Sei sulla pagina 1di 13

Relações Disciplinares em um Centro de Ensino

e Pesquisa em Práticas de Promoção da Saúde e


Prevenção de Doenças
Disciplinary Relationships in a University Center for
Education and Research in Health Promotion and Disease
Prevention in Clinical Practice

Lígia Emerita Guedes Resumo


Psicóloga. Mestre em Ciências.
Endereço: Rua Ezequiel Freire, 662, ap. 10, Santana, CEP 02034-002, O trabalho em equipe interdisciplinar é considerado
São Paulo, SP, Brasil. um importante pressuposto para reorganização do
E-mail: ligia.guedes@bol.com.br processo de trabalho com práticas de promoção da
Mario Ferreira Junior saúde e prevenção de doenças, visando a uma abor-
Médico. Doutor em Medicina. Centro de Promoção da Saúde – Ser- dagem mais integral e resolutiva. Neste artigo ava-
viço de Clínica Geral – Hospital das Clínicas da FMUSP. liam-se as relações disciplinares entre profissionais
Endereço: Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 4º andar, bloco 6,
Cerqueira César, CEP 05403-900, São Paulo, SP, Brasil.
de saúde a partir do estudo de caso de um centro uni-
E-mail: mariofj@uol.com.br versitário voltado ao ensino e pesquisa em práticas
de promoção da saúde e prevenção de doenças. Com
base na visão humanista das relações disciplinares,
procurou-se identificar as principais premissas que
determinam o trabalho interdisciplinar. Utilizaram-
se os métodos da observação participante e entrevis-
tas semi-estruturadas com profissionais de saúde,
seguidas da análise de conteúdo na modalidade
temática, para a coleta e interpretação dos dados.
A análise revelou que o serviço de saúde avaliado
apresentava uma situação possivelmente transitória
da pluri para a interdisciplinaridade. Partindo-se
do estudo de caso, discutem-se os fatores sociais,
culturais, educacionais, institucionais e subjetivos
que podem agir tanto como facilitadores quanto
como obstáculos à interdisciplinaridade.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade; Promoção da
Saúde; Profissionais de Saúde.

260 Saúde Soc. São Paulo, v.19, n.2, p.260-272, 2010


Abstract Introdução
The work with interdisciplinary teams is considered A área de saúde sofre as consequências da grande
an important request for the reorganization of the especialização do conhecimento que, mais do que
work process in the clinical practice of health pro- esfacelar o saber, fragmenta o homem. A saúde é um
motion and disease prevention, towards an integral campo cada vez mais complexo e o aprofundamento
and more effective approach. This article evaluates dos conhecimentos científicos e os avanços técnicos
the disciplinary relationships among health profes- não são suficientes para satisfazer esta complexida-
sionals in the context of a university center for edu- de (Arruda, 2002). A interdisciplinaridade se apre-
cation and research in practices of health promotion senta como uma possível solução a este problema,
and disease prevention. The identification of the facilitando a abordagem do homem de forma mais
main issues related to interdisciplinary practices ampla, objetivando a superação dos problemas críti-
was based upon the humanistic view of disciplinary cos do passado, cedendo lugar aos benefícios de uma
interactions. For data collection and interpretation, nova prática de saúde. Os conceitos de promoção da
the methods of participant observation and semi- saúde e interdisciplinaridade se relacionam em um
structured interviews with health professionals ponto fundamental, a busca da integralidade, tanto
were used, followed by content analysis (thematic no que diz respeito ao indivíduo quanto ao saber.
model). The analysis showed a likely transition from Almeida Filho (2005) enfatiza a ciência como
plural to interdisciplinary practice in the studied uma prática que visa à formulação e solução de
healthcare service. Based on this case study, the problemas em um mundo em contínuas mudanças,
article discusses the social, cultural, educational, no qual o narcisismo antropocêntrico do cartesia-
institutional and individual factors that can act nismo cede lugar à valorização da descentração e
both as facilitators or barriers to interdisciplinary à relatividade, com surgimento de novos objetos
practice. através da prática das ciências. A promoção da saúde
Keywords: Interdisciplinary Practice; Health Pro- surge como um destes novos modelos, atendendo à
motion; Health Professionals. demanda de uma nova prática de saúde que vai além
das atividades curativas. Caracteriza-se por ser um
campo interdisciplinar que vem tentar apreender as
complexas realidades do âmbito da saúde.
O conceito de promoção da saúde, cuja referência
tem como marco a Conferência de Otawa, Canadá,
1986, vem se desenvolvendo de forma mais vigorosa
desde esse período. O debate conceitual de promoção
da saúde traz em seu conteúdo atual a dimensão do
empoderamento (empowerment) e da equidade, ou
seja, da capacitação e controle das pessoas sobre sua
qualidade de vida e com garantias de oportunidades
e recursos para que estas possam desenvolver todo o
seu potencial de saúde. Para tanto, promoção da saú-
de diz respeito não somente ao setor saúde, envolve
um sistema amplo com dimensões biopsicossociais,
com implicações políticas, culturais, econômicas,
sociais, ambientais, comportamentais, biológicas
e institucionais. Tal dimensão exige a busca de
parcerias, criação de redes de apoio e cooperação,
pois as práticas marcadas por atuações isoladas
não são suficientes para lidar com a complexidade
das questões de saúde-doença-cuidado hoje apre-

Saúde Soc. São Paulo, v.19, n.2, p.260-272, 2010 261


sentadas (Brasil, 2002). E, diante desta, é necessário Em que pese o fato de que estas linhas de pen-
juntar olhares e competências, ao invés de realizar samento dialoguem entre si e se complementem,
abordagens pautadas em apenas um nível de análise a título deste estudo tomou-se como principal
(Raynault, 2002; Almeida Filho, 2005). referencial teórico os estudos de Japiassu, por este
A interdisciplinaridade se faz presente cada propor uma visão conceitual ampla e consistente
vez mais na área da saúde, permitindo uma melhor da interdisciplinaridade, incluindo a discussão dos
compreensão da complexidade dos fenômenos, di- requisitos necessários para uma prática interdisci-
minuindo os efeitos muitas vezes catastróficos da plinar efetiva (Japiassu, 1976).
fragmentação do conhecimento e favorecendo uma Para os humanistas, interdisciplinaridade
assistência humanizada pela percepção do homem consiste em trabalho integrado, coeso e articulado
em suas diversas dimensões (Gattás, 2005). de representantes de diferentes disciplinas,11 que
Muitos são os esforços para, de fato, efetivar a in- valoriza os saberes específicos e a participação in-
terdisciplinaridade, mas, como aponta Gattás (2005, dividual, mas condicionados a uma dimensão maior
p. 40): “A interdisciplinaridade é algo pressentido, de interesse coletivo, isto é, cada agente envolvido no
desejado e buscado, mas ainda não atingido”. Para processo submete as peculiaridades dos seus conhe-
Frigotto (2008), a interdisciplinaridade é uma neces- cimentos e técnicas especializadas visando, através
sidade histórica, um desafio a ser decifrado. de uma relação interpessoal efetiva, à criação de um
O conceito de interdisciplinaridade não tem um projeto unificado mais abrangente que, no caso da
sentido único, surge de diferentes demandas, de di- área da saúde, resulte em maiores benefícios para
versas visões de mundo (Jantsch e Bianchetti, 2008). pessoas ou comunidades.
Ainda hoje, há uma grande dificuldade em definir Segundo Japiassu (1976), as relações disciplina-
este termo. Vários autores fizeram considerações res podem variar conforme o tipo de organização do
a respeito, muitas destas divergentes entre si, mas projeto de trabalho. No caso das relações interdis-
que geraram algumas vertentes de pensamento so- ciplinares, as características do trabalho conjunto
bre o tema, a saber: a) a humanista, cujo principal entre profissionais de diferentes áreas devem pre-
representante é Hilton Japiassu, para quem a inter- encher algumas premissas conceituais básicas, a
disciplinaridade pauta-se na filosofia do sujeito, saber: a) objetivo comum em relação à finalidade e
propondo que o diálogo entre as várias áreas do destinação do projeto; b) interação e troca intensa,
conhecimento parte de uma mudança de espírito que vai além da justaposição de especialidades,
dos próprios pesquisadores e que para superar o movida pela colaboração e participação efetiva nos
positivismo científico é imprescindível a articulação espaços de discussão; c) abordagem pautada em
entre pesquisa e ensino; b) a vertente social crítica, protocolos que seguem uma estrutura metodológica
representada por nomes como Minayo e Jantsch, predefinida, que preserve, na medida do possível,
que tem como foco a dimensão histórica e social da as características peculiares dos procedimentos
produção de conhecimento, fundamentada numa de trabalho de cada especialidade; d) confronta-
crítica marxista que vê a ciência moderna subordi- ção e harmonização de vocabulários e linguagens
nada à lógica da divisão social e técnico-científica pertinentes a cada área de saber, identificando
do trabalho, no modo de produção capitalista; c) a convergências e divergências, visando à criação de
vertente da complexidade, com autores como Morin uma interlinguagem; e) integração, com regras bem
e Almeida Filho, cuja característica marcante é a definidas e conhecidas pelos integrantes da equipe
crítica epistemológica à ciência contemporânea, sobre divisão de tarefas, direitos, deveres, e respon-
com a incorporação do tema da complexidade e da sabilidades; f) criação de conhecimento unificado,
perspectiva sistêmica, contribuindo para o apro- amplo e complexo, a partir da crítica conjunta das
fundamento teórico-metodológico em torno das contribuições de cada disciplina, separadamente; g)
diferentes estratégias de integração das disciplinas incorporação de uma hierarquia flexível e baseada
(Porto e Almeida, 2002). na cooperação. No Quadro 1 são apresentadas as

1 O termo disciplina é usado neste texto no sentido de ramo de conhecimento.

262 Saúde Soc. São Paulo, v.19, n.2, p.260-272, 2010


principais características comparativas dos dife- Além disso, em seu livro “Interdisciplinaridade
rentes tipos de organização do trabalho disciplinar e Patologia do Saber”, esse mesmo autor forneceu
(multi, pluri, inter e trans), baseado nos conceitos ainda uma inestimável contribuição ao expor al-
de Japiassu (1976). guns passos essenciais para o estabelecimento de

Quadro 1 - Comparação das principais premissas das organizações disciplinares (multi, pluri, inter e trans),
baseado em Japiassu 1976

Multi Pluri Inter Trans


Pontos característicos Justaposição Agrupamento, Interação entre diferentes Rompimento das fronteiras
de profissionais intencional ou não, de disciplinas, que se disciplinares, com
e recursos de disciplinas, mas a partir envolvem em um projeto estabelecimento de uma
diferentes do qual se estabelecem comum do qual se produz axiomática comum a partir
disciplinas. algumas relações. um conhecimento mais da qual as disciplinas se
amplo. organizam.
Objetivos comuns Nada Parcialmente Totalmente Totalmente
Interação Nada Parcialmente Totalmente/Intensa Totalmente/Muito intensa
Método comum Nada Parcialmente Totalmente Totalmente
Linguagem Comum Nada Parcialmente Totalmente Totalmente
Trabalho Integrado Nada Parcialmente Totalmente Totalmente
Conhecimento Integrado Nada Parcialmente Totalmente Totalmente
Níveis hierárquicos Nível único Nível único Diferentes níveis Diferentes níveis

Observação: Os níveis de graduação (nada, parcialmente, totalmente, intensa, muito intensa) são ilustrativos e têm finalidade apenas didática.

relações interdisciplinares, necessários para que um terísticas das relações disciplinares, segundo a
projeto nesse sentido torne-se real. São eles: a) for- vertente de pensamento humanista, e nos passos
mação de uma equipe de trabalho, com a apropriação essenciais acima descritos para constituição do
de um espaço onde cada especialista reflita e possa projeto interdisciplinar, propostos por Japiassu
expor sua pesquisa, conscientizando-se dos limites (1976), o presente estudo buscou discutir aspectos
e contribuições de sua disciplina; b) identificação de das relações disciplinares entre profissionais de
conceitos-chave, com os tópicos mais importantes saúde, incluindo barreiras e facilitadores à prática
de cada título, visando favorecer a comunicação da interdisciplinaridade, tomando como referência
entre os membros da equipe, e a criação da interlin- o caso de um centro universitário voltado ao ensino
guagem, evitando erros ao empregar os conceitos e pesquisa em promoção da saúde e prevenção de
com significações diversas ou equívocas; c) delimi- doenças na prática clínica.
tação do problema, que surge da contribuição dos
diferentes profissionais, que expõem seus pontos
de vista, que vão se complementando para chegar a
Metodologia
um empreendimento comum; d) divisão de tarefas e A opção pelo método qualitativo, na modalidade
demarcação das responsabilidades – funções, papéis, estudo de caso, deveu-se ao fato de ele permitir
estatutos e autoridades – de cada profissional frente abordar as concepções dos sujeitos envolvidos na
ao projeto comum; e) comunicação de resultados, investigação, possibilitando analisar a complexi-
que após terem sido analisados devem ser compar- dade dos fenômenos relacionados a questões psi-
tilhados, possibilitando aos diferentes profissionais cossociais, estabelecer a relação entre a totalidade
a descoberta de interconexões. social e a singularidade subjetiva, favorecendo a
Com base nas premissas conceituais carac- captação da perspectiva dos sujeitos (Ludke e An-

Saúde Soc. São Paulo, v.19, n.2, p.260-272, 2010 263


dre, 1986; Víctora e col., 2000; Flick, 2004). Para critores utilizados, isoladamente ou em conjunto,
obtenção dos dados fez-se o uso combinado de dois foram os termos em português: interdisciplinari-
recursos metodológicos, observação participante dade, promoção da saúde e profissionais de saúde,
e entrevista semiestruturada, a fim de permitir, com suas respectivas traduções para o idioma inglês.
respectivamente, a aproximação do pesquisador Além disso, devido ao número reduzido de estudos
com o objeto da pesquisa e a captação imediata e de boa qualidade encontrados sobre o assunto, foram
corrente da informação desejada (Ludke e Andre, buscadas também as publicações relevantes sobre o
1986; Figueiredo, 2006). tema apresentadas como referências em capítulos
A observação participante foi realizada por um de livros e artigos de revisão, fazendo-se uma leitura
período de dois semestres (segundo semestre de crítica dos trabalhos e a reconstituição da evolução
2006 e primeiro semestre de 2007), assim como dos conhecimentos, conforme preconizam Vieira e
as entrevistas semiestruturadas que foram grava- Hossne (2001).
das e posteriormente transcritas. Ao todo foram A escolha do CPS-HCFMUSP para o estudo de
observados ou entrevistados 25 profissionais de caso apresentado se justifica no fato de que este: 1)
todas as áreas da saúde representadas no Centro tem atividades de pesquisa e ensino de graduação
de Promoção da Saúde do Serviço de Clínica Geral e pós-graduação de diferentes áreas profissionais,
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina com foco na promoção da saúde e prevenção de
da Universidade de São Paulo (CPS-HCFMUSP). Os doenças; 2) é considerado referência em termos de
roteiros da observação participante e da entrevista práticas clínicas preventivas e de promoção da saú-
semiestruturada (Guedes, 2009) foram elaborados de; 3) apresenta equipe constituída por profissionais
pela autora, exclusivamente para o desenvolvimento de diferentes áreas da saúde.
do projeto, e basearam-se nos conceitos da vertente O CPS-HCFMUSP, embora inserido em uma ins-
humanista sobre interdisciplinaridade. Os itens e tituição macro-hospitalar pública voltada a atender
perguntas incluídos nos roteiros supracitados con- pacientes que necessitam de tratamentos comple-
templaram a pesquisa das premissas conceituais xos, baseia-se num novo modelo de prática clínica,
básicas das relações disciplinares (Quadro 1), além a qual parte de uma perspectiva que privilegia um
dos passos essenciais à prática interdisciplinar, olhar abrangente frente às questões de saúde. Está
expressos no trabalho de Japiassu (1976). integrado ao Sistema Único de Saúde (SUS) e aten-
A interpretação dos dados coletados fundamen- de usuários das mais diferentes camadas sociais,
tou-se na técnica de análise de conteúdo de Bardin enfocando, principalmente, fatores de risco à saú-
(1979), enfocando a modalidade temática, isto é, de, sejam eles sociais, ambientais, ocupacionais,
levando em consideração a presença do tema no con- comportamentais, emocionais ou físicos. As suas
texto do discurso ou na prática observada, sem levar atividades, fortemente embasadas em evidências
em conta a frequência com que apareceu ao longo do científicas de boa qualidade, incluem: 1) palestra
estudo. Como critério para interromper a inclusão de inicial aos usuários, abordando aspectos gerais de
novos participantes, utilizou-se a saturação teórica, promoção da saúde e orientações sobre o funciona-
ou seja, a observação e as entrevistas não acrescen- mento do próprio serviço; 2) atendimento ambula-
tarem mais conhecimentos adicionais. torial, que inclui aconselhamento para hábitos se-
O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética guros e saudáveis, rastreamento e quimioprofilaxia
para Análise de Projetos de Pesquisa – CAPPesq de doenças, efetuado por estudantes e residentes de
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina medicina sob supervisão de médicos assistentes
da Universidade de São Paulo, conforme resolução do Serviço de Clínica Geral e do CPS-HCFMUSP;
196/96, de 10/10/1996 do Conselho Nacional de 3) intervenções multidisciplinares com grupos de
Saúde do Ministério da Saúde. usuários, abordando temas como: atividade física,
A revisão bibliográfica foi feita através de pesqui- reeducação nutricional, cessação do tabagismo,
sa nas principais bases de dados de temas de saúde enfrentamento de estresse; 4) desenvolvimento de
(Dedalus, Lilacs, Medline, PubMed, Sciello). Os des- pesquisas, cuja linha mestra é a promoção da saúde

264 Saúde Soc. São Paulo, v.19, n.2, p.260-272, 2010


e a prevenção de doenças. A sua equipe conta ou serviço, embora algumas pessoas sem vínculo direto
contou em algum momento, desde a sua criação em ou com interesses pessoais específicos tenham de-
1999, com profissionais de diferentes áreas: edu- monstrado menor compreensão do projeto e menos
cação física, enfermagem, fisioterapia, fonoaudio- engajamento no trabalho conjunto.
logia, medicina, nutrição, odontologia, psicologia,
Interação
terapia ocupacional, serviço social, pedagogia, entre
outros. Estes profissionais, em sua maioria, atuam Aqui, eu costumo brincar, é um ambiente em que as
em caráter voluntário ou como complemento de ação pessoas aprendem tomando cafezinho. (E13)
acadêmica (mestrado e doutorado). Notou-se que havia modificação do conhecimento
A escolha dos sujeitos observados e entrevistados pela interação das diferentes disciplinas. E reconhe-
seguiu os seguintes critérios: 1) formação universi- ceu-se a importância e os ganhos com a interação
tária completa ou parcial; 2) atuação em promoção entre diferentes especialidades, a partir do respeito
da saúde ou prevenção de doenças, através do ensino, mútuo e da supressão de preconceitos, o que contri-
pesquisa ou prestação de serviços aos usuários; 3) buiu para a construção de um conhecimento mais
ter participado da formação do CPS-HCFMUSP ou amplo. Entretanto, nas atividades realizadas por
contribuir para este serviço. equipes constituídas por profissionais de uma única
disciplina não havia modificações disciplinares nem
Resultados mesmo o emprego de conteúdos contemplados por
outras áreas de conhecimento.
Por razões de ordenamento didático, os resultados Apesar da existência de reuniões formais e do
que emergiram da análise de conteúdo (Bardin, 1979) uso de espaços virtuais (via internet), a comunicação
são apresentados relacionando-os a cada uma das e a interação aconteciam de forma não sistemática,
premissas conceituais básicas das relações interdis- cíclica, em locais diversos, durante o próprio traba-
ciplinares (Japiassu, 1976). Porém, os referentes aos lho, e na maioria das vezes dependiam de iniciativas
itens Metodologia e Linguagem foram condensados individuais e não institucionais. Predominaram,
em um único tópico, uma vez que estes se mostra- portanto, os espaços informais de discussão. Muito
ram muito semelhantes e interrelacionados, tanto embora existissem reuniões mensais multidiscipli-
na observação participante quanto no discurso dos nares, como espaço formal, os profissionais sinali-
entrevistados. Em cada item, destaca-se uma frase zaram que eram pouco aproveitadas, principalmente
extraída de uma entrevista (identificada por E, se- pela equipe médica e pelos profissionais que não
guida do número do entrevistado), que exemplifica tinham vinculação direta com o CPS-HCFMUSP.
algum conteúdo emblemático observado no discurso Como entraves para uma maior interação identi-
do grupo estudado. ficaram-se: a carência de espaço físico para troca de
Objetivos comuns experiências entre os profissionais na estrutura do
HCFMUSP; a precariedade estrutural e operacional
Eu acho que o objetivo do CPS é formar pessoas.
no sistema de coleta, análise, interpretação e discus-
Acho que é, acima de tudo, construir conhecimen-
são dos dados oriundos das intervenções realizadas
to em promoção da saúde e prestar serviço de
no próprio CPS-HCFMUSP; a falta de vínculo direto
promoção da saúde à população. (E11)
de alguns colaboradores com o serviço, que dificul-
Predominava no CPS-HCFMUSP tanto a compre- tava o compartilhamento de saberes e decisões com
ensão quanto o compartilhamento dos mesmos os outros profissionais; a tendência à imposição de
objetivos pelos profissionais de saúde. Os objetivos ideias e decisões de profissionais com vínculo direto
individuais estavam alinhados aos do grupo e do (empregatício) com o serviço ou de colaboradores
serviço, o que em parte deveu-se ao interesse de mais antigos.
todos no aprendizado de promoção da saúde. O foco
das equipes em atuação no CPS-HCFMUSP, em geral, Metodologia e Linguagem
era bem estabelecido e coerente com os objetivos do Havia discussões para padronização. As reu-

Saúde Soc. São Paulo, v.19, n.2, p.260-272, 2010 265


niões tinham exatamente este objetivo. Porém, mais presente para justificar a falta de integração
não se sabe o impacto disso nas práticas dos entre os serviços foi o tipo de vínculo com o serviço:
profissionais, mas parece que não absorviam o empregatício, acadêmico ou voluntário.
que era passado. (E8) Diferentes critérios para divisão de tarefas e
Apesar de compreenderem e compartilharem os responsabilidades foram observados no CPS-HCF-
objetivos do CPS-HCFMUSP, os profissionais de- MUSP. Acontece por interesse pessoal, necessidade
monstraram uma grande dificuldade em desenvolver do serviço, habilidade do profissional ou especifici-
tanto uma metodologia de trabalho quanto uma dade que a atividade exige. Porém o que predomina-
linguagem comum, que tornassem as atividades va era a divisão por disciplinas, pelo conhecimento
práticas mais homogêneas, coesas e menos frag- específico de cada profissional, reforçando, assim,
mentadas. a unidisciplinaridade, que fragmentava e inibia a
Embora as opiniões dos entrevistados se dividis- integração, e que incomodava alguns dos entrevis-
sem em relação à percepção de se existia ou não uma tados.
padronização predefinida em relação a procedimen- Em algumas equipes, quando existia um clima
tos e vocabulário de trabalho, esta estava parcial- de cooperação, afinidade e empatia, os profissionais
mente presente (na forma de apostila com um “Ro- transitavam melhor pelos diferentes papéis até
teiro de Procedimentos Básicos do CPS-HCFMUSP” mesmo revezando-se no mesmo papel. Por outro
e de um glossário de termos unificados); mas, na lado, alguns profissionais apontaram que a falta de
prática, sofria modificação constante pela atuação definição nítida de tarefas e responsabilidades pode
dos profissionais, uma vez que a maior parte deles ser um atrativo ou um obstáculo à participação, o
não participara da construção dos documentos. que é realçado pela dificuldade percebida em al-
A grande maioria dos profissionais entrevistados guns de transitar por assuntos pertinentes a outras
referiu ter uma boa compreensão da linguagem dos disciplinas, pelo desconhecimento expresso quer
colegas, principalmente aqueles que apresentavam sobre o conteúdo de algumas profissões quer sobre
postura de abertura a outros enfoques, porém, a as atividades de outros colegas dentro do próprio
falta de empatia entre alguns profissionais e a CPS-HCFMUSP.
predominância da especificidade de uma ou outra Conhecimento integrado
profissão surgiram como barreiras à criação de uma
Uma forma de entender a assistência à saúde.
linguagem comum. Por fim, os entrevistados salien-
Onde predomina a horizontalização das rela-
taram a importância de a linguagem ser inteligível
ções. Onde o sujeito é corresponsável pela sua
aos usuários do serviço e afirmaram que isto muitas
saúde. (E8)
vezes não acontecia.
O conhecimento da promoção da saúde e prevenção
Trabalho integrado de doenças por meio de treinamento adequado foi
Existe uma parede que separa os médicos do apontado como um requisito básico às práticas in-
restante do CPS. Eles não interagem com o res- terdisciplinares. Os profissionais, ao definirem pro-
tante do CPS e isso faz com que a prática fique moção da saúde, abordaram aspectos abrangentes,
fragmentada. (E8) como o empoderamento, a corresponsabilidade, o
A maioria das equipes, internamente, trabalhava de bem-estar, a melhoria da saúde, embora visões mais
forma integrada ou parcialmente integrada, mas a limitadas (p. ex. evitar doenças) também tenham
dificuldade de integração das equipes entre si e ao transparecido.
restante das atividades do serviço era maior. Mui- Alguns destes profissionais trouxeram à tona
tas equipes realizavam suas atividades de forma as relações disciplinares e a necessidade de uma
isolada, não interagiam nem mesmo conheciam as mudança de paradigma ao enfocar o binômio saú-
atividades médico-ambulatoriais do CPS-HCFMUSP, de-doença. Já ao definirem interdisciplinaridade,
que ocorriam de forma menos interligada com a os entrevistados remeteram suas considerações
palestra, atividades de grupo e de pesquisa. O fator não somente às premissas básicas necessárias ao

266 Saúde Soc. São Paulo, v.19, n.2, p.260-272, 2010


estabelecimento das relações interdisciplinares, pesquisas científicas e reflexões teóricas abordando
como também à interação e convergência de conhe- o tema das relações disciplinares em matéria de saú-
cimentos e práticas, na busca de algo mais complexo de. Do ponto de vista conceitual, Hilton Japiassu é o
do que a simples justaposição de disciplinas e seus autor brasileiro, ligado ao pensamento humanista,
saberes. que refletiu sobre o tema e o discutiu de forma mais
No caso do CPS-HCFMUSP, alguns profissionais abrangente e profunda e, por esta razão, o seu tra-
percebiam que o conteúdo dos conhecimentos passa- balho foi escolhido como referencial teórico para o
dos contemplava características interdisciplinares, estudo de caso apresentado. Assim sendo, o método
embora avaliassem que, na prática, a atuação pudes- (observação participante e entrevista semiestrutu-
se ser ainda multidisciplinar. Os relatos sinalizaram rada dos profissionais de saúde do CPS-HCFMUSP,
que interiorizar um conteúdo interdisciplinar e e a análise de conteúdo de todo o material obtido) foi
conseguir agir interdisciplinarmente leva tempo, adaptado e os resultados apresentados seguindo o
uma vez que a formação básica de cada um é voltada arcabouço teórico proposto por Japiassu (1976).
à especialização fragmentada de conhecimentos. Segundo este autor, inicialmente, o estabeleci-
mento de objetivos conjuntos, individuais e de equi-
Níveis hierárquicos
pe, é fundamental para o trabalho interdisciplinar, e
Como se tira muito essa coisa do rótulo de quem é isto, de modo geral, foi contemplado no serviço ana-
quem, eu acho que nesse sentido de hierarquia por lisado neste estudo de caso. Etges (2008) chama a
profissão não tem muita. Eu acho que é mais pela ati- atenção para o fato de que é justamente a existência
vidade que exerce aqui dentro e sua postura. (E14) de objetivos semelhantes que facilita a cooperação
Os profissionais entrevistados apresentaram diver- tão necessária à prática interdisciplinar. Situações
sas visões quanto ao critério de estabelecimento específicas de objetivos divergentes, talvez em parte
da hierarquia. Alguns salientaram que se tratava devido a falhas no processo comunicativo, foram
de uma hierarquia horizontal, necessária e com a aventadas pelos profissionais entrevistados como
função de mediar as relações. Outros percebiam obstáculos ao trabalho interdisciplinar, o que tam-
que o aspecto predominante era o conhecimento bém é corroborado por Santos e Cutolo (2004).
e a experiência na área da promoção da saúde e A interação dos profissionais em um verdadeiro
prevenção de doenças, embora alguns entendes- trabalho em equipe é também apontada por Fazenda
sem que os profissionais de saúde detentores de (1994) como premissa básica, mesmo que decorra
vínculo empregatício com a instituição assumiam de um processo lento e progressivo de implanta-
posição hierárquica superior. Outros ainda ressal- ção. Profissionais não engajados apresentam uma
tavam a postura e a dedicação como os critérios de grande dificuldade em se conectarem a regras de
determinação hierárquica. A valorização de certas trabalho comuns. E isso promove práticas isola-
categorias profissionais em detrimento de outras das, como ficou nítido nesta investigação, na qual
também foi aventada. fatores subjetivos e objetivos, como, por exemplo,
De um modo geral, os profissionais entrevistados afinidade, empatia, postura profissional, interesse
relataram que na maioria das equipes que compõem o em dialogar e conhecer o trabalho do outro, ausên-
CPS-HCFMUSP não havia hierarquias. Nas situações cia de preconceito, boa formação acadêmica, foram
em que existiam, havia diferença de vinculação com referidos como componentes intervenientes na
o serviço e, normalmente, era o profissional com interação. Na prática de trabalho, como se lida com
vínculo empregatício quem assumia a posição de sujeitos concretos, que têm sua subjetividade e sua
coordenador. história, levar em conta a sua inserção no contexto
sociopolítico é importante, pois este pode ser tanto
um facilitador como um obstáculo para o trabalho
Discussão em equipe (Almeida Filho, 2005; Silva e Santos,
A partir da revisão bibliográfica efetuada como parte 2006), o que acaba por influenciar tanto a interação
deste estudo, ficou patente a quantidade reduzida de quanto a comunicação entre os profissionais.

Saúde Soc. São Paulo, v.19, n.2, p.260-272, 2010 267


Ainda em relação à interação, destacou-se no ência da falta de interação entre profissionais com
estudo o predomínio do uso dos espaços informais a ausência de unidade metodológica ficou evidente
e virtuais, via internet. Silva e colaboradores (2002) na medida em que tentativas de trabalho em equipe
destacam a importância destes espaços, pois favo- partiam de ações individuais e não coletivas, como
recem as trocas de saberes e ideias entre os profis- seria mais apropriado.
sionais, contribuem para o estabelecimento de rela- Entretanto, nesta pesquisa, as equipes do CPS-
ções interdisciplinares e para que se apossem das HCFMUSP se esforçavam para manter procedimen-
dimensões desta forma de organização do trabalho. tos e linguagem comuns, como preconiza Japiassu
Por outro lado, a falta de espaço físico bem definido (1976), mas com grande dificuldade, empregando
para comunicação é reconhecida como uma barreira conceitos-chave e conhecimentos de outras disci-
à troca ativa de saberes (Fazenda, 1994). plinas, muitas vezes sem de fato apropriarem-se
Cabe aqui ressaltar a peculiaridade de o CPS- destes. Incorporar elementos de determinadas áreas
HCFMUSP ser um serviço de ensino e pesquisa de conhecimento, meramente como informação, sem
inserido em um centro hospitalar universitário de realizar um questionamento teórico-metodológico
alta complexidade, cuja finalidade é o atendimento das áreas envolvidas, como meio para se atingir um
a doentes graves. Como consequência, a maioria objetivo, é uma ação instrumental, técnica, e não
dos recursos, incluindo o espaço físico, é destinada uma ação interdisciplinar de fato, na qual os pro-
prioritariamente ao atendimento curativo em de- fissionais tornam-se capazes de transpor, deslocar
trimento das iniciativas de prevenção ou promoção e traduzir o seu corpo de conhecimento para o campo
da saúde, que são muito mais afeitas aos centros e de suas representações e experiências pessoais,
serviços de atenção primária à saúde. para que atinjam as representações e experiências
Os obstáculos referidos pelos entrevistados, dos outros, inclusive dos usuários de seus serviços
relacionados à vinculação do CPS ao HCFMUSP, (Etges, 2008).
ressaltaram o que os diversos autores sinalizam, a O trabalho no CPS-HCFMUSP apresentou sinais
interação depende não só da postura e atitude dos de falta de integração entre as equipes. Profissionais
profissionais, mas também de aspectos adminis- com maior tempo de atuação ou com vínculo em-
trativos e institucionais (Japiassu, 1976; Fazenda, pregatício com a instituição, diante de outros sem
1994; Vasconcelos, 2002; Gattás, 2005; Frigotto, vínculo formal, tendiam a assumir uma postura de
2008; Porto e Almeida, 2002). A instituição tem o menor compartilhamento, truncando a integração
importante papel de garantir condições mínimas das atividades. Japiassu (1976) destaca que estar pre-
para que as relações interdisciplinares aconteçam. sente desde o início em um projeto não torna este ou
Espaço físico apropriado, investimento em recursos aquele profissional seu dono, e também é categórico
e em profissionais, flexibilidade para que haja en- ao afirmar que a divisão de tarefas e conhecimentos
contros entre os colaboradores, rotina favorável à referentes ao seu papel profissional e aos papéis de
interação, autonomia disciplinar e do profissional, seus colegas é essencial. Follari (2008) ao analisar a
são algumas destas condições. divisão de papéis no trabalho integrado ressalta que
Fazenda (1994) ao revisar diversos projetos cada profissional deve se restringir a desempenhar
interdisciplinares identificou que a intencionali- suas funções numa postura de abertura, em sintonia
dade e o rigor têm sido muitas vezes substituídos com outros e com as regras do grupo, e afirma que
pela improvisação, que acarreta a falta de método definir previamente os papéis de cada profissional
comum. Isto também aconteceu neste estudo de evita equívocos.
caso, na medida em que havia dificuldade em obter, Para Porto e Almeida (2002), o sucesso da inter-
analisar e discutir dados próprios, obrigando os disciplinaridade depende da postura dos sujeitos
profissionais, muitas vezes, a tomar decisões de envolvidos, que requer abertura ao diálogo e marcos
forma intuitiva, baseada na experiência pessoal ou referenciais construídos e compartilhados por todos.
em estudos realizados por outros pesquisadores e Reunir pessoas com formações diferentes pode ser
não em dados concretos do serviço. A mútua influ- problemático, não contribuindo para a integração

268 Saúde Soc. São Paulo, v.19, n.2, p.260-272, 2010


e, assim, o que se observa são empreendimentos de etapas sucessivas de treinamento-socialização-
multidisciplinares fragmentados, com a possibili- enculturação (Silva e col., 2002). O conteúdo da
dade de conflitos entre os profissionais das equipes. promoção da saúde é interdisciplinar, ocorrendo
Etges (2008) afirma que a interdisciplinaridade justamente na interface entre diferentes áreas de
sistematicamente desenvolvida eleva a capacidade conhecimento. O estudo mostrou que em ativida-
de cooperação com os outros para um tipo de jogo des realizadas por profissionais de uma única área
no qual todos ganham. Jantsch e Bianchetti (2008) não é perceptível o emprego de conhecimentos de
são enfáticos em dizer que a interdisciplinaridade outras disciplinas, portanto, não há modificação
não depende do desejo do profissional, mas apontam disciplinar, nem mesmo no conteúdo trabalhado.
a necessidade de os profissionais estarem abertos A convergente colaboração dos especialistas das
a esta perspectiva. diversas áreas é importante para se evitar a hiper-
Destacou-se ainda nesta pesquisa a pouca inte- trofia de uma fundamentação unidimensional e de
gração da equipe médica às outras equipes, o que uma intervenção puramente técnico-profissional
leva a questionar a formação universitária. Peduzzi (Severino, 2008).
(1998) chama a atenção para o fato de a formação Na busca de um conhecimento integrado neste
dos profissionais de saúde estar fundamentada campo da saúde não se fala apenas do encontro de
no modelo biomédico, o que pode representar uma um denominador comum, pois a interdisciplinarida-
limitação para a integração de disciplinas. De modo de é um elemento teórico-metodológico pautado na
geral, o ensino acadêmico valoriza o maior grau de diferença e na criatividade, centrado na exploração
autonomia e a especialização. Criados nesta menta- das potencialidades de cada área, na compreensão
lidade os profissionais encontram dificuldade para dos seus limites. Ela julga esquemas conceituais de
realizar práticas interdependentes. A interação e o várias disciplinas para posteriormente integrá-los,
desenvolvimento de um trabalho integrado exigem incorporando, assim, resultados de vários campos
esforço e persistência, pois a tendência é a manu- do saber (Japiassu, 1976; Rocha e col., 2002; Silva e
tenção de práticas há muito cristalizadas (Raynault, Tavares, 2003; Spink, 2003; Gattás, 2005; Jantsch e
2002; Rocha e col., 2002). Bianchetti, 2008).
O trabalho interdisciplinar exige uma postura di- De todas as premissas conceituais do trabalho
ferenciada diante do conhecimento. Uma postura de interdisciplinar, ressaltadas por Japiassu (1976), a
reconhecimento de competências e incompetências, busca do conhecimento integrado talvez tenha sido
limitações e possibilidades da própria disciplina e o item mais procurado no CPS-HCFMUSP. Porém, se
dos seus agentes. Demanda conhecimento e valo- intrínseco ao conceito de promoção da saúde existe
rização das outras disciplinas e dos profissionais. um discurso capaz de atravessar as fronteiras dis-
Exige paciência, flexibilidade, confiança, compro- ciplinares, talvez o que falte, para a sua concretiza-
metimento, reciprocidade, humildade, colaboração, ção prática, sejam linguagem e estrutura lógicas e
cooperação, diálogo, abertura ao outro, capacidade simbólicas, que façam sentido para os profissionais
de adaptação e aceitação de riscos, capacidade de e favoreçam uma comunicação interdisciplinar. Os
aprender a agir na diversidade e de aceitar novos profissionais ainda têm dificuldade de se abrirem a
papéis. É essa atitude que leva à busca de métodos este enfoque, estando muito presos aos conhecimen-
comuns, de discursos compatibilizados, e de uma tos de suas próprias disciplinas. Uma dificuldade
verdade (conhecimento) constituída pela comple- adicional é a quebra paradigmática que traz o con-
mentaridade (Japiassu, 1976; Fazenda, 1994; Vilela ceito de promoção da saúde (Buss, 2000), rompendo
e Mendes, 2003; Gattás, 2005). com visões ainda muito prevalentes nos meios de
Observou-se, neste estudo de caso, que as pessoas formação acadêmica, principalmente as que priori-
com maior capacidade de ultrapassar as fronteiras zam o diagnóstico e tratamento de doenças.
da sua disciplina eram aquelas com formação mais Por fim, pode-se afirmar que no CPS-HCFMUSP
diferenciada em promoção da saúde e prevenção de havia hierarquia, estabelecida de forma horizontal,
doenças, destacando também aqui a importância com a função de realizar uma coordenação. Japiassu

Saúde Soc. São Paulo, v.19, n.2, p.260-272, 2010 269


(1976) ressalta a importância da existência de hierar- sionais da saúde que ainda valoriza a fragmentação
quia com a função de mediar a cooperação entre os do conhecimento e a especialização excessiva; 4) a
profissionais e campos disciplinares, porém salienta necessidade de uma mudança paradigmática, com
que esta não pode ser rígida, deve prevalecer um um novo olhar sobre a relação saúde-doença, o que
clima democrático de trabalho. O que muitas vezes dificulta a compreensão e execução do projeto de
pode dar a sensação de não haver hierarquias. Gattás trabalho interdisciplinar nas práticas de promoção
(2005) aponta que se inserir num projeto interdisci- da saúde e prevenção de doenças.
plinar é aventurar-se em relações irregulares, sem
um ponto fixo. O que pode gerar dificuldades ao
estabelecimento da interdisciplinaridade.
Referências
Alguns profissionais sinalizaram que ainda pre- ARRUDA, A.; TURA, L. F. R. Caminhos da
valecem hierarquias por profissão no sistema de saú- interdisciplinaridade na saúde coletiva:
de, no qual a medicina ainda tem posição de destaque. trabalhando com as representações sociais.
Severino (2008), com sua experiência pedagógica, Cadernos Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2,
afirma que à divisão técnica do trabalho se sobrepõe p. 109-110, 2002.
uma divisão social, centrada na distribuição desigual ALMEIDA FILHO, N. de. Transdisciplinaridade e
do poder. Este aspecto também é observado, quando o paradigma pós-disciplinar na saúde. Saúde e
são identificadas diferentes formas de vinculação Sociedade, São Paulo, v. 14, n. 3, p. 30-50, 2005.
com o serviço de saúde, por exemplo, vínculo em-
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Ed. 70,
pregatício, acadêmico ou voluntário, influenciando
1979.
o critério para estabelecimento de hierarquias.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
Políticas de Saúde. Projeto da Saúde. As Cartas da
Considerações Finais Promoção da Saúde. Brasília, DF, 2002. Disponível
Tomando como base as premissas conceituais das em: <http://dtr2001.saúde.gov.Br/bvs/publicacoes/
relações disciplinares, conforme Japiassu (1976), cartas_promocao.pdf >. Acesso em: 10 ago. 2005.
pode-se dizer que no caso do CPS-HCFMUSP encon-
BUSS, P. M. Promoção da saúde e qualidade de
traram-se profissionais e atividades: com mesmos
vida. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 5,
objetivos de trabalho, porém com pequena interação
n. 1, p. 163-177, 2000. Disponível em: http://www.
entre si, sem método e linguagem comum, trabalhan-
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
do sem integração, mas com conhecimento unificado
81232000000100014&lng=en&nrm=iso>. Acesso
e com diferentes níveis de hierarquia horizontal. em: 23 nov. 2008.
No conjunto, esta situação pode representar um
momento de transição da pluridisciplinaridade para ETGES, N. J. Ciência, interdisciplinaridade e
a interdisciplinaridade. educação. In: JANTSCH, A. P.; BIANCHETTI, L.
Os principais obstáculos gerais à interdiscipli- (Org.). Interdisciplinaridade para além da filosofia
naridade, identificados neste estudo, e que merecem do sujeito. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 51-84.
reflexão da parte de todos que vislumbrem trabalhar FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: história,
interdisciplinarmente na área da saúde, foram: 1) as teoria e pesquisa. Campinas: Papirus, 1994.
características da instituição na qual se desenvolvem
FIGUEIREDO, J. S. Desafios e perspectivas em
os trabalhos, que se dedica, fundamental e priorita-
atividades educativas de promoção da saúde de
riamente, a práticas curativas em detrimento das
um grupo de portadores de hipertensão arterial,
preventivas e de promoção da saúde; 2) o tipo de vin-
sob o paradigma da interdisciplinaridade. 2006.
culação institucional do trabalho do profissional de
Tese (Doutorado em Enfermagem em Saúde
saúde com o serviço de saúde, de natureza voluntária,
Pública) – Escola de Enfermagem de Ribeirão
gerando alta rotatividade e baixo comprometimento
Preto da USP, Ribeirão Preto, 2006.
dos profissionais; 3) a formação dos diferentes profis-

270 Saúde Soc. São Paulo, v.19, n.2, p.260-272, 2010


FLICK, U. Uma introdução à pesquisa qualitativa. RAYNAULT, C. Interdisciplinaridade e promoção
2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2004. da saúde: o papel da antropologia: algumas idéias
simples a partir de experiências africanas e
FOLLARI, R. Algumas considerações práticas
brasileiras. Revista Brasileira de Epidemiologia,
sobre interdisciplinaridade. In: JANTSCH, A. P.;
São Paulo, v. 5, p. 43-55, 2002. Suplemento 1.
BIANCHETTI, L. (Org.). Interdisciplinaridade
para além da filosofia do sujeito. 8. ed. Petrópolis: ROCHA, D. G.; MARCELO, V. C.; PEREIRA, I. M. T.
Vozes, 2008. p. 97-110. B. Escola promotora da saúde: uma construção
interdisciplinar e intersetorial. Revista Brasileira
FRIGOTTO, G. A interdisciplinaridade como
de Crescimento e Desenvolvimento Humano, São
necessidade e como problema nas ciências
Paulo, v. 12, n. 1, p. 57-63, 2002.
sociais. In: JANTSCH, A. P.; BIANCHETTI, L. (Org.).
Interdisciplinaridade para além da filosofia do SANTOS, M. A. M.; CUTOLO, L. R. A. A
sujeito. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 25-49. interdisciplinaridade e o trabalho em equipe no
Programa de Saúde da Família. ACM Arquivos
GATTÁS, M. L. B. Interdisciplinaridade em cursos
Catarinenses de Medicina, Florianópolis, v. 3, n. 3,
de graduação na área de saúde da Universidade
p. 31-40, 2004.
de Uberaba – Uniube. 2005. Tese (Doutorado
em Enfermagem Psiquiátrica) – Escola de SEVERINO, A. J. O uno e o múltiplo: o sentido
Enfermagem de Ribeirão Preto da USP, Ribeirão antropológico do interdisciplinar In: JANTSCH, A.
Preto, 2005. P.; BIANCHETTI, L. (Org.). Interdisciplinaridade
para além da filosofia do sujeito. 8. ed. Petrópolis:
GUEDES, L. E. Relações disciplinares em um
Vozes, 2008. p. 159-175.
centro universitário de práticas de promoção da
saúde e prevenção de doenças. 2009. Dissertação SILVA, J. P. L.; TAVARES, C. M. M. Educação
(Mestrado em Ciências) – Faculdade de Medicina permanente de profissionais de saúde mental:
da USP, São Paulo, 2009. competências para o trabalho interdisciplinar.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p.
JANTSCH, A. P.; BIANCHETTI, L.
290-301, 2003.
Interdisciplinaridade para além da filosofia do
sujeito. In: ______ (Org.). Interdisciplinaridade para SILVA, L. M.; SANTOS, M. A. Construindo
além da filosofia do sujeito. 8. ed. Petrópolis, RJ: pontes: relato de experiência de uma equipe
Vozes, 2008. p. 11-24. multidisciplinar em transtornos alimentares.
Medicina (Ribeirão Preto), Ribeirão Preto, v. 39, n.
JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do
3, p. 415-424, 2006.
saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
SILVA, N. E. K. et al. Limite do trabalho
LUDKE, M.; ANDRÉ, M. A. D. A. Pesquisa em
multiprofissional: estudo de caso dos centros
educação: abordagens qualitativas. São Paulo: Ed.
de referência para DST/Aids. Revista de Saúde
Pedagógica e Universitária, 1986.
Pública, São Paulo, v. 36, n. 4, p. 108-116, 2002.
PEDUZZI, M. Equipe multiprofissional de saúde: Suplemento.
a interface entre trabalho e interação. 1998. Tese
SPINK, M, J. P. Saúde: um campo transdisciplinar?
(Doutorado em Saúde Coletiva) – Faculdade de
In:______. Psicologia social e saúde: práticas, saberes
Ciências Médicas da Unicamp, Campinas, 1998.
e sentidos. Petrópolis: Vozes, 2003. p. 51-60.
PORTO, M. F. de S.; ALMEIDA, G. E. S. de.
VASCONCELOS, E. M. Complexidade e pesquisa
Significados e limites das estratégias de
interdisciplinar: epistemologia e metodologia
integração disciplinar: uma reflexão sobre as
operativa. Petrópolis: Vozes, 2002.
contribuições da saúde do trabalhador. Ciência e
Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 335-347, VÍCTORA, C. G.; KNAUTH, D. R.; HASSEN, M. N.
2002. A. (Org.). Pesquisa qualitativa em saúde. Porto
Alegre: Tomo, 2000.

Saúde Soc. São Paulo, v.19, n.2, p.260-272, 2010 271


VIEIRA, S.; HOSSNE, W. S. Metodologia científica
para área de saúde. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
VILELA, E. M.; MENDES, I. J. M.
Interdisciplinaridade e saúde: estudo
bibliográfico. Revista Latino-Americana de
Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 11, n. 4, p. 525-531,
2003.

Recebido em: 17/12/2008


Reapresentado em: 29/01/2010
Aprovado em: 12/02/2010

272 Saúde Soc. São Paulo, v.19, n.2, p.260-272, 2010

Potrebbero piacerti anche