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MARÍLIA LUIZA ELIANA APARECIDA SILVA

PELUSO (org) SANTOS FEITOSA (org)


Crédito: Carlos Vieira / CB / D.A Press

MARÍLIA LUIZA PELUSO

Possui graduação em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (1962),


mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (1983) e doutorado
em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1998).
Atualmente é pesquisador colaborador senior da Universidade de Brasília. Leciona na Pós-
Graduação do Departamento de Geografia/IH/UnB, com ênfase em Geografia Urbana
e Regional, atuando principalmente nos seguintes temas: Distrito Federal, educação
ambiental, cultura, meio ambiente, representações sociais e metodologia. Leciona também
no curso de Geografia a distância, no qual ministra disciplinas que envolvem os mesmos
temas.
ELIANA APARECIDA SILVA SANTOS FEITOSA

Licenciada em Geografia pela Universidade Estadual de Goiás, UEG - Formosa, (2005),


Cursou a Pós Graduação em Gestão Ambiental pela UEG ( 2018). Licenciada em Pedagogia
pelo IESA (2016), Mestre em Geografia pela Universidade de Brasília - UnB (2017) tendo
como pesquisa “Identidade e cultura: Estudo Etnogeográfico da Comunidade Tradicional
do Moinho em Alto Paraiso/GO”. Atualmente cursando a Especialização em ensino
Interdisciplinar em Infância e Direitos Humanos pela Universidade Federal de Goiás - UFG/
Catalão. Professora assistente da pós graduação em Metodologia do Ensino de Sociologia
para o Ensino Médio (UAB/UNB), onde também é tutora à distância. Professora de
Geografia - SEDF, Brasília - DF. Atualmente é doutoranda do Programa de Pós-Graduação
em Geografia pela Universidade de Brasília (PosGea-UnB).
Diálogos Contemporâneos em Geografia
1ª edição (e-book)

MARÍLIA LUIZA PELUSO


ELIANA APARECIDA SILVA SANTOS FEITOSA
(ORGs.)

Brasília-DF
Strong Edições
2018

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Diálogos Contemporâneos em Geografia

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Organização
Marília Luiza Peluso

Eliana Aparecida Silva Santos Feitosa

Projeto Gráfico
Lígia Melo dos Santos

Revisão
Marília Luiza Peluso

Daphene Feitosa

Diagramação e Edição
Elias Melo dos Santos

Fotografia
Maria Luiza Babe Lavenère

João Xavi

Aline Spezia

Denilson B. Coelho

Conselho Editorial
Antenor Ferreira Corrêa

Augusto Charan Alves Barbosa Gonçalves

Elias Melo dos Santos

José Antônio Loures Custódio

Sidelmar Alves da Silva Kunz

Lorraine Maciel Camelo Reategui

Lorena Ferreira Alves

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Diálogos Contemporâneos em Geografia

_________________________________________________________
P952d Marília Luiza Peluso, Eliana Aparecida Silva Santos Feitosa (orgs.)
Diálogos Contemporâneos em Geografia/

Marília Luiza Peluso, Eliana Aparecida Silva Santos Feitosa (org.)


Brasília: Strong Edições, 2018.
130 p.: il; 768 px x 1024 px (e-book).

ISBN 978-85-67784-05-2

1. Geografia. 2. Cultura Populacional. 3. Educação em Geografia.


I. Marília Luiza Peluso, Eliana Aparecida Silva Santos Feitosa, (orgs.)

CDD 900
CDU 91
__________________________________________________________

Strong Edições

QE 34 Conjunto A Casa 32 - Guará II
Cep 71065-012 – Brasília – DF, Brasil
Fone/celular: 61 992567777
strongedicoes@gmail.com

© 2018, os autores autorizam o copyright dos seus respectivos textos.

Publicação disponível no site:

sites.google.com/view/dialogoscontemporaneosgeo
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“O espaço deve ser considerado como uma totalidade, a exemplo
da própria sociedade que lhe dá vida. Todavia, considerá-lo
assim é uma regra de método cuja prática exige que se encontre,
paralelamente, através da análise, a possibilidade de dividi-lo em
partes. Ora, a análise é uma forma de fragmentação do todo que
permite, ao seu término, a reconstituição desse todo.”

SANTOS, MILTON. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1985.

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Sumário

APRESENTAÇÃO DOS TEXTOS E SEUS AUTORES.........................................................................................................10


Marília Luiza Peluso

ESPAÇO: CATEGORIA-CHAVE PARA ACOMPREENSÃO DA REALIDADE


CONCRETA...........................................................................................................................................................................12
Sidelmar Alves da Silva Kunz
Remi Castioni

CONTRIBUIÇÃO DA AGROPECUÁRIA PARA


O PASSIVO AMBIENTAL SEGUNDO O NOVO CÓDIGO FLORESTAL..........................................................................21
José Roberto Gonçalves de Rezende Filho
Lucas Garcia Magalhães Peres
Giuseppe Piantino Giongo
Raina Santos Ferreira

PARAÍBA POTIGUARA:
TERRITÓRIO, QUESTÕES AMBIENTAIS E ETNOMAPEAMENTO................................................................................31
Sidnei Felipe da Silva

A DINÂMICA DO TURISMO NO TERRITÓRIO


DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (APA) COSTA DOS CORAIS
(ALAGOAS – PERNAMBUCO):
perspectivas para o desenvolvimento local...........................................................................................................................44
Celso Cardoso Gomes
Fernando Luiz Araújo Sobrinho

TERRITÓRIOS NO ESPAÇO DO CERRADO: UMA ABORDAGEM CULTURAL...........................................................55


Profa. Dra. Luana Nunes Martins de Lima

ETNOGEOGRAFIA QUILOMBOLA:
A COMUNIDADE TRADICIONAL DO MOINHO EM ALTO PARAÍSO DE GOIÁS.......................................................66
Eliana Aparecida Silva Santos Feitosa
Marília Luiza Peluso

O METROPOLITANO E O REGIONAL EM BRASÍLIA:


A REGIÃO INTEGRADA DE DESENVOLVIMENTO DO DISTRITO FEDERAL
E ENTORNO (RIDE-DF) E A ÁREA METROPOLITANA DE BRASÍLIA (AMB)..............................................................79
Sergio Magno Carvalho de Souza

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A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO:
CONTRADIÇÃO E LEGITIMAÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS
PELA PARTICIPAÇÃO SOCIAL INSTITUCIONALIZADA...............................................................................................90
Rosinaldo Barbosa da Silva

A RELAÇÃO CENTRO-PERIFERIA NA
ÁREA METROPOLITANA DE BRASÍLIA:
ANÁLISE DO MOVIMENTO POPULACIONAL PENDULAR.........................................................................................103
Lourival Leal de Carvalho Junior

AS MIGRAÇÕES INTERNAS, O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO


NO DISTRITO FEDERAL E A FORMAÇÃO DE PERIFERIAS:
Um olhar sobre a cidade Estrutural.....................................................................................................................................115
Temízia Cristina Lopes Lessa
Fernando Luiz Araújo Sobrinho

PEQUENA NOTA SOBRE OS AUTORES...........................................................................................................................125

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APRESENTAÇÃO DOS TEXTOS E SEUS AUTORES

Prezados leitores,

A coleção de textos que agora apresentamos, Diálogos Contemporâneos em Geografia, é o resultado de reflexões, teorizações e pesquisas
realizadas no âmbito do curso de Pós-Graduação do Departamento de Geografia, da Universidade de Brasília. Os conhecimentos geográficos ali
desenvolvidos enfrentaram os desafios e as dificuldades das ciências, e da ciência geográfica em particular, em termos de objetos, teorias, métodos
e técnicas para compreender e explicar espacialmente a esfera–mundo.
A função histórica da Geografia como ciência é analisar e responder a questões apresentadas pelas sociedades que, por sua vez, diferem no
tempo e no espaço, enfrentam problemas diferentes e levantam, para eles, diferentes teorias e discursos. Mas, a Geografia não é uma ciência que
somente analisa e teoriza fatos e acontecimentos, mas uma ciência que analisa criticamente a diferenciação espacial e levanta questionamentos.
Assim, os conhecimentos construídos num momento do tempo são retomados em outros, mas em diferentes níveis, produzindo novos sentidos,
aprofundando-se e expandindo-se, criando temas e explicações que respondem às dinâmicas e expectativas do momento presente. Dessa maneira,
a Geografia se torna também um saber prático, que explica fenômenos e acontecimentos da realidade, torna-os compreensíveis e aplicáveis e abre
novos caminhos para a sociedade.
O desenvolvimento do capitalismo e sua constante renovação tecnológica, aliados ambos a sua necessidade de conhecimentos cada vez
mais aprofundados cientificamente para expandir o processo de produção, contribuíram para a fragmentação e especialização do conhecimento. O
século XIX concluiu o processo de divisão do trabalho intelectual e a Geografia formou um domínio de saber voltado para o estudo, a explicação e
o questionamento da esfera-mundo em dois grandes campos: as relações sociais e das relações natureza–sociedade sob o prisma da diferenciação
espacial. Entretanto, os dois campos estão inter-relacionados, pois não se pode compreender as relações sociedade/natureza sem compreender as
relações dos homens entre si mediadas pelas relações econômicas e históricas, sempre conflituosas, sempre provocadoras e a espera de reflexões e
desvendamentos.
É sob este prisma que os esforços dos autores dessa coletânea desenvolvem suas teorizações que os levaram às visões de mundo para
desvendar a realidade concreta e os temas de importância para compreender a complexidade do Brasil contemporâneo de acordo com duas linhas
de pesquisa da Pós-Graduação em Geografia: Geoprocessamento e Produção do Espaço Urbano, Rural e Regional .
Mas que ciência é essa, a Geografia, tão antiga e ao mesmo tempo tão atual? É o que vão mostrar, apresentar e discutir Kunz e Castioni no artigo que
abre a coletânea, “Espaço: categoria-chave para a compreensão da realidade concreta”. Os autores analisam as características do espaço geográfico a
partir de três questões básicas: “onde” se localizam os objetos das relações sociais, “como” se espacializam os objetos geográficos e “porque” o fazem
de acordo com condições sociais e históricas. A realidade, porém, é dinâmica. Os temas abordados pelas pesquisas geográficas são os mais diversos,
assim como as teorias que os interpretam. Resulta daí uma pluralidade paradigmática e uma multiplicidade de objetos que buscam explicar a
diferenciação espacial sem, entretanto, perder de vista as relações sociais e as relações natureza–sociedade, seus conflitos, seus condicionamentos
econômicos, seus atores e agentes.
A linguagem cartográfica permite sintetizar o “onde” e teorizar sobre o “como” e o “por que” das relações sociedade-natureza. Rezende
Filho, Peres, Giongo e Ferreira no artigo “Contribuição da agropecuária para o passivo ambiental segundo o novo Código Florestal” utilizam
o Sistema de Informação Geográfica (SIG) para visualizar dados espaciais da ocupação agropecuária recente da Amazônia Legal. Analisam os
danos ocasionados pelas principais culturas (soja, milho, cana de açúcar) e pela criação de gado bovino sobre o maior bioma brasileiro. Os dados
coletados são dispostos em mapas que permitem visualizar a progressiva ocupação territorial, os passivos ambientais gerados e o desrespeito ao
Código Florestal.
A linguagem cartográfica também permite a Silva, em “Paraíba Potiguara: território, questões ambientais e etnomapeamento” levantar os
problemas ambientais dos indígenas Potiguara na Paraíba setentrional, cuja íntima relação com a natureza se encontra ameaçada pelas usinas de
cana-de-açúcar e pela grilagem de terras. Os recursos ambientais necessários para a preservação do território e da cultura indígena foram mapeados
por técnicos da FUNAI e pela comunidade potiguara. O resultado do trabalho conjunto foram etnomapas que apresentam a destruição dos biomas
nativos e os conflitos ambientais, ao mesmo tempo em que fornecem subsídios para políticas públicas de preservação dos recursos naturais.
Gomes e Araújo Sobrinho em “A dinâmica do turismo no território da Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais (Alagoas – Pernambuco):
perspectivas para o desenvolvimento local” discutem como a chegada do turismo implica em novas relações produtivas, impacta a proteção
ambiental e reestrutura a economia regional. As políticas públicas pouco contribuem para o desenvolvimento, pois as atividades se voltam para o
atendimento da população flutuante dos territórios de turismo. Problemas sociais e ambientais se acentuam, as comunidades locais pouco usufruem
das melhorias implantadas e se articulam mal às novas dinâmicas, quando articular-se seria desejável para um verdadeiro desenvolvimento humano
e econômico.
Novos prismas das relações natureza-sociedade são trazidos pelo artigo de Lima, “Territórios no espaço do Cerrado: uma abordagem
cultural”, que analisa a estreita associação entre natureza (meio ambiente natural), cultura e pertencimento ao lugar dos grupos tradicionais que
habitam o Centro-Oeste, formando a “identidade cerradeira”. Novas condições econômicas, sociais e políticas trazidas pela globalização, com a
agricultura tecnificada, a chegada de sulistas com outra visão de mundo e a urbanização crescente, dificultam a manutenção das tradições locais
e impactam negativamente as condições ambientais do Cerrado. A modernização ocasiona reconfigurações e ressignificações do território, com
assimilação e resistência aos novos processos.
E ao final dos artigos que focam mais intensamente as relações com a natureza, Feitosa e Peluso investigam os efeitos da modernidade
sobre comunidades tradicionais quilombolas em “Etnogeografia quilombola: A Comunidade Tradicional do Moinho em Alto Paraíso de Goiás”.
Agricultura tecnificada, turismo, novos moradores e especulação imobiliária reduzem áreas de coleta de plantas do Cerrado utilizadas na medicina
tradicional, na culinária e no artesanato. As alterações afetam vida e tradições dos moradores, que se adequam ao novo e utilizam os conhecimentos

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tradicionais como estratégias de sobrevivência. Bancos de sementes crioulas e oficinas que perpetuam a manipulação ancestral das ervas são
algumas das estratégias dos moradores.
Os próximos artigos desta coletânea investigam basicamente as relações espacializadas entre atores e agentes sociais, econômicos e políticos,
seus movimentos, ações, conflitos e contradições.
A Capital Federal é o centro das atenções de Souza, que analisa o espaço mais amplo organizado pelo Distrito Federal em “O metropolitano
e o regional em Brasília: A Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE-DF) e a Área Metropolitana de Brasília
(AMB)”. A gestão das escalas regional e urbana é investigada. Mostram-se as ações contraditórias dos agentes públicos e dos atores privados nos
municípios da RIDE/DF e a formação de novas polaridades, o que fragmenta o espaço regional e dificulta ações integradas de desenvolvimento
econômico. Na escala metropolitana, a formação de uma periferia deprimida limítrofe a Brasília requer instrumentos de gestão que permitam o
desenvolvimento social.
A formação do espaço urbano desigual é abordada por da Silva em Várzea Grande/MT no artigo “A produção do espaço urbano:
Contradição e legitimação das desigualdades sociais pela participação social institucionalizada”. Investigam-se conflitos e contradições dos agentes
públicos e privados nas participações institucionalizadas dos Conselhos da Cidade e nas Audiências Públicas. Representantes governamentais e
empreendedores imobiliários defendem a ampliação do perímetro urbano e a mudança de uso do solo como forma de auferir maiores lucros. A
força desigual dos atores nas discussões ocasiona a transformação da terra rural em urbana com a implantação de infraestruturas e serviços que
afastam os menos privilegiados.
Completando os argumentos sobre a formação do espaço injusto elaborada por da Silva, Carvalho Júnior analisa as consequências da
desigualdade no Distrito Federal em “A relação centro-periferia na Área Metropolitana de Brasília: Análise do movimento populacional pendular”.
Carvalho Júnior teoriza no sentido de que espaço e sociedade são homólogos, isto é, atores sociais e atores espaciais estão inter-relacionados dialética
e complexamente como ocorre na formação da empobrecida Área Metropolitana de Brasília. As consequências para os moradores periféricos são
extenuantes viagens de ida e volta ao trabalho, concentrados na Capital Federal, num transporte coletivo precário com falta de integração de tarifas
e percursos entre o DF e Goiás.
E finalmente, encerrando a coletânea, Lessa e Araújo Sobrinho voltam-se para as migrações em direção à cidade e seu impacto na organização
intraurbana do Distrito Federal em “As migrações internas, o processo de urbanização no Distrito Federal e a formação de periferias: Um olhar
sobre a Cidade Estrutural”. Uma discussão teórica polemiza a questão da migração, a maneira como ocorre historicamente e as alterações que
provocou no espaço urbano planejado da Capital Federal. O resultado são formações habitacionais precárias como a Cidade Estrutural, constituída
junto ao grande aterro sanitário do Lixão e fonte de renda de centenas de catadores. A desativação do Lixão e a realocação dos catadores para os
galpões de reciclagem tiveram como consequência o empobrecimento da Cidade Estrutural e a redução de renda dos catadores.
Ao final da Apresentação dos dez artigos que compõem a presente coletânea deseja-se que a Geografia contribua para melhor compreensão
dos problemas contemporâneos, forneça uma leitura agradável e inspire outros artigos com outras problemáticas.

Marília Luiza Peluso

Brasília, 2018

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ESPAÇO:
CATEGORIA-CHAVE PARA A COMPREENSÃO DA REALIDADE
CONCRETA

Sidelmar Alves da Silva Kunz


Doutorando do Programa de Pós-Graduação - Faculdade de Educação – Universidade de Brasília/UnB
sidel.gea@gmail.com

Remi Castioni
Professor-Pesquisador - Faculdade de Educação – Universidade de Brasília/UnB,
kotipora@gmail.com

Resumo

Este estudo tem como objetivo discutir o espaço geográfico como ferramenta valiosa para a interpretação da realidade concreta e mecanismo de
certificação da cientificidade do discurso geográfico, com foco no conteúdo espacial e na ordem tópica. Os resultados desse estudo sinalizam que o
repertório de conhecimentos espaciais contribui para explicar a realidade permeada por contradições sociais e conflitos, podendo ser captada por
sua expressão espaço-temporal. Pontua-se ainda que o espaço é produto social e deve ser interpretado em suas inter-relações e mediações. Assim
sendo, o conhecimento espacial possibilita melhor posicionamento em termos de apropriação dos instrumentos para a intervenção na realidade e
edificar um futuro melhor com foco nos interesses e necessidades da maioria da população. Palavras – chave: espaço geográfico; realidade concreta;
discurso geográfico; ordem tópica.

Palavras-chave: Geografia; Espaço; Compreensão da Realidade.

INTRODUÇÃO
O espaço é a categoria geográfica que se expressa como valiosa ferramenta de interpretação da realidade e figura, na atualidade, como
elemento substantivo de garantia da cientificidade do discurso dessa ciência (OLIVA, 2001), assim como de sua relação com os demais campos
científicos. Compreende-se o espaço como um componente social, haja vista que “[...] o espaço é construído pela sociedade para seu funcionamento”
(OLIVA, 2001, p. 28) e nesse sentido faz parte dela, portanto, trata-se de uma dimensão do social.
À medida que se alteram os conteúdos no espaço se viabilizam, ou propiciam, a constituição de novas relações. A respeito dessa centralidade
do espaço, Oliva (2001, p. 30) esclarece que: “[...] não se pode considerar o espaço como existente e sim como uma espacialidade que é constitutiva
da matéria que, por sua vez, é base da realidade concreta”.
Nesse sentido, a matéria será apresentada, na sequência, como a base da realidade concreta, de forma que figura como fundamental para a
apreensão de um determinado conteúdo. Assim, é preciso o reconhecimento da sua existência, pois a forma em que a matéria adquire é, em si, o
conteúdo em pensamento (MARTINS, 2009) e, por conseguinte, em virtude das práticas sociais serem estruturadas em um fundamento geográfico,
a geografia potencializa a apreensão do conteúdo da realidade. Em linhas gerais, serão coadunados sistemas de compreensão e aportes teórico-
metodológicos com vistas à percepção do diferencial da complexidade espacial.

FENÔMENO, LOCALIZAÇÃO E ORDEM TÓPICA


É fundamental a identificação do conteúdo que está implicado no espaço e com isso conseguir produzir explicações para os contextos
históricos e culturais por meio do fundamento geográfico estabelecido por intermédio da relação sociedade-espaço. Para Martins (2009, p. 17):
“quando a relação ocorre, uma determinação fundamental da existência ganha sentido em ato e potência”. No ângulo de visão desse autor, a
determinação é explicitada por meio da pergunta “onde?”.
Nota-se que quando se faz essa pergunta internamente se assume que a localização das coisas não se dá de modo aleatório, mas guarda
marcas dos motivos pelos quais condiciona a posição assumida. No que tange a essa questão, Martins (2009, p. 17), considerando o horizonte dos
princípios lógicos da geografia, pontua o seguinte:

E quando algo se localiza, o faz em relação a outros e, nisto, a localização nos remete à distribuição. E nesta uns em relação aos outros estarão mais ou
menos distanciados, eis a noção de distância. E distâncias que variando, nos permitem falar em densidade que, sendo mais ou menos intensa, significa
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ESPAÇO: CATEGORIA-CHAVE PARA ACOMPREENSÃO DA REALIDADE

maior ou menor número de elementos em relação, e a possibilidade de um conjunto desses se relacionar com outro, pode nos remeter à noção de escala.
Eis os princípios cuja síntese estabelece o geográfico: Localização, Distribuição, Distância, Densidade, Escala. Em outras palavras, podemos afirmar que
é por meio da síntese destes, que o geográfico se estabelece.

Como se percebe a partir da apreciação dessa citação, saber o “onde” é crucial para que se adquira consciência geográfica que é na verdade
a compreensão das determinações da existência, haja vista que o “onde” se dá em um dado momento. Essa visão coaduna-se com o entendimento
de que a sociedade ao se apropriar da natureza a transforma imprimindo obediências no campo da objetividade que culmina em uma ordenação
lógica a qual pode ser expressa pela dimensão espacial insculpida no processo de totalização, consubstanciado na instância da existência.
É indiscutível que a localização é substancial para a construção das noções espaciais e que com base nessa compreensão é possível construir
referenciais que permitam pensar o porquê das configurações que são possíveis de serem captadas por meio da linguagem geográfica. Essa linguagem
possibilita revelar o que não está aparente, mas que de fato interfere na realidade.
Há um vínculo indiscutível entre a organização do espaço geográfico e o desenrolar da vida em sociedade. Isso se dá devido ao fato de que
o viver, o trabalhar ocorre em ambientes específicos e que a sua mudança altera também o modo pelo qual as relações sociais se dão; ao mesmo
tempo o espaço é base, meio e consequência. Evidentemente, o espaço não é um receptáculo, um está lá, um reduto, mas é uma dimensão do social
e, portanto, cumpre um papel social de dimensão espacial como aspecto-chave para descortinar os mecanismos da sociedade contemporânea.
Na perspectiva lefebvreana, essa dimensão da sociedade se articula e é transversal a todas as outras. Com base em Jacques Levy, Oliva (2001, p. 37)
defende que o espaço geográfico ocupa posição de destaque por ser “[...] o centro dos acontecimentos das sociedades modernas, além de reafirmar
a potencialidade e a legitimidade cognitiva do seu ponto de vista para a compreensão da totalidade da sociedade”.
As relações sociais são recriadas ou reproduzidas na materialidade do espaço. Diante disso, o “[...] espaço tem a propriedade de ser
materializado por um processo social específico que reage a si mesmo e a esse processo” (OLIVA, 2001, p. 38), concomitantemente, “[...] objeto
material ou produto, o meio das relações sociais e o reprodutor de objetos materiais e relações sociais” (OLIVA, 2001, p. 38). Assim, o espaço
alcança todas as instâncias da sociedade, haja vista que o real por meio de seus elementos é captado pela ideia de espaço geográfico. Entretanto, não
se trata de uma realidade independente, mas de um atributo da realidade passível de ser espacializada.
Nesse cenário interpretativo, o fato de que os homens são espaciais tornam o espaço necessariamente humano por ser um componente
precípuo do ser-no-mundo. Oliva (2001, p. 45) assinala que “O ser é espacial porque o seu ser-no-mundo implica relações com coisas e com pessoas
e tudo isso é dominado pelas distâncias que se criam e se recriam, a partir da própria ação humana”. O espaço ocupa posição de destaque na tradição
do pensamento geográfico, assim como na geografia como disciplina, e é o elemento que garante a especificidade no que tange a construção de
conhecimento nesse campo.
As elaborações teóricas formuladas ao longo da tradição disciplinar são o que sustenta a afirmação de que o geógrafo produz um discurso
científico e alicerça a compreensão de que fazer geografia tem um papel social e contribui para a edificação do conhecimento em geral. As proposições
de Lacoste (2009) serviram de alerta para a produção científica geográfica no sentido da necessidade de se contornarem as fragilidades conceituais
com vistas a fortalecer uma ciência com maior preocupação ética e social, posicionando-se frente aos interesses dos distintos grupos da sociedade.
Santos (2008b) defende que o discurso geográfico é construído tendo como ponto de partida a “[...] necessária qualificação das coisas do mundo
numa associação direta entre seus usos e suas localizações” (SANTOS, 2008b, p. 35). Além disso, sustenta que o “[...] reconhecimento da ordem
tópica exige a associação entre a forma e o significado de cada objeto” (SANTOS, 2008b, p. 35). Cabe lembrar que o espaço como categoria por
excelência da geografia remete à ordem tópica associada à organização espacial da sociedade e suas condicionantes. Essa ordem relaciona-se a
leitura cientificizada que o geógrafo faz do mundo, das coisas para abordar a realidade por meio de melhor compreensão dos fenômenos.
Em conformidade com o entendimento de Santos (2008a) é possível captar a ordenação tópica de cada fenômeno. Entende-se por ordem
tópica, a ordem espacial. A linguagem dessa ordem é a linguagem cartográfica da geografia que contém em si o tratamento por meio de símbolos
que resultam em síntese própria. Para esse autor, “não há fenômeno que não possua uma dimensão espacial (e, portanto, uma ordem tópica)”
(SANTOS, 2008a, p. 54)
A ordem tópica é vista como elemento de identidade e pertencimento, já que o conhecimento não é uma revelação e se fortalece a partir
da fusão entre sujeito e objeto que se dá no processo de apropriação de experiências. Ressalta-se a importância de se desvendar a ordem tópica do
fenômeno porque há um jogo de determinações nessa ordem do fenômeno. A esse respeito é relevante apresentar a compreensão de Santos (2008b,
p. 36):

Visto sob este ângulo, o sujeito se carrega de materialidade, isto é, de contradições, desvios, problemas, descobertas, superações, redescobertas, novas
contradições e assim por diante. Ainda, e sob o mesmo ângulo de observação, o objeto só se coloca como tal porque é objeto de um sujeito e, portanto,
ao se apresentar em toda a sua clareza esconde (num falso paradoxo) todas as possibilidades ainda não vividas com o sujeito. Assim, o objeto pode ou
não possuir existência objetiva (nada impede que o objeto de um sujeito seja alguma expressão metafísica de seu próprio pensar), mas o conhecimento
será, sempre, o que está sendo sistematizado pelo sujeito de sua relação com o próprio objeto.

A pluralidade paradigmática da geografia é resultante da multiplicidade de correntes que surgiram em distintos momentos históricos,
porém a atual ciência geográfica possui uma unidade como ciência que é a busca da compreensão do espaço geográfico. Desde o mundo grego,
nos primórdios da atividade geográfica, a realidade requer situar e localizar fenômenos, coisas e lugares. Demanda que se relacione a elaboração de
respostas às perguntas onde? e como? (MARTIN, 2005). Em sintonia com essa discussão é asseverado por Amorim Filho (1982, p. 06) que:

A localização e a distribuição dos homens, a localização e a distribuição das coisas e fenômenos que interessam aos homens são e serão preocupações
permanentes da humanidade. E são, justamente, problemas dessa natureza que estão na origem e na base da atividade geográfica.

Para além das correntes de pensamento, nota-se que os princípios lógicos da geografia a nortearam durante toda a sua trajetória e impactam
até hoje; inclusive, foram sendo incorporados novos princípios que compõem a tradição geográfica. Em conformidade com a visão de Varajão e
Diniz (2014), Varenius (1622-1650) esboçou alguns dos princípios que posteriormente foram assimilados pela escola francesa como, por exemplo, os
princípios da unidade terrestre, da geografia geral e, sobretudo, da conexão é uma demonstração do poder de unidade que os princípios convertem
para a ciência geográfica, sufocando os conflitos entre os paradigmas e contribuem para a atual pluralidade dessa ciência.
A geografia é um campo heterotópico que se fundamenta em princípios lógicos, os quais estruturam uma visão geográfica de mundo. Em

SIDELMAR ALVES DA SILVA KUNZ - REMI CASTIONI


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ESPAÇO: CATEGORIA-CHAVE PARA ACOMPREENSÃO DA REALIDADE

meio a uma pluralidade de abordagens, a unidade da geografia se dá em razão dos seus princípios orientadores que tem sido desenvolvidos desde
sua organização inicial. Claval (2006) defende que a geografia, numa perspectiva espacial, objetiva demonstrar a complexidade das relações e das
influências responsáveis pelas realidades observadas. Nessa mesma esteira de ideias, Varajão e Diniz (2014, p. 107) se posicionam no sentido de
que o “[...] geógrafo, diante da pluralidade paradigmática sem precedentes, não pode perder de vista os objetivos básicos da Geografia que estão
relacionados à localização”.
De acordo com a compreensão de Lima (2013), o alentado livro A natureza do espaço, de Milton Santos, faz uso de um arsenal de categorias
filosóficas em que o sujeito se encontra implicado em seus postulados. Na perspectiva de análise desse autor, Milton Santos conseguiu elevar o
estatuto científico geográfico para além das fronteiras positivistas e, inclusive, seu nome é referência em várias outras áreas de conhecimento
quando se trata de geografia. O horizonte objetivo em geografia e a preocupação de Santos com o estatuto científico dessa disciplina fez com que se
tornasse leitura obrigatória quando o assunto é objeto da geografia.
Dito isso, é relevante apontar qual a compreensão de espaço para Milton Santos. Na ótica miltoniana, o espaço geográfico é um meio que
ao mesmo tempo é produto social e condicionante da produção social, só podendo ser compreendido no seio dessas relações. Como se percebe, é
uma combinação complexa e dinâmica que culmina no fato de que as determinações que podem orientar a ação são impostas pela configuração
espacial. Não se deve esquecer de que a própria ação é dotada de combinações complexas e dinâmicas (LIMA, 2013).
Assim, é conferido ao espaço o atributo de objeto geográfico por excelência. É importante ressalvar que de acordo com Corrêa (2009),
trabalhos quantitativistas de inspiração filosófica neopositivista, como é o caso dos elaborados pelos teoréticos Schaefer, Bunge, Ullman e Watson já
apresentavam o espaço com o atributo de objeto geográfico. Porém, o status epistemológico, “isto é, de crítica acerca de seus próprios fundamentos
teórico-conceituais e metodológicos” (LIMA, 2013, p. 2), só foi conquistado a partir do esforço por aprofundamento reflexivo conduzido pelo
movimento de renovação crítica, de inspiração marxista, ocorrido na década de 1970. Nesse cenário, nos trabalhos de geógrafos preocupados com
as questões de relevância social é imprescindível contemplar as relações e os processos, já que o espaço é visto como um sistema de relações em que
o sujeito está implicado e se apresenta sob múltiplos matizes.
Ainda de acordo com esse autor (LIMA, 2013), o sujeito está implicado na concepção de espaço miltoniana porque o homem é figura
marcante no pensamento desse autor, que defende uma teoria espacial da ação em que reconhece o papel transformador do homem na reprodução
do espaço. Santos (1996) em ponderação sobre o sujeito assevera que “A ação é o próprio homem” (SANTOS, 1996, p. 67) e em outro momento
afirma que “[...] não há evento sem sujeito” (SANTOS, 1996, p. 117).

Figura 1: Espaço em Milton Santos

Fonte: Elaboração de Kunz e Castioni, a partir de Santos (1996).

Tendo em vista que a realidade se produz e reproduz na articulação do poder e as tramas do saber (PEREIRA, 2010), a ciência geográfica
tem como propósito maior compreender o espaço geográfico, e como esse espaço refere-se ao universo ao qual o homem pertence, ou numa
abordagem epistemológica contemporânea: a realidade vivida por uma determinada sociedade constituída histórica, cultural e socialmente.

PERCURSO DA GEOGRAFIA, POTENCIALIDADE EXPLICATIVA E O ESPAÇO COMO


EXPRESSÃO DA SOCIEDADE
O pensamento geográfico (de acordo com o entendimento de Vitte (2007 e 2011), o termo é mais que um adjetivo; trata-se, em essência, de
uma possibilidade de investigação) ao longo de seu percurso científico buscou oferecer explicações sobre as relações entre homem e meio físico,
homem e homem, sociedade e espaço; em todas essas relações a dimensão do social está presente porque se constitui como inerente à condição
humana. O foco de justificativa para a edificação da investigação geográfica tem como sustentação a compreensão da dimensão social do mundo.
Isso se dá de tal forma que os cultores da geografia defendem essa posição em razão do seu objeto, o espaço geográfico: espaço do homem, agente
de modificação da superfície terrestre, logo, social.
A geografia brasileira desde o início do século passado tem demonstrado que é capaz de pensar o Brasil com uma inteligência própria, por
mais que se tenham considerações críticas a se fazer ao conhecimento geográfico até os anos 1980. O olhar geográfico para alcance do plano social
demonstra quão necessário é a leitura espacial para entender o cotidiano, as vivências. Vlach (2010, p. 47) enfatiza “o papel do ensino de geografia
no esforço para a realização da cidadania plena no tecido social brasileiro”, lembrando-se que esse processo político é indissociável da constituição
e consolidação do Estado-nação, cujo impulso se dá pela clareza sobre a necessidade de criação de uma visão nacional acima dos regionalismos. A
leitura nesse sentido vislumbra na dimensão territorial o grande diferencial para a sustentação da perspectiva nacional pautada na valorização da
escala local, pois não é possível alcançar o nacional sem colocar em pauta o plano local.
As ideologias geográficas produzidas por meio da ciência geográfica são instrumentos de construção do imaginário. Cabe aqui mencionar

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o imaginário social brasileiro depositado na primazia do território por meio de uma concepção geográfica elitista que vê o território como “[...] o
sujeito do processo de formação do Estado-nação por parte de lideranças políticas, econômicas, intelectuais e oficiais militares” (VLACH, 2010, p.
55). Com essa exemplificação nota-se o papel ímpar exercido pela geografia no imaginário social, justificando posições e fortalecendo projetos de
civilização ou modernização a partir da ideia de território representado pelas elites dirigentes e intelectuais com marcas simbólicas singulares.
No contexto das estruturas científicas que legitimaram o paradigma de interpretação da geografia, a corrente de pensamento que mais se
aproxima em termos de identificação do social como alicerce do fazer geográfico é o paradigma crítico: aborda as desigualdades socioespaciais
numa perspectiva emancipatória que visa romper a separação entre teorias geográficas e as práticas da geografia. Antes da discussão do lugar do
social no horizonte dos geógrafos que pretendem produzir uma geografia de relevância social, na sequência será apresentada reflexão a respeito do
espaço social.

O LUGAR DO SOCIAL NO ESPAÇO


A Geografia, ao trabalhar o social, faz uso do espaço como trunfo crucial, porque ele apresenta-se como forma, repercute os processos e
significados das dimensões e ações realizadas no cenário de transformações das relações entre os homens. O espaço geográfico possui diversas
dimensões, todavia a mais relevante é a social em virtude de possuir relação direta com a dignidade e a solidariedade humana. Lembra-se que
solidariedade refere-se à proteção mútua entre os indivíduos em que o bem do outro é um requisito para o próprio bem e, consequentemente, da
sociedade como um todo.
A reflexão aqui em desenvolvimento sustenta que devido ao fato de que o social é o núcleo principal das considerações teóricas, as outras
dimensões acabam sendo permeadas por essa dimensão que, em linha final, retorna enquanto parte integrante e fonte de inter-relações com as
demais. Isso porque, sob o ponto de vista desse trabalho, o movimento é um diálogo com o objetivo maior do debate geográfico – contribuir para
a melhoria das condições de vida da população por meio da colaboração para o entendimento da relação sociedade-natureza.
O conjunto de elementos que promovem a modificação da realidade são espacializados como expressão concreta da ação de produção e reprodução
do espaço. As ações na realidade têm seus significados dimensionados e o sujeito, ao dominar conhecimentos dos processos espaciais em que está
envolvido, constrói sua própria existência.
Para pensar o social é importante também contextualizar o papel da geografia enquanto ciência em uma sociedade em intensas transformações
tecnológicas e de mentalidade, cujas relações pressupõem rupturas com o presente e a necessidade de construir o futuro, de modo a perceber
na política oportunidades para estabelecer novas realidades socioespaciais. É um tempo de elementos novos e ricos em possibilidades que se
potencializam com o enfoque no social, consciente de que não há neutralidade nas ações e que o pensamento crítico figura-se como peça-chave na
organização transformadora. Santos (1988, p. 46) assevera que o tempo atual é “[...] síncrone com muita coisa que está além ou aquém dele, mas
descompassado em relação a tudo o que o habita”, ou seja, um período de transição.
Essa transição é reflexa do movimento da construção de um estatuto epistemológico próprio para as ciências humanas em face da concepção
da ciência moderna assentada em leis de causa formal com forte privilégio para o como funciona das coisas em detrimento das finalidades das
coisas. Esse horizonte cognitivo no plano social adéqua-se ao interesse de autores alicerçados na noção de evolução da humanidade proclamadora
de leis simples que reduzem uma plêiade de complexidades cósmicas em uma “[...] racionalidade hegemônica que a pouco e pouco transbordou do
estudo da natureza para o estudo da sociedade.” (SANTOS, 1988, p. 51)
Nesse sentido é imprescindível o debate acerca da condição da ciência geográfica em vista da confecção de um referencial que atenda à
reflexão do social. A geografia nessa perspectiva deve considerar que os fenômenos não são sujeitos a leis universais e sim a condicionamentos de
espaço e tempo que determinam as relações sociais. Além disso, a produção de previsões deve ser vista com bastante cautela porque o ser humano,
à medida que lida com os novos conhecimentos em permanente construção, modifica suas ações e com isso dá novos formatos para as articulações
estruturadas anteriormente.
Outra questão diz respeito à natureza subjetiva do fenômeno social (ação humana) que implica na necessidade de se consolidar estratégias ou
elaborar empreendimentos científicos distintos da ciência natural. Desse modo faz-se relevante apontar como caminho a busca de um conhecimento
geográfico “[...] intersubjetivo, descritivo e compreensivo, em vez de um conhecimento objetivo, explicativo e nomotético.” (SANTOS, 1988, p. 53).
Cabe acentuar que Milton Santos é um dos principais nomes da geografia brasileira e internacional que faz uma crítica da Nova Geografia (corrente
geográfica com seguidores até os dias atuais). Veja-se que:

A fronteira que então se estabelece entre o estudo do ser humano e o estudo da natureza não deixa de ser prisioneira do reconhecimento da prioridade
cognitiva das ciências naturais, pois, se, por um lado, se recusam os condicionantes biológicos do comportamento humano, pelo outro usam-se
argumentos biológicos para fixar a especificidade do ser humano. (SANTOS, 1988, p. 54)

A geografia, assim como as demais ciências, vive uma revolução científica iniciada com a mecânica quântica que condiciona as leis da física
às probabilidades e coloca em cheque o rigor matemático enquanto fundamento. A crise retratada diz respeito ao esfacelamento do paradigma
newtoniano diante dos avanços no campo da microfísica, da química e da biologia ocorridos nas últimas décadas. O tempo presente é um tempo de
profunda reflexão epistemológica por diversos segmentos, inclusive, pelos cientistas que tem se interessado cada vez mais pelos debates filosóficos
atinentes às suas práticas científicas. Embora se reconheça isso, cabe mencionar que a ciência tem passado por um fenômeno de industrialização,
no sentido da proletarização e das relações de trabalho com características aproximadas à lógica industrial, no qual,

[...] a comunidade científica estratificou-se, as relações de poder entre cientistas tornaram-se mais autoritárias e desiguais e a esmagadora maioria dos
cientistas foi submetida a um processo de proletarização no interior dos laboratórios e dos centros de investigação. (SANTOS, 1988, p. 59)

Nesse contexto de crise, é preciso desconstruir a cisão entre o científico-natural e o científico-social vislumbrando uma leitura holística e
processual do fazer científico na geografia. Essa separação tem perdido seu sentido na contemporaneidade, haja vista que se trata de uma distinção
assentada na “[...] concepção mecanicista da matéria e da natureza a que contrapõe, com pressuposta evidência, os conceitos de ser humano, cultura
e sociedade” (SANTOS, 1988, p. 60). Esse autor faz uma alerta relevante no qual afirma que:

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[...] sempre houve ciências que se reconheceram mal nestas distinções e tanto que se tiveram de fraturar internamente para se lhes adequarem
minimamente. Refiro-me à antropologia, à geografia e também à psicologia. Condensaram-se nelas privilegiadamente as contradições da separação
ciências naturais/ ciências sociais. Daí que, num período de transição entre paradigmas, seja particularmente importante, observar o que se passa nessas
ciências. (SANTOS, 1988, p. 59.)

O conteúdo da superação de tal distinção é a oportunidade de promover uma ciência geográfica mais capaz dotada de instrumentos coerentes
e articulações que aprimorem o raciocínio geográfico de modo a configurar novas abordagens com validade para uma melhor compreensão do
espaço geográfico, o qual se constitui enquanto espaço social. Dessa forma, é preciso estar mais preso ao futuro que pode ser desenhado do que à
força exercida pelo passado de um paradigma dominante, e assim, erguer uma nova ordem científica em que o sujeito lançado à diáspora consegue
seu regresso. Na visão de Santos (1988, p. 71) é preciso mudar de postura porque nessa fase de transição “Duvidamos suficientemente do passado
para imaginarmos o futuro, mas vivemos demasiadamente o presente para podermos realizar nele o futuro”.
O conhecimento nesse cenário apresenta-se como total, em que o total é interescalar com o local, pois ao mesmo tempo em que é total,
também é local. Nessa perspectiva tem-se a movimentação no sentido de estruturar novas direções metodológicas, mais plurais com transgressões
metodológicas acarretando maior personalidade do trabalho científico de forma a poder ver o pesquisador no trabalho realizado.
Novas realidades foram conquistadas por meio de pressões dos “de baixo” para com os “de cima” em busca da cidadania. A cidadania é entendida
nessa discussão nos marcos da compreensão de Gadotti (2001, p. 5): “[...] é essencialmente consciência de direitos e deveres e exercício da
democracia.” Nesse tom não há que se falar em cidadania sem reportá-la à democracia, pois uma se projeta na outra tendo como fundamentos o
esforço contínuo, solidário e paciente para a consolidação dos direitos civis, sociais e políticos.
De acordo com Gadotti (2001, p. 9), “A cidadania precisa controlar o Estado e o mercado, verdadeira alternativa ao capitalismo neoliberal
e ao socialismo burocrático e autoritário”. Nesse sentido, o olhar interpretativo dos cenários com enfoque no social permite expandir a capacidade
de alterar a condição em que o Brasil está e buscar construir outro país, e, consequentemente, outra sociedade.
Souza (2006) discute o cotidiano social em espaços cariocas favelados demonstrando que a dimensão social é por excelência o que fundamenta
a necessidade de se fazer geografia para tornar a vida das pessoas, em determinados momentos de sociedade, mais viável. A partir desse autor, as
múltiplas realidades constituem-se em fronteiras conceituais capazes de tornar fluidos determinados posicionamentos ou entendimentos conforme
o contexto no qual se veem as condições de realização da vida em sociedade.
É bom esclarecer que essa leitura do espaço não envereda para uma conotação determinista usualmente apregoada aos pensadores da
escola alemã da geografia em seu estádio “clássico”. O entendimento é no sentido de que o espaço é necessariamente social porque é produzido pela
sociedade e exerce papel de condicionante para a própria sociedade que o produz, isso de diferentes maneiras. Os modos de condicionamentos são
traduzidos pelas,

[...] formas espaciais, em seu sentido material (formas de substrato espacial), permitem e facilitam muitas coisas, mas também restringem e dificultam
outras tantas coisas (e modificar essas formas tem um custo, econômico assim como, muitas vezes, político); as relações de poder estabelecem fronteiras
e divisas, esferas de influência e muros e cercas visíveis ou invisíveis, os quais incluem uns e excluem outros, assim limitando a mobilidade e o acesso
a benefícios; os signos e símbolos inscritos nas formas espaciais transmitem idéias e sentimentos, positivos relativamente à inclusão ou à exclusão
(segregação, estigmatização) de certos grupos por parte de outros. (SOUZA 2006, p. 28-29)

É importante deixar claro mais uma vez de que o espaço é a expressão da sociedade. E, em razão disso, é contraditório tanto quanto ela, ao
tempo que representa, independente de sua organização e contexto, requisito para que as relações sociais floresçam e prosperem (SOUZA, 2006). A
exploração desse veio rico em discussões e reflexões leva ao entendimento de que para a mudança socioespacial é preciso ter no horizonte a relação
entre a utopia e o pragmatismo um fundamento da leitura espacial que estabelece a fusão entre concreção e abstração.
Essa conjugação cimenta um terreno no sentido de que as técnicas e instrumentos por si só não são suficientes para a garantia da qualidade de
vida ou justiça sob o ponto de vista social. As expectativas não podem ser depositadas somente em leis, planos e técnicas. É preciso análise profunda
da dinâmica da sociedade e sua produção do espaço. Pensar nessa linha reconhece no seio social a capacidade de construir novas possibilidades
e alternativas e retira a ideia de que a solução para os problemas devem partir de pessoas iluminadas que ocupam lugares privilegiados. Assim,
o poder de decidir é compartilhado e tem maior densidade para alcançar resultados satisfatórios para a maioria da população e nega a visão
reducionista de política atrelada ao sufrágio de nomes em período eleitoral.
É importante nesse sentido compreender que a neutralidade é uma construção vazia e despropositada já que no realizar da vida o que se
tem é um ambiente em que se condensam relações de forças entre classes e frações de classe que podem resultar em ratificação de desigualdades do
próprio sistema nos marcos das sociedades capitalistas. Todavia, em essência é viável a edificação de significados que não neguem os valores de “[...]
grupos oprimidos devido à sua etnia, ao seu gênero etc., demograficamente minoritários ou não, abafando-se e marginalizando-se a sua alteridade.”
(SOUZA, 2006, p. 50).

PENSAR O ESPAÇO E O FUTURO COMO CONSTRUÇÃO


A valorização espacial tem contribuído para a reflexão sobre a produção de alternativas ao modelo de exploração que degrada as relações
sociais e, por conseguinte, tem destruído as capacidades psicológica e material de estabelecer finalidade para a existência individual em condições
de igualdade diante dos outros indivíduos pertencentes à mesma sociedade.
A garantia de igualdade efetiva precisa de instituições sociais de fato e da participação em processos decisórios por parte dos coletivos.
O espaço social deve receber tratamento a altura de sua importância porque se constitui como instância política. Nesse sentido, Massey (2012)
concebe o espaço como marcado pela multiplicidade defronte aos discursos da homogeneização e da padronização generalizadas. Essa ideia de
multiplicidade colabora para manter acesa a chama da esperança tendo em vista a edificação de lugares de encontro e de convívio. Assinala-se,
desse modo, que se faz necessário romper com a dicotomia entre ciência e política bem como entre teoria e prática. Nessa teia de ideias, a teoria se
constrói da vida fazendo com que o debate teórico possa ser ilustrado com alusões empíricas que não podem desprezar o prazer de viver.
Massey (2012) defende que é de extrema importância o modo como se pensa o espaço, pois essa dimensão implícita é capaz de moldar
“[...] as nossas cosmologias estruturantes” (MASSEY, 2012, p. 15). Dessa forma, exerce influência na maneira como o homem constrói os seus

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entendimentos sobre o mundo com efeitos diretos nas atitudes e na política. O espaço é a dimensão do social e, enquanto tal, o significado
cosmológico e histórico deve ser levado em consideração, pois as “[...] coincidências de eventos formam as estruturas do tempo-espaço” (MASSEY,
2012, p. 21).
Massey (2012) apresenta um exemplo que ilustra bem essa reflexão: é o caso do explorador Cortés para quem, no imaginário das supostas
viagens de descoberta, o espaço era visto como uma extensão sobre a qual viajamos, na qual atravessamos para realizar conquistas. Pensar o espaço
assim, na visão desta autora, implica efeitos específicos que estão firmados de modo implícito, haja vista que o espaço passa a ser algo estendido,
uma mera superfície, elemento dado; no entanto, essa cosmologia tem efeitos incalculáveis.
A maneira como se pensa o espaço pode exercer o papel de negar o sujeito por meio dos efeitos sociais e políticos criados pela ideologia
do poder. É um exercício ou manobra, no caso de Tenochtitlán, que visa conceber “[...] outros lugares, povos, culturas, simplesmente como um
fenômeno ‘sobre’ essa superfície” (MASSEY, 2012, p. 23), e é um meio de desprover o outro de história. Uma alternativa para essa barbaridade seria
a compreensão de um espaço que seja o encontro de histórias.
A naturalização da esfera social, com vistas a estruturar uma ideia de impossibilidade de resistência é um dos movimentos de engessamento
da construção de alternativas, conforme a perspectiva apontada por Massey (2012). A simulação de descrição do mundo como ele é, todavia, é
de fato “[...] uma imagem através da qual o mundo está sendo feito [...]” (MASSEY, 2012, p. 24), não passando de manobras com a finalidade de
instaurar a visão de inevitabilidade de certas forças como é o caso da globalização e seus efeitos.
Neste contexto, a conceituação de espaço e tempo aparece como fundante dessa proposição já que nas articulações se “[...] transforma a
geografia em história, o espaço em tempo” (MASSEY, 2012, p. 24), fato que, por exemplo, implica pensar que países como Moçambique e Nicarágua
não possuem suas próprias trajetórias (histórias e potenciais próprios) e, por conseguinte, terem futuros próprios.
A ideia é construir um padrão em que os demais só estão em um dado estágio e que é possível prever o futuro, como sendo o de acompanhar
a lógica dada. Essa perspectiva conduz a cosmologia de uma única narrativa possível de se fazer da história, uma história homogênea e de tempo
único. Tal compreensão nega de base o espaço enquanto multiplicidade de trajetórias.
O pensamento dessa geógrafa sobre o espaço foi construído em sua prática política no “[...] contexto pernicioso dos localismos exclusivistas
e das desigualdades sombrias da atual forma hegemônica de globalização [...]” (MASSEY, 2012, p. 26). O seu esforço é de descortinar os modos de
conceber o espaço diante dos desafios impostos à realidade por meio da espacialidade inerente ao mundo.
A abordagem apresentada que sustenta uma perspectiva espacial alternativa se estrutura no entendimento do espaço pautado em três proposições,
como se pode verificar na figura a seguir.

Figura 2: Espaço em Doreen Massey

Fonte: Elaboração Kunz e Castioni, partir de Massey (2012).

Esclarece-se que o espaço visto como produto de inter-relações ratifica um entendimento relacional do mundo. Ao passo que, como
possibilidade da existência da multiplicidade em razão das distintas trajetórias coexistentes num cenário de heterogeneidades, afirma-se o
reconhecimento da espacialidade imbricada com a multiplicidade e a heterogeneidade de características distintas. E, por fim, como ideia de
construção, expressa que a maneira como se pensa espacialmente pode perturbar o modo de formulação das ideias sobre o mundo e as questões
políticas.
Por seu turno, ressalta-se que essa construção leva em consideração as aberturas para a construção de uma esfera genuinamente política
– implica, dessa forma, nunca pensar o espaço de forma fechada, ou seja, sempre trabalhá-lo dentro de um discurso político a fim de construir
aberturas do futuro (MASSEY, 2012).
Sob essa visão, a sociedade defronta-se com um desafio espacial em que se percebe as implicações políticas das maneiras diferenciadas de
praticá-lo, e na construção de uma paisagem política mais desafiadora é preciso visualizá-lo enquanto ideias de heterogeneidade, de relacionalidade
e de vida.
A partir desse percurso reflexivo, evidencia-se que Massey (2012) apresenta uma proposta de pensar o espaço como meio de intervenção na
realidade e para concebê-lo como instrumento de ação busca realizar um esforço teórico que permita construir ilações capazes de servir de apoio
para aqueles que estão empenhados em fortalecer movimentos sociais de afirmação dos lugares, das identidades, construir alternativas, projetar
o futuro. Enfim, batalhar em busca de uma ação revolucionária tendo como ênfase as particularidades e as potencialidades de se pensar o espaço
numa relação intrínseca com o tempo – de modo indissociável –, garantindo a condição de sujeito.
A importância de pensar o espaço de modo ativo é realçada e chama a atenção para o fato de que certas associações não são promissoras
porque reduzem a característica do espaço enquanto desafio. Conceber o espaço como oposição negativa ao tempo faz com que o espaço não seja
visto como um objetivo, fato em que se perde qualidade do debate e desconstitui a dimensão social da reflexão. Esse limite deve ser superado porque
não se deve pensar em espaço dissociado de tempo, porque a imaginação do espaço tem reflexo na imaginação do tempo e, dessa forma, torna
nítido que um implica no outro. Pensar o tempo separado do espaço tem implicações políticas e na forma como se pensa o espacial.
O espaço deve ser pensado tendo como perspectiva a construção do futuro. Um futuro aberto, que está aí para ser feito, genuinamente com
possibilidades de criação. As conceituações de espaço e de tempo não podem desprezar o fato de que um constitui, integra e implica no outro e,
de tal forma, para conceber o tempo enquanto aberto é preciso o espaço, também, ser aberto, ou seja, a não concepção do espaço de forma aberta
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ESPAÇO: CATEGORIA-CHAVE PARA ACOMPREENSÃO DA REALIDADE

compromete o projeto de abertura da temporalidade. É preciso arrancar o espaço da cadeia de conotações imobilizantes, porque ele contribui
substancialmente para as “[...] desarticulações necessárias para a existência do político e abrem o próprio espaço para um discurso político mais
apropriado [...]” (MASSEY, 2012, p. 80).
Na tentativa de libertar o espaço de velhas imaginações e significados que lhe retira o potencial político é necessário injetar temporalidade
e pensar no espaço como uma eventualidade, em que a interconecção do mundo se dá no espaço. A relevância do espaço está nas multiplicidades
“[...] coetâneas de outras trajetórias e a necessária mentalidade aberta de uma subjetividade especializada [...]” (MASSEY, 2012, p. 94). Assim, o
espaço deve ser visto como aberto, múltiplo e relacional com priorização do social.

CONCLUSÃO
O repertório de conhecimentos espaciais visa explicar a realidade permeada por contradições sociais e conflitos, podendo ser captada por
sua expressão espaço-temporal. O homem é visto como sujeito da produção do espaço e, por isso, a geografia não tem como objetivo somente
explicar ou compreender a realidade, mas contribuir para a sua transformação sob o ponto de vista social.
O espaço é produto social e deve ser interpretado em suas inter-relações e mediações, tendo em vista o todo social em que a coesão e
coerência do mundo se estabelecem no plano do humano. Esses referenciais exigem uma compreensão do movimento em movimento (da unidade
do diverso) que permite melhor orientação para as ações e com isso construir a transformação da sociedade, articulando as categorias, conceitos,
noções, ideias e propostas em virtude da preocupação com as pessoas.
Essa preocupação remete a necessidade de “interpretar a espacialidade das realidades sociais, quer dizer, é tornar essas realidades inteligíveis
sob o aspecto espacial [...] possibilitando a construção de um saber socioespacial [...] uma geografia das desigualdades socioespaciais” (BESSA,
2010, p.44). A realidade é em essência espacial porque se trata de um produto social.
Nesse tocante, é salutar a consideração apresentada por Bessa (2010, p. 48) de que “uma sociedade só se torna concreta por meio do espaço
que ela própria produz e, não obstante, o espaço só se torna inteligível por intermédio dessa sociedade, sendo, portanto, uma instância e um dado
constitutivo”. Desse modo, a abordagem da realidade espacial exige a representação do espaço social para a compreensão da dinâmica da sociedade,
sendo que a representação do espaço é permeada pela compreensão da vida no tempo do presente e do passado (MARTINELLI, 2005).
Nesse sentido o social se articula de modo inseparável ao espaço em razão de sua dimensão enquanto produto da história, constituindo-se
como ato de sujeitos e, sendo assim, tem como matéria-prima a relação homem-meio. Diante disso, a reprodução da sociedade se dá na totalidade
da sua estrutura em que as relações são reafirmadas nos movimentos que estão na base, cuja produção do espaço é a produção da própria sociedade.
O espaço deve ser considerado em sua expressão social (MOREIRA, 2002), a mediação concreta de realização da história.
O conhecimento espacial possibilita melhor posicionamento em termos de apropriação dos instrumentos para a intervenção na realidade
e edificar um futuro melhor com foco nos interesses e necessidades da maioria da população. Haja vista que para uma intervenção qualificada é
preciso explorar as possibilidades de leitura do espaço. Trata-se de um mecanismo para a reflexão que considere o espaço como componente do
social.
A negligência das outras dimensões acarreta o aprofundamento das desigualdades socioespaciais que privam a maior parcela da população
do uso digno do território, pois não possuem acesso eficaz aos serviços sociais básicos: educação, saúde, lazer, saneamento e correlatos.
O espaço deve ser pensado para além de um grupo de pessoas; faz-se necessário intensificar ações que objetivem o combate da desigualdade que
se materializa espacialmente. Assim, o tratamento deve buscar alcançar a perspectiva cidadã que não se estabelece em visualizar as pessoas como
consumidores, mas como portadoras legítimas de direitos: ou seja, sujeitos.
O uso de instrumentos deve focalizar no desejo de solucionar problemas vivenciados nos ambientes, portanto é mister refletir criticamente
sobre os propósitos das ações, inclusive trabalhar arduamente para a construção e consolidação de ferramentas que contribuam para se alcançar de
forma efetiva os resultados de relevância social pretendidos.
Como se percebe a partir das considerações feitas, o que se defende nesse contexto é a construção de mecanismos de leitura da realidade que
possam contribuir de forma eficaz e opere nas nuances das injustiças sociais. O bem-estar coletivo deve ser o pilar desses novos valores que inclui
a participação popular e o conhecimento dos anseios dos distintos segmentos sociais que demandam novos rumos para as políticas públicas, bem
como uma nova orientação para as intervenções espaciais. Portanto, a atuação espacial não pode desconsiderar o caráter multifacetado do espaço
como categoria-chave para a compreensão da realidade concreta.

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ESPAÇO: CATEGORIA-CHAVE PARA ACOMPREENSÃO DA REALIDADE

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SIDELMAR ALVES DA SILVA KUNZ - REMI CASTIONI


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22
CONTRIBUIÇÃO DA AGROPECUÁRIA PARA O PASSIVO
AMBIENTAL SEGUNDO O NOVO CÓDIGO FLORESTAL

José Roberto Gonçalves de Rezende Filho


Ministério Público do Estado de São Paulo
joserobertogrezende@gmail.com

Lucas Garcia Magalhães Peres


Laboratório de Geografia, Ambiente e Saúde – LAGAS
lucasgarciamp@gmail.com

Giuseppe Piantino Giongo


Mestrando – Pós-graduação em Geografia/UnB
giuseppegiongo@gmail.com

Raina Santos Ferreira


Laboratório de Geografia Física – LAGEF
rainasanfer@gmail.com

RESUMO

Os impactos da ocupação da Amazônia trazem diversas consequências sobre a preservação ambiental do bioma. Diversos instrumentos legais
foram desenvolvidos para a conservação ambiental da região, entre os quais se destaca a recente reformulação do Código Florestal, que estabeleceu
as áreas de ativos e passivos ambientais, identificando os locais com desmatamento irregular. O objetivo deste trabalho foi analisar as principais
culturas agropecuárias produtivas da Amazônia Legal para identificar o seu grau de contribuição na formação do passivo ambiental. O trabalho
buscou identificar, por meio de técnicas de estatística espacial aplicada em ambiente SIG, entre as quatro grandes culturas praticadas na região
amazônica (soja, milho, cana de açúcar e gado bovino), qual delas gera mais passivo ambiental a ser recuperado. Foi utilizado índice de Moran.
Constatou-se que o gado bovino é o maior gerador de passivo ambiental na região amazônica, sendo que essa cultura se propaga ao interior da
região de maneira dispersa, atingindo uma área maior. Em seguida, milho e sojas são os outros grandes geradores de passivos, concentrando-se no
estado do Mato Grosso. A cana-de-açúcar tem pouca relevância na região estudada.

Palavras–Chave: Passivo ambiental, Código Florestal, Sistema de Informação Geográfica, Amazônia Legal.

INTRODUÇÃO
A ocupação da Amazônia é tema recorrente em estudos que buscam tanto demonstrar a importância de se preservar este bioma, quanto
avaliar o ritmo em que ele vem sendo devastado. A agropecuária é um dos fatores que mais contribuem para o movimento de ocupação em direção
à região, sendo, por consequência, um grande vetor do desmatamento. Os principais instrumentos legais para a preservação do meio ambiente são o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), aplicado principalmente na preservação de terras públicas, e o Código Florestal, aplicado,
sobretudo, em propriedades rurais produtivas.
A recente reformulação do Código Florestal recebeu muitas críticas de ambientalistas por abrandar algumas regras, principalmente as
relacionadas às áreas passiveis de recuperação. Porém, é inegável que ela tornou mais viável o cumprimento da lei, além demais aceitável pelos
produtores. Com a aplicação das regras do Código Florestal no território, é possível identificar áreas de ativo e passivo ambiental, onde o passivo
representa o desmatamento irregular.
O objetivo deste trabalho é analisar as principais culturas produtivas da Amazônia Legal para identificar seu grau de contribuição na
formação do passivo ambiental. A partir de pesquisa bibliográfica e de análise preliminar dos dados da produção agropecuária foram selecionadas
as seguintes culturas: soja, milho, cana-de-açúcar e gado bovino. Dessa forma, esse trabalho busca, por meio da aplicação de estatísticas espaciais,
identificar qual dessas quatro culturas mais desrespeita as regras de preservação ambiental, gerando, assim, mais passivo a ser recuperado.
O desenvolvimento do trabalho divide-se nos seguintes tópicos: 1) Ocupação da Amazônia Legal, onde é descrito o processo de ocupação da
região, detalhando a evolução das culturas selecionadas; 2) Análise do Código Florestal, onde são explicadas as regras que resultam na identificação
dos ativos e passivos ambientais; 3) Análise Espacial Estatística, onde as ferramentas de análise espacial são apresentadas; 4) Materiais e Métodos,
onde as etapas metodológicas são descritas; 5) Resultados e Discussões, onde se discute o resultado do processamento de cada etapa. Por fim, as
conclusões.

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CONTRIBUIÇÃO DA AGROPECUÁRIA PARA O PASSIVO AMBIENTAL SEGUNDO O NOVO CÓDIGO FLORESTAL

1. OCUPAÇÃO DA AMAZÔNIA LEGAL


Maior bioma brasileiro, o bioma Amazônia ocupa aproximadamente 49,29% (4.196.943 km²) do território nacional, o que corresponde
à soma da área de cinco unidades da federação – Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Roraima –, e de algumas partes de Rondônia, Mato Grosso,
Maranhão e Tocantins. Segundo o IBGE (2004), os critérios unificadores para a descrição desse bioma são: a dominância de clima quente e úmido;
a fisionomia florestal; a continuidade geográfica e localização equatorial; além da inserção no contexto da maior rede hidrográfica do mundo, que
é a Bacia Amazônica.
Com processo de ocupação iniciado há 14 mil anos, o bioma Amazônia teve nas sociedades indígenas seus primeiros agricultores. Segundo
o IMAZON(2014), essas sociedades passaram a desenvolver a agricultura de forma sedentária em parcelas do território, extraindo também da
floresta os recursos necessários à sobrevivência e à manutenção dos indivíduos. A colonização europeia, iniciada em meados do século XVI,
pouco alterou as práticas de subsistência associadas à coleta e à extração da floresta. Foi em meados do século XIX, quando o Ciclo da Borracha
concentrou os esforços produtivos da região na coleta do látex, que a agricultura e o extrativismo passaram para segundo plano. Mas com o fim
desse ciclo econômico, a região voltou à estagnação, ingressando novamente nas práticas extrativistas e de subsistência. Esse quadro só foi alterado
a partir da segunda metade do século XX, com o início do governo militar.
A visão dos militares e do governo central era de que a Amazônia deveria ser ocupada e explorada, reafirmando a soberania nacional sobre
a região e contribuindo para o crescimento econômico do país (BECKER, 1982). Dessa maneira, foram criados diversos projetos baseados na
distribuição de terras, na exploração mineral e vegetal e na colonização do território. Assim, o Brasil voltou-se para a enorme parcela do seu território
correspondente ao bioma Amazônia, intensificando seu processo de ocupação, o que produziu grandes alterações na paisagem, principalmente pela
substituição da cobertura vegetal natural por pastagens e lavouras.
Dentro do bioma, a região de maior alteração da paisagem e onde ocorre grande parte da produção agrícola e bovina é conhecida como arco
do desmatamento. Essa fronteira agrícola abrange principalmente o limite sul da Amazônia Legal, englobando os estados do Acre, Rondônia, Mato
Grosso e Pará (DOMINGUES; BERMANN, 2012). O crescimento da agricultura brasileira tem ocorrido principalmente em áreas de fronteira. Essa
expansão gera diversos impactos socioambientais, dentre eles: queimadas nas áreas da Floresta Amazônica para expansão da área plantada e de
pastagens, mudanças no uso da terra e concentração latifundiária.
Na fronteira agrícola amazônica, destacam-se a pecuária bovina e a agricultura de soja, milho, feijão, arroz e cana-de-açúcar. Segundo o
IMAZON (2014), o rebanho bovino da região passou de apenas 2 milhões em 1970, para cerca de 80 milhões de cabeças em 2010. DOMINGUES
e BERMANN (2012) analisam que a expansão da produção de soja na região do bioma Amazônia está diretamente relacionada à dinâmica de
derrubada da floresta. Primeiramente, nas áreas desmatadas é implementada a pecuária. Depois essas áreas cedem à agricultura mecanizada,
processo este que leva à expansão da fronteira agrícola. Segundo os autores, o cultivo da soja foi impulsionado principalmente pela demanda
internacional, expandindo-se mais vigorosamente no Brasil na segunda metade da década de 1970. Esse primeiro momento de expansão concentrou
a produção no sul do Brasil. Contudo, a partir da década de 1980, a soja expandiu-se para o Cerrado.
RIVERO et al. (2009) constatam que a demanda por áreas destinadas à pecuária é a principal causa imediata do processo de desmatamento
e que a sojicultura tem relação indireta com esse processo. Isso porque a área de soja apresentou alta correlação com a do arroz, plantio usualmente
realizado por cerca de três anos antes da introdução da oleaginosa. Desde 1990, novos produtos começam a ganhar espaço na economia local,
como a produção de leite, particularmente na esfera da agricultura familiar e a cultura mecanizada de outros grãos, como arroz e milho, a partir de
grandes produtores do Mato Grosso. Esse processo iniciou-se nas áreas intermediárias entre os ecossistemas amazônicos e de cerrados, localizados
ao longo das grandes rodovias Belém-Brasília, Cuiabá-Santarém, Cuiabá-Porto Velho e Transamazônica (SAYAGO et al., 2004).
Além da pecuária e dos grãos como soja, arroz e milho, a cana-de-açúcar surge como novo vetor de agricultura na região. O Projeto de
Lei 626/2001 do Senado revê o Zoneamento Agroecológico (ZAE) da cana-de-açúcar, autorizando seu plantio em áreas alteradas e nos biomas
Cerrado e Campos Gerais na Amazônia Legal1. Atualmente, em 2017, o Projeto de Lei encontra-se em tramitação na Comissão de Meio Ambiente
do Senado2. O principal objetivo da medida é expandir a produção de etanol para suprir a demanda externa, firmando o produto como uma
commodity. Com a saturação das terras no estado de São Paulo, o processo de desconcentração espacial direcionou a expansão da produção
de cana-de-açúcar para o Centro-Oeste do país, em Goiás, Mato Grosso do Sul e na fronteira agrícola com o bioma Amazônia. Há o risco da
monocultura3 de cana impulsionar outras atividades para a floresta, a exemplo da pecuária, o que pode fomentar ainda mais o desmatamento.

2. ANÁLISE DO CÓDIGO FLORESTAL


O Código Florestal é um instrumento legal que estipula regras para o ordenamento do uso da terra em propriedades rurais produtivas por meio da
instituição de Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal, objetivando preservar elementos chave dos ecossistemas naturais.
De acordo com o Código Florestal, entende-se por Área de Preservação Permanente “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a
função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora,
proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas” (art. 3º, II). Já a Reserva Legal é conceituada como:

Área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais
do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a
proteção de fauna silvestre e da flora nativa (art. 3º, III).

1Cf.:http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/520335-plantacao-de-cana-de-acucar-na-amazonia-legal-o-ciclo-se-repete-com-novos-desmatamentos-entrevista-especial-com-
joao-camelini. Acesso em: setembro de 2016.

2 Cf.: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/102721. Acesso em: outubro de 2017.

3 Cf.: http://colunas.revistaepoca.globo.com/planeta/2013/05/15/projeto-de-lei-quer-abrir-a-amazonia-para-a-cana-de-acucar/. Acesso em: setembro de 2016.



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CONTRIBUIÇÃO DA AGROPECUÁRIA PARA O PASSIVO AMBIENTAL SEGUNDO O NOVO CÓDIGO FLORESTAL

Na prática, as Áreas de Preservação Permanente destinam-se a proteger feições de grande fragilidade ou importância como cursos e corpos
d’água, nascentes, áreas de grande declividade e aspectos geomorfológicos e pedológicos específicos. Deve ser aplicada de maneira irrestrita e
rigorosa, sem limite máximo ou mínimo, sempre que for identificada tal feição. Já a Reserva Legal tem a função de garantir que uma quantidade
mínima de floresta em pé seja mantida, variando de 30% a 80% dependendo do bioma ou do município. Sua aplicação fica a critério do produtor,
e a partir da reformulação do Código Florestal, em alguns casos Áreas de Preservação Permanente podem ser averbadas como Reserva Legal. Um
aspecto relevante a ser abordado é a dicotomia entre regras de conservação e de recuperação, apontando para o fato de que as regras de recuperação
foram flexibilizadas no Código Florestal, o que impacta no cálculo do Balanço Ambiental, pois só o que deve ser recuperado é considerado passivo.
Segundo o IBRACON(1996), o passivo ambiental pode ser compreendido como todo dano que se praticou ou se pratica contra o meio
ambiente, e consiste no valor de investimentos necessários para reabilitá-lo, bem como multas e indenizações em potencial. Para Ferreira (2000), o
passivo ambiental consiste numa obrigação legal presente, sendo o investimento que uma empresa ou o Estado deve realizar para corrigir impactos
ambientais que são decorrentes de um evento passado, relacionados ao uso do meio ambiente e à produção de danos no mesmo. Dimensionar o
passivo ambiental significa identificar e caracterizar os efeitos ambientais adversos, de natureza física, química e biológica, proporcionados pelas
atividades econômicas. Esses efeitos ambientais podem ser recorrentes ou previstos, tanto nos processos manifestados ou nos que irão ocorrer, em
função das modificações ambientais identificadas no presente (LEONARDO; SILVA, 2012). No caso do Código Florestal, o passivo ambiental é
calculado em hectares.
No contexto do bioma Amazônia, o passivo ambiental é evidenciado pela ampliação da produção na fronteira agrícola, principalmente pelo
aumento da pecuária extensiva nesta região, que suprime a recuperação da vegetação e aumenta a emissão de carbono. Com o objetivo de integrar as
informações ambientais referentes as áreas de vegetação nativa, foi criado o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que visa o monitoramento e combate
ao desmatamento, e coloca de forma precisa, principalmente para o pequeno produtor, um novo incentivo quanto à preservação da vegetação, pois
a inadequação ao CAR pode implicar restrições e sanções, como impedimento a acesso a crédito rural (SOARES-FILHO et al., 2014).

3. ANÁLISE ESPACIAL ESTATÍSTICA


A evolução das ferramentas de análise espacial abriu diversas possibilidades de armazenar, recuperar e combinar os dados disponíveis sobre
um território (CRUZ; CAMPUS, 2012). Atualmente é possível incluir o Sistema de Informação Geográfica (SIG) como um modo de análise de
dados espaciais, que permitem tratar dados referenciados espacialmente (KREMPI, 2004).
A tecnologia dos Sistemas de Informações Geográficas vem se impondo como uma ferramenta para a visualização e análise da informação
espacial, sendo utilizada para um melhor conhecimento das dinâmicas espaciais, aliadas à possibilidade de cartografar, monitorizar e interpretar o
espaço (AVELINO, 2004).O SIG tem papel fundamental no que se refere ao desenvolvimento do rigor com que se pode realizar qualquer tipo de
análise espacial sobre um território. A Tabela 1 ilustra alguns tipos de análise que podem ser feitas através de um SIG.

Tabela 1: Exemplos de análise em um Sistema de Informação Geográfica.

Fonte: CÂMARA e MEDEIROS, 1996.

A análise espacial é o estudo quantitativo de fenômenos que são localizados no espaço, permitindo, assim, identificar padrões espaciais na
distribuição dos fenômenos. BAILEY (1994 apud ROCHA, 2004) define análise espacial como uma ferramenta que permite a manipulação dos
dados espaciais de diferentes formas. De acordo com CÂMARA et al.(2001), os processos de análise espacial incluem métodos de visualização que
investiga, o padrão dos dados, isto é, se os dados apresentam uma agregação definida ou se a distribuição é aleatória.
Para ASSUNÇÃO (2001), existem quatro tipos de classificação para dados de análise espacial: Eventos ou Padrões Pontuais, Superfícies
Contínuas, Áreas com Contagens e Taxas Agregadas. Conforme LEVINE (1996), as estatísticas usadas para descrever pontos e áreas podem ser
subdivididas em três categorias:

• Medidas de distribuição espacial: descrevem o centro, a dispersão, direção e forma da distribuição de uma variável;
• Medidas de autocorrelação espacial: descrevem a relação entre as diferentes localizações para uma variável simples, indicando o grau de
concentração ou dispersão;
• Medidas de associação espacial entre duas ou mais variáveis: descrevem a correlação ou associação entre variáveis distribuídas no espaço.

Segundo CÂMARA et al. (2001), os eventos ou padrões pontuais são fenômenos expressos através de ocorrências identificadas como pontos
localizados no espaço, denominados processos pontuais. Essa análise tem como objeto de interesse a localização espacial dos eventos em estudo.
Já as superfícies contínuas são estimadas a partir de um conjunto de amostras de campo, que podem estar regular ou irregularmente distribuídas.
E, por fim, as áreas com contagens e taxas agregadas são dados associados a levantamentos que originalmente referiam-se a indivíduos localizados
em pontos específicos do espaço. Esses dados são geralmente agregados em unidades de análise, usualmente delimitadas por polígonos fechados.
De modo geral, o processo é precedido de uma fase exploratória, associada à apresentação visual dos dados sob forma de gráficos e mapas e a
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CONTRIBUIÇÃO DA AGROPECUÁRIA PARA O PASSIVO AMBIENTAL SEGUNDO O NOVO CÓDIGO FLORESTAL

identificação de padrões de dependência espacial.


Um conceito chave na compreensão da análise espacial é a dependência espacial. A dependência espacial é uma característica inerente à
representação de dados através de subdivisões territoriais. Essa noção parte do que TOBLER (1979, p. 380) chama de primeira lei da geografia:
“todas as coisas são parecidas, mas coisas mais próximas se parecem mais que coisas mais distantes”.
A dependência espacial pode ser medida de diversas formas. O índice de Moran é a estatística mais difundida e mede a autocorrelação
espacial a partir do produto dos desvios em relação à média. Este índice é uma medida global da autocorrelação espacial, pois indica o grau de
associação espacial presente no conjunto de dados (PAIVA, 2005). O resultado do índice varia entre -1 e 1, sendo que valores próximos a 1 indicam
maior proximidade de valores entre vizinhos, portanto, maior grau de dependência espacial. Já os valores próximos a zero indicam uma baixa
dependência espacial. Sendo assim, o índice de Moran é muito útil para medir a correlação espacial, pois é um indicador de similaridades entre as
regiões, o que permite observar a existência de padrões espaciais.

4. MATERIAIS E MÉTODOS
A coleta de dados deu-se a partir de três fontes distintas: 1) o cálculo do passivo ambiental foi realizado por Soares-Filho(2014) e
disponibilizado por meio de aplicativo web com interface em SIG pelo Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais
(http://www.csr.ufmg.br:3333/);2) as informações de produção da soja, milho e cana-de açúcar estão disponibilizadas no Sistema de Recuperação
Automática (SIDRA) do IBGE, proveniente da Produção Agrícola Municipal (PAM) de 2013(http://www.sidra.ibge.gov.br); 3) os dados de efetivo
bovino também são disponibilizados pelo SIDRA a partir da Pesquisa Pecuária Municipal (PPM) de 2013.
Com os dados disponíveis, foi feita a espacialização e recorte na área de interesse, considerando toda a Amazônia Legal e também os demais
municípios dos estados que a compõem, permitindo incluir na análise áreas de ecótono e de ocupação mais consolidada, que influenciam na área
de transição para a região de fronteira agrícola. Os dados de passivo foram disponibilizados por bacia hidrográfica de 12° ordem, portanto, foi
necessário aplicar técnicas de generalização até se chegar ao recorte territorial municipal.
A última etapa foi a aplicação de ferramentas de estatística espacial aos dados. Primeiro, foi aplicado o índice de autocorrelação de Moran
aos dados individualmente, para identificar se sua distribuição é aleatória, dispersa ou aglomerada, identificando em todos os conjuntos forte
tendência à agrupamento, o que foi espacializado por meio da ferramenta Clusters andOutliersAnalysisdo softwareArcGIS 10.2, que evidenciou as
regiões de hot spots e cold spots, assim como elementos extremos que se destacam dos grupos, os outliers.
Por fim, foi feita uma análise de grupos para identificar semelhanças estatísticas entre atributos das cinco variáveis. Foram examinados
quatro agrupamentos, cada grupo com propriedades estatísticas específicas, que demonstram uma conformação territorial para o conjunto de
todos os dados.

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES
O resultado da espacialização dos dados pode ser visto nas figuras 1 e 2. Na Figura 1 encontram-se as culturas classificadas por toneladas,
para os produtos agrícolas, e por cabeça, para o efetivo bovino. Na Figura 2, o passivo ambiental foi classificado por hectares em conjunto com uma
classificação relativa à área total do município.

Figura 1: Mapas da distribuição da produção agropecuária.

Fonte: SIDRA/IBGE, 2013.

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Figura 2: Mapas da distribuição do passivo ambiental.

Fonte: SOARES-FILHO et al, 2014.

Analisando os mapas das figuras 1 e 2, percebe-se que a soja e o milho apresentam padrão de ocupação semelhante, com destaque para
o Mato Grosso. A cana-de-açúcar mostra uma produção bem concentrada, com destaque para uma pequena área no sul de Mato Grosso e para
municípios que se destacam individualmente na região entre o Pará, Tocantins e Maranhão. Já o gado apresenta distribuição ampla pelo Pará, Mato
Grosso e Rondônia, chegando também ao Acre, Amazonas, Tocantins e Maranhão.
A ocorrência do passivo ambiental se concentra no Mato Grosso e no Pará, porém, sua continuidade espacial não é uniforme, chegando
a alguns municípios do interior do estado do Amazonas. Ao analisar o dado normalizado identifica-se claramente a geometria do arco do
desmatamento.
Nas figuras 3 e 4 encontram-se os resultados da aplicação do índice de Moran por meio da ferramenta de Clusters and Outliers Analysis.
As classes apresentadas correspondem a agrupamentos sem significância, agrupamentos de valores elevados, valores discrepantes altos e baixos e a
agrupamentos de valor baixos.

Figura 3: Mapas de auto correlação da produção agropecuária.

Fonte: SIDRA/IBGE, 2013.

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Figura 4: Mapa de auto correlação do passivo ambiental.

Fonte: SOARES-FILHO et al, 2014.


Novamente se evidencia a similaridade entre a distribuição espacial da soja e do milho, inclusive em áreas justapostas; entretanto, é possível
compreender uma maior concentração da produção de milho que se distribuem por uma área mais restrita do Mato Grosso. Quanto à cana-de-
açúcar, não é possível identificar um padrão de ocupação significativo, com um pequeno aglomerado ao sul do Mato Grosso e outra pequena
presença, de valor alto, ao nordeste do estado. Apesar da evidente difusão espacial da pecuária na região, destaca-se uma faixa relativamente
contínua de Rondônia até o Pará e também alcançando o sul do Mato Grosso, onde foi identificado um aglomerado de valores elevados.
A análise do passivo ambiental mostra que ele se concentra basicamente no Mato Grosso e no Pará, com alguns registros discrepantes
concentrados em pequenas áreas no Maranhão. O resultado da análise de grupos pode ser visto na Figura 5. Foram identificados quatro grupos a
partir das cinco variáveis, com suas propriedades estatísticas discriminadas no relatório por variável e por grupo, cuja análise permite identificar
semelhanças e correlações na distribuição espacial dos dados.

Figura 5: Mapa da análise de grupos.

Fonte: SOARES-FILHO et al, 2014.

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Os quatro grupos apresentam característica significativamente distintas, permitindo identificar claramente padrões de espacialização
interdependentes entre as variáveis, assim como grau de correlação entre elas. O grupo em azul mostra forte correlação entre passivo e gado tanto
na área da fronteira agrícola, quanto em áreas que já adentram o bioma amazônico.
O grupo em vermelho apresentou valores baixos para as cinco variáveis, representando áreas onde não há nem grande produção agropecuária
nem passivo ambiental significativo. O grupo em verde é formado basicamente pelo componente da cana-de-açúcar, refletindo os registros em
que essa variável tem o valor mais alto, revelando, portanto, sua forte concentração espacial. O último grupo, em laranja, apresenta a combinação
entre milho, soja e também passivo ambiental, com predominância da primeira variável. Esse grupo concentra-se no centro de Mato Grosso,
reproduzindo as constatações anteriores.
Quanto à análise por variável (Figura 6), destaca-se que o passivo ambiental teve maior relevância na composição do grupo 1 e, em seguida,
no grupo 4, com os respectivos shares de 0,98 e 0,82. As ocorrências de passivo mais elevado estão no grupo 4;porém, no grupo 1, a sua contribuição
é mais proeminente.

Figura 6: Análise das variáveis por grupos.

Fonte: Autoria Própria.

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Ao realizar uma análise por grupos, destaca-se que no grupo 1 o gado tem o maior peso, com 0,99, seguido do passivo com 0,98 de share.
Além disso, nesse grupo se concentram os valores mais altos de efetivo bovino, enquanto as demais variáveis são irrelevantes (Figura 6).
Por fim, destaca-se o grupo 4, no qual milho e soja apresentam seus valores mais altos, junto ao passivo ambiental com os shares respectivos
de 0,89, 0,78 e 0,82 (Figura 6). Em conjunto com o exame do mapa da Figura 5, trata-se de uma área que concentra altos valores de mais de uma
produção, caracterizando área de produção agrícola consolidada e intensa, ainda que espacialmente restrita.

CONCLUSÃO
A partir da análise do resultado das ferramentas de estatística espacial é possível identificar que, dentre as culturas agropecuárias analisadas,
a que mais desrespeita o Código Florestal é a pecuária bovina. Além de apresentar maior similaridade espacial estatística com o passivo ambiental,
é a categoria que mais se propaga em direção ao interior do bioma e de maneira mais dispersa, atingindo dessa forma uma área maior que a das
demais culturas.
Em seguida, encontram-se o milho e a soja respectivamente. Sua alta concentração espacial reflete grande intensidade na produção e gera,
portanto, o maior montante de passivo ambiental. Sua influência é menor no resultante geral porque está restrita à região central do Mato Grosso,
área de produção agrícola já consolidada que não pode ser caracterizada estritamente como fronteira agrícola. Em último lugar, a cana-de-açúcar
que, apesar de alguns registros com valor elevado, não tem grande relevância na região avaliada e sua produção encontra-se relativamente distante
da Amazônia Legal.
Por fim, a identificação da pecuária como maior vetor de desmatamento irregular permite que sejam concentrados esforços na elaboração
de estratégias com cerne territorial e foco na cadeia produtiva da carne e de outros derivados da pecuária bovina, obtendo assim resultados mais
significativos para o conjunto da região.

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CONTRIBUIÇÃO DA AGROPECUÁRIA PARA O PASSIVO AMBIENTAL SEGUNDO O NOVO CÓDIGO FLORESTAL

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PARAÍBA POTIGUARA:
TERRITÓRIO, QUESTÕES AMBIENTAIS E ETNOMAPEAMENTO

Sidnei Felipe da Silva


Doutorando do Programa de Pós-Graduação - Departamento de Geografia/ Universidade de Brasília – UnB
prof.sidnei.eageo@gmail.com

Resumo

O presente trabalho realiza reflexões sobre o Território, as questões ambientais em aldeias indígenas Potiguara da Paraíba e as possibilidades de
abordagem da cartografia através do etnomapeamento das Terras Indígenas (TIs). Os povos Potiguara estão distribuídos em 33 aldeias, situadas nos
municípios de Rio Tinto, Marcação e Baía da Traição, localizados no litoral setentrional da Paraíba, e possuem uma população de aproximadamente
15 mil indígenas. Nesse sentido o Etnomapeamento dos Potiguara da Paraíba, uma produção de etnomapas realizada em conjunto por técnicos
da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e representantes da etnia Potiguara, se apresenta como um poderoso instrumento para as comunidades
tradicionais indígenas, tendo como objetivo compreender através dos etnomapas a dinâmica de suas terras, além de promover ações e reflexões sobre
a luta por demarcação de terra e a (re)afirmação étnica e cultural. Alguns conceitos são extremamente relevantes para fundamentar teoricamente
as nossas pesquisas, dentre eles destacamos o território e a territorialidade étnica.

Palavras-Chaves: Potiguara; Território; Questões ambientais; Etnomapeamento.

Introdução
No decorrer do século XX, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, a expansão da industrialização e do modo de vida da sociedade
de consumo, culminou com o surgimento das questões ambientais. As discussões sobre a temática ganharam proporções globais, pois a capacidade
de alterar os ecossistemas ocorreu numa velocidade enorme, passando a superar, e muito, a capacidade de recuperação da natureza. Diante desta
realidade, tornou-se necessário a adoção, pela sociedade, de um novo modo de agir com relação aos recursos naturais. A compreensão por parte
de todos, tendo em vista a necessidade de uma relação mais equilibrada entre a sociedade e a natureza, deve ser ampliada e discutida em todos os
segmentos da sociedade e, dessa maneira, concordamos com Milton Santos e Bertha Becker de que:

A mensagem do ambientalismo é clara: há limites para a relação da sociedade com a natureza. No entanto, sabemos, sob o manto do ambientalismo
abrigam-se práticas contraditórias entre si. Estamos diante de um campo polissêmico no qual há uma disputa sobre o seu real significado (SANTOS;
BECKER, 2006, p. 387).

O presente trabalho demonstra a necessidade da abordagem dos problemas ambientais em comunidades indígenas Potiguara da Paraíba,
com o objetivo de demonstrar a importância em relação às questões ambientais e territoriais que estão presentes nas aldeias, tornando possível
difundir conhecimentos, valores, habilidades e atitudes necessárias para a conservação e preservação dos recursos naturais de suas terras.
Os povos indígenas Potiguara, aos quais nos referimos, são sujeitos da sua própria história, uma vez que contribuem e lutam para
construção de uma sociedade brasileira mais justa e igualitária não só para si, mas também para todos os outros grupos étnicos que compõem esta
gama de diversidade de povos que constituem a nossa população. Esta diversidade é demonstrada por outras etnias indígenas, bem como pelos
afrodescendentes, quilombolas, colonos, posseiros e camponeses, sendo estes conceitualmente denominados no meio acadêmico de populações
tradicionais, comunidades tradicionais ou ainda povos tradicionais.
E para corroborar com nosso pensamento acerca dos povos indígenas Potiguara, concordamos com o pesquisador Lusival Antonio Barcellos
ao afirmar que:

Os Potiguara possuem uma importante riqueza geográfica, histórica, ambiental, ecológica, turística, religiosa e cultural, muito cobiçada por diferentes
interesses pessoais e coletivos que desejam fazer desde uma pequena visita, apenas para ver índios, até grandes grupos econômicos que utilizam as mais
diferentes estratégias para seu enriquecimento (BARCELLOS, 2012, p. 24).

Este trabalho tem como proposta observar os problemas ambientais mais recorrentes nas terras Indígenas dos povos Potiguara dos municípios de
Rio Tinto, Marcação e Baía da Traição, localizados na microrregião do Litoral Norte, do Estado da Paraíba, pois,

Em decorrência do avançado processo de globalização as comunidades tradicionais, outrora habituadas a conviver com um ambiente dotado de baixos
níveis de poluição, são agora vitimadas pela quebra de fronteiras dos problemas ambientais (SEABRA, 2011, p. 24).

A importância dos problemas relacionados à produção do espaço geográfico aproxima a Geografia dos atuais problemas ambientais que
a humanidade está presenciando. No entanto, as questões ambientais não devem ser objeto de estudo exclusivo da Geografia ou de qualquer
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PARAÍBA POTIGUARA: TERRITÓRIO, QUESTÕES AMBIENTAIS E ETNOMAPEAMENTO

disciplina, mas devem ser trabalhadas por todos componentes numa perspectiva interdisciplinar.
Entre os questionamentos que propomos através da pesquisa que envolve as questões ambientais em terras indígenas, o que pudemos
aventar é que ao sugerirmos o referido estudo sobre esta temática visamos analisar o atual modo de vida do povo Potiguara da Paraíba e a sua
relação com o meio. É importante salientar que as terras indígenas dos povos Potiguara estão situadas num tecido territorial marcado por conflitos,
um território que sofre com a sobreposição de atividades e de interesses.
Apresentamos como referenciais metodológicos a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e o estudo de campo. A pesquisa bibliográfica
é caracterizada, segundo Gil (2008), pela possibilidade de inserir o pesquisador na análise de dados bibliográficos referencias em livros e demais
produções acadêmicas, com a finalidade de apreender o estado da arte sobre temas do objeto pesquisado. Assim sendo, ela permeará todo o
processo na medida em que realizaremos leituras de autores pertinentes ao nosso tema e na qual buscaremos conceitos, definições e princípios de
cada categoria utilizada.
É de extrema relevância a pesquisa documental, haja vista documentos sobre a história do atual Estado da Paraíba evidenciarem, desde as
notícias mais remotas, a presença dos Potiguara no litoral paraibano e, mais notadamente, na Baía da Traição, permanência que ocorreu devido à
resistência desses povos guerreiros às investidas de diversos invasores.
O nosso percurso metodológico se caracterizou por meio da abordagem qualitativa. Neste sentido, ao escolher a pesquisa qualitativa para
a realização de nosso trabalho, entendemos que esta proposta metodológica é a que pode melhor contribuir para a interpretação da realidade
pesquisada e, como afirma Godoy (1995), a pesquisa qualitativa ocupa um lugar significativo entre as várias possibilidades de estudar os fenômenos
que envolvem os seres humanos e suas intrincadas relações sociais estabelecidas em diversos ambientes.
O estudo de campo contempla as aldeias indígenas Potiguara da Paraíba, situadas nos municípios do Litoral Norte paraibano citados
anteriormente. A pesquisa foi especificamente realizada através de observações nas aldeias, de aulas de campo, de expedições e de projetos.

Os Povos indígenas Potiguara: Território e Territorialidade Étnica


A nossa pesquisa deve ser fundamentada através da categoria de análise do território, uma vez que trata da questão das relações de poder que
se estabelecem no espaço geográfico. Desde a antiguidade que os grupos humanos apresentam a necessidade de se estabelecerem em determinadas
parcelas do espaço geográfico, que vão desde as mais remotas sociedades tribais até os modernos Estados nacionais e, por sua vez, os países,
que possuem as mais variadas formas de gestão e controle do território. Em razão destes controles, limites e fronteiras sempre foram criados
e estabelecidos. Entretanto, não devemos nos limitar apenas ao território nacional, pois dentro deles existem muitos outros, nas mais variadas
condições, e sendo controlados por diferentes grupos sociais.
É relevante esclarecer que diante das categorias de análise do pensamento geográfico se imbricam o lugar, a paisagem e o território, que se
interpenetram e se sobrepõem uns aos outros. Assim, ao analisar o território, uma série de outros conceitos precisam ser abordados e sem os quais
a análise tornar-se-ia inviável. São eles: poder, limites e fronteira, ocupação e formação territorial, usos do espaço, conflito, dentre outros. Diante
desta gama de conceitos que servem para viabilizar o estudo de território em nossa investigação, podemos sintetizá-los ao que nos parece à luz
da análise da “territorialidade étnica”, pois nossa pesquisa versa sobre resistência dos povos indígenas em nosso país e, particularmente, o povo
Potiguara como exemplo de luta e resistência, que desde 1500 enfrentam os invasores de suas terras e permanecem nestes territórios até os dias
atuais.
Segundo Vieira (2004) a história dos povos Potiguara e o contato com os brancos remontam às primeiras tentativas europeias (portugueses,
franceses e holandeses) de colonização e de comércio com a América do Sul. Durante todo o século XVI a coroa portuguesa tentou conquistar a
Paraíba, e fracassaram diante da determinação dos Potiguara em defender suas terras. A aliança entre os Potiguara e os franceses foi decisiva na
década de 1580, quando navios franceses aportaram na Baía da Traição e se uniram a eles para enfrentarem os portugueses, que se aliaram aos
indígenas da etnia Tabajara, inimigos dos Potiguara. Apesar da destruição de três aldeias Potiguara na Serra da Copaoba, os indígenas resistiram e
foram vitoriosos neste conflito.
No final da década de 1580, os Potiguara cercaram a cidade de Nossa Senhora das Neves (atual João Pessoa), ao mesmo tempo em que os
portugueses e seus aliados atacaram e destruíram as aldeias situadas na Baía da Traição, causando assim a rendição e fuga dos indígenas. Em 1599,
os Potiguara fizeram as pazes com os portugueses, após terem perdido o apoio dos franceses. Entretanto, a paz durou até a chegada dos holandeses,
porém com a expulsão dos holandeses em 1654, ocorreu definitivamente a “pacificação” dos Potiguara (VIEIRA, 2004). Após a pacificação e
o aldeamento dos Potiguara da Paraíba, no início do século XVII, conforme Vieira (2004), os registros escritos e as informações sobre eles se
tornaram mais escassas, permanecendo adormecidas até o século XX.
No século XX, Palitot (2005) afirma que nesse período poderosas organizações entraram na história dos Potiguara, tornando mais difícil a
preservação destes. Estas agências foram o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), criado em 1910, que visava diminuir o crescimento dos grileiros no
território Potiguara; e a Companhia de Tecidos de Rio Tinto (CTRT), cujos registros indicam que a partir de 1917, teve início as obras de instalação
de um complexo industrial têxtil, o qual acentuou e acelerou a invasão das terras indígenas, a destruição das matas em busca de madeira para
construção da fábrica de tecidos na região do vale de Mamanguape, assim como a matéria prima para a confecção do produto comercializado.
Com a falência da CTRT, durante a década de 1990, as terras que a mesma empresa dominava foram negociadas, ou seja, repassadas para
as mãos de grupos de importantes usineiros de cana-de-açúcar. Este grupo de industriais surgia com muita força neste período em consequência
da crise energética global causada pela alta de preços do petróleo, pois em nosso país havia sido lançado o Programa Nacional do Álcool
(PROÁLCOOL), instituído pelo Governo Federal em 1975, que tinha como finalidade a obtenção de fontes alternativas de energia. Contando com
o apoio do Governo Federal os grupos agroindustriais instalados na região a exemplo da Rio Vermelho Agropastoril, da Destilaria Miriri S/A e da
Japungú Agroindustrial passaram a substituir os Lundgrens1 no controle das terras da antiga CTRT, o que incluía os territórios dos povos indígenas
Potiguara, tornando-se também verdadeiros inimigos destes.

1 Em 1917, Frederico João Lundgren, segundo filho mais velho de Herman Lundgren junto com os irmãos mais novos, visando estabelecer uma nova unidade de produção têxtil,
comprou do fazendeiro Alberto de Albuquerque, por dois mil contos de réis, 601 quilômetros quadrados de terras do então Engenho da Preguiça,as quais estavam sobretudo
cobertas de Mata Atlântica, e habitadas por tribos potiguaras, por pequenos fazendeiros e posseiros, onde se situa o atual município de Rio Tinto.
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SIDNEI FELIPE DA SILVA
PARAÍBA POTIGUARA: TERRITÓRIO, QUESTÕES AMBIENTAIS E ETNOMAPEAMENTO

Os novos proprietários desmataram terras agricultáveis, expulsaram remanescentes arrendatários, foreiros e pequenos agricultores que
resistiram às pressões causadas pela CTRT, mudando toda a paisagem dessas terras, transformando-as em um imenso “mar de cana” (SILVA, 2015).
Ser indígena no nosso país nos dias atuais, requer duas lutas fundamentais: pela identidade e pelo território. Este confronto relacionado ao
território se realiza na intencionalidade de (re)conquistar, ampliar e/ou manter o que se possui. A identidade e o território são as características da
luta indígena que se apresentam desde o contato com os invasores europeus. Os conceitos de território na perspectiva da temática a ser analisada,
são sugeridos pelas ideias do geógrafo Claude Raffestin:
[...] Tomemos um exemplo referente ao Brasil: quando os portugueses chegaram em 1500, encontraram um território sistematizado pelos habitantes.
Porém, (o território) não era delimitado, demarcado e, por isso, foi considerado pelos portugueses como um “espaço dado” que, naturalmente, poderia
ser transformado. A diferença entre “dado” ou “ofertado” à ação e “criado” ou “produzido pela ação” deve ser evidenciada na geografia política e na
geografia em geral. Os conceitos precisam ser derivados uns dos outros, por meio de uma teoria possível, com uma utilidade, pois vivemos numa
ecogênese. Esta última observação é importante porque a geografia é dramaticamente ligada à linguagem cotidiana, que não tem nenhuma perspectiva
teórica. Na linguagem cotidiana, o espaço é sinônimo de território e vice-versa: o único embrião teórico é fornecido pela pragmática da língua que
oferece paradigmas, de modo que a palavra espaço ou território é utilizada conforme suas circunstâncias de uso (RAFFESTIN, 2010, p. 14).

As categorias que elegemos como ponto de partida de articulação das discussões teóricas são o território e a territorialidade e, através delas,
buscaremos compreender os vários desdobramentos da luta pela terra. Nesse sentido, alguns autores são fundamentais para teorizarmos a pesquisa;
assim analisaremos os conceitos de território e territorialidade na ciência geográfica.
Para uma análise sobre o território e a territorialidade e suas contribuições teórico-conceituais de importância para nossa pesquisa,
concordamos com o pensamento de Saquet (2011, p. 17), que escreve “[...] os territórios e territorialidades são múltiplos, sobrepostos e estão
em unidade [...]”. Este pensamento servirá para nortear as nossas pesquisas, tendo em vista que nos propomos a analisar as questões ambientais
em terras indígenas situadas num tecido territorial conflituoso e marcado pela sobreposição de atividades e interesses conforme mencionamos
anteriormente.
O território é resultado do processo de territorialização e das territorialidades vividas por um determinado grupo social em cada relação
espaço-tempo. São ideias que argumentam em favor de uma Geografia da territorialidade, e este viés da ciência geográfica pode ser compreendido
através das reflexões sobre a territorialidade que é explicitada pelo geógrafo Saquet, que escreve:

Sucintamente, a territorialidade (humana) significa relações de poder, econômicas, políticas e culturais; diferenças, identidades e representações;
apropriações, domínios, demarcações e controles; interações e redes; degradação e preservação ambiental; práticas espaço-temporais e organização
política, que envolvem, evidentemente, as apropriações, as técnicas e tecnologias, a degradação, o manejo, os pertencimentos etc. [...] (SAQUET, 2011,
p. 16-17).

Para fundamentar nossas investigações, as concepções sobre o território que contemplam a nossa pesquisa são a idealista, que observam
o território a partir da ação de sujeitos e comunidades; e a integradora, que integram as diferentes dimensões do social e acolhem as objetivações
delineadas pelos enfoques materialista e idealista (HASBAERT, 2004).
É importante ressaltar que o território em nosso estudo vai além da dimensão jurídica e possui suas bases no espaço vivido, que são
marcados por sentimentos de pertencimento e de apropriação. Isso define a forma como o território é gestado, bem como as relações de poder
que estão por trás dessas práticas. Portanto, o conceito de território pode se consolidar como parte do espaço apropriado em uma manifestação de
poder, em que se projetam interesses políticos e culturais, que devem funcionar como fatores limitantes. É importante, também, compreender os
conceitos de território e territorialidade para a realidade indígena e que dentro da abordagem de geografia que adotamos, são requeridos para a
compreensão e o entendimento na vida da comunidade indígena.
A etnia Potiguara possui a maior população indígena do Nordeste etnográfico. É uma das maiores populações do Brasil, que atualmente
possui aproximadamente 20 mil habitantes vivendo nas terras indígenas. As terras indígenas estão distribuídas em 33 aldeias, constituídas em três
Terras Indígenas (TIs) contíguas, que perfazem um total de 33.757 hectares. São a TI Potiguara, a TI Jacaré de São Domingos e a TI de Monte-Mór
que estão situadas entre os municípios de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto. Os povos Potiguara possuem um vasto conhecimento sobre os
diferentes ambientes de seu território (SILVA, 2015). A seguir podemos visualizar através do mapa como estão distribuídas atualmente as Terras
Indígenas (Tis) Potiguara da Paraíba:

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PARAÍBA POTIGUARA: TERRITÓRIO, QUESTÕES AMBIENTAIS E ETNOMAPEAMENTO

Mapa: 1

Fonte: Cardoso; Guimarâes, 2012.

A questão ambiental nas terras indígenas Potiguara


Para iniciarmos uma análise da questão ambiental nas terras indígenas Potiguara é necessário uma breve caracterização dos recursos
naturais encontrados neste tecido territorial. De acordo com o antropólogo Sidney Peres, estas terras se caracterizam por possuir clima quente e
úmido (ou tropical chuvoso), com temperaturas médias de 27º C e 28º C, e elevados índices pluviométricos (de 1.800 a 2.000 mm/anuais), curtos
períodos de seca (até 2 meses ao ano) e uma umidade relativa do ar com médias de 80%. Com estas condições de umidade encontraremos uma
vegetação variada: matas, manguezais, campos de várzea e cerrados (tabuleiros). Os tipos de solos encontrados nestas terras são: de mangue,
salgados e encharcados permanentemente e sob influência das marés; de várzea, aluviais e hidromórficos; e os arenosos e argilosos de baixa
fertilidade, lixiviados (podzólicos e latossolos) sobre sedimentos terciários, que correspondem a maior parcela das terras indígenas. A rede de
drenagem é formada por pequenas bacias hidrográficas restritas aos tabuleiros, que se desenvolve no sentido oeste-leste (bacia do rio Estiva),
intercalada pela bacia do rio Mamanguape, proveniente do planalto da Borborema e que obedece ao mesmo direcionamento (SILVA, 2015).
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SIDNEI FELIPE DA SILVA
PARAÍBA POTIGUARA: TERRITÓRIO, QUESTÕES AMBIENTAIS E ETNOMAPEAMENTO

Uma das maiores preocupações com a degradação ambiental para os indígenas Potiguara em seus territórios é o cultivo da cana-de-açúcar
que ocupou grande parte do território dos tabuleiros costeiros, situados em torno dos 100 metros de altitude, onde estão os grotões, pequenos vales
encaixados, cujos riachos alimentam a bacia do rio Mamanguape, que se localiza em uma área plana que facilita a irrigação, tornando-se ideal para
a agricultura mecanizada, utilizada por usinas e destilarias.
A presença das usinas nas imediações das terras indígenas é considerada como mais um impacto de alto potencial poluidor. Os rejeitos da
usina, a calda, se referem principalmente ao vinhoto despejado nos rios Mamanguape e Camaratuba. Segundo relato dos Potiguara, o despejo do
vinhoto nos rios causa alterações significativas na qualidade das águas , bem como nos ciclos da fauna e flora aquáticas e, por consequência, na
economia e disponibilidade de alimentos, considerando que grande parte da alimentação Potiguara é proveniente dos recursos oferecidos pelos
rios, mangues e mar. A imagem a seguir apresenta um canavial próximo ao limite e as vezes invadindo terras das aldeias indígenas Potiguara:

Figura 1: Cultivo da cana-de-açúcar

Predominância do cultivo da cana-de-açucar. Visualização de uma área de cultivo da cana-de-açúcar que se encontra situada em uma área que se limita, confunde-se e invade
as áreas destinadas as terras indígenas Potiguara. (SILVA, 2015)


Segundo Andrade (1997, p. 34), “a destruição da mata para que o solo fosse ocupado pela cana foi quase total, não se encontrando mais a
mesma, senão representadas por pequenos testemunhos no baixo vale”. Os ingazeiros representam a vegetação mais característica do ecossistema
da mata.
Atualmente existe uma enorme preocupação com a degradação ambiental que ocorre no baixo curso do rio Mamanguape. Um problema
visível é o processo erosivo de suas margens, que caracteriza o assoreamento do rio, ou seja, é o “transporte da terra fértil e dos materiais pesados,
que são depositados no fundo do rio, comprometendo o seu nível de profundidade, certamente este fenômeno está ligado à falta de vegetação nativa
que antes absorvia a água” (VASCONCELOS; GEWANDSZNAJDER, 1983, p. 206).
As áreas de Mata Atlântica foram muito degradadas em virtude do cultivo da cana-de-açúcar, que a partir da década de 1980, com o
PROÁLCOOL, teve as áreas do cultivo ampliadas, causando grandes impactos ambientais neste bioma. A poluição e o assoreamento dos rios
causados pelo cultivo da cana-de-açúcar também afetou mangues e tabuleiros, impactando os ecossistemas fluviais e estuarinos.
É nesse sentido que a etnia Potiguara vem travando ao longo da história lutas com usineiros, fazendeiros e empresários (latifundiários),
para que não destruam e não poluam o meio ambiente. Além disso, as batalhas travadas com a Companhia de Tecidos Rio Tinto (CTRT) pela
demarcação das terras indígenas e finalmente as terras que pertencem a Área de Proteção Ambiental (APA) da Barra do Rio Mamanguape1, são
questões de relevante importância para a permanência de maneira sustentável destes povos em suas terras.
A APA conta com remanescentes da Mata Atlântica e outros biomas que são de fundamental importância para a conservação e preservação
dos recursos naturais neste território, assim como a maior área de manguezal conservado do Estado da Paraíba.

As unidades de conservação APA da Barra do Mamanguape e ARIE da Foz do Mamanguape são sobrepostas às Terras Indígenas Potiguara de
Monte-Mór. Além delas há uma Reserva Ecológica do Rio Vermelho na TI Monte-Mór, cujos conflitos tratam principalmente da extração de
madeira. A APA sobrepõe-se às terras indígenas afetando territórios das aldeias Acajutibiró, Caieira, Val, Camurupim, Tramataia, Brejinho, Três
Rios, Jaraguá e Monte-Mór (CARDOSO; GUIMARÃES, 2012, p. 33).

Apesar de possuir áreas destinadas à preservação e conservação de seus recursos naturais e humanos, a degradação ambiental é bastante recorrente
nos municípios de Rio Tinto, Marcação e Baía da Traição, através do desmatamento no entorno das reservas, geralmente promovidos pela expansão
da monocultura canavieira nas áreas de tabuleiro da região, e das pessoas que entram nestas áreas para extrair madeira, caçar e coletar outros tipos
de recursos naturais. E, nas áreas de manguezais, os maiores impactos ambientais ocorrem através da carcinicultura e da extração de madeira nas
áreas de maior contato com as populações ribeirinhas (MARIANO; MARIANO NETO, 2009).
Diante das questões ambientais neste território, marcado pela superposição de terras, esse estudo busca apresentar alternativas sustentáveis
para promover a recuperação das áreas degradadas. Nesse sentido, um importante instrumento entrou em ação com um projeto elaborado por
técnicos da FUNAI e pelos indígenas Potiguara, o Etnomapeamento das Terras Indígenas do povo Potiguara da Paraíba.
1 Nessa reserva classificada como Unidade de Conservação (UC), criada em 10 de setembro de 1993, pelo Decreto Federal nº 924, dentro de seus limites, encontram-se incluídas
seis aldeias indígenas Potiguara, situada, nas margens esquerdas da foz do Rio Mamanguape, no Litoral Norte do Estado da Paraíba.
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PARAÍBA POTIGUARA: TERRITÓRIO, QUESTÕES AMBIENTAIS E ETNOMAPEAMENTO

Etnomapeamento das Terras Indígenas dos Potiguara da Paraíba


Em 2010, os técnicos da FUNAI e a comunidade indígena Potiguara se uniram para a elaboração do mapeamento das terras indígenas.
Segundo os especialistas do órgão, esta ação ocorreu em clima de diálogo, utilizando na construção e elaboração dos mapas uma linguagem
popular, para a participação dos indígenas, já que é de extrema relevância o conhecimento e a intervenção deles para a elaboração e conclusão do
trabalho.
A temática dos mapas tiveram como foco principal os impactos e conflitos ambientais, usos atuais das terras e tipos de solos, entre outros.
O lançamento dos mapas nas aldeias do povo Potiguara contou com a presença e participação das lideranças locais e dos membros da comunidade.
Foi também registrada a presença do cacique-geral, Sandro Potiguara, dos representantes da FUNAI e da APOINME (Articulação dos Povos e
Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo), do vice-cacique do Território Pankaru de Entre-Serras, Marcelo Monteiro, e
do secretário de Assuntos Indígenas do município de Petrolândia-PE, Adelmar Júnior.
Os etnomapas foram apresentados à comunidade indígena Potiguara em clima de comemoração. Os povos indígenas Potiguara realizaram
ritual do Toré, e puderam conferir os mapas temáticos montados em um painel conforme as imagens a seguir:

Figuras 2 e 3: Apresentação dos Etnomapas

Etnomapeamento das TIs do povo Potiguara da Paraíba. Na primeira figura à esquerda podemos visualizar os índios Potiguara realizando um ritual sagrado no evento, o Toré.
Na segunda observa-se a participação no evento da liderança indígena de Monte-Mór, a cacique Claudecir da Silva Braz. Agosto de 2011. Autoria: Leandro Potiguara.


O referido projeto culminou com a publicação do livro Etnomapeamento dos Potiguara da Paraíba, fruto dos estudos sobre os conhecimentos
etnoambientais realizado com os indígenas no período de agosto de 2010 a agosto de 2011. O estudo foi realizado através de oficinas, caminhadas
pelo território, conversas e entrevistas, em um clima de diálogo intercultural e intercientífico. Esta pesquisa enquadra-se em uma proposta de
fomento à gestão territorial em terras indígenas, combinando a dimensão política e de planejamento do território, com a dimensão ambiental de
ações de etnodesenvolvimento, calcado na valorização da cultura e na segurança alimentar, bem como pela proteção do território e conservação
dos recursos ambientais.
Os mapas são produzidos através de diagnósticos etnoambientais que correspondem a uma das abordagens possíveis na descrição dos
conhecimentos tradicionais e formas de manejo tradicionais dos recursos ambientais, bem como nas relações econômicas e de poder existente
no espaço diagnosticado. A produção dos mapas com a participação dos Potiguara, desenhados sob seu ponto de vista e para atender aos seus
interesses, apresentam subsídios para a gestão territorial e à elaboração de políticas públicas. As imagens a seguir apresentam os povos Potiguara
participando da elaboração dos etnomapas junto aos técnicos da FUNAI:

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SIDNEI FELIPE DA SILVA
PARAÍBA POTIGUARA: TERRITÓRIO, QUESTÕES AMBIENTAIS E ETNOMAPEAMENTO

Figuras 4 e 5: Elaborando os Etnomapas

Elaborando os Etnomapas das TIs do povo Potiguara da Paraíba. Na primeira figura à esquerda podemos visualizar os índios Potiguara produzindo os etnomapas. Na segunda
observa-se a participação dos técnicos da FUNAI na elaboração dos etnomapas (CARDOSO; GUIMARÂES, 2011).

O território para os povos indígenas em geral e culturalmente possui uma relação íntima com a natureza, e no caso de populações tradicionais
como os povos indígenas Potiguara, devemos compreender que para preservar os seus recursos naturais é necessário respeitar os limites de suas
terras. A partir desta compreensão podemos avançar na questão da territorialidade, com a qual os Potiguara exercerão o direito autônomo de
gerenciar e administrar seu próprio território.
A seguir, apresentaremos os mapas elaborados, ou seja, o resultado do etnomapeamento das Terras Indígenas (TIs) Potiguara e apresentados
nas aldeias indígenas. Segue abaixo o resultado do estudo de etnomapeamento realizado por técnicos da FUNAI e pelos Potiguara nas TIs Potiguara:
no Etnomapa 1, podemos verificar o conhecimento que os Potiguara possuem sobre a inter-relação entre o relevo, a terra, vegetação e os corpos
d’água em seu território e, através deste conhecimento, poder tomar decisões sobre o uso dos espaços.
No Etnomapa 2, fica registrada a preocupação dos Potiguara em relação à degradação ambiental em suas terras. Os Potiguara estão se
esforçando para preservar algumas de suas áreas regulando seu uso e impedindo as queimadas e substituição da vegetação pela cana-de-açúcar
ocorram.
Os Potiguara utilizam e manejam suas terras de diversas formas, as famílias geralmente possuem o conhecimento e a estratégia para acessar
os muitos ambientes ao longo do ano e se utilizar de uma grande variedade de animais e vegetais associados a estes ambientes. Ou seja, podem
dedicar-se a diversas atividades de maneira articulada, tais como: cultivar e pescar, ou são assalariados e pescam ocasionalmente, ou criam gado,
praticam apicultura, mariscam, coletam frutas entre outras atividades, conforme o Etnomapa 3.
Este trabalho de etnomapeamento das TIs Potiguara deve trazer aspectos positivos para a comunidade indígena e tende a se refletir em
outras comunidades indígenas do país, por que os mapas tendem a simbolizar o fortalecimento político e sustentável das etnias. O povo Potiguara
pode utilizar os mapas para localizar os pontos negativos e positivos encontrados em seus territórios, e assim poderão realizar atividades que visem
recuperar as áreas degradadas, além de utilizar como referência os indicadores positivos apresentados para a conservação de seus recursos.

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PARAÍBA POTIGUARA: TERRITÓRIO, QUESTÕES AMBIENTAIS E ETNOMAPEAMENTO

Etnomapa 1:

Fonte: Cardoso; Guimarâes, 2012.

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PARAÍBA POTIGUARA: TERRITÓRIO, QUESTÕES AMBIENTAIS E ETNOMAPEAMENTO

Etnomapa 2:

Fonte: Cardoso; Guimarâes, 2012.

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PARAÍBA POTIGUARA: TERRITÓRIO, QUESTÕES AMBIENTAIS E ETNOMAPEAMENTO

Etnomapa 3:

Fonte: Cardoso; Guimarâes, 2012.

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PARAÍBA POTIGUARA: TERRITÓRIO, QUESTÕES AMBIENTAIS E ETNOMAPEAMENTO

A valorização da qualidade de vida promove a emergência da discussão ambiental. Perpassa essa discussão, não só a necessidade de
preservação na natureza como recurso, mas também a valorização da natureza como patrimônio, assim como a discussão e proposição das formas
de uso e preservação. “Esta temática promove no âmbito científico uma releitura dos conceitos de natureza e sociedade” (SILVA; GALENO, 2004,
p. 185). Nesta relação entre natureza e sociedade nas terras indígenas, os etnomapas podem e devem ser utilizados como instrumento para a
compreensão do atual estado de degradação e da utilização deste território pela comunidade.

Considerações Finais
Sobre a pesquisa relacionando os povos indígenas Potiguara, suas terras e o meio ambiente, é importante esclarecer que os próprios
Potiguara e pesquisadores estão divulgando e produzindo livros e cartilhas que possuem capítulos destinados à questão ambiental. E os próprios
Potiguara consideram relevante os estudos sobre os recursos naturais que ainda dispõem em suas terras. A abordagem dos conceitos de território
e territorialidade são necessárias para o trabalho, apresentar um aporte teórico da pesquisa que contemple estes sujeitos, os Potiguara. Assim
procuramos esta fundamentação em Hasbaert (2004) que em suas ideias propostas faz reflexões sobre o pensar multiterritorialmente como sendo a
única perspectiva para a construção de uma outra sociedade, mais universalmente justa e igualitária e mais multiculturalmente reconhecedora das
diferenças humanas.
Ao falarmos sobre a relação dos índios com a natureza, num contexto geral, sempre se apresentou como sendo uma relação de harmonia
com a natureza, baseada no respeito aos seres vivos. Seus conhecimentos baseados na cosmologia, sempre teve como referência a manutenção de
sua sobrevivência, sempre respeitando os elementos naturais, sabendo utilizar a natureza sem degradá-la (SILVA, 2015).
É impossível falar de povos indígenas sem falar da natureza, pois esta é uma relação que se dá através de um convívio diário com elementos da
sua cosmologia, por meio dos seus conhecimentos tradicionais os quais trazem as diversas formas de manejar os ecossistemas e toda a biodiversidade
presente em seus territórios, respeitando seu nicho ecológico.
Para os povos indígenas Potiguara, a “terra”, as “águas”, as “matas”, as “furnas”, as “cachoeiras” e tudo que integra a “mãe natureza” são
elementos que constituem lugares sagrados. Segundo Barcellos (2012) “o povo indígena tem nesse território sua fonte de inspiração, purificação e
mediação do humano com o divino”. Apesar desta cosmovisão dos Potiguara, é importante demonstrar que as aldeias, por se localizarem próximas
a zona urbana dos municípios, estão em constante contato com a população não indígena e com os seus costumes e cultura. Além disso, muitos
não-índios moram e vivem entre os Potiguara nestas aldeias. Assim podemos afirmar que a preocupação com as questões ambientais neste tecido
territorial não são consideradas prioridade entre os que habitam estas terras.
De acordo com Palitot (2005), nas últimas décadas, tem se verificado neste território uma grande degradação dos recursos naturais,
principalmente por causa dos interesses econômicos dos grupos agroindustriais que visam ao lucro, independentemente da situação das terras.
Assim, os índios estão denunciando estes sujeitos de poder econômico que tentam se estabelecer para subtrair as riquezas existentes em suas terras.
Historicamente, o sistema econômico que caracterizava as comunidades tradicionais era sustentado na base familiar, com reduzidos impactos ao
meio ambiente. Nos últimos anos, a concorrência desigual do modo de produção tradicional com as empresas que trabalham em escala comercial
visando o lucro, estimulou a adoção de práticas predatórias de extração dos recursos naturais pelas populações tradicionais. Muitas vezes tais
práticas são inseridas por meio do “empoderamento” com as comunidades. Entretanto, este “empoderamento” acaba numa formulação voluntarista
e vaga, que não permite compreender nem orientar os movimentos sociais de justiça ambiental pela incorporação de princípios de equidade às
condições de sustentabilidade (LEFF, 2009).
Diante dessa relação íntima entre os sujeitos que tencionam as relações neste delicado tecido territorial, que são as reservas ambientais,
as reservas indígenas, a zona urbana do município de Rio Tinto, a CTRT, a produção monocultora da cana-de-açúcar e outros elementos, que
fazem destas terras um grande mosaico de diversidade natural e cultural, torna-se visível a necessidade de buscar tornar possível uma relação mais
equilibrada entre o homem e a natureza. Durante a pesquisa, ao conversar e ouvir os Potiguara, começamos a compreender que estes povos querem
e pretendem proteger o que ainda resta dos recursos naturais de suas terras, a exemplo do cacique Anibal da aldeia Jaraguá e da cacique Cal da
aldeia Monte-Mór, em que ambos são favoráveis a realização de projetos que contemplem práticas ambientais sustentáveis nas terras indígenas.
De acordo com Barcellos (2012), de maneira geral o meio ambiente nas terras do povo Potiguara encontra-se muito afetado pela ação do ser humano.
São inúmeros fatores que contribuíram para o agravamento do atual estágio de devastação da vegetação nativa, dentre os quais a monocultura
canavieira, que tem provocado o desaparecimento das restingas, das matas de tabuleiros costeiros, o empobrecimento do solo, bem como a extinção
gradativa de toda a biodiversidade.
Não consideramos esse estudo concluído, mas sim, uma investigação que procura apresentar possibilidades junto ao povo Potiguara de
conservação e preservação dos recursos naturais e humanos nas terras indígenas da Paraíba. Nesse sentido, precisamos continuar acompanhado o
desenrolar das possíveis práticas ambientais vitais para o processo de (re)organização dos povos Potiguara.

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PARAÍBA POTIGUARA: TERRITÓRIO, QUESTÕES AMBIENTAIS E ETNOMAPEAMENTO

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A DINÂMICA DO TURISMO NO TERRITÓRIO
DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (APA) COSTA DOS CORAIS
(ALAGOAS – PERNAMBUCO):
perspectivas para o desenvolvimento local1

Celso Cardoso Gomes2


Doutorando do Programa de Pós-Graduação - Departamento de Geografia/ Universidade de Brasília – UnB
marmecel@gmail.com

Fernando Luiz Araújo Sobrinho3


Docente - Programa de Pós-Graduação - Departamento de Geografia/ Universidade de Brasília – UnB
flasobrinho@unb.br

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar a dinâmica do turismo no território da APA da Costa dos Corais, tendo como foco contribuir com o
entendimento do processo de reestruturação produtiva e das perspectivas para o desenvolvimento nas escalas local e regional. A área foi escolhida
por possuir grande relevância ecológica, uma vez que se trata da maior Unidade de Conservação Federal Marinha do Brasil. Possui mais de 400
mil hectares de área, aproximadamente 120 km de praias e mangues, considerada de uso sustentável, busca coadunar os objetivos de conservação/
preservação ambiental, bem como usos direto (pesca) e indireto (turismo e pesquisa) dos recursos naturais. Para a análise, inicialmente foi realizado
um levantamento bibliográfico, posteriormente observação de campo e entrevistas semiestruturadas nos órgãos públicos, associações ligadas ao
turismo e instituições privadas que fazem parte do arranjo produtivo do turismo, visando alcançar o objetivo do artigo. As devidas considerações
finais poderão subsidiar o entendimento da dinâmica do turismo no território da APA da Costa dos Corais, o reconhecimento do processo de
reestruturação produtiva, como também contribuir para o planejamento e gestão deste território; consequentemente estimulará a proteção do
ambiente e as perspectivas para o desenvolvimento local.

Palavras-Chave: Dinâmica; Turismo; Território; APA da Costa dos Corais; Desenvolvimento local.

Introdução
O presente artigo tem como objetivo analisar a dinâmica do turismo no território da APA da Costa dos Corais, tendo como foco contribuir
com o entendimento do processo de reestruturação produtiva e das perspectivas para o desenvolvimento nas escalas local e regional. Com o intuito
de responder ao objetivo do artigo pergunta-se: a dinâmica do turismo no território, em particular, de Unidades de Conservação – U.C pode
estimular a proteção do ambiente e contribuir com o desenvolvimento local e regional?
A área foi escolhida por possuir grande relevância ecológica, uma vez que se trata da maior Unidade de Conservação Federal Marinha do
Brasil. Possui mais de 400 mil hectares de área, aproximadamente 120 km de praias e mangues, considerada de uso sustentável, busca coadunar
os objetivos de conservação/preservação ambiental, bem como usos diretos (pesca) e indiretos (turismo e pesquisa) dos recursos naturais. No
território da APA da Costa dos Corais também se encontram a Reserva Biológica de Saltinho, Mata Pedra do Conde, Mata de Pau Amarelo, entre
outras UC, portanto se enquadrando como uma importantíssima área no contexto ambiental brasileiro.
A APA da Costa dos Corais abriga uma importante barreira de corais que é protegida pela legislação federal; todavia os usos múltiplos do
seu território, em especial o caso do turismo, têm fomentado a partir de sua dinâmica e do processo de reestruturação produtiva, riscos ambientais
consideráveis. Deste modo, é importante compreender as contradições, oposições e conflitos na gestão do território, com isso podendo contribuir
com a preservação para as gerações futuras.

1 Trabalho vinculado ao Laboratório GeoRedes do Departamento de Geografia – DGEA/UnB e orientado por Fernando Luiz Araújo Sobrinho.

2 Doutorando do Programa de Pós-graduação de Geografia/UNB, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA/UFPE, Especialista no Ensino da Geografia e a
Questão Ambiental – FUNESO/UNESF e graduado em Geografia – FFPNM/UPE.

3 Docente do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade de Brasília. Doutor em Geografia. Professor do Programa de Pós-graduação em Geografia – POSGEA/
UnB e do Departamento de Geografia DGEA/UnB. Flasobrinho@gmail.com.
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A DINÂMICA DO TURISMO NO TERRITÓRIO DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL - COSTA DOS CORAIS (ALAGOAS – PERNAMBUCO): PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL

O território da APA da Costa dos Corais tem a presença de instituições ambientais, órgãos ambientais, organizações não-governamentais,
área estratégica do turismo em Pernambuco e Alagoas, como também foi beneficiada por recursos do Programa de Desenvolvimento do Turismo
no Nordeste (PRODETUR). Consequentemente configura-se como um território diferenciado devido as suas particularidades ambientais,
institucionais e pelo significativo crescimento do setor turístico nas últimas décadas (1990-2017). Apesar das características desse território, o
mesmo apresenta grandes contradições nas dimensões social, econômica e ecológica.
Em função das contradições socioespaciais existentes na área da APA Costa dos Corais pretende-se analisar a dinâmica da atividade turística,
com o intuito de promover a proteção do ambiente, o empoderamento da sociedade, o desenvolvimento regional e local, particularmente através
do turismo.
O território da APA Costa dos Corais tem usos diversos, sendo os principais: a agricultura, a pesca, o comércio, a indústria de transformação,
o setor público e, principalmente, a atividade turística. O turismo é entendido como mola propulsora do desenvolvimento e como uma opção mais
rentável (SELVA 2000) dentre as demais atividades econômicas. Apesar da escolha por parte da gestão pública e do setor privado pela inserção,
estímulo e promoção da atividade turística os resultados têm contribuído, especialmente, para o crescimento econômico, com isso sofrendo um
intenso antagonismo no contexto social e ecológico constituído, principalmente, pela ineficiência das políticas públicas e de sua gestão.
O modelo adotado pelas grandes corporações do turismo e governos neoliberais tem como base a acumulação do capital e divisas, o que,
segundo Coriolano (2006), ocasiona efeito inverso: ao potencializar efeitos econômicos, acentua os problemas sociais e ecológicos, descumprindo
as promessas de geração de emprego, distribuição de renda e melhoria da qualidade de vida. Logo se distancia de uma prática fundamentada
na sustentabilidade ambiental (GOMES, 2014). O turismo é uma atividade que permeia realidades contraditórias e complexas, particularmente
devido à forma como se apropria do espaço e da maneira que é materializado na localidade (SANTOS, 1997), bem como o tipo de planejamento
realizado e da gestão desses espaços (RUSCHMANN, 2012), principalmente quando o território no qual ocorre essa dinâmica se trata de unidade
de conservação – UC.
A complexidade da atividade turística pode contribuir positivamente ou negativamente para o lugar (SILVEIRA, 1997), especialmente em
UCs. É importante destacar que a atividade deve ser incorporada, a depender do município, como mais uma atividade econômica e não como a
atividade principal, em virtude de que os traços sociais, econômicos e culturais presentes devem ser mantidos e fortalecidos, a fim de empoderar a
sociedade, com vistas a desenvolver o turismo de forma participativa, endógena e numa perspectiva inicial local e regionalizada.
Nas áreas em que o turismo acontece instalam-se equipamentos e serviços para o seu funcionamento; contudo o planejamento e a gestão são
ineficientes. A infraestrutura municipal é deficiente e é pouco estimulada a participação dos agentes produtivos no espaço turístico, de modo que
os municípios, na maioria dos casos, não conseguem com seu quadro de pessoal e com os instrumentos e estrutura para gestão ambiental, gerirem
as práticas turísticas locais de tal forma que os efeitos ecológicos, sociais, econômicos e institucionais contribuam para o desenvolvimento local e
regional.
Para a presente análise, inicialmente foi realizado um levantamento bibliográfico, posteriormente observação de campo e entrevistas
semiestruturadas nos órgãos públicos, associações ligadas ao turismo e instituições privadas que fazem parte do arranjo produtivo do turismo,
visando alcançar o objetivo do artigo.
As devidas considerações finais poderão subsidiar o entendimento da dinâmica do turismo no território da APA da Costa dos Corais, o reconhecimento
do processo de reestruturação produtiva, como também contribuir para o planejamento e gestão deste território e, consequentemente, estimular a
proteção do ambiente e as perspectivas para o desenvolvimento local.

Caracterização da área
O presente artigo tem como referência o território da APA da Costa dos Corais (Figura 01) que se estende por 12 (doze) municípios
seguintes: Maragogi, Japaratinga, Porto de Pedras, São Miguel dos Milagres, Passo do Camaragibe, Barra de Santo Antônio, Paripueira e Maceió4,
localizados no litoral norte do estado de Alagoas e os municípios de Rio Formoso, Tamandaré, Barreiros e São José da Coroa Grande localizados
no litoral sul do estado de Pernambuco.

Figura 01 - Territória da APA da Costa dos Corais.

Figura 01 – APA da Costa dos Corais

Fonte: ICMBIO, 2013

4 Os municípios de Rio Formoso/PE e Maceió/AL apesar de estarem no território da APA da Costa Corais não serão considerados no estudo, uma vez que são praticamente
limítrofes da unidade de conservação, de modo que poderão alterar simbolicamente os dados, com isso gerar uma representatividade irreal da área de estudo.
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CELSO CARDOSO GOMES - FERNANDO LUIZ ARAÚJO SOBRINHO
A DINÂMICA DO TURISMO NO TERRITÓRIO DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL - COSTA DOS CORAIS (ALAGOAS – PERNAMBUCO): PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL


A APA Costa dos Corais (APACC) foi criada através de uma norma interna do IBAMA, visando a preservação dos recifes de corais e arenitos,
fauna, flora, praias e manguezais ao longo de 120 km de litoral entre os municípios de Rio Formoso (Estado de Pernambuco) e o Município de
Paripueira (Estado de Alagoas), além de 18 milhas náuticas. Abrange quatro municípios em Pernambuco e oito em Alagoas. O seu gerenciamento
é realizado em conjunto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, Instituto Chico Mendes da
Conservação da Biodiversidade - ICMBIO e pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, através do Projeto Recifes Costeiros.

A dinâmica social e econômica dos municípios da APA Costa dos Corais


O território turístico da APA da Costa dos Corais é composto por doze municípios pertencentes aos Estados de Alagoas e Pernambuco,
possui uma concentração populacional estimada de 188.658 habitantes (IBGE, 2017), sendo os municípios de Barreiros/PE e Maragogi/AL os mais
populosos (Tabela 01).

Tabela 1: População (Estimativa 2017) e Índice de Desenvolvimento Humano.

Fonte: IBGE/POF-2002/2003-IBGE, 2010/2017 - PNUD, 2013 - MTE/RAIS - Município - 2014, adaptado por Gomes, 2017.

Os municípios do território da APA da Costa dos Corais apresentam um índice de desenvolvimento humano municipal de 0,576 (IBGE
2010/2017, PNUD, 2013, MTE/RAIS, 2014), considerado neste caso como mediano. O município de menor IDH-M é Porto de Pedras/AL, já o que
apresenta maior IDH-M é São José da Coroa Grande/PE, de acordo com a tabela acima (Tabela 01).
Quando se compara o IDH-M dos anos 2000 com a última edição do Atlas Brasil 2013, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
- PNUD se percebe uma moderada evolução durante a década, porém a incidência de pobreza ainda é muito elevada na maior parte dos municípios
deste território turístico. O município de Paripueira/AL com 77,25% de sua população em situação de pobreza caracteriza expressamente que a
maioria dos municípios da área em questão possui intensas desigualdades sociais, fomentada, provavelmente, pela ineficiente da gestão pública.
Os municípios são desestruturados e desarticulados, consequentemente resultando numa taxa de geração de empregos baixa e inclusive alguns
municípios têm retroagido suas taxas. O território turístico da APA da Costa dos Corais tem gerado cerca de 18.631 empregos (MTE/RAIS,
2014), sendo os municípios de Barreiros e Tamandaré, ambos em Pernambuco que apresentam maiores índices de emprego (Tabela 02). De forma
preliminar se concluí que a proximidade destes municípios com a Região Metropolitana de Recife e Porto de Suape/PE, bem como o incremento
do turismo já existente em Tamandaré/PE tenham impulsionado a maior geração de empregos.
Os municípios de Japaratinga/AL, São Miguel dos Milagres/AL e Porto de Pedras/AL apresentam os menores índices de empregos (Tabela
02). De maneira inicial são possíveis motivações a desarticulação e falta de investimentos por parte governamental, apesar da relativa proximidade
com a Região Metropolitana de Maceió/AL.

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CELSO CARDOSO GOMES - FERNANDO LUIZ ARAÚJO SOBRINHO
A DINÂMICA DO TURISMO NO TERRITÓRIO DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL - COSTA DOS CORAIS (ALAGOAS – PERNAMBUCO): PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL

Tabela 2: Número de empregos ativos em 31/12.

Fonte: MTE/RAIS - Município - 2014, adaptado por Gomes, 2017.


O território turístico da Costa dos Corais apresenta um baixo quantitativo de emprego, sendo a maior parte na Administração Pública
(Tabela 03), aproximadamente 50,87%, dos 15.733 empregos ativos (MTE/RAIS, 2014). Importante destacar que se tem uma população estimada
(IBGE, 2017) de 188.658 habitantes no território, logo apenas 8,33% da população está empregada.
Os setores de comércio e serviços tem destaque em relação à geração de empregos diretos e indiretos no território da APA da Costa dos
Corais, aproximadamente 49,13% estão nos setores destacados. Pode-se destacar que o turismo é uma das atividades responsáveis pelo interessante
incremento no comércio e serviços, portanto percebe-se que a gestão deste espaço e da atividade turística poderá contribuir para minimizar as
desigualdades sociais, todavia se estiver alicerçada no empoderamento da sociedade local, participação e gestão do turismo.

Tabela 3: Número de empregos ativos em 31/12 por setor.

Fonte: MTE/RAIS - Município - 2014, adaptado por Gomes, 2017.

Ocorrem usos múltiplos do território da APA da Costa dos Corais, destacadamente a indústria de transformação, construção civil,
agropecuária, extração vegetal e mineral. Todavia pela beleza cênica, presença de duas áreas de proteção ambiental, uma reserva biológica,
localização privilegiada entre os Estados de Alagoas e Pernambuco, contexto litorâneo, presença de meios de hospedagens, de órgãos públicos
ambientais e organizações não governamentais, estes já conectados com os serviços e comércio (Turismo/Meios de Hospedagens/Restaurantes/
Bares/Etc.), percebe-se como o turismo já faz parte da dinâmica econômica destes municípios. Por conseguinte, a pesquisa tem enfoque na esfera
do comércio e serviços, com destaque para a importância e centralidade do turismo.

Turismo e território: relações e complexidades


O turismo é uma atividade que pode ser analisada em diferentes perspectivas, uma vez que conecta as dimensões social, econômica,
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CELSO CARDOSO GOMES - FERNANDO LUIZ ARAÚJO SOBRINHO
A DINÂMICA DO TURISMO NO TERRITÓRIO DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL - COSTA DOS CORAIS (ALAGOAS – PERNAMBUCO): PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL

ecológica e cultural. Segundo Moesch (2002) se configura como uma:

[...] combinação complexa de inter-relacionamentos entre produção e serviços, em cuja composição interam-se uma prática social com base cultural,
com herança histórica, a um meio ambiental diverso, cartografia natural, relações sociais de hospitalidade, troca de informações interculturais. O
somatório desta dinâmica sociocultural gera um fenômeno, recheado de objetividade/subjetividade, consumido por milhões de pessoas, como síntese:
o produto turístico. (MOESCH, 2002, p. 9)

O produto turístico ressaltado por Moesch (2002) externa a complexidade na relação com o território e o turismo, como também a dinâmica
entre os elementos que compõem esse espaço. Já Rodrigues (1997, p. 83) define o turismo como um “[...] fenômeno que apresenta áreas de dispersão
(emissoras), áreas de deslocamento e áreas de atração (receptoras). São nessas áreas que se produz espaço turístico ou se reformula o anteriormente
ocupado”.
O espaço turístico (BOULLÓN, 2002) é constituído a partir de uma dinâmica complexa dos seus elementos, pois é produzido e reproduzido,
de maneira que transforma espaços, de acordo com Rodrigues (1999, p. 56) ao se referir a essa dinâmica, afirma que o turismo, enquanto consumidora
de espaço, “[...] caracteriza-se pelo uso efêmero do território num processo contínuo de desterritorialização e reterritorialização”. Apesar desta
relação efêmera o turismo pode potencializar e facilitar o desenvolvimento socioeconômico de um local, no entanto os ajustes na organização
do território devem garantir as necessidades cotidianas do local, por conseguinte se refletirão na atividade turística (YÁGIZI, 2009). É necessário
analisar o turismo de forma holística, isto é, verificando os aspectos sociais, econômicos, culturais e ecológicos, assim como a participação dos
atores sociais envolvidos, com isso possibilitando compreender os problemas e virtudes condicionados pela atividade (GOMES, 2013).
O turismo também é destacado como “[...] um fenômeno estritamente social” (ROSE, 2002, p. 4), pois a apropriação do espaço pela atividade
se dá exatamente pela intrínseca relação dos múltiplos usos do território pela sociedade que produz, reproduz, condiciona e é condicionada
dialeticamente. De acordo com Silveira (1997) é um fenômeno social, uma das atividades mais crescentes do mundo contemporâneo e classificado

[...] como a principal atividade econômica do mundo, superando até mesmo o petróleo em geração de divisas internacionais, o turismo tornou-se
‘objeto de desejo’. Para muitas regiões, essa atividade provoca impactos negativos no meio ambiente. São impactos que incidem tanto no meio natural
(vegetação, rios, praias, mangues, montanhas, etc.), quanto no patrimônio histórico-cultural e modos de vida dos habitantes locais. (SILVEIRA, 1997,
p. 87)

Considerando a definição de Silveira (1997, p. 95), fica evidente a importância da atividade turística, particularmente, no tocante ao
crescimento econômico que se sobrepõe aos benefícios sociais e ecológicos, ou seja, se distanciando da possibilidade de melhoria das condições
de vida da população envolvida em tal processo. Por conseguinte, se percebe que a dinâmica do turismo no território apresenta significativa
complexidade que é permeada, na maior parte dos casos, por um discurso desenvolvimentista fomentado pela gestão e políticas públicas que pouco
se preocupam com as diferenciações e particularidades dos lugares.
Segundo Coriolano (2006, p. 370) “O turismo materializa-se na lógica da diferenciação histórica e geográfica dos lugares e das regiões”,
desencadeia um processo de espacialização ora desterritorializando, ora reterritorializando, bem como produzindo novas configurações geográficas,
isto é, provocando a formação de novos territórios turísticos. De acordo com Souza (2014, p. 78) “O território [...] é fundamentalmente um espaço
definido e delimitado por e a partir de relações de poder”, de maneira que diversos campos de forças acontecem, principalmente quando conectados
à complexidade da atividade turística.
É essencial compreender que “o território não é uma categoria de análise, a categoria de análise é o território usado. Ou seja, para que o
território se torne uma categoria de análise dentro das ciências sociais e com vistas à produção de projetos, isto é, com vistas à política, com “P”
maiúsculo, deve-se tomá-lo como território usado” (SANTOS, 1999, p. 18). Complementando a ideia do autor supracitado percebe-se que “trata-se
da categoria ‘território usado’, sinônimo de espaço geográfico e relativa a porções do espaço efetivamente usadas pela sociedade e pelas empresas”.
(CRUZ, 2005, p. 28).
Evidentemente o território turístico é fruto das relações de poder e de uso pelo setor público e privado, assim como pela sociedade. Segundo
Saquet apud Candiotto (2004, p. 81) ”O território é produzido espaço-temporalmente pelas relações de poder engendradas por um determinado
grupo social. Dessa forma, pode ser temporário ou permanente e se efetiva em diferentes escalas [...]”.
O processo de formação do território turístico acontece com a apropriação do espaço e se estabelece a partir de diversas relações de poder
evidenciando um intenso campo de forças, mas também do consumo de suas paisagens. Assim sendo “Muitos territórios passam a ser dominados
pelo turismo por oferecer atrativos para a demanda e aos gestores e operadores turísticos oportunidade para alocarem seus investimentos e retirarem
mais-valia dos espaços, do trabalho humano”. (CORIOLANO, 2006, p. 370). Destarte são produzidas e estabelecidas relações de força e poder no
território, assim como expressados de maneira contraditória nas porções do território.
Os territórios turísticos litorâneos, como é o caso da APA da Costa dos Corais, são incorporados em programas, projetos e planos
governamentais, norteados por políticas desenvolvimentistas que expropriam a população do lugar, a fim de criar novos territórios de segundas
residências e resorts. Artificializa o território através do processo de turistificação que reflete um arquétipo contraditório que é um produto
articulado do mercado e estado sobre o espaço, desta forma provocando uma territorialidade artificializada que são verdadeiros espaços simulacros,
denominados de pseudo-lugares (CRUZ, 2007).
Destarte o lugar perde espaço para o pseudo-lugar se transformando em autênticas ilhas da fantasia em que o turista utiliza seu tempo
livre, usufruindo totalmente isolado da realidade local. A comunidade local é excluída e expropriada do seu lugar, em detrimento dos grandes
empreendimentos turísticos (CRUZ, 2007; YÁZIGI, 2009), a partir de um discurso desenvolvimentista que aqui é entendido como potencializador,
apenas, do crescimento econômico, mas que apenas irá atender os interesses do capital (GOMES, 2014).

Turismo e Desenvolvimento Local


O discurso do setor público é de que o turismo pode propiciar o desenvolvimento, no entanto os resultados que têm sido verificados
apresentam, apenas, crescimento econômico, isto é, acumulação de capital e fortalecimentos das grandes corporações do turismo, enquanto a
população local é expropriada, explorada e segregada, contribuindo assim para a acentuação das desigualdades sociais. Logo, fica perceptível a
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A DINÂMICA DO TURISMO NO TERRITÓRIO DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL - COSTA DOS CORAIS (ALAGOAS – PERNAMBUCO): PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL

utilização de um discurso desenvolvimentista, especialmente, por parte das esferas públicas e articulada com o mercado que utilizam o conceito de
desenvolvimento e crescimento econômico como sinônimos, no intuito de apoio para implantação do turismo. Segundo Furtado (1983, p. 90)
[...] o conceito de desenvolvimento compreende a ideia de crescimento, superando-a. Com efeito: ele se refere ao crescimento de um conjunto de
estrutura complexa. Essa complexidade estrutural não é uma questão de nível tecnológico. Na verdade, ela traduz a diversidade das formas sociais e
econômicas engendradas pela divisão do trabalho social. [...]. O conceito de crescimento deve ser reservado para exprimir a expansão da produção real
no quadro de um subconjunto econômico. Esse crescimento não implica, necessariamente, modificações nas funções de produção, isto é, na forma em
que se combinam os fatores no setor produtivo em questão.

Ainda reiterando Furtado (1980; 1983), o mesmo considera o conceito de desenvolvimento com um duplo sentido, todavia distintos, já que o
primeiro conduz à ascensão de um sistema social de produção na medida em que este, mediante a acumulação e progresso das técnicas, vem
tornando-se mais eficaz e com isso elevando a produtividade do conjunto de sua força de trabalho. Já em relação ao segundo sentido nota-se que o
autor condiciona relacionar ao interesse de melhorias para a satisfação das necessidades humanas.
A contextualização do crescimento econômico pode não ter capacidade de subsidiar o desenvolvimento, provocando, especialmente, acumulação
de capital sem distribuição, bem como diminuição da qualidade de vida. Segundo Sen (2000, p. 29) o

[...] o crescimento econômico não pode ser considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhoria
da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Expandir as liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida mais rica e mais
desimpedida, mas também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que
vivemos e influenciando esse mundo.

O turismo tem promovido na maior parte dos casos crescimento econômico, segundo Sachs (2004, p.13) “o crescimento é uma condição
necessária, mas de forma alguma suficiente [...] para se alcançar a meta de uma vida melhor, mais feliz e mais completa para todos”. Todavia os
conceitos de desenvolvimento e crescimento apresentaram diferenciações apenas em meados do século XX, tornando-se mais notório no período
pós-guerra, descrita na citação do britânico Dudley Seers, comentada e destacada como marco desta diferenciação por Boisier (2001, p. 3)

Seers, fuertemente inspirado en el pensamiento de Gandhi, sostiene que debemos preguntarnos a nosotros mismos acerca de las condiciones necesarias
para la realización del potencial de la personalidad humana, algo comúnmente aceptado como objetivo. A partir de esta pregunta Seers apunta a
la alimentación, como uma necesidad absoluta (inmediatamente traducida a pobreza y a nivel de ingreso). Una segunda condición básica para el
desarrollo personal es el empleo y la tercera, es la igualdad entendida como equidad, aquí por tanto ya se introduce un elemento subjetivo e intangible
puesto que el concepto de equidad tiene tales dimensiones[...].

A condição humana passa a ser alvo da diferenciação entre os conceitos de crescimento e desenvolvimento, portanto definindo como
condição uma nova direção para o conceito, partindo do pressuposto de que o indivíduo é mais importante nesse contexto, denominado “Desarollo
a Escala Humana”. Devido às diversas contradições existentes entre os conceitos de crescimento econômico, desenvolvimento e desenvolvimento
local, a presente pesquisa tem como referência o conceito de desenvolvimento em escala local que segundo Buarque (1996, p. 09) “[...] é um
processo endógeno registrado em pequenas localidades territoriais, com agrupamentos humanos capazes de promover o dinamismo econômico e
a melhoria da qualidade de vida da população”.
Existem diversas interpretações a respeito do conceito de desenvolvimento local, porém Buarque (2004, p. 14) afirma que:

O desenvolvimento local pode ser conceituado como um processo endógeno de mudança, que leva ao dinamismo econômico e à melhoria da qualidade
de vida da população em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos. Para ser consistente e sustentável, o desenvolvimento local deve
mobilizar e explorar as potencialidades locais e contribuir para elevar as oportunidades sociais e a viabilidade e competitividade da economia local; ao
mesmo tempo, deve assegurar a conservação dos recursos naturais locais, que são a base mesma das suas potencialidades e a condição para a qualidade
de vida da população local. Este empreendimento endógeno demanda, normalmente, um movimento de organização e mobilização da sociedade local,
explorando as suas capacidades e potencialidades próprias, de modo a criar raízes efetivas na matriz sócio-econômica e cultural da localidade.

Para Buarque (2002, p. 67) o desenvolvimento local sustentável é um processo de transformação social com vistas a “[...] elevação das
oportunidades da sociedade, compatibilizando, no tempo e no espaço, o crescimento e a eficiência econômicos, a conservação ambiental, a qualidade
de vida e a equidade social, partindo de um claro compromisso com o futuro e a solidariedade entre gerações”.
Segundo Endlich (2007, p. 11) destaca-se que “[...] o desenvolvimento local é uma resposta à reestruturação produtiva que situa o
desenvolvimento desigual num contexto de regiões ganhadoras e regiões perdedoras”; destaca-se também que o desenvolvimento deve estar
pautado em transformação consciente da experiência local, ou seja, preocupando-se com o presente, bem como com as gerações futuras (MILANI,
2005).
A conceituação de desenvolvimento local referenciada por Buarque (1998; 2001; 2004) também é compartilhada, de certa forma, por Hanai (2012,
p. 210) que percebe o desenvolvimento local como

[...] um processo endógeno de mudança e, para ser consistente e sustentável, deve levar ao dinamismo e à viabilidade econômica, mobilizando e
explorando as potencialidades locais e contribuindo para elevar as oportunidades sociais e, ao mesmo tempo, deve assegurar a conservação dos recursos
naturais locais, que são as bases de suas potencialidades.

Este conceito engloba a conjuntura econômica, social e ecológica, preconizando assim um processo pautado na sustentabilidade, isto
é, inclui a força do “local” no processo de desenvolvimento sustentável, inclusive abordando a mobilização das pessoas e das instituições pela
transformação socioeconômica das populações locais. Portanto o desenvolvimento que se pensa está conectado a “uma iniciativa ou um processo
de desenvolvimento local quando se constata a utilização de recursos e valores locais, sob o controle de instituições e de pessoas do local, resultando
em benefícios para as pessoas e o meio ambiente local (JESUS, 2006, p. 27).
O turismo se materializa no lugar e tem sido opção do discurso desenvolvimentista para ascensão das economias locais ou regionais, mas
tem contribuído apenas para o crescimento econômico. Por conseguinte, sendo importante o respeito ao endógeno, bem como a valorização da
participação da população local na construção e execução do planejamento e gestão, isto é, a atividade precisa ocorrer na perspectiva de contribuir
para o desenvolvimento local (BUARQUE, 2001 e 2004; JESUS, 2007; ENDLICH, 2007; HANAI, 2012).

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A DINÂMICA DO TURISMO NO TERRITÓRIO DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL - COSTA DOS CORAIS (ALAGOAS – PERNAMBUCO): PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL

Dinâmica do Turismo nos municípios da APA da Costa dos Corais


A urbanização do Litoral Norte do Estado de Alagoas e do Litoral Sul do Estado de Pernambuco, especialmente do território da APA da
Costa dos Corais foi estimulada pelo turismo de fins de semana e veraneio a partir da década de 1970 quando acontece a implantação, ao logo da
orla, dos loteamentos de veraneios.
Os loteamentos de veraneios fizeram parte da política de macro projetos turísticos na década de 1970 que tinha como objetivo inserir o
Brasil no mercado turístico internacional e estimular o desenvolvimento regional. Na área da APA da Costa dos Corais aconteceram o Projeto Costa
Dourada que construiu o Centro Turístico de Guadalupe, apoiado pelo PRODETUR/NE; o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável da
Zona da Mata (PROMATA); Projeto Pinzon; Projeto Porto; Projeto Corais; Projeto Una; Projeto Tesouros do Mar; Projeto Civilização do Açúcar,
entre outros (CONDEPE/FIDEM, 2001).
O turismo de segunda residência, isto é, condomínios, privês e chalés, têm sido construídos ao longo da orla marítima do território da
APA da Costa dos Corais, destaque para o município de Tamandaré/PE, São José da Coroa Grande/PE, Maragogi/AL e Japaratinga/AL devido a
maior proximidade das praias dos Carneiros e Maragogi. O uso e ocupação desse espaço são temporários, uma vez que são bairros utilizados pelos
veranistas, principalmente na alta estação do turismo e que no período da baixa estação tornam-se verdadeiros bairros fantasmas.
A expansão hoteleira também contribuiu para o uso e ocupação do solo, uma vez que estimulou a cadeia produtiva local, ou seja, bares, restaurantes,
supermercados, farmácias, marinas, armazéns de construção, entre outros e com isso possibilitou a geração de emprego e renda. Estes fatores
desencadearam a possibilidade de trabalho e, consequentemente, contribuem para fixar a população local.
Os municípios localizados na APA da Costa dos Corais possuem um perfil turístico de visita originário de, principalmente, de Porto de
Galinhas/PE, São José da Coroa Grande/PE e Maragogi/AL, mas também de Recife, outras capitais brasileiras e outros países (PESQUISA DIRETA,
2012). A dinâmica turística ocorre de três formas principais: o veraneio, o hoteleiro e a visitação diurna, todos condicionados pelo segmento de
turismo de sol e praia.
O veraneio, ou seja, o turismo de segunda residência é tradicional nos municípios da APA Costa dos Corais e esses turistas são originários
dos Estados de Alagoas e Pernambuco. O veranista fica um maior tempo na cidade e utiliza menos os serviços de restaurantes e bares, isto é, a cadeia
produtiva local é menos impactada. O turismo veranista é destaque no processo de expansão do mercado imobiliário entrelaçado ao turístico; isto
ocorre pela disponibilidade de terras para a ampliação, particularmente, ao longo das praias que banham a área urbana dos municípios da APA da
Costa dos Corais.
O turismo hoteleiro possui uma dinâmica de recebimento de turistas advindos de outras regiões, capitais e países, cujo intuito é de permanecer
mais de um dia nos meios de hospedagens existentes. Este segmento tem apresentado significativa evolução tanto no aumento do número de meios
de hospedagens, como no fluxo de turistas que tem visitado os municípios. Este aumento do fluxo turístico tem sido justificado pelos investimentos
do PRODETUR/NE na melhoria da infraestrutura dos municípios da APA da Costa dos Corais.
A visitação diurna, isto é, a do turista que visita a localidade e no fim da tarde retorna para outra cidade, aqui intitulado como excursionista,
tem aumentado, principalmente, no município de Tamandaré, pois é relativamente próximo aos destinos turísticos de Porto de Galinhas/Ipojuca/
PE e Maragogi/AL; essas localidades tem um turismo com uma melhor infraestrutura, possibilitando assim o deslocamento para visitar Tamandaré.
O PRODETUR/NE tem contribuído com um conjunto de investimentos voltados para melhorar a infraestrutura econômica, urbana e gerencial,
tem beneficiado diretamente o território turístico da APA da Costa dos Corais, contudo não há garantias de que os investimentos irão produzir os
resultados desejados.
De forma geral o turismo vem despontando como uma das principais atividades econômicas do território da APA da Costa dos Corais. O
modelo é estruturado através de grandes empreendimentos turísticos como hotéis, resorts, condomínios, privês, bem como do turismo de segunda
residência; caracteriza-se pela sazonalidade, isto é visitação intensa na alta estação do turismo e tem se destacado o fluxo turístico de visitação
mais intenso nos municípios de Tamandaré/PE, São José da Coroa Grande/PE, Maragogi/AL e Japaratinga/AL. Todavia tem representado riscos
ambientais para o território ao mesmo tempo em que se enquadra como perspectiva para o desenvolvimento local e regional.

Reflexões e Perspectivas para o desenvolvimento local


O aumento do fluxo turístico nos municípios da APA Costa dos Corais, nestas últimas décadas (1990-2017) tem contribuído para uma
expansão urbana caracterizada por uma deficiente estrutura de saneamento, sobretudo, nas áreas cuja população apresenta um menor rendimento
mensal.
No território da APA da Costa dos Corais destacam-se Tamandaré/PE, São José da Coroa Grande/PE e Maragogi/AL visto que apresentam
uma estrutura para a gestão turística, ou seja, promovem uma política de gestão ambiental e turística através do ordenamento, com isso possibilitando
a integração desse modelo organizacional. Contudo, é importante repensar se a atividade turística tem sido gerida de maneira sustentável, de forma
a contribuir com o desenvolvimento local, pois o processo de gestão ambiental direcionada ao turismo nestes municípios tem acontecido de forma
desarticulada, centralizada e a participação dos atores sociais não tem sido efetiva, dinâmica e transparente, podendo, consequentemente, acarretar
impactos sociais, econômicos e ecológicos de forma negativa.
Ficou constatado que o município de Tamandaré/PE é o que melhor apresenta a estrutura básica de gestão ambiental, pois possuí Secretaria
de Meio Ambiente, Fundo Municipal de Meio Ambiente, Conselho Municipal de Desenvolvimento e Meio Ambiente, além da presença do Instituto
Chico Mendes (ICMBIO), assim como da Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado de Pernambuco (CPRH). Fornece
suporte ao processo de gestão do turismo do município e apresenta na sua estrutura política a Secretaria de Turismo integrada à Cultura, ao Conselho
Municipal de Turismo (COMTUR) e ao Fundo Municipal de Turismo, bem como é beneficiada pelos recursos do Programa de Desenvolvimento
Turístico do Nordeste (PRODETUR), além de possuir Plano Diretor com a finalidade de integrar esse modelo organizacional.
Embora exista toda uma estrutura de gestão ambiental e turística, principalmente, nos município de Tamandaré/PE, São José da Coroa
Grande/PE e Maragogi/AL, a atividade tem ocorrido de forma não planejada e sem integração, possibilitando a maximização dos efeitos negativos
nas dimensões social, ecológica e econômica, principalmente pela escassa participação dos atores sociais, pois não tem sido efetiva, dinâmica e
transparente, bem como pela falta de articulação e integração das esferas pública e privada.
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A DINÂMICA DO TURISMO NO TERRITÓRIO DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL - COSTA DOS CORAIS (ALAGOAS – PERNAMBUCO): PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL

Neste enfoque Ruschmann (1997; 1999; 2012) menciona a necessidade de verificar os riscos da atividade turística, porquanto poderá
promover apenas relações econômicas, onde as manifestações culturais e ambientais, ou seja, o desenvolvimento humano será, de certa forma,
desprezado em função do crescimento econômico, com isso propiciando apenas crescimento econômico e não o denominado desenvolvimento
local como menciona Buarque (2004).
A gestão pública no âmbito do território da APA da Costa dos Corais está desestruturada em virtude de não possuir sistema de informações,
equipamentos, perfil de demanda, fluxo de turistas, estudo de capacidade de carga, atores sociais preparados, entre outros aspectos. Torna-se uma
contradição devido à existência de toda uma estrutura institucional ligada à gestão ambiental e turística de alguns municípios, entretanto na prática
não consegue um modelo de atuação dinâmico e eficaz.
O grande desafio para os municípios da APA da Costa dos Corais é conseguir articular os projetos e programas municipais com as esferas
estadual e federal, assim como os atores locais, sociedade civil, organizações não-governamentais e setor privado não participarem ativamente de
processo de planejamento e gestão. Nesta perspectiva as potencialidades locais seriam ampliadas.
Ressalta-se, porém, que a participação social se configura como imprescindível a este processo, uma vez que o turismo tem contribuído intensamente
apenas com o crescimento econômico. Embora apresentando uma estrutura organizacional interessante os municípios do território da APA da
Costa dos Corais remam contra o planejamento e a integração.
As unidades de conservação são atrativos turísticos e estimulam o crescimento do turismo; portanto, a gestão destes espaços apresenta-se
como possibilidade para o turismo contribuir para o desenvolvimento local.

Considerações Finais
O presente artigo tinha por objetivo analisar a dinâmica do turismo no território da APA da Costa dos Corais, tendo como foco contribuir
com o entendimento do processo de reestruturação produtiva e das perspectivas para o desenvolvimento nas escalas local e regional, fato alcançado
ainda de maneira superficial devido ao pouco tempo de aprofundamento dos dados e de observação de campo. No entanto foram evidenciados
pontos de significativa importância para o território e o turismo, como a possibilidade de integração de destinos turísticos, podendo assim constituir
circuitos turísticos, com isso dinamizando e fortalecendo a economia local, gerando benefícios sociais e ecológicos, portanto possibilitando
interessante perspectiva para o desenvolvimento local.
O território, neste caso turístico da APA da Costa dos Corais notadamente possui uma predisposição para atividade, uma vez que suas
características físicas, históricas e culturais propiciam o desenvolvimento do setor, especialmente na área litorânea. Apesar disso o turismo tem
contribuído, sobretudo com o crescimento econômico; deste modo se distancia dos princípios da sustentabilidade, consequentemente promovendo
na maior parte dos casos a maximização dos impactos negativos no território, condicionado pela falta de infraestrutura básica, assim como de
planejamento do turismo.
É importante que o turismo seja mais uma atividade econômica e não apenas a grande salvação dos problemas desse território. Evidentemente são
desafios que superados podem se transformar em possibilidades para o turismo nos municípios em questão; deste modo poderão ser somados à
vocação já existente, à beleza cênica, à diversidade histórica e cultural para dinamizar a atividade e refletir em contribuições para o desenvolvimento
local.
Os municípios localizados no território da APA da Costa dos Corais já estão envolvidos em programas estaduais relacionados ao turismo
e possuem uma dinâmica turística estabelecida, contudo apresentam um planejamento deficiente, pouco envolvimento dos agentes produtivos do
turismo, políticas públicas verticalizadas e a pouca infraestrutura. Dentre os municípios destacados é importante ressaltar que Tamandaré/PE, São
José da Coroa Grande/PE e Maragogi/AL possuem estrutura de gestão ambiental e turística, receberam investimentos do PRODETUR, possuem
órgãos e instituições ambientais, entretanto apresentam as mesmas dificuldades dos demais municípios do território.
Vislumbrar perspectivas para o desenvolvimento local com bases na sustentabilidade indica a necessidade de articulação, integração e participação
da comunidade envolvida, assim como melhoria e adequação de infraestrutura para a sociedade local que logo se refletirão no uso turístico.
Designar o turismo como mais uma atividade econômica e não apenas como a grande salvação dos problemas desse território, evidentemente são
desafios que superados se transformarão em perspectivas para o território turístico.
A vocação natural já existente dos municípios da APA da Costa dos Corais, a beleza cênica, a diversidade histórica e cultural pode dinamizar
a atividade e refletir em contribuições para o desenvolvimento local. Nesta trajetória é importante envolver instituições públicas como universidades,
institutos técnicos, entre outros, como também privadas, juntamente a comunidade local, para planejar e executar a atividade, sendo esta mediada
e gerenciada pelo Estado.
Os municípios pertencentes ao território da APA da Costa dos Corais precisam planejar e integrar as políticas públicas direcionadas ao
turismo e empoderar os agentes produtivos do espaço turísticos. Desta forma permitirá a construção de um planejamento pautado na sustentabilidade
e que contribuirá em perspectivas para o desenvolvimento local.

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55
CELSO CARDOSO GOMES - FERNANDO LUIZ ARAÚJO SOBRINHO
56
TERRITÓRIOS NO ESPAÇO DO CERRADO: UMA ABORDAGEM
CULTURAL

Profa. Dra. Luana Nunes Martins de Lima


Departamento de Geografia/ Universidade Estadual de Goiás – UEG
prof.luanunes@gmail.com

Resumo

Este artigo propõe uma análise do sentido do território no espaço do Cerrado, apontando para o seu avanço dentro dos conceitos que se aplicam
ao espaço vivido, bem como para a forma em que este domínio vem sendo abordado nos estudos realizados por diversos autores. O texto foi
produzido a partir de pesquisas realizadas entre os anos de 2011 e 2016 que envolvem, sobretudo, trabalho de campo e observação participante
em comunidades quilombolas Kalunga situadas no nordeste goiano e em festas religiosas dos ciclos junino e natalino, em todo território goiano.
A diversidade cultural que compõe o território do Cerrado reúne diferentes paisagens, símbolos e identidades que marcam e definem territórios
culturais. Ambos os aspectos, material e imaterial, fazem parte do território e são dimensões que devem ser abordadas de maneira complementar e
associativa na leitura do Cerrado. Além disso, os diferentes processos de apropriação desse território, ressignifica-o e reconfigura as territorialidades
de seus sujeitos, tornando necessário que os aportes teórico-conceituais sejam constantemente revistos e rearticulados às novas determinações que
regem a realidade do Cerrado.

Palavras–chave: Cerrado, Território, Territorialidades, Cultura.

Introdução
Na Geografia, a discussão do espaço vivido envolve as diferentes categorias de análise: território, lugar, região, paisagem e o próprio espaço.
O simples fato de viver em um espaço já identifica os sujeitos socialmente e possibilita o reconhecimento de um espaço vivido. De acordo com
Claval (1999), no momento em que se desenvolveram as pesquisas sobre o espaço vivido, a dimensão simbólica do território tornou-se um dos
temas essenciais da Geografia. A dimensão simbólica alude ao sentido de lugar (the sense of place) e retoma a tradição vidaliana de análise da
personalidade das construções geográficas.
Situarem-se em determinado ambiente e viverem conforme as possibilidades e restrições que este ambiente proporciona, confere aos sujeitos
uma visão particular de mundo. Para Tuan (1980), o meio ambiente natural e a visão de mundo estão estreitamente associados. “A visão do mundo
[...] necessariamente é construída dos elementos conspícuos do ambiente social e físico de um povo. [...] Como meio de vida, a visão do mundo
reflete os ritmos e as limitações do meio ambiente natural” (TUAN, 1980, p. 91).
A visão de mundo ancorada em uma base territorial produz o sentimento identitário, o qual permite que os indivíduos se sintam plenamente
membros de um grupo. Por isso, tratar sobre o Cerrado como território, é também tratar da identidade dos grupos que o pertencem, de como ele
se configura numa confluência de relações culturais, sociais, econômicas e políticas. A identidade cerradeira1 se constrói nas relações afetivas e
de familiaridade com o lugar, na resistência cultural, nas ações de luta pela terra, na dinâmica do processo de autorreconhecimento étnico e nas
relações que envolvem a alteridade e as representações sociais.
Neste capítulo, proponho uma análise do sentido do território no espaço do Cerrado; de como esse sentido avançou dentro dos conceitos
que se aplicam ao espaço vivido; e como o Cerrado vem sendo abordado nos estudos realizados por diversos autores. O texto foi produzido a
partir de pesquisas realizadas entre os anos de 2011 e 2016, sendo que partes substanciais da dissertação de mestrado resultante (LIMA, 2014) são
retomadas para explicar novas evidências e argumentos.
A primeira etapa da pesquisa consistiu em um levantamento bibliográfico de autores pesquisadores da temática do Cerrado, e na categorização
do tipo de abordagem aplicada aos seus estudos, de forma que foi possível compreender as múltiplas significações e relações estabelecidas com o
Cerrado. A segunda etapa, que não necessariamente ocorreu após a primeira, mas de forma concomitante, foi realizada por meio dos trabalhos
de campo, tanto da pesquisa de mestrado (2014) e doutorado (2017), quanto de projetos de pesquisa e extensão vinculados ao Laboratório de
Estudos e Pesquisas das Dinâmicas Territoriais (LABOTER). Contribuíram para o desenvolvimento das ideias aqui apresentadas, a experiência
proporcionada pelos projetos “Troca de saberes no Cerrado: ecologia, valorização dos quintais, segurança alimentar e cidadania nas comunidades
Kalunga em Teresina de Goiás” (2011 – 2012) e “Pró-cultura: A Dimensão territorial das festas populares e do turismo: estudo comparativo do
patrimônio imaterial em Goiás, Ceará e Sergipe2” (2010 – 2014).

1 O termo “cerradeiro” ou “cerratense” foi introduzido por Paulo Bertrand, um neologismo que, para o estudioso do Cerrado, simbolizava o ecúmeno – natureza e cultura
(BERTRAND, 2000).

2 Ambos projetos coordenados pela professora Maria Geralda de Almeida, do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA), da Universidade Federal de Goiás, e financiados pelo
Ministério da Educação e pelo Ministério da Cultura, respectivamente.
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TERRITÓRIOS NO ESPAÇO DO CERRADO: UMA ABORDAGEM CULTURAL

Durante a pesquisa de mestrado, a preocupação foi compreender as múltiplas relações que envolvem o território das comunidades
quilombolas Kalunga, situadas no nordeste goiano, para, a partir desse panorama, efetuar um estudo mais aprofundado sobre uma festa específica:
a Romaria de Nossa Senhora Aparecida, das comunidades Diadema e Ribeirão.
As discussões desta primeira fase envolvem: o sentido do território no espaço do Cerrado e uma abordagem cultural3; o território como
suporte da identidade das comunidades Kalunga; e algumas implicações do processo de autoafirmação identitária para o território Kalunga.
Os trabalhos de campo, nos quais adotei a metodologia da Observação Participante, foram oportunidades fecundas para interpretação
de muitas leituras que apresento aqui e, embora não sejam plenamente explorados, efetivamente subsidiaram a compreensão teórica e conceitual
exposta.

Do abstrato ao concreto: o uso conceitual do território para a interpretação da realidade


O território, assim como o espaço, a região, o lugar e a paisagem, é um conceito-chave da Geografia que adquiriu concepções variadas
no decorrer da história do pensamento geográfico, recebendo maior destaque no final dos anos de 1970. Tornou-se um conceito fundamental na
disciplina para a compreensão da apropriação econômica, ideológica e sociológica do espaço por grupos que nele imprimem sua cultura e sua
história.
Os paradigmas das ciências humanas estabeleceram seus princípios teóricos, organizaram conceitos em níveis de relevância e priorizaram
determinados valores e atitudes para explicar cientificamente as mudanças que ocorriam na realidade e seus desdobramentos. Neste processo,
diferentes paradigmas coexistiram durante certos períodos e muitas vezes se postulou a articulação de paradigmas “incompatíveis” ou
complementares. O conceito de território se desenvolveu nesse contexto, por meio de pensadores vinculados a diferentes correntes teóricas, que
elaboraram suas distintas significações e interpretações.
Por isso, é importante considerar que a intencionalidade do pesquisador é o que dá diferentes acepções aos conceitos. Para Fernandes (2008,
p. 277), definir o significado de um conceito “é um exercício intelectual do movimento entre o abstrato e o concreto ou do movimento entre o
método (pensamento pensante), a teoria (pensamento pensado) e a realidade”. O método e a teoria são pensamentos, e por isso, são carregados de
intencionalidade. Ao definir a significação na construção de um conceito, o pesquisador está agindo com uma intencionalidade específica por meio
do método e da teoria.
Há, naturalmente, uma tendência maior da Geografia em enfatizar a dimensão material do território. Até mesmo na abordagem cultural da
Geografia, usualmente, se adota mais os conceitos de paisagem e lugar nas análises do espaço relacionadas à cultura. Mas conforme nos aponta
Haesbaert (2007), a atual realidade, dominada pelo mundo das imagens e das representações, trouxe para o âmbito das proposições geográficas uma
concepção “mais idealista” de território, favorecendo o diálogo entre as perspectivas territoriais, como as da Geografia e da Antropologia. Houve
uma reelaboração do conceito na abordagem cultural da Geografia a partir dos aportes da filosofia dos significados, que valoriza a experiência, a
subjetividade, a intersubjetividade, os sentimentos, a intuição e a compreensão.
Essa recente atenção dada às experiências em sociedade, à teia de relações que os indivíduos tecem entre si, à forma pela qual instituem suas
comunidades, organizando-as e identificando-se com o território no qual vivem, acabou por aproximar os encaminhamentos humanistas e culturais
da Geografia contemporânea (COSGROVE, 2003). Dentre autores que apresentam essa perspectiva ideal-simbólica do território em seus estudos,
estão Jöel Bonnemaison e Luc Cambrèzy.
Um dos aspectos levantados por estes autores é o da importância da distinção entre as relações culturais e as relações sociais. Enquanto o espaço social
é concebido em termos de organização e produção, o espaço cultural é estímulo, sendo portador de significação e de relação. Eles demonstraram uma
compreensão de que a dimensão simbólica do território está sobreposta à dimensão material. E ainda verificam, mesmo em tempos de globalização,
certo retorno às “ideologias territoriais”. Estas fazem emergir, num sentido simbólico, territorialidades que se colocam como justificativa para a
construção efetiva do território; ou ainda, o território como elemento mais importante na construção de identidades (BONNEMAISON, 2005).
Holzer (1997), a partir de uma reflexão da fenomenologia, enquanto orientação para um pensar e fazer geográfico, faz a releitura de
conceitos e categorias, enfatizando a importância de lidar concretamente com os fenômenos geográficos e com a intersubjetividade que os permeia.
Apresenta uma concepção do território, cuja base é o lugar. Por meio da abordagem desse conceito ressignificado pela abordagem humanista em
Geografia, é possível compreender o território como a porção do espaço experienciada pelos indivíduos. Dessa forma, ele conclui que:

[...] tomando-se os lugares como constituintes essenciais do território, e procedendo-se à investigação dos modos intersubjetivos dessa constituição,
estaremos nos proporcionando a tarefa de fazermos uma Geografia voltada para a sua essência, a do estudo do espaço geográfico. No caso do território
caberia à Geografia, juntamente com outras ciências, delinear suas diferenças, a diversidade de suas identidades culturais. Se desprezarmos esta tarefa
essencial da Geografia, que é de delinear a constituição integral do “mundo”, reduziremos nossa disciplina, no caso do estudo território, a um mero
ramo da etologia (HOLZER, 1997, p. 84).

Assim, a relação identidade-território-lugar toma forma de um processo em movimento que se funda ao longo do tempo, tendo como
principal elemento o sentido de pertencimento do indivíduo ou grupo com o seu espaço de vivência. É, por exemplo, na relação com os territórios
do Cerrado, que os povos ditos “cerradeiros” manifestam usos e apropriações diferenciados com certa carga de afetividade.
Em alguns estudos realizados no estado de Goiás, em regiões de Cerrado em que há uma vivência profícua dos sujeitos com a natureza, identificamos
que o território como espaço simbólico, e o território como espaço funcional são perspectivas que se imbricam. Isto porque determinadas práticas
culturais que, vistas pelos de “fora” remetem apenas ao universo simbólico ou metafísico, para os sujeitos que as praticam são fundamentais para
a produção e reprodução da vida; ou seja, tais práticas também fazem parte do aspecto funcional do espaço, que é a própria sobrevivência. Por
exemplo, o ciclo festivo de muitas comunidades rurais indica claramente uma associação ao ciclo do plantio e da colheita, estruturado conforme as
estações bem definidas do Cerrado. As festas de santos evocam as bênçãos e expressam a gratidão, em uma nítida relação de troca.

3 A opção pela expressão abordagem cultural na Geografia é sugerida por Claval (2003, p.147), que se posiciona da seguinte forma: “Para a maioria dos geógrafos culturais,
a Geografia cultural aparece como um subcampo da Geografia humana. Para eles, a sua natureza é semelhante à da Geografia econômica ou da Geografia política. Para uma
minoria – e eu faço parte dela – todos os fatos geográficos são de natureza cultural. Esses geógrafos preferem falar de abordagem cultural na Geografia e não de Geografia
cultural”.
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PROFA. DRA. LUANA NUNES MARTINS DE LIMA
TERRITÓRIOS NO ESPAÇO DO CERRADO: UMA ABORDAGEM CULTURAL

Os símbolos, imagens e aspectos culturais são, na verdade, valores, talvez invisíveis, que os indivíduos materializam numa identidade
incorporada aos processos cotidianos dando um sentido de território, de pertença e de defesa das tradições, do território e da identidade.
O território se constrói na prática cotidiana dos grupos que estabelecem vínculos com os de dentro e os de fora, os “nós” e os “outros”, que
dentro do plano do vivido, sentido, percebido e concebido, produzem o conhecido e o reconhecido. É isso que os identificam com os elementos do
“seu” espaço, produzindo territorialidades (HAESBAERT, 2007).
Esta não foi uma proposição exclusiva da Geografia. Segundo Askenazi (2010), o discurso antropológico sempre considerou a perspectiva
espacial como uma variável etnográfica para compreender a diversidade cultural distribuída em uma unidade espacial. Para ela, “la cultura de
un grupo es inicialmente reconocida a partir de un ejercicio comparativo y descriptivo del entorno territorial que ocupan y donde realizan sus
actividades, y del código particular de símbolos y significaciones que posee frente a otros grupos4” (ASKENAZI, 2010, p. 287).
Esta perspectiva de território, ou seja, a dimensão simbólico-cultural da apropriação do espaço no que tange aos processos de identificação
territorial, foi, não apenas adotada e explorada ao longo da pesquisa, como reconhecida em diversos outros trabalhos que enfocam o Cerrado. As
experiências, sentimentos e símbolos produzidos no espaço do Cerrado possuem elementos que refletem a existência de um território cultural, e
vão muito além do que a materialidade pode exprimir.
Tendo por base essa discussão inicial que norteou o entendimento do território, sigo com uma reflexão sobre como este conceito tem sido
abordado na relação com o Cerrado e com as populações que nele habitam.

O Cerrado percebido, concebido e vivido a partir do território


Compreender os processos de territorialização no Cerrado é fundamental para uma análise das práticas culturais que se estabelecem no
mesmo. As pesquisas já realizadas que envolvem essa temática apontam, sobretudo, para os impactos das transformações ocorridas no Cerrado.
Esses impactos não se referem apenas aos aspectos ambientais, econômicos e sociais, mas também à própria cultura do Cerrado.
De acordo com Lima e Chaveiro (2010, p.70), o Cerrado “apresenta um modo particular de vida com múltiplas manifestações culturais,
fruto de identidades construídas ao longo do tempo numa relação semiótica com o ecossistema em questão”. As populações ditas “cerradeiras”
adquiriram um modo específico de se relacionar com seu território, mas enfrentam um embate contra a expansão do capital em seus domínios.
As disputas sobre o espaço do Cerrado se inserem de diferentes formas e são de ordem social, política, econômica, simbólica e identitária, o que nos
permite afirmar que o território do Cerrado deve ser analisado por meio de uma visão integrada e integradora. “Uma visão integrada do Cerrado
aglutina a vida e a política, pois é o modo como os atores se dispõe diante do modo de produção é que gera as perspectivas de usos e de sentidos”
(CHAVEIRO, 2008, p. 91).
O sentido territorial de um rio, por exemplo, para os indígenas, para os camponeses, ou mesmo para comunidades quilombolas que o
utilizam para alimentação, banho, lazer e aproximam suas moradias dele numa ligação bastante afetiva, é diferente do sentido que atribui um
usineiro de cana-de-açúcar, cujo interesse é puramente econômico. Este é um típico exemplo de embate territorial, no qual tanto o conceito
“território”, quanto o domínio “Cerrado” ganham concretude do ponto de vista da análise geográfica.
Vemos, por exemplo, que os próprios nomes que são dados aos lugares possuem algo mais do que um sentido de localização, projetando a
aproximação e a familiaridade entre os elementos do espaço e os sujeitos que dependem desse espaço.

“[...] esses nomes falam das coisas da natureza e da relação do homem com a natureza. Assim são os nomes de serras, ribeirões e córregos do território
Kalunga, e assim também são os nomes dos lugares. [...] O que quer dizer Riachão, Boqueirão, Volta do Canto, Córrego Fundo, Olho d’Água, Lagoa,
Funil? São nomes que descrevem o jeito dos rios, córregos e riachos, suas curvas, seus remansos, lugar onde a água brota, onde ela é represada, lugar
onde o rio se estreita, apertado. E Terra Vermelha, Brejão, Vargem Redonda, Vargem Grande, Pedra, Ouro Fino? São nomes que falam de terra boa e
terra ruim para o plantio, das baixadas da beira dos rios, do terreno pedregoso que está sempre presente, do metal valioso que a terra dá. E o que são
esses nomes, Tinguizal, Gameleira, Buriti Comprido, Palmeira, Taboca, Bananal, Limoeiro, Mangabeira? São nomes de plantas da terra, local onde
cresce a árvore franzina e forte do cerrado, nomes de árvores frondosas ou elegantes, do bambuzal e das plantas que dão fruto e são alimento. E Sucuri,
Ema, Porcos, Rio dos Bois, do Leite, Bezerra? São os bichos da terra, a cobra grande, a ave do cerrado, os bichos da casa que ajudam o trabalho do
homem e o alimentam. Por fim, no que se pensa quando se ouve falar em Mocambo, Fazendinha, Engenho, Capela? Em lugares de moradia, trabalho
e oração. Assim, esses nomes ensinam que a vida do povo Kalunga é inseparável de tudo o que é vivo e contribui para manter a vida, na terra e no céu,
na água e no ar” (MOURA et al, 2001, p. 30-31).

Há um número expressivo de estudos sobre a ocupação do território do Cerrado que envolve alguns marcos fundamentais, como a Marcha
para o Oeste (décadas de 1930/1940); a criação de Goiânia (1933) e de Brasília (1960); os projetos de desenvolvimento, como o Polocentro (década
de 1970) e o Prodecer (década de 1980); e a consolidação industrial (especialmente a partir da década de 1990), com a instalação ou expansão
das agroindústrias, das indústrias fármaco-químicas, das indústrias têxteis e das indústrias de mineração. Como exemplo, Arrais (2013) aborda o
estado de Goiás como um território produzido sob a égide da internacionalização da economia, da regulação e controle do Estado. A exploração
de recursos minerais, o estímulo à ocupação de terras para fins de colonização, a ampliação da fronteira agrícola, a exploração energética e os
investimentos na circulação (rodovias, ferrovias, hidrovias e aeroportos) são claros indicativos da existência de relações de poder assimétricas entre
atores sociais com força desigual na arena política, demonstrando a maior capacidade de alguns na produção do território goiano.
O que se apresenta como problema na maioria das pesquisas são os impactos ambientais e a imposição da lógica do capital nas relações
sociais e na própria relação com o ambiente das populações do Cerrado, fazendo com que suas práticas sejam ressignificadas e remoldadas
conforme as demandas desse modo de produção. Como exemplo, citamos os estudos de Mendonça (2004) sobre as transformações do Cerrado
do Sudoeste goiano e os conflitos provenientes desse processo para os povos cerradeiros; Soares et al (2005) sobre as modificações econômicas no
Triângulo Mineiro; Diniz (2006) e Gomes (2014) sobre a economia e a geopolítica que envolvem o processo de ocupação do Cerrado como etapa
da geopolítica territorial brasileira; Ribeiro, Ferreira e Ferreira (2008) e Silva e Miziara (2011) sobre o avanço do setor sucroalcooleiro e a expansão
da fronteira agrícola em Goiás; entre muitos outros.

4 “A cultura de um grupo é inicialmente reconhecida a partir de um exercício comparativo e descritivo do entorno territorial que ocupam e onde realizam suas atividades, e do
código particular de símbolos e significações que possuem frente a outros grupos” (ASKENAZI, 2010, p. 287).
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PROFA. DRA. LUANA NUNES MARTINS DE LIMA
TERRITÓRIOS NO ESPAÇO DO CERRADO: UMA ABORDAGEM CULTURAL

O capital globalizado se territorializa mediante o uso e a ocupação do Cerrado, dificultando cada vez mais as condições de vida dos povos
que nele habitam. Em face desta apropriação, as populações tradicionais lutam para manter um modelo de vida consubstanciado na lavoura de
subsistência, na criação de animais em pequena escala e no extrativismo de frutos, folhas, madeiras e raízes. Elas manifestam um modo de vida com
um ordenamento territorial que resulta das múltiplas interações entre cultura e ambiente, tradicional e moderno, local e global.
O Cerrado, portanto, se tornou um território no qual se estabelecem múltiplas disputas. Uma delas é esta disputa econômica já mencionada,
que foi responsável pela incorporação da área às “necessidades” do progresso e da modernidade, propalando a ideia de que a civilização chegaria
ao sertão tido como rude e inóspito.
Outra disputa, mais recentemente em debate, refere-se às apropriações dos sentidos culturais do território do Cerrado. Chaveiro (2008)
aponta um grande paradoxo a esse respeito. Para ele, a palavra “Cerrado” tem recebido destaque e vem sendo alvo de uma forte representação,
sendo recorrente o uso de expressões como “frutos do Cerrado”, “agricultura cerradeira”, “capital do Cerrado”, “farmacopeia do Cerrado”, “feira do
Cerrado”, eventos como “povos do Cerrado” ou matrizes como “danças do Cerrado”. Atores hegemônicos como a mídia, órgãos políticos, empresas
e outros, transformam a cultura cerradeira e sua potencialidade em negócio para o lazer e o turismo. Ocorre que este sentido de exaltação cultural
emerge na mesma situação em que o domínio mais perde espécies de sua fauna e flora, seus mananciais e córregos secam ou tornam-se impróprios
e sua cobertura vegetal cede cada vez mais espaço para as grandes pastagens e para as grandes lavouras de monocultura, como as de soja e de cana-
de-açúcar. Oliveira (2008) também apresenta esse descompasso entre as imagens, ora produzidas para o mercado turístico e para as estratégias de
marketing como agregação de valor, e a paisagem, efetivamente recriada com a expansão da fronteira agropecuária. Sua análise avança na crítica
sobre a construção de uma identidade estereotipada do homem sertanejo, quando diz que:

As feiras agropecuárias e as festas de peão, a música “sertaneja”, o vestuário country, o gosto por veículos como picapes, entre outras manifestações,
aparecem incorporadas ao cotidiano dos goianos, embora muitos jamais tenham tido qualquer conexão com os ambientes rurais que estão na base de
origem dessas atividades e expressões culturais e/ou econômicas. [...] O que não deixa de ser um paradoxo: na medida em que desaparece no estado, o
cerrado “reaparece” no imaginário coletivo dos goianos acerca de suas “origens” (OLIVEIRA, 2008, p. 128).

Concernente a isto, Almeida (2005a; 2005b) entende que o território do Cerrado responde, primeiramente, a funções econômicas, sociais
e políticas de cada sociedade, contudo, não se reduz a áreas visíveis e mensuráveis. É também objeto de operações simbólicas no qual os atores
projetam suas concepções de mundo e de natureza.
Em “Tantos Cerrados”, a mesma autora (ALMEIDA, 2005b) desenvolve uma ideia plural de Cerrado, com abordagens sobre a biogeodiversidade
e a singularidade cultural, no intuito de produzir uma interpretação multifacetada sobre o mesmo. Almeida (2005b) observa nesse território a
reinvenção da natureza, a busca de sistemas econômicos alternativos e a resistência de modos de vida tradicionais. As reflexões da autora também
apontam para a compreensão de um conceito plural de natureza, no qual o Cerrado possui uma multiplicidade de valores. Enquanto para uns o
Cerrado é ecossistema, para outros é capital. Enquanto alguns o sacralizam pela beleza de suas paisagens, outros se apropriam de seus territórios
estabelecendo neles suas estratégias de reprodução da vida. O Cerrado, portanto, em concordância com o que pondera a autora, é plural, porque
são várias as percepções, interpretações, significados e valores que lhe são dirigidos (ALMEIDA, 2005b).
Em outros trabalhos (ALMEIDA, 2003; 2008), a mesma autora faz uma leitura cultural do Cerrado e do sertão como territórios apropriados
simbolicamente e dotados de significados peculiares. Ela analisa o modo de vida das populações que vivem nesse espaço, o cotidiano e as práticas
culturais, as percepções da natureza dessas populações, sua condição de vida e de trabalho e a forma como se “enraízam” no território, atestando,
mais uma vez, que o território do Cerrado é composto por territórios identitários.
Em relação a esses territórios identitários, Mendonça (2004, p. 327) considera que não basta nascer em um território inserido em área
de Cerrado para ser considerado cerradeiro, pois não se trata de um atributo do território. Para o autor, “a condição de ser cerradeiro implica na
condição da relação simbiótica do ser social com a natureza, que resulta em um ser uno, sem estabelecer as dicotomias e os dualismos impostos
pela racionalidade iluminista e mais tarde científica”. Ainda segundo o autor:

Quando se indaga quem é o cerradeiro, não se está buscando apenas aqueles que ainda cultivam seus valores, tradições, saberes e sabores, mas também
aqueles que partilham da compreensão da importância dessas vivências para estabelecer nexos de solidariedade e do reconhecimento da diferença e os
que incorporam às suas visões de mundo o sentimento de pertencimento, construindo uma identidade sócio-territorial (MENDONÇA, 2004, p. 327).

Em contraponto a Mendonça (2004), a proposição de Penna (1992) estabelece algumas hipóteses que atribuem uma identidade regional ao
sujeito, sendo elas: a naturalidade – a identidade é dada objetivamente pelo local de nascimento; a vivência - a identidade é dada pela experiência
de vida dentro das fronteiras da região; a cultura – as práticas culturais indicam a identidade; e a autoatribuição – o indivíduo se reconhece como
tal. Penna (1992) examinou essas hipóteses ao refletir sobre a identidade nordestina e constatou múltiplas possibilidades de identificação.
Não obstante, concordo com Mendonça (2004) no sentido de que, na relação com o Cerrado, os ditos povos cerradeiros manifestam usos
e apropriações diferenciados. Esses usos e ações, segundo Almeida (2005b), revelam a compreensão que esses povos têm da natureza, e pelas
representações feitas sobre essa natureza é possível entender sobre a preservação ou extinção de expressões culturais que dão sentido à interação
homem-Cerrado. Isso também permite apreender como estas populações enraízam-se no território, pelo conhecimento que elas demonstram
sobre a fauna, a flora, os solos, os ciclos naturais e pela dependência desses elementos para a manutenção de suas práticas cotidianas, econômicas,
simbólicas e materiais. A autora ainda diz que as estratégias de sobrevivência tanto física quanto cultural, estando relacionadas aos usos e apropriações
do Cerrado, mostram que

[...] territórios identitários estão contidos no território do Cerrado. Como territórios identitários eles se caracterizam pelo papel primordial da vivência
e pelo marco natural, o Cerrado; eles seriam tanto espaços de sociabilidade comunitária como refúgios frente às agressões externas de qualquer tipo
(ALMEIDA, 2005b, p. 338).

Enquanto alguns autores ressaltam a necessidade de conexão com a natureza como fator de atribuição identitária, Oliveira (2008) também
destaca que a assimilação do modo de vida urbano, seus ritmos, anseios e necessidades, transformam a cultura das populações tradicionais do
Cerrado, gerando um afastamento gradativo em relação às tradições rurais. Tais tradições se referem ao tempo guiado pelos ciclos naturais, ao
conhecimento das mudanças sazonais no clima e sua influência nas atividades produtivas primárias, à proximidade e a interação com as paisagens,
as águas, os remanescentes de vegetação e a fauna do Cerrado.
Apesar disso, muitos desses elementos tradicionais ainda persistem diante das mudanças socioespaciais, dos projetos políticos de
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PROFA. DRA. LUANA NUNES MARTINS DE LIMA
TERRITÓRIOS NO ESPAÇO DO CERRADO: UMA ABORDAGEM CULTURAL

modernização do campo e da crescente urbanização e migração para grandes cidades. Mesmo em áreas urbanas algumas práticas e manifestações
buscam resgatar a religiosidade, a sociabilidade e a fartura das chamadas “folias de roça5”, demonstrando que o território identitário se mantém,
ainda que o marco natural seja afetado.

Figura 1: Almoço comunitário em Folia de Reis de Itaguari - GO.

Foto da autora, 2014.

5 O giro da folia é um ritual que tem origem no universo rural, no qual os foliões (representantes do sagrado), portando a bandeira com a imagem da divindade cultuada,
visitam as casas de moradores católicos (na zona rural e urbana), a fim de que as famílias sejam “abençoadas” pela presença do “santo”. Além de realizarem vários cantos próprios
de cada divindade católica, promovem o momento em que se arrecadam os donativos para a festa do ano. A folia evoca o sacrifício na atitude dos foliões, na arrecadação das
contribuições, no pagamento de promessas, mas também por ela se esperam as bênçãos e a proteção dos santos, por ela se evangeliza e se fortalece a memória coletiva.
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PROFA. DRA. LUANA NUNES MARTINS DE LIMA
TERRITÓRIOS NO ESPAÇO DO CERRADO: UMA ABORDAGEM CULTURAL

Figura 2: Apresentação da Catira6 em Folia do Divino Espírito Santos de Crixás - GO.

Foto da autora, 2016.

6 A catira é uma dança brasileira típica do interior do país, que recebeu influência indígena, europeia e africana. Hoje, se destaca como parte da cultura sertaneja e ocorre em
festivais específicos e em festas religiosas locais. O ritmo é marcado pela batida dos pés e das mãos dos dançarinos dispostos frontalmente em duas fileiras opostas, ao som de
dois violeiros (ou cantadores), que tocam e cantam modas de viola. O violeiro toca o “rasqueado”, toques rítmicos específicos, para os dançarinos fazerem a “escova”, bate-pé,
bate-mão, pulos. Em seguida, os cantadores iniciam uma moda de viola, interrompem a cantoria e repetem o rasqueado. Os dançarinos reproduzem o bate-pé, bate-mão e os
pulos. Assim, alternam-se a moda e as batidas de pé e mão.
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PROFA. DRA. LUANA NUNES MARTINS DE LIMA
TERRITÓRIOS NO ESPAÇO DO CERRADO: UMA ABORDAGEM CULTURAL

Dado o novo contexto de predomínio do urbano em detrimento do rural, a condição das jornadas (ou “saídas”) das folias, em muitos
casos, foi reconfigurada, como foi observado na Folia e Reis de Itaguaru-GO (figura 1), que segue uma dinâmica própria no espaço urbano,
movimentando um grande contingente de partícipes que não caberia numa única residência. Contudo, há um esforço em preservar a essência dos
festejos nas antigas trocas e doações que, para Brandão (2004, p. 15), fazem parte da “ideologia do nosso homem rural”.
Muitas tradições são criadas ou recriadas a partir do pagamento de uma promessa, refletindo uma sequência de outras manifestações
recorrentes em pequenos núcleos no interior do país. Rezas, cantorias, catiras, hasteamento da bandeira, e banquetes comunitários servido de
galinha caipira, carne de porco e muita fartura são típicos nesses festejos. No percurso metodológico das pesquisas, encontramos uma “unidade de
valor” da consciência, percebida na “ruralidade” do Cerrado como essência dos sujeitos.
Um estudo desenvolvido por Santos e Kinn (2009) contempla a dimensão cultural do território do Cerrado, enfocando os grupos rurais
deste domínio no Triângulo Mineiro. Segundo os autores (SANTOS; KINN, 2009), os produtores rurais da região viviam em grupos familiares
e formaram, em suas relações sociais, comunidades constituídas por costumes e tradições que adquiriram conteúdos comunitários carregados
de significados. Essas relações sociais contribuíram para a obtenção das formas de produção e produtividades, gerando habilidades, técnicas e
compromissos sociais territorializados nas comunidades e vilas rurais. Nelas, os conteúdos éticos e morais das comunidades se fundamentaram na
religião católica, suscitando o surgimento e fortalecimento de diversas práticas sociais, como o mutirão, a ajuda mútua, procissões, festas, dentre
outras, as quais permanecem ainda hoje arraigadas ao modo de vida das pessoas.
Santos (2008) também discute a ocupação e as mudanças identitárias por meio das novas gentes que ajudam a moldar a vida no Cerrado.
Ele fez uma análise sobre a vinda de camponeses gaúchos para Iraí de Minas - MG, onde buscam se firmar como produtores de soja e também
como sujeitos possuidores de uma identidade própria. Considera que há um processo de desencontros sociais, oriundos das diferenças culturais,
étnicas e espaciais, e das relações que se estabelecem nos espaços do Cerrado que recebem migrantes. Em outros estudos o autor analisa a condição
socioespacial e cultural dos camponeses da Região do Triângulo Mineiro, em Minas Gerais, bem como as suas práticas sociais de (re)existência à
expansão dos agro combustíveis (SANTOS, 2009) e realiza uma investigação da “Geografia da Cana” nas Microrregiões Ituiutaba - MG e Quirinópolis
- GO, considerando o gradativo abandono do modo de vida e da produção rural das populações do Cerrado (SOUZA; SANTOS, 2009).
Andrade (2008), outro pesquisador sobre o Triângulo Mineiro, procura mostrar como a religiosidade, o trabalho, a terra e as relações sociais
de produção atuam na construção dos lugares junto à comunidade Tenda do Moreno, no município de Araguari, Minas Gerais. A propriedade da
terra é um elemento crucial, segundo o autor, para se entender a vida da referida comunidade, que estrutura o território pelas práticas socioculturais
e religiosas que se estabelecem.
Almeida (2005 b), Costa (2005) e Rigonato (2005 a e b) também discorrem sobre a resistência de grupos sociais, denominados “populações
tradicionais”, que ainda conservam estas práticas no Cerrado. São os cerradeiros, os vazanteiros, os barranqueiros, os geraizeiros, os caatingueiros1,
os quilombolas, dentre outros, identificados pelas unidades ecológicas das quais ocupam os ambientes do Cerrado: as várzeas, as vazantes ou os
barrancos e as beiras de rios, os gerais (planaltos, encostas e vales das regiões de Cerrados), a caatinga e outras.
O reconhecimento de uma representação da identidade sertaneja é central nos estudos dos três autores, que focalizam as relações dessas
populações tradicionais supracitadas com os Cerrados na construção dessa identidade. O uso da expressão “sertanejo”, cujo termo advém do sertão,
para designar essas populações é explicado por Almeida (2008, p. 329):

As constantes evocações ao sertão produzem sentidos e territorialidades. Para essa condição de sertaneja, contribuiu o uso dado àquelas terras, por
quem explorava as terras produtivas do litoral, estabelecendo que o sertão eram as terras ásperas do interior, com matas que não são florestas. Isso fez
aproximar histórica e socialmente os biomas da Caatinga e do Cerrado.

A identidade sertaneja, quando inserida nos ambientes do Cerrado, está atrelada aos modos de vida das populações tradicionais, ou seja,
as populações rurais compostas de agricultores, coletores extrativistas, garimpeiros, criadores de gado, entre outros. Para Rigonato (2005b), são
modos de vida que comportam as peculiaridades históricas e as particularidades geográficas sobre as quais manifestam as inter-relações das
técnicas, da cultura e do domínio do Cerrado.
De acordo com este mesmo autor (2005a, p. 80), “a manutenção da vida humana nas áreas de remanescentes de Cerrado realiza-se
num universo de relações sociais, econômicas e ambientais. As populações tradicionais têm múltiplas manifestações combinadas entre si e o
Cerrado”. Rigonato (2005, a e b) relaciona as práticas dessas populações ao “espaço vivido” por elas, de forma que o uso dos recursos naturais está
fundamentalmente relacionado às manifestações culturais, ou seja, combina-se as atividades produtivas às festas, à devoção e às crenças religiosas,
algo também contemplado em nossos estudos (LIMA, 2014) sobre as festas em comunidades Kalunga.

1 Consideram-se as regiões que se encontram nas faixas de transição entre Cerrado e Caatinga.

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PROFA. DRA. LUANA NUNES MARTINS DE LIMA
TERRITÓRIOS NO ESPAÇO DO CERRADO: UMA ABORDAGEM CULTURAL

Figura 3: Giro da Folia de Nossa Senhora Aparecida, em comunidade Kalunga de Teresina de Goiás - GO.

Fonte: Foto da autora, 2014.


A análise de Rigonato (2005b) parte da categoria gênero de vida/modo de vida para explicar as experiências dos sujeitos do Cerrado com
seu ambiente. Experiências que estão repletas de sentidos e significados, permitindo que as populações tradicionais se empenhem num determi-
nado uso e ocupação do Cerrado. Ao se referir à categoria território, ele busca estabelecer a relação entre os elementos identitários do modo de
vida das comunidades estudadas, com os territórios próximos e com os territórios distantes. Os territórios próximos são os lugares de vivência,
um conjunto de lugares de significados simbólicos, afetivos e sociais, e os lugares fora desse território próximo que apresentam o suprimento de
necessidades econômicas, sociais e políticas, são os denominados territórios distantes.
Essa análise é bastante pertinente, uma vez que as relações territoriais das populações do Cerrado se mostram múltiplas e configuram-se
numa confluência dos aspectos econômicos, culturais, sociais e políticos que se estabelecem nos diversos territórios que estão ligados entre si. As-
sim como indica Bonnemaison (2002, p. 99),

(...) um território, antes de ser uma fronteira, é um conjunto de lugares hierárquicos, conectados por uma rede de itinerários (...). No interior deste
espaço-território os grupos e as etnias vivem uma certa ligação entre o enraizamento e as viagens (....). A territorialidade se situa na junção destas duas
atitudes: ela engloba ao mesmo tempo o que é fixação e o que é mobilidade ou, falando de outra forma, os itinerários e os lugares.

O autor ainda observa que a territorialidade é melhor compreendida por meio das relações sociais e culturais que o grupo mantém com esta
trama de lugares e itinerários que constituem o seu território.
A identidade dos que habitam determinados espaços do Cerrado é constituída pela relação com uma rede de lugares, próximos ou distantes,
com os quais se tem contato. As comunidades rurais do Cerrado cada vez mais dependem e criam vínculos territoriais com as cidades, o que nos
permite dizer que, embora seu modo de vida expresse uma associação à terra e à biodiversidade, esta associação enquadra-se numa realidade que
permeia as territorialidades do mundo local e as territorialidades do mundo global.
Enfim, são diversos os estudos desenvolvidos sobre o Cerrado que abordam a perspectiva territorial de uso e apropriação. Neles registram-
se a inserção da cultura que enraíza os sujeitos no território, concretizando traços e signos que envolvem a alimentação, a moradia, os instrumentos
de trabalho, a religiosidade, as representações sociais, os valores, o desenvolvimento de elos relacionais e afetivos e até questões políticas e interes-
calares.
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PROFA. DRA. LUANA NUNES MARTINS DE LIMA
TERRITÓRIOS NO ESPAÇO DO CERRADO: UMA ABORDAGEM CULTURAL


Considerações Finais
O território do Cerrado é constituído por uma diversidade cultural que reúne diferentes paisagens, símbolos e identidades que marcam
e definem territórios culturais. Ambos os aspectos, material e imaterial, fazem parte do território e são dimensões que devem ser abordadas de
maneira complementar e associativa. Fazem parte da constituição do território: as tradições, os mitos, os rituais religiosos, as narrativas (contos e
causos), a forma de educação, a solidariedade no trabalho, o próprio trabalho e os modos de vida que se valem, muitas vezes, de um estado rústico
e sem a utilização de tecnologias.
A toda essa diversidade, acrescenta-se o fato de que as territorialidades de seus sujeitos estão em curso, reconfigurando-se conforme a res-
significação de seu território. A essa conclusão também chegou Almeida (2010, p.46), para quem as marcas dessas territorialidades se expressam
nos “diferentes processos de apropriação, sítios potenciais de resistências, intervenção e de tradução decorrentes das estratégias de diferenças na
apropriação daquele espaço”.
Assim, é necessário que os aportes teórico-conceituais sejam constantemente revistos e rearticulados às novas determinações que regem a realidade
do Cerrado, e que influenciam diretamente a vida dos sujeitos. A leitura da realidade deve considerar esses diferentes processos de apropriação do
território concreto, na mesma medida em que se mostra atenta e sensível para identificar as resistências de territórios identitários.

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PROFA. DRA. LUANA NUNES MARTINS DE LIMA
TERRITÓRIOS NO ESPAÇO DO CERRADO: UMA ABORDAGEM CULTURAL

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66
PROFA. DRA. LUANA NUNES MARTINS DE LIMA
67
ETNOGEOGRAFIA QUILOMBOLA:
A COMUNIDADE TRADICIONAL DO MOINHO EM ALTO
PARAÍSO DE GOIÁS

Eliana Aparecida Silva Santos Feitosa


Doutoranda do Programa de Pós-Graduação - Departamento de Geografia/ Universidade de Brasília – UnB
pdgelianafeitosa@gmail.com

Marília Luiza Peluso


Docente - Programa de Pós-Graduação - Departamento de Geografia/ Universidade de Brasília – UnB
peluso@unb.br

Resumo

A Comunidade Tradicional do Moinho está localizada no município de Alto Paraíso/GO e seus moradores desenvolvem ações que visam à
manutenção do modo de vida tradicional, cujo objetivo é preservar os conhecimentos ancestrais sobre o bioma Cerrado, em virtude da importância
das plantas e ervas nativas sem as quais a medicina tradicional, hábitos e costumes podem se perder no tempo. Moradores antigos, como a raizeira
dona Flor, perpetua a medicina “do mato” ao manipular ervas medicinais para atender quem procura tratamentos alternativos e disseminando seus
conhecimentos em oficinas e encontros. A riqueza cultural do Moinho está ameaçada pela modernidade, caracterizada pela agricultura tecnificada,
pelo turismo, pelos novos moradores, pelo cercamento das fazendas e pela expansão imobiliária que diminuem o território utilizado para a coleta
de ervas. A sinergia com o lugar será analisada teoricamente por intermédio da Etnogeografia.

Palavras–chave: Comunidade Tradicional do Moinho - conhecimentos ancestrais – bioma Cerrado – Etnogeografia - modernidade.

INTRODUÇÃO
Ter o CERRADO dentro da gente...
É sentir o sangue como seiva latente
Pulsando Vidas, germinando sementes.
E apesar da fúria de homens inclementes,
O Cerrado está aí: firme, forte, persistente!
Cerrado dentro da gente
Xiko Mendes e Alan Mister

O conhecimento tradicional repassado de geração a geração sobre plantas, ervas e seus usos são parte da identidade e da cultura de
comunidades que vivem ancestralmente em seus territórios. Comunidades caiçaras, ribeirinhos, babaçueiros, campeiros, grupos extrativistas e
indígenas são comunidades que têm seu modo de vida diretamente ligado ao bioma onde estão inseridas. Os quilombolas também são povos
tradicionais formados por descendentes de negros africanos escravizados e fruto da miscigenação com o índio e com o branco.
Os quilombos no Brasil surgiram a partir do séc. XVI e neles se refugiaram os escravos negros que escapavam do trabalho forçado, aos quais se
juntaram índios e brancos. Segundo Munanga (1995/1996, p. 63),

Pelo conteúdo, o quilombo brasileiro é, sem dúvida, uma cópia do quilombo africano reconstruído pelos escravizados para se opor a uma estrutura escravocrata, pela implantação
de uma outra estrutura política na qual se encontraram todos os oprimidos.

No decorrer dos séculos muitos quilombos foram destruídos1 ou seus moradores se incorporaram à cultura dominante. Entretanto,
grande número de comunidades tradicionais resistiu e se manteve: são os remanescentes de quilombos. As comunidades tradicionais dos povos
remanescentes de quilombos sobrevivem em enclaves comunitários situados em várias regiões do Brasil, por vezes de difícil acesso e suas atividades
econômicas estão ligadas à agricultura, ao artesanato, ao extrativismo e à pesca artesanal. Os povos tradicionais de matriz africana que vivem no
Centro-Oeste brasileiro destacam-se, como patrimônio de uma cultura ancestral, pela manipulação e coleta de plantas do Cerrado na produção de
remédios e de uma variada cozinha, na qual se destacam doces e geleias (FEITOSA, 2017).

1 O mais famoso foi o quilombo dos Palmares, em Alagoas, que remonta a 1580 e destruído em 1694.
68
ETNOGEOGRAFIA QUILOMBOLA: A COMUNIDADE TRADICIONAL DO MOINHO EM ALTO PARAÍSO DE GOIÁS

Em todo o território brasileiro há comunidades remanescentes de quilombos. Assim, também, a Comunidade Tradicional do Moinho,
localizada no município de Alto Paraíso/GO. Com cerca de 200 habitantes, os moradores locais, tanto nativos como os que decidiram morar no
Moinho, os chegantes, desenvolvem ações que visam à manutenção do modo de vida tradicional, que pretende garantir os conhecimentos ancestrais
sobre plantas e ervas do cerrado (FEITOSA, 2017).

No contexto da preservação da Comunidade Tradicional do Moinho, a modernidade se apresenta como importante agente transformador
da paisagem, pelo avanço da fronteira agrícola, com suas plantações extensivas e mecanizadas, pelo turismo, pelo crescimento populacional e pela
especulação imobiliária. A modernidade diminui as áreas de Cerrado, limitando o acesso às plantas e ervas medicinais utilizadas pelos quilombolas
como matéria prima de remédios, de sua culinária e de seu artesanato, contribuindo assim para a diminuição das atividades tradicionais ligadas à
saúde e ao bem-estar de seus moradores (FEITOSA, 2016).
O objetivo deste artigo é analisar como a Comunidade Tradicional do Moinho, ou simplesmente Moinho, preserva e compartilha seu
conhecimento ancestral repassado de geração a geração sobre plantas, ervas e seus usos que integram a medicina natural e a culinária quilombolas.
A hipótese é de que a perpetuação do conhecimento tradicional dos moradores do Moinho está diretamente ligada à preservação do bioma Cerrado
em virtude da importância das plantas e das ervas nativas, sem as quais a medicina tradicional, a culinária, hábitos e costumes podem se perder no
tempo.
O artigo se desenvolverá em três seções. Na primeira vai-se apresentar o referencial teórico e metodológico que norteará a análise, a
Etnogeografia; a segunda seção será dedicada a caracterizar a Comunidade do Moinho e os problemas com a modernização; na terceira se encontram
as práticas tradicionais que são mantidas e como as modernizações são incorporadas ao saber tradicional. Na Conclusão, finalmente, retoma-se
a modernidade, seus impactos na estreita simbiose dos moradores do Moinho com o Cerrado e como a atividade de ONGs e de universidades
contribuem na manutenção dos conhecimentos ancestrais.

1. ETNOGEOGRAFIA COMO TEORIA E MÉTODO PARA COMPREENDER O MOINHO


Ao longo do tempo, os seres humanos se destacaram da natureza e criaram a cultura no sentido que lhe dá Claval, válido para todos os
povos, antigos e modernos. Como escreve o autor:

A cultura é a soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas
e, em outra escala, pelo conjunto dos grupos de que fazem parte. A cultura é uma herança transmitida de uma geração para a outra. Ela tem suas raízes
num passado longínquo, que mergulha no território onde seus mortos são enterrados e onde seus deuses se manifestaram. (CLAVAL, 1999, p. 63).

Os estudos da cultura, entretanto, são dinâmicos e abertos a novas leituras e interesses, como acentua Claval (1999) e as pesquisas
antropológicas e etnográficas trouxeram para a Geografia uma nova área de interesse, a Etnogeografia como um ramo da Geografia Cultural. Os
estudos etnogeográficos possuem e possibilitam uma base teórico-conceitual e metodológico-instrumental que permite ao pesquisador ampliar suas
perspectivas de apreensão das realidades estudadas quando procura conhecer junto aos sujeitos pesquisados as dimensões simbólicas e afetivas de
suas espacialidades. E Oliveira (2014) ainda acrescenta que os estudos etnogeográficos possibilitam compreender e contribuir com as comunidades
pesquisadas no resgate das memórias relativas à construção de suas identidades e do significado que, ao longo de sua história, atribuíram ao
território em que estão situados.
Uma importante contribuição da Etnogeografia é o levantamento de dados que subsidiam a análise do grupo em seu espaço vivido Há
duas importantes razões para o seu estudo, a saber, o mundo estudado é o resultado de uma ação humana marcada por diversos saberes, desejos e
aspirações; em segundo lugar, porque a Geografia somente adquire estatuto de saber universal se souber incorporar plenamente essa diversidade
em suas construções (CLAVAL; SINGAREVELOU, 1999). E para que atinja esses objetivos é necessário um método. “O método etnogeográfico”,
escreve Claval (1999, p. 73) “primeiramente reconstrói a percepção que os homens têm do mundo. Aprofunda aquilo que pode explorar e para os
valores que norteiam sua ação. O espaço que modelam reflete em parte estes dados simples. [...].”
Em estudos etnogeográficos, a ênfase é dada na diversidade de organizações espaciais delimitadas pelos padrões culturais (ALMEIDA, 2008).
A identidade e a cultura dos sujeitos são reveladas em sua inter-relação com o espaço vivido, através das manifestações de partilha e comunhão
vivenciadas. Crenças, valores, símbolos, mitos e o conhecimento tradicional são diretamente ligados ao lugar de vida e da vida comunitária.
Almeida acrescenta ainda que

Com os estudos etnogeográficos, a ênfase é dada na diversidade de organizações espaciais delimitadas pelos padrões culturais. Compreende-se que a
diversidade de normas que presidem a organização do espaço é bem maior do que deixam supor os modelos dominantes na Geografia Econômica e na
Geografia Política. Assim, a etnogeografia busca penetrar na intimidade dos grupos culturais, o vivido pelos homens, concretizado em crenças, valores
e visão de mundo. (ALMEIDA, 2008, p. 332).

Desse modo, o sistema cultural é interpretado como um sistema tanto de formação e produção intelectual como de transformação material.
As representações se dão ainda em contextos reflexivos como o significado de atos de civilização, formando culturas que combinam elementos
naturais com elementos culturais e materiais, construindo identidades e etnias sociais significativas, o que é chamado de etnogeografias (CLAVAL;
SINGARAVELOU, 1999).
Nos estudos de Etnogeografia três eixos são particularmente importantes: o primeiro deles é o território, pois a simbiose dos grupos humanos
tradicionais com seu território é essencial para compreendê-los. Como escreve Anjos (2014, p. 6) sobre este importante conceito geográfico:

A geografia é a ciência do território e este componente fundamental, a terra num sentido amplo continua sendo o melhor instrumento de observação
do que aconteceu, porque apresenta as marcas da historicidade espacial, do que está acontecendo, isto é, tem registrado os agentes que atuam na
configuração geográfica atual e o que pode acontecer, ou seja, é possível capturar as linhas de forças da dinâmica territorial e apontar as possibilidades
da estrutura do espaço no futuro próximo.

69
ELIANA APARECIDA SILVA SANTOS FEITOSA - MARÍLIA LUIZA PELUSO
ETNOGEOGRAFIA QUILOMBOLA: A COMUNIDADE TRADICIONAL DO MOINHO EM ALTO PARAÍSO DE GOIÁS

E para a Etnogeografia ainda mais importante, visto que com o intuito de realizar um estudo etnogeográfico das comunidades tradicionais
é preciso estabelecer o entendimento da territorialidade como elemento fundamental que ao mesmo tempo deve compor e influir diretamente na
identidade daqueles grupos étnicos (OLIVEIRA, 2014).
O outro eixo diz respeito às relações entre natureza e sociedade, e é na íntima relação com a natureza do território ancestral que se encontram
as ervas medicinais e as plantas para os remédios, a culinária e o artesanato. O homem se separa da natureza natural, mas quando lhe dá significados
e significações como segunda natureza é nela que ocorre a simbiose entre as comunidades tradicionais e o bioma. Para o Moinho, o bioma
Cerrado é mais do que riqueza material, mas fonte de cultura e integração permanente, tanto no aspecto sociocultural quanto no das vivências, no
conhecimento do uso medicinal de plantas e frutos, na extração e conservação de recursos, mantidos de geração em geração (FEITOSA, 2017).
O terceiro eixo é o lugar, no qual se condensam o território e a natureza, os hábitos, os costumes, a maneira de viver, a elaboração das ervas
para os remédios naturais, a culinária. É o espaço familiar, afetivo das práticas cotidianas, o espaço vivido por excelência. É a combinação localizada
de estruturas específicas, escreve Santos (2005). É o pequeno, o acessível a todos os sentidos humanos (TUAN, 1993). No contexto da Etnogeografia,
o lugar enquanto categoria geográfica passa a ser analisado sob a perspectiva de quem nele vive e os sujeitos e seus patrimônios material e imaterial
passam a ser observados não dissociados do contexto e do território em que vivem (FEITOSA, 2017).
A compreensão dos modos de vida peculiares, do território ancestral com sua fauna, flora e biodiversidade amplia a perspectiva da pesquisa
etnogeográfica, quando o pesquisador realiza pesquisa participante e entrevistas, permitindo compreender o homem em seu meio, não dissociando
a estreita relação existente entre a Comunidade Tradicional do Moinho do bioma em que está inserida, o Cerrado.

2. A COMUNIDADE TRADICIONAL DO MOINHO EM ALTO PARAÍSO DE GOIÁS


Apesar dos muitos estudos sobre grupos remanescentes quilombolas no Brasil e no Estado de Goiás, comunidades ainda permaneciam
sob a invisibilidade social, ou em lentos processos de auto-definição e reconhecimento de seus territórios. O panorama se modificou a partir de
dezembro de 2015 com o reconhecimento de diversas comunidades. A Comunidade Tradicional do Moinho está inserida neste contexto e foi
recentemente certificada pela Fundação Cultural Palmares em 20152. Embora o Moinho não faça parte da área territorial identificada e delimitada
como Território Kalunga de Goiás3, maior quilombo brasileiro, toda a região compõe a Unidade Territorial da Chapada dos Veadeiros-Kalunga-
Pouso Alegre e concentra características ambientais, culturais e ameaças comuns (Mapa nº 1).

2 Processo nº 01420.013360/2014-05, com publicação da Portaria nº. 201/2015, em 30/12/2015.

3 O povo Kalunga é uma comunidade de negros originalmente formada por descendentes de escravos que fugiram do cativeiro e organizaram um quilombo, há muito tempo
atrás, num dos lugares mais bonitos do Brasil, a região da Chapada dos Veadeiros. Toda a área que eles ocupam foi reconhecida oficialmente em 1991 pelo governo do estado de
Goiás como Sítio Histórico que abriga o Património Cultural Kalunga, parte essencial do património histórico e cultural brasileiro (TEIXEIRA, 2015).
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Mapa nº 1 – Localização do Povoado do Moinho no Estado de Goiás e no Brasil

Fonte: LEE, 2016.

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Não somente os Kalungas e o Moinho, mas outras diversas comunidades de remanescentes quilombolas resistem hoje na região da Chapada
dos Veadeiros como demonstra Anjos (2005), sobre a identificação de grupos quilombolas no Brasil, oficializados pela Fundação Cultural Palmares.
Segundo a pesquisa de Anjos (2005), além do território Kalunga há onze comunidades da mesma natureza, situadas em seis municípios do Nordeste
Goiano (Mapa nº 2).

Mapa nº 2 - Mapa das principais zonas e sítios de quilombos e Movimentos Sociais de populações africanas.

Fonte: ANJOS, 2014.


A origem do Moinho remonta ao século XIX, quando ali existiam duas grandes fazendas dedicadas prioritariamente ao cultivo do trigo,
quais sejam: Bonsucesso e Moinho. Os donos teriam doado lotes a seus escravos mais próximos e as famílias desses escravos passaram a residir ali
desde então (ATTUCH, 2006) (Mapa nº 3).

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Mapa nº 3 – Localização e limites do Povoado do Moinho

Fonte: LEE, 2017.


Os moradores puderam desenvolver livremente seus conhecimentos tradicionais em termos de produtos medicinais, culinária e artesanato
com a diversidade dos recursos do bioma Cerrado. A alimentação era providenciada pelas roças e pela natureza. A roça, na visão tradicional, man-
tinha-se como lugar de prosperidade e trabalho, onde o homem se reafirmava e repassava seu conhecimento sobre ciclos da natureza: tempo de
plantio e tempo de colheita. A água não era problema, favorecida pelos rios perenes e encachoeirados. Com um sistema formal de saúde ausente, os
moradores buscavam tratamentos alternativos e humanizados para diversos males através do uso de xaropes, garrafadas e chás que utilizam cascas,
raízes, sementes, folhas, naturais ou desidratadas, elementos que eram abundantes na região e hoje já não estão tão acessíveis à coleta em termos de
proximidade das casas.
A configuração territorial da região da Comunidade Tradicional do Moinho recebeu transformações significativas nos últimos anos. Na
atualidade, com o aumento da procura por parte dos turistas e novos moradores, além da ampliação das plantações de cunho extensivo na área
nativa de Cerrado ao redor das comunidades rurais, ocorreu a diminuição da vegetação natural onde se buscavam ervas e plantas como matéria
prima para as atividades tradicionais quilombolas. Hoje há muitos jardins particulares, hortas comunitárias, locais de cultivos de plantas e ervas
aromáticas, cultivos diversos nos quintais.
A modernidade também trouxe o aumento da captação de água dos rios, o que também interferiu predatoriamente na natureza. A água, que
era abundante, hoje não é mais e há necessidade de reservatórios para que não falte no período da seca (Foto nº 1).

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Foto 1 - Reservatório de água da Comunidade Tradicional do Moinho

Fonte: FEITOSA, 2016.


O território possui lugares com centralidade valorativa. Para o quilombola a tradição remete à cachoeira como o lugar de encontro familiar,
encontro das mulheres que no lavar da roupa conversam e aconselham as mais novas. O acesso a Cachoeira Anjos e Arcanjos, lugar privilegiado de
encontros e diversão, outrora livre, hoje é cercado e sua utilização, cobrada.
A dificuldade no acesso às ervas ancestralmente utilizadas, o Cerrado e seu cercamento, a problemática da água que era abundante
anteriormente e o avanço da fronteira agrícola na Região da Chapada dos Veadeiros preocupa os moradores da Comunidade Tradicional do
Moinho, que sentem seu território ameaçado pelas consequências da modernidade. Entretanto, a cultura é dinâmica e os quilombolas do Moinho
também se adaptaram à modernidade, como será visto na seção seguinte.

3. SABERES E FAZERES TRADICIONAIS DO CERRADO FRENTE À MODERNIDADE


A modernidade avança e é irreversível. A agricultura comercial ocupa sempre mais o território; a beleza das paisagens naturais e a
proximidade do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros atraem sempre mais turistas; as terras são vendidas para pessoas que decidem morar
na Chapada; as fazendas são cercadas; constroem-se resorts, pousadas; restaurantes e lanchonetes1.
As alterações afetam muito a vida e as tradições dos moradores, mas levam a estratégias de sobrevivência e articulação com o novo. O conhecimento
tradicional é fruto das histórias de vida, da superação das dificuldades enfrentadas durante muitos anos e da reprodução dos mesmos desafios
enfrentados por seus antepassados. No Moinho este conhecimento é dinâmico e utilizado para adequar-se ao novo.

1 A Chapada dos Veadeiros, e também o Moinho, é buscada por grupos alternativos que serão englobados entre os novos moradores.
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A agricultura é um bom exemplo. A qualidade do solo e a geografia do lugar permitem o cultivo o ano todo. A agricultura familiar é a base
da economia da região. Especialmente no Povoado do Moinho, a agricultura de baixo impacto ao meio ambiente é difundida há muitos anos.
A preocupação com a qualidade da água e com a produção de alimentos de forma sustentável é modelo para outras comunidades, a exemplo
da produção de sementes crioulas.

Tabela 1- Sementes crioulas e mudas produzidas na comunidade.

Fonte: adaptado de Laranjeira (2012, p. 21).

As sementes crioulas produzidas no Moinho se tornaram uma alternativa de renda e trabalho na comunidade. Estas sementes não receberam
alteração seja pela biotecnologia ou por processos de melhoramento genético. Apesar do grande avanço da agricultura moderna, o cultivo de
sementes crioulas continua difundido nas comunidades tradicionais, fruto da agricultura quilombola que mantém um banco de sementes próprio,
partilhado entre vizinhos e em feiras de troca de sementes.

Foto nº 2 – Banco de sementes dos agricultores tradicionais.

Fonte: FEITOSA, 2017.

Os tratamentos alternativos para a saúde é outro exemplo, e talvez o mais visível. O sistema de saúde no Moinho continua precário2 e a
medicina natural com ervas é muito procurada, não só pelos moradores tradicionais do lugar como também por chegantes e turistas. A prática
da medicina natural e o cuidado com a manipulação das ervas, transformando-as em xaropes e garrafadas, ou no sabão de tingui que agrega
potencialidades medicinais para variados usos são conhecimentos adquiridos e desenvolvidos na simbiose com a natureza.
A localização geográfica do Moinho possibilita não só as belezas naturais, como também o alto poder produtivo do solo da região. Situado
em um vale, semelhante a um útero, o clima da região é classificado como tropical de altitude, o qual possui peculiaridades: as noites costumam ter
baixas temperaturas o ano todo, o que favorece a germinação de determinadas sementes, e traz peculiar beleza às flores. A variedade de flores, ervas
e frutos é determinante para quem vive no Cerrado. Entretanto, a manipulação dos recursos do território exige cuidados especiais, transmitidos
de geração a geração. A qualidade das plantas medicinais está relacionada a diversos fatores: identificação correta da espécie, cultivo orgânico
ou extrativismo sustentável, secagem em temperaturas adequadas, armazenamento e transporte sem contaminações. Conhecer todo o caminho
2 Os moradores da Comunidade Tradicional do Moinho se preocupam com o posto de saúde, antes com atividades regulares, mas que no momento possui poucos recursos,
necessita de reforma e atende somente em períodos de vacinação e com visitas médicas esporádicas (FEITOSA, 2017).
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percorrido pela planta até chegar à “farmacinha” é um critério essencial para se assegurar a qualidade de um remédio caseiro (DIAS; LAUREANO,
2009).
Quando se fala em preservação de saberes, reconhecer o trabalho das mulheres nestas localidades é fundamental. Os saberes femininos
relacionam-se intimamente com a conservação, apego e manuseio sustentável do meio ambiente. Com estas atribuições as mulheres trazem como
retorno para a comunidade o aprendizado recebido que repassam para as futuras gerações. Pertence a estas mulheres saberes e ocupações referentes
a fazeres que retornam como renda para a família (CRUZ et al., 2012). Por exemplo, a produção do sabão do tingui é tarefa feminina. Seu preparo
exige planejamento e organização que vai desde a coleta dos frutos, seleção, preservação da semente em seu estado natural até o formato artesanal
de cada sabão. O feitio do tingui é uma prática difundida por meio da oralidade, uma das formas de expor as riquezas e peculiaridades do povoado
(SARAIVA; CRUZ; RIVEIRA, 2012). Segundo Saraiva et al. (2012, p. 22) “assim como outras plantas do Cerrado, os frutos, sementes e cascas
de tingui são utilizados por povos e comunidades tradicionais em arranjos florais ou outras variedades de artesanato”. As sementes também são
utilizadas para o feitio do sabão de Tingui3.
A tradição oral de manipulação de ervas e “plantas do mato” é perpetuada pela Comunidade, em especial por Dona Flor do Moinho,
parteira e raizeira. Dona Flor é reconhecida como expoente do conhecimento de manipulação de ervas e plantas do Cerrado que curam os males
do corpo e da alma, conhecida pelas garrafadas e xaropes que produz.

Foto nº 3 - Dona Flor do Moinho.

Fonte: FEITOSA, 2017.

A raizeira é muito procurada para transmitir seu conhecimento ancestral através de oficinas e cursos de conhecimento e identificação das
plantas e orientações às futuras mães que desejam um parto humanizado. Nas oficinas realizadas próximas à sua casa, Dona Flor ensina o poder
curativo de cada espécie do Cerrado, os diversos usos e tratamentos, os cuidados e a manipulação correta. Caso alguém precise, ela dispõe na
“farmacinha” de remédios já preparados, localizado no mesmo terreno da sua casa, atrás da igreja católica da comunidade.

3 Inicialmente o sabão de Tingui, muito utilizado pelos índios, era usado na limpeza de roupas e utensílios. Percebeu-se então a partir dos relatos partilhados entre as mulheres
da comunidade que seus diversos usos se devem ao alto poder cicatrizante e bactericida.
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Imagem 01 – Convite para vivências com Dona Flor

Fonte: FEITOSA, 2017.

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Assim como outros terapeutas populares, os quais têm uma base religiosa estruturando sua atenção à saúde, Dona Flor vincula seu ofício
a um dom e orientação divina (CAMPOS, 2013). O saber/fazer dela está ancorado na fé. Em sua fala, Dona Flor demonstra muito temor a Deus e
evidencia que é Ele quem a orienta em seu ofício terapêutico. Dona Flor descreve seu trabalho na comunidade e sua fé:

“Aqui quem dá os primeiros socorros sou eu, seja mordida de cobra, arranhão, febre, diarreia, quem olha primeiro sou eu. O posto funcionava quando
eu era agente de saúde: tinha tudo para os curativos; hoje, eu compro. Médico aqui não me alembro quando teve aqui, nem enfermeiro. Eles vêm na
época da vacinação, mas não dão tudo. Abaixo de Deus aqui sou eu”.

A questão que se apresenta no momento atual é como manter e repassar o patrimônio material e imaterial da Comunidade do Moinho
frente a tantos desafios. Para tanto a organização social, seja a Associação de Moradores da Comunidade Tradicional do Moinho, seja as lideranças
femininas, que intuitivamente já pensam na organização das mulheres, tem - se reunido para discutir estratégias de desenvolvimento local e formas
de se inserirem na modernidade sem abdicarem de suas tradições, mas transformando-as em fonte emprego e renda. Se o conseguirem, serão
modelo para a manutenção de outras comunidades quilombolas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo sobre a Comunidade Tradicional do Moinho procurou evidenciar a “etnoterritorialidade”, na qual se destaca a estreita simbiose
com o meio ambiente do Cerrado, as ameaças da modernidade e algumas das estratégias utilizadas pelos moradores para se inserirem nos novos
tempos e manterem suas identidades e seus fazeres tradicionais. As ervas que eram colhidas em abundância na natureza do Cerrado, agora estão
longe, pois as cercas reduzem a área de coleta1, a água precisa ser armazenada e as cercas reduzem os locais de encontro junto às cachoeiras.
Os modos de vida e o conhecimento tradicional transmitidos no dia a dia da Comunidade Tradicional do Moinho formam um patrimônio
imaterial que corre o risco de não se perpetuar pela ausência de uma política identitária quilombola e de incentivo cultural focada nos saberes e
fazeres tradicionais sobre plantas, ervas e seus usos e da medicina natural praticada na região que integram a etnogeografia quilombola do Moinho.
A certificação, em tese, deveria garantir o direito à territorialidade e o acesso às políticas públicas de proteção e preservação dos remanescentes
de quilombos, a identidade e a cultura desses grupos. Na prática, há pouca mudança, haja vista que a comunidade não recebe capacitação para
compreender os direitos que a certificação garante. O Moinho, porém, como se encontra perto do Distrito Federal, tem conseguido ajuda externa
das pesquisas acadêmicas e de ONGs, como a WWF, para disseminar o conhecimento jurídico e social dos direitos dos remanescentes quilombolas.
Entretanto, a permanência dos moradores na comunidade depende do desenvolvimento rural sustentável e da manutenção de uma economia
solidária que priorize as tecnologias sociais, a conscientização ambiental e as relações de pertencimento de quem vive em simbiose com o território,
garantindo assim que suas terras tradicionalmente ocupadas perpetuem a identidade e cultura do povo quilombola.
Espera-se, assim, que as memórias, “causos”, histórias, lembranças de momentos de alegria, tristeza e superação que expressam a identidade
e a cultura do Moinho sejam mantidas.

1 Antes Dona Flor coletava as “ervas do mato” que eram abundantes e próximas das residências; hoje Dona Flor chega a caminhar até 12 km para conseguir coletá-las na natureza
do Cerrado.
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TUAN, Yi-Fu. Espaço e Lugar. São Paulo: Difel, 1983.

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80
O METROPOLITANO E O REGIONAL EM BRASÍLIA:
A REGIÃO INTEGRADA DE DESENVOLVIMENTO DO DISTRITO
FEDERAL E ENTORNO (RIDE-DF)
E A ÁREA METROPOLITANA DE BRASÍLIA (AMB)

Sergio Magno Carvalho de Souza


Professor de Geografia do Instituto Federal de Brasília (IFB) – Campus Ceilândia
smcsgeo@gmail.com

Resumo

A constituição da Brasília metropolitana suscita questões em torno do seu processo de gestão, que tem demonstrado, ao longo do tempo, pouca
efetividade. Por outro lado, a gestão metropolitana tem sido realizada a partir de arranjos da política regional, demonstrando conflito, do ponto de
vista da gestão, do metropolitano e do regional. Isto se torna visível a partir de dois recortes espaciais oficiais: a Região Integrada de Desenvolvimento
do Distrito Federal e Entorno (Ride-DF) e a Área Metropolitana de Brasília (AMB). Este texto tem como objetivo analisar o processo de articulação
das escalas metropolitana e regional em Brasília, a partir da constituição destas duas regiões institucionalizadas (Ride-DF e AMB), analisando a
situação atual da atuação e integração dos instrumentos de gestão destes espaços/ lógicas e em que medida o espaço institucionalizado por estas
regiões oficiais abarca processos recentes que tem estruturado as lógicas regional e metropolitana. Os resultados apontam para a forte desarticulação
da atuação dos agentes estatais, resultando na continuidade da reduzida efetividade das ações de desenvolvimento. Por outro lado, fica claro que
apenas a “delimitação” do espaço efetivamente metropolizado é um item menor numa agenda que precisa apontar para mais efetiva articulação das
ações dos entes públicos.

Palavras–chave: Ride-DF; AMB; metrópole; região.

1. Introdução
No atual quadro de reprodução dos espaços urbanos e regionais, têm surgido como questão fundamental os diversos arranjos de gestão,
que frequentemente ultrapassam os modelos tradicionais, apontando para a necessidade de uma maior cooperação entre os agentes. Além disso,
há a necessidade de analisar até que ponto as regiões instituídas compreendem novos processos e dinâmicas espaciais. Este trabalho busca discutir
estes temas para o caso de Brasília, a partir de duas regiões instituídas, nas quais atuam os instrumentos de planejamento e gestão metropolitana e
regional: a Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (Ride-DF) e a Área Metropolitana de Brasília (AMB).
Em escala nacional, os temas metropolitano e regional foram de maior preocupação a partir da segunda metade do século XX, alternando
momentos de maior atenção ao tema (décadas de 1960 e 1970) e períodos de maior esquecimento (década de 1980 e parte da década de 1990 – em
que estes temas foram resgatados a partir da Constituição Federal de 1988). Em âmbito local, a constituição do espaço de Brasília teve ligação com a
intenção do Estado em integrar o território nacional (inserida no contexto de maior interesse nacional pela política de desenvolvimento regional),
no esforço de modernização econômica nacional. A construção da Nova Capital, apesar de ligada fortemente à perspectiva de desenvolvimento
regional, deu atenção relativamente reduzida ao desenvolvimento de sua região mais imediata. Inicialmente trabalhou-se com a ideia da Região
Geoeconômica de Brasília, que agregava um espaço tanto de influência mais imediata à Brasília como o espaço mais afastado, abarcando municípios
do Estado de Goiás e vários do oeste de Minas Gerais. Posteriormente, institucionalizada legalmente por meio da Lei Complementar nº 94/ 1998
(BRASIL, 1998), é criada a Ride-DF, com extensão menor que a Região Geoeconômica de Brasília, em um recorte que buscava engendrar o
fenômeno metropolitano então em curso, mas também alguns dos municípios com integração regional mais próxima. Mais recentemente, centrada
na questão metropolitana, foi delimitada pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) a Área Metropolitana de Brasília
(AMB), com extensão menor que a da Ride-DF, e que busca corresponder, de forma mais precisa, ao fenômeno da metropolização do espaço de
Brasília.
Desta forma, o objetivo principal deste artigo é analisar o processo de articulação das escalas metropolitana e regional em Brasília, a partir
da constituição destas duas regiões institucionalizadas (Ride-DF e AMB), analisando a situação atual da atuação e integração dos instrumentos
de gestão destes espaços/ lógicas e em que medida o espaço institucionalizado por estas regiões abarca processos recentes que têm estruturado as
lógicas regional e metropolitana.
O trabalho é composto, à frente, de duas seções: na primeira, é rapidamente apresentado o processo de produção do espaço metropolitano
e regional de Brasília e a constituição da Ride-DF e da AMB, especialmente as motivações que levaram a constituição de tais regiões. Em seguida,
numa segunda seção, que corresponde ao foco do trabalho, é realizada uma dupla análise: a partir da revisão de bibliografia (acadêmica e, em
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O METROPOLITANO E O REGIONAL EM BRASÍLIA: A REGIÃO INTEGRADA DE DESENVOLVIMENTO DO DISTRITO FEDERAL E ENTORNO E A ÁREA METROPOLITANA DE BRASÍLIA

menor parte, de documentação oficial), busca-se traçar o quadro da atuação e articulação dos agentes públicos envolvidos na gestão metropolitana
e regional de Brasília; num segundo momento, o espaço efetivamente instituído pelas duas regiões é confrontando com a extensão da articulação
regional, definida pelo estudo Divisão Urbano Regional do IBGE (2013), e a instituição de um espaço metropolitano (representado pela AMB) é
confrontado com os resultados do estudo dos Arranjos Populacionais do IBGE (2015). As regiões de referência do trabalho são justamente as duas
supracitadas, porém, em alguns momentos do texto são mencionados espaços fora destes, em geral, atualmente identificados pela região ampliada
de Brasília, área sob sua influência direta.

2. A produção do espaço regional e metropolitano de Brasília e a constituição da Ride-DF e AMB


Esta seção do trabalho busca, incialmente, apresentar um breve contexto do processo de produção do espaço regional e metropolitano a
partir da construção de Brasília, por meio de uma periodização que considera como principal referência a capacidade do Estado em manter-se
como mais importante agente de produção e estruturação do espaço de Brasília. Tal centro no papel do Estado, além de sua ação na produção do
espaço dá foco às principais políticas adotadas, sendo o esteio da análise seguinte, centrada na Ride-DF e AMB.
Assim, num primeiro período, de implantação e consolidação da Nova Capital (1956-1985), o contexto apontava para uma atuação autoritária
do Estado a partir de um viés nacional-desenvolvimentista. Localmente, tal autoritarismo se reflete no discurso da necessidade de construção da
Nova Capital e na manutenção de seu planejamento. A partir deste contexto, as ações de gestão e planejamento urbano foram pautadas na busca
pela manutenção do preconizado em planos urbanos e de ocupação do território, principalmente o Plano Piloto de Brasília, e Plano Estrutural de
Organização Territorial do Distrito Federal (Peot), de 1977 – este último com extensão para todo o Distrito Federal. Nos municípios vizinhos as
ações pautadas em planejamento eram ainda reduzidas, havendo maiores experiências de planejamento nos municípios ao sul do Distrito Federal
(atingidos por sua expansão urbana). Quanto às ações de planejamento e gestão regional, as ações se deram em torno do Fundo de Desenvolvimento
do Distrito Federal (Fundefe), instrumento de financiamento de iniciativas de desenvolvimento dos municípios lindeiros ao Distrito Federal, e do
Programa Especial da Região Geoeconômica de Brasília (Pergeb), cuja ação pretendia ser mais ampla, incorporando a perspectiva de promover o
desenvolvimento dos espaços sob influência de Brasília com base já na ideia da redução das desigualdades regionais. Efetivamente, as ações de gestão
urbana se sobressaíram em relação às de amplitude regional, estando aquelas pautadas na rígida manutenção do planejado e nas ações de remoção
de invasões. Como desdobramentos de tais ações, foi constituído um espaço interno ao Distrito Federal classificado por Paviani (1987) como
“polinucleado”: a formação de um assentamento urbano pautado em diversos núcleos habitacionais (cidades-satélites) afastados entre si por amplos
espaços vazios. Nos municípios vizinhos do Distrito Federal, especialmente ao sul, houve crescimento urbano inicial motivado pela mudança da
capital, além do início de uma rápida urbanização a partir da década de 1970, como sintoma da expansão urbana de Brasília (OLIVEIRA, 1983).
Nos demais municípios do que viria a ser a Ride-DF e a AMB, mantinha-se ainda uma reduzida ocupação urbana dos territórios, sendo notável,
por outro lado, a implantação da agropecuária moderna em municípios como Unaí e Formosa (CODEPLAN, 1997).
Num segundo período, chamado de expansão metropolitana e incorporação de novos processos de estruturação regional (1986-2018),
tem havido um contexto de atuação do Estado a partir de viés neoliberal, com redução em seu poder de gestão do território – atua de forma mais
indireta e no sentido do fomento ao setor privado, assumindo uma perspectiva gerencial. Neste contexto, as principais ações de planejamento e
gestão urbana englobaram a elaboração de Planos Diretores, tanto no Distrito Federal (chamados de Planos Diretores de Ordenamento Territorial
– PDOTs) quanto nos municípios vizinhos. Em termos de gestão regional, a grande novidade ficou por conta da instituição da Ride-DF, discutida
na seção seguinte. De forma prática, as ações de gestão urbana e regional têm demonstrado um descolamento entre o planejado e a realidade que
tal planejamento visa regular, especialmente o uso do solo, apontando para uma crescente força do setor privado (à margem ou em conjunção com
o Estado), especialmente o mercado imobiliário. Como desdobramento das ações de gestão do território ocorreu, inicialmente, a concretização
de Brasília como metrópole, conforme delineado por Paviani (1985). A partir daí, tem ocorrido a ampliação da expansão metropolitana em uma
tendência cada vez mais dispersa. Em termos regionais, é cada vez mais presente um processo de fragmentação da antiga região muito centrada na
cidade principal: novos processos e atores entraram mais claramente na produção do espaço. Destes novos processos, ao menos dois são dignos de
nota: o avanço da agropecuária moderna à região leste e sudeste do Distrito Federal; a estruturação e integração do eixo Brasília-Anápolis-Goiânia
(cujos impulsionadores principais, de ambos os processos, têm sido agentes do capital privado, com destaque para o agronegócio).
Desta forma, considerando o quadro atual de uma região cada vez mais fragmentada, as subseções seguintes descrevem o processo de
constituição da Ride-DF e da AMB e analisam como têm sido a atuação dos diferentes instrumentos nas duas regiões institucionalizadas, bem como
elas têm lidado, enquanto regiões oficiais, com os novos processos de estruturação do espaço e suas variadas escalas.

2.1 A Ride-DF (Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno)


Como visto anteriormente, a questão das políticas regionais para a região de Brasília (seja sua mais imediata ou ampliada) foi objeto do
tratamento de políticas públicas desde a década de 1970, com destaque para o Pergeb. A Ride-DF surgiu a partir deste esforço, mas também a
partir da necessidade de articulação dos municípios vizinhos de Brasília, seja no âmbito regional ou metropolitano. É inegável, por outro lado, que
a temática metropolitana passou a ditar tal agenda de articulação, especialmente por diversos trabalhos que passaram a reconhecer e caracterizar
Brasília como uma metrópole e que indicavam a necessidade de políticas públicas específicas para isto, como enfatizam Paviani (1985; 1996) e
Ferreira (1985). No contexto desta discussão, destaca-se ainda o documento “Delimitação do Espaço Metropolitano de Brasília”, da Codeplan (1997).
Tal documento trabalha com a caracterização de uma futura Região Metropolitana de Brasília, por meio da definição do chamado Aglomerado
Urbano de Brasília (este definido por meio dos critérios então vigentes do IBGE para a identificação dos municípios que poderiam compor regiões
metropolitanas), que abarcaria o espaço dos seguintes municípios: Luziânia, Cidade Ocidental, Valparaíso de Goiás, Novo Gama, Santo Antônio
do Descoberto, Águas Lindas de Goiás, Planaltina, Formosa, Padre Bernardo e Alexânia (estes últimos três não atenderam totalmente aos critérios,
mas foram ainda assim considerados).
Apesar do debate existente à época, havia o impedimento legal (na realidade a falta de base constitucional) para a instituição de Regiões
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Metropolitanas interestaduais ou inter federativas1. A Constituição Federal de 1988 modificou a competência para a criação de Regiões
Metropolitanas e para sua gestão, legando como função específica dos Estados federados, por meio de Leis Complementares estaduais (§3º do art.
25), a instituição e criação destes entes, modificando o procedimento adotado desde a década de 1970. Desta forma, o fulcro legal da existência
da Ride-DF encontra-se em outro ponto do texto constitucional, o inciso I do § 1º do art. 43, que aponta que a seguinte matéria deve ser regulada
por meio de Leis Complementares federais: “I - as condições para integração de regiões em desenvolvimento” (BRASIL, 1988). Tal ponto da
Constituição, na realidade, aborda a questão da organização regional do país e suas consequências para as políticas públicas federais. Pode-se,
assim, afirmar que a Ride-DF foi criada num contexto em que o tema metropolitano vinha ganhando espaço e esperava-se, de certa forma, que sua
criação suprisse, ainda que parcialmente, a lacuna da delimitação do espaço metropolitano e da criação de órgãos e políticas para sua gestão. Porém,
tendo em vista a base constitucional, a gestão desta Região prezou muito mais pelas ações próprias do desenvolvimento regional e menos da gestão
metropolitana. Muito por conta desta origem, a Ride-DF sempre teve sua gestão confiada aos órgãos responsáveis pela política de desenvolvimento
regional no Brasil: inicialmente, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP); atualmente, o Ministério da Integração Nacional (MI),
mais especificamente por meio de uma de suas autarquias, a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco). Criou-se, assim,
uma região instituída que inclui um espaço metropolitano, mas cuja atuação é pautada (ao menos do ponto de vista legal) por premissas do
desenvolvimento regional.
Como tem sido comum no processo de instituição de outras Regiões Metropolitanas (ou pelo menos foi a praxe até o Estatuto da Metrópole,
que visa normatizar também este assunto), foram adicionados municípios cuja ligação com Brasília nada tem de metropolitana, porém sem abarcar
todo o espaço de influência regional da cidade. Desse ponto, surge a dúvida de que a região instituída, num primeiro momento, visou suprir a
lacuna da impossibilidade, à época, de Regiões Metropolitanas inter federativas, porém tendo sido apropriada como moeda política no momento de
sua definição (e com um erro legislativo e material claro, dada a não inclusão de Cabeceira Grande-MG2). Desta forma, a região abarca um espaço
extenso formado pelo Distrito Federal, por 19 municípios goianos (Abadiânia, Água Fria de Goiás, Águas Lindas, Alexânia, Cabeceiras, Cidade
Ocidental, Cocalzinho de Goiás, Corumbá de Goiás, Cristalina, Formosa, Luziânia, Mimoso de Goiás, Novo Gama, Padre Bernardo, Pirenópolis,
Planaltina, Santo Antônio do Descoberto, Valparaíso e Vila Boa) e dois mineiros (Unaí e Buritis) – Lei Complementar nº 94, de 19 de fevereiro de
1998 (BRASIL, 1998 - conferir Figura 1, à frente).


2.2. A AMB (Área Metropolitana de Brasília)
A criação da AMB tem origem relativamente diversa da Ride-DF, apesar da mesma gênese - a necessidade da gestão metropolitana
em Brasília. Sua proposição está ligada à produção acadêmica em torno da ideia de uma Brasília metropolitana, mencionada anteriormente.
Considerando a definição de Brasília como metrópole, passa-se a ser sugerida e mesmo discutida a ideia de uma Região Metropolitana de Brasília
(RMB) (PAVIANI, 1996), de um Aglomerado Urbano de Brasília (AUB) (IPEA, 2001; STEINBERGER, 1999) ou da própria AMB, como acabou
sendo convencionado chamar mais atualmente.
Mesmo com a delimitação da Ride-DF e a abertura da possibilidade de se implementar alguma gestão metropolitana (mesclada, mesmo
que indiretamente, à questão regional), manteve-se certa resistência no meio acadêmico em torno da Ride-DF como instrumento (e espaço) efetivo
de gestão da metrópole (RIBEIRO; HOLANDA, 2015). Em partes, isto ocorreu pelo próprio processo de institucionalização da Ride-DF: como
se viu, seu desenho foi bastante modificado no texto final da Lei Complementar nº 94/ 1998 em relação à proposição da Codeplan (1997) e dos
estudos acima mencionados, por pressão e interesses políticos. Sampaio et al (2014) relembram outros esforços de delimitação e identificação da
extensão da metropolização em Brasília e de sua área de influência, destacando-se o estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)
“Caracterização e tendências da rede urbana no Brasil”, de 1999, o estudo da Codeplan “Brasília e sua região polarizada: perfil socioeconômico e
demográfico da população – as relações entre o Distrito Federal e Entorno”, de 2003 e o Seminário “Estratégias para o Desenvolvimento Sustentável
do DF e seu Entorno”. Estes últimos apontam já para a necessidade de congruência das políticas regional e metropolitana para a região de influência
de Brasília. Tal dúvida acabou reforçada a partir das lacunas abertas por conta da inação ou da ação equivocada dos diversos órgãos/ agentes
interessados, conforme descrito anteriormente. Tal quadro levou a uma visão de inoperância por parte da Ride-DF, demandando a perspectiva de
uma região específica para a questão metropolitana.
A delimitação e oficialização da AMB ocorrem a partir dos trabalhos da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). Esta,
já em 2013 (CODEPLAN, 2013), sugeria um arranjo de gestão metropolitano e regional para Brasília. Por tal proposta, a política regional deveria
abranger os municípios considerados sob influência de Brasília pelo Regic/IBGE e a política metropolitana ser implementada nos municípios mais
próximos e com maiores interações com a capital. Desta proposta, mais tarde (CODEPLAN, 2014), o mesmo órgão propôs oficialmente a delimitação
da AMB, composta pelo Distrito Federal e pelos municípios goianos de: Águas Lindas de Goiás, Alexânia, Cidade Ocidental, Cocalzinho de Goiás,
Cristalina, Formosa, Luziânia, Novo Gama, Padre Bernardo, Planaltina, Santo Antônio do Descoberto e Valparaíso. Este recorte, bem como o da
Ride-DF estão graficamente representados abaixo, no mapa da Figura 1.

1 Mesmo com a possibilidade de institucionalização de Regiões Metropolitanas a partir do Estatuto da Metrópole (Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 – BRASIL, 2015), ficou
vetada a possibilidade de o Distrito Federal participar de tais Regiões (Mensagem Presidencial nº 13, de 12 de janeiro de 2015).

2 O município de Cabeceira Grande (MG) não é considerado como integrante da Ride-DF atualmente, por ter sido criado anteriormente à aprovação da Lei Complementar nº
94, de 19 de fevereiro de 1998 (BRASIL, 1998) e não estar explicitamente citado no art. 1º da referida legislação – este tem sido o entendimento atual da Sudeco.
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Figura 1: Municípios pertecentes à Ride e a AMB.

3. Ações de gestão metropolitana e regional, escalas e novas possibilidades


Nesta seção do trabalho, o interesse passa a ser a análise da atuação recente dos principais agentes públicos em torno da gestão das regiões
instituídas da Ride-DF e da AMB, bem como analisar de que forma os recortes regionais propostos por elas se coadunam com os novos (e antigos)
processos em curso no território.

3.1 As ações de gestão do território na Ride-DF e AMB: desarticulação e baixa efetividade


As ações de gestão do território aqui abarcadas referem-se, principalmente, aos agentes públicos, mesmo sendo aceitas aquelas em curso
por parte de agentes privados. É considerada a existência e execução de planos/ planejamento regional e metropolitano, bem como a execução de
ações específicas de gestão e a busca por articulação entre elas.
A gestão da Ride-DF esteve a cargo de diversos órgãos (Ministério do Planejamento até 1998; Ministério da Integração Nacional, entre
2000 e 2011; Sudeco, de 2011 até os dias atuais), período no qual somente um plano chegou a ter sua elaboração iniciada, porém sem chegar a ser
efetivamente aplicado - o Programa de Desenvolvimento Regional Estratégico do Distrito Federal e Entorno - Proride3. Mesmo com a recriação da
Sudeco não houve a revisão do Proride nem a proposição de um programa/ plano específico para o desenvolvimento da Região, enfatizando sua
atuação de articulação a partir da organização e reativação do Coaride (Conselho Administrativo da Ride-DF).
De um modo geral, as ações implantadas até o momento na Ride-DF revelam pouca articulação entre os diversos entes e agentes interessados
em seu desenvolvimento, com o desencontro e sobreposição de ações e recursos, o que por vezes ocorre na mesma esfera de governo. Mesmo com a
titularidade da Sudeco em gerir e buscar a articulação com os outros agentes em torno do desenvolvimento da Região, o que se tem ainda são ações
esparsas e pouco conectadas a um planejamento pactuado de longo prazo. Isto leva a que os governos do Distrito Federal, de Goiás e dos municípios
da Ride-DF acabem por promover ações entre si de forma autônoma, cujo exemplo recente do consórcio para gestão do saneamento ambiental

3 O Proride tinha como principais características a elaboração de uma tipologia dos municípios da Ride-DF de forma concêntrica, tendo como principal critério a dependência
destes em relação à Brasília e uma carteira de projetos que contemplavam, como foco, a melhoria dos serviços públicos (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2001).

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e gestão de resíduos sólidos é exemplar4. Assim, historicamente, a região nunca se colocou de fato como prioritária5 como preconizada pela atual
Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR – BRASIL, 2007), recebendo ações e recursos pouco articulados e, em muitos casos, de
caráter puramente local, como emendas parlamentares. Boa parte da atuação da Sudeco, órgão cuja uma das missões é a articulação das políticas
públicas na região, ocorre por meio destas emendas, limitando-se este órgão, em muitos casos, a ser apenas repassador de recursos federais.
Quanto à AMB, as principais ações partem do Governo do Distrito Federal no sentido da implementação de políticas e ações propriamente
metropolitanas. Tal intenção ficou explícita durante a gestão de Agnelo Queiroz (2011-2014), na qual foi criada uma Secretaria específica para lidar
com a questão, a Secretaria de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Brasília. Por outro lado, a principal atuação tem ocorrido no setor
do saneamento básico, destacando-se, como mencionado, o Consórcio Público de Manejo dos Resíduos Sólidos e das Águas Pluviais da Região
Integrada do Distrito Federal e Goiás (CORSAP – DF/GO). Este tem atuação em uma das típicas funções públicas de interesse comum das políticas
metropolitanas, mas conta com integrantes de municípios goianos que estão na Ride-DF e não estão na AMB. O Corsap-DF/GO tem buscado se
estruturar e possui, como seu objetivo mais importante, “exercer, na escala regional, as atividades de planejamento dos serviços públicos de manejo
dos resíduos sólidos e de drenagem e manejo das águas pluviais no território do Distrito Federal e dos Municípios consorciados” (CORSAP-DF/
GO, 2013). Tal iniciativa tem ligação ainda com os ditames do Plano Nacional de Saneamento Básico, já tendo implantação efetivada e consolidando
suas ações. À exceção das ações acima consideradas (Secretaria específica para o tema e o Consórcio), há dificuldade por parte do Distrito Federal
em disponibilizar seus programas e recursos aos municípios da AMB dada a não institucionalização legal do recorte, o que tem ocorrido, quando
possível, via convênios e outras formas de descentralização.
Desta forma, o quadro da atuação em ambas as escalas, Ride-DF e AMB, aponta para a reduzida articulação de ações e esforços, o que
ocorre dentro dos órgãos de governo6 e entre esferas diferentes. Há uma clara fragilidade por parte das prefeituras municipais, muitas delas com
orçamentos aquém das necessidades do próprio município e pouco dispostas, por isto mesmo, a esforços maiores de cooperação com outros
municípios. Mesmo a Associação dos Municípios Adjacentes à Brasília – Amab – tem atuação setorizada, pouco articulada e espacialmente pouco
abrangente, em geral havendo apenas um pequeno grupo de prefeitos de fato interessado e atuante sobre a temática7.


3.2. As escalas metropolitana e regional: o delimitado e os novos (e velhos) processos em curso
Esta subseção pretende, sem esgotar a temática, analisar a questão dos espaços institucionalizados da Ride-DF e da AMB em comparação
com estudos e trabalhos recentes que têm buscado delimitar processos e dinâmicas afetos à metropolização e integração regional de Brasília. A
análise se dá a partir da delimitação do espaço instituído da Ride-DF e de sua confrontação com as Regiões de Articulação Ampliada e Imediata de
Brasília, fruto do estudo da Divisão Urbano Regional do IBGE (2013). Num segundo momento, é confrontada a definição da AMB com o estudo
dos Arranjos Populacionais do IBGE (2015).
Considerando o já posto, do interesse da Ride-DF em abarcar as dinâmicas regionais, em cujo centro está a articulação por Brasília, uma
forma interessante de compreender até que ponto tal dinâmica encontra-se abarcada é a comparação com as regiões ampliada e as imediatas
traçadas pelo IBGE (2013). Tais regiões derivam do esforço do IBGE em delimitar as escalas da articulação urbana dos principais centros urbanos
brasileiros. A partir disto, são traçadas três escalas: ampliada, que contempla os 14 principais centros urbanos brasileiros (nem todas as metrópoles,
como nos casos de Cuiabá e Porto Velho); intermediária, que inclui os centros urbanos dos níveis A, B e C e centros sub-regionais; imediata, que
abarcava a região de influência dos centros sub-regionais A e B e dos centros de zona A e B com atuação abaixo do nível de capital regional8. No
caso da região ampliada de Brasília, não se verifica a existência da escala intermediária, dada a inexistência de centros urbanos que se enquadrem
como polos desta escala. Já nos níveis imediatos, além de Brasília são identificados como polos: Unaí (MG), Posse (GO) e Campos Belos (GO). A
extensão da região ampliada de Brasília com as subdivisões no nível imediato e superposição do espaço da Ride-DF encontra-se no mapa da Figura
2.
A superposição dos mapas apresenta, inicialmente, uma região ampliada sob influência de Brasília que se estende a municípios de Minas
Gerais, Goiás e Tocantins. Em comparação com outras metrópoles, a região pode ser considerada pequena e com uma rede urbana pouco articulada,
cuja evidência está no fato de não haverem polos para o estabelecimento da escala intermediária. Isto reforça a tendência de dependência de Brasília
por parte da maioria dos municípios desta região.

4 O Consórcio Público de Manejo dos Resíduos Sólidos e das Águas Pluviais da Região Integrada do Distrito Federal e Goiás – CORSAP – DF/GO foi instalado a partir de 2013,
por meio de articulação entre os governos do Distrito Federal, do Estado de Goiás e das Prefeituras que compõem a Ride-DF, sem passar pela União e sem incluir os municípios
mineiros da Ride-DF.

5 A exceção a isto se encontra nas facilidades existentes para a contratação de recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO), a partir do qual
os empresários e produtores rurais contratam com taxas de juro diferenciadas e prazos mais dilatados para pagamento das operações. Ainda assim, há pouca articulação e
governança do instrumento em relação às necessidades de desenvolvimento da região.

6 Este quadro é agravado no caso do Governo Federal, em que diversos ministérios, como o da Saúde, consideram o recorte da Ride-DF, mas tem pouca ou nenhuma articulação
de suas ações com a Sudeco, no caso.

7 É digno de nota que, na atual gestão da Amab, após a posse dos prefeitos eleitos em 2016, tem havido um maior interesse e diálogo desta associação junto aos órgãos ligados
tanto ao tema regional quanto metropolitano de Brasília, sendo mais frequente a participação em reuniões e a cobrança de efetiva atuação da Sudeco. Por outro lado, o número
de prefeitos interessados aponta para uma mobilização ainda restrita e em torno de pautas muito particulares – frequentemente problemas em torno de convênios estabelecidos
entre o governo federal e estes municípios.

8 A definição desta hierarquia segue aquela proposta pelo estudo da Região de Influência das Cidades – Regic – do IBGE (2007).
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Figura 2: Região de Articulação Ampliada - Brasília.


Por outro lado, comparando o espaço da Ride-DF (em cruzes, no mapa), percebe-se que a delimitação de 1998 encontra-se bastante
superada pela realidade mais atual do papel de articulação regional de Brasília, que permanece de certa forma, ainda parecido com as antigas
delimitações do Pergeb. Vê-se que a delimitação atual se encontra numa clara encruzilhada: nem bem abarca o fenômeno metropolitano (o excede,
em muito), nem se coaduna com a extensão da influência regional de Brasília. O mapa revela, ainda, a persistência de dinâmicas diversas dentro
do espaço instituído pela Ride-DF, nem sempre abarcado nas iniciativas do governo: há uma polarização de Unaí que afeta municípios ainda não
inclusos na Ride-DF; por outro lado, os municípios mais afetados pela dinâmica de integração do eixo Brasília-Anápolis-Goiânia (como Alexânia
e Abadiânia), abarcados na Ride-DF, estão sob influência mais direta de outros municípios (no caso Goiânia e, mais imediatamente, Anápolis).
Já na escala metropolitana, a comparação dá-se com o espaço delimitado como do Arranjo Populacional de Brasília. Tal delimitação,
proposta pelo IBGE, busca considerar os espaços de articulação e integração de populações, o que se verifica, fundamentalmente, a partir dos
movimentos pendulares para estudo ou trabalho e da contiguidade dos espaços urbanos. Foram considerados como principais critérios para
delimitação destes espaços: forte intensidade relativa dos movimentos pendulares para estudo e trabalho; forte intensidade absoluta dos movimentos
para trabalho e estudo; contiguidade das manchas urbanizadas. Ainda que não se destine à identificação de espaços metropolizados (principalmente
por desconsiderar a função dos espaços e sua articulação), os resultados permitem comparações entre o arranjo delimitado pelo IBGE e o espaço
delimitado pela Codeplan, com a AMB. Tal comparação pode ser visualizada abaixo, no mapa da Figura 3.

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Figura 3: Área Metropolitana de Brasília (AMB) e Arranjo Populacional de Brasília.

O mapa aponta para uma correlação mais próxima do arranjo traçado e da delimitação proposta para a AMB. O arranjo enfatiza municípios
localizados, principalmente, no sul, norte e noroeste do Distrito Federal, com baixa integração nos municípios de Cristalina, Formosa e Alexânia.
Compreende-se a inclusão destes três municípios no espaço que pretende abarcar o espaço metropolitano por causa, principalmente, das funções
(ou serviços) comuns que podem ser partilhados por estes municípios. Há o caso de Alexânia que, conforme visto anteriormente, apresenta maior
polarização por parte de Goiânia e Anápolis. Além disso, ausente da delimitação da AMB está Mimoso de Goiás, cuja análise, especialmente dos
fluxos pendulares pode levar a uma discussão mais profunda, com vista a definir a ocorrência ou não de um processo de metropolização ali.

4. Considerações Finais
A partir do exposto no decorrer deste trabalho, viu-se que, inicialmente, a construção de Brasília visou impulsionar o desenvolvimento da
região, além de suas funções administrativas. No começo, tal papel esteve muito ligado ao processo de construção e implantação da Nova Capital,
numa relação de forte dependência e articulação por parte de Brasília em relação aos seus vizinhos. Permanecia, ainda, uma articulação típica
regional, já que o fenômeno metropolitano somente se caracterizaria a partir da década de 1970/ 1980. Deste momento em diante, especialmente
com os municípios mais próximos, a relação de dependência se acentua, dada a criação de uma periferia metropolitana deprimida. Contudo, novas
dinâmicas têm atuado na antiga região de influência de Brasília, destacando-se a estruturação e integração do eixo Brasília-Anápolis-Goiânia e o
avanço da agropecuária moderna, alterando a relação de dependência da região em relação a sua cidade principal.
Tendo em vista tal realidade, a Ride-DF foi criada num esforço de dar resposta às demandas de articulação de Brasília junto aos municípios
vizinhos. Considerando sua delimitação abrangente para além da metrópole e sem abarcar totalmente a dinâmica regional de Brasília, outros
recortes passaram a ser propostos, caso da AMB. Este, dada a dificuldade em sua efetiva institucionalização, acaba por carecer de instrumentos
oficiais de planejamento e fomento às ações públicas concretas. Ao comparar os espaços delimitados e as dinâmicas regional e metropolitana, viu-se
que a Ride-DF abarca um espaço ainda aquém das necessidades de gestão regional, bem como das novas dinâmicas em curso.
Apesar de isto orientar, num primeiro momento, para a ideia de expansão da Ride-DF para abarcar todo o espaço de articulação regional
de Brasília, é necessário considerar se todos os elementos para a gestão deste espaço têm interesse e possibilidade de realizar tal processo. A Sudeco,
responsável pela gestão da região, não possui jurisdição sobre todo o espaço de articulação regional; não se sabe até que ponto o Governo do Estado
de Goiás apoiaria a ampliação da Ride-DF, no sentido de abarcar a região do nordeste goiano, sub-região das menos desenvolvidas do Estado.
Por outro lado, a construção de regiões institucionalizadas não necessariamente precisa compreender totalmente o espaço do desenrolar de um
determinado processo: o Estado, suas instituições, a política (do Estado e fora dele) são alguns dos fatores que influenciam na construção de regiões
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institucionalizadas com os mais variados desenhos. Haesbaert (2014), ao apresentar as regiões como artefatos, aponta tanto para a construção das
regiões a partir da articulação de variados interesses (artifício), quanto da ocorrência de processos espaciais (fatos), sendo, em geral, o que ocorre
com regiões que são legalmente instituídas. Entretanto, a tarefa de “construir”, “redefinir”, “redesenhar” a região parece secundária. Considerando
a lacuna entre as intenções (anunciadas ou não) de gestão da região, o que realmente tem sido feito (que reflete uma atomização do poder e
enfraquecimento das instâncias capazes de coordenação) e as evidentes necessidades das populações destes municípios, o esforço de articulação e
de gestão do que “já está aí” parece um primeiro item a ser vencido.
Sobre tal esforço de articulação, seria importante um maior protagonismo dos governos Federal, do Estado de Goiás e do Distrito Federal
em um esforço assim9. Ainda, com base no que sugerem Codeplan (2013) e Sampaio et al (2014), ainda que de forma indireta, a gestão da Ride-
DF poderia conferir tratamento diferenciado aos municípios do espaço metropolizado de Brasília que estão em seu interior, como base de uma
futura gestão metropolitana. Para tal, seria necessária uma alteração na estrutura do Coaride (excessivamente composto por órgãos federais) e
uma maior aproximação do Ministério das Cidades na gestão do tema metropolitano de Brasília. Do ponto de vista dos instrumentos, há ainda
uma possibilidade aberta pelo Estatuto da Metrópole (BRASIL, 2015): ao prever, em seu art. 22, que “as disposições desta Lei aplicam-se, no que
couber, às regiões integradas de desenvolvimento que tenham características de região metropolitana ou de aglomeração urbana” (que parece
ser, claramente, o caso da Ride-DF), e considerando as diversas imposições feitas por este diploma legal, abre-se a possibilidade (para não dizer
a obrigação) da existência de alguma articulação entre a política regional e a metropolitana em Brasília. No âmbito dos Estados federados e do
Distrito Federal, em conjunto com as prefeituras, poderia ocorrer um aprofundamento das experiências de consorciamento dos serviços públicos
de interesse comum. Neste processo, cabe à União, por meio da Sudeco, fornecer o apoio necessário à articulação destas iniciativas.
Por fim, há, ainda, outras possibilidades abertas, especialmente no âmbito da articulação regional. Parece cada vez mais urgente e necessária
alguma institucionalização – seja na figura de uma região institucionalizada ou por outros meios – do que ocorre no eixo Brasília-Anápolis-Goiânia,
dado a reduzida articulação do poder público face à rápida apropriação do processo pelos agentes privados. Além disto, o que tem ocorrido em
torno do agronegócio moderno da região, especialmente a oeste e sudoeste de Brasília demandam esforços de gestão que podem se dar no âmbito
da Ride-DF, mas que se encontram fora da agenda (que incluíram, por exemplo, maior adesão do Governo de Minas Gerais à gestão da região).
Há, por fim, o tema dos municípios do norte da Ride-DF: possuem uma estrutura de serviços e infraestrutura precária e altamente dependentes do
Distrito Federal, demandando ações específicas.


9 Estes três governos são mencionados tendo em vista seu envolvimento mais claro na possibilidade de aplicação de uma efetiva gestão metropolitana: o Distrito Federal e Goiás
por terem seus territórios afetados pela expansão metropolitana de Brasília; o governo federal pela questão inter federativa aí colocada, o que lhe impõe a prestação/ regulação
de alguns serviços públicos, como o transporte público.
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O METROPOLITANO E O REGIONAL EM BRASÍLIA: A REGIÃO INTEGRADA DE DESENVOLVIMENTO DO DISTRITO FEDERAL E ENTORNO E A ÁREA METROPOLITANA DE BRASÍLIA

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SERGIO MAGNO CARVALHO DE SOUZA
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A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: CONTRADIÇÃO
E LEGITIMAÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS PELA
PARTICIPAÇÃO SOCIAL INSTITUCIONALIZADA

Rosinaldo Barbosa da Silva


Doutorando do Programa de Pós-Graduação - Departamento de Geografia/Universidade de Brasília – UnB
rosinaldo519@gmail.com

Resumo

A produção do espaço urbano na sociedade capitalista se realiza de modo desigual, mediada pelas relações de classes sociais e interesses econô-
micos, sendo assim o valor de troca prevalece sobre valor de uso revelando contradições e conflitos sociais. A prevalência do econômico – valor
de troca - aprofunda as desigualdades sociais inclusive a partir dos marcos legais da política urbana, tal como o Estatuto da Cidade, Conselho da
Cidade e de Audiências Públicas, Fóruns de participação institucionalizada. Por esses fóruns desenvolvem-se as estratégias de grupos econômicos
(empreendedores urbanos) e políticos para a manutenção de seus privilégios, legitimando-os através das Leis, processo que têm diminuído as
possibilidades de desenvolvimento social, que os movimentos sociais lutaram e lutam para colocar na agenda do Estado. Nesse sentido, a Lei, que
deveria promover a participação social plena e o direito à cidade, revela o seu contrário, a legitimação de interesses de classes e a perpetuação da
denegação de direitos sociais.

Palavras – chave: desigualdades sociais – marcos legais – participação social – direitos sociais

INTRODUÇÃO
A produção do espaço urbano contemporâneo se generaliza como um fenômeno e se revela emaranhada de especificidades que compreendem
as relações espaço-temporais constituintes das relações sociais em seu movimento, abarcando uma totalidade aberta e contraditória. E, nos países
ditos subdesenvolvidos (SANTOS, 1981), de desenvolvimento capitalista tardio, em alusão aos países industriais, de capitalismo avançado, a
produção do espaço urbano se desenvolve imbricada no processo de realização da cidadania, da instituição de direitos e deveres, que procuram criar
uma regularidade das relações sociais, das ações individuais e coletivas, mas intimamente subordinada aos países desenvolvidos, complexificando
a efetivação de direitos amplos (civis, políticos e sociais) e acesso ao Estado de Direito1.
Nesse sentido, procuramos compreender o movimento contraditório em que se produz o espaço urbano envolvendo o aspecto legal, a
prática cidadã, o Estado e a política urbana. Lefebvre (2001) e Damiani (2011) auxiliam na problematização da construção do espaço geográfico, que
materializa as relações de ordem próxima – relação cotidiana, de grupos sociais, e de ordem distante – Estado e Instituições. A cidadania envolve o
sentido que se tem do espaço e do lugar em que se estabelecem as relações sociais. O espaço se torna social pela apropriação através do uso social, da
simultaneidade, do encontro, da reunião, potencializando as ações humanas para além dos aspectos econômicos e políticos, mas, sobretudo relativo
à sociedade civil. Nesse sentido, a cidadania seria determinada pela ordem social, entretanto, há de se considerar o espaço urbano contemporâneo
marcado pela produção alienada, que diz respeito às divisões sociais e do próprio homem imposta pelo modo capitalista de produção.
Esta reflexão fundamenta-se nas possibilidades de lutas urbanas, de resistências sociais reveladas pela apropriação do espaço urbano, que
são reduzidos de diversas maneiras pelo modo de produção vigente. Uma das formas de redução pode ser investigada por meio da participação
social institucionalizada; por outro lado, pode também ser compreendida pela participação popular. A primeira se apresenta como resultado da
“democracia burguesa2”, com fortes relações sociais arcaicas3 de um país que não atingiu o estado de bem-estar social. A segunda é antes de tudo

1 O Estado de Direito, entendido como uma relação jurídica, onde o governo age por meio das leis, estabelecidas pela Declaração dos Direitos do Homem, no contexto da
Revolução Francesa, diferenciando do regime monárquico e das normas difusas do modo de produção feudal. Dessa maneira, “[...] para Kant, é o Estado de direito que pode
assegurar o desenvolvimento pacífico necessário ao progresso da humanidade, sem retomar à barbárie primitiva” (CERQUIER-MANZINI, 2013, p. 38).
2 A “Democracia Burguesa” se constitui com a ascensão do modo capitalista de produção, assegurando, por meio do Estado, a regulação social, por onde a classe burguesa busca
dominar as relações sociais. Para Bordiga, conforme Martorano (2011), o conteúdo central do marxismo é a crítica da democracia burguesa, onde a ditadura do proletariado
se realizaria pela destruição dessa democracia. Martorano (2011) busca identificar as possibilidades travadas pelos Sovietes (conselhos operários) como indispensáveis na luta
revolucionária pelo socialismo. Debates recentes revelam a autogestão (controle social democrático da economia e gestão coletiva) como potencialidade revolucionária da nova
cidadania, generalizada pelos proletariados cotidianamente. Ver mais em Ajzenberg (2013).

3 Para Martins (1999, p. 12,13), as relações sociais arcaicas se revelam pelo clientelismo, dominação tradicional de base patrimonial, do oligarquismo. Tais relações são
instrumentos de poder, dificulta a efetiva democratização do Brasil e contribui para a pseudocidadania.

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A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: CONTRADIÇÃO E LEGITIMAÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS PELA PARTICIPAÇÃO SOCIAL INSTITUCIONALIZADA

anterior à primeira; ela se caracteriza pela não institucionalização, ou seja, pelas manifestações e resistências sociais de acordo com o movimento
da própria sociedade, pois a participação popular tem se tornado cada vez mais pressionada pelo Estado com objetivo de enfraquecimento das
mobilizações sociais, por meio da repressão e cooptação de lideranças, bem como pelo atendimento parcial de suas reivindicações.
Pretende-se compreender, como objetivo geral, as estratégias do setor imobiliário e do Estado para produção do espaço urbano através
da utilização dos instrumentos legais e dos mecanismos de participação social institucionalizada (Conselho da Cidade e Audiências públicas)
para legitimação de seus interesses acarretando a desintegração da vida dos moradores, das lutas urbanas, provocando o aprofundamento das
desigualdades sociais.
Para alcançarmos o objetivo geral, posto anteriormente, acompanhamos as Audiências Públicas e as ações do Conselho da Cidade de Várzea
Grande – MT4 caracterizado como participação social institucionalizada, relacionando-a a produção do espaço e às legislações urbanas- Estatuto
da Cidade – Lei Federal nº 10.257/2001 e Plano Diretor Participativo (PDP) – Lei Municipal n.º 3.112/2007.
Destacamos que o setor imobiliário juntamente com o Estado somaram forças para transformar a terra rural (barata) em terra urbana
(cara). O primeiro passo seria viabilizar a ampliação do perímetro urbano e por consequência a retração da área rural. O segundo passo seria
dotar a área de infraestrutura urbana e órgãos públicos, universidade, condomínios residenciais fechados. Na dissertação intitulada “Participação
Social Institucionalizada e a reprodução do Espaço urbano da cidade de Várzea Grande – MT” detalhamos o processo de valorização imobiliária
na área de ampliação de urbana, inclusive com a chegada de incorporadoras de terras em Várzea Grande, tal como a GINCO, pertencente à JFG
Construções e Participações, que por sua vez está inserido na sociedade gestora “Holding JBJ Investimentos.
O procedimento realizado neste trabalho foi dividido em dois momentos, no primeiro foi realizada a pesquisa bibliográfica sobre o tema
proposto. No segundo foi obtida entrevistas com os diversos agentes da produção do espaço urbano, principalmente através do acompanhamento
de audiências públicas. Justifica-se a relevância desta reflexão, visto que as ações do poder público municipal permitem o mau uso da Lei5, da
legislação urbana e instrumentos de participação social, denega os direitos sociais e precariza a vida urbana.
O pressuposto que orienta esta pesquisa fundamenta-se na ideia de que a participação institucionalizada é utilizada para legitimação dos
interesses do setor imobiliário e do próprio Estado. O processo determina a produção do espaço urbano desigual e contraditório através da abertura
de novas áreas para a reprodução ampliada do capital e empobrece as relações sociais através da segregação produzida pelo uso privado do solo
urbano, acarretando a desintegração da vida dos moradores, separando as classes sociais mediante o consumo do espaço.

1. AS ESTRATÉGIAS DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO VARZEA-GRANDENSE:


PARTICIPAÇÃO SOCIAL INSTITUCIONALIZADA
As estratégias da produção do espaço urbano contemporâneo se realizam imbricadas pelas relações legais instituídas pelo Estado, sendo
assim, há possibilidades de análise das táticas dos setores econômicos e do poder público de utilizar as prerrogativas legais para manutenção de seus
privilégios, naturalizando-os e ao mesmo tempo, negando o acesso aos direitos para a maior parte da sociedade. As características de denegação
dos direitos sociais e solidificação de privilégios dos “donos do poder” (TELLES, 2013, p. 20), correspondem à estruturação das relações sociais de
poder privado em detrimento do desenvolvimento social na constituição da cidadania brasileira.
O Brasil herdou da colonização portuguesa as relações de privilégios implicando na formulação da cidadania no País. Quando proclamada a
República, legava-se uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata (apesar da abolição da escravatura), com latifúndios, vasta monocultura
e um Estado absolutista (CARVALHO, 2011, p. 18). A compreensão da cidadania brasileira se configura de maneira includente, entretanto, desigual
porque incorporou a sociedade de maneira formal [lei] sem garantir direitos sociais, diferentemente da constituição da cidadania na França que é
includente e igualitária e nos Estados Unidos que é “restritivamente igualitária” (HOLSTON, 2013, p. 70).
A formulação da cidadania brasileira está assentada na dicotomia entre o indivíduo (leis universais, igualdade e anonimato) e pessoa
(tratamento diferencial, privilégios, clientelismo) (HOLSTON, 2013, p. 44,45). Enfatizando a igualdade formal perante a lei, negando na prática os
direitos à maioria dos cidadãos. A igualdade formal para os liberais6 (contexto da revolução francesa) enfatizava que os indivíduos eram igualmente
livres para buscar suas diferenças no mercado (HOLSTON, 2013, p. 57). Nesse quesito a naturalização da pobreza e das desigualdades sociais se
realiza pela negação de direitos sociais à maioria da sociedade com discursos ideológicos vinculados pelo Estado e elites, sobretudo pelos meios de
comunicação em massa, por onde disseminam a ideia de fracasso e de inferioridade do indivíduo, negando-o enquanto sujeitos.

Eles são privados de suas identidades e sofrem o estigma da carência como afirma Telles (2013)7.
4 A cidade de Várzea Grande possui 274.013 habitantes-(IBGE 2017) e é conurbada à Cuiabá, capital do Estado de Mato Grosso.

5 Silva (2008) analisou o mau uso da lei no sistema sesmarial e no processo de ordenamento jurídico das terras brasileiras (Lei de Terras, 1850), em que a Lei se estabelecia como
mecanismo de burlas para práticas irregulares de apropriação da terra pelos grileiros, favorecendo o estabelecimento de Latifúndios. Para Holston (2013) o mau uso da Lei
significa práticas sociais para legalizar o ilegal que perpetua a dominação, legitima a usurpação e acentua as desigualdades sociais. Esse processo demostra a relação de privilegio
das classes socialmente abastadas, e clarifica uma frase conhecida: “para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei” (HOLSTON, 2013, p. 23), ou seja, a Lei não é vista, nesse caso,
como direito, mas como desvantagem e humilhação principalmente para as classes sociais de baixo poder aquisitivo, denegando-lhes os direitos sociais.

6 No contexto brasileiro Holston (2013, p. 58) diz: “Liberal apenas no sentido de que os direitos individuados dependiam da igualdade formal dos indivíduos perante a lei, sem
igualdade ou justiça substantiva. Esse tipo de liberalismo reinou entre as elites de muitos países latino-americanos durante os séculos XIX e XX, onde não exigiu nem engatou
projetos democráticos de cidadania”. Ou seja, as elites brasileiras criaram uma cidadania nacional includentemente desigualitária, fundamentalmente contrária para os franceses
e americanos, pois o liberalismo que buscavam criar não tinha compromisso com a democracia.

7 O escopo empírico que revela essa complexidade pode ser identificado em Várzea Grande, quando se analisa a legislação urbana. O Estatuto da Cidade – Lei 10.257/2001 no
Art. 42-B, incluído pela Lei nº 12.608, de 2012, versa em quais condições pode ser ampliado o perímetro urbano, especificamente nos parágrafos III, IV e VII, exigindo a dotação
de infraestruturas sociais e a justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de expansão urbana. Além disso, só poderia ampliar o perímetro urbano quando
a área consolidada fosse contemplada com adensamento populacional (coibição da especulação imobiliária), habitação de interesse social, regularização fundiária, implantação
de infraestrutura e serviços públicos, quesitos reforçados pelo parágrafo IV do Plano Diretor Municipal, lei n.º 3.112/2007. O descumprimento da legislação pelo poder público
e pelos proprietários de terras significa a continuidade da denegação dos direitos sociais (infraestruturas e serviços coletivos) para a maioria dos moradores, principalmente das
periferias urbanas, causando ônus para a sociedade e dificultando o acesso a uma cidade com justiça espacial, visto que os investimentos públicos tendem a ser deslocados para
dotação de infraestrutura da área que se torna urbana (SILVA, 2015).
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ROSINALDO BARBOSA DA SILVA
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: CONTRADIÇÃO E LEGITIMAÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS PELA PARTICIPAÇÃO SOCIAL INSTITUCIONALIZADA

Os espaços de participação institucionalizados são espaços contraditórios, pois se verifica que a igualdade prometida pela lei (dentre elas o
Estatuto da Cidade) reproduz e legitima as desigualdades sociais, perpetuando as relações de privilégios de setores econômicos. São nesses espaços
de participação institucionalizadas que os grupos econômicos garantem a possibilidade legítima de produzir o espaço urbano em um ambiente que,
com o discurso ideológico includente de participação social nega e reduz a participação popular pelo fato da existência do controle burocrático do
Estado, negando os conflitos sociais.
A participação social contemporânea é constituída de diversas ideologias, especificamente com o advento da modernidade, na qual o sujeito
tornou-se portador de direitos enquanto ser individual (CERQUIER-MANZINI, 2010), sendo mediado pela mercadoria no modo capitalista de
produção. Nesse processo, a cidadania é enfraquecida, pois as relações políticas e sociais são diminuídas pela força hegemônica do capital.
A participação social institucionalizada é instrumentalizada para conferir a legitimidade às ações do Estado, que é fortemente atrelado com o
econômico. Desta maneira o poder privado utiliza a participação institucional como mecanismo para justificar as intervenções urbanas frente
ao próprio Estado e a sociedade como um todo. Assim, a produção do espaço urbano várzea-grandense reflete o processo desigual da formação
das cidades brasileiras, marcadas pela segregação socioespacial, determinado pela sua inserção econômica mundializada e pelas “relações sociais
arcaicas” (MARTINS, 1999), tais como: o clientelismo, o paternalismo, o coronelismo, o patrimonialismo, práticas que se reproduzem nas relações
sociais, no espaço urbano contemporâneo.
Os Conselhos e as Audiências públicas são formas de participação social institucionalizadas existentes no País, cujos conteúdos são
permeados de conflitos, visíveis nas diversas audiências públicas realizadas em Várzea Grande. Nos Conselhos e Audiências, os mecanismos de
participação social institucional são fortemente utilizados pelo setor imobiliário local para legitimação de seus interesses mais urgentes: a produção
de uma nova área de reprodução do capital, um novo ciclo de parcelamento de terra e valorização do espaço urbano.
A utilização dos fóruns de participação institucionalizada pelo setor imobiliário a seu favor ficou evidente nas três audiências públicas realizadas
nos dias 18 e 23 de abril e no dia 28 de junho de 2013, onde representantes do Estado e da iniciativa privada fizeram a defesa da ampliação do
perímetro urbano para a região norte da atual área urbana. As defesas são acompanhadas de alegações que justificariam a ampliação do perímetro
urbano para a referida área: trata-se das áreas doadas para instalação de novos objetos fixos, como fica claro na fala de um dos participantes e até
então, membro e vice-presidente do Conselho da Cidade de Várzea Grande, representando o Instituto Histórico e Geográfico Ambiental e Cultural
de Várzea Grande:

[...] nós teríamos nessa expansão eu entendo, a possibilidade de criar uma cidade nova, de levar para aquela região os serviços que não temos condição
de implantar aqui no centro. Quer dizer se colocar a UFMT, o IFMT, o fórum e até a prefeitura naquela região [...]; [...] Nós temos que pensar no futuro
da nossa cidade e se o futuro depende da aprovação do perímetro, vamos aprovar o perímetro [Transcrição de áudios de um dos participantes da
segunda audiência, dia 23 de abril de 2013].

Percebe-se na fala acima a intenção de criar uma “cidade nova” e para isso a defesa da aprovação do perímetro, evidentemente sem deixar
claro o ônus para a sociedade várzea-grandense. Percebe-se, também, a intenção de gerar lucro para o setor imobiliário pela transformação da terra
rural (especulação e baixa renda da terra) comercializada em hectares, para terra urbana que permite a comercialização em metro quadrado, além
se seu fracionamento (especulação e renda da terra alta) (REYDON, BUENO, 2005). Apenas esse processo de transformação da terra rural para
urbana permite a valorização imobiliária; além disso, soma-se a valorização com o passar do tempo com os investimentos em infraestrutura urbana
pelo poder público.
Dessa forma, os empreendedores imobiliários pretendem transformar a cidade industrial (como conhecida regionalmente) em cidade da
habitação, ou seja, dinamizar a economia por meio do mercado imobiliário, pela comercialização de terras, como se percebe na fala de um dos
empresários e membro de uma das famílias que exercem o domínio político de Várzea Grande:

Estávamos conversando sobre a importância que esse perímetro tem para o futuro de Várzea Grande, nós estávamos conversando sobre a vocação da
cidade, qual a nossa vocação, eu acredito que a nossa vocação para o nosso futuro vai ser a habitação [...]. [...] Por isso, secretário, quero parabenizar
o senhor perante todos por essa proposta ousada, por essa proposta inovadora e que o senhor pode ter certeza que nós empreendedores da habitação
estamos satisfeito sim com este perímetro urbano que está sendo apresentado. (Transcrição de áudios de um dos empresários - Segunda audiência dia
23 de abril de 2013).

A satisfação presente na fala do empresário acima é com relação às possibilidades de transformação de áreas rurais, baratas e extensas em áreas
urbanas, permitindo o parcelamento e venda com novos preços, favorecendo-os. As defesas dos grupos locais de empresários, investidores
e proprietários de terras são fortemente apoiados pelo Estado, seja na esfera municipal ou estadual, como se verifica na fala calorosa de um
representante do Governo do Estado:

“Eu defendo de unhas e dentes, defendo a ampliação do perímetro, e aqui venho trazendo uma preocupação e uma proposta a ser analisada, porque
a proposta aí não está contemplando o investimento que o Governo do Estado está fazendo ali naquela região, que é o primeiro Parque Temático
Tecnológico de Mato Grosso, que será um laboratório muito importante para o desenvolvimento do Estado de Mato Grosso e que será implantado
nessa região, eu trago aqui alguns dados deste investimento além de outros investimentos que o governo do Estado está fazendo” [...] (3º audiência dia
28 de junho de 2013).

A defesa do representante do Governo do Estado à ampliação da área urbana é clara e subsidiada pelo discurso de mais investimentos, agora
do Governo Estadual para justificar a expansão para aquela área. Trata-se de significativos acordos entre proprietários de terras (até então rurais)
com as diversas esferas do Estado, ou seja, doações de terras para instalação de novos prédios públicos, na área de expansão urbana (mapa 01).

Neste contexto, mesmo sem a aprovação da expansão urbana para a área de interesse, loteamentos urbanos foram aprovados na até então
área rural pelo poder público municipal, dentre eles loteamentos para a classe popular. Fizeram parte da estratégia para induzir o crescimento para
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região norte a instalação de residenciais do Programa do Governo Federal Minha Casa Minha Vida – MCMV em Várzea Grande.
Ao mesmo tempo novas instalações de residenciais em vias reestruturadas para a Copa do Mundo 2014, como a Rodovia Mario Andreazza,
considerada um “indutor” de residenciais e condomínios fechados, onde alguns deles estão localizados de acordo com o limite urbano de 2007,
entre a área urbana e a área rural, e fazem parte igualmente da estratégia para o fortalecimento do discurso de ampliação da área urbana. O
residencial popular “Jacarandá” do programa MCMV é um dos vários empreendimentos lançados na região norte, bem como o condomínio Rubi,
da Incorporadora PDG, localizada nas imediações da Rodovia Mário Andreazza.

Figura 1. Mapa conflitos socioespaciais em Várzea Grande – MT. Base: Prefeitura de Cuiabá (2012) de Várzea Grande (2009), SEPLAN, 2007.

Elaboração: SILVA, Rosinaldo Barbosa, 2015.

1.2 Construções da Cidadania no Brasil: privações e insurgências


A cidadania brasileira se configura pela manutenção de seu regime de privilégios legalizados e de desigualdades sociais legitimadas, práticas
enraizadas na diferenciação e não na equiparação de direitos e de tipos de cidadãos. Essa questão se acentua quando a elite brasileira assistia os
conflitos para a ampliação da cidadania e garantia de direitos na Europa e nos Estados Unidos, evitando que o mesmo ocorresse no Brasil. Por
isso, agiram a fim de formalizar a cidadania enquanto status civil, ou seja, nesta nação nunca ocorreu a negação da cidadania por razões raciais ou
religiosos, nem por imposição de incorporação da cidadania nacional como ocorreu na Europa e nos Estados Unidos. Entretanto a conquista de
direitos no nosso país não foi garantida a todos.
Nesse sentido, a cidadania brasileira foi includente, porém não igualitária. Uma das características desse processo é que a “Declaração dos
direitos do homem e do cidadão” francesa, em seu primeiro artigo: “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”, foi deixado de
fora (HOLSTON, 2013, p. 98). A não incorporação desse artigo diz respeito a uma compreensão de ser cidadão pelo nexo do Estado-nação, ou
seja, pela identidade nacional, sem a vinculação de cidadania à conquista de direitos. A constituição da cidadania no Brasil se instala permeada
de ameaças de golpes, retrocessos sociais, perdas de direitos socialmente adquiridos, resistências, mobilizações de grupos sociais, moradores das
periferias urbanas, comunidades pastorais da Igreja e sindicatos, tal como explanam Holston (2013) e Carvalho (2011).
A institucionalização da participação acontece no contexto da descrença da sociedade com relação ao Estado por causa das políticas
neoliberais inseridas no Brasil na década de 1990, refletindo, segundo Gohn (1995) apud Costa, (2009) negativamente nos movimentos sociais
e ações sindicais que passaram a perder credibilidade (COSTA, 2009). O Estado brasileiro se enfraqueceu em relação às políticas sociais frente à
inserção do País no cenário mundial de produção e do capital financeiro, aprofundando as desigualdades sociais (MARICATO, 2007).
Os arranjos institucionais criados pelo Estado para lidar com a participação dificultou a gestão participativa, separando a articulação com a sociedade
civil da integração das ações governamentais (TEIXEIRA; SOUZA, 2012). Nesse sentido, a institucionalização da participação se tornou um meio
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de contenção das manifestações sociais e de redução e controle da participação popular. As formas de participação sociais institucionalizadas
(Conselho da Cidade, Audiências Públicas) existentes em Várzea Grande evidenciam a reprodução das relações desiguais entre a sociedade civil e
o Estado, servindo como meio de legitimação de interesses dos setores econômicos e controle social pelo Estado.

1.3 A Institucionalização da participação da Cidade de Várzea Grande


A institucionalização da participação construída após a Constituição de 1988 representa um avanço com relação à democratização do
Estado. Entretanto esse processo com característica consultiva e setorizada gerou fragmentação da participação popular. Além disso, aprofundou
a fragmentação existente nas políticas públicas e nas decisões econômicas referentes à alocação de recursos públicos para concretização das
deliberações dos espaços participativos (MORONI, 2012).
O Conselho da Cidade de Várzea Grande concretizou a institucionalização pensada nacionalmente, tratou-se da obrigatoriedade de sua
existência, decorrente da inserção da participação social através da Constituição de 1988, pautada no Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257/2001,
e PDP – Lei Municipal n.º 3.112/2007. O funcionamento do Conselho iniciou-se em 2008, um ano após a aprovação do Plano Diretor, que também
contém a exigência federal da criação desse espaço de participação. Uma das características encontradas no Conselho da Cidade é que os diversos
membros que passaram pela presidência do Conselho possuíam cargos de secretários de alguma pasta do executivo municipal, desde 2008 a 2010
e apenas em 2011 foi eleito um presidente que não era vinculado às secretarias do município. Porém, em 2014, a presidência do Conselho voltou a
ser conduzida por um secretário, atributo que para um dos membros do conselho entrevistado, mostra a busca pela centralização do poder e certo
controle do executivo municipal.
A ex-presidente do Conselho da Cidade tem o histórico de lutas e mobilização pelo Sindicato dos Trabalhadores Ensino Público de Mato
Grosso - SINTEP, que possui uma cadeira no Conselho. Além disso, ela é militante do Partido dos Trabalhadores e fazia/faz duras críticas ao
poder público municipal. Porém, houve uma nova eleição para presidência do Conselho no início de 2014, sendo eleito um militante do MDB -
Movimento Democrático Brasileiro.
O novo presidente do Conselho da Cidade é presidente municipal do partido político MDB, o mesmo partido do prefeito da cidade (em 2014);
além disso, exercia concomitantemente o cargo de secretário da Secretaria Municipal do Meio Ambiente – SEMMA. Este fato pode mostrar uma
maior centralização das decisões e um controle maior da própria prefeitura nas decisões dos conselheiros. Evidentemente que o próprio Conselho
da Cidade não é homogêneo (na sua composição e estrutura), porém a maior força tende ao direcionamento desse espaço para a classe dominante
da cidade, tal como indagou um dos membros em reunião.
O Conselho é formado por representantes de segmentos da sociedade civil, tais como: Comunidade, Sindicatos, Organizações Não
Governamentais – ONGs, Conselhos de Classe, dentre outros e por representantes do poder público, tais como de secretarias de Planejamento,
Educação, Ambiente, Transporte, dentre outras. Essa configuração de representação de segmentos da sociedade civil e do Estado pretende uma
aproximação entre sociedade e Estado e está ligada ao processo de redemocratização brasileiro, perpassado pelo neoliberalismo (década de 1990),
e pelas históricas lutas sociais para ampliação da participação.
A complexidade das relações no interior do Conselho transcorre pelas relações desiguais dos membros no quesito técnico e domínio
político, emergindo a necessidade de capacitação técnica dos conselheiros e formação política. Neste sentido, o discurso do especialista converge
para a homogeneização social e política (CHAUÍ, 1981, p. 52 apud GUIMARAES, 2008) tendo um caráter de dominação ideológica (BORDIEU,
1989 apud GUIMARÃES, 2008, p. 81). Podemos afirmar que a participação efetiva de todos os membros estaria, assim, comprometida pela
predominância do discurso especialista, existindo a necessidade de uma aproximação maior entre os membros, através da pluralidade.
Isso também é perceptível na fala da ex-presidente do Conselho: “Nós temos assim muitos conselheiros com muito boa vontade, mas
requer conhecimento de determinados assuntos, para poder qualificar melhor a sua participação”. Constata-se a preocupação com a necessidade
de entendimento de questões/termos técnicos de áreas diversas para “qualificar a participação” e também a dependência do executivo municipal
para a qualificação dos membros do Conselho. Essa preocupação com a necessidade de capacitação técnica, demonstrada na fala da ex-presidente
do Conselho da Cidade, bem como nas falas de alguns moradores presentes nas três audiências públicas sobre a ampliação do perímetro urbano
(realizadas nos dias 18 e 23 de abril e no dia 28 de junho de 2013) evidenciam que os fóruns de participação institucionalizados dificultam a
participação popular, excluindo-os do espaço da fala e do entendimento dos termos técnicos.
O tempo para as falas era pequeno, os termos técnicos com frequência não eram entendidos por todos os participantes, os mapas apresentados
pelos técnicos eram de difícil compreensão e os moradores externaram essas dificuldades, mas a equipe técnica e o poder público municipal os
ignoravam, dando maior tempo e atenção para as falas dos empresários e seus advogados, para os proprietários de terras e para os servidores do
poder público municipal. Coloca-se o poder à fala àqueles que possuem a “competência”, reforçando a ideologia do Estado em formulações de
discursos científicos, racionalizados, capazes de justificar as intervenções urbanas pelos discursos dos especialistas, mostrando dessa forma o
distanciamento desses espaços de participação institucionalizados da vida prática cotidiana dos moradores várzea-grandenses. Outras questões
relevantes, que mostram as dificuldades de efetivação das ações do Conselho são com relação às suas deliberações, que em muitas situações, não
são acatadas pelos gestores municipais.
Cabe ao Conselho da Cidade, dentre outras atividades previstas no PDP - Lei Municipal n.º 3.112/2007 dar parecer quanto à instalação de
grandes empreendimentos conforme consta no “capítulo X – Do estudo de Impacto de Vizinhança”, em seu artigo nº 81 da referida lei municipal:

Lei Municipal específica poderá submeter a autorização de empreendimentos e atividades que causam grande impacto urbanístico e ambiental,
consonante os parâmetros definidos na presente lei e na Lei de Zoneamento de Uso e Ocupação do Solo, adicionalmente ao cumprimento dos demais
dispositivos previstos na legislação urbanística, à elaboração e à aprovação de Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV), a ser apreciado pelos
órgãos competentes da administração municipal, ouvido o Conselho da Cidade de Várzea Grande.

Além da necessidade do parecer do Conselho quanto à implantação de empreendimento, há a obrigatoriedade de realização de Audiências
Públicas, conforme o seguinte artigo da lei Nº 3.112/2007: Art.86 capitulo X: “§2º Antes da decisão sobre o projeto, o órgão público responsável pelo
exame do EIV deverá realizar audiência pública com os moradores da área afetada ou com suas respectivas associações”.
Entretanto, o caráter dessas audiências públicas é meramente consultivo, pois apenas apresenta para a sociedade os empreendimentos a
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A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: CONTRADIÇÃO E LEGITIMAÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS PELA PARTICIPAÇÃO SOCIAL INSTITUCIONALIZADA

serem implantados no espaço urbano pela obrigatoriedade de participação social. Embora haja manifestações contrárias aos negócios urbanos, as
decisões finais são tomadas pelos órgãos municipais responsáveis pela aprovação dos projetos imobiliários. O discurso dos técnicos/especialistas da
empresa contratada para realizar o estudo do empreendimento acaba prevalecendo e aceito pela imposição de um saber científico e neutro frente a
um “não saber”/não entendimento da sociedade; legitima-se dessa forma as ações do Estado e dos setores econômicos, perpetuando a denegação
de direitos aos cidadãos.
Neste sentido, pode-se afirmar que há legitimação da produção de uma nova área de expansão urbana e de instalação de novas edificações,
como se percebe nas aprovações dos seguintes empreendimentos e leis (quadro nº 01), que tratam diretamente da produção do espaço urbano.

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A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: CONTRADIÇÃO E LEGITIMAÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS PELA PARTICIPAÇÃO SOCIAL INSTITUCIONALIZADA

Quadro 01: Sistematização das Audiências Públicas 2011-2013 – Várzea Grande-MT1 2.

Fonte: PMVG, Atas das Audiências Públicas, 2014. Elaboração e organização: SILVA, Rosinaldo Barbosa, 2014.

1 Não consta o nome da praça na Ata da referida Audiência Pública.

2 Não consta o nome do empreendimento na Ata da referida Audiência Pública, mas dadas as características e localização do empreendimento, pode ser o Condomínio
Residencial Florais da Mata, visto que segundo entrevista e vistoria “in loco” (em 2014) esse é o único condomínio da Ginco em implantação/construção.
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A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: CONTRADIÇÃO E LEGITIMAÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS PELA PARTICIPAÇÃO SOCIAL INSTITUCIONALIZADA

A primeira questão que chama a atenção é de que não houve nenhuma Audiência Pública para discussão e resolução de demandas
propriamente sociais (grupos e movimentos sociais). Nessa situação as audiências públicas e o Conselho da Cidade só tem debatido aquilo em que ele
é chamado pelo Estado (os projetos de empreendimentos urbanos de maior porte - tais como as demonstradas no quadro 1 -, que obrigatoriamente
e por lei precisam passar por audiências públicas), sendo questões de natureza econômica e não social. Das dez audiências públicas realizadas
entre 2011 e 2013, cinco delas tratam de apresentação, para a sociedade, de EIV de grandes estabelecimentos comerciais pelos empreendedores
(consultores).
Os presentes manifestaram: necessidade de cumprimento das leis urbanísticas, melhoramento de infraestrutura no entorno do
estabelecimento, mobilidade, dentre outros. Uma das Audiências foi com relação à implantação do Condomínio Residencial Horizontal da Empresa
Ginco, localizado na área de expansão urbana, região norte, sendo que uma das preocupações dos presentes foi com relação à infraestrutura e
transporte para aquela região. Os empreendedores disseram que caberia a prefeitura municipal dotar a área de infraestrutura urbana.
Nesses casos, além do questionamento de qual é o sentido da participação social nesses espaços institucionalizados, percebemos nas falas
dos empreendedores a transferência das ações mitigadoras e compensatórias dos impactos dos empreendimentos ao poder público, aproveitando-se
assim da melhoria de infraestruturas provenientes das obras de mobilidade para Copa do Mundo 2014 ou mesmo do PAC – Programa de Aceleração
do Crescimento, do Governo Federal. Verificamos mais uma vez a intima relação entre o poder privado e poder público, trazendo aos setores
econômicos maiores possibilidades de lucro ao aproveitar os investimentos públicos em infraestruturas urbanas. Pode-se verificar essa situação nas
Atas das Audiências Públicas disponibilizadas pela prefeitura municipal de Várzea Grande, especificamente das audiências do Empreendimento
da Havan, do Várzea Grande – Shopping Center e do Condomínio horizontal da empresa Ginco, realizadas 10/04/2012, 03/05/2012 e 18/09/2012
respectivamente:

[...] caso as obras do PAC não sejam realizadas, o que o empreendimento vai fazer com relação à rotatória?(Ata Audiência Pública do Empreendimento
Várzea Grande – Shopping Center, dia 03/05/2012).
[...] as intervenções propostas pela Secretaria Extraordinária da Copa – SECOPA: Obras de duplicação da Estrada da Guarita; Duplicação da Rodovia
Mário Andreazza e da Ponte sobre o Rio Cuiabá e Rio Pari será de muita importância para a população e para o Empreendimento. A construção de
rede e estação de tratamento de esgoto será de responsabilidade da empresa e depois será transferido para o município [...] (Ata Audiência Pública do
empreendimento Condomínio horizontal Ginco, dia 18/09/2012).

Constata-se a estreita relação entre o poder público e o privado para o condicionamento de recursos/infraestruturas em benefício dos
grandes empreendedores, chegando ao ponto de deixar para implementá-las apenas se as obras previstas pelo Estado não se concretizarem. Ao
mesmo tempo entendemos que não há discussão mais ampla do que significam essas relações ou esses empreendimentos na vida social dos
moradores nos fóruns de participação social institucionalizada.
Outro fator que merece ser destacado é que do quadro apresentado anteriormente (Sistematização das Audiências Públicas 2011-2013),
os empreendimentos são em sua maioria de natureza diferente da dinâmica social e econômica que até então existia na cidade de Várzea Grande.
Trata-se da instalação de novos estabelecimentos com novas formas de consumo de mercadorias, tais como: o primeiro Shopping Center da
cidade (Várzea Grande – Shopping Center); grandes redes de supermercados de atuação nacional e internacional, tal como o Assaí Atacadista e o
Hipermercado Extra (ambos do GPA – Grupo Pão de Açúcar, pertencente ao Grupo Casino, um dos líderes mundiais no varejo de alimentos) e
Loja Havan (do grupo Havan), de atuação nacional.
Outro empreendimento aprovado para implantação é o da Empresa GINCO, pertencente à BRDU - Brasil Desenvolvimento Urbano,
especializadas em condomínios horizontais e loteamentos urbanos, que traz para a cidade uma nova forma de habitat urbano: os condomínios
fechados. Verifica-se que o espaço urbano tratado como mercadoria possibilita atuação de vários setores econômicos, tendendo ao aprofundamento
da segregação socioespacial. Em minha dissertação, na parte III e IV, apresento detalhes desse processo, em que abordamos sobre as relações sociais
que se constituem entre os novos moradores da área de expansão urbana, tanto dos condomínios populares, quanto dos condomínios destinados
às frações inferiores da classe média, bem como da materialização da segregação enquanto forma e conteúdo espacial, inclusive demonstrado
cartograficamente (SILVA, 2015).
Esse empobrecimento das relações sociais se reflete nas formas de apropriação do espaço urbano e consequentemente na participação popular.
No entanto, a abordagem desta pesquisa foi problematizando as diversas formas de participação e as possibilidades que o próprio movimento da
sociedade pode produzir, ou seja, as manifestações do novo, de algo que está por vir, que não é passível de ser compreendida de imediato, pois ela
está em constante vir a ser, em constante movimento, um fazer cotidiano, necessitando de um aprofundamento teórico para a compreensão da
realidade.
A questão que se configura com a instalação de novos fixos na região norte da cidade contraria as legislações que tratam sobre a expansão
do perímetro urbano. Conforme o Estatuto da Cidade – lei 10.252, de 2001, considera-se o PDP municipal como instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbana. Neste sentido o Plano Diretor Municipal, no Título III “Ordenamento Territorial”, capitulo I
“Do Macrozoneamento”, no Art. 35, tem como um dos objetivos nos seguintes parágrafos: VIII. Reverter o processo de expansão periférica do
tecido urbano; IX. Promover a regularização fundiária articulando sustentabilidade ambiental e inclusão socioespacial; X. Potencializar o uso da
infraestrutura urbana existente. Somente a partir destes parágrafos pode-se afirmar o não cumprimento da lei pelo poder público municipal. No
Plano Diretor constam ainda os critérios para a expansão do perímetro urbano: Art.3º. Os padrões de uso e ocupação dentro do Perímetro Urbano
Municipal deverão obedecer ao Plano Diretor Municipal, à Lei de Zoneamento de Uso e Ocupação do Solo Urbano e à Lei de Parcelamento do
Solo Urbano. Na lei de Zoneamento, anexo ao PDP se estabelecem os critérios de ocupação do solo urbano, bem como critérios para expansão do
perímetro urbano:

Art.4º A presente lei tem como objetivos: I - estabelecer critérios de ocupação e utilização do solo urbano do município, tendo em vista o bem estar
do cidadão, o cumprimento da função social da propriedade estabelecida pela Constituição Federal; II - orientar o crescimento da cidade, visando
minimizar os impactos sobre áreas ambientalmente frágeis e incentivar o adensamento das áreas urbanizadas e próprias para ocupação;

Art.5º §3º Sempre que houver alteração do perímetro urbano municipal, deverá ser objeto de concomitante revisão e alteração o zoneamento urbano
municipal disciplinado na presente lei.

O não cumprimento da legislação traz consigo uma lógica de produção do espaço urbano, em que os grandes agentes se utilizam da própria
lei para inverter o seu sentido dando - lhe outro significado: apropriação privada do que se colocaria como de interesse público/coletivo, tal como
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A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: CONTRADIÇÃO E LEGITIMAÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS PELA PARTICIPAÇÃO SOCIAL INSTITUCIONALIZADA

o acesso à propriedade da terra, aos equipamentos e aos serviços públicos, tendo como ponto de partida o aspecto legal, denegando os direitos à
grande parcela da sociedade.
Essa estratégia de manutenção de interesses privados por meio da lei pelo setor imobiliário configurará a produção do espaço desigual
na nova expansão do perímetro urbano, condicionando toda a sociedade várzea-grandense a uma produção segregada. Desde a continuidade de
“vazios urbanos” na atual área da cidade, bem como a ineficiência de equipamentos públicos e saneamento básico, que tendem a se manter, para
dar lugar a uma possível realocação de recursos para dotar a nova área de expansão urbana de infraestrutura, contribuindo assim para o aumento
da segregação socioespacial.
A partir desses empreendimentos que transitaram pelas audiências públicas entre 2011 – 2013, pode se afirmar que esse espaço de
“participação social” justificaria a aceitação da sociedade frente a essas novas formas de consumo, ou a esses estabelecimentos propriamente ditos.
Entretanto, verifica-se que pelos fóruns de participação, dentre outros motivos, pelo fato de ser consultivo, apenas se formaliza a necessidade
de participação social. Comprova-se, que há um esvaziamento do debate/divergências/manifestações nesses espaços, perfazendo ainda mais as
relações corporativistas e de favores entre o poder público, privado e sociedade.
O esvaziamento do debate e a redução da participação popular se realizam pela própria regulamentação desses espaços de participação
institucionalizados, meramente formalizada, protocolar. O tempo de apresentação do projeto e tempo para debates/questionamentos são
estipulados e na maioria das vezes insuficientes para esclarecimentos e elaboração de possíveis contestações. A linguagem estritamente técnica/
específica é facilmente compreendida apenas para os familiarizados com os termos (profissionais e alguns técnicos), dificultando o entendimento
pela sociedade, negando-lhes a possibilidade de contestação frente ao discurso tecnocrático. Priva-se mais uma vez o indivíduo de sua condição de
sujeitos portadores de direitos, nega-se a sua cidadania e o direito a decidir efetivamente sobre as ações do Estado e setores econômicos que dizem
diretamente à sua vida cotidiana.
Nesse sentido, configura-se a produção de discursos ideológicos em torno da “gestão democrática da cidade”, fundamentado na racionalidade
técnica que legitima as ações de dominação do Estado na reestruturação da cidade para atender às necessidades de produção e circulação de
mercadorias. O Estatuto da Cidade é um exemplo dessa racionalidade, que ao justificar a função social da propriedade da terra na cidade submente
a cidade ao mercado e ao Estado, transformando a luta dos movimentos sociais pela reforma urbana, pela legislação, reduzindo as lutas em acesso
aos serviços públicos e a moradia, dissimulando a necessidade de superação das estruturas de dominação (CARLOS, 2010).
Impõe-se desta forma um significado à cidade na qual a propriedade privada delimita e esvazia as possibilidades da realização da vida humana.
A cidade é produzida enquanto mercadoria, englobando o espaço privado (a casa) e as práticas espaciais produzidas pelo habitar (sociabilidade e
produção espacial); neste sentido o acesso aos lugares da cidade fica submetido aos interesses do mercado, promovendo a extrema separação dos
momentos da vida cotidiana. Subjugada à mercadoria a cidade se transforma em exterioridade em relação à sociedade, ao cidadão que a produz;
ela é percebida enquanto estranhamento nas práticas cotidianas.
As contradições do planejamento estatal e da lógica do mercado com desejo de realização da vida geram descompassos entre crescimento
econômico e desenvolvimento social, como diz Carlos (2010). Revelam os conflitos emergindo das lutas, dos movimentos sociais enquanto
negatividade, isto é, aqueles que têm a potência de contestação da ordem social ao colocar o direito à cidade no centro da luta, buscando a construção
da cidade não mais como perdas e privações, estranhamento e caos, mas como realização da vida, de exercício de direitos e de sociabilidade.
As determinações econômicas sobre o desenvolvimento social se coloca no contexto do desenvolvimento do capitalismo e da democracia
representativa que no Brasil não estabeleceu a garantia de direitos sociais e de tratamento igualitário, pelo contrário, cimentou o tratamento
diferenciado, o direito como privilégio para poucos e a lei como punição para a maioria da sociedade.
Nesse sentido, há necessidade de construção de uma nova prática cidadã, que promova a equiparação de direitos e supere a “Democracia
representativa”, possibilidade que se coloca através da reprodução da vida cotidiana. A partir da própria realidade concreta, das práticas sociais, da
transformação do espaço urbano em lugar de realização das necessidades humanas pelo uso, subvertendo a lógica da produção do espaço urbano
enquanto mercadoria.
Considerando a miséria moral e física, a perda de direitos sociais pela flexibilização do mercado, os desempregados, os denegados de
direitos, os que são deixados à própria sorte se resumem a uma mesma situação de precariedade e degradação da vida. A precarização não se
restringe ao proletário, mas à quase totalidade da sociedade, inclusive das classes médias que também sofrem as mesmas alienações e perdas; nesse
sentido, poderia se dizer que a proletarização teria se espalhado por quase toda a sociedade, cabendo a ela a transformação a partir da vida prática
e real e a superação do modo de produção vigente (AJZENBERG, 2013).
Essa precarização da sociedade se realiza por meio da inserção do trabalhador no modo de produção, mas sem nenhuma possibilidade de controle
sobre suas decisões mais amplas, de sua própria vida e de sua sobrevivência. Cabe ao trabalhador/morador buscar repor as suas perdas a partir do
pequeno espaço que lhe resta, o da subjetividade, o de cidadania. Sendo assim caberá ao cidadão (não apenas o proletariado) o papel de se libertar
do mundo das alienações inerente ao capitalismo.
A necessidade teórica e prática de emancipação social, de supressão de todas as classes a partir de uma radicalidade, reivindicações coletivas
e universais não se realizou como previa Marx, conforme alega Ajzenberg (2013). Nessa questão entra a proposta de Lefebvre da categoria “vida
cotidiana”; não se trata apenas da classe operária o papel de transformação de toda a sociedade, de todo o mundo, mas sim o conjunto de cidadãos,
a sociedade real que em oposição às pressuposições do sistema político que se emancipará. Mas, esse cidadão real está por ser construído.
O conceito de vida cotidiana (transportes, os lazeres, a vida privada e familiar) implica e completa o de trabalho produtivo, imbricando na luta
mundial pelo tempo e pelo espaço no que concerne à necessidade das realizações humanas e do capital. A autogestão segundo Lefebvre, se define
como conhecimento e controle por um grupo – localidade, região e país de suas condições de existência e sobrevivência através das transformações,
alcançando a intervenção sobre sua própria realidade, o direito a autogestão implica o direito ao controle democrático da economia. A característica
determinante da sociedade é ainda mais hoje, dissolução, dilaceração do sujeito privado e do cidadão social (da própria sociedade). Dissolução na
vida privada, social, profissional, do cidadão político e do cidadão usuário/consumidor. Um sujeito dilacerado, coagido, um cidadão que sofre a
pior das alienações: sua própria despossessão, material e intelectual.
As transformações sociais são possíveis através da vida cotidiana, em que as privações, humilhações, a negação de direitos e as injustiças
são percebidas pelos indivíduos, cujas experiências se tornam coletivas, ganhando amplitude e concretude através das mobilizações sociais frente
à degradação da vida humana. Nesse sentido, Holston (2013, p 401) afirma que a insurgência começa com a luta pelo direito a uma vida cotidiana
na cidade merecedora de dignidade de cidadão; desse modo, a formulação de cidadania é concebida em termos de moradia, propriedade, creches,
segurança e outros aspectos da vida cotidiana.
Os agentes dessa cidadania insurgente são justamente os trabalhadores urbanos das periferias urbanas, os favelados, os trabalhadores
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braçais semianalfabetos, que tiveram seus direitos sociais negados, sobretudo aqueles que vivem em situações precárias de moradia que tem
dificuldades de assegurar um lote residencial mesmo nas áreas periféricas. São eles que criam novos espaços de cidadania ao autoconstruir suas
casas e urbanizarem seus bairros. A cidadania insurgente pode se prender no passado ao mesmo tempo em que o enfrenta, esse emaranhado entre
o velho e o novo que mostra as contradições presentes nas relações sociais determinadas pelas relações de privilégio, de tratamento diferencial a
pequenos grupos em detrimento da maioria da sociedade. Contudo, a cidadania insurgente pode florescer e fortalece a cidadania com tratamento
igualitário (HOLSTON, 2013).
A luta cotidiana contra as injustiças sociais se direciona para a busca da recomposição do homem em sua totalidade frente à desintegração
imposta à sociedade pelo modo capitalista de produção. O homem em sua complexidade, em sua unidade cultural e identitárias que fazem do
indivíduo um ser social (civilidade, incivilidades, ritos...) se recompõe das cisões impostas pelo modo de produção, através da prática da nova
cidadania que o considera em sua totalidade, superando as limitações e reduções. A nova cidadania se efetivaria como uma prática política concreta,
que permitirá a cada indivíduo de se reapropriar do conjunto das relações sociais nas quais ele está imerso:

A nova cidadania pode ser definida, para cada indivíduo e para cada grupo social, como possibilidade (como direito) de conhecer e dominar
(pessoalmente e coletivamente) suas condições de existência (materiais e intelectuais), e isso ao mesmo tempo como ator político, como produtor e
como citadino-usador-consumidor, em seu lugar de residência, em sua cidade e em sua região, em suas atividades profissionais assim como em seus
domínios do não trabalho, mas também em sua nação e no mundo (AJZENBERG, 2013, p. 13).

A questão central é a superação do modo capitalista de produção e produzir o novo a partir das necessidades práticas e concretas da nova
cidadania. A luta pela vida na cidade pela sociedade urbana tenderá a transformação da racionalidade do planejamento e do ordenamento do
território impondo outra gestão, a gestão coletiva de seu produto social, de sua obra. Isso implica no impedimento da continuidade da degradação
da vida urbana existente por uma prática verdadeiramente democrática, pelo povo ao gerir a sua obra. “Somente na cidade renovada que a vida
de cada um pode se tornar sua obra” (AJZENBERG, 2013), ou seja, a apropriação coletiva pelo uso do espaço urbano. A realidade concreta que
pesquisamos em Várzea Grande, por meio da participação social institucionalizada, nos revela que a gestão do espaço urbano não se realiza pela
gestão coletiva, mas sim por grupos sociais que detêm o poder econômico e político (empreendedores imobiliários, proprietários de terras e poder
público municipal). A gestão coletiva da cidade se coloca enquanto utopia possível, a ser construída cotidianamente1, superando os limites da
participação social institucionalizada.
Na busca das possibilidades de superação do modo de produção vigente, precisamos compreender como a sociedade capitalista se estrutura,
de como o espaço urbano se produz enquanto necessidade de reprodução do capital e de reprodução da vida humana. Nesse sentido, buscamos
compreender o processo de produção do espaço urbano várzea-grandense em suas determinações, condicionando a produção do espaço urbano
com profundas desigualdades sociais e precariedade da vida da maioria de seus moradores.

CONCLUSÃO

Os fóruns de participação social institucionalizadas via Estado e a participação popular manifestada pelo movimento da sociedade (re)
produzem as relações sociais do modo capitalista de produção. As relações clientelistas, paternalistas, coronelista estão presentes nas manifestações
da sociedade, seja ela por meio da representação/institucionalização, ou a manifestação popular “espontânea”. As relações contraditórias provindas
da democracia burguesa devem ser constantemente combatidas pela organização social em busca de outra forma de produção, a não capitalista,
como afirmam Martorano (2011) e Labica (2009); esse processo não tem receita, a luta se dá na cotidianidade como diz Lefebvre (2008); (2009).
No espaço urbano várzea-grandense a participação institucionalizada tende a atuação em benefício dos interesses da classe dominante,
Estado e Iniciativa Privada. As materialidades dessas ações se configuram na instalação de grandes empreendimentos urbanos que direcionam
a exacerbação do consumo de mercadorias e o consumo do espaço pela comercialização imobiliária. Dessa forma os espaços de participação
institucionalizados se colocam como espaço burocratizado, racionalizado pela dominação do Estado, reduzindo a participação. Além disso, a
participação institucionalizada se coloca como instrumento estratégico utilizado pelo setor imobiliário e pelo Estado para legitimação de seus
interesses privados, mantendo os benefícios da lei como algo exclusivo das classes abastadas, enquanto negam os direitos sociais para os menos
favorecidos economicamente. Desta forma legitima as ações/intervenções urbanas fazendo, sobretudo o discurso de “progresso” denegando direitos
e naturalizando as desigualdades sociais.
Para superação das contradições produzidas no espaço urbano e dos “mecanismos legais” de participação institucionalizada, torna-se
necessário a subversão da lógica capitalista de produção, bem como da burocracia estatal em seu discurso homogêneo e sistêmico, que nega as
desigualdades sociais. Quanto à negação das desigualdades sociais é importante ressaltar que não houve nenhuma audiência pública para discutir
os problemas sociais e a precariedade da vida urbana em Várzea Grande (quadro 01), seja ela convocada pelo conselho da cidade ou por moradores.
Nesse sentido, as desigualdades sociais não apareceram nos fóruns de participação social institucionalizados. Além disso, o não cumprimento da
legislação urbana e na aprovação do perímetro urbano quanto à dotação de infraestrutura, serviços urbanos, de moradia de interesse social, de
coibição da especulação imobiliária revelam que o poder público municipal e as classes sociais mais abastadas negam as desigualdades socioespaciais
de Várzea Grande, inclusive com o discurso de criar na área de expansão urbana uma “cidade nova”, como explicamos neste trabalho.
Para almejarmos a possibilidade de superação da participação social institucionalizada, precisamos considerar a formulação da cidadania
brasileira e o movimento da sociedade real e concreta politizando o cotidiano. A participação popular incipiente na cidade de Várzea Grande pode
ganhar força a partir das manifestações de insatisfação, das resistências frente à imposição da ordem e da homogeneização pelo Estado e pelo
modo capitalista de produção. As rupturas podem ser produzidas cotidianamente na medida em que a intensificação da reprodução ampliada do
capital produz a separação das classes sociais e a segregação socioespacial. Neste sentido almejamos a produção de novas formas de participação e
a utilização do espaço urbano pelo uso social para que a realização humana se sobreponha ao valor de troca.

1 Na parte IV da dissertação de mestrado Silva (2015) identifica nas falas dos moradores do Loteamento Jacarandá, dos representantes dos movimentos sociais urbanos, as lutas
cotidianas para conquista de infraestruturas sociais e serviços urbanos, na busca de melhores condições de vida e acesso aos direitos, porém as práticas autoritárias (dos grupos
políticos/econômicos) ameaçam as lideranças de movimentos sociais, dificultando a construção da gestão coletiva da cidade. Ver mais em (SILVA, 2015).
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A investigação da participação e produção do espaço urbano clarifica as relações contraditórias que se aprofundam na produção do espaço
urbano contemporâneo da cidade de Várzea Grande. A institucionalização da participação através do Conselho da Cidade das Audiências Públicas
implantadas após a exigência do Estatuto da Cidade/2001, de certa forma legitima as desigualdades sociais e os interesses da classe dominante com
discurso de participação social.
Por fim, o poder de mudança está na realidade, no cotidiano que evidencia as determinações sociais impostas pela classe dominante e ao
mesmo tempo emergem os questionamentos, as revoltas, as manifestações sociais em busca do direito à cidade, que se constrói a partir da busca da
cidadania não mais como privilégio dos mais abastados financeiramente, mas sim como tratamento igualitário, pela prática política cotidiana.
Em busca de uma produção espacial que surge das práticas sociais cotidianas, de base, de baixo, a fim de produzir novas relações e novas
formas de governo a se constituir no horizonte, na perspectiva de uma utopia possível. A utopia sempre estará à frente, bem próxima a nós, e
para isso basta mudarmos as nossas práticas sociais cotidianas e não esperarmos o incêndio geral começar. Basta começarmos a construir a nossa
própria fogueira como bem disse Labica (2009) e a transformação surgirá. Esse é um pensamento utópico realizável, utópico possível.

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ROSINALDO BARBOSA DA SILVA
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A RELAÇÃO CENTRO-PERIFERIA NA
ÁREA METROPOLITANA DE BRASÍLIA:
ANÁLISE DO MOVIMENTO POPULACIONAL PENDULAR

Lourival Leal de Carvalho Junior


Mestrando do Programa de Pós – Graduação – Departamento de Geografia/Universidade de Brasília – UnB
lourival.leal@hotmail.com

Resumo

As relações entre o centro e a periferia sempre estiveram no foco da discussão urbana, pois esta relação evidencia o caráter desigual de produção do
espaço geográfico. Desse modo, esse estudo parte da análise do espaço por meio da lógica dialética, destacando a importância da escolha do método
e, a partir deste, analisar o processo de movimentação populacional pendular para o trabalho na Área Metropolitana de Brasília (AMB). A análise
embasa-se numa perspectiva de construção histórico-espacial, destacando as relações entre trabalho, moradia, renda e transporte no movimento
pendular e suas interações com o Estado, empresas, sociedade, território e estrutura social. O objetivo é perceber a estrutura de desigualdade
existente entre a periferia e o centro da AMB, que se evidencia na interação entre os elementos interligados ao deslocamento pendular, com a
ocorrência de segregação socioespacial, em que a população de menor renda passa a residir na periferia e deslocar-se diariamente para o trabalho
no centro metropolitano, onde se localizam os empregos, tendo o transporte público como meio para viabilizar este processo.

Palavras-chave: metropolitana, movimento pendular, trabalho.

INTRODUÇÃO
O movimento populacional pendular também chamado de deslocamento pendular é um processo típico do contexto de urbanização e
intrinsecamente ligado aos processos de segregação socioespacial das áreas metropolitanas, abrangendo principalmente a grande massa de
trabalhadores que reside nas áreas periféricas e se desloca diariamente para o trabalho na área central. A característica excludente do processo de
urbanização é explicitada por Harvey (2014, p. 30) quando escreve que “a urbanização sempre foi, portanto, algum tipo de fenômeno de classe, uma
vez que os excedentes são extraídos de algum lugar ou de alguém, enquanto o controle sobre o uso desse lucro acumulado costuma permanecer nas
mãos de poucos”.
O processo de urbanização constitui-se como importante indicador e instrumento de análise espacial, numa relação em que cada processo
tem características internas e externas da lógica espacial. Santos (2008, p. 12) enfatiza essa característica do espaço ao considerá-lo “como uma
instância da sociedade [...]. Isso significa que, como instância, ele contém e é contido pelas demais instâncias, assim como cada uma delas o contém
e é por ele contida”.
Nas áreas metropolitanas, o deslocamento deve ser compreendido como um processo interligado a outros processos que exteriorizam
uma série de relações espaciais antagônicas e ao mesmo tempo complementares, pois os processos são os responsáveis pela interligação entre os
elementos do espaço e de certo modo explicitam a sua forma, função e estrutura (SANTOS, 2008, p. 69).
Com o intuito de compreender a relação entre o deslocamento populacional pendular e os demais processos de segregação socioespacial,
propõe-se analisar a relação centro-periferia no espaço urbano do Distrito Federal e Entorno numa perspectiva dialética, explicitando as bases da
lógica dialética de análise espacial e do contexto de produção do espaço na área delimitada.
Em seguida, embasando-se nessa análise inicial buscar-se-á explicitar as características do processo de movimentação pendular e suas relações com
os demais processos, especialmente com a periferização e as desigualdades sociais relacionadas ao processo de urbanização.

DELIMITAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO


Este estudo apresenta uma análise do movimento populacional pendular na Área Metropolitana de Brasília (AMB). Esta compreende
o Distrito Federal (DF) e a Periferia Metropolitana de Brasília (PMB), grupo de municípios goianos que possuem um intenso fluxo de relações
funcionais e que se situam sob a área de influência do DF, composta por: Águas Lindas de Goiás, Alexânia, Cidade Ocidental, Cocalzinho de Goiás,
Cristalina, Formosa, Luziânia, Novo Gama, Padre Bernardo, Planaltina, Santo Antônio do Descoberto e, Valparaíso de Goiás.

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A RELAÇÃO CENTRO-PERIFERIA NA ÁREA METROPOLITANA DE BRASÍLIA: ANÁLISE DO MOVIMENTO POPULACIONAL PENDULAR

O trabalho tem como base a delimitação da AMB que consta na Pesquisa Metropolitana por Amostra de Domicílios 2013 (PMAD-2013)
realizada pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal – Codeplan (CODEPLAN, 2013, p. 22).
A AMB situa-se dentro da área da Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE/DF) e é composta pelo Dis-
trito Federal e os municípios goianos que formam a PMB.

Figura 1: RIDE/DF com destaque para a Área Metropolitana de Brasília.

Fonte: Codeplan, Nota técnica nº 1/2014: delimitação do Espaço Metropolitano de Brasília (Área Metropolitana de Brasília), 2014, p. 24.
Disponível em: <www.codeplan.df.gov.br>.

Conforme destaca a Codeplan na PMAD-2013 (p. 20), fica evidente a necessidade e a importância de estudos sobre a AMB e a mobilidade
da população.

Embora não esteja instituída por legislação própria, a Área Metropolitana de Brasília (AMB) possui uma funcionalidade evidente entre o Distrito Federal
e os municípios a ele adjacentes, contíguos ou não. Diariamente, por exemplo, é intensa a mobilidade de veículos no sentido periferia metropolitana–
DF, o que demonstra haver uma dependência dos núcleos urbanos em relação ao Distrito Federal (sobretudo com o Plano Piloto) na busca de trabalho e
na procura de bens e serviços oferecidos na Capital Federal. Os processos socioespaciais que interferem na dinâmica metropolitana são multifacetados
e complexos, de tal modo que é cada vez mais frequente a realização de pesquisas para conhecer cada realidade específica, em todos os quadrantes do
país. Por isso, e para ter condições de aprofundar o conhecimento da realidade desses 12 municípios, a Codeplan planejou e levou a campo a Pesquisa
Metropolitana de Amostra por Domicílios (PMAD), em 2013, com o objetivo de conhecer, entender e explicar o que se passa na área de influência
direta de Brasília. (CODEPLAN, 2013, p. 20)

Em outro estudo, a Codeplan (2014, p. 4) enfatiza novamente a importância da área em termos de planejamento para o desenvolvimento
econômico e social.

O propósito desta Nota Técnica é o de fundamentar a existência de uma dinâmica metropolitana entre Brasília e os municípios goianos próximos,
visando estabelecer o conceito de Espaço Metropolitano Para entender a formação do Espaço Metropolitano de Brasília, deseja-se indicar os parâmetros
para delimitá-la e encontrar os caminhos para que ela seja viabilizada sob o ponto de vista geopolítico, administrativo e econômico de tal modo que
possibilite os propósitos de desenvolvimento do conjunto urbano com equidade social. (CODEPLAN, 2014, p. 4)

A área apresenta uma grande importância em termos de análise da dinâmica espacial e se configura como estratégica no contexto
metropolitano regional e nacional e, portanto, os estudos voltados a ela podem contribuir para o planejamento regional e a melhor compreensão
da problemática urbana e seus diversos aspectos.
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LOURIVAL LEAL DE CARVALHO JUNIOR
A RELAÇÃO CENTRO-PERIFERIA NA ÁREA METROPOLITANA DE BRASÍLIA: ANÁLISE DO MOVIMENTO POPULACIONAL PENDULAR

O ESPAÇO NA PERSPECTIVA DA LÓGICA DIALÉTICA


A compreensão do movimento pendular passa necessariamente pela forma de se abordar o espaço, buscando entrelaçá-lo com o objeto de
estudo. Desta maneira, o espaço pode ser analisado com base em diferentes escalas, elementos e abordagens. Contudo, necessita de um eixo que se
configura como o seu método de estudo.

O espaço deve ser considerado como uma totalidade, a exemplo da própria sociedade que lhe dá vida. Todavia, considerá-lo assim é uma regra de
método cuja prática exige que se encontre paralelamente, através da análise, a possibilidade de dividi-lo em partes. Ora, a análise é uma forma de
fragmentação do todo que se permite, ao seu término, a reconstituição desse todo. Quanto ao espaço sua divisão em partes deve poder ser operada
segundo uma variedade de critérios. (SANTOS, 2008, p. 15)

Por isso, propõe-se a perspectiva dialética de análise do espaço, partindo de uma visão dinâmica, numa verdadeira junção complexa e inter-
relacional entre o social e o espacial.
Inicialmente, a lógica dialética pretende compreender a própria forma de pensar, partindo de uma lógica formal da construção do
pensamento, que leva ao conhecimento do objeto e sua forma sem, contudo, esgotar o conhecimento real do objeto, visto que:

Todo pensamento é movimento. O pensamento que estanca deixa produtos: obras, textos, resultados ideológicos, verdades. Cessou de pensar. Veremos
mais longe, e cada vez melhor, que não apenas todo pensamento “é” um movimento de pensamento, mas também que todo pensamento verdadeiro é
pensamento (conhecimento) de um movimento, de um devir. (LEFEBVRE, 1995, p. 90)

É necessário, primeiramente, conhecer de forma objetiva, para se poder avançar para os próximos estágios do conhecimento e do pensar. É
preciso decompor e recompor os fenômenos, sempre com a intenção de após conhecê-los profundamente, percebê-los também como parte de uma
realidade maior e mais complexa, permitindo estabelecer a conexão entre os diversos elementos (LEFEBVRE, 1995).
Deste modo, a lógica formal do pensamento não se opõe à lógica dialética. A primeira deve ser entendida como o ponto de partida para a segunda,
e ambas não devem ser vistas como formas de pensar isoladas e que não se comunicam.
A dialética tem como característica a percepção de todas as possíveis abordagens do fenômeno, analisando todos os aspectos, para somente
depois destacar as abordagens mais relevantes. “A separação é apenas um aspecto, uma aparência, que se torna erro quando é mantida. Conhecer
um objeto ou um fenômeno é justamente não considerá-lo como sendo isolado” (LEFEBVRE, 1995, p. 184).
Parte-se do conhecimento do fenômeno e do pensar em movimento, em evolução, para encontrar as suas contradições, como explicita
Carlos:

O conhecimento se insere no movimento da reprodução da realidade como necessidade de apreender os seus aspectos novos que se revelam e se
transformam. Ela se apoia numa determinada teoria da realidade, pressupondo uma determinada concepção da realidade, como elemento do todo
dialético. (CARLOS, 2011, p. 35)

Por meio do movimento de análise e síntese, separando e unindo os elementos, o conhecimento evolui sempre em movimento e
comparativamente com a realidade anterior. A confrontação de ideias propicia o surgimento do novo, é a superação do pensamento. Para avançar
é preciso às vezes retornar diversas vezes, reavaliando e buscando as interações (LEFEBVRE, 1995).
Nesse contexto o espaço não é um mero produto das relações sociais, e, em contrapartida também não é desvinculado e independente da
dinâmica social geral. Ao caracterizar a relação socioespacial Soja afirma que “os dois conjuntos de relações estruturadas (o social e o espacial) são
não apenas homólogos, no sentido de provirem das mesmas origens do modo de produção, como também dialeticamente inseparáveis” (1993,
p.99).
A simultaneidade entre o social e o espacial é um ponto central da análise, buscando perceber esta inter-relação. É necessário conectar os
conflitos de classe, as desigualdades sociais, o modo de produção e outros fatores com a organização, produção e distribuição espacial e o modo
como o espaço articula essas oposições e como ele também é conflituoso e desigual. Soja ainda destaca que “essa homologia espaço-classe pode
ser verificada na divisão regionalizada do espaço organizado em centros dominantes e periferias subordinadas, em relações espaciais de produção
socialmente criadas e polarizadas” (1993, p. 99). Nessa perspectiva será analisado o processo de periferização na AMB.

EVOLUÇÃO DO PROCESSO DE PERIFERIZAÇÃO DO ESPAÇO NA ÁREA METROPOLITANA


DE BRASÍLIA
O processo de periferização do espaço do Distrito Federal em direção à área do Entorno do DF não é algo recente. Anteriormente à
construção da capital, o interesse privado e governamental na construção da Capital no território goiano já tornavam a atual RIDE/DF alvo de
capital imobiliário especulativo, atuando sobre a área que era predominantemente agropecuária. Ferreira (2010, p. 44) mostra claramente essa
ação do mercado imobiliário: “outro fato que comprova o interesse local é o intenso processo de comercialização de terras rurais, adjacentes ao
quadrilátero do DF, antes mesmo de 1960”. Essa dinâmica ganhou mais força com o início da construção de Brasília no final da década de 50.
A partir da construção de Brasília ficava mais clara a questão da segregação socioespacial da população mais pobre. “A nova capital não
privilegiava a construção de moradia para os mais pobres, pois houve, desde o início, a recusa ao trabalho braçal e àqueles nos quais se encarnava,
os operários da construção civil deveriam abandonar a cidade após edificarem a nova capital” (PELUSO, 1999, p. 118).
No entanto, conforme Paviani (1987, p. 37) “é a partir dos anos 70, principalmente após 1975, que se dá a grande expansão rumo à periferia
do DF”. Esse quadro ocorreu em virtude da limitação promovida pelo Estado em relação ao acesso a terras públicas no DF, bem como à dinâmica
geral do mercado imobiliário.
Brasília manteve a centralidade quase onipotente do mercado de trabalho e com seu território extremamente valorizado a população de
menor renda foi expulsa em direção à periferia do DF ou para o Entorno. “Assim os que não conseguem habitação no interior de Brasília, acabam
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A RELAÇÃO CENTRO-PERIFERIA NA ÁREA METROPOLITANA DE BRASÍLIA: ANÁLISE DO MOVIMENTO POPULACIONAL PENDULAR

por se periferizar e o componente moradia não seria, então, um componente a menos no somatório complexo dos que atuam no sentido de
estimular as migrações” (PAVIANI, 1987, p. 39).
A metrópole brasiliense configurou-se como centralizadora de empregos e excludente em relação a moradias para a população de menor
renda, evoluindo para o intenso processo de periferização do espaço que se desenvolveu na AMB, como explica Ferreira:

A valorização da terra urbana e ao mesmo tempo a preservação do plano urbanístico levou a que a solução do problema da moradia dos pobres se
fizesse com a exclusão destes do perímetro valorizado e planejado, forçando a segregação socioespacial. A primeira consequência disso foi o surgimento
da periferia concomitante à implantação do centro como parte necessária de um todo: a cidade segmentada em classes e fragmentada espacialmente.
(FERREIRA, 2010, p. 50)

De acordo com Carlos (2015, p. 28) “a construção da metrópole torna visível os usos e as formas de apropriação do espaço que se associam,
diretamente, às formas de propriedade privado do solo urbano apontando para uma hierarquização socioespacial como expressão da desigualdade”.
Ferreira (2010, p. 50), por sua vez, demonstra essa relação: “A periferia mais distante (dentro do DF e nos seus limites externos) concentra a
população periferizada e as atividades ligadas a esse mercado de subsistência: subúrbios dormitórios”.
Os municípios da periferia metropolitana tornaram-se cada vez mais dependentes e influenciados pela centralidade do Distrito Federal,
servindo como área de absorção de população de baixa renda à procura de moradia acessível, em áreas distantes, mas que ao mesmo tempo
permitiam o deslocamento para o local de trabalho no DF, já que este continuou a concentrar os empregos.
A explicação para esta situação também passa pela dinâmica do processo de urbanização:

Também tem uma especificidade geográfica tal que a produção de espaço e dos monopólios espaciais se tornam parte integrante da dinâmica da
acumulação, não apenas em virtude da natureza dos padrões mutáveis do fluxo de mercadorias no espaço, mas em virtude da natureza mesma dos
espaços e lugares criados e produzidos em que esses movimentos ocorrem. (HARVEY, 2014, p. 92)

O processo de periferização do espaço apresenta-se em diversas escalas: local, regional e global, sendo que cada escala é ao mesmo tempo
produtora e produto da estrutura espacial. As diferentes escalas se comunicam e apesar de cada uma delas possuir suas singularidades as escalas
inferiores sempre se situam dentro de uma lógica geral.

O MOVIMENTO POPULACIONAL PENDULAR NA ÁREA METROPOLITANA DE BRASÍLIA


O movimento pendular refere-se ao deslocamento transitório da população em áreas urbanas, que, em geral, ocorre diariamente,
principalmente em virtude de trabalho ou em busca de bens e serviços como os de saúde e educação, gerando um imenso fluxo de pessoas no
território.
Esse movimento não constitui um tipo de migração, e tem como fator diferencial o seu caráter efêmero.

[...] optou-se pelo uso dos termos “movimento” ou “deslocamento” pendular, por se entender que tal dinâmica envolve um deslocamento diário e
que, portanto, não implica transferência para ou fixação definitiva em outro lugar. Desse modo, a natureza dos deslocamentos pendulares difere
substancialmente da compreendida pelos movimentos migratórios, embora ambos impliquem fluxos de pessoas no território. (CASTELO BRANCO;
FIRKOWSKY; MOURA, 2005, p. 123-124)

O movimento ocorre com finalidades diversas. Em estudo recente da Codeplan (2014) foram destacados fluxos de deslocamento populacional
pendular na AMB referentes: ao trabalho, à educação, à saúde, à aquisição de bens, serviços bancários, cultura e lazer.
Diversos fatores estão associados ao movimento pendular, no entanto, alguns são mais efetivos:

São eles: a dinâmica do mercado de terras no município-polo dos aglomerados; a alteração do perfil econômico e a desconcentração da indústria para
municípios que não o polo ou distritos industriais consagrados; o acesso diferenciado ao mercado de trabalho e/ou oportunidades de estudo; os custos
e a qualidade do transporte disponível e o tempo de deslocamento. (CASTELO BRANCO; FIRKOWSKY; MOURA, 2005, p. 132)

Também deve-se observar as relações encadeadas a partir do processo em análise:

Os movimentos pendulares da população estão diretamente relacionados com as condições de desenvolvimento econômico e social, cujo desdobramento
contemporâneo está relacionado com os mecanismos da reestruturação produtiva, responsáveis por novas formas de trabalho e de mobilidade ou
imobilidade espacial da população. (JARDIM, 2011, p. 66)

Com base na evolução histórica do processo, sua dinâmica atual e os dados referentes aos fluxos de deslocamento, este estudo aborda
o fluxo mais significativo, dentre aqueles citados: o referente ao trabalho. Não que os outros fluxos sejam menos importantes, porém é preciso
considerar que a questão do emprego e do mercado de trabalho está diretamente relacionada à renda e à moradia e, por conseguinte, influenciam
diretamente os outros fluxos. Santos (2014, p. 86) esclarece que “os fluxos são o movimento, a circulação e assim eles nos dão também a explicação
dos fenômenos da distribuição e do consumo”.
Além disso, o fluxo referente ao trabalho interage direta e expressivamente com a lógica de centralização da influência no DF, a disparidade
de renda entre a periferia e a área central, a localização das moradias em virtude de renda e local de trabalho, as desigualdades sociais, a qualidade
de vida, infraestrutura das cidades, o grau de periferização do espaço e expansão metropolitana, dentre outros.

[...] parece conveniente investigar o papel que o processo urbano talvez esteja desempenhando na reestruturação radical em andamento nas distribuições
geográficas da atividade humana e na dinâmica político-econômica do desenvolvimento geográfico desigual dos tempos mais recentes. (HARVEY,
2005, p. 166)

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A centralidade de Brasília e a sua área de influência, bem como os fluxos de deslocamento foram destacados na publicação “Arranjos
Populacionais e Concentrações Urbanas do Brasil” (IBGE, 2015), que apontou um contingente em deslocamento para trabalho ou estudo na
concentração urbana de Brasília, de quase duzentas mil pessoas em 2010.

Figura 2: Intensidade dos deslocamentos para trabalho e estudo na concentração urbana de Brasília – DF, com Base no Censo Demográfico de 2010.

Fonte: IBGE, Arranjos Populacionais e Concentrações Urbanas do Brasil, 2015. Disponível em <www.ibge.gov.br>.

Essa influência sobre a AMB também é enfatizada por Jatobá (2010, p. 308): “A influência econômica da cidade e sua população cresceram
e extrapolaram os limites do Distrito Federal”.
A AMB apresenta uma relação de desigualdade resultante de um processo socioespacial segregado e que tornou Brasília cada vez mais
central e menos solidária ao desenvolvimento dos municípios da periferia metropolitana. “Hoje, Brasília polariza claramente os municípios da Área
Metropolitana de Brasília (AMB) em uma relação metropolitana de alto padrão de desigualdade” (PAVIANI, 2010, p. 264).
Como o estudo insere-se no contexto de urbanização, os dados de deslocamento pendular que serão discutidos referem-se à população
urbana, visto que o objetivo é detalhar o processo metropolitano, porém, os dados possuem alta representatividade pelo fato de a população urbana
corresponder a mais de 90% da população total da área. Assim, observando os dados do fluxo de deslocamento da população da AMB para os locais
de trabalho de forma segmentada, é possível perceber que os municípios de Águas Lindas de Goiás, Cidade Ocidental, Novo Gama, Planaltina,
Santo Antônio do Descoberto e Valparaíso de Goiás possuem mais trabalhadores empregados no Distrito Federal do que nos próprios municípios,
e que os outros municípios da PMB também apresentam percentuais significativos de trabalhadores na mesma situação.

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A RELAÇÃO CENTRO-PERIFERIA NA ÁREA METROPOLITANA DE BRASÍLIA: ANÁLISE DO MOVIMENTO POPULACIONAL PENDULAR

Tabela 1: População urbana ocupada nos municípios da Periferia Metropolitana de Brasília por local onde trabalha / 2013.

Fonte: Codeplan - Pesquisa Metropolitana por Amostra de Domicílios (PMAD) 2013.


Disponível em: <www.codeplan.df.gov.br>

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A RELAÇÃO CENTRO-PERIFERIA NA ÁREA METROPOLITANA DE BRASÍLIA: ANÁLISE DO MOVIMENTO POPULACIONAL PENDULAR

A concentração dos empregos no DF deve-se em muito ao centralismo da Administração Pública e aos serviços que se desenvolvem para
atendê-la bem como aos serviços relacionados à população de alta renda que reside na área central, em especial no Plano Piloto. Em contrapartida,
o mercado de trabalho na periferia metropolitana é pouco desenvolvido, e a maioria dos salários pagos é menor que no DF, o que está diretamente
ligado ao menor desenvolvimento econômico dos municípios periféricos.
O deslocamento da população de casa para o trabalho é mediado pela técnica, graças ao transporte. Os avanços nos transportes devem-
se à evolução das técnicas que exprimem a vontade de agir de uma sociedade, assumindo assim uma função de meio para a ação intencional da
sociedade. Sposito (2013) destaca o papel da técnica com a evolução dos transportes como meio para atender às descontinuidades do espaço
urbano, permitindo os deslocamentos em distâncias cada vez maiores.
O transporte coletivo na AMB não possui integração referente a tarifas ou mesmo linhas de ônibus entre o DF e o Goiás, operando dois
sistemas separados. O sistema de transporte coletivo do DF atua exclusivamente nos seus limites e a população da periferia metropolitana é
atendida pelo sistema de transporte coletivo (ônibus) de Goiás.
Essa situação representa a falta de planejamento integrado para a área e demonstra que não existem ações efetivas de integração, em virtude
da prevalência do interesse do capital privado.
Analisando os dados referentes ao transporte utilizado para o deslocamento da população da PMB para o trabalho, constata-se que, apesar
da precariedade do transporte coletivo, o ônibus é o meio mais utilizado pela população, atendendo quase metade (47,19%) do contingente que se
desloca para o trabalho.

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A RELAÇÃO CENTRO-PERIFERIA NA ÁREA METROPOLITANA DE BRASÍLIA: ANÁLISE DO MOVIMENTO POPULACIONAL PENDULAR

Tabela 2: População urbana ocupada nos municípios da periferia metropolitana de Brasília por transporte utilizado para ida ao trabalho/2013.

Fonte: Codeplan - Pesquisa Metropolitana por Amostra de Domicílios (PMAD) 2013.


Disponível em: <www.codeplan.df.gov.br>

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A RELAÇÃO CENTRO-PERIFERIA NA ÁREA METROPOLITANA DE BRASÍLIA: ANÁLISE DO MOVIMENTO POPULACIONAL PENDULAR

O automóvel responde com 23,32% dos deslocamentos, uma quantidade razoável, em virtude da ineficiência do transporte coletivo, pois,
apesar da considerável distância para o deslocamento, o que gera um custo maior que no transporte coletivo, muitos optam pelo transporte
particular.
A movimentação pendular atende à questão da mão de obra, pois permite que o trabalhador assalariado se desloque do local onde reside
até o local de trabalho, que nesse caso se situa longe, visto que ele é obrigado a residir em áreas periféricas em virtude do alto custo de vida e das
moradias nas áreas centrais. Outro fator primordial relacionado ao processo é a renda, pois esta se associa diretamente a seus empregos com baixos
salários no DF, e também à moradia, à medida em que a possibilidade de residência se restringe à área periférica em virtude da baixa renda.

Tabela 3: Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) da Área Metropolitana de Brasília.

Fonte: IBGE - Disponível em: www.cidades.ibge.gov.br e Censo Demográfico 2010.

A disparidade de renda entre a população dos municípios goianos da AMB e o Distrito Federal é enorme (Tabela 4). O PIB per capita do DF
é mais de quatro vezes maior que o dos municípios da periferia metropolitana, associando-se ao fato de que a PMB também possui IDHM inferior.
Comparativamente, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) evidencia também a desigualdade social e a desigualdade entre
periferia metropolitana (0,692) e o Distrito Federal (0,824).
A situação geral apresentada mostra que não é só uma questão de renda, trata-se também e principalmente de desigualdade social. A
qualidade de vida na periferia metropolitana é bem menor que no DF, devido à baixa qualidade dos serviços públicos, associada a diversos outros
problemas, dentre os quais a violência, falta de planejamento urbano, submoradias e transporte público ruim. Isto não quer dizer que estes problemas
não façam parte da realidade do Distrito Federal, mas na periferia metropolitana eles são ainda mais impactantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar qualquer fenômeno geográfico é necessário ter como ponto de partida a lógica geral de análise do espaço geográfico, pois este
compreende exatamente a combinação dos diversos elementos que o constitui e os processos que integram os elementos, gerando uma estrutura
espacial. Nesse sentido, é importante delinear um método de análise espacial, uma lógica de compreensão do espaço, com o intuito de buscar as
suas generalidades e também as suas especificidades, pois essa combinação é que permitirá compreendê-lo na sua totalidade.
A lógica dialética de análise do espaço cumpre bem esse papel, visto que elucida as relações de dualidade do espaço por meio das contradições
que dinamizam sua construção, num movimento de ida e volta, elaborando um novo pensamento, uma nova forma de perceber as relações espaciais
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sem, contudo, negligenciar o pensamento anteriormente construído.


Diante desta forma de pensar o espaço percebe-se o movimento populacional pendular como um processo encadeado a outros diversos
processos, que por sua vez ligam-se a objetos e compõem um sistema de ações e um sistema de objetos coordenados (SANTOS, 2002).
O processo de movimentação pendular em análise resulta de uma dinâmica histórica que remonta à própria relação excludente de produção
do espaço a partir da construção de Brasília no território do estado de Goiás, numa combinação dos elementos locais, regionais e gerais do espaço.
Essa combinação se deu inicialmente por intermédio da ação do capital especulativo imobiliário e do controle do Estado sobre as terras.
A população de menor renda deslocou-se para a PMB, que apresenta uma menor qualidade de vida e serviços públicos precários, evidenciando
o processo de expansão da área de influência do DF para a os municípios do Entorno, bem como o alto grau de desigualdade social existente entre
as duas áreas.
O deslocamento pendular está ligado à dinâmica espacial da lógica geral metropolitana por meio da segregação socioespacial, combinada
com fatores internos que produziram uma realidade singular e ao mesmo tempo relacionada à divisão territorial do trabalho comum nas áreas
metropolitanas. Esse fenômeno coloca primordialmente no eixo de discussão a questão do mercado de trabalho centralizado, a baixa renda da
população da periferia, o alto custo de vida e de moradias no DF e o sistema de transportes públicos de pouca eficiência e sem integração. Assim,
o estudo do movimento pendular associado a outros processos permite elucidar agentes e intencionalidades da dinâmica espacial, e compreender
o processo de segregação socioespacial intenso que ocorre na Área Metropolitana de Brasília, que se configura como importante eixo econômico
e que deve ser analisada de forma integrada, numa relação dialética centro-periferia associada principalmente à urbanização e à divisão territorial
do trabalho.

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A RELAÇÃO CENTRO-PERIFERIA NA ÁREA METROPOLITANA DE BRASÍLIA: ANÁLISE DO MOVIMENTO POPULACIONAL PENDULAR

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LOURIVAL LEAL DE CARVALHO JUNIOR
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AS MIGRAÇÕES INTERNAS, O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO
NO DISTRITO FEDERAL E A FORMAÇÃO DE PERIFERIAS:
Um olhar sobre a cidade Estrutural

Temízia Cristina Lopes Lessa


Doutoranda do Programa de Pós-Graduação - Departamento de Geografia/ Universidade de Brasília – UnB
temizialessa@yahoo.com.br

Fernando Luiz Araújo Sobrinho


Professor – Programa de Pós-Graduação - Departamento de Geografia/ Universidade de Brasília – UnB
flasobrinho@unb.br

RESUMO

A reflexão sobre a construção de Brasília possibilitou constatar um conjunto de especificidades que se articulou e apontou para a existência de
uma forma de produção do espaço que pode ser verificada em momentos distintos, principalmente, no que se refere à história de um operariado
embalado pelos sonhos e ideais nacionalistas que recobriam a motivação ideológica da construção da nova Capital. Neste contexto, no âmbito da
Geografia dos Deslocamentos, o presente trabalho traz uma reflexão a respeito do fenômeno relacionado à mobilidade humana no processo de
urbanização do Distrito Federal e o surgimento da Cidade Estrutural como resultado desse processo, destacando especialmente, a reestruturação
espacial do Distrito Federal e o crescimento urbano a partir dos movimentos migratórios.

Palavras-Chave: Migração; Geografia dos Deslocamentos; Distrito Federal; Cidade Estrutural.

INTRODUÇÃO

Migrar (...) é viver, em espaços geográficos diferentes (...) é viver como presente e sonhar como ausente.
É até mesmo, partir e não chegar nunca.
José de Souza Martins

Migrar é trocar de país, de estado, de região ou até de domicílio, um fenômeno tão antigo que se confunde com a própria história da
humanidade (SARMENTO, 1984, p. 24). Todavia, é importante destacar que é necessário que haja uma motivação para que pessoas abandonem sua
comunidade de origem, e também, fatores influentes no local de imigração que atraia os migrantes. A esse respeito, destaca-se uma versão clássica
do modelo de atração e repulsão que se estruturou ao longo dos tempos em volta da temática da migração (PIRES, 2003). O direito de ir e vir está
previsto na Constituição Federal e diante dele não há muito que se discutir: “É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo
qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens” (BRASIL, 1988, art. 5.º, CF, XV).
Contudo, a polêmica que envolve a questão da migração se dá exatamente em torno das condições em que ela ocorre. Se de maneira livre,
um direito de fato, ou de maneira compulsória, consequência de modelos e interesses políticos. A história das migrações internas do Brasil pode ser
utilizada como prelúdio para a compreensão do modo como se formou a atual sociedade brasileira. Segundo Singer (1976, p. 217), “as migrações são
sempre historicamente condicionadas, sendo o resultado de um processo global de mudança, do qual elas não devem ser separadas”. Na atualidade,
para Santos et al. (2010, p.12), “O processo de migração está diretamente associado com o desenvolvimento do capitalismo, principalmente com o
processo de industrialização provocado por este”.
Tanto Singer (1976) como Santos et al (2010) consideram que o principal motor das migrações na atualidade brasileira seriam as desigualdades
regionais e que a industrialização levaria à concentração das atividades econômicas, gerando desequilíbrios regionais que, por sua vez, motivariam
as migrações.
Santos et al. (2010) entendem a migração como um processo de mobilização social. Nesse sentido, para que a migração ocorra é fundamental
que se tenham informações sobre o local de destino. E só então são criadas expectativas melhores do que aquelas do lugar de origem. Assim,
realizada a análise sobre as condições atuais, mais as perspectivas geradas a partir das informações é que o indivíduo tem motivação para migrar.
Nessa perspectiva, “não é possível que haja migração se houver isolamento social” (SANTOS et al, 2010, p.12). Os autores sugerem ainda que a
análise em relação à migração deve se dar em três níveis: ambiental, normativo e psicossocial.

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AS MIGRAÇÕES INTERNAS, O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO DISTRITO FEDERAL E A FORMAÇÃO DE PERIFERIAS: UM OLHAR SOBRE A CIDADE ESTRUTURAL

O primeiro nível seria o ambiental, composto pelos fatores de expulsão e de atração, pela natureza e condições das comunicações, de contato e
acessibilidade existentes entre as áreas de origem e destino. O segundo nível, o normativo, seria composto pelos papéis, expectativas e padrões de
comportamento socialmente institucionalizados, que forneceriam o referencial dentro do qual os indivíduos conseguiriam perceber e avaliar as suas
condições objetivas de existência. O último nível de análise seria o psicossocial, ou seja, devem ser consideradas as atitudes e expectativas dos indivíduos
concretos (SANTOS et al, 2010, p.11).

Para Santos et al (2010), o processo de industrialização leva à concentração das atividades econômicas, gerando desequilíbrios regionais,
que por sua vez, impulsionam as migrações. Em suma, as desigualdades regionais são o que motivam os movimentos migratórios. Nesse sentido,
no que tange a Brasília e ao Distrito Federal, as migrações foram determinantes para a reconfiguração espacial da região.

A Estruturação espacial do Distrito Federal


É importante diferenciar a construção de Brasília de outras grandes obras realizadas em áreas urbanas, como metrôs e rodovias, uma vez
que os trabalhos relacionados às obras de construção da nova capital foram realizados em área relativamente isolada, direcionados e executados
mais por decisões políticas do que econômicas (RIBEIRO, 2008, p. 21).
Nesse caso específico, a industrialização não foi a propulsora da urbanização de Brasília, “mas sim sua posição de interconexão” e, sobretudo,
a sua função de capital, o que lhe garantia ser um mercado urbano em potencial, devido ao seu porte e ao poder aquisitivo bastante elevado da
população composta por funcionários e trabalhadores (FERREIRA, 2010). Na década de 1980, Ferreira (1985) já considerava Brasília como uma
metrópole que envolvia os núcleos periféricos que na década de 1960 ainda se encontravam dispersos. A autora enfatiza

Brasília hoje não pode ser considerada apenas como o Plano Piloto de Lúcio Costa, como era nos anos cinquenta. Tampouco pode ser apenas a cidade
com seus núcleos periféricos dispersos, dos anos sessenta. Ela é agora a metrópole que envolve além desses espaços os municípios vizinhos do Entorno
do DF. O espaço metropolitano criado (ou destinado) vai interagir com as novas fases do processo de urbanização brasileiro e não pode ser ignorado
nas políticas urbanas, seja ao nível local, regional ou nacional. (FERREIRA, 1985, p. 56).

Segundo Ferreira (2010), a cidade se estruturou e se desenvolveu passando por diferentes momentos no processo de formação do aglomerado
urbano. Ressalte-se que da concepção urbanística à modelagem atual do então aglomerado urbano, em Brasília “desenvolveu-se um processo de
produção do espaço da cidade” (FERREIRA, 2010, p.71).
A metrópole seria uma forma de organização espacial marcada pela fragmentação, ou seja, pela convivência de códigos múltiplos e contraditórios,
tornando, assim difícil, senão impossível, a plena adesão a qualquer um deles, emergindo daí, no sujeito metropolitano, uma percepção muito
acentuada da própria singularidade. Isso faz da metrópole “uma arena de convivência entre dois tipos de individualismo: o quantitativo (que teria
como princípios básicos a liberdade e a igualdade no mundo público) e o qualitativo (cuja ênfase residiria na desigualdade subjetiva)” (COELHO,
2009, p. 295).
Paviani (2010, p.19), por sua vez, afirma que as relações singulares de convivência estabelecem desafios “não apenas como fruto da
complexidade e especialização das funções urbanas, mas também como resposta às contradições e ao caráter heterogêneo e concentrador”, o que
pode ser comprovado com a desigualdade na distribuição de bens e renda para a população. Segundo Holanda (2010, p. 48) “Brasília tem, por
excelência, um dos traços morfológicos mais marcantes das cidades brasileiras – a fragmentação – quando comparada a cidades em outras partes
do mundo”. A cidade ainda em construção já era estratificada, como sugere Ferreira (2010, p.72):

A população migrante formava favelas e acampamentos no espaço em construção. Para abrigar essa população foram criados os núcleos periféricos
1
ao Plano Piloto, como forma para impedir o crescimento desordenado no centro. Esses núcleos foram criados quase que simultaneamente à cidade.

Assim, os núcleos dormitórios periféricos surgiram paralelamente à construção de Brasília, que deu origem também a um processo de
seletividade espacial e segregação. Nesse contexto, antes mesmo de concluir as obras da cidade planejada, criou-se o espaço da reprodução da força
de trabalho necessária à construção da Capital e sua implantação. A população, quando não absorvida nas atividades atinentes à construção passava
a constituir reserva de mão de obra (PAVIANI, 2010, p.73).
Ressalte-se que o plano urbanístico previa a formação de cidades-satélites, que na concepção original, deveriam ser núcleos urbanos
destinados a proporcionar melhores condições de vida para os operários, mas se tornaram empobrecidas periferias urbanas em Brasília (PELUSO e
CÂNDIDO, 2006, p.52). Segundo Oliveira (1983), a periferia inicial, espaço “destinado” às camadas segregadas da população, passou a se reproduzir
fora dos limites do Distrito Federal, uma vez que a população de baixa renda e as atividades ligadas à sua reprodução começaram a povoar os
municípios goianos vizinhos, no entorno de Brasília. Muitos loteamentos tiveram início a partir da comercialização de áreas rurais, em que as
fazendas foram loteadas e vendidas às companhias imobiliárias e passaram a ser terra urbana ocupados por usuários de baixa renda devido aos
preços mais acessíveis.
Já em 1985, Brasília tornou-se um aglomerado urbano, em que seus habitantes ultrapassavam os limites do quadrilátero do DF. Porém, o
adensamento da área central foi bloqueado pela preservação dos limites de densidade do Plano Piloto, o que acarretou na supervalorização das
áreas centrais (FERREIRA, 2010, p.77). Em contrapartida, o crescimento de novas localidades foi reforçado com a vinda de novos contingentes
migratórios e com as posteriores transferências de favelas e acampamentos que cresceram desordenadamente.
Conforme Paviani (2010, p.83), a evolução populacional é um dos elementos a serem considerados em um estudo sobre urbanização, o qual
deve incorporar outras características, como as mudanças sociais e econômicas que marcaram o processo, a emergência de um sistema urbano e o
crescimento físico individual das cidades “no sentido de cimento e tijolo”.

1 Os núcleos criados tiveram início com o Núcleo Bandeirante, na época, chamado de “Cidade Livre”. Em seguida, o aglomerado foi expandido com a criação de Taguatinga, em
1958. Em 1960 já existia Sobradinho e o Gama estava no início (PAVIANI; FERREIRA, 1997, p. 57). É importante destacar que estas áreas se originavam pela transferência das
favelas localizadas dentro dos limites do Plano Piloto. Segundo Holanda (2010, p.19), dois pequenos núcleos urbanos preexistiam à capital, cuja configuração remete às cidades
vernaculares brasileiras: Planaltina (1810) e Brazlândia (1930).
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AS MIGRAÇÕES INTERNAS, O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO DISTRITO FEDERAL E A FORMAÇÃO DE PERIFERIAS: UM OLHAR SOBRE A CIDADE ESTRUTURAL

A consolidação das relações de mercado, por meio da divisão social do trabalho propiciou a difusão de “invasores” e cidades-satélites, o
que se configurou como elementos estruturadores da nova capital, que, por sua vez, é resultado da consolidação do fator de aglomeração do espaço
urbano (QUINTO JÚNIOR e IWAKAMI, 2010, p.81).
Segundo Gouvêa (2010, p.90), as pessoas migravam por causa da intensa propaganda existente na época, que estimulava a vinda dos
brasileiros para construir a nova Capital. Os migrantes vinham para o Planalto Central não somente para construir uma cidade, mas para construir
a “Capital da Esperança”, pois nutriam a esperança de acesso à moradia, melhores condições de vida, trabalho e acesso à educação, de forma que
suas famílias pudessem viver com dignidade.

A formação de periferias no Distrito Federal


A construção da nova capital foi norteada pelo planejamento urbano casado ao mito da vida social igualitária e à realidade de uma parcela
considerável da população que não tinha acesso à moradia. Nesse contexto, multiplicaram as ocupações de áreas públicas e, consequentemente,
a formação de favelas, dentro de um processo de ocupação do espaço urbano marcado por lutas sociais (SOUSA et.al., 1996, p.57). A construção
injusta do espaço se deu pela lógica da periferização, que foi viabilizado pela elitização da parte central do projeto urbano, o que segundo, Sousa et.
al. (1996, p.61) pode ser compreendido com facilidade quando os autores confirmam a colocação de Lúcio Costa, reconhecendo que grande parte
dos trabalhadores migrantes responsáveis pela construção de Brasília, não voltaram aos seus locais de origem, mesmo após a construção da Capital
como era esperado por seus idealizadores.
Contudo, Serpa (2011) alerta quanto à utilização do par dialético centro-periferia. Segundo ele, o conceito de centro e periferia é ainda
operacional e expressa contradições da reprodução do sistema capitalista. Centros são sempre relativos a periferias, “já que o espaço não é nunca
homogêneo e não se pode negar a existência de uma hierarquia de lugares” (SERPA, 2011, p. 99). Nesta dialética, o cenário social em Brasília, na
década de 1950, foi marcado pela proliferação de favelas, que no contexto local foram denominadas “invasões” pelas autoridades governamentais
e, consequentemente, internalizadas pela população. Essas ocupações eram habitadas pelos segmentos mais pobres da sociedade (SOUSA et.al.,
1996). Diante da nova realidade, a administração local, representada pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), foi obrigada a
encontrar soluções para os problemas que surgiram com a tão sonhada Capital. Criaram-se, em virtude disso, as cidades-satélites, sendo Taguatinga
a primeira.
A atração de migrantes se deu a partir do anúncio da construção de Brasília. Isso fez com que as correntes imigratórias fortes e contínuas
extrapolassem as previsões dos planejadores. Como sugere Silva (1971) e Paviani (2010c), o afluxo populacional foi de tal porte que, a partir dos
trabalhadores pioneiros (cerca de 500, em fins de 1956), a população passou para 12.700 um ano depois, e para 127.000, quando da inauguração da
cidade, em 1960.
É importante ressaltar que a origem dos movimentos migratórios esteve presa à decisão de transferir a Capital Federal do Rio de Janeiro para
o Planalto Central, quando se desdobraram importantes iniciativas, como a criação da Novacap, antiga Comissão de Planejamento da Construção
e Mudança da Nova Capital, abertura de concorrência internacional para elaboração de Planos Urbanísticos e, finalmente, a formação de canteiros
de obras, em 1956 (PAVIANI, 2010, p.87a).
Brasília foi considerada “como uma das cidades-laboratórios do mundo no que se refere à experiência com o planejamento urbano” (NUNES,
1996, p.11). Todavia, reproduziu esquemas característicos da chamada urbanização periférica, como segregação espacial, má qualidade dos serviços
coletivos destinados à periferia e, principalmente, problemas sociopsicológicos decorrentes da dificuldade de adaptação dos migrantes a um novo
espaço, diferente do lugar de origem (NUNES, 1996).
A nova capital apresentava uma estrutura social de dupla natureza, consolidou-se paulatinamente e incorporou característica de um espaço
totalitário. Segundo Nunes (1996, p.12), “a lei do valor impregna as relações mercantis nesse espaço”. Vale lembrar que esse espaço urbano se
consolidou durante o período militar, época em que a estrutura de poder se encarregava em reproduzir as relações entre Estado e sociedade.
Segundo Harvey (2005, p.88), é importante reconhecer que o Estado não é uma coisa, por isso, não existe. O que o Estado representa são diversas
instituições específicas, que juntas constituem sua realidade e, por sua vez interagem como partes do que pode ser denominado sistema estatal.
Segundo Roberts nem sempre é possível conciliar os interesses do Estado àquilo que a população tem como necessidade e pontua

A intervenção do Estado é um dos maiores fatores na explicação das variações no relacionamento entre os setores de pequena e larga escala da economia
urbana. Como o controle da economia fica cada vez mais centralizado e as cidades são planejadas para maximizar um uso econômico eficiente do
espaço, muitas das ações do Estado podem conflitar com os interesses da maior parte da população urbana. (ROBERTS, 1978, p.154).

E foi através do Estado que se desenvolveu a chamada ideologia nacional – desenvolvimentista através da interiorização econômica do País,
tendo como fio condutor a lógica da penetração do capitalismo, como afirma Rodrigues (1996, p.178):

Quase que abruptamente [...] ganhou a consciência da necessidade de industrializar-se a todo custo. [...] a industrialização passa a ser percebida não só
como um processo econômico, mas como um modo de vida, como o caminho através do qual a nação atingiria sua independência econômica, marcaria
sua soberania. O desenvolvimento se afirma como ideologia nacional.

O Estado foi um amplo divulgador das formulações ideológicas da nova Capital como símbolo da nacionalidade brasileira e de progresso
socioeconômico. O resultado disso se manifesta de forma concreta na organização do espaço do aglomerado urbano, e, assim, Brasília cresce como
uma cidade de frente pioneira. Por sua especificidade de ter nascido para ser uma cidade grande, desde o início, um poder direcionado para além da
atração de excedentes populacionais locais ou regionais, uma vez que atraía correntes migratórias das mais diversas partes do Brasil, todos, atraídos
pela ideia de oportunidade (FERREIRA, 2010). Ainda segundo Ferreira (2010) para o canteiro de obras afluíram massas migratórias de procedência
rural que se proletarizaram na cidade em construção. O contingente migratório apresentava a característica de ser em grande massa, proveniente
do Nordeste, tendo chegado desde o início da construção da cidade e sendo absorvido na construção civil.
A população foi composta por uma grande massa de migrantes que se instalaram na região em condições precárias, na esperança de se
beneficiar da promessa de acesso à terra, aos equipamentos de saúde e educação. Destaque-se que tudo isso ocorria sem estrutura produtiva
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privada condizente com o ritmo de crescimento da população. Assim, com grande poder de atração das populações carentes, observou-se ainda a
atração de indivíduos ligados ao terciário e ao quaternário (NUNES, 1996, p.14), período em que os estudiosos desenvolveram discursos alarmistas
permanentes acerca do crescimento populacional desenfreado, principalmente nas metrópoles. Em virtude disso, as políticas urbanas insistiam
direta ou indiretamente na necessidade urgente de criar polos alternativos de atração de migrantes, como forma de mitigar a pressão sobre a oferta
de serviços coletivos, em especial, os oferecidos pelo Estado.
O povoamento desordenado interferiu na espacialização do Distrito Federal (DF), quando se alterou a estrutura, forma e função por meio
das pressões advindas da população. A espacialização do Distrito Federal pode ser mais bem compreendida com a proposição de Santos (2012,
p.67) de que “o espaço constitui uma realidade objetiva, um produto social em permanente processo de transformação. O espaço impõe sua própria
realidade; por isso a sociedade não pode operar fora dele”. Nesse sentido, é fundamental apreender a relação espaço-sociedade.
As noções de forma, função, estrutura e processo constituem elementos fundamentais para compreensão da produção espacial. Assim, para
apreensão de como a população (grupos de trabalhadores) interferiram na espacialização do Distrito Federal, Santos (2010, p.67) sugere ainda que

Sempre que a sociedade (totalidade social) sofre uma mudança, as formas ou objetos geográficos (tanto os novos como os velhos) assumem novas
funções; a totalidade da mutação cria uma nova organização espacial. Em qualquer ponto do tempo, o modo de funcionamento da estrutura social
atribui determinados valores às formas.

As variações funcionais passam a depender unicamente de mudanças na localização espacial, seja qual for o ponto no tempo em que se
fazem as observações, mas a forma só se torna relevante quando a sociedade lhe confere valor social (SANTOS, 2012, p.73). Foi pelo quantitativo
populacional que Brasília se distanciou do projeto original, especialmente impulsionada pelo mercado imobiliário e “a cidade que deveria ser
igualitária segregou os destituídos antes mesmo de inaugurada, nasceu unitária e fechada”, mas se abriu “criando” inúmeras cidades-satélites e
núcleos dormitórios da periferia, que ultrapassou os limites do DF, chegando ao Estado de Goiás (PAVIANI, 2010, p. 99).
Assim, a pontualização de Brasília se deu por meio do discurso de preservação do Plano Piloto e do discurso ambientalista (já que o
Lago Paranoá deveria ser preservado da poluição). Desse modo, a população se espalhou pelos arredores do DF, periferizados por mecanismos
de uso da terra e “flexibilidade” do mercado imobiliário. Segundo Paviani (2010), só após a instalação da população, que ocorria sem qualquer
infraestrutura, o Estado vai ao encontro das demandas do setor imobiliário privado, como forma de atender aos clamores dos moradores por
serviços, principalmente, atinentes à infraestrutura.
Nesse sentido, é importante ressaltar que o Governo do Distrito Federal, além de ter a posse da terra urbana, também detém o poder de
alocar terrenos para construção de conjuntos habitacionais. Trata-se de característica da urbanização local. A intervenção do Estado era realizada
por meio da Novacap, com o objetivo de evitar a consolidação das alternativas de moradia, como “ocupações e sublocações”, que foram adotadas
pelos trabalhadores sem ou com menor qualificação. Segundo Campos (2010, p.113), isso

Expressa a lógica do capitalismo monopolista na produção – reprodução do espaço, sob a égide do Estado. Em nome da ordem, respaldado por um
plano urbanístico que entende a cidade como uma realidade funcional [...].

Nesse contexto, lutou-se contra o espontaneísmo e a desordem simbolizada nos acampamentos e ocupações já existentes no canteiro de
obras. Segundo Sousa et al. (1996), grande parte dos acampamentos foram viabilizados pelas construtoras; outros, tiveram caráter espontâneo,
como forma “improvisada” de fixação de migrantes. “Eram alternativas imediatas, sem qualquer planejamento por parte da Novacap, que marcaram
desde o início a presença dos excluídos no projeto da nova capital do país”. Os autores complementam:

A lógica da periferização, presente nas diversas remoções governamentais de favelas e acampamentos, atua também em sentido contrário, elitizando
a parte central do projeto urbano [...], a urbanização do DF adquire um perfil socioespacial segmentado e segregado: de um lado, o chamado ‘espaço
dado’, onde predomina o controle, o assistencialismo e o paternalismo, e de outro o ‘espaço conquistado’, fruto dos movimentos das classes populares
por melhores condições de moradia, infraestrutura e transporte. [...], são a expressão mais evidente das carências básicas às quais ficaram submetidas
dentro da lógica do planejamento versus periferização (SOUSA et al. 1996, p. 58-59).

Nesse contexto, a parcela mais empobrecida da sociedade procurou a periferia mais remota para a sobrevivência de suas famílias. Todavia, nessas
periferias, os problemas são quase sempre relacionados a insuficiências diversas, seja de saúde pública, escolas, seja de falta de ofertas de empregos.
Nesse caso, essas localidades funcionam como dormitórios, onde a dependência em relação a Brasília é evidente. Paviani (2010, p.102) contribui
com a discussão quando afirma

Na medida em que a terra urbana é ocupada [...] vai ficando escassa e cara, expulsando para loteamentos periféricos, cada vez mais distantes, as
populações incapazes de suportar aluguéis que se elevam a todo instante, ou o terreno, que, pelo seu preço, tornasse inacessível ao ocupante pobre. [...]
é cada vez mais frequente o surgimento de favelas em diferentes pontos da cidade, com a segregação das populações pobres para os anéis mais esternos
ou para terrenos insalubres, com fortes declividades’.

É sabido que a segregação espacial e o inacesso social não são privilégios de Brasília, mas cabe ressaltar que esta cidade é um dos modelos
de urbanização do Brasil, em que a população menos abastada é duplamente periferizada2. Em escala nacional, quando o modelo concentrador
de renda é mantido por grandes períodos, faz com que a parcela de destituídos seja crescente. Em escala local, os órgãos do governo viabilizam a
perpetuação da periferização. Isso pode ser comprovado quando se analisa que as demandas advindas da sociedade, quando são atendidas, ocorrem
de forma paternalista.

2 Periferia refere-se a um lugar afastado de algum ponto central, o que quer dizer, que pouco tem a ver com miséria, pobreza ou mazelas. Todavia, o termo ainda é muito utilizado
para fazer alusão à pobreza. Segundo Moura e Ultramari (1996), os afastamentos não são quantificáveis apenas pelas distâncias físicas que há entre o centro e a periferia, mas
revelados, sobretudo, pelas condições sociais de vida que evidenciam nítida desigualdade entre os moradores dessas regiões da cidade. De modo geral, a característica-padrão
das periferias expressa uma baixa densidade de ocupação para as áreas novas e mais distantes. Socialmente, as periferias urbanas são áreas de concentração de moradias de
populações de baixa renda, carentes dos serviços básicos essenciais e que sofrem os efeitos de longos deslocamentos para o trabalho, o consumo e o lazer, o que reforça um ciclo
de pobreza. As áreas periféricas implicam, também, a deterioração progressiva da cidade e da vida urbana como um todo.
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Diante do exposto, pode-se afirmar que Brasília teve a sua organização espacial articulada pelo Estado, principalmente no que se refere à
estruturação residencial, o que viabilizou mercados imobiliários paralelos, sendo um voltado à alta produção (áreas nobres, Plano Piloto) e outro,
da grilagem e da “invasão3” (áreas mais distantes do centro). Nesse sentido, a segregação socioespacial nasceu e cresceu com a cidade, isso porque
os estratos sociais ainda ocupam os espaços de acordo com sua condição de classe, isto é, pouco se alterou ao longo dos diversos períodos históricos
(SOUSA, MACHADO e JACOUB, 1996).

O Distrito Federal e o surgimento da Estrutural


O Distrito Federal é formado pelo Plano Piloto e mais trinta e uma Regiões Administrativas – RAs, entre elas, a Estrutural/ SCIA, que
corresponde à RA XXV, que está a 11,7 km da área tombada de Brasília. A área onde está localizada a Cidade Estrutural fora destinada, na década
de 1950, para ser o aterro sanitário para onde seria levado todo o lixo produzido na cidade Brasília. O espaço em questão começou a ser utilizado
mesmo antes da inauguração da Capital, recebendo inclusive, dejetos da própria construção. O aterro da Estrutural faz limite com o Parque Nacional
de Brasília e o córrego Cabeceira do Valo. Em virtude disso, a localização do referido “lixão” passou a causar preocupações aos ambientalistas e aos
demais estudiosos, principalmente pela toxidade e potenciais danos ao meio ambiente.

Mapa 1: Estrutural para o Plano Piloto.

Fonte: LESSA (2014).

3 O termo “Invasão” é amplamente utilizado no Distrito Federal para designar que determinada área foi ocupada indevidamente. O termo foi popularizado pelas autoridades
governamentais no final da década de 1950 quando referiam à proliferação de favelas (SOUSA, MACHADO e JACOUB, 1996, p.61). Era, inclusive, uma forma de negar o
processo de favelização pelo qual passava o Distrito Federal na ocasião (grifo nosso).
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A Estrutural tem sua origem marcada por questões habitacionais. Como propõe Villaça (1986): milhares de pessoas para habitar neste
planeta precisam pagar por um pedaço de chão. A origem disso está na propriedade privada da terra. A instituição da propriedade privada da
terra permitiu ao capitalismo não só reforçá-la e transformá-la em mercadoria, como atribuir-lhe valor pela localização, como apoio físico e,
principalmente, como capital.
No que tange ao Distrito Federal a questão habitacional é um tanto mais séria do que nas demais unidades da Federação, visto que as “favelas
foram autoproduzidas por trabalhadores que migraram durante os estágios iniciais da construção da cidade, (depois riscadas do mapa por decisão
de governo)” (HOLANDA, 2010, p.19).
Assim como nas demais cidades brasileiras, a pobreza, a segregação socioespacial e as descontinuidades do tecido urbano provocadas, entre
outras coisas, por especulação fundiária que trata a terra como reserva de valor, o que a distancia da proposta original de Lúcio Costa, conforme
afirma Holanda (2010, p. 66):

Lúcio Costa acreditava que a cidade ofereceria guarida à diversidade social, fruto da valorização diferenciada dos imóveis. Propôs, porém, apenas dois
tipos de edilícios residenciais: os apartamentos das superquadras e as ‘casas individuais’ (residências unifamiliares situadas entre os primeiros e o lago).
As casas eram para famílias bem aquinhoadas mesmo. Nos apartamentos, contudo, ele acreditava que a valorização diferenciada mediante acabamento,
densidade, área construída, localização [...] evitariam ‘uma indevida e indesejável estratificação’. Dever-se-ia impedir a ‘enquistação’ de favelas tanto na
periferia urbana quanto na rural.

Numa visão idealizada, a habitação passa a ser considerada como um direito do cidadão, de forma que no século XX é incluída na Declaração
Universal de Direitos Humanos, no artigo 25 (VILLAÇA, 1986). Com o desenvolvimento do capitalismo e dos demais bens necessários para
atender às necessidades humanas, a habitação começa paulatinamente a ganhar forma de mercadoria. Porém, o sistema econômico privado não
consegue oferecer habitação a todos. Assim, a obrigação de oferecer habitação àqueles que não têm condições econômicas para pagar passa a ser do
Estado. Diante disso, mesmo o Estado reconhecendo essa obrigação como sua, ele tenta esquivar-se da incumbência, criando o conceito ideológico
denominado “problema habitacional” (VILLAÇA, 1986).
A Estrutural, por sua vez, surge no contexto em que a urbanização de Brasília se materializava por meio de interações e modificações que
implicaram o reordenamento do Distrito Federal. As pulsações socioeconômicas e as implicações regionais passaram a interferir na espacialização
da cidade. A habitação, considerada como mercadoria, uma vez que está subjugada à lógica da produção, é orientada por critérios de rentabilidade
capitalista, inclusive onde não há produção capitalista de moradias (PAVIANI, 1996).
A espacialidade do capital se realiza concretamente, na territorialização dos processos objetivados pelas práticas sociais (SEABRA, 2009,
p.416). Assim, no caso do Distrito Federal, é fundamental que se compreenda que no período em que a Estrutural surgiu como invasão/ocupação
(década de 1960), as categorias do capital já estavam todas desenvolvidas. Assim, a lógica reprodutiva do capital se instaurou em escala regional,
que se deu por meio da capilaridade, circulação e reprodução da riqueza enquanto capital. No território, por sua vez, a formação e estruturação da
metrópole moderna se estabelecia.
O que ocorreu no Distrito Federal pode ser compreendido com a afirmação de Seabra (2009, 416), embora a mesma não se refira à cidade
de Brasília. Segundo ela, a concentração geográfica de fatores de produção foi articulada por volta de uma cidade prioritária, a partir da qual se
instaura o processo de diferenciação técnica do território, em estreita correlação com a concentração geográfica dos fatores de produção.
Nesse sentido, a proposta de refletir sobre a origem da Estrutural impõe um desafio inicial, mas pode direcionar as análises por um caminho que
não se limita a pensar o novo, mas fazer uma leitura mais ampla da Estrutural no momento atual. Isto porque ela é resultado de uma variedade de
processos e interpretação da realidade urbana, é produto da própria história do Distrito Federal, que se inicia com a construção de Brasília. Como
sugere Sobarzo (2009, p.360):

Pautar o atual apenas com o novo pode simplificar a compreensão da realidade, na medida em que se reconhecem aspectos históricos de um fenômeno
analisado, ou não são consideradas reflexões já realizadas por outros pensadores, em outros tempos, sobre aquilo que está sendo estudado. [...], não se
trata de uma repetição simples da história da cidade ou de um bairro, como uma crônica de fatos cronologicamente organizados, mas da compilação
de uma série de elementos que auxiliem no entendimento da dinâmica atual estudada.

Em virtude disso, não é possível compreender o processo de territorialização da Estrutural fora da dinâmica de construção de Brasília,
inclusive, pelas especificidades locais, principalmente no que se refere à questão relacionada à posse de terras, uma vez que “a disponibilidade do
solo apresenta a particularidade de se encontrar, em grande parte, nas mãos do poder público” (CORDEIRO; KOHLSDORF, 2010, p. 326).
Para tanto, parte-se do pressuposto de que o espaço produzido no território do DF e as correspondentes sociedades – população são partes
de uma totalidade, que aqui, denominamos realidade social. Cordeiro e Kohlsdorf (2010) afirmam que a localização e a qualidade da habitação
dependem do valor de mercado do solo, do sítio físico. Esse valor de mercado está intimamente vinculado às características físicas e fundiárias
do sítio, à quantidade e qualidade do espaço potencialmente produzível e/ou construível nele, à acessibilidade em relação às áreas centrais ou
de equipamentos e serviços da trama urbana e às condições de renda, de demanda efetiva das populações, interdependentes, por sua vez, das
oportunidades de emprego e dos efeitos das formas de distribuição da renda.
Todavia, a ocupação da área que deu origem à Cidade Estrutural deve levar em conta uma série de fatores que qualificam o solo em questão
como inadequado à ocupação urbana/residencial. Para tanto, é necessário que se abra um parêntese. A Cidade Estrutural está localizada em área
insalubre, às margens da DF-095 (Via EPCT, conhecida como Via Estrutural) e ocupa uma área de 154 hectares. Próxima ao lixão do Jóquei Clube
e ao Poliduto da Petrobrás, localizada próximo ao Parque Nacional de Brasília, dentro dos limites para Áreas de Preservação Permanente – APPs
estabelecidas pelo código florestal e tem a sua história marcada por fortes questões socioeconômicas.
O povoamento dessa região teve início com ocupações realizadas por pessoas que trabalhavam no aterro sanitário de Brasília e ficou
conhecido como “lixão da Vila Estrutural”. Iniciou-se na década de 1960, poucos anos após a inauguração de Brasília e logo surgiram os primeiros
barracos de catadores de lixo próximo ao local. Embora tenha sido considerada imprópria para habitação, por se tratar de área de depósito de lixo
e estar perto do Parque Nacional de Brasília, foram feitas várias tentativas de remoção e finalmente a fixação dos moradores ocorreu por meio da
Câmara Legislativa do Distrito Federal – CLDF, com o nome de Cidade Estrutural.
Surgiu como resultado de um processo de “invasão” de área pública, com padrão construtivo provisório e precário. Com baixos padrões
de habitabilidade e com seu crescimento desordenado, formou um cenário caótico que se adensou aos poucos. Como sugerem Moura e Ultramari
(1996, p.13), apesar da ideia dos autores esteja em outro contexto, pode ser utilizada para pensar a origem da Estrutural, como “espaço desarrumado
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AS MIGRAÇÕES INTERNAS, O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO DISTRITO FEDERAL E A FORMAÇÃO DE PERIFERIAS: UM OLHAR SOBRE A CIDADE ESTRUTURAL

e recém-desbravado que configura as periferias, expondo seus habitantes como pioneiros”.


Segundo Ultramari e Moura (1996), essa desorganização aparente e a espontaneidade do traçado das periferias são, na verdade, determinadas
pela lógica do modo de produção e apropriação do espaço urbano. Trata-se da interação de três elementos: o capital, o Estado e a força de trabalho.
O capital determina o custo da terra e impõe a necessária concentração de atividades e mão de obra para seu próprio crescimento. O Estado,
representado pelas ações do poder público, propicia (ou deveria propiciar) serviços e condições básicas para a sobrevivência e a oferta de mão de
obra como forma de garantir o bom desempenho da economia. Por fim, a força de trabalho, que corresponde às pessoas que habitam a periferia,
mesmo em meio às desordens.
Nas áreas urbanas, as demandas, as intervenções e os interesses são mais complexos e, no caso da Estrutural, a complexidade é ainda maior.
Um núcleo urbano que se originou por meio de interesses eleitorais e em área insalubre ainda tem no lixo uma importante fonte de renda para uma
parcela considerável de seus moradores.
O aterro sanitário da Estrutural, considerado o maior da América Latina, agora, depois da construção do Aterro Sanitário em Samambaia4,
só recebe “lixo” da construção civil, mas desde a sua origem, representou uma fonte de contaminação do solo, dos mananciais de água e mesmo das
pessoas que vivem próximas a ele. Entretanto, antes de qualquer coisa, representou uma importante fonte de renda para muitas famílias moradoras
do local. Em 2002, 15% dos 20 mil então moradores da Estrutural sobreviviam da coleta de lixo no local.
Atualmente, após 25 anos de funcionamento com a restrição das atividades no lixão, muitos catadores foram realocados para trabalharem
com a separação de materiais nos galpões de recicláveis, sob a tutela do SLU/DF. O processo de fechamento do lixão da Estrutural foi concluído
no dia 20 de janeiro de 2018. A partir de então, os catadores cadastrados passaram a receber uma quantia mensal de aproximadamente trezentos e
sessenta reais, como uma bolsa fixa. A cooperativa que faz a gestão do processo recebe um adicional de trezentos reais por tonelada de lixo separado
e deve redistribuir o valor entre os catadores.
Todavia, segundo os moradores, o fechamento do aterro interferiu diretamente no comércio local e, principalmente, na renda das famílias.
Alguns catadores afirmam ainda que, o “bag5” utilizado na separação é coletivo; assim, eles não sabem o que produziram ao fim de um dia de
trabalho e nunca sabem o que vão receber pelo trabalho realizado. Como afirmou a Sra. Izaína, pioneira no trabalho de catação no aterro da
Estrutural:

“No lixão, tudo que nóis separava era nosso, nóis vendia e recebia. Hoje, no galpão, nóis (vários catadores) separa tudo no mesmo bag aí, no final do
dia eu não sei o tanto que eu separei, nem o tanto que vou ganhá. Na semana passada, recebi menos de 100,00 por mais de 15 dia de serviço. No aterro,
eu fazia 100,00 brincando. Hoje, nós trabaia mais e ganha menos, e nóis tem que pagá o ônibus e o uniforme. Tá muito ruim, tá ruim demais” (1º de
fevereiro de 2018).

É sabido que o encerramento das atividades do lixão da Estrutural se deu em atendimento à lei nº 12.305/ 2010, que entre outras coisas, tinha
como meta a eliminação e recuperação de lixões, associadas à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e
recicláveis. Entretanto, entre a possibilidade de um trabalho digno e salubre e a possibilidade de melhoria de renda, grande parte dos moradores da
Estrutural está insatisfeito com o fechamento do lixão.

À guisa de conclusão
A organização espacial do Distrito Federal sofreu intensas alterações, resultado da criação de novos núcleos urbanos, da proliferação de
loteamentos irregulares, bem como da disseminação de ocupações de baixa renda. Assim, aos poucos, a cidade polinucleada deu lugar à conurbação
pela ocupação horizontal do solo urbano, decorrente do intenso crescimento populacional, reflexo da imigração acentuada vivenciada pelo Distrito
Federal e pela falta de políticas públicas em providenciar habitação de acordo com uma ocupação do planejada.
A falta de programas habitacionais que contemplassem o crescimento vegetativo e migratório do Distrito Federal levou ao uso urbano das
terras rurais, ao aumento das ocupações de áreas públicas, de preservação e conservação ambientais e à comercialização cada vez mais rápida das
terras em poder de particulares.
Assim, a Estrutural/ SCIA pode ser pensada sob o signo dos fluxos migratórios, dos deslocamentos habitacionais e dos percursos ocupacionais
que se traduzem na escala dos destinos individuais e coletivos da dinâmica das transformações urbanas na Capital da República.
Diante disso, o espaço transformado em território ofereceu aos sujeitos migrantes uma base e uma estabilidade que eles não teriam sem o “lugar”
de morar. Isso fez nascer entre eles, um sentimento de “segurança”, identificação e principalmente, de afeto, um dos componentes essenciais das
identidades, mesmo no contexto do lixo.
Embora o encerramento das atividades do lixão da Estrutural tenha ocorrido em atendimento à lei e tido como meta a eliminação e
recuperação de lixões, associado à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, seu impacto foi
negativo tanto no comércio da Estrutural como na renda das famílias. Os catadores, por sua vez, apesar do trabalho nos galpões de reciclagem,
percebem-se mais empobrecidos e com o poder de compra diminuído.

4 O encerramento das atividades de lixões se deu em conformidade com a Lei nº 12.305/ 2010, que previu o encerramento dos lixões. Art. 15, inciso V – metas para a eliminação
e recuperação de lixões, associadas à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis e Art. 17, inciso V – metas para a eliminação
e recuperação de lixões, associadas à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis.

5 Saco de aniagem grande utilizado na separação do material reciclável.


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AS MIGRAÇÕES INTERNAS, O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO DISTRITO FEDERAL E A FORMAÇÃO DE PERIFERIAS: UM OLHAR SOBRE A CIDADE ESTRUTURAL

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TEMÍZIA CRISTINA LOPES LESSA - FERNANDO LUIZ ARAÚJO SOBRINHO
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VILLAÇA, Flávio. O que todo cidadão precisa saber sobre habitação. São Paulo: Global Editora, 1986.

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TEMÍZIA CRISTINA LOPES LESSA - FERNANDO LUIZ ARAÚJO SOBRINHO
126
PEQUENA NOTA SOBRE OS AUTORES

Sidelmar Alves da Silva Kunz


Doutorando em educação (UnB), sob a orientação do Prof. Dr. Remi Castioni, vinculado à linha de pesquisa Políticas Públicas e Gestão de Educação
(FE-UnB). Mestre em geografia (UnB), especialista em supervisão escolar (Prominas), especialista em ontologia e epistemologia (Unyleya, 2016),
licenciado em geografia (UEG) e graduando em pedagogia (UEG). Membro dos Grupos de Pesquisa GEPAT/FE/UnB, NEPET/FE/UnB, Nepie/
UFG e Financiamento da Educação Básica/UCB. Pesquisador do INEP desde 2009 e Professor desde 2002.

Remi Castioni
Doutor em educação (Unicamp, 2002) e bacharel em ciências econômicas (Universidade de Caxias do Sul, 1991). Atualmente é professor-pesquisador
da Universidade de Brasília, classe Associado, atuando na Faculdade de Educação e membro permanente do Programa de Pós-Graduação em
Educação, na linha de pesquisa em políticas públicas e gestão da educação. É membro também do Programa de Pós-Graduação em Educação -
modalidade profissional. Foi membro do Fórum Nacional de Educação - FNE e do Fórum Distrital de Educação - FDE. É membro do conselho
editorial da Revista Com Censo da SEEDF e do corpo editorial da Editora CulturaTrix. Tem experiência na área de gestão de políticas federativas
e atua principalmente nos temas qualificação profissional, políticas de educação, desenvolvimento regional e ensino médio. Membro do Grupos de
Pesquisa GEPAT/FE/UnB

José Roberto Gonçalves de Rezende Filho


Possui Graduação e Mestrado em Geografia pela Universidade de Brasília. Atualmente é Analista Técnico-Científico no Ministério Público do
Estado de São Paulo. Realizou estágio no Laboratório de Sistemas e Informações Espaciais - LSIE, vinculado ao departamento de Geografia da
Universidade de Brasília. Foi auxiliar de pesquisa no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) com passagem pela Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência (SAE/PR). Prestou consultoria técnica para órgãos públicos, Organizações Não-Governamentais e empresas privadas
como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), The Nature Concervancy (TNC), Kroton Educacional e Agroícone. Trabalhou como Analista de
Geoprocessamento na Dynatest Engenharia prestando serviços para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) e como
Geógrafo na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (SPU/MPDG). Tem experiência na
área de Geografia, com ênfase Geoprocessamento, Cartografia, Sensoriamento Remoto, Georreferenciamento com GNSS e Análises de Séries
Temporais.

Lucas Garcia Magalhães Peres


Possui Graduação e Mestrado em Geografia pela Universidade de Brasília. Realizou estágios no Ministério Público Federal e no ICMBio (Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), onde também foi bolsista de pesquisa pelo programa PROBIO II. Tem interesse em estudos
sobre áreas protegidas e unidades de conservação, dinâmicas ambientais nos Biomas Amazônia e Cerrado, utilização de sensoriamento remoto para
detecção de mudanças de uso e cobertura da terra e aplicação de geotecnologias em análise de paisagem. Tem experiência na área de Geografia, com
ênfase em Geoprocessamento, Sensoriamento Remoto e Análise da Paisagem. É membro do Laboratório de Geografia, Ambiente e Saúde - LAGAS,
vinculado ao departamento de Geografia da Universidade de Brasília.

Giuseppe Piantino Giongo


Possui Graduação em Geografia pela Universidade de Brasília. Atualmente cursa o Mestrado em Geografia na mesma instituição. Realizou estágios
no Laboratório de Sistemas e Informações Espaciais – LSIE, vinculados ao departamento de Geografia da Universidade de Brasília e nos órgãos
governamentais ANA (Agência Nacional de Águas) e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). Tem interesse em
estudos de utilização de sensoriamento remoto para detecção de mudanças de uso e cobertura da terra. Tem experiência na área de Geografia, com
ênfase em Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto.

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Raina Santos Ferreira
Possui Graduação e Mestrado em Geografia pela Universidade de Brasília e Especialização em Geoprocessamento pelo Instituto de Geociências
da Universidade de Brasília. Realizou estágios no Laboratório de Sistemas e Informações Espaciais – LSIE e no Laboratório de Geografia Física -
LAGEF, vinculados ao departamento de Geografia da Universidade de Brasília. Tem interesse em estudos sobre bacias hidrográficas, com ênfase em
morfometria, modelagem hídrica e processos erosivos. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geoprocessamento e Geomorfologia.

Celso Cardoso Gomes


Doutorando do Programa de Pós-graduação em Geografia/UnB (2016), Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFPE (2013),
Especialização no Ensino da Geografia e a Questão Ambiental pela FUNESO/UNESF (2008) e Licenciatura Plena em Geografia pela FFPNM/
UPE (2003). Atualmente é professor da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em
GEOGRAFIA HUMANA, atuando principalmente nos seguintes temas: geografia humana, geografia do turismo, gestão ambiental, desenvolvimento
local, educação ambiental, planejamento, sustentabilidade e turismo. Membro do Grupo de Estudos: Políticas Públicas, Turismo e Sustentabilidade;
membro do Grupo de Pesquisa Turismo e ambiente: análise da produção de espaços turísticos ambos da UFPE e membro do GEO-Redes/UnB.

Fernando Luiz Araújo Sobrinho


Nascido em Mossoró, Rio Grande do Norte e criado em Uberlândia, Minas Gerais. Geógrafo bacharel e licenciado pela Universidade Federal de
Uberlândia, Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília, Doutor em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia.
Professor do Departamento de Geografia, Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília. Atua principalmente nos seguintes temas:
Planejamento Urbano e Regional, Geografia do Turismo, Rede Urbana do Brasil, Geografia Regional, Geografia da População e Ensino de Geografia.

Sidnei Felipe da Silva


Graduado em Geografia (UEPB); com Especialização em Ciências Ambientais (FIP); e Educação Profissional Integrada à Educação Básica na
Modalidade de Jovens e Adultos - PROEJA (UFPB); Mestre em Geografia (UFPB). Professor da rede pública da Educação Básica. Membro dos
grupos de pesquisa GEPeees (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Etnias e Economia Solidária) / UFPB; e GEAF (Grupo de Pesquisa -
Ensino, Aprendizagem e Formação de Professores de Geografia) / UnB. Atualmente é Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia
da Universidade de Brasília (PosGea-UnB).

Luana Nunes Martins de Lima


Doutora em Geografia pela Universidade de Brasília (UnB), com a tese intitulada “Lugar e memória: o patrimônio goiano entre o esquecimento
e a resistência”. Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Especialista em História Cultural e licenciada em Geografia pela
Universidade Federal de Goiás (UFG). Graduada em Turismo pelo Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG). Professora
do curso de Geografia da Universidade Estadual de Goiás (UEG). Membro do Grupo de Estudos sobre Cidades e Patrimonialização (GECIPA)
e do Grupo de Pesquisa do CNPq: Patrimônio, Memória e Território. Desenvolve pesquisas nos seguintes temas: Cidades, patrimônio, memória,
turismo, comunidades tradicionais e manifestações culturais.

Eliana Aparecida Silva Santos Feitosa


Licenciada em Geografia pela Universidade Estadual de Goiás, UEG - Formosa, (2005), Cursou a Pós Graduação em Gestão Ambiental pela
UEG ( 2018). Licenciada em Pedagogia pelo IESA (2016), Mestre em Geografia pela Universidade de Brasília - UnB (2017) tendo como pesquisa
“Identidade e cultura: Estudo Etnogeográfico da Comunidade Tradicional do Moinho em Alto Paraiso/GO”. Atualmente cursando a Especialização
em ensino Interdisciplinar em Infância e Direitos Humanos pela Universidade Federal de Goiás - UFG/ Catalão. Professora assistente da pós
graduação em Metodologia do Ensino de Sociologia para o Ensino Médio (UAB/UNB), onde também é tutora à distância. Professora de Geografia
- SEDF, Brasília - DF. Atualmente é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia pela Universidade de Brasília (PosGea-UnB).

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Marília Luiza Peluso
É graduada e licenciada em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (1962), mestre em Planejamento Urbano e Regional pela
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de Brasília (1983) e doutora em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (1998). Atualmente é professora colaboradora do Departamento de Geografia, da Universidade de Brasília. Tem experiência
na área de Geografia Humana, em Educação e Educação a Distância, com ênfase em Geografia Urbana, Cultural e Regional. Suas áreas de atuação
apresentam como destaque os seguintes temas: urbanização, identidade, representações sociais e meio ambiente.

Sergio Magno Carvalho de Souza


É bacharel e licenciado em Geografia pela Universidade de Brasília (2007), mestre e doutor em Geografia pela Universidade de Brasília (2010 e
2016). Atualmente é Professor do Instituto Federal de Brasília - IFB, Campus Ceilândia. Foi Analista técnico administrativo da Superintendência
do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), onde desempenhou a função de Coordenador de Espaços Prioritários, cargos nos quais a atuação
abrangia a elaboração e gestão de projetos em desenvolvimento regional, bem como o trabalho de articulação em torno de políticas públicas que
atuam neste tema. Tem ainda experiência no Ensino Superior em Geografia, já tendo sido professor do curso de Geografia da Faculdade Projeção.
Atua ainda na área de pesquisa em Geografia, com ênfase em Geografia Regional, Econômica, Urbana e Metropolitana, atuando principalmente
nos seguintes temas: metropolização, centros e subcentros regionais, relação metrópole-região, RIDE-DF, urbanização brasileira, desigualdades
socioespaciais.

Rosinaldo Barbosa da Silva


Técnico em Topografia e Geoprocessamento pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Mato Grosso CEFET-MT, atual Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso IFMT (2008). Licenciado e Bacharel em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso
UFMT (2013). Mestre em Geografia pela UFMT (2015). Doutorando em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (POS-
GEA) / Universidade de Brasília - UNB. Enfoque de pesquisa na área de produção do espaço urbano, rural e regional, nos seguintes temas:
reestruturação produtiva capitalista, reestruturação urbana, participação social. Cartografia geográfica e na área de geotecnologias, nos seguintes
temas: planejamento urbano, Cadastro Técnico Multifinalitário - CTM, cartografia temática e mapeamento participativo.

Lourival Leal de Carvalho Junior


Especialista em Ensino pela Universidade Federal do Piauí – UFPI e Licenciado em Geografia pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI.
Servidor Público Federal da Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região – Brasília. Pesquisador da área de Geografia Urbana, desenvolvendo
estudos relacionados à movimentação pendular para o trabalho.

Temízia Lessa
Pedagoga e Geógrafa pela Universidade Estadual de Montes Claros/Unimontes. Doutoranda e Mestre em Gestão Ambiental e Territorial pelo
Programa de Pós-Graduação do Departamento de Geografia da Universidade de Brasília/UnB. Atualmente é doutoranda do mesmo Programa.
Possui Especialização em Psicopedagogia, Orientação Educacional e Gestão Escolar. Professora de Geografia pela Secretaria de Estado de Educação
do Distrito Federal – SEE/DF. Atua principalmente nos seguintes temas: Geografia Cultural, Geografia da População, Geografia da Percepção,
Migração, Educação e Meio Ambiente.

129
130
Os artigos desta publicação abordam temas de Geografia desenvolvidos por doutores,
mestres, doutorandos e mestrandos do curso de Pós-Graduação do Departamento de
Geografia, da Universidade de Brasília, nos quais se propõe articular teoria e empiria.
A realidade espacial, em suas múltiplas transformações condicionadas pelas relações
sociais, econômicas e culturais, tema da Geografia desde sempre, ocasionou a construção
de conceitos que não são exclusivos da Geografia, mas que nela adquirem fundamentos
teórico-metodológicos específicos.
A questão que se coloca, então, é como desenvolver metodologias, conceitos e
teorizações e, ao mesmo tempo, torna-los empíricos para analisar, compreender e
explicar o mundo real com o qual se defrontam pessoas reais, de carne e osso, com
seus problemas, desejos e expectativas?
É o que acontece nos artigos desta publicação, em que estudos empíricos os mais
diversos mostram o vigor das teorias, conceitos e metodologias geográficas em explicar
e analisar realidades concretas nas muitas regiões brasileiras de interesse dos autores.

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