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ZOOLÓGICO HUMANO

Texto de: Robinson Oliveira

NARRADOR: Haverá um tempo em que a política de extermínio da população negra


alcançará seu objetivo: o Brasil será um país de brancos. Negros serão escassos, a tal
ponto que os únicos sobreviventes serão mantidos em zoológicos humanos, para que a
humanidade aos domingos de sol os veja com espanto ou até com graça, apontando com
o dedo indicador para aquilo que eles acreditam ser curioso: Negros! Essa espécie de
gente será tão rara que os milioários mais extravagantes desejarão ter um exemplar no seu
jardim, ao lado de um tucano e um mico leão dourado. Tolice! Eu disse haverá um
tempo? Não. Houve um tempo. Há um tempo. HOUVE. HAVERÁ. HÁ. HOUVE.
HAVERÁ. HÁ. HOUVE. HAVERÁ. HÁ. HOUVE. HOUVE. ESCUTA. OUVE. OUVE.
OUVE. HOUVE um tempo em que pessoas eram expostas em zoológicos humanos, por
serem consideradas exóticas. Diziam que era pela pele muito escura, embora fossem
bípedes, diziam que era pelo fato de serem primitivos, embora tenham criado as
pirâmides, diziam que era pelo nariz largo, o cabelo duro, o lábio grande, embora
tivessem cérebro. Eu disse houve um tempo? Não. Essa história não é sobre o passado.
Ela se passa num futuro, tão inventado e fictício como o criado por George Orwel. Ou se
passa num passado, tão real quanto foi a escravidão? A peça que será encenada hoje tem
a presença de atores negros, mas e se ela for encenada no futuro, quando só haverá
brancos, os atores usarão blackface? Brancos denunciarão o racismo com as caras
pintadas de preto, pedindo desculpas pelo fato de nos terem negado a alma e só se darem
conta disso quando não tivermos mais corpo? Pessimista? Eu? Não. Eu só quero que a
gente branca trate de responder por que foi necessário existir o negro. Por que inventaram
o negro? Porque eu não sou negro, sou humano. Não, não estou com síndrome de Morgan
Freeman, porque eu sei que sou negro. ESSA PEÇA NÃO É UMA METÁFORA.

CENA 1
CONFORMIDADE

(Tutsi é largado no cativeiro de Hutu. Eles reagem a presença um do outro).

HUTU: Desiste! Melhor poupar sua energia porque a comida que eles dão aqui não é
muita. É o suficiente pra se manter vivo, mas não o bastante pra dizer que se tem vida.
(Ela percebe que ele está exausto de tanto gritar) Tem água ali. Quando você quiser a
minha xota tá aqui. Fode, goza e a gente acaba logo com isso. (Ele olha para ela
assustado) Que foi?

TUTSI: Você fala de um jeito tão conformado

HUTU: Depois que levam seus pais, seus irmãos, seus amigos e só resta você no mundo,
a dor já não é mais dor, é anestesia.

TUTSI: Dor. Não. Dor. Não. Dor. Não. Dor. Não. Não. Não. Não.... (Tutsi começa a
repetir diversas vezes, entrando num estado de transe e angústia, Hutu o interrompe de
alguma forma. Ele sai do transe instantaneamente). Vamos falar de coisa boa: até que
não é de todo mal esse lugar.

HUTU: Ah, claro, tem pouca comida.

TUTSI: Ter pouca comida vai me ajudar, eu realmente tô precisando emagrecer um


pouquinho.

HUTU: A gente tá preso por estas grades.

TUTSI: Elas ajudam a proteger a gente dos bandidos.

HUTU: E essas pessoas nos olhando?

TUTSI: Finalmente seremos o centro das atenções.

HUTU: Cê tá tirando com a minha cara!?

TUTSI: Não.

HUTU: Faz o seguinte, fica lá no teu canto e me deixa aqui no meu.

(Tutsi tenta interagir com Hutu, que lhe dá as costas. De tanto ele insistir Hutu berra
para ele).
HUTU: Cara, você é muito chato! Caralho! Fica no teu canto e me deixa em paz!

(Tutsi vai para um canto).

VOZES DOS VISITANTES: Ei, negão, come ela! Come ela! Come! Come! Come!
Come! Come! Come! Come! Come! Come! Come! Come! Come! Come! Come! Come!

(O corpo de Tutsi começa a sofrer alguns espasmos - de animalização -, entrando


novamente transe, similar ao primeiro. Hutu expulsa os visitantes. Tutsi fica
desacordado no chão e acorda instantaneamente).

TUTSI: É tão bom dormir. Achei que minha coluna fosse estranhar esse chão, mas até
que foi bem gostoso. Vai ver porque dormindo no chão a gente entra em contato com a
terra, esse elemento que dá o alimento que nos nutre, que guarda as raízes, que sustenta
os nossos pés, a terra, que junto com a água, forma o barro, matéria da qual a gente é
feito. Dormir no chão é tão bonito, é estar em contato com o momento da criação.
Gratidão, meu pai!

HUTU: Cara, você é muito estranho.

TUTSI: Já que vamos dividir o mesmo espaço seria bom nos apresentarmos não é? Eu
me chamo...

HUTU: Cara, eu não quero saber. É só você enfiar seu tico no meu grelo, eu fico
buchuda, você vai embora e tão cedo a gente não precisa se ver.

TUTSI: E você não quer nem saber o meu nome?

HUTU: Não.

(Tutsi tem uma leve convulsão)

TUTSI: E eu também não posso saber o seu?

HUTU: Não precisa.


CENA 2
PERDA DA IDENTIDADE

HUTU: Não precisa.

TUTSI: Como você se chama?

HUTU: Negra.

TUTSI: Você se chama negra?

HUTU: Não.

TUTSI: Então...

TUTSI: Como você se chama?

HUTU: Negra

TUTSI: Você se chama negra?

HUTU: Não.

TUTSI: Então...

TUTSI: Como você se chama, negra?

HUTU: Não.

TUTSI: Como não, negra?

HUTU: Voce se chama?

TUTSI: Não
HUTU: Então...

TUTSI: Como você se chama negra? Como você se chama negra? Como você, negra!
Como você, negra? Como você!

(Hutu começa a sofrer espasmos de animalização)

VOZES DOS VISITANTES: Come! Come! Come! Come! Come! Come! Come!
Come! Come! Come! Come!

(Os espasmos de Hutu se intensificam com as vozes dos visitantes)

HUTU: Não!!!

TUTSI: Como chama?

HUTU: Você?

TUTSI: Não.

HUTU: Então...

TUTSI: Então chama!

HUTU: Negra?

TUTSI: Chama!

HUTU: Negra!

TUTSI: Chama!

HUTU: Negra!

TUTSI: Chama!
HUTU: Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! (Hutu diz esta palavra com pequenos
espasmos de animalização)

(sugestão: o diálogo vai ficando cada vez mais rápido até chegar nesse ponto)

(Breve silêncio. O diálogo segue normal)

TUTSI: Então... Como você se chama?

HUTU: Negra.

TUTSI: Você se chama negra?

HUTU: Não.

TUTSI: Então...

HUTU: Mas é assim que me chamam. É assim que te chamam também. Então não
importa como você se chama, como eu me chamo. A gente é negro.

(Tutsi tem breve espasmo de animalização).

TUTSI: Prazer,

HUTU: A gente é negro.

(Os dois têm breve espasmo)

TUTSI: Prazer,

HUTU: A gente é negro.

(Os dois têm breve espamo)

TUTSI: Prazer,
HUTU: A gente é negro.

(Os dois têm breve espasmo, mas com muita dificuldade Tutsi consegue dizer)

TUTSI: Prazer, Tutsi!

(Hutu permanece calada, simulando indiferença diante da informação)

CENA 3
MACHO E FÊMEA

- Boa noite!

- Boa noite!

- Iniciamos nosso jornal com o programa que vem prendendo nosos telespectadores as
sextas feiras à noite: o RuPaul's Blackface.

- O programa, que promove um concurso onde os candidatos se transformam em negros,


tem nova vencedora.

- A grande final foi disputadíssima, mas a digital influencer Yumi Abramovich sagrou-se
a campeã.

(Reprodução de uma entrevista com a vencedora e de imagens de brancos fazendo


cosplay de negros)

- Bem, nossa próxima reportagem é sobre o zoológico da cidade. A fêmea negra recebeu
uma visita inusitada hoje.

- É. Com o objetivo de conservar a espécie dos negros, o zoológico recebeu um macho


negro para possibilitar a reprudoção. O bichinho passará por um processo de quarentena e
adaptação com a fêmea.

- E é com essa bela cena de amor que encerramos o nosso jornal de hoje. Lembrando que
o zoo abre diariamente das 8h às 18h, inclusive feriados e finais de semana. Mais
informações você pode encontrar no nosso portal da internet. Boa noite.

- Boa noite.

CENA 4
MARIA TIU

TUTSI: Prazer, Tutsi!

TUTSI: Foi meu pai quem me deu esse nome. Mas não era assim que chamavam lá em
casa. Meu irmão, que tinha 4 anos quando eu nasci, não sabia pronunciar meu nome
direito, ele falava Tuti ao invés de Tutsi. Assim ele me chamou pro resto da vida, até o
dia em que ele saiu de casa. Quando eu vi ele pela última vez, ele ainda atendia pelo
nome de Tiúpe. Mas quando eu soube da sua tinha morte, ele se chamava Maria. O pai
disse que quando o Tiú decidiu levar aquela vida, o filho mais velho tinha morrido.
Quando bateram lá em casa dizendo que tinham encontrado o Tiú morto, o pai nada
disse, nada fez, virou pedra. Fiquei com pena do velho, não podia sofrer naquele
momento, porque isso seria afirmar que o filho só tinha morrido ali, há poucas horas, e
não há alguns anos como ele dizia. Quando a gente foi preparar o Tiú pro enterro, o pai
mandou tirar aquelas roupas que ele vestia e pediu pra que colocassem roupa de homem.
O filho certamente ia pro inferno, mas ia entrar lá cabra-macho. Eu fico pensando, o Tiú
gostava tanto de andar de vestido, de brinco, sapato de salto. A gente não podia ter
deixado o pai fazer aquilo. A gente conseguiu matar o Tiú depois de morto.

(Hutu olha surpresa para Tutsi, devido ao fato dele estar chorando)

CENA 5
ÁGUA

HUTU: Você ainda chora. Quem chora não é deserto por dentro. Eu queria tanto, mas já
não tenho mais lágrima.

TUTSI: Você não chora?

HUTU: Quando pequena chorei muito. Mas acho que toda água que eu tinha foi embora.
TUTSI: Não é possível. Todo ser humano é constituído por setenta porcento de água.

HUTU: Tá explicado. Eu não sou humana. Sou negra.

(Hutu tem pequeno espasmo de animalização)

TUTSI: É humana. E é capaz de chorar. E é capaz de aprender. Eu posso te ensinar.

HUTU: Ensinar a chorar?

TUTSI: Não extamente. Mas posso te ensinar a procurar a sua água. Ela tá aí, escondida,
espremida entre as camadas da terra, em algum lençol freático.

HUTU: Eu sou seca.

TUTSI: Até o deserto tem oasis.

HUTU: A água foge de mim, ela sabe que nesse corpo ela apodrece.

TUTSI: Me conta qual seu nome?

HUTU: Lá vem você de novo.

TUTSI: Me deixa te ajudar.

HUTU: Falar meu nome vai ajudar em que?

TUTSI: E esconder ele vai te ajudar em que?

HUTU: Vai me ajudar a não esquecer que eu vivo numa jaula e quem assim vive não
precisa de nome.

(Espamos de animalização)

TUTSI: E a pessoa que você era antes de tá aqui? Me conta o nome dela.
HUTU: Espertinho!

TUTSI: Me conta. Me conta sobre ela. Ela era seca também?

HUTU: Não. Nenhum ser humano nasce seco, os bebês ficam no bucho da mãe num
líquido, protegidos, é por isso que choram quando saem de lá. O mundo é o avesso do do
bucho da mãe, ele é seco, perigoso.

(Tutsi abre os braços)

TUTSI: Sente esse vento. Olha essa brisa! Certeza que é vento de chuva.

HUTU: Odeio chuva.

TUTSI: E o que você gosta? Me conta de alguma coisa que você gosta.

HUTU: Gosto de ficar quieta no meu canto.

TUTSI: Quanta amargura nesse coração! Vem aqui! Abre os braços e sente o vento.
Você vai ver que é legal.

HUTU: Tô bem aqui.

TUTSI: E vai ficar melhor ainda aqui. Vem!

HUTU: Cai fora!

TUTSI: Vem! Vem! Vem! Vem!

(Depois de muito relutar Hutu vai, abre os braços diante de Tutsi a imagem dos dois
forma a cena de Jack e Rose, do filme Titanic).

TUTSI: Tô com uma sensação de dejavu. Parece que eu já vivi essa cena. Não é lindo
nós dois aqui?

HUTU: Sei lá.


TUTSI: Lembrei é do Titanic. Rose e Jack.

HUTU: Nunca vi. Aposto que é filme de branco.

TUTSI: É um filme lindo. Uma história de amor. Já que eu não sei seu nome eu posso te
chamar de Rose?

HUTU: Cai fora. Vai me chamar de nada. Parece que você tá fugindo de onde você tá?

TUTSI: Pior é você que fica fugindo de quem você é. Quem é você, caralho? Me conta.
Quem é você? Quem é você? Quem é você?

(Hutu passa a ter espasmos de humanização)

CENA 6
HUTU

HUTU: Hutu.

TUTSI: O quê?

HUTU: (Hutu conta sua história batendo em Tutsi) O meu nome é Hutu, me contaram
que foi por vontade do meu irmão. Meu pai dela morreu com uma ACP 45, o irmão mais
velho com uma magnum 357, o do meio com uma 9mm e minha irmã mais nova
conseguiu fazer uma cirurgia de despigmentaçao da pele, desde então nunca mais vi ela.
Já a mãe morreu aos poucos, no cemitério, ela se mudou pra lá depois que o pai e o meu
irmão mais velho morreram. Dizia que era mais prático, sabia que logo, logo teria de
enterrar mais um. Minha mão enterrou tanto filho, tanto sobrinho, tanto irmão que no fim
da vida ela ficava cavando cova, falava que era para o próximo, não tinha se dado conta
que, com exceção dde mim, todos ja havam morrido. Foi cavando, cavando, cavando.
Acova foi ficando funda. Ela não conseguiu mais sair. Assim ela morreu. Soterrada.

(Começa a cair as primeiras gotas de chuva do céu)

CENA 7
FALO/PIROCA/PÊNIS/TICO/PAU/PIÇA/GEBA/NECA/GIROMBA

TUTSI: Chuva! Esse cheiro me faz lembrar do mano, Tiú. A gente brincando na chuva.
A mãe berrando pra gente entrar, porque se não a gente ia pegar pneumonia. E o pai
dizendo: deixa! É criança! Assim cresce forte. O pai cobrava que a gente fosse forte. Se
orgulhava de ter posto no mundo dois varões.

CORTE DA CENA: PAI NEGRO DEIXANDO UMA HERANÇA AO SEU FILHO

- Filho vem aqui, te senta. Teu pai é pobre, teu avô era pobre, o pai do teu avô também
era pobre. Então é o seguinte, a única coisa que eu tenho pra te deixar é a bendita da
macheza, moleque! Portanto, se chorar, vai apanhar. (O pai entrega um pênis preto
gigante ao filho) Honra teu pai. Honra teu pau.

VOLTA PARA O DIÁLOGO ENTRE TUTSI E HUTU

TUTSI: O pai tinha nos legado a macheza. E eu fui um príncipe hipócrita. Detestava o
reino, mas não detestava usufruir os privilégios de ser o sucessor do rei. Virei homem.

CENA 8
CHUVA

HUTU: Detesto chuva.

TUTSI: Eu gosto. Quando eu era bem pequenininho minha mãe dizia que chuva era
Deus chorando. Eu cresci e me esqueci disso que a mãe dizia. Mas aí um dia, do nada,
começou a chover e eu me lembrei. Aí me botei a chorar. Se Deus chora eu também
posso. Eu que sou humano. Mas aí me prenderam nessa jaula... Já nãe sei se eu choro
porque esqueço que sou bicho ou se é porque lembro que sou gente.

HUTU: Odeio chuva.

TUTSI: Por quê?

HUTU: Odeio água, odeio chuva, odeio. Meu irmão morreu porque ele carregava um
guarda-chuva. Um policial achou que fosse uma arma. Porque, realmente, deve ser muito
suspeito uma pessoa carregar um guarda-chuva em dia de chuva.

TUTSI: Hutu, a chuva molha a terra. Deixa ela te molhar. Guarda a água que ela te der.
Quem sabe assim você não começa a chorar?

HUTU: Eu não quero chorar!

TUTSI: Chora!

HUTU: Eu nao quero!

TUTSI: Tenta!

(Começa a chover forte)

HUTU: Eu não quero!

(Enquanto Hutu fica dizendo repetidas vezes "Eu não quero", Tutsi fala por cima)

TUTSI: Sabe o que eu penso sobre a chuva. Eu penso que a chuva é uma recompensa
porque a gente não pode voar. Por isso deus fez a chuva, que nada mais é do que o céu
em forma líquida. É o ceu vindo ao encontro da gente. É a montanha indo a Maomé. Por
isso a gente abre os braços na chuva, pra voar. Abre os braços, Hutu! Aproveita!

HUTU: Eu não quero. Me ouve...

NARRADOR: ... houve um tempo em que reinava nas sociedades africana


matrilinearidade, onde as decisões da comunidade tinham que passar pelas mulheres
pretas. Elas comandavam exércitos, chefiavam reinos, conheciam os seus corpos. Houve
um tempo. Ouçam esse tempo.

TUTSI: Hutu. Vem. Aproveita!

(Tutsi se aproxima de Hutu, começa a fazer pequenas brincadeiras, ela resiste no


começo, mas aos poucos vai sedendo. Os corpos dos dois começam a se enroscar. Eles
param, ficam olhando um para outro. A cena acontece de modo clichê, ao modo das
comédias românticas).

CENA 9
DILEMA

HUTU: Você quer foder minnha boceta? (Tutsi se constrange) Você é viado?

TUTSI: Não.

HUTU: Por que não quer foder minha boceta?

TUTSI: Você não é mole, hein!

HUTU: E nem você. Eu senti, enquanto você me abraçava.

TUTSI: A gente não pode fazer isso.

HUTU: Ah, entendi. Você é Biblia. Bem que eu desconfiei desse papo todo de lágrima
de Deus, montanha e Mamomé.

TUTSI: Não, Hutu, eu não sou crente. Só que eu não quero fazer isso, porque é isso o
que eles querem. Eles querem que a gente reproduza pra eles.

HUTU: Mas você não sente vontade de trepar comigo?

TUTSI: Hutu!

HUTU: Sente?

TUTSI: A questão não é essa. Mataram os nossos até, praticamente, chegarmos a


extinção. Agora querem que a gente dê vida pra eles, pra ter mais dos nossos em algum
zoológico por aí? Vai ser sempre assim eles controlando a nossa vida e a nossa morte?

HUTU: É que eu acho que eu senti água. E não era água da chuva. Era a água em mim.
Água entre as minhas pernas, enquanto você me abraçava. Aquela água que minhas
tataravós não sentiam quando o sinhozinho estuprou elas. Aquela água que minhas avós
se viram obrigadas a negar porque aquilo era coisa de puta. Aquela água que minha mãe
nunca ousou mencionar pra mim. Aquela água que minhas irmãs sentiam jorrar das suas
pernas, mas que os banhistas se recusavam a visitar, porque preferiam as águas claras, e
as águas de minhas irmãs eram turvas.

TUTSI: Hutu, a gente não pode.

CENA 10
QUILOMBOS

- Boa noite!

- Boa noite!

- Começamoos o jornal de hoje com uma triste notícia.

- Uma investigação da polícia federal aponta para a existência de abrigos subterrâneos


onde vivem negros escondidos.

- A investigação que se iniciou a 8 anos atrás, mostra o quão a população deve ficar
alerta, para que esse país não caia novamente nas mãos dos negros.

(Reprodução da reportagem sobre a investigação)

- Agora vamos falar de uma jornada que vem envolvendo os brasileiros.

- Se trata do macho negro e da femea negra do zoológico de São Paulo.

- 40 dias se passaram e as tentativas de reprodução se mostraram fracassadas. Os


biólogos se mostram aprrensivos pois isso pode significar a total extinção da espécie
dos negros.

- Há alguns biólogos que acreditam que o macho negro possa ter desenvolvido o
homossexualismo, o que explicaria o seu total desisnteresse pela fêmea negra. Tal
questão vem despertando um caloroso debate na ciência: a natureza também pode sofrer
de desvios morais que, até então, acreditava-se que só aos humanos se acometia?
REPORDUÇÃO DE VÍDEO SOBRE A HOMOSEXUALIDADE ENTRE OS
ANIMAIS

- Outra notícia que chamou a atenção dos brasileiros foi o caso de D. Sara.

- Esta semana, D. Sara descobriu que o seu cachorro na, verdade, não era um cão, mas
um negro.

- Tob, como era chamado o bichinho de D. Sara, era um negro que se disfarçou de cão
para escapar do cativeiro.

(Reprodução da reportagem de D. Sara relatando como se deu a descoberta e fuga de


Tob)

- Qualquer informação sobre o paradeio de Tob vocês podem entrar em contato pelo
telefone XXXXXXX, ou através do email @@@@@@@.

- Agora fiquem com a fala do nosso cronista Alberto Gavin.

- Negros são perigosos. São violentos por natureza. Por isso devemos tê-los sob controle.
Me assusta a possibilidade ter negros vagando por aí e nossas autoridades não se
pronunciarem com relação isso. O que o governo vai fazer diante disso? Não se pode
esquecer que quando tiramos os negros do continente do pecado e os trouxemos para o
nossso convívio, muitos se mostraram ingratos. A revolução haitiana é um exemplo,
mataram nossos ancestrais, simplesmente pelo ódio, porque são incapazes de
solidariedade. É importante termos consciência histórica, para que nunca mais aconteca.
HAITI NUNCA MAIS!

(Reprodução na íntegra de uma reportagem da veja em que um analista diz que a


violência contra brancos é maior do que contra negros)

https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/violencia-de-negros-contra-brancos-
nos-eua-e-mais-de-25-vezes-maior-que-o-inverso-mas-jornais-escondem-dados/

- VIDAS BRANCAS IMPORTAM, boa noite!


- Boa noite!

CENA 11
ÁLCOOL

(Tutsi está completamente bêbado. Ele começa a falar algumas asneiras e a fazer graça
para o público que visita o zoológico)

HUTU: O que é isso, Tutsi? Você está bêbado?

TUTSI: Não. Eu só tomei uma tacinha pra descontrair.

HUTU: Como você arranjou bebida.

TUTSI: Tinha uns visitantes fazendo pequenique perto da jaula. Aí eu cosegui roubar
essa garrafava de vinho. Nego não é tudo ladrão? Nego não é tudo cachaceiro? Eu sou
ladrão e pingunço. O que é que vão fazer? Me prender?

(Tutsi continua a fazer graça para o público)

HUTU: Para com isso. Vou te dar um banho pra curar essa cachaceira.

TUTSI: Me solta. Me deixa me divertir.

(Tutsi empurra bruscamente Hutu, que cai no chão)

TUTSI: Meu Deus! Eu tô fazendo com você igualzinho o que meu pai fazia com a minha
mãe. Desculpa, Hutu. Perdoa eu. Perdoa.

HUTU: Para.

TUTSI: Perdoa, Hutu. Diz que perdoa.

HUTU: Perdoo.
TUTSI: É que meu pai só dizia que me amava quando tava sob o efeito da pinga e agora
eu entendo ele. É difícil pra caralho dizer eu te amo. É preciso tomar coragem.
Ás vezes a coragem só vem engarrafada, num plástico vagabundo... Tem palavras que a
gente preto diz tão pouco. Por quê, Hutu? Por quê? Por que é tão mais fácil eu falar
sobre bala, sobre tiro, sobre todas às vezes que a polícia me parou, sobre os irmãos que
foram presos ou mortos, sobre a escravidão, sobre o apartheid, sobre os zoológicos
humanos, sobre a fome, sobre a falta de esgoto, sobre não ter creche pros pia, sobre
palmito, sobre colorismo, sobre transição capilar, sobre cotas, sobre apropriação culural,
sobre o mano brown. E pra dizer eu te amo, eu tenho que tomar pinga. Eu te amo, Hutu.
Eu te amo! Eu te amo.

CENA 12
AI DE MIM

HUTU: Nossa! Eu nem sei se já ouvi "eu te amo". Ouvi em filme, novela, mas na vida,
eu não lembro se alguém disse isso pra mim. (Hutu começa a dizer repetidas vezes a
frase Eu te amo, como se quisesse se familiarizar dela) Tolice! Amor? Amor? Amor é
luxo, não é pra quem vive em cativeiro.

TUTSI: Eu te amo, Hutu! Eu te amo!

(Hutu começa a chorar e solta um grito lancinante)

HUTU: Ai de mim, ai de mim. É assim que as mulheres brancas sofrem na dramaturgia.


Pois eu digo: eu também sofro. Eu também sinto dor,eu também quero chorar, berrar meu
desespero. Ai de mim. Chega! Basta de ouvir que eu sou mulher forte, que eu sou a
guardiã, a matriarca, o alicerce da família. A que visita quando o filho ou o marido tão na
cadeia, a que fala doce porque não quer que o marido se zangue pois ele tá bêbado feito
um pudim, a que cuida dos netos. Vão todos à merda. Basta de ser a ama de leite de
vocês. Hoje eu só quero berrar. Eu só quero berrar.

CENA 13
PRODUZIR AMOR

TUTSI: Eu te amo, Hutu! Eu te amo! Eu te amo!


HUTU: Cala essa boca, Tutsi!

TUTSI: Você viu? Você tá chorando. Você tá chorando, Hutu.

(Tutsi começa a lamber as lágrimas de Hutu. Os dois se beijam)

HUTU: Não, a gente não pode fazer isso. Você mesmo disse. Você tava certo. Não
vamos fazer o que eles querem.

TUTSI: Eles querem que a gente reproduza. Mas a gente não vai reproduzir. A gente vai
produzir. Produzir amor, Hutu. Produzir amor.

(Tutsi e Hutu fazem amor, mas sem encostar um no outro)

NARRADOR: Há em noso tempo negros que não querem simplesmente reproduzir o


que os brancos desejam. Eu disse há? Houve. Sempre Haverá. Essa peça não é uma
metáfora.

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