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Seminário
Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-
288-0061-6
Doutor pela Universidade Federal Fluminense. Professor do Instituto de História da Universidade Federal de
Uberlândia
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Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário
Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-
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(...) O olhar se desviou das regras impostas para as suas aplicações inventivas, das
condutas forçadas para as ações permitidas pelos recursos próprios de cada um: seu poder
social, seu poder econômico, seu acesso à informação. ( Chartier, 1994: 98 )
Portanto, não nos parece mais possível ignorar o papel cada vez maior que a biografia
assumiu no debate historiográfico contemporâneo e na produção propriamente dita dos
historiadores. Uma rápida olhada nas estantes das maiores livrarias do país será suficiente para
que possamos perceber a popularidade do gênero, que conta, ainda, com significativos trabalhos
produzidos por jornalistas. ( Schmidt, 1997). Concordamos inteiramente com as reflexões de
Francisca L. Nogueira de Azevedo, para quem,
Nas fendas abertas pela crise dos grandes modelos explicativos da História ao longo do
século XX, a biografia recolocou em debate a dimensão subjetiva da narrativa histórica,
procurando entender os limites e possibilidades das ações não apenas dos chamados grandes
personagens, mas também daqueles indivíduos aparentemente destituídos de interesse por si
próprios. Estes elementos indiscutivelmente positivos do return dos estudos biográficos
acompanham algumas delicadas questões para os historiadores-biógrafos. Na impossibilidade de
tratar de todas elas nos limites deste trabalho, chamaremos a atenção para duas em especial, por
acreditarmos que sintetizem os principais problemas e perspectivas encontrados por todos aqueles
que se aventuram na escrita de narrativas de vidas: as possibilidades de ação individual em meio
a estruturas ou contextos normativos e a dimensão subjetiva do exercício biográfico.
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Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário
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considerar o indivíduo como mero reflexo de estruturas sociais em relação às quais ele pouco
pode fazer ou perceber o processo histórico como resultado das ações individuais, especialmente
dos chamados grandes homens, caindo num voluntarismo exacerbado.
Alguns caminhos interessantes têm surgido de trabalhos recentes, permitindo-nos pensar
as trajetórias particulares e os contextos nos quais estas se inserem não mais como pólos
excludentes entre si, mas como uma complexa teia de relações, tensões e negociações. A micro-
história, ao concentrar-se “nas contradições dos sistemas normativos e por isso na fragmentação,
nas contradições e na pluralidade dos pontos de vista que tornam todos os sistemas fluídos e
abertos” ( Levi, 1992: 154-55 ), ilumina o sujeito concreto, dotado de margens de liberdade e, por
isso mesmo, capaz de tensionar o sistema social, de produzir nele fissuras, de construir margens,
de produzir pequenas rupturas. Para Giovanni Levi, há ainda a possibilidade de pensarmos o
contexto como uma operação cultural, de construção de sentidos e significados. Assim, trata-se
(...) de colocar uma idéia dentro dos limites prescritos pelas linguagens
disponíveis (...) Esta teoria encara o contexto como sendo ditado pela linguagem e pelos
idiomas disponíveis e utilizados por um grupo particular de pessoas em uma situação
particular para organizar, por exemplo, suas lutas de poder. ( Levi, 1992: 156 )
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É importante percebermos que esta relação marcada pela presença subjetiva do biógrafo é
característica dos trabalhos biográficos mais modernos. Nas biografias da Antiguidade,
destinadas a lembrar os vivos dos grandes feitos e exemplos dos mortos, o narrador era emissor
de juízos e de considerações – civicamente pedagógicas – sobre seu biografado. Entre os séculos
XVIII e XX, uma certa “biografia romântica” deixava inteiramente de lado o biógrafo, ciente que
estava da tarefa de ser um mero expositor dos fatos e das tramas que envolviam o indivíduo em
questão. Era, desta forma, um mero observador, uma voz calada e imparcial.
Neutralidade e objetividade já não parecem mais oferecer os caminhos seguros de
apreensão do passado. Os historiadores já não têm dificuldades em considerar a presença de
aspectos subjetivos em seu ofício. Somos marcados o tempo todo por visões de mundo e por
nossos “lugares de fala”. O produto do trabalho historiográfico inscreve-se na materialidade de
um texto que carrega o conjunto de vivências de quem o escreveu e é recebido por leitores
igualmente imersos em distintos tecidos sociais, com suas lógicas de funcionamento e
multiplicidade de experiências e representações. A biografia obrigou o historiador a repensar as
figuras de linguagem que utiliza e os recursos estilísticos que aciona. Tornou-se, portanto, “o
canal privilegiado através do qual os questionamentos e as técnicas peculiares da literatura se
transmitem à historiografia” ( Levi, 1996: 168 )
A biografia supõe “um interesse que articula, em princípio, duas vidas: a narrada e a do
narrador, aquele que se debruça e olha a vida do outro afetado por alguma forma de desejo”
(Guimarães, 2008: 19 ). O afeto e a cumplicidade não se esgotam nas relações entre o biógrafo e
seu personagem. A escrita biográfica se articula à presença de um outro, para quem se narra e que
não vivenciou as experiências e fatos narrados. Janet Malcom nos fala de uma cumplicidade entre
o biógrafo e seu leitor que só se explica por uma certa atividade excitante e proibida para ambos:
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“atravessar o corredor na ponta dos pés, parar diante da porta do quarto e espiar pelo buraco da
fechadura” ( Malcom, 1995: 17 )
Ao recompor uma trajetória individual e, conseqüentemente, dotá-la de sentido, o
historiador pode se deparar com o perigo daquilo que, em uma expressão já consagrada, Pierre
Bourdieu denominou de ilusão biográfica. O risco maior é o de assumir um conceito rígido de
identidade, partindo do pressuposto de que “a vida constitui um todo, um conjunto coerente e
orientado que pode e deve ser apreendido como expressão unitária de uma ‘intenção’ subjetiva e
objetiva, de um projeto”. ( Bourdieu, 1996: 184 ) Aqui, mais uma vez, a relação entre biógrafo e
biografado lança luzes sobre o problema levantado pelo sociólogo francês. Neste sentido, a
observação de Vavy Pacheco Borges é, simultaneamente, provocadora e reveladora:
De acordo com Richard Holmes, a biografia “pode propiciar uma espécie de espelho
ético, no qual podemos ver, com uma força súbita a nós mesmos e nossas vidas sob diferentes
ângulos” ( Holmes, 1985: 83 ) A discussão dos princípios éticos na escrita biográfica tem sido
marcada recentemente por processos judiciais referentes a possíveis violações de privacidade e de
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direitos de imagem. Que normas explícitas ou implícitas deveriam guiar a atividade do
historiador que se propõe a relatar uma vida e, para tanto, precisa tomar contato com documentos
pessoais do seu personagem, entrevistar amigos e familiares – sempre contando com a
possibilidade de tais entrevistas serem dolorosas ou mesmo desagradáveis para os entrevistados -,
enfim, “espiar pelo buraco da fechadura”? Uma advertência de Vavy Pacheco Borges nos parece
aqui um ponto de partida significativo:
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Penso particularmente em dois casos. O processo movido pelas filhas do jogador Garrincha contra o biógrafo do
pai, o jornalista Ruy Castro, alegando que não houve consulta sobre a publicação do livro e que, portanto, deveriam
receber direitos de imagem do atleta e a ação movida pelo cantor Roberto Carlos contra o jornalista Paulo César de
Araújo, seu biógrafo não autorizado, e que culminou com a retirada do livro de circulação.
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(...) para o historiador biógrafo em particular, não existem fatos importantes em si,
que precisam ser revelados “doa a quem doer”; além disso, o que lhes interessa não é o
inusitado por ele mesmo. Também sua forma de encarar a verdade é – ou deveria ser –
mais sofisticada, e tensionada, do que aquela própria do senso comum, limitada à
factualidade imediatamente apreensível. (...) Respeito pelo personagem biografado – no
sentido de compreendê-lo em sua historicidade e não como uma celebridade a ser
desnudada – e respeito pelas regras, historicamente construídas, do ofício de historiador:
tais me parecem ser os parâmetros mais importantes desta ética particular, aquela do
profissional de História que se dedica a perscrutar os caminhos e descaminhos de uma
vida. ( Schmidt, 2009: 24-25 )
Ao longo do texto, esperamos ter apresentado algumas questões de relevo para um debate
mais aprofundado a respeito dos dilemas e incertezas deste return da biografia que, por certo, não
representa a mera volta de um gênero dedicado a ilustrar vidas representativas ou enaltecer
homens e mulheres que “fizeram a História”. Acreditamos na imensa potencialidade da biografia
histórica sem duvidarmos também dos seus riscos, tensões e percalços.
Bibliografia:
AVELAR, Alexandre de Sá. A retomada da biografia histórica. Oralidades. Revista de
História Oral. n.2, jul/dez/2007, pp. 45-60.
AZEVEDO, Francisca L. Nogueira. Biografia e gênero. In: GUAZELLI, César Augusto
Barcellos et al (orgs). Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre:
Editora da UFRGS, 2000.
BORGES, Vavy Pacheco. O “eu” e o “outro” na relação biográfica: algumas reflexões.
In: NAXARA, Márcia, MARSON, Izabel e BREPOHL, Marion (orgs). Figurações do
outro. Uberlândia: EDUFU, 2009.
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta de
Moraes (orgs). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1996.
CHARTIER, Roger. A História hoje: dúvidas, desafios e propostas. Estudos Históricos.
Rio de Janeiro, n.13, v.7, 1994, pp.97-113.
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GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Prefácio: a biografia como escrita da História. In:
SOUZA, Adriana Barreto de. Duque de Caxias: o homem por trás do monumento. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
HOLMES, Richard. Footsteps: adventures of a romantic biographer. New York: Vintage
Books, 1985.
LEVI, Giovanni. Os usos da biografia. In: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta de
Moraes (orgs). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1996.
____. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter (org). A escrita da história: novas
perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992.
MALCOM, Janet. A mulher calada. Sylvia Plath, Ted Hughes e os limites da biografia.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
ROJAS, Carlos Antonio Aguirre. La biografia como género historiográfico. Algunas
reflexiones sobre sus posibilidades atuales. In: SCHIMDT, Benito B. (org). O biográfico:
perspectivas interdisciplinares. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2000.
SCHMIDT, Benito Bisso. Construindo biografias... Historiadores e Jornalistas:
aproximações e afastamentos. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n.19, 1997, pp.1-17.
____. A biografia histórica. O “retorno” do gênero e a noção de “contexto”. In:____ et al
(orgs). Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
2000.
____. Quando o historiador espia pelo buraco da fechadura: Ética e narrativa biográfica.
Conferência pronunciada no XXV Simpósio Nacional de História – “História e
Ética”. Fortaleza, 2009.
VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
ŽIŽEK, Slavoj. A visão em paralaxe. São Paulo: Boitempo, 2008.
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