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Onde o livro impresso está mais vivo?

Pequenas editoras: outras vozes, novas estratégias.

As grandes estrelas da Flip 2018 foram as pequenas editoras. Tudo começou em


2017, ano da reestruturação e redução desse evento literário, quando a busca por novos
autores trouxe, a reboque, suas casas literárias. Sete editoras pequenas alugaram casas
antes ocupadas por patrocinadores ou editoras de grande porte. Em 2018 este número
mais que triplicou: eram 22 casas de editoras independentes, com programação gratuita.
“Este foi um movimento inusitado, legítimo, que explodiu e que ameaça tomar conta da
programação oficial”1, observava, em plena Flip, Volnei Canônica, comunicador e
especialista em políticas de leitura. Mais do que uma dificuldade financeira do público _
uma palestra oficial na Feira custava R$ 55 reais _ o que aconteceu em Paraty refletia
um capítulo surpreendente de conquista de leitores em meio a uma das crises mais
dramáticas do mercado editoral. Em 2017, a recém-nascida editora Nós, por exemplo,
viu seu negócio se consolidar no dia seguinte ao término da Feira. Simone Paulino,
dona da Nós, tinha recém editado a autora ruandesa Scholastique Mukasonga e saiu de
lá com o pedido de compra de 4 mil exemplares desta palestrante. Este ano Simone já
voltou à Flip como a casa editorial de três outros autores da feira e 4.600 exemplares de
livros deles2.
A Feira de Paraty reflete essa tendência do mercado em que as editoras
independentes “cresceram 12,9% em volume e 4,58% em faturamento em 2018”,
segundo dados compilados pela consultoria Nielsen a pedido da Revista Época 3. Isto
enquanto o mercado editorial como um todo vem encolhendo desde 2006 _ em parte
porque três grandes redes de livrarias, Saraiva, Fnac e Cultura estão com seus
pagamentos em atraso, fechando lojas e provocando uma das maiores quebras de todos
os tempos entre as grandes e médias editoras. As editoras alternativas também têm
aumentado seu espaço nos grandes prêmios literários: em 2014, a Patuá tinha, sozinha,
1
Volnei Canônica em entrevista à Maria Silvia Camargo, 28/7/2018.
2
2
TORRES, Bolívar. Na Flip, a vez das editoras independentes. O Globo, Rio de Janeiro, 6/ 08/2018.
3
PIRES, Paulo Roberto. Bagunça no coreto. Revista Época, São Paulo, 25/05/2018.

1
seis finalistas no Prêmio Portugal Telecom. Em 2017, nove indicados ao Prêmio São
Paulo de Literatura _ no total são 20 _ eram contratados de novas editoras.
Como elas estão conseguindo este espaço, num país em que o mercado editorial
ainda tem no Poder Público o seu principal cliente? Pequenas editoras sempre existiram
no Brasil e muitos autores consagrados começaram se auto publicando em espaços
também inventados por eles, como o poeta Carlos Drummond de Andrade e sua
Pindorama. A poeta Hilda Hilst, homenageada este ano, também não seria conhecida se
não fossem as editoras alternativas _ a mais famosa delas, Massao Ohno Editora.
O mercado sempre se renova com as editoras jovens, que aumentam sua
bibliodiversidade, e este trabalho pretende elucidar como isto está acontecendo nestes
últimos anos de crise econômica brasileira, principalmente de 2014 para cá. Impossível
desvincular o aparecimento de tantas editoras da abertura da sociedade aos novos
discursos, das mulheres e dos negros, por exemplo. A Flip 2018 foi praticamente
ocupada por estas iniciativas, como outros grupos de resistência política e cultural vem
buscando ter voz. É como diz o romancista Julián Fuks numa entrevista à Revista
Bravo4, “no momento dramático que temos vivido no Brasil, é difícil que a literatura
permaneça indiferente, (...) se feche em suas questões corriqueiras.”
O objetivo deste trabalho será investigar e discutir essa mudança de paradigma
do mercado com alguns exemplos de editoras e suas mais recentes estratégias de
sobrevivência. Esta mudança, como tantas outras no campo das artes, tem a ver com o
movimento de “tornar mais real aquilo que já existe”5, como sustenta o filósofo David
Lapoujade no livro As existências mínimas. Gostaria de tentar mostrar que estes editores
são o que Lapoujade _ relembrando as teorias do filósofo Etienne Souriau _ chama de
“testemunhas responsáveis” ou “advogados”, no sentido que encontraram um espaço-
tempo para estes discursos. Tornam-se defensores dessas vozes de maneira inusitada e
exemplar. Quem observa essas iniciativas se pergunta: como a Editora Arte & Letra –
basicamente gerenciada por dois irmãos, Frederico e Thiago Tizzot, em Curitiba, Paraná
– consegue produzir quase uma dúzia de livros por mês e não depender de outras
livrarias senão da sua própria? De que forma a já lendária Editora 7 Letras, há 24 anos
no mercado, se reestruturou durante anos difíceis como os atuais? E o que dizer da
Editora Patuá cujo dono, Eduardo Lacerda, consegue receber cerca de 180 autores

4
FUKS, Julián. Entrevista a Almir Freitas na Revista Bravo. São Paulo, 10/04/2018.

5
LAPOUJADE, David. As existências mínimas, p 12

2
novos por mês – e escolhe e publica, quase sozinho, entre oito a dez livros
mensalmente?
A proliferação de novas casas editoriais não chamou a atenção apenas dos
jornalistas e críticos especializados. O público leitor também tem dado boa resposta e
existem livrarias, como as do grupo Blooks, que vivem basicamente dessas novidades.
A livreira e produtora cultural Elisa Ventura, da Blooks, já foi reconhecida numa
publicação especializada, a PublishNews, como a dona de um modelo de livraria
sobrevivente, um fenômeno comercial a ser estudado6. Entre 2016 a 2018, Elisa e seu
grupo inauguraram três lojas físicas (Niterói e São Paulo) e criaram o site
www.indieblooks.com.br que, em dois meses no ar, já vende livros de 50 editoras
independentes. Questionada sobre seu modelo de sucesso, Elisa diz que começou a
perceber que deveria apostar naquelas obras especiais que seus leitores não
encontravam em nenhum outro lugar: “O segredo foi esquecer os livros que todo mundo
tem. Não dá para competir e vender mais barato que os grandes conglomerados”7,
explica. Para promover e vender o livro vivo, Elisa se utiliza da mesma fórmula que as
pequenas editoras: faz uma pesquisa do que seu público quer. Promove palestras, cursos
e tem uma revista mensal em torno dos temas que interessam a seu nicho de
compradores. Se Elisa _ ou os editores acima _ não operassem de forma pessoal e
reduzida, não conseguiriam dialogar com seus leitores.
As editoras 7 Letras, Patuá e Arte & Letra têm esse modelo de diálogo: seus
editores cuidam pessoalmente dos autores escolhidos e, numa curadoria expandida,
divulgam estes nomes em revistas e eventos literários. Os irmãos Frederico e Thiago,
mantêm, além da editora e de uma livraria, duas revistas literárias, entre feiras, leituras
públicas e palestras em escolas, num circuito efetivo por todo o estado do Paraná. Não à
toa, os donos das três mencionadas editoras são também autores (e Frederico é artista e
responsável pelas capas dos livros publicados) o que traz um diferencial importante ao
trabalho deles.
Cada uma das editoras escolhidas trabalha o livro vivo de maneira única, tendo
em comum a vontade de selecionar autores pertinentes, que façam a diferença e
apareçam num mercado hiperlotado de lançamentos. E, como este estudo não se
pretende pelo viés sociológico, tenciono trabalhar também através de estratégia

6
Qual será o modelo de livraria sobrevivente? Não sei, mas deixo uma pista: estudem a Blooks Livraria
(...)”, Jaime Mendes, diretor comercial da GEN, holding líder no segmento de livros científicos do Brasil.
7
Elisa Ventura em entrevista à Maria Silvia Camargo, 10/05/2018.

3
alternativa: combinando minha observação diante da inventividade dos circuitos
alternativos com um olhar de avaliação crítica. Planejo construir ensaios onde ressalte
aspectos dessa prática profissional-artística. Tomando como exemplo a Arte & Letra: os
irmãos Tizzot fizeram de uma livraria no centro de Curitiba, “um lugar que emana arte
de uma forma geral”8 como explica Thiago. Essa livraria, na Alameda Dom Pedro II,
tem uma cafeteria que foi eleita, pela Revista Veja Comer & Beber de 2017, como a
melhor da cidade. Assim, os irmãos parecem haver retomado a dimensão familiar do
universo editorial de outrora _ em que as grandes casas literárias traziam o nome das
famílias que as comandavam, como a Editora José Olympio. Se, no passado, José
Olympio Pereira Filho, com sua simpatia e erudição, fez da loja na Rua do Ouvidor um
ponto de encontro dos intelectuais dos anos 1930 e 1940, hoje Thiago e Felipe têm, na
livraria, uma ilha de tranquilidade e encontro cultural. Nesse sentido, procuram
recuperar a aura em torno de grandes livrarias que foram e são lugares que “capturam o
espírito das pessoas que as frequentam, em geral bons espíritos”,9 como escreveu
Ignácio Loyola Brandão. A partir da livraria de Curitiba, proponho-me compor um
ensaio sobre o universo das livrarias lendárias.
O exemplo acima poderá ser outro, depende do que irei ouvir dos editores
escolhidos. O que gostaria de aprofundar é como e em qual momento _ como Simone
Paulino, editora da Nós, sentiu no final da Flip 2017 _ seus projetos conseguiram se
concretizar. Foi a partir de um autor, de uma livraria, de uma ideia? Lapoujade escreve
que “não existimos por nós mesmos, só existimos realmente porque fazemos existir
outra coisa”10. Quando e de que maneira estes editores sentiram que estavam fazendo
existir algo que realmente valia a pena?
Jorge Viveiros de Castro, sócio e fundador da Editora 7 Letras no Rio de Janeiro,
por exemplo, desde o final dos anos 90, é conhecido como um descobridor de talentos
literários: André Sant’Anna e Julián Fuks são alguns dos nomes que começaram na
editora. Mais recentemente, a partir de 2011, o paulista Eduardo Lacerda, fundador e
único funcionário da Editora Patuá revelou outros autores, como Paula Fábrio e Eliza
Andrade Buzzo. Ambos têm muitas histórias sobre quais estratégias usaram para
descobrir autores e como mantiveram “vivos”, em catálogo, seus livros. Talvez alguma
8
LEPREVOST, Luiz Felipe e LINHARES, Otavio. Os irmãos Tizzot. Revista Jandique. Curitiba, 22/12/
2012.
9
BRANDÃO, Ignácio Loyola. Delícia. O Estado de São Paulo. Disponível em www.estadao.com.br.
Acesso em 28/09/2007.
10
LAPOUJADE, D. As existências mínimas. p 24.

4
destas histórias possa servir de inspiração para um paralelo com outros editores
criativamente lendários do passado. Carlos Drummond de Andrade e sua editora
Pindorama poderia ser um deles. Monteiro Lobato (1882-1948), também autor e editor,
se utilizava, no começo do século XX, dos Correios para ampliar o mercado livreiro.
Distribuía seus livros pedindo, por carta, que os donos de lojas de comércio de Brasil
comercializassem seus produtos. Assim foi pioneiro em divulgar a própria obra,
popularizar o livro, conseguir visibilidade para autores rejeitados (como Lima Barreto) e
tudo o mais que o transformou num símbolo da propagação do hábito da leitura no
Brasil.
Hoje, mais de cem anos depois, a favor desta mesma tarefa, tudo mudou: temos
mais universidades, livrarias e meios de comunicação. Mas a figura do editor continua
fundamental e ela pode servir de estímulo para um ensaio sobre a função de editar.
Valerá inventar, a partir do patrimônio das editoras escolhidas, como no exemplo da
livraria, mas, principalmente, contemplar a contribuição imaterial: comportamentos,
tipos de linguagem, hábitos, lendas. O essencial será como estas novas vozes estão
subvertendo o mercado _ e que universo de leitores estão formando. Nesta pesquisa
procuraria estudar a intermediação do editor entre as posições de produtor da escrita e
receptor. Como jornalista e autora de seis livros publicados _ três por editoras
alternativas _ também tenho o entendimento de que, sem os editores, meus livros não
seriam possíveis. Poderei então ajudar a pensar o quanto o livro precisa de mediação e
inventividade para encontrar seu público. Se os editores escolhidos conseguiram ver o
que os outros não viam e advogar em favor de seus autores _ para usar, mais uma vez os
termos de Lapoujade _ gostaria de advogar em favor do trabalho deles, dando nova
visibilidade àqueles que souberam incluir, no circuito literário, obras, gêneros e estilos
que não encontravam espaço no mercado convencional.
2. Livros para nichos
Raramente, pelo menos no campo dos estudos de literatura, a escrita tem sido
enfocada através dos outros agentes que ela envolve. Uma vez que já se absorveu o
impacto da “morte do autor” e se especulou, durante algumas décadas, sobre a função
autoral como uma atividade de resgatar, selecionar e articular, com inventividade,
fragmentos do imenso legado cultural, estaria na hora de observar criticamente a tarefa
de outros “autores” coadjuvantes. Entre estes, o pequeno editor tem mais de uma tarefa:
ele edita, mas também traduz, revisa, ilustra, conhecendo cada parte do processo. Ou,
como diz o lendário editor norte-americano Jason Epstein (responsável pela carreira de

5
nomes como Nabokov e Philip Roth, entre outros), “quem realiza melhor a tarefa de
editar são pequenos grupos de pessoas com ideias afins”11. O líder destes pequenos
grupos vê cada produto como individual e único. Este parece ser um apoio menos
solitário ao autor, ainda que o trabalho da escrita seja solitário.
Todas as vezes que, nesta busca solitária, procuro um projeto, uma ideia que me fará
existir de maneira diferente, não tenho pistas _ ou caminho a seguir. Nesse sentido,
sinto identificação com a frase de Kafka relembrada por Lapoujade: “tenho apenas meus
passeios para fazer e dizem que isso deve bastar, mas por outro lado, ainda não existe
lugar no mundo onde eu possa fazer meus passeios”12. Nesta angústia de inventar um
caminho, procuro ler e ver tudo o que é possível, sempre procurando entender o que o
público está lendo, o que quer ler. O que hoje, ainda, leva um jovem a optar por um
livro impresso quando há tantas outras opções de entretenimento, principalmente no
campo do audiovisual? Leio, principalmente, os novos autores. Assim, lá pelos anos
1990, uma nova geração, vinda dos estados do Sul se destacava. Eles começaram um
fenômeno de interação com a web essencialmente brasileiro. Autores como Daniel
Galera, por exemplo, começaram a se reunir em publicações online como
Cardosoonline, do escritor e tradutor André Czarnobai, que ficou no ar por 278 edições.
No Rio de Janeiro surgiu a revista literária Paralelos; em São Paulo, a PS: PS, editada
por Marcelino Freire. Quando estes jornais virtuais fizeram sucesso junto ao circuito
tradicional do livro, seus autores partiram para o livro vivo. Criaram oportunidades de
edição e divulgação, e este circuito de produção e consumo se transformou num
exemplo de como estar no mercado. Foi esta a fagulha para que começasse a estudar
estas alternativas.
Muitos dos temas apontados acima ainda estão sendo pensados e, por isto, a
bibliografia deste projeto será feita e refeita muitas vezes. Acredito que, no estudo desta
microfísica do livro impresso, o primeiro trabalho seria entrevistar editores, autores,
críticos, curadores e professores. Como ficou indicado, na parte introdutória, minha
proposta é transformar os resultados dessa pesquisa em ensaios. Como forma, o ensaio
me parece próprio à experimentação, ou, como escreve o autor português João Barrento
no livro O gênero intranquilo _ anatomia do ensaio e do fragmento, “o ensaio é uma
experiência em incessante fazimento e desfazimento”13. O universo de editores
escolhidos parece trabalhar com este “fazimento e desfazimento”. Se, segundo
11
Epstein citado por Francisco Vale em Autores, Editores e Leitores.
12
LAPOUJADE, D. As existências mínimas. p 104.
13
BARRENTO, João. O gênero intranquilo _ anatomia do ensaio e do fragmento. p 43

6
Lapoujade, a essência da arte “é testemunhar”14, estes editores são artistas à sua
maneira, pois compartilham este testemunho através de iniciativas experimentais.
“Descobrir” um autor que possa vir a representar uma guinada no mercado literário,
também é um processo sem forma acabada ou garantias _ assim como um ensaio.
Esbocei a construção dos ensaios que comporão a tese, como uma combinação
de tópicos inter-relacionados: (1) a descrição do ambiente de trabalho dos divulgadores-
personagens; (2) a narração de mini - cenas presenciadas; (3) a caracterização do
comportamento de leitores das obras editadas ou de resenhas das mesmas; (4) a
avaliação crítica do trabalho plural que estão desenvolvendo através da articulação de
gestão empresarial, invenção artística e julgamento do potencial literário dos originais
recebidos. Claro que tais posições viriam acompanhadas de justificativas analítico-
interpretativas às questões levantadas.
Em termos teóricos, será importante começar estudando a história da cultura
com foco na existência central do livro. Da mesma forma, como o livro e a literatura
foram o objeto cultural de maior importância para a sociedade burguesa do século XIX,
fato que se diluiu no século XX – e como o colocamos em meio a outros produtos
culturais. “Hoje a cultura consiste em ofertas de produtos culturais, e não em
proibições”15, diz Zygmunt Bauman em A Cultura no mundo líquido moderno,
analisando que, atualmente, nós somos onívoros em termos de cultura, podendo apreciar
tanto uma ópera quanto um programa de televisão. Hoje a cultura “é modelada para se
ajustar à liberdade individual de escolha [...]”16. Ou seja, temos espaço para muitos tipos
de manifestação artística, e o livro vivo persiste em meio a uma poderosa demanda por
mudanças constantes. Mudanças que devem ser vistas com prudência: “Quantas
propostas para a transformação do livro impresso, a começar sobre as soluções para a
aparente divergência insolúvel entre o livro impresso e o e-book [...] não duraram
sequer um ano?”, diz o gestor de políticas públicas para o livro nacional José Castilho
Marques Neto .17 As editoras que merecem nossa atenção se alimentaram deste sopro de
renovação, não sucumbiram aos modismos e acreditaram no livro impresso. Ou, como

14
LAPOUJADE, D. As existências mínimas. p. 22. Aqui Lapoujade explica as ideias de outro filósofo,
Etienne Souriau, sobre arte.
15
Bauman, Z. A cultura no mundo líquido moderno. p. 18.
16
Bauman, Z. A cultura no mundo líquido moderno. p. 22
17
NETO, José Castilho Marques. Olhar o passado, pensar e intervir no presente, planejar o futuro! _
Parte 1. Disponível em www.publishnews. com.br. Acesso em 03/07/2018.

7
se pode concluir do título de um artigo do livreiro Rui Campos, elas hoje comemoram
“O fim do fim do livro”18.
Quais são as conexões dos leitores atuais com este objeto multissensorial?
Afinal, não apenas se lê um livro vivo, mas o tocamos, observamos suas cores, textura,
marcas. “A existência do colecionador de livros tem uma relação muito enigmática com
a posse [...] Existe uma apropriação do livro impresso que passa pelo olhar, cheiro,
manuseamento, a possibilidade de o folhear num gesto rápido ou pausado e de compor
estantes [...]”19, escreveu Walter Benjamin em “Desempacotando minha biblioteca: um
discurso sobre o colecionar”. O livro é considerado um fetiche para muitos, não só para
os colecionadores. Não à toa, o quixotesco editor Eduardo Lacerda escreve em todas as
correspondências e publicações da Editora Patuá a frase: “livros são amuletos”.
A maneira como o “livro vivo” _ o objeto material com sua capacidade de
sensibilização do corpo do leitor _ afeta, enquanto informa, aquele que o percorre,
remete a investigação do que quero dizer com o livro “mais vivo” do título deste
projeto. Hans Ulrich Gumbrecht, por exemplo, fala em “redinamização da relação leitor
com o livro, revalorizando a presença”. Ele diz que esta revalorização se faz necessária
porque “(...) hoje em dia muita gente passa o dia em uma fusão entre consciência e
software (...)”.20 Para o leitor, tudo muda quando ele lê um livro online ou em papel. E
se, lendo um livro vivo, ele o percebe também com o corpo, muito além do objeto livro
está a literatura. No texto “Literatura e a difusão secreta” o professor Roberto Corrêa
dos Santos fala que o campo de energias, sentidos e forças da literatura é impossível de
ser divulgado, e que o livro é apenas uma mídia. No entanto se essa mídia corresponder
a um objeto tão criativo quanto o texto nele inscrito, a leitura será uma experiência mais
satisfatória, porque mais complexa. Vale estudar se o “livro vivo”, cuidadosamente
editado e divulgado com estratégia específica, contrasta com o circuito de massa. Se ele
propicia o efeito quase mágico da “difusão secreta”.
Roberto Corrêa dos Santos, no ensaio mencionado acima, reflete sobre os
processos mentais do leitor de literatura: “A literatura sendo lida dissemina-se,
reescreve-se e refaz-se” 21. Pretendo abordar estes mesmos processos com os editores-

18
CAMPOS, Rui. O fim do fim do livro. Publishnews. www.publishnews.com.br, acessado em
19/07/2017.
19
BENJAMIN, W. Desempacotando minha biblioteca. Rua de Mão Única. p. 34
20
Hans Ulrich Gumbrecht em entrevista dada a Stephanie Saramago no Portal PUC - Rio Digital: puc-
riodigital.com.puc-rio.br/.../Nova-obra-de-Gumbrecht-debate.
21
SANTOS, Roberto Corrêa. Literatura e a Difusão Secreta. Literatura e Mídia, p. 187.

8
enquanto-leitores. Já que falamos de literatura brasileira contemporânea, como a
subjetividade do editor interagiu com o texto escolhido? Até onde o livro publicado
satisfez esta intermediação do editor com a literatura? Talvez se possa estender uma
ideia de Walter Benjamin sobre os autores aos editores. Em um ensaio de 1934,
intitulado “O autor como produtor”, ele observa: “só imponham ao escritor uma
exigência que é a reflexão: refletir sobre sua posição no processo produtivo” 22. Os
editores escolhidos parecem refletir sobre o processo produtivo, pois tentam fazer jus ao
que está escrito e harmonizá-lo com o modo como será publicado.
Neste modo de entender a literatura e o que devem publicar, os editores estão
imersos em contextos e transversalidades. “É lugar comum dizer que a pintura se
comunica com a não pintura; a literatura com a não literatura [...] todas as artes são
afetadas por uma transversalidade [...] Estão impuras”23, escreve Lapoujade. Acredito
que, no Brasil de 2014 para cá, o contexto político e social é o que mais influenciou na
vida e nas escolhas destas pequenas editoras. Elas querem dar voz a outras falas, outros
grupos e resistir. Suas experiências lembram as considerações de Michel Foucault, em
ensaio incluído em Microfísica do poder, sobre a dimensão microfísica do exercício dos
poderes, a importância das atividades de base, do cuidado estratégico com ações
cotidianas. Gilles Deleuze e Félix Guattari ao apresentarem suas releituras de Kafka em
Kafka, por uma literatura menor também apontam a função crítica da literatura. Citando
Kafka, Joyce e Beckett, consideram a importância de autores que escrevem inserindo,
numa língua maior, gírias, jargões, modos de expressão de minorias. Conseguem, assim,
que sua própria língua possa “forjar uma outra consciência, de uma outra
sensibilidade”24. Acreditam que, quando se foge da “grande literatura” já se tem “uma
posição política”. “[...] O que o escritor sozinho diz já constitui uma ação comum, e o
que ele diz ou faz, é necessariamente político, ainda que os outros não estejam de
acordo”25, explicam, ressaltando que essa literatura é chamada de menor não no sentido
pejorativo. Poderia tentar aprimorar as ideias desse poder molecular através de
Foucault, Deleuze e Guattari, e também na leitura dos livros de Suely Rolnik, que pensa
transdisciplinariamente alguns aspectos da arte e do poder especificamente brasileiros.
É ela quem diz, numa compilação de entrevistas editada pela Editora N-1, sob o título A
hora da micropolítica, que temos no Brasil um combate “que não se faz por meio da

22
BENJAMIN, W. O autor como produtor. Magia e Técnica, Arte e Política. p. 50.
23
LAPOUJADE, D. As existências mínimas. p. 53
24
DELEUZE, G e GUATTARI, F. Kafka, por uma literatura menor. p. 27.
25
DELEUZE, G e GUATTARI, F. Kafka, por uma literatura menor. p. 30

9
oposição ao poder ou por sua negação, mas sim por meio da afirmação de uma
micropolítica ativa, a ser investida em cada uma das nossas ações cotidianas [...].” 26O
livro se conclui com uma pergunta, que me parece adequada à situação deste trabalho de
multiplicar a bibliodiversidade: “Não será exatamente esse o combate que está sendo
levado pelo novo tipo de ativismo que vem proliferando pelo mundo, e mais
recentemente, na sociedade brasileira?”27.
Exemplo deste ativismo a que Suely se refere acima no campo editorial, a
Editora Bolha, com um pouco mais de quatro anos de vida e publicações de peso (como
os primeiros trabalhos de Hilda Hilst), em 2014 sofreu um incêndio em sua sede e
livraria na Rua Sorocaba, Botafogo, Rio de Janeiro. Logo depois Rachel Gontijo
Araújo, sua editora, escreveu uma espécie de manifesto na internet: O que aprendi em
1597 dias à frente de uma editora independente. Ali dizia que continuaria “trabalhando
para abertura de espaços verdadeiramente criativos no âmbito da economia, da cultura do
país e na contestação de um regime que se demonstra muitas vezes neutro perante o
potencial destes novos espaços”28. Explicava que grande parte do acervo de A Bolha
estava a salvo em outro endereço e que, se tantos amigos, grupos e parcerias tinham sido
necessários para a sua sobrevivência até ali, não seria agora que eles desanimariam em
lutar por mudanças de padrões, para se mover contra as estruturas de distribuição, de
acesso, excludentes do mercado editorial tradicional brasileiro e suas tentativas de
conservar o controle cultural no campo impresso e se tornar uma Editora. Esse ofício de
apaixonados, de maníacos suaves, de acordo com Drummond.

Rachel Gontijo parece falar por todos os editores independentes que, inventivos e
destemidos, criaram outras formas de dialogar com o consumidor e de lhe apresentar
seus produtos. Ou, como resume Volnei Canônica “o capitalismo é selvagem, mas a
sociedade não funciona assim. Os livreiros e os editores não vão acabar nunca. Temos
então obrigação de reconstruir o mercado”29. É esta reconstrução que gostaria de analisar
e estudar, para que estas editoras e livros conquistem o direito de existir e caminhos mais
plurais se abram à literatura brasileira contemporânea.

26
ROLNIK, S. A hora da micropolítica. p. 30
27
ROLNIK, S. A hora da micropolítica. p 30.
28
ARAÚJO, Rachel Gontijo. O que aprendi em 1597 dias à frente de uma editora independente.
Medium.com. Jan 2016. Disponível em
<https://medium.com/@abolhaeditora/o-que-aprendi-em-1597-dias-%C3%A0-frente-de-uma-editora-
independente-9e946a72e08. Acesso em 28/06/ 2018.
29
Volnei Canônica em entrevista à Maria Silvia Camargo, 28/7/2018.

10
Rio de Janeiro, dezembro de 2018
Maria Silvia Camargo, jornalista e autora. Mestre
em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela
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12
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SOARES, Lucila. Rua do Ouvidor, 110. Uma história da Livraria José Olympio. Rio de
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Rio de Janeiro, outubro de 2018.

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