Sei sulla pagina 1di 25

Immanuel Kant (1724–1804) -

Edição padrão em alemão das obras de Kant: Königlichen Preußischen (depois


Deutschen) Akademie der Wissenschaften (ed.), 1900-, Kants gesammelte Schriften,
Berlin: Georg Reimer (depois Walter De Gruyter).

Obras e datas:

Investigação sobre a evidência dos princípios da teologia natural e da moral (1762);


Observações sobre o sentimento do belo e do sublime (1764);
Ensaio sobre as doenças mentais (1764);
Dissertação sobre a forma e os princípios do mundo sensível e inteligível (1770);
Crítica da Razão Pura (1781);
Prolegômenos para toda metafísica futura que se apresente como ciência (1783);
Resposta à pergunta: “que é esclarecimento”? (1784);
Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785);
Fundamentos da metafísica da moral (1785);
Primeiros princípios metafísicos da ciência natural (1786);
Crítica da Razão Prática (1788);
Crítica do Juízo (1790);
A Religião dentro dos limites da mera razão (1793);
A Paz Perpétua (1795);
Doutrina do Direito (1796);
A Metafísica da Moral (1797);
Antropologia do ponto de vista pragmático (1798).

Geral:
- Racionalismo
– investigação da razão em seu sentido tanto teórico quanto prático;
– análise das condições segundo as quais a razão funciona, a maneira como opera e
seu objetivo;
– aspecto teórico: conhecimento legítimo da realidade com base na distinção entre
entendimento e conhecimento;

– aspecto prático: sobre a escolha livre dos seres racionais, que podem se submeter ou
não à lei moral;
– a lei moral é fruto da razão pura em seu sentido prático: age moralmente aquele que
é capaz de se autodeterminar;
– pressuposto fundamental da ética kantiana: autonomia da razão.
1. Resposta à pergunta: “o que é esclarecimento”? (1784)

Esclarecimento, Iluminismo, Aufklärung – autonomia do indivíduo no exercício da


própria razão

O Esclarecimento é a saída do homem da condição de menoridade autoimposta.

‘menoridade’ – incapacidade de servir-se de seu entendimento sem a orientação de um


outro; carência de decisão e coragem x preguiça e covardia; menoridade quase
tornada natural

‘maioridade’ – aprimoramento do próprio espírito; apreciação racional do próprio


valor e da tarefa de cada ser humano, que consiste em pensar por si mesmo;

‘liberdade’ – nada além da liberdade é exigido para o esclarecimento; liberdade de


utilizar publicamente sua razão em todas as dimensões

‘uso público’ da razão – deve ser livre em qualquer momento; aquele que é feito por
alguém, como douto, perante o mundo letrado; como membro de uma comunidade ou
mesmo da própria sociedade civil mundial; é uma questão de justiça apresentar ou
expressar um juízo publicamente; como erudito, ter a liberdade e a obrigação “de
participar ao público seus pensamentos bem-intencionados e cuidadosamente
fundamentados”.

‘uso privado’ da razão – aquele que o douto pode fazer em um posto civil ou público;
comportamento passivo e unanimidade artificial; contratado; “encontro doméstico”;
executa instruções de outrem;

‘aperfeiçoamento’ – progredir na via do esclarecimento: a determinação original da


natureza humana é o progresso (da humanidade); renunciar ao esclarecimento é
violentar e pisar sobre os direitos sagrados da humanidade; para si como para um
povo: “um povo formularia para si mesmo tal lei?” ( link com o desenvolvimento dos talentos
pessoais) – a tendência e a vocação para o pensamento livre.
“Se for perguntado: vivemos agora em uma época esclarecida? A resposta é: não,
vivemos em uma época de Esclarecimento.” – o século de Frederico – espírito de
liberdade e situações de liberdade.

2. Capítulo II – Ética kantiana (do livro Ética)


Fundamentação da Metafísica dos Costumes
Immanuel Kant
Editora: Edições 70
Coleção: Textos Filosóficos
Tema: Filosofia
Ano: 2011
Reimpressão, 196 págs.

Fundamentação da Metafísica dos Costumes


Immanuel Kant
Trad.: Guido Antônio de Almeida
Ano: 2010
Ed.:Discurso e Barcarolla, 502 págs.

ÉTICA DO DEVER
Prefácio (p.19): busca e fixação do princípio supremo da moralidade: percorrer o
caminho analiticamente do conhecimento vulgar para a determinação do princípio
supremo desse conhecimento, e em seguida e em sentido inverso, sinteticamente, do
exame deste princípio e das suas fontes para o conhecimento vulgar onde se encontra
a sua aplicação.

1. Primeira Secção: Transição do conhecimento moral da razão vulgar para o conhecimento filosófico.
2. Segunda Secção: Transição da filosofia moral popular para a Metafísica dos costumes.
3. Terceira Secção: Último passo da Metafísica dos costumes para a Crítica da Razão
pura prática.

→ É moralmente correta a ação que está de acordo com determinadas regras do que
é certo, independentemente da felicidade resultante a um ou a todos.

1.
- não são regras com conteúdo, mas uma regra de averiguação (Imperativo
Categórico) das máximas que orientam nossas ações;
- móbil da ação: respeito à lei moral; a ação deve ser realizada por dever; (não apenas
conforme o dever, nem por motivações egoístas).

2.
- entendimento acessível à moralidade e compreensão comum: há mais valor moral na
ação feita por dever; exemplo do merceeiro, do suicida e do filantropo (contra uma ética de
virtudes).

- plano de autoconhecimento (será mesmo?) das nossas distinções morais - o alvo


seria o utilitarismo (fonte da motivação moral é a felicidade):
- nossos móbeis morais não são invenções filosóficas, nem contra-intuitivos, mas
admitidos pelo senso moral comum (intuições morais ordinárias)

3.
- Imperativo Categórico: procedimento específico para determinar se nossas máximas
ou princípios práticos subjetivos podem ser considerados leis práticas (válidas para a
vontade de todo ser racional) (se podemos querer que essa ação seja elevada à
categoria de lei universal).
- Fórmula da lei universal: “Agir de maneira tal que seja possível desejar que a
máxima da ação deva tornar-se lei universal” – nós a reconheceríamos imediatamente
como fundamento do valor moral e das nossas distinções morais comuns

4.O apelo às distinções morais comuns é igualmente usado pelos adversários


empiristas/utilitaristas:

“Ainda que proponha fundamentar a moral sem recorrer à experiência, porém sim
com base em um princípio da razão, Kant parece indicar que, mesmo que tomasse o
caminho empirista, encontraria pela experiência que as fontes das distinções morais
concordam com sua teoria.”

“Ou seja, a utilidade não é o critério que as pessoas comumente adotam para
distinguir a ação moral da ação não-moral, pois a rigor o motivo da ação é
considerado, ordinariamente, tão mais moral quanto mais desligado de motivações
sensíveis ou considerações de utilidade.”
5. As várias formulações do Imperativo Categórico

Fórmula da lei universal da natureza: Age de maneira tal que a máxima moral de
tua ação possa ser elevada à condição de lei universal da natureza.

Fórmula da humanidade como fim em si mesma: Age de forma tal que sua ação
seja dirigida à humanidade como um fim em si, e nunca somente como um meio,
considerada na sua pessoa ou na pessoa de outrem.

Fórmula da autonomia: Age de forma tal que tua vontade possa fornecer a lei
universal através de todas as suas máximas.
Variação: vontade autônoma pensada como vontade legisladora de um reino dos fins:
Age de acordo com as máximas que orientariam o legislador universal de um
possível reino dos fins.

6.
Imperativo Categórico: procedimento para determinar se uma máxima deve ser
desejada pelo agente como válida não somente para sua vontade mas para a vontade
de todo ser racional. Formulação obtida a partir do conhecimento moral comum.

- “Um imperativo é qualquer princípio através do qual um agente racional obriga-se a


agir com base em fundamentos objetivos ou razões. Um imperativo é hipotético se a
obrigação racional é condicionada à adoção de um fim opcional pelo agente e é
categórico se a obrigação não é condicional desse modo” (Wood 2008, p.166).

7.
Aplicação da primeira fórmula: Fórmula da lei universal da natureza: Age de
maneira tal que a máxima moral de tua ação possa ser elevada à condição de lei
universal da natureza.
4 casos

8.
Aplicação da segunda fórmula: Fórmula da humanidade como fim em si mesma: Age
de forma tal que sua ação seja dirigida à humanidade como um fim em si, e nunca
somente como um meio, considerada na sua pessoa ou na pessoa de outrem.
Formulada com base nos motivos (conferindo conteúdo à motivação) que determinam
uma vontade racional. “...não se apresenta como critério de discriminação de máximas
facilmente aplicável”.

9.
Aplicação da terceira fórmula: Fórmula da autonomia: Age de forma tal que tua
vontade possa fornecer a lei universal através de todas as suas máximas.
Obtida a partir da concepção da vontade de um ser racional, compreendida como
vontade legisladora universal – vontade autônoma ou autolegisladora: que governa a
si mesma, sendo o único fundamento possível da obrigação moral
Variação: Age de acordo com as máximas que orientariam o legislador universal de
um possível reino dos fins.
Aqui a vontade autônoma é pensada como a vontade legisladora de um reino dos fins,
ou seja, de uma comunidade ideal de seres racionais.

10. o formalismo da moralidade kantiana


Crítica ao formalismo vazio da moral kantiana (vide ética de virtudes): ausência de
conteúdo

a) Segunda fórmula: expressa o motivo da vontade racional, que é tratar o outro como
fim em si
• respeitar os outros como pessoas, de os considerar como o fim mesmo de
uma ação, e nunca apenas como um meio que sirva a outra finalidade (manipulação
do outro);
• valor da pessoa é respeitado mediante seu livre consentimento, que
pressupõe a capacidade do agente de usar plenamente sua racionalidade – (nem toda
ação aparentemente consentida o é verdadeiramente, como sucede aos menores de
idade coagidos, às pessoas vítimas de engano ou de chantagem, ou que ignoram sua
verdadeira situação).
b) Terceira fórmula: fornece as características dessa vontade, seja como vontade
autônoma, seja como legisladora ideal de uma comunidade de seres racionais
• corresponde à compreensão de Kant do Iluminismo (concepções de
liberdade e igualdade entre os homens);
• acentua o elemento de maioridade trazido pelo esclarecimento: uma
vontade que estabelece ela mesma a lei universal é autônoma e autolegisladora;
abandonar a menoridade intelecutal é pensar autonomamente (versus um ser racional
meramente particular)
• porque esta racionalidade é universal, somos obrigados categoricamente a
seguir as normas porque as vemos como produtos da razão (versus um mero
particularismo cego)
• não é uma perspectiva egocêntrica, mas superior – da razão; elevar a moral
ao nível da razão, o que significa dizer que:
1. a máxima da nossa ação pode ser desejada como válida para todos (1ª
fórmula);
2. sentimo-nos obrigados por leis que nos damos a nós mesmos como se
exercêssemos a função de um legislador universal (f. autonomia), ou de um legislador
para um possível reino dos fins (variação f. autonomia).
• Pode-se dizer que esse reino dos fins seria uma espécie de união sistemática
de diferentes seres racionais submeticos a leis comuns, distinguindo-se portanto do
reino da natureza, que se organiza segundo um conjunto de leis mecânicas.

c) A 2ª e 3ª f. do IC podem não ser meros procedimentos formais, mas ainda não


fornecem, tal como a ética de virtudes, uma série de tipos de ação que deveríamos
realizar; limitam-se mais a dizer o que não devemos fazer do que recomendam
alguma forma de conduta (essa parte fica parcialmente preenchida pela “doutrina das
virtudes”, segunda parte da Metafísica dos Costumes).

d) “Ao contrário da ética de virtudes, a ética kantiana não nos concederia nenhuma
orientação verdadeira, não nos indicaria nenhum rumo sobre qual seria a vida digna
de se viver.” – apenas deveres negativos, e não deveres positivos.
- uma moral mais econômica teria maior possibilidade de se tornar universal e
atemporal;
- mas reconhecemos também ações moralmente dignas para além do dever: ações
supra-rogatórias.
- 2a seção da Fundamentação + “doutrina da virtude” na Metafísica dos costumes:
classe dos deveres imperfeitos;
- a “doutrina da virtude” apresenta a felicidade dos outros como um fim da ação
moral, que é ao mesmo tempo um dever: origem dos deveres em relação aos outros:
de respeito (perfeito), de beneficência, de gratidão e de simpatia (imperfeitos)
- deveres, virtudes imperfeitas: espaço de manobra; o não-cumprimento é apenas
deficiência do valor moral
- dever perfeito: “a falha em cumprir o dever que é produzido pelo respeito devido a
todo ser humano é um vício”.

3. Prefácio da Fundamentação da Metafísica dos Costumes (p.13-20)


→ Conhecimento racional:

material – considera um ‘objeto’ (Física e Ética): leis da natureza e leis da liberdade;


Teoria da Natureza e Teoria dos Costumes; ambas possuem parte empírica:

1. Leis de natureza como objeto da experiência (leis segundo as quais tudo acontece);

2. Leis da vontade do homem enquanto ela é afetada pela natureza (leis segundo as
quais tudo deva acontecer).

formal – considera a forma do entendimento e da razão/regras universais do pensar


(Lógica) – não possui parte empírica (da experiência);

Lógica é um cânone para o entendimento e para a razão válido para todo o pensar.

Filosofia empírica – baseada em princípios da experiência;

Filosofia pura – baseada em princípios a priori:

• filosofia pura formal: Lógica

• filosofia pura dos objetos do entendimento: Metafísica↓

(A Física tem portanto uma parte empírica e uma parte racional) Metafísica da
Natureza

(Parte empírica da Ética (Antrolpologia Prática) e parte racional (Moral)) Metafísica


dos Costumes
Para saber de quanto é capaz em ambos os casos a razão pura/ensinamento a priori:

→ Que se anteponha à Física (empírica) uma Metafísica da Natureza

→ Que se anteponha à Antropologia Prática uma Metafísica dos Costumes (depurada


de todos os elementos empíricos, para se chegar a saber de quanto é capaz a razão
pura)↓

“Não é verdade que é da mais extrema necessidade elaborar um dia uma


pura Filosofia Moral que seja completamente depurada de tudo o que
possa ser somente empírico e pertença à Antropologia? Que tenha de
haver uma tal filosofia, ressalta com evidência da ideia comum do dever e
das leis morais. Toda a gente tem de confessar que uma lei que tenha de
valer moralmente, isto é como fundamento duma obrigação, tem de ter
em si uma necessidade absoluta; que o mandamento: ‘não deves mentir’,
não é válido somente para os homens e que outros seres racionais se não
teriam que importar com ele, e assim todas as restantes leis propriamente
morais; que, por conseguinte, o princípio da obrigação não se há-de
buscar aqui na natureza do homem ou nas circunstâncias do mundo em
que o homem está posto, mas sim a priori exclusivamente nos conceitos
da razão pura, e que qualquer outro preceito baseado em princípios da
simples experiência, e mesmo um preceito em certa medida universal, se
ele se apoiar em princípios empíricos, num mínimo que seja, talvez
apenas por um só móbil, poderá chamar-se na verdade uma regra
prática, mas nunca uma lei moral.”

→ Filosofia Moral – inteiramente pura – leis morais a priori com seus princípios
aplicadas a todo ser racional

→ Aplicação – exigência de uma faculdade de julgar apurada pela experiência – caso


a caso/eficácia prática (na vontade do homem)

• Metafísica dos Costumes: para investigar a fonte dos princípios práticos que
residem a priori na nossa razão + servir de fio condutor e norma suprema do seu
exacto julgamento

• Moralmente bom: não basta que seja conforme a lei moral, mas tem também que
cumprir-se por amor dessa mesma lei

• Conformidade: contingência e incerteza; princípios imorais podem ser conformes à


lei moral
• Lei moral: pureza e autenticidade buscada numa filosofia pura (Metaísica) em prol
da “Filosofia Moral”

• Metafísica dos Costumes: para uma vontade determinada completamente por


princípios a priori e sem quaisquer móbiles empíricos, e a que se poderia chamar
uma vontade pura (versus Filosofia prática universal de Wolff: ações e condições do
querer humano em geral (Psicologia))

• Diferença de fontes: Motivos de determinação dados a priori pela razão (morais) x


Motivos empíricos (experiência)

• Crítica da Razão o Pura Prática → [Fundamentação da Metafísica dos Costumes] →


Metafísica dos Costumes

• Crítica da Razão Pura Especulativa → Metafísica

• Fundamentação da Metafísica dos Costumes: busca e fixação do princípio supremo


da moralidade: percorrer o caminho analiticamente do conhecimento vulgar para a
determinação do princípio supremo desse conhecimento, e em seguida e em sentido
inverso, sinteticamente, do exame deste princípio e das suas fontes para o
conhecimento vulgar onde se encontra a sua aplicação.

1. Primeira Secção: Transição do conhecimento moral da razão vulgar para o conhecimento filosófico.
2. Segunda Secção: Transição da filosofia moral popular para a Metafísica dos costumes.
3. Terceira Secção: Último passo da Metafísica dos costumes para a Crítica da Razão
pura prática.

1.‘moralidade’ – 2.‘autonomia’ – 3.‘vontade’ - ‘boa vontade’ - ‘vontade livre’ –


4.‘dever’ - ‘obrigação’ – 5.‘imperativo’ - ‘lei’ - ‘máxima’ - ‘princípio’ – 6.‘respeito’ –
7.‘fim em si’ - ‘reino dos fins’

1. boa vontade – vontade livre – autonomia

A boa vontade é a única coisa considerada boa sem limitação. Ela é pura quando não
sofre influências das inclinações, das tendências externas, dos afetos e dos
sentimentos. Ela é apenas e tão somente influenciada pela razão por motivos a priori
(as leis que determinam a vontade em um ser racional em geral têm origem
plenamente a priori na razão pura) (p.46). Ela é o bem supremo e a condição da
própria felicidade.

A vontade é assim absolutamente boa: “valor superior a todo o preço, é que o


princípio da ação seja livre de todas as influências de motivos contigentes que só a
experiência pode fornecer” (p.65).

A vontade é assim livre: “desde a relação da vontade consigo mesma enquanto essa
vontade se determina só pela razão, pois que então tudo o que se relaciona com o
empírico desaparece por si, porque, se a razão por si só determina o procedimento,
terá de fazê-lo necessariamente a priori” (p.66-67).

“A vontade é concebida como a faculdade de se determinar a si mesmo a agir em


conformidade com a representação de certas leis. E uma tal faculdade só se pode
encontrar em seres racionais” (p.67).

A vontade é assim autônoma: ou seja, uma vontade que em todo ser racional é
concebida como vontade legisladora universal (lei à qual ela mesma se submete).
Cada um está sujeito somente à sua própria legislação (que é universal), o que é o
mesmo que estar obrigado a agir conforme a sua própria vontade. Neste sentido, a
autonomia é o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda a natureza
racional.

Finalmente, uma vontade absolutamente boa tem como seu princípio a lei suprema da
moralidade (o Imperativo Categórico: agir segundo aquela máxima cuja
universalidade como leise possa ao mesmo tempo também querer). A matéria (versus
forma) da vontade absolutamente boa é que ela coloca a si mesma como fim. Esta
vontade possui uma dignidade [“quando uma coisa está acima de todo o preço, e
portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade” (p.77) – ser um fim em si
mesmo, ter valor íntimo – na medida em que é legisladora em relação à lei moral].

2. dever – intenção de puro dever

O conceito de ‘dever’ contém em si o de ‘boa vontade’. As ações são realizadas


conforme o dever e por dever. Apenas quando uma ação é realizada por dever (sem
qualquer inclinação) tem ela conteúdo ou valor moral. É no cumprimento das ações
por dever que reside o valor de um caráter.
“Uma acção praticada por dever tem o seu valor moral, não no propósito que com ela
se quer atingir, mas na máxima que a determina; não depende portanto da realidade do
objecto da acção, mas somente do princípio do querer segundo o qual a acção,
abstraindo de todos os objectos da faculdade de desejar, foi praticada” (p.30). Tal
princípio do querer é um princípio formal a priori da vontade.

Outra definição possível: “Dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei”
(p.31). Respeito que é puro respeito pela lei prática. (Ver nota da p.32 sobre o
conceito de ‘respeito’.)

A intenção de agir por puro dever não tem comprovação empírica e não pode ser vista
na experiência, mesmo sob o mais profundo exame de consciência. Mas a saída para a
concepção do puro dever reside na ideia de uma razão que determina a vontade por
motivos a priori; ações por dever são sempre ordenadas pela razão (p.41).

“Todos os imperativos se exprimem pelo verbo dever (sollen), e mostram assim a


relação de uma lei objetiva da razão para uma vontade que segundo a sua constituição
subjetiva não é por ela necessariamente determinada (uma obrigação)” (p.48). O
‘dever’ somente tem lugar quando o querer (a vontade) não coincide necessariamente
por si mesma com a lei moral.

A relação entre o conceito de dever e o de Imperativo Categórico começa a ser


mostrada pelo que se segue: “Ora se deste único imperativo se podem derivar, como
do seu princípio, todos os imperativos do dever, embora deixemos por decidir se
aquilo a que se chama dever não será em geral um conceito vazio, podemos pelo
menos indicar o que pensamos por isso e o que é que este conceito quer dizer. Uma
vez que a universalidade da lei, segundo a qual certos efeitos se produzem, constitui
aquilo a que se chama propriamente natureza no sentido mais lato da palavra (quanto
à forma), quer dizer a realidade das coisas, enquanto é determinada por leis
universais, o imperativo universal do dever poderia também exprimir-se assim: Age
como se a máxima da tua acção se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal
da natureza. Vamos agora enumerar alguns deveres, segundo a divisão habitual em
deveres para // connosco mesmos e deveres para com os outros, em deveres perfeitos
e imperfeitos” (p.59).

A partir da exemplificação de Kant nas pp. 60-62, as relações se explicitam também


entre ‘dever’, ‘vontade’ e ‘Imperativo Categórico’: “Estes são apenas alguns dos
muitos deveres reais ou que pelo menos nós consideramos como tais, cuja derivação
do princípio único acima exposto ressalta bem clara. Temos que poder querer que
uma máxima da nossa acção se transforme em lei universal: é este o cânone pelo qual
a julgamos moralmente em geral. Algumas acções são de tal ordem que a sua máxima
nem sequer se pode pensar sem contradição como lei universal da natureza, muito
menos ainda se pode querer que devam ser tal. Em outras não se encontra, na verdade,
essa impossibilidade interna, mas é contudo impossível querer que a sua máxima se
erga à universalidade de uma lei da natureza, pois que uma tal vontade se contradiria a
si mesma. Facilmente se vê que as do primeiro género contrariam o dever estrito ou
estreito (iniludível), e as do segundo o dever mais largo (meritório); e assim todos os
deveres, pelo que respeita à natureza da obrigação (não ao objecto da sua acção),
pelos exemplos apontados, ficam postos completamente em dependência do mesmo
princípio único” (p.62-63).

Finalmente, o significado do conceito de ‘dever’ contém uma legislação para nossas


ações a qual se exprime sempre através de imperativos categóricos. E o conteúdo
destes imperativos encerra o princípio mesmo do dever. A obediência à lei prática, a
priori (independentemente de todo móbil) é o dever. Neste sentido, “o dever deve ser
a necessidade prática-incondicionada da acção; tem de valer portanto para todos os
seres racionais (os únicos aos quais se pode aplicar sempre um imperativo), e só por
isso pode ser lei também para toda a vontade humana” (...). Ele deve ser um princípio
objetivo que nos mande agir mesmo a despeito de todas as nossas tendências,
inclinações e disposições naturais. Tanto assim, que a sublimidade e íntima dignidade
do mandamento expresso num dever resplandecerão tanto mais, quanto menor for o
apoio e mesmo quanto maior for a resistência que ele encontre nas causas subjectivas,
sem que com isto enfraqueça no mínimo que seja a obrigação que a lei impõe ou ela
perca nada da sua validade” (p.64).

Ligado ao conceito de ‘dignidade’ e de ‘autonomia’, o conceito de ‘dever’ é o


princípio objetivo dos seres racionais como legisladores universais, ou seja, a
necessidade da ação segundo este princípio, o qual é então uma obrigação prática.
Este dever pertence a cada membro do reino dos fins e a todos em igual medida: “A
necessidade prática de agir segundo este princípio, isto é, o dever, não assenta em
sentimentos, impulsos e inclinações, mas sim somente na relação dos seres racionais
entre si, relação essa em que a vontade de um ser racional tem de ser considerada
sempre e simultaneamente como legisladora, porque de outra forma não podia
pensar-se como fim em si mesmo” (p.77).

3. conceito de moralidade

O conceito de moralidade adquire a sua verdade da significação de sua lei para todos
os seres racionais em geral, absoluta e necessariamente. O respeito ilimitado à
prescrição universal da moralidade é o que prova a possibilidade mesma de sua
existência (p.42). Deve, portanto, haver uma moralidade pura cujo autêntico princípio
supremo – independente de toda a experiência – se funda somente na razão pura. O
conhecimento destes princípios a priori da razão é o que compete a um conhecimento
filosófico: “nunca ocorre perguntar se por toda a parte se devem buscar no
conhecimento da natureza humana (que não pode provir senão da experiência) os
princípios da moralidade, e, não sendo este o caso, sendo os últimos totalmente a
priori, livres de todo o empírico, se se encontrarão simplesmente em puros conceitos
racionais e não em qualquer outra parte, nem mesmo em ínfima medida; e ninguém
tomará a resolução de antes separar totalmente esta investigação como pura filosofia
prática ou (para empregar nome tão desacreditado) como metafísica dos costumes,
levá-la por si mesma à sua plena perfeição e ir consolando o público, que exige
popularidade, até ao termo desta empresa” (p.44-45).

Esta explicitação do conceito de moralidade como tarefa própria da Metafísica dos


Costumes se dá ainda como se segue: “Do aduzido resulta claramente que todos os
conceitos morais têm a sua sede e origem completamente a priori na razão, e isto
tanto na razão humana mais vulgar como na especulativa em mais alta medida; que
não podem ser abstraídos de nenhum conhecimento empírico e por conseguinte
puramente contingente; que exactamente nesta pureza da sua origem reside a sua
dignidade para nos servirem de princípios práticos supremos; que cada vez que lhes
acrescentemos qualquer coisa de empírico diminuímos em igual medida a sua pura
influência e o valor ilimitado das acções; que não só o exige a maior necessidade sob
o ponto de vista teórico quando se trata apenas de especulação, mas que é também da
maior importância prática tirar da razão pura os seus conceitos e leis, expô-los com
pureza e sem mistura, e mesmo determinar o âmbito de todo este conhecimento
racional prático mas puro, isto é toda a capacidade da razão pura prática. Mas aqui
não se deve, como a filosofia especulativa o permite e por vezes mesmo o acha
necessário, tornar os princípios dependentes da natureza particular da razão humana;
mas, porque as leis morais devem valer para todo o ser racional em geral, é do
conceito universal de um ser racional em geral que se devem deduzir. Desta maneira
toda a moral, que para a sua aplicação aos homens precisa da Antropologia, será
primeiro exposta independentemente desta ciência como pura filosofia, quer dizer
como metafísica, e de maneira completa (o que decerto se pode fazer neste género de
conhecimentos totalmente abstractos). E é preciso ver bem que, se não estivermos de
posse desta, não digo só que será vão querer determinar exactamente para o juízo
especulativo o carácter moral do dever em tudo o que é conforme ao dever, mas até
que será impossível no uso simplesmente vulgar e prático, especialmente na instrução
moral, fundar os costumes sobre os seus autênticos princípios e criar através disto
puras disposições morais e implantá-las nos ânimos para o bem supremo do mundo”
(p.46-47).

Esta mesma relação é estabelecida ao final como comprovação efetiva do percurso


percorrido por Kant nesta Fundamentação: “Se agora lançarmos um olhar para trás
sobre todos os esforços até agora empreendidos para descobrir o princípio da
moralidade, não nos admiraremos ao ver que todos eles tinham necessariamente de
falhar. Via-se o homem ligado a leis pelo seu dever, mas não vinha à ideia de ninguém
que ele estava sujeito só à sua própria legislação, embora esta legislação seja
universal, e que ele estava somente obrigado a agir conforme a sua própria vontade,
mas que, segundo o fim natural, essa vontade era legisladora universal. Porque, se nos
limitávamos a conceber o homem como submetido a uma lei (qualquer que ela fosse),
esta lei devia ter em si qualquer interesse que o estimulasse ou o constrangesse, uma
vez que, como lei, ela não emanava da sua vontade, mas sim que a vontade era
legalmente obrigada por qualquer outra coisa a agir de certa maneira. Em virtude
desta consequência inevitável, porém, todo o trabalho para encontrar um princípio
supremo do dever era irremediavelmente perdido; pois o que se obtinha não era nunca
o dever, mas sim a necessidade da acção partindo de um determinado interesse,
interesse esse que ora podia ser próprio ora alheio. Mas então o imperativo tinha que
resultar sempre condicionado // e não podia servir como mandamento moral.
Chamarei, pois, a este princípio, princípio da Autonomia da vontade, por oposição a
qualquer outro que por isso atribuo à Heteronomia” (p.74-75).

Finalmente, uma definição mais breve da moralidade pode ser a seguinte: “A


moralidade consiste pois na relação de toda a acção com a legislação, através da qual
somente se torna possível um reino dos fins. Esta legislação tem de poder encontrar-se
em cada ser racional mesmo e brotar da sua vontade, cujo princípio é” o Imperativo
Categórico (p.76). Dito ainda de outra maneira: “a moralidade é a única condição que
pode fazer de um ser racional um fim em si mesmo, pois só por ela lhe é possível ser
membro legislador no reino dos fins. Portanto a moralidade, e a humanidade enquanto
capaz de moralidade, são as únicas coisas que têm dignidade” (p.77).

Tudo isso pode ser resumido na seguinte frase: “A moralidade é pois a relação das
acções com a autonomia da vontade, isto é, com a legislação universal possível por
meio das suas máximas” (p.84).

4. obrigação – mandamento da razão / Imperativo Categórico

‘Obrigação’, ‘mandamento da razão’, ‘princípio supremo da moralidade’ e


‘Imperativo Categórico’ são conceitos conexos e interdependentes. Kant começa por
definir a obrigação relativamente à determinação objetiva e necessária da vontade
pela razão, sendo o ser racional o único capaz de agir segundo a representação das leis
(princípios). Contudo, “se a vontade não é em si plenamente conforme à razão (como
acontece realmente entre os homens), então as acções, que objectivamente são
reconhecidas como necessárias, são subjectivamente contingentes, e a determinação
de uma tal vontade, conforme a leis objectivas, é obrigação (Nötigung); quer dizer, a
relação das leis objectivas para uma vontade não absolutamente boa repre-senta-se
como a determinação da vontade de um ser racional por princípios da razão, sim,
princípios esses porém a que esta vontade, pela sua natureza, não obedece
necessariamente” (p.48).

Agora, o mandamento vem a ser o desdobramento desta conceituação de que se segue


também a ideia de ‘imperativo’: “A representação de um princípio objectivo,
enquanto obrigante para uma vontade, chama-se um mandamento (da razão), e a
fórmula do mandamento chama-se Imperativo” (p.48). E ainda: “Todos os
imperativos se exprimem pelo verbo dever (sollen), e mostram assim a relação de uma
lei objectiva da razão para uma vontade que segundo a sua constituição subjectiva não
é por ela necessariamente determinada (uma obrigação). Eles dizem que seria bom
praticar ou deixar de praticar qualquer coisa, mas dizem-no a uma vontade que nem
sempre faz qualquer coisa só porque lhe é representado que seria bom fazê-la” (p.48).

Mas, de uma certa maneira, isto significa simplesmente que os imperativos são apenas
fórmulas para exprimir a relação entre leis objetivas do querer em geral e a
imperfeição subjetiva deste ou daquele ser racional – da vontade humana, por
exemplo (p.49).

Dado isso, Kant ditingue os imperativos hipotéticos dos categóricos: “Ora, todos os
imperativos ordenam ou hipotética- ou categoricamente. Os hipotéticos representam a
necessidade prática de uma acção possível como meio de alcançar qualquer outra
coisa que se quer (ou que é possível que se queira). O imperativo categórico seria
aquele que nos representasse uma acção como objectivamente necessária por si
mesma, sem relação com qualquer outra finalidade. Como toda a lei prática representa
uma acção possível como boa e por isso como necessária para um sujeito
praticamente determinável pela razão, todos os imperativos são fórmulas da
determinação da acção que é necessária segundo o princípio de uma vontade boa de
qualquer maneira. No caso de a acção ser apenas boa como meio para qualquer outra
coisa, o imperativo é hipotético; se a acção é representada como boa em si, por
conseguinte como necessária numa vontade em si conforme à razão como princípio
dessa vontade, então o imperativo é categórico. O imperativo diz-me, pois, que acção
das que me são possíveis seria boa, e representa a regra prática em relação com uma
vontade, que não pratica imediatamente uma acção só porque ela é boa, em parte
porque o sujeito nem sempre sabe que ela é boa, em parte porque, mesmo que
soubesse, as suas máximas poderiam contudo ser contrárias aos princípios objectivos
duma razão prática. O imperativo hipotético diz pois apenas que a acção é boa em
vista de qualquer intenção possível ou real. No primeiro caso é um princípio
problemático, no segundo um princípio assertórico-prático. O imperativo categórico,
que declara a acção como objectivamente necessária por si, independentemente de
qualquer intenção, quer dizer sem qualquer outra finalidade, vale como princípio
apodíctico (prático)” (p.50).
Esta distinção prossegue mais adiante novamente ligada à ‘felicidade’ e depois à
‘moralidade’: “Há no entanto uma finalidade da qual se pode dizer que todos os seres
racionais a perseguem realmente (enquanto lhes convêm imperativos, isto é como
seres dependentes), e portanto uma intenção que não só eles podem ter, mas de que se
deve admitir que a têm na generalidade por uma necessidade natural. Esta finalidade é
a felicidade. O imperativo hipotético que nos representa a necessidade prática da
acção como meio para fomentar a felicidade é assertórico. Não se deve propor
somente como necessário para uma intenção incerta, simplesmente possível, mas para
uma intenção que se pode admitir como certa e a priori para toda a gente, pois que
pertence à sua essência. Ora a destreza na escolha dos meios para atingir o maior
bem-estar próprio pode-se chamar prudência (Klugheit) no sentido mais restrito da
palavra. Portanto o imperativo que se relaciona com a escolha dos meios para alcançar
a própria felicidade, quer dizer o preceito de prudência, continua a ser hipotético; a
acção não é ordenada de maneira absoluta, mas somente como meio para uma outra
intenção. Há por fim um imperativo que, sem se basear como condição em qualquer
outra intenção a atingir por um certo comportamento, ordena imediatamente este
comportamento. Este imperativo é categórico. Não se relaciona com a matéria da
acção e com o que dela deve resultar, mas com a forma e o princípio de que ela
mesma deriva; e o essencialmente bom na acção reside na disposição (Gesinnung),
seja qual for o resultado. Este imperativo pode-se chamar o imperativo da
moralidade” (p.52).

Ainda sobre as mesmas distinções: “O querer segundo estes três princípios diferentes
dis-tingue-se também claramente pela diferença da obrigação imposta à vontade. Para
tornar bem marcada esta diferença, creio que o mais conveniente seria denominar
estes princípios por sua ordem, dizendo: ou são regras da destreza, ou conselhos da
prudência, ou mandamentos (leis) da moralidade. Pois só a lei traz consigo o conceito
de uma necessidade incondicionada, objectiva e consequentemente de validade geral,
e mandamentos são leis a que tem de se obedecer, quer dizer que se têm de seguir
mesmo contra a inclinação. O conselho contém, na verdade, uma necessidade, mas
que só pode valer sob a condição subjectiva e contingente de este ou aquele homem
considerar isto ou aquilo como contando para a sua felicidade; enquanto que o
imperativo categórico, pelo contrário, não é limitado por nenhuma condição e se pode
chamar propriamente um mandamento, absoluta, posto que praticamente, necessário.
Os primeiros imperativos poderiam ainda chamar-se técnicos (pertencentes à arte), os
segundos pragmáticos (pertencentes ao bem-estar), os terceiros morais (pertencentes
à livre conduta em geral, isto é aos costumes) ” (p.53).

Contudo, não se pode demonstrar por nenhum exemplo (empiricamente) a


possibilidade deste imperativo da moralidade: “Teremos pois que buscar totalmente a
priori a possibilidade de um imperativo categórico, uma vez que aqui nos não assiste
a vantagem de a sua realidade nos ser dada na experiência, de modo que não seria
precisa a possibilidade para o estabelecermos, mas somente para o explicarmos.
Notemos no entanto provisoriamente que só o imperativo categórico tem o carácter de
uma lei prática, ao passo que todos os outros se podem chamar em verdade princípios
da vontade, mas não leis; porque o que é somente necessário para alcançar qualquer
fim pode ser considerado em si como contingente, e podemos a todo o tempo libertar-
nos da prescrição renunciando à intenção, ao passo que o mandamento incondicional
não deixa à vontade a liberdade de escolha relativamente ao contrário do que ordena,
só ele tendo portanto em si aquela necessidade que exigimos na lei” (p.57).

Porque necessário, a priori e formal, sabemos imediatamente o que contém o


Imperativo Categórico: “Porque, não contendo o imperativo, além da lei, senão a
necessidade da máxima que manda conformar-se com esta lei, e não contendo a lei
nenhuma condição que a limite, nada mais resta senão a universalidade de uma lei em
geral à qual a máxima da acção deve ser conforme, conformidade essa que só o
imperativo nos representa propriamente como necessária. O imperativo categórico é
portanto só um único, que é este: Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao
mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (p.59). Aqui são dados os
exemplos mais importantes desta formulação do princípio da moralidade: pp.60-62.

Trata-se de “poder querer que uma máxima da nossa ação se transforme em lei
universal: é este o cânone pelo qual julgamos moralmente em geral” (p.62). Trata-se
também de perceber uma contradição na nossa própria vontade, ou seja, que um certo
princípio seja objetivamente necessário como lei universal, mas que subjetivamente
comporte exceções (o que é uma resistência da inclinação às prescrições da razão).

A questão para uma metafísica dos costumes é, segundo Kant, a seguinte: “É ou não é
uma lei necessária para todos os seres racionais a de julgar sempre as suas acções por
máximas tais que eles possam querer que devam servir de leis universais? Se essa lei
existe, então tem ela de estar já ligada (totalmente a priori) ao conceito de vontade de
um ser racional em geral” (p.66). O que se conclui assim: “Se, pois, deve haver um
princípio prático supremo e um imperativo categórico no que respeita à vontade
humana, então tem de ser tal que, da representação daquilo que é necessariamente um
fim para toda a gente, porque é fim em si mesmo, faça um princípio objectivo da
vontade, que possa por conseguinte servir de lei prática universal. O fundamento deste
princípio é: A natureza racional existe como fim em si” (p.69). Daqui se segue uma
nova formulação do Imperativo Categórico enquanto princípio da humanidade: Age
‘de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de
qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como
meio.

Isto fica exemplificado novamente com os casos já antes estudos na primeira


formulação: pp.69-71.

Importantes também são as seguintes passagens que explicam em conjunto os três


momentos do Imperativo Categórico: “Este princípio da humanidade e de toda a
natureza racional em geral como fim em si mesma (que é a condiçãosuprema que
limita a liberdade das acções de cada homem) não é extraído da experiência, —
primeiro, por causa da sua universalidade, pois que se aplica a todos os seres racionais
em geral, sobre o que nenhuma experiência chega para determinar seja o que for;
segundo, porque nele a humanidade se representa não como fim dos homens
(subjectivo), isto é como objecto de que fazemos por nós mesmos efectivamente um
fim, mas como fim objectivo, o qual, sejam quais forem os fins que tenhamos em
vista, deve constituir como lei a condição suprema que limita todos os fins
subjectivos, e que por isso só pode derivar da razão pura. É que o princípio de toda a
legislação prática reside objectivamente na regra e na forma da universalidade que a
torna capaz (segundo o primeiro princípio) de ser uma lei (sempre lei da natureza);
subjectivamente, porém, reside no fim; mas o sujeito de todos os fins é (conforme o
segundo princípio) todo o ser racional como fim em si mesmo: daqui resulta o terceiro
princípio prático da vontade como condição suprema da concordância desta vontade
com a razão prática universal, quer dizer a ideia da vontade de todo o ser racional
concebida como vontade legisladora universal. Segundo este princípio são rejeitadas
todas as máximas que não possam subsistir juntamente com a própria legislação
universal da vontade. A vontade não está pois simplesmente submetida à lei, mas sim
submetida de tal maneira que tem de ser considerada também como legisladora ela
mesma, e exactamente por isso e só então submetida à lei (de que ela se pode olhar
como autora). Os imperativos, tais como atrás no-los representámos, quer dizer como
constituindo uma legislação das acções universalmente semelhante a uma ordem
natural, ou como universal privilégio de finalidade dos seres racionais em si mesmos,
excluíam sem dúvida do seu princípio de autoridade toda a mescla de qualquer
interesse como móbil, exactamente por serem concebidos como categóricos; mas eles
só foram admitidos como categóricos porque tínhamos de admiti-los como tais se
queríamos explicar o conceito de dever. Mas que houvesse proposições práticas que
ordenassem categoricamente, eis o que por si não pôde ser provado e o que nesta
secção tão-pouco se pode provar ainda; mas podia ter acontecido uma coisa, a saber:
indicar no próprio imperativo, por qualquer determinação nele contida, a renúncia a
todo o interesse no querer por dever como carácter específico de distinção do
imperativo categórico em face do hipotético. Ora é precisamente o que acontece na
presente terceira fórmula do princípio, isto é na ideia da vontade de todo o ser racional
como vontade legisladora universal. (...) Assim o princípio, segundo o qual toda a
vontade humana seria uma vontade legisladora universal por meio de todas as suas
máximas, se fosse seguramente estabelecido, conviria perfeitamente ao imperativo
categórico no sentido de que, exactamente por causa da ideia da legislação universal,
ele se não funda em nenhum interesse, e portanto, de entre todos os imperativos
possíveis, é o único que pode ser incondicional; ou, melhor ainda, invertendo a
proposição: se há um imperativo categórico (i. é uma lei para a vontade de todo o ser
racional), ele só pode ordenar que tudo se faça em obediência à máxima de uma
vontade que simultaneamente se possa ter a si mesma por objecto como legisladora
universal; pois só então é que o princípio prático e o imperativo a que obedece podem
ser incondicionais, porque não têm interesse algum sobre que se fundem” (pp.72-74).

Isso tudo é resumido junto de outros conceitos na p.76: “A moralidade consiste pois
na relação de toda a acção com a legislação, através da qual somente se torna possível
um reino dos fins. Esta legislação tem de poder encontrar-se em cada ser racional
mesmo e brotar da sua vontade, cujo princípio é: nunca praticar uma acção senão em
acordo com uma máxima que se saiba poder ser uma lei universal, quer dizer só de tal
maneira que a vontade pela sua máxima se possa considerar a si mesma ao mesmo
tempo como legisladora universal. Ora se as máximas não são já pela sua natureza
necessariamente concordes com este princípio objectivo dos seres racionais como
legisladores universais, a necessidade da acção segundo aquele princípio chama-se
então obrigação prática, isto é, dever. O dever não pertence ao chefe no reino dos fins,
mas sim a cada membro e a todos em igual medida”.

E Kant dá finalmente um sumário das três formulações distinguindo seus aspectos: “As três maneiras
indicadas de apresentar o princípio da moralidade são no fundo apenas outras tantas fórmulas dessa
mesma lei, cada uma das quais reúne em si, por si mesma, as outras duas. Há contudo entre elas uma
diferença, que na verdade é mais subjectiva do que objectivamente prática, para aproximar a ideia da
razão mais e mais da intuição (Anschauung) (segundo uma certa analogia) e assim do sentimento.
Todas as máximas têm, com efeito:

1) uma forma, que consiste na universalidade, e sob este ponto de vista a fórmula do imperativo moral
expri-me-se de maneira que as máximas têm de ser escolhidas como se devessem valer como leis
universais da natureza;
2) uma matéria, isto é, um fim, e então a fórmula diz: o ser racional, como fim segundo a sua- natureza,
portanto como fim em si mesmo, tem de servir a toda a máxima de condição restritiva de todos os fins
meramente relativos e arbitrários;
3) uma determinação completa de todas as máximas por meio daquela fórmula, a saber: que todas as
máximas por legislação própria, devem concordar com a ideia de um reino possível dos fins como um
reino da natureza. O progresso aqui efectua-se como que pelas categorias da unidade da forma da
vontade (universalidade dessa vontade), da pluralidade da matéria (dos objectos, i. é dos fins), e da
totalidade do sistema dos mesmos. Mas é melhor, no juízo moral, proceder sempre segundo o método
rigoroso e basear-se sempre na fórmula universal do imperativo categórico: Age segundo a máxima que
possa simultaneamente fazer-se a si mesma lei universal.

5. fim em si – reino do fins

A ideia de ‘fim em si mesmo’ está estreitamente relacionada à noção de


‘racionalidade’ e de ‘pessoa’ enquanto ‘autonomia’. Este é o primeiro lugar onde esta
ideia aparece para a elaboração de um princípio da humanidade: “O homem, e, duma
maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio
para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas
acções, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres
racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como fim. Todos os
objectos das inclinações têm somente um valor condicional, pois, se não existissem as
inclinações e as necessidades que nelas se baseiam, o seu objecto seria sem valor. As
próprias inclinações, porém, como fontes das necessidades, estão tão longe de ter um
valor absoluto que as torne desejáveis em si mesmas, que, muito pelo contrário, o
desejo universal de todos os seres racionais deve ser o de se libertar totalmente delas.
Portanto o valor de todos os objectos que possamos adquirir pelas nossas acções é
sempre condicional. Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa
vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas um valor
relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se
chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer
dizer como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por
conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio (e é um objecto do respeito). Estes
não são portanto meros fins subjectivos cuja existência tenha para nós um valor como
efeito da nossa acção, mas sim fins objectivos, quer dizer coisas cuja existência é em
si mesma um fim, e um fim tal que se não pode pôr nenhum outro no seu lugar em
relação ao qual essas coisas servissem apenas como meios; porque de outro modo
nada em parte alguma se encontraria que tivesse valor absoluto; mas se todo // o valor
fosse condicional, e por conseguinte contingente, em parte alguma se poderia
encontrar um princípio prático supremo para a razão” (p.68-69). Aqui, o fundamento
do Imperativo Categórico é o fato de que a natureza existe como fim em si. E é assim
que o homem representa a sua própria existência.

Do estabelecido até aqui segue-se a aplicação do princípio da humanidade aos


exemplos dados anteriormente na primeira formulação do Imperativo Categórico:
pp.69-71.

Idealmente o conceito de ser racional como fim em si mesmo está vinculado ao


‘Reino dos Fins’, que seria o lugar da realização plena dos ideias iluministas
representados pela ideia de ‘autonomia’: “O conceito segundo o qual todo o ser
racional deve considerar-se como legislador universal por todas as máximas da sua
vontade para, deste ponto de vista, se julgar a si mesmo e às suas acções, leva a um
outro conceito muito fecundo que lhe anda aderente e que é o de um Reino dos Fins.
Por esta palavra reino entendo eu a ligação sistemática de vários seres racionais por
meio de leis comuns. Ora como as leis determinam os fins segundo a sua validade
universal, se se fizer abstracção das diferenças pessoais entre os seres racionais e de
todo o conteúdo dos seus fins particulares, poder-se-á conceber um todo do conjunto
dos fins (tanto dos seres racionais como fins em si, como também dos fins próprios
que cada qual pode propor a si mesmo) em ligação sistemática, quer dizer, um reino
dos fins que seja possível segundo os princípios acima expostos. Seres racionais estão
pois todos submetidos a esta lei que manda que cada um deles jamais se trate a si
mesmo ou aos outros simplesmente como meios, mas sempre simultaneamente como
fins em si. Daqui resulta porém uma ligação sistemática de seres racionais por meio de
leis objectivas comuns, i. é um reino que, exactamente porque estas leis têm em vista
a relação destes seres uns com os outros como fins e meios, se pode chamar um reino
dos fins (que na verdade é apenas um ideal). Mas um ser racional pertence ao reino
dos fins como seu membro quando é nele em verdade legislador universal, estando
porém também submetido a estas leis. Pertence-me como chefe quando, como
legislador, não está submetido à vontade de um outro” (p.75-76).

Kant conclui esta ideia com o seguinte: “Ora daqui segue-se incontestavelmente que
todo o ser racional, como fim em si mesmo, terá de poder considerar-se, com respeito
a todas as leis a que possa estar submetido, ao mesmo tempo como legislador
universal; porque exactamente esta aptidão das suas máximas a constituir a legislação
universal é que o distingue como fim em si mesmo. Segue-se igualmente que esta sua
dignidade (prerrogativa) em face de todos os simples seres naturais tem como
consequência o haver de tomar sempre as suas máximas do ponto de vista de si
mesmo e ao mesmo tempo também do ponto de vista de todos os outros seres
racionais como legisladores (os quais por isso também se chamam pessoas). Ora desta
maneira é possível um mundo de seres racionais (mundus intelligihilis) como reino
dos fins, e isto graças à própria legislação de todas as pessoas como membros dele.
Por conseguinte cada ser racional terá, de agir como se fosse sempre, pelas suas
máximas, um membro legislador no reino universal dos fins” (p.82).

_ Álvaro L.M. Valls:

“Kant buscava uma ética de validade universal, que se apoiasse apenas na igualdade
fundamental entre os homens. Sua filosofia se volta sempre, em primeiro lugar, para o
homem, e se chama filosofia transcendental porque busca encontrar no homem as
condições de possibilidade do conhecimento verdadeiro e do agir livre. No centro das
questões éticas, aparece o dever, ou obrigação moral, uma necessidade diferente da
natural, ou da matemática, pois necessidade para uma liberdade. O dever obriga
moralmente a consciência moral livre, a vontade verdadeiramente boa deve agir
sempre conforme o dever e por respeito ao dever.”

“Esta moral não se interessa essencialmente pelos aspectos exteriores, empíricos e


históricos, tais como leis positivas, costumes, tradições, convenções e inclinações
pessoais. Se a moral é a racionalidade do sujeito, este deve agir de acordo com o
dever e somente por respeito ao dever: porque é dever, eis o único motivo válido da
ação moral.

Legalidade e moralidade se tornam extremos opostos. Diante de cada lei, de cada


ordem, de cada costume, o sujeito está obrigado, para ser um homem livre, a
perguntar qual é o seu dever, e a agir somente da acordo com o seu dever, e isto,
exclusivamente, por ser o seu dever.”

“Para Kant, os conteúdos éticos nunca são dados do exterior. O que cada um de nós
tem, porém, é a forma do dever. Esta forma se expressa em várias formulações, no
chamado imperativo categórico, o qual tem este nome por ser uma ordem formal
nunca baseada em hipóteses ou condições.”

_ Allen W. Wood:

“A teoria da ética é uma teoria sobre qualquer regramento da conduta do ser humano
de acordo com leis dadas pela razão. A teoria do direito é uma teoria sobre os padrões
racionais para leis externamente coercivas e os fundamentos da instituição humana
(chamada “sociedade civil” ou “o Estado polítíco”) na qual as leis têm o seu lugar. É
um importante princípio da doutrina kantiana que os deveres éticos sejam impostos a
cada pessoa autonomamente pela própria razão da pessoa, que o próprio incentivo
para o seu cumprimento seja o motivo próprio interno do dever da pessoa e que é
errado e impróprio para os outros ou para a sociedade em geral tentar compelir-nos a
cumpri-los. Os deveres de direito, em contraste, são essencialmente impostos de fora
do agente por um poder externo, sendo a justiça ou a correção das ações que os
cumprem a mesma, qualquer que seja o motivo – isto é, o pagamento de um débito ou
a obediência a leis contra o furto são igualmente justas, sejam motivados por um
senso de dever ou por medo imediato do que o judiciário ou a polícia poderiam fazer a
você. A esfera do direito deriva o conceito de dever do imperativo moral (MS 6:239),
mas não se segue disso que este também seja o fundamento dos imperativos do
direito. O direito e suas leis coercivas externas constituem um sistema recursivamente
fechado, embora Kant considere que o sistema como um todo possa ser apoiado de
fora por princípios morais e que os seres racionais também têm um dever ético de
cumprir deveres de direito.” (Wodd, A.W. Kant. Artmed, 2008, p.205).

Potrebbero piacerti anche