amarelos
e indígenas) foi de 16,0. O que vale dizer que para cada homicídio cometido contra
os não negros no ano de 2017, 2,7 negros foram assassinados.
Os dados trazidos pelo Atlas da Violência de 2019 são estarrecedores, e
trazem para o centro do debate as fragilidades de um Estado que não consegue tirar
da situação de vulnerabilidade metade de sua população. Os dados acima citados
foram realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, com base nos dados do Sistema de Informações
sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS) de 2017.
WAISELFISZ, no Mapa da Violência de 2012, declara que enquanto a
vitimização de jovens brancos vêm caindo drasticamente ao longo dos anos, a dos
jovens negros vêm aumentando de maneira absurda durante o mesmo período de
tempo. Para este autor, tal fato nos revela estratégias e políticas de segurança e
proteção da cidadania que incidem diferencialmente nos segmentos da população
brasileira.
As taxas de mortalidade da juventude negra são resultado de uma série de
outras violências praticadas contra esse segmento da população brasileira. O
Estado brasileiro se torna artificial diante desse quadro ineficiente na garantia da
vida dos jovens negros, além de não lhes assegurar condições básicas de vida e
cidadania. Esse cenário vem sendo apontado como um quadro de extermínio
premeditado da juventude negra.

219 Atlas da Violência 2019. Organizado por: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum
Brasileiro de Segurança Pública. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=34784&Itemid=432>.
Acesso em 9 de nov. de 2019.
69
5 – CONCLUSÃO
Pensar e interpretar a abordagem da realidade da juventude negra, a
ausência da tutela estatal sob a ótica do direito quântico pode parecer num primeiro
momento desprovida de sentido. No entanto, para Flávio Goldman220:
a abordagem quântica do direito provoca a consciência das formas pelas
quais tal realidade interfere no âmbito prático do direito, seja pela ilustração
de determinada situação a partir de seus correspondentes macrocósmicos,
seja pela efetiva aplicação de parâmetros observados na evolução dos
seres ao direito positivo e aos seus efeitos práticos numa dada sociedade.

Ou seja, precisamos compreender a necessidade de debater, questionar,


propor e avançar nas interpretações da legislação, da prática e essência da
experiência jurídica, atentando para o que a experiência nesse campo nos forneceu
ao longo de sua história. É preciso perceber o real significado e as consequências
de uma prática repleta de convicções e certezas absolutas de uma realidade sem
nenhuma busca de ser mutável, antes ao contrário, atualmente as políticas de
Segurança Públicas do Governo do Estado do Rio de Janeiro parece incentivar esta
perpetuação. Assassinatos de jovens negros neste Estado, tornou-se noticia
corriqueira da grande imprensa. Vejamos um exemplo deste site:
O Rio de Janeiro teve pelo menos seis jovens mortos em comunidades carentes ou
perto delas em cinco dias - desde a última sexta-feira (9) até esta quarta. As vítimas
foram atingidas por balas perdidas ou baleadas diretamente - a maioria enquanto
aconteciam operações policiais. Segundo parentes de todas as vítimas, nenhuma
delas tinha qualquer envolvimento com o crime. 221

Não obstante, as autoridades jurídicas não se ocupam na defesa desta


camada da população, tratando tais episódios como simples violência urbana.
Demonstrando que defendem apenas o seu sistema de referência de uma parcela
da sociedade, focado em uma sociedade européia, branca e elitizada, ao mesmo
tempo em que não reconhece o sistema de referência da população negra, que
conforme pretende se mostrar abaixo, fora formado de maneira completamente
afastada do Estado, e com isso, com interesses divergentes, que jamais foram
levados em consideração pelo Estado brasileiro.

220 GOLDMAN, Flavio. Direito quântico: revisitação e hipóteses de aplicação ao direito


contemporâneo. 2010. 125 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo, 2010, p. 9. Disponível em: <https://tede2.pucsp.br/handle/handle/8925>.
Acesso em 8 de out. de 2019.
221 Rio de Janeiro teve pelo menos 6 jovens mortos a tiros, em 5 dias. Por G1, 2019. Disponível em:

<https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/08/14/rj-teve-pelo-menos-6-jovens-mortos-a-tiros-
em-cinco-dias.ghtml>. Acesso em 9 de nov. de 2019.
70
Para compreender e avaliar a prática jurídica sob a ótica de valores corretos e
realizáveis, se faz necessário levar em consideração o contexto de onde surge,
como surge e para onde caminha o ser humano. Levando-se em consideração que a
condição humana depende e muito desse contexto ao redor.
Por isso se percebe, que o Direito brasileiro, no patamar em que se encontra,
não ultrapassa o papel de um Direito Artificial, com várias leis ilegítimas, que não
coadunam com o sistema de referência da sociedade em geral. Sendo que a própria
sociedade brasileira dominante, sequer se dignou a observar e a acoplar as culturas
das outras sociedades brasileiras.
Conforme já vimos, a estrutura é a condição da existência, sendo certo que a
existência de uma sociedade é dependente da percepção e incorporação de todos
os movimentos e elementos quânticos que a constituem, de maneira em que possa
haver um real equilíbrio de forças e de harmonia de movimentos. No entanto,
conclui-se que a sociedade brasileira está longe de alcançar este equilíbrio,
principalmente para com a população negra, que desde o século XV, vem sofrendo
com a falta de tutela de um Estado que não a enxerga e, portanto, não a
compreende.
Ademais, somente após a percepção e compreensão do negro como um eu
histórico, que cultiva e é cultivado por sua cultura, o Estado brasileiro estará mais
próximo de se acertar com a população negra. Sendo que enquanto este momento
não chegar, restará somente a artificialidade e a ilegitmidade ao Direito brasileiro.
Isto se dá devido ao conflito de convicções entre os sistemas de referências
dominantes, que por um lado tem o Estado brasileiro, que se baseia no sistema de
referência europeu, e por outro lado os negros, os quais já detentores de um sistema
de referência divergente, se viram obrigados a se afastar cada vez mais de um
Estado que não os reconhecia e não os aceitava, situação ainda existente no ano de
2019.
De fato, conforme demonstrado, os senhores de engenhos e o Estado
brasileiro, desde o seu início, tentaram destruir e substituir a cultura africana, às
vezes se utilizando de símbolos culturais, como a Árvore do Esquecimento, ou pela
força de leis inválidas, como no caso das leis contra a vagabundagem e vadiagem.
Sendo que o uso da força e do aparato policial sempre foi presente nas

71
comunidades negras brasileiras, na intenção de manter um sistema de referência
escravagista e anacrônico.
Por tais razões, ao compreender a população negra, e a sua juventude, sob a
ótica do Direito Quântico, se percebe que o Direito Brasileiro nunca se quedou para
esta parcela populacional, salvo o Direito Penal, sempre presente. Esta falta de
tutela acabou criando e mantendo uma estrutura jurídica e social com apenas uma
parte de seus elementos quânticos, ou seja, o sistema de referência brasileiro está
longe de compreender toda a sua população.
Diante de tais fatos, sob a ótica do Direito Quântico, as leis brasileiras são
meras formulações artificiais, são normas ilegítimas e inválidas, representantes de
um Direito Artificial e de uma visão cultural monocular e fora de sintonia com os
diversos segmentos da população brasileira.

72
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