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Tese de Doutorado
Ficha Catalográfica
215 f. ; 30 cm
CDD:900
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momentos destes quatro anos, tanto nos agradáveis quanto nos difíceis.
Aos meus colegas do departamento de história da PUC-Rio,
especialmente Beatriz Lessa, Lúcia Ricotta e Valdei Araújo. E também aos
pesquisadores do KWI, com destaque para Ulrich Brieler, Friedirch Jäger e Jochen
Johanssen.
A todos os funcionários, professores e pesquisadores do programa de
pós-graduação da PUC-Rio e do KWI, em Essen.
Aos professores Estevão Martins, Fernando Rodrigues, Manoel Salgado
e Ricardo Benzaquen, integrantes da banca examinadora, pela leitura atenta e
respeitosa.
E, claro, aos meus pais Fernando e Maria Cristina e minha irmã Daniela,
pelo apoio e afeto incondicionais.
Resumo
Palavras-Chave
Teoria da História – Historiografia – Historismo - Filosofia da História –
Hermenêutica.
Zusammenfassung
Schlüsselwörter
Historik – Geschichtsphilosophie – Historiographie - Historismus – Hermeneutik.
Sumário
1. Introdução. 10
6. Bibliografia.
5. Conclusão .
201
206
1.
Introdução
atravessa o século, e por isso tanto herda elementos da cultura setecentista como se
insinua no século XX, e é possivelmente esta razão que permite ao estudioso várias
entradas. Temos nossos motivos próprios para estudá-la e acreditamos que tais
motivos podem contribuir de maneiras diversas para que alguns temas canonicamente
estabelecidos possam ser revistos. Antes de apresentá-los, cabe-nos informar o que os
une e torna, na verdade, encaminhamentos para tratar do problema que nos interessa:
o que significa pensar historicamente?
Evidentemente, Droysen tratou de tal questão de maneira explícita, mas sem
aprofundar-lhe as raízes, calcular as conseqüências e ver que respostas podem ser
possíveis. E as possíveis respostas à pergunta pelo significado do pensamento
histórico constituem a própria hipótese central deste trabalho. Pensar historicamente
significa para Droysen se equilibrar em uma dinâmica de resignação, ação e
formação1.
1
Os termos, com exceção de “formação”, são de Walter Schulz, filósofo contemporâneo, que vê a
história como um movimento dialético entre Macht und Ohnmacht, que literalmente seria traduzido
por “poder e fraqueza”. Preferimos manter o jogo de palavras que também consta no original em
alemão. Cf. SCHULZ, W. Philosophie in der veränderten Welt. Pp.601-9.
11
minha vida, de meu país, do mundo em que vivo? “Aonde isso vai parar”? Como
encarar o fim do que consideramos exemplar, o fracasso das apostas que fazemos, ou
mesmo uma conseqüência inesperada (por vezes pessoalmente favorável) a partir de
circunstâncias aparentemente inóspitas? Em Droysen a idéia de teleologia terá um
sabor hegeliano: trata-se sobretudo de esclarecer qual a finalidade do saber histórico,
ou seja, deve-se explicitar seu método, seus limites, funções, normas. É evidente pois
em Droysen o esforço para o estabelecimento de uma autonomia do conhecimento
histórico. A tarefa, se em si não é original, posto que não se pode desconsiderar a
existência de Vico, Herder e tantos outros, tem um elemento bastante interessante, e,
por que não dizê-lo, instigantemente contraditório. Esta autonomia do conhecimento
histórico finca suas raízes no idealismo de Georg W. F. Hegel, e, por isso, relativiza
gravemente a importância dada ao conceito de historismo por imensa parte da
literatura especializada em Droysen e historiografia do século XIX. Como poderá a
história adquirir legitimidade científica se se arrisca a depender de uma
fundamentação filosófica? Trechos generosos da obra de Droysen nos levam a pensar
que sua afinidade com Hegel possuía muito mais pontos de tangência do que ele,
Droysen, poderia admitir e supor. Como dissemos, estes problemas serão tratados no
primeiro capítulo, no qual procuraremos estabelecer uma identidade entre Hegel e
12
2
GADAMER, H.G. Wahrheit und Methode. p.281. In Wahrheit gehört die Geschichte nicht uns,
sondern wir gehören ihr. Lange bevor wir uns in der Rückbesinnung selber verstehen, verstehen wir
uns auf selbsverständliche Weise in der Familie, Gesellschaft und Staat, in denen wir leben.
13
como o presente é este lugar privilegiado, ainda que não absoluto porque justamente
consciente de sua orfandade em relação ao passado e mesmo ao futuro.
Uma terceira resposta para o sentido de pensar historicamente ainda poderia
ser encontrada na obra de Droysen; nela é possível vermos como a Historik é mais do
que um conjunto de regras, normas e métodos, ainda que tal conjunto tenha sido
estabelecido dentro do próprio limite da ciência histórica. Na verdade, quando
limitamos a análise teórica da história neste ponto, simplesmente não saímos do
limite profissional da ciência histórica. Tarefa importante, mas que não dá conta do
que realmente interessa, pois pressupõe que a história existe em si e é possível,
deixando de investigar se ela é necessária, ou seja, se para sair de uma certa
ingenuidade, o homem precisa pensar historicamente. Porque é importante se educar
sobre o passado? É a pergunta que Droysen (se) faz, e para a qual permanecem
silenciosas a hermenêutica e a teleologia. É a pergunta da possibilidade de uma
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cultura histórica, da Bildung. É ela que dá o mote do terceiro capítulo, que deverá
primeiramente examinar justamente o que é o homem culto formado pela história,
sem esquecer que ainda mantemos o pé na questão da resignação e da ação. E é
justamente neste ponto que Droysen ocupa um lugar histórico interessante: se ele
poderá se separar da filosofia do absoluto de Hegel, e, com a hermenêutica, passar à
crítica da pretensão da objetividade, isto não o levará a descartar a possibilidade de
uma cultura histórica, de uma Bildung, crítica que marcará, por exemplo, as
considerações de Friedrich Nietzsche sobre a história. A aposta de Droysen recairá
sobretudo nas potências éticas da vida, e, por isso, ele conseguirá evitar a
concentração das forças históricas no Estado (como fizera Hegel), diluindo-as para
justamente preservar o caráter trágico e conflituoso da história.
Esta discussão é atualíssima. Afinal, trata-se de compreender o caráter do
objeto da história, objeto este que, por ser necessariamente difuso (e só será difuso se
se ampliar para além dos estudos das instituições públicas), não pode se limitar a uma
epistemologia que tenha de antemão definido qual a natureza de seu objeto.
Curiosamente, justamente para cumprir o programa de uma ciência do espírito, na
qual o objeto não está jamais previamente dado na natureza e que pode se
autodeterminar, Droysen precisará se libertar de uma das principais fontes do
15
conhecimento especulativo: Hegel e seu elogio do Estado. Mais do que examinar uma
querela, devemos prestar atenção para o fato de que não há configuração ou forma
histórica que seja capaz de por si encerrar a historicidade, o processo, de uma época
ou de uma sociedade. Como definir pois um objeto, como ancorar-se sem que se caia
em uma indiferença brutal perante tudo que é do mundo, e, por outro lado, sem que se
caia em uma metafísica alérgica à história – descartando Hegel no final do processo
não cairia o pensamento histórico no risco de dar razão a todos os filósofos
(anteriores ao idealismo alemão, diga-se) que negavam a história como estrutura do
mundo e da vida, que viam a verdade como substância e jamais, aprenderíamos
depois com Hegel, como acontecimento, surgimento, processo? Parece que há uma
necessidade, a partir de Droysen, em se manter em um nível empírico incerto e
inseguro, que não se deixará acomodar em um aspecto pontual, em um rincão da
realidade, e que ao mesmo tempo não poderá, caso queira se manter um pensamento
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medida que o intérprete poderia moldar os fatos de acordo com um corte desejado;
não se trata de uma coisa, nem de outra.
O mais desconcertante é que o pensamento histórico de Droysen, ou melhor, a
necessidade nele exigida para que se aprenda a pensar historicamente, por mais que
não se desprenda das demandas do presente em que vive, em momento algum será
reduzida a um programa ideológico definido. De acordo com Thomas Nipperdey3, o
espectro político alemão entre 1815 e 1848, entre a restauração e as revoluções
burguesas, se caracterizaria por três grandes modelos: o liberalismo, o nacionalismo e
o conservadorismo. Por mais que Nipperdey não tenha em momento algum dito que
as fronteiras entre estes tipos sejam intransponíveis, é espantoso ver que Droysen
poderia ser enquadrado em todos os três. Estaríamos frente a uma contradição de
nosso autor ou insuficiência de uma tentativa de análise meramente política e
ideológica do significado do pensamento histórico, seu estabelecimento,
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3
Cf. NIPPERDEY, T. Deutsche Geschichte 1800 – 1866. pp. 286 – 319.
4
À direita do Partido Casino defensor da monarquia constitucional na qual o torno teria forte poder de
veto, e no qual deveria ser estabelecido um equilíbrio entre Estado e indivíduo, estava o Partido Café
Milani, fortemente federalista e eclesiástico, defensor de tradições e do poder do Estado. O
Württemberger Hof seria o partido do liberalismo de esquerda, no qual o trono teria um poder menor
de veto. Ainda mais à esquerda encontravam-se o Deutsche Hof, defensor de amplas igualdades
constitucionais e do princípio da maioria (mas sempre aberto para conceder em pontos essenciais) e o
Donnersberg, instatisfeito com os resultados de 1848 e que pretendia levar adiante o processo iniciado.
Uma boa descrição do processo pode ser encontrada em NIPPERDEY, T. Deutsche Geschichte 1800 –
1866, pp.606-622 e SCHULZE, H.: Der Weg zum Nationalstaat: Die deutsche Nationalbewegung vom
18. Jahrhundert bis zur Reichsgründung.
17
uma função precisa: fala-se em liberdade, mas não em termos hegelianos; o homem,
para Droysen, ainda pode ser meio para si mesmo em uma crise histórica e mesmo
quando suas diferentes dimensões se chocam entre si. Ou seja: a liberdade não se
expressa necessariamente em uma síntese redentora e em um desejo de
asseguramento através da resolução de conflitos. E isto vem mesmo de um burguês,
cuja consciência histórica ultrapassa um simples elogio do progresso, da liberdade e
da linearidade. O terceiro capítulo terá atingido seu objetivo se através de sua leitura
ficar demonstrado que o “homem culto ideal” alemão não mora somente na torre de
marfim, mas que na verdade desce do alto da montanha e percebe em si mesmo, de
modo autocrítico, uma complexidade que geralmente não lhe é atribuída por nomes
relevantes como Friedrich Nietzsche, Ernst Jünger e Georg Lukács. Se é capaz de
pensar em um sujeito da história – e de fato o é – certamente este motor da história
não pode estar calçado em uma vaga idéia de progresso linear. Na verdade, como
veremos em cada capítulo, as características do pensamento histórico estão sempre
marcadas por um elemento trágico, que claramente impõe um limite à pretensão
absolutamente racionalista de tudo conhecer e controlar. A idéia de destino, de
orfandade do presente e ainda mesmo a cisão que o “homem culto” identifica em sua
própria complexidade não permitem que possamos falar em uma síntese redentora.
18
Tal exame só se torna possível caso fique claro como trabalharemos ao longo
da tese. Trata-se sobretudo de um estudo da história dos conceitos, e isto em dois
sentidos. Primeiramente, no sentido pensado por Gunter Scholtz5, que vê na
Begriffsgeschichte a possibilidade atual da antiga filosofia da história. Ou seja: é
quando a história se faz conceito de si mesma, pergunta pelos seus pressupostos, mas
não se colocando fora de si mesma, ou seja, fora de suas circunstâncias. Ela se vê
como objeto temporal de si mesma. Tal perspectiva se aplica não somente ao fato de
se tratar de um estudo de teoria da história, e, portanto, de estarmos envolvidos
sempre com o problema de ter uma “teoria da teoria” que pode ser expressa como
história das idéias, história intelectual, história da cultura e entre outras divisões. De
acordo porém com a definição de Scholtz, lidamos aqui com conceitos que, de
alguma forma, são objetos interessantes sempre que podemos ver neles uma tentativa
produtiva de dar contornos definidos ao mundo e ao conhecimento. Mas aplica-se tal
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método também a todo o corpo da tese, seja no primeiro capítulo, quando tratamos da
idéia da história como ciência, seja no segundo, quando falamos sobretudo da
compreensão como método, ou ainda mesmo do terceiro, quando lidamos com a idéia
de Bildung e homem culto.
Para tratar das questões, espero que pareça a todos claro que escolhemos
como fontes centrais os dois volumes da Historik, de Droysen. Vale dizer que o
segundo ainda não foi publicado (nem mesmo na Alemanha), e por isso a indicação
das páginas nas citações feitas desta obra não necessariamente corresponderão à
paginação do livro de fato. Mas isto somente o leitor do futuro poderá averiguar.
Paralelas aos dois volumes, utilizamos todas as fontes possíveis das obras de Droysen
até 1857, ano da primeira preleção do Historik – não nos interessamos por exemplo
por sua monumental “História da Prússia”, escrita até o final de sua vida. O motivo é
simples: como é nosso interesse ver a necessidade da história, investigação que não
pode dispensar a atividade teórica, julgamos mais interessante ver os passos que
levam um autor a se decidir a escrever uma teoria da história. Não utilizaremos um
método cronológico, no qual traçaríamos ano a ano o avanço de Droysen rumo a uma
5
Cf. SCHOLTZ, Gunter. “Begriffsgeschichte als historische Philosophie und philosophische
Historie”. p.187.
19
teoria acabada e definitiva, e isto por um motivo muito mais filosófico, digamos
assim, do que didático: o que notabiliza Droysen, a nosso ver, é a constante presença
do seu talento teórico e especulativo. A Historik não lhe caiu do céu, não foi obra
inspirada, mas sim pensada por quase três décadas, e prova disto é ver como mesmo
em suas preleções sobre Grécia antiga e Idade moderna estão presentes reflexões
teóricas; em um determinado momento, fez-se todavia necessário expor um método e
um sistema, e é nas entranhas deste que procuraremos as respostas para as perguntas
que acima estão formuladas. Por mais que Jörn Rüsen tenha feito deste método de
abordagem a medula de sua tese de doutoramento, sentimos a falta da percepção de
que tal gênese da Historik se deve ao aludido talento especulativo do historiador
Droysen - possivelmente por este motivo, Droysen foi saudado por nomes do porte de
Hannah Arendt6 e Jacob Burckhardt como um dos grandes nomes da historiografia
oitocentista. Fontes que atestam seus primeiros anos de trabalho, quase todas ligadas
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6
Arendt refere-se a Droysen como “talvez o mais denso dos historiadores do século XIX” (ARENDT,
Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 1992, p.110). Burckhardt, ainda aluno
em Berlin, lamenta em uma carta a Friedrich von Tschudi a mudança de Droysen para Kiel em 1840.
“A perda é ainda mais desastrosa porque ele me recebeu muito bem (…) Não há dúvidas quanto à sua
importância, e em dez anos ele será considerado um dos grandes.” (BURCKHARDT, Jacob. Cartas.
Ed. Alexandre Dru. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003, p.131)
2.
História como resignação: A Teleologia em Droysen
Cada um tem uma idéia vaga do que seja história, escrita da história ou estudo da
história. Nossa própria ciência porém não vai além desta idéia vaga.(…) Quando
perguntada sobre sua legitimidade, sobre seu conhecimento e sobre o fundamento de
1
Como nota Peter Leyh na introdução de sua edição do Historik, o curso seria oferecido ainda outras
17 vezes, até o semestre de inverno 1882/83. Felizmente a freqüência aumentaria, ainda que
levemente, ao longo dos vinte e cinco anos entre a primeira e a última versão do curso.
2
Cf. JAEGER, F. & RÜSEN, J. Geschichte des Historismus. p.58. Jörn Rüsen e Friedrich Jaeger
alertam todavia que, apesar da contribuição teórica de Droysen ser evidentemente destacada, o nome
“Historik”, termo pouco usual na língua alemã, já houvera sido recentemente utilizado por Georg
Gottfried Gervinus, em 1837, em seu opúsculo “Grundzüge der Historik”, obra ainda orientada pela
tradição da escrita da história como retórica.
21
seu procedimento e essência de sua tarefa, a nossa ciência não tem condições de dar
informações suficientes.
Parece ter chegado a hora em que nossos estudos busquem por si mesmos determinar
sua essência, sua tarefa e sua competência.
Eu tentarei lhes apresentar uma disciplina que ainda não existe, que ainda não possui
nome nem lugar no círculo das ciências. Primeiramente precisa ser provado que ela é
possível e que tem legitimidade científica.3
3
DROYSEN, J.G. Historik. ed. Leyh. Pp.3-4. Jeder hat eine ungefähre Vorstellung davon, was
Geschichte und Geschichtsschreibung, was Studium der Geschichte ist. Aber mehr als diese ungefähre
Vorstellung hat bisher auch unsere Wissenschaft nicht (…) wenn man sie [unsere Wissenschaft] nach
ihrer Rechtfertigung, nach ihrem Erkenntnis, wenn man sie nach der Begründung ihres Verfahrens und
nach dem Wesen ihrer Aufgabe fragt, so ist sie nicht in der Lage, genügende Auskunft zu geben. (…)
Da scheint es denn allerdings in der Zeit zu sein, dass unsere Studien selbst ihr Wesen, ihre Aufgabe,
ihre Kompetenz festzustellen suchen.
Ich unternehme es, Ihnen eine Disziplin vorzutragen, die bisher noch nicht existiert, noch keinen
Namen, keine Stelle in dem Kreise der Wissenschaften hat. Es muss zunächst nachgewiesen werden,
dass sie möglich und dass sie wissenschaftlich berechtigt ist.
22
2.1.
O Nó górdio: Historik como ciência filosófica do espírito?
Movimento e unidade são ambos momentos, através dos quais o espírito é espírito,
através deles ele se polariza em direção a uma vivacidade incansável que se
consumiria a si mesma sem a energia da unidade e que se afundaria morta sem o
movimento constantemente ativo e periférico.
Desta duplicidade desenvolvem-se os dois métodos (…) o físico e o especulativo4
procura dar à idéia de origem uma importância decisiva, e o tempo subseqüente seria
apenas o desdobramento desta própria idéia. Assim, “a tarefa dos estudos históricos
consiste em que se aprenda a pensar historicamente”,5 de modo a “despertar o sentido
para a realidade”, e pensar historicamente, para ele, não é exatamente pensar
matematica ou filosoficamente6. O que seria esta realidade, para cujo sentimento a
história educa?
4
DROYSEN. J.G. Historik. Ed.Leyh. p.32. Bewegung und Einheit sind die beiden Momenten, durch
die der Geist Geist ist, durch sie polarisiert er sich zu der rastlosen Lebendigkeit, die sich selbst
verzehren würde ohne die Energie der Einheit, die tot in sich selbst versinken würde ohne die immer
wieder peripherisch wirkende Bewegung.
Aus dieser Doppelheit erwachsen die beide Methoden (…), die physikalische und die spekulative.
5
Ibid, p.5. Die Aufgabe der historischen Studien ist, dass man historisch denken gelernt hat .
6
Vale ressaltar que Droysen já demonstrava notável semelhança com o que Hayden White, mais de
cem anos depois, apontaria em seu Metahistory como a estrutura da consciência histórica, dividida
entre romântica, positivista e idealista. Na verdade, Droysen poderia ser incluído como “idealista”; sua
resistência todavia a Hegel evitará que ele simplesmente se enquadre sem sobras nesta categoria. Sua
recusa pelas explicações românticas e positivistas, refletidas em seu ceticismo para com a objetividade
absoluta ou em princípios orgânicos, mostrará que é mais do que óbvia sua recusa destas duas formas
de consciência. Cf. WHITE, H. Metahistory. p.39.
24
lança aos fenômenos cambiantes convicto de que encontrará, por detrás deles, a
verdade das potências éticas7.8
encontra na esfera do mundo das potências éticas, no qual a cada momento dá-se a
reconciliação (Versöhnung) nesta oposição entre movimento e unidade, sem que em
algum momento esta reconciliação se cristalize e adquira contorno definido.
Se há a necessidade de um método histórico, Droysen admite que há lacunas
ainda não preenchidas, ou ao menos questões cujo encaminhamento poderia ser
diverso. Sua observação de que não se deve resumir a ciência a uma coleção de fatos
adaptáveis a leis, de um lado, ou a uma pura especulação, de outro lado, não é
exatamente inédita no contexto alemão: a bipolaridade das ciências, da qual Droysen
parte para tentar justificar a existência da Historik, também foi identificada por Hegel
cinqüenta anos antes, no prefácio da Fenomenologia do Espírito, e é uma das
alavancas de seu imenso projeto filosófico.
7
A tradução é assumidamente controversa. O termo “sittliche Mächte” poderia ser traduzido como
“potências morais”, mas, conforme poderá ser demonstrado posteriormente, a Sittlichkeit, em Droysen
em momento algum terá cunho moralista e dogmático, ou seja, não se trata de princípios que se
aplicam a qualquer circunstância. Preferimos adotar a solução de Paulo Meneses, a saber, Sittlichkeit
pode ser traduzida por eticidade.
8
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p. 5. Wer historisch denken gelernt hat, der kennt nicht die
philosophische Lieblosigkeit gegen das Einzelne und Besondere, noch die grössere Lieblosigkeit,
überall nut Zahl und Stoff, nur physikalische Kräfte zu sehen; er wendet sich an die wechselnden
Erscheinungen mit der Gewissheit, dass die Wahrheit sittlicher Mächte hinter ihnen sei.
25
Essa oposição parece ser o nó górdio que a cultura científica de nosso tempo se
esforça por desatar, sem ter ainda chegado a um consenso nesse ponto. Uma corrente
insiste na riqueza dos materiais e na inteligibilidade; a outra despreza (…) essa
inteligibilidade e se arroga a racionalidade imediata e a divindade.9
Usualmente debruça-se sobre a história com uma idéia geral e obscura daquilo que se
quer e como se quer. Relega-se ao instinto natural da busca e da descoberta; não se
presta antes atenção aos limites da ciência (…) É necessário estar claramente
consciente como a história trabalha, e por quais caminhos ela procura atingir tais e
tais objetivos. Ela procura no passado dogmas para o presente? (…) Ela quer esgotar
o infinito material empírico, pesquisar e justificar com igual agudeza cada
particularidade? (…) Ao contrário das ciências naturais, a história não tem seus
objetos previamente dados. Seus primeiros materiais já são abstrações, e não a
própria realidade, mas uma acepção subjetiva.10
9
HEGEL, G.W.F., Fenomenologia do Espírito, p.32.
10
DROYSEN, J.G. “Der esrte Abschnitt der Einleitung der Vorlesung über die Neuere Geschichte,
1842/43.” Historik Bd.2. p.93.
26
espírito, ser objeto de si mesmo. Todavia, é bom lembrar que tal natureza subjetiva
não significa uma existência anterior e independente da experiência, ou seja, algo que
exista em estado puro antes do conhecimento daquilo que se pretende conhecer.
Droysen certamente parte da diferença estabelecida por Hegel entre pensar
representativo e pensar especulativo ou conceitual, ou seja: a primeira forma de
pensar pressupõe um sujeito que conhece acidentes e se crê inalterado por este
conhecimento e, como diz Hegel, ao fim e ao cabo ou bem se vê perdido em uma
multidão de determinações carentes de pensamento ou bem se crê superior a todo
conteúdo, achando em cada um apenas o próprio vazio. Na segunda, o que ocorre é a
experiência que a consciência faz de si mesma.
Man geht gewöhnlich an die Geschichte mit einer allgemeinen und dunkeln Vorstellung von dem, was
sie will und wie sie es will; man überläßt sich dem natürlichen Instinkt des Suchens und Findens; man
achtet der Schranken der Wissenschaft nicht früher. Es ist notwendig, klar im Bewußtsein zu haben,
wie die Geschichte arbeitet, auf welchen Wegen sie weiches Ziel zu erreichen sucht (…) Sucht sie in
der Vergangenheit L e h r e n für die Gegenwart? die unendliche E m p i r i e erschöpfen, jedes
Einzelne mit gleicher Schärfe untersuchen und berichtigen? (…)Die Geschichte hat nicht wie die
Naturwissenschaften die Objekte ihres Forschens in steter U n m i t t e l b a r k e i t vor sich; ihre
ersten M a t e r i a l i e n schon sind Abstraktionen, sind nicht die Wirklichkeiten selbst, sondern eine
subjektive Auffassung.
11
Cf. HEGEL, G.W.F. Curso de Estética: O Belo na Arte, p.7
27
A consciência sabe algo: esse objeto é a essência ou o Em-si. Mas é também o Em-si
para a consciência; com isso entra em cena a ambigüidade desse verdadeiro. Vemos
que a consciência tem agora dois objetos: um, o primeiro Em-si; o segundo, o ser-
para-ela desse em si. Esse último parece, de início, apenas a reflexão da consciência
sobre si mesma: uma representação não de um objeto, mas apenas de seu saber do
primeiro objeto. Só que o primeiro objeto se altera ali para a consciência.12
Pode-se dizer que a própria forma do espírito como objeto de si mesmo jamais
é imediata. Logo no prefácio da Fenomenologia do Espírito, pode se ler que a
substância é sujeito, ou melhor, que a verdade é sujeito, e não substância, justamente
porque todo o seu conteúdo é uma reflexão sobre si mesmo. É neste movimento de
pensar a si mesmo em cada determinação de seu conteúdo que a filosofia dispensa o
raciocínio vulgar e as definições habituais, que normalmente cumpre uma identidade
imediata entre saber (representação de algo como alguma outra coisa) e verdade.
É praticamente inevitável perguntar se Droysen realiza o mesmo com a
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12
HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito, p.80.
28
maneira que uma hora tem sessenta minutos, e daí em diante. Dito de outra maneira,
por mais que o conhecimento sensível tente esquadrinhar a realidade, ele jamais
conseguirá alcançá-la em sua totalidade, pois simplesmente está tomando o caminho
errado, posto que este próprio esquadrinhamento, supondo o contato com
singularidades, impede o alcance da totalidade que não se confunde com uma
contagem estatística. Ao condenar a voracidade empírica dos historiadores eruditos,
Droysen parece lhes aplicar uma penalidade orientada por Hegel; afinal, podemos
concluir que, para Droysen, saber por exemplo como eram as instituições e a cultura
de uma determinada sociedade em todos os seus detalhes não implica saber o que é
história, justamente porque em Droysen, como em Hegel, não há tal imediaticidade
entre o saber representacional e a verdade, e, assim, a verdade da história não estaria
na miríade dos detalhes. O objeto da história também não seria o que se altera para a
consciência que se reflete sobre si mesma? E isto não poderia ocorrer na própria
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A nossa ciência tem a ver com materiais de tipo morfológico. Pois é na atribuição de
formas que o espírito encontra sua essência própria; poder-se-ia dizer que, aquilo do
mesmo modo que a corporeidade material vale para a vida orgânica, para o espírito
vale a esfera de suas formas; Estas são as configurações de seu conteúdo autêntico,
nelas ele se torna consciente, e na medida que ele se põe para fora de si, na medida
que ele se objetiva.13
Pode-se entender a partir de tal trecho ainda melhor a afinidade (nem sempre)
eletiva entre Droysen e Hegel, ou seja, verifica-se por vezes sem dificuldade o débito
do historiador em relação ao filósofo quando se percebe que, para Hegel, a
legitimidade de uma ciência filosófica do espírito reside justamente na existência de
seu objeto para além do mundo sensível, logo, sua legitimidade se dá na medida que
tal ciência produz o próprio alimento que a sustenta, o que, claro está, não difere
muito da ambição de Droysen em estruturar a autonomia do pensamento histórico – e
13
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.20. (…) unsere Wissenschaft habe es mit Materialen
morphologischer Art zu tun. Denn in den Formgebungen hat der Geist sein eigenstens Wesen; man
könnte sagen, was dem organischen Leben die stoffliche Körperlichkeit, das ist dem Geist die Sphäre
seiner Formungen. Sie sind die Gestaltungen seines eigensten Inhalts, in ihnen wird er sich bewusst,
indem er sie ausser sich setzt, sie sich so gegenständlich macht.
29
aqui reside o ponto mais importante para caracterizar a Historik. Ela é uma atividade
que indiscutivelmente é o resultado ou a conseqüência das pesquisas anteriormente
feitas por Droysen. Ele em momento algum exibe um programa e o cumpre em obras
ditas empíricas que serviriam de exemplos para o que ele já sabia antes de ler
qualquer documento de época. Seu percurso também é de uma certa experiência da
consciência. Por outro lado, ela é feito nos trilhos da historiografia, e não da filosofia.
O problema aparece timidamente, mas de maneira tal que já não podemos
desconsiderar sua existência: como considerar autônoma uma ciência – no sentido
hegeliano de autonomia científica – se esta ciência não é a filosofia? Como pode ser
possível para Droysen fazer da Historik uma ciência filosófica do espírito se ele quer
dispensar a filosofia como base de seu edifício teórico? Como fazer valer ao longo de
toda a sua obra, teórica e propriamente historiográfica, a sua afirmação cabal de que
“determinar as leis da pesquisa e do saber histórico, e não da história mesma, é a
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tarefa da Historik”,14 que já nos indica algo que por vezes escapa tanto aos
historiadores quanto aos filósofos, ou seja, que a teoria da história jamais poderá ser
um feudo da filosofia da história. A própria evidência histórica de que a filosofia teria
sido incapaz de fundar positivamente a historiografia, deixando-a por um lado livre
para se autodeterminar mas por outro em igual medida livre para exibir sua
inconsistência e negligência teórica, nos faz remeter à urgência da Historik
droyseana.
2.2.
Muito além do Historismo: a história intelectual alemã de Droysen.
14
DROYSEN, J.G. “Kunst und Methode” IN: Historik. Ed. Hübner, p. 424. (…) nicht die Gesetze der
Geschichte, wohl aber die Gesetze des historischen Forschens und Wissens festzustellen, das ist die
Aufgabe der Historik.
30
15
Para ficar em um exemplo desta sua sensibilidade desconfiada para com o discurso em prol das
fragmentação das esferas do saber, Droysen, já em 1828, em um texto sobre Ópera marca a diferença
entre a tragédia antiga, capaz de unir diferentes formas de manifestação artísticas, e a arte dos tempos
modernos. Nos dias atuais, segundo ele, “é um grande progresso, nosso grande privilégio, que cada
arte em particular tenha se formado em torno do máximo de sua perfeição. Mas aí se pôs o perigo do
isolamento das artes, que de fato têm uma origem comum, pois que todas são expressão de uma só
idéia. Isto de fato ocorreu com a poesia e música, estreitamente ligadas, que se desenvolveram e se
separaram lenta e dogmaticamente. Desde que este elo externo se dissolveu, elo que mantinha unidas
todas as artes à igreja e lhes emprestava sentido e utilidade, elas passaram a se diferenciar umas das
outras; escutam-se concertos e vêem-se peças de teatro, mas na maioria das vezes apenas com o intuiro
de passar o tempo. Uma reunião do que se separou desta maneira é, neste caso, impossível.”.
DROYSEN, J.G. “Von der Oper”, 16 e 23.01.1828” IN: Historik. Bd.II, pp.16-7. “Anders gestaltet
sich die Kunst der neuern Zeit; es ist der wichtige Fortschritt, unser großes Vorrecht, daß je Einzelne
die einzelnen Künste ausgebildet haben wiederum zu möglicher Vollendung. Aber es ist damit die
Gefahr einer Vereinzelung der Künste gesetzt, die doch alle nur eines Ursprungs, alle nur derselben
Idee Äußerung sind. So ist es denn namentlich auch geschehen, daß die am engsten
zusammengehörenden Poesie und Musik, sich in sorgloser Einseitigkeit und starrer Sonderung
entwickelt haben. Seitdem gar das äußerliche Band, mit dem diese wie alle Künste die Kirche
zusammenhielt und in Ihrem Dienst ihnen Zweck und Bedeutung setzte, gelöst ist, sind sie ganz
voneinander verschiedene; man hört Konzerte und sieht Schauspiele, beide meist nur um der
Ergötzlichkeit und des Zeitvertreibes willen. Eine Wiedervereinigung der so Geschiedenen und doch
Zusammengehörenden ist da unmöglich”.
31
Droysen vê o passo seguinte sendo assinalado por Fichte. Por um lado, sua
admiração pelo idealista é imensa, afinal, a mesma especulação criticada por Droysen
é aqui mais do que motivo de elogio: Droysen a vê como um marco nacional. Ao
cavar um abismo entre o pensamento e a filosofia popular, que, segundo Droysen,
seduzira até mesmo Kant, Fichte demonstra coragem ao simplesmente se ater a um
mundo de pura espiritualidade e ao postular que “O Eu se põe a si mesmo, sendo este
o primeiro fundamento da doutrina da ciência. De onde se infere que o Eu põe o não-
Eu. Ambos devem estar em contraposição na consciência, sem que a unidade da
consciência seja suprassumida”,18 Fichte estava traçando o perfil da Alemanha às
vésperas de um de seus piores momentos, a saber, as derrotas para Napoleão, que
serviriam posteriormente para que o próprio Fichte pensasse o ressurgimento da
nação, a partir de si mesma. “Com esta inquebrantável força do eu em seu ápice, ele,
o eu, precisa superar a realidade a ser ultrapassada como um limite seu, como um
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limite que ele sabe que está em si mesmo; este é o exemplo para o soerguimento da
Prússia e da Alemanha”.19 Por outro lado, porém, flagramos Droysen repetindo sem
maiores elaborações a crítica de Hegel ao idealismo e à consciência pura:
Na medida que o Eu não subsiste subjetivamente sem seu oposto, ainda persiste a
infinita cisão entre sujeito e objeto, e esta cisão é imanente a este eu mesmo; assim há
aí um dever, um dever de superar esta cisão, e com isto se exige uma ação que não
pode se realizar, pois com a suprassunção do não-eu seria suprassumida
conjuntamente a mediação do eu existente, e assim a condição de sua própria
existência.20
18
Ibid., p.123 Das Ich setzt sich selbst, ist der erste Grundsatz der Wissenschaftslehre. Daran schließt
sich sofort: Das Ich setzt das Nicht-Ich. Beide sollen sich im Bewußtsein entgegengesetzt sein, ohne
daß damit die Einheit des Bewußtseins aufgehoben wird.
19
Ibid., p.125. Gerade er mit dieser unzerstörbaren Gewalt des Ich in seiner höchsten Spitze, des Ich,
das jene zu überwindende Wirklichkeiten als s e i n e Schrank., als Schranke in ihm selber weiß und in
sich überwinden muß, das ist das Vorbild zu der Erhebung Preußens und Deutschlands.
20
DROYSEN, J.G. “Über die deutsche Geistesgeschichte von Kant bis auf Schleiermacher (aus den
Vorlesungen über "Deutsche Kulturgeschichte vom Anfang des 18. Jahrhunderts" 1841/42)” IN:
Historik. Bd.II. p.124. Indem das Ich als subjektiv ohne seinen Gegensatz nicht bestehen kann, so ist
immer noch der unendliche Zwiespalt zwischen Subjekt und Objekt vorhanden, und dieser Zwiespalt
ist immanent in dieses Ich selbst verlegt; sodann ist ein Sollen da, diesen Zwiespalt zu überwinden,
und damit ein Akt gefordert, der sich nicht realisieren kann, weil mit der Aufhebung des Nicht-Ich die
Vermittlung des existierenden Ich, mithin die Bedingung seiner eigenen Existenz aufgehoben werden
würde.
33
Não se atém a qualquer forma, ela se dilui em música e sons, em alusões, na mística
– O indivíduo com sua região pessoal de sua alma não pode mais abranger o universo
desta vida em fermentação; em cada ponto do real e dos entes é então imaginada uma
vida infinita, e a alma embebida tem sede de mergulhar na vida universal, e agarrar-
se a si mesma neste misticismo panteístico.21
Mesmo Schlegel, por mais que segundo Droysen não compartilhe do princípio
de sede insaciável de uma estabilidade absolutamente utópica (sem lugar) de Novalis
e Jean-Paul, também será um romântico que, através da ironia que se ironiza, chega à
conclusão de que não há nada de estável. O balanço final no romantismo é a
dissolução de todo conteúdo e simultaneamente uma abertura sem precedentes da
dimensão sensível. É a sede que jamais se deixará saciar no mundo, mas nem por isso
dele se afasta. Quer abraçá-lo, mas a cada forma que ilusoriamente se mostra parcial,
jamais absoluta, ou continua o caminho ou se desilude. Todavia, o conteúdo perde
qualquer sentido – donde se conclui que neste ponto, Droysen atribui imenso mérito
21
Ibid., p.128. Sie behält keine Form mehr, sie verschwimmt in Musik und in Klängen, in Ahnung, in
Mystik. - Der einzelne mit dem persönlichen Bereich seines Gemütes kann nicht mehr dies All dieses
neuen gärenden Lebens umfassen; an jedem Punkte des Wirklichen und Seieinden ist nun unendliches
Leben geahnt, und die trunkene Seele dürstet, in dies Alleben zu versinken, und sich in dieser
pantheistischen Mystik selbst zu ergreifen.
34
22
A própria visão de Droysen está historicamente correta. De fato, o romantismo prenuncia o dito
período “científico”, tendo sido entendido ao longo do século XIX como mero antecedente. Somente
depois da Segunda grande guerra mundial, mais especificamente com a obra de I. Strohschneider-
Kohrs (Die romantische Ironie und Gestaltung, 1960), retoma-se a linha de reavaliação do romântico
começada por Walter Benjamin em seu Der Begriff der Kunstkritik in der deutshcen Romantik, de
1919. Assim, passa-se a ver o romantismo em seu solo próprio, e não só como mero prercursor.
23
DROYSEN, J.G. “Über die deutsche Geistesgeschichte von Kant bis auf Schleiermacher (aus den
Vorlesungen über "Deutsche Kulturgeschichte vom Anfang des 18. Jahrhunderts" 1841/42)” IN:
Historik. Bd.II. p.130 Die Romantik ist die Vorläuferin der wissenschaftlichen Periode Deutschlands.
24
DROYSEN, J.G. “Über die deutsche Geistesgeschichte von Kant bis auf Schleiermacher (aus den
Vorlesungen über "Deutsche Kulturgeschichte vom Anfang des 18. Jahrhunderts" 1841/42)” IN:
Historik. Bd.II., p.132. (…) die Tätigkeiten der Natur sind dieselben wie die des Geistes, des Denkens,
das ursprüngliche Sein, welches subjektiv betrachtet schöpferische Tätigkeit ist, ist objektiv betrachtet
Bewegung, d. h. R a u m bestimmt durch Z e i t . Expansion und Kontraktion sind die Faktoren des
Seins in seiner ersten Gestalt, der Materie; ohne die negative subjektivierende Kraft des Seins, die Zeit,
würde das All ins unendlich Leere zerfließen, ohne die objektivierende positive Kraft des Seins, dem
Raum, würde das All zu einem mathematischen Punkt zusammen-schrumpfen.
35
25
Ibid., p.133. Alles starre vereinzelte Material des Wissens ward flüssig, hatte die Voraussetzung,
lebendigen Inhalt und Bewegung zu haben; jedes Wissen ließ sich betrachten als Segment aus diesem
Alleben des absoluten Geistes.
26
Ibid., p.135. (…) das eben ist das Wesen des Katholizismus, daß das Subjekt seine geistliche Freiheit
nicht in ihm selber hat, sondern in einem Allgemeinen, in dem es nur subsumiert ist, von dem es nicht
ein integrierendes Organ ist.
36
próprio percurso das diferentes formas que a obra de Droysen assumiu ao longo de
sua produção até a primeira preleção da Historik em 1857. Ou por outra: tentamos
identificar como a teoria da história é necessária para Droysen como uma substância
que reflete sobre si a cada instante, mesmo que este instante não seja explicitamente
teórico. Vale dizer que Jörn Rüsen percebeu a lenta fermentação dos elementos
teóricos da obra de Droysen já em seus primeiríssimos trabalhos sobre Grécia antiga,
mesmo em suas traduções das obras de Ésquilo. Simplesmente por uma preferência
no corte temático e estrutura da composição de sua tese de doutorado, Rüsen não
estabelece um diálogo de Droysen com a tradição do pensamento alemão, referindo-
se naturalmente apenas àquelas influências imediatas de Droysen, como Hegel,
Wilhelm von Humboldt e August Boeckh. Dito de outra maneira: se Rüsen28
explicitamente trata da importância do estudo do helenismo e da centralidade da
revisão da idéia de decadência, se aponta a presença central de uma teleologia e de
uma teologia no pensamento teórico de Droysen, falta a comparação explícita com o
27
Não vemos qualquer necessidade de considerar a filosofia da história de Herder, cujos contrastes
com Droysen são tão evidentes que seria simplesmente vão demonstrar que o pietismo de Herder,
fortemente baseado em um sentimento de subjetividade expressiva, e seu organicismo, seriam
princípios descartados por Droysen mesmo em outros autores.
28
Estamos nos referindo sobretudo à tese de doutorado de Jörn Rüsen (Begriffene Geschichte) escrita
em uma época que ainda não havia sido publicada a edição da Historik, por Peter Leyh, edição na
nossa visão definitiva.
37
o seguinte: se já não eram mais possíveis Goethe e Schiller (sem que tal
impossibilidade os tornasse inatuais), por outro lado a especialização ainda não
redundara em uma indiferença entre as disciplinas: as preocupações de Droysen com
a linguagem narrativa, com a hermenêutica, e, claro, com a filosofia da história e a
idéia de Bildung exibem uma gama de temas que deve ser quase obrigatoriamente
observada quando se trata de Droysen, o que já podemos perceber de modo muito
bem sistematizado na tese de doutoramento de Friedrich Jäger29, que percebeu
repartidas em três níveis – científico, hermenêutico e ético – as questões concernentes
a Droysen. Todavia, percebemos em Jäger uma certa obsessão pelo historismo.
Aproveitamos então para reafirmarmos que, sem uma necessária análise do sentido da
contingência em Droysen a partir de Hegel (que Jäger não analisa), ficará manca a
percepção do que possa ser a narrativa (produção de sentido que relata
contingências), a hermenêutica (diálogo com um passado que se perde e
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29
JÄGER, F. Bürgerliche Modernisierungskrise und historische Sinnbildung. pp. 17-19. O trabalho de
Jäger todavia não se dedica exclusivamente a Droysen, mas à análise da mudança do conceito de
história e do sentido de história em geral a partir das reações e obras de Droysen, Jacob Burckhardt e
Max Weber às crises da sociedade burguesa na Europa. Por uma questão de recorte temático,
possivelmente foi inevitável a lacuna na obra de Jäger, de resto exemplar.
39
Nós recusamos tudo que é sistemático; não temos pretensão de apresentar qualquer
tipo de ‘idéias da história mundial’, mas nos satisfaremos com observações e cortes
paralelos através da história; (…) não apresentaremos qualquer filosofia da história.
Esta é um centauro, uma contractio in adjecto; pois a história, ou seja, o coordenar, é
a negação da filosofia, e a filosofia, o subordinar, é a negação da história.30
determinada unidade histórica. Por mais que Burckhardt não tematize sequer o
possível desconforto de teorizar desprezando a filosofia ou de sequer colocar a
questão de como estabelecer um contexto descartando o postulado de um sentido total
e superior – dúvidas que poderemos encontrar em Droysen - tal passagem é um
emblema de todo o pensamento de historiadores sobre a história do século XIX no
espaço germanófono. E isto por um motivo: tal pensamento tem Hegel com alvo. Por
outro lado, podemos encontrar em um filósofo contemporâneo como Walter Schulz
afirmação oposta. Se nas palavras de Burckhardt um autor como Hegel é pintado
como o inimigo da visão histórica, para Schulz, por outro lado, Hegel é essencial para
o historismo como forma de pensamento:
30
BURCKHARDT, J. Weltgeschichtliche Betrachtgungen, p.4. Wir verzichten auf alles
Systematische; wir machen keinen Anspruch auf ‘weltgeschichtliche Ideen’, sondern begnügen uns
mit Wahrnehmungen und geben Querdurchschnitte durch die Geschichte, und zwar in möglichst vielen
Richtungen; wir geben vor allem keine Geschichtsphilosophie.
Diese ist ein Kentaur, eine contradictio in adjecto; denn Geschichte, d.h., das Koordinieren, ist
Nichtphilosophie, und Philosophie, d.h, das Subordinieren, ist Nichtgeschichte.
40
apresenta que mesmo a reflexão sobre a coisa mais simples mostra que não há ente
fixo, mas sim uma determinação mútua de sujeito e objeto: lá está o objeto e aqui
estou eu, o dito ponto de partida sujeito-objeto precisa ser essencialmente negado em
todas as regiões do conhecimento.31
Hegel seria para Schulz um historista na medida que o saber, mesmo quando
se quer meramente representacional, na verdade pode ser especulativo, ou seja, na
mais tosca representação já se pode encontrar como fundamento um caminho
especulativo, em que a representação é sempre a “minha” sobre um determinado
objeto, e a determinidade deste mesmo objeto é decisiva para a propriedade desta
mesma representação. Instaurada a necessidade especulativa, abrir-se-ia para Schulz a
possibilidade do historismo, ou seja, da reflexão sobre a própria situação em que se
está envolvido. É neste sentido que Hegel também pode aparecer como historista, a
despeito dos manuais. E complementamos com a pergunta, na verdade um desafio:
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31
SCHULZ, W. Philosophie in der veränderten Welt. Pp.498-9. Hegels Genialität ist es nun – das ist
das Entscheidende -, die Geschichte nicht einfach aufzuwerten, indem er ihre anthropologische
Wichtigkeit betont, sondern den traditionellen Wirklichkeitsbegriff so grundsätzlich ad aburdum zu
führen, dass die Geschichte als Grundcharakter des Wirklichen überhaupt erscheint. Nur weil und
insofern dies tut, kann und muss er als der eigentliche Inaugurator des Historismus gelten. Hegel legt
dar, dass bereits die Reflexion auf das einfache Erkennen zeigt, dass es kein fixes Sein gibt, sondern
dass Subjekt und Objekt sich wechselseitig bestimmen. Die Vorstellung: dort steht das Objekt und hier
stehe ich, der sogannante Subjekt-Objekt-Standopunkt, muss durchgängig auf allen Gebieten des
wesentlichen Erkennens negiert werden.
41
32
MEINECKE, F. “Johann Gustav Droysen: Sein Briefwechsel und seine Geschichtsschreibung”
(1929/1930). IN: Schaffender Spiegel: Studien zur deutschen Geschichtsschreibung und
Geschichtsauffasung. O artigo de Meinecke, entre outros méritos, possui o de mostrar a importância de
Droysen em autores do século XX, como Georg Simmel e Ernst Troeltsch (p.194). Além deste, foi
capaz de salientar, e nisto permanece inédito até nossos dias, a importância da religiosidade de
Droysen na articulação entre fé e conhecimento, geralmente deixada de lado pelos analistas. Em nosso
estudo, esta sugetsão será levada adiante a partir da nossa constante alusão, no segundo capítulo, à
fundamentação religiosa (ao menos no uso constante de um vocabulário francamente religioso) da
hermenêutica de Droysen. Ainda está para ser feito um estudo sobre a importância do protestantismo,
especificamente o luterano, no processo de formação das ciências históricas na Alemanha em fins do
século XVIII e início do século XIX.
42
uma língua. No caso do termo historismo, porém, termo cujo próprio percurso é
estranho, antes marcado pelo abuso de historiadores desejosos de demarcar seu
próprio terreno e por um certo sadismo (por vezes justificado) de filósofos que
condenam a ingenuidade teórica dos historiadores, cremos que é necessário ter um
pouco mais de cuidado. A polissemia torna-se neste caso apenas a expressão de
diferentes valores que cada qual inscreve em um cheque deixado em branco, e, pior,
quase sempre sem fundos, ou seja, sem evidência concreta, sem passagens sobre o
dito historismo que possamos encontrar e confrontar em Ranke, Droysen e
Burckhardt. Parece o termo de uma crise, ou seja: o diagnóstico de uma patologia;
sintoma, ao invés de essência. Vejamos os casos de Georg Iggers e Jörn Rüsen. Aí,
estamos tratando de duas interpretações que dão ao historismo um outro colorido,
uma base mais sólida, pois lidam com o percurso da tradição iluminista na Alemanha,
e, por isso, desejam ambos entender se o surgimento do nacional-socialismo, em sua
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33
Cf. RÜSEN, J. Begriffene Geschichte. p. 8–10.
34
KOHLSTRUNK, I. Logik und Historie in Droysens Geschichtstheorie. p.23. Die Frage nach dem
Verhältnis von idealistischer Philosophie und professionell betriebener Geschichte soll jetzt unter
anderem Aspekt wieder aufgegriffen werden. Zunächst ist auffällig, dass Geschichtswissenschaft, ist
sie ernsthaft an der Ausbildung ihres Selbstverständnisses interessiert, bei der Suche nach
Abgrenzungskriterien zum Zwecke der Emazipation von der Philosophie auf Philosophie weider
rückverwiesen wird. Geschichte, sobald sie reflexiv ist, ist mit dem Dilemma konfrontiert, dass sie
zwangläufig zur Philosophie der Geschichte expandiert.
44
apostarão em conceitos que tentam lidar com a consciência histórica nas ciências do
espírito a partir de concepções mais fenomenológicas, por assim dizer.
E por que é decisiva a comparação com Hegel, ao menos com a sua filosofia
da história? Primeiramente, como falamos, ambos partilhavam de uma mesma
concepção idealista de ciência do espírito, de um saber em si e para si capaz de
produzir seu próprio elemento e dele viver. A suspeita desta identidade, dissemos,
vem da própria insegurança sentida por Droysen, uma segurança alimentada por uma
sensibilidade extremamente hegeliana. Poderíamos dizer de Droysen o que Jean
Hyppolite afirma sobre Hegel, ou para ser mais preciso, sobre o projeto de uma
Fenomenologia do Espírito:
Não resta dúvida hoje em dia de que este pensamento foi influenciado pela
experiência histórica, pelo desafio de uma cultura cujo desenvolvimento não é
harmônico ou espontâneo (…) mas sim equivocado, um desenvolvimento que se
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35
HYPPOLITE, J. “Anmerkungen zur Vorrede des Phänomenologie des Geistes und zum Thema: das
Absolute ist Subjekt”. IN: FULDA, H. & HENRICH, D. Materialen zu Hegels Phänomenologie des
Geistes. Pp. 50-1.
45
empresta para a teleologia na história, uma vez que ambos autores vêem na história
uma teodicéia.
2.3.
A filosofia da história de Hegel: Brilho e miséria da vontade.
36
HEGEL, G.W.F. Die Vernunft in der Geschichte, p.31. Auch der gewöhnliche und mittelmässige
Geschichtsschreiber, der etwa meint und vorgibt, er verhalte sich nur aufnehmend, nur dem Gegebenen
sich hingebend, ist nicht passiv mit seinem Denken; er bringt seine Kategorien mit und sieht durch sie
das Vorhandene. Das Wahrhafte liegt nicht auf der sinnlichen Oberfläche; bei allem insbesondere, was
wissenschaftlich sein soll, darf die Vernunft nicht schlafen und muss Nachdenken angewendt werden.
Wer die Welt vernünfitg ansieht, den sieht sie auch vernünftig an; beides ist in Wechselbestimmung.
46
pensamento hegeliano sobre o assunto, e sempre quando menciona Hegel, ele o faz
através de termos gerais, raramente se referindo a uma obra específica, seja para
criticar, seja para elogiar. A passagem acima, porém, cabe muito bem o pensamento
de Droysen, que acreditamos jamais ter dispensado os termos básicos da filosofia da
história de Hegel. A Historik, afinal, também parte da premissa de que liberdade e
necessidade não são opostos excludentes. O problema parecia recair pois na dimensão
ética, que, segundo Droysen, “seria a verdadeira filosofia da história.”37 Mas não nos
antecipemos.
Droysen não abandona a idéia de uma filosofia da história, e possivelmente
acredita que ela precisa ser deslocada para um outro foco. Um foco que pudesse
evitar uma visão totalizante que tirava o sentido de toda e qualquer pesquisa empírica:
em uma preleção em 1843/44 Droysen dirá que “a ausência de pensamento que há em
toda empiria não é menos irritante do que a nebulosidade da construção
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especulativa.”38 Em momento algum do registro que chegou até nós desta preleção,
manifestar-se-ia Droysen de maneira mais contundente contra o que diz ser a
presunção da filosofia em querer que todo o mundo do pensamento lhe pertença. A
questão todavia é saber a que tipo de filosofia se refere Droysen – estaria ele tratando
de Hegel? Desconfiamos que, ao menos nesta crítica à “especulação nebulosa”, não
seja o caso. Pensemos rapidamente no capítulo V da Fenomenologia do Espírito, em
que Hegel critica a consciência pura do idealismo (mais precisamente, o idealismo de
Fichte) e sua pretensão da razão imediata:
Seu primeiro enunciar [da consciência pura] é somente esta abstrata palavra vazia de
que ‘tudo é seu’. Com efeito, a certeza de ser toda a realidade é só a categoria pura.
Essa primeira razão, que se conhece no objeto, encontra expressão no idealismo
vazio que só apreende a razão como inicialmente é – e por indicar em todo o ser esse
Eu puro da consciência, e enunciar as coisas como sensações ou representações,
acredita ter mostrado esse eu puro como realidade acabada. [Tal idealismo] tem de
ser ao mesmo tempo um empirismo absoluto, porque para o enchimento desse Eu
vazio, quer dizer, para a diferença e para a totalidade do desenvolvimento e da
37
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.55. Die Ethik wäre die rechte Philosophie der Geschichte.
38
DROYSEN, J.G. “Der erste Abschnitt der Einleitung der Vorlesungen über Alte Geschichte,
1843/44” p. 67. IN: Historik. Bd.II. Die Gedankenlosigkeit der bloßen Empirie ist nicht ärger als die
Nebelhaftigkeit der spekulativen Konstruktion.
47
A irritação de Droysen com relação à pura especulação não deveria ser menor
em Hegel. O “Eu puro” a que alude Hegel é o mesmo a que se refere Droysen quando
ataca frontalmente uma filosofia da história que ignora voluntariamente a empiria. O
idealismo seria, para Hegel, o momento em que a razão deixa de abolir sua
consciência como consciência do mundo, ou seja, sai da atitude negativa, de
conservação de si perante o mundo, sendo livre às custas do mundo (ceticismo) e
sendo consciente de sua nulidade, e passa a se ver como a própria efetividade do
mundo. O fundamental é que, neste caminho, o Eu se torne objeto de si mesmo
através do desvanecer progressivo e processual através do qual cada ser outro deixa
de ser algo em si. O problema segundo Hegel estaria justamente no esquecimento
deste caminho, que faria com que a consciência asseverasse pura e simplesmente que
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é toda a verdade – para quem não percorreu o caminho, asseverar permanecerá puro
dogmatismo, algo incompreensível, uma especulação nebulosa. Hegel vai no ponto
fraco: como se julgar uma necessidade imediata se ele não é capaz de se mostrar a si
mesma? Portanto, se Droysen fala de especulação nebulosa, Hegel também o falara
no próprio percurso da experiência da consciência. E o maior perigo da afirmação de
ser toda a realidade, por parte da consciência, reside justamente em retirar de tal
modo todo o significado da dimensão empírica que, sem ser incomodada pela
consciência – por considerá-la falsa e errada, jamais parte do sistema – será
aproveitada por outras ciências, gerando fragmentação no mundo científico. Assim, o
que possivelmente irrita Droysen não é tanto a convivência da especulação nebulosa
com a voracidade empírica e erudita, mas sobretudo o fato de ambas coexistirem.
Uma é a causa da outra, e a formação hegeliana de Droysen parece indicar que a
conta há de ser cobrada juntamente à filosofia especulativa.
Permanece intacta a questão: Onde estaria a diferença entre ambos? Se a
Historik é a elaboração metodológica e sistemática da sensibilidade para o contigente,
já começaríamos a sentir algum vestígio de ruptura com Hegel? Lembremos que o
39
HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito, p. 177
48
filósofo diria que “a observação filosófica não tem outra intenção, a não ser a de se
livrar do contigente. Contingência é o mesmo que necessidade superficial que
retrocede até causas, e que, por sua vez, são somente condições superficiais.”40 É um
indício de que a aposta de Droysen no potencial de sentido da contingência era muito
mais forte do que a feita por Hegel. Todavia, seria um equívoco ignorar a sutileza da
filosofia da Hegel, afirmando, como quem diminui o obstáculo para se mostrar um
bom saltador, que ao pretender se livrar das contingências, a sua filosofia descarta
todo e qualquer perspectiva, visão finita, ao pretender o absoluto: “A perspectiva da
história mundial filosófica não é uma dentre muitas perspectivas em geral que é posta
como abstração, de modo que descarte as demais. Seu princípio espiritual é a
totalidade de todas as perspectivas.”41 Este é, para Hegel, o significado de um pensar
que depende da variedade da experiência histórica e, que claramente estabelece uma
diferença entre o sentido da existência de perspectivas e (a ausência de) sentido da
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40
HEGEL, G.W.F. Die Vernunft in der Geschichte, p.29 Die philosophische Betrachtungen hat keine
andere Absicht, als das Zufällige zu entfernen. Zufällige ist dasselbe wie äusserliche Notwendigkeit,
die auf Ursachen zurückgeht, die selbst nur äusserlichen Umständen sind.
41
Ibid., p.32. Der Gesichtspunkt der philosophischen Weltgeschichte ist also nicht einer von vielen
allgemein Gesichstpunkten, abstrakt heruasgehoben, so dass von den anderen abgeehen würde. Ihr
geistiges Prinzip ist die Totalität aller Gesichtspunkte.
42
HEGEL, G.W.F. Die Vernunft in der Geschichte. p.35, Von dem Edelsten uns Schönsten, für das
wir uns interessieren, reisst uns die Geschichte los; die Leidenschaften haben es zugrunde gerichtet; es
ist vergänglich. Alles scheint zu vergehen, nichts zu bleiben.
49
percebe que para Hegel não pode haver confusão entre absoluto e exemplaridade,
absoluto e beleza, ou, se preferirmos, entre plenitude e normas exemplares. Ora,
justamente por mesmo o mais belo e o mais nobre, ao decaírem, suscitarem sim a
melancolia e o luto, mas não se confundirem com o todo – afinal, terá ao menos
sobrado a consciência do melancólico, a experiência do luto em si, que já depende
natural e logicamente de que algo sobreviveu ao que no início parecem ser ruínas - o
espírito, diz Hegel, se rejuvenesce, elabora a si mesmo, e, assim, acaba tornando
obrigatória a pergunta, transformando a razão na terceira categoria da história
filosófica, depois da experiência da mudança e do rejuvenescimento: “qual o fim de
todas estas particularidades? (…) é necessário que haja um ponto final por detrás de
todos estes sacrifícios de conteúdos espirituais”43 Estas três etapas constituem três
categorias que formam o nascimento da história filosófica, a saber, a alteração (luto),
o rejuvenescimento (consciência que se dá conta do próprio enlutamento a ponto de
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saber distinguir entre absoluto e a grandeza de algo finito) e, por fim, a razão
(justamente a pergunta pelo fim de todas as singularidades). A última é a pergunta da
filosofia da história.
A trilha seguida por Hegel não é exatamente nova, e este ponto final buscado,
a “obra silenciosa” por detrás de todo o barulho superficial é, como fora não muito
tempo antes em Johann Gottfried Herder, por exemplo, a Providência. Mas jamais
encontraremos em Hegel a timidez de Herder, autor cujo pensamento sobre a história
estava fortemente baseado em uma idéia por vezes pouco explícita da teologia
negativa44. A razão, para Hegel, ficaria ao contrário do que encontramos na tradição
pietista capitaneada por Herder livre da acusação de soberba por querer desvendar o
plano da providência. Na verdade, segundo ele, ao se desprender das particularidades,
por mais belas e nobres que sejam, e ver como elas são apesar de sua excelência
momentos da Providência, se está sendo humilde, pois “a verdadeira humildade
43
Ibid., p.36 (…)was ist das Ende aller dieser Einzelheiten? (…) Diese ungeheuren Aufopferung
geistigen Inhalts muss ein Endzweck zugrunde liegen.
44
Para este aspecto da importância da teologia negativa em Herder, ver o seguinte trabalho: Marcia
BUNGE. “Human Language of the Divine: Herder on Ways of Speaking about God” in MUELLER-
VOLLMER, K. (org.) Herder Today. Berlin; New York: de Gruyter, 1990
50
Embora ainda seja um pouco cedo para que tratemos com mais vagar o
problema da hermenêutica, já se introduziu o problema da mediação. O debate de
45
HEGEL, G.W.F. Die Vernunft in der Geschichte, p.42. Vielmehr aber muss man sagen, dass die
wahrhafte Demut gerade darin besteht, Gott in allem zu erkennen, ihm in allem die Ehre zu geben und
vornehmlich auf dem Theater der Weltgeschichte.
46
Ibid., p.45 In der christlichen Religion hat sich Gott offenbart, d.h., er hat den Menschen zu
erkennen gegeben, was er ist, so dass er nicht mehr ein Verschlossenes, Geheimes sei.
47
HEGEL, G.W.F. Die Vernunft in der Geschichte. p.45. Wenn man auf diese Weise den göttlichen
Inhalt – die Offenbarung Gottes, das Verhältnis des Menschen zu Gott, das Sein Gottes für den
Menschen -, auf das blosse Gefühl reduziert, so beschränkt man es auf den Standpunkt der besonderen
Subjektivität, der Willkür, des Beliebens. (…) Wenn nur die unbestimmte Weise des Gefühls da ist
und kein Wissen von Gott und von seinem Inhalt, so ist nichts übrig als mein Belieben; das Endliche
ist das Geltende und Herrschende
51
Hegel com autores como Herder e Schleiermacher é aqui evidente. Vale lembrar a
leitura oferecida por Hans-Georg Gadamer sobre a história da própria hermenêutica,
ou seja, a ênfase no sentimento, ou antes, na possibilidade de partilhar o pathos do
objeto ou texto do passado ao qual se dedica o retiraria justamente de sua dimensão
compreensiva, e isto teria um duplo efeito negativo: primeiramente, o próprio
intérprete, embebido deste sentimento, não se distancia minimamente de si mesmo
para reconhecer o próprio sentimento que o move, e assim o próprio reconhecimento
de seus pressupostos fica comprometido, e, com ele, a consciência de sua própria
historicidade. Em segundo lugar, e em decorrência do primeiro, a simples ênfase na
sim-patia, da comunhão do pathos, implica uma mera reconstrução da obra ou objeto
em questão em que não está sequer envolvida a primeira categoria da história
filosófica, a saber, o luto causado pela mudança e sua conseqüente possibilidade,
diríamos mesmo necessidade, de saber diferenciar entre o absoluto e o grandioso.
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Ambos efeitos alertam para algo análogo ao dito sobre a empiria: se, assim como os
fatos empíricos, o sentimento for deixado à solta e não incluído no sistema, ele será
tratado exclusivamente de modo “psicológico”, ou como uma vulgar expressão dos
próprios sentimentos, sendo com isso retirada da sensibilidade qualquer possibilidade
de fornecer uma porta de entrada ao saber.
Evidenciada a impossibilidade de acesso imediato, a razão que deve alçar ao
plano divino da providência é o lugar em que a mediação se realiza. Não será um
momento imediato que, segundo a razão, poderá dar sentido à história, mas sim será o
espírito que assumirá a forma final:
48
HEGEL, G.W.F. Die Vernunft in der Geschichte, p.54. Bewusstsein hat der Geist nur, insofern er
Selbstbewusstsein ist; d.h., ich weiss von einem Gegenstand nur, sofern ich darin auch von mir selbst
weiss, meine Bestimmung darin weiss, dass das, was ich bin, auch für mich Gegenstand ist (…) Ich
weiss von meinem Gegenstande, und ich weiss von mir; beides ist nicht zu trennen.
52
apresentar problemas interessantes. Ora, quando Hegel afirma que não se separa o
saber do objeto do saber-de-si como objeto, ainda que em Hegel em última instância
o si do objeto não seja jamais contingente, fica difícil imaginar que Droysen não
pudesse partir de semelhante pressuposto. Afinal, toda a sua crítica aos historiadores
objetivistas estaria baseada justamente em uma crítica à existência de objetos em si,
que poderiam ser descobertos por qualquer historiador que usasse um método correto,
universalmente válido. Para Droysen, a contingência seria mais do que mero fato
porque é um momento em que o fato de conhecer altera o próprio objeto e o próprio
sujeito. Mais uma vez nos perguntamos porque Droysen não levaria tal pressuposto a
uma concepção de história filosófica, ou seja, determinado pelo absoluto, em que a
contingência é vista como um fator a ser eliminado, ainda que, em Hegel, o absoluto
não possa jamais ser confundido com um conjunto de normas imutáveis; na verdade,
ele é a liberdade que se manifesta na auto-produção que o espírito faz de si.
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49
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.10. Das Vergangene ist vergangen, soweit es nich so
verrinerlicht und damit gegenwärtig geblieben ist. Jede Gegenwart schwindet uns sofort, vergeht; nach
unserer endlichen Art haben wir nur den flüchtigen Moment, aber ihn auch mit allem, was in ihm noch
da ist, mit allen Überbleibseln vergangener Gegenwarten, mit allen Verinnerlichungen. Und mehr als
diesen Moment, als nur dies Hier und Jetzt zu haben, können wir menschlicherweise nicht anders, als
diese ideellen Vergangenheiten, diese Errinnerungen beleben, und in ihnen das, was war,
vergegenwärtigen; der endliche Geist, und nur er, hat die Fähigkeit, errinnernd und hoffend dem
flüchtigen Augenblick eine Weite zu geben, die ein Abbild der Ewigkeit Gottes ist (…)
53
estabelecia.
A teia fiada por Hegel é sutil: afinal, se o homem passa a ter consciência do
fundamento divino da história, isto não lhe embotaria a vontade? Ou seja, ao se
perguntar “qual o fim de todas as particularidades”, apresenta-se então problema do
compasso entre razão e vontade, entre o tapete e o fio que o elabora. Deslocado o
sentido para a razão, não seria a vontade absurda? Este é o problema central de
sua filosofia da história.
Para tratar da questão, poderíamos pensar que certas interpretações da
filosofia da história hegeliana são apressadas justamente por ficarem em etapas do
caminho descrito pelo filósofo, cumprindo-o parcialmente ao não se deter com mais
cuidado em algumas etapas pensadas por Hegel. Uma vez considerada este
descompasso entre razão e vontade, Hegel se pergunta como o espírito se realiza na
história, através de que meios e que materiais.
Para percorrer este caminho de investigação de meios e materiais de
realização do espírito na história, o espírito precisa antes ser visto em suas
determinações. A primeira é abstrata, ou seja, é quando o espírito sabe de si como
objeto, ou por outra, tem a própria consciência como objeto e sabe desta situação. Isto
constitui sua liberdade, ao contrário da matéria, cuja liberdade está em um outro. Para
54
50
HEGEL, G.W.F. Die Vernunft in der Geschichte. p.56. Ich erhalte mich und suche, den Mangel
aufzuheben. Der Gegenstand, worauf der Trieb geht, ist der Gegenstand meiner Befriedigung, der
Wiederherstellung meiner Einheit.
51
Ibid., p.57. Hierin liegt der Selbständigkeit des Menschen; was ihn determiniert, weiss er.
55
Ele nasce dentro do conjunto de determinações históricas de seu povo, sua língua,
sua religião, seu Estado, etc.; e somente através disto ele assimila todo este conjunto,
para si, sem sabê-lo, de elementos infinitos e anteriores a ele, e internalizando-os e
misturando-os à própria essência para que, assim, possa separá-los imediatamente,
tendo assim uma vida que seja mais do animal, uma vida que passe a ser humana. Ele
não é a partir de seu nascimento, ele só é como possibilidade, pois, na verdade, ele
precisa tornar-se. Ele precisa tornar-se homem para ser homem, e ele é somente
homem na medida que souber mais e mais como se tornar homem.52
52
DROYSEN, J.G. Historik. p.14. Er wird hineingeboren in die ganze historische Gegebenheit seines
Volkes, seiner Sprache, seiner Religion, seines Staates usw.; und erst dadurch, dass er das so
Vorgefundene, Unendliches lernend, ohne es selbst zu wissen, in sich nimmt, und verinnerlicht, es so
mit seinem eigensten Wesen verschmiltz, dass er damit, wie leiblich mit seinen Organnen und
Gliedern, unmittelbar schaltet, erst dadurch hat er ein mehr als tierisches, menschliches Leben. Er ist
nicht durch seine Geburt schon in dem Hier und Jetzt, er ist es nur erst die Möglichkeit nach, er muss
es auch in der Tat und Wahrheit werden. Er muss erst ein Mensch werden, um ein Mensch zu sein, und
nur in dem Mass ist er es, als er zu werden und immer mehr zu werden weiss.
53
DROYSEN, J.G. Historik. p.23. Man könnte sich wohl denken, dass das Tier die Summe der
Sensationen, die es empfängt, nach einem fertigen Typus aufnimmt und reflektiert.
54
Ibidem. (…) die typsiche Grundform seiner Erscheinung ist damit näher bestimmt, dass sein Wesen
noch nicht ist (…) wo er Mensch zu sein beginnt, unvollkommen, und richtiger, in der Gefahr, seine
Bestimmung zu verfehlen, von seinem Wesen zu verirren. Die Selbsterzeugung seines Wesens ist seine
Bestimmung und seine Arbeit.
56
55
HEGEL, G.W.F. Die Vernunft in der Geschichte. p.59. Das Bewusstsein des Geistes muss sich in
der Welt gestalten; das Material dieser Realisierung ist nicht anders als das allgemeine Bewusstsein,
das Bewusstsein eines Volkes.
57
repouso, mas sim o reconhecimento de que não há outra essência da vida humana do
que o movimento. O crescimento, ou, se preferirmos, o aperfeiçoamento quantitativo,
se encontra nos seres orgânicos, em cujo desenvolvimento as alterações são externas.
Todavia, o princípio orgânico e natural de nascimento, desenvolvimento, decadência
e morte se mantém o tempo todo, não havendo pois nos seres orgânicos qualquer
diferença entre o seu conceito e seu tempo de realização, e “o que o espírito quer é
alcançar o seu próprio conceito; mas ele se esconde no mesmo, e se orgulha desta
alienação de si mesmo, gozando-a plenamente.”56
Esta passagem é fundamental: o espírito, a cada momento de individuação em
diferentes espíritos-dos-povos, não “sabe” da Providência como elemento motriz,
ainda que na experiência do luto a razão se instaure em detrimento da vontade. Até
chegar a ser consciência absoluta de si, a Providência é uma força latente, interna,
não-consciente – natural, nos termos do próprio Hegel, um impulso que se confunde
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56
HEGEL, G.W.F. Die Vernunft in der Geschichte. p.151. Was der Geist will, ist, seinen eignen
Begriff erreichen; aber er selbst versteckt sich denselben, ist stolz und voll Genuss in dieser
Entfremdung seiner selbst.
58
tragédia formulada já em sua juventude, ligação que acena ao menos para uma
possibilidade de superação da tragédia como “microcosmo da história”. Em seu texto
sobre o espírito do cristianismo, Hegel dirá:
O destino é a própria lei que eu instaurei na ação, em seu efeito retroativo sobre mim;
a penalidade é somente a conseqüência de uma outra lei – a conseqüência necessária
de um acontecimento não pode ser suprassumida, afinal, a ação precisaria deixar de
ter acontecido. (…) O destino, em oposição, ou seja, a lei que se volta, pode ser
suprassumido; pois uma lei que eu instaurei, uma cisão, que eu mesmo fiz, posso
também aniquilar. (…) A penalidade é a consciência de um poder externo, do poder
de um inimigo. (…) O destino é a consciência de si mesmo (não da ação), de si
mesmo como um todo, a consciência do todo objetivada, refletida; como este todo é
algo vivo que se violentou, então ele pode retornar à sua vida, pode retornar ao amor;
a sua consciência poderá se tornar novamente fé em si mesmo, e a visão de si torna-
se diferente, e o destino encontra a reconciliação57
57
HEGEL, G.W.F. Werke. Bd. I. pp. 305-6. Schicksal ist das Gesetz selbst, das ich in der Handlung
(…) aufgestellt habe, in seiner Rückwirkung auf mich; die Strafe ist nur die Folge eines anderen
Gesetzes – die notwendige Folge eines Geschehenen kann nicht aufgehoben werden, die Handlung
müsste ungeschehen gemacht werden. (…) Das Schicksal hingegen, d.h., das rückwirkende Gesetz
selbst, kann aufgehoben werden; denn ein Gesetz, das ich selbst aufgestellt habe, eine Trennung, die
ich selbst gemacht habe, kann ich auch vernichten. Da Handlung und Rückwirkung nicht einseitig
aufgehoben werden kann. Die Straffe ist das Bewusstsein einer fremden Macht, eines Feindseligen.
(…) Das Schicksal ist das Bewusstsein seiner selbst (nicht der Handlung), seiner selbst als eines
Ganzen, die Bewusstsein des Ganzen refletktiert, objetkiviert; da dies Ganze ein Lebendiges ist, das
sich verletzt hat, so kann es wieder zu seinem Leben, zu der Liebe zurückkehren; sein Bewusstsein
wird wieder Glaube an sich selbst, und die Anschauung seiner selbst ist eine andere geworden, und das
Schicksal ist versöhnt.
58
HEGEL, G.W.F. Die Vernunft in der Geschichte. p.48. “Nossa observação é assim uma teodicéia,
uma justificativa de Deus, que Leibniz, a seu modo, ensaiou através de categorias indeterminadas,
abstratas: o mal no mundo como tal, o maléfico compreendido juntamente no mundo, o pensamento do
espírito sendo reconciliado como negativo; e é na história mundial que a grande massa do mal concreto
se nos apresenta aos olhos.” Unsere Betrachtung ist insofern eine Theodizee, eine Rechtfertigung
Gottes, welche Leibniz metaphysisch auf seine Weise in noch abstrakten, unbestimmten Kategorien
versucht hat: das Übel in der Welt überhaupt, das Böse mit inbegriffen, sollte begriffen, der denkende
Geist mit dem Negativen versöhnt werden; und es ist in der Weltgeschichte, dass die ganze Masse des
konkreten Übels uns vor die Augen gelegt wird.
59
59
Ibid., p.150. In der Tat ist die Perfektibilität beinahe etwas so Bestimmungsloses als die
Veränderlichkeit überhaupt; sie ist ohne Zweck und Ziel: das Bessere, das Vollkomenere, worauf sie
gehen soll, ist ein ganz Unbestimmtes.
60
mais sobre algo do que este algo mesmo, por simplesmente ter vindo depois, mas é
uma questão hermenêutica. Será que somente se fiando completamente ao que uma
época ou um texto diz literalmente podemos compreendê-lo? Não seria a diferença e
a cisão fatores produtivos e capazes de emprestar e dar sentido ao que considerava
pleno? E para admitir que o sentido de algo não está dado plenamente naquilo que
simplesmente se apresenta como tal (ou seja, a manifestação explícita de intenções),
não seria necessário admitir como decisiva a idéia de destino, ou seja, de que há algo
que atribui sentido, mas cuja representação imediata se me escapa? Da mesma forma
que dizemos que a idéia de eticidade deve no momento apenas se insinuar, agora
deixemos como lembrete o elemento hermenêutico do pensamento de Hegel. Ambos
serão motivos de discussão mais aprofundada em momentos posteriores.
Hegel parte do princípio de que a consciência deste caráter trágico, do destino,
é a sua própria superação. Ela subsume a vontade ao destino, ou melhor: a vontade
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60
HEGEL, G.W.F. Die Vernunft in der Geschichte. p.65. Der gebildete Mensch ist der, der allem
seinem Tun den Stempel der Allgemeinheit aufzudrücken weiss, der seine Partikularität aufegegeben
hat, der nach allgemeinen Grundsätze handelt.
61
deste povo ou desta época, da mesma forma que um saber nunca é somente um saber
pragmático, utilitário, que tem uma função e nada mais. Neste sentido, é necessário
sair de si para se chegar ao verdadeiro “si”. E por este motivo, a vontade é a ação cujo
sentido se mostrará posteriormente. Sem ela, não há hermenêutica, ou seja, não
haverá quebra da evidência de um sentido que julgávamos irredutível pela própria
vontade, e, sem essa quebra, não há necessidade de interpretação posterior, e essa
posteridade inevitável guarda em si também a idéia de destino.
Consideramos indispensável tratar de destino, justamente por localizarmos na
importância do conceito de necessidade um motivo de grande resistência – e leituras
apressadas, portanto – em relação à filosofia hegeliana da história. Preferimos desde o
início entender aqui a necessidade como sinônimo de destino, conceito que fora
61
Ibid, p.66. Der gebildete Mensch kennt an den Gegenständen die verschiedenen Seiten; sie sind für
ihn vorhanden, seine gebildete Reflexion hat ihn die Form der Allgemeinheit gegeben.
62
Há extrema dificuldade em se adotar somente uma raiz para traduzir a palavra Bildung. Podemos
usá-la como cultura, mas também como forma. Bildung, em si, quer dizer formação. Quando falamos
do homem culto (gebildeter Mensch), ou homem bem-formado, estamos tratando de um homem
elaborado, e que vê no próprio mundo um grande processo de lenta elaboração e trabalho. E
acreditamos neste sentido que por vezes traduzir Bildung como formação, ao invés de cultura, poderá
transmitir com mais clareza uma idéia quase plástica (Bildende Kunst, vale dizer, é a arte plástica) de
formação, ao invés de cultura, que por vezes pressupõe somente a soma disponível de bens culturais já
realizados.
62
definido por um Hegel trinta anos mais jovem do que o professor responsável pelas
preleções sobre a filosofia da história. Todavia, o termo pode ajudar a compreender o
que Hegel fala sobre o objetivo de uma visão filosófica da história mundial - e neste
sentido “filosófica” e “mundial” formam um pleonasmo, o ‘mundial’ é a tradução no
mundo dos acontecimentos do que no mundo da ciência entende-se como o
‘filosófico’. A visão filosófica/mundial da história Hegel chama de a apresentação do
divino (Darstellung des Göttlichen):
63
HEGEL. G.W.F. Die Vernunft in der Geschichte. p.74. Das Ziel der Weltgeschichte ist also, dass der
Geist zum Wissen dessen gelange, was es wahrhaft ist, und dies Wissen gegenständlich mache, es zu
einer vorhandenen Welt verwirkliche, sich als objektiv hervorbringe. Der Geist ist nicht ein Naturding
wie das Tier; das ist, wie es ist, unmittelbar. Der Geist ist dies, dass er sich hervorbringt, sich zu dem
macht, was er ist.
63
determinado e finito. No interesse, diz Hegel, se mostra a ação individual que tece o
universal, e, melhor, na qual já se faz presente o universal: “É a luta do ser humano
contra o destino; mas nós compreendemos a necessidade não como uma fatalidade
externa, mas sim como a idéia divina, e é o caso de se perguntar: como se reúnem tal
idéia superior com a liberdade humana?”64 E ainda complementaríamos: como
entender em Hegel tal centralidade da paixão quando ele mesmo, em sua concepção
de ciência, não daria ao sentimento imediato um lugar apenas parcial no processo em
que a consciência vem a se tornar objeto-de-si mesma? Não seria por exemplo o
sentimento “místico”, por ele condenado, um caso de paixão, e, assim, o principal
meio de realização do espírito na história? Ficamos pois com o problema, que por ora
apenas indicamos.
Lembrando que paixão para Hegel é o lado subjetivo e formal da energia do
querer e da atividade, podemos dizer que em vários momentos podemos ler que para
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64
HEGEL. G.W.F. Die Vernunft in der Geschichte. p.83. Es ist der Kampf des Menschen gegen das
Geschick; aber wir nehmen die Notwendigkeit nicht als die äussere des Schicksals, sondern als die der
göttlichen Idee, und es fragt sich, wie ist diese hohe Idee mit der menschlichen Freiheit zu vereinen?
64
65
Cf. HEGEL, G.W.F. Curso de Estética: O Belo nas Artes, pp. 85-7.
66
HEGEL, G.W.F. Die Vernunf in der Geschichte. p.88. (…) aber es wird noch ein Ferneres damit
zustande gebracht, das auch innerlich darin liegt, aber das nicht in ihrem Bewusstsein und ihrer
Absicht lag.
65
67
Ibid., p.97. Sie [os heróis] nehmen ihre Zwecke nicht aus dem ruhigen, eingeordneten System, dem
geheiligten Lauf der Dinge. Ihre Berechtigung liegt nicht in dem vorhandenen Zustande, sondern es ist
eine andere Quelle, aus der sie schöpfen. Es ist der verborgene Geist, der an die Gegenwart pocht.
66
digamos, a vontade divina. O mais importante é ver que Hegel todavia encontra uma
forma para o objeto da história, e, dando-lhe este contorno, de alguma maneira
privilegia a teodicéia em detrimento do trágico, dissolvendo-o em uma configuração
da apresentação do divino. Devemos sobretudo ressaltar o seguinte: o Estado é o
lugar em que desaparece a oposição entre liberdade e necessidade. Terá o Estado em
Droysen a mesma função? O desenvolvimento desta questão será elaborado no último
capítulo.
Voltando ao filósofo: em sua apresentação da Grécia em sua filosofia da
história, encontramos em alguns momentos um lugar apropriado para demonstrar tais
questões, a saber, quando ele irá mostrar as determinações do espírito grego
(subjetivo, objetivo e político), verificar-lhes as contradições e ver como tais
contradições geram a figura trágica. E somente chegando à figura trágica poderíamos
entender uma possível idéia de destino que não se identificasse plenamente com a
68
HEGEL, G.W.F. Die Vernunft in der Geschichte, p.115. So ist der Staat der näher Gegenstand der
Weltgeschichte überhaupt, worin die Freiheit ihre Objektivität erhält und in dem Genusse dieser
Objektivität lebt. Denn das Gesetz ist die Objektivität des Geistes und der Wille in seiner Wahrheit;
und nur der Wille, der dem Gesetze gehorcht, ist frei: denn er gehorcht sich selbst und ist bei sich
selbst und also frei. Indem der Staat, das Vaterland, eine Gemeinsamkeit des Daseins ausmacht, indem
sich der subjektive Wille des Menschen den Gesetzen unterwirft, verschwindet der Gegensatz von
Freiheit und Notwendigkeit
67
2.4.
Resignação: o significado do fim do paganismo em Hegel.
justamente, ao contrário do canto dos pássaros, haverá de ser um canto com conteúdo
e forma, um canto objetivo. Esta é a passagem para a obra de arte objetiva, ou seja, os
deuses. Os deuses gregos, segundo Hegel, não são livres, em si mesmos, mas são
sempre sensíveis, limitados à forma dada objetivamente pelo homem. A natureza,
apontaria Hegel, não é a substância da mitologia grega, mas sua manifestação, e a luta
entre deuses mostram que a natureza não é o lugar em que os conflitos podem ser
apaziguados. Todavia, a ambigüidade permanece, pois, se são manifestações, também
não são alegorias e símbolos.
O problema da forma de apresentação do divino encontra aqui um momento
decisivo. Hegel sabe perfeitamente que o problema não se origina no cristianismo, ou
seja, podemos encontrar nos gregos, e de maneira decisiva, a manifestação divina
objetiva. Se por um lado os gregos e os cristãos partilham da aparição do divino como
aparição do espírito para os sentidos do homem, por outro lado, as aparições mesmas
69
HEGEL, G.W.F. Werke Bd.12. p..293. Diese Bestimmung ist die Mitte zwischen der Selbstlosgkeit
des Menschen (…) und der unendlichen Subjektivität als reiner Gewissheit ihrer selbst, dem
Gedanken, dass das Ich der Boden für alles sei, was gelten soll. Der grieschiche Geist als Mitte geht
von der Natur aus und verkehrt sie zum Gesetzsein seiner aus sich.
70
Ibid., pp.293-4. Die Tätigkeit des Geistes hat hier noch nicht an ihm selbst das Material und das
Organ der Äusserung, sondern sie bedarf der natürlichen Anregung und des natürlichen Stoffes. (…)
Der grieschiche Geist ist der plastische Künstler, welcher den Stein zum Kunstwerke bildet.
69
A lei está dada de acordo com seu conteúdo como lei da liberdade e de maneira
racional, e vale porque é lei, de acordo com sua imediaticidade. Assim como na
beleza o elemento natural está dado no próprio elemento sensível, em tal eticidade
estão dadas as leis de acordo com sua necessidade natural.72
71
HEGEL, G.W.F. Werke Bd.12, p.305. Der erscheinende Gott ist hier gestorben, ist als sich
auhfebend gesetzt; erst als gestorben ist Christus sitzend an der Rechten Gottes dargestellt. Der
grieschiche Gott ist dagegen für die Hellenen in der Erscheinung perennierend, nur im Marmor, im
Metall oder Holz, oder in der Vorstellung als Bild der Phantasie.
72
Ibid, p.308. Das Gesetz ist da, seinem Inhalte nach als Gesetz der Freiheit und vernünfitg, und es
gilt, weil es Gesetz ist, nach seiner Unmittelbarkeit. Wie in der Schönheit noch das Naturelement, im
Sinnlichen derselben, vorhanden ist, so auch in dieser Sittlichkeit die Gesetze in der Weise der
Naturnotwendigkeit.
70
73
HEGEL, G.W.F. Werke Bd.12. Pp. 326-7. Das Denken erscheint hier als Prinzip des Verderbens,
und zwar des Verdebens der Sittlichkeit (…) Denn die konkrete Lebendigkeit bei den Griechen ist
Sittlichkeit, Leben für die Religion, den Staat, ohne weiteres Nachdenken, ohne allgemeine
Bestimmungen, die sich sogliech von der konkreten Gestaltung entfernen und sich ihr gegenüberstellen
müssen.
71
o destino que pode se tornar consciente. Uma outra instância, diversa, será a vontade
de Deus. Entre estes dois níveis da vontade se abre o abismo de sua filosofia da
história e sobretudo o seu papel como filósofo que a interpreta. Lemos em Hegel que
A História mundial em seus fins é o que devemos observar; este fim é o que é objeto
de vontade no mundo. De Deus sabemos que é o que há de mais perfeito; ele pode
somente querer a si mesmo e o que lhe é igual. Deus e a natureza de sua vontade são
uma coisa só; isto chamamos filosoficamente de idéia.75
Repetimos pois que há dois níveis: o que cada povo, ou melhor, cada espírito
do povo quer, e o que nele se expressa como vontade de Deus que ainda não se
revelou como tal. Mesmo o sentido da teodicéia não se dá desde o seu princípio e
também ele é submetido a um destino próprio e, por isso, trágico, e, desta forma, a
consideração de aspectos da história antes do advento do cristianismo não fica
74
HEGEL, G.W.F. Die Vernunft in der Geschichte, p.180. Dies Fortgehen, dieser Stufengang scheint
ein Prozess in die Unendlichkeit zu sein gemäss der Vorstellung der Perfektibilität, ein Progress, der
ewig dem Ziele fern bleibt.
75
Ibid., p.52. Die Weltgeschichte nach ihrem Endzwecke haben wir zu betrachten; dieser Endzweck
ist das, was in der Welt gewollt wird. Von Gott wissen wir, dass er das Vollkommenste ist; er kann
also nur sich selbst wollen und was ihm gleich ist. Gott und die Natur seines Willens ist einerlei; diese
nennen wir philosophisch die Idee
72
para ocupar o lugar por ele mesmo ambicionado dentro do trajeto que a idéia de
história percorre no pensamento alemão desde final do século XVIII.
2.5.
Resignação: o significado do fim do paganismo em Droysen
resolve de maneira imediata, através de uma solução arbitrária e exterior, ele procura,
em uma “vida cheia de som e fúria”, encontrar a harmonia que a organiza. Assim,
escrever história não era uma tarefa que poderia dispensar uma idéia de história que a
informasse, ainda que nem sempre tenha sido sistematizada detalhadamente. Na
verdade, parece-nos que o transcorrer dos eventos, desde que trágico, é justamente
este desenvolvimento que naturalmente chegaria a um determinado ponto; ou seja,
por si mesmos eles teriam um tal termo. A idéia de necessidade como destino,
conforme formulada por Hegel em seu texto sobre o cristianismo, também está aqui
presente.
Todavia, o que deve ser sempre ressaltado é que os objetos a partir dos quais
Droysen compôs livros e cursos não eram indiferentes ao pensamento e concepções
do próprio autor. Desta forma, certamente o estudo da antigüidade oferecia uma série
de questões que poderiam desmontar certos lugares-comuns. Se, por exemplo, os
historiadores em geral buscavam estudar a história antiga para conhecer as origens da
humanidade, ou parâmetros e modelos a serem copiados, este certamente não era o
76
DROYSEN, J.G. Des Aischylos Werke, p.167. Es wäre ganz wider die Aischylesche Weise, auf
etwas ausserhalb des dramatischen Zusammenhanges Liegendes hinzuweisen, und einen Faden
anzuknüpfen, im ihn fallen zu lassen.
74
Mesmo no estudo dos mitos, nos quais Droysen poderia encontrar um lugar ideal para
que pudesse se encontrar um padrão de unidade entre forma e conteúdo, sentido e
ação, podemos ver como o descarte da concepção simbólica dos mitos o possibilita a
ver que o homem, desde sempre, é histórico, e, por isso, não pode ele, tal como
Droysen aponta em Ésquilo, procurar conhecer uma estrutura para além da história
para procurar o seu sentido.
Suas considerações sobre os mitos, neste sentido, podem ser bastante
elucidativas, e acabam trazendo mais elementos para a discussão para o sentido da
contingência: - se o estudo das civilizações antigas não se justifica pela sua primazia
cronológica, ou por outra, por serem elas guardiãs de uma essência humana
supostamente pura é de se pensar o que ainda é possível ver, por exemplo, no mito
dionisíaco. Sobre o tema, Droysen escreve em 1836:
Aí [no mito dionisíaco] o mito surge como um fato no qual seu sentido geral se
incorpora, e de modo tal, que este sentido só é visível neste fato, não podendo ser
apresentado por si mesmo, separadamente; interpretar o mito vai contra o sentido
77
DROYSEN, J.G. “Die Einleitungen der Vorlesung über ‘Alte Geschichte’, 1838/39)”. Historik,
Bd.II, p.52 sie [die Geschichte] beginnt mit dem Erwachen jenes Bewusstseins des Gegensaztes gegen
die äussere Welt, wie die Sagen der Völker mit dem verlorenen Paradies, dem verlorenen goldenen
Zeitalter, und mit der Arbeit, diesen Gegensatz zu versöhnen.
75
78
DROYSEN, J.G. “Über Heinrich Stieglitz und dessen Dionysusfest, publicado em 28.7.1836”.
Historik, Bd.II, p. 50. (…) der Mythos erscheint da als ein Faktum, in dem seine allgemeine Bedeutung
inkorporiert ist, und zwar so, daß dieselbe nur in diesem Faktum anschaubar, nicht für sich und
ausgesondert darzustellen ist; den Mythus zu deuten, ist gegen den Sinn des echten griechischen
Altertums und erst mit dem Verfall und der gelehrt-aufgeklärten Zeit üblich geworden. Gerade
umgekehrt der neuere Dichter; er sieht in dem Mythos nichts als seine Bedeutung, deren symbolisch.
Umhüllung das Geschichtliche ist, diese allgemeine Bedeutung macht er zur Idee seines Dramas, von
ihr aus erweitert er die Sage mit neuen allegorischen Beziehungen; er nimmt ihr das frische poetische
Leben, um desto philosophischer, desto beziehungsreicher und nachdenklicher zu machen (…)
79
DROYSEN, J.G. “Die Einleitungen der Vorlesungen über Alte Geschichte, 1838/39” Historik, Bd.II.
p. 53. Im Grunde, beginnnt in jedem Volk, in jedem Mensch, die Geschichte von neuem
76
necessária: não será como demonstração de leis naturais que a história deverá ser
compreendida, tampouco como especulação subjetiva e plena autonomia do
conhecimento, donde podemos concluir que a história em momento algum será o
reino da necessidade, tampouco a esfera da liberdade. A partir deste trecho, podemos
encontrar uma diferença em relação a Hegel; afinal, para Droysen a mitologia não
será vista como uma apresentação plástica do divino, que sempre se configura
objetivamente no mármore ou na pedra, como dizia Hegel. Para Droysen, a mitologia
já é ela mesma um espaço de realização das contingências.
Não encontramos evidências de desenvolvimento deste argumento, diríamos
mesmo desta intuição de Droysen. Afinal, quando se permite falar em liberdade,
Droysen adota cautelosamente uma linguagem, que, claro, lembra bastante a de seu
professor dos tempos da Universidade de Berlim, Hegel. Afinal, mais do que saber
como se configura historicamente esta autonomia espiritual, este distanciamento
progressivo em relação à natureza, restará entender como o homem lida
80
DROYSEN, J.G. “Die Enleitungen der Vorlesungen über Alte Geschichte 1846/47”. Historik, Bd.II,
p.71.Das ist die merkwürdige Stelle, wo zwischen Natur und Geschichte ein dunkler Zwischenraum
liegt, das Gesetz geistiger Autonomie hat noch nicht angefangen, das Naturgesetz in seiner Starrheit
hat schon aufgehört; hier ist es, wo jener Kreis der Zufälligkeiten, wie unsere Erkenntnis sie nennen
muß, jener dunkle Kreis von Unbegreiflichkeiten liegt, die dann doch wieder in ihren Wirkungen
maßgebend, richtungbestimmend, für immer das tiefste Warum umhüllend bleiben.
77
Descascar uma camada de certeza após a outra; e logo estava encaminhada toda a
nulidade da percepção humana, restando apenas utilizar a afiada arma da dialética
contra o resto de positividades e libertar o espírito das amarras de tudo que era dado.
Foi a grande obra da sofística mostrar que nada há senão opinião subjetiva, que tudo
que vigora foi imposto e é arbitrário, e que o homem, em sua subjetividade, é a
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82
medida de todas as coisas.
Todavia, cabe muito bem perceber o que significa esta luta. Se em Ésquilo
Droysen vê a completa ausência de arbitrariedade, nos sofistas, e sobretudo na
retórica de Isócrates, ele verá como o descarte do conhecimento objetivo e positivo
levará a um risco: a absoluta arbitrariedade de tudo que é dito, uma vez que será a
forma do discurso, criada de modo absolutamente independente em relação ao seu
objeto, que será atribuidora de sentido. Droysen não somente será capaz de
diferenciar a filosofia da sofística, mas também, o que é vital para entendermos sua
teoria da história, contingente (expressão do absurdo) não será sinônimo de
caprichoso (manipulação formal), mas também verá que o desenvolvimento da
filosofia em Platão e Aristóteles será de significado central para os rumos da própria
81
DROYSEN, J.G. “Die Einleitung der Vorlesung über Alte Geschichte, 1838/39”. Historik. Bd.II,
Der Inhalt der Geschichte ist das Ringen des Geistes nach dem Bewusstsein seiner ihm angeborenen
Freiheit, und damit die Betätigung und Verwirklichung der Freiheit selbst.
82
DROYSEN, J.G. Texte zur Geschichtstheorie, p.44. Sie hatte eine Hülle nach der andern abgeschält,
schon war die gänzliche Nichtigkeit des menschlich Wahrnehmbaren prädiziert, es blieb nur noch
übrig, die scheidende Waffe der Dialektik gegen den letzten Rest von Positivitäten zu wenden und den
Geist von aller Schranke des Gegebenen zu befreien. Es war das grosse Werk der Sophistik zu zeigen,
dass nichts sei als das subjektive Meinen, dass alles Bestehende nur Gesetztes und Willkürliches, dass
der Mensch in seiner Subjektivität das Mass von allem sein
78
Grécia, e, sobretudo, devemos nos perguntar se aqui justamente não se cria uma
fissura no pensamento do próprio Droysen, ou seja: por mais que, como veremos, o
destino da Grécia seja ser superado pelo cristianismo, seu legado não será apagado.
Um conflito se instala em tal permanência, o que fará justamente de sua teoria da
história algo necessário, pois exatamente sairá deste conflito uma pergunta que dará
força ao nascimento da hermenêutica.
Droysen descreve brevemente como a obra de Platão viria como reação à
sofística e à retórica. Permanecendo dentro da interpretação convencional de Platão,
mas enfatizando o que lhe interessa – a consciência de estranhamento em relação ao
mundo – Droysen enfatizará que através do Sócrates platônico dá-se um grande passo
em direção a uma consciência livre de naturalidades e acidentes, que passa a respirar
fora de um mundo repleto de infelicidades. Será Aristóteles, segundo Droysen, aquele
capaz de reconciliar o Sócrates de Platão com a sofística através da observação
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83
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.36. Mit tiefer Einsicht, haben die grieschichen Weisen das
ganze Gebiet der Erkenntnis in die drei Disziplinen Ethik, Physik und Logik verteilt.
79
breve: não há qualquer problema na física e na lógica, parece-nos dizer Droysen. Mas
haveria uma ausência da ética que, segundo ele, daria sentido às outras duas e ao
conhecimento. Esta necessidade de recorrer aos gregos sem que todavia seja mais
possível se apropriar de seu modo específico é possivelmente o que empresta ao
século XIX percebido por Droysen a sua face trágica. Além de ser o herdeiro da
revolução francesa e da tentativa de auto-afirmação do homem, o problema da faceta
trágica reside também no que significa ser cristão – não simplesmente no sentido
confessional, mas sobretudo cultural – ou seja, o que significa ter superado o
paganismo. Entramos neste momento em um aspecto que aproxima Droysen de
Hegel: sua teleologia da história. Paganismo, cristianismo e liberalismo colidem entre
si, e em Droysen esta colisão é bastante sentida.
De cara, é necessário dizer que o próprio Droysen não confundia
terminologicamente filosofia da história com o que ele mesmo chamaria de teologia
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84
Cf. MOMIGLIANO, A. “J.G. Droysen entre los paganos e los judíos”.
80
85
DROYSEN, J.G. Theologie der Geschichte. IN: Historik. Ed. Rudolf Hübner, pp.378-9
Nicht immer ist mit dem Verfall staatlicher Gestaltungen der des religiösen Lebens, der sozialen
Enwticklungen gleichzeitig; noch weniger bedingt die Blüte der Gewerbe, des Handels, der Künste
notwendig die des sittlichen Fortschrittes, der nationalen Kraft. Die unendliche reichen Beziehungen,
die in ihrem tausendfach geschürzten Gewebe erst das Leben der Geschichte darstellen, wie selten
lassen sie sich auf so abstrakte Gesamtausdrucke zurückführen. Allerdings gibt es ein geschichtliches
Verfallen des einzelnen Volkes; es ist dann, wenn der belebende, geistige Inhalt aus seinem Leben
schwindet, wenn es aufhört, die Lebenskraft zu neuen Metamorphosen, zu neuen Verimpfungen und
Angliederungen zu haben, wenn es in seinen Urstände, in jene bloss natürlich vegetative Weise des
empirischen Daseins zurücksinkt. Wie wenig das von der Zeit des Hellenismus gesagt werden kann.
86
DROYSEN, J.G. Texten zur Geschichtstheorie. p.42. Das Griechentum ist diese Vollendung des
Heidentums, diese vollste und reichste Entwicklung des Menschengeistes nach seiner eigensten Kraft.
81
87
DROYSEN, J.G. “Die Einelitung der Vorlesung über ‘Alte Geschichte’ 1846/47, p. 78. Historik
Bd.II. (…)der ganze Inhalt der Alten Geschichte ist nichts als die stufenmäßige Zerstörung des
Heidentums, die Ablösung des geistigen Daseins von dem Boden der Endlichkeit, auf dem es
erwachsen ist und der zugleich die Basis seiner unmittelbaren Kraft, seine Mitgift ist.
82
88
DROYSEN, J.G. “Die Einleitung der Vorlesungen über ‘Alte Geschichte’ 1846/47”, IN: Historik.
Bd. II. p. 79. (…) In so schweren Zeiten wendet sich der Blick des Menschen nach innen, in jeder
Richtung der Weltlichkeit bedroht, gekränkt, ja negiert, sucht er Trost und Hoffnung in einem Jenseits,
das ihm nicht gefährdet werden kann. Hienieden geknechtet und belastet, flüchtet er sich in die
Regionen des geistigen Lebens, eines Reiches, das nicht von dieser Welt ist, und in dem er zugleich
Trost und Versöhnung findet; er fühlt sich geistig wiedergeboren zur Kindschaft Gottes, und in dieser
weiß er sich frei und unendlich berechtigt. Dies ist die wahre Freiheit, die mit dem Christentum
gegeben ist; mit dieser Wendung endet die Alte Geschichte.
89
DROYSEN, J.G. “Der erste Abschnitt der Einleitung der Vorlesungen über ‘Alte Geschichte’
1843/44”, Historik. Bd. II. p.65. Es ist u n s e r G l a u b e daß kein Sperling vom Dache fällt ohne
Gottes Willen; diesen Glauben zur Erkenntnis zu bringen, ihn im einzelnen weit und weiter zu
begründen und zu betätigen, das ist die Aufgabe der Wissenschaft
83
2.6.
Afinidades (nem sempre) eletivas entre Droysen e Hegel.
pela formação histórica, pelos costumes e preconceitos. Ou seja, Hegel não partira de
ponto diferente ao criticar a pretensão de objetividade e ao mostrar que ação e lei são
simultâneas, mas, como vimos, Droysen inclui a própria filosofia da história neste
elenco de pressupostos que os historiadores por vezes assimilam sem elaboração, até
mesmo porque Hegel, partindo da idéia de superar a superfície ocupada por vasto
material empírico, dirá que a visão filosófica da história deverá se livrar do ocasional
e buscar o fim último do mundo, com o que Droysen dificilmente concordaria:
Assim sendo, além de ser necessário compreender por que motivo a Historik
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Os caminhos de Deus são estranhos e maravilhosos, mas Deus tem sempre em vista o
melhor para o homem. Em nossa época que se fez ametafísica mal se sente como esta
fé em uma regência divina – a providência na história – forneceu ao homem durante
séculos uma incondicionada sensação de segurança. Aqueles que se sentem
diminuídos e humilhados, tal fé os educou para que tivessem a paciência perante um
90
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh, p.7. Wir sprechen von historischer Entwicklung, von
organischem Zusammenhang, von Ursachen und Folgen, und beachten kaum, wie viel wir aus der
antizipierten Kunde des Resultats hineingetragen in den objektiven Verlauf der Dinge: Bald
theologische, philosphishce Voraussetzungen führen uns unbewusst dazu, letzte Zwecke, allgemeinen
Prinzipien, Bestimmung eines Weltplanes usw. nachzuweisen, in dem das Ganze erst Halt und
Zusammenhang gewinnen (…)
85
destino que lhes foi predeterminado, e para os ativos, esta mesma fé lhes dava a
consciência de ser um instrumento de Deus91.
um entendimento que permita mais do que assimilação objetiva de seu conteúdo, mas
a elaboração de seus efeitos no leitor; se admitíssemos que um intricado texto de
filosofia ou que uma composição poética adquire sentido imediato, teríamos que
concordar que a linguagem neles presente nada mais é do que um instrumento a
serviço da expressão subjetiva de um autor. Analogamente, é o que está de alguma
maneira presente nas concepções de Droysen e Hegel a respeito do fim do
paganismo; não se trata tanto de tirar-lhes a autonomia e cair em desbragado
anacronismo, mas sim de jamais deixar de perceber que o sentido de um evento ou
fenômeno não se encerra naquilo que ele explicitamente é. Ao ser também para um
outro, ele adquire assim uma dimensão teleológica que dificilmente gostamos de
admitir; da mesma maneira que ainda mais difícil é ver a história expressa nos termos
metafísicos de uma ética passiva e resignada.
91
SCHULZ, W. Philosophie in der veränderten Welt. p.603. Die Wege Gottes sind seltsam und
wunderbar, aber Gott hat immer das Beste des Menschen im Auge. Es ist heute in einer
unmetaphysisch gewordenen Epoche kaum mehr nachzuempfinden, wie dieser Glaube an das göttliche
Walten – die Vorsehung in der Geschichte – jahrhundertlang den Menschen ein unbedingtes
Sicherheitsgefühl gegeben hat. Die Erniedringten und die Beleidigten erzog er zur Geduld dem
vorbestimmten Geschick gegenüber, und den Handelnden gab er das Bewusstsein, das Werkzeug
Gottes zu sein.
3.
História como ação: A Hermenêutica em Droysen.
1
Cf. LIMA, L.C. Mimesis: Desafio ao pensamento. p.24 “O segundo obstáculo [de uma revisão do
conceito de mímesis. N.A.], associado ao anterior, é exposto pela concepção de representação,
entendida como a equivalência subjetiva de uma cena externa e objetiva, a qual, à semelhança do caso
anterior, deveria ser ultrapassada para que o crítico pudesse se concentrar na textualidade e dela não
exigir uma subordinação que impediria a própria compreensão da literatura e da arte.”
87
3.1.
Lembrança.
3.1.1.
Lembrança e culpa.
tarefa difícil, tanto mais quando enraizada em uma experiência comum a todos os
homens, não sendo de posse exclusiva dos profissionais de história:
assimilação: se assim não fosse, a contingência limitar-se-ia a ser de fato pouco mais
do que o absurdo. Todavia, o presente já não está inteiramente destacado do passado
que o forma e soçobra se largado a si mesmo. Em sua fugacidade e vanidade, adquirá
sentido somente se “reviver os passados ideais”, e, assim, o presente não pode servir
como fonte de si mesmo, precisando necessariamente da mediação através do
passado para que possa adquirir consistência, e, assim, “tornar presente aquilo que
foi” - convém ressaltar ainda que este movimento de lembrança serve como “reflexo
da eternidade de Deus”.3 De alguma maneira, podemos falar neste caso em uma perda
de inocência: não queremos soar dramáticos, mas sobretudo trata-se aqui, neste trecho
de Droysen, de uma consciência do lugar do homem, ainda que por vezes seja de um
(primeiro) estranhamento da terra que o envolve e circunda, um distanciamento
decisivo daquilo que era próximo, dado e seguro. E a caracterização da culpa
dependerá do que apresentamos no primeiro capítulo: ou seja, lembrando o que nos
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diz Hegel sobre destino em seu texto de juventude sobre cristianismo, chegávamos à
conclusão de que a consciência tardia do sentido pleno da ação revela culpa. E a
culpa jamais se mostra na ação em si, mas sobretudo em seu efeito posterior, como
uma revelação. Em um momento da Fenomenologia do Espírito, em que Hegel trata
da culpa e sua relação com a eticidade (Sittlichkeit), o filósofo chega brilhantemente à
definição da ação como culpa – mas não já da ação como um deslocamento físico
propriamente dito, mas sobretudo como aquilo que modifica da mesma maneira que o
ato prometéico descrito por Droysen era ele mesmo a mudança essencial:
3
No capítulo anterior citamos a parte que antecede imediatamente a passagem referida. Nela lemos:
“(…) o espírito finito, e somente ele, tem a capacidade, de, com a lembrança e a esperança, dar ao
momento fugaz uma abrangência que seja um reflexo da eternidade de Deus.”
4
HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. p.325.
91
O ato será sempre ato culpado, segundo Hegel, que terá antes da passagem
acima escrito que “o agir mesmo é (…) cisão, [que consiste em] pôr-se para si mesmo
(…) Inocente, portanto, é só o não-agir – como o ser de uma pedra; nem mesmo o ser
de uma criança é inocente”.5 Podemos então dizer que a consciência histórica, para
Droysen uma consciência prometéica, equivale à definição de ato que encontramos
acima em Hegel. O que mais salta aos olhos na passagem de Droysen lida à luz de
Hegel, e que de alguma maneira já indica uma possibilidade de diferença em relação
à concepção resignada da história, é a ênfase na responsabilidade que a própria
lembrança desperta. Ter se utilizado de Ésquilo ilustra o surgimento desta consciência
histórica que busca escapar da fugacidade. Seu acerto resulta da obra do tragediógrafo
sempre haver sido vista como uma formidável representação da consciência histórica
culpada. Ainda na década de 30, Droysen dirá sobre Ésquilo:
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Suas tragédias não começam, como noutros poetas, com uma bela paz que é depois
desestabilizada por um infortúnio. O que precede suas tragédias é um
constrangimento obscuro, latente, que se agarra nas raízes da vida (…) O conteúdo
de suas tragédias não é um fato puro, mas sim o desvelamento do mistério de que o
homem nasce culpado e vive com a culpa. Esta culpa é a existência que se quer
pertença de si mesma, é a liberdade e a ação.6
5
Ibid, p. 323.
6
DROYSEN, J.G. Kleine Schriften zur alten Geschichte. pp.280-1. Der Anfang seiner Tragödien ist
nicht wie bei andern Dichtern ein schöner Friede, den gerade jetzt ein finsteres Missgeschick (…) stört.
Was seinen Tragödien vorausliegt ist ein dunkles, schweigendes Verhängniss, das an den Wurzeln des
Lebens nagt. (…) Der Inhalt seiner Tragödien ist nicht ein blindes Fatum, wohl aber die Enthüllung
des Mysteriums, dass mit dem Menschen die Schuld geboren ist und mit ihm lebet.(…) diese Schuld
ist das Dasein, dass sich selbst gehören will, ist die Freiheit und die That.
92
homem, está presente em cada ato seu, mas é também o lugar de sua liberdade. Abre-
se a fresta para que entendamos com mais vagar a dimensão ativa da culpa. E a
transposição é inevitável: o novo lugar do homem, se culpado, também é aquele que
ocupa o lugar central da criação, sendo reflexo da eternidade. Haverá algum sinal de
mudança de compreensão da história, posto que a experiência demonstrada pela
lembrança é ser reflexo da eternidade de Deus? Ainda não estaríamos nos
movimentando dentro de uma concepção metafísica-teológica de história, ou seja,
dentro de uma concepção resignada? Não, se entendermos que toda culpa pressupõe
participação na dita estrutura misteriosa. Não devemos nos espantar com mais uma
semelhança em relação a Hegel, pois novamente o discurso de Droysen habita à
sombra de seu pensamento, ainda que de maneira mais sutil do que apresentamos no
primeiro capítulo. O problema não reside pois na diferença entre os dois autores em
si, mas sobretudo na distinção entre ação e resignação, e nem tudo em Hegel aponta
para uma visão resignada de história. Mas retomando o argumento: se falam de uma
culpa presente em toda a lembrança superadora da experiência da fugacidade, as
palavras de Droysen por outro lado soam quase platônicas. Em um texto sobre Hegel,
Gadamer indica a semelhança do filósofo com Platão, semelhança todavia de caráter
eminentemente lógico:
93
de enfatizar que ao mostrar que estas relações das propriedades da coisa, do objeto,
são em si mas também para um outro, a consciência experimenta seu limite nesta
figura da sua experiência. Para ficar com o exemplo do filósofo, um cubo de sal é
branco e salgado, mas branco e salgado não se excluem (excluem o negro, o doce), e
assim o cubo é branco e também salgado, e este “também” é estabelecido pelo
observador, ainda que, como nota Paulo Meneses a “consciência ainda não se
reconhece neste objeto refletido”.8
A referência de Hegel, como nota Gadamer, é a química e a sua
correspondente descrição de propriedades de um objeto, e, neste sentido, não nos
espantaria que Droysen, em sua tentativa de tirar a ciência histórica do domínio das
ciências naturais e de suas leis explicativas, tenha bebido novamente da fonte
hegeliana – inclusive porque, como sugerimos a partir de Gadamer, não se trata de
buscar o reino silencioso e imóvel das leis. Sim, há algo de “enganoso” nas
aparências, mas o essencial a ser buscado seria exatamente a mudança, o movimento,
e não algo que ocorre à revelia do mesmo, ou ainda, jamais ver como cristalizado o
7
GADAMER, H.G. “Die verkehrte Welt” IN: FULDA, H. Materialen zu Hegels Phänomenologie des
Geistes. p.113
8
MENESES, P. Para ler a Fenonemologia do Espírito, p.45.
94
9
A atualidade de tal questão nos parece indiscutível, principalmente quando estamos tratando de um
autor alemão. A discussão em torno da culpa em relação ao passado é bastante presente na
historiografia e na teoria da história produzidas na Alemanha desde o fim da Segunda guerra mundial.
Por outro lado, sempre vale a pena dizer que é um contrasenso afirmar que os alemães têm o
monopólio da culpa na história ocidental – qualquer povo, sociedade ou grupo histórico que em algum
momento nega sua pópria identidade e, em função disto, encontra dificuldades de se orientar para o
futuro precisa discutir seriamente o papel da culpa, ou seja, da participação presente de eventos que
cronologicamente pertencem ao passado, ou pelo menos cujos seres sociais ainda agentes não foram os
perpretadores “empíricos” e “de fato” dos eventos paralisadores, traumatizantes ou condenáveis. A
culpa deve ser tratada como categoria da consciência histórica, e não simplesmente como uma
característica de uma vaga psicologia coletiva. Todo nosso esforço aqui se concentra desde sempre em
mostrar como a culpa está no cerne de qualquer hermenêutica.
95
(…) a força, que é mais do que sua expressão, já é sempre sua própria liberdade. Isto
possui significado decisivo para o historiador. Ele sabe que tudo poderia ter
acontecido de outra maneira. Todo agente poderia ter agido de modo diferente. A
força que faz a história não é um momento mecânico.10
A leitura da passagem acima nos põe uma questão que remete ao próprio
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10
GADAMER, H.G. Wahrheit und Methode. p.210. Denn Kraft, die mehr ist als ihre Äusserung, ist
immer schon Freiheit. Denn ist für den Historiker von entscheidender Bedeutung. Er weiss: Alles hätte
auch anders kommen können. Jedes handelnde Individuum hätte auch anders handeln können. Die
Kraft, die Geschichte macht, ist nicht ein mechanisches Moment.
96
será então o veto tanto ao universalismo das leis como ao sujeito cuja possibilidade e
saber sobre o próprio ato de representar se acredita para além daquilo que ele mesmo
representa, logo, a consciência de que sujeito e predicado da proposição especulativa
se determinam mutua e simultaneamente. Sem tal pressuposto, não há hermenêutica
possível. Ou seja, a consciência se quiser conquistar sua reflexividade, o fará a partir
somente da experiência de que todo Em-si é para ela, e do qual ela não se livrará –
será constantemente lembrada de si mesma, mesmo com a experiência da fugacidade;
ou antes por causa mesmo de tal experiência, que deixa de ser meramente pesarosa e
indesejável para ser fundamental no processo de formação da consciência histórica.
A lei que antes era inabalável (“calma”, neste sentido), mostra-se como produto desta
força.
11
GADAMER, H.G. “Die verkehrte Welt”. IN: FULDA, H. & HENRICH, D. Materialen zu Hegels
Phänomenologie des Geistes p.120. Und das ist im dialektischen Beweisgang der Phänonemologie: es
wird sich ergeben, dass In-sich-verkehrt-sein heisst: Sich-gegen-sich-selber-kehren, sich zu sich selbst
verhalten, und das ist: Lebendigt sein.
12
Cf. SCHULZ, W. Philosophie in der veränderten Welt. p. 535.
97
3.1.2.
Lembrança e continuidade.
13
Cf. a definição de “Clássico” dada por Hans-Georg Gadamer em Wahrheit und Methode, pp. 290-5,
em que o filósofo identifica como clássico, ou obra clássica, aquilo que se preserva em si mesma e pela
sua própria estrutura.
98
14
GADAMER, H.G. Wahrheit und Methode. p.72. Was als ein Erlebnis gilt, das ist nicht mehr bloss
ein flüchtig Vorüberströmendes im Strome des Bewusstseinslebens – es ist als Einheit gemeint und
gewinnt dadurch eine neue Weise, eins zu sein.
99
para ele, é sempre uma máscara que esconde um jogo ardiloso a forjar coerências,
presentes na estrutura orgânica e teleológica do mundo histórico, estruturas
emprestadas de outras áreas que lidam com outros objetos, seja o mundo natural, seja
o universo especulativo a buscar os conceitos de Verdade, de configuração do
Espírito Absoluto ou de Deus. Se esta é uma maneira de fazer falar o passado, por
outro lado, a consciência de que o conhecimento histórico só é como conhecimento
perspectivado porque internalizado deve, segundo as palavras de Droysen, abrir um
horizonte de possibilidades e ser, ao invés de defensivo, criativo. Da mesma forma
que se disse que o evento histórico não pode ser mera ilustração de uma lei tampouco
uma verdade em si mesmo, podemos afirmar que para Droysen o homem não está
determinado biologica ou socialmente pelo seu nascimento; na verdade, ele não tem
qualquer direito natural ou humano previamente dado, e, assim, precisa conquistar
sua própria humanidade, donde inferimos que o passado jamais é dado, e
compreender como se é determinado pelo Estado, pela língua e pela religião, para
ficar nos exemplos de Droysen, não é algo que simplesmente se dá imediatamente.
Também é necessário conhecer a própria dependência e a própria determinação. Se
suas determinações biológicas ou culturais fossem conteúdos a preencher um
receptáculo passivo, o passado não sofreria as transformações constantes e pontuais
100
por cada vez que encontrasse um novo corpo no qual se movimentasse, e, por isso, o
passado, ao invés de ser dado, é uma possibilidade tanto como o futuro. Também
pode ser perdido.
Ou seja, conquistar sua própria humanidade é, através da revivescência dos
passados vividos, nas palavras de Droysen, “colocar-se em posição privilegiada no
presente resultante, e deste modo, já que ele está na história e a história está nele,
justamente por isto ele se situa sobre a monotonia do restante da criação, saindo de
uma mera existência periférica para um ponto central”.15 Esta passagem é
fundamental, pois a partir dela poderia ainda ser dito que, se o homem ocupa este
ponto central, ele desempenha um papel superior ao do representante de uma
tradição, mero portador de lembranças de tempos supostamente gloriosos. Afinal, se
o passado o determina e lhe abre possibilidades, ou seja, se não somente ele está na
história como ela pode estar nele, mesmo estas condições podem ser perfeitamente
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15
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.14. (…) sich in dies Niveau der gewordenen Gegenwart
hinaufarbeitet, dadurch also, dass er in die Geschichte und die Geschichte in ihm ist, eben dadurch
erhebt er sich über die Monotonie der übrigen Schöpfung stellt, ihn aus dem blossen peripherischen
Dasein zu einem neuen Mittelpunkt macht.
101
O que pretende Droysen com tal passagem? Ataquemos pela porta dos
fundos: por que não é a analogia o elemento motriz das forças históricas? Apostar em
uma concepção analógica seria pressupor que há uma ordem na qual os entes que a
habitam se correspondem entre si e com o princípio superior que os sustenta. A
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anomalia é o fruto inesperado de um processo cujas leis até então eram tidas como
conhecidas, e assim, o surgimento do novo não exigiria daquele que vive a
consciência como consciência culpada e fragmentada em si mesma, uma nova
atividade de atribuição de sentido?17 Mas, se Droysen fala de uma totalidade sem lei,
é de se pensar que esta anomalia não passa a ser um corpo estranho dentro de um
contexto maior. De alguma maneira, é a demonstração da própria criatividade do
passado que se mostra em ação, ainda que, através da anomalia e seu criatividade, se
perca completamente a idéia de estabilidade concreta do passado – a perda de
estabilidade pode suscitar tanto o luto, mas também um novo significado. O passado
perde sentido como ganha um novo. A fórmula está elaborada: o presente, ou por
outra, o instante, não é analogia da criação divina, mas também deve ser espelho da
16
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.21. In der geschichtlichen Welt sind nicht die Analogien,
sondern, man könnte sagen, die Anomalien das Bewegende. Auf diese und ihr Verständnis wendet sich
die historische Methode. Auch sie summiert durch Induktion aus dem Einzelnen, was ihr zur
Beobachtung vorliegt, ein Allgemeines, aber dies Allgemeine ist nicht ein Gesetz; auch sie sucht
analytisch aus den vorliegenden Erscheinungen deren Wesen, aber dies Wesen ist nicht ein stoffliches
Substrat mit unveränderlichen Attribuitionen.
17
Não cabe aqui a discussão direta com a teoria da mímesis que se dá no campo da teoria literária, mas
uma referência é inevitável e obrigatória. Vemos que, já em Aristóteles a analogia não dá conta nem do
aparato discursivo do homem nem da estrutura que organiza a physis. Portanto, há sempre uma falha
que, seguindo Aristóteles, daria à obra de arte um lugar que seria mais do que imitação do dado. É o
novo a ocupar uma falha essencial do homem e da physis. Cf. LIMA, L.C. Mimesis: Desafio ao
pensamento. p.38.
102
eternidade de Deus. Reflete, sem ser uma simples derivação, estando, como diz
Droysen, no ponto central da criação. Da mesma maneira, estas anomalias, ao longo
da história, justamente por sempre refletirem a eternidade de Deus, fazem parte de um
todo, que, todavia, não é um substrato de atribuições imutáveis, e, assim, não há o
primado de um lado sobre o outro, pois se revelado antes dos eventos, a totalidade
engole as particularidades, e, se apenas baseada no material e no aqui e agora, cai-se
em um objetivismo tosco e fragmentado em que a realidade aparece como uma
coleção de dados indistintos. Pensar a anomalia como objeto de estudo histórico
ajuda inclusive a pensar o que significa este lugar central ocupado pelo homem,
afinal, já se viu que, em Droysen, esta preocupação é decisiva, ainda mais quando se
corre o risco de ver nele um autor conservador e tradicionalista, que lamenta a perda
de um passado natural e original que deu lugar a um presente impiedoso. Tal
consciência angustiada não é o lamento pela naturalidade perdida, indicando por
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18
BAUMGARTNER, H.M. Kontinuität und Geschichte. p.83. Ihr motivierender Ursprung
[Kontinuität als Sinn-Idee. N.A.] liegt in der neuzeitlichen Erfahrung drohender Geschichtslosigkeit
ebenso wie in der Erfahrung der Unmöglichkeit, Geschichte von Vernunft und Geist her begreifen zu
können. Kontinuität meint Geschichte weder als blosses Weitergehen sich ansammelnder Fakten noch
als apriori sinnvolle Selbstentfaltung eines wie immer näher konzipierten absoluten Geistes.
19
DROYSEN, J.G. Das Zeitalter der Freiheitskriege. p.28. Bis dann endlich das Alte und Neue sich
auf dem neutralen Gebiet der Reform zu begegnen begann, die Einsicht zu siegen begann, dass das
wahre historische Recht nicht die Herstellung der Vergangenheit, sondern die lebendige Fortbildung
der ihres grossen Resultates, der Gegenwart, ist, - dass das wahre Vernunftrecht nichts gemein mit
jenem faden Radikalismus, der in jedem Augenblick den Staat und das Recht von neuem anfangen und
aus utopischer Abstraktion ableiten zu können meint (…) ist.
104
tem um ponto cego. Todavia, tal silêncio não é exclusivamente seu - durante toda a
pesquisa sempre que nos deparamos com os competentes comentários sobre Droysen
que enfatizam com maior ou menos intensidade sua aposta na idéia de continuidade
como conceito que pudesse conciliar uma sofisticada articulação entre narrativismo e
filosofia da história, entre totalidade de uma história da humanidade e singularidade
de um caminho alemão, nos perguntávamos sem obter resposta imediata: e como
entender certas passagens de explícito desespero do autor, em que tudo indicava uma
total descrença na continuidade? Não encontramos na bibliografia especializada
nenhuma referência, muito menos análise detida, à passagem que citamos a seguir,
escrita por Droysen em 1854 sobre a crise política e cultural da Europa: “Eis o
presente: tudo instável, um rompimento (…) uma devastação sem proporções. Tudo
que é antigo está consumido, falsificado, apodrecido, sem salvação. E o que é novo
ainda não tem forma nem objetivo, é caótico e somente destrutivo.”20
É bem verdade que, sem citar a passagem, Jörn Rüsen percebeu a importância
do problema ao mostrar que a possibilidade de ver a história como um puro processo,
20
DROYSEN, J.G. “Zur Charatkeristik der europäischen Krisis”. IN: Politische Schriften. p.328. So
ist die Gegenwart; Alles im Wanken, in unermesslicher Zerrüttung (…) Verwilderung. Alles Alte
verbraucht, gefälscht, wurmstichtig, rettungslos. Und das Neue noch formlos, ziellos, chaotisch, nur
zerstörend.
105
como algo cujo sentido não se encontra para além de seu próprio curso (seja este além
o ego cartesiano ou a razão iluminista desprovida de preconceitos) reside justamente
na experiência radical da crise do presente. O homem está em si e é para si – para
Rüsen, a crise do presente é uma teoria da liberdade. Até este ponto estamos de
acordo, mas temos por vezes certa dificuldade em ver como este processo é
exatamente o processo de crescente consciência da liberdade, como também quer
Rüsen21. De toda maneira, a continuidade, então, não pode ser o termo decisivo na
análise de Droysen: para que de alguma maneira compreendamos o sentido
teleológico que ele empresta à história, seria necessário descartar então tal opção.
Apostamos na hipótese de que é justamente esta consciência de orfandade no
presente (passado consumido, futuro sem forma) apresentada por Droysen que exigirá
um esforço renovado de atribuição de sentido. É necessário dizer as coisas de outra
maneira, e pensar de outra maneira como se fala e representa. E é justamente nesta
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21
Cf. RÜSEN. J. Begriffene Geschichte. Pp. 69-71.
22
Cf. GADAMER, H.G. Wahrheit und Methode. P.182.
106
3.1.3.
Lembrança e estranhamento.
Droysen: primeiramente, a interpretação pode não ser, ao menos não deveria ser,
entendida como relativismo indiferente justamente porque ela se dá, de acordo com
Droysen, em uma situação configurada por um processo de internalização e
lembrança, e, neste sentido, porque em Droysen a consciência da situação é passo
necessário para a criação, é alheio ao sentimento da indiferença pois diretamente
ligada ao comprometimento em que o intérprete está sempre inserido. O problema
maior do relativismo ainda permanece, pois o que lhe garante sua incômoda
sobrevivência é seu caráter arbitrário e opiniático, totalmente desinteressado pela
universalidade porque constantemente satisfeito consigo mesmo. É necessário
garantir para o conhecimento histórico, a partir de seu fundamento interpretativo, um
mínimo de universalidade e verdade sem que esta universalidade e verdade sejam
esmolas oferecidas por outros métodos; afinal, e aqui desenvolvemos um segundo
ponto, a interpretação não é objetiva no sentido acima pensado, ou seja, o que se
entende como material objetivo é, segundo Droysen, desde sempre uma abstração
feita pelo sujeito. Porém não nos esqueçamos: a interpretação não pode se arrogar
uma abstração absoluta, “cosmopolita”, pois não deseja “tudo entender e
23
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.22. Wir haben den Mittelpunkt unserer Frage erreicht; wir
dürfen jetzt sagen, das Wesen der geschichtlicher Methode ist forschend zu verstehen, ist die
Interpretation.
107
uma situação somente na qual o passado ganha sentido, mais especificamente através
do que Droysen diz ser “lembrança” ou a própria consciência de como o passado
forma o presente e o condiciona; todavia, neste reconhecimento, há um elemento
criativo ou seja, o presente reflete mas é produtor, não é analogia e sim anomalia.
O caráter anômalo determina-se acima de tudo como produto da reflexividade, ou
seja, da mediação, da perda do sentimento de imediatismo e naturalidade e do
conseqüente estranhamento do que era aparentemente óbvio. Ver-se ser mediado (e
não imediato) é ver-se ser histórico.
24
grifo nosso.
25
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. pp. 106-7. (…) Das historische Forschen setzt die Reflexion
voraus, dass auch der Inhalt unseres Ich ein vielfach vermittelter, ein geschichtliches Resultat ist.
108
Unser Wissen, richtiger, der Inhalt unseres Ich ist zunächst Empfangenes, Überkommenes, unser, als
wäre es nicht unser. Wir sind damit noch unfrei in diesem unseren Wissen; es hat uns mehr, als dass
wir es hätten. Erst mit der Reflexion, in der wir es als vermitteltes erkennen, trennen wir es von uns
selbst; die erkannte Tatsache der Vermittlung ist die Errinerung; und diese Errinerung trennen wir von
uns selbst, geben ihr in unserem gesitigen Sinn die Stellung, objetkiv dem subjektiven Sein gegenüber
zu sein.
109
O espírito humano está acorrentado aos entes, ao que é dado. Esta é sua finitude,
seu limite, seu constrangimento. Em sua primeira existência como criatura ele não
encontra, perante este poder superior, saída ou ajuda, e é seu trabalho se livrar
disto. O ente precisa ser elaborado, utilizado, alterado, precisa ser, com
pensamento e pesquisa, forjado a tomar a forma do espírito. Para ser breve: o
homem precisa, neste mundo divino, criar um mundo inteiramente novo, um
mundo com suas configurações feitas sob sua violência, para que então seja livre,
seja em si. Conquistar plenamente este ser-em-si, esta liberdade, é o trabalho do
gênero humano, e a história é a lembrança deste trabalho incessante.26
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26
DROYSEN, J.G. “Der erste Abschnitt der Einleitung der Vorlesungen über Alte Geschichte
1843/44.” IN: Historik. Bd.II. p. 64. Der menschliche Geist ist an Seiendes, Gegebenes gebunden. Das
ist seine Endlichkeit, seine Schranke, seine Unfreiheit. In seinem ersten kreatürlichen Dasein ist er
dieser Übermacht gegenüber hilflos und ratlos, es ist seine Arbeit, sich derselben zu entreißen: Das
Seiende muß er sich erarbeiten, muß es nutzen und umgestalten, muß es denkend und forschend
bezwingen, muß so das Seiende durchgeistigen und geistige Formen zu dem Seienden machen, kurz, er
muß sich in dieser Gotteswelt eine vollkommen neue Welt, Welt seiner Gestaltungen, unter sein[er]
Gewalt[,] schaffen, um bei sich selbst, um frei zu sein. Dies Bei-sich-Sein, diese F r e i h e i t in immer
vollerem Maße zu gewinnen, ist die Arbeit des Menschengeschlechts, und die Geschichte ist die
Erinnerung dieser unendlichen Arbeit.
110
27
DROYSEN, J.G. “Die Einleitungen der Vorlesungen über ‘Alte Geschichte’ 1846/47. Historik. Bd.
II. Es ist ein tiefsinniges Spiel unserer Sprache, daß sie mit dem. Wort Geschichte zugleich die
Wissenschaft und den Gegen-stand der Wissenschaft bezeichnet; daß die Geschichte sowohl die
Summe des Geschehenen als die Wissenschaft von dem Geschehenen meint. Gleich als wäre nur das
geschehen und geschichtlich, was gewußt wird geschehen zu sein, was die Erinnerung als geschehen
aufbewahrt oder die Forschung für das ferner. Bewußtsein erarbeitet. Allerdings ist die Geschichte eine
Fülle von Tatsächlichkeiten, aber das menschliche Bewußtsein erst sieht ihren Zusammenhang, ihre
Gegenseitigkeit, ihre Weiterwirkung.
111
melancolia, mas sim de uma culpa expressa na “existência que se quer pertencer”. O
ato de compreensão será esta tentativa definitiva e metodologicamente muito bem
montada de “querer a si mesmo”. Afinal,
uma estabilidade que se sabe sem pilares que a sustentam eternamente – posto que
este pilar é de todo modo a culpa que iguala os homens, que possibilita, mas não
garante, sua identificação, ou, como se tornou habitual dizer, sua “intersubjetividade”.
Mas estes castelos de ar têm sua própria arquitetura, têm seu mapa, cujos meandros
Droysen descreve no método compreensivo. A compreensão é necessariamente uma
obra racional. A culpa, que parecia de início descartada, reaparece.
3.2.
Compreensão.
histórica não constrói leis que expressam a recorrência de analogias, tampouco deve
ser simplesmente um exercício analítico de tentar compreender a totalidade histórica
através da erudição, ou seja, pela divisão constante do material em áreas, para que
então, pelo domínio cada vez mais rigoroso de pequenas áreas, possa se dominar o
todo. Se a soma das partes não configura plenitude, por outro lado, não será
procurando a origem de um fenômeno em um encadeamento retrospectivo que poder-
se-á compreender o que é história; assim, o presente não poderá ser assoberbado por
uma herança de materiais como um museu que não tem galerias e salas suficientes
para expor seus quadros e esculturas, e também não é um lugar indiferente no qual, de
qualquer ponto, conhece-se a ação do mesmo princípio histórico. A busca da “causa
das causas” e do “fim dos fins” é justamente o que o método histórico não deve fazer.
29
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.30 Da aber endet die Kraft unserer Induktion und jeder
Induktion, denn das Begreifen des Menschen fasst nur die Mitte, nicht den Anfang, nicht das Ende.
114
É o mundo ético, e nada além dele, que constitui o objeto de nossa ciência; não é o
seu ser, e sim o seu devir (…) Essencial no mundo ético é que ele é um constante
querer e dever, um constante devir; e somente por este motivo ele é ético, porque a
cada momento ele está em movimento.30
Nicht das letzte Geheimnis erschliesst unsere Methode, wenn auch einen Weg dazu, wenn auch den
Eingang zum Tempel. Nicht die absolute Totalität, den Zweck der Zwecke erfassen wir, aber in einer
ihrer Äusserungen, in der uns verständlichen, verstehen wir sie. Aus der Geschichte lernen wir Gott
verstehen und nur in Gott können wir Geschichte verstehen.
30
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.38. Nicht die ethische Welt ohne weiteres ist der
Gegenstand unserer Wissenschaft, nicht ihr Sein, sondern ihr Gewordensein. (…) Das wesentliche in
der ethischen Welt ist, dass sie ein stetes Wollen und Sollen, ein stetes Werden ist; nur darum ist sie
ethisch, weil sie auf jedem Punkt in Bewegung ist.
115
31
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.160. Nur in seinem Früchten wiederholt sich sein Anfang
(…) Also aus dem Gewordenen erst finden, ja setzen wir seinen relativen Anfang.
116
lado, este seu devir e seu tornar-se só podemos desenvolver a partir do ente na
medida que o entendemos temporalmente para que possamos compreendê-lo. Nós
nos movimentamos em um círculo, mas não em um círculo que nos leve adiante.32
32
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.162. Es ist keine Frage, dass wir das, was ist, erst ganz
verstehen, wenn wir erkennen, wie es geworden ist; aber wie es geworden ist, entnehmen wir nur aus
dem eindrigenden Verständnis des Seienden, daraus, dass wir verstehen, wie es ist; es ist nur eine
Form, eine Ausdrucksweise dieses Verstehens des Gegenwärtigen und Seienden, dass wir es als ein
Gewordenenes auffasen und darlegen. Und andererseits, dies sein Werden und Gewordensein
entwickeln wir nur aus dem Seienden, indem wir es zo zeitlich auffassen (…), um es zu verstehen. Wir
bewegen uns im Zirkel, aber in einem Zirkel (…) weiterführt.
33
Cf. HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. pp. 71-2.
117
temporal de sua hermenêutica: não se pode almejar conhecer o que foi por detrás do
que se tornou, pois ambas as coisas são inseperáveis; e, da mesma maneira, não é
válido o recurso ilusório de desejar se despir de todos os pressupostos que nos
formam para que possamos conhecer de modo incorrupto. A base hegeliana fornece
uma fundamento hermenêutico, claro, mas que Droysen prefira ver no presente tal
situação em que a interpretação é inescapável é algo que simplesmente não podemos
ignorar: nem tanto o passado pode ser de tal forma poderoso que nos deixe outra
alternativa que não seja uma visão retrospectiva, tampouco ele se esmaece a ponto de
precisar se direcionar somente ao que se nos apresenta imediatamente ou, ainda a
fomentar uma desenfreada imaginação geradora de expectativas. Nas duas formas,
fica-se supondo que há um instante privilegiado da história, no qual o sentido
histórico, se não é imediatamente acessível, é ao menos mais evidente do que em
outros estágios. O “meio”, se de fato é o melhor lugar de onde se pode conhecer a
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34
Cf. TILLICH, P. “Die protestantische Verkündigung und der Mensch der Gegenwart” IN: Der
Protestantismus als Kritik und Gestaltung, p.76. “O homem moderno é o homem que, em sua
autonomia, tornou-se inseguro. Característico do fato de ter-se tornado inseguro é o fato do homem do
presente não ter mais qualquer visão-de-mundo no sentido de uma totalidade de convicções seguras
sobre Deus, mundo e si mesmo.” Tillich está escrevendo no século XX justamente sobre o homem do
século que vivera duas guerras, mas sua sensibilidade luterana com o seu próprio presente assemelha-
se bastante à de Droysen. O que, dada a igualdade de confissão e diferença cronológica, não deixa de
ser significativo e instigante, e, de alguma maneira, revela por um lado a atualidade de Droysen e
mostra que a sensbilidade do XIX deixava ressoar cordas muito mais finas do que as tangidas por uma
suposta cega busca de progresso.
118
do homem. Em sua tese de doutoramento sobre Droysen, Jörn Rüsen notou que a
Historik procurava criar seu espaço próprio diferenciando-se basicamente de outras
três formas de conhecimento da época: da filosofia hegeliana da história, cuja
tentativa de totalização não deixaria brechas para a atividade de pesquisa, do
romantismo que buscava uma identidade absoluta de um passado que poderia ser
recuperado, o que pressupunha o presente como uma dimensão desvirtuada e corrupta
do tempo e, por fim, do iluminismo normativo a-histórico a “coisificar” a história,
considerando-a ou fonte de engano ou de exemplos (negativos e positivos), sem
qualquer valor imanente e positivo, pois o valor histórico seria alheio à época que
serviria de estudo, que, assim, se tornar meramente um objeto sem qualquer relação
com o sujeito, evitando a identidade e, claro, a diferença.36 Logo, pode-se dizer que
35
Cf. GADAMER, H.-G. Wahrheit und Methode. Pp.274-5. “Somente tal reconhecimento da
dependência dos preconceitos presente na compreensão sofistica ao seu máximo o problema
hermenêutico. Tomado este ponto de partida se mostra que o historismo, apesar de toda a crítica ao
rationalismo e ao pensamento do direito natural, se planta sobre o mesmo solo do que o iluminismo e,
sem percebê-lo, partilha de seus pressupostos.” Erst solche Anerkennung der wesenhaftem
Vorurteilshaftigkeit alles Verstehens schärft das hermeneutische Problem zu seiner wirklichen Spitze
zu. An dieser Einsicht gemessen zeigt es sich, dass der Historismus, aller Kritik am Rationalismus und
am Naturrechtsdenkens zum Trotz, selbst auf dem Boden der modernen Aufklärung steht und ihre
Vorurteile undurchschaut teilt.
36
Cf. RÜSEN, J. Begriffene Geschichte. Pp. 119-20.
119
este meio a ser ocupado pela Historik é estreito e se acotovela entre estas três formas
de pensar a história, a saber, a nostálgica, a vanguardista e a iluminista, que, ao fim, é
aquela que pretende eliminar a história e cessar todo o movimento. A relação entre
sujeito e objeto no pensamento histórico precisa ser mais do que meramente
epistemológica, uma vez que entre ambas seria necessária uma identidade
determinada que, por sua vez, pressupõe um padrão, uma base comum que permita
este diálogo entre situações históricas diferentes – padrão histórico que não pode ser,
por sua vez, uma normatização de algo parcial. A plena identidade entre sujeito e
objeto, seja no uso instrumental da história pelo sujeito no presente, seja na
transposição irrestrita deste no objeto – fuga do presente – também não parece ser o
lugar a ser descrito pela Historik como o ocupado pelo pensamento histórico.
A essência histórica do homem, a qual o pensamento histórico submetido ao
método e à sistematização histórica teriam que fazer jus, é autopoiética, e o homem é
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37
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.24. Die Selbserzeugung seines Wesens ist seine Bestimmung
und seine Arbeit.
120
é o seio de todo sentido. Por ora, devemos nos contentar em compreender o seguinte:
ver que os pressupostos religiosos do pensamento de Droysen parecem cada vez mais
evidentes e inegáveis. Mesmo quando se lhe dava uma visão trágica, nada redentora,
em que o conhecimento histórico compreendia o meio, jamais a origem e o fim, ele
afirma que é através do meio, do conhecimento mediado, que se conhece Deus: não
se pode conhecer Deus imediatamente:
38
DROYSEN, J.G. Historik. p.35. Ed. Leyh. (…) sie [die Geschichte] weiss, dass sie, auf ihrem Wege
das Ewige und Unbedingten suchend, nur eine verklärte Analogie des Endlichen und Bedingten
erreicht. (…) Denn das geschaffene Auge erträgt den Anblick des reinen Lichts nicht, in die Sonne
schauend wird es nur geblendet und sieht dann nur seine eigene Phantasmen; von der Anschauung
Gottes wird der endliche Gedanke verschlungen, und so geblendeter erzeugt er nur ein Spiegelbild des
Endlichen.
121
39
MENKE, C. Tragödie im Sittlichen: Gerechtigkeit und Freiheit nach Hegel. p.41. Tragisch sind
nicht das Sein der Dinge oder die Natur des Menschen, sondern historisch in einer Welt situierte
Kollisionen. Die tragische Anschauung bezieht sich immer auf eine besondere Welt; Tragik ‘im
allgemeinen’ gibt es nicht.
122
40
Segundo Hans-Georg Gadamer, em Wahrheit und Methode, p.308. “Quem não possui horizonte, é
um ser humano que não vê longe e por isso superestima aquilo que está mais próximo. O sentido de
possuir um horizonte é o oposto, ou seja, não se limita ao que está mais próximo, mas sim por ver por
sobre o que está mais próximo. Quem possui horizonte, sabe avaliar o significado de todas as coisas
dentro deste horizonte a partir dos critérios de proximidade e distância.”
41
Cf. WHITE, H. “Droysens Historik: Historical Writing as a Bourgeois Science”. IN: The Content of
the Form. Pp. 83-103.
42
Cf. GADAMER, H. G. Wahrheit und Methode. p.278.
123
ingênuos” nos parece uma posição que não resiste à leitura dos escritos do próprio
Droysen. Poderíamos ainda mencionar alguns equívocos de análise, tal como a
identificação de Droysen com Descartes no que diz respeito a um sujeito solar e
central. Nada nos soaria mais apressado, pois em Droysen o que poderia ser
entendido como sujeito terá filiação antes com o idealismo especulativo ou ainda com
um sujeito que não é psicologicamente orientado, puro, alienado do meio em que vive
e no qual nasceu43.
3.2.1.
Interpretação e ação.
43
Cf. GADAMER, H.G. Wahrheit und Methode. p. 216.
124
sobretudo deixa de preencher uma lacuna decisiva, uma lacuna que poderá mostrar
como a história simultaneamente especulativa e representativa é necessária.
Droysen fará uma interessante exposição do processo interpretativo, dividindo
a compreensão em quatro momentos: interpretação pragmática, interpretação das
condições, interpretação psicológica e interpretação das idéias. Se não fosse um
processo, poder-se-ia suspeitar que, em algum destes momentos, o sentido histórico
seria mais acessível; todavia, o objeto da história não se mostra imediatamente pois
sua configuração não depende de elementos exclusivamente alheios ao observador.
Mesmo em seu primeiro momento – a interpretação pragmática – vê-se que, para
Droysen, é fundamental que o historiador tenha consciência deste movimento em que
a história constrói seu próprio elemento. É o que Hayden White chamara de
“fenomenologia da leitura”45.
A interpretação pragmática é a busca de evidências e informações nas fontes
feita pelo interesse do historiador. Nela se experimenta o ímpeto de dividir e retalhar
o material histórico em busca da maior precisão e reconstrução exata de um
determinado contexto ou de uma determinada época. Droysen sabe perfeitamente
44
WESTPHAL, M. “Hegels Phänomenologie der Wahrnehmung” IN: FULDA, H. & HENRICH, D.
Materialen zu Hegels Phänomenologie des Geistes., p.97.
45
Cf. WHITE, H. “Historical Writing as a Bourgeois Science”. p.88
125
ou, melhor dizendo, das diferentes vontades em conflito nas condições dadas. É a
investigação que abre a dimensão da interpretação psicológica. Esta, segundo
Droysen, encontra sua principal moradia no estudo das artes e da poesia. Usando
William Shakespeare como exemplo - e francamente não poderia usar exemplo
melhor, pois o dramaturgo inglês era tratado como semi-deus pelo próprio historismo
alemão, que nele via a configuração do gênio e, portanto, da singularidade histórica -
Droysen explica que a grandeza de Shakespeare não pode ser compreendida se
simplesmente interpretarmos suas tragédias como elaboração posterior de textos por
ele lidos. Não é como leitor de crônicas inglesas, do folclore dinamarquês, de
histórias de Plutarco e dos poemas de Ovídio que, segundo Droysen, Shakespeare se
mostra como é. Digamos que estas seriam as condições morais e temporais (Ovídio e
Plutarco eram amplamente lidos na Inglaterra elisabetana) para a obra de
Shakespeare; seu poder criativo, portanto, aí não se esgota. Da mesma forma que
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Droysen afirmava que o homem torna-se consciente de suas condições herdadas, não
poderia ser diferente com homens que destacaram-se em suas épocas e mesmo em sua
posteridade; a interpretação psicológica investiga sim a vontade, ou seja, a atitude
humana que corresponde à sua consciência e suas escolhas feitas e de não ser uma
criatura passiva perante as condições dadas.
Modulando o que havia afirmado a respeito da dificuldade, senão mesmo
quase total impossibilidade, de identificação com um princípio original, Droysen
levantará dúvidas a respeito do alcance da interpretação psicológica, e, por extensão,
da possibilidade de se reconstruir a ação de um determinado indivíduo.
perguntar como se pode a partir de um fato isolado dizer que isto e aquilo é
constante e perene, e estes são os seus motivos.46
46
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.190. Es treten da mehrere Schwierigkeiten ein. Einmal, der
Handelnde tritt nicht mit der ganzen Fülle seines geistigen Inhalts in das Äussere, das Getane ist nur
der relative, nur die teilweise Ausdruck der Totalität, die wir sein Ich nennen; vielleicht seine Absicht,
aber nicht der Grund seiner Absicht, vielleicht seine Willensstärke, aber nicht die geheime Triebfeder
seines energischen Handelns erscheint in der Tatsache. – Sodann, es ist nur eine oder eine zweite,
dritte Tathandlung }dieses Charakteres{ die uns zur Interpretation zugänglich wird; derselbe Mann ist
vielleicht früher anders gewesen, ist später ein anderer geworden, er ist vielleicht nur durch Umstände,
nur zietweise aus seiner sonstigen Art hinausgedrängt, wie wollen wir aus den einzelnen Tatsachen
schliessen, so und so ist konstant und dauernd dieser Charaktere, so sind seine Motive.
129
“eu” é algo fixo. Sem explicitar, Droysen de alguma maneira mostra os limites de
uma visão histórica que, ao querer se libertar do classicismo normativo, acaba
imitando-o, fazendo da obra imprecedente algo acima de seu tempo, puro, e, por isso,
não criado através de um processo contínuo e histórico. Ou seja, não criado de todo.
Na verdade, não relativizar a interpretação psicológica seria dar à autobiografia ou
qualquer outra forma de confissão o máximo grau de conhecimento humano, o que
seria supor que cada homem pode ter de si o próprio controle de suas expressões, o
que caracterizaria um solipsismo que evitaria o caráter mediado do próprio
conhecimento histórico. A rigor, a história seria inútil já que cada qual teria plena
consciência de si e não precisaria jamais de algo diverso para buscar o conhecimento.
“O espírito não se esgota com predicados”47, diz lapidarmente Droysen, e às
circunstâncias é necessário dar um valor maior, não para que seja criado um grande
mosaico, mas que elas sejam compreendidas como tais e não confundidas com uma
totalidade determinada pela tentativa de julgar do historiador. Segundo Droysen, um
evento, uma situação, um fato, uma ação devem ser interpretadas de acordo com a
idéia que lhes atravessa.
47
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.190. Das Geistige ist eben nicht mir Prädikaten
auszuschöpfen
130
como os de Martinho Lutero, Kant ou Napoleão, não se trata de enquadrar toda uma
época em suas vidas, mas de reconhecer de alguma maneira que suas obras refletiam,
como se iluminassam, a totalidade do mundo das forças éticas. Fundamental na idéia
de sagrado em Lutero, de conhecimento em Kant e de poder em Napoleão não é que
suas épocas se limitassem ao sagrado, à filosofia ou à política, mas, na verdade, tais
idéias, dada a sua força, colocavam em conflito todas as demais, movimentando-as.
Assim, elas não eliminavam, mas mostravam, em seu devir, como a idéia de sagrado
em Lutero poderia, como ressalta Droysen, violentar a idéia de belo (dada a sua
importância no catolicismo), ou a idéia de poder, em Napoleão, a idéia de bem e de
justiça. Assim, criadores como Lutero, Kant ou Napoleão desestabilizam ao
estabelecerem novos princípios para uma determinada época:
3.2.2.
Representação e conhecimento histórico.
48
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.210. Man sieht, es wäre ungenügend, eine Gegenwart nur
unter dem Gesichtspunkt einer Seite der Alternativen zu betrachten, sie wird erst verständlich, wenn
man sie zugleich nach der anderen, nach allen anderen Seiten, nach der in allen Punkten gleichzeitigen
Bewegung auffasst.
Diese Bewegung ist nichts anderes als die rastlose Kritik, welche die Ideen untereinander gegen ihren
einsitigen Ausdruck üben (…) Das Leben der Ideen selbst ist es, so im rastlosen Ringen zu werden,
d.h., von Gedanke zu Gedanke fortschreitend sich immer tiefer, bedidungsreicher, durchgearbeiteter zu
gestalten und in das Bewusstsein zu sinken.
133
fosse exatamente original, posto que Johann Gottfried Herder49, Wilhelm von
Humboldt e Gottfried Gervinus já haviam lidado com o tema, ao menos apresentava
uma nova forma de tratamento do problema. A criatividade do historiador, já
ressaltada pelo citado Humboldt em seu clássico texto “Sobre a tarefa do
historiador”50, era entendida por Droysen como uma necessidade, não um capricho
diletante; a verdadeira obra historiográfica deveria ser necessariamente criativa, pois
a passividade absoluta exigida pelo objetivismo era impossível em seu cerne, e,
assim, a discussão das formas de pensar historicamente ultrapassa a mera escolha de
tendências teóricas. Todavia, Droysen não se deixava encantar facilmente pela idéia
de criatividade nas ciências históricas:
Longe de nós afirmar que por isso [pela dimensão criativa da história.-N.A.] que a
história pertença à área da grande literatura; seria somente uma confusão conceitual
dizer que necessariamente deveriam entrar aqui formas artísticas e estéticas só
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É bem verdade que Droysen pressupõe uma idéia de arte e do artista ainda
bastante impregnada pelo romantismo – mesmo que se saiba que ele já se distancia do
entusiasmo romântico e sua busca de reconciliação do homem com a natureza – pois,
para marcar a dimensão criativa do historiador ele precisa desenhar uma imagem do
artista como um ser praticamente fechado em si mesmo e puramente determinado
49
Johann Gottfried Herder, mesmo sem ter elaborado uma Historik no sentido próprio do termo, ou
seja, sem ter se dedicado à sistematização de uma ciência histórica, obteve conquistas interessantes
dentro de sua filosofia da história informada por uma filosofia da linguagem. As premissas de uma
teologia negativa em Herder fariam da criatividade uma exigência, jamais um capricho. Posto que
Deus jamais poderia ser conhecido plenamente, e, assim, jamais imitado, haveria a necessidade de se
lançar mão de recursos discursivos que ultrapassassem os limites da linearidade da simples mimesis,
da mera cópia.
50
Cf. HUMBOLDT, Wilhelm von. “Sobre a tarefa do historiador”. IN: Anima: História, teoria,
cultura. Curitiba: Casa da Imagem, 2001. pp. 79-90. Neste texto, Wilhelm von Humboldt deixa claro
dois elementos que seriam posteriormente aproveitados – e sistematizados – por Droysen. Humboldt
tanto critica a objetividade do historiador, como alerta que a criatividade que ao fim deste é exigida se
movimenta dentro de uma certa noção de humanidade, cuja forma seria depurada ao longo dos tempos.
Para Humboldt, ainda o termo compreensão não viria à tona, mas sobretudo o termo “Begreifen”. A
função semântica todavia é a mesma.
51
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.217. Aber wir sind weit davon entfernt, zuzugestehen, dass
die historische Wissenschaft darum im Bereich der schönen Literatur gehört; es wäre nur eine
Verwirrung der Begriffe, zu sagen, dass hier notwendig künstlerische, ästhetische Formungen eintreten
müssten, weil von Ideeen und von Darstellung die Rede ist.
134
pela sua imaginação. Todavia, o que ele dirá do historiador será suficiente para que se
evite dizer que a subjetividade a ser vista em sua atividade não é plena e somente
dependente de si mesma. O objeto a ser estudado pelo historiador oferecerá
resistências, e, assim, a determinação dos meios do conhecimento em momento
algum escapam da tentativa de conhecer o objeto deste mesmo conhecimento.
Seguindo o mesmo padrão criado para mostrar o caráter interpretativo do
conhecimento histórico, Droysen irá elaborar, desta vez até com mais rigor, uma
tipologia do discurso histórico. A tipologia da representação histórica elaborada por
Droysen poderá ser bastante útil, e como tal indica um fator de diferença em relação a
Hegel – ainda que o filósofo, em sua preleção sobre história mundial em 1821 (a mais
famosa, a Razão na História, é de 1830), tenha delimitado igualmente a apresentação
histórica em uma tipologia. Mas a questão não é exatamente confeccionar ou não uma
tipologia, mas reservar-lhe um lugar para a importância da representação que não se
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caminho que o levou até seus resultados. A exposição investigativa pode, neste
sentido, partir tanto da questão que motivou o historiador a investigar, e, assim,
apresentar os dados recolhidos a partir desta questão formulada previamente, ou
mostrar como a própria pesquisa, ao encontrar materiais que deixavam muitas
lacunas, levanta novas questões cujos resultados só podem ser acolhidos se sua
provisoriedade for aceita. Lembrando seus dias de helenista, Droysen afirma que a
presença constante da figura do camponês nas comédias de Aristófanes pode ser
pesquisada e apresentada tanto na constatação desta mesma presença, bem como
através da pergunta pelo motivo que teria levado Aristófanes, dadas as condições da
agricultura grega em sua época, a representar o agricultor desta ou daquela maneira
nesta ou naquela peça. Todavia, o que importa ressaltar é a idéia de mimesis aí
explicitada por Droysen, ou seja, uma mimesis da próprio caminho de pesquisa.
Esta mesma idéia de mimesis irá receber uma outra face na dimensão seguinte
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O mais importante, como foi dito, é que se mantenha a tensão entre o narrador
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52
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.233. Der Historiker umhüllt und maskiert nicht etwa
spekulative Gedanken mit Tatsächlichkeiten, sondern die Tatsachen, die er erzählt, sind selbst die
Momente seiner Gedankenreihe. Deshalb hat denn auch Hegel mit seiner Philosophie der Geschichte
keinen grossen Dienst geleistet; er [der Historiker] denkt sozusagen in der Formen von Tatsachen, so
wie der Maler nicht von irgendwelcher Abstraktion her seine Figuren ordnet und seine Farben verteilt.
137
fatos que darão formas à narrativa é sempre determinada de acordo com um critério.
Aí chega Droysen a um ponto decisivo: a narrativa sempre parte de uma perspectiva,
precisando ter um ponto de observação sólido. Este ponto é o elemento produtivo,
jamais aquele que simplesmente se deve superar e esquecer para que os fatos
apareçam. Da mesma maneira que se pode notar que o presente apesar de não se
identificar com o momento imediato, é o “espelho da eternidade de Deus”, aqui
Droysen também está consciente de que este ponto de observação pode ser sólido,
mas também é estreito. A nação poderá dar-lhe esta consistência e servir de ponto de
partida, jamais como um resíduo do qual o historiador tem que se livrar.
Outras nações, menos dominadas pela disposição alemã de fazer história mundial e
mais dominadas pela visão parcial do nacionalismo, conseguem se sair melhor com
a representação narrativa, pois elas firmaram de uma vez por todas este ponto de
vista nacional. (…) A nós nos falta esta parcialidade e força nacionais, a nós nos
falta esta autoconfiança; Entre nós a parcialidade é motivo de acusação quando
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53
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. pp.235-6. Andere Nationen, die weniger als die deutsche von
weltgeschichtlichen Dispositionen beherrscht und einseitiger national sind, wird die erzählende
Darstellung darum stets besser gelingen, weil sie ein für allemal diesen ihren nationalen
Gesichtspunkten festhalten (…) Uns fehlt diese nationale Einseitigkeit und Härte, diese
Selbstgewissheit; bei uns wird über Parteilichkeit geklagt, wenn jemand von den deutschen Dingen
deutsch, oder preussisch denkend schreibt; und wir sind darüber in die unglückselige Art geraten, es
für vortrefflich zu halten, wenn man gar keinen Standpunkt hat (…)
Ich danke für diese Art von eunuchischer Objektivität, und wenn die historische Unparteilichkeit und
Wahrheit in dieser Art von Betrachtung der Dinge besteht, so sind die besten Historiker die
schlechsten und die schlechsten die besten. Ich will nicht mehr, aber auch nicht weniger zu haben
scheinen als die relative Wahrheit meines Standpunktes, wie mein Vaterland, meine religiöse, meine
politische Überzeugung, meine Zeit zu mir haben gestattet. Der Historiker muss den Mut haben, solche
Beschränkungen zu bekennen, denn das Beschränkte und Besondere ist mehr und reicher als das
Allgemeine. Die objektive Unparteilichkeit, wie sie z.B. Wachsmuth in seiner Historik empfiehlt, ist
unmenschlich. Menschlich ist vielmehr, parteilich zu sein.
138
54
SCHULZ, W. Philosophie in der veränderten Welt. p.570.
139
55
Não podemos deixar de assinalar a notável atualidade de Droysen na tipologia elaborada: vejamos o
caso de três obras fundamentais para a compreensão do nacional-socialismo, evento histórico
evidentemente posterior a Droysen: não é a obra de Daniel Goldhagen, Os Carracos voluntários de
Hitler, um exemplo de uma narrativa na qual se confirma uma idéia, a saber, a de que os alemães são
em todos os tempos anti-semitas homicidas, que somente esperaram as condições naturais de
realização do massacre judeu? E a obra clássica de Raul Hilberg, The Destruction of the European
Jews, não seria justamente a exposição de um anti-semitismo que se desenvolve de um
assimilacionismo que busca converter os judeus em cristão até simplesmente o seu assassinato (a idéia
em três etapas: vocês não têm o direito de viver entre nós como judeus/ vocês não têm o direito de
viver entre nós/ vocês não têm o direito de viver)? Por fim, a própria idéia de metamorfose, na qual ha
uma quebra de identidade, não seria a categoria restante para se lidar não somente com a história das
duas repúblicas alemãs do pós-guerra, mas também com toda a história européia depois de Auschwitz?
56
DROYSEN, J.G. Historik. ed. Leyh. p.243. Es ist und bleibt da eine substantielle Grundlage, die in
allen tiefinnerlichen Gestaltungen des Volkslebens wieder durchbricht.
140
57
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.246. Es ist der Kampf relativ berechtiger Existenzen, relativ
wahrer Gedanken gegeneinander, ein Kampf, über dessen Verlauf der höhere Gedake schwebt (…)
Hier gilt es zu zeigen, wie aus Titanenkämpfen eine neue Welt und die neuen Götter werden; genau
wie in der Tragödie; denn so schliesst Aischylos seine Orestia ebensowohl wie Shakespeare seinen
Macbeht, seinen Hamlet.
141
possibilidades para além de sua possibilidade narrativa, ainda que não a exclua como
tal. Se a idéia de história já aparece geralmente contaminada por pressupostos não
examinados, e se exame significa mais do que uma simples limpeza, mas, na verdade,
uma tomada de consciência dos elementos que formam o presente, chega-se a um
ponto decisivo no pensamento teórico e histórico de Droysen: se para superar o aqui e
agora e o presente imediato, logo, para que se torne um homem culto (gebildeter
Mensch), o historiador deve assim se contentar com a exposição através de uma
representação narrativa?
58
Ibid. p.276. Wenn man den Staat nur ansieht als die organisatorische Rechtsideem so ist das
vollkommen unzugägnlich, denn das Wesen des Staates ist, Macht zu sein, die öffentliche Macht der
Gemeinsamkeit, die er umfasst. Aber sagt man, was geht ihn die Kirche und die Schule, die
Volkswirtschaft und Handeln an? Alle diese Momente haben für ihn die Gesichtspunkte, die
öffentliche Macht zu mehren oder zu mindern, zu sichern oder zu gefährden; die Macht ist nicht bloss
Geld und Armee, die öffentliche Macht ist nicht bloss rohe Gewalt.
59
DROYSEN. J.G. Historik. Ed. Leyh. p.280. Ich hoffe erwiesen zu haben, dass es ebenso
ungenügend ist, das Gebiet der Geschichte auf den Staat zu beschränken, wie zu meinen, es gäbe nur
142
eine Weise historischer Darstellung, die erzählende. Und ich glaube, dass die Einischt der
Mannigfaltigkeit der Darstellungsformen eine in vieler Weise fruchtbare und geeignet, ein Vorurteil zu
beseitigen, an dem unsere Wissenschaft recht gründlich krankt.
60
Cf. KOSELLECK, R. “Historik und Hermeneutik”, IN: idem. Zeitschichten. e RÜSEN, J. Lebendige
Geschichte. Por não tratar diretamente de Droysen, preferimos fazer apenas algumas anotações sobre a
tipologia elaborada por Koselleck, na qual ele tenta estabelecer pares conceituais que tornem “as
histórias possíveis”. Para Koselleck, há cinco determinações existenciais que dão conta das diferentes
configurações que qualquer história pode assumir: ser-para-a-morte e possibilidade-de-extermínio
(uma adaptação do fundamental conceito heideggeriano à época pós-campos-de-concentração,
digamos assim); amigo e inimigo (par que Koselleck estranhamente não credita a Carl Schmitt,
referência sempre constrangedora na Alemanha depois de 1945), velho e novo (uma apropriação –
novamente sem referências! – das idéias desenvolvidas nas décadas de 20 e 30 do século XX pelo
filósofo espanhol José Ortega y Gasset); senhor e escravo (par assumidamente hegeliano) e, por fim,
novamente inspirado em Heidegger, interioridade e exterioridade, que para Koselleck são uma forma
de aplicar na historiografia a idéia de especialidade do “ser-no-mundo” do autor de Ser e Tempo. Uma
contribuição interessante, nem sempre original, fortemente marcada por uma certa ânsia em aplicar
Heidegger à historiografia.
143
que significados políticos-sociais ela poderá ter. Tudo muito sagaz, mas que parte de
uma pergunta, que, ao nosso ver, deverá vir somente em um segundo momento.
A bibliografia sobre a narrativa em Droysen porém, vem sendo estudada com
destaque sobretudo por autores como Hayden White e (novamente) Jörn Rüsen.
Lamentavelmente o que White produziu até o momento sobre Droysen não chega a
ser muito extenso – a ele lamentavelmente não é dedicado nenhum capítulo ou parte
do clássico Metahistory. Possivelmente pelo motivo que White mostrará
posteriormente em um artigo isolado (“Droysens Historik: Historical Writing as a
Bourgeois Science”) publicado em The Content of the Form: ou seja, por Droysen ser
abertamente um historiador burguês, com atividade político-partidária. Mas isto é
somente uma vaga hipótese: na verdade, gostaríamos de comentar duas observações
de White, ambas pouco desenvolvidas mas corretas, e que por este motivo não
podemos deixar de assinalar. Primeiramente, White é dos poucos comentadores a
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61
Cf. ISER, W. “The Hermeneutic Circle”.
144
típica, ser representado e vivido tanto como repetição, continuidade e ruptura, para
Rüsen os crimes nacional-socialistas e a Segunda guerra mundial obrigariam o
historiador a acrescentar uma quarta categoria: o trauma. Se mesmo na concepção de
ruptura prevalece sobretudo a idéia de que é possível ir adiante, idéia fundamentada
em uma perspectiva crítica e revolucionária que deslegitima o passado e aponta
utopicamente para o futuro, no trauma, segundo Rüsen, predomina a paralisia. Nesta,
é impossível continuar. No caso de Droysen, autor que Rüsen domina há décadas,
poderíamos falar dos tipos de crise e trauma, ou seria necessário, neste caso,
esquecermos os tipos ideais? E ainda deveríamos acrescentar: por mais que haja entre
sua tese de doutoramento sobre Droysen e seu texto sobre crise um nada desprezível
intervalo de mais de trinta anos, sentimos falta em Rüsen da questão que deve ser
inevitavelmente formulada: se para a liberdade do homem (historicamente
compreendida) é absolutamente necessária a Entfremdung (o estranhamento, o
desgarramento), a crise como vivência do presente, por que a Entfremdung traumática
a evita? Seria a diferença assim tão gritante? Formular tais questões nos parece
necessário por um motivo: estamos a ver de que maneira podemos dialogar com
62
Cf. RÜSEN, J. “Krise, Trauma, Identität”. IN: Zerbrechende Zeit: Über den Sinn der Geschichte.
pp. 145-180.
145
Droysen – ou por outra, com uma outra tipologia para a crise. Se não podemos tratar
aqui diretamente do conceito de trauma, por outro lado ele nos serve por ora como
um resultado adquirido e pronto, um contra-conceito que a todo instante pode
contaminar e/ou influenciar o que entendemos como sendo a experiência de crise em
outras épocas históricas. Fica a irônica pergunta: teríamos somente nós, homens pós-
Auschwitz e Hiroshima (e agora, possivelmente pós-onze-de-setembro), a
exclusividade e o monopólio do trauma e da crise? É justamente o reconhecimento
desta angústia (que reservamos aos nossos dias) que serve de lastro para que Droysen
pense sobretudo nas possibilidades de expressão e articulação, de atribuir sentido ao
contigente e ao desconcertante – sua obra está atravessada com uma reflexão sobre a
linguagem como local de embate com um passado que simplesmente não se apaga.
Possivelmente a grande diferença estaria em ver que Rüsen, neste artigo em
que tematiza crise, trauma e identidade, estabelece uma diferença com uma tipologia
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por ele mesmo elaborado quinze anos antes. Em Lebendige Geschichte (História
viva), a terceira parte de sua trilogia Grundzüge der Historik (Elementos
fundamentais da teoria da história)63, Rüsen nos mostra que o pensamento histórico
encontra quatro formas básicas em suas maneiras de constituir e atribuir sentido:
tradicional, exemplar, crítica e genética. Na tradicional, as identidades se estabelecem
através da assimilação de ordens previamente estabelecidas; na forma exemplar, o
meio se dá através da sensatez, da imitação de exemplos notáveis e bem-sucedidos; a
maneira crítica se pauta sobretudo pela idéia de autonomia, ou seja, afirmação da
própria identidade através da crítica de modos anteriores de existência; por fim,
haveria a genética, que fala de individualização (“Bildung”, segundo Rüsen!), ou seja,
marcada por um desenvolvimento de formas previamente existentes. É interessante
notar que, ao falar de trauma como categoria do pensamento histórico, não é somente
toda e qualquer continuidade que é vetada; é sobretudo uma afasia que se faz
presente, em que nem mesmo a expressão do diagnóstico da crise é mais possível.
Formulando de outra maneira: é claro que para o modo tradicional de constituição de
sentido histórico não há sequer margem para crise; no modo exemplar, a crise é
simplesmente um caminho seguido equivocadamente; o que restaria fazer é
63
Cf. RÜSEN, J. Lebendige Geschichte. p.86.
146
64
Cf. DINER, D.: “Historical Understanding and Counterrationality: The Judenrat as Epistemological
Value” IN: FRIEDLÄNDER, S. Probing the Limits of Representation.
147
claro aos conselheiros judeus nos guetos. Todavia, apesar da necessária descrição do
argumento de Diner, devemos nos perguntar: em que consiste a irracionalidade na
operação do ato de comprrender? Onde ela se localiza? A própria filosofia da história
não a pressupõe, ao simplesmente mostrar como a vontade move a história, mesmo
que o objetivo desejado nada tenha a ver com o resultado efetivamente conquistado,
e, neste sentido, o nacional-socialismo de fato é um fator de origem da Alemanha
federal e da Alemanha comunista, sem que jamais tivesse sido esta a intenção. Mas
não é este ainda o ponto. Droysen mesmo apresentou o limite da investigação
psicológica, e na verdade viu na interpretação das idéias a camada decisiva de
atribuição de sentido. Haverá nela um espaço para a irracionalidade? Poderia Droysen
ter se posto a pergunta que Diner colocaria a partir do caso do nacional-socialismo? O
mais interessante, e aí Diner, na nossa opinião, subestima a idéia de compreensão no
século XIX, é ver como na verdade a construção, a criação que a idéia de
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compreensão pressupõe, não pode ser incompatível, ao menos como plano de uma
ciência, para Droysen. A grande diferença poderia ser percebida na dimensão coletiva
assumida pelo trauma no século XX, dimensão esta que o transformou, mesmo com
sua base na psicanálise, em categoria de análise histórica. Evidentemente, o trauma
coletivo não é uma experiência da qual Droysen pode falar, a ponto de se empenhar
na afirmação da produtividade do saber histórico; afinal, é tentador ver em Droysen
um autor que aposta no presente como instância única do saber histórico, presente
este cujo sentido seria determinado pela mobilidade do historiador entre os tipos
possíveis de discurso histórico. Aí o historiador poderia ter uma dimensão ativa na
história. Todavia, não se resolve o problema simplesmente deslocando o foco para o
presente. A ênfase da dimensão ativa e criativa do pensamento histórico não resultará
em fragmentação e atomização do saber. Droysen dirá:
Já se afirmou claremente que a obra da criação – pelo menos a que vemos na Terra
- já está completa, e tudo que é terreno tem sua ordem e sua lei, movimenta-se
continuamente de acordo com leis mecânicas e físicas (…) Mas a compreensão e
pensamento desta criação e sua ordem, sua expressão e formulação deste
sentimento e pensamento, já são em si uma nova criação, não de materiais, mas de
formas, e de tal modo que não permanece alheio aos primeiros. Pois a criação de
Deus adquiriu ali uma outra e mais alta configuração. Deus criou o homem à sua
imagem, ou seja, que o homem continue criando através das formas.
148
verdade criativo e produtor, a admitir que sua base ética é resignada. Como pensar em
uma história da história, ou seja, em uma totalidade possível, sem que se caia
simplesmente em uma teleologia?
O ponto é: se temos um problema em articular a perspectiva do vôo do
pássaro com a parcialidade, que narrador será este que não esconderá sua autoria mas
que, ao mesmo tempo, não terá qualquer inibição em falar em história das histórias,
comparação e, portanto, humanidade? E esta parcialidade não estaria por sua vez
mascarada por um sujeito nacional, ou seja, em uma concepção orgânica sempre
negada por Droysen? Seria esta parcialidade, uma vez identificável como parcialidade
de um sujeito “nacional” compatível com a idéia de culpa?66 Sim, e aí Droysen seria
65
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.314. Man hat wohl gesagt, as Werk der Schöpfung – soweit
wir es auf der Erde sehen – sei vollbracht, alles Irdische habe nun seine Ordnung und sein Gesetz,
bewege sich nach den mechanishcen und physikalischen Gesetzen weiter, erhalte sich durch die
schöpferisch eingeplanzte Ordnung. Aber das Verstehen und Denken dieser Schöpfung und ihrer
Ordnungen und das Aussprechen und Ausformen dieses Empfindes und Denkens ist ersten nicht feind.
Diese schöpferische Kraft des Menschen ist in dem lógos, sie ist geworden und wird und wirkt täglich
fort in den idealen Gemeinsamkeiten und durch sie dann auf die anderen Sphären; in ihnen ist die
Geschichte der Geschichte.
66
Cf. LIMA, L.C. Mimesis: Desafio ao pensamento. pp.234-5. Vale a pena lembrar o alerta que Costa
Lima faz a respeito do perigo de se ver a nacionalidade como um sujeito mais oculto da hitória. O
teórico está interessado na mudança que tal noção causará na teoria literária e na história da literatura
149
pouco mais do que um propagandista da causa alemã, mas por outro lado devemos
ver que a capacidade criadora do homem não se funda em uma nacionalidade ou
outra; mas sim a sua possibilidade de, ao sair do imediato, ser capaz de perceber que
a abstração não está previamente dada; mas que também é criada e tem seus passos
próprios, como demonstram tanto sua “fenomenologia da leitura” no exame do
conceito de compreensão como também sua tipologia da narrativa.
A aposta no homem da Bildung é uma possibilidade de compreender este
dilema. Na verdade, nos servirá o termo Bildung como instrumento heurístico
privilegiado: através dele, poderemos entender a história da história, em que um
historiador burguês é capaz de fazer a autocrítica de sua própria situação cultural e
social. Mais do que emblema ideológico capaz de iludir sua mediação social, a
Bildung será o termo capaz, em Droysen, de desnudar sua própria condição, e que
ainda seja possível falar em “história da história” é porque a idéia de “progresso” na
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história ainda é digna de aposta, mas não de adesão acrítica. Na verdade, parece que
estamos entre a espada e a parede: se não se pode falar de modo algum em progresso,
e de fato há sempre um mal-estar quando se lê, depois do século XX, tal termo em
texto de qualquer época, por outro lado, será que ainda não nos seria possível falar em
uma história como “singular coletivo”? Invertamos: que implicações teríamos se
simplesmente descartássemos, juntamente com o projeto de progresso, a idéia de uma
história como sujeito de si mesma? Não somente teríamos um conjunto empírico
caótico que sobreviveria em pequenas coerências, mas sobretudo estaríamos, por
exemplo, condenados a uma tal autotelia de tais pequenas coerências na qual toda e
qualquer comparação seria logica e praticamente impossível. É nestes termos que
falamos em identidade no pensamento de Droysen.
A identidade exigida por Droysen como condição de compreensão é o que
alimentará a idéia de “história da história”; suportaria tal “singular coletivo” uma
contra-racionalidade, na medida que na contra-racionalidade, nos termos propostos
por Dan Diner, ficaria suspensa a possibilidade da identificação através da culpa e da
participação? Quando Diner demonstra que a margem de ação, logo de escolha, dos
em geral, mas creio que pode ser perfeitamente transposto para a historiografia que vê na nação uma
entidade histórica de funções quase providencialistas.
150
conselhos judaicos nos guetos espalhados pelo Terceiro Reich, devia ser avaliada não
pela ilusão da liberdade de escolha, mas pela lógica errada empregada para motivar
uma ação, como faremos para lidar com uma tal tipologia de crise? De todo modo,
estamos apenas exercendo o dever de esclarecer pressupostos que nos informam em
qualquer estudo sobre a Alemanha e sobre a consciência histórica em geral; o que
importa ressaltar no momento é o seguinte: a linguagem criada por Droysen como
Historik é especulativa, mas convida à busca pela criação de novas referências, de
novos objetos. Não dispensa, por assim dizer, um certo pragmatismo. A culpa, em
Droysen, ou se quisermos, em um autor do século XIX, não paralisa. Será antes meio
formidável de autocrítica da Bildungsbürgertum, da burguesia culta.
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4.
A História como formação.
1
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p. 256. Aber warum ist es wichtig, sich übe die Vergangenheit
zu belehren?
2
JÄGER, F. Bürgerliche Modernisierungskrise und historische Sinnbildung., p.86.
152
prussiana, é um século que não se deixa facilmente reduzir a poucos termos. Pode ser
identificado com o romantismo e seu elogio da espontaneidade que remete ao Sturm
und Drang do século XVIII – mas também tem suas sombras; afinal, a idéia de
mediação implica, no mínimo, uma crítica à espontaneidade apaixonada. A pergunta
que Droysen se faz sobre a necessidade de se conhecer historicamente deve ser
entendida para além do que seu impacto inicial impõe: ou seja, não se trata de ver
como Droysen tenta incentivar os seus alunos a devorar livros de história. Mas
sobretudo ele questionava o próprio sentido da pesquisa: por que pesquisar história
grega? Afinal, já não esgotara a filosofia da história de Hegel o assunto ao submeter
os seus fatos a uma determinada ordem dentro do percurso que o espírito percorre até
o conhecimento de si mesmo?
Cabe-nos entender em que as pesquisas de Droysen sobre Grécia não
somente alterariam a visão sobre este período histórico específico, mas sobretudo
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porque a visão sobre este período histórico específico – Grécia, e não Idade Média ou
Egito – foi capaz de servir de lugar para que o século XIX, na figura de Droysen,
pudesse pensar a si mesmo e suas crenças mais arraigadas. Cumprido este percurso,
teremos mostrado como o conhecimento de uma particularidade termina por ser um
conhecimento que se faz de si mesmo um objeto. O que caracteriza a pesquisa
histórica propriamente dita, o que a leva a se apoiar em um objeto “externo”, por mais
que jamais dispense a pergunta prévia que define, segundo Hegel, uma ciência do
espírito? Estamos empenhados em compreender porque a história se torna uma
necessidade justamente pela situação de crise que ela se encontra como forma de
pensamento – entenda-se que esperamos das páginas seguintes mais do que o
habitual, ou seja, afirmar que a consciência histórica nasce das crises, tendo a elas
diferentes respostas (como já fez muito bem Jörn Rüsen em sua tipologia exibida em
Lebendige Geschichte).
Para que possamos encaminhar o presente capítulo, lembremos o que nos diz
Christoph Menke a respeito da superação do trágico na filosofia da história de Hegel:
4.1.
Crise da Europa, progresso da ciência.
Para começar, ressaltamos que a idéia de ciência para Droysen cobria algo
mais amplo do que uma área meramente interessada em marcar aqui ou acolá suas
fronteiras acadêmicas e disciplinares. O problema da ciência era um problema da
Europa. Quando pretendia se desvencilhar da filosofia hegeliana da história,
3
MENKE, C. Tragödie im Sittlichen. p.23. Und zwar formuliert Hegel diese antitragische Metaphysik
der Versöhnung in Gestalt einer Geschichtsphilosophie, die in der Konzeption eines Zustandes zu sich
selbst gekommener und vollendeter Vernunft gipfelt, in dem es tragisch notwendige Kollisionen nicht
mehr gibt. Das ist in Hegels Geschichtsphilosophie die Situation der Moderne: der moderne Sieg der
Vernunft ist auch für Hegel der Tod der Tragik.
154
Quem está em condições de observar com calma e pensar de modo claro precisa se
convencer de que se modificaram, há duas gerações, todas as condições básicas da
vida européia, todas as forças sociais e estatais, todos os fatores espirituais e
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4
DROYSEN, J.G. “Zur Charakteristik der europäischen Krisis”. IN:Politische Schriften. p.322 Wer im
Stande ist, ruhig zu beobachten und klar zu denken, muss die Überzeugung gewinnen, dass sich seit
zwei Menschenaltern alle Voraussetzungen und Bedingungen des europäischen Lebens, alle socialen
und staatlichen Kräfte, alle geistige und materiellen Factoren verwandelt haben. Sind zu so
verwandelten Inhalt neue Formen gefunden, den neuen Impulsen neue Richtungen gewiesen, für die
gährenden , explosiven Gewalten mehr als der Druck, der sie momentan niederhält, organisirt?
155
Ela [a destruição do antigo] encontra seu ápice nas regiões da vida espiritual em
uma visão-de-mundo que, não importa o que lhe seja dito, já encontrou as
justificativas mais brilhantes em grandes áreas da atividade científica (…) Seria
ridículo não se alegrar com os progressos notáveis das disciplinas físico-
matemáticas; que seus pressupostos, seu método, seu resultado sejam os únicos a
adquirir validade científica confiável e que seja determinante, não é uma crítica que
se lhes faz (…) Seu pressuposto é a matéria e a causalidade imanente, de acordo
com as quais elas se determinam. (…) Seu método é, observando, encontrar o que
há de normativo nos fenômenos, cuja gênese deve ser achada também nas suas
condições e formas, e as analogias encontradas devem ser expressas como lei (…)
Por fim, seu resultado é que, sem considerar os incomensuráveis efeitos para a vida
prática, para compreender as coisas que estão dispostas para a satisfação das
necessidades humanas e para o domínio da natureza (a soma de todas as condições
previsíveis da vida), não é necessário outro pressuposto além da eternidade da
matéria e da continuidade da transformação objetiva.
Com o sucesso evidente deste método na pesquisa do mundo dos fenômenos, não é
5
preciso muito (…) para derrubar a ponte daquilo que até então se chamara espírito
5
DROYSEN, J.G. “Zur Charakteristik der europäischen Krisis”. IN:Politische Schriften. pp. 324-5.Sie
gipfeltsich in den Bereichen des geistigen Lebens in einer Weltanschauung, die, was man auch von ihr
sagen mag, in einem grossen Bereiche wiessenschaftlicher Thätigkeiten und Anwendungen bereits die
glänzendste Rechtfertigung gefunden hat und wieder von ihnen aus Methode und systematische
Begründung empfängt. Es wäre lächerlich, sich nicht an den herrlichen Fortschritt der mathematisch-
physikalischen Disciplinen zu erfreuen; dass ihre Voraussetzungen, ihre Methode, ihre Resultate
bereits als die allein wissenschaftlichen, massgebenden, zuverlässigen Geltung gewinnen, ist kein
Vorwurf für sie, höchstens ein Tadel für diejenigen Bereiche des wissenschaftlichen Lebens, die sich
ihrer nicht zu erwehren vermögen. Ihre Voraussetzungen ist die Materie und die immanente Causalität,
nach der sie sich bestimmt und ihre Erscheinungsform wechselt. Ihre Methode ist beobachtend, in den
Erscheinungen das Normative, die Bedingungen und Formen ihrer Genesis zu finden und die Formel
der gefundenen Analogie als Gesetz auszusprechen (….)
156
burguês, crítica que se revela tanto mais significativa quando lembramos que Droysen
era um partidário de centro-direita.
Todavia, somente experimentaríamos como choque inconciliável tal visão se
admitíssemos sem exame posterior a identificação absoluta e sem restos dos valores
da Bildung com a Bildungsbürgertum, com a burgueia culta. Sim, esta visão
pessmista de Droysen está solidamente ancorada no ideal alemão de Bildung – um
ideal difuso, presente em diferentes áreas do conhecimento e na própria prática
cotidana da Alemanha da época, mas por isso mesmo bastante útil como instrumento
que nos permite perceber as semelhanças dentro do próprio mundo intelectual. Trata-
Ihr Resultat endlich ist – abgesehen von unermesslichen Wirkungen für das Güterleben – dass man
zum Verständnis der Dinge, die da sind, zur Befriedigung der menschlichen Bedürfnisse und zur
Beherrschung der Natur, das ist der Summe aller berechenbaren Lebensbedingungen, keine andere
Voraussetzung braucht und brauchen kann, als die Ewigkeit der Materie und die Continuität des
Stoffwechsels.
Bei den evidenten Erfolgen dieser Methode in der Erforschung der Erscheinungswelt liegt es nahe, mit
ihr und von den gewonnenen Resultaten aus auch die Brücke zu schlagen nach diejenigen Gebieten,
welchen man bis dahin die des Geistes nannte.
6
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. pp.40-1. (…) die Fähigkeit erwecken, in allem menschlichen
Seienden die Lebenskraft seines Werdens und zu aller lebensvollen Kraft die Gestaltung und
Verwirklichung, die sie sich zu geben hat, erkennen und sofür den falschen Dualismus, der nur in der
Abstraktion entsteht und der von Anfang bis zu Ende unsittlich ist, die Gewissheit der Versöhnung, die
die ethische Welt ist, zu gewinnen.
157
7
Cf. GADAMER, H.-G. Wahrheit und Methode. pp.14-5.
8
Cf. NIPPERDEY, T. Deutsche Geschichte 1800-1866. p.58.
158
De acordo com suas metas, forças e necessidades, todo homem e todo povo precisa
de um certo conhecimento do passado (…): não como um grupo de puros
pensadores, que apenas contemplam a vida, não como indivíduos ávidos de saber,
que só se satisfazem com o saber e para os quais a ampliação do conhecimento é a
própria meta, mas sempre apenas para os fins da vida, e portanto sob o domínio e
condução suprema destes fins.9
O que temos todavia são dois lados de uma visão sobre o saber no século
XIX, no qual naturalmente se inscreve o saber histórico. Ao mencionar a crise
européia, Droysen a relaciona com o método das ciências naturais; Friedrich
Nietzsche, por seu turno, vê historiografia e Bildung indissociadas. Devemos neste
momento ver como foi recebida tal concepção de Bildung. Está em questão a própria
forma como a cisão entre saber e mundo era pensada, ou seja, se esta cisão era de fato
produtiva, uma necessária quebra de imediaticidade, ou se simplesmente significava
um desejo de pureza, uma postura defensiva e compensatória. Bildung nos servirá a
princípio como formidável instrumento heurístico: poderemos examiná-lo em alguns
momentos importantes, e a acepção diversa que o termo receberá poderá ser eficiente
para que sejam compreendidas as diferenças entre alguns dos autores, e, por isso, a
9
NIETZSCHE, F. Segunda consideração intempestiva: Da utilidade e desvantagem da história para a
vida. p.32
159
especificidade de Droysen. Iniciaremos, por mais insólito que pareça, pela sua crítica
feita por Nietzsche – na verdade, e se o fazemos, é porque de alguma maneira esta
concepção nietzscheana influenciará boa parte da recepção do termo no século XX.
Depois será interessante retroceder a Hegel e Droysen para vermos as diferenças
entre a Bildung filosófica e a Bildung histórica propriamente ditas. Estabelecida a
diferença, teremos dois modelos que indicam mais do que uma mera diferença entre
territórios disciplinares, mas sobretudo dois tipos de conhecimento que apontam para
um ideal de homem culto. E assim começemos pela parte na qual a história não será,
como seria em Hegel, uma etapa do conhecimento ou uma ciência regional ou
secundária – será mesmo desnecessária, para não dizer prejudicial, se for praticada a
partir de sua absoluta pretensão de universalidade objetiva.
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4.2.
Excurso nietzscheano: a crise do homem culto.
interessante tomar um pequeno atalho, até para que, justamente através da técnica do
contraste10, possamos compreender melhor o pensamento de Droysen.
Há pontos conflitantes, sem dúvida: como leria Droysen a sugestão de
Nietzsche de que o homem que tudo lembrasse seria incapaz de seguir adiante, e que
estivesse condenado a ver em toda a parte um contínuo vir-a-ser? Afinal, dada a
importância da culpa no próprio processo de conhecimento histórico, como
poderíamos ver em Droysen a função vital do esquecimento que encontramos em
Nietzsche? Droysen enfatiza incessantemente a continuidade e atribui à lembrança
um papel decisivo para que se estabeleça a mediação necessária para o conhecimento
histórico, mas, por um lado, ele vê no saber histórico não exatamente o registro deste
constante fluxo, mas sim a reação primeira à vivência insuportável deste fluxo. Por
outro lado, não é somente Nietzsche que vê na plasticidade de um indivíduo11 e de
um povo, ou seja, sua capacidade de assimilar experiências, cicatrizar feridas e tornar
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10
Em texto bastante interessante, Ulrich Muhlack percebe como, em espaço curto de tempo, o estatuto
da Bildung, ou mais especificamente da capacidade formativa da história, deixa de ser positivo, mesmo
exemplar, para ser negativo e prejudicial. Identificando Droysen e Wilhelm vom Humboldt em uma
ponta, e Friedrich Nietzsche e Jacob Burckhardt em outra, Muhlack lamentavelmente não desenvolve
sua idéia. Cf. MUHLACK, U. “Bildung zwischen Neuhumanismus und Historismus” IN:
KOSELLECK, R. Bildungsbürgertum im 19. Jahrhundert. Teil II: Bildungsgüter und Bildungswissen.
11
Plasticidade que podemos de alguma maneira também encontrar em Droysen. Basta que leiamos
cuidadosamente sua crítica à idéia de uma interpretação psicológica dos agentes históricos. A base é
frágil posto que tais agentes não somente se deixam determinar pelas relação que estabelecem em sua
época mas também pela acolhida que se lhes dará no futuro, ou melhor, pelas conseqüências
impensadas e não planejadas de seus próprios atos.
161
feita em que Droysen lamenta o estado em que se encontra a vida científica, cultural e
política da Europa.
Como sabemos, para Nietzsche a história serve à vida ao ser monumental,
antiquária e crítica. Para Nietzsche, a monumentalidade seria a afirmação de que a
grandeza um dia existente, justamente por ter existido, é novamente possível. É o
ideal da exemplaridade, que, segundo Nietzsche, por mais que convide à grandeza,
por outro lado reduz toda a variedade do passado a um ponto só. Se compararmos
com Droysen, não será algo exatamente novo. Pelo contrário: Droysen chega a ser
mesmo até menos generoso do que o filósofo no que diz respeito à idéia de
exemplaridade. Não bastasse a própria demonstração do limite da interpretação
psicológica da história e de seus agentes (que é o pressuposto do próprio elogio da
monumentalidade, sua condição indispensável), e da redifinição por Droysen da
caracterização de um grande homem como aquele que ao invés de tudo reduzir à
esfera de ação que lhe cabe, na verdade expõe o conflito entre as esferas da cultura
justamente pela superposição de uma delas, causando um novo desequilíbrio,
podemos ler em Droysen que a história é tudo, menos meio para que se possa imitar
grandes ações. Baseado na idéia de que o objeto da história é a anomalia, e não a
analogia, jamais a identidade da lei com o evento, e portanto da lei consigo mesmo,
162
mas sim o descompasso entre sentido e ação, ele dirá que a busca de monumentos
será adeqüada para “a etiqueta” e para “as convenções”, para as coisas que “se
repetem”, mas jamais para a história.12 Formação não é pois seguir um modelo
prévio.
A segunda forma de conhecimento histórico para Nietzsche é a antiquária.
Diríamos que esta é a visão nietzscheana para a concepção orgânica da história em
geral, ou seja, a visão que tem o instinto sobretudo conservador e preservador, em que
qualquer mísera manifestação dentro de um horizonte – ou corpo – determinado
possui significado como parte deste todo. É útil para a vida, segundo Nietzsche, por
justamente configurar um horizonte. Mas é deletéria à vida porque não somente ela,
ao tentar preservar, se esquece de criar, e, ainda por cima, tenta preservar tudo
indistintamente, e, assim, não estabelece qualquer diferença entre os fenômenos. O
selo do passado lhe basta, e, assim, os efeitos dos pensamentos de Lutero ou das
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conquistas de Alexandre Magno são tão importantes quanto um utensílio pessoal que
lhes tenha pertencido. Também já havíamos visto em Droysen que o presente em
momento algum pode ser confundido com experiência imediata. Presente, se nos
permite usar a linguagem de que o próprio Nietzsche se vale e a qual Hans-Georg
Gadamer dará lugar privilegiado, é o horizonte. A diferença entre o horizonte do
antiquário e o horizonte de Droysen, Nietzsche e Gadamer está justamente no
estranhamento que o primeiro negará por completo. Para Droysen, mesmo o presente,
diríamos mesmo sobretudo o presente é instável, jamais uma fonte segura de
identidade.
A terceira forma de perceber a história seria a crítica: nela, nos parece que
tanto a utilidade quanto a desvantagem estão em um ponto só, a saber, o risco. O
risco que Nietzsche percebe muito bem, e que, neste ponto, parece burilar o que fora
antecipado por Droysen, o risco de saber herdar o passado. Sim, porque a crítica é de
fato a possibilidade de esquecer o passado, mas este esquecimento não é
simplesmente ignorá-lo, mas reconhecê-lo sim em todo o seu poder como pressuposto
que informa as vidas dos homens e das culturas, mas um pressuposto que não é dado
e natural, e sim algo que também já foi criado. É algo que se disfarça por natureza
12
Cf. DROYSEN, J.G. Historik, Ed. Leyh. p.250.
163
dada, mas que também já foi, segundo Nietzsche, esforço de superação de um outro
passado. Trata-se de saber andar com grilhões. É um reconhecimento radical da
estrutura trágica da história, conforme vimos no próprio Droysen, uma estrutura em
que a consciência é sempre tardia e toda busca por origens absolutamente vã,
conforme vimos nos próprios estudos de Droysen sobre a Grécia, na qual, segundo
ele, nem mesmo os mitos refletiriam uma certa naturalidade que expressaria
identidade absoluta do homem com a natureza.
Mas as próprias semelhanças entre Nietzsche e Droysen não seriam
espantosas, pois, como afirma o filósofo, nestas três maneiras estaria a possibilidade
da história ser útil para a vida. Todavia, a ambição de fazer da história ciência teria
justamente aniquilado a possibilidade da história recuperar este elo com a vida. E
Droysen quer fazer da história ciência, sem que considere todavia que uma tal
tipologia, como elaboraria Nietzsche, tenha perdido seu sentido na Europa e na
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Suponhamos que alguém se ocupe com Demócrito, então a pergunta sempre fica
para mim na ponta da língua: Por que não Heráclito? Ou Filon? Ou Bacon? Ou
Descartes? – e assim por diante. (…) O passado não é grande o suficiente para
encontrar algo em que vós não vos apresentais de maneira tão risivelmente
arbitrária?14
13
Sem citar o filósofo, Reinhart Koselleck levanta questão idêntica em artigo escrito em 1979,
denominado “Über die Theoriebedürftigkeit der Geschichtswissenschaft” (“Sobre a necessidade que a
ciência histórica tem da teoria”), que pode ser encontrado em sua coletânea de textos teóricos
Zeitschichten. (Cf. Bibliografia)
14
NIETZSCHE, F. Segunda consideração intempestiva, p. 45
164
Desta vez Droysen não teria chegado a uma pergunta tão precisa: a história
como pesquisa e conhecimento se mostra necessária quando não é indiferente o
referente que ela toma como “objeto”. O máximo a que Droysen chega é o de pensar
que os objetos da história são “anômalos”, e, neste sentido, jamais indiferentes. Mas
ainda não nos contentamos. A busca da “marca trágica” em Droysen é o mesmo que
Nietzsche pede para os historiadores, ou seja: o evento insubstituível e irredutível.
O problema não é de fácil solução, pois Droysen, como veremos, ao mesmo
tempo que defende a permanência do trágico alertando para a impropriedada da
eleição do Estado como objeto principal dos estudos históricos, por outro lado, e
ainda mais, em conseqüência deste alerta, exigirá que o historiador possa ver a
conexão entre as diferentes forças éticas da vida. Isto poderá resultar na ambição
integralmente intelectualizante em tudo compreender e aceitar a partir da
universalidade ambicionada - é o risco do projeto da Bildung. Quando o saber se volta
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somente para o saber, os objetos podem se tornar indiferentes, e, neste sentido, estão
longe da própria definição dada por Droysen para o objeto mais apropriado da
historiografia como sendo a anomalia. Segundo Nietzsche, porém, e aí possivelmente
reside a sua principal diferença em relação a Droysen, a anomalia só poderia ser
aceita se descartássemos a visão de processo, que tudo concebe e absorve e nada ama
e por nada se deixa arrebatar. A conclusão seria a apatia, o estar em todos os lugares
não estando em qualquer lugar, ou, nas palavras de Nietzsche, “perder cada vez mais
este sentimento de estranheza, não se espantar excessivamente com coisa alguma e,
por fim, estar contente com tudo – é isto que se chama de sentido histórico, de cultura
histórica”.15 Se lembrarmos as palavras de Gadamer, que certamente refletem uma
tradição sobre o conceito de Bildung de que Droysen faz parte, é de se perguntar qual
universalidade é possível, ou seja, como se pode ter noção de processo sem que se
deixe pertencer ao presente. É a questão que já foi formulada em capítulo anterior:
como refletir a eternidade sem todavia ser a própria divindade, e, ainda por cima, ser
criativo justamente por refletir esta eternidade? Mais ainda: Droysen demonstrará a
singularidade da história como forma de pensamento sobretudo quando preservar nela
15
NIETZSCHE. F. Segundas considerações intempestivas, p.62
165
histórica, podemos concluir que esta visão objetiva realizada na e pela lembrança
pressupõe necessariamente uma cisão – e o que seria a vida européia descrita por
Droysen como uma vida cindida? Haveria dois modos de cisão?
Respondendo à primeira pergunta, acreditamos em um primeiro momento que
não; simplesmente Nietzsche tematizará questões já presentes de outra maneira em
Droysen. É pena que não encontremos no escrito do filósofo qualquer referência a
Droysen16, pois há passagens nas quais vemos o espírito do historiador fortemente
presente. A própria exigência de Nietzsche de que a origem da cultura histórica
“precisa ser ela mesma conhecida uma vez mais historicamente; a história precisa
resolver o próprio problema da história, o saber precisa voltar o seu ferrão contra si
mesmo”,17 já vinha sendo cumprida em larga medida por Droysen, e deste aspecto
vem a necessidade de comparar o nosso historiador com Nietzsche. Através desta
breve comparação, ou antes deste contraste poderemos ver melhor as possíveis
contradições do próprio pensamento de Droysen, e, assim, as próprias sutilezas não
só do autor da Historik, mas da própria idéia de história que vigorava na cultura
16
Como era renomado em vida, dificilmente Nietzsche deixou de saber da existência de Droysen, nem
que este conhecimento pelo filósofo tenha sido mediado por Jacob Burckhradt, admirador de Droysen
e que era admirado por Nietzsche.
17
NIETZSCHE, F. Segundas considerações intempestivas. p.69.
166
burguês, muito mais sofisticado do que o traçado por aqueles que julgaram ser seus
algozes no início do século XX (avaliação ainda muito sedutora para muitos
intérpretes de hoje). Parece que, justamente por ser condenado com alguma pressa
por adotar posturas espistemologicamente ingênuas, o pensamento alemão sobre a
história durante o século XIX sequer pôde se defender, não sendo chamado a mesmo
ao debate em que é observado enquanto fala de si mesmo. O contraponto com
Nietzsche tem um propósito muito claro: pode-se falar sim em uma concepção ativa
da história, e, pelo que lemos em Nietzsche, a história também leva à resignação e à
ação (ainda que os historiadores, segundo ele, estão mais empenhados na primeira),
mas todavia, com a leitura de Droysen, vale a pena mostrar como ambas estão ligadas
medularmente. Ou seja, há uma cisão na Europa em si, uma cisão particular e
específica, e uma cisão que é essencial ao próprio modo histórico de pensamento.
Mas a separação é didática, em larga medida.
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Um possível caminho para a resposta nos parece pois ser o seguinte: Droysen
deseja evitar a polarização que ele, em sua fase helenista, via expressa na literatura
grega nas figuras de Ésquilo e Eurípides. Como já vimos, Ésquilo representa o
primeiro passo de tentativa de superação de visão resignada da história, na qual não
há escapatória nem ajuda, mas culpa, e, portanto, participação. Ou seja, com outras
palavras, Droysen diz que a visão resignada não se cria tanto pela previsibilidade das
leis, mas na verdade ela se define pela descoberta de uma estrutura superior,
opressora e necessária a qual não se tem acesso por um fato contingente. Do outro
lado, teríamos Eurípides como modelo. Com o autor de Medéia, “a arte deixa de ser
uma configuração necessária e fechada em si mesma; ela é uma forma capaz de
assimilar qualquer conteúdo.”18 Este é evidentemente o risco do historiador e da
hermenêutica; em momento algum o que se entende por criatividade deve deixar de
ser “espelho da eternidade de Deus” e passar a ser uma expressão arbitrária, uma
degeneração da idéia de liberdade (Verwesung der Freiheit). É bom então que se
tenha em mente o seguinte: a consciência de culpa de Ésquilo, ou seja, a perda da
naturalidade expressa na inocência da identidade absoluta do homem com o mundo
18
DROYSEN, J.G. Kleine Schriften zur Alten Geschichte. p. 287. Die Kunst hat aufgehört in sich
nothwendigerweise und geschlossene Gestaltung zu sein; Sie ist eine Form, die fahig ist, jeden Inhalt
in sich aufzunehmen.
168
4.3.
À sombra da cruz suástica: uma auto-crítica hermenêutica.
Droysen. Mas não é o nosso caso. Nem por isso, porém, deveremos simplesmente
aceitar acriticamente tudo que é dito sobre o século XIX, principalmente sobre a
ciência histórica. E Nietzsche, claro, não é o caso mais grave. Não podemos todavia
perder de vista o nosso próprio horizonte, e parte deste dever pode ser cumprido se
tentarmos ver o que forma a nossa própria imagem do intelectual alemão do século
XIX. Sem medo de errar: é o homem da Bildung. Isto não somente porque o termo
Bildung (formação, cultura), gebildeter Mensch (homem culto), aparecerá em textos
de quase todo o espectro das ciências do espírito, sendo pois um formidável
instrumento de análise. Mas sobretudo porque nos parece ser uma conseqüência do
que foi exposto até o momento. Mas é necessário avançar vagarosamente. Dizíamos
que o termo Bildung, por mais que ainda seja utilizado por alguns autores destacados
em suas respectivas áreas (Hans-Georg Gadamer, Walter Schulz, Thomas Nipperdey,
Jörn Rüsen), se apresenta vulgarmente como a roupagem do intelectual oitocentista
auto-centrado e distante do mundo. É a imagem difundida por autores como Norbert
Elias e Fritz Ringer, que tentaram provar como a cultura alemã, desde o século XIX,
criou para si mesma uma imagem em que não havia espaço para a falha e o erro,
compondo assim um código de conduta distante da realidade, absolutamente ideal e
exigente, sendo que tal código ideal e alheio ao “mundo real” seria reforçado por uma
169
pathos da obra de Fritz Ringer19 ao ver todo intelectual alemão, principalmente aquele
dedicado às ciências do espírito, um mandarim inteiramente alheio à realidade social,
cultural e econômica da Alemanha. Em um outro estudo bastante difundido, desta vez
feito por Elias, podemos encontrar a descrição das raízes do mal alemão do século
XX através da intolerância alemã com o erro e de sua busca de pureza:
19
RINGER, Fritz. O Declínio dos mandarins alemães. p. 35. “Houve algum protesto intelectual na
Alemanha do século XVIII; mas este protesto concentrou-se nos eternos problemas da condição
humana, mesmo quando tratava , por implicação, das deficiências contemporâneas dos arranjos socias
alemães. Os homens eram tratados como meios, e não como fins, e o indivíduo mais bem-dotado
intelectual e espiritualmente pesava pouco na balança do poder arbitrário e da convenção bárbara: foi
esse o lamento recorrente na literatura, na filosofia moral e na teoria social da Alemanha do século
XVIII. Os remédios propostos implicavam um afastamento prcial da situação existente, bem como a
revolta total contra ela. Os temas eram sempre os mesmos: o puro saber, a contemplação
absolutamente desinteressada do bem e da verdade, é a principal vocação do homem. Serve melhor a
humanidade quem cultiva ao máximo o seu próprio espírito; pois o mundo não tem propósito e
realidade em si mesmo”
170
20
ELIAS, N. Os alemães. pp.288-9
171
pensamento burguês sobre a história de uma maneira tal que nesta definição
dificilmente reconheceríamos Droysen. E tal prova de incompatibilidade dos termos
de Lukács com o que estamos desenvolvendo sobre Droysen não somente poderá ser
demonstrado quando tratarmos do conceito de Bildung, mas sobretudo porque na
própria idéia de ciência, já analisada no primeiro capítulo, vemos na proposta
droyseana algo que Lukács via como uma lacuna do pensamento burguês:
Posto que seu ponto de partida e seu objetivo é, mesmo que por vezes de modo
inconsciente, sempre a apologia da ordem vigente das coisas ou ao menos a
comprovação de sua imutabilidade, o pensamento burguês necessariamente
encontra aqui um limite intransponível (...) pois o [pensamento burguês] ou bem
supera voluntariamente o processo histórico e concebe a organização do presente
como eternas leis naturais que (...) não se realizaram de todo no passado ou apenas
parcialmente. Ou bem precisa retirar do processo histórico tudo que faz sentido,
ficando apenas na “individualidade” das épocas históricas (....)23
21
JÜNGER, E. O Trabalhador. p.49.
22
Ibid, p.77. “O burguês (…) deve ser concebido como o homem que reconhece a sua segurança como
um valor supremo e que determina a condução de sua vida de acordo com isso.”
23
LUKÁCS, G. Geschichte und Klassenbewusstsein. p.220. Das bürgerliche Denken muss jedoch, da
sein Ausgangspunkt und sein Ziel stets, wenn auch nicht immer bewusst, die Apologie der
bestehenden Ordnung oder wenigstens der Nachweis ihrer Unwandelbarkeit ist, hier auf eine
unübertretbare Schranke stossen. (...) Dann es muss den Geschichtsprozess entweder vollends
aufheben und die Organisationsformen der Gegenwart als ewige Naturgesetze auffassen, die sich in
172
engano ou covardia das próprias elites culturais e intelectuais) pode fazer sentido,
mas não resiste à análise dos textos. Bildung se mostra porém como um termo
realmente impreciso, mas em geral sua definição gira em torno do elogio do saber
teórico, divorciado do trabalho cujo resultado imediato é o maior objetivo. Para
Georg Bollenbeck, por exemplo, isto é tradução de um individualismo baseado na
idéia de vocação protestante, e que, por isso, não exclui de modo algum a atividade
piedosa neste mundo. É um fenômeno que não se pode dissociar mesmo do
protestantismo, e, dado o luteranismo de Droysen, precisamos admitir que
Bollenbeck não está longe da verdade.25 Mais ainda: protestante e moderno, pois
justamente seria um movimento antifeudal, ou seja, por ser individual e fomentar o
desenvolvimento das potencialidades de cada indivíduo, a Bildung seria a marca de
uma suposta burguesia culta. Vale lembrar que Bollenbeck inicia seu livro sobre o
lugar dos intelectuais na sociedade alemã ao lembrar da tentativa de veto ao direito de
der Vergangenheit (...) bloss unvollkommen oder gar nicht durchgesetzt haben. Oder es muss alles bei
der blossen “Individualität” der Geschichtsepochen (...) stehen bleiben.
24
Cf. BOLLENBECK, G. Bildung und Kultur: Glanz und Elend eines deutschen Deutungsmusters.
25
Ibid, p.165 passim.
173
leva a concluir que todo o processo indica esta experiência, ou seja, ela faz de si
mesma seu objeto. No caso de Buck, trata-se de uma visão idealizada em demasia,
pois tal concepção otimista de homem não poderemos encontrar em Droysen, que
verá na história algo de que simplesmente não se deve livrar, mas apropriar, e na
apropriação, o homem se coloca como reflexo criativo da eternidade de Deus – e de
acordo com a definição de Buck, nos parece que o homem culto é o próprio Deus,
pairando acima de qualquer circunstância. É sempre bom entender que esta
apropriação, ao invés de transformar o homem em algo absoluto, lhe empresta a
consciência de sua parcialidade, como vimos em Droysen. Por vezes, não nos espanta
a crítica de Nietzsche ao homem culto como aquele desprovido de pathos, de
circunstância e de horizonte. Mas não será necessário recorrer ao filósofo de
Zaratustra para que seja considerada a importância de ser determinado, e por vezes
nem mesmo a Droysen: já podemos lê-la em Hegel, que em sua filosofia do direito
afirma: “na determinação o homem não deve se sentir determinado, mas na medida
que observa o outro como outro, conquista justamente daí seu sentimento-de-si. A
26
Donde se conclui que, como lembraram os social-democratas contra os conservadores agrários,
Friedrich Schiller, um dos heróis da cultura nacional, não teria direito de votar.
27
Cf. BUCK, G. Rückwege aus der Entfremdung. p.22
174
toda a historicidade: sim, o geral a que faz referência Gadamer não é o abstrato sem
carne e osso, o abstrato sem terra e atemporal e utopicamente válido, mas na verdade
a circunscrição de um horizonte a partir de uma perspectiva, ou seja, a ampliação que
só é possível a partir de um ponto específico. Mais uma vez, porém Gadamer destaca
lamentavelmente tal afirmação de uma análise concreta do pensamento de Droysen,
colocando-a pura e simplesmente na trilha de Hegel. Não nos parece difícil concluir
que tal sacrifício da especificidade perante a universalidade é o que dá forma ao
próprio horizonte de interpretação. Tendemos todavia a concordar antes com a visão
de Reinhart Koselleck, que, por mais que verifique a relação do ideal de Bildung com
o protestantismo e a burguesia, não tenta ver a incipiente formação política alemã
como motivo de vergonha que os alemães tentaram cobrir com bens culturais, ainda
que seja interessante ressaltar que tal caráter incipiente da política alemã pressupõe
28
HEGEL, G.W.F. Grundlinien der Philosophie des Rechts. p.57. In der Bestimmtheit soll sich der
Mensch nicht bestimmt fühlen, sondern indem man das Andere als Andere betrachtet, hat man darin
erst sein Selbstgefühl. Die Freiheit liegt also weder in der Unbestimmtheit noch in der Bestimmtheit,
sondern sie ist beides.
29
GADAMER, H.G. Wahrheit und Methode. p.17. Es ist das allgemeinste Wesen der menschlichen
Bildung, sich zu einem allgemeinen geistigen. Sie verlamgt aufopferung der Besonderheit für das
Allgemeine. Aufopferung der Besonderheit heisst aber negativ: Hemmung der Begierde und damit
Freiheit von Gegenstand derselben und Freiheit für seine Gegesnständlichkeit.
175
30
KOSELLECK, R. “Einleitung – zur anthropologischen und semantischen Struktur der Bildung”.
Bildungsbürgertum im 19. Jahrhundert. Teil II: Bildungsgüter und Bildungswissen, p.13.
31
Ibid, pp. 19-21.
176
4.4.
Concepção de Bildung em Hegel e Droysen.
32
Ainda que a freqüente recorrência de Nietzsche a Goethe e Schiller – o filósofo abre seu texto sobre
história com uma citação do primeiro – nos faça levantar a hipótese que Nietzsche não se posicionava
contra o projeto da Bildung em si, ao menos não como ele pode ser encontrado nos dois autores acima,
mas sobretudo se posicionava contra o que foi feito dele, principalmente na historiografia.
33
HUMBOLDT, W.v. Werke. Bd. 1 p.121. “Eu retorno agora (…) à questão se o Estado pode ou não
agir sobre a moral dos cidadãos através da religião. (…) Toda formação tem como origem o interior da
alma, e pode ser somente possibilitada através de instituições externas, jamais por estas produzidas.”
Kehre ich jetzt (…) auf die Frage zurük, ob der Staat durch die Religion auf die Sitten der Bürgen
wirken darf oder nicht? (….) Denn alle Bildung hat ihren Ursprung allein in dem Innern der Seele, und
kann durch äussere Veranstaltung nur veranlasst, nie hervorgebracht werden.
178
harmonia. Uma leitura nos próprios textos de época revela que os autores como Hegel
e Droysen, que defendem o ideal da Bildung, em momento algum tentam pensá-la
exclusivamente como exigência de distanciamento da realidade. Se a Bildung através
do pensamento histórico de Droysen será possível pelo despertar do sentido para a
realidade, ela terá de se cumprir minimanente quando justamente mostrar que há uma
diferença entre saber distanciado da realidade e o saber que é capaz de se criticar e se
renovar como saber. Em Humboldt, vemos na Bildung realmente esta secularização
da religião, mas em Droysen ela será sobretudo a capacidade crítica que se mantém
mesmo quando se sabe que o Estado não mais cicatriza as feridas e imperfeições.
Droysen fala em mudança e em liberdade; mas o “estar em si e para si”, nele, terá
outro sentido. O homem culto não será o homem aperfeiçoado de Humboldt, em
quem dificilmente vemos o elogio da imperfeição que Gadamer vê, por exemplo, em
Johann Gottfried Herder. Já na filosofia da história de Hegel porém temos uma
definição diferente do que é o homem culto, e que servirá de ponto de partida mais
rico para a discussão com Droysen:
34
HUMBOLDT, W.v. Werke. Bd.1. p.4. Daher war die Religion in jenen Zeiten nur Zwangsmittel,
und daher ist sie jetzt Bildungsmittel.
35
HUMBOLDT, W.v. Werke Bd.I., p.5. Unsere Religion lehr keine nationale, sondern eine allgemeine
Gottheit; ist Religion nicht des Bürgers, sondern des Menschen.
179
Quando Hegel diz que a Bildung é uma forma de pensamento, devemos tentar
compreender isto em seu significado mais radical. Bildung não é uma quantidade
determinada e selecionada de determinados conhecimentos; o homem culto age de
acordo com fundamentos gerais, o que de modo algum significa dizer que ele
obedece palavras-de-ordem ou simplesmente é escravo de utopias vagas, alguém que
desconhece profundamente a realidade e as determinações. O homem culto é aquele
que se livra das sensações imediatas e se desprende da ilusão de uma unidade naquilo
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que não é simples, mas sim complexo. Desta forma, ele percebe o objeto em várias de
suas determinações, e não somente como representação de si mesmo ou de algo.
Neste ponto são exemplares e elucidativos os comentários de Wolfgang Wieland
sobre a primeira figura da experiência de si da consciência (a certeza sensível)
descrita por Hegel. Para Wieland, mesmo na certeza sensível, a mais cotidiana e
corriqueira forma de representação (isto é uma árvore, agora é manhã, etc), há uma
ambição do absoluto. O absoluto já está no homem, donde se conclui que o absoluto
não é uma substância verdadeira e pré-existente ao homem, tampouco algo que
36
HEGEL, G.W.F. Die Vernunft in der Geschichte. p.65. Der gebildete Mensch ist der, der allem
seinem Tun den Stempel der Allgemeinheit aufzudrücken weiss, der seine Partikularität aufegegeben
hat, der nach allgemeinen Grundsätze handelt. Die Bildung ist Form des Denkens; näher liegt hierin,
dass der Mensch sich zu hemmen weiss, nicht bloss nach seinen Neigungen, Begierden handelt,
sondern sich sammelt. Er gibt dadurch dem Gegenstande, dem Objekte eine freie Stellung und ist
gewöhnt, sich theoretisch zu verhalten. Podemos encontrar ainda em outros momentos de Hegel
passagens que demonstram claramente que, para ele, a Bildung é esse caminho que o homem faz rumo
à universalidade. Hegel dirá que “a Bildung é uma libertação, que “no sujeito é o trabalho duro contra
a mera subjetividade do comportamento, contra a imediaticidade dos instintos bem como contra a
vaidade subjetiva do sentimento e a arbitrariedade da preferência. Que ela seja trabalho duro, faz parte
do desprazer que recai sobre ela. Mas através deste trabalho da Bildung a vontade subjetiva ganha e si
a objetividade”. Diese Befreiung ist im Subjekt die harte Arbeit gegen die blosse Subjektivität des
Benehmens, gegen die Unmittelbarkeit der Begierde sowie gegen die subjektive Eitelkeit der
Emfpinfung und die Willkür des Beliebens. Dass sie diese harte Arbeit ist, macht einen Teil der
Ungunst aus, der auf sie fällt. Durch diese Arbeit der Bildung ist es aber, dass der subjektive Wille
selbst in sich die Objektivität gewinnt. Cf. HEGEL, G.W.F. Grundlinien zur Philosophie des Rechts.
pp. 344-5.
180
somente se mostra no final, como poderia ser em uma tosca teleologia. Quando
Hegel, de acordo com Wieland, mostra que a certeza sensível ao indicar um isto
indica uma multiplicidade de “aquis” e “agoras” mesmo sem sabê-lo, o que se está
mostrando é o percurso do absoluto – e é isto a Bildung. Não é um cânone a ser
seguido, atingido e copiado, não é uma capacidade inata, não é a senha de uma
sociedade secreta. Está dada como possibilidade, pois em todo instante, mesmo no
mais corriqueiro, há a presença da vontade de absoluto37. É este o sentido de
universalidade, mais do que aquele construído pela mera erudição. Disto tinha
perfeita clareza o próprio Droysen, que escreveu em sua Historik que “a determinação
do conceito de Bildung exclui a definição de um povo como culto porque ele tem
uma multiplicidade de histórias, um sistema urbano altamente desenvolvido e uma
variedade riquíssima de maneiras de bem-aproveitar e gozar a vida”.38 – no que
novamente não fazia senão refletir palavras de Hegel, que geralmente a bibliografia
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esconde. Assim como Droysen diria posteriormente, Hegel também era bastante
reservado quanto à idéia de aperfeiçoamento sobretudo no que diz respeito à adoção
de critérios que poderiam medir e determinar tal aperfeiçoamento39. Ou seja, Bildung
é ação, mas não é sinal de “aperfeiçoamento” e desenvolvimento. Acreditamos que
tanto em Hegel quanto em Droysen, como já havíamos dito em outro momento, tal
ceticismo reside em uma posição crítica em relação às ciências naturais. O
aperfeiçoamento é possível quando as possibilidades são limitadas anteriormente e
previsíveis, aplicável sobretudo ao crescimento que pode ser observado na vida
orgânica.
37
Wieland diz em seu texto “Hegels Dialektik der sinnlichen Gewissheit”: “não se pode ver o absoluto
como um fundamento anterior ativo e simultaneamente como uma última instância. O absoluto é antes,
como diz Hegel na introdução da Fenomenologia, “em si e para si entre nós”. Isto precisa todavia fazer
sentido para o saber imediato e para o senso-comum do homem. O absoluto está ‘entre nós’ como
ambição de verdade na medida em que está sempre relacionado com todas as formas e configurações
de nosso saber, cuja essência já seria uma ambicionar pela verdade, não importando se nós queermos
tal ambição ou não.” IN: FULDA, H. & HENRICH, D. Materialen zu Hegels Phänomenologie des
Geistes, pp.79-80
38
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.252. Diese Begriffbestimmung der Bildung schliesst es aus,
dass eine Zeit oder ein Volk schon darum gebildet ist, wiel es vierlei Geschichtlichkeiten,
hochentwickelten Verkehr, eine reicche Entfaltung von Wohlleben und Genuss hat.
39
Cf. HEGEL, G.W.F. Die Vernunft in der Geschichte. pp.150-1.
181
Um dos estudos que tratou com mais cuidado da relação entre crise européia e
a capacidade de formação da história e a partir da história é a tese de doutorado de
Friedrich Jäger. Nela vemos que o autor ressalta a consciência de Droysen de que “a
história não obedece a lógica da vontade humana”.41, logo, de que há estruturas
objetivas capazes de solapar qualquer ilusão de identidade entre ação e sentido. Jäger
todavia deixa clara qual é a estrutura que impede o homem de simplesmente se
prostrar perante o reconhecimento destas estruturas objetivas, deixando a entender
que o limite da eficácia pragmática da vontade não é causa do enfraquecimento da
ação. O próprio reconhecimento deste limite, afirmará Jäger, convida à ação. Neste
instante de reconhecimento de suas condições históricas, o homem “mostra
plenamente sua necessidade de não ser mais uma vítima apática de condições
objetivas, mas no conhecimento hermenêutico destas determinações objetivas ele
pode simultaneamente se emancipar destas determinações”.42
40
RÜSEN, J. Lebendige Geschichte. pp. 86-7.
41
JÄGER, F. Bürgerliche Modernisierungskrise und historische Sinnbildung. p.45.
42
Ibid., p.66
182
consciência e na seqüência desta continuidade, mas que se prossiga com o devir das
coisas de acordo com o seu percurso e sentido conhecidos44.
Uma leitura das preleções sobre as guerras de libertação, curso oferecido por
Droysen no início da década de 40, nos mostra como a Bildung será justamente esta
capacidade de crítica – e, mais, não como conceito fechado em um sistema filosófico,
mas sim como algo cujo percurso histórico sempre foi tal consciência crítica. Nestas
notáveis lições, Droysen, a pretexto de escrever sobre a formação da Alemanha no
século XIX, elabora um quadro da história européia pintado de modo tal que
diferentes esferas da vida em diferentes nações formavam um conjunto de tendências
convergentes e divergentes. Para ficar em um exemplo: as diferentes tradições
intelectuais da Alemanha, França e Inglaterra existiam, mas todas, sem exceção,
marcaram-se por uma libertação de princípios hierárquicos e teológicos do
43
Cf. DROYSEN. J.G. Historik. Ed. Leyh, p.69.
44
Ibid., p.269. Bildung heisst (…) das Bewusstsein über die Verhältnis, das Gegenwärtig-Behalten,
das geistige Durchlebt-Haben der Vergangenheiten. Und geistig durchlebt haben soll man sie, damit
man in jedem Moment in dem Bewusstsein und nach der Anleitung dieser Kontinuität sich entschliesse
und handle, damit man die Dinge nach dem erkannten Gang und Sinn ihres Werdens weiterführe
183
consideradas por aqueles que vêem na cultura burguesa da Bildung alemã pouco mais
do que solipsismo conformado consigo mesmo e devaneador, Droysen fazia já a
crítica do ideal Fáustico. Ele jamais negará a diferença da formação alemã em relação
à francesa ou inglesa, ou seja, para ele os alemães jamais serão empíricos como os
britânicos e tampouco tão positivos na ambição legisladora dos franceses; os alemães
ocupariam o “meio”. Seriam a figura da própria cisão: se o protestantismo,
principalmente o luterano, será uma das principais marcas da subjetividade alemã, por
outro lado o luterano Droysen não deixa passar em branco o fato dos três “líderes” da
45
DROYSEN, J.G. Das Zeitalter der Freiheitskriege. p.95. “E é justamente este o ponto decisivo. Por
quase um século a teologia se manteve como fundamento; ela parecia absorever todo interesse
científico. Mas de um golpe só tudo parece ter mudado, abandona-se o solo teológico, e mesmo a
filosofia se livrou de seus hábitos antigos; e a partir de fundamentos empíricos e matemáticos ela se
constrói a partir do zero.” Und eben dies ist der entscheidende Punkt. Fast ein Jahrhundert lang hatten
die theologischen Fragen im Vordegrung gestanden; sie scheinen alles andere wissenschaftliche
Interesse zu absorbieren. Nun wie mit einem Schlage scheint alles verwandelt, man verlässt den
theologischen Boden, selbst die Philosophie reisst sich von der altgewohnten Weise los; von
empirischen mathematischen Grundlagen aus auferabut sich von neuem.
46
Ibid. pp. 92-4.
47
Ibid. p.103. Diese Selbstgewissheit – ‘du musst es selbst beschliessen’, wie Luther sagt -, wie
entschieden war sie gegen das System der herrschenden Hierarchie gerichtet.
184
cultura alemã do século XVIII estarem longe dos púlpitos: Goethe, Kant e Wolff48. E
como entender, dentro de uma cultura fortemente luterana, a adoração pelo
paganismo helênico? Falar de uma “cultura alemã”, organicamente derivada de
Lutero, petrificada e unívoca, era para Droysen uma impossibilidade. Era uma cultura
cindida, e mesmo sua maior alegoria, o mito de Fausto, não poderia representar a
plena consciência de que esta cultura poderia ter de si mesma. Pelo contrário: o ideal
de plenitude de Fausto não era endossado por Droysen. A passagem não é curta, mas
merece ser citada.
Sua dignidade ética é que ele não se esgotou de trabalhar e deixar agir em si tal
força vital; saudável, forte, uno de corpo e alma, um homem pleno, poder-se-ia
dizer, a imagem do homem natural em sua realização mais perfeita e nobre; ele é o
fundamento de toda cultura humana pura e autêntica que fundou nosso
desenvolvimento nacional; no meio da barbarização e deformação do mundo
moderno, ele nos serviu de modelo. (…) Ele é o ápice deste direcionamento
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subjetivo, mas na medida que atinge o máximo de sua energia, ele acaba por sair
dela. O novo Fausto é o que nos segreda tudo isso.
Mas este Fausto é uma alegoria da reconciliação. Através de todas os círculos da
vida se passa esta peça de tanto significado; mas o Eu monádico, se ele espelha o
mundo em si, não se livra de si mesmo; em sua paralisia ele não deixa de ser uma
gota na torrente da humanidade.49
48
DROYSEN, J.G. Das Zeitalter der Freiheitskriege. p.127. “Aqueles três lídres da nossa cultura, e
com eles uma grande parte de nosso nobre percurso, eram absolutamente estranhos ao cristiansimo
positivo; nós nos posicionamos, de modo muito peculiar, muito proximamente à antigüidade pagã.”
Jene gennanten drei Führer unserer Bildung, und mit ihnen ein grosser Teil unseres edelsten Strebens,
sie waren dem positiv Christlichen, so schien es, völlig entfremdet; wir standen einen Augenblick dem
heidnischen Altertum auf merkwüdige Weise geistig nahe.
49
Ibid. p.123. Seine Sittliche Würde ist, dass er nicht müde geworden ist, diese Lebenskraft – ihre
Berechtigung nimmt er unmittelbar und ohne Grübeln an – in sich arbeiten und wirken zu lassen,
gesund, kräftig, einig an Leib und Seele, ein voller Mensch, man möchte sagen, das Bild des
natürlichen Menschen in höchster, edelster Vollendung; er ist es, der die Grundlage aller echten, rein
menschlichen Kultur für unsere nationale Entwicklung gegründet hat, inmitten der verzerrten,
fieberhaften Verbildung und Verwilderung der modernen Welt uns ein Vorbild (…)Er ist die Spitze
jener subjektiven Richtung, aber indem er sie zu ihrer höchsten Energie vollendet, führt er sie über sich
hinaus. Der neue Faust ist es, der das bekennt.
Aber dieser Faust kommt nur zu der Allegorie einer Versöhnung. Durch alle Lebensreife hindurch
führt das bedeutsame Spiel; aber das monadische Ich, ob es die Welt in sich spiegele, es kommt nocht
von sich selber los; in seiner Starrheit löst es sich nicht, nur ein Tropfen im Strome der Menschheit zu
sein
185
50
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.254. Das Ebenbildliche der Ewigkeit für den Menschen ist
der Augenblick, die Gegenwart; und wenn die geschichtliche Betrachtung aus der lebensvollen
Erfülltheit der Gegenwart deren Vergangenheiten erfasst, so hat sie freilich nicht den absoluten
Standpunkt, aber den relativen höchsten
186
erudição dos conhecimentos geral seus emblemas máximos, seus sintomas? Como
não concordar ao fim e ao cabo com as críticas de Nietzsche? Afinal, o problema
maior da idéia de Bildung será visto por Nietzsche como o cosmopolitismo vaidoso
de seu próprio conhecimento adquirido, cuja base é um intelectualismo sem critérios
que, ao tudo entender de uma mesma distância, simplesmente se faz passivo. Ou seja,
o oposto que a hermenêutica poderia ensinar. O que se revelava como “forma de
pensamento” em Hegel e “reviver para prosseguir” em Droysen se transforma em
paralisia com Nietzsche. O que se pretende moralmente justo é na verdade inativo. O
mesmo poderia ser aplicado ao pensamento histórico segundo Droysen?
“Reviver para prosseguir”: ora, não seria justamente este o ponto que nos leva
a encontrar a medida exigida por Droysen, medida que ele localiza entre Ésquilo e
Eurípides, entre a subsmissão ao destino que se revela forte demais de um lado e a
vontade que, arrogante, se crê capaz de tudo apagar? A seguinte passagem de
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Droysen poderá nos ajudar a entender que, embora exista o risco, não
necessariamente as conseqüências da hermenêutica nos levam de volta a uma
filosofia da história de moldes hegelianos, nem tampouco a um ideal “eunuco” e
objetivista de justiça. A Historik é de fato a ciência que poderá tratar desta questão:
51
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.55. Sie würde die Frage von der Verantwortlichkeit des
eizelnen und von seiner Rechtfertigung erötern, sie würde zeigen, wie der Mensch nach seinem ewigen
Teil doch über diesem Strom der Endlichkeiten stehe oder vielmehr sich fort und fort zu erheben
suchen soll und sich erheben kann. Kurz, es würde ein Kanon. Man kann die Ethik als diese
Wissenschaft nennen, und vielleicht würde der Eifer, mit der gerade diese philosophischer Disziplin
seit 20 Jahren, seit Hegels Tode, betrieben wird, fruchtbar sein, wenn man sich bewusst würde, dass
die Ethik ein Verhältnis zur Historik hat, dass die ethische Welt die Welt der Geschichte ist. Die Ethik
wäre die rechte Philosophie der Geschichte
187
A passagem nos convida para uma próxima etapa do nosso argumento: o que
será esta ética de que fala Droysen? Ele a desenvolve na sistemática, segunda parte de
sua Historik. A decisão de Droysen em tratar da ética de modo sistemático nos parece
uma conseqüência quase natural se prestamos a devida atenção ao que foi até aqui
desenvolvido: não é de outro aspecto, senão o ético, de que tratamos até aqui. Pensar
historicamente de modo resignado, ou de modo ativo, é pensar eticamente, é
pressupor uma razão prática que deriva dos modos de conhecimento históricos. E
mesmo que Hegel tenha tratado igualmente da dimensão ética, ou do que ainda
poderíamos chamar de eticidade ou moralidade objetiva (ambas soluções de tradução
para o termo Sittlichkeit), ficaremos satisfeitos se demonstrarmos que a intenção do
filósofo em subsumir a eticidade/moralidade objetiva ao Estado não se verifica em
Droysen, e esta diferença não será simplesmente pontual: na verdade, está em questão
um dos temas que jamais abandonariam Droysen: a tragicidade, que não se dissolve
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na capacidade de síntese e redentora do Estado. Sua visão sobre o Estado sempre foi
cautelosa e sutil, para não dizer crítica. Para ele, era um fator histórico entre outros,
jamais aquele nos quais os demais deveriam se refletir. Vejamos a seguinte passagem
de um preleção oferecida quinze anos antes da primeira versão da Historik:
52
DROYSEN, J.G. Das Zeitalter der Freiheitskriege. p.55. Nur theoretisch ist der Staat ein Gemeingut
aller, eine Gestaltungder volonté generale; der Tat nach sind alle seine Funktionen in zwei Organen, in
zwei Systemen von Tätigkeiten zussamengedrängt. Statt jener “souveränen” Magistraturen
Frankreichs, statt des self-gouvernment Grossbritaniens tritt nun ein Beamtenwesen in dem
Vordegrund, das in völliger Abhängigkeit von dem Staatsoberhaupt (…) angehalten ist.
188
Como será possível tratar dela sabendo desde o início que uma justiça neutralizadora
não é possível?
4.5.
Sujeito da História.
da realidade histórica para uma discussão, como quem deseja incluir em um sistema
para que não seja mais possível para o nacionalista ferrenho ou para um historiador
da arte uma atitude presunçosa de que tal ou tal manifestação do espírito humano
seja, no final, o melhor meio para conhecer o homem – no que Droysen já dera sinais,
quando falava que o fato da religião e a arte serem marcos do século XVI e XVII
através de Lutero e Shakespeare, não significa que ainda serão no final do século
XVIII, nas quais as forças históricas pareciam, segundo Droysen, ditadas antes por
Napoleão e Kant, pela política e pela filosofia. Este é um ponto decisivo: pois é nele
que veremos que a ampliação do campo de objetos da investigação histórica não
significa exatamente uma ampliação objetiva, mas sim a abertura de possibilidades
de identificação da marca trágica de cada época.
A estratégia de Droysen é baseada no mesmo princípio que norteava suas
pesquisas sobre história antiga: não há origem da história em sentido puro, um tempo
53
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.385. Die rationale Einseitigkeit pflegt mit Entweder-Oder zu
fragen: Entweder die Menschen machen die Geschichte, oder sie sind in derselben nur die bestimmten
und selbstlosen Momente; wie man es auch wohl ausdrückt in flascher Alternative: entweder Freiheit
oder Notwendigkeit. Schon die einfachste Überlegung zeigt, dass dies sowenig ein Gegensatz ist, als
sagte man rot oder süss, Tugend oder Wasser. Denn der Notwendigkeit gegenüber steht der Zufall
oder, subjektiv gefasst, die Willkür, der Freiheit gegenüner der Zwang und als Zustand die
Knechstschaft. Freiheit und Notwendigkeit ist also nicht alternativ.
190
primordial, e da mesma maneira não há forma de vida humana que não seja em si
histórica, ou seja, cuja essência não é substancial e sim móvel, cuja verdade não seja
perene, mas sim algo que acontece e se revela. Ao conjunto de formas de vida
humana que podemos ver em conjunto Droysen denomina de forças éticas (sittliche
Mächte): estas se dividiram em três grandes grupos, a saber; as forças naturais, ideais
e as forças práticas. A estrutura dialética, por mais que Droysen tente afirmar seu
caráter puramente didático (ainda que este seja valioso), é inegável. A estrutura de
seu próprio argumento, neste sentido, nos parece indicar algo mais do que simples
didatismo. Para Droysen, as generalidades naturais são as que determinam o homem
de maneira mais substancial e inalterável, como por exemplo o seu próprio corpo.
Estas generalidades também são expostas por Droysen através de uma subdivisão em
quatro camadas, que seriam família, ancestralidade,54 povo e etnia. O exemplo da
família é claro: sim, ela pode ser objeto de estudo da história, para espanto de muitos
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em sua época, mas não exatamente como curiosidade particular. Trata-se de ver como
histórico o que julga-se natural e dado. Afinal, exemplifica Droysen55, como deixar
de entender a monogamia separada da civilização cristã, ou a poligamia dos
princípios do islamismo? Como não ver presente na família formas primitivas de
divisão do trabalho? Da mesma maneira, veremos que a idéia de povo, a princípio
“natural” e dada, na verdade se explica historicamente, por transformações. O que
Droysen pretende dizer é: não se tome por simples o que é complexo, natural o que
desde sempre é histórico.
O exercício será aplicado nas forças ideais, a saber: a linguagem, a arte, a
verdade e o sagrado. Droysen fará questão de mostrar como a linguagem depende dos
sentidos, ainda que não seja mera reação aos estímulos provocados no exterior56. A
54
Devemos salientar que a tradução de comunidade é controversa. Droysen utiliza termos em alemão
(Geschlecht e Stammung) que não encontramos em português. Gênero é termo perigoso, pois tomado
pelos estudos culturais e pós-modernos especializados em estudos sobre as mulheres e minorias
sexuais. Stammung refere-se a uma ancestralidade de cunho quase sangüíneo; todavia, a tradução por
cosangüineidade daria ao termo uma conotação biológica indesejável e incoerente com o pensamento
do próprio Droysen.
55
Cf. DROYSEN. J.G. Historik. Ed. Leyh. pp.295-7
56
DROYSEN, J.G. Historik. p.316. “A linguagem não se limita a expressar representações
específicas. O ato de linguagem é o ressoar da sensação sob a potência do Eu. (…) ao articular-se
como linguagem, a alma não dá meramente a sensação ressoada, mas simultaneamente sua apreensão e
191
linguagem encontrará na arte uma forma de concreção que será por sua vez uma
“materialização” do que seria de outra maneira impossível de ser articulado. Importa
menos aqui tratar do significado de arte em Droysen, mas sobretudo ressaltar que a
esfera “ideal” da linguagem necessita da obra de arte concretizada para que seja
historicamente presente; e, vale dizer, a obra de arte é mais do que um pensamento
embelezado; é, segundo Droysen, uma obra de imaginação e fantasia sem a qual a
linguagem não teria outra maneira de se fazer presente57. Todavia, não será a arte,
como meio concreto de expressão, nem a lingugaem idealizada como uma pura
gramática lógica purificada de sentimentos, os lugares do objeto histórico. É
necessária mais uma esfera ideal: a verdade. Neste momento, Droysen novamente
tenta escapar da dualidade subjetividade-objetividade, demonstrando que
não está nas coisas exteriores a verdade; tampouco está a verdade na nossa
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tratamento desta sensação.” Die Sprache hat aber nicht bloss einzelne Vorstellung auszudrucken. Das
Sprechen ist Widerklang der Sensation unter der Potenz des Ich (…) sprechend also gibt die Seele
nicht bloss den Widerklang der empfangenen Sensation, sondern zugleich ihre Fassung und
Behandlung dieser Sensation.
57
Ibid. p.321. “Vê-se que a arte é uma linguagem dos homens; mas não uma linguagem de
pensamentos, mas de sensações (…) uma expressão daquilo que movimenta a alma (…) que não pode
ser apreendido em categorias e formas racionais de representação do pensamento.” Man sieht, auch die
Kunst ist das Sprechen der Menschen; aber ein Sprechen nicht von Gedanken, sondern von
Empfindungen, (….) ein Ausdruck dessen, was die Seele bewegt, (…) was nicht in den rationalen
Formen von Denkenvorstellungen und Kategorien zu befassen ist.
58
Ibid. Pp.325-6. Freilich nicht die Dinge, wie sie ausser uns sind, sind die Wahrheit, noch auch, wie
wir sie sinnlich wahrnehmen (…) Erst indem sich das Ich aus diesem peripherischen Wechseln und
Taumeln herauslöst und sich denkend und erkennend als einen neuen Anfang setzt, beginnt das
Werden der Wahrheit.
192
qualquer um dos dois pólos. Na verdade, é necessário superar esta polaridade: “Na
linguagem, pode-se dizer, o espírito subjetiva o mundo; ele também precisa de uma
forma, para que possa simultaneamente se objetivar no mundo”59, diz Droysen. Ou
seja, compreender o mundo já é também atribuir ao mesmo mundo um sentido que
ele, objetivamente, não dava imediatamente. Entra neste momento a esfera do
sagrado – é ela que, segundo Droysen, é capaz de sustentar este câmbio instável com
o mundo: “A convicção, de que não se é uma particularidade acidental, mas sim que
se é algo que se mantém no todo e que nele se está seguro; logo, essa convicção mais
elevada de si mesmo e as condições da mesma – isto é a fé”.60
O elemento decisivo não é conceptualizar, mas sobretudo mostrar como tais
regiões ideais da história se concretizam; assim, a linguagem era sobretudo
concretizada na arte (mais do que no pensamento, diga-se), mas a possibilidade de
sustentar os dois pólos se dava nas religiões. Tal definição de fé deverá ser
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percorrida, diz Droysen, ao longo das religiões e nas comunidades que lhes servem de
corpo. É imprescindível a consideração das “expressões da fé”. Isto feito, Droysen
terá se satisfeito com o obtido, conquanto que se perceba o movimento fundamental:
tanto na dimensão das esferas naturais como na dimensão das esferas ideais, é função
do modo de pensar histórico que se perceba que nem tanto as primeiras deixam de ser
históricas mesmo quando parecem ser estáveis e imutáveis, assim como as segundas,
abstratas, necessitam necessariamente de um corpo, de um símbolo, de uma
expressão visível e tangível. Daí Droysen ver, na exposição das forças éticas da vida,
de um terceiro nível: as generalidades práticas. São elas que serão capazes de, como
deseja Droysen, unir o natural e o ideal.
As generaldidades práticas dividem-se em três: o Bem-Estar, o Direito e o
Estado. Somente a alocação do Estado como mais uma dentre as generalidades
indicaria que, em Droysen, ele não é o motor decisivo da história. Aqui
consideraremos sobretudo a primeira e a última – Droysen se mostra bastante
59
DROYSEN. J.G. Historik. Ed.Leyh. p.329. In der Sprache, könnte man sagen, subjektiviert der
Geist die Welt; er braucht auch eine Form, um sich gleichsam in die Welt hinaus zu objetkvieren.
60
Ibid. p.330. Die Gewissheit, dass man nicht bloss dies zufällige Einzelne sei, sondern im Ganzen
stehe und sicher sei, also diese höchste Gewissheit seiner selbst und die Bedingung derselben, das ist
Glauben.
193
satisfeito com o que se encontra em Montesquieu, cujo Espírito das Leis61 seria
suficiente para mostrar as raízes complexas das leis, que seriam compreendidas
historicamente para além da vontade de legisladores e vigilância do Estado.
O Bem-Estar, segundo Droysen, encontraria sua máxima expressão na
sociedade civil (bürgerliche Gesellschaft). Dentro da sistematização da sociedade
civil, Droysen destaca dois aspectos: trabalho e equilíbrio (Ausgleichung). Já sobre o
trabalho, diz ele que será a sua forma de organização e estratificação que determinará
uma determinada ordem política em sua cristalização e forma.
61
Cf. DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. pp.353-5.
62
Ibid. p.345. In der Geschichte der Arbeit liegt das Wesen der Stände; denn sie erwachsen nach dem
Gegensatz der Arbeit und Nichtarbeit, nach den Unterschieden der geistigen und leiblichen, der
öffentlichen und privaten Arbeit (…) Das ständige Wesen ist so wenig durch den Staat gesetzt, dass
vielmehr gerade in dieser Form die Gesellschaft ihren bestimmten Anteil an der Formung und
Umformung des Staates hat.
63
Ibid p.351. Für die Gütererzeugung und Güterbewegung gelten ganz anders als die nationalen und
politischen Grenzen; es ist eine der interessansten, freilich noch nicht gelösten Aufgaben, die Weltteile
und Weltmeere nach ihren wirtschaftlichen Gebieten zu verzeichnen.
194
64
DROYSEN, J.G. Historik. Ed. Leyh. p.357. “Aqui temos a violência eclesiástica, que toma para si
parte da violência pública, que pretende dominar completamente as almas; acolá estão as artes e as
ciências, que têm o poder das idéias, a iniciativa da vida espiritual; mais adiante a vida material produz
as grandes desigualdades sociais.” Da ist eine kirchliche Gewalt, die einen Teil der öffentlichen
Gewalt an sch gerissen, die die Gemüter völlig zu beherrschen in Anspruch nimmt; da hat Kunst und
Wissenschaft die Macht der Ideen, die Initattive des geistigen Lebens; da erzeugt das Güterleben die
grosse Ungleicheit der Gesellschaft.
65
Grifos nossos.
66
Ibid. p.390. (…) die Menschennatur ist weit über die Endlichkeit erhoben, alle menschliche
Begabung erscheint gesteigert und gespannt zur Erfüllung des Werkes. Es ist die Macht der Phantasie,
über den Menschen hinaus das, was sein wird und sein muss, zu erfassen (…) Es ist die Macht der
Intelligenz, von dem neuen Gedanken aus die Dinge neu zu konstruieren, sozuagen neu zu denken (…)
Es ist die Macht des Willens, das so gedachte Neue auch zu realisieren, trotz allen Widerstandes (…)
195
Entendemos pois liberdade não como algo que se incorpora em uma determinada
forma de organização política ou nível de vida material, mas sobretudo como
“relacionar-se consigo mesmo e determinação de si mesmo do Espírito”, ou ainda,
como algo que “revive para prosseguir”, Droysen considera que tal condição só pode
ser plenamente compreendida através do jogo complexo entre fantasia, inteligência e
ação, tríade que se dissolve na filosofia da história de Hegel e qualquer outra tentativa
de normatização. O que nos salta aos olhos, mas que ainda estava latente, são as
diferentes formas manifestas na cisão definitivamente assumida por Droysen nesta
tríade. É como se a idéia de tragédia fosse lentamente se modificando: primeiramente,
logo no capítulo inicial, ela se mostra como destino, como lei inconscientemente
escrita pelo agente, que posteriormente haverá de reconhecê-la como sua. Em um
segundo momento, a tragicidade será expressa sobretudo na idéia de “meio”, ou seja,
na ação que não tem cura ao buscar se purificar no passado, tampouco poderá se
garantir através de um ato redentor do futuro. É tardia e ineficaz, como dizíamos. Por
fim, esta idéia trágica ganha mais uma forma, a saber, a partir da impossibilidade de
67
DROYSEN. J.G. Historik. Ed. Leyh. p.368. Wenn es eine Geschichte geben soll von allgemeinen
Interesse, eine Geschichte, welche mit Recht die Geschichte gennant werden kann, so ist es diejenigen,
in der sich jenes generelles Ich seinem Werden zeigt.
196
uma garantia prévia de que tais três dimensões necessariamente se reunirão. Droysen
constantemente fala, ao longo de suas preleções, de que a história há de buscar
totalidades relativas. É disto que trata a tríade: cada momento dela jamais poderá ser
absoluto, subsumindo as demais. Ela existe em conflito com as outras duas.
Falávamos no início do capítulo que a história jamais se justificaria como
ciência empírica se o objeto delimitado por ela em cada caso, ou seja, a anomalia
escolhida, não influenciasse diretamente na própria visão do historiador em seu
próprio presente. Se a Grécia, no primeiro capítulo, foi na sua etapa helenista, pouco
mais do que uma etapa de preparação para o cristianismo, no segundo ela já seria o
centro para a visão trágica de hermenêutica, ou seja, a que não pode compreender as
origens nem prever fins. Neste terceiro capítulo, vimos sobretudo que deveria ser
mantida a marca trágica, ou seja, uma época se estuda a partir dos conflitos que nela
podemos encontrar; ou seja, não em suas sínteses, mas em suas questões. Esta não é
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da fantasia quanto da ação. Em segundo lugar, há um nível bem menos explícito para
o próprio Droysen: sua teoria da História é uma reflexão sobre a burguesia culta –
uma reflexão crítica, um olhar para dentro, jamais uma reificação. Não encontraremos
em Droysen o elogio do progresso material viabilizado pelas ciências que pretendem
dominar a natureza – pelo contrário. Também não encontraremos sua contrapartida
romântica, ou seja, um elogio das ciências sem fins práticos – na verdade, para ele, o
saber em si e para si não se mostra através da complexidade de conceitos crus que
recusam qualquer referência empírica, mas simplesmente o saber que contempla as
dimensões possíveis do homem. Esta é a autêntica Bildung, a verdadeira
complexidade que ela abarca; uma complexidade que exige do historiador ou de
quem quer desejar pensar historicamente um exercício que ultrapasse a absorção de
normas. Encontrar em Droysen um burguês com tal grau de auto-crítica é digno de
nota, ainda mais quando lembramos que sua vida antecede razoavelmente o que
consideramos ser em geral o ocaso da burguesia oitocentista européia.
Pode-se falar em sujeito da história? Sim, desde que se considere seriamente
que ele não pode ser dominado por um dos três fatores determinados por Droysen
como essenciais à Bildung, ou seja, ao estágio em que o homem está em si e para si
em sua fantasia, inteligência e vontade. Podemos fechar o circuito hermenêutico, em
198
que a questão que retiramos a partir de Droysen parece ficar mais clara: não estariam
tais funções características da Bildung expressas nos três tragediográfos da Grécia
antiga? Vimos que, em Ésquilo, há imediatamente um homem consciente de sua
própria culpa e desejoso de pertencer à própria existência: ali está presente a idéia
teleológica de destino cuja marca da culpa já permite uma consciência participativa.
Como a existência se põe fora de si mesma, porque dada em uma falta que sabe ser
sua, ela é uma fantasia. Não uma fantasia no sentido vulgar de invenção, mas uma
fantasia absolutamente necessária e angustiada que põe a vida à frente de si mesma, e
se projeta no futuro a partir da falta com o passado que a circunda. Eurípides, também
pudemos perceber, é a Bildung ativa, ou o que vínhamos chamando de Hermenêutica;
é a capacidade de ação dada em qualquer alteração de sentido e significado e a
consciência de saber poder fazer tal ação. Por fim, restaria Sófocles, onde a Bildung
cumpriria sua outra função: a do conhecimento. Para Droysen, em Ésquilo “o mundo
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está pronto e fechado, cada qual tem seu direito e seu dever, e o que existe se firma
sobre leis imutáveis, que são a consciência da própria liberdade e da vontade geral de
todos; uma paz divina, solar, feliz.”68 Todavia, não se trata de uma estabilidade
teleológica, definitiva – do contrário não haveria qualquer sentido em mencionar
ainda Eurípides, posterior à Sófocles – mas cabe-nos ver como tal estabilidade se
expressa através do coro, ou seja, uma instância isenta de qualquer culpa, portanto de
qualquer participação, que se contrapõe à ação e culpa do herói. Mesmo neste âmbito,
e aqui vemos como Droysen, entendido a partir de sua visão sobre a tragédia grega,
liberta-se simultaneamente tanto da visão hegeliana (a qual se aproximava com sua
idéia de helenismo) como de Wilhelm von Humboldt, que via na redução dos limites
de ação do Estado uma condição suficiente para a realização das possibilidades
internas de cada qual. Ou seja: seria como se em Humboldt a fantasia, a ação e o
conhecimento necessariamente entrassem em harmonia. O que Droysen diz sobre
Ésquilo valerá para o conhecimento histórico, mesmo quando ele se pretende
universal.
68
DROYSEN, J.G. Kleine Schriften zur Alten Geschichte. p.285. Die Welt ist fertig und geschlossen,
jeder hat sein Recht und seine Pflicht, und das Bestehende gründet sich auf unwandelbaren Gesetzen,
die das Bewusstsein der eigenen Freiheit und der gemeinsame Wille Aller sind, ein sonnenhafter,
glückseliger Gottesfrieden.
199
Os coros de Sófocles são a exposição do povo, no qual domina a voz geral em toda
participação individual, que se destaca por sua vez através da firmeza digna e da
nobre seriedade da sua consciência; constantemente passivo na ação e na culpa
individual os coros observam a luta do conflito e naufragam sem tomar partido,
posto que no geral todos os partidos são absorvidos e suprassumidos69.
69
DROYSEN, J.G. Kleine Schriften zur Alten Geschichte. p.286. Die Sophokleischen Chöre sind als
die Darstellung des Volkes, in dem bei aller Theinahme für den Einzelnen und sein Geschick doch die
Stimme des Allgemeinen beherrscht, durch die würdige Haltung und den hohen Ernst ihrer Gesinnung
ausgezeichnet; stets theilnahmlos an der That und Schuld des Einzelnen sehen sie den Widerspruch
kämpfen und versinken, ohne Parthei zu nehmen, da in dem Allgemeinen alle Parthei enthalten und
aufgehoben ist.
70
O limite imposto pelo prazo de nosso estudo não nos permitiu uma ramificação que só poderia
enriquecer a discussão em curso: gostaríamos de ter dedicado uma parte generosa à ficção alemã, mais
especificamente aos romances de formação. Acreditamos todavia que a própria descrição feita, já no
segundo capítulo, da presença de elementos subjetivos, já contribui em parte para uma idéia de que a
exposição do pensamento histórico não depende exclusivamente de elementos considerados
pragmáticos e existentes previamente na realidade, que deveriam apenas ser adaptados e refletidos na
obra tecida pelo historiador. Ou seja, ele pode ser criador, como sempre quis Droysen e já desejava
Wilhelm vom Humboldt. O leitor interessado haverá de se contentar por ora com a obra de Franco
Moretti, The Way of the World: The Bildungsroman in the European Culture, na qual o crítico italiano
demonstra estar presente, por exemplo, em Goethe, algo que de alguma maneira também identificamos
em Droysen, a saber, a Bildung como sendo sempre uma marca da juventude, ou seja, a recusa da
maturidade e da cristalização e a necessidade de exposição dos conflitos. Citamos Moretti: “Para
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Schiller e Goethe, felicidade é o oposto de liberdade, o fim do devir. Seu surgimento marca o fim de
toda tensão entre o individual e seu mundo, todo desejo para metamorfoses futuras se extingüe.” For
Schiller and Goethe, happiness is the opposite of Freedom, the End of becoming. Ist appearance marls
the end of all tension between the individual and his world; all desire for further metamorphosis is
extinguished IN: op.cit..p.23.
5.
Conclusão
1
MANN, Thomas. Betrachtungen eines Unpolitischen. Frankfurt am Main: Fischer, 2001, p.129. Ist
nicht Deutsches Wesens die Mitte, das Mittlere und Vermittelnde und der Deutsche der mittlere
Mensch im grossen Stille?
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entender como eles determinam o homem decisivamente e como cabe então aos
historiadores o dever de desenvolver certas perguntas que não foram originalmente
levantadas por historiadores, mas pelas quais eles poderiam também se
responsabilizar.
Se era mediano, também parece ser um privilegiado. Ao menos é este o lugar
que a história lhe reservou, desde que se pense no próprio conceito de história.
Sabemos que os historiadores não são os únicos a pensarem a história de modo
conceitual; na verdade, os filósofos se ocuparam com prazer desta missão, muitas
vezes com tal prazer que desabonaram os historiadores a fazê-lo. Estamos
convencidos todavia de que o historiador, neste caso, ocupa de fato uma posição
ambígua. Na zona cinzenta em que habita, precisa se preocupar com o objeto de seu
estudo, com os documentos e as referências materiais e históricas. Mas elas
inevitavelmente colocam questões: não somente ao biógrafo que precisa
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Não se trata de recuperar um humanismo que hoje causaria mais risos nervosos do
que esperança, ma sobretudo de se adotar um conjunto de referências que tornem
possíveis as correspondências entre pólos que se consideram conflitantes ou
diferentes, ou seja, de considerar que as diferentes esferas e expressões do homem,
em suas diferentes culturas ou mesmo e principalmente dentro de suas próprias
culturas, necessariamente entrar em rota de colisão – e estes conflitos não
necessariamente levam ao sempre apressado elogio da fragmentação da história,
manifesta através de uma completa desilusão quanto à possibilidade de sentido na
história. Por mais que os próprios defensores da atomização do objeto histórico por
vezes atribuam à tal fragmentação causas contingentes (Auschwitz, Hiroshima) ou
lógicas (o passado, mesmo antes dos campos de concentração e da bomba atômica,
sempre foi projeção de um discurso que revela a ideologia do historiador e não a
essência do que relata), devemos pensar que o discurso histórico de fato precisa se
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Das Zeitalter der Freiheitskriege. Editado por E.E. Lehmann. Berlin: Deutsche
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