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FASE COLONIAL·
1. Capitanias hereditárias
Das doze capitanias, poucas prosperaram, mas serviram para criar núcleos de
povoamento dispersos e quase sem contato uns com os outros, contribuindo para a
formação de centros de interesses econômicos e sociais diferenciados nas várias regiões
do território da colônia, que veio a repercutir na estruturação do futuro Estado
brasileiro.
As capitanias eram organizações sem qualquer vínculo umas com as outras. Seus
titulares - os donatários - dispunham de poderes quase absolutos. Afinal de contas, elas
constituíam seus domínios, onde exerciam seu governo com jurisdição cível e criminal,
embora o fizessem por ouvidores de sua nomeação e juízes eleitos pelas vilas. A
dispersão do poder político e administrativo era assim completa, sem elo que permitisse
qualquer interpenetração, salvo apenas a fonte comum: a metrópole.
2. Governadores-gerais
Com a expansão do reino pela reconquista do território da península ibérica aos mouros,
e a uniformização das normas legais, consolidadas nas Ordenações do Reino (Afonsinas
de 1480, Manoelinas de 1520 e Filipinas de 1603), foram surgindo outras figuras para
exercerem a função judicante e aplicarem as diversas formas normativas:
a. Juízes da Terra (ou juízes ordinários) – eleitos pela comunidade, não sendo
letrados, que apreciavam as causas em que se aplicavam os forais, isto é, o
direito local, e cuja jurisdição era simbolizada pelo bastão vermelho que
empunhavam (2 por cidade).
b. Juízes de Fora (figura criada em 1352) – nomeados pelo rei dentre bacharéis
letrados, com a finalidade de serem o suporte do rei nas localidades, garantindo
a aplicação das ordenações gerais do Reino.
c. Juízes de Órfãos – com a função de serem guardiões dos órfãos e das heranças,
solucionando as questões sucessórias a eles ligados.
d. Provedores – colocados acima dos juízes de órfãos, para o cuidado geral dos
órfãos, instituições de caridade (hospitais e irmandades) e legitimação de
testamentos (feitos, naquela época, verbalmente, o que gerava muitos
problemas).
4. Efeitos futuros
FASE MONÁRQUICA
Transferida a sede da Família Reinante para o Rio de Janeiro, era preciso instalar as
repartições, os tribunais e as comodidades necessárias à organização do governo;
cumpria estabelecer a ordem, com a polícia, a justiça superior, os órgãos
administrativos, que tinham até aí faltado à colônia. Assim se fez a partir de 1º de abril.
Mas essa organização de poder não teve efetiva atuação além dos limites do Rio de
Janeiro. Pouca influência exerceu no interior do país, onde a fragmentação e
diferenciação do poder real e efetivo perduravam, sedimentadas nos três séculos da vida
colonial. Nem se poderia mudar, da noite para o dia, essa relação de poder que estava
em consonância com a realidade existente, que apresentava um povo disseminado por
um amplíssimo território, formando, socialmente, um conjunto ainda incoerente de
núcleos humanos, ganglionarmente distribuídos pela orla de um litoral vastíssimo e
pelos campos e sertões do interior; e um amontoado de quase vinte capitanias dispersas,
muitas delas com uma tradição mais que secular de autonomia e independência.
Mas aqui já se constituíra uma nobreza brasileira assentada sobre a base dos grandes
latifúndios, numerosa, rica, orgulhosa, esclarecida pelas ideias novas, que revolucionam
os centros cultos do Rio e de Pernambuco, bem como uma aristocracia intelectual,
graduada na sua maioria pelas universidades europeias, especialmente a Universidade
de Coimbra, que haverá de influir na formação política desses primeiros tempos.
Tempos esses que coincidem com o aparecimento de um novo fator, um novo
modificador da estrutura politica, que são as novas teorias políticas que então agitavam
e renovavam, desde os seus fundamentos, o mundo europeu: o Liberalismo, o
Parlamentarismo, o Constitucionalismo, o Federalismo, a Democracia, a República.
O ufanismo democrático-liberal, contudo, logo foi freado pelo autoritarismo que ainda
marcava a vida político-institucional, resultando na dissolução da Assembleia
Constituinte pelo Imperador D. Pedro I (em 12.11.1823), que desconfiava do projeto de
racionalização e limitação dos seus poderes imperiais, seguida da convocação, com a
tarefa de elaborar um projeto de constituição, de um Conselho de Estado integrado por
dez membros nomeados pelo Imperador, que então resultou na outorga do primeiro
texto constitucional brasileiro, a Constituição do Império do Brasil, “oferecida e jurada”
por Sua Majestade o Imperador, em 25 de março de 1824, instituindo um governo
monárquico, constitucional e representativo.
Consoante registra José Antônio Pimenta Bueno, tratava-se de uma Constituição que
delegava ao Imperador o exercício precípuo do controle de todos os demais poderes,
tanto sobre o seu exercício próprio, quanto sobre suas relações recíprocas, por meio do
chamado Poder Moderador, o órgão político mais ativo e influente do Império.
Com efeito, a criação, pela Carta Imperial, do Poder Moderador, como um quarto poder
no âmbito do esquema de separação dos poderes preconizado pelo ideário iluminista,
resultou de uma desvirtuada interpretação da teoria de Benjamin Constant, cuidando-se,
no que diz com o exercício do poder político, seguramente do elemento distintivo da
primeira ordem constitucional brasileira. Disciplinado nos arts. 98 a 101 da Constituição
Imperial, no âmbito do Poder Moderador foram atribuídas competências ao Imperador
que caracterizaram um modelo político centralizado, permitindo que o monarca pudesse
intervir fortemente na esfera dos demais poderes estatais.
Para ilustrar tal circunstância, bastaria aqui colacionar alguns exemplos. Com efeito,
cabia ao Imperador a competência exclusiva de nomear os senadores, a possibilidade de
convocar, em caráter extraordinário, a Assembleia Geral, a aprovação e suspensão
interina das resoluções dos Conselhos Provinciais, a dissolução da Câmara dos
Deputados, a suspensão dos magistrados por queixas feitas contra eles (embora após
prévia audiência e ouvido o Conselho de Estado), além da prerrogativa de perdoar e
moderar as penas impostas aos réus condenados por sentença, assim como a concessão
de anistia em caso de urgência.
Foi apenas por ocasião do período regencial que a Constituição começou a se legitimar
materialmente, como texto constitucional que concedia liberdades e limitava poderes,
mais especificamente a partir da abdicação do Imperador, em 7 de abril de 1831, e da
institucionalização da primeira reforma constitucional, levada a efeito pelo ato adicional
veiculado pela Lei 16, de 12.08.1834. Tal reforma constitucional, impulsionada pela
Câmara dos Deputados, representante do pensamento liberal da época, trouxe avanços
significativos, como a extinção do Conselho de Estado, a institucionalização da
Regência Una e a criação das Assembleias Legislativas Provinciais, consideravelmente
autônomas para a conjuntura política da época.
No que diz com os seus traços essenciais, para além da instituição do já referido Poder
Moderador e da respectiva centralização do poder político nas mãos do monarca, a
Constituição de 1824 apresentava a particularidade (única na história constitucional
brasileira) de ser uma constituição do tipo semirrígido (ou semiflexível), visto que
definia em que consistia a matéria constitucional propriamente dita, sujeita a um
processo mais rigoroso de alteração (mediante o estabelecimento de limites formais à
reforma constitucional), ao passo que o restante do texto poderia ser alterado por meio
do processo legislativo ordinário. Com efeito, de acordo com o teor literal do art. 178,
“é só Constitucional o que diz respeito aos limites, e atribuições respectivas dos Poderes
Políticos, e aos Direitos Políticos, e individuais dos Cidadãos. Tudo o que não é
Constitucional, pode ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas
ordinárias”.
O controle de constitucionalidade das leis, por sua vez, era eminentemente político,
tendo sido conferido ao Poder Legislativo, a que, de resto, incumbia também a
prerrogativa de interpretar as leis. Nota-se, portanto, que no concernente à organização
dos poderes, a Carta Imperial aderiu ao modelo constitucional francês revolucionário,
extremamente cauteloso (e mesmo resistente) em relação ao poder dos juízes, que, em
geral, deveriam se limitar a atuar como a “boca da lei”, de acordo com a visão
privilegiada por Montesquieu. A posição do Poder Judiciário no âmbito da arquitetura
político-institucional era, portanto, bastante distinta daquela que vinha sendo
engendrada na esfera do constitucionalismo norte-americano (especialmente quando a
Suprema Corte assumiu a prerrogativa do controle de constitucionalidade das leis),
situação que veio a ser superada (ainda assim de modo gradual) apenas a contar da
proclamação da República.
No Brasil Império a liberdade religiosa era parcial, conforme afirma José Afonso da
Silva: “[...] as demais religiões eram apenas toleradas [...]”. Nesse período, os
protestantes enfrentaram dificuldades quanto a realização do casamento civil, acesso a
educação e utilização dos cemitérios, pois nos cemitérios oficiais só poderiam ser
enterrados católicos.
5. Centralização monárquica
No aparelho político do governo central, dois órgãos concorriam para reforçar a ação do
poder soberano: o Senado e o Conselho de Estado. Aquele, essencialmente conservador,
funcionava corno órgão de reação contra os movimentos liberais da Câmara dos
Deputados. O Conselho de Estado era um órgão consultivo, que tinha enormes
atribuições: aconselhava o Imperador nas medidas administrativas e políticas e era o
supremo intérprete da Constituição.
6. Partidos do Império
Na época do Brasil Império (período entre 1822 e 1889, quando o nosso país deixa de
ser colônia portuguesa, mas ainda não é uma república), o regime adotado aqui era
a monarquia.
Após o “grito de independência”, o primeiro governante do Brasil foi Dom Pedro I. Ele
ficou no poder até o ano de 1831, período chamado de Primeiro Reinado. Logo depois,
ele foi forçado a deixar o cargo em favor de seu filho, Dom Pedro II, que tinha apenas 5
anos. E até Dom Pedro II completar 15 anos – idade em que poderia começar
a governar – o Brasil foi administrado por regentes, que eram representantes do Poder
Executivo.
Tomba o Império sob o impacto das novas condições materiais, que possibilitaram o
domínio dessas velhas ideias com roupagens novas, e "um dia, por uma bela manhã,
urna simples passeata militar" proclama a República Federativa por um decreto (o de n.
1, de 15.11.1889, art. 1º).
Apesar das críticas que se possa fazer, a Constituição de 1824 é tida como um
documento político significativo, que “logrou absorver e superar as tensões entre o
absolutismo e o liberalismo, marcantes no seu nascimento, para se constituir, afinal, no
texto fundador da nacionalidade e no ponto de partida para a nossa maioridade
constitucional”. Ainda que tal julgamento possa soar um tanto generoso, a Carta
Imperial, especialmente considerando o momento no qual foi forjada e o
comparativamente largo período de tempo durante o qual esteve em vigor (pouco mais
de sessenta e cinco anos), assume um lugar de destaque na história constitucional do
século XIX, pelo menos no âmbito da evolução constitucional americana.
FASE REPUBLICANA
Sob a égide do poderoso Júlio de Castilhos que governava o Estado do Rio Grande do
Sul com mão de ferro, uma reforma legislativa inspirada nos ensinamentos positivistas
de Benjamim Constant, foi promovida em vários âmbitos, inclusive na forma da nova
lei de organização judiciária. A Lei n. 10 de 16 de dezembro de 1895, que, entre outros
pontos, modificou o instituto do júri popular, estabeleceu que as decisões do Júri
“seriam proferidas pelo voto a descoberto da maioria” e que os jurados não poderiam
ser recusados, apenas seria oposta suspeição motivada a ser decidida pelo presidente do
tribunal.
Essa lei de dezembro de 1895 teve que operar seus efeitos pela primeira vez em 28 de
março de 1896, dia da abertura da sessão do júri da cidade do Rio Grande, presidida
pelo juiz de direito da comarca daquela cidade, Dr. Alcides de Mendonça Lima, que
declarou logo no início da sessão que não aplicaria os artigos 65, § 1º e 66, da lei por
julgá-los inconstitucionais. Os artigos regulamentavam precisamente o voto em
descoberto e o fim da recusa peremptória. Dr. Alcides entendia que o voto secreto e as
recusas peremptórias são características intrínsecas do instituto do júri, que não podem
ser revogadas ao bel prazer dos interesses políticos, sem subverter o estabelecido pelo
art. 72 §31 da Constituição Federal.
A reação do governo do Estado foi imediata e três dias mais tarde o Presidente Júlio de
Castilhos oficiava ao Procurador Geral do Estado para que promovesse a
responsabilidade do “juiz delinquente e faccioso”. O juiz Alcides foi denunciado por
crime de prevaricação (art. 207, §1º do Código Penal), alegando ter ele agido por ódio e
interesses político. O Tribunal do Estado não aceitou a capitulação do crime, mas
entendeu que o juiz excedeu os limites das funções próprias de seu emprego, incorrendo
no grau médio do crime estabelecido no art. 226 do Código Penal e condenou-o a pena
de nove meses de suspensão do emprego, por abuso de autoridade.
Em sua defesa, o Dr. Alcides admitiu ter se recusado a aplicar a lei naqueles
dispositivos citados, mas no estrito cumprimento de seu dever, qual seja, o de
interpretar a lei em face à Constituição Federal. Ele admitiu ter julgado que esses artigos
contrariam a Constituição e subvertem a instituição por ela mantida como direito
fundamental do cidadão. O juiz se valeu, conforme ele explica do art. 8º da mesma lei n.
10, que estabelece, em consonância com a própria Constituição Federal, que: “Os juizes
deixarão de applicar as leis e regulamentos manifestamente inconstituconais”.
O Dr. Alcides tentou ainda convencer o Tribunal de que este não poderia se pronunciar
sobre a denúncia até que o STF se manifestasse sobre a constitucionalidade da lei in
casu, do qual o processo de responsabilidade é incidente. Levantada a preliminar,
aprofundou nos argumentos em favor da inconstitucionalidade da lei riograndense, e
buscou comprovar que a interpretação da lei é atributo especial do Poder Judiciário, a
ser exercida com a maior responsabilidade possível e por isso mesmo, mister se faz
negar a aplicabilidade de toda lei que contrarie a lei maior. Essa tarefa de interpretação
não pode ser vista como crime, mesmo que contrarie os interesses de facções políticas
ou mesmo que seja exercida de maneira errada.
Desqualificou, ainda, a capitulação do crime de acordo com o art. 207 §1º, tendo em
vista que este fala em o juiz ir contra a literal disposição de lei para se beneficiar
pessoalmente da decisão tomada. Ou seja, o artigo exige, para surtir seus efeitos
sancionatórios, do dolo do agente, da intenção, que nesse caso estava completamente
ausente. E aqui é desenvolvido um argumento muito interessante por parte do Dr.
Alcides quando alega que o Procurador do Estado, ao se referir a ‘ódio político’ ou
‘interesse político’ teria alargado o sentido do art. 207, que falava apenas em ódio ou
interesse, referindo-se à tentativa do juiz se beneficiar pessoalmente e introduzir a
corrupção em suas decisões. E continua o Dr. Alcides: as divergências políticas por si
só não podem ser tidas como ódio pessoal, mas como elementos que trazem
contribuições a um assunto que é essencialmente jurídico.
E termina dizendo:
Para concluir a sua defesa perante o Tribunal de segunda instância, o Dr. Alcides mostra
que se houve alguém que se moveu por interesses políticos e paixões partidárias, esse
alguém foi precisamente o Presidente do Estado, que, ao invés de recorrer da sentença,
mandou processar criminalmente o juiz por interpretar a lei, instituindo uma figura
desconhecida do código penal brasileiro: o crime de hermenêutica.
A decisão sobre a pronuncia, foi julgada procedente por maioria, para que seja o Dr.
Alcides acusado e julgado pelo crime do art. 226 do Código Penal, portanto, pelo crime
de abuso de autoridade. E finalmente, em 18 de Agosto de 1896, a sentença
condenatória, contra o Dr. Alcides, a nove meses de suspensão do emprego porque
incurso no grau médio do art. 226 do Código Penal.
Foi nesse contexto que em novembro de 1896 chega ao Supremo Tribunal Federal
revisão-crime cuja defesa é assinada pelo eminente Rui Barbosa. A estratégia de Rui
7107 consiste em primeiramente discutir a instituição do tribunal do júri na Constituição
de 1891, compará-la com o debate mundial, fazendo referencias aos Estados Unidos,
Inglaterra e países da Europa continental. Mostra o júri como instituição que desde a sua
origem é ligada à ideia de liberdade, e que todo governo no mundo que tentou suprimi-
la o fazia em virtude do alcance que esta instituição tem para o aprofundamento da
democracia.
Desenvolve ainda em seu raciocínio a ideia que tanto o voto secreto quanto as recusas
peremptórias são características intrínsecas ao tribunal do júri, e que ao suprimi-las
estar-se-ia subvertendo a lógica da instituição e afetando a sua essência. O voto secreto
tem como base a proteção da independência do julgador, que não se sujeita as pressões
vindas da divulgação de seu voto, por isso sua abolição afeta a essência do júri. As
recusas peremptórias têm sua base no principio de confiança do réu, que se sente seguro
de que será julgado com imparcialidade, por jurados que de certa maneira ele ajuda a
escolher. Essa garantia é tão preciosa em países que a implantaram a ponto de se tornar
direito irrenunciável, operando a nulidade do processo.
Para adentrar esse argumento, Rui lança um desafio – apesar de tudo o que foi dito
sobre a instituição do júri e sobre a inconstitucionalidade das restrições impostas pela lei
do Rio Grande do Sul, se partirá do pressuposto de que o Dr. Alcides esteja errado,
tenha feito uma interpretação equivocada da lei n. 10, que na verdade é constitucional.
Partir-se-á desse pressuposto para mostrar que mesmo o juiz tendo errado, não cometeu
nenhum crime. Pois o poder de anular leis inconstitucionais não é uma faculdade dada
aos juízes, mas antes um dever imposto a qualquer juiz e tribunal.
Tendo o juiz confrontado o poder político do Estado com “o imprevisto de uma força
viva e independente”, foi inventado quase que por “geração espontânea” o crime de
hermenêutica, a responsabilidade penal do juiz “pelas rebeldias da sua consciência ao
padrão official no entendimento dos textos”. E o Presidente do Estado, ao invés de
utilizar a hierarquia judiciária para consertar os erros do juiz de primeira instância,
mediante interposição de recurso, preferiu o terror, um mecanismo de pressão capaz de
“dissolver o homem em escravo”. O ofício do governador ao Tribunal dava a entender
que se este absolvesse o juiz, seria igualmente constituído como faccioso.
A revolta de Rui contra essa visão vale a pena ser lida na íntegra:
Ahi está onde naufraga a ingenuidade dos que suppõem ter, por
esse manifestamente, delimitado com a precisão de uma raia
inequívoca a linha entre o exercício correcto e o exercício
incorrecto do poder confiado aos juizes, para joeirarem a
constitucionalidade e a inconstitucionalidade na crítica das leis. O
que é manifesto a um espírito, pode ser duvidoso ao critério de
outros, ainda figurando que estes e aquelles occupem nível
superior, emparellando, ao mesmo tempo, no talento e no
desinteresse. Não se descobrio, até hoje, a pedra de toque, para
discernir com certeza absoluta o oiro falso do verdadeiro na
interpretação dos textos. [ortografia original]
Rui Barbosa assenta com a sua defesa a ideia de que a divergência entre juristas e entre
magistrados é parte do ofício. Não representa como pode parecer para o positivismo
legalista, um erro, no sentido epistemológico. A divergência tem um caráter político –
não político partidário, mas político-institucional, ela diz respeito a como se entendem
as “bases orgânicas de toda a justiça”. Por isso, a declaração da inconstitucionalidade
enquanto dever dos juízes é uma forma desses exercerem um papel político-institucional
de guardiões da soberania constituinte contra a invasão por parte do poder legislativo. E
por isso, raciocina Rui Barbosa, pouco importa se as partes entram num acordo no
sentido de não considerar uma lei inconstitucional, se elas se articulam para
desobedecer a essa lei, pouco importa que a inconstitucionalidade não afete os
interesses das partes no caso concreto, em qualquer circunstância: “a lei
inconstitucional, neste regimem, é irrita de nascença: it is az if it had never been” (...)
“Sua invalidade é irremediável. O consenso dos interessados não pode sana-la” (sic)
Haveria de incriminar todo juiz vencido em uma dessas divergências, as prisões seriam
pequenas para prender tantos juízes! A típica ironia bem-humorada de Rui Barbosa,
termina por desqualificar os crimes de hermenêutica.
Nesta perspectiva, a assim designada “política do café com leite”, introduzida a partir da
sucessão do governo de Prudente de Morais por Campos Sales, viria a aviltar o processo
democrático brasileiro, com a institucionalização da fraude eleitoral e do pacto
oligárquico entre os cafeicultores paulistas e os pecuaristas mineiros, dando margem ao
surgimento do assim chamado coronelismo, que, ao fim e ao cabo, acabou
transformando a cidadania brasileira, em maior ou menor medida, em uma espécie de
“rebanho eleitoral”.
O poder dos governadores, por sua vez, sustenta-se no coronelismo, fenômeno em que
se transmudaram a fragmentação e a disseminação do poder durante a colônia, contido
no Império pelo Poder Moderador. O fenômeno do coronelismo tem suas leis próprias e
funciona na base da coerção da força e da lei oral, bem como de favores e obrigações.
Esta interdependência é fundamental: o coronel é aquele que protege, socorre, homizia e
sustenta materialmente os seus agregados; por sua vez, exige deles a vida, a obediência
e a fidelidade.
Tudo isso acabou resultando na superação da ordem vigente pela Revolução de 1930,
capitaneada pelos governadores de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e da Paraíba,
que depuseram o presidente Washington Luiz e entregaram o governo, transitoriamente,
a uma Junta Militar, que o exerceu até o dia 3 de novembro daquele ano, quando
assumiu, em caráter definitivo, o então governador do Rio Grande do Sul, Getulio
Vargas, líder civil do movimento revolucionário.
Aspecto a ser destacado é que a Constituição de 1934 foi fortemente influenciada pelo
corporativismo fascista, o que, de resto, acabou por se constituir em marca indelével da
chamada Era Vargas (1930-1945), mas não se podem subestimar, muito antes pelo
contrário, os estímulos oriundos da Constituição espanhola de 1931, da Carta austríaca
de 1920 e, especialmente no tocante ao constitucionalismo social, a influência exercida
pelas Constituições mexicana (1917), alemã (Constituição da República de Weimar,
1919), e também pelo texto constitucional soviético, de 1918.
Tal processo teve seu ponto de partida com a formação da assim chamada Subcomissão
do Itamarati, encarregada de dar início aos trabalhos de confecção do anteprojeto da
Constituição de 1934, composta, dentre outros, por diversos ministros do governo
provisório, como o Ministro das Relações Exteriores Afrânio de Melo Franco
(presidente), além de Temístocles Brandão Cavalcante (secretário-geral), Assis Brasil,
Osvaldo Aranha, José Américo de Almeida, Carlos Maximiliano, Antonio Carlos de
Andrade, Arthur Ribeiro, Prudente de Moraes Filho, Agenor de Rouer, João
Mangabeira, Oliveira Viana e Góis Monteiro, com o que o País deu seu primeiro passo
no sentido da constitucionalização de um extenso rol de direitos sociais.
A ordem econômica, consoante o art. 115, deveria ser pautada pelos princípios da
justiça, possibilitando a todos uma existência condigna; foi garantido o amparo à
maternidade e à infância, incumbindo ao Poder Público a adoção de medidas
legislativas tendentes a restringir a mortalidade e a morbidade infantis (art. 138); além
de toda a produção legislativa na seara laboral decorrente dos preceitos estipulados no
art. 121, como os referentes ao salário mínimo, à jornada máxima de oito horas de
trabalho, ao repouso semanal, às férias anuais remuneradas, à indenização para o
trabalhador pela dispensa sem justa causa, à assistência médica ao trabalhador e à
gestante, e ao reconhecimento das convenções coletivas de trabalho.
Mas também no campo dos direitos civis e políticos o texto constitucional de 1934
trouxe grandes inovações, como o instituto do mandado de segurança, a ser ministrado
toda vez que houvesse direito “certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato
manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade”.
O projeto constitucional, todavia, por mais progressista que tenha sido, especialmente
em matéria de direitos sociais, praticamente não teve chance de se afirmar na vida
cotidiana política, social e econômica do Brasil, visto que, em virtude de golpe
desferido em 10 de novembro de 1937, pelo próprio líder do movimento revolucionário
que esteve na base do texto de 1934, acabou sendo substituída de forma autoritária,
dando lugar ao Estado Novo, pouco mais de três anos após sua entrada em vigor. Sua
derrocada precoce pode ser reportada, ainda que não exclusivamente, ao fato de estar
permeada por princípios antagônicos, é dizer, apesar de seu “brilhantismo jurídico”, não
era possível identificar um projeto político hegemônico para o País.
Tal cenário, de certo modo, facilitou sobremaneira as coisas para que Getulio Vargas,
mediante argumentos de manutenção da ordem, dissolvesse a Câmara e o Senado,
outorgando a Constituição de 10.11.1937. Mediante a imposição de um novo texto
constitucional, destituído de qualquer legitimação democrática, apenas foi assegurada
uma roupagem “constitucional” para a ditadura do Estado Novo.
No que diz com suas principais características, a Carta de 1937, redigida por Francisco
Campos e também designada de “A Polaca”, em virtude de ter sido inspirada fortemente
na Constituição da Polônia, de 23.04.1935, fortaleceu sobremaneira o Poder Executivo,
atribuindo a este uma intervenção mais ampla na elaboração das leis, designadamente,
assegurando a possibilidade da expedição de decretos-leis em todas as matérias de
competência da União, enquanto não fosse reunido o Congresso Nacional, conforme
preceitua seu art. 13, no título destinado à organização nacional.
Aliás, ficou expressamente vedado, conforme o art. 94, o conhecimento pelo Poder
Judiciário de questão exclusivamente política, abrindo uma margem significativamente
arbitrária de controle externo do Judiciário. Ademais, tal autoritarismo era conspícuo na
dicção do art. 99, transformando o chefe do Ministério Público Federal em mero fâmulo
do Presidente da República.
No que diz com os direitos e garantias individuais, deveriam ser exercidos nos limites
do bem público, das necessidades da defesa, do bem-estar, da paz e da ordem coletiva,
bem como das exigências da segurança da Nação e do Estado (art. 123). Ainda neste
contexto, e com especial destaque negativo, está o art. 139, que estipula que a greve é
recurso antissocial, nocivo ao trabalho e ao capital e incompatível com os superiores
interesses da produção nacional.
Para além dessas notas sobre o seu conteúdo, importa registrar que, em determinada
perspectiva, a Carta de 1937 não entrou sequer em vigor, visto que previa, no seu art.
187, a necessidade de sua aprovação em Plebiscito, que nunca veio a ocorrer, o que foi
admitido mesmo pelo seu autor, Francisco Campos, em entrevista concedida já na fase
final do Estado Novo, em março de 1945.
No plano político, a fase final do Estado Novo foi, entre outros aspectos, marcada pelas
tentativas envidadas por Getulio Vargas no sentido de promover uma gradual abertura
política, especialmente por meio da edição da LC 9, de 18.02.1945, anunciando a
convocação de eleições gerais para assegurar o efetivo funcionamento dos órgãos
representativos, previstos na Constituição de 1937, mas impedidos de atuar pelo próprio
ditador. Tais expedientes, contudo, não impediram a deposição de Getulio pelas Forças
Armadas, em 29 de outubro de 1945, e a instalação de um governo provisório, liderado
pelo Ministro José Linhares, então Presidente do STF, que exerceu a chefia do governo
até a eleição do Marechal e Ex-Ministro da Guerra do Estado Novo, Eurico Gaspar
Dutra, empossado em 31.01.1946.
Conhecida no Brasil como Olga Benário ou Olga Benário Prestes, Maria Bergner era
uma revolucionária que defendia o comunismo. Olga fez parte do grupo de
estrangeiros destacados para acompanhar Luis Carlos Prestes em seu retorno ao
Brasil.
Infelizmente, numa página triste da história do STF, o pedido não foi conhecido pela
Corte, sob a alegação de que o artigo 2º do Decreto n. 702, de 21 de Março de 1936 –
baixado por Vargas – suspendera a garantia constitucional do habeas corpus em razão
da “commoção intestina grave articulada em diversos pontos do paiz desde novembro
de 1935, com a finalidade de subverter as instituições politicas e sociaes.”
O pedido de Habeas Corpus foi negado pelo Supremo Tribunal Federal. Por maioria,
não se conheceu do pedido, com base no artigo 2º do Decreto 702, de 21 de março de
1936, que vedava a utilização do remédio, naquele caso. Segue o teor da decisão:
O Supremo Tribunal Federal negou habeas corpus a Olga Benério Prestes, permitindo
que ela, comunista, judia e grávida, fosse deportada para a Alemanha nazista, onde
viria a ser assassinada num campo de concentração. Ao serem indagados sobre o caso,
os ministros do STF disseram que a decisão foi tomada com base no "interesse
público".
Estes melhores dias não vieram. Logo Olga seria transferida para o campo de
concentração de Ravensbrück e de lá para o Centro de Eutanásia de Bernnurg, onde
morreu numa câmara de gás em 23 de abril de 1942. A condenação de Olga à
morte fora decretada em 1936, quando o STF não conheceu o HC 26.155, relatado por
Bento de Faria.
A centenária Araguari, no Triângulo Mineiro, foi cenário daquele que ficou conhecido
como um dos mais graves erros judiciários do Brasil. Em 1937, no derradeiro mês de
dezembro, dois irmãos (os Naves) começam a ser investigados pelo desaparecimento e
morte de um comerciante local.
O rumoroso caso começa quando os irmãos Sebastião José Naves, à época com 32
anos, e Joaquim Naves Rosa, 25 anos, firmam sociedade com o primo, o mercador
Benedito Pereira Caetano. Os três dividem o mesmo caminhão para executar a
atividade diária de sustento: compram e revendem cereais.
O apurado com a venda é insuficiente para fazer frente aos credores, conquanto
somasse a polpuda quantia de 90 contos de réis.
Pronunciados, os Naves têm como defensor o valente advogado João Alamy Filho,
que ingressa com HC mostrando às autoridades o equívoco que era cometido.
Baldadas as tentativas, a dupla tem prisão preventiva decretada.
Mas já é tarde.
Joaquim foi acometido de longa e dolorosa doença e morre nos alvores da liberdade.
O irmão sobrevivente, incansável, inicia sua busca para provar a inocência.
Boas notícias demoram a surgir, mas o Sol volta-lhe a brilhar no inverno de 1952,
quando aparece, em lugar distante, vivinho da silva, o primo Benedito. Só então, 12
anos após acusações, é, enfim, reconhecida a inocência dos irmãos.
A posse de Gaspar Dutra foi sucedida pela imediata instalação de uma Assembleia
Constituinte, aos 2 de fevereiro de 1946, eleita em 2 de dezembro de 1945, integrada
por representantes da direita, do centro-democrático, progressistas, socialistas e
comunistas, com certo predomínio dos primeiros.
Gilmar Mendes:
É possível notar, portanto que, sob a égide da Constituição de 1946, sucederam-se crises
políticas e conflitos constitucionais de poderes, que se avultaram logo após o primeiro
período governamental, quando se elegeu Getúlio Vargas com um programa social e
econômico que inquietou as forças conservadoras, que acabaram provocando
formidável crise que culminou com o suicídio do chefe do governo. Sobe o Vice-
Presidente Café Filho, que presidiu às eleições para o quinquênio seguinte, sendo
derrotadas as mesmas forças opostas a Getúlio. Nova crise. Adoece Café Filho. Assume
o Presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, que é deposto por um movimento
militar liderado pelo General Teixeira Lott (11.11.55), que também impede Café Filho
de retornar à Presidência (21.11.55). Assume o Presidente do Senado, Seno Nereu
Ramos, que entrega a Presidência a Juscelino Kubitschek de Oliveira, contra o qual
espocam rebeliões golpistas, mas sem impedirem concluísse seu mandato.
Elege-se Jânio Quadros, para suceder a Juscelino. Sete meses depois, renuncia. Reação
militar contra o Vice-Presidente João Goulart, visando impedir sua posse na
Presidência. Vota-se, às pressas, uma emenda constitucional parlamentarista (EC-4, de
2.9.61, denominada Ato Adicional), retirando-lhe ponderáveis poderes, com o que não
se conformaria. Consegue um plebiscito que se pronuncia contra o parlamentarismo e,
pois, pela volta ao presidencialismo, razão por que o Congresso aprova a EC-6, de
23.1.63, revogando o Ato Adicional Jango Goulart tenta equilibrar-se no poder
acariciando a direita, os conservadores e a esquerda.
Após a eleição pelo Congresso Nacional do Marechal Humberto Castelo Branco como
Presidente da República, em consonância com o disposto pelo Ato Adicional 1, e pela
desfiguração da Constituição de 1946, mediante a ingente produção legiferante da Junta
Militar, decidiu-se pela formulação de uma nova Constituição, mais afeita ao novo
regime de governo.
A ditadura toma forma no seu estágio mais avançado, perseguindo e torturando presos
políticos, censurando a imprensa e reprimindo a atividade político-partidária. Na
percuciente análise de Pontes de Miranda, estava em curso um período histórico-
institucional em que não havia mais a distinção entre o ato político (ou administrativo) e
o ato legislativo, ou seja, quando o ato político já é lei, no sentido de que não havia mais
o rito do Poder Legislativo em transformar o ato político em ato legislativo,
consubstanciando um governo autocrático.
Além disso, como bem destacou Ruy Ruben Ruschel, o movimento militar praticamente
confessou, quando da emissão do Ato Institucional 5, de 13.12.1968, a origem ditatorial
da Carta de 1967, visto que no quarto considerando daquele edito autoritário ficou
consignado textualmente que a “Revolução vitoriosa outorgou à Nação” os
instrumentos jurídicos exteriorizados na Carta.
De qualquer modo, não é caso de dar valor demasiado à discussão sobre se a EC 1/1969
foi uma nova Constituição, substituindo por completo a Constituição de 1967, posição
que parece gozar da preferência no âmbito da doutrina, ou se é possível reunir ambos os
documentos, ainda mais em virtude de a vigência de ambos ter sido acompanhada pela
vigência dos editos ditatoriais (com destaque para os Atos Institucionais), de tal sorte
que o que o Brasil experimentou no período de 1964 até a promulgação da CF de 1988
foi um processo complexo de ruptura, ascensão, auge e distensão de uma ditadura,
seguida de uma reconstitucionalização democrática e pacífica, que viabilizou uma nova
ordem constitucional capaz de assegurar estabilidade institucional ao País.
Acompanhado desse espírito constituinte, o artigo 7º do AI-1 suspendeu, por seis meses,
as garantias constitucionais da vitaliciedade e da estabilidade, admitindo, mediante
investigação sumária, a demissão ou dispensa de servidores públicos, e, ainda, afirmou
que o controle judicial desses atos se limitaria ao exame das formalidades extrínsecas,
vedada a apreciação dos fatos que os motivaram, bem como sua conveniência ou
oportunidade. Inicia-se um ciclo de punições e demissões baseadas num suposto
interesse público.
Esse AI-4 fixou a data limite de 21 de janeiro de 1967 para a votação do texto enviado
pelo Presidente da República. Apesar de toda a pressão e a intimidação, os
parlamentares conseguiram, pelo menos do ponto de vista formal, incluir os direitos
fundamentais na Constituição. Na prática, a Constituição de 1967 teve pouco tempo de
aplicação, pois, no ano seguinte, foi editado o AI-5, que tornou meramente figurativos a
organização de poder e os direitos fundamentais previstos na Constituição.
É interessante notar que, no preâmbulo do AI-5, se afirma que a “revolução” teve como
propósito dar ao país:
A aposentadoria compulsória de três ministros do STF foi um recado direto de qual era
a regra do jogo e de qual relação deveria existir ou não entre o Poder Judiciário e o
Poder Executivo. É de se destacar que o Judiciário, antes do AI-5, estava concedendo
várias ordens de habeas corpus em crimes contra a segurança nacional. Não por acaso o
artigo 10 do AI-5 previa expressa e fatidicamente:
Além disso, ao contrário dos outros Atos Institucionais, o AI-5 não tinha prazo de
vigência definido, o que fazia com que sua eficácia seria extinta apenas segundo as
conveniências dos mandatários do regime. Desta forma, o AI-5 foi a expressão mais
emblemática da ditadura militar brasileira (1964-1985). Vigorou até dezembro de 1978
e produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros. O AI-5 foi,
indubitavelmente, um dos maiores símbolos da ditadura, o instrumento jurídico que
outorgou poderes para abusos do Executivo.
Diante da pressão popular, o projeto da lei de anistia foi então encaminhado pelo
Presidente da República João Baptista Figueiredo ao Congresso Nacional, ocasião em
que foi formada uma comissão mista de senadores e deputados para analisá-lo. A falta
de legitimidade do projeto da Lei de Anistia brasileira, no sentido de não se adequar aos
anseios da população, pode ser atestada pelo número de emendas e substitutivos
propostos durante os trabalhos da comissão. No total, foram oferecidas 305 emendas e
09 substitutivos. Tais emendas foram apresentadas por 134 parlamentares, sendo que 49
pertenciam à ARENA. A maior parte delas, mais especificamente 83, dizia respeito ao
artigo 1º do projeto, referente aos destinatários do benefício.
Após nove horas de debates e votações, sob um clima de tensão no Congresso, o projeto
foi finalmente aprovado, por 206 votos a favor, e 201 contra. Com a sanção do
Presidente da República, em 28 de agosto de 1979, foi promulgada e publicada a Lei nº
6.683.73, Lei de Anistia. Eis a redação de seu primeiro artigo e parágrafo:
Importante notar que desde a edição da Lei de Anistia, em 1979, a interpretação que
prevaleceu foi a de que houve uma anistia ampla, geral e irrestrita, com extensão aos
crimes comuns praticados pelos agentes da repressão que mataram, torturaram e
violentaram sexualmente os opositores políticos do regime militar. Essa interpretação
oficial acerca do alcance dos citados dispositivos legais “representou o silêncio e o
esquecimento sobre os envolvidos nas ações repressivas após o golpe de 1964”.
Uma virada de página em relação à sua postura anistiante poderia ter sido realizada
recentemente pelo Estado brasileiro. É que em outubro de 2008 o Supremo Tribunal
Federal foi provocado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil a,
novamente, pronunciar-se sobre o alcance da anistia concedida em 1979, desta vez à luz
da Constituição Federal de 1988 e de toda a normatividade internacional dos Direitos
Humanos.
O ajuizamento junto ao STF da ADPF 153 pretendeu que aquela Corte declarasse,
“conforme à Constituição, à luz dos seus preceitos fundamentais, que a anistia
concedida pela citada lei aos crimes políticos ou conexos não se estende aos crimes
comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos, durante o
regime militar.”
O Ministro Eros Grau, relator da ADPF 153, votou pela improcedência da ação.
Acompanhando seu entendimento, votaram, nesta ordem, as Ministras Cármen Lúcia e
Ellen Gracie e os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello, Cezar Peluso e Gilmar
Mendes. Os Ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto, divergindo do relator,
julgaram parcialmente procedente o pedido. Não votaram os Ministros Joaquim Barbosa
e Dias Toffoli, aquele porque se encontrava licenciado e este por já ter se manifestado
anteriormente sobre a Lei de Anistia enquanto Advogado-Geral da União.
O povo emprestou a Tancredo Neves todo o apoio para a execução de seu programa de
construção da Nova República, a partir da derrota das forças autoritárias que dominaram
o país durante tanto tempo. Sua eleição, a 15.1.85, foi, por isso, saudada como o início
de um novo período na história das instituições políticas brasileiras, e que ele próprio
denominara de a Nova República, que haverá de ser democrática e social, a concretizar-
se pela Constituição que sena elaborada pela Assembleia Nacional Constituinte, livre e
soberana, que ele convocaria assim que assumisse a Presidência da República.
Prometeu, também, que nomearia uma Comissão de Estudos Constitucionais a que
caberia elaborar estudos e anteprojeto de Constituição a ser enviado, como mera
colaboração, à Constituinte.
Sua morte, antes de assumir a Presidência, comoveu o Brasil inteiro. Foi chorado. O
povo sentiu que suas esperanças eram outra vez levadas para o além. Assumiu o Vice-
Presidente, José Sarney, que sempre esteve ao lado das forças autoritárias e retrógradas.
Contudo, deu sequência às promessas de Tancredo Neves.
O Presidente José Sarney, cumprindo mais uma etapa dos compromissos da transição,
enviou ao Congresso Nacional proposta de emenda constitucional convocando a
Assembleia Nacional Constituinte.
Sem prejuízo de outros aspectos relevantes no que diz com a composição da Assembleia
Constituinte, quanto ao perfil político-ideológico dos seus integrantes é possível afirmar
que, a despeito do forte pluralismo, predominava a ala do assim chamado “Centro” (ou
“Centrão”, como também se costumava dizer), com ligeira inclinação para a chamada
“centro-direita”, visto que os partidos efetivamente identificados com a esquerda (PDT,
PT, PCB, PC do B e PSB) totalizavam apenas 50 constituintes, ou seja, 9% do total,
registrando-se, ademais, um percentual relativamente alto de troca de partidos
(aproximadamente 15% dos constituintes trocaram de sigla partidária ao longo do
processo), além do surgimento do PSDB, em junho de 1988, absorvendo um número
importante de dissidentes do PMDB, mantida, todavia, a orientação do Centro, que foi
decisiva para o formato final da Constituição.
Cuida-se, portanto, de um texto que, sem prejuízo de suas virtudes, surge – de acordo
com a crítica de Luís Roberto Barroso – como “um texto que, mais do que analítico, era
casuístico, prolixo e corporativo”. De qualquer modo, a despeito de seus aspectos
menos virtuosos, a assim chamada “Constituição Cidadã” – a evolução subsequente
veio a demonstrá-lo consiste em texto constitucional sem precedentes na história do
Brasil, seja quanto a sua amplitude, seja no que diz com o seu conteúdo, não sendo
desapropriado afirmar que se trata também de um contributo (jurídico-político)
brasileiro para o constitucionalismo mundial, seja em virtude da forte recepção das
modernas tendências na esfera do direito constitucional, seja pelas peculiaridades do
texto brasileiro.
Antes de adentrarmos, em seus traços gerais, nas linhas mestras que caracterizam a
Constituição Federal, importa lembrar que o texto promulgado pela Assembleia
Constituinte desde logo contemplava a possibilidade de uma ampla revisão
constitucional, que, a depender da evolução, poderia inclusive chegar ao ponto de
assumir feições constituintes. Com efeito, mediante a introdução de dois artigos no Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias determinou-se a realização de um
plebiscito para a definição da forma e do sistema de governo (art. 2.º), bem como a
realização de uma revisão constitucional, transcorridos cinco anos da promulgação da
Constituição (art. 3.º).
O plebiscito, que acabou sendo antecipado por alguns meses, acabou confirmando a
opção pela República e pelo sistema presidencialista de governo, o que, para alguns, por
si só já afastaria até mesmo a possibilidade de uma revisão constitucional. Esta última,
em que pese uma relativamente acirrada controvérsia sobre as possibilidades e limites
de tal revisão, acabou não logrando êxito, de tal sorte que apenas seis alterações
constitucionais foram levadas a efeito, por meio das assim chamadas Emendas
Constitucionais de Revisão.
No que diz com as suas principais características, além do seu perfil analítico e
casuístico, já referidos, a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como a
mais democrática e avançada em nossa história constitucional, seja em virtude do seu
processo de elaboração, seja em função da experiência acumulada em relação aos
acontecimentos constitucionais pretéritos, tendo contribuído em muito para assegurar a
estabilidade institucional que tem sido experimentada desde então no Brasil.
Tanto o Preâmbulo quanto o título dos Princípios Fundamentais são indicativos de uma
ordem constitucional voltada ao ser humano e ao pleno desenvolvimento da sua
personalidade, bastando lembrar que a dignidade da pessoa humana, pela primeira vez
na história constitucional brasileira, foi expressamente guindada (art. 1.º, III, da CF) à
condição de fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro, por sua vez
também como tal criado e consagrado no texto constitucional. Não é à toa, portanto, que
o então Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Deputado Ulysses Guimarães,
por ocasião da solenidade de promulgação da Constituição, batizou a Constituição de
1988 de Constituição Coragem e Constituição Cidadã, lembrando que, diferentemente
das Constituições anteriores, a Constituição inicia com o ser humano.
Outro aspecto digno de nota, que diz respeito ao título dos Princípios Fundamentais, é a
ênfase dada, pelo menos no plano textual, à integração na comunidade internacional,
afirmando-se, no plano das relações internacionais, a “prevalência dos direitos
humanos” (art. 4.º, II) e assumindo-se, como tarefa, a busca da integração econômica,
política, social e cultural dos povos da América Latina e a formação de uma
comunidade latino-americana (art. 4.º, parágrafo único): é igualmente sem precedentes e
foi acompanhada, ao longo da evolução subsequente, de um conjunto significativo de
ações nesse sentido, inclusive a ratificação de expressivo número de tratados
internacionais.
Particular atenção merece o título dos Direitos e Garantias Fundamentais, pela sua
atualidade (visto que recepcionou a maioria dos direitos consagrados até então no plano
internacional mesmo antes da ratificação em definitivo dos principais tratados de
direitos humanos) e amplitude, pois contempla tanto os direitos e garantias individuais
“clássicos”, ou seja, os direitos de liberdade, quanto os direitos sociais, incluindo um
extenso rol de direitos trabalhistas, bem como o direito de nacionalidade e os direitos
políticos.
Gilmar Mendes: