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Karmitta
..................................... 2
Agradecimentos ............................................................................................................................ 9
C A P í T ULO 1 ............................................................................................................................. 10
CA p í t u l o 2 ............................................................................................................................... 24
C A P í T U L O 3 ........................................................................................................................... 38
O Milagre do Toque................................................................................................................. 43
C A P Í T U L O 4 ........................................................................................................................... 47
C A P Í T U L O 6 ........................................................................................................................... 71
C A P Í T U L O 7 ........................................................................................................................... 86
C A P Í T U L O 8 ........................................................................................................................... 99
C A P í T U L O 9 ......................................................................................................................... 114
C A P Í T U L O 10 ....................................................................................................................... 128
C A P Í T U L O 11 ....................................................................................................................... 142
Desejo de Se Esconder. Necessidade de Ser Resgatado. Indecisão em Ser Encontrado ...... 143
C A P Í T U LO 12 ......................................................................................................................... 155
AGOSTINHO
Seu nome era Pandy. Boa parte de seu cabelo já tinha caído, tinha
apenas um braço e, em termos gerais, estava quase completamente vazia
por dentro. Ela era a boneca favorita da minha irmã, Barbie.
Mas nem sempre foi assim. Ela foi um presente de Natal
pessoalmente escolhido por uma tia querida que viajou até Chicago para
comprá-la em uma loja de departamentos. Seu rosto e mãos eram feitos
de um tipo de borracha ou plástico que lhe dava uma aparência real, mas
seu corpo era recheado de trapos para que ficasse macia e fofa como um
bebê. Quando minha tia olhou a vitrine da Marshall Fields e viu Pandy,
percebeu que tinha encontrado um ótimo presente.
Quando Pandy era nova e bonita, Barbie a amava exageradamente.
Quando Barbie ia para a cama, Pandy ia dormir ao seu lado. Quando ia
almoçar, Pandy também comia ao seu lado. Sempre que Barbie ganhava
permissão, levava a boneca para tomar banho com ela. O amor de Barbie
por aquela boneca, do ponto de vista da própria Pandy, beirava a uma
"atração fatal".
Quando conheci Pandy, ela já não era uma boneca muito atraente.
Na verdade, para ser sincero, ela estava um trapo. Não era uma boneca
de muito valor; aliás, nem sei se serviria para dar a alguém.
Mas, por motivos inimagináveis, minha irmã, Barbie, ainda amava
aquela pequena boneca esfarrapada de uma forma que só as crianças são
capazes de amar. Ela passou a amar Pandy bem mais depois que ela se
transformou num trapo do que em seus dias de glória.
Outras bonecas vinham e iam, mas Pandy era da família. Quem
amasse Barbie, tinha de amar sua boneca de pano. Tudo vinha incluído
no mesmo pacote.
Certa vez, fizemos uma viagem de carro de nossa cidade, Rockford,
Illinois, até o Canadá. Na volta, quando estávamos quase na fronteira do
estado de Illinois, demos falta de Pandy. Ela tinha ficado no hotel.
Não havia escolha. Meu pai deu meia volta e percorremos todo o
caminho de volta, de Illinois até o Canadá. Éramos uma família unida.
Não muito inteligente talvez, mas unida.
Entramos no hotel, falamos com a recepcionista, e nada de Pandy
Subimos correndo para o quarto, e nada de Pandy. Descemos as escadas
até a lavanderia e... bingo! Lá estava Pandy, embrulhada no meio dos
lençóis, a ponto de tomar o derradeiro banho de sua vida.
O tamanho do amor de minha irmã por aquela boneca significava
viajar até um país longínquo para salvá-la.
Passaram-se anos, minha irmã cresceu e largou da boneca, que foi
substituída por um namorado chamado Andy (e, por incrível que pareça,
ele era mais feio que Pandy).
Pandy já não estava lá essas coisas; agora, então, o mais inteligente
a fazer era jogá-la fora. Mas minha mãe não teve coragem para tanto. Ela
pegou Pandy pela última vez, embrulhou-a em um pano com todo o
cuidado e colocou-a dentro de uma caixa que ficou guardada no sótão
por vinte anos.
Durante minha infância, tive todo tipo de brinquedo e bichos de
pelúcia, e minha mãe nunca guardou nenhum deles. Mas ela guardou
Pandy. Dá para adivinhar por quê? Quando eu era pequeno, achava que
talvez minha mãe amasse a sapeca da minha irmã caçula mais do que a
mim.
A natureza do amor de minha irmã por Pandy foi o que a tornou
tão preciosa. Barbie sentia por aquela pequena boneca um tipo de amor
que a tornava valiosa para qualquer um que amasse a própria Barbie.
Todas aquelas lágrimas e abraços e segredos, de alguma forma, ficaram
impregnados nos trapos da boneca. Se você amasse Barbie, naturalmente
acabaria também amando Pandy.
Mais alguns anos se passaram, minha irmã casou-se (não com
Andy) e mudou-se para outra cidade. Ela teve três filhos, sendo que o
último era uma menina chamada Courtney, que logo alcançou a idade de
querer uma boneca.
Barbie não encontrou outra alternativa senão ir até a nossa casa em
Rockford e pegar a caixa guardada no sótão. A essa altura, Pandy se
parecia mais com um trapo do que com uma boneca.
Minha irmã a levou para um hospital de bonecas na Califórnia
(esse lugar existe mesmo, pode acreditar!) e lá ela passou por uma
cirurgia reparadora. Pandy fez um lifting facial, uma lipoaspiração ou seja
lá o que for que se faz nas bonecas, até que, com mais de trinta anos de
idade, Pandy ficou novamente tão bonita exteriormente quanto sempre
fora aos olhos daquela que a amava. Não sei se ela mudou alguma coisa
para minha irmã, mas agora as outras pessoas também podiam ver o que
Barbie sempre vira naquela boneca.
Quando Pandy era nova, Barbie a amava. Ela comemorava a sua
beleza. Quando ela ficou velha e rasgada, Barbie não deixou de amá-la.
Agora, além de amar Pandy porque ela estava bonita, ainda sentia por ela
um tipo de amor que a tornava bonita.
E se passou mais tempo. O ninho de minha irmã logo ficou vazio.
Courtney agora é adolescente, está se preparando para entrar na vida
adulta e já tem um Andy Jr. ao telefone.
E Pandy? Pandy está pronta para entrar em outra caixa.
Duas verdades
Há duas verdades sobre o ser humano que são de extrema
importância. Somos todos bonecos de pano, com imperfeições, defeitos e
falhas. Desde a queda, cada membro da raça humana tem vivido no
limite da degradação. Em parte, nosso desgaste é algo que acontece
conosco. Nossos genes podem estar programados para apresentar alguns
defeitos. Nossos pais podem nos abandonar quando mais precisamos
deles. Mas isso não é tudo. Cada um de nós acrescenta uma contribuição
própria à degradação da raça humana. Preferimos mentir quando
deveríamos dizer a verdade, reclamar quando bastaria um pequeno
elogio, traímos deliberadamente mesmo quando damos nosso voto de
lealdade.
Como uma gota de tinta que cai num copo d'água, a degradação se
espalha por todo o nosso ser. Nossas palavras e pensamentos nunca estão
livres dela. Somos bonecos de pano sem dúvida alguma.
Mas somos os bonecos de pano de Deus. Ele conhece tudo sobre a nossa
degradação e nos ama da mesma forma. Nossa degradação não é o que
mais importa a nosso respeito.
Não estávamos degradados quando fomos criados. No início, havia
uma tal admiração pelos seres humanos que o próprio Deus, quando
olhou para eles na vitrine do mundo, disse: "Muito bom". Havia uma tal
admiração pelos seres humanos que o autor de Gênesis até disse que
eram feitos à imagem de Deus. Havia uma tal admiração pelos seres
humanos que o salmista disse que eles competiam com os seres divinos
em glória e honra. Há ainda uma tal admiração pelos seres humanos que
nem mesmo a nossa queda pôde apagá-la completamente.
E há uma grande admiração por você. A degradação não faz parte
da sua identidade. A degradação não é o seu destino nem o meu.
Podemos não ser amáveis, mas somos amados.
Mas não podemos ser amados sem passarmos por uma mudança.
Quando as pessoas experimentam o amor (e com isso não quero dizer
apenas o sentimento de afeto pelos outros, mas um sentimento que, às
vezes, é implacável, contestador e até impiedoso), passam a ser amáveis.
Isso vale mesmo para o plano físico. Os psicólogos dizem que a
emoção de estar apaixonado acelera os batimentos cardíacos: a pele fica
lustrosa, os lábios ficam mais vermelhos e até as olheiras diminuem! As
fortes emoções dilatam as pupilas, e por isso os olhos brilham mais e
ficam mais aguçados. Fomos tão bem construídos que até os nossos
corpos ficam mais amáveis quando são amados.
Estamos mais acostumados com o tipo de amor que busca alguém
ou algo de grande valor. É um amor que celebra a beleza ou a força do ser
amado. O amor que estamos mais acostumados a ver é dedicado a um
objeto pelo fato de ser caro, de ser atraente ou de dar status a quem
estiver relacionado a ele.
Os gregos tinham uma palavra que denotava bem esse tipo de
amor: eros. Quando ouvimos essa palavra, logo nos ocorre o termo
"erótico", mas eros era mais do que apenas o amor sexual. Em essência,
eros dizia respeito ao tipo de amor que sentimos pelo que satisfaz os
nossos desejos, ganha a nossa admiração ou sacia a nossa fome. Eros é o
amor em uma caça ao tesouro. É a recompensa que se ganha no desfile de
Miss Universo ou quando se é chamado de o homem mais sexy do ano
pela revista People.
Aprendemos sobre esse tipo de amor logo cedo. Estudos mostram
que os adultos sorriem, brincam, beijam e seguram no colo os bebês que
são bonitos mais do que os comuns. Os pais se envolvem mais
sentimentalmente com bebês atraentes do que com aqueles considerados
não atraentes pelos outros.
Karen Lee-Thorp observa que as histórias de criança reforçam
ainda mais essa idéia. "O príncipe não ficou admirado com a inteligência
e a perspicácia de Cinderela; mas foi arrebatado por seu vestuário e seus
pequenos e delicados pés. A Branca de Neve e a Bela Adormecida
conquistaram seus príncipes entrando em estado de coma". Rapunzel
passou vinte anos sozinha dentro de uma torre, nem um só dia o seu
cabelo esteve em baixa.
Eros — o amor que nasce da necessidade, da admiração e do desejo
— não é necessariamente um tipo ruim de amor. É bom que o bebê ame a
mãe cujo leite significa vida. É bom que o homem celebre a beleza de sua
amada.
Mas o eros por si mesmo é um amor fraco demais para um boneco
de pano construir sua vida em cima dele. Você vai cair na armadilha do
concurso invencível se tentar provar que é bonito, inteligente, forte ou
religioso o suficiente para merecer afeto. Você vai ter medo que uma falha
na sua costura mostre o seu verdadeiro eu. Não, os bonecos de pano
precisam de um amor com um recheio mais forte do que apenas o eros.
Esse amor existe, é um amor que acrescenta valor ao ser amado.
Existe um amor que transforma os bonecos de pano em tesouros de valor
inestimável. Existe um amor que busca frágeis criaturas degradadas, por
motivos que ninguém é capaz de adivinhar, e as transforma nos objetos
mais preciosos e valiosos do mundo. Esse é o amor além da razão. Esse é
o amor divino. Esse é o amor de Deus por você e por mim.
O amor, acima de todas as coisas, é o motivo pelo qual Deus nos
criou. Os teólogos defendem a idéia de que Deus criou tudo
espontaneamente, sem que houvesse necessidade. Esse fato é muito
importante, pois significa que ele não nos fez porque estava se sentindo
entediado ou solitário ou porque buscava algo para fazer.
Deus não nos criou por necessidade. Ele nos criou por amor. C. S.
Lewis disse: "Deus, que não precisa de nada, deu vida a criaturas
completamente supérfluas para poder amá-las e aperfeiçoá-las".
Toda a extensão do amor de Deus não ficou tão evidente quando
ele decidiu nos criar, mas quando nos tornamos pecadores e deixamos de
ser "amáveis".
Paulo explica essa idéia da seguinte forma: "Porque Cristo, estando
nós ainda fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios. Dificilmente morrerá
alguém por um justo, embora alguém possa se animar a morrer pelo bom.
Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós,
sendo nós ainda pecadores".
Pois Deus está plenamente ciente do nosso segredo. Ele sabe que
somos bonecos de pano. O profeta Isaías disse isso milhares de anos atrás:
"Todos nós somos como o imundo, e todos os nossos atos de justiça como
trapo da imundícia". Todos nós ficamos desgastados, tão degradados
pelo pecado e pela culpa que a coisa mais inteligente a fazer seria
descartar-se da raça humana; jogá-la fora e começar tudo de novo.
Mas este Deus jamais faria isso. Assim, ele propôs uma cirurgia
reparadora. Deus decidiu levar a raça humana para um lugar em que
poderia trocar os trapos imundos e remover a culpa e o pecado que
tornaram os objetos de seu amor tão desprezíveis.
Esse lugar existe e se chama cruz.
Segundo Paulo, o amor do ser humano comum, às vezes, é capaz
de sacrifícios por um coração nobre. Mas Deus foi até as últimas
conseqüências para provar seu amor por nós. Ele morreu por nós no
momento exato·, quando estávamos degradados e fracos e éramos
pecadores.
Os autores da Bíblia não quiseram usar a palavra eros para
descrever esse tipo de amor. Por isso, na maioria das vezes, usaram uma
palavra sem cor: ágape. Ela não era muito usada pelos gregos, mas agora
passaria a ter um novo significado. Seria usada para denotar o tipo de
amor que pode dar esperanças a um boneco de pano.
A palavra em nossa língua usada para esse ripo de amor é caridade.
A palavra caridade era usada antigamente para expressar o amor em
forma de pura dádiva. Ela não é muito usada atualmente e, quando o é,
geralmente está carregada de um sentido que denota auxílio ou
condescendência. Ninguém quer ser um "caso de caridade".
Mas, no final das contas, a expressão máxima do amor chega a nós
como uma dádiva.
C. S. Lewis escreveu:
Estamos todos recebendo Caridade. Há algo em cada um de
nós que não pode ser amado naturalmente. Ninguém tem culpa
então de não ser amado. Apenas o que é amável pode ser amado
naturalmente. Você pode até pedir para que as pessoas apreciem o
gosto de um pão bolorento ou o som de uma furadeira elétrica.
Podemos ser perdoados, causar compaixão e ser amados apesar
disso, por Caridade e nada mais. Todos aqueles que têm bons pais,
esposa, marido ou filhos podem ter certeza de que há momentos em
que estão recebendo a Caridade, de que não são amados porque são
amáveis mas porque o próprio Amor está naqueles que os amam.
O Poder da Atenção
A atenção é uma das forças mais poderosas do mundo. Além de
água e comida, o bebê precisa do olhar atento de um rosto humano.
Quando, deitado em seu berço, o bebê sorri e um rosto retribui-lhe o
sorri, ele percebe que alguém está olhando, respondendo, e o que ele faz é
importante. A alegria, a raiva ou a tristeza do bebê está refletida no rosto
de alguém. Os psicólogos chamam esse fenômeno de sintonização. O bebê
descobre que existe uma maneira de estabelecer um vínculo — entrar em
sintonia — com outro ser humano. Se o rosto olhar feio ou desaparecer, o
bebê vai tentar descobrir o que aconteceu, como trazê-lo de volta. Esse
rosto torna-se o espelho pelo qual a criança aprende se está sendo uma
fonte de alegria ou decepção. Ela simplesmente não sobrevive sem o
rosto. É o rosto que diz ao bebê que ele é importante.
Segundo Erik Erikson, "dificilmente alguém aprende a reconhecer o
rosto familiar (onde nasce a base da confiança) se ele também se mostrar
estranho, esquisito, indiferente, desinteressado e carrancudo. E assim
começa a inexplicável tendência do homem de sentir-se responsável pelo
fato de o rosto ter virado de lado".
Quando crescemos, ainda precisamos de atenção. De acordo com
Gerald Egan, em uma experiência, a partir de um sinal pré-estabelecido,
os alunos deveriam passar de uma atitude desinteressada e passiva, em
que não olhavam diretamente para o professor, para outra em que
olhavam atentamente para ele. O professor, que antes balbuciava
mecanicamente suas observações num tom de monotonia, gradualmente
foi mudando de atitude, passando a gesticular, olhar para os alunos e
falar em um ritmo mais rápido e enérgico. Dado outro sinal, os alunos
voltaram a se comportar da mesma forma que antes e o professor, "depois
de grande empenho tentando recuperar a atenção dos alunos", voltou ao
tom monótono.
Há ocasiões em que, durante meu sermão, sinto como se toda a
congregação participasse secretamente dessa experiência. Todo orador
sabe que existem pessoas que o encorajam e o alimentam simplesmente
prestando atenção ao que ele fala. Você busca alguns rostos porque, com
o olhar, um sorriso ou meneio da cabeça, eles estão dizendo: Vá em frente!
O que você está dizendo é interessante. Diga qual é a verdade!
Um dos grandes milagres da vida é que Deus presta atenção em
nós. Isso explica em parte por que os autores da Bíblia falam com tanta
freqüência no rosto de Deus. E a esperança da grande bênção sacerdotal
que o próprio Deus ensinou ao povo de Israel:
Olhar para alguém é dar a essa pessoa sincera e total atenção. Não é
ouvir de maneira indiferente com a mente ocupada. É dizer: "Não tenho
nada mais para fazer e nenhum lugar em que gostaria de estar. Estou
totalmente voltado para ficar com você". É esse tipo de atenção que Deus
nos dispensa.
E ainda melhor. Essa bênção diz que Deus não vai apenas voltar
seu rosto para nós, mas fará com que "resplandeça" para nós. O rosto
resplandecente é uma imagem de alegria. É o rosto de uma pai orgulhoso
que se enche de luz quando o filho faz seu primeiro recital de piano. E o
rosto radiante da noiva que caminha para o altar em direção ao noivo.
Podemos voltar nossas faces para prestar atenção a qualquer um, com um
pouco de esforço. Mas nossas faces se iluminam, brilham e tornam-se
radiantes apenas na presença daqueles que amamos profundamente. E,
conforme a oração, é assim que Deus nos ama. Ele presta atenção em nós.
Por outro lado, perder a atenção de Deus foi, para o salmista,
perder tudo:
Nada era pior para ele do que a idéia de Deus "esconder sua face".
A atenção é tão valiosa que não apenas damos, mas também
prestamos atenção. É como dinheiro e, sendo assim, geralmente ela flui
para aqueles que possuem mais status. Quanto mais importante você for,
o que disser vai receber mais atenção das pessoas em geral. Em Um
violinista no telhado, Tevye, um leiteiro, acha que se fosse rico, o povo da
vila escutaria tudo o que ele tivesse a dizer — mesmo que ele não fizesse
a menor idéia do que estivesse dizendo. "Quando você é rico, eles
acreditam que você sabe realmente do que está falando".
O evangelho de João conta a história de um homem que certamente
não tinha riquezas mundanas e a quem ninguém dava atenção. Ele
passou a vida toda sendo ignorado. Ele simplesmente não merecia
atenção. Ele era cego; era um mendigo.
Para ir até o local em que eu trabalhava, costumava passar por um
cruzamento onde ficava um homem vestindo um velho uniforme do
exército, segurando uma placa que dizia: "Trabalho por comida". Na
maioria dos casos, quem estava parado esperando o farol abrir desviava
os olhos. Às vezes, eu dava um dólar a ele, mas geralmente preferia não
notá-lo.
Essa era a vida do homem sobre o qual João escreveu. As pessoas
procuravam olhar para o outro lado e ele tentava fazer algo para chamar
a sua atenção. Estava acostumado a ser ignorado. Essa era a sua ocupação
na vida. Aquele homem era apenas mais um rosto na multidão.
Mas não para Jesus
As primeiras palavras da história são, inclusive, que, "quando Jesus
ia passando, viu um homem, cego de nascença". Esse é o primeiro
milagre da história. Eis um homem que não é apenas cego, mas invisível.
Quantos anos haviam passado desde a última vez em que um ser
humano tinha olhado para ele? Mas Jesus, que, afinal, tinha lugares para
ir e coisas para fazer ("quando Jesus ia passando"), olhou para ele. Jesus
viu a mágoa e a decepção de uma vida de dependência e anonimato.
Jesus viu a desesperança de uma vida de escuridão que nunca conheceria
a luz.
Ninguém jamais viu como Jesus.
Jesus viu um cobrador de impostos sentado disfarçadamente no
alto de um sicômoro. Ele sentiu quando uma mulher desesperada por
cura tocou a sua roupa, apesar da multidão apressada que o acotovelava.
Ele viu uma viúva para quem ninguém mais voltaria o rosto e observou
que ela deu tudo o que tinha. Ela fez o rosto dele se iluminar. Ele deu
atenção a crianças insignificantes que estavam sendo tragadas pela
multidão. Todos os ensinamentos refletem uma qualidade de Jesus: ele
via como as sementes de mostarda brotavam e o fermento crescia e como
as pessoas enganavam outras para conseguir lugares de destaque em
reuniões e títulos de grande status em suas comunidades. Ele viu quando
seus amigos discutiam sobre quem era o melhor discípulo; ele viu a
dúvida e o medo deles no barco em meio à tempestade; e, às vezes, eles
desejavam que ele não visse tanta coisa assim.
Ninguém jamais viu como Jesus.
Nessa história, várias vezes, aparece outra expressão que significa
ver". Aquele que lamenta sua cegueira, alcançará a verdadeira visão
espiritual. Aquele que se considera o mais perspicaz, acabará
espiritualmente cego. Mas João começa a história com o ato de
Jesus. Ele vê um homem que todos haviam aprendido a ignorar.
Quem ama a mim, ama a meus bonecos de pano., Jesus diz.
Para viver no amor de Deus, é preciso ganhar novos olhos.
Precisamos aprender sempre a ver a graça de Deus acontecendo diante de
nós.
Jesus era um mestre nisso. Para ele, era simplesmente claro que
vivemos em um mundo inundado por Deus. Bastava abrir os olhos para
ver os sinais disso. "Olhe para os pássaros", dizia a seus amigos. Eles não
semeiam, nem colhem, nem fazem estoques em celeiros. Não têm
cronômetros nem planos estratégicos. Nunca adquirem uma colite ou
úlcera e nem têm pressão alta. Mas nosso Pai celestial nunca deixa de lhes
dar alimento. O Pai dos Bonecos de Pano está engajado nisso também.
Cada vez que você acorda, pensa em alguma coisa, saboreia uma
refeição, suas experiências não são obras do acaso. Elas são dádivas
generosas do nosso Pai.
O Deus da Bíblia é o Deus que enxerga. "Ó Senhor, tu me sondaste
e me conheces", diz o salmista. Não existe um único detalhe em nossas
vidas que não seja de grande interesse para Deus.
Jesus sabia disso. E por isso que ele disse: "Não se vendem dois
passarinhos por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o
consentimento de vosso Pai. E até mesmo os cabelos da vossa cabeça
estão todos contados. Não temais, pois; mais vaieis vós do que muitos
pardais".
A propósito, se você não entender a espiritualidade de Jesus nessa
última frase, a idéia perde todo o sentido. Jesus está advertindo que a
ansiedade nos rouba a vida. Será que alguém repara? — pensamos. Será
que alguém se importa? Ele destaca a preocupação constante do Pai com
seus pardais — que era a carne mais barata que se podia comprar naquela
época. Portanto, não se preocupe, ele diz. Você vale muitos pardais.
Quantos pardais a sua vida vale aos olhos de Deus? Coloque todos
os pardais que já voaram na terra de um lado e você do outro lado. Deus
sempre ficará com você. Se Deus está atento a cada acidente que acontece
na vida de cada pardal, imagine então quanta atenção dedica a você!
Na história do homem cego, depois que Jesus o notou, os
discípulos também notaram.
Eles perguntam: "Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que
nascesse cego?". É uma pergunta estranha. Como poderia ser responsável
por sua própria cegueira se ele nasceu cego?
Existia uma crença naquele tempo de que era possível nascer
culpado por algum pecado. Por exemplo, se a futura mãe freqüentasse
um templo gentio, a criança por nascer era considerada culpada de
idolatria. Um documento antigo registra o nascimento de um bebê com
deformidade porque sua mãe passou por um bosque gentio e ficou
"maravilhada". Havia uma escola de pensamento que sustentava ser
possível um feto pecar.
Em geral, naquela época, as pessoas acreditavam que havia uma
relação de causa e efeito entre sofrimento e pecado. De alguma forma,
isso fazia com que as pessoas se sentissem melhor ao pensar que alguém
merecia seu sofrimento. Quando julgamos os outros, sentimo-nos menos
obrigados a sofrer com sua desgraça. Quando julgamos os outros,
deixamos de prestar atenção a eles. As pessoas sabiam em qual categoria
colocar esse homem: mendigo, cego, pecador. Boneco de pano. Elas não
olhavam além dos rótulos para ver a singularidade deste homem em
particular.
Então, o homem passou a vida inteira sendo ignorado. Ele era cego
e as pessoas achavam isso deprimente. Ele era mendigo e as pessoas
achavam isso perturbador. Era, na cabeça delas, um produto do pecado, o
que significava que elas o achavam repugnante.
As mães diziam para os filhos: "Não olhe para ele; não dê ouvidos a
ele; não preste atenção nele. Finja que você não o viu. Ele é pecador. Ele
quer algo que não merece".
Jesus passa por esse homem que todos ignoram e pára diante dele.
Seus discípulos querem saber se o homem tinha sido amaldiçoado por
causa de seu próprio pecado ou do de seus pais.
Eles olharam para o homem, mas não viram o que Jesus viu. Eles
viram um objeto para uma interessante discussão teológica. Sua visão não
lhes revelou o homem em si. De quem é a culpa: dele ou de seus pais?
Jesus disse: "Vocês não prestaram muita atenção. Deus não o
abandonou. Deus apresentou-se a ele". Este é exatamente o tipo de pessoa
que Jesus está procurando.
Ralph Ellison descreveu o sofrimento da vida de um homem negro
em uma sociedade de brancos: "Sou um homem invisível. [...] Sou um
homem que tem substância, de carne e osso, músculos e sangue — e diz-
se até que tenho um cérebro. Mas sou invisível, vejam só, simplesmente
porque as pessoas se recusam a me ver".
Certa vez, perguntaram a madre Teresa o que ela via quando
andava pelas ruas de Calcutá, nas quais os pobres viviam; o que ela via
quando olhava para os órfãos, famintos e moribundos. Ela disse: "Vejo
Jesus disfarçado".
Repare quando Jesus realizou esta obra de Deus: "quando Jesus ia
passando". João dá uma introdução bastante casual à história. Jesus
estava viajando. Ele não estava com pressa. Ele não estava em uma
sinagoga, não estava fazendo o Sermão da Montanha, não estava
alimentando cinco mil pessoas. Ele não estava em uma situação de
pregação formal.
O melhor lugar para realizar a obra de Deus é quando se vai
passando. Não é preciso ocupar um alto cargo ou ser importante. Se tiver
de acontecer, acontecerá, no dia a dia, em qualquer esquina de sua vida.
Quando você for passando.
Esse é o seu dia. Essa é a sua oportunidade de realizar a obra de
Deus. Não a deixe passar. Se você deixar, não terá outra. A noite está
chegando. Não perca o dia.
Qual é a obra de Deus? Simplesmente ver o que Jesus veria se
estivesse olhando através de seus olhos, e reagir da forma como ele
reagiria.
Os líderes religiosos estavam cegos pela idéia de sua própria
virtude. Este homem não é de Deus, disseram, pois não guarda o sábado.
Guardar o sábado era uma das formas pelas quais eles se
distinguiam. Havia trinta e nove trabalhos que eram proibidos no sábado
e a maioria deles tinha subcategorias. Não era permitido nem cortar as
unhas, arrancar um fio de cabelo ou de barba nem usar sandálias com
pregos de ferro (as sandálias costuradas eram permitidas mas, se
tivessem pregos, cada passo contaria como um castigo).
Um dos atos proibidos era trabalhar no barro. Não se podia fazer
nenhuma mistura ou massa — e Jesus o fez para formar o barro que
colocou nos olhos do homem.
Além disso, como prática geral, a cura não era permitida no
sábado. A regra era que você só poderia receber cuidados médicos nesse
dia se sua vida estivesse realmente em perigo. E mesmo assim, só poderia
acontecer com o propósito de evitar a morte e não de melhorar o seu
estado. Eles descreviam os detalhes: se as suas mãos ou pés fossem
deslocados, não era permitido colocar água gelada sobre eles, porque isso
poderia ajudar na cura da torção.
Ironicamente, parte do propósito do sábado, conforme está escrito
em Deuteronômio 5, era dirigir a atenção para os que costumavam ser
ignorados; essa vigilância deveria se estender a crianças, escravos e
estrangeiros, para que todos pudessem ter descanso: "Lembra-te de que
foste servo na terra do Egito", Moisés disse.
Os fariseus olharam para o homem que deixara de ser cego, mas
não viram motivo de alegria. Eles não viram a presença do reino de Deus
entre eles. Viram apenas um sábado violado. Viram uma ameaça ao
sistema religioso que alimentava mais a idéia de sua superioridade
espiritual. Eles olharam para o mesmo homem que Jesus olhara, mas não
viram o que Jesus viu. Estavam muito ocupados pensando em sua
posição para prestar atenção em Deus.
Eles estavam tão empenhados em mostrar a sua retidão que
esqueceram a essência da obra de Deus, que é o amor. Não viram o que
Jesus via, por isso não fizeram o que ele fez.
João inclui um detalhe que conta exatamente o quanto esse homem
era ignorado. Depois de curado, ele voltou ao lugar onde ficava: "Então
os vizinhos e os que dantes o tinham visto a mendigar, perguntavam:
Não é este o que estava assentado pedindo esmolas? Alguns diziam que
era ele. Outros diziam: Parece-se com ele. Mas ele mesmo insistia: Sou
eu".
Esse homem era cego de nascença. Por isso ficou a mendigar, no
mesmo lugar, a vida toda, talvez por trinta ou quarenta anos. Essa gente,
seus vizinhos, as pessoas que viviam e trabalhavam onde ele mendigava,
estiveram com ele todo esse tempo. Por trinta ou quarenta anos, dia após
dia, o homem fez parte do mundo deles.
Mas eles prestaram tão pouca atenção a ele que, quando aconteceu
o milagre, não souberam nem mesmo identificá-lo. Não sabiam nem
descrevê-lo, alguns até pensaram que ele não era o mesmo homem!
Enquanto isso, os fariseus estavam tão empenhados em acabar com
a credibilidade desse homem que chamaram seus pais para interrogá-los:
"É este o vosso filho? É este que vós dizeis ter nascido cego? Como é que
ele agora vê?".
Eles responderam: "Sabemos que este é nosso filho, e que nasceu
cego. Mas como agora vê, ou quem lhe abriu os olhos não o sabemos.
Tem idade. Interrogai-o ele falará por si mesmo".
Sua mãe e seu pai não estavam dispostos a se arriscar para proteger
seu filho. Quero acreditar que meus pais seriam um pouco mais
devotados.
Mas João conta que eles estavam com medo de serem expulsos da
sinagoga. Como Lesslie Newbigin explica, "eles vivem no mesmo mundo
que as autoridades, um mundo governado pelo medo. Eles temem as
autoridades e as 'autoridades' temem por sua própria autoridade'".
Por isso, chamaram o homem pela segunda vez. Lembre-se, esse
homem passou a vida inteira sendo ignorado. Agora, de repente, as
pessoas se atropelam para chegar até ele. Primeiro Jesus e seus discípulos,
depois seus vizinhos, então ele é levado até os líderes religiosos. Agora
ele é interrogado uma segunda vez. A intenção deles é clara: fazer com
que ele diga algo para desacreditar Jesus. E é maravilhoso o modo como
ele se porta. Ele é um dos personagens mais convincentes do evangelho
de João:
"Dá glória a Deus", os fariseus disseram, numa tática de
intimidação para fazer com que o homem dissesse a verdade que eles
queriam ouvir. "Sabemos que este homem é pecador", eles acrescentaram.
O que torna a cegueira deles incurável é a certeza que eles alegam ter.
João continua contrastando a intransigência dos fariseus ("sabemos", eles
dizem três vezes distintas) com a ignorância confessada do homem ("não
sei", ele repete três vezes). Se ao menos eles fossem abertos à
possibilidade de que não sabem.
"Se é pecador, não sei", o cego que passou a enxergar disse. "Uma
coisa sei: Eu era cego, e agora vejo".
"Que te fez ele? Como te abriu os olhos?" "Já vos disse, e não
ouvistes". Então, com admirável coragem ele disse: "Para que quereis
ouvir de novo? Quereis fazer-vos também seus discípulos?"
Nesse momento, começamos a ver o tamanho da cegueira deles. Eis
a ironia: eles acham que são totalmente devotados à obra de Deus, mas
estão tão mergulhados em si mesmos que nem percebem quando o
próprio Deus aparece. Eles não estão prestando atenção. Não reconhecem
a presença do próprio Deus a quem reclamam servir tão fielmente. Que
outra palavra, senão cegos, poderíamos usar para descrevê-los?
C. S. LEWIS
O Milagre da Acessibilidade
Jesus era rabino. A tarefa do rabino era garantir que a lei fosse
compreendida e seguida.
Um homem era leproso. Era obrigação do leproso manter-se longe
das pessoas, especialmente dos rabinos. O rabino era a última j
pessoa que um leproso gostaria de ver. Se chegasse perto de um,
sabia que seria severamente criticado por ter desrespeitado a lei: o castigo
era certo.
Os rabinos orgulhavam-se de ser inacessíveis. Consideravam-se tão
próximos de Deus que os pecadores comuns — os leprosos, imundos —
não eram autorizados a chegar muito perto.
A ironia é que o único rabino de quem o leproso pôde se aproximar
era Deus em pessoa.
Que qualidade Jesus tinha que os outros rabinos não tinham? Ele
era eminentemente acessível. Não apenas para os leprosos. Isso acontecia
regularmente com prostitutas, cobradores de impostos e gentios pagãos
— todo tipo de bonecos de pano. Quanto mais religioso o rabino era, mais
inacessível se tornava.
Enfrentamos o mesmo problema. Sabemos que é importante
sermos puros, então começamos a tentar impressionar as pessoas com
nosso conhecimento teológico ou pureza moral para reforçar nosso senso
de superioridade espiritual. Se continuarmos assim, também não vai
demorar muito para nos tornarmos inacessíveis.
Há uma forma básica de distinguir o modo de vida de Jesus
daquele dos líderes religiosos. Para eles, quanto mais religiosos eles
fossem menos acessíveis se tornavam. Mas, com Jesus, era exatamente o
oposto. Jesus possuía uma "diferença" mais profunda que atraía os
pecadores para ele. Os fariseus possuíam uma diferença superficial que
afastava as pessoas.
Quando eu era criança, costumava achar que quanto mais
"religiosa" fosse uma pessoa, mais inacessível ela seria, que ser santo
significava manter uma certa rigidez, austeridade e distância.
Mas em Jesus vemos que a verdadeira religiosidade sempre torna a
pessoa mais acessível, e não o contrário. E por isso que vale a pena refletir
sobre isto: Jesus foi o ser humano mais acessível que já existiu.
E no ato do toque que nos tornamos mais presentes e reais uns para
os outros. Há alguns anos, levamos nossos três filhos à Disneylândia e
Mickey Mouse veio receber o público. Todas as crianças queriam a
mesma coisa. Elas não pediam presentes ou entradas grátis. Elas queriam
ser tocadas. Nosso filho caçula começou a saltar e a gritar sem parar:
"Toque em mim, toque em mim".
A Bela, personagem principal da história A bela e a fera, apareceu e
nossas duas filhas também começaram a pular e a gritar: "Toque em mim,
toque em mim" (algum tempo depois, encontramos o Kevin Costner com
seus filhos, e minha esposa começou a pular e gritar...).
Marcos narra uma ocasião em que um grupo de crianças foi trazido
a Jesus "para que as tocasse”. Os discípulos tentavam mantê-las afastadas
e "repreendiam" as pessoas. Eles entendiam que alguém tão importante
quanto Jesus não deveria ser normalmente acessível.
Mas Jesus indignou-se. "E tomando-as nos braços e impondo-lhes
as mãos, as abençoou". Ele não precisava fazer isso. Bastava dizer
algumas palavras. Mas ele preferiu lhes dar uma lembrança. Imagine ser
uma daquelas crianças, ser capaz de lembrar pelo resto da vida que fora
tocado por Jesus.
Uma das perguntas mais importantes que podemos fazer a nós
mesmos é: "Estou me tornando mais ou menos acessível?". Sou acessível às
pessoas que vivem em meu pequeno mundo? Meu cônjuge pode
conversar abertamente comigo? Já parei alguma vez para colocar o braço
sobre o ombro de um colega de trabalho, apenas para que ele saiba que
estou feliz por trabalhar ao seu lado? Estou procurando ouvir mais as
pessoas sem fazer julgamentos?
O Milagre do Toque
O segundo milagre tem a ver com a ordem dos fatos. A lei dizia:
"Não toque". O Evangelho está cheio de histórias sobre pessoas que
procuram tocar em Jesus: as crianças, a mulher que sofria de hemorragia
e desesperadamente tocou na bainha de suas vestes, a prostituta que
ungiu os pés de Jesus com lágrimas e enxugou-os com o cabelo e o
incrédulo Tomé, que queria sentir os ferimentos de Jesus com suas
próprias mãos.
Diferentemente de todas elas, os leprosos não tentaram tocar em
Jesus. Eles compreendiam a situação. Eles conheciam a lei.
Mas repare no que Jesus fez: "com grande compaixão, estendeu a
mão, tocou e lhe disse: Quero, sê limpo".
Jesus tocou o leproso antes de curá-lo. Ele tocou o leproso enquanto
o homem ainda era imundo. Isso escandalizaria qualquer um que visse a
cena. Quem tocasse num leproso também passava a ser considerado
imundo. Era um grande milagre. Trata-se de Deus, que, afinal, foi quem
criou a lei, quebrando a sua própria lei, pelo bem da humanidade. Jesus
não precisava tocar o leproso para limpá-lo. Ele já tinha feito outros
milagres à distância; bastava apenas "dizer a palavra". A palavra curou o
corpo e o toque curou a alma. Mas Jesus queria deixar uma coisa bem
clara.
O milagre do toque é que Jesus desejava compartilhar o sofrimento
de outra pessoa para dar-lhe a cura. É um prenúncio da cruz: Jesus toma
para si o nosso pecado para que possamos receber a sua vida. Por suas
feridas, somos curados.
Em um mundo contagioso, aprendemos a nos manter distantes. Se
chegarmos muito perto dos que sofrem, podemos acabar contaminados
por sua dor. Não nos parece conveniente ou agradável. Porém, somente
quando nos aproximarmos o bastante para sentir sua dor, eles se
aproximarão o suficiente para sentir o nosso amor.
Jesus não ordenou a seus discípulos que vivessem de quarentena.
Ele ordenou que fossem uma espécie de hospital. Imagine um hospital
onde os médicos dizem: "Este foi um dia de sorte. Não fui contaminado.
Meus pacientes estavam cheios de germes imundos, mas os deixei todos
lá fora. Pode ser que morram, mas pelo menos não toquei em nenhum
deles. Não fui contaminado".
Há alguns anos, estava quase entrando em uma loja de
antigüidades quando Nancy puxou-me de lado. Eu carregava nossa filha,
ainda bebê, em uma espécie de mochila nas costas e Nancy estava
grávida de oito meses.
— Já entrei nessa loja uma vez e vi as etiquetas de preço. Eles têm
peças bem valiosas aí. Há avisos por todo o lado dizendo: Não toque". Eu
o conheço bem. Você vai seguir direto para a seção de livros raros e vai se
esquecer que está carregando um bebê nas costas; e, assim que se distrair
um pouco, ela vai quebrar um vaso caríssimo e isso nos custará uma
fortuna.
— Desculpe — eu disse —, mas tenho trinta anos de idade e
doutorado em psicologia. Creio que posso dar conta de uma criança de
um ano de idade por meia hora.
— Ótimo. Mas quero deixar bem claro que se ela quebrar alguma
coisa, você vai pagar a conta com o seu dinheiro pelos próximos vinte
anos.
Então nós entramos.
Descobri a seção de livros raros e comecei a ler.
Esqueci completamente que carregava um bebê nas costas.
Ela fez um movimento brusco em direção a alguma coisa e
engasguei. Nancy ouviu o barulho e virou-se. Mas com oito meses de
gravidez, seu corpo ia muito além dos limites normais. Ela acabou
esbarrando em um vaso incrivelmente caro, que se espatifou no chão.
Isso aconteceu há dez anos. E ela ainda está pagando.
Todo dia passamos pela loja de Deus. Todo dia esbarramos em
objetos de valor incalculável para ele: pessoas. Cada uma delas carrega
uma etiqueta de preço, que não podemos ver. Os leprosos e aidéticos, as
crianças e os idosos, os sábios e os tolos, os santos e as prostitutas: vale a
vida do meu Filho, a etiqueta diz. Você vai respeitar o valor daqueles em
quem toca? Está disposto a pagar o preço? Quando alcança os intocáveis
do seu mundo, dispõe-se a sofrer. Amor significa decepção e pesar.
Mas existe alternativa? C. S. Lewis escreveu:
A loja de Deus está cheia de avisos que dizem: por favor, toque.
Podemos não querer; estamos ocupados, com medo ou vergonha. Mas
apenas quando as pessoas são tocadas em sua devastação é que acontece
a cura.
Hoje há pessoas em seu mundo esperando por alguém que as
toque. Será você? Coloque o seu braço sobre os ombros de seu amigo.
Segure a mão de alguém que sofre. Segure uma criança no colo. Por favor,
toque.
A Infecção Imaculada
Ninguém tocaria em um leproso, porque todo mundo sabia o que
poderia acontecer. Tocar um leproso significava ser infectado pela lepra.
Isso sempre acontecia ou, pelo menos, as pessoas pensavam assim.
Mas algo mais forte do que a lepra está agindo nessa história.
Marcos diz que Jesus tocou o homem e "imediatamente" a lepra
desapareceu. O leproso não infectou Jesus com sua doença. Jesus infectou
o leproso com sua vida! A isso podemos chamar de infecção imaculada. A
vida que fluiu através de Jesus para o homem foi tão forte que a lepra
simplesmente não podia coexistir com ela.
O pecado e o sofrimento não são as únicas coisas contagiosas.
Graças a Deus, o entusiasmo, a risada e a própria fé também são. Ande
com alguém com essas características e verá que elas são transmissíveis.
O contágio funciona dos dois lados.
Jesus usou duas vezes o fermento como exemplo em seus
ensinamentos. O fermento é um retrato do contágio. Coloque uma
quantidade de fermento em uma massa de farinha e logo ela ficará
fermentada. Em Mateus 16, ele avisou seus discípulos para que tivessem
cuidado com o fermento dos fariseus. Seu espírito crítico sobre quem é
tocável e quem não é estava se espalhando. Eles já tinham uma dose
suficiente de superioridade moral para serem inoculados contra a fé.
Mas em Mateus 13 Jesus usou o fermento para tratar de outra coisa:
o reino de Deus. Desta vez ele deu a dimensão. Falou sobre uma mulher
que misturou fermento em uma quantidade de farinha absurdamente
grande, como se estivesse trabalhando com sacos industriais de farinha e
fazendo uma refeição para a cidade de Cleveland. O fermento parece
crescer. De fato, a palavra que o texto usa é que ela "introduz" o fermento
na farinha. Parece um exercício de futilidade. O fermento aparentemente
desaparece. Mas é preciso ser paciente. Despercebida e sutilmente, o
fermento penetra em toda a massa. A farinha não tem chance. Agora, é
apenas uma questão de tempo.
O mesmo acontece no reino de Deus, Jesus disse. Ele não pode ser
impedido. Desde Jesus, o fermento tem agido. Ele pode parecer pouco e
insignificante: uma igreja pequena em um bairro decadente do centro da
cidade, uma reunião religiosa secreta na China, um pequeno grupo de
pessoas orando por um lugar no mundo. Pode parecer pouca coisa agora,
um pedaço de fermento, Jesus diz. Mas continue observando. Basta ter
um pouco de paciência. As trevas não terão chance. E apenas uma
questão de tempo.
O segredo da vida espiritual não é isolar-se do pecado e do
sofrimento. Isso seria impossível, mesmo que quiséssemos. Jesus viveu no
mesmo planeta contaminado que nós, mas ficou imune. Nossos corpos,
no entanto, não resistiram.
O segredo é se sentir tão pleno com a vida de Jesus que ao tocar o
mundo, em vez de ele nos infectar, somos nós que o infectamos.
O leproso curado tinha esse vírus. Ele era contagioso; simplesmente
não podia evitar de ser. Embora tivesse sido advertido para ficar em
silêncio, sentiu que não podia. Sua fé era tão infecciosa que ele a
espalhou, como um germe, uma gripe, como um boato quente. Todo o
mundo pegou: "E de todas as partes iam ter com ele".
E, desde então, aqueles que são tocados por Jesus têm espalhado
germes. Pequenos germes de alegria e de fé, bactérias de devoção.
Pois, conforme meu amigo Ian Pitt-Watson disse em um belo
tratado sobre essa passagem, vivemos em um planeta contaminado. Ele
está contaminado em todos os níveis. Deveria estar de quarentena do céu.
Qualquer Deus com um pouco de sensatez jamais se aproximaria dele
apenas com um cajado de três metros de altura.
Mas Jesus não é um Deus sensato. Ele se tornou homem,
adquirindo a sua impureza e a minha. Mas em vez do mundo infectá-lo,
foi ele quem infectou o mundo, com sua infecção imaculada. Ela ainda
está se espalhando.
E apenas uma questão de tempo.
CAPÍTULO4
O Senhor da segunda chance
O perdão é uma invenção de Deus para aceitar um mundo no qual as pessoas são
injustas umas com as outras e se magoam profundamente. Ele começou nos
perdoando e pede para todos nós perdoarmos uns aos outros.
LEWIS B. SMEDES
C. W. F. SMITH
Conheci a sra. Beier há trinta anos. Ela deu aula de piano para a
minha irmã e para mim por cinco anos.
A sra. Beier era alemã, completa e irremediavelmente alemã. E,
quando digo que é alemã, estou dizendo tudo o que você precisa saber a
respeito dela.
Por cinco anos, ela dominou a vida de minha família. Os outros
professores de piano de Rockford seguiam um padrão não muito
exigente: pratique sempre que puder, siga o seu próprio ntmo. Para a sra.
Beier, as coisas não eram assim; nada desse papo furado da educação com
liberdade e respeito à capacidade da criança. Se você era aluno dela, tinha
de seguir as suas ordens.
Praticávamos o quanto ela nos mandasse praticar, pelo tempo que
determinasse. Se ela nos mandasse fazer escalas meia hora por dia,
fazíamos as escalas meia hora por dia. Ajustávamos o metrônomo no
tempo que ela mandava. Sentávamos do modo como ela aprovava,
curvávamos os dedos das mãos no ângulo exato que ela especificava.
Cortávamos as unhas bem curtas para evitar que tocassem no teclado, o
que era feito muito a contragosto de minha irmã quando ela se tornou
adolescente.
A sra. Beier tinha algo que fazia com que qualquer um a levasse a
sério como professora. Ela disse aos meus pais, certa vez, que o piano que
tínhamos em casa não era apropriado, que precisavam comprar um novo.
Eles compraram um novo piano.
Finalmente, chegamos a um ponto em nossa adolescência em que
tínhamos muitas outras coisas a fazer e não queríamos mais tê-la como
professora. Tinha chegado a hora de parar. O problema é que ninguém
ousava dizer isso à sra. Beier! Não sabíamos se ela ia permitir que
parássemos. Sentados à mesa do jantar uma noite, meus pais disseram
um para o outro: "Isso é ridículo!". Por fim, meu pai ofereceu-me cinco
dólares para ligar para ela e dar a má notícia por telefone. Como,
infelizmente, naquela época ainda não existia secretária eletrônica, tive de
dizer tudo diretamente.
Para não dar uma impressão errada, devo apressar-me a dizer que
as aulas da sra. Beier não se resumiram apenas a coisas desagradáveis. Às
vezes, isso significava praticar sem vontade, mas, na maior parte do
tempo, isso nos trazia grande prazer. Uma única coisa me manteve no
jogo: ela tocava como ninguém que eu conhecia.
Até conhecê-la, achava que não era possível que um ser humano
comum conseguisse fazer aquilo. Às vezes, assim que chegávamos, ela
nos mandava sentar e tocava Mozart, Beethoven ou Rachmaninov (seu
favorito), e era como se fôssemos transportados para outro mundo.
Depois, nos dizia algo que era difícil de acreditar: "Se confiarem em
mim, se vocês se entregarem nas minhas mãos, se fizerem o que disser,
um dia conseguirão fazer o que faço. Um dia a música estará em vocês". /
Eu era muito novo e distraído para perceber isso naquela época,
mas, quando não estava tocando, os dedos da sra. Beier eram
normalmente dobrados e torcidos, como se estivesse pronta para arranhar
alguma coisa. Ela possuía um tipo de artrite aguda. Não podia tocar uma
nota sequer sem sentir dor. Tocar partituras inteiras de Rachmaninov,
como fazia para nós até o Steinway balançar, deve ter sido uma agonia.
Mas ela o fazia porque amava a música. E ela o fazia por nós. Queria nos
cativar com a beleza de tudo aquilo, como ela era cativada; queria nos dar
esse magnífico presente, por isso suportava uma dor que não dava nem
para imaginar.
Como todo grande mestre, o que a movia a ensinar era o amor. O
amor pela música. O amor pelos alunos. As verdadeiras lições são sempre
uma manifestação de amor.
Quem tem filho sabe disso. É por isso que os pais compram
brinquedos educativos, gastam incontáveis horas ensinando seus filhos a
sentar e levantar e dar um passo, comemoram os sons bal-buciados pelos
filhos que não se parecem nem um pouco com uma palavra conhecida,
grudam figuras e desenhos na porta da geladeira, lêem histórias para as
crianças, ensinam lições e deixam que elas os "ajudem" nos afazeres da
casa, quando sozinhos poderiam realizá-los muito mais rapidamente.
Todo grande ensinamento é sempre uma forma de amor. Vemos
isso acontecer na história de Anne Sullivan que despertou a alma de
Helen Keller. Percebemos isso no círculo de alunos que cerca Sócrates,
enquanto ele fala sobre a morte, e procura expressar seu amor por ele. É
isso que nos emociona em filmes como Mr. Holland — adorável professor e
Sociedade dos poetas mortos: grandes professores que fazem mais do que
transmitir informações e fatos registrados. Eles enxergam além de nossa
degradação. Eles nos abrem — nossas mentes e corações — para um novo
mundo.
Jesus pedia a todos que desejassem segui-lo para que o aceitassem
como mestre. Ele vivia de uma forma que nenhum homem antes tinha
vivido. As pessoas que o viam e ouviam eram transportadas para outro
mundo.
Então, ele disse coisas que eram difíceis de se acreditar: essa é a sua
chance, ele dizia. Se você confiar em mim, se fizer o que estou dizendo, se
colocar sua vida em minhas mãos, um dia poderá viver como eu. Um dia
a música estará em você.
Mas, primeiro, você precisa aceitar Jesus como seu Mestre.
Um século atrás, um debate sobre Jesus que já durava certo tempo
tornou-se mais conhecido. De um lado, dizia-se que o Jesus da história
era simplesmente um mestre, embora muito importante e provavelmente
excelente. De outro dizia-se que "não, ele não era apenas um sábio. Ele
realmente era divino. O Jesus da História realmente é o Filho de Deus".
Minha tradição e entendimento diz que o Jesus do Novo
Testamento era completamente humano e completamente divino, que
hoje vive e se envolve ativamente nos assuntos humanos.
Mas nesse debate aconteceu uma coisa ruim. As pessoas que
acreditavam na divindade de Jesus começaram a desconsiderar o papel
do trabalho doutrinário de Jesus. Supunha-se que, se as pessoas
começassem a falar dos ensinamentos do Senhor, isso seria uma forma de
desacreditar sua divindade. Alguns setores da igreja até alegaram que
grande parte de seus ensinamentos, como o Sermão da Montanha, não se
aplicava à igreja nem mesmo nos dias de hoje. Por isso, a importância de
seus ensinamentos foi fortemente desprezada.
Mas ensinar não é algo que Jesus fazia apenas para passar o tempo
até a crucificação. Não era uma parte opcional e dispensável de seu
ministério. Quando ensinava, não estava simplesmente ocupando o
tempo até chegar a hora da morte.
Seus ensinamentos eram uma parte insubstituível de seu
ministério. Ele veio para nos ensinar como são as coisas. Frederick
Buechner diz:
O que é o reino de Deus? [Jesus] não fala de uma
reorganização da sociedade como possibilidade política ou
da doutrina da salvação como doutrina. Ele fala de coisas
como encontrar um anel de diamantes que se considerava
para sempre perdido, ganhar na loteria. Ele faz insinuações
em vez de explicar detalhadamente, evoca em vez de
explicar. Ele pega pela surpresa. [...] Parece-me que, na
maior parte do tempo, as parábolas podem ser lidas como
piadas tão sagradas e divinas a respeito de Deus, do
homem e do próprio evangelho quanto a mais sagrada e
divina de todas as piadas.
Os discípulos de Jesus foram em grande parte atraídos para ele
porque seus ensinamentos faziam muito sentido. Ele era, entre outras
coisas, simplesmente o homem mais inteligente que eles já tinham
conhecido. O que ele ensinava era coerente com sua própria vida e com a
natureza das coisas. Eles nunca tinham visto alguém viver daquela forma,
nem tinham idéia de que isso era possível. E ele disse que, se confiassem
nele, se colocassem suas vidas nas mãos dele, um dia seriam capazes de
ter esse tipo de vida também. Um dia a música estaria neles.
Eles descobriram que podiam confiar nele como seu mestre. E
exatamente por terem confiado nele como seu mestre que, depois da
morte e ressurreição de Jesus, tiveram condições de confiar nele como seu
Salvador.
Portanto, se realmente quisermos sentir o amor de Jesus,
precisamos aceitar um dos presentes mais importantes que ele tem a nos
dar: seus ensinamentos. Precisamos convidar Jesus para ser o professor
particular de nossas vidas. Precisamos acreditar que ele está certo sobre
todos os assuntos. Assim, se discordarmos dele, certamente será porque
estamos errados ou não entendemos o que ele disse. Precisamos permitir
que Jesus nos ensine a viver.
O próprio Senhor contou uma história sobre a importância
fundamental de seus ensinamentos. É uma de suas histórias mais
famosas. E sobre o comércio da construção. Era um negócio com o qual
ele estava extremamente familiarizado, pois assumira o trabalho do pai
de empreiteiro independente. A história fala de dois homens que
constroem casas, sendo que um usa areia e o outro, pedra como matéria-
prima.
Essa história tem algo de universal que a torna interessante em
vários aspectos. Há uma versão modesta dela que se tornou uma das
histórias mais conhecidas da literatura americana. Ela já inspirou filmes,
músicas e incontáveis livros. A seguir estão os elementos básicos que ela
contém. Veja se consegue adivinhar que história é essa:
• As personagens principais são construtores: cada um deles
constrói uma casa.
• Nem todas as casas são feitas da mesma forma; há uma
comparação entre a construção inteligente e a tola.
• Cada casa passa por um teste. A que foi construída com
inteligência resiste; a que não foi cai.
Parece familiar? É a história dos três porquinhos.
Cada porquinho constrói uma casa. Uma delas é feita de palha e
sapé, a outra de madeira e a outra de tijolo, mas cada um constrói a sua.
Todas enfrentam o temido Lobo Mau. Primeiro, os porquinhos
ouvem o lobo pedir educadamente para entrar, o que recusam com uma
afronta ("não, não, de jeito nenhum"). Depois, eles enfrentam a mesma
ameaça do inimigo pneumaticamente abastecido.
Dois dos porcos construíram suas casas com sucata. Eles nunca
pararam para se perguntar se ela resistiria ao lobo. Somente a casa
construída com inteligência não é derrubada.
Nessa parábola, Jesus na verdade conta duas histórias: a história de
um homem inteligente e a de um tolo. (Outros exemplos são a história do
pai que pediu aos dois filhos para trabalharem no campo e a história das
cinco virgens sábias e das cinco néscias.) Earl Palmer observa que a forma
de entender esse tipo de parábola é compará-las e descobrir suas
semelhanças e diferenças. Quando você conseguir enxergar a diferença,
entenderá o que Jesus estava querendo dizer.
FREDERICK BUECHNER
"Por que fizeste mal a teu servo, e por que não achei
graça aos teus olhos, visto que puseste sobre mim o encargo
de todo este povo? Concebi eu UM DOS porventura todo este
povo? Gerei-o eu para GRANDES que me dissesses: Leva-o em teus
braços, PERIGOS DA como a ama leva a criança no colo, à terra
INGRATIDÃO É que juraste a seus pais? [Essa pergunta é QUE ELA É
retórica.] Donde teria eu carne para dar a CONTAGIOSA. todo este
povo? Contra mim choram, dizendo: Dá-nos carne a comer.
Eu sozinho não posso levar a todo este povo; é muito pesado
para mim. Se assim me tratas, mata-me de uma vez, eu te
peço, se tenho achado graça aos teus olhos, e não me deixes
ver a minha própria ruína".
O Hábito da Gratidão
Como Lewis Smedes escreve, quando a Bíblia diz que devemos ser
gratos, mais do que um dever, é uma oportunidade que recebemos.
Quando o motivo básico da gratidão é a obrigação, ela acaba nos
sufocando.
Os pais sempre ensinam os filhos a serem educados. Geração após
geração a história se repete quando alguém dá um presente aos nossos
filhos ou lhes faz um favor, nós dizemos à criança: "Como é que se diz?".
"Como é que se diz ao bom homem?"
"Como é que se diz para a tia Eva pela comida gostosa que ela fez?׳
', meus pais me diziam.
O que a criança deve responder?
Não é exatamente uma pergunta. Eles ficariam surpresos se eu
dissesse: "Tia Eva, o que é que você tem na cabeça para fazer uma
gororoba dessas? Você não deveria nem estar cozinhando. Alguém devia
lhe proibir disso".
"Como é que se diz?" Obrigado.
A pergunta pode incitar essa resposta, mas a reação geralmente é
bastante mecânica.
Meus pais também ficariam surpresos se eu ficasse realmente
emocionado e dissesse: "Tia Eva, estou admirado e maravilhado com o
que acabei de experimentar. Não passo de uma criança. Sem um adulto
para cuidar de mim, como você tem feito, eu morreria. Você fez esta
refeição de livre e espontânea vontade, em um ato de amor e dedicação
por mim. Tia Eva, você é muito humanitária e, em nome de todas as
crianças do mundo, eu a saúdo".
Não, geralmente, eu dava uma resposta minimalista do tipo:
"Obrigado".
Mesmo que as crianças não se sintam gratas, queremos que
aprendam a agradecer apenas por uma questão de educação. Mesmo que
não sinta isso, preciso agradecer simplesmente porque esse é o certo, eu
devo minha gratidão.
Mas nossa esperança é que nossos filhos não se limitem a dizer a
palavra. Esperamos que um dia eles se tornem pessoas agradecidas,
porque a capacidade de experimentar a gratidão, dar graças e orar com
sinceridade é uma das características mais importantes da vida e da
plenitude espiritual.
"Viva a minha alma, para que te louve", o salmista diz para Deus. A
verdadeira gratidão significa enxergar que tudo é uma dádiva e a vida, a
maior dádiva de todas.
G. K. Chesterton disse certa vez: "Aqui termina mais um dia
durante o qual tive olhos, ouvidos mãos e o mundo inteiro ao meu redor,
e amanhã começa outro dia. Por que tenho direito a dois?".
A vida é boa. A vida é uma dádiva.
Há mais ou menos oito anos, Nancy e eu estávamos na sala de
parto do hospital para o nascimento do nosso caçula. Ela estava dando à
luz e eu a estava instruindo (esse era o combinado nos dois primeiros
partos e parece que deu um bom resultado).
Tudo parecia estar correndo de acordo com o esperado. Nancy
dizia claramente que a dor estava insuportável e que ela se vingaria de
mim um dia por tê-la feito passar por isso, mas a conversa foi a mesma
nos outros nascimentos, por isso achei que estava tudo bem.
Então, o médico ficou muito sério. Ele deu várias instruções, pegou
um instrumento qualquer e a situação ficou bastante grave. Não sabíamos
naquele momento, mas o cordão umbilical do bebê estava enrolado em
seu pescoço e seu rosto estava roxo; ele morreria sufocado se a situação
não fosse contornada com o maior cuidado.
O médico dava o máximo de si enquanto Nancy se contorcia de
dor. Ele tirou o bebê até um ponto em que conseguia cortar o cordão.
Naquele momento, o sangue jorrou para todo lado, o bebê e Nancy
choraram, mas o médico sorriu: "Tudo vai ficar bem".
Pode ser, a essa altura, mas eu já estava quase desmaiando. "Preciso
me sentar". Desabei sobre uma cadeira e, então, o médico me mandou
colocar a cabeça entre os joelhos.
Nancy perguntou: "Tem certeza que tudo vai ficar bem?".
"Sim", ele respondeu. "Na verdade, seu filho e seu marido estão
voltando a si ao mesmo tempo".
Eu soube, naquele momento, que tinha recebido uma dádiva, que
toda a terra é uma dádiva e a vida é a mais preciosa delas. Não é um
direito. Não pode ser tomado ou concedido. Ela pode se apagar em um
lapso de segundo. A vida é uma dádiva. E é boa. Como é bom estar vivo!
Senti uma gratidão que nunca havia sentido antes na vida.
Aprender a viver na gratidão de ser amado significa receber a
dádiva de poder enxergar. A forma com que você se sente a respeito da
vida depende em grande parte do modo como você a enxerga. Um amigo
me contou sobre uma carta que uma universitária escreveu para os pais:
THOMAS MERTON
A Experiência do Deserto
Para o povo de Israel, este não seria um pequeno desvio. Ele
passaria quarenta anos nesse árduo caminho. Quarenta anos no deserto.
Quarenta é um número importante na Bíblia. Os estudiosos do
Antigo Testamento dizem que ele era usado como número redondo para
designar um período muito longo de tempo para os padrões da tolerância
e da existência humana. Quarenta anos era o tempo de uma geração.
Isaque e Esaú casaram-se aos quarenta; Davi e Salomão reinaram por
quarenta anos. Quarenta dias foi o tempo do dilúvio, o tempo que Moisés
passou no monte Sinai e o tempo entre a ressurreição e a ascensão de
Jesus.
Mas o número quarenta está associado especialmente ao deserto.
Quando Moisés matou um egípcio e fugiu do Faraó, viveu no deserto de
Midiã quarenta anos. Quando Elias fugiu de medo de Jezebel, foi levado
para o deserto em uma jornada que durou quarenta dias e quarenta
noites. E, é claro, o próprio Jesus começou sua pregação depois de jejuar e
orar por quarenta dias no deserto.
Isso se repete na vida daqueles que buscam a Deus. Todo mundo
tem de passar algum tempo no deserto. A vida começa aos quarenta.
O deserto é um lugar para onde ninguém gostaria de ir. Não
transborda de leite e mel. É seco e árido. A vida é frágil ali.
Se você levar a fé em Deus a sério, também vai aprender alguma
coisa em seus caminhos áridos. Haverá momentos em que seu coração
sofrerá pela mágoa ou perda. Haverá momentos em que você torcerá
para que aconteça algo de bom, em que suas motivações parecerão ser
justas, em que Deus poderia atender à sua oração facilmente, mas não o
faz. São momentos em que a vida parece não valer a pena.
Geralmente, a jornada pelo deserto é provocada por algum
acontecimento. Um relacionamento rompido, um filho revoltado, um
filho pródigo que vai embora e não volta, uma crise financeira. Você
alimenta um sonho por anos, aguardando o dia em que ele se tonará
realidade e, então, um belo dia você se dá conta não apenas de que ele
ainda não aconteceu, mas nunca vai acontecer. O sonho morre e você com
ele.
Porém, às vezes, parece que o deserto surge sem motivo aparente.
Nesses momentos, até ter fé se torna difícil. Você ora, abre seu
coração para Deus, mas não obtém nenhuma resposta. Não sente
nenhuma aproximação. A Bíblia não lhe dá consolo. Você se sente
confuso e pergunta por que aquilo está acontecendo, mas não recebe
nenhuma resposta. E o seu espírito, a sua alma, que se sente seca e árida.
Você não apenas está no deserto, mas o deserto está em você.
No deserto, tudo o que nos resta é a promessa.
Deus não esqueceu de você. Você não foi abandonado. Ele guia
seus filhos por caminhos áridos. Ele não tem pressa.
Deus está agindo no árido caminho do deserto, por meios que não
podemos ver e nem compreender. O caminho de Deus raramente é o
mais curto. Dificilmente é o mais fácil. Mas é sempre o melhor caminho.
Por que Deus tirou os israelitas da rota normal? A Bíblia diz que é
porque Deus sabia que se eles fossem pelo caminho direto, enfrentariam
resistência: "para que o povo não se arrependa, vendo a guerra, e volte ao
Egito".
A rota direta, a auto-estrada do Sinai, iria forçá-los a passar pelo
povo que lhes era hostil. Deus era perfeitamente capaz de levá-los mesmo
assim, mas eles ainda não acreditavam nisso. Eles tinham muito medo.
Alguém disse certa vez: "Foi preciso uma noite para tirar Israel do
Egito. Foram precisos quarenta anos para tirar o Egito de Israel". Por
quatrocentos anos os israelitas foram escravos e ainda se consideravam
assim. Por isso Deus precisou de algum tempo para dar coragem e fé a
esse povo.
É fácil acreditar na terra de leite e mel quando tudo está bem.
Quando as orações são atendidas, os problemas desaparecem, quando os
dentes dos nossos filhos não têm defeitos e o nosso chefe gosta da gente é
fácil ter fé. Mas o deserto tem a sua própria maneira de dar força. Deus
não está nem um pouco preocupado em saber para onde seu povo está
indo, mas o que eles serão quando chegarem lá.
José recebeu a promessa de que seria um grande líder. Em seguida,
ele é vendido como escravo e acaba passando vários anos numa prisão
dos egípcios. Ele morre sem nem conhecer a terra prometida. De fato,
sabemos que Moisés carregou os ossos de José para fora do Egito. José
passou pelo caminho árduo.
Davi foi ungido rei de Israel. Pouco tempo depois, ele acaba se
tornando um fugitivo sem ter um lugar para morar, vivendo em cavernas
para não ser assassinado por um rei hostil. Davi passou pelo caminho
árduo.
Daniel era talentoso, inteligente e devotado. Ele terminou no exílio
em uma terra estrangeira e jogado numa jaula de leões. Deus ainda estava
com Daniel, mas o guiou por um caminho árduo.
Quando você consegue dar graças no deserto, ganha muita força.
Quando você está passando por um caminho árduo, mas diz: "Não vou
voltar para o Egito. Serei fiel", sua alma fica mais forte.
Talvez você queira se apaixonar, está procurando um companheiro
ou companheira para a vida toda, procurando algo bom. Mas está
passando por um caminho árduo. Tem esperado pelo sr. ou sra.
"Perfeitos" e já faz um bom tempo. Você então pensa: Talvez eu acabe
ficando mesmo com o sr. "Mais-ou-menos".
Será que você estará seguindo a Cristo então? Completamente? Vai
assumir todos os compromissos que isso significa? "Não vou me envolver
romanticamente com alguém que não compartilhe de minha fé e valores
morais. Não me envolverei sexualmente com ninguém antes do
casamento — mesmo sob grande pressão. Se tiver de terminar o
relacionamento, assim o farei. Agora. Vou permanecer no caminho árduo
do Senhor. Se isso significar quarenta anos, serão quarenta anos. Se
significar pelo resto da minha vida, será pelo resto da vida.
THOMAS À KEMPIS
Falando de Renúncia
Uma das coisas mais difíceis na vida é aprender a renunciar.
Quando se é pai, pensa-se que a parte mais difícil é cuidar dos filhos. Mas
não é. A parte mais difícil é deixá-los partir.
Chega o primeiro dia de escola. Você sabe que haverá momentos
em que seus fdhos se sentirão pressionados e tentados, que sofrerão
fracassos e derrotas. Alguns colegas, com quem eles não se darão bem,
podem machucá-los, professores insensíveis podem não gostar deles, mas
você não pode fazer nada. Você tem de deixá-los partir. A primeira vez
que eles forem dirigir um carro sozinhos, você terá de deixá-los ir.
Há um adesivo de carro que diz: "Entregue tudo nas mãos de
Deus". "Entregar" não significa ser passivo ou inativo. Significa confiar.
Há uma velha história sobre um homem que está caindo de um
penhasco. Ele vai morrer, mas estica as mãos e milagrosamente consegue
se segurar num galho.
— Tem alguém aí em cima?
— Sim.
— Quem é você?
— Sou Deus e vou salvá-lo.
— Isso é maravilhoso. O que devo fazer?
— Largue o galho.
Pausa.
— Tem mais alguém aí em cima?
Renunciar é sempre um ato de confiança. Esse é o caso de João e
dos discípulos. Ele era uma estrela e os discípulos eram importantes
porque andavam com ele. Antes, a dúvida era: ele tem bastante fé para
agüentar firme e continuar pregando o arrependimento quando os líderes
religiosos se opuserem a ele? Agora, a questão era ainda mais difícil do
que se manter firme: ele tinha bastante fé para renunciar?
Se existia uma coisa na qual João era especialista, essa coisa era
renunciar.
Desde o início ele sabia que tinha sido escolhido por Deus para
realizar uma tarefa especial. Essa intimidade lhe custaria tudo. Para
cumprir a sua missão, João teve de renunciar a todas as esperanças e
aspirações normais da vida do primeiro século.
• Ele teve de abandonar o estilo de vida normal; "apareceu João
Batista pregando no deserto da Judéia". Nada de apartamento, TV a cabo
nem associação dos moradores de bairro. Não era nenhuma Palm
Springs; nos tempos de João, o deserto era deserto.
• Ele nunca teve um emprego normal. Quando preenchia o
questionário, tudo o que podia escrever sob o item experiência anterior
era: "devotado".
• Ele renunciou às suas esperanças de prosperidade financeira. Seu
tipo de trabalho não oferecia nada como seguro saúde ou plano de
aposentadoria.
• Ele teve de renunciar aos relacionamentos normais; era visto
como um estranho pela sociedade. Viveu como um eremita, e os eremitas
não são famosos por terem muitos amigos. Não havia cursos de auto-
ajuda para os eremitas aprenderem a se relacionar com as outras pessoas.
• Deus pediu para que abdicasse de todas as reivindicações de
conforto e ele o fez de bom grado. Ele não se preocupava muito com a
moda. Suas roupas não serviam nem para vender em lojas de segunda
mão. Sua dieta era mais magra do que qualquer receita de
emagrecimento; gafanhotos e mel selvagem não era um prato muito
apreciado nem mesmo para os padrões do primeiro século. Nada de
vinho no jantar também. Ele já não bebia antes mesmo de existirem as
bebidas. Ele era um tipo de abstêmio que não tomava nem chá.
• Viveu sem segurança nenhuma. Desafiou abertamente as
autoridades religiosas de sua época e elas o odiavam por isso. Certa vez,
chegou a chamar a sua congregação de "raça de víboras" e isso não lhe
trouxe muita popularidade.
Imagine a liturgia:
Líder: — Vocês são uma raça de víboras. Povo: — Sim, nós somos
uma raça de víboras. Ele chegou a enfrentar até o governador falando de
sua imoralidade e corrupção e, naquela época, se você quisesse manter a
cabeça no lugar era melhor não fazer esse tipo de coisa.
• Ele teve de renunciar a qualquer esperança de ter uma vida
normal. Ele nunca se apaixonaria nem casaria e nem teria filhos. Não
haveria ninguém para cuidar dele na velhice. Na verdade, ele nem se
iludia sonhando em chegar à velhice. João foi escolhido por Deus, antes
mesmo de nascer, para preparar o caminho do Senhor. Mas esse era um
tipo de predileção que significava sacrifício, excentricidade, coragem e
marginalidade. Era um tipo de predileção que fez com que Reb Tevye, de
Um violinista no telhado, dissesse a Deus: "Eu sei, eu sei. Somos o povo
escolhido. Mas será que não daria para, de vez em quando, escolher
outro?".
João renunciou voluntariamente a tudo em nome de seu ministério.
E agora Deus estava pedindo que renunciasse a mais uma coisa: seu
próprio ministério.
Seus discípulos sentiram como se ele tivesse perdendo até o
privilégio de ser eleito.
Eles vieram lhe falar, aparentemente, porque sentiam inveja do
sucesso de Jesus. Era inconcebível para eles que, depois de João ter
lançado Jesus no ministério e dado a ele toda a credibilidade de seu
testemunho, em agradecimento, Jesus fosse tomar o seu lugar. Eles
estavam tão inconformados que não conseguiram falar sem um pouco de
exagero: "Rabi, aquele homem que estava contigo além do Jordão, do
qual deste testemunho, está batizando, e todos vão ter com ele".
Já era bastante ruim Jesus começar a oferecer seu próprio ministério
de batismo independente, tirando de João a exclusividade do franchising,
mas agora todo mundo estava indo atrás de Jesus.
A Anatomia da Inveja
A inveja é o veneno daqueles que acham que não foram escolhidos.
Harold Boris escreveu: "A inveja [...] carrega consigo um tipo especial de
tormento. Além de nos sentirmos deficientes, defeituosos e cheios de
ódio, em nossa solidão, por causa da nossa solidão, sentimo-nos
diminuídos e até humilhados".
Inveja é querer o que o outro tem e sentir-se mal por não ter. Inveja
é desprezar a bondade de Deus para com as outras pessoas e rejeitar a
bondade dele para consigo mesmo. Inveja é um desejo misturado ao
ressentimento. Inveja é falta de fraternidade. Paulo disse: "Alegrai-vos
com os que se alegram e chorai com os que choram". A inveja nos faz
chorar quando os outros se alegram e nos alegrar quando os outros
choram.
A inveja é perigosa porque vai contra o outro. Pecados como a
ganância e a luxúria tratam simplesmente de suprir os próprios desejos. A
inveja não busca apenas suprir o próprio prazer, mas diminuir o prazer
de quem é invejado. Samuel Rogers, um poeta inglês do século dezenove,
conhecia tudo a respeito de inveja. Uma reunião de autoridades da
sociedade estava homenageando um de seus membros que estava
ausente, um jovem duque que tinha boa aparência, talento, fortuna e um
futuro promissor. Em uma breve pausa, Rogers disse: "Graças a Deus, ele
tem dentes ruins!".
Pisa na bexiga!
A inveja, por natureza, nunca termina. Ser indulgente na inveja é
como tentar matar a sede com água salgada.
De todas as emoções, a inveja pode ser a mais humilhante, porque
ela é muito mesquinha. Frederick Buechner disse: "A inveja é o desejo
ardente de que todo mundo seja tão infeliz quanto você".
Quando invejamos alguém, perdemos nossa humanidade.
Quando Caim olhou para Abel, não viu mais um irmão. Abel agora
era apenas um rival que ameaçava o prestígio de Caim perante Deus.
Abel era um eleito a ser odiado. O caso se transformou numa brincadeira
da bexiga levada ao extremo. Inveja é isolamento, é cada um por si.
A inveja é o oposto da empatia. Por empatia, buscamos nos colocar
no lugar do outro. Por inveja, tentamos incorporar o outro. Por empatia,
chegamos a nos sacrificar pelo bem do outro. Por inveja, procuramos
sacrificar o outro pelo nosso próprio bem.
João deve ter pensado de seus discípulos: Será que eles realmente me
amam ou estão apenas me usando?
E, é claro, como em qualquer relacionamento humano, era um
pouco de ambos.
Sem dúvida, ao ouvir a mensagem desse profeta apaixonante e
solitário, que rogava pelo verdadeiro arrependimento e pela total
renovação, eles devem ter se comovido e sentido um chamado dentro de
si.
Mas eram apenas humanos. Eles queriam que João fosse
importante para que também pudessem ser. E acabaram tentando desviá-
lo de sua verdadeira missão. Eles queriam que João mostrasse que era
mais poderoso que o Messias.
Da mesma forma que Jesus no deserto, seu amigo João também
conheceu a tentação. Essa foi a prova de João. Para Jesus, a tentação foi
transformar pedras em pão, jogar-se de cima do templo, prostrar-se
diante de Satã e adorá-lo. Fazer algo espetacular. Depois, a tentação veio
de seu amigo Pedro: "livre-se da cruz, do sofrimento, vá de um poder ao
outro".
Para João, a tentação tomou outra forma: "faça algo grandioso para
ganhar o povo de volta". Adapte a sua mensagem; mude a sua estratégia
de marketing. A medida do seu sucesso é a quantidade de pessoas
batizadas, assim como a medida do sucesso do McDonalds é a
quantidade de sanduíches vendidos. Confie nos números.
Havia outra mensagem nessa tentação, um pouco mais sutil, mas
que estava presente: Jesus é o nosso adversário. A pregação dele é uma
rival sua. Para ele, ser mais poderoso significa que você será mais
insignificante e isso é inaceitável.
Os discípulos de João talvez o amassem, mas era um amor
degradado. E o teria destruído se ele tivesse lhes dado ouvidos.
A Sutileza da Inveja
A inveja é perniciosa porque pode abranger tudo. É possível até
invejar-se a espiritualidade ou humildade dos outros.
Harold Boris fala dos três homens que vieram prestar sua
homenagem ao Senhor. Respeitando a ordem de sua situação financeira,
o homem vestido em ouro foi o primeiro a apresentar-se ao altar.
"Perdoa-me, ó Senhor", ele rogou. "Não valho nada."
O segundo homem adiantou-se, vestido em prata: "Ó Senhor,
perdoa-me. Não valho nada."
O terceiro homem aproximou-se do altar, vestido em trapos, todo
desgrenhado, com a túnica puída e rasgada. "O Senhor", ele rogou,
"perdoa-me, pois não valho nada".
Nesse momento, o primeiro homem cutucou o segundo e caçoou:
"Olha só quem está dizendo que não vale nada".
Pisa na bexiga!
Saul foi o rei guerreiro de Israel que "desde os ombros para cima
sobressaía em altura a todo o povo". Depois de algum tempo, você se
acostuma a desde os ombros se sobressair a todos os outros. Você não
gosta quando vê alguém metendo o bedelho onde não é chamado.
Mas acontece. Um jovem chamado Davi, que nem era tão grande
para caber na armadura de Saul, vence o antigo campeonato peso pesado
contra Golias. Davi mostra que é um exterminador tão bom quanto Saul.
E uma nova canção atinge as paradas de sucesso: "Saul matou milhares e
Davi, dez vezes mais".
Saul não ligava para letra. Ele não via mais Davi como uma pessoa,
um pastor. Davi era agora seu inimigo.
"Dez milhares deram a Davi, e a mim somente milhares. Na
verdade, o que lhe falta, senão só o reino? Daquele dia em diante, Saul
trazia Davi sob suspeita."
Conforme Neal Platinga observa, "suspeitar" é exatamente o que
Saul fez. Ele lançou o maligno olhar da inveja, que filtra toda a sua
humanidade até restar apenas um objeto de ameaça.
A inveja é basicamente um pecado do olhar. Ela faz com que o
pedaço de bolo do seu irmão pareça maior do que o seu. Uma criança
pode ter centenas de brinquedos, mas a inveja faz com que um único
brinquedo de um irmão pareça o mais desejável de todos. Quando se
trata de inveja, os olhos dizem tudo. É por isso que Dante diz que, no
inferno, os invejosos são condenados a passar a eternidade de olhos
costurados.
Há uma rede de inveja que permeia toda a Bíblia: desde Caim e
Abel, Isaque e Ismael, Jacó e Esaú, José e seus irmãos até o caso de Miriã e
Arão que falaram contra Moisés. Raquel foi escolhida; Lia era uma
boneca de pano com "olhos fracos". Acabe cobiça a vinha de Nabote;
Ananias e Safira cobiçaram a reputação de generosos; Paulo escreveu
para a igreja em Filipos dizendo que havia quem pregasse "por inveja e
porfia".
São palavras bastante sensatas para mim. Eu sinto inveja. Mas a
inveja não faz sentido quando se trata de pregar. Na pregação, minha
missão é dizer às pessoas para se arrependerem, para tomarem a cruz e
morrerem por si próprias. Como posso ter inveja de outros pastores que
pregam a mesma coisa melhor do que eu? Mas esse pensamento
condenatório não consegue sozinho acabar com a inveja.
A inveja nos faz lutar por coisas que nem queremos realmente. Em
Siblings without rivalry [Irmãos sem rivalidade], uma mulher conta de um
dia de verão em que libertou um enorme freezer na garagem de dois anos
de produção de gelo.
As crianças estavam com roupas de banho. [...] De brincadeira,
joguei uma enorme placa de gelo na direção de uma delas e disse:
— Ei, toma um pouco de gelo. Imediatamente, a outras duas
aderiram:
— Eu também quero.
Peguei mais duas placas e joguei para elas deslizando pelo chão.
Então, a mais nova gritou:
— Eles têm mais.
— Você quer mais? — perguntei. — Lá vai! — E joguei um
punhado de gelo a seus pés.
Então, as outras duas gritaram:
— Agora é ele quem tem mais. Joguei mais dois punhados de gelo
na direção delas. A primeira gritou:
— Agora são eles que têm mais.
A essa altura, as três crianças estavam com gelo até o tornozelo e
ainda gritavam por mais. Tão rápido quanto podia, lancei blocos imensos
de gelo aos pés de todas. Mesmo saltando de dor por causa do gelo, elas
continuaram a pedir mais, na loucura de uma tentar ganhar vantagem
sobre a outra.
Foi nesse momento que percebi que era inútil tentar ser justa com
todas. As crianças nunca teriam o bastante e eu, como mãe, nunca daria o
bastante.
Não gostamos de sentir inveja. Deixaríamos de senti-la se
pudéssemos. Mas não conseguimos parar de invejar simplesmente
porque nos esforçamos para isso. A inveja só é derrotada quando
vivemos como seres eleitos por Deus.
Uma das palavras mais importantes da Bíblia usadas para
descrever o povo de Deus é eleito. "Como eleitos de Deus, santos, e
amados", Paulo disse aos colossenses.
Neste mundo, os eleitos mandam e os outros servem. Mas a escolha
de Deus não funciona assim. No amor de Deus, a predileção por nós não
acontece às custas de alguém. Deus escolhe, ou ama, cada um de seus
filhos de maneira diferente. Sua
intenção é que a preferência por um possa melhorar a vida de
outros, e não prejudicá-la. Nos planos de Deus, os eleitos sempre
escolhem servir.
Harold Boris fala da possibilidade de a inveja se basear no medo de
não ser escolhido, de nunca ter havido essa "intenção". Faber observa que
o que as crianças almejam não é ser amadas "igualmente" em relação a
seus irmãos, pois o igual, de certa forma, sempre dá a sensação de menos.
"Ser amado exclusivamente — porque se é especial — é ter todo o amor de
que se necessita'. E isso o que Deus faz: ele ama exclusivamente cada um
de nós.
João compreendeu essa verdade e sua reflexão a respeito, capta
perfeitamente a idéia de quem somos e quem não somos: "O homem só
pode receber o que lhe for dado do céu". Precisamos entender a alegria
especial de poder receber.
Não sou o noivo, João diz, sou o amigo do noivo. Antigamente, nos
casamentos judeus, o amigo do noivo era seu shoshbin, o que significava
que ele era o melhor homem. O shoshbin ficava encarregado de vários
detalhes dos preparativos do matrimônio. Geralmente, era ele quem
convidava as pessoas, acompanhava o noivo até a cerimônia e sua última
responsabilidade era, no final da noite, montar guarda diante da tenda
onde a noiva esperava pelo noivo. Poderia estar escuro, mas o shoshbin
reconhecia a voz do noivo quando a ouvia e, assim, abria caminho para o
noivo entrar. O noivo entrava na tenda e conhecia a alegria de reivindicar
a sua esposa. O amigo do noivo sentia outra espécie de alegria: a de servir
a quem amava. Se o amigo invejasse o noivo, se tentasse reivindicar para
si a alegria que pertencia somente ao noivo, acabaria perdendo tudo. A
noiva jamais poderia ser dele e, ao tentar reivindicá-la, ele estaria traindo
seu amigo e também perderia a alegria que pertencia ao shoshbin.
Basicamente, João está dizendo aos seus discípulos:
"A alegria que pertence ao amigo do noivo é minha. Eu enviei os
convites. Fui aquele que gritou no deserto: 'Prepare o caminho do
Senhor'.
Eu servi ao noivo. Ele é meu amigo. Agora ele está aqui. Ouvi sua
voz; ele veio reivindicar sua noiva. E por isso que todos estão se
aglomerando ao redor dele. Ela é a noiva dele e não minha. A alegria da
união do noivo e da noiva pertence a ele.
Não pense que sofro com isso. Eu também me alegro. Minha
alegria é a do amigo do noivo. Se tentasse me apropriar da alegria dele,
terminaria sem alegria nenhuma. Agora minha alegria está completa. Não
a perderei. Não permitirei que a inveja destrua a minha alegria."
Na peça Amadeus, Antonio Salieri é um músico da corte cuja alma é
destruída pela inveja. Seu sonho é criar uma música que sobreviva ao
tempo, pela glória de Deus e (não por acaso) para ganhar fama. A dor de
sua própria mediocridade é intensificada pela genialidade de Mozart e
redobrada porque Mozart, aqui, é retratado como um grosseirão obsceno,
petulante e infantil. A inveja de Salieri se transforma em ressentimento,
ódio, traição e trapaça quando ele tenta assumir a autoria de um trabalho
de Mozart.
Salieri, como qualquer invejoso de primeira linha, acredita que
Deus foi extremamente injusto com ele. Por desejar ser maior que Mozart,
ele acredita que Deus tinha a obrigação moral de torná-lo melhor. A
inveja sempre carrega consigo a idéia de vítima. Ela sopra em sua mente:
"Você me deve isso. Eu mereço ter isso".
Então Salieri reivindica o título que lhe cabe, de "príncipe da
mediocridade", como uma acusação contra um Deus injusto. Ninguém,
nem mesmo o padre com quem ele se confessa, consegue justificar a
aparente injustiça de Deus.
Mas a verdade é que Salieri tinha a possibilidade de ter uma
grande alegria. Ele não possuía o dom de Mozart. Mas a ele foi concedido
um outro dom: o de ser o único a reconhecer a genialidade de Mozart,
declará-la ao mundo, abrir as portas e dar oportunidades a Mozart. E isso
teria enriquecido sua vida e seu mundo. Ele poderia ter sido o amigo do
noivo. Mas ele rejeitou essa alegria. Ele só se contentava em ser o noivo e
por isso terminou a vida sem experimentar nenhuma alegria.
O nome Amadeus significa "amado por Deus". O sofrimento de
Salieri era que ele acreditava que uma outra pessoa era amada em lugar
dele. O drama de Salieri era que ele também poderia ter sido amado, se
tivesse recebido o dom que lhe pertencia.
O mesmo câncer tomou conta da vida de outro Salieri chamado
Herodes, o Grande. Quando Jesus — o verdadeiro "Rei dos judeus" —
nasceu, Herodes poderia ter sido o seu padrinho e cuidado para que fosse
educado e bem tratado. Mas ele rejeitou essa alegria. Sua inveja se
transformou em ódio, trapaça, traição e assassinato. E foi assim toda a sua
vida. Herodes, o Grande, foi tão odiado que, no fim da vida, deixou
ordens para que setenta dos cidadãos mais proeminentes de Jerusalém
fossem executados quando ele morresse, para que houvesse luto depois
de sua morte.
Mateus conta que a inveja foi o motivo que levou os líderes
religiosos a condenar Jesus à morte. A inveja tentou impedir o seu
nascimento, a inveja perseguiu a sua vida, a inveja causou a sua morte. A
inveja é a face mais degradada da humanidade.
Deus guarda uma porção de alegria para cada um de seus filhos.
Por exemplo, qualquer pessoa pode partilhar da alegria de ser cantor.
Quando um artista talentoso canta, ele partilha o seu dom e nós o
recebemos. Todos nós ficamos agradecidos por nosso Criador conceder
esse dom ao artista e permitir que ele o compartilhe conosco.
Há, entretanto, uma forma certa de perder a alegria de ouvir, que é
invejar a alegria do artista, desejar estar no lugar dele, comparar o seu
dom com o dele e ter aquela sensação sufocante de que, quanto maior o
dom, talento ou beleza da outra pessoa, mais diminuído você fica. Viva se
comparando e competindo com os outros e acabará sem nenhuma alegria.
Deus reserva uma alegria para cada um de nós. Fomos criados para
fazer e ver as coisas de uma forma única — Deus o criou para que
conheça a alegria de ensinar, ajudar ou encorajar alguém ou criar algo —
e quando você a encontrar e a oferecer, conhecerá a alegria. E Deus o
criou para conhecer a alegria de receber e celebrar os dons dos que o
rodeiam. Se você oferecer os seus dons (compartilhá-los) e humildemente
aceitar os dons dos outros, sua alegria será completa.
Caso contrário, se você passar a vida buscando a alegria que
pertence aos outros, acabará não tendo alegria nenhuma.
O comentário final de João é: "É necessário que ele cresça, e que eu
diminua".
Esta não é uma declaração de resignação nem de martírio. É a
alegria do amigo do noivo que agora percebe que a noiva cumpre o seu
destino. Essa é a contribuição de João para o reino de Deus onde o
humilde é exaltado.
Há um motivo para o Natal ser celebrado no dia 25 de dezembro.
Não é uma data histórica, é claro, mas ela também não existe por acaso.
Ela foi escolhida porque é a época do ano em que os dias são mais longos.
A chegada de Cristo significa a chegada da luz no mundo; a escuridão se
retrai. E, na época em que não existia eletricidade, a duração do dia era
uma grande dádiva. O dia trazia luz e calor para um mundo inóspito.
Você sabe qual é o dia em que, no calendário eclesiástico, o
nascimento de João Batista é celebrado? Dia 24 de junho. Não é uma data
histórica, mas também não existe por acaso. Ela marca o período em que
os dias começam a ficar mais curtos e a luz começa a diminuir.
Todo ano, o calendário repete as palavras de João, embora poucas
pessoas saibam disso.
"Ele deve tornar-se cada vez maior, e eu devo diminuir cada vez
mais."
Mas na magnificência de Cristo está a esperança do mundo,
inclusive de João. Pois, em Cristo, Deus está atraindo todos os homens
para si. Deus murmura na cruz: "Quero que faça parte do meu grupo. Eu
escolho você".
C A P Í T U L O 10
Seguros no amor de Deus
Com este Deus magnífico posicionado entre nós, Jesus nos traz a certeza de que nosso
universo é um lugar perfeitamente seguro de viver.
DALLAS WILLARD
Carruagens de Fogo
Será que isso poderia acontecer comigo ou com você? O autor de
2Reis fala de uma época em que o rei da Síria, um inimigo de Israel — um
feroz leão da montanha — enviou um grande exército para cercar a
cidade de Dotã e destruir o profeta Eliseu.
"Ai, meu senhor, o que faremos?", perguntou o servo de Eliseu.
Então, Eliseu deu uma resposta extraordinária: "Não tenha medo.
Os que estão conosco são muito mais do que os que estão com eles". O
servo de Eliseu olhou em volta, tentando quem sabe descobrir onde os
"que estão conosco" se encontravam.
Mas Eliseu então orou: "Deus, abra os olhos dele para que possa
ver".
Lentamente, a câmera se afasta. "Então o Senhor abriu os olhos do
servo e ele olhou e viu que as colinas estavam cheias de cavalos e
carruagens de fogo ao redor de Eliseu".
Suas patas são enormes e seu rosnado, poderoso.
Eliseu pediu, então, para que os siros ficassem cegos, o que
aconteceu. E, quando pararam para perguntar qual era o caminho a
seguir, foi a Eliseu que consultaram. Numa comédia divina de erros, ele
os levou para o rei de Israel, que lhe perguntou: "Devo matá-los, meu pai?
Devo matá-los?".
"Mataria os homens que você capturou com seu próprio arco e
flecha?' , perguntou Elias, timidamente, como se arcos e flechas tivessem
alguma coisa a ver com isso. "Dê água e comida para eles, para que
comam e bebam e depois voltem para o seu senhor."
Então, os siros comeram um grande banquete e foram para casa, e
as "tropas de siros não entraram mais em Israel". Todo mundo foi para
casa em segurança.
Eliseu sabia de uma coisa que o seu servo desconhecia. Eles
estavam cercados com uma proteção de amor que o servo mal podia
imaginar. Seu momento de maior medo era, na verdade, o momento em
que estava mais seguro.
Vocês vivem sob a proteção de Deus, disse a meus filhos. O coração
de Deus se enche de ternura e alegria só de pensar em vocês. Quando
vocês amam alguém e pensam nessa pessoa, começam a sorrir. E isso o
que acontece quando Deus pensa em vocês.
Um dia, vocês vão ter de enfrentar perigos e resolver problemas.
Isso faz parte da vida e do crescimento e eu não os pouparia disso mesmo
que pudesse. Mas de uma coisa quero poupá-los. Quando estamos com
medo, costumamos pensar que estamos sozinhos. Achamos que ninguém
enxerga e nem se preocupa com o que está acontecendo, que estamos por
conta própria.
Quando isso acontecer, quero que se lembrem do urso. Lembrem-
se de que existe alguém que está por trás de vocês, cuidando para que
nada aconteça. Vocês podem não vê-lo nem ouvi-lo. Mas nunca estão
longe do seu alcance. Vocês estão sempre sob sua guarda.
Vocês são os bem-amados de Deus.
Perfeitamente Seguro
Dallas Willard disse que Jesus viveu com absoluta confiança
porque sabia que seu Pai era infalível em sua competência, além de
totalmente devotado. O resultado é impressionante: "Com este Deus
magnífico posicionado entre nós, Jesus nos traz a certeza de que nosso
universo é um lugar perfeitamente seguro de viver".
Será? O nosso universo? Falamos muito hoje em dia sobre lugares
seguros, porque nosso mundo parece ter ficado muito perigoso.
Desastres, violência e morte cobrem a terra.
E, contudo, essa descoberta acontece várias vezes na Bíblia. A jaula
do leão e fornalhas ardentes, a prisão do faraó e o leito do mar Vermelho,
um pequeno barco no meio de uma tempestade violenta, todas essas
situações parecem extremamente perigosas, mas acabaram se
transformando no lugar mais seguro de todos.
É verdade mesmo. Nosso universo é um lugar perfeitamente
seguro para viver. Não porque as coisas ruins não vão acontecer, mas
porque, como o próprio Paulo disse, "quem nos separará do amor de
Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a
nudez, ou o perigo, ou a espada?". As piores armas que este mundo pode
usar são impotentes diante do amor.
Essa é a descoberta do salmista: "Ainda que eu andasse pelo vale da
sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo". Até o
vale da sombra da morte é um lugar seguro.
Nossos fracos grunhidos e rosnados podem não ser grande coisa
sozinhos, mas por trás de nós está aquele que nunca se cansa de nos
vigiar. Podemos não vê-lo nem ouvi-lo, mas o Pai está sempre junto de
nós. E nada poderá nos separar de seu amor. Nem o fracasso, nem a
doença, nem a falta de dinheiro, nem a solidão e nem a própria morte.
Muito mais forte do que todos esses inimigos, ele está atrás de nós e
em todos os lugares. Um dia conseguiremos ouvir o seu rugido e ver as
mãos que agora mesmo nos amparam. Enquanto isso, caminhamos pela
fé. Mas a verdade permanece: nunca estamos sozinhos.
Uma mulher acorda com a tempestade. Ela corre para o quarto do
filho quando vê o clarão de um raio, porque sabe que vai encontrá-lo
aterrorizado. Para sua surpresa, ele está de pé, olhando pela janela.
"Estava olhando lá para fora", ele diz, "e você nunca vai adivinhar o
que aconteceu. Deus tirou uma foto minha".
Ele estava convencido de que Deus estava ali e que, portanto, o
universo era um lugar perfeitamente seguro de estar.
Mateus conta que, um dia, Jesus e seus discípulos estavam num
barco quando "de repente levantou-se no mar uma grande tempestade";
coisa que era bastante comum no mar da Galiléia. Os discípulos
compreensivelmente se desesperaram, mas o texto diz que Jesus estava
dormindo.
Por que Mateus inclui a informação de que Jesus estava dormindo?
Porque quer que entendamos. Dado o que sabia a respeito do Pai, o
Senhor tinha conhecimento de que o universo era um lugar perfeitamente
seguro para estar.
Os discípulos tinham fé em Jesus. Eles acreditavam que ele poderia
fazer alguma coisa para ajudá-los. Mas eles ainda não tinham a fé de
Jesus. Eles não compartilhavam da certeza de que estavam seguros nas
mãos de Deus.
A isso Paulo chama de a "paz de Cristo".
Como seria a minha vida se tivesse a certeza de que, por causa do
caráter e da competência de Deus, este mundo é um lugar perfeitamente
seguro para viver?
• O nível de tensão em minha vida diminuiria. Teria plena certeza
de que posso descansar colocando minha vida nas mãos de Deus. Não
ficaria preocupado com a minha incapacidade.
• Seria um pessoa mais calma. Poderia estar ocupado, com um
monte de coisas para fazer, mas internamente manteria a calma e o
equilíbrio que vem da certeza de se estar na companhia de Deus. Não
diria as tolices que agora digo por falar sem pensar.
• Não me deixaria abater pela culpa. Viveria com a confiança que
vem da segurança do amor de Deus.
• Confiaria em Deus a ponto de obedecê-lo cegamente. Não
acumularia valores. A preocupação faz com que me concentre em mim
mesmo. Ela rouba minha alegria, energia e compaixão.
Se a paz de Cristo reinasse numa pessoa, ela seria um oásis de
sanidade no mundo em caos.
Se a paz de Cristo reinasse em uma comunidade, ela seria capaz de
mudar o mundo.
Uma forma de amar todas as coisas é perceber que nós podemos perdê-las.
G. K. CHESTERTON
N osso amado Deus, disse Jesus certa vez, é um pastor que não
deixa de buscar uma única ovelha, embora você pense que ele deve estar
satisfeito com as noventa e nove que ele já tem. Continuamos a nos
esconder, mas ele não se cansa de procurar.
Robert Fulghum escreveu que estava em seu escritório e ouviu as
crianças da vizinhança brincando de esconde-esconde. Ele
lembrou da sua infância. Lembrou-se especialmente de uma criança
que se escondia tão bem que chegava um momento em que todo o
mundo desistia de procurar — o que causava brigas sobre a verdadeira
natureza da brincadeira que era esconder, procurar e disputar.
Havia um garoto fora do escritório de Fulghum que se escondeu
tão bem que estava a ponto de ser abandonado. Fulghum pensou em
gritar: "Saia daí, garoto!", mas achou que isso iria piorar mais as coisas.
Os adultos, ele observa, também costumam se esconder muito bem.
Encobrimos nossas falhas, defeitos e medos e depois nos perguntamos
por que nos sentimos tão abandonados e sozinhos.
"Desejo de se esconder. Necessidade de ser resgatado. Indecisão em
ser encontrado": é um diagnóstico bem próximo da condição humana.
Fulghum observa que as informações sobre o próprio Deus foram
escritas na língua do esconde-esconde. Deus absconditus é termo antigo
que significa o Deus que se esconde.
Mas Fulghum tem um palpite de que Deus é aquele que procura e
não o que se esconde. Ele prefere uma brincadeira chamada sardinha:
uma pessoa, a sardinha, se esconde e os outros procuram por ela; mas
cada um que a encontra, fica junto com ela escondido até juntar um grupo
tão grande de crianças que, pelos seus risinhos e gritinhos, fica impossível
não descobrir o esconderijo.
"Acho que Deus gosta mais de brincar de Sardinha. E será
encontrado da mesma forma que todo mundo nessa brincadeira: pelas
risadas dos que ficam amontoados no final."
A Bíblia diz: "Então ouvindo a voz do Senhor Deus, que passeava
no jardim pela viração do dia, esconderam-se o homem e sua mulher da
presença do Senhor Deus, entre as árvores do jardim. Mas chamou o
Senhor Deus ao homem, e lhe perguntou: Onde estás? Ele respondeu:
Ouvi a tua voz no jardim e tive medo, porque estava nu, e escondi-me".
Desejo de se esconder
Eu me escondi, dia e noite
Eu me escondi, anos enfim
Eu me escondi, no labirinto da minha mente
E dele me escondi mergulhado em lágrimas
Carregado numa correnteza de risos sem fim
JOÃO 1.14
— É Deus, abençoado seja o seu nome. Deus cuja criação o decepciona e trai com
tanta freqüência.
ELIE WIESEL
A Glória de Deus
Deus veio à terra. Nós contemplamos sua glória. Não a glória de
tronos e coroas. Não, sua glória é a de quem deixaria tudo isso de lado
por pobres camponeses degradados e pecadores como nós.
João diz: "Ninguém nunca viu a Deus". Deus é o único Filho, que
está próximo do coração do Pai, que se fez conhecido.
Quando a Bíblia diz que ninguém nunca viu a Deus, ela não está
falando obviamente de ver a forma física, no sentido mais comum da
palavra. Deus não se limita a um corpo físico; ele é espírito. A idéia não é
que Deus é um tipo recluso e esquivo como foram Howard Hughes e
Greta Garbo no fim da vida.
A verdade a ser dita é que ninguém nunca conheceu realmente a
verdade sobre Deus. Ninguém interpretou e compreendeu seu caráter e
natureza. Temos algumas idéias e descrições a respeito dele, mas as
imagens e interpretações erradas que fazemos estão sempre em ação,
distorcendo a visão que temos dele de uma forma ou de outra. C. S. Lewis
escreve em Cartas do inferno sobre a importância de orar a Deus pensando
nele "como ele realmente é" e não apenas "como acho que ele é". Lembrar-
se dessa diferença, falar com Deus pensando "como ele realmente é", é a
oração mais arriscada de todas, porque é a que o mal mais procura
desencorajar.
Talvez o assunto que mais nos deixa confusos seja o da idéia da
glória. Em termos humanos, a glória geralmente é relacionada a status.
Ela significa beleza, fama, poder, inteligência, conquista e fortuna. É
conquistada em campos de batalha e salas de reuniões, celebrada em
capas de revista e histórias na mídia.
Veja este anúncio da seção "Estritamente pessoal" da revista New
York, feito por uma mulher que, nas palavras de Neal Platinga, quer
conhecer um homem tão maravilhoso quanto ela própria:
A Degradação Humana
Elie Wiesel é um dos escritores da sua época que mais escreveu
sobre a degradação da vida. Romancista e ganhador do Nobel da Paz,
Wiesel sobreviveu ao holocausto, mas perdeu seu pai, mãe e irmã. Ele
quer impedir que nos contentemos com respostas simples quanto à
existência de sofrimentos tão terríveis. Ele viu com os próprios olhos a
fumaça preta subindo para o céu que saía das fornalhas nas quais sua
mãe e irmã morreriam.
Onde está Deus? Onde ele está em meio a toda essa degradação,
sofrimento e dor? Onde ele está na sua dor, e na minha? Embora eu
admire as grandes histórias de sofrimento e dor, tenho a minha própria.
Pequena em comparação, mas também difícil de entender. Onde está
Deus quando o câncer aparece, quando o amor se transforma em traição,
quando o útero de quem anseia por dar vida permanece estéril, quando a
alegria é estrangulada pela culpa?
"Onde está ele? Ele está aqui. Bem aqui, pendurado nessa forca..."
Essa é a principal declaração do Novo Testamento. Só que não foi a
idéia de Deus que morreu, como Nietzsche disse. Foi o próprio Deus. "Mas
nós pregamos a Cristo crucificado", Paulo diz.
Poderia ser pior. Poderia ter acontecido comigo. "Que assim seja",
Deus disse. "Que aconteça comigo". E aconteceu. Toda a desgraça e
infelicidade da condição humana aconteceu com Deus. "Ele se fez carne e
viveu entre nós, e mostrou sua glória." Vimos o Ser onipotente ficar fraco
e esgotado. Vimos o criador da alegria chorar de tristeza por sua morte.
Vimos aquele cujo verbo deu exis-tencia à Via Láctea bater os pregos na
madeira para fazer mesas e bancos. Vimos o Senhor dos Exércitos ser
cuspido, espancado e manchado de sangue. Vimos o próprio Amor ser
traído, negado, desacreditado e abandonado por seus melhores amigos.
Vimos o Senhor da Justiça tornar-se uma vítima indefesa do maior ato de
injustiça da história. Vimos o filho de Maria crescer para cumprir a
profecia dada à sua mãe no seu nascimento: "E uma espada trespassará
também a tua própria alma".
A dor, o sofrimento e o pecado deste mundo segue somente para a
cruz. Sempre a cruz. E de alguma forma é na cruz que a glória de Deus é
finalmente revelada.
"Assim que Judas tomou o pedaço de pão, saiu. E era noite.
Quando ele saiu, Jesus disse: Agora é glorificado o Filho do homem, e
Deus é glorificado nele".
Quando se prepara para ir para a cruz, Jesus ora: "Pai, é chegada a
hora. Glorifica a teu Filho, para que também o teu Filho te glorifique a ti.
[...] E agora, Pai, glorifica-me em tua presença com a glória que tinha
contigo antes que o mundo existisse".
"O Verbo se fez carne, e habitou entre nós. Vimos a sua glória, a
glória como do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade."
Vimos essa glória, João diz. E exatamente isso o que as pessoas
pensavam que Jesus não tinha. Nascido na manjedoura, criado no
anonimato, treinado como carpinteiro, morto como criminoso. Um tipo
estranho de glória. Uma forma estranha de salvar o mundo.
Martin Luther King escreveu que o verdadeiro conhecimento de
Deus não levará ao que ele chamou de "teologia da glória", mas antes à
teologia da cruz. Se dependêssemos apenas de nossos próprios recursos,
pensaríamos sempre em Deus em termos de poder, domínio e controle.
Nós o faríamos à nossa própria imagem, pensaríamos nele da forma
como gostaríamos de ser se nós fôssemos Deus.
Mas não é esse Deus que se revela em Jesus. Vemos Deus mais
claramente quando estamos sob a luz da cruz. A cruz é a loucura de
Deus, o qual é mais sábio que o mais sábio dos homens, a fraqueza de
Deus é mais forte que todos os homens juntos. Por meio da cruz, Deus
revela a sua servidão e humildade. Na cruz, vemos Deus em toda a sua
degradação.
Pois a glória de Deus é a sua degradação. O aspecto mais glorioso
de seu ser é ele ter tomado para si a nossa degradação para não ter de
desistir de nós. Karl Barth diz que Deus prefere compartilhar o
sofrimento da desgraça humana do que ser o Deus abençoado de
criaturas não abençoadas.
Deus ficou como nós — tornou-se um de nós — e nós
contemplamos sua glória.