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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

ESCOLA DE DIREITO E RELACÕES INTERNACIONAIS


CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
HISTÓRIA DO DIREITO

FICHAMENTO: HISTÓRIAS DE PERDÃO

EDILSON GONÇALVES DE AGUIAIS

GOIÂNIA, GO
NOVEMBRO/2019
EDILSON GONÇALVES DE AGUIAIS

FICHAMENTO: HISTÓRIAS DE PERDÃO

Atividade avaliativa apresentada à disciplina História do


Direito, do curso de bacharelado em Direito, da Escola de
Direito e Relações Internacionais, da Pontifícia
Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás).
Prof. Orientador – Cleiton Ricardo das Neves

GOIÂNIA
NOVEMBRO/2019
SUMÁRIO

1. BIBLIOGRAFIA...................................................................................4

2. INTRODUÇÃO......................................................................................5

3. A ÉPOCA EM QUE SE CONTAVAM HISTÓRIAS..............................6

4. RAIVA E LEGÍTIMA DEFESA..............................................................8

5. DERRAMAMENTO DE SANGUE E A VOZ DA MULHER ..................9

6. CONCLUSÃO......................................................................................11
4

I. BIBLIOGRAFIA

DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na


França do século XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
5

II. INTRODUÇÃO

Um homem de ‘boa reputação’ comete uxoricídio sob violenta emoção e,


após uma carta apresentada ao rei, consegue sua libertação. Essa é a história
que inaugura nossa viagem pelas cartas de perdão enviadas ao Rei da França
no século XVI. Nestes documentos, é fundamental captar a qualidade literária
dos textos e entender e como os “autores dão às etapas de um crime o molde
de uma história” (p. 16). Na verdade, o que se faz é escolher uma narrativa que
em termos de ‘linguagem, detalhes e ordem para apresentar um relato que
pareça verdadeiro, real, significativo e/ou explicativo” (p. 16).

Mas do artifício da ficção não decorria necessariamente da falsidade


de um relato; dele podia muito bem resultar verossimilhança ou
verdade moral. Tampouco a formalização ou embelezamento de uma
história significam necessariamente o seu falseamento. (p. 18)

O ponto principal para entender a forma da narrativa adotada por essas


cartas de remissão é compreender “como as pessoas do século XVI contavam
histórias” (p. 18) mas, principalmente, compreender as “estruturas que existiam
antes dos eventos nas mentes e nas vidas dos participantes” (p. 19). Isso tudo
para conseguir se extrair a verdade real dos crimes acontecidos no período de
modo a permitir a comparação com o período atual, sem cometer anacronismos.
Nesse contexto de busca das realidades que povoavam o imaginário
popular à época, repisar as cartas enviadas ao rei pedindo perdão por algum
crime se torna se torna inda mais importante, conforme relato feito pela autora:

E por que as cartas de remissão? Porque são uma das melhores fontes
de narrativa relativamente ininterrupta proveniente das classes
inferiores (na verdade, de outras também) na França do século XVI.
[...] As cartas de remissão eram, conforme veremos, resultado da
colaboração mas permitiam um liberdade muito maior à pessoa ouvida
pelo notário (p. 20)

O objetivo principal da carta de remissão é obter do rei o perdão pelo crime


cometido. Por outro lado, o objetivo principal do livro é entender como se
construíam as justificações que seriam feitas pelos acusados / condenados ao
rei. Essas histórias e seus resultados serão apresentados em detalhes nas
páginas que se seguem.
6

III. A ÉPOCA EM QUE SE CONTAVAM HISTÓRIAS


O que se busca com a apresentação de uma carta de remissão é
apresentar ao rei uma nova visão sobre os fatos que ocorreram, quase sempre
relacionados a uma morte. Neste sentido:

As histórias de perdão versam principalmente sobre homicídios,


afirmando terem sido não premeditados, não intencionais, em legítima
defesa, ou de alguma outra forma justificáveis pela lei francesa.
Encontram-se também remissões de falso testemunho, roubos,
receptações de bens roubados, defloração de virgens, participação em
tumultos contra impostos, resistência a funcionários reais e heresia,
mas no século XVI estas são exceções. Em princípio, embora na
prática, nem sempre, a remissão era reservada a crimes em que o
contraventor havia sido ou poderia ser condenado à morte. (p. 23)

Duas situações principais davam espaço à criação de uma carta de


remissão: i) pelo próprio acusado/condenado, durante ou após o processo
judicial ou; ii) imediatamente após o acontecimento do crime, antes mesmo da
propositura da ação penal.
O procedimento não era muito simples. O primeiro passo era conseguir
uma ordem para que um notário real redigisse a carta, em estilo próprio1. Uma
vez escrita a carta, ela seria lida perante um chanceler real, que faria o juízo de
admissibilidade e, depois de recolhidas as custas processuais2, era selada e,
obrigatoriamente, deveria ser ratificada por uma corte real (corte superior da
jurisdição regional ou o Parlamento). Esse processo de ratificação, tinham as
seguintes etapas:

O solicitante apresentava-se humildemente aos juízes, a cabeça


descoberta e mãos suplicantes. Os parentes da vítima também deviam
estar presentes, se morassem perto. A carta era lida em voz alta. O
solicitante jurava que seu conteúdo era verdade e implorava o
benefício da graça real. Logo depois, os juízes faziam perguntas e
estimulavam um prolongado recital de respostas, que deviam se
ajustar ao relato feto ao rei e também às informações colhidas durante
o julgamento ou no período em que o solicitante esteve foragido. Então,
geralmente na condição de prisioneiro, o solicitante podia ter de
esperar entre poucas semanas e muitos meses, tempo em que os
parentes do morto tinham a oportunidade de alegar que a carta de
remissão continha muitas lacunas e mentiras e as testemunhas locais

1 “(...) o notário real que a redigia era responsável pelo palavreado da introdução e da

conclusão”, em outras palavras, “podia enfeitar o preâmbulo com outros fatos que fizessem o
requerente parecer mais digno de piedade” (p. 34).
2 “Nas décadas de 1530 e 1540, o preço de uma carta de remissão era mais de duas

vezes superior ao ganho de um trabalhador não qualificado, era maior que o salário mensal de
um gráfico profissional, e quase equivalente ao dote de uma arrumadeira. [...] É claro que,
quando o requerente era muito ‘pobre e miserável’, o rei concedia a carta gratuitamente ou a
preço reduzido” (p. 27)
7

eram interrogadas sobre o assunto e sobre a ‘boa reputação e honesta


conversação’ do requerente no passado. (p. 27-28).

Se, após todo esse procedimento, a carta fosse ratificada, havia a


recomendação de indenizar a família e pagar por orações à alma da vítima, ou
fazer doações aos pobres. Em outros casos, o requerente ficaria afastado por
um período da aldeia onde ocorreu o crime ou, alguns poucos, eram convocados
a servir no exército real. Entretanto, na maioria das vezes, “o solicitante podia
retomar sua vida antiga, perdoado e com sua ‘boa fama e reputação
restauradas’” (p. 28).
Havia o risco de se lançar ao projeto de uma carta de remissão porque
havia a confissão do crime visto que se busca, de modo inequívoco, o perdão do
rei pelo fato acontecido. Mesmo sendo ancorado em ‘algo justificável’, “se a carta
de remissão era rejeitada em vez de ser ratificada, ele teria que enfrentar os
rigores de um processo criminal” (p. 28-29) que, na maioria das vezes, iria
resultar em longas condenações, prisão perpétua e trabalhos forçados, pesadas
multas ou à execução.
Como o livro retrata, em sua maioria, as cartas eram feitas por motivos
ligados a homicídio que, na França a época, tinha como castigo costumeiro a
morte. Entretanto, separam-se do quadro geral algumas situações em que o juiz
poderia aplicar a pena moderadamente e, na mesma esteira, o rei poderia
conceder o perdão.

Papon explicita treze condições atenuantes, começando com duas em


que o homicídio era permitido e prontamente perdoado – a vingança
do adultério da mulher ou da filha e a morte em legítima defesa – e,
prossegue com aquelas em que o homicídio não era permitido mas
podia ser perdoável, tais como matar durante um jogo, embriagado ou
numa briga repentina. (p. 29).

Sucintamente, o rei poderia conceder perdão nos homicídios se fossem


cometidos por acidente (par cas fortuit); com base na imprudência (sans doi);
matar o ladrão que invadiu a casa durante a noite; em torneio e sem más
intenções; durante o sono, estando bêbado, estando furioso, jovens de até 7
anos); briga repentina (sob domínio de violenta emoção); para levar alguém
preso; em esporte de contato, por sua veemência; se cometido por pessoa ‘rara
e excelente’; se o autor for pessoa velha com boa reputação, e, por fim; se o
crime foi cometido há mais de 20 anos sem acusação ou julgamento (extinção
da punibilidade).
8

O ponto principal desta parte do livro é mostrar como as narrativas eram


construídas de modo a tentar justificar o crime cometido, enquadrando-o em uma
ou mais das treze hipóteses onde havia cabimento do perdão real. Exatamente
por isso que os grandes advogados buscavam nessas cartas de remissão não
apenas a aplicação da justiça, mas, principalmente, na formulação de uma
história. Por isso, ao ser procurado por um requerente em uma carta de
remissão, “é provável que se interessasse pela história em si, não apenas pelo
problema legal”3 (p. 37).
Nesse processo, ganha importância a forma da narração do acontecido,
sendo que, muitas vezes, se faz a contextualização a partir de eventos festivos
para, de certo modo, justificar aos atos executórios, seja de um traidor da pátria
ou de um protestante.

IV. A RAIVA E A LEGÍTIMA DEFESA


Compreender o século XVI pela ótica das cartas de remissão é,
primordialmente, entender que “ninguém tinha que ser santo” (p. 63). Assim,
mesmo sendo uma sociedade eminentemente cristã, a busca pelo perdão real
não estava ligada ao arrependimento do indivíduo pelo crime cometido, mas sim
ao remorso.

O mundo das cartas de remissão é um mundo de raiva, um mundo


inesperado. Um mundo onde o rei, não o Senhor, é quem perdoa, e,
embora o príncipe seja um servo de Deus, as fontes da ação nem
sempre eram interpretadas de maneira estritamente cristã. As ações
repentinas de um requerente nunca era obra da providência ou de
pecados que ele cometera, mas era sempre errôneas, não merecidas
ou acidentais (p. 62)

Como o perdão vem do rei, nem sempre os princípios cristãos deverão


ser empregados na construção da narrativa da carta de remissão. Expressões
como ‘bílis quente”, que indicaria um temperamento colérico, são evitadas visto
que indicaria quem deu início à violência. Essa característica era atribuída mais
comumente à vítima, exatamente para criar a verossimilhança e demonstrar que,
caso houvesse um ataque de raiva por parte do requerente, seria por estar “fora
de si e de seus sentidos” (p. 64), geralmente por uma humilhação pública.

3 A história do filho e mata o pai e do homem que mata a bruxa, ilustram bem essa ideia
(p. 40-42).
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No início de muitas outras narrativas de remissão o requerente está


cumprindo suas tarefas diárias ou se divertindo de maneira pacífica; a
história caminha para o seu clímax, quando o resultado trágico ou
sangrento é inevitável: um insulto (...); um desentendimento súbito,
motivado por dinheiro (...); uma revelação inesperada (...), e assim por
diante. A história chega ao final mais ou menos depressa, às vezes
depois da intercessão de testemunhas ou, em raras ocasiões, depois
do apelo da vítima (...); no mais das vezes, o requerente tenta fazer as
pazes (...). Mas, evidentemente, a confusão segue o seu rumo, e na
última cena há o movimento de fuga ou perseguição, em meio a armas
e golpes. (p. 73).

O que se percebe é que há uma estrutura de narrativa comum entre as


cartas apresentadas ao rei. Esse formato permitia demonstrar a inocência, a não-
intencionalidade ou a legitimidade das ações, construídas sob o calor da
emoção4. A fórmula era criar uma história que fosse verossímil o bastante para
que acreditassem nela e, por isso, “a menção a pessoas, lugares, movimentos e
gestos precisos visava, em parte, produzir testemunhas de apoio, mas também
atribuída concretude e credibilidade à história” (p. 74).
Nessa estrutura de construção da narrativa percebe-se a menção a
eventos festivos, normalmente em tavernas e com a presença de bebidas (sem
que isso lhe fosse imputado como motivo de perdão). Mesmo com uma fórmula,
praticamente matemática, existiam cartas de remissão terrivelmente redigidas,
onde o notário real se limitava à descrição dos fatos, sem executar o trabalho
principal da carta que “cerceava o herói, fazendo dele um suplicante” (p. 104).
Geralmente, cumprida a burocracia para se conseguir o selo da carta de
remissão, o pedido era ratificado, com as exigências de pagamento de multa,
banimentos e outros já citados. A crítica era que “não há crime, por maior ou
mais odioso que seja, para o qual não se possa, com a passagem do tempo e a
intervenção das pessoas certas, obter uma carta de remissão” (p. 80).
Isso acontecia porque, na visão do rei, ter sua carta ratificada significava
que o requerente ‘merecia’ o perdão real. Isso porque, para ter sua carta
ratificada era preciso, dentre outras coisas, era preciso ser um crime remissível
confirmada pelos funcionários da Chancelaria e pelos juízes ratificadores. Além
disso, tinha de resistir às objeções da família da vítima e tinha de conquistar a
anuência das testemunhas, ou seja, passado todo esse processo e tendo

4 “Quando bem compreendido, esse formato permitia que o solicitante atingisse diversos
objetivos importantes para a obtenção do perdão. [...] Tais recursos podiam também servir para
compensar os lapsos embaraçosos ou os silêncios de uma história” (p. 73).
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ratificada a sua carta, inclusive com as multas definidas, o ‘natural’ ao rei seria
conceder a remissão.

Alguns requerentes, em vez de confiar em suas histórias, tentavam


subornar e intimidar juízes de jurisdições menores para que
ratificassem suas cartas; outros a apresentavam o mais longe possível
do local do crime, de forma a dificultar o trabalho dos juízes, que tinham
de conseguir o depoimento de parentes da vitima ou declarações de
testemunhas; outros esperavam ilegalmente três ou quatro anos para
procurar a ratificação, na esperança de que as partes interessadas já
tivessem morrido (p. 81-82).

Mesmo tendo ciência desse cenário, os juízes ratificadores buscavam


julgar conforme remissões anteriores feitas pelo rei, porque sabiam que “se
quisesse, o rei forçaria a ratificação das cartas em qualquer situação de conflito”
(p. 84). Além disso, havia a Entrada Gloriosa, que eram “os perdões especiais
concedidos quando o rei recém-coroado entrava pela primeira vez em uma
cidade” (p. 85) que, sendo válida para todo tipo de crime, de certa forma,
assentava uma jurisprudência.

V. O DERRAMAMENTO DE SANGUE E A VOZ DA


MULHER
A última parte expositiva do livro se debruça sobre casos com
protagonismo feminino. O uso das técnicas de escrita dos notários reais segue
o mesmo caminho na busca pela justificativa da carta de remissão, ou seja, criar
uma narrativa com verossimilhança que permita ao rei conceder o perdão pelo
crime cometido. A principal diferença quanto aos casos masculinos é a menção
ao desespero por uma injusta agressão, nunca se falando de raiva, visto que “a
raiva das mulheres, no entanto, era aceita em poucas circunstâncias” (p. 122).

Se irrompia em violência, a ira de uma mulher podia ser aceita em


casos excepcionais, como em defesa dos filhos ou da religião, num
motim por alimentos ou num levante religioso, ou em defesa de seu
país, como nos casos de Judite e Joana d’Arc. (p. 122).

Mesmo sendo aceita a legítima defesa para ambos os sexos5, “nenhum


homicídio era mais desumano e detestável que o assassinato entre marido e
mulher” (p. 123). Na construção da narrativa para justificar o crime feminino no
âmbito das relações domésticas, a busca é por demonstrar a existência de um

5 “o cânone do século XVI reconhece que uma mulher que matasse um homem que a
estuprou não estaria pecando, se ela não tivesse outro meio de escapar ou de se defender” (p.
123).
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estado mental alterado, ancorado em emoções que surgem de modo


inesperado, após longo período de sofrimento. Não estamos falando de
“imbécillité”, que seria causa de absolvição ou penas mais leves, mas sim de
demandar argumentos mais elaborados para obter a ratificação da carta, no caso
feminino.
Assim como o é atualmente6, “as mulheres se constituem um número
segmento muito menor que os homens nos processos de crimes violentos” (p.
127) e, em parte por isso, há menos cartas de remissão seladas por mulheres.
Entretanto, outro fato deve ser considerado ao se analisar tal dado estatístico:
“os dois crimes capitais mais frequentemente associados a mulheres – bruxaria
e infanticídio – não eram perdoáveis”7, razão pela qual, em grande parte dos
casos, justifica o seu reduzido número.
Apesar de reduzido número, é possível encontrar cartas de remissão
seladas por mulheres sem que, com isso, possa se criar um padrão para o crime
feminino, como é feito com os condenados masculinos. Como são menos
uniformes, tem-se cartas de pessoas de uma prestigiada família de advogados,
de criadas e vaqueiras, de aldeãs e artesãs, etc.

Existem “histórias de lavadeiras”, como veremos; “histórias de patroas”


(...); e “histórias de criadas” (...). Mas o que existe em maior número
são as “histórias de esposas” e as “histórias de viúvas”, nas quais o
gênero, mais que a classe social, é que determina a cena. Ou talvez o
papel feminino é que constitua a condição da mulher, e seu relato junte
aspectos de trabalho e lugar em uma única narrativa conduzida por
temas de família, honra sexual e herança. (p. 131).

Nesse panteão de histórias, o que se percebe é que o modus operandi se


difere em cada mulher e em cada contexto. Exatamente por isso, o ponto comum
encontrado pela autora é que as fórmulas e conselhos dos secretários e
escreventes para a formulação da carta de remissão não se moldava bem às
demandas femininas, exigindo uma “capacidade de petição” (p. 132) mais
elaborada.
Diferentemente dos assassinatos cometidos por homens, há menos
citações a rituais e eventos festivos exatamente porque, como a “feminilidade
e/ou honra sexual feminina estão em jogo, é mais fácil ordenar e desculpar o que

6 Conforme dados do Atlas da Violência 2019, publicado pelo IPEA.


7 Existem relatos de recursos ao Parlamento de Paris na busca de uma justiça mais
equânime, para acusações de crimes de bruxaria e infanticídio. Entretanto, o ‘caminho natural’
era a execução.
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transcorreu no cenário da vida cotidiana” (p. 133). O mesmo acontecia com a


bebedeira, que raramente era utilizada como forma desculpável para o homicídio
feminino posto que, “era contrário á natureza feminina” (p. 135).
O aspecto principal, que justificaria o homicídio de modo a ser digno de
estar em uma carta de remissão feita por uma mulher seria a defesa da dignidade
sexual8. Existem outros casos de querelas ‘tipicamente femininas’ que também
levaram a assassinatos e, portanto, merecedoras do perdão real. Entretanto,
esses casos são tratados, por homens e mulheres, como casos de menor
importância9. Cabe ressaltar que, apesar disso, a narrativa precisava ser bem
construída de modo a mostra ser um embate com tipicamente feminino e trivial,
não se enquadrando nas hipóteses de premeditação.
Mesmo entre os historiados que buscam compreender esse período pelo
estudo das cartas de remissão, as feitas por mulheres são pouco notáveis (talvez
por serem poucas e, por outro lado, por não gerarem escândalo político
(comoção pública). Em termos mais diretos, “a lição que ensinavam não era
suficientemente clara” (p. 154) e, por isso, os panfletos que mostravam as
execuções faziam o seu papel instrucional de modo mais nítido.

VI. CONCLUSÃO
O resultado primário obtido com a compilação dessas histórias de
remissão é a importância da narrativa na construção do discurso. Mesmo
havendo a técnica do escrevente e os conhecimentos jurídicos do advogado, é
o modo de contar a história do requerente que irá dar a tonalidade necessária ao
pedido de perdão real. Por isso é que, algumas pessoas simples “acabam se
mostrando possuidores de mais talento retórico ou de mais recursos narrativos
naturais do que os letrados” (p. 161).
Como o fim das cartas de remissão era obter o perdão real isso, de certo
modo, justifica as invenções, retóricas e discursos adotados na construção do
documento. De certo modo, o que se buscava era: “Transformar um ato terrível
em uma história é uma maneira de se distanciar do fato: na pior das hipóteses
uma forma de auto enganar-se; na melhor, uma maneira de perdoar a si mesmo.”
(p. 166).

8 No livro é citado o caso de um padre que é chamado de pederasta e, por isso, assassina
seu ofensor, tendo recebido o perdão real.
9 “conversa de homem é política e conversa de mulher é fofoca” (p. 148).

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