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Obras e datas:
Geral:
- Racionalismo
– investigação da razão em seu sentido tanto teórico quanto prático;
– análise das condições segundo as quais a razão funciona, a maneira como opera e
seu objetivo;
– aspecto teórico: conhecimento legítimo da realidade com base na distinção entre
entendimento e conhecimento;
– aspecto prático: sobre a escolha livre dos seres racionais, que podem se submeter ou
não à lei moral;
– a lei moral é fruto da razão pura em seu sentido prático: age moralmente aquele que
é capaz de se autodeterminar;
– pressuposto fundamental da ética kantiana: autonomia da razão.
1. Resposta à pergunta: “o que é esclarecimento”? (1784)
‘uso público’ da razão – deve ser livre em qualquer momento; aquele que é feito por
alguém, como douto, perante o mundo letrado; como membro de uma comunidade ou
mesmo da própria sociedade civil mundial; é uma questão de justiça apresentar ou
expressar um juízo publicamente; como erudito, ter a liberdade e a obrigação “de
participar ao público seus pensamentos bem-intencionados e cuidadosamente
fundamentados”.
‘uso privado’ da razão – aquele que o douto pode fazer em um posto civil ou público;
comportamento passivo e unanimidade artificial; contratado; “encontro doméstico”;
executa instruções de outrem;
ÉTICA DO DEVER
Prefácio (p.19): busca e fixação do princípio supremo da moralidade: percorrer o
caminho analiticamente do conhecimento vulgar para a determinação do princípio
supremo desse conhecimento, e em seguida e em sentido inverso, sinteticamente, do
exame deste princípio e das suas fontes para o conhecimento vulgar onde se encontra
a sua aplicação.
1. Primeira Secção: Transição do conhecimento moral da razão vulgar para o conhecimento filosófico.
2. Segunda Secção: Transição da filosofia moral popular para a Metafísica dos costumes.
3. Terceira Secção: Último passo da Metafísica dos costumes para a Crítica da Razão
pura prática.
→ É moralmente correta a ação que está de acordo com determinadas regras do que
é certo, independentemente da felicidade resultante a um ou a todos.
1.
- não são regras com conteúdo, mas uma regra de averiguação (Imperativo
Categórico) das máximas que orientam nossas ações;
- móbil da ação: respeito à lei moral; a ação deve ser realizada por dever; (não apenas
conforme o dever, nem por motivações egoístas).
2.
- entendimento acessível à moralidade e compreensão comum: há mais valor moral na
ação feita por dever; exemplo do merceeiro, do suicida e do filantropo (contra uma ética de
virtudes).
3.
- Imperativo Categórico: procedimento específico para determinar se nossas máximas
ou princípios práticos subjetivos podem ser considerados leis práticas (válidas para a
vontade de todo ser racional) (se podemos querer que essa ação seja elevada à
categoria de lei universal).
- Fórmula da lei universal: “Agir de maneira tal que seja possível desejar que a
máxima da ação deva tornar-se lei universal” – nós a reconheceríamos imediatamente
como fundamento do valor moral e das nossas distinções morais comuns
“Ainda que proponha fundamentar a moral sem recorrer à experiência, porém sim
com base em um princípio da razão, Kant parece indicar que, mesmo que tomasse o
caminho empirista, encontraria pela experiência que as fontes das distinções morais
concordam com sua teoria.”
“Ou seja, a utilidade não é o critério que as pessoas comumente adotam para
distinguir a ação moral da ação não-moral, pois a rigor o motivo da ação é
considerado, ordinariamente, tão mais moral quanto mais desligado de motivações
sensíveis ou considerações de utilidade.”
5. As várias formulações do Imperativo Categórico
Fórmula da lei universal da natureza: Age de maneira tal que a máxima moral de
tua ação possa ser elevada à condição de lei universal da natureza.
Fórmula da humanidade como fim em si mesma: Age de forma tal que sua ação
seja dirigida à humanidade como um fim em si, e nunca somente como um meio,
considerada na sua pessoa ou na pessoa de outrem.
Fórmula da autonomia: Age de forma tal que tua vontade possa fornecer a lei
universal através de todas as suas máximas.
Variação: vontade autônoma pensada como vontade legisladora de um reino dos fins:
Age de acordo com as máximas que orientariam o legislador universal de um
possível reino dos fins.
6.
Imperativo Categórico: procedimento para determinar se uma máxima deve ser
desejada pelo agente como válida não somente para sua vontade mas para a vontade
de todo ser racional. Formulação obtida a partir do conhecimento moral comum.
7.
Aplicação da primeira fórmula: Fórmula da lei universal da natureza: Age de
maneira tal que a máxima moral de tua ação possa ser elevada à condição de lei
universal da natureza.
4 casos
8.
Aplicação da segunda fórmula: Fórmula da humanidade como fim em si mesma: Age
de forma tal que sua ação seja dirigida à humanidade como um fim em si, e nunca
somente como um meio, considerada na sua pessoa ou na pessoa de outrem.
Formulada com base nos motivos (conferindo conteúdo à motivação) que determinam
uma vontade racional. “...não se apresenta como critério de discriminação de máximas
facilmente aplicável”.
9.
Aplicação da terceira fórmula: Fórmula da autonomia: Age de forma tal que tua
vontade possa fornecer a lei universal através de todas as suas máximas.
Obtida a partir da concepção da vontade de um ser racional, compreendida como
vontade legisladora universal – vontade autônoma ou autolegisladora: que governa a
si mesma, sendo o único fundamento possível da obrigação moral
Variação: Age de acordo com as máximas que orientariam o legislador universal de
um possível reino dos fins.
Aqui a vontade autônoma é pensada como a vontade legisladora de um reino dos fins,
ou seja, de uma comunidade ideal de seres racionais.
a) Segunda fórmula: expressa o motivo da vontade racional, que é tratar o outro como
fim em si
• respeitar os outros como pessoas, de os considerar como o fim mesmo de
uma ação, e nunca apenas como um meio que sirva a outra finalidade (manipulação
do outro);
• valor da pessoa é respeitado mediante seu livre consentimento, que
pressupõe a capacidade do agente de usar plenamente sua racionalidade – (nem toda
ação aparentemente consentida o é verdadeiramente, como sucede aos menores de
idade coagidos, às pessoas vítimas de engano ou de chantagem, ou que ignoram sua
verdadeira situação).
b) Terceira fórmula: fornece as características dessa vontade, seja como vontade
autônoma, seja como legisladora ideal de uma comunidade de seres racionais
• corresponde à compreensão de Kant do Iluminismo (concepções de
liberdade e igualdade entre os homens);
• acentua o elemento de maioridade trazido pelo esclarecimento: uma
vontade que estabelece ela mesma a lei universal é autônoma e autolegisladora;
abandonar a menoridade intelecutal é pensar autonomamente (versus um ser racional
meramente particular)
• porque esta racionalidade é universal, somos obrigados categoricamente a
seguir as normas porque as vemos como produtos da razão (versus um mero
particularismo cego)
• não é uma perspectiva egocêntrica, mas superior – da razão; elevar a moral
ao nível da razão, o que significa dizer que:
1. a máxima da nossa ação pode ser desejada como válida para todos (1ª
fórmula);
2. sentimo-nos obrigados por leis que nos damos a nós mesmos como se
exercêssemos a função de um legislador universal (f. autonomia), ou de um legislador
para um possível reino dos fins (variação f. autonomia).
• Pode-se dizer que esse reino dos fins seria uma espécie de união sistemática
de diferentes seres racionais submeticos a leis comuns, distinguindo-se portanto do
reino da natureza, que se organiza segundo um conjunto de leis mecânicas.
d) “Ao contrário da ética de virtudes, a ética kantiana não nos concederia nenhuma
orientação verdadeira, não nos indicaria nenhum rumo sobre qual seria a vida digna
de se viver.” – apenas deveres negativos, e não deveres positivos.
- uma moral mais econômica teria maior possibilidade de se tornar universal e
atemporal;
- mas reconhecemos também ações moralmente dignas para além do dever: ações
supra-rogatórias.
- 2a seção da Fundamentação + “doutrina da virtude” na Metafísica dos costumes:
classe dos deveres imperfeitos;
- a “doutrina da virtude” apresenta a felicidade dos outros como um fim da ação
moral, que é ao mesmo tempo um dever: origem dos deveres em relação aos outros:
de respeito (perfeito), de beneficência, de gratidão e de simpatia (imperfeitos)
- deveres, virtudes imperfeitas: espaço de manobra; o não-cumprimento é apenas
deficiência do valor moral
- dever perfeito: “a falha em cumprir o dever que é produzido pelo respeito devido a
todo ser humano é um vício”.
1. Leis de natureza como objeto da experiência (leis segundo as quais tudo acontece);
2. Leis da vontade do homem enquanto ela é afetada pela natureza (leis segundo as
quais tudo deva acontecer).
Lógica é um cânone para o entendimento e para a razão válido para todo o pensar.
(A Física tem portanto uma parte empírica e uma parte racional) Metafísica da
Natureza
→ Filosofia Moral – inteiramente pura – leis morais a priori com seus princípios
aplicadas a todo ser racional
• Metafísica dos Costumes: para investigar a fonte dos princípios práticos que
residem a priori na nossa razão + servir de fio condutor e norma suprema do seu
exacto julgamento
• Moralmente bom: não basta que seja conforme a lei moral, mas tem também que
cumprir-se por amor dessa mesma lei
1. Primeira Secção: Transição do conhecimento moral da razão vulgar para o conhecimento filosófico.
2. Segunda Secção: Transição da filosofia moral popular para a Metafísica dos costumes.
3. Terceira Secção: Último passo da Metafísica dos costumes para a Crítica da Razão
pura prática.
A boa vontade é a única coisa considerada boa sem limitação. Ela é pura quando não
sofre influências das inclinações, das tendências externas, dos afetos e dos
sentimentos. Ela é apenas e tão somente influenciada pela razão por motivos a priori
(as leis que determinam a vontade em um ser racional em geral têm origem
plenamente a priori na razão pura) (p.46). Ela é o bem supremo e a condição da
própria felicidade.
A vontade é assim livre: “desde a relação da vontade consigo mesma enquanto essa
vontade se determina só pela razão, pois que então tudo o que se relaciona com o
empírico desaparece por si, porque, se a razão por si só determina o procedimento,
terá de fazê-lo necessariamente a priori” (p.66-67).
A vontade é assim autônoma: ou seja, uma vontade que em todo ser racional é
concebida como vontade legisladora universal (lei à qual ela mesma se submete).
Cada um está sujeito somente à sua própria legislação (que é universal), o que é o
mesmo que estar obrigado a agir conforme a sua própria vontade. Neste sentido, a
autonomia é o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda a natureza
racional.
Finalmente, uma vontade absolutamente boa tem como seu princípio a lei suprema da
moralidade (o Imperativo Categórico: agir segundo aquela máxima cuja
universalidade como leise possa ao mesmo tempo também querer). A matéria (versus
forma) da vontade absolutamente boa é que ela coloca a si mesma como fim. Esta
vontade possui uma dignidade [“quando uma coisa está acima de todo o preço, e
portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade” (p.77) – ser um fim em si
mesmo, ter valor íntimo – na medida em que é legisladora em relação à lei moral].
Outra definição possível: “Dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei”
(p.31). Respeito que é puro respeito pela lei prática. (Ver nota da p.32 sobre o
conceito de ‘respeito’.)
A intenção de agir por puro dever não tem comprovação empírica e não pode ser vista
na experiência, mesmo sob o mais profundo exame de consciência. Mas a saída para a
concepção do puro dever reside na ideia de uma razão que determina a vontade por
motivos a priori; ações por dever são sempre ordenadas pela razão (p.41).
3. conceito de moralidade
O conceito de moralidade adquire a sua verdade da significação de sua lei para todos
os seres racionais em geral, absoluta e necessariamente. O respeito ilimitado à
prescrição universal da moralidade é o que prova a possibilidade mesma de sua
existência (p.42). Deve, portanto, haver uma moralidade pura cujo autêntico princípio
supremo – independente de toda a experiência – se funda somente na razão pura. O
conhecimento destes princípios a priori da razão é o que compete a um conhecimento
filosófico: “nunca ocorre perguntar se por toda a parte se devem buscar no
conhecimento da natureza humana (que não pode provir senão da experiência) os
princípios da moralidade, e, não sendo este o caso, sendo os últimos totalmente a
priori, livres de todo o empírico, se se encontrarão simplesmente em puros conceitos
racionais e não em qualquer outra parte, nem mesmo em ínfima medida; e ninguém
tomará a resolução de antes separar totalmente esta investigação como pura filosofia
prática ou (para empregar nome tão desacreditado) como metafísica dos costumes,
levá-la por si mesma à sua plena perfeição e ir consolando o público, que exige
popularidade, até ao termo desta empresa” (p.44-45).
Tudo isso pode ser resumido na seguinte frase: “A moralidade é pois a relação das
acções com a autonomia da vontade, isto é, com a legislação universal possível por
meio das suas máximas” (p.84).
Mas, de uma certa maneira, isto significa simplesmente que os imperativos são apenas
fórmulas para exprimir a relação entre leis objetivas do querer em geral e a
imperfeição subjetiva deste ou daquele ser racional – da vontade humana, por
exemplo (p.49).
Dado isso, Kant ditingue os imperativos hipotéticos dos categóricos: “Ora, todos os
imperativos ordenam ou hipotética- ou categoricamente. Os hipotéticos representam a
necessidade prática de uma acção possível como meio de alcançar qualquer outra
coisa que se quer (ou que é possível que se queira). O imperativo categórico seria
aquele que nos representasse uma acção como objectivamente necessária por si
mesma, sem relação com qualquer outra finalidade. Como toda a lei prática representa
uma acção possível como boa e por isso como necessária para um sujeito
praticamente determinável pela razão, todos os imperativos são fórmulas da
determinação da acção que é necessária segundo o princípio de uma vontade boa de
qualquer maneira. No caso de a acção ser apenas boa como meio para qualquer outra
coisa, o imperativo é hipotético; se a acção é representada como boa em si, por
conseguinte como necessária numa vontade em si conforme à razão como princípio
dessa vontade, então o imperativo é categórico. O imperativo diz-me, pois, que acção
das que me são possíveis seria boa, e representa a regra prática em relação com uma
vontade, que não pratica imediatamente uma acção só porque ela é boa, em parte
porque o sujeito nem sempre sabe que ela é boa, em parte porque, mesmo que
soubesse, as suas máximas poderiam contudo ser contrárias aos princípios objectivos
duma razão prática. O imperativo hipotético diz pois apenas que a acção é boa em
vista de qualquer intenção possível ou real. No primeiro caso é um princípio
problemático, no segundo um princípio assertórico-prático. O imperativo categórico,
que declara a acção como objectivamente necessária por si, independentemente de
qualquer intenção, quer dizer sem qualquer outra finalidade, vale como princípio
apodíctico (prático)” (p.50).
Esta distinção prossegue mais adiante novamente ligada à ‘felicidade’ e depois à
‘moralidade’: “Há no entanto uma finalidade da qual se pode dizer que todos os seres
racionais a perseguem realmente (enquanto lhes convêm imperativos, isto é como
seres dependentes), e portanto uma intenção que não só eles podem ter, mas de que se
deve admitir que a têm na generalidade por uma necessidade natural. Esta finalidade é
a felicidade. O imperativo hipotético que nos representa a necessidade prática da
acção como meio para fomentar a felicidade é assertórico. Não se deve propor
somente como necessário para uma intenção incerta, simplesmente possível, mas para
uma intenção que se pode admitir como certa e a priori para toda a gente, pois que
pertence à sua essência. Ora a destreza na escolha dos meios para atingir o maior
bem-estar próprio pode-se chamar prudência (Klugheit) no sentido mais restrito da
palavra. Portanto o imperativo que se relaciona com a escolha dos meios para alcançar
a própria felicidade, quer dizer o preceito de prudência, continua a ser hipotético; a
acção não é ordenada de maneira absoluta, mas somente como meio para uma outra
intenção. Há por fim um imperativo que, sem se basear como condição em qualquer
outra intenção a atingir por um certo comportamento, ordena imediatamente este
comportamento. Este imperativo é categórico. Não se relaciona com a matéria da
acção e com o que dela deve resultar, mas com a forma e o princípio de que ela
mesma deriva; e o essencialmente bom na acção reside na disposição (Gesinnung),
seja qual for o resultado. Este imperativo pode-se chamar o imperativo da
moralidade” (p.52).
Ainda sobre as mesmas distinções: “O querer segundo estes três princípios diferentes
dis-tingue-se também claramente pela diferença da obrigação imposta à vontade. Para
tornar bem marcada esta diferença, creio que o mais conveniente seria denominar
estes princípios por sua ordem, dizendo: ou são regras da destreza, ou conselhos da
prudência, ou mandamentos (leis) da moralidade. Pois só a lei traz consigo o conceito
de uma necessidade incondicionada, objectiva e consequentemente de validade geral,
e mandamentos são leis a que tem de se obedecer, quer dizer que se têm de seguir
mesmo contra a inclinação. O conselho contém, na verdade, uma necessidade, mas
que só pode valer sob a condição subjectiva e contingente de este ou aquele homem
considerar isto ou aquilo como contando para a sua felicidade; enquanto que o
imperativo categórico, pelo contrário, não é limitado por nenhuma condição e se pode
chamar propriamente um mandamento, absoluta, posto que praticamente, necessário.
Os primeiros imperativos poderiam ainda chamar-se técnicos (pertencentes à arte), os
segundos pragmáticos (pertencentes ao bem-estar), os terceiros morais (pertencentes
à livre conduta em geral, isto é aos costumes) ” (p.53).
Trata-se de “poder querer que uma máxima da nossa ação se transforme em lei
universal: é este o cânone pelo qual julgamos moralmente em geral” (p.62). Trata-se
também de perceber uma contradição na nossa própria vontade, ou seja, que um certo
princípio seja objetivamente necessário como lei universal, mas que subjetivamente
comporte exceções (o que é uma resistência da inclinação às prescrições da razão).
A questão para uma metafísica dos costumes é, segundo Kant, a seguinte: “É ou não é
uma lei necessária para todos os seres racionais a de julgar sempre as suas acções por
máximas tais que eles possam querer que devam servir de leis universais? Se essa lei
existe, então tem ela de estar já ligada (totalmente a priori) ao conceito de vontade de
um ser racional em geral” (p.66). O que se conclui assim: “Se, pois, deve haver um
princípio prático supremo e um imperativo categórico no que respeita à vontade
humana, então tem de ser tal que, da representação daquilo que é necessariamente um
fim para toda a gente, porque é fim em si mesmo, faça um princípio objectivo da
vontade, que possa por conseguinte servir de lei prática universal. O fundamento deste
princípio é: A natureza racional existe como fim em si” (p.69). Daqui se segue uma
nova formulação do Imperativo Categórico enquanto princípio da humanidade: Age
‘de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de
qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como
meio.
Isso tudo é resumido junto de outros conceitos na p.76: “A moralidade consiste pois
na relação de toda a acção com a legislação, através da qual somente se torna possível
um reino dos fins. Esta legislação tem de poder encontrar-se em cada ser racional
mesmo e brotar da sua vontade, cujo princípio é: nunca praticar uma acção senão em
acordo com uma máxima que se saiba poder ser uma lei universal, quer dizer só de tal
maneira que a vontade pela sua máxima se possa considerar a si mesma ao mesmo
tempo como legisladora universal. Ora se as máximas não são já pela sua natureza
necessariamente concordes com este princípio objectivo dos seres racionais como
legisladores universais, a necessidade da acção segundo aquele princípio chama-se
então obrigação prática, isto é, dever. O dever não pertence ao chefe no reino dos fins,
mas sim a cada membro e a todos em igual medida”.
E Kant dá finalmente um sumário das três formulações distinguindo seus aspectos: “As três maneiras
indicadas de apresentar o princípio da moralidade são no fundo apenas outras tantas fórmulas dessa
mesma lei, cada uma das quais reúne em si, por si mesma, as outras duas. Há contudo entre elas uma
diferença, que na verdade é mais subjectiva do que objectivamente prática, para aproximar a ideia da
razão mais e mais da intuição (Anschauung) (segundo uma certa analogia) e assim do sentimento.
Todas as máximas têm, com efeito:
1) uma forma, que consiste na universalidade, e sob este ponto de vista a fórmula do imperativo moral
expri-me-se de maneira que as máximas têm de ser escolhidas como se devessem valer como leis
universais da natureza;
2) uma matéria, isto é, um fim, e então a fórmula diz: o ser racional, como fim segundo a sua- natureza,
portanto como fim em si mesmo, tem de servir a toda a máxima de condição restritiva de todos os fins
meramente relativos e arbitrários;
3) uma determinação completa de todas as máximas por meio daquela fórmula, a saber: que todas as
máximas por legislação própria, devem concordar com a ideia de um reino possível dos fins como um
reino da natureza. O progresso aqui efectua-se como que pelas categorias da unidade da forma da
vontade (universalidade dessa vontade), da pluralidade da matéria (dos objectos, i. é dos fins), e da
totalidade do sistema dos mesmos. Mas é melhor, no juízo moral, proceder sempre segundo o método
rigoroso e basear-se sempre na fórmula universal do imperativo categórico: Age segundo a máxima que
possa simultaneamente fazer-se a si mesma lei universal.
Kant conclui esta ideia com o seguinte: “Ora daqui segue-se incontestavelmente que
todo o ser racional, como fim em si mesmo, terá de poder considerar-se, com respeito
a todas as leis a que possa estar submetido, ao mesmo tempo como legislador
universal; porque exactamente esta aptidão das suas máximas a constituir a legislação
universal é que o distingue como fim em si mesmo. Segue-se igualmente que esta sua
dignidade (prerrogativa) em face de todos os simples seres naturais tem como
consequência o haver de tomar sempre as suas máximas do ponto de vista de si
mesmo e ao mesmo tempo também do ponto de vista de todos os outros seres
racionais como legisladores (os quais por isso também se chamam pessoas). Ora desta
maneira é possível um mundo de seres racionais (mundus intelligihilis) como reino
dos fins, e isto graças à própria legislação de todas as pessoas como membros dele.
Por conseguinte cada ser racional terá, de agir como se fosse sempre, pelas suas
máximas, um membro legislador no reino universal dos fins” (p.82).
“Kant buscava uma ética de validade universal, que se apoiasse apenas na igualdade
fundamental entre os homens. Sua filosofia se volta sempre, em primeiro lugar, para o
homem, e se chama filosofia transcendental porque busca encontrar no homem as
condições de possibilidade do conhecimento verdadeiro e do agir livre. No centro das
questões éticas, aparece o dever, ou obrigação moral, uma necessidade diferente da
natural, ou da matemática, pois necessidade para uma liberdade. O dever obriga
moralmente a consciência moral livre, a vontade verdadeiramente boa deve agir
sempre conforme o dever e por respeito ao dever.”
“Para Kant, os conteúdos éticos nunca são dados do exterior. O que cada um de nós
tem, porém, é a forma do dever. Esta forma se expressa em várias formulações, no
chamado imperativo categórico, o qual tem este nome por ser uma ordem formal
nunca baseada em hipóteses ou condições.”
_ Allen W. Wood:
“A teoria da ética é uma teoria sobre qualquer regramento da conduta do ser humano
de acordo com leis dadas pela razão. A teoria do direito é uma teoria sobre os padrões
racionais para leis externamente coercivas e os fundamentos da instituição humana
(chamada “sociedade civil” ou “o Estado polítíco”) na qual as leis têm o seu lugar. É
um importante princípio da doutrina kantiana que os deveres éticos sejam impostos a
cada pessoa autonomamente pela própria razão da pessoa, que o próprio incentivo
para o seu cumprimento seja o motivo próprio interno do dever da pessoa e que é
errado e impróprio para os outros ou para a sociedade em geral tentar compelir-nos a
cumpri-los. Os deveres de direito, em contraste, são essencialmente impostos de fora
do agente por um poder externo, sendo a justiça ou a correção das ações que os
cumprem a mesma, qualquer que seja o motivo – isto é, o pagamento de um débito ou
a obediência a leis contra o furto são igualmente justas, sejam motivados por um
senso de dever ou por medo imediato do que o judiciário ou a polícia poderiam fazer a
você. A esfera do direito deriva o conceito de dever do imperativo moral (MS 6:239),
mas não se segue disso que este também seja o fundamento dos imperativos do
direito. O direito e suas leis coercivas externas constituem um sistema recursivamente
fechado, embora Kant considere que o sistema como um todo possa ser apoiado de
fora por princípios morais e que os seres racionais também têm um dever ético de
cumprir deveres de direito.” (Wodd, A.W. Kant. Artmed, 2008, p.205).