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A ETNOGRAFIA NA PESQUISA EM ARTES CÊNICAS

THE ETHNOGRAPHY IN SCENIC ARTS RESEARCH

Fabio Dal Gallo


Professor Adjunto da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia - UFBA.

Resumo: O presente artigo analisa o conceito de etnografia e sua aplicação na pesquisa em Artes
Cênicas. Fundamentando o estudo em teorias relacionadas com os Estudos da Performance, são
interpretados elementos de significação da etnografia que dialogam com os conceitos de
deslocamento, aprendizagem, discurso e culturas, demonstrando que a etnografia pode ser utilizada
de maneira eficaz como ‘grande método’ de pesquisa em Artes Cênicas.
Palavras chave: Etnografia; metodologia, artes cênicas.

Abstract: This article examines the concept of ethnography and its application in performing arts
research. Basing the study on theories related to Performance Studies, are interpreted meaning
elements of ethnography that dialogue with the concept of displacement, learning, discourse and
cultures, demonstrating that ethnography can be used in a valuable way as ‘main research method’
in performing arts
Key words: Ethnography, methodology, performing arts.

Introdução que envolve processos históricos, físicos,


cognitivos e afetivos pelos quais é valioso
utilizar metodologias de pesquisa
A pesquisa em Artes Cênicas é articulando diferentes áreas de
atualmente um âmbito caracterizado por conhecimentos.
uma grande diversidade de abordagens
Como ponto inicial, é necessário
em relação às metodologias utilizadas,
destacar que uma pesquisa, incluindo
não apenas no que se refere à análise de
também a pesquisa em Artes Cênicas,
expressões artísticas, mas também na
encontra na metodologia aplicada o eixo
produção de espetáculos.
principal através do qual o trabalho se
Ao mesmo tempo em que se desenvolve. A metodologia constitui o
encontram artistas e pesquisadores que caminho dos pensamentos e a prática que
preferem criar e analisar uma obra vem exercitada numa abordagem
artística baseando se em fundamentações investigativa da realidade, podendo ela
teóricas pertinentes ao campo da arte, ser dividida em métodos de coletas de
existem também autores e artistas que dados e métodos de análise dos dados.
evidenciam como a obra artística seja Portanto, a metodologia ocupa um lugar
uma expressão complexa do ser humano central no interior das teorias, e,

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vinculadamente, está sempre referida a práticas nas técnicas específicas no que se


elas. referem aos processos de criação e de
Dentro dessa visão, observa-se encenação, também questões estéticas
que, de acordo com Chauí (1996), que envolvem sentimentos e emoções,
Aristóteles apresenta a necessidade de além da maneira que o artista apresenta
dividir os pequenos e os grandes métodos sua interpretação e conteúdo artístico,
de pesquisa. Os pequenos métodos seriam envolvendo também o campo da recepção
os procedimentos dos pesquisadores do público que assiste à obra.
perante os objetos de estudo escolhidos,
A finalidade desse trabalho é,
enquanto, os grandes métodos seriam os
portanto, encontrar relações que
princípios metodológicos orientadores
contribuem para considerar a etnografia
gerais que norteiam a pesquisa como um
como um ‘grande método’ de pesquisa,
todo. Esse conceito de “grande método”
útil para o campo das Artes Cênicas; para
permite interpretar a etnografia como
tanto, segue-se uma vertente
uma série de possibilidades teóricas que
interdisciplinar que se baseia em
consentem ao pesquisador, e ao artista,
conceitos que transitam entre as áreas da
dialogar com os múltiplos paradigmas da
filosofia da antropologia, da educação e
contemporaneidade e com os conflitos
das artes.
entre métodos quantitativos e
qualitativos derivantes da competição
entre as correntes positivista e
Performatividade
naturalista, que dividem pesquisadores,
fazendo de modo que a etnografia se
torne um instrumento valioso para a
Para avançar na proposta de
pesquisa em Artes Cênicas.
considerar a etnografia como ‘grande
Nesta perspectiva, são
método’ de pesquisa, e de sua
interpretados diferentes elementos de
aplicabilidade no âmbito das Artes
significação da palavra etnografia
Cênicas, deve-se, primeiramente, delinear
refletindo sobre a maneira com a qual a
o conceito de performatividade e seu
palavra se carrega de ‘performatividade’,
embasamento teórico, sendo a
para evidenciar como esta pode se tornar
interpretação desse termo aqui elaborada,
um ‘grande método’ de pesquisa, útil para
como o meio que permite encontrar as
a pesquisa e produção em Artes Cênicas,
relações entre as peculiaridades teórico-
estas que envolvem, além de questões
filosóficas que caracterizam a etnografia,
poéticas que encontram utilização

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com o fazer, a apreciação e a reflexão em A corrente pós- estruturalista à


âmbito artístico. qual Barthes aderiu recontextualizando
sua teoria, apoiada aos pontos de vista
O termo performatividade se
apresentados por Derrida, desestabilizou
constituiu a partir de uma interpretação
a possibilidade de reconhecer um único
do próprio conceito de performance
significado ou de interpretar de maneira
atrelado a uma visão que se apóia a um
direta, objetiva e verdadeira, um signo.
fragmento da ciência de signos, a
Segundo essa vertente, a linguagem age,
semiologia, postulada por Saussure, o
em contínua deslocação, escorregando
qual, através de seus estudos,
continuamente de um significado a outro,
proporcionou conceitos que serviram de
em um contexto temporal de um presente
base para o desenvolvimento do
que se carrega do significado do passado
Estruturalismo no século XX.
e do futuro, não reproduzível, e em
Barthes que, inicialmente fez contínuo trânsito entre a aparência e a
parte da escola estruturalista influenciado ausência; em um contexto, portanto, onde
por Sassure, dividiu o processo de não é possível considerar a existência de
significação em dois momentos, o uma absoluta presença e uma absoluta
denotativo e o conotativo. origem, permitindo assim diferentes
leituras de uma mesma palavra, que
Segundo Saussure, cada palavra
implicam uma necessária desconstrução.
carrega uma relação entre dois termos,
um significante e um significado. Ao ‘refletir sobre o texto’ e
Relacionar objetos de ordem diferentes ‘desfazer o texto’, existe a possibilidade de
não se constitui uma igualdade, mas sim revelar seus significados ocultos. A
uma equivalência. A partir dessa visão, finalidade dessa desconstrução colabora
Barthes (1982) desenvolveu o sistema para incrementar a pluralidade de
semiótico, que considera não apenas dois, discursos, deslegitimando a existência de
mas três termos diferentes; o que se uma única verdade e uma única
aprende não é um termo após o outro, interpretação, permeando a palavra de
mas as correlações que os unem e os outras possíveis verdades.
transformam em signo. Os três termos
As performances se caracterizam
não são apenas formas, podendo-se
pela construção de uma mensagem que,
atribuir-lhes conteúdos diferentes.
por meio da atuação do performer, é
apresentada e compartilhada com o

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público, criando uma situação efêmera, Da afirmação de Schechner (1985,


caracterizada pela sua ausência iminente, p.15), “[...] obviamente os participantes
na qual se pode articular um discurso que, recebem mensagens performativas
baseado na interpretação pessoal do contrastantes [...]”, pode-se considerar
performer e do público, com significados que existe um reflexo, no sentido de que a
independentes e em contínua deslocação mensagem, na sua relação com o receptor,
e, visando à eliminação da dicotomia foi chamada de ato ilocutório, pela
palavra-ação, se constitui de “palavras capacidade de provocar uma alteração
performativas” ao se contrapor a uma nas relações sociais, diferente em cada um
vertente descritiva e constatativa. dos protagonistas.

Este conceito se relaciona, O ato perlocutório, enfim, se


também, com o campo de pesquisa refere aos efeitos que os discursos
explorado pelos filósofos analíticos, produzem sobre seus destinatários.
quando questionam: como fazer coisas
Para que este último ato aconteça,
com as palavras? Como as palavras fazem
existe uma relação entre o passado, o
coisas? Um modelo, que pode ser aplicado
presente e futuro, sendo relevante outro
com proveito também nos estudos da
elemento que influencia a experiência: o
performance, foi elaborado por Austin
tempo. Podem ser identificados, portanto,
(1989) quando investigou como
três elementos numa performance: o
diferentes ações estão envolvidas na
atuante, o espectador e o tempo. De
emissão e recepção de um discurso,
acordo com Moreira (2001, p.385), trata-
distinguindo três atos linguísticos: os
se do “[...] tempo das coisas acontecerem:
locutórios, os ilocutórios, e os
das relações amadurecerem e dos
perlocutórios.
princípios essenciais dilatarem na
Glusberg (1987), fazendo uma estrutura performativa”. Assim, a
relação com a performance, define como performance é a própria atuação,
locutórios os atos dos emissores que enquanto performativo é o evento e o
determinam uma atividade corporal com processo no qual a performance acontece.
o objetivo de produzir um enunciado,
Para que se realize o ato
constatando que a atuação ou a simples
perlocutório, já deve existir um vínculo
presença de um corpo em cena é um ato
fortemente consolidado entre emissor e
locutório.
receptor. As circunstâncias não devem
dar margem à dúvida sobre quem é o

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sujeito da "fala", sua intenção e podem fazer as coisas, trazendo o termo


legitimidade, e é neste ponto que se torna ‘performatividade’ para denominar uma
coerente que, ao público, deva ser notório ação que pode envolver uma palavra que
que o performer está agindo em primeira se traduz, por sua vez, na própria ação,
pessoa, e que ele esteja vivendo no tempo indicando a capacidade de concretizar a
presente e ‘incorporando’ (embodiement) idéia que determinou a própria
a experiência da performance. necessidade da performance. Essa visão,
reforçada por Diamond (1996, p.4),
Portanto, em um espetáculo, ou
quando sublinha que performatividade
em uma performance existem duas
não se refere a “[...] uma realidade extra-
lógicas distintas e interdependentes
linguistica, mas ao invés disto constitui ou
simultaneamente, que guardam
produz aquilo que se refere [...]”, enfatiza,
autonomia e ao mesmo tempo se
portanto, o performativo como lugar que
relacionam, são elas: a ‘lógica espetacular’
se conota fortemente de uma carga
e a ‘lógica performativa’. A primeira
política enquanto se torna envolvido de
decorre do modo como a arte do atuante é
possibilidades discursivas.
recebida pelo público através da recepção
do espectador. A lógica do espetáculo Ao observar que o termo
vivida pelos espectadores não coincide performatividade se constitui como
necessariamente com a lógica vivida pelo elemento de ação no ato da fala, e que
atuante. A lógica do performer é esse ato se estrutura como linguagem,
determinada por outro processo que, argumentar sobre a performatividade de
possuindo seus princípios, fatores e uma palavra, ou de uma ação, significa de
condições, tem, enfim, sua própria um lado encontrar onde existem
coerência interna. Existe uma clara possibilidades discursivas, e do outro, por
distinção entre essas duas lógicas: uma meio de uma desconstrução, observar e
revela o resultado e a outra se concentra interpretar os possíveis elementos de
nos processos vividos pelo atuante e pelo significação que a permeiam e que sejam
espectador. interligados com uma deslocação, uma
vivência-incorporação (embodiment), e
Butler (1995), em seu texto
com a presença-ausência do próprio ato
“Burning act”1, trata de como as palavras
ou da própria fala.

1BUTLER, Judith. Burning act Injurious Andrew (Ed.). Performativity and performance.
Speech. In: SEDGWIG, Eve Kosofsky; PARKER, New York: Routledge, 1995. Cap.9, p.197-227.

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A etnografia coloniais, permitindo encontrar analogias


e similaridades entre diferentes culturas.
Naquela época, a maioria dos etnógrafos,
A palavra etnografia advém da portanto, não se interessava pelo estudo
junção de duas palavras gregas: ethnos empírico, mas focava seu trabalho na
(nação) e grapho (escrevo) que significa análise de documentos.
literalmente “descrição dos povos” e
A mudança no próprio conceito de
constitui-se como um método com o qual
etnografia, como indicado por Maanen
se opera, predominantemente, a pesquisa
(1995), se deu com Malinowski, segundo
de campo nas ciências antropológicas.
o qual era fundamental que um etnógrafo
Observando o seu trajeto se inserisse no ambiente natural e que
histórico, nota-se que a etnografia nasceu tivesse uma relação íntima e pessoal com
como pequeno método de pesquisa, tendo o grupo de nativos a serem estudados.
sido utilizada, principalmente, como Para ele, a coisa mais importante era
instrumento de coleta de dados. procurar os típicos modos de pensar e
sentir, detectando as instituições de uma
O termo aparece já no início do
dada comunidade, formulando, assim,
século XVII, quando era utilizado para
resultados mais convincentes.
designar coleções de relatos, mas se
instituiu como método de pesquisa em Os primeiros trabalhos
âmbito científico no final do século XIX, etnográficos, desenvolvidos segundo esta
quando a antropologia era marcada pela vertente, se caracterizaram por um forte
distância entre o pesquisador e o estilo “realista”, que será típico do
pesquisado, definindo o que é chamada de estrutural-funcionalismo, concepção que,
‘Harmchair Antropology’ (antropologia de a partir dessas experiências, foi teorizada
cadeira). nos estudos antropológicos das
sucessivas décadas de 1900. Os trabalhos
Frazer, como pioneiro nesta área,
de Malinowski são exemplos de
entre 1887 e 1916, publicou opúsculos
descrições etnográficas desse período
com conselhos e questionários sobre
“clássico”.
como sintetizar essa série de informações,
coletadas através de missionários, A observação participativa como
viajantes, membros de expedições vivência foi largamente usada por Claude
científicas, comerciantes, Lévi-Strauss, integrante da corrente
correspondentes e administradores estruturalista, que, através de suas

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pesquisas antropológicas, buscou É relevante a ‘auto-etnografia’, a


demonstrar que existem elementos que qual se configura como tal quando o
interferem significativamente no pesquisador textualiza o seu próprio
desenvolvimento de um pensamento grupo. Este tipo de método oferece uma
objetivo e que existem modos de operar posição e uma emotividade típica, além de
universais que se encontram nas um explícito julgamento no trabalho de
diferentes sociedades humanas, os quais campo, tendo pouca distinção entre
ultrapassam o pensamento subjetivo. pesquisador e pesquisado.

Assim, a etnografia passou a A ‘etnografia confessional’ é


denotar um processo através do qual se quando o pesquisador analisa e trata
transcorre um determinado período de sobre ele mesmo. Segundo Maanen
tempo com os grupos estudados (1995) seria um modo de mover a
utilizando técnicas de pesquisas entre as atenção do leitor da cultura estudada para
quais a observação, a entrevista e o diário aquele que significa, isto é, o próprio
de bordo, com a finalidade de coletar um etnógrafo. De acordo com Maanen (1995)
conjunto de dados que, depois de serem o processo de reflexão e pesquisa em si
interpretados, tornassem possível a mesmo, como trabalho de campo, torna-
compreensão da cultura examinada. Ritos, se foco do texto etnográfico. Sua
rituais, regras, valores, crenças, composição se baseia em mover o
comportamentos e produtos eram os pesquisador de campo para o centro do
principais objetos de interesse do discurso e apresentar a maneira como o
etnógrafo, através dos quais a cultura se escritor pode conhecer um dado mundo
tornaria inelegível. social.

A partir dessa vertente da Stuart (2002) mostra a


etnografia como método de coleta de importância da ‘etnografia crítica’, a qual
dados utilizado, predominantemente, na se desenvolve como gênero diferente,
antropologia, pode-se observar que representando a cultura em um amplo
existem hoje modos de operação das contexto histórico, político, econômico,
pesquisas etnográficas que buscam social e simbólico, num campo mais
padrões culturais e humanos mais amplo daquele reconhecido pelos
abrangentes que vão além de uma membros do próprio grupo.
observação da alteridade.

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No caso da ‘etnografia dramática’ de pesquisa que, porém, ainda mostram


o mesmo Maanen (1995) afirma que é uma ênfase no seu caráter de pequeno
mais orientada à narração de particulares método, é possível proceder a uma
eventos ou sequências de eventos de desconstrução da palavra etnografia,
óbvio significado nos membros culturais procurando as molduras onde se carrega
estudados. Clifford (1986) aponta como de forte performatividade. Refletindo
esse tipo de etnografia envolve histórias e sobre elementos de significação direta,
formas típicas da ficção literária, que já constituíam a etnografia desde seu
alegorias, além de ensaios pessoais como surgimento, encontra-se o conceito de
técnicas de registro e críticas de obras deslocamento, a pesquisa de campo e a
artísticas. descrição de outras culturas.

Observa-se, portanto, que a


etnografia disponibiliza, hoje,
Performatividade do
possibilidade de enfatizar o olhar do
deslocamento, a metáfora da Viagem.
pesquisador em relação ao seu objeto, que
pode ser ele mesmo, o grupo ao qual
Ao considerar a etnografia como
pertence, grupos que não fazem parte do
método de pesquisa, percebe-se que o
cotidiano ou que sejam próximos a ele.
deslocamento e a viagem são elementos
Além disso, existe a possibilidade de
presentes no sentido de que, através dela,
trazer um olhar crítico em relação a
os antropólogos obtêm os dados a serem
aspectos que podem ser interligados, sem
analisados. Na etnografia o conceito de
dúvidas, a etnias, mas que pode se abrir
viagem continua presente em todas as
para questões de gênero, classe social, a
novas tipologias de etnografia surgidas,
própria estrutura social como um todo ou
mas, em muitas delas, como, por exemplo,
uma própria visão de mundo. Enfim, a
na etnografia confessional, é presente em
etnografia permite também relatar e
nível metafórico.
analisar experiências que se dão no plano
Afirma-se que existe também um
artístico, ao se aproximar das linguagens
nível metafórico no conceito de viagem
metafóricas e alegóricas e suas relações
em relação à etnografia, enquanto, como
com o pesquisador inserido em
apontado por Lévi-Strauss, os fenômenos
manifestações e expressões que as
culturais humanos devem ser tratados
incluem.
como signos que podem ser considerados
Assim, a partir dessas aberturas extensões da capacidade humana de
na utilização da etnografia como método pensar em termos de metáforas

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(relacionadas ao que Saussure define Sally, (1996) quando propõe uma “escrita
como paradigmas), onde existe uma performativa”, enfatiza que se baseia em
substituição do significante, e que por isso um presente escrevente, um presente
realizam uma reconhecida semelhança. A fortalecido pelo “agora performativo”
metáfora, neste sentido, se contrapõe a relacionando-o à deslocação, ao tempo, ao
metonímia, que Lévi-Strauss relaciona ao desaparecimento, a um “embodiement”
“sintagma”. visto como reelaboração corporal da
A estrutura com a qual se dispõem experiência, que a mesma autora
os significados dentro de um enunciado é reconduz ao conceito da viagem.
chamada de corrente sintática. O
Esses aspectos levam a considerar
sintagma, nesse caso, é a unidade mínima
sobre a experiência da viagem e sua
dessa corrente e constitui um leque de
transposição para o âmbito da etnografia
sons que exercitam a mesma função
nas artes cênicas.
lógica dentro do enunciado.
Assim, percebe-se que nos A viagem é o processo por meio do
fenômenos culturais, analisados por meio qual o corpo se desloca fisicamente,
de uma viagem, existem dois referencias deixando o próprio “Habitus” para entrar
para o pesquisador. O contexto de seu em contato com outra cultura, tentando
ponto de partida e as manifestações aprender e aproveitar experiências, usos,
culturais analisadas externas a ele; esses costumes,etc. Geralmente com um
dois pontos não permitem uma pressuposto, no seu imaginário, retorno
substituição de significado em termos de na própria “casa de origem”. Viajando, o
contingência, relacionando uma parte ao sujeito considera a própria inclusão, o
todo dependendo da continuidade. próprio estar e o próprio fazer com
Banes (1990), propondo a parâmetros diferentes do cotidiano; o
etnografia como método de crítica em viajante se percebe geralmente numa
dança, aponta que para muitos situação de trânsito contínuo.
etnógrafos, entre os quais Malinowsky,
A experiência da viagem é
Radcliffe, Brown, viajar para escrever foi a
considerada como enriquecedora e
chave para profissionalizar-se, sendo a
contribui para o desenvolvimento
experiência da viagem parte fundamental
humano no sentido de ser lugar propício
da própria autoridade na escrita, nesse
para construção de conhecimento e
método de pesquisa que era ainda
reflexões pessoais. Descartes (2006), no
limitado as disciplinas antropológicas.

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discurso sobre o método, afirma que podem surgir novos modelos e formas de
viajar é importante para conhecer criatividade cultural.
costumes diferentes e, assim julgar os
No âmbito das Artes Cênicas, o
próprios de maneira crítica. Portanto, seja
artista e o espectador se inserem num
no processo educacional do indivíduo, na
contexto que se caracteriza por ser uma
construção do senso crítico, na
experiência extra-cotidiana, um espaço
possibilidade de se confrontar com novos
que, permeado pela experiência estética, é
desafios, diferenças e olhares, ou na
um espaço liminar entre a rotina do dia a
condição de conhecer e se conhecer, a
dia e um lugar constituído a partir do
viagem torna-se sem dúvida um processo
imaginário e da criatividade. Nesse lugar
reflexivo.
de ressignificação existem,
A viagem implica uma reflexão
permanentemente, múltiplas
que bem se insere em todos os processos
interpretações.
artísticos, e subentende, também, um
deslocamento no qual existe o privilégio Pode-se dizer que a etnografia,
de ser ao mesmo tempo na posição do envolvendo em sua significação a
atuante e do observador; de estar no experiência da viagem como
espaço do “entre”, no trânsito onde todas deslocamento, trânsito e espaço liminar,
as coisas escorregam junto com o próprio bem se relaciona ao campo artístico
significante. A própria experiência da enquanto esses elementos a aproximam à
viagem, a partir desse trânsito, se experiência estética.
aproxima ao conceito de “espaço liminar”
Essa viagem não pode ser
assim como definido por Gennep (2002)
entendida como deslocamento, no sentido
quando, ao analisar os ritos de passagem,
de ausência? Uma morte? Um ritual? E
identifica a presença de uma transição
essa ausência não pode ser relacionada
chamada pelo autor de “margem” ou
com a representação da morte no teatro e
“límen”, considerada como uma zona de
na dança e a relação entre morte, cena e
ambiguidade sociocultural na qual
ser humano?
existem uma subversão e uma
ressignificação de uma série de símbolos Gilpin, no texto Lifeness in
ligados à situação social de quem movement 2, ressalta que não é possível
participa. Segundo o autor, liminar é um
contexto de hibridação social e cultural, 2Vide: GILPIN, Heidi. Lifeness in movement or
how do the dead move? Tracing displacement
uma zona de divisa onde potencialmente and disappearance for movement
performance. New York: Routledge, 1996. p.
106-128.

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recriar um evento ou um espetáculo. O performance está à procura de um lugar


autor apresenta uma discussão sobre o onde a presença é condicionada pelo
que se define como uma performance de contexto e não pelo atuante; onde existe
movimento, mostrando que esta é um estado de consciência que se possa
caracterizada exatamente pelo fato de definir como menos contaminado ou
desaparecer. No seu texto, Gilpin tenta se representativo, mais autêntico e grupal;
aproximar da morte do movimento, onde pode existir uma troca entre os
relacionando-a ao deslocamento entre participantes que vai além do
presente e ausente. De Acordo com relacionamento consciente e racional.
Phelan (2004), muitas performances nos Consolida-se, assim, essa relação,
últimos anos revisam em particular modo associando o “poder” do ritual ao “poder”
o espaço da morte humana e do ritual em da performance e a transposição deste
relação à cena. Esse ser ausente (estar em “poder” para a cena.
trânsito, na viagem, no espaço do meio) e
De acordo com Schechner (2003,
o deslocamento, bem se adaptam ao
p.31), separar a arte do ritual é complexo
discurso artístico, e, portanto, na
pelo fato de que “[...] os objetos
contemporaneidade, são amplamente
ritualísticos de uma cultura numa
exploradas como pontos de partidas para
determinada época são obras de arte para
a realização de processos criativos.
outra cultura, em outro tempo”. Decidir o
Neste ponto, vale destacar que, de que é arte depende de circunstâncias
acordo com Schechner (2003, p.30), “[a]s históricas, usos e convenções locais; a
artes retiram seus conteúdos de todas as diferença baseia-se na função, no espaço e
coisas e todos os lugares. Ritual e no comportamento esperado de atuantes
brincadeira estão presentes não só como e espectadores. Como ainda indicado por
gêneros de performance, mas em todas as Schechner (2002, p.45): “[n]a religião, os
outras situações como qualidades, rituais dão forma ao sagrado,
inflexões ou ambiências”. comunicando uma doutrina e moldando
pessoas numa comunidade. Os rituais
É notável o número de
religiosos são claramente marcados, nós
performances e espetáculos que encenam
sabemos quando estamos realizando uma
rituais, e são explicativos nesse sentido,
performance deles”.
os trabalhos de Geertz (1978), Turner
(1982a, b) e Schechner (1985) nos quais O próprio teatro e a dança
os autores observam que o ritual na surgiram em contextos ritualístico-

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religiosos e Foucault (2003), também na produção dos acontecimentos. Aí


integrante da corrente estruturalista que também se faz sentir uma ausência de
mudou de visão e aderiu a uma postura uma teoria que permita pesar as relações
pós-estruturalista, sublinha como o ritual do acaso e do pensamento”.
é um sistema de restrição do discurso que
No conjunto dos pontos tratados,
detém seu particular lugar de poder. Ele
ressalta a fundamentação clara da
define o ritual como um lugar onde a
subjetividade da escrita etnográfica como
palavra é consequência da mensagem
processo de desenvolvimento da
produzida para certa ação e um sistema
pesquisa. Como reportado por Alford
de restrição do discurso, determinando
(1998), Weber, ainda em 1904,
para os sujeitos propriedades singulares e
questionou a existência de uma “verdade
papéis preestabelecidos, fazendo de modo
objetivamente válida”. Na
que sua mensagem seja inserida, no ritual,
contemporaneidade a corrente pós-
num lugar onde a palavra tem seu próprio
modernista e a corrente pós-
peso e possibilidade de atuação.
estruturalista propõem um pensamento
Assim, percebe-se que a relação filosófico sobre certa instabilidade: onde
entre a etnografia e a viagem, num nível não existe uma verdade que possa se
metafórico, além de interligada com o definir objetiva, com uma única
deslocamento e a ausência, encontra, na interpretação do significado de um
cena, ligações com o conceito de ritual determinado fenômeno e uma
que carregam a própria etnografia de estaticidade histórica. Tudo é em
performatividade ao ressaltar também desenvolvimento e relacionado aos
possibilidades discursivas. paradigmas histórico, multidimensional e
interpretativo.
As linguagens artísticas não
Enfim, com a metáfora da viagem,
excluem a intervenção dos significantes
surgida a partir de reflexões interligadas
individuais os quais continuam sendo as
com elementos de significação que
imagens imitativas interiores. Com a
carregam de performatividade a palavra
característica, portanto, de ser produzida
etnografia, pretende-se propor um
por um corpo vivo, único, mutável,
método de pesquisa que se caracterize
dinâmico, viajante e predisposto (pela
pela subjetividade do pesquisador seja na
deslocação) a dar importância ao que
percepção, que na ação; um método que
pode acontecer por acaso. Foucault (2003,
considere a possibilidade de
p.59) afirma que: “É preciso aceitar
acontecimentos “por acaso”, um método,
introduzir a causalidade como categoria

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que bem se adapta ao âmbito das Artes artista, ou a experiência da apreciação


Cênicas e que pode ser definido de estética para o pesquisador-público
“performativo” no sentido de relacionar o torna-se uma vivência-incorporação
“pensar com o corpo em movimento” (embodiment), que pode ser relacionada
como possibilidade crítico-teórica. com um trânsito entre o corpo e a mente
o qual, de acordo com Phelan (2004), vem
carregado de forte carga sensitiva, política
Performatividade da e psíquica inconsciente.
aprendizagem e da pesquisa de campo
A pesquisa de campo é, portanto,
uma ação que permite ao pesquisador
relatar a experiência escrevendo com o
A palavra etnografia remete
corpo, o qual é entendido como um todo
também ao conceito de pesquisa de
orgânico que não apresenta uma
campo, que encontra nesse âmbito um
dicotomia entre reflexão e ação. Segundo
lugar carregado de performatividade pelo
essa concepção, a pesquisa de campo
fato de que, quando um pesquisador se
colabora para a criação de uma linguagem
propõe a desenvolver uma pesquisa de
que pode ser elaborada a partir de
campo, busca a vivência que a experiência
vivências e permite, de acordo com Banes,
envolve. Trata-se de um fazer prático por
(1990) que a etnografia resulte não como
meio do qual o pesquisador interage
um tradutor entre duas linguagens
totalmente com o próprio objeto de
diferentes e destacadas, que no caso da
estudo.
antropologia seriam a do pesquisador e a
No âmbito das Artes Cênicas se da cultura estudada, e que no caso das
considera de fundamental importância Artes Cênicas seria o pesquisador e a obra
uma aproximação à pesquisa de maneira artística em questão, mas um tradutor
empírica e participativa, a qual faz de entre uma experiência e uma linguagem.
modo que a técnica da observação Banes (1990) argumenta que para o
participante, advinda através do contato etnógrafo a experiência ou o evento
direto do pesquisador com o fenômeno cotidiano, espetáculo, etc. é o próprio
observado, permita obter informações trabalho de campo.
sobre a realidade dos atores sociais em
A pesquisa de campo, nesse caso,
seu próprio contexto. Assim, a experiência
torna-se um lugar de aprendizagem. A
do fazer artístico para o pesquisador-
aprendizagem é definida como o conjunto

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Fabio Dal Gallo

de mecanismos que o organismo de campo de um etnógrafo, assim como


movimenta para se adaptar ao meio com a relação artista-público e público-
ambiente. Piaget (1969) afirma que a artista.
aprendizagem se processa através de dois
O segundo postulado indica que a
movimentos integrados, mas de sentido
solução de problemas implica a
contrário: a assimilação e a acomodação.
participação ativa e o diálogo entre alunos
Para assimilação o organismo explora o
e professores; assim, a aprendizagem é
ambiente, toma parte dele,
concebida como a resposta natural do
transformando-o e incorporando-o a si.
aluno em frente a uma situação-problema.
Pela acomodação, o organismo
Destaca-se aqui a relação com o contexto
transforma sua própria estrutura a
da experiência-incorporação
adequar-se à natureza dos objetos que
“embodiement”.
serão apreendidos.
O terceiro e último postulado
Em função dessa argumentação,
afirma que a aprendizagem torna-se um
observa-se que o pesquisador pode se
processo através o qual o educando passa
tornar parte da justificativa ou do objeto
de uma visão “sincrética” ou geral do
da sua mesma pesquisa. A pesquisa de
problema a uma visão “analítica”, para
campo pode ser entendida com um lugar
chegar ao que pode se chamar de
onde se produz conhecimento e, ao
“síntese” provisória, e que se constitui
mesmo tempo, é uma experiência
como compreensão. Daqui nascem
educacional para o próprio pesquisador.
“hipóteses de solução” que requerem a
Interessante nesse sentido é observar as
opção das soluções. A síntese tem
colocações de Freire (1979) ao marcar a
continuidade na prática, isto é, na ação
existência de dois tipos de educação: uma
transformadora da realidade. O etnógrafo,
chamada educação “bancária” e outra que,
ou no caso específico desse trabalho, o
baseada em postulados interligados entre
pesquisador em Artes Cênicas, encontra-
si, é denominada “educação
se na condição de pesquisador-agente.
problematizadora”.
Através da etnografia, que implica
O primeiro postulado define que
procedimentos ligados com a pesquisa de
uma pessoa só conhece bem algo quando
campo, se propõe um método carregado
o transforma, transformando-se a si
de performatividade no sentido de ser um
mesma no processo. Esse tipo de
meio que permite uma vivência e a
aprendizagem tem semelhança com a
incorporação por parte do pesquisador
aprendizagem da viagem, com a pesquisa

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A ETNOGRAFIA NA PESQUISA EM ARTES CÊNICAS

(embodiement), articulada com uma ação reverberação, reduzindo o outro a si


pedagógica e a produção de conhecimento mesmo.
na qual o pesquisador se mostra como
O olhar etnográfico, ao admitir o
agente e interage com o próprio objeto de
outro, permite, portanto, a existência das
estudo; um fazer que, junto com a própria
diferenças, e, considerando ao mesmo
pesquisa, destaca também as
tempo uma subjetividade própria, pode
possibilidades discursivas determinadas a
destacar uma abertura e uma valorização
partir de um olhar Foucaultiano e ligadas
da diversidade.
ao âmbito da educação e que envolve,
portanto, intervenções políticas. Quando se trata de outras culturas
envolve-se diretamente a existência de
outras linguagens; a existência da
Performativatividade pelo
interação de diferentes linguagens
discurso sobre outras culturas.
concomitantes mostra o caráter
sincrônico pelo qual se caracterizam tanto
os estudo etnográficos, quanto as
Outra relação imediata que se
pesquisas em artes.
encontra entre a etnografia e o campo
específico da antropologia é que, quando A pesquisa em Artes Cênicas, ao
se mostra interesse em conhecer outras enfatizar uma determinada variável em
culturas, se está, de certo modo, relação às outras, não pode deixar de
admitindo a existência do “outro”. reconhecer suas ligações com os demais
elementos que compõem a obra, nem os
Utiliza-se aqui o termo “outro”
diferentes fatores que podem influenciar
relacionado à visão de Barthes (1982)
a subjetividade do artista e do público.
quando, ao falar do pequeno burguês
Evidencia-se, assim, a complexidade de
segundo o ponto de vista de Marx, frisa
um espetáculo que, apesar de ser
que o pequeno burguês não é capaz de
encenado ou analisado em contextos
imaginar o “outro”. Se o outro se
específicos como teatros, praças ou outros
apresenta na sua frente, o pequeno
espaços estéticos, mantém sempre
burguês tapa os olhos, ignora-o e nega-o
relações com o contexto social
ou o transforma em si mesmo. Assim, no
contemporâneo à sua apresentação.
universo pequeno burguês, todos os
acontecimentos e confrontos se tornam Relacionando a palavra
“sincrônico” à idéia de

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Fabio Dal Gallo

transdisciplinaridade, observa-se que Em: “The Politics of Etnography”,


Foucault (2003, p.31) marca que uma Hammersley (1995) aponta que as
disciplina não é a soma do que pode ser pesquisas estão envolvidas entre os
dito sobre alguma coisa, e sim um problemas factuais dos fenômenos e o
princípio de controle da produção do ponto de vista político-ideológico dos
discurso, ao fixar limites. comitentes ou dos pesquisadores. Butler
Destarte, pode-se considerar que (1995), quando trata da peformance de
o caráter sincrônico de elementos gênero e de como as injúrias
presentes e o caráter complexo de interpelativas podem ter um caráter
subjetividades envolvidas tanto na constitutivo da própria fala, faz referência
abordagem etnográfica, quanto na a Focault (2003) quando destaca que a
pesquisa em Artes Cênicas, destaca a política e a sexualidade são lugares
necessidade de um “olhar poliocular”. fundamentais de controle do discurso.
Esse aspecto mostra outro ponto A partir dessas considerações, é
que se carrega de performatividade a primeiramente importante assinalar que
partir de possibilidades discursivas no âmbito das Artes Cênicas, os temas
presentes na abordagem etnográfica em mais recorrentes se situam nesses pontos
Artes Cênicas, pelo fato de que se nevrálgicos da ordem do discurso,
demonstra evidente a presença de proporcionando obras que trazem
posturas políticas, as quais se estruturam questionamentos para o público de ordem
num olhar transdisciplinar e que criam política, educacional, social, ritualística, e,
um contexto de cooperação entre áreas de frequentemente, ligadas com expressões
conhecimento. Cooperação em claro de grupos minoritários. Observa-se
contraste com o sistema competitivo que também que, intencionalmente ou não,
caracteriza a contemporaneidade. É uma existe sempre uma postura política do
transdisciplinaridade que por sua própria pesquisador em artes e essa postura
característica pode ser entendida como ressalta, entre outros aspectos, na
uma proposta de pesquisa contra o maneira com a qual ele estrutura a
conflito entre posições filosóficas em própria metodologia de pesquisa.
competição. A etnografia, ao admitir a
Admitir a existência do “outro” faz existência do “outro” e, portanto, o
refletir também sobre o aspecto político- reconhecimento de diferentes grupos
discursivo que carrega a etnografia de sociais e culturais, pode dar espaço a uma
performatividade e isso se relaciona com visão crítica sobre a sociedade. Ao
a postura política do próprio pesquisador. analisar a etnografia e suas

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A ETNOGRAFIA NA PESQUISA EM ARTES CÊNICAS

peculiaridades performativas, detecta-se seu caráter de performatividade, foram


que existe uma correlação entre a ordem destacadas diretivas gerais que
do discurso apresentada por Foucault e a consideram a etnografia num âmbito mais
justificativa de uma proposta política amplo do que um instrumento de coleta
como suporte a um método de pesquisa; ou de análise de dados, podendo ser ela
entende-se que estas propostas, a partir considerada um grande método de
de temas recorrentemente pesquisa, que se constitui como um
problematizados através atos criativos, recurso teórico, útil no âmbito das Artes
bem se inserem no contexto das artes Cênicas.
cênicas.
A etnografia pode ser considerada
Pode-se finalizar afirmando que a
um grande método, se mostrado
etnografia, ao ser um método de pesquisa
performativa no sentido de se
que envolve uma pesquisa de campo que
fundamentar numa reflexão, numa
implica uma experiência e uma vivência
deslocação, num trânsito que permite
(embodiement) e pelo fato de pressupor a
considerar o “corpo em movimento” como
existência do “outro”, se torna fortemente
instrumento teórico metodológico.
carregada de performatividade por
questões políticas e discursivas; sua É performativa no sentido de ser
utilização permite denotar uma pesquisa ininterruptamente transformada e
como um estudo sincrônico, caracterizado transformadora, num processo implícito
pela transdisciplinaridade, que reconhece que envolve a subjetividade do próprio
a diversidade e permite que exista uma pesquisador também no ato da pesquisa
ação política do mesmo pesquisador. de campo. Assim, o pesquisador pode
Todos esses elementos são fundamentos estar na posição de ser agente no sentido
que constituem qualquer obra de arte e, de interagir, envolver e ser envolvido
portanto, são recursos valiosos para nessa experiência, sendo que esta
proporcionar pesquisas em Artes Cênicas. peculiaridade bem dialoga com o contexto
das Artes Cênicas onde o pesquisador,
como artista ou como público, é,
Conclusão necessariamente, inserido na experiência
estética.

Ao interpretar elementos de Etnografia é performativa e se


significação da etnografia e ao analisar torna um grande método de pesquisa na

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construção de seu próprio discurso, ser criador que, ao analisar processos


fortalecido pelo sentido ético, político, criativos e de encenação, interpreta o
educacional e crítico do termo. A palavra espetáculo num diálogo entre ordem e
etnografia pode implicar uma série de desordem que se cria a partir dos
valores: a existência e presença do outro, múltiplos olhares do artista e do
admissão de uma subjetividade, a espectador, e através dos quais a
valorização da diversidade, o caráter realidade se torna ficção e a ficção se
cooperativo (não competitivo) e, ao torna parte da realidade.
demonstrar um caráter sincrônico, Assim, o pesquisador em Arte
destaca sua transdisciplinaridade pela Cênicas ao mesmo tempo em que, por
necessidade de dialogar com linguagens e meio de seu trabalho, está produzindo
diferentes áreas de conhecimento. conhecimento, está vivendo e
pesquisando junto “com” a pesquisa e não
Etnografia significa, portanto,
“sobre” a pesquisa. Por fim, no âmbito das
propor uma visão inovadora de
Artes Cênicas, a etnografia, como grande
cooperação, que, no âmbito das Artes
método de pesquisa, pode ser
Cênicas inclui a experiência estética, como
considerada uma ferramenta teórica que
experiência pessoal, enriquecedora, e que,
propõe a construção de “saberes”, em
na sua efemeridade, se constitui parte
contraposição ao conhecimento
importante da realidade.
entendido com linear e acumulável.
Foucault (2003) discutindo sobre
a importância do autor, ao frisar a Artigo recebido em 27/04/2012
importância do princípio de agrupamento Aprovado em 20/10/2012
do discurso como unidade e origem das
suas significações e como base da sua Referências Bibliográficas
coerência, chama a atenção para fato de
que, na ordem do discurso literário, a ALFORD, Robert. The craft of Inquiry.
função do autor se reforçou no tempo Theories, Methods, Evidence. New York:
implicando-o com a sua própria história Oxford University Press, 1998.

na escrita. Assim o autor é aquele que dá à AUSTIN, John. L. How to do things with
linguagem suas unidades, seus nós de word. Cambridge Mass: Harvard
University Press, 1989.
coerência e sua inserção no que é
considerado real. BANES Sally. On your fingertips: Writing
Dance Criticism. In: BANES, Sally (Org.).
É nesse olhar que o pesquisador-
Writing dancing in the age of
autor em Artes Cênicas se legitima como Postmodernism Art. [S.l.]: Wesleyan

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