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Resumo
As relações entre a saúde e o desenvolvimento socioeconômico são múl- 1Universidade Federal da Correspondência
Bahia, Salvador, Brasil. L. E. P. F. Souza
tiplas. Essas relações têm o complexo econômico da saúde como o espaço Universidade Federal da
privilegiado de sua expressão. A importância das tecnologias de saúde au- Bahia.
Rua Basílio da Gama s/n,
mentou exponencialmente desde meados do século XX, com efeitos sobre Campus Universitário
os sistemas de saúde, tanto em qualidade da atenção, quanto em aspectos Canela, Salvador, BA
40140-060, Brasil.
econômicos. Na realidade, predomina um modelo de atenção caracteriza-
luiseugenio@ufba.br
do por práticas fragmentadas, que enfatizam tratamentos sintomáticos,
estimulam o consumismo de produtos e serviços e promovem, ao invés da
humanização, uma participação passiva dos usuários. A superação desse
modelo passa pela mudança do padrão tecnológico da saúde, que, por sua
vez, exige a transformação do padrão tecnológico da sociedade. A teoria
crítica da tecnologia ajuda a compreender a evolução da civilização in-
dustrial. Enriquece o debate, sugerindo uma conformação do complexo
econômico da saúde mais sensível às exigências da atenção integral à saú-
de e do desenvolvimento inclusivo e sustentável.
Para compreender como se chegou a essa A teoria substantiva evidencia que, ao optar
situação e como superá-la, vale a pena recorrer pelo uso da tecnologia, as sociedades estão assu-
às reflexões do filósofo americano Andrew Feen- mindo compromissos, sem a devida reflexão, so-
berg 12, que revisita duas grandes abordagens bre o tipo de vida que desejam levar. Um exemplo
teóricas sobre as tecnologias – a instrumental e a 12 disso seria o impacto da proliferação dos res-
substantiva – e propõe uma terceira. taurantes de fast food sobre as relações familiares
A teoria instrumental concebe as tecnologias que tinham no almoço ou no jantar que reunia
como neutras, do ponto de vista de valores éti- todos os membros da família um momento im-
cos e interesses sociais, e como controladas pelos portante da criação e da manutenção dos laços.
seres humanos, quanto ao seu desenvolvimen- Apesar de tão distintas, as teorias instrumen-
to e ao seu uso. Esta concepção é hegemônica tal e substantiva têm em comum uma atitude
no senso comum. É expressa quando se diz, por que Feenberg 13 chama de take it or leave it em
exemplo, que armas não matam pessoas, pessoas relação à tecnologia. De um lado, como mera ins-
é que matam pessoas (o que é uma meia-verda- trumentalidade, indiferente a valores, a tecnolo-
de, pois a fabricação de armas não teria ocorrido gia não é uma questão de debate político, apenas
se não houvesse o propósito de matar). Assim, a eficiência de sua aplicação pode ser discutida.
a criação e a evolução das tecnologias decorre- Nesse caso, deve ser abraçada e melhorada. De
riam apenas de opções técnicas, feitas pelos in- outro, como veículo de uma cultura de domina-
ventores, relativas aos seus mecanismos próprios ção, a tecnologia avança para consolidar disto-
de funcionamento. pias sociais. Nesse segundo caso, deve ser rejeita-
A neutralidade da tecnologia tem, ao menos, da em nome da preservação do humanismo. Em
quatro aspectos 13: (a) a tecnologia, como pura nenhum dos casos, contudo, a tecnologia pode
instrumentalidade, é indiferente aos fins a que ser transformada.
seu uso se destina; (b) é indiferente também à Feenberg 12 identifica-se, por um lado, com
política, podendo ser utilizada em qualquer con- a teoria substantiva ao considerar que, de fato,
texto social; (c) a neutralidade decorre do caráter as tecnologias não são neutras quanto a valores
“racional” da tecnologia, ou seja, as proposições e interesses, mas são permeadas pelas relações
causais – científicas – em que se baseia mantêm sociais e expressam opções éticas e propósitos
seu status cognitivo em qualquer situação; e (d) a sociais. Por outro lado, compartilha com a teoria
tecnologia é neutra, pois obedece sempre à mes- instrumental a ideia de que o desenvolvimento
ma norma de eficiência, independentemente do tecnológico é guiado pela ação humana cons-
contexto em que situa. ciente, não tendo nem a busca da eficiência nem
Interpretando a posição de Feenberg, Neder 14 qualquer outra lógica inerente ao seu funciona-
caracteriza a teoria instrumental como a visão mento que escape ao controle dos seres humanos.
moderna otimista da tecnologia baseada no pa- O filósofo americano adota, então, uma ter-
drão da fé liberal: trajetória única de progresso e ceira posição que se propõe a explicar como a
de conhecimento ascendente. tecnologia atualmente dominante é projetada
A teoria substantiva, ao contrário, afirma que para atender aos interesses capitalistas, ainda
as tecnologias encarnam valores éticos e são mol- que tenha valor de uso, e como pode ser projeta-
dadas por interesses sociais, mas não são contro- da diferentemente para se adaptar às necessida-
ladas pelos seres humanos, no sentido de que seu des de uma sociedade livre.
uso e seu desenvolvimento decorrem exclusiva- Rejeitando a neutralidade – defendida pe-
mente da busca da melhoria da eficiência, como la teoria instrumental – e o fatalismo – da teo-
lógica intrínseca à técnica. Embora estranha ao ria substantiva –, o autor considera que a forma
senso comum, essa concepção tem defensores dominante da racionalidade tecnológica não é
do porte de Martin Heidegger, que destaca o fato nem uma ideologia, como expressão discursiva
de as relações sociais estarem estruturadas pela do interesse de classe, nem o reflexo neutro de
tecnologia, notadamente na sociedade moderna, leis naturais. Em vez disso, é uma racionalidade
a ponto de produzir uma desumanização irrever- que toma forma na interseção entre a ideologia
sível da sociedade. e a técnica, articuladas para controlar pessoas
Assim como Heidegger, Jacques Ellul consi- e recursos.
dera que a tecnologia constitui um novo sistema Como salientam Dias & Dagnino 16, a teoria
cultural que estrutura todo o mundo social como crítica de Feenberg reconhece as consequências
um objeto de controle 15. A tecnologia teria se desumanizadoras do desenvolvimento tecnoló-
tornado a característica definidora de todas as gico evidenciadas pela teoria substantiva, mas
sociedades modernas, independentemente das acredita na possibilidade de outro tipo de de-
ideologias políticas. A técnica, diz Ellul, tornou- senvolvimento tecnológico. Para ela, o problema
se autônoma 13. central não está ligado ao avanço tecnológico em
si, mas ao seu controle pelos valores e interesses Um exemplo de aproveitamento das ambi-
dos grupos sociais dominantes. Dessa maneira, guidades e potencialidades apresentado por
a democratização do processo de decisão sobre Feenberg 12,13 refere-se ao computador e à In-
a criação, o desenvolvimento e a produção da ternet. Ele lembra que o computador – tanto o
tecnologia está na base da constituição de um hardware quanto o software – foi criado como
modelo alternativo de sociedade. um dispositivo de cálculo e armazenamento de
Feenberg se baseia em Marcuse 17, que de- informações, e não de comunicação. A função
nuncia o caráter totalitário, tanto do capitalismo de comunicar, não prevista por seus inventores
ocidental, quanto do comunismo soviético, de- primeiros, estava, no entanto, potencialmente
corrente, fundamentalmente, do avanço cientí- contida nos seus códigos técnicos que, uma vez
fico e tecnológico e em Foucault 18, que analisa rearranjados, tornaram o computador, com a In-
as relações entre saber e poder, mostrando que, ternet, um meio de comunicação. É importante
nas sociedades modernas, novos saberes e no- acrescentar que a recodificação técnica teve iní-
vas tecnologias ampliam o poder disciplinar a cio pela ação de usuários “leigos” e não de espe-
que todos estão submetidos, para afirmar que a cialistas em informática.
racionalidade é parte integrante de um sistema Outro exemplo, relacionado a computadores
de dominação, ainda que tenha sucesso cogni- e Internet, é a educação online. Feenberg avalia
tivo. Argumenta que a forma de racionalidade que, nesse caso, o design tecnológico está ainda
prevalente no capitalismo cumpre uma dupla em disputa entre duas concepções: (a) a auto-
função: favorece a hegemonia das crenças e prá- mação da educação, que significa uma tentativa
ticas das classes dominantes ao mesmo tempo de tornar mais baratas as práticas educacionais
em que mantém certa capacidade de produção para os líderes empresariais, com os conteúdos
de conhecimento sobre a realidade. Os requisitos elaborados por um professor de notório saber
sociais e técnicos do capitalismo – o desenvol- sendo replicados por vários tutores, menos pre-
vimento das forças produtivas e a manutenção parados e mal pagos, para um conjunto maior
das atuais relações sociais de produção – estão de estudantes, meros receptores dos conteúdos;
condensados em uma racionalidade que leva à e (b) a informatização da educação, que significa
construção de sistemas técnicos conformes às a tentativa de preservar a interação pessoal entre
exigências do sistema de dominação. A esse fe- professor e estudante como a base fundamen-
nômeno, Feenberg dá o nome de código social da tal do processo ensino-aprendizagem, ainda que
tecnologia ou código técnico. O código técnico mediada por equipamentos. Essas duas concep-
sedimenta valores e interesses em regras e pro- ções estão influenciando o desenvolvimento dos
cedimentos, dispositivos e artefatos. códigos técnicos constitutivos da rede de com-
As tecnologias individuais são construídas putadores e, ainda que uma delas torne-se hege-
com elementos técnicos combinados de uma mônica, as ambiguidades continuarão presentes.
maneira determinada para atender a certos pro- Enfim, como destaca Dagnino 20, a teoria crí-
pósitos sociais, os quais, portanto, encontram- tica da tecnologia sugere que não se trata de ser
se incorporados em dispositivos e artefatos. Ou, a favor ou contra a tecnologia – nos termos das
como diria Latour 19, cada tecnologia reúne um teorias instrumental e substantiva –, mas sim de
“sociograma” de alianças de interesses sociais debater e decidir democraticamente que valores
em torno de um “tecnograma” específico, ou se- e propósitos devem guiar o desenvolvimento da
ja, de uma configuração específica de elemen- tecnologia e como os elementos técnicos podem
tos técnicos. Nesse sentido, o código técnico do ser combinados de modo a promover esses valo-
capitalismo pode ser definido como a regra ge- res e a alcançar esses propósitos.
ral de correlação entre o “sociograma” e o “tec- Ao se refletir sobre as relações entre saúde,
nograma”. De acordo com Feenberg 13, novos desenvolvimento e inovação, a teoria crítica faz
códigos técnicos podem ser desenvolvidos, os vir à mente as seguintes questões: que valores e
quais, uma vez disseminados, podem vir a cons- interesses têm orientado o desenvolvimento das
tituir a base de uma nova civilização industrial, tecnologias de saúde? E que valores e interesses
superando os valores e interesses econômicos estão incorporados às atuais tecnologias?
capitalistas e promovendo os da preservação Os resultados dos estudos liderados por Pas-
ambiental, da igualdade social e do desenvolvi- cale Lehoux, pesquisadora canadense da saú-
mento humano. Vale acrescentar que os novos de pública, ajudam a responder a essas ques-
códigos técnicos podem se desenvolver a par- tões 21,22,23,24.
tir da tecnologia existente, aproveitando as suas Inicialmente, Lehoux 21 ressalta que a ques-
ambiguidades e realizando as suas potencialida- tão da tecnologia na área da saúde é formula-
des reprimidas pelos interesses da exploração e da na confluência de duas dinâmicas opostas:
alienação do trabalho. o fluxo constante de inovações e as limitações
das pela indústria da saúde. É preciso lembrar, sistema de saúde ou, dito de outra forma, trata
contudo, que é comum ao marketing a extensão do desenvolvimento de tecnologias cujos custos
(ilegítima) das qualidades de alguns casos à tota- não inviabilizem o financiamento a longo prazo
lidade dos casos - de algumas tecnologias a todas do sistema de serviços de saúde.
as tecnologias. Para favorecer a busca desses atributos, os au-
O que a teoria crítica da tecnologia permi- tores canadenses entendem que é fundamental
te entender é que essa efetividade, concreta ou ampliar a participação social nos processos de
simbólica, pode estar limitada e tolhida pelos inovação 22. Ressalvam, contudo, que o envolvi-
interesses econômicos. Há potencialidades nas mento público exige a superação da dicotomia
tecnologias existentes que não se transformam entre o conhecimento científico “objetivo” e o
em realidade, pois são reprimidas para que pre- senso comum “normativo”. Na realidade, ambos
valeçam os interesses mercantis, legitimados pe- os tipos de conhecimento estão intrinsecamente
la busca de eficiência definida de forma muito relacionados e, por isso, as iniciativas de partici-
restrita. Assim como os computadores tinham pação social precisam enfatizar processos delibe-
um viés técnico contrário a seu uso como fer- rativos que maximizem o aprendizado mútuo en-
ramenta de comunicação entre pessoas, mas tre os vários grupos de cientistas e não-cientistas.
tinham potencialmente condições de ser rede- Enfim, a primeira e mais relevante estratégia
senhados para tanto 13, as tecnologias de saúde é ampliar a comunidade de designers 21, ou seja, o
possuem um viés, materializado em seus códigos rol de pessoas e grupos implicados nas decisões
técnicos, favorável aos interesses mercantis, mas sobre as linhas de pesquisa e de desenvolvimen-
que pode ser redefinido para atender aos propó- to tecnológico merecedoras de investimentos.
sitos da saúde pública. No caso das tecnologias de saúde, além de
A teoria crítica da tecnologia e os achados bem conceituados médicos, farmacêuticos, en-
empíricos das pesquisas do grupo canadense fermeiros, engenheiros, economistas, analistas
levam a questionar em que medida a ênfase na de mercados e dirigentes e técnicos de órgãos
produção de tecnologias de saúde que privile- de fomento à pesquisa e à inovação, é necessário
giam os tratamentos sintomáticos, ao invés dos envolver entre os participantes das decisões os
etiológicos, decorre apenas do atual estado da usuários, os consumidores e os cidadãos, através
arte do conhecimento científico ou é principal- de representações da sociedade, inclusive aque-
mente determinada pela lógica do lucro. Ou em las mais distantes dos temas da saúde nas suas
que medida a falta de investimento em tecnolo- preocupações quotidianas.
gias de promoção da saúde é consequência, não Vale ressaltar que um processo de tomada de
de obstáculos epistemológicos, mas sim de difi- decisão participativo é coerente com o fato de
culdades de se apropriar privadamente do resul- que as tecnologias, em regra, são frutos de pes-
tado de investimentos feitos em bens de natureza quisas financiadas publicamente: a destinação
pública, como muitos daqueles relacionados aos de recursos que vêm de toda a sociedade deve
determinantes sociais da saúde. e pode ser definida em instâncias que contem-
Assumindo que as atuais tecnologias de saú- plem a participação não apenas de especialistas,
de e os atuais processos de inovação são limita- mas também dos contribuintes e dos cidadãos.
dos pelos interesses capitalistas, os desafios que Uma comunidade de tomadores de decisões,
se colocam são como livrar o desenvolvimento assim ampliada, pode valorizar como ponto de
tecnológico das amarras dos propósitos comer- partida o perfil epidemiológico da população co-
ciais e como aproveitar as potencialidades das mo um todo (e não apenas dos que podem pagar
tecnologias para torná-las mais seguras, mais caro) e orientar os investimentos para a produ-
humanas e de melhor relação custo-efetividade. ção de conhecimentos e o desenvolvimento de
Adotando a perspectiva da saúde pública, tecnologias voltados para os problemas de saú-
Lehoux et al. 25 sugerem que três atributos de- de mais prevalentes ou mais incapacitantes ou
veriam ser buscados pelas novas tecnologias da mais letais.
saúde: relevância, usability e sustentabilidade. A Pode também considerar a saúde na sua di-
relevância se refere aos problemas de saúde que mensão positiva, e não apenas a doença como
a tecnologia se propõe resolver: se são, de fato, objeto das tecnologias, ou seja, pode pensar em
aqueles definidos como prioritários pelas políti- desenvolver tecnologias de promoção e de pro-
cas de saúde. A usability se atém à facilidade de teção da saúde, além daquelas voltadas para a
uso, ou seja, à menor exigência de habilidades recuperação e a reabilitação da saúde.
complexas ou de recursos a especialistas para A segunda estratégia para promover um de-
que a tecnologia possa ser usada. Finalmente, senvolvimento tecnológico mais adequado às
a sustentabilidade trata do impacto da incor- necessidades de saúde e menos limitado pelos
poração da tecnologia sobre a manutenção do interesses econômicos é formada por uma sé-
rie de medidas para restringir o poder da grande A transição para esse tipo mais elevado de so-
indústria da saúde. São sugestões da professo- ciedade industrial envolve uma mudança radical
ra Marcia Angell 26: (a) exigir que as inovações na cultura econômica: a riqueza na sociedade ca-
acrescentem de fato algo de útil, acabando com pitalista toma a forma de mercadorias, enquanto,
as imitações; (b) não permitir que os laborató- numa sociedade socialista, a verdadeira rique-
rios controlem os ensaios clínicos, exigindo que za é o pleno desenvolvimento das capacidades
sejam conduzidos por pesquisadores indepen- humanas, mediado por bens materiais, mas não
dentes; (c) reduzir o tempo de patentes, come- idêntico a eles. Uma sociedade socialista valoriza
çando a contar a partir da entrada no mercado; a ampliação da experiência humana e da indivi-
(d) impedir a participação da indústria da saú- dualidade com um fim em si mesmo 13. Vale no-
de na educação dos profissionais prescritores; tar que essa formulação de Feenberg aproxima-
(e) proibir a propaganda direta ao consumi- se, inequivocamente, do conceito ampliado de
dor; e (f ) controlar os preços das tecnologias, desenvolvimento como promoção do bem-estar,
abrindo a caixa-preta da contabilidade das em- incluídas as boas condições de saúde 1.
presas, o que é viável dado que o governo é o O aprofundamento da democracia, com a
maior comprador. redução significativa das desigualdades sociais,
Se essa segunda estratégia pode se viabilizar, passa, fundamentalmente, na visão de Feenberg,
aparentemente, sem mudanças estruturais na pela democratização das instituições tecnologi-
sociedade, a primeira requer uma significativa camente mediadas. O poder da gerência deve ser
transformação social. Ou, mais especificamente, compartilhado com os trabalhadores, que não
para que a ampliação da comunidade de desig- precisam ser peritos, mas devem ter desenvol-
ners ocorra e favoreça o desenvolvimento tec- vidas suas capacidades de compreensão de todo
nológico de caráter humanista, três mudanças o processo de trabalho em que estão envolvi-
nas fundações da ordem social são requeridas, dos. Dessa forma, a educação é essencial para
como assinala Feenberg 13: a socialização dos a democratização. A socialização dos meios de
meios de produção, através da extensão da ação produção deve incluir a socialização do capital
do poder público de modo a fortalecer o plane- cultural, estendendo-se para além das máquinas,
jamento frente ao mercado; o aprofundamento dos prédios e das terras e abrangendo as habi-
da democracia com a redução significativa das lidades e os conhecimentos requeridos para a
desigualdades sociais; e a adoção de um mo- gerência da indústria. As práticas de autogestão,
delo de inovação voltado para superar a sepa- em consequência, poderão se consolidar e di-
ração entre trabalho manual e intelectual, por fundir, inicialmente nos locais de trabalho, mas
meio da expansão e da intensificação da educa- depois em outras esferas de atividades como o
ção permanente. planejamento urbano e o cuidado à saúde 13. Na
Tradicionalmente, socialização significa na- sociedade socialista, a educação deixaria de ser
cionalização ou estatização dos recursos produ- um investimento necessário para preparar o tra-
tivos privados. Nesse caso, trata-se de uma mu- balhador a desempenhar certas atividades, mas
dança político-administrativa que, ainda que de se tornaria uma força motriz da mudança social
grande vulto, é incapaz por si só de transformar a e tecnológica.
sociedade. Como vista por Feenberg, a socializa- Eventualmente, o avanço educacional levaria
ção dos meios de produção requer a elaboração a um nível mais elevado de produtividade labo-
de novos códigos técnicos. Assim como a abo- ral, com a introdução de novas tecnologias e no-
lição do trabalho infantil permitiu a “invenção” vos métodos de trabalho adaptados a uma força
da infância moderna 12, novos códigos técnico- de trabalho altamente educada. Desse modo, a
-econômicos poderão propiciar a emergência educação é também a força motriz da inovação
da sociedade socialista. Mais do que o controle orientada pelos valores socialistas. Com efeito,
estatal da indústria, serão o conhecimento e a trabalhadores bem educados, atuando em ins-
habilidade dos trabalhadores e a participação tituições geridas democraticamente, estarão em
democrática que, propiciando a definição de no- melhores condições de contribuir para o desen-
vos códigos técnicos, permitirão a emergência volvimento de inovações, baseadas em códigos
do socialismo. Saliente-se que, nessa perspec- técnicos não mais voltados à maximização do lu-
tiva, o socialismo não surge de uma vez, com a cro e do controle da força de trabalho, mas des-
tomada do poder por um partido representativo tinados à promoção do bem-estar e à preserva-
do proletariado, mas emerge progressivamente ção do meio ambiente. Trabalhadores educados
da transformação do código social da tecnolo- e com poder de decisão sobre a organização do
gia, proporcionada pela extensão da democracia processo de trabalho são capazes de superar a
até o âmago do processo de desenvolvimento separação entre trabalho manual e intelectual.
das forças produtivas. Feenberg 12 adianta-se à objeção de que o Esta-
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(Série Cadernos – Primeira Versão, 21752478; 3).
Abstract Resumen
The relationships between health and socioeconomic Las relaciones entre la salud y el desarrollo socioe-
development are diverse. These relationships find in conómico son múltiples. Estas relaciones tienen el
the health economic complex a privileged ground for complejo económico de la salud como el espacio pri-
expression. The importance of health technologies in- vilegiado de su expresión. La importancia de las tec-
creased exponentially since the middle of the 20th cen- nologías de salud aumentó exponencialmente desde
tury, affecting health systems in terms of both, quality mediados del siglo XX, con efectos sobre los sistemas de
of care and economic aspects. In fact, the predominant salud, tanto en la calidad de la atención, como en as-
model of care is based on fragmented, symptomatic pectos económicos. En realidad, predomina un modelo
therapy practices that encourages the use of products de atención caracterizado por prácticas fragmentadas,
and services and promotes a passive participation of que enfatizan tratamientos sintomáticos, estimulan el
users rather than humanization of care. Overcoming consumismo de productos y servicios, y promueven, en
this model requires changes in the health technology vez de la humanización, una participación pasiva de
standards which, in turn, require changes in the tech- los usuarios. La superación de ese modelo pasa por el
nology standard of society. The critical theory of tech- cambio del padrón tecnológico de la salud, que, a su
nology helps to understand the evolution of the in- vez, exige la transformación del padrón tecnológico de
dustrial civilization. It enriches the discussion by sug- la sociedad. La teoría crítica de la tecnología ayuda a
gesting the health economic complex be more sensibly comprender la evolución de la civilización industrial.
adjusted to the requirements of comprehensive health Enriquece el debate, sugiriendo una conformación del
care, and to inclusive and sustainable development. complejo económico de la salud más sensible a las exi-
gencias de la atención integral a la salud y del desarro-
Biomedical Technology; Economic Development; llo inclusivo y sostenible.
Sustainable Development; Innovation
Tecnología Biomédica; Desarrollo Económico;
Desarrollo Sostenible Innovación
Recebido em 25/Fev/2015
Versão final reapresentada em 02/Jul/2015
Aprovado em 08/Set/2015