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Direito Penal I

Prof. Maria Fernanda Palma

António Rolo

Questões Fundamentais
Introdução1 2

- Maria Fernanda Palma – como toda a definição é uma negação (Baruch Espinosa), a
sua função é demarcar fronteiras e limites, logo, toda a definição de Direito Penal deve
começar pela sua demarcação.

- O Direito Penal não é Direito Civil, pois no segundo não existem sanções penais
específicas e porque ele tutela interesses privados e não públicos.

- O Direito Penal não é Direito Administrativo, pois o segundo não tem um


carácter proactivo e porque regula a organização e funcionamento das entidades
estaduais. Contudo, há uma espécie de ‘limbo’ entre os dois, o direito de mera
obrigação social.

- Conclusão – o que acaba por caracterizar o Direito Penal é a gravidade das suas
penas, que restringem direitos fundamentais, e das suas infracções.

- Assim, o Direito Penal é o conjunto de normas que prevê, para certos factos,
classificados como crimes, certa sanções graves, protegendo interesses e valores
essenciais da vida em comunidade e do Estado.

- Figueiredo Dias – o Direito Penal é o conjunto de normas que ligam a certos


comportamentos humanos, os crimes, determinadas consequências jurídicas
privativas deste ramo, sendo a mais importante a pena, só aplicada quando haja culpa
(também existindo outras, as medidas de segurança)

- Há que distinguir ius poenale (direito penal, em sentido objectivo) e ius punendi
(poder de punir, o sentido subjectivo)

- Direito Penal ou Direito Criminal? Como as medidas de segurança não


dependem da culpa e esta é indissociável do crime, não se poderá falar em Direito
Criminal.

1
Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral – Tomo I, pp 3-14
2
Maria Fernanda Palma, Direito Penal, Parte Geral – Fascículos, pp 21-24

1
- Como aponta Maria Fernanda Palma, encontramo-nos agora perante um problema: a
identificação anterior parece indicar que, sempre que o legislador designa os factos
como crimes e as sanções como penais, será que elas são realmente crimes e
sanções? Não, pois o crime e a pena têm um conteúdo pré-legislativo indisponível,
sendo entidades produzidas por instâncias sociais antes da sua modelação legislativa,
havendo uma relação entre a definição social e legal. Assim, as representações sociais
sobre o crime, pré-jurídicas, são pontos de referência para o legislador.

- O sentido da existência do Direito Penal não é só a pena, mas o seu sentido


jurídico último, o bem jurídico essencial que se quer proteger e que se pune com
severidade.

- Conclusão:

- Já se estabeleceu a definição de Direito Penal

- Resta saber qual o seu ponto de partida – a pena ou o crime? E, sendo assim, será
o crime apenas um facto do qual deriva a pena? E que factos terão dignidade punitiva?
(art. 18º/2)?

O Conceito Material de Crime3 4

A Definição Pré-Jurídica de Crime

Criminologia

- Estudo científico sobre o crime como fenómeno social

- A definição de crime encontra-se numa área de confluência entre a Ética, a Moral e


o Direito, mas há um certo consenso no facto de ser um comportamento antisocial
(Mannheim)

- O crime não pode ser estático, mas, como facto sociológico, ele será o resultado da
selecção social que inclui legislador, polícia, tribunais e grupos sociais. Maria
Fernanda Palma critica esta noção como muito relativista.

Outras Teorias

- Garofalo – crime é a violação da piedade

- John Stuart Mill - Harm Principle – crime só o é se for um perigo efectivo para
terceiros, sendo este princípio um princípio fundamental da criminalização e
consequente limitação do poder estadual

3
Figueiredo Dias, Direito Penal, pp 106-154
4
Maria Fernanda Palma, Direito Penal, pp 25-24

2
- Labeling Approach

- Durkheim e Merton – o crime resulta da chamada anomia, a indiferença às regras


sociais, acabando por ser um desfasamento entre metas sociais e caminhos seguidos.

- Sellin – teoria dos conflitos de cultura; Cohen – crime nasce da eticidade produzida
pela estrutura social, criando uma sub-cultura delinquente

- Sutherland – teoria da associação diferencial

- Conclusão – todas estas teorias revelam um comportamento humano irregular e


anómico/desviado e danoso socialmente por atingir bens necessários à conservação
da sociedade (Mannheim)

- As teorias jusnaturalistas, que pretendem estabelecer um conceito absolutamente


pré-legal de crime, pecam, na opinião de Figueiredo Dias, pela sua imprecisão e pelas
suas concepções serem demasiado largas e imprecisas para serem concretizadas.

- Existem ainda teorias de cariz moral/ético-social, para as quais o crime passaria pela
violação de deveres ético-sociais elementares ou fundamentais. Figueiredo Dias rejeita
esta teoria por se enraizar no pensamento que o Direito Penal era a expressão terrena
da moralidade religiosa, não sendo, assim, a função do Direito Penal tutelar a virtude
ou a moral, sendo esta uma noção absolutamente inadequada à estrutura e
exigências das sociedades democráticas e pluralistas modernas.

O Conceito Material de Crime no Pensamento Jurídico

- Houve uma grande controvérsia doutrinária entre Feuerbach (que achava que o
crime era uma violação de direitos subjectivos) e Birnbaum (que achava que o crime
seria uma violação de bens jurídicos)

- Feuerbach – a sua perspectiva liberal-contratualista dissolve a infracção criminal


na protecção da liberdade individual

- Birnbaum – lesão objectiva de valores da comunidade, pois o Direito vincula-se


a elementos objectivos, nomeadamente pré-positivos e de direito natural.

- Binding, mais positivista, reduz o bem jurídico aos valores ou condições de vida da
comunidade jurídica, definidos pelo legislador

- Von Lizst, mais individualista, desenvolve o bem jurídico como um interesse humano
vital, mas nunca supra-individual

3
- Maria Fernanda Palma diz que a discussão sobre o bem jurídico depende
invariavelmente de concepções ideológicas, logo, há que encontrar uma definição
mais neutra.

- Funcionalismo (Luhmann e Jakobs) – a função simbólica das penas e do Direito


Penal – função do Direito Penal é manter padrões de acção que organizem as
expectativas sociais do comportamento alheio.

- Destrói a legitimação do Direito Penal, transformando-o num modo de controlo


social

- Maria Fernanda Palma – a visão funcionalista não emula a função crítica do conceito
material de crime.

- Assim, Maria Fernanda Palma rejeita, ao definir crime, definições puramente


naturalísticas das necessidades sociais, permitindo ainda discutir decisões legislativas
incriminatórias na óptica dos fins do sistema, controlando a legitimidade do Direito
Penal e mantendo-se válidas as concepções relativas ao bem jurídico.

- Taipa de Carvalho5 recusa o positivismo pois o crime não pode ser reconduzido à
vontade do legislador ordinário (assim o bem jurídico não teria qualquer conceito
material); recusa o jusnaturalismo, porque ele impede o diálogo democrático; recusa
o moralismo pois há uma pluralidade de mundividências a ela associados; e rejeita o
funcionalismo, pois ele nega autonomia ao Direito Penal para definir os bens ou
valores jurídicos penais, subordinando as pessoas à funcionalidade do sistema social.

- Assim, defende um critério ético-social – é na consciência social de uma


determinada comunidade historicamente situada num dado tempo e espaço, que se
vai buscar a referência para a definição de bem jurídico-penal. Terão que
corresponder a valores indispensáveis para a realização pessoal de cada membro da
sociedade. Além disso, é preciso que o recurso às penas criminais seja indispensável e
adequado à protecção daqueles bens jurídicos fundamentais.

Coordenadas Constitucionais – o art. 18º/2 CRP e o Princípio da Dignidade e da


Necessidade Penal e a Subsidiariedade do Direito Penal 6

- Serão bens jurídicos os direitos inerentes à dignidade da pessoa humana e deveres


essenciais à funcionalidade e justiça do sistema social, existindo uma analogia
material entre a ordem axiológica constitucional e ordem legal dos bens jurídicos
(Taipa de Carvalho)

5
Américo Taipa de Carvalho, Direito Penal – Parte Geral, pp 45-49
6
Manuel da Costa Andrade, A Dignidade Penal e a Carência de Tutela Penal Como Referências de uma
Doutrina Teleológica-Racional do Crime

4
- Figueiredo Dias – expressão de um interesse, da pessoa humana ou da
comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si
mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso.

- O art. 18º/2 estabelece três corolários constitucionais penais importantíssimos – a


dignidade penal, a necessidade ou carência de tutela penal e a subsidiariedade do
Direito Penal.

- A teoria na qual se integram estas noções é a perspectiva racionalista, que pode ser
reconduzida a uma lógica teleológica-funcional, na medida em que se reconhece que
o conceito material de crime não pode ser deduzido das ideias vigentes a se em
qualquer ordem extra jurídica, mas tem de ser encontrado no horizonte de
compreensão imposto ou permitido pela própria função que ao direito penal se
adscreve no sistema jurídico-social

- A dignidade penal é, para Costa Andrade, um juízo qualificado de intolerabilidade


social, assente na valoração ético-social de uma conduta, na perspectiva da sua
criminalização e punibilidade. Assim, a dignidade penal abrange apenas os bens
jurídicos de eminente dignidade de tutela, que devem gozar de protecção penal.

- Para este autor, o juízo de dignidade penal pode dividir-se numa dignidade de
tutela do bem jurídico em si, como já foi dito, e na potencial e gravosa danosidade
social da conduta.

- Assim, a dignidade de pena é apenas aplicada a um comportamento merecedor de


desaprovação ético-social porque põe em perigo, com especial gravidade, as relações
da comunidade.

- Hoje, é pacífico o entendimento de que a dignidade penal de uma conduta não


decide, só por si e definitivamente, a questão da criminalização.

- Há que ter em conta o princípio da carência de tutela/necessidade e da


subsidiariedade penal, ou seja, o Direito Penal só deve intervir como ultima ratio,
quando a protecção dos bens jurídicos não se possa alcançar por meios menos
gravosos para a liberdade. Estes princípios derivam da vertente de carência de tutela
penal que aparece autonomamente da dignidade penal – um facto pode ter dignidade
penal mas não carecer de tutela penal.

- A carência de tutela penal analisa-se, num duplo e complementar juízo: em


primeiro lugar, um juízo de necessidade, por ausência de alternativa idónea e eficaz
de tutela não penal, e, em segundo lugar, por um juízo de idoneidade do Direito Penal
para assegurar a tutela, e fazê-lo à margem de custos desmesurados no que toca ao
sacrifício de outros bens jurídicos, máxime, a liberdade, a que Figueiredo Dias chama
princípio da proporcionalidade, que proíbe o excesso, se entendido em sentido amplo.

5
- Assim, como conclui o professor de Coimbra, a função principal do direito penal é a
tutela subsidiária de bens jurídico-penais.

Imposições Constitucionais Implícitas de Criminalização

- Todo o bem jurídico plenamente relevante tem de encontrar uma referência,


expressa ou implícita, na ordem constitucional dos direitos e deveres fundamentais.
Mas, justamente em nome do critério da necessidade e da consequente
subsidiariedade da tutela jurídico-penal, o inverso não é verdade – não existem
imposições jurídico-constitucionais implícitas de criminalização.

- Claro que, se o legislador constitucional apontar expressamente a necessidade


de intervenção penal para tutela de bens jurídicos determinados, tem o legislador
ordinário obrigação de seguir essa injunção e criminalizar os comportamentos
respectivos, sob pena de inconstitucionalidade por omissão.

- Esta imposição não existe, nem que seja por um direito geral dos cidadãos à
segurança jurídica.

O Caso Especial dos Crimes de Perigo7

- Definição – aqueles crimes em que a actuação típica consiste em agir de modo a


criar perigo de lesão de determinados bens jurídicos, não dependendo o seu
preenchimento da ocorrência da lesão, sendo opostos aos crimes de dano.

- Esse perigo consistirá numa situação que faz aparecer como possível a
realização de um dano contrário a interesses juridicamente protegidos, i.e., na
possibilidade de um resultado danoso. Assim, os bens jurídicos estão a ser tutelados
por antecipação.

- Existem crimes de perigo abstracto e concreto:

- Abstracto – serão aqueles crimes de perigo em que o perigo resultante da acção


do agente não esteja individualizado em qualquer vítima ou qualquer bem

- Concreto – perigo resultante da acção do agente em que o perigo esteja


individualizado numa vítima ou num bem.

7
Rui Patrício, Os Crimes de Perigo Abstracto e Concreto

6
- Problemas dos Crimes de Perigo Abstracto:

- Faria Costa rejeita a sua fundamentação com uma pretensão de ofensabilidade


dos bens jurídicos segurança e paz jurídica.

- Autor ensaia caminho de uma relação de cuidado-de-perigo, sendo que os


crimes de perigo abstracto fundam-se na necessidade de preservar esse cuidado-de-
perigo, sem mediação de qualquer bem jurídico, tornando-se ele próprio um.

- Há que afirmar que, se a Constituição aceita medidas de segurança, aceita


crimes de perigo abstracto.

- Qual a legitimidade do Estado para punir esses crimes? Até onde pode ir,
legitimamente, o alargamento do campo de protecção de bens jurídicos pelo Direito
Penal?

- Faria Costa – a antecipação da tutela protectora não tem que ver com efeito
intimidativo da pena, mas sim com um juízo político-criminal de que é insustentável,
ética-socialmente ilegítimo, que os danos se desencadeiem para começar intervenção
do Direito Penal

- Rui Patrício acha que o ponto de partida é o bem jurídico e a congruência entre a
ordem axiológica constitucional e a ordem legal penal: não basta dignidade penal, ao
abrigo do princípio da intervenção mínima

- Figueiredo Dias – deve-se exigir do Direito Penal que só intervenha onde se


verificarem lesões insuportáveis das condições comunitárias essenciais à livre
realização e desenvolvimento de cada pessoa.

Ac. 441/94 TC

- A presunção de tráfico de droga devido a posse acima de x é um crime de perigo abstracto.

- O recorrente alega violação do princípio da culpa, que exclui responsabilidade objectiva, – art. 25º/1 –
e da presunção de inocência.

- Assim, vê-se um confronto entre crime de perigo e princípios constitucionais, perguntando-se: há


possibilidade de danos insuportáveis? Há função preventiva subjacente à norma? Causa degradação de
seres humanos? Há congruência entre a ordem axiológica constitucional e a ordem legal penal?
Respeita-se o princípio da intervenção mínima?

- Tribunal acaba por alegar que não viola presunção de inocência, pois a incriminação de perigo
abstracto é constitucionalmente consentida

Ac. 295/03 TC

- Mesma questão:

- Será manifestamente excessivo, arbitrário e desproporcionado punir um agente que detenha, sem que
para tal esteja autorizado, quantidade superior à legal?

7
- TC diz que não, pois a quantidade elevada potencia tráfico e outras actividades, deixando de estar
sobre o controlo do agente.

Declaração de voto vencido de Maria Fernanda Palma:

- Exclui-se a possibilidade de o arguido fazer contra-prova e demonstrar que não agiu com dolo. Acha
que não é uma mera antecipação da tutela, mas uma violação do princípio da culpa. Ainda por cima foi
provado que a droga se destinava ao consumo, subsistindo, absurdamente, a presunção de tráfico,
acabando a lei por admitir, implicitamente, um puro crime de detenção de droga para consumo. Além do
mais, é preciso ter em conta a opção descriminalizadora do legislador.

Os Fins das Penas8 9 10

- Outra das grandes questões do Direito Penal, revelando-se a pena quase sempre
como um mal para a pessoa do criminoso.

- Existem três grandes concepções, que se têm degladiado ao longo do tempo:


teoria retributiva, da prevenção geral e da prevenção especial.

Teorias Retributivas/Absolutas

- Kant

- Hegel – a pena é a negação do crime, e constitui a reafirmação dialéctica do Direito

- Para estas teorias, o sentido da culpa do criminoso tem de ser compensada por
outro mal, dando origem, assim, ao princípio da culpa: a medida da pena deve ter em
consideração a medida da culpa.

Crítica de Maria Fernanda Palma

- Indemonstrabilidade dos seus pressupostos, pois ela parte de uma ideia de livre
arbítrio total, o que a ciência não permite comprovar.

- Crítica Jurídico-Constitucional – teoria retributiva tem como pressuposto a culpa


ética. Ora, a intervenção do Estado não pode sancionar essa culpa ética e promover a
Ética e a Moral em si mesmas – art. 18º/2 CRP – princípio da necessidade da pena.

Crítica de Figueiredo Dias

- Não é uma teoria de fins da pena, pois considera a pena como uma entidade
independente de fins – a zeckgelöste Majestät

8
Maria Fernanda Palma, Direito Penal..., pp 34-50
9
Figueiredo Dias, Direito Penal..., pp 43-84
10
Claus Roxin, Os Fins das Penas e o Limite do Poder Punitivo do Estado

8
- Inadequação à legitimação, fundamentação e sentido da intervenção penal – estas
só podem resultar da necessidade, e para proporcionar as condições de existência
comunitárias. Sendo assim, o moderno Estado democrático não se pode afigurar
como um sancionador de pecados e vícios – tem de se limitar a defender os bens
jurídicos

Crítica de Claus Roxin

- Não consegue estabelecer um limite, quanto ao conteúdo do poder punitivo do


Estado

- Ser humano não tem total liberdade de agir com vontade

- Corresponde ao intrínsico impulso vingador humano, sendo necessário quase um


auto de fé.

Teoria Relativa da Prevenção Geral

- Justificação da pena reside na intimidação dos cidadãos relativamente à violação da


lei penal

- Apoiada por Platão e por Feuerbach, que fala da pena como uma ‘força moderadora
de costumes’

- Tem uma vertente positiva – dizer ao ‘bom cidadão’ como deve ser a sua contuda,
fortalecendo os juízos de valor social dos cidadãos.

- Tem uma vertente negativa, que reside na intimidação e consequente integração.

- Esta teoria já tem como fundamento a função do Direito Penal de tutela subsidiária
dos bens jurídicos.

Crítica de Maria Fernanda Palma

- Interesse público não justifica qualquer pena – a pessoa não é um meio. (v. art.1º
CRP)

Crítica de Figueiredo Dias

- Críticas retributivas – teoria muito utilitária, usando o ser humano como um meio

- Utilização da pessoa humana como instrumento, se pensarmos na prevenção


negativa.

- Prevenção positiva não é mal vista, oferecendo um instrumento racional

9
Crítica de Claus Roxin

- Teoria não estabelece limite de comportamentos puníveis pelo Estado, podendo


tender para o temor Estatal

- Os fins não justificam os meios

- Em certos crimes não se conseguiu provar o efeito de prevenção da pena: cada


desses crimes constitui, plea sua existência, uma prova contra a eficácia da prevenção
geral.

- Teoria admite castigar uma pessoa, não em função dela própria, mas em função dos
outros

Teoria Relativa da Prevenção Especial

- Considera que o fim das penas é a intervenção sobre o delinquente, através de


coacção psicológica, inibindo a prática de crimes ou disposição criminal.

- Fundamenta-se no contrato social

- Levou a procurar como sentido da pena a sua necessidade estrita (von Liszt) –
intimidação, melhoramento e eliminação do criminoso.

- Prevenção da reincidência/intimidação individual

- Prevenção especial negativa – neutralização

- Prevenção especial positiva – reforma interior e moral/socialização, criando as


condições para que o delinquente possa continuar a viver sem cometer crimes

Crítica de Maria Fernanda Palma

- Consequências graves- crimes muito graves podem passar impunes se não houver
hipótese de reincidência e vice-versa

- Investigação empírica não assegura a prognose sobre a delinquência futura.

- Conflito com o princípio da necessidade de pena – art. 18º/2 – se recuperação do


criminoso falhar será legítimo usar meios mais gravosos.

Crítica de Figueiredo Dias

- Rejeita ‘correcção moral’ e ‘paradigma médico e clínico’ da prevenção especial.

- Violação da auto-determinação do delinquente

10
- Só o seu conteúdo positivo, a mitigação da reincidência, sobreviverá num Estado de
Direito

Crítica de Claus Roxin

- Não delimita o ius punendi do Estado – quem é passível de correcção? Assim, a


actuação do Estado pode-se tornar perigosa.

- Tal como Maria Fernanda Palma, deixaria crimes graves passar impunes.

- Correcção – o que legitima uma maioria da população a impor os seus paradigmas


sobre o resto?

Concepção de Claus Roxin

- Roxin fala num panorama pouco animador, propondo uma teiran ova.

- Para o autor alemão, o Direito Penal enfrenta o indivíduo de três maneiras:


ameaçando, impondo e executando penas. Cada etapa deve recolher o princípio da
anterior.

- Contudo, cada uma das teorias do Direito Penal dirige a sua visão unilateralmente
para determinados momentos:

- A prevenção especial será aplicável à execução da pena

- A prevenção geral será aplicável às cominações penais

- E a retribuição sê-lo-á na sentença

- Cominações – o que pode o Estado proibir mediante a pena.

- Objectivo do Estado é manter uma comunidade coesa e law-abiding

- Direito Penal é subsidiário

- Legislador não pode castigar pela imoralidade, visto que a moral não é mentir
bem jurídico. Se respeitado, a prevenção geral passa a ser aceitável.

- Aplicação da Pena

- Retribuição mais prevenção geral e individual

- Delinquente tem que, em atenção à comunidade, suportar a pena.

- Pena não pode exceder a medida da culpa e pensa suspensa admite-se no caso
concreto de restauração da paz jurídica.

11
- Execução

- Somente se se comprovar a reintegração do delinquente é que se pode dizer


que a pena resulta.

- Roxin chama a esta teoria a teoria unificadora dialéctica, que funciona como
protecção subsidiária de bens jurídicos, mediante a prevenção geral e especial, que
salvaguardam a personalidade no quadro traçado pela medida da culpa individual.

- Figueiredo Dias critica esta teoria, dizendo que todas as teorias unificadoras são
inaceitáveis pois chamam a retribuição à colação.

Concepção de Figueiredo Dias – A Natureza Exclusivamente Preventiva das


Finalidades das Penas

- Pode ser prevenção geral, positiva ou negativa, e especial, positiva ou negativa.

- Baseia-se na função do Estado de assegurar respeito pelos bens jurídicos essenciais e


assegurar a realização livre de cada membro da comunidade. Só o pode fazer
prevenindo práticas de futuros crimes.

- O ponto de partida é a tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto.

- Assim, a finalidade de pena é o restabelecer da paz jurídica comunitária abalada


pelo crime.

- A culpa deve ser um pressuposto e um limite da pena.

- Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.

- A pena concreta é limitada pela medida da culpa, e dentro desse limite máximo ela
é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo
limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento,
abaixo do qual a comunidade perde confiança no Direito Penal.

- Dentro dessa moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é


encontrada em função de exigências de prevenção especial positiva (socialização) ou
negativa (intimidação).

- Art. 40º do Código Penal

12
Concepção de Maria Fernanda Palma

- Teorias pretendem resolver um problema mal colocado, o dos fins ‘ideais’ das
penas, opondo-se a esses fins ideais a amarga necessidade de punir – toda a discussão
deve centrar-se na realidade da pena e não no que ela devia ser.

- Dizer que não pode haver retribuição é estúpido porque a pena substitui
psicologicamente o impulso da vingança privada. E pode a pena fazê-lo racionalmente
e eticamente, tendo efeitos sociais úteis?

- Maria Fernanda Palma rejeita formulações de Beccaria e von Liszt por terem uma
base contratualista e individualista, dizendo que essas necessidades comunitárias
dependem de consensos temporários ou maiorias contigentes.

- A tal substituição psicológica da vingança privada que a pena assegura enquanto


retribuição racionaliza-se através de dois princípios – os princípios da dignidade da
pessoa humana e da necessidade.

- Assim, a retribuição justifica-se racionalmente, ancorada na necessidade social,


controlando as emoções e protegendo a sociedade contra o delinquente.

- A pena retributiva é, assim, legítima se for necessária preventivamente: retribuição e


prevenção articulam-se com princípios constitucionais e acabam por conduzir a
soluções coincidentes.

Ac. 05/02/97 STJ

- Guarda da PSP, respeitado e estimado na Comunidade, atropela duas pessoas bêbado e mata uma
delas. Tem 2 g/l de álcool no sangue.

- Nos termos do art. 137º/2, trata-se de negligência grosseira. Admite pena suspensa? Sim.

- Ministério Público – comportamento é o exigido a um homem civilizado médio.

- Prevenção Especial – se fim da pena é intimidação (negativo) e reintegração (positiva), aqui ela não
será necessária, porque demonstrou-se que o agente era um ‘delinquente ocasional’, com pouca
inclinação para o crime – censura dofacto e ameaça da pena bastarão para o afastar de maiscrimes.

- Prevenção Geral – fortalecimento dos costumes, transmissão desta mensagem aos cidadãos: ‘não
conduzam bêbados’.

- Art. 40º - não pode ser prevenção especial, porque deixa-se um bem jurídico altamente valioso
desprotegido, especialmente valorado pelo legislador.

13
Princípios Constitucionais de Direito Penal11
Princípio da Culpa

- Não é objecto de uma formulação legal tão transparente como o da legalidade

- Constitucionalmente, ele é deduzido da essencial dignidade da pessoa humana e do


direito à liberdade – art. 1º e 27º CRP, sendo que no Código Penal só é expressamente
indicado como facto de determinação da pena – art. 72º/1 e 73º/1, apesar da
doutrina considerar que ele tem um triplo significado.

- Como fundamento da pena – não é hoje unanimamente aceite como tal. Para Roxin,
o princípio da culpa é alheio aos fins do Estado Social de Direito, sendo irracional
atribuir à culpa, como desvalor ético-social derivado da prática de certo
comportamento, a função de legitimar a realização de fins do Estado. Não se deve
punir um ‘mal’, só o dano que afecte os objectivos da sociedade.

- Maria Fernanda Palma – não é nesse plano que se concretiza o Direito Penal, mas
sim porque os seus comandos, proibições e aplicação realizam ideias culturais de
justiça que enformam as expectativas da sociedade.

- É nessa segunda dimensão que o princípio da culpa ainda encontra o seu lugar
como fundamento do Direito Penal. Duas ideias:

- 1ª – mera censurabilidade ético-pessoal não torna o homem um mero


instrumento da sociedade/poder – máxima kantiana

- 2ª – só a censurabilidade ético-pessoal permite a discussão do assunto com


o poder – concepção de realização da justiça através de um processo em que a
sociedade e o acusado se defontam como partes em conflito.

- Princípio da culpa passa a assumir uma função de segurança jurídica,


delimitadora da intervenção penal baseada em fins utilitários do Estado, tornando-se
num princípio restritivo.

- Como critério da medida da pena – dominantemente aceite como tal. Implica a


maior possibilidade de chegar a comportamentos e agentes através da referência à
ideia de culpa do que através doutros critérios, como os de prevenção geral.

- Como princípio da responsabilidade subjectiva – totalmente indiscutível. Leva à


rejeição de princípios como o versari in re ilicita, i.e., todas as consequências do acto
ilícito será imputáveis ao agente (hoje em dia, se virmos o art. 18º, não haverá
responsabilidade objectiva em crimes agravados pelo resultado se esse resultado não
for previsível). Hoje, crê-se na limitação da responsabilidade no âmbito do domínio

11
Maria Fernanda Palma, Direito Penal..., pp 50-64

14
da vontade humana – crença na liberdade e no poder de acção causal do homem é o
seu pressuposto.

- Esta noção do princípio da culpa divide-se numa dimensão cognitiva (implica a


consciência da ilicitude) e numa dimensão volitiva (capacidade de o agente se orientar
pela norma).

Princípio da Necessidade da Pena

- A.K.A. intervenção mínima do Direito Penal

- Utilização pelo Estado de meios penais deve ser limitada, ou mesmo excepcional, só
se justificando com a protecção dos Direitos Fundamentais (isto é uma reacção contra
a arbitrariedade das penas).

- Pretende ser um limite substancial ao Direito Penal – com base no contrato social, só
se podem proteger as liberdades estabelecidas nesse contrato.

- Legitimidade de incriminação – discussão anda à volta da carência de protecção


penal do bem jurídico (é contrariada se se tratar de um mero valor moral sem
expressão num bem jurídico determinado), da falta de alternativa à penalização da
conduta (não se afirmará quando os meios penais não forem absolutamente
indispensáveis, existindo outros meios sociais capazes de evitar comportamento, no
exemplo do aborto) e da eficácia concreta da incriminação (não se verificará quando o
Direito Penal for crimógeno).

- Importante também é que no momento da pena, tudo o que seja mais do que
necessário para atingir os fins das penas seja ilegítimo.

Princípio da Igualdade Penal

- Consagrada no art. 13º CRP, apesar de não ser um princípio específico do Direito
Penal

- Prescreve a discriminação

- A igualdade subjaz a ideia de proporcionalidade entre a gravidade do ilícito e da


pena que sustente a medição da pena pela culpa.

- Proporcionalidade implica que os factos de menos danosidade social sejam


sancionados, necessariamente, com penas mais leves: pequeno furto nunca terá uma
pena maior do que um furto qualificado.

15
- Princípio inverso não se aplica – ninguém pode ser punido menos severamente
do que outrem por factos idênticos ou mais graves.

- Também justifica protecção em geral dos mais fracos na estrutura social e


agravamento de certos crimes que os tenham como alvos.

- Tem, contudo, um alcance limitado, estando sempre restringido pelo princípio da


necessidade. Por exemplo, o furto de uso de veículo é punido, mas não o de outras
coisas móveis, pois o legislador julgou mais necessário proteger a comunidade de o
furto de uso de algo que pode ser usado para cometer mais crimes.

- Sendo assim, a principal expressão do princípio da igualdade penal é a


proporcionalidade.

Princípio da Humanidade do Direito Penal e das Suas Sanções

- Disposição de respeitar e recuperar o delinquente

- Rejeição de sanções atentatórias ao respeito pela dignidade da pessoa humana,


como a pena de morte, a prisão perpétua, penas cruéis e degradantes.

- Princípio da socialidade – sistema penal orienta-se pela reintegração.

Princípio da Legalidade12

- Maria Fernanda Palma – a racionalidade e aplicação das normas penais estão tão
condicionadas por esse princípio que ele é a proposição jurídica fundamental do
sistema penal.

- Nulla poena sine lege – tribunais não podem aplicar sanções penais sem lei
anterior que as preveja.

- Nullum crimen sine lege – tribunais só as aplicam se se preencherem determinados


pressupostos.

- Figueiredo Dias – não pode haver crime nem pena que não resultem de uma lei
prévia (regras da aplicação da lei penal no tempo), escrita (excepção no art. 29º/2
CRP), estrita (regras de interpretação) e certa (ver caso especial das normas penais em
branco) – nullum crimen, nulla poena sine lege. Assim, como diz Roxin, a protecção da
pessoa não é só feita através do Direito Penal mas perante o Direito Penal.

12
Figueiredo Dias, Direito Penal..., pp 177-185

16
- Assim, a solução do caso concreto está totalmente vinculado a um modelo legal,
i.e., uma articulação já feita pelo legislador entre um determinado caso, semelhante ao
concreto, e uma situação já prevista.

- Assim, o acto de aplicação fica totalmente vinculado

- Articulação entre as duas máximas anteriores dará – nulla poena sine crimen.

- O objectivo será proteger a liberdade individual, com o legislador a controlar o


tribunal e limitando as decisões arbitrárias, pois as penas acabam por ser as ‘bombas
atómicas do Estado’.

- Figueiredo Dias fala em fundamentos externos e fundamentos internos do princípio


da legalidade. Os fundamentos externos serão o princípio liberal, democrático e da
separação de poderes, visto que só os representantes dos cidadãos podem definir os
crimes. Os fundamentos internos serão a prevenção geral e o princípio da culpa.

- A propósito da lei penal certa, vamos ver o problema das normas penais em branco; a
propósito da estrita, veremos a interpretação; a propósito da prévia veremos a
aplicação da lei no tempo.

O Caso das Normas Penais em Branco13

- Conceito – norma que contém uma cisão entre a norma de compotamento, com
origem em leis de ordenamentos extra-penais, e a norma que contém a ameaça
penal.

- Há quem ache que, stricto sensu, só cabem na noção aquelas que remetam para leis
inferiores

- Outros acham que a lei só tem de remeter para outro ordenamento, de nível igual
ou inferior.

- Rui Patrício – qualquer caso de cisão entre a norma de comportamento e a ameaça


penal, em que a área de protecção é feita, total ou parcialmente, por outra norma.

A Questão da Sua (In)constitucionalidade

- Figueiredo Dias – nenhuma norma constitucional obriga à conexão entre a conduta


e a pena. Rui Patrício concorda, dizendo, contudo, que essa não é a questão principal.

- Eduardo Correia – matéria criminal é da competência reservada da Assembleia da


República, pelo que, a propósito das normas penais em branco, os critérios de

13
Luís Duarte d’Almeida, Problemas da Inconstitucionalidade das Normas Penais em Branco, in Casos e
Materiais de Direito Penal

17
incriminação caiam em mãos normalmente administrativas, sendo que a Assembleia
da República não intervém.

- Figueiredo Dias acha constitucional – a exigência de lei formal só vale para a


pena. Para a incriminação basta que seja válida a autorização legal.

- Então viola a tipicidade da lei penal?

- Norma em branco não assegura a clareza, a previsão, a determinabilidade por


causa da cisão, podendo ainda haver normas duplamento em branco.

- Viola princípio da culpa?

- Sim, pois não orienta suficientemente os destinatários das normas quanto às


condutas efectivamente proibidas – agente precisa de conhecer a proibição legal para
aceder à consciência da ilicitude da sua conduta, sendo que essa consciência constitui
o primeiro pilar do juízo da culpa.

Conclusão

- Ac. 427/95 STJ – a remissão, em matéria penal, é admissível quando feita para
instância normativa que não estabeleça nenhum critério autónomo de ilicitude, apenas
concretizando o cartório legal através da aplicação de conhecimentos técnicos.

- A norma penal em branco não pode ter conteúdo inovador, não podendo definir
o bem jurídico a proteger.

O Problema da Aplicação da Lei Penal no Tempo14 15 16

- ‘Nullum crimen, nulla poena sine legem praevia...’ – nasce da exigência jurídico-
política de garantia do cidadão face ao poder punitivo do Estado.

- Leva à proibição da aplicação retroactiva da lei penal desfavorável (retroactividade


in pejus, in malem partem ou contra reum) – art. 29º/1, 3 e 4 CRP – que têm os arts.
1º/1 e 2 e 2º/1 do Código Penal como equivalentes.

- Para Maria Fernanda Palma, qual é o fundamento desta regra? É o princípio da


culpa e da segurança jurídica, pois tanto a dimensão cognitiva como a dimensão
volitiva da culpa estariam comprometidas; e porque frustraria a garantia das
expectativas dos cidadãos.

14
Taipa de Carvalho, Direito Penal..., pp 170-204
15
Maria Fernanda Palma, Direito Penal..., pp 106-122
16
Figueiredo Dias, Direito Penal..., pp 193-206

18
- Para Taipa de Carvalho o fundamento principal será a garantia dos cidadãos (a
‘âncora firme’) e função dissuasora (prevenção geral) do Direito Penal para a
orientação dos cidadãos.

- Para Jorge Miranda, esta regra tem o princípio da igualdade como fundamento.

- Para Eduardo Correia – se uma nova lei deixa de incriminar outros factos é porque se
entende que eles já não merecem punição.

- Maria Fernanda Palma – qual o âmbito da proibição desta retroactividade?

- Incriminações, agravações de responsabilidades, adição de penas, modificação


de pressupostos de penas e medidas de segurança, normas processuais que afectem
direitos liberdades e garantias.

- Maria Fernanda Palma acaba por discutir ainda quais os pressupostos da


retroactividade: ela só existe se o regime previsto numa lei se puder referir a um
determinado tipo de situação anterior à sua vigência.

Determinação do Tempus Delicti

- Como determinamos o tempus delicti, o momento em que se deve considerar


praticado o crime, visto que ele é uma realidade complexa, que tem uma acção e um
resultado?

- Art. 3º - momento da conduta – ‘independentemente do tempo do resultado’.


Assim, evita-se excesso e arbítrio do ius punendi, garantia do cidadão, mantendo sólida
a função de orientação do Direito Penal.

- E nos casos em que a conduta se protrai por um certo período de tempo? Em crimes
mais prolongados, será mais provável a vigência sucessiva de leis.

- Se lei for uma lei criminalizadora, não haverá dúvida: só podem ser consideradas
as condutas praticadas depois do início da sua vigência – as anteriores são
irrelevantes, pois violaria a proibição constitucional da retroactividade de lei
criminalizadora.

- Se lei nova for favorável (descriminalizar ou mitigar a responsabilidade penal), há


lugar à sua aplicação retroactiva.

- Dificuldades aparecem quando a alteração legislativa se traduz numa agravação


da pena. Taipa de Carvalho diz que, se deve aplicar a lei antiga excepto se a totalidade
dos pressupostos típicos da lei nova se tenham verificado na vigência desta

- Quanto ao tempus delicti de:

19
- Crimes de omissão – ele determina-se no último momento em que o omitente
ainda tinha podido praticar eficazmente a acção imposta. Nova lei só se aplica
quando entrar em vigor antes da última possibilidade.

- Crimes de comparticipação – decisivo será o momento de cada uma das


condutas consideradas autonomamente

- Actio libera in causa

Breve Referência à Sucessão de Leis Penais em Sentido Amplo

- Qual é a diferença entre sucessão de leis penais em sentido amplo e em sentido


estrito? Em sentido amplo, também abarcará leis contraordenacionais.

- E como proceder nos casos em que uma lei converte uma contra-ordenação em
crime ou vice-versa?

- Lei que transforme uma contra-ordenação em crime – só se aplicará aos factos


posteriores. Os factos anteriores não serão, para Taipa de Carvalho, considerados, pois
a lei criminalizadora também é descontraordenacionalizadora, sendo proibida a
aplicação retroactiva.

- Se a lei nova transforma crime em contra-ordenação, é uma lei


descriminalizadora, deixando de ser penalmente punível e também sendo
contraordenacionalizadora, não se podendo aplicar nos termos da proibição geral da
retroactividade in pejus’.

- Figueiredo Dias e Maria Fernanda Palma discordam – facto que deixou de ser crime
e passa a ser contra-ordenação anterior, deve ser punível por sanção contra-
ordenacional.

Princípio da Aplicação do Regime Mais Favorável ao Agente

- A consequência mais importante da proibição da retroactividade só contra o agente e


não a favor dele consubstancia-se no princípio da aplicação da lei/regime mais
favorável ao agente – a lex mellior.

- Princípio previsto na lei ordinária – art. 2º/4 CP – mas também na Constituição –


art. 29º/4, in fine.

- Ele é fundamental para a salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias.

20
- Assim, se facto deixar de ser considerado um crime, o art. 2º/2 estabelece que o
facto deixa de ser punível e que a execução, ao existir, seja suspensa, mesmo que
transitada em julgado. Se legislador mudou a sua concepção sobre crimes, faz sentido
que quem os tenha cometido seja libertado.

- Se houver uma atenuação da consequência jurídica, como a pena ou a medida de


segurança ou efeitos penais do facto, a lex mellior será retroactivamente aplicável,
com o condenado a poder requerer a reaberetura da audiência para lhe ser aplicado o
novo regime. Assim, o caso julgado de sentença condenatória deixou de impedir a
aplciação retroactiva da lei penal mais favorável.

A Lei Penal Intermédia17

- Taipa de Carvalho – lei penal cujo início de vigência é posterior ao momento da


prática do facto e cujo termo de vigência ocorre antes do trânsito em julgado da
sentença.

- Problema ocorre quando é a lei intermédia e não a lei do momento da prática do


facto ou a posterior, a mais favorável – se assim for, aplica-se a lei intermédia. Não
será retroactiva mas sim ultra-activa, pois é aplicada depois de ter cessado a sua
vigência.

- Qual o fundamento legal? O art. 2º/4, quando fala em ‘leis posteriores’ e o art.
29º/4, in fine.

- E o fundamento teórico? Demora no julgamento não deve ser causa de aplicação de


pena mais grave. Figueiredo Dias afirma que se justifica teleologicamente porque,
com a vigência da lei intermédia, o agente ganhou uma posição jurídica favorável
que deve ficar a coberto da proibição de retroactividade in pejus. Também não nos
podemos esquecer da essencial auto-vinculação do Estado à produção legislativa e o
princípio da igualdade.

Regime e Determinação da Lei Mais Favorável

- Taipa de Carvalho – ponderação concreta ou abstracta?

- A ponderação concreta é feita relativamente ao caso sub judice que se deve


determinar que lei favorece mais o infractor. Tribunal tem de realizar todo o processo
de determinação da pena (art. 71º), processo fácil quando elas são homogéneas

17
Taipa de Carvalho, Lei Penal Intermédia

21
(prisão e prisão). Quando são heterogéneas (pena tem limite máximo maior que a
outra, mas tem um limite mínimo menor) Tem de haver determinação concreta.

- Unitária ou diferenciada?

- Segundo a ponderação unitária, a lei deve ser aplicável na totalidade das suas
disposições sobre a pena principal, acessória e pressupostos processuais.

- Segundo a ponderação diferenciada, deve-se analisar cada um das disposições


separadamente.

- Para Taipa de Carvalho, a ponderação diferenciada baseia-se nas diferentes


fundamentações e teleologias das penas principais, penas acessórias e pressupostos
processuais

- O Supremo Tribunal de Justiça e o resto da doutrina advogam a ponderação


unitária. O STJ veio dizer que o art. 2º/4 fala em ‘regime’ em vez de ‘normas’, e que a
ponderação diferenciada é uma violação do princípio da separação de poderes, com o
juiz a criar um regime novo.

- Taipa de Carvalho diz que argumento do STJ é inócuo, pois o Código Penal usa
‘disposições’, ‘normas’ e ‘regime’ como sinónimos.

Leis Temporárias

- Art. 2º/3 CP – subtrai, aparentemente, estes casos ao princípio geral de não


retroactividade in pejus.

- Considera que a lei posterior descriminalizadora não inclui entre os seus elementos
típicos a situação do crime, havendo alteração essencial no ilícito típico entre as duas
leis, que serão temporalmente mas não juridicamente sucessivas.

- Maria Fernanda Palma diz que é uma boa explicação para leis excepcionais e não para
todas as temporárias – é discutível a ideia de que o legislador enha querido legitimar
a ultra-actividade da lei só por ser temporária. Logo, não basta ser temporária, a
temporalidade tem de estar ligada a uma excepcionalidade historicamente
objectivada da situação típica.

- Além disso, o art. 2º/3 não pode ultrapassar princípios do art. 29º/4 – a lei mais
favorável com elementos típicos.

- Leis de emergência – retroactividade in melius subsiste sempre que elemento do


tipo incriminador subsista.

22
Alteração dos Elementos Constitutivos do Tipo

- Situações em análise são aquelas em que a Lei Nova altera a estrutura do tipo legal
de crime, acrescentando, retirando ou substituíndo algum dos elementos da Lei Antiga
em vigor no tempus delicti. A complexidade reside em saber se, determinado facto,
praticado na vigência da Lei Antiga foi discriminalizado pela Lei Nova ou continua a
ser considerado crime. No primeiro caso aplicar-se-á o 2º/1 e no segundo o art. 2º/4.

- Num caso de introdução de novo elemento, havendo um novo juízo do legislador,


mesmo que facto tenha sido praticado na vigência da Lei Antiga e preenchendo todos
os pressupostos da Lei Nova, haverá amnistia.

- Exemplo: crime de venda de produtos alimentares impróprios para consumo é


substituído por venda de produtos alimentares impróprios para consumo com perigo
para a vida humana. O facto foi praticado na vigência da Lei Antiga e preenche
pressupostos da Nova. Não se vai aplicar nenhuma, pois o agente não tinha
expectativa, ao praticar o acto, de que ele poderia vir a ser punido como novo crime
no futuro, e porque tal corresponderia a uma retroactividade in pejus.

- Num caso de permuta de dois elementos do mesmo crime, também há amnistia??

- Exemplo: agressão agravada por perda de órgão importante é substituída por


perda de dias de trabalho. Delito é cometido preenchendo pressupostos da Lei Antiga
e é julgado na vigência da Lei Nova. Como o legislador alterou as saus concepções,
não se vai aplicar a Lei Antiga, e devido à proibição da retroactividade in pejus, não
se aplicará a Lei Nova.

- Num caso de alteração dos prazos de prescrição, haverá aplicação do prazo de


prescrição posterior se for mais favorável e aplicar-se-á o prazo de prescrição do
momento da prática do facto se ele for inferior ao novo prazo de prescrição.

- Exemplo: se Lei Antiga previa 10 anos e Lei Nova prevê 5, aplicar-se-á a Lei Nova.
Se, ao contrário for a Lei Antiga a prever 10 anos e a Lei Nova a prever 15 anos, aplicar-
se-á a Lei Antiga

- Taipa de Carvalho acha que está mais conforme com os princípios político-criminais
que a entrada em vigor da Lei Nova determine a despenalização da conduta praticada
na vigência da Lei Antiga, mesmo que os pressupostos da Lei Nova estejam
preenchidos.

- A Lei Nova vem acrescentar novas exigências aumentando a compreensão típica


e diminuindo a extensão da punibilidade, sendo que a sua entrada em vigor
determina a despenalização das condutas praticadas na vigência da Lei Nova, mesmo
que elas preencham os pressupostos que possam constar da Lei Nova – aceitar a

23
continuidade da punibilidade era valorar retroactivamente como típica uma
circunstância que na altura em que foi praticada não o era.

- Para Taipa de Carvalho pode haver, contudo, casos em que a aplicação da Lei
Nova (desde que a pena seja mais leve) apesar de esta restringir a punibilidade, não
implicar uma valoração retroactiva típica. Aí, mantém-se a manutenção da
punibilidade da conduta praticada na vigência da Lei Antiga. Exemplo: se se viesse
estabelecer que furto só era acima de 12 euros e a Lei Antiga dizia 10, manter-se-ia a
punibilidade.

A Problemática da Lei Inconstitucional Mais Favorável ao Arguido18 19

- Rui Pereira sustenta que a correcta identificação do problema determina uma


transferência da sua sede teórica e do seu modo de tratamento para um problema
de ignorância da lei penal válida pelo agente, ou seja, uma eventual falta de
consciência da ilicitude ou gravidade do ilícito, usando os seguintes argumentos:

- O art. 204º CRP determina que a sujeição imediata dos tribunais à Constituição
precede e limita a sua subordinação à lei (v. também nos arts. 203º e 205º/1) que
traduz uma manifestação de um princípio do Estado de Direito e da legalidade ao
nível da função judicial, pelo que o julgamento segundo normas inconstitucionais não
é uma ‘tolerância em relação ao vício’, mas uma violação do art. 204º CRP

- A aplicabilidade da lei penal inconstitucional mais favorável pressupõe a


existência de um conflito entre dois preceitos constitucionais – art. 204º (tribunais
têm de julgar pela CRP) e o que lhes manda aplicar o regime mais favorável (art. 29º/4)
– apesar disso, Rui Pereira considera que a obrigação de aplicar exclusivamente
normas constitucionais precede e conforma a obrigação de aplicar as normas de
conteúdo mais favorável ao arguido, e, o art. 204º provém dos princípios do Estado de
Direito e da Legalidade e o 29º/4 só ao princípio do Estado de Direito. Além disso, o
art. 29º fala, implicitamente em leis constitucionais, pois ao falar de ‘leis favoráveis’
nunca estaria a dizer que podem ser inconstitucionais, assume que elas são
constitucionais.

- Contudo, as expectativas adquiridas posteriormente pelo arguido não


influíram na sua determinação conforme ao Direito e a cognoscibilidade da lei penal
requerida pelo princípio da legalidade não abrange a lei futura, só existindo
expectativas quando o agente conhecer da lei penal inconstitucional e ignorar a sua

18
Rui Pereira, A Relevância da Lei Penal Inconstitucional de Conteúdo Mais Favorável ao Arguido, in
RPCC, ano 1, 1991
19
Jorge Miranda, Os Princípios Constitucionais da Legalidade e da Aplicação da Lei Mais Favorável em
Matéria Criminal, in O Direito

24
constitucionalidade. Logo, é preciso transferir este problema de uma sede de justiça
constitucional para um problema de ignorância da lei penal válida pelo agente, i.e.,
uma eventual falta de consciência da ilicitude ou gravidade do ilícito. Para Rui
Pereira, aplicar-se-á o regime do erro do art. 16º/1 CP nas normas inconstitucionais
descriminalizadoras. Nas desagravantes, estar-se-á perante um erro sobre a
gravidade do ilícito, não previsto autonomamente no CP, tendo influência para efeitos
de determinação da pena – art. 70º ss CP.

- Jorge Miranda tem opinião diversa, entendendo que no caso de a declaração de


inconstitucionalidade envolver uma repristinação de uma lei menos favorável, o TC
terá de se socorrer do art. 282º/3 CRP, que excepciona a ressalva de caso julgado caso
a lei declarada inconstitucional seja de conteúdo menos favorável ao arguido por força
do princípio do art. 29º CRP.

- Se a lei inconstitucional descriminalizar determinado comportamento a lei


anterior não poderá ser tida por aplicável visto que a sua repristinação acarreteria
retroactividade de lei penal incriminadora.

- Na hipótese de atenuação da consequência jurídica, a lei anterior será


repristinada mas no limite da estatuição daquele, o TC mandará aplicar a lei anterior
mas conformando-a e modificando-a tendo como limite inultrapassável o alcance
máximo de sanção da lei posterior, pois a lei inconstitucional não será aplicada, mas
sim a lei repristinada em certos termos.

- Acaba por concluir o autor que em ambas as hipóteses nunca é aplicada uma norma
declarada inconstitucional, esta é tida em conta só negativamente, não por si, mas “à
luz do princípio cogente dos arts. 29º/4 e 282º/3, in fine o qual tem eficácia
incondicionada e imediata”

A Interpretação da Lei Penal20 21

- Maria Fernanda Palma – a reserva de lei penal origina uma especial conformação da
técnica legislativa e da interpretação, de modo a poder haver uma aplicação estrita
da definição legislativa das normas, chamando-se a isso o princípio da determinação
das normas penais incriminadoras.

- Figueiredo Dias – comportamentos descritos têm de ser objectivamente


determináveis – este princípio implica o máximo preenchimento possível das figuras
através de verdadeiros conceitos de espécie. Assim, implica que seja proibida a
analogia incriminadora, que funcione contra o agente – art. 1º/3

20
Maria Fernanda Palma, Direito Penal..., pp 82-106
21
Figueiredo Dias, Direito Penal..., pp 187-193

25
- O que acabámos de ver resulta da mitificação da separação de poderes, sendo que os
seus pressupostos são os seguintes:

- Dogma juíz-autómato – rejeitado pelo pensamento jurídico por não se adequar


aos desígnios da realização da justiça da função jurisdicional e por ser ilógico afirmar
essa actividade como uma lógica de subsunção.

- Dogma da natureza conceptual dos tipos de crime – eles são funcionais


relativamente à imagem global da violação de direito. Art. 146º CP – será que é veneno
açúcar para um diabético? Maria Fernanda Palma diz que violação dos princípios da
determinação e da tipicidade não se dá logo que o legislador use conceitos
indeterminados, essa violação só acontece quando a possibilidade de compreensão e
controlo do desvalor expresso no tipo legal de crime deixe de existir.

- Exemplo: norma que previsse conduta ‘antidemocrática’ seria


inconstitucional nos termos do art. 29º/1 CRP. E ‘homicídio por negligência’ e ‘actos
exibicionistas’? Grau de inconstitucionalidade dependeria de grau de imprecisão e
inserção na linguagem corrente.

- Assim, violação da reserva de lei começará quando a linguagem normativa


permitir a total maniuplação de conceitos para fins incontroláveis e incompatíveis
com a teleologia da norma.

- Art. 1º/3 proíbe expressamente a analogia quanto às normas de que resulta a


qualificação do facto como crime, a definição de um estado de perigosidade e a
determinação de pena ou medida de segurança.

- Resulta da reserva de competências da Assembleia da República na formulação


de normas incriminadoras – se fosse permitida a analogia, a formulação de normas
incriminadoras deixaria de ser objecto de controlo democrático.

- O próprio carácter fragmentário do Direito Penal impede que comportamentos


análogos (na perspectiva da lesão, do bem jurídico lesado) aos expresamente
previstos na lei tenham o mesmo merecimento penal. Exemplo: furto de uso de um
veículo – dele não se pode inferir a dignidade punitiva de todo o furto de uso – a
selecção da conduta é uma decisão legislativa inimitável.

- Contudo, o raciocínio analógico não é proibido. Sendo assim, o que distingue a


interpretação extensiva da analogia?

– Possibilidade de referir um caso real não expressamente considerado pela letra


da lei ao seu pensamento. Assim, a sua diferença em relação à analogia é o facto de o
caso não ser pensado pela lei, sendo só meramente semelhante. Na interpretação
extensiva, o legislador exprime imperfeitamente a intenção de regular o caso.

26
- Outro critério relevante poderá ser todos os sentidos das palavras na linguagem
corrente que sejam previsíveis.

- Será, então, só o sentido literal o ponto de partida da interpretação?

- A própria interpretação extensiva pode não corresponder a um entdendimento


juridicamente aceitável das palavras, podendo-se ultrapassar pensamento do
legislador, tornando-se difícil traçar a fronteira entre a interpretação permitida e a
analogia proibida.

- Maria Fernanda Palma acha que o art. 1º/3 não proíbe expressamente a
interpretação extensiva, pois ela só poderá ser retirada do art. 1º/3 por analogia, o
que não pode acontecer, devido à proibição da própria analogia.

- Analogia é proibida, no geral, quanto a normas excepcionais, que podem ser


objecto de interpretação extensiva – art. 11º CC

- Limitação da interpretação mais extensiva do que o art. 11º CC só se justificaria


se princípios constitucionais penais o impusessem, i.e., na medida requerida pela
legalidade e pela reserva de lei.

- Ora, a visão tradicional da interpretação extensiva, como expressão do


pensamento da lei revelado por elementos não-literais da interpretação não contende
com esses princípios.

- Conclusão – não se pode considerar proibida toda e qualquer interpretação


extensiva no Direito Penal – estaríamos a fazer analogia com a própria proibição da
analogia.

- Princípio da legalidade pode ser cumprido sem uma pré-determinação essencial da


norma por limites linguísticos extra-jurídicos abstractamente diferidos e vinculativos
da concretização do Direito no caso?

- Correntes positivistas dirão que limites da interpretação são controlados


fundamentalmente por critérios de índole linguística – princípio da legalidade está
controlado desde que ‘não ultrapasse sentido possível das palavras’.

- Correntes não positivistas orientarão a interpretação por critérios extraliterais


reveladores do real significado da norma. Texto jurídico, deixa de ser, em absoluto,
objecto de interpretação, tomando a norma a definir o seu lugar.

- Como chegar a essa norma? Castanheira Neves propõe quatro condições de


validade: uma legal (necessidade do juízo incriminatório ser secundum legem, tendo
fundamento na norma), dogmática (corresponde à necessidade de que os tipos legais
sejam construídos pelo legislador de modo a que o seu ‘núcleo axiológico-normativo’
seja apreensível com relevo para o bem jurídico tutelado), sistemática (não pode

27
haver incoerência sistemática) e institucional (a garantia jurisprudencial da unidade do
Direito, que compete aos tribunais superiores). Assim, acha Castanheira Neves, a
interpretação permitida será a que caiba não só no sentido logicamente possível das
palavras da lei, mas também a que revele os valores jurídicos que a lei pretende
atingir e seja compatível com o sistema, tendo a unidade de Direito por instâncias
que a asseguram – as ideias jurídicas não se moldam pelas palavras.

- Para Maria Fernanda Palma, a perspectiva de Castanheira Neves afasta reserva de


lei controlada democraticamente por um controlo jurisprudencial/institucional.
Assim, a unidade de Direito pressupõe um juízo de constitucionalidade, feito, em
última análise, pelo Tribunal Constitucional, havendo uma inconstitucionalidade da
interpretação a se.

- Maria Fernanda Palma também não aceita modelo positivista, pois haverá sempre
uma vinculação relativa ao texto, em si mesmo, para apreender a norma. Sendo
assim, propõe o positivismo lógico-analítico:

- Subjaz à proibição da analogia o sentido próprio das palavras

- Não dilui o Direito nas intencionalidades normativas, mas antes o absorve na


constituição objectiva do Mundo através da imagem.

- Possibilidade de obtenção do significado válido do texto independentemente de


um contexto subjectivo ou intencionalidade – linguagem vale independentemente
das intenções. Assim, o sentido possível do texto delimita-se como limite da
interpretação permita, sendo o sentido comunicacional perceptível do texto. Outras
condições podem ajudar a fixar o sentido do texto jurídico, mas não o fixam.

- Figueiredo Dias crê que, devido ao facto de haver muitas palavras polissémicas, o
legislador, ao criar a lei, oferece um quadro de significados dentro do qual o aplicador
da lei se pode mover e pode optar sem ultrapassar os limites legítimos da
interpretação. Fora desse quadro estaremos no domínio da analogia proibida.

- O autor acha que a sua posição é teleológica e funcionalmente imposta pelo


conteúdo do próprio princípio da legalidade, pois fundar ou agravar a
responsabilidade do agente em uma qualquer base que caia fora desse quadro de
significados possíveis das palavras não limita o poder do Estado.

- Como já vimos, a proibição da analogia só vale contra reum ou in malem


partem, como elementos constitutivos dos tipos legais de crime. O mesmo vale para
as normas penais em branco, não só no que toca à parte sancionatória, mas també
no que toca à regulamentação externa. Coisa diferente são conceitualizações extra-
penais utilizadas pelo legislador.

28
Proibição de Redução Teleológica Incriminadora das Normas Que Delimitam a
Tipicidade

- A redução teleológica exclui do âmbito da lei os casos em que a sua letra


abrangeria, por tais casos não deverem ser abrangidos pelos fins essenciais da lei,
embora pudessem ser referidos ao pensamento do legislador. Essa redução teleológica
será incriminadora quando essa exclusão de casos se referir a normas que delimitam
negativamente a tipicidade.

- Exemplo: se suprimirmos a parte final do art. 386º/3 b) ‘dentro de território


português’ estaremos a aumentar âmbito de aplicação duma norma, que será proibida
pelo art. 1º/3.

- Não se pode interpretar o texto no sentido de uma redução teleológica


incriminadora.

Redução Teleológica das Causas de Justificação

- Exemplo: a analogia da legítima defesa com defesa preventiva, será aceitável? A


legítima defesa, no art. 32º, deve ter como contrapartida pressupostos bem
delimitados e espécies de gravidade identificada de conduta humana (agressão actual
e ilícita). De frizar que só poderá acontecer em causas de justificação que não sejam
excepcionais (escutas)

- Maria Fernanda Palma – também existe um efeito incriminador mediato derivado


da redução teleológica de uma norma permissiva. Assim, se alargarmos o campo da
ilicitude estamos a reduzir campo de licitude. Mesmo assim, será permitida se
aplicarmos o art. 16º/2 CP

Aplicação da Lei Penal no Espaço22

- Como diz Figueiredo Dias, a conformação do sistema estadual de aplicação da lei


penal no espaço baseia-se em diversos princípios e num certo modelo da sua
combinação. Esses princípios não assumem todos igual hierarquia, havendo um
princípio-base e princípios acessórios.

- O princípio-base será o princípio da territorialidade (Estado aplica o seu Direito


Penal a todos os factos penalmente relevantes que tenham ocorrido no seu território,
consagrado no art. 4º a)); princípio da defesa dos interesses nacionais (segundo o
qual o Estadoexerce o seu poder relativamente a afactos dirigidos contra os seus

22
Figueiredo Dias, Direito Penal..., pp 207-232

29
interesses nacionais específicos, sendo indiferente a nacionalidade ou residência do
autor); princípio da nacionalidade (Estado pune todos os factos relevantes praticados
pelos seus nacionais, com indiferença pelo lugar onde eles foram praticados); princípio
da universalidade (manda o Estado punir todos os factos contra os quais se deva lutar
a nível mundial ou que internacionalmente ele tenha assumido a obrigação de punir,
com indiferença pelos princípios acima); e princípio da administração supletiva da
justiça penal (lei portuguesa passa a ter competência para conhecer dos factos que,
não estando sujeitos às regras anteriores, foram praticados no estrangeiro por
estrangeiros que se encontram em Portugal e cuja extradição, tendo sido requerida,
não pode ser concedida.)

Princípio da Territorialidade

- Encontra-se consagrado no art. 4º a) – ‘factos praticados em território português’.


Torna-se assim, indispensável determinar o locus delicti – lugar onde o facto é
praticado. Território português será constitucionalmente determinado (art. 5º CRP) .

- É o art. 7º que rege o locus delicti, estabelecendo-se, cumulativamente, dois critérios,


chamados de solução mista ou plurilateral – conduta e resultado. Esta regra serve
para evitar lacunas de punibilidade entre vários países. Introduziram-se ainda outros
dois critérios:

- Local onde se produziu o resultado não compreendido no tipo de crime. Versa


sobre crimes que atingem a consumação típica sem que todavia se tenha verificado
ainda a lesão que, em última análise, a lei quer evitar, tutelando antecipadamente,
i.e., crimes que se concretizam na tentativa. Ex: Estado português será competente
para conhecer do crime de embriaguez e intoxicação (295º) se autocolocação for no
estrangeiro e condição objectiva de punibilidade for em Portugal.

- Local onde o resultado deveria ocorrer segundo a representação do agente.


Assim, cai sob a alçada da lei portuguesa o envio por agente estrangeiro, por exemplo,
de uma carta armadilhada destinada a explodir em Portugal, desactivada, por
exemplo, em Espanha.

- Este critério levante alguns problemas:

- Crimes continuados (art. 30º/2) – basta que um dos factos e encontre abrangido
pelo princípio da territorialidade

- Casos de comparticipação que tenha lugar em portugal num facto praticado no


estrangeiro, e vice-versa. A qualquer dessas hipóteses é aplicável a lei portuguesa em
nome do princípio da territorial. O caso da omissão também se encontra coberto.

30
- Delitos itenerantes ou de trânsito – factos que, pelo seu modo específico de
execução, se põem em contacto com diversas ordens jurídicas nacionais. Certa
doutrina entende que qualquer uma das ordens jurídicas contactadas se torna
aplicável em nome do princípio da territorialdiade.

O Critério do Pavilhão

- O princípio da territorialidade conhece um alargamento contido no art. 4º b) que


parifica os factos cometidos em território português com os que tenham lugar a
bordo de navios ou aeronaves portuguesas, justificados pelo facto de se considerarem
tais navios e aeronaves ‘território português’.

- Contudo, princípio não se aplica quando navios ou aeronaves se encontram em


águas/ar territorial ou porto/aeroporto, pois aí vigorará o princípio da
territorialidade.

- O DL 254/2003 prevê (arts. 3º e 4º) uma extensão da competência da lei penal


portuguesa, que pode aplicar-se aos crimes contra a vida, a integridade física, a
liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual, a honra ou a propriedade
que sejam praticados a bordo de aeronave alguada a um operador que tenha a sua
sede em território português ou, não se encontrando nessas condições, se o local de
aterragem seguinte à prática do facto for em território português e o capitão entregar
o presumível infractor às autoridades portuguesas.

Princípio Complementar da Nacionalidade

- Máxima da não-extradição de cidadãos nacionais. Se Estado não os extradita, então


os princípios da convivência internacional devem conduzir a que, uma vez que eles se
encontrem de novo no país da nacionalidade, o Estado nacional os puna. Assim,
dedere aut punire ou o Estado extradita/entrega ou quando não o faça, julgue.

- Este era o princípio da nacionalidade/personalidade activa. Fala-se também de


um princípio da personalidade passiva, para se poder aplicar lei penal portuguesa a
factos cometidos no estrangeiro por estrangeiros contra portugueses.

- Ambos estão consagrados no art. 5º/1 c), que diz que a lei penal portuguesa é
aplicável a factos cometidos fora do território nacional por portugueses ou por
estrangeiros contra portugueses, sob uma tripla condição – agentes serem
encontrados em Portugal, factos serem puníveis no locus delicti e de constituírem
crime que admita extradição e esta não possa ser concedida. Para efeitos deste artigo
‘português’ é todo o que será como tal considerado no momento do facto.

31
- Agente tem de se encontrar em Portugal – condição objectiva de punibilidade. Será
uma condição de aplicação no espaço da lei penal portuguesa.

- Facto seja punível pela legislação do lugar em que tiver sido encontrado. É a
condição materialmente mais importante para aplicação do princípio da
nacionalidade. Contudo, se no local do facto não se exercer poder punitivo – nesse
caso o princípio da nacionalidade deixa de ser complementar para ser tornar no
princípio único de aplicação da lei no espaço, e serve para não deixar factos sem
condição.

- Facto tem de constituir crime que admita extradição e ela não pode ser concedida.
Se estiver em causa o princípio da nacionalidade activa, a extradição só será possível
nos apertados limites do regime previsto no art. 33º/3 CRP e 32º/2 da Lei de
Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal (Lei 144/99). As condições
serão as seguintes: reciprocidade de tratamento pelo Estado requerente,
consagração dessa reciprocidade em convenção, casos de terrorismo ou convenção
internacional, e garantia de um processo justo e equitativo.

- A LCJIMP exclui infracção de natureza política (objectiva e subjectivamente –


motivação) e crime militar, sem prejuízo do art. 7º/2 (genocídio, por exemplo).

- Se crime for passível de extradição, ela pode não ser concedida porque, não foi
requerida, por ser fora dos casos previstos, por ter motivos políticos, pena de morte
e lesão irreversível da integridade física (art. 33º/4 CRP) e pena perpétua (33º/5). As
primeiras proibições cessam se Estado requerente comutar essas penas ou se aceitar
a conversão das mesmas por um tribunal português pela lei portuguesa – art. 6º/2 a)
LCJIMP, e a terceira cessa se Estado requerente der garantais de que tal pena não
será aplicada ou executada – (art. 6º/2 b) LCJIMP e 33º/5 CRP)

- A prevalência da extradição sobre a competência da lei portuguesa em razão da


nacionalidade vale também para a entrega efectuada ao abrigo da Lei do Mandado
de Detenção Europeu (Lei 65/2003).

- Assim, competência extraterritorial da lei portuguesa em virtude da


nacionalidade só se deve exercer na ausência de um pedido de entrega formulado
por um estado da União, ou na impossibilidade de lhe dar cumprimento quando
subsista, apesar dela, uma pretensão penal do Estado português – v. art. 11º d) e e) e
os casos de ausência de garantias previstas no art. 13º da LMDE. Contudo, esta regra
não é assm tão rígida. O art. 12/1 b) da LMDE admite a possibilidade de recusa do
pedido de entrega com fundamento na pendência, em Portugal, de um
procedimento penal pelos mesmos factos contra a pessoa procurada. Assim, razões
pragmáticas poderão levar as autoridades portuguesas a recusar um pedido de
entrega.

32
- Ainda se pode extender o princípio da nacionalidade nos termos do art. 5º/1 d),
segundo o qual a lei penal portuguesa é aplicável a factos cometidos fora do
território nacional contra portugueses, por portugueses que viverem habitualmente
em Portugal ao tempo da prática e aqui forem encontrados. Extensão deriva de não
se aplicarem os da al. c). Serve para evitar fraudes à lei penal. Justificação prende-se
com fidelidade do agente e da vítima aos princípios fundamentais da comunidade a
que pertencem e habitualmente vivem.

Princípio Complementar da Defesa dos Interesses Nacionais

- Aplicar a lei penal portuguesa da específica protecção real que deve ser concedida a
bens jurídicos portugueses, independentemente da nacionalidade do agente e do
local do crime e da lei do lugar do crime. O fundamento será o de que o agente
estabeleceu uma relação com a ordem jurídica-penal portuguesa ao dirigir o seu
facto contra interesses especificamente portugueses, e porque o Estado pode não ter
condições ou vontade de punir esses factos.

- Que bens jurídicos? O art. 5º/1 a) enumera esses factos – arts. 221º (burla
informática), 262º-271º (falsificações moedas e títulos de crédito), 325º-345º (crimes
contra Estado de Direito ou eleitorais).

Princípio Complementar da Universalidade

- Permite a aplicação da lei penal portuguesa a factos cometidos no estrangeiro que


atentam contra bens jurídicos carecidos de protecção internacional ou que, de todo o
modo, o Estado português se obrigou internacionalmente a proteger – princípio vale
independentemente do locus delicti e nacionalidade.

- Deriva do reconhecimento do carácter supranacional de certos bens jurídicos.

- Art. 5º/1 b) – ordena a aplicação da lei penal portuguesa a crimes que tutelam bens
jurídicos carecidos de protecção internacional – crimes dos arts. 159º (escravidão),
160º (rapto), 169º (tráfico de pessoas), art. 172º-173º (abuso sexual de crianças), 176º
(lenocínio e tráfico de menores), 237º (aliciamento de forças armadas).

- Aplicação da lei penal portuguesa depende de uma dupla condição – que o agente
seja encontrado em Portugal e que não possa ser extraditado/entregue

- Certo direito internacional convencional pode ser fonte deste princípio – art. 5º/2.

33
Princípio Complementar da Administração Supletiva da Justiça Penal

- Actuação do juiz nacional em vez ou em lugar do juiz estrangeiro, em princípio


competente, mas nem por isso deixando de aplicar a ordem nacional.

- Condições – agente seja encontrado em portugal, a sua extradição/entrega haja


sido requerida, facto constitua crime que admita extradição/entrega e este não
possa ser concedida. Assim, aplicar-se-á o art. 5º/1 e).

Condições Gerais de Aplicação da Lei Penal Portuguesa a Factos Cometidos no


Estrangeiro

- O carácter complementar dos princípios de aplicação extraterritorial da lei penal


portuguesa revela-se na circunstância de a sua aplicação só ter lugar quando o agente
não tiver sido julgado no país da prática do facto ou se houver subtraído ao
cumprimento da condenação (art. 6º/1) – respeitar o princípio ne bis in idem – art.
29º/5 CRP, que vale, nos termos constitucionais para ‘todas as pessoas e todos os
crimes’.

- Questiona-se esse princípio quando intervenha o princípio da defesa dos interesses


nacionais na sua vertente de protecção real. Há quem tenha dito que não se pode
confiar a tribunais estrangeiros a apreciação de ofensas a interesses especificamente
nacionais. Mas este argumento já tem sido posto de lado por pressupor uma
inadmissível desconfiança de princípio perante sentenças de tribunais estrangeiros,
que seria contrária aos esforços de cooperação judiciária internacional

- Prova ainda maior do carácter subsidiário dos princípios de extraterritorialidade é


que, nos termos do art. 6º/2, o facto deva ser julgado pelos tribunais portugueses
segundo a lei do país em que tiver sido praticado sempre que esta seja
concretamente mais favorável, podendo, portanto, haver uma aplicação da lei penal
estrangeira por tribunal português. Não haverá grande problema em converter a pena
estrangeira, visto que o Código Penal português contém uma variedade de penas.

O Concurso de Normas Penais23

- Da circunstância de a um determinado comportamento ser em abstracto aplicável


uma pluralidade de normas incriminadoras não se pode concluir estarmos perante
um concurso de factos puníveis.

23
Figueiredo Dias, Direito Penal, pp 992-1004

34
- Primeiro há que determinar se as normas não estão numa relação lógico-jurídica da
qual resulte a aplicação de apenas uma delas, pela razão de que à luz da norma que
prevalece já se pode avaliar de forma esgotante o conteúdo de ilícito e de culpa do
comportamento global.

- Assim, falaremos de um concurso legal ou concurso aparente, ou, como também lhe
chama Figueiredo Dias, unidade de norma ou de lei, tratando-se ela de uma operação
de natureza lógica-conceitual, de um trabalho sobre normas que constitui
pressuposto da indagação material da unidade ou pluralidade de crimes; o autor de
Coimbra prefere chamar concurso aparente a outra problemática, que se traduz na
unidade do sentido social de ilicitude do facto punível.

Formas de Concurso

- A doutrina costuma distinguir três (ou quatro) categorias: a especialidade, a


subsidiariedade, consumpção e (talvez) a do facto posterior não punido.

Especialidade

- Uma relação de especialidade entre normas típicas abstractamente aplicáveis a um


facto existe sempre que um dos tipos legais – lex specialis – integra todos os
elementos de um outro tipo legal – lex generalis – e só dele se distingue porque
contém um qualquer elemento adicional, seja relativo à ilicitude ou relativo à culpa.

- A lei especial caracteriza o facto através de elementos suplementares e


especializadores, no fundo, dando força à velha máxima da ‘lei especial derroga lei
geral’.

- Haverá sempre uma relação de especialidade entre o tipo fundamental e o


respectivo tipo agravado ou privilegiado, constituindo o primeiro a lei geral e o
segundo a especial, como acontece no homicídio, qualificado, privilegiado ou a pedido
da vítima; ofensa à integridade física simples e os de ofensa grave, agravada e
privilegiada; ofensa à honra e à honra do Presidente da República, e por aí fora.

- Será o homicídio uma lei especial em relação à ofensa à integridade física? Sim, pois
não é possível cometer um homicídio sem ofender a integridade física a alguém,
havendo a tal relação de implicação conceitual. Dúvidas podem-se levantar se se
tratar de uma ofensa à integridade física grave e um homicídio, podendo o
agravamento da integridade física nada ter a ver com o homicídio, havendo dois
sentidos de ilicitude.

- No que toca a diversas causas de agravação, também se suscitam dúvidas. Qual a


relação entre vários tipos qualificados? Por exemplo – um furto com introdução

35
ilegítima em habitação e de membro de um bando. Em princípio dever-se-á aplicar,
salvo uma relação de subsidiariedade, pela pluralidade de leis aplicáveis, e o mesmo
deve afirmar-se para os casos de concorrência de qualificação e privilegiamento no
mesmo substrato de facto, no qual Figueiredo Dias afirma que as leis concorrentes
devam aplicar-se umas ao lado das outras.

- Há que frisar que uma relação de especialidade só pode ser afirmada quando o tipo
legal prevalecente tenha alcançado a consumação, já não quando esteja em causa
uma tentativa do tipo especial e a consumação do tipo geral, afirmando-se aqui, para
Figueiredo Dias, uma pluralidade de normas concretamente aplicáveis, pois de outra
forma, ficaria à partida por considerar que o agente produziu o resultado típico da lei
excluída.

Subsidiariedade

- Existe quando um tipo legal de crime deva ser aplicado somente de forma auxiliar
ou subsidiária, se não existir outro tipo legal, em abstracto também aplicável, que
comine pena mais grave. Está aqui em questão a relação lógica dita de interferência
ou sobreposição – lei primária derroga lei subsidiária.

- Há a subsidiariedade expressa, que existe onde o teor literal de um dos tipos legais
restringe expressamente a sua aplicação à inexistência de outro tipo legal que
comine pena mais grave, i.e., quer nomeie esse tipo (subsidiariedade especial) ou
determine em geral a subordinação (s. geral).

- Pode-se restringir a subisdiariedade, embora expressa, aos casos em que é


fundamentalmente o mesmo bem jurídico protegido pelas normas concorrentes?
Figueiredo Dias acha que não, pois através da subsidiariedade expressa, a lei quis dar
relevo uma relação lógica de interferência entre os tipos legais convocados e não há
razão para pôr em causa estas decisões do legislador.

- Há uma subsidiaredade implícita naqueles casos em que, apesar do silêncio da lei, o


legislador entendeu criar, para alargamento ou reforço da tutela, tipos legais
abrangentes de factos que se representam ou como estádios evolutivos, antecipados
ou intermédios, de um crime consumado, ou como formas menos intensivas de
agressão ao mesmo bem jurídico.

- Não há objecção, para Figueiredo Dias, para que alguns destes casos se aceitem
como tendo uma relação de subsidiariedade, e noutros só uma hipótese de
concorrência de normas.

- No grupo dos estádios evolutivos, antecipados ou intermédios, de um crime


consumado, integram-se tipos legais que punem actos preparatórios (art. 271º, 274º

36
e 344º) relativamente aos que punem a tentativa ou a consumação dos crimes
respectivos. Assim, os tipos legais de crime contemplados no art. 271º (actos
preparatórios) são preteridos na sua aplicabilidade se ao facto for aplicável a norma
que prevê o crime, tentado ou consumado, de contrafacção de moeda. O mesmo se
diz em relação entre a tentativa e a consumação de um crime.

- No grupo de formas menos intensivas de protecção de bem jurídico podemos


integrar os das relações entre os tipos legais que prevêm crimes de perigo e os que
prevêm os crimes de dano correspondentes, ou entre os que prevêm outras formas
menos intensivas relativamente a formas mais intensivas (e mais puníveis) de lesão,
desde que seja o memso bem jurídico protegido. Assim, tal como existe uma relação
de subsidiareidade expressa entre os crimes dolosos de perigo abstracto e os de
crime concreto em relação à condução embriagada (291º e 292º), uma relação da
mesma natureza poderá existir para a generalidade do relacionamento entre tipos
legais de perigo abstracto e de perigo concreto, relação que existirá entre os tipos
legais de perigo, seja ele qual for, e os tipos de dano correspondentes. Haverá mais
casos, como os da relação entre normas relativas à autoria e cumplicidade, delito
doloso e negligente, etc. Em qualquer um destes casos, a relação lógcia intercedente
entre os tipos legais não é a de inclusão, mas a de interferência.

Consumpção

- Ela existe quando o conteúdo de um ilícito-típico inclui em regra o de outro facto,


de tal modo que, em perspectiva jurídico-normativa, a condenação pelo ilícito-típico
mais grave expreme já de forma bastante o desvalor de todo o comportamento.

- A diferença fundamental desta categoria reside em que, aqui se tomam em


consideração os factos nas suas coenxões típicas e se assume que o legislador teria já
levado implicitamente em conta esta circunstância, ao editar as molduras penas
respectivas.

- Assim, de um ponto de vista stricto sensu, seriam fundamentalmente dois os grupos


de situações que integrariam a categoria da consumpção – factos tipicamente
acompanhantes (furto por escalamento e furto de casa) e dos factos posteriores não
punidos (apropriação e destruição da coisa).

- Autores como Eduardo Correia conferem à consumpção um âmbito muito mais


lato do que aquele que ficou traçado, abrangindo nele todas as relações de mais e
menos que se estabelecem entre os valores jurídico-criminalmente protegidos pelas
normas concorrentes – isso acabaria por abranger todas as hipóteses em que os
ilícitos-típicos singulares se intersectam ou coincidem parcialmente no seu âmbito de
protecção, sendo embora diferentes os bens jurídicos lesados por uns e por outros. E

37
assim, a punição do concurso não devia seguir a norma de sanção do art. 77º, mas
ocorrer em termos idênticos àqueles em que ocorre a punição dos casos de
especialidade e subsidiariedade.

- Apesar disto tudo, Figueiredo Dias acha que a consumpção é insusceptível de


constituir uma hipótese de unidade de normas ou de leis, pois não acarreta um
problema lógico de relacionamento de normas, mas sim um problema axiológico e
teleológico de relacionamento de sentidos e de conteúdos do ilícito. Assim, os casos
de consumpção constituem hipóteses de pluralidade de normas concretamente
aplicáveis e susctiam, por isso, um problema de concurso de crimes.

- A ideia que preside à consumpção é, na sua essência, aquela que preside ao


concurso aparente, impróprio ou impuro de factos puníveis e nesse contexto deve ser
tratada.

- Nesse concurso de crime, haverá um comportamento dominado por um único


sentido de desvalor jurídico-social, por um sentido de tal modo predominante, que
seria inadequado ou injusto, à luz dos significados socialmente relevantes que seria
inadequado e injusto incluir tais casos na forma de punição prevista pelo legislador
quando editou o art. 77º, porque tal procedimento significaria na generalidade das
hipóteses uma violação da proibição da dupla valoração – ne bis in idem -, podendo
então dizer-se que, nestes casos se verifica uma pluralidade de normas típicas
concretamente aplicáveis, mas não uma pluralidade de crimes efectivamente
cometidos. (v. art. 30º)

O Regime Jurídico do Concurso de Normas

- O problema destas questões é serem, por essência e natureza, insusceptíveis de


regulamentação legal. Para a doutrina e jurisprudência dominantes, ainda hoje
importariam normas como as do art. 30º/1 quando exige que para haver concurso
tenha de haver pluralidade de tipos de crime ‘efectivamente cometidos’, e sobre tudo
do art. 77º/4.

- Estas normas são, no entanto, estranhas ao problema da unidade de normas ou de


leis e unicamente válidas para o concurso de crimes.

- Sendo assim, para Figueiredo Dias, o ‘regime legal’ do concurso de normas deve se ir
buscar somente à norma prevalecente e única concretamente aplicável, não também
à norma excluída. No entanto, alguns esclarecimentos:

- Só se deve falar de concorrência lógica de normas quando no caso a subsumir


se verifiquem todos os pressupostos materiais de punibilidade em relação aos tipos
legais de crime abstractamente aplicáveis. Se falta algum desses pressupostos, não se

38
poderá falar, em bom rigor, concorrência de normas nem de norma prevalecente. Não
se poderá falar de uma eventual ressurreição da norma afastada.

- Há quem fale na possibilidade de a norma excluída ser considerada na


determinação da medida da pena. Figueiredo Dias dizque um ilícito preterido não
pode influenciar a medida da pena no sentido de ser considerado e tratado com uma
relevância jurídico-penal autónoma que já, de acordo com a essência do concurso de
normas, precisamente lhe falta. O que não impedirá que o comportamento através do
qual o tipo submetido foi preenchido possa relevar no contexto do ilícito prevalecente
como factor de medida da pena, para que não seja violado o princípio da dupla
valoração.

Doutrina Geral do Crime

A Construção da Doutrina do Crime


Sentido, Método e Estrutua da Conceitualização do Facto Punível24 25

- Figueiredo Dias – é hoje indiscutível na doutrina de construção do crime que o


direito penal é direito penal do facto e não do agente:

- Toda a regulamentação jurídico-penal liga a punibilidade a tipos de factos


singulares e à sua natureza, não a tipos de agentes e características das suas
personalidades.

- O mesmo se aplica no que toca às sanções ao agente aplicadas

- Assim, conclui Figueiredo Dias, a construção dogmática do conceito de crime é,


afinal, a construção do conceito de facto punível – o facto acaba por ser, afinal, o
limite e o fundamento dogmático do conceito geral de crime

Evolução Histórica – Os Sistemas de Definição de Crime

O Sistema Clássico – Positivista-Naturalista

- A concepção clássica do facto punível assenta numa visão do jurídico influenciada


pelo naturalismo positivista e monismo científico próprio do pensamento da segunda
metade do século XIX. Para estas escolas todas, o Direito teria como ideal a exactidão
científica própria das ciências da natureza.

24
Figueiredo Dias, Direito Penal, pp 235-251
25
Taipa de Carvalho, Direito Penal, pp 244-248

39
- Assim, o sistema do facto punível haveria de ser apenas constituído por realidades
mensuráveis e empricamente comprováveis, pertencessem elas à facticidade
objectiva do mundo exterior ou a processos subjectivos e psíquicos internos.

- Chega-se assim a uma bipartição do conceito, agrupando os seus elementos


constitutivos numa vertente objectiva (a acção típica e ilícita) e outra subjectiva (a
acção culposa).

- Esta concepção via na acção o movimento corporal determinante de uma


modificação do mundo exterior, perceptível aos sentidos, ligada casualmente à
vontade do agente.

- Esta acção tornar-se-ia típica sempre que fosse lógico-formalmente subsumível


num tipo legal de acção, completamente estranha a valores.

- Tornar-se-ia ilícita se no caso não interviesse uma causa de justificação, i.e.,


uma situação que, a título excepcional, tornasse a acção típica em lícita, aceite ou
permitida pelo Direito.

- Assim, ficaria perfeita a vertente objectiva do facto.

- Quanto à vertente subjectiva, ela concentrar-se-ia na categoria da culpa. A acção


típica e ilícita tornar-se-ia em acção culposa sempre que fosse possível comprovar a
existência, entre o agente imputável e o seu facto objectivo, de uma ligação
psicológica.

- Concepção psicológica da culpa – legitima a imputação do facto ao agente a


título de dolo ou de negligência.

- Contudo, Figueiredo Dias faz uma apreciação crítica desta teoria:

- O conceito de acção, ao exigir um movimento corpóreo modificador do mundo


exterior, restringe a base de toda esta construção.

- Reduzir a tipicidade a uma operação lógico-formal de subsunção, esquecendo as


unidades de sentido social que vivem nos tipos, levaria a igualar o acto do cirurgião
que salva a vida do paciente com o do faquista que esventra a vítima.

- Reduzir o juízo de ilicitude à ausência de uma causa de justificação do facto


típico constituiria uma compreensão pobre, e inexacta do que vai implicado no juízo
de contrariedade à ordem jurídica.

- Concepção piscológica de culpa esqueceria também que o inimputável pode


agir com dolo ou negligência, e que nesta última não existe qualquer relação
psicológica comprovável entre agente e o facto.

40
- Figueiredo Dias afirma que, no fundo, a concepção clássica foi abandonada no
momento em que se pôde compreender que não eram mais defensáveis os
fundamentos ideológicos e filosóficos subjacentes.

- É verdade que esta concepção teve mérito de ter erigido todo um sistema do
crime assente numa rigorosa metódica classificatória, dotado de clareza e
simplicidade, preocupando-se com a segurança e a certeza e o Estado de Direito.

- Contudo, no Direito não se deve usar o monismo metodológico das ciências


naturais, pois trata com realidades que excedem a experência psicofísica. Além do
mais, o pensamento jurídico não se pode deixar comandar por uma metodologia de
cariz positivista nem se esgota em operações de pura lógica formal

- Apesar de Taipa de Carvalho elogiar a simplicidade e clareza linear desta perspectiva,


o autor acha que ela é inaceitável.

- O seu conceito de acção, ao ser reduzido ao movimento corpóreo e à modificação


do mundo exterior, deixa de fora a omissão.

- Quanto à tipicidade, não é hoje defensável a sua completa neutralidade


axiológica, tal como já afirmou Figueiredo Dias acima (cirurgião e faquista).

- A ilicitude não é uma mera antinormatividade ou antijuridicidade formal

- Quanto à culpa , a crítica é idêntica à de Figueiredo Dias

O Sistema Neoclássico – Normativista

- O chamado sistema neoclássico funda-se principalmente na filosofia dos valores de


origem neokantiana, tal como ela foi desenvolvida nas primeiras décadas do séc. XX.

- Ela pretende retirar o direito do mundo naturalista do ‘ser’, para, como ciência
do espírito, o situar numa zona intermédia entre aquele mundo e o puro ‘dever-ser’,
num campo referencial no mundo das referências da realidade aos valores, no mundo
da axiologia e dos sentidos.

- Basicamente, esta filosofia defende a autonomia dos valores face à realidade


empírica, afirmando que esta só adquiria sentido quando referida e aferida pelos
valores. Assim, as categorias jurídicas não podiam deixar de ser normativas ou
valorativas.

- Assim, no sistema do crime há que preencher conceitos com estas referências,


passando-se a caracterizar o ilícito como ‘danosidade social’ e a culpa como
‘censurabilidade’

41
- A acção continua a ser concebida, no essencial, como comportamento humano
causalmente determinante de uma modificação do mundo exterior ligada à vontade
do agente.

- Na matéria de tipicidade, não se fazia uma descrição formal-externa de


comportamentos, mas materialmente como uma unidade de sentido socialmente
danoso, como comportamento lesivo de bens juridicamente protegidos, para os
quais relevavam não só elementos objectivos como subjectivos.

- O ilícito apresentava-se em diversas hipóteses como um conglomerado de


elementos objectivos e subjectivos (nomeadamente antinormatividade material),
indispensável para a partir dele se concluir pela contrariedade material do facto à
ordem jurídica.

- Quanto à culpa, agora um juízo de censura, a chamada concepção normativa da


culpa, ela enriquecia-se e diversificava-se nos seus elementos constitutivos: a
imputabilidade, como capacidade do agente de avaliar a ilicitude do facto e de se
determinar por essa avaliação, o dolo ou a negligência como graus de culpa e a
exigibilidade de um comportamento juridicamente adequado.

- A critícia de Figueiredo Dias:

- Fundamentos ideológicos e filosóficos devem considerar-se ultrapassados,


especialmente no que toca ao facto de já não ser compatível a essência do direito
com a profunda cisão entre o ser e o dever-ser que as correntes neokantianas
suponham.

- Conceito mecânico-causalista da acção mantém-se na teoria neoclássica,


esquecendo não ser aí que reside a essência do actuar humano.

- Assim, o ilícito continuaria, apesar de nele se terem introduzido elementos


subjectivos, a constituir uma entidade fundamentalmente objectiva, que esqueceria
ou minimizaria a sua carga ético-pessoal e não poderia servir para correctamente
concretizar a contrariedade da acção à ordem jurídica.

- A culpa, apesar de aparentar ser concebida como um juízo de censura,


continuava a constituir um conglomerado heterogéneo de objecto da valoração e
valoração do objecto, submetendo ao mesmo denominador características que, como
a imputabilidade e a exigibilidade, são na verdade elementos de um puro juízo, e
características que, como o dolo e a negligência, são elementos do substrato que
deve ser valorado como censurável.

- Taipa de Carvalho ainda alerta para o facto desta teoria continuar a seguir uma
concepção de ilícito baseada no desvalor do resultado.

42
A Concepção Finalista

- Após a tragédia da II Guerra Mundial ficou claro que as concepções anteriores não
bastavam para proteger a justiça do conteúdo de normas válidas e democráticas,
procurando-se a substituição do Estado de Direito formal pelo Estado de Direito
material. Ficava por isso próxima a tentativa de limitar toda a normatividade numa
via fenomenológica e ontológica por leis estruturais determinantes do ser, as quais,
quando estabelecidas, serviriam de fundamento vinculante às ciências do homem e ao
direito.

- Hans Welzel – decisivo seria determinar o ‘ser’, a ‘natureza da coisa’, que se escondia
sob o conceito fundamental de toda a construção do crime, é dizer, sob o conceito de
acção, um conceito pré-judídico, que teria de ser ontologicamente determinado e,
aceite pelo legislador, não poderia por ele ser reconformado. Dele resultaria o inteiro
sistema do facto e do crime – como diz Welzel, a verdadeira essência da acção humana
foi encontrada por Welzel na verificação de que o homem dirige finalisticamente os
processos causais naturais em direcção a fins mentalmente antecipados, escolhendo
um meio para tal – logo, toda acção humana é assim supradeterminação final de um
processo causal – o objectivo é encontrar um fundamento ontológico e pré-jurídico.

- O dolo passa agora a conformar um elemento essencial da tipicidade. O tipo é


sempre constituído por uma vertente objectiva (elementos descritivos do agente,
conduta, circunstâncias) e uma vertente subjectiva (o dolo ou evetual negligência).

- Só da conjugação das duas vertentes mencionadas pode resultar o juízo de


contrariedade da acção à ordem jurídica, o juízo de ilicitude (que não será causal, mas
sim pessoal) – além disso, a ilicitude deixou de se basear no desvalor do resultado, e
passou a basear-se no desvalor da acção.

- Só assim se atingiria uma verdadeira concepção normativa da culpa.

- Crítica de Figueiredo Dias:

- Postura metodológica não merece aceitação – o pretenso ontologismo que


estaria na base do sistema, que faria dele um sistema imutável, válido para todos os
tempos e lugares – acabou por desembocar num conceitualismo refinado e inflexível.

- Determinação finalista do conceito de acção é hoje considerada como radicando


num falso ontologismo, e, do ponto de vista normativo, com insusceptível de oferecer
uma base unitária a todo o actuar humano que releva para o direito penal. Daqui
resulta que a supradeterminação final de um processo causal é em fim de contas tão
estranha a sentidos e a valores como o conceito causal de acção que a concepção
finalsita pretendeu definitivamente ultrapassar.

43
- Quanto ao ilícito pessoal, as aquisições do finalismo apresentam-se ainda hoje
cheias de valor e mesmo reforçadas por todas a discussão científico-dogmática
posterior que suscitaram. É exacto que fora da sua realização por dolo ou por
negligência o facto nunca contrariará a ordem jurídica nem nucna será ilícito. Todo o
ilícito é, por conseguinte, um ilícito pessoal, e dele fazem parte o dolo, como
representação e vontade de realização de um facto, e a negligência, como violação do
cuidado objectivamente imposto.

- A doutrina finalista da culpa é objecto de muita crítica por parte de Figueiredo Dias,
pois ele acha que a afirmação de que a culpa é mero juízo de desvalor, expurgada de
todo o objecto de valoração e reduzida à pura valoração do objecto, não é compatível
com a função político-cirminal que o princípio da culpa deve exercer no sistema.
Princípio da culpa é um princípio político-criminal e dogmático essencial ao direito
penal, o dolo e a negligência têm de ter significado como graus.

- Taipa de Carvalho diz que esta concepção continua a não explicar nem os crimes
negligentes nem os crimes de omissão, pois nos primeiros não há a característica da
finalidade, nem os crimes de omissão, pois neles não existe qualquer actividade causal,
finalisticamente orientada.

Construção Teleológico-Funcional e Racional

- É hoje generalizada a convicção de que o ilícito típico não é, como queriam os


neoclássicos, uma entidade eminentemente objectiva, que traduza primariamente
um desvalor de resultado e para o qual só excepcionalmente releva o desvalor da
acção. É sempre um ilícito pessoal.

- Relativamente à acção, já não nos deparamos com construções que continuem a


assentar num conceito finalista ortodoxo de acção.

- Quanto à culpa, a generalidade dos autores está de acordo em que os elementos da


imputabilidade e da consciência do ilícito relevam para o juízo de culpa, restando
saber sob que foram e em que medida e persistindo uma larga controvérsia sobre a
exigibilidade. Mas todos se opõem à ideia finalista de que tudo se esgota na
‘censurabilidade’.

- A posição proposta por Figueiredo Dias é comandada pela convicção de que o


conceito do facto punível se deve apresentar como teleológico-funcional e racional,
possuindo a partir daqui os seus próprios postulados e determinando os seus
específicos desenvolvimentos, comandado pela convicção de que aquele sistema e os
seus conceitos itnegrantes são formados por valorações fundadas em proposições

44
político-criminais imanentes ao quadro axiológico e às finalidades jurídico-
constitucionais.

Falta funcionalismo

O Conceito de Acção26

- Para qualquer uma das concepções anteriormente expostas, é necessária uma base
autónoma e unitária de construção do próprio sistema, capaz de suportar as
predicações da tipicidade, ilicitude, culpa e punibilidade, mas sem as pré-determinar.

- Figueiredo Dias exclui conceitos causal-naturalísticos, bem como um conceito


puramente normativo, pois não cumpre minimamente a função de ligação, na
medida em que pré-determina de uma forma absoluta a tipicidade.

Conceito Final de Acção

- Podemos identificar finalidade com dolo? Se sim, o conceito de acção perde a sua
função de ligação, na medida em que se opera a sua pré-tipicidade.

- A segunda possibilidade está em fazer uma cisão entre finalidade e dolo, bastando
então que, para de que acção final se possa falar, que o agente tenha querido alguma
coisa, que tenha supradeterminado finalisticamente um qualquer processo causal, sem
que releve para as posteriores valorações sistemáticas o conteúdo da vontade.

- Poderá falar-se, então, da finalidade potencial como capacidade de dirigir e


dominar, dentro de certos limites, os processos causais; finalidade inconsciente,
finalidade como evitabilidade ou finalidade dirigida às circunstâncias fundamentadoras
do risco não permitido.

- Contudo, Figueiredo Dias acha que não se pode dizer em definitivo que um tal
conceito de acção final cumpra a sua função primária de classificação e abarque a
totalidade das formas básicas de aparecimento do facto punível. Pois se não há
dúvida que um tal conceito abrange os crimes dolosos de acção, já terá de deixar de
fora os crimes de omissão, e não possui em último termo conteúdo material bastante
para que uma parte dos crimes negligentes.

- O conceito final de acção não pode arvorar-se em conceito geral de acção.

26
Figueiredo Dias, Direito Penal, pp 251-263

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Conceito Social

- Para Figueiredo Dias, tem o mesmo problema – é certo que também a omissão,
antes mesmo da sua predicação jurídica, pode já em si própria possuir relevo social,
sendo que o social pode constituir em si mesmo um sistema normativo extra-jurídico.

- Assim, o conceito social de acção que aspire, como deve, a uma autonomia pré-
jurídica, deixará fora da omissão o elemento que verdadeiramente constitui o ilícito-
típico do crime – a acção positiva omitida e juridicamente imposta ou esperada.

- A acção esperada só o é através de uma imposição jurídica de acção que nasce do


tipo. Por essa razão, o conceito social de acção que pretendesse englobar também a
omissão perderia a sua função de ligação, na medida em que também aqui se operaria
a sua pré-tipicidade.

Conceito Negativo

- ‘Acção do direito penal é o não evitar evitável de um resultado’.

- Contudo, só abrange os crimes de resultado e não os de mera actividade, não


cumprindo, já aqui, a função de classificação.

- Também operaria a pré-tipicidade da acção, fazendo-a perder, por inteiro, a sua


função de ligação.

O Conceito Pessoal de Acção27

- Claus Roxin – novo conceito ‘pessoal’ de acção resideria em vê-la como ‘expressão da
personalidade’.

- Este conceito cumpriria integralmente as funções de classificação, de ligação e de


delimitação que dele se esperam.

- Claus Roxin, partindo desta concepção pessoal de acção, usa-o como elemento limite.
Assim:

- Não são acções, naturalmente, quaisquer actos provenientes de animais. Não tendo
eles ‘personalidade’ para ser manifestada (apesar de poderem ter vontade), nem
inteligência, não fará sentido serem punidos pelo Direito Penal.

27
Claus Roxin, Derecho Penal, pp 253 ss

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- Tão pouco são acções os actos provenientes de pessoas colectivas – só órgãos
‘humanos’ é que podem ser punidos.

- Não serão acções os meros pensamentos, atitudes internas, disposições de ânimo


ou afectos que permaneçam na esfera interna – cogitationis poenam nemo patitur
(Ulpiano). Mesmo o planeamento de um crime, não é uma manifestação externa da
personalidade, ficando dentro da pessoa.

- Não serão acções aquelas situações em que o corpo humano funcione como uma
massa mecânica, sem que a psiqué haja participado de algum modo para isso
acontecer – um desmaio que parte um vaso, ataques epilépticos, a vis absoluta, etc.

- Maria Fernanda Palma discorda se os ataques forem previsíveis

- Numa zona limite estão os reflexos e automatismos:

- Caso do insecto que entra pelo vidro do carro – aqui Roxin afirma que houve
uma reflexão consciente que levou a um movimento defensivo transmitido
psiquicamente e dirigido a um objecto, bastando isso para admitir que há uma
manifestação de personalidade. Assim, diz o professor alemão, os movimentos
reflexos só não são acção quando a excitação dos nervos motores não estiver debaixo
de influência cerebral sem que o estímulo corporal se transmita directamente do
centro sensorial ao movimento (convulsões por descarga eléctrica).

- Automatismos – (caso da condutora e da lebre) – constituem uma


disponibilidade de acção adquirida mediante uma prática tão constante que se chegue
ao acto sem reflexão consciente. No entanto, Roxin afirma que este tipo de
automatismos pertencem à estrutura da personalidade e o seu desencadeamento é
uma manifestação da mesma. Maria Fernanda Palma usa a previsibilidade do estímulo
externo e a sua contextualização como critério para aferir se é ou não uma acção.

- Reacções passionais impulsivas – (caso do alfaiate que mordeu as mamas a uma


senhora) - nas quais a psicologia constantemente nega uma tomada de decisão
concreta e um querer consciente. Contudo, tanto neste caso como em casos de morte
causada por fúria cega, estamos perante lesões de bens jurídicos conscientes e não
causalmente determinadas.

- Embriaguez – não é um mero processo causal procedente da esfera somática. Só


se excluiria a acção se os movimentos do bêbado não o permitissem reconhecer uma
relação com o mundo exterior.

- Relativamente a estes exemplos Roxin crê que cabe decidir que não se
acomodam a eles critérios tais como ‘voluntariedade, ‘finalidade’, planificação ou
configuração. Trata-se antes de direcção final interna, o da ‘finalidade inconsciente’,
podendo o conceito pessoal de acção acolhê-las sem mais, pois há uma manifestação

47
da personalidade enquanto nos encontramos com produtos da adaptação do
aparato anímico a circunstâncias ou sucessos do mundo externo – a personalidade
não se reduz à esfera da consciência.

- Figueiredo Dias - o conceito de acção não é, nem deve ser, algo de previamente
dado ao tipo, mas apenas um elemento, a par de outros, integrante do cerne dos
tipos de ilícito. A partir daqui é inevitável, assinalar a este conceito o desempenho de
um papel secundário no sistema teleológico, essencialmente correspondente à função
de delimitação ou função negativa de excluir da tipicidade comportamentos jurídico-
penalmente irrelevantes. Para o autor, a primazia deverá ser concedida ao conceito de
realização típica do ilícito.

- Figueiredo Dias - comportamento só se pode constituir como ‘expressão da


personalidade’ na base de uma sua prévia valoração como juridicamente relevante,
antecipando-se aqui a sua tipicidade e perdendo o conceito, nesta medida, a sua
função de ligação. Além disso, a caracaterização da acção como expressão da
personalidade, não remete para qualquer sistema pré-jurídico não tendo, por isso,
aptidão para construir a base de todo um sistema jurídico.

- O autor acha ainda que o conceito pessoal de acção, como qualquer outro
conceito geral, não pode cumprir capazmente a sua função de delimitação.

Conclusão de Figueiredo Dias

- Acha que todas as anteriores sofrem de uma excessiva abstracção generalizadora e


classificatória.

- É um preconceito idealista pensar que os fenómenos do mundo devem por força


reconduzir-se a conceitos de maior abstracção e, em definitivo, formar uma ordem
preestabelecida que só importaria conhecer.

- Assim, o autor acha que a doutrina da acção deve, na construção do conceito de


facto punível, ceder a primazia à doutrina da acção típica ou da realização do tipo de
ilícito, passando a caber ao conceito de acção apenas a função de integrar, no âmbito
da teoria do tipo, o meio adequado de prospecção da esécie de actuação, cabendo-lhe
apenas uma função de delimitação.

- Atenção que a própria função de delimitação não deve ser desempenhada por
um conceito geral de acção, mas antes por vários conceitos tipicamente
conformados. Não se elimina, no entanto, o relevo do conceito de acção, só que ele
perde autonomia e, deste modo, capacidade para se arvorar em pedra-base do
sistema.

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