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Conselho editorial

Fábio Alves dos Santos


José Eduardo Franco
José Rodorval Ramalho
José Afonso do Nascimento
Jorge Carvalho do Nascimento
Justino Alves Lima
Lucas Aribé Alves
Luiz Carlos Fontes
Martin Hadsell do Nascimento
SURDEZ, DEFICIÊNCIA AUDITIVA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Organizadora
Rita de Cácia Santos Souza

Aracaju, 2016
Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, com finalidade de
comercialização ou aproveitamento de lucros ou vantagens, com observância da Lei de
regência. Poderá ser reproduzido texto, entre aspas, desde que haja expressa marcação do
nome da autora, título da obra, editora, edição e paginação.

A violação dos direitos de autor (Lei nº 9.619/98)

é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código penal.

Editoração Eletrônica
Adilma Menezes

S719s Souza, Rita de Cácia Santos


Surdez, deficiência auditiva e educação inclu-
siva/ organizado por Rita de Cácia Santos Souza. –
Aracaju: Editora Criação, 2016.
346 p.
ISBN: 978-85-62576-72-0
Edição Digital
1. Surdez. 2. Deficiência auditiva. 3. Educação. 4.
Educação inclusiva. I. Título.
CDU 376
APRESENTAÇÃO

O movimento da inclusão e a atuação das pessoas que militam


por essa temática tem sido crescente. Dentre os focos de estu-
do, podemos observar um aumento pelo interesse na área da surdez e/
ou deficiência auditiva.
Esta coletânea, vem com seus dezesseis capítulos, abrir espaço
para os diferentes discursos relacionados a essas temáticas. Mais um
fruto do Projeto Educare, o qual nasceu de uma experiência de escuta
em que orientandos e colegas queixavam-se da incipiente produção
científica em Sergipe sobre Educação Inclusiva, somada à necessidade
de contribuir com a formação e atuação nessa área de conhecimento,
criando espaço para publicação das produções de intelectuais sergipa-
nos em diálogo com autores de outros espaços culturais. Sendo esta, a
sexta, das dez coletâneas idealizas pelo projeto Educare.
Os estudos estão organizados em quatro blocos e apresentam dife-
rentes olhares sobre temáticas comuns. Não temos aqui o objetivo de
defender ou apontar limitações de determinadas correntes de pensa-
mentos, e sim de apresentá-las livremente como diferentes possibili-
dades de análise da temática.
O primeiro bloco é composto por dois capítulos: Registros histo-
riográficos da educação dos surdos em Aracaju e Itabaiana/SE e As-
pectos Históricos da Educação dos surdos: marcos legais e práticas
pedagógicas. Os quais apresentam estudos relacionados aos aspectos
históricos e legais da educação do surdo.
O segundo contempla quatro capítulos que discutem o processo
de inclusão da pessoa com deficiência, de forma geral, e mais especi-
ficamente, do surdo: O processo de inclusão escolar da pessoa com de-
ficiência; Educação de surdos em questão: uma experiência de inclusão
e cidadania; sujeito surdo: relação dialógica entre inclusão/exclusão e
surdez e ensino superior: o processo de Inclusão na Universidade Federal
de Sergipe.
O terceiro bloco tem a língua e tecnologia como elementos desen-
cadeadores dos discursos em cinco capítulos: Análise da produção es-
crita dos surdos: a interferência da Língua Brasileira de Sinais; Gêneros
Textuais: uma proposta para o ensino de língua portuguesa para surdos;
Educação Especial e Inclusiva: língua inglesa, Libras e ASL ( American
Sign Language); Redes Sociais Digitais: Espaço Interativo na Educação e
a Comunicação dos Surdos; Website Libras e Matemática.
O quarto bloco vem colocar em relevo as discussões sobre o aten-
dimento educacional especializado em dois capítulos: Atendimento
Educacional Especializado para pessoa surda e O Atendimento Educa-
cional Especializado para alunos com surdez no ensino superior: um
serviço necessário.
O quinto bloco torna-se instigante por apresentar em três capítu-
los, diferentes discursos sobre o papel e a atuação do intérprete da Lín-
gua Brasileira de Sinais ( Libras): O Intérprete de Libras e o aluno surdo;
A função dos tradutores/intérpretes de Libras – Tilibras – Na Educação
Inclusiva e A formação do tradutor e intérprete de Libras: entre a lei e
o real.
Caro leitor, desejo-lhe uma excelente leitura e espero que possa-
mos inspirá-lo a repensar o seu saber fazer no processo inclusivo, con-
tribuindo assim para uma sociedade que cada vez mais se aproxime do
seu dever ser!

Profa. Dra. Rita de Cácia Santos Souza


SUMÁRIO
Capítulo 1 | 9
REGISTROS HISTORIOGRÁFICOS DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS EM ARACAJU E ITABAIANA/SE
Edivaldo da . Costa, Edna M. dos Santos, Alessandra R. dos S. Andrade, Rita de Cácia S. Souza

Capítulo 2 | 31
ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS: MARCOS LEGAIS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Alda Valéria S. de Melo, Josevânia T. Guedes, Mônica de Gois S. Barbosa, Rita de Cácia S. Souza

Capítulo 3 | 53
O PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Josilene Souza Lima Barbosa, Rita de Cácia Santos Souza

Capítulo 4 | 71
EDUCAÇÃO DE SURDOS EM QUESTÃO: UMA EXPERIÊNCIA DE INCLUSÃO E CIDADANIA
Edna Maria dos Santos, Alessandra Rezende dos Santos Andrade, Edivaldo da Silva Costa

Capítulo 5 | 93
SUJEITO SURDO: RELAÇÃO DIALÓGICA ENTRE INCLUSÃO/EXCLUSÃO
Soraya Cristina Pacheco de Meneses, Ronaldo Nunes Linhares, Rita de Cácia Santos Souza

Capítulo 6 | 117
SURDEZ E ENSINO SUPERIOR: O PROCESSO DE INCLUSÃO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
Priscila Dantas Fernandes, Verônica dos Reis Mariano Souza

Capítulo 7 | 139
ANÁLISE DA PRODUÇÃO ESCRITA DOS SURDOS: A INTERFERÊNCIA DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS
Mônica de Gois Silva Barbosa

Capítulo 8 | 157
GÊNEROS TEXTUAIS: UMA PROPOSTA PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS
Iranilde dos Santos Rocha Souza, Rita de Cácia Santos Souza

Capítulo 9 | 179
EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA: LÍNGUA INGLESA, LIBRAS E ASL (AMERICAN SIGN LANGUAGE)
Roberto Carlos Bastos da Paixão, Josevânia Teixeira Guedes
Capítulo 10 | 197
REDES SOCIAIS DIGITAIS: ESPAÇO INTERATIVO NA EDUCAÇÃO E A COMUNICAÇÃO DOS SURDOS
Soraya Cristina P. de Meneses, Ronaldo N. Linhares, Andrea C. Versuti, Rita de Cácia S. Souza

Capítulo 11 | 221
WEBSITE LIBRAS MATEMÁTICA 221
Enio Gomes Araujo

Capítulo 12 | 237
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA A PESSOA COM SURDEZ
Ana Paula Andrade de Melo, Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos

Capítulo 13 | 261
O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA ALUNOS COM SURDEZ NO ENSINO SUPE-
RIOR: UM SERVIÇO NECESSÁRIO
Sandra de Andrade Santos, Joelma Alves da Rocha, Cristina Nunes dos Santos

Capítulo 14 | 279
O INTÉRPRETE DE LIBRAS E O ALUNO SURDO
Gicélia Barreto Nascimento

Capítulo 15 | 297
A FUNÇÃO DOS TRADUTORES/INTÉRPRETES DE LIBRAS - TILIBRAS - NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Genivaldo O. Santos Filho, Rozilda Ramos dos Santos Oliveira, Rita de Cácia Santos Souza

Capítulo 16 | 317
A formação do tradutor e intérprete de libras: ENTRE A LEI E O REAL 317
Alda Valéria S. de Melo, lka Miglio de Mesquita, Simone S. Amorim, Rita de Cácia S. Souza

SOBRE OS AUTORES | 341


Edivaldo da S. Costa | Edna M. Santos | Alessandra R. S. Andrade | Rita de C. S. Souza |9

Capítulo 1 | REGISTROS HISTORIOGRÁFICOS DA EDUCAÇÃO


DOS SURDOS EM ARACAJU E ITABAIANA/SE
Edivaldo da Silva Costa
Edna Maria dos Santos
Alessandra Rezende dos Santos Andrade
Rita de Cácia Santos Souza

N a área da História da Educação Especial Brasileira, estudos e


pesquisas têm apontando que há uma deficiência de livros que
tratem da historiografia educacional das pessoas com necessidades
especiais, isso mostra que poucos historiadores têm se interessado a
resgatar os fatos históricos da educação especial com exceções de Bue-
no (1993) que aborda a Educação Especial Brasileira; Mazzota (1996)
que relata a Educação Especial e faz inferências as políticas públicas
brasileiras; Soares (1999) e Rocha (2007) que tratam da Educação dos
Surdos no Brasil entre outros.
Tal deficiência também se torna presente, quando nos debruçamos
sobre estudos e pesquisas acerca da História da Educação Especial
Sergipana, pois essa temática é pouco explorada tendo como exceções:
os trabalhos das professoras Rita de Cácia S. Souza (2005; 2009), que
trata da Educação Especial em Sergipe e Verônica Souza (2007; 2010),
que aborda a Educação de Surdos em Aracaju.
Historicamente, no que diz respeito à educação dos surdos, apenas
nas duas últimas décadas os membros das comunidades surdas brasi-
leiras conquistaram o reconhecimento de sua identidade e bi/multi-
culturalidade, pois Quadros (1997) numa abordagem sócio antropo-
lógica considera o surdo não como “deficiente”, mas como membro de
uma comunidade linguística minoritária.
O ápice de tal reconhecimento pode ser considerado a oficialização
da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, por meio da Lei nº. 10.436/02,
regulamentada pelo Decreto nº. 5.626/05 o que garantiu aos surdos
o direito de frequentar diferentes espaços na sociedade, utilizando a
LIBRAS.
10 | REGISTROS HISTORIOGRÁFICOS DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS EM ARACAJU E ITABAIANA/SE

Diante desses fatos, pesquisas referentes à Historiografia da Edu-


cação dos Surdos Sergipanos tornam-se relevantes no sentido de “de-
senterrar as raízes históricas”, registrar os fatos em diferentes épocas
e realizar uma analise da trajetória desde a gênese à contemporanei-
dade.
Nessa perspectiva, Honora e Frizanco (2009, p. 15), discorrem que
“[...] a história sempre nos faz refletir e entender os fatos atuais, que o
presente não está deslocado do passado, que a trajetória é importante
para ser vista como um processo”.
Para este capítulo adotamos como método, a pesquisa documental
e procuramos levantar dados por meio de fontes históricas primárias e
secundárias com o objetivo de apresentar os registros historiográficos
da educação dos surdos em Aracaju e em Itabaiana, ambas situadas no
estado de Sergipe (SE).
Sobre pesquisa documental, Le Goff (1998) destaca que:

O documento não é inócuo. É antes de mais nada o resulta-


do de uma montagem consciente ou inconsciente da história
da época da sociedade que o produziram, mas também das
épocas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido,
durante os quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo
silêncio. O documento é coisa que fica, que dura e é o teste-
munho, o ensinamento (para evocar a etnologia) que ele traz
devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando o seu
significado aparente. O documento é monumento. Resulta do
esforço das sociedades históricas para impor ao futuro volun-
tária ou involuntariamente determinada imagem de si próprio
(LE GOFF, 1998, p.103).  

A pesquisa retratada nesse capítulo é fundamentada nos trabalhos


de Verônica Souza (2007; 2010) e Santos (2009; 2010) e está estrutu-
rada em duas subseções: 1.1. Aspectos Historiográficos da Educação dos
Surdos em Aracaju. Nesta seção são apresentados os registros historio-
gráficos da educação dos surdos em Aracaju, com a inauguração do
Centro de Reabilitação “Ninota Garcia”, associações, institutos e centro
Edivaldo da S. Costa | Edna M. Santos | Alessandra R. S. Andrade | Rita de C. S. Souza | 11

de capacitação profissionalizante, relacionados à surdez; 1.2. Aspectos


Historiográficos da Educação dos Surdos em Itabaiana. Nesta segunda
seção são abordados os registros historiográficos da educação dos sur-
dos em Itabaiana, com ênfase na implementação de classes especiais
na Escola de 1º Grau “CAIC1 Vicente Machado Menezes” atual Escola
Estadual “Vicente Machado Menezes” e posterior implementação de
classes regulares oferecendo atendimento educacional especializado
na sala de recursos “Luan Fagundes Domingos” localizada na referida
instituição de ensino.
Para situar o presente trabalho no contexto das pesquisas realiza-
das na área de História da Educação Especial em Sergipe, apresenta-
mos os registros historiográficos da educação dos surdos em Aracaju e
em Itabaiana, da gênese à contemporaneidade.

ASPECTOS HISTORIOGRÁFICOS DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS


EM SERGIPE

Os registros historiográficos referentes à educação dos surdos em


Sergipe, segundo estudos realizados por Souza (2010) começaram no
final do Império e início da República a partir de um entrelaçamento
desordenado e confuso entre o ensino público e privado com o desen-
volvimento de relevantes trabalhos do médico sergipano, Dr. Tobias
Rabello Leite, responsável pelas práticas que impulsionaram a conso-
lidação da educação dos surdos sergipanos.
Na década de 20, o senador sergipano Antônio Manoel de Carvalho
Neto e outros sergipanos denunciaram a ausência de escolas para o aten-
dimento dos “anormais”, sendo esta uma das primeiras iniciativas em fa-
vor das pessoas com deficiência já registrada. Na década de 50, a escola
de cegos denominada Serviço de Assistência e Movimento de Educação
(SAME) foi fundada como iniciativa filantrópica da igreja católica sendo
a pioneira no atendimento sistemático aos deficientes em Sergipe, a qual
teve como responsável pela educação dos cegos, a professora Maria He-


1
A sigla CAIC significa Centro de Aprendizagem e Integração de Cursos.
12 | REGISTROS HISTORIOGRÁFICOS DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS EM ARACAJU E ITABAIANA/SE

lena de Barros, com o seu óbito, os cegos ficaram sem atendimento até
a fundação do Centro de Reabilitação “Ninota Garcia” em 24 de junho de
1962, sendo na época dirigido pela própria família Garcia (SOUZA, 2010).
Em 1960, como em Sergipe não havia cursos de especialização em
LIBRAS, cinco professores sergipanas, sendo três do Centro de Reabili-
tação “Ninota Garcia”, foram selecionadas pela Secretária de Educação
do Estado de Sergipe (SEED/SE) para participarem do curso de capaci-
tação na área de surdez no Instituto Nacional de Educação dos Surdos
no Rio de Janeiro (INES/RJ) 2 (SOUZA. 2010).
Somente em 1970, a professora surda de artes e portadora de sín-
drome de Usher, Maria Aparecida Nascimento Santos33, foi a primeira
profissional a introduzir a LIBRAS no Centro de Reabilitação “Ninota
Garcia” em Aracaju (SOUZA, 2010)
De acordo com pesquisa realizada por Mazotta (1996) em 03 de
julho de 1973, foi criado o Centro Nacional de Educação Especial (CE-
NESP) com a finalidade de promover o repasse de recursos enviados
pelo MEC para a educação especial, em nível nacional e estadual visan-
do melhorar o atendimento educacional aos “excepcionais”. Em 1988,
de acordo com Souza (2000) a SEED/SE implantou oficialmente a filo-
sofia educacional “Comunicação Total/Bimodismo” para capacitação
de profissionais da educação na área de surdez.

2
O INES é atualmente, um centro de referência, a nível nacional para questões da De-
ficiência Auditiva/Surdez, é também um órgão do Ministério da Educação e Cultura
(MEC), sendo a primeira instituição de ensino especializado em surdez no Brasil.
Tem como encargo a produção, o desenvolvimento e a divulgação de conhecimen-
tos científicos e tecnológicos na área da Surdez em todo o território nacional, bem
como subsidiar a Política Nacional de Educação, promover e assegurar o desenvol-
vimento global da pessoa surda, sua plena socialização e o respeito às suas diferen-
ças. O Dia Nacional do Surdo, comemorado no dia 26 de setembro faz referência à
inauguração do INES de acordo com a Lei nº 11.976/2008, fundado em 1957. Sua
matriz está localizada na Rua das Laranjeiras, n0 232, Rio de Janeiro. Fones: (21)
2285-7546, 2285-7949, Fax: (21) 2285-7692. Site: http://www.ines.gov.br/.
3
A surda Maria Aparecida Nascimento Santos aos sete anos foi estudar no INES/RJ,
durante oito anos. Ao completar 15 anos ela terminou a quarta série e foi para São
Paulo e estudou durante oito anos. Depois foi para Recife e ao retornar para Aracaju
ficou dois anos sem desenvolver nenhuma atividade até ser admitida na escola de
surdos (SOUZA, 2010, p. 88).
Edivaldo da S. Costa | Edna M. Santos | Alessandra R. S. Andrade | Rita de C. S. Souza | 13

Entre 13 e 17 de fevereiro de 1989, a SEED/SE realizou o curso


“Comunicação Total - Uma Alternativa Educacional” com carga horária
de 20 horas, para professores da rede pública de ensino, e em 1992,
iniciaram-se os primeiros cursos de LIBRAS no Estado.
Segundo Souza (2010) em 1990 as escolas tinham o desafio de
alfabetizar crianças com deficiências físicas e intelectuais em turmas
regulares do ensino. Em 2002 o pesquisador Bueno fez um lavamento
historiográfico sobre pesquisas realizadas nas instituições de ensino
superior do Brasil, verificando que em apenas quatro destas haviam
sido publicados trabalhos na área de Linguagem e Surdez, e nenhum
registro sobre a História da Educação dos Surdos.
Em 2005 a professora Rita de Cácia Souza (2005) abordou em sua
dissertação de mestrado a educação dos surdos no Centro de Reabili-
tação “Ninota Garcia” e também na Escola de 1º Grau “11 de Agosto”
fazendo inferências sobre a Associação dos Surdos de Sergipe (ASSE)
e a Associação de Pais e Amigos do Deficiente Auditivo (APADA/SE).
No Brasil, um grande marco da educação de surdos foi a oficiali-
zação da LIBRAS por meio da Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002,
regulamentada pelo Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005,
reconhecendo-a como língua oficial das comunidades surdas brasilei-
ras. No Art. 1º lê-se: “É reconhecida como meio legal de comunicação
e expressão a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e outros recursos
de expressão a ela associados”. Além disso, o Art. 4º da referida Lei
determina que:

Os sistemas educacionais federais, estaduais, municipais e do


Distrito Federal devem garantir a inclusão do ensino da LI-
BRAS, nos cursos de formação em Educação Especial, de Fo-
noaudiologia e de Magistério, em seus níveis médios e supe-
riores, como partes integrantes dos Parâmetros Curriculares
Nacionais – PCN (BRASIL, 2005).

Dessa maneira, percebe-se uma evolução que implicitamente traz


uma rediscussão sobre as possibilidades e formas de construir efetiva-
mente o processo de inclusão, por meio da formação profissional.
14 | REGISTROS HISTORIOGRÁFICOS DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS EM ARACAJU E ITABAIANA/SE

EDUCAÇÃO DOS SURDOS EM ARACAJU

O registro historiográfico da educação dos surdos em Aracaju, de


acordo com estudos realizados por Souza (2010) teve seu início em 24
de junho de 1962, com a inauguração do Centro de Reabilitação “Nino-
ta Garcia”4 mostrado na figura 1, localizado no bairro Industrial, tendo
como primeiro fundador e diretor, o médico Dr. Antônio Garcia Filho5,
cuja gestão transcorreu entre 1962-1979. Para a inauguração foi convi-
dado o Dr. Fernando Novoa, diretor do Instituto Baiano de Reabilitação.

Figura 1: Foto do Centro de Reabilitação Ninota Garcia (1962).


Fonte: Livro “Gênese da Educação de Surdos em Aracaju” (SOUZA, 2010).

4
O Centro de Reabilitação “Ninota Garcia” é a primeira escola de Sergipe voltada
à educação sistemática de alunos surdos e a décima do Brasil, entretanto não con-
seguiu realizar o término dos estudos dos surdos aracajuanos. As 12 instituições
para Educação de Surdos fundadas no período de 1857 à 1970 serão mencionadas
a seguir, com suas respectivas datas de fundação e localidade: Imperial Instituto
dos Surdos-Mudos em 1857 no Rio de Janeiro, Instituto Santa Terezinha em 1929
em São Paulo, Instituto Santa Inês em 1947 em Belo Horizonte/MG, Escola Epeta em
1950 em Curitiba/MT, Instituto São Domingos Sávio em 1952 em Recife/PE, Escola
Santa Cecília em 1957 no Rio de Janeiro, Instituto Educacional em 1958 em São Paulo,
Instituto Cearense de Educação de Surdo em 1958 em Fortaleza/CE, Instituto Nossa
Senhora de Lourdes em 1959 no Rio de Janeiro, Instituto D. Conceição em 1960 em
São Paulo, Escola de Surdos Centro de Reabilitação “Ninota Garcia” em 1962 em Ara-
caju/SE (BUENO, 1993; GARCIA FILHO, 1966 apud SOUZA, 2010, p. 151).
5
Antônio Garcia Filho nasceu no dia 27 de maio de 1917, em Rosário do Catete, es-
tudou na Faculdade de Medicina da Bahia no período de 1953 a 1941. Foi um dos
fundadores da Faculdade de Medicina de Sergipe, na qual recebeu título de profes-
sor emérito. Foi secretário da Educação Cultural e Saúde no governo Luiz Garcia.
Publicou vários trabalhos na área médica e no campo da Cultura para jornais (SOU-
ZA, 2010, p. 76).
Edivaldo da S. Costa | Edna M. Santos | Alessandra R. S. Andrade | Rita de C. S. Souza | 15

O “Ninota Garcia” funcionava como uma fundação e escola para


atender alunos surdos, cegos e deficientes mentais, mantido por re-
cursos públicos através da Secretaria de Educação, Cultura e Saúde e
por doações da União Sergipana de Assistência (USA) (SOUZA, 2010).
O símbolo do Centro de Reabilitação “Ninota Garcia” (Fig. 2) era
composto por:

[...] uma linha reta que simboliza os sãos, uma curva os defi-
cientes recuperáveis e uma linha quebrada os irrecuperáveis
de seus defeitos físicos, porém ajustáveis nas suas potenciali-
dades restantes. As linhas juntas representam o convívio so-
cial tendendo ao equilíbrio perfeito para o ALTO, ou melhor,
para DEUS” (GARCIA FILHO, 1966, apud SOUZA, 2010, p. 70).

Figura 2: Símbolo representativo do Centro de Reabilitação “Ninota Garcia”.


Fonte: Garcia Filho (1996, p. 57, apud SOUZA, 2010, p. 69).

Segundo dados coletados em entrevista com o ex-aluno surdo do


“Ninota Gárcia”, José Emerson dos Santos, o mesmo mostrou o sinal
representativo do referido centro de reabilitação com configuração
de mão direita passiva em [3] disposta em simples toque no lado es-
querdo do peito, sem movimento e com orientação da mão dorsal para
baixo, segundo o próprio surdo, o sinal configurado em [3] representa
as linhas reta, quebrada e curva do próprio símbolo representativo do
“Ninota Gárcia” (Fig. 2) e o simples toque no lado esquerdo do peito
simboliza o convívio social.
Em 1964, de acordo com Souza (2010) o “Ninota Garcia” possuía
apenas dois anos de funcionamento e atendia 16 alunos surdos. A
escola de surdos era organizada da seguinte forma: o pré-primário
16 | REGISTROS HISTORIOGRÁFICOS DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS EM ARACAJU E ITABAIANA/SE

(educação infantil), o segundo e o terceiro anos (ensino fundamental)


abrangendo conhecimentos gerais, compreensão e treinamento da
fala, Matemática.
A metodologia adotada no “Ninota Gárcia” era o “oralismo”, pois os
alunos surdos eram alfabetizados pela silabação, tendo em vista que
naquela época ainda era vetado o ensino da LIBRAS, desde a iniciativa
tomada pela diretora do INES, Ana Rímola de Faria Doria e assessoria
da professora Alpia Couto que proibiram em 1957, o uso da LIBRAS
em sala de aula, seguindo tendência mundial, estabelecendo o “Ora-
lismo” em todas as disciplinas. O veto perdurou até final da década de
1970, quando chega ao Brasil a “Comunicação Total/Bimodismo”. E na
década seguinte, a LIBRAS ganha respaldo quando começa no Brasil o
“Bilinguismo” (GOLDFELD, 2002).
A equipe do “Ninota Garcia” (Fig. 3) era formada por Dr. Antônio
Garcia Filho, Cândido Augusto Sampaio Pereira, Geruza Actiís Leal,
Edma Faro Barros, Aricéia Costa Maia, Maria Alice Vasconcelos, Maria
José Oliva Menezes, Ilma Andrade Almeida, Ieda Garcia de Melo, Auxi-
liadora Rosa (SOUZA, 2010).

Figura 3: Foto da equipe pedagógica do Centro de Reabilitação “Ninota Garcia”.


Fonte: Livro “Gênese da Educação de Surdos em Aracaju” (SOUZA, 2010).

As turmas do “Ninota Garcia” eram formadas segundo as seguin-


tes faixas etárias: no primeiro período, alunos com idade entre 8 e 12
anos; no segundo período, jovens de 13 a 16 anos; no terceiro, alunos
de 17 a 43 anos (SOUZA, 2010).
Edivaldo da S. Costa | Edna M. Santos | Alessandra R. S. Andrade | Rita de C. S. Souza | 17

Em 1872, conforme dados do IBGE (1940, p. 15-17, apud SOUZA,


2010, p. 59), foram encontrados 48 surdos em Sergipe, no censo de
1900 foram localizados apenas 44 surdos, no entanto em 1920, esse
número aumenta para 209, sendo distribuído 8 surdos em Aracaju e
201 nas demais cidades do Estado de Sergipe.
Depois da gestão de Dr. Antônio Garcia Filho, o “Ninota Garcia” foi
dirigido por Eduardo Garcia que em seguida, passou a diretoria para
seu primo Gilton Garcia, filho do ex-governador Luiz Garcia. Maria He-
lena Garcia foi a última diretora da instituição (SOUZA, 2010). O “Nino-
ta Gárcia” não funciona mais como instituição de reabilitação e ensino
para pessoas com deficiências, sendo atualmente seu prédio proprie-
dade de Severino Uchoa, reitor da Universidade Tiradentes (UNIT)
onde funciona o curso de Fisioterapia da UNIT.
No contexto da educação de surdos em Aracaju, de acordo com
Silva (2005), existem atualmente cinco instituições principais volta-
das ao ensino de alunos com deficiência auditiva: Associação de Pais
e Amigos de Deficientes Auditivos – APADA/SE; o Centro de Educação
Especial “João Cardoso Nascimento Júnior”, atual Escola de Educação
Especial “João Cardoso Nascimento Júnior”; Escola de 1° Grau 11 de
Agosto, atual, Escola Estadual 11 de Agosto, o Instituto Pedagógico de
Apoio a Educação dos Surdos – IPAESE e a Sociedade de Ensino e Rea-
bilitação CIRAS/Rosa Azul. Em todas estas instituições a metodologia
de ensino adotado é o Bilinguismo, variando apenas a forma como a
metodologia de ensino é aplicada.
Em 1970, a Escola de 1o Grau “11 de Agosto”, desenvolveu inicial-
mente trabalhos para deficientes mentais, e posteriormente, em 1977
para deficientes auditivos. No período de 1979 a 1989, a escola teve
como gestor o médico sergipano, Dr. Antônio Garcia Filho (SOUZA,
2000; 2010).
Em 1979, surgiu a Sociedade de Ensino e Reabilitação Rosa Azul
que desde 04 de julho de 1999 passou a ser nomeada Fundação CI-
RAS/Rosa Azul, é uma entidade não governamental apoiada pelo Gras-
sic e pelo Centro de Integração Raio de Sol (Fig. 4).
Atualmente, a fundação CIRAS/Rosa Azul está situada no bairro
Santa Maria em Aracaju, trabalha na área curativa e de integração so-
18 | REGISTROS HISTORIOGRÁFICOS DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS EM ARACAJU E ITABAIANA/SE

cial proporcionando atendimento e desenvolvendo programas de fi-


sioterapia, reabilitação e educação especial, oficinas profissionalizan-
tes entre outros, com o objetivo de estimular o desenvolvimento e a
socialização do deficiente. Desenvolve atividades de escolarização des-
de o pré-escolar ao ensino fundamental, sendo a maioria dos atendi-
dos portadores da síndrome de Down, deficientes auditivos e mentais.

Figura 4: Símbolo representativo do Centro de Integração Raio de Sol.


Fonte: http://www.facebook.com/RosaAzulFoundation?ref=stream

As professoras Maria Iara Campelo Lima, Marilza Franco, Maria das


Graças Barreto e Maria Júlia Santos foram as pioneiras no atendimento
educacional especializado em Sergipe. Em 1986, a educação especial
já atendia 64 alunos deficientes auditivos em pré-escolar (educação
infantil), com três unidades em Aracaju e uma em Estância; 235 alunos
na capital e 46 no interior, em níveis de primeiro grau (ensino funda-
mental) (SOUZA, 2010).
Em 1990, surgiu a Associação dos Surdos de Sergipe (ASSE) com o
intuito de incluir as pessoas surdas em todas as instâncias da sociedade.
Na década seguinte, especificamente em 21 de julho de 1991, foi criada
a Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos (APADA-SE)6,

A APADA-SE é uma entidade filantrópica que tem como finalidade preparar o aluno
6

surdo para ser inserido na sociedade e no mercado de trabalho e orientar a família


do mesmo, desenvolvendo atividades de diagnóstico fonoaudiológico, orientação
escolar, oferecendo cursos de alfabetização e da Língua Brasileira de Sinais. Ela
possui sua matriz em Aracaju/SE, na Rua Joana de Souza Bonfim, n0 200, Bairro
Inácio Barbosa, Loteamento Parque dos Coqueiros. Site: htpp://www.infonet.com.
br/apada-se/. E-mail: apada-se@infonet.com.br. Fone: (79) 255-1433.
Edivaldo da S. Costa | Edna M. Santos | Alessandra R. S. Andrade | Rita de C. S. Souza | 19

cujo símbolo representativo está mostrado na figura 5, sendo uma enti-


dade filantrópica associada à Federação Nacional de Educação e Integra-
ção dos Surdos no Rio de Janeiro (FENEIS/RJ)7 (SOUZA, 2000).

Figura 5: Símbolo da Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos.


Fonte: http://www.surdosol.com.br//associacoes/apada/

A APADA-SE tem atualmente como coordenadora pedagógica, Sô-


nia Regina C. Teles e as aulas de LIBRAS são ministradas pela instru-
tora surda Liana Maynard Garcez Silva licenciada em Pedagogia e pós-
-graduada em LIBRAS Latus sensu.
Em 21 de dezembro de 2000 foi fundado por um grupo de pais de
surdos, o Instituto Pedagógico de Apoio à Educação para Surdos de
Sergipe (IPAESE)88, cujo símbolo representativo está mostrado na figu-

7
A FENEIS é uma entidade não-governamental, filiada à Federação Mundial dos Surdos
(World Federation of the Deaf - WFD). Ela possui sua matriz no Rio de Janeiro e filiais
espalhadas por diversos estados brasileiros, tais como, Minas Gerais, Pernambuco, Rio
Grande do Sul, São Paulo, Teófilo Otoni e Distrito Federal. Está sediada na Rua Major
Ávila, 379, Tijuca-Rio de Janeiro CEP: 20511-140. Fone: (21) 2567 – 4800; Fax: (21)
2284 – 7462. Site: http://www.feneis.com.br/ E-mail: celesrj@feneis.org.br
8
O IPAESE é um instituto para surdos, onde é ministrado o curso básico de LIBRAS
no estado, com o objetivo de divulgar e capacitar o maior número de pessoas no
conhecimento dessa língua, para favorecer a inclusão dos surdos em todas as ins-
tâncias da sociedade, principalmente em instituições de ensino fundamental, mé-
dio e superior, além de cursos profissionalizantes. É uma instituição com reconhe-
cimento de Utilidade Pública Municipal na Lei nº 3.125 de 15 de outubro de 2003;
de Utilidade Pública Estadual na Lei nº 4.796 de 05 de maio de 2003 e de Utilidade
Pública Federal na Portaria nº 1.381 de 7 de agosto de 2007.Sua matriz está situada
na Av. Mario Jorge Menezes Vieira, 3172, no bairro Coroa do Meio/Aracaju – SE.
Fax: (79) 3211-0938 / 8121-4050 / 8854-0938. Site: http://www.ipaese.org.br/
20 | REGISTROS HISTORIOGRÁFICOS DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS EM ARACAJU E ITABAIANA/SE

ra 6, atuando como a primeira escola especializada em surdez, situada


em Aracaju, funcionando atualmente no bairro Coroa do Meio.

Figura 6: Símbolo representativo do Instituto Pedagógico


de Apoio à Educação para Surdos de Sergipe.
Fonte: http://www.ipaese.org.br/

O IPAESE é um espaço onde os surdos compartilham ideias, con-


cepções, aprendizados e sentimentos. O seu objetivo educacional é
promover a inclusão social através da educação bilíngue do infantil ao
ensino fundamental I e II.
No final do ano de 2006, o IPAESE concorreu com a apresentação
do Projeto Surdo SIM – Sustentabilidade e Integração ao Mundo e foi
contemplado no processo de seleção pública do Programa Petrobrás
Fome Zero. E em 2008, foi implantado o ensino médio99.
Em 22 de novembro de 2006, foi criado em Aracaju, o Centro de
Capacitação de Profissionais da Educação e Atendimento às Pessoas
com Surdez (CAS/SE)10, cujo símbolo representativo está mostrado
na figura 7, atuando como um centro especializado no acolhimento ao
surdo e com diretrizes de atuação para o profissional que desempenha


9
Disponível no Site: http://www.ipaese.org.br/
10
O CAS/SE também é responsável pela elaboração de apostilas do curso de LIBRAS
e pela capacitação de professores, intérpretes, tradutores de LIBRAS/Português, e
também surdos para serem instrutores. Está situado na Trav. Baltazar de Góis, 86
Edf. 26º andar Centro - Aracaju/SE. Fone: (79)3179-3787. Fax: (79)3179-4170.
E-mails: cas_sergipe@yahoo.com.br e cas.sergipe.brasil@gmail.com.br Blogger:
http://cassergipe.blogspot.com/
Edivaldo da S. Costa | Edna M. Santos | Alessandra R. S. Andrade | Rita de C. S. Souza | 21

função na área de surdez, composto estruturalmente por quatro nú-


cleos: Núcleo de Capacitação de Profissionais da Educação, Núcleo de
Apoio Didático-Pedagógico, Núcleo de Tecnologia e de Adaptação de
Material Didático e Núcleo de Convivência.

Figura 7: Símbolo Representativo do Centro de Capacitação


de Profissionais da Educação e Atendimento às Pessoas com Surdez - SE.
Fonte: http://cassergipe.blogspot.com.br/

O CAS/SE é atualmente coordenado por Tálita Cavalcanti Pergen-


tino dos Anjos, este centro tem o compromisso de promover a capaci-
tação de professores, intérpretes, instrutores, assim como desenvol-
ver pesquisas aplicadas à educação de surdos, oficinas permanente de
LIBRAS, apoio tecnológico e de informática, orientação à família e a
comunidade dos surdos. Sua missão é promover institucionalmente,
adequada formação de profissionais da educação, para atendimento às
pessoas com surdez, numa dimensão educativa e sociocultural, viabili-
zando o desenvolvimento pleno de suas potencialidades.
O CAS/SE é um espaço motivador do respeito e da valorização
dos cidadãos surdos do Estado de Sergipe, tem como amparo legal
o dispositivo constitucional - Art. 208, III, de 1988; Art. 18, da Lei nº
10.098/2000; 10.436/2002 e 9.394/1996 (LDBEN).
Em 10 de setembro de 2011, foi fundada a Associação dos Surdos
de Aracaju (ASA/SE) localizada atualmente no Parque da Sementeira
situado na Avenida Beira Mar, s/n, bairro Jardins - Aracaju/SE, cujo
símbolo representativo encontra-se na figura 8.
22 | REGISTROS HISTORIOGRÁFICOS DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS EM ARACAJU E ITABAIANA/SE

Figura 8: Símbolo representativo da Associação dos Surdos de Aracaju.


Fonte: http://www.facebook.com/associacaosurdos.aracaju?fref=ts

EDUCAÇÃO DOS SURDOS EM ITABAIANA

A educação especial em Itabaiana segundo estudo realizado por


Barbosa, Santos e Andrade (2010) teve seu início em 1996, na gestão
da diretora Maria Izabel de Santana com a implantação de classes es-
peciais para alunos surdos na Escola de 1º Grau “CAIC Vicente Macha-
do Menezes” (Fig. 9) atual Escola Estadual “Vicente Machado Menezes”
(EEVMM) jurisdicionada pela Diretoria Regional de Educação - Divisão
da Educação Especial – DRE’03/DIEESP. A pioneira no atendimento
educacional especializado em Itabaiana, segundo dados coletados em
entrevista com a professora Edna Maria dos Santos, foi a professora
Edeny atuando desde 1990.

Figura 9: Foto da classe especial da Escola de 1º Grau “CAIC Vicente Machado Menezes”.
Fonte: Acervo da sala de recursos multifuncional “Luan Fagundes Domingos” cedido
pela surda Jenyffer Leite da Silva
Edivaldo da S. Costa | Edna M. Santos | Alessandra R. S. Andrade | Rita de C. S. Souza | 23

Em 2000, na Escola de 1º Grau “CAIC Vicente Machado Menezes”,


essas classes especiais ficavam num espaço isolado das demais turmas
do ensino regular. Na época, a escola tinha três salas num total de 38
alunos surdos (SANTOS, 2009).
Em 2002, duas alunas surdas de Itabaiana, fizeram parte do gru-
po de 20 alunos e professores selecionados de todas as dez diretorias
educacionais e regionais do Estado de Sergipe, para participarem do
curso “LIBRAS em Contexto” realizado em Aracaju, ministrado pelo
professor surdo de Matemática e instrutor de LIBRAS pertencente
ao INES/RJ, Paulo André Martins de Bulhões. O objetivo do curso era
observar, orientar e selecionar os alunos através do desempenho na
proficiência de sua língua e criatividade, os alunos que apresentassem
melhor desempenho seriam selecionados para serem instrutores da
LIBRAS, ou multiplicadores da língua de sinais, pessoas qualificadas
profissionalmente para exercer a função ministrando cursos na referi-
da área, esse curso foi promovido pelo MEC em parceria com a FENEIS
e Governo do Estado, nessa primeira fase se classificaram dez alunos
(SANTOS, 2010).
Em janeiro de 2003, por iniciativa do Departamento de Educação/
Divisão de Educação Especial (DED/DIEESP) e apoio da Escola de 1º
Grau “CAIC Vicente Machado Menezes”, implantou-se na gestão do
diretor Reynolds Alves Santos, uma sala de recursos multifuncional,
centrada no potencial de cada aluno, com suas respectivas especifici-
dades, visando sua aprendizagem, sendo nove alunos surdos inseridos
em turmas regulares nas terceira e quarta séries do ensino fundamen-
tal distribuídos nos turnos matutino e vespertino (SANTOS, 2010). So-
mente em dezembro do mesmo ano, essa sala foi inaugurada na gestão
de Edezuita Araújo Noronha, na época diretora da Diretoria Regional
de Itabaiana - DRE’03, tendo como diretor da Escola de 1o Grau “CAIC
Vicente Machado Menezes, José Mendonça Teles, como professoras re-
gentes da educação especial, Edna Maria dos Santos, Josenilde Batista
Almeida e Maria Ilai da Cruz, e como técnica de educação especial da
DRE’3, Marta Suzana Fonseca.
O processo de inclusão dos alunos surdos no ensino regular deu-se
a partir de 2003. No mesmo ano diante da necessidade de dar a esses
24 | REGISTROS HISTORIOGRÁFICOS DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS EM ARACAJU E ITABAIANA/SE

alunos e aos professores do ensino regular o acompanhamento neces-


sário, foi implantado o espaço de recursos nomeado de “Luan Fagun-
des Domingos”, uma sala multifuncional e especializada no atendimen-
to dos alunos com necessidades educacionais especiais. Com o passar
do tempo esse espaço passa a atender não só alunos com necessidade
auditiva/surdez, mas também alunos com necessidades visual e men-
tal (BARBOSA, SANTOS e ANDRADE, 2010; SANTOS, 2010).
Na Escola Estadual “Vicente Machado Menezes”, o processo de in-
clusão deu-se a partir da necessidade de promover os alunos surdos
já alfabetizados em LIBRAS e preparados para uma inclusão em salas
regulares do ensino, ou seja, alunos com bom nível de aprendizagem
em outras disciplinas. Neste sentido, nota-se que o trabalho desenvol-
vido pelos professores na sala de recursos é imprescindível, pois como
afirma Alves (2006, p. 13):

As salas de recursos multifuncionais são espaços da escola


onde se realiza o atendimento educacional especializado para
alunos com necessidades especiais, por meio do desenvolvi-
mento de estratégias de aprendizagem, centradas em um novo
fazer pedagógico que favoreça a construção de conhecimentos
pelos alunos, subsidiando-os para que desenvolvam o currícu-
lo e participem da vida escolar.

Em 2006, Santos (2010) relata que aconteceu a segunda fase do


encontro “LIBRAS em Contexto” com a participação de duas novas alu-
nas surdas, Edilaine Oliveira Andrade e Vanessa Alves de Jesus que ao
final do curso tornaram-se instrutoras, sendo esta fase em duas etapas,
ambas em Aracaju, a primeira no mesmo ano com a doutora em Lin-
guística e pesquisadora em LIBRAS, Tanya Amara Felipe dos Santos, e a
segunda etapa em 2007 no CAS/SE com os novos instrutores formados
do primeiro encontro ocorrido em 2002.
As duas instrutoras formadas no curso “LIBRAS em Contexto” fo-
ram contratadas pela SEED/SE no período de 2008 a 2009 para dar su-
porte na Escola Estadual “Vicente Machado Meneses” atuando na sala
de recursos; nas turmas inclusivas, ministrando cursos de LIBRAS aos
Edivaldo da S. Costa | Edna M. Santos | Alessandra R. S. Andrade | Rita de C. S. Souza | 25

professores e aos pais dos alunos juntamente com a técnica pedagógi-


ca Josenilde Batista Almeida (SANTOS, 2010).
Em 08 de julho de 2009, foi fundada a Associação dos Surdos de
Itabaiana (ASI/SE)11 cujo símbolo representativo está mostrado na fi-
gura 10. Esta associação ainda não foi oficializada de acordo com os
aportes legais, a ASI/SE atua no reconhecimento dos direitos legais e
cívicos das pessoas com surdez e com diretrizes de padrões éticos e
morais para os surdos inseridos num convívio social e atualmente tem
como presidente, a surda Edilaine Oliveira Andrade e está composta
estruturalmente por quatro núcleos: Núcleo de Comunicação e Educa-
ção para a Cidadania (NEC), Núcleo de Produção, Apoio e Assessora-
mento Didático-pedagógico (NPD), Núcleo de Tecnologia da Informa-
ção e Adaptação de Material Didático-pedagógico (NTM) e Núcleo de
Convivência e Recreação (NCR).

Figura 10: Símbolo representativo da Associação dos Surdos de Itabaiana - SE.


Fonte: http://associaodossurdosdeitabaiana.blogspot.com.br/

O Núcleo de Comunicação e Educação para a Cidadania – respon-


sável pela promoção de curso de LIBRAS para a comunidade ouvinte;
o Núcleo de Produção, Apoio e Assessoramento Didático-pedagógico
– responsável pela elaboração de material apostilado para o curso de
LIBRAS e reforço pedagógico para surdos em classes regulares do en-
sino público; o Núcleo de Tecnologia da Informação e Adaptação de

A ASI/SE está sediada na cidade de Itabaiana/SE na Rua Grumete Alcides Calvacan-


11

te n° s/n – Centro. Disponível no Blogger: http://associaodossurdosdeitabaiana.


blogspot.com.br/ E-mail: Asi_itabaiana@hotmail.com
26 | REGISTROS HISTORIOGRÁFICOS DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS EM ARACAJU E ITABAIANA/SE

Material Didático-pedagógico – responsável pela divulgação em meios


eletrônicos dos trabalhos produzidos pelos surdos e impressão do ma-
terial apostilado para o curso de LIBRAS e o Núcleo de Convivência e
Recreação – responsável pela expressão da identidade surda por meio
de artes, entre elas musicalidade e teatro.
O surdo Luan Augusto Fernandes de Oliveira foi responsável pelo
designer computadorizado referente ao sinal representativo da ASI/SE.
Em sinopse, a Escola Estadual “Vicente Machado Menezes” é atu-
almente referência em Itabaiana, não só por atender alunos surdos,
mas também alunos com diferentes especificidades. A escola conta
com projetos como: “Estrelas Silenciosas” que utiliza a dança e a mú-
sica; “Casa de Fantoche” que utiliza o teatro; “A Difusão da LIBRAS”
com cursos ministrados por instrutoras e professoras da sala de recur-
sos; “Aprendizagem Lúdica da Língua Portuguesa”, trabalha a LIBRAS
na modalidade escrita da Língua Portuguesa; “Dia Nacional do Surdo”
realizado desde 2005, entre outros projetos que estão sendo desenvol-
vidos, sistematizados e elaborados pelas professoras das classes espe-
ciais e pela técnica pedagógica (SANTOS, 2010; BARBOSA, SANTOS e
ANDRADE, 2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou registrar a historiografia da Educação


Especial em Aracaju e Itabaiana e fez um estudo investigativo comple-
mentar em obras que ganharam notoriedade histórica e grande rele-
vância na área da surdez até os dias atuais.
Observamos ao longo da pesquisa que a contribuição proporcio-
nada pelos trabalhos realizados pelos médicos sergipanos Dr. Tobias
Rabello Leite e Dr. Antônio Gárcia Filho impulsionaram a consolidação
das práticas pedagógicas para surdos sergipanos.
Destacamos como marcos históricos da educação dos surdos
sergipanos. Em Aracaju, inauguração do Centro de Reabilitação “Ni-
nota Garcia” em 1962; as classes especiais da Escola Estadual “11
de Agosto”, além de associações, institutos e centro de capacitação
profissionalizante, relacionados à surdez. E em Itabaiana a imple-
Edivaldo da S. Costa | Edna M. Santos | Alessandra R. S. Andrade | Rita de C. S. Souza | 27

mentação de classes especiais na Escola Estadual “Vicente Machado


Menezes”, em 1996; em 2003, a implementação das classes regula-
res oferecendo atendimento educacional especializado na sala de
recursos “Luan Fagundes Domingos”; e em 2009, a associação dos
surdos itabaianeneses.
Esse estudo contribui com uma fonte de pesquisa do processo
evolutivo da historiografia educacional especial sergipana, especifica-
mente, a educação de surdos em Aracaju e Itabaiana, motivando outros
pesquisadores a suscitar o desenvolvimento de trabalhos e aprofunda-
mentos sobre discussões na área de História da Educação Especial em
Sergipe.

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educacional especializado. Brasília: Ministério de Educação e Secretá-
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2010.
Alda V. S. de Melo | Josevânia T. Guedes | Mônica de G. S. Barbosa | Rita de Cácia S. Souza | 31

Capítulo 2 | ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS:


MARCOS LEGAIS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Alda Valéria Santos de Melo
Josevânia Teixeira Guedes
Mônica de Gois Silva Barbosa
Rita de Cácia Santos Souza

D urante muito tempo a pessoa com surdez foi marginalizada,


sem direito à educação. Hoje alguns documentos legais con-
cederam às pessoas surdas direitos sociais e educacionais. Entretan-
to, para melhor compreender a situação do sujeito surdo hoje, faz-se
necessário conhecer a trajetória da Educação no Brasil e em qual mo-
mento histórico o surdo foi inserido no contexto educacional. Neste
sentido deve-se aprofundar a reflexão sobre os propósitos da Declara-
ção de Salamanca.
Por isso, esta pesquisa trata de um assunto relevante, visto que re-
fletir sobre aspectos históricos permite uma melhor compreensão da
situação educacional atual do educando surdo, possibilitando a profis-
sionais de diversas áreas um repensar de suas práticas.
Diante da relevância do assunto, algumas questões foram levanta-
das neste trabalho: Como se deu o processo educacional das pessoas
com surdez? Quais metodologias foram desenvolvidas para educá-las?
Estas práticas educacionais ainda são abordadas hoje? Estas são ques-
tões fundamentais que provocaram inquietações e nortearam o rumo
do trabalho cujo objetivo é refletir sobre os aspectos históricos da edu-
cação de pessoas com surdez.
Para fundamentação do trabalho, levaram-se em consideração as
pesquisas de Januzzi (2006), Souza (2005), Guarinello (2007) e Stro-
bel (2008).
Para discutir todas as questões acima suscitadas, este estudo está
sistematicamente desenvolvido obedecendo às seguintes etapas. Tó-
pico 1. O indivíduo deficiente na história da humanidade. Esta seção
permitirá ao leitor entender melhor os fatos ocorridos com as pessoas
32 | ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

com deficiência. Tópico 2. O contexto da Exclusão/Inclusão do surdo:


o desvelar do lugar desse deficiente na escola. Possibilitará ao leitor
refletir sobre as práticas educacionais direcionadas às pessoas com
surdez. Tópico 3. A identidade surda no contexto educacional. Fará
uma reflexão sobre a identidade do indivíduo surdo para uma melhor
compreensão de quem é o educando surdo.

O INDIVÍDUO DEFICIENTE NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE

As escolas inclusivas deveriam reconhecer as necessidades educa-


cionais especiais de cada aluno e oferecer uma educação condizente
às suas necessidades e respeitando as diferenças. É importante escla-
recer que, de acordo com a Declaração de Salamanca (1994), a ter-
minologia ‘necessidades educacionais especiais’ refere-se às crianças
ou jovens cujas necessidades têm origem no cerne das deficiências ou
dificuldades de aprendizagem.
Este documento é, na verdade, a ratificação de acordos anterior-
mente firmados, a exemplo da Declaração de Jomtien, em 1990, evento
ocorrido na Tailândia, cujo art. 3º estabelece:

1. A educação básica deve ser proporcionada a todas as crian-


ças, jovens e adultos. Para tanto, é necessário universalizá-la
e melhorar sua qualidade, bem como tomar medidas efetivas
para reduzir as desigualdades.
2. Para que a educação básica se torne equitativa, é mister ofere-
cer a todas as crianças, jovens e adultos, a oportunidade de alcan-
çar e manter um padrão mínimo de qualidade da aprendizagem.
3. A prioridade mais urgente é melhorar a qualidade e garantir
o acesso à educação para meninas e mulheres, e superar todos
os obstáculos que impedem sua participação ativa no processo
educativo. Os preconceitos e estereótipos de qualquer nature-
za devem ser eliminados da educação [JOMTIEN, 1990].

Fazendo-se uma análise histórica, verifica-se que as ações de ex-


clusão social estabelecidas na Declaração de Salamanca não podem ser
Alda V. S. de Melo | Josevânia T. Guedes | Mônica de G. S. Barbosa | Rita de Cácia S. Souza | 33

atribuídas exclusivamente aos valores da modernidade. Tal situação


nos remete à Pré-história, quando, para sobreviver, o homem vivia em
bandos, pois a aquisição de alimentos era difícil e a segurança do gru-
po exigia um esforço em conjunto. Possivelmente, neste contexto, as
pessoas com deficiência dificilmente sobreviveriam ou sequer seriam
acolhidas pelo grupo, “[...] as atividades de caça e pesca exigiriam con-
dições físicas, sem falar das disputas entre os grupos, pois não havia
abrigo satisfatório para dias e noites de frio intenso.” (GUGEL, 2007
p.1). Provavelmente os indivíduos que apresentavam algum tipo de de-
ficiência eram excluídos do grupo, pois a colaboração “[...] com o grupo
na luta pela sobrevivência fazia dele um estorvo. Consequentemente,
eram abandonados sem que isso lhes causasse o sentimento de culpa.”
(SOUZA, 2005 p.27-28).
Na Antiguidade, a cultura sobre a deficiência imbricava-se com vi-
sões místicas e conservadoras. Ou se entendia o deficiente como uma
dádiva ou uma espécie de castigo divino. Por outro lado, estava embu-
tida a noção de subserviência ao Estado, ou seja, o cidadão deve servir
ao Estado e, não estando apto, ele deveria ser “descartado”, ou seja,
“eliminado”. Nas cidades gregas, seus domínios se constituíram a par-
tir das conquistas militares, por isso cabia ao homem a perfeição física
para ser um grande guerreiro e à mulher contribuir com a geração de
filhos saudáveis.
No século V a. C, Roma expandiu seus territórios, havendo a neces-
sidade de um exército numeroso e forte, o que levou o senado a criar
leis rigorosas, regulamentando a eliminação de crianças que nasciam
com alguma deficiência.
Para entender as atitudes dos povos antigos, é importante consi-
derarmos seu contexto social. Portanto, “[...] na trajetória histórico-
-cultural das pessoas diferentes, que atualmente são denominados de
sujeitos com necessidades especiais, percebe-se como se desenvolve-
ram os valores da humanidade” (FUNGHETTO, 2006, p. 15).
Ao longo de toda a Idade Média, a Igreja assumiu a responsabili-
dade de disseminar a educação, porém só eram beneficiados os filhos
da nobreza e da alta burguesia. Aqueles nobres, cujos filhos eram
surdos, procuravam a Igreja na esperança de que fossem aceitos na
34 | ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

instituição. Mas, a princípio, a rejeição da Igreja era justificada pela


ideia de que os surdos não possuíam alma e por isso seriam incapa-
zes de proferir os sacramentos. No entanto, a origem de nascimento e
os benefícios ofertados à Igreja e a seu clero favoreceram no sentido
de que alguns membros eclesiásticos aceitassem tal desafio e des-
pertassem tamanho interesse, desenvolvendo métodos que vieram
facilitar a aprendizagem do surdo, assim como outras áreas de defi-
ciência.
Souza (2005) afirma que o paradigma pelo qual se luta hoje é o
da Inclusão como forma de construir uma sociedade mais digna, mais
humana, em que todos aprendam com todos e em que o valor de cada
um seja reconhecido em sua singularidade.
A Educação Inclusiva não diz respeito somente às pessoas com de-
ficiência, mas a todas as pessoas que sofrem qualquer tipo de exclusão
educacional. Para se providenciar a Inclusão, as escolas precisam exer-
citar o reconhecimento, só então poderão oferecer respostas seguras
às diversas necessidades de seus alunos.

O CONTEXTO DA EXCLUSÃO/INCLUSÃO DO SURDO: O DESVE-


LAR DO LUGAR DESSE DEFICIENTE NA ESCOLA

No Brasil, a Igreja se fez representada com a chegada dos jesuí-


tas europeus, por volta do século XVI, pelos padres da Companhia de
Jesus, que tiveram relevante papel no processo educativo e cultural.
Este grupo criou, no País, uma espécie de gueto cultural, trazendo a pe-
dagogia, mas também todo um esquema moralizador. “Sobrevêm aos
jesuítas, os beneditinos, os franciscanos, os carmelitas, formando, por
mais de dois séculos, uma significativa parcela de ativismo religioso-
-cultural na colônia” (ARAÚJO, 1999, p.24).
Naquele mesmo período, os movimentos levados a efeito pelo Re-
nascimento e pela Contra Reforma se propagam. Ocorreu uma ruptura
dos valores religiosos, na Europa, a partir de um movimento anticle-
rical e antiescolástico que exalta o ser humano. O homem torna-se o
centro do universo, as decisões do Estado passam a considerar os inte-
resses e necessidades do povo.
Alda V. S. de Melo | Josevânia T. Guedes | Mônica de G. S. Barbosa | Rita de Cácia S. Souza | 35

O Renascimento retirou da Igreja o monopólio da explicação das coisas


do mundo, segundo Vicentino (2000); o homem torna-se um questiona-
dor, baseando-se na razão, valoriza o trabalho e luta pela igualdade social.

Não há dúvidas de que o século XVI é um marco divisor na his-


tória da humanidade. À medida que vai aumentando o predo-
mínio pela produção voltada para o mercado, a possibilidade
de acumular e de não viver apenas pela subsistência, o avanço
da ciência e tecnológico etc., garantem de forma gradativa o
domínio do homem sobre a natureza, dando este, em passos
firmes, condições para sair do reino das necessidades para o
reino da liberdade (SOUZA, 2005, p.31).

Essas mudanças levaram a Igreja, através do baixo clero, a aproxi-


mar-se da população mais carente, os trabalhos sociais tornaram-se
mais expressivos. As comunidades religiosas, conservadoras e muitas
vezes reclusas nos mosteiros, através de abades, passaram a realizar
atividades fora dos muros do convento. Dentre estas ações pioneiras
do clero, temos as do Abade L’ Épée, que iniciou seu trabalho na Fran-
ça, ensinado duas irmãs surdas:

L´Épée se propôs a dar continuidade ao ensino em 1760 por


temer que, sem professor, elas morreriam na ignorância de sua
religião; decidiu mudar a metodologia utilizada anteriormen-
te, que era o uso de gravuras para ensinar o Cristianismo, pois
entendeu que a compreensão se restringiria ao significado li-
teral, físico da imagem, e que o sentido mais profundo da fé
seria impossível de transmitir apenas por figuras visuais. Re-
solveu ensinar linguagem pelos olhos, ao invés de pelos ouvi-
dos, apontando os objetos com uma mão e escrevendo o nome
correspondente na pedra (lousa), com a outra. Lembrou-se
de um alfabeto bimanual que utilizara na escola, para poder
se comunicar com os colegas, sem ser descoberto pelo mestre.
Com esse método associacionista, logo as meninas estavam
lendo e escrevendo os nomes das coisas (REILY, 1997 p. 13).

36 | ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

Em 1760, L´Épée fundou o Instituto de Surdos-Mudos de Paris,


onde acolheu diversos jovens, utilizando gestos manuais para ensinar
aos surdos. Foi assim que buscou os surdos que andavam dispersos
pelas ruas parisienses e com eles foi possível aprender a língua de si-
nais e criou os “Sinais Metódicos’, uma combinação da língua de sinais
com a gramática sinalizada francesa. O Abade teve imenso sucesso na
educação de surdos e transformou sua casa em uma escola pública”
(GOLDFELD, 2002, p.28-29).
No mesmo período, na Alemanha, Samuel Heinicke propôs o mé-
todo hoje conhecido como oralismo, que utiliza a linguagem oral na
educação dos surdos. O sucesso foi tanto que, então, fundou a primeira
escola pública para surdos.
Para muitos estudiosos o século XVIII foi de grande desenvolvi-
mento no que tange à educação de surdos. Diversas escolas surgi-
ram em toda a Europa, muitas utilizavam a Língua de Sinais e dis-
punham de professores surdos. Guarinello (2007) destaca que os
métodos de aprendizagem para surdos não se limitaram somente
aos educadores, se estendendo também a médicos, como Jean Marc
Gaspard Itard. Em 1821, Itard publicou um trabalho, Traité des ma-
ladies de I’oreille et de I’audition, no qual afirmava que o surdo
somente poderia ser educado pela fala e restauração da audição.
Já o francês Auguste Bébian conviveu com surdos no Instituto de
Surdos em Paris e escreveu o livro Mimigraphie, no qual afirmava
que a Língua de Sinais deveria ser usada em sala de aula e que os
professores deveriam ser surdos.
Nos Estados Unidos não havia qualquer tipo de trabalho voltado
à educação de surdos, por isso as famílias abastadas enviavam seus
filhos para estudar na Europa. Em terras norte-americanas, o pionei-
ro da educação de surdos foi Thomas Hopkins Gallaudet, que iniciou
seus estudos quando passou a ser tutor de uma menina, sua vizinha,
de quem notou a surdez. Utilizava o livro de Sicard1 e, no ano de 1815,

Era uma abade francês e professor de surdo. Sua principal obra Fo iCours
1

d’instruction d’un sourd-muet de naissance (1800)


Alda V. S. de Melo | Josevânia T. Guedes | Mônica de G. S. Barbosa | Rita de Cácia S. Souza | 37

“foi contratado pelo pai da criança para ir à Europa aprender sobre a


educação de surdos. Seu objetivo era fundar uma escola para surdos na
América” (GUARINELLO, 2007, p.26).
Em 1916, Gallaudet retorna aos Estados Unidos acompanhado de
Laurente Clerc, um surdo que foi educado no Instituto de Surdos de Pa-
ris, e fundam a Connecticut Asylum for the Educacion and Instruction
of and Dumb Persons, que seria a primeira escola pública para surdos.
Segundo Guarinello (2007), “os professores contratados aprendiam a
Língua de Sinais francesa, a qual foi gradativamente modificada, até
chegar à Língua de Sinais Americana.” Quatro anos depois, todas as
escolas da América do Norte passaram a utilizar a Língua de Sinais
Americana, American Sign Language (ASL).
As transformações por que passavam os países europeus reper-
cutiam em suas colônias, como a propagação das ideias liberais. No
Brasil, essas ideias contribuíram para o surgimento de instituições
para grupos excluídos, assim como também eram defendidas pela elite
brasileira. Segundo Januzzi (2006), foi um liberalismo de elite, preocu-
pado em concretizar essas ideias até um certo limite que não prejudi-
casse esta camada, ou seja, que seus interesses econômicos e políticos
fossem resguardados.
Estas mudanças se fizeram notar também na legislação; a Consti-
tuição de 1824, imposta por D. Pedro, instituía a gratuidade do ensino
primário para todos os cidadãos e determinava a criação de escolas
de primeiras letras. Essas escolas visavam à leitura, à escrita e contas.

[...] o caráter obrigatório e gratuito da instrução primária ga-


rantia esta instrução a toda população livre, porém excluía
os escravos e os doentes. As diferenças entre os projetos e a
existência de debates sobre este assunto, demonstravam am-
bigüidades a respeito das extensões e limites dos conteúdos
de ensino às camadas populares (PINTO, 2007, p.3).

As crianças com deficiência não possuíam espaço nesta política e “o


atendimento ao deficiente, provavelmente iniciou-se através das Câma-
ras Municipais ou das confrarias particulares.” (JANUZZI, 2006, p.8).
38 | ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

Verifica-se que, apesar da existência de uma legislação voltada


para a educação das minorias no País, não havia interesse das elites em
garantir igualdade de acesso à educação, assim como para as crianças
com deficiência, o que se constata são ações das Santas Casas de Mi-
sericórdia, instituições criadas por volta do século XVIII, que acolhiam
órfãos e crianças abandonadas.
No mesmo período, por iniciativa governamental, foram criadas
as Rodas dos Expostos, cujo objetivo era acolher e educar todas as
crianças abandonadas, inclusive com deficiência: “[...] ordenada tal ini-
ciativa às províncias, poderia ter facilitado a entrada de crianças com
anomalias, ou cujos responsáveis não desejavam ou estavam impossi-
bilitados de criá-los, por vários motivos.” (JANUZZI, 2006, p.9).
Por volta de 1876, D. Pedro II, em visita aos Estados Unidos da
América do Norte, conheceu o Gallaudet College e demonstrou grande
interesse pelo trabalho que era desenvolvido com surdos há aproxima-
damente cinquenta anos.
No Brasil observa-se um certo descaso da educação para as mino-
rias. No entanto, a visita do Imperador ao Gallaudet cria oportunidade
para aqueles sensíveis à causa, denominados “vultos” (Januzzi, 2006),
agirem em benefício do surdo, como são os casos de Luiz Pedreira
do Couto Ferraz e Miguel Clamon du Pin. O processo de produção e
implantação da reforma educacional instituída pelo referido minis-
tro ocorreu em 1854, através do decreto nº 1331 de 17 de fevereiro,
culminando, dois anos depois, com a criação do Imperial Instituto de
Surdos-Mudos no Rio de Janeiro, dirigido pelo educador francês Edu-
ard Huet.
O Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES) representou
um diferencial de grande relevância, uma vez que oferecia uma educa-
ção especializada para as pessoas surdas. O trabalho começou no Colé-
gio Vassinon, e mais tarde o Instituto se constituiu. Havia apenas duas
alunas surdas, com idade de 12 e 16 anos, que para se manterem na
instituição recebiam uma pensão do governo, paga anualmente.
Segundo Strobel (2007), o investimento na educação brasileira
para surdos, durante o período do II reinado, não se deu apenas por
ser uma política do governo, mas possivelmente por questões pes-
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soais do imperador. A estudiosa levanta a hipótese de que D. Pedro


II se interessou pela educação de surdos devido ao seu genro ser
surdo, o príncipe Gastão de Orléans, marido de sua segunda filha, a
Princesa Isabel.
Por volta de 1869 Lourent Clarc falece e a educação dos surdos
sofre uma mudança radical, os ouvintistas conseguem o apoio da so-
ciedade e realizam o Congresso de Milão em 1880, com o intuito de
discutir o novo método para a educação dos surdos e aprová-lo. Ale-
xander Graham Bell, grande defensor do oralismo (sua mãe e esposa
eram surdas), usou de sua popularidade para influenciar na votação,
pois seu temor era de que

[...] a comunicação gestual usada pelos surdos os isolasse em


pequenos grupos e com isso adquirissem muito poder. Com o
desejo de integrar os surdos à maioria ouvinte, obrigava-os a
falar. Bell tinha como objetivo principal eliminar a Língua de
Sinais, acabar com os casamentos entre surdos (GUARINELLO,
2007 p. 28).

O surdo, na maior parte das opiniões, deveria seguir as determina-


ções ou decisões dos ouvintes, e tal decisão foi um retrocesso na edu-
cação dos surdos. O objetivo era reabilitar, corrigir o defeito para que
fosse aceito pela sociedade. A Língua de Sinais foi proibida. O oralismo
foi utilizado até a década de 1960.
No Brasil, o trabalho inicial voltado ao atendimento às pessoas com
deficiência auditiva ocorreu por volta de 1950, quando os sistemas pú-
blicos ofereciam serviços de Educação Especial, na qual estava voltada
a lógica da normalização. Segundo Skliar (1998, p.40), a normalização
relaciona-se com o funcionamento do corpo humano, referindo-se di-
retamente ao defeito (ou uso normal) dos aparatos fisiológicos, desti-
nados à percepção de estímulos sonoros e dos sentidos mais comple-
xos, como a audição e a escuta. Esta época foi o palco do surgimento de
centros de reabilitação para todos os tipos de deficiência, orientados
pela oferta de serviços.
Para Skliar:
40 | ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

A Educação Especial para surdos parece não ser o marco adequa-


do para uma discussão significativa sobre a educação dos surdos.
Mas, ela é o espaço habitual onde se produzem e se reproduzem
táticas e estratégias de naturalização dos surdos em ouvintes, e o
local onde a surdez é disfarçada (SKLIAR, 1998, p. 11).

Na verdade, a Educação Especial em relação ao surdo visou, segundo


Skliar (1998), ao encaixe e adaptação com naturalidade a um modelo
de medicalização da surdez. Era uma prática que visava normatizar o
surdo, seguindo saberes clínicos e terapêuticos, para que fosse aceito so-
cialmente. As ações em benefício do direito do surdo no Brasil tornam-se
possíveis a partir da Declaração de Salamanca2, realizada entre 7 e 10 de
junho de 1994 na Espanha, na qual foram reafirmados os compromissos
da Educação para todos. A partir da Declaração de Salamanca, inicia-se
um processo de luta em prol do respeito às diferenças no campo educa-
cional. Para Stainback (1999), o ensino inclusivo é a prática da inclusão
de todos – independentemente de seu talento, deficiência, origem socio-
econômica ou origem cultural – em escolas e salas de aula provedoras,
onde todas as necessidades dos alunos são satisfeitas.
As mudanças ocorridas no Brasil em relação à educação do indiví-
duo surdo são oriundas também dos movimentos iniciados nos Esta-
dos Unidos por volta de 1970. Devido ao fracasso do oralismo, muitos
estudiosos defendiam a adoção de sinais na educação de surdos. Surge
então a filosofia da Comunicação Total ou bimodalismo, nesta pers-
pectiva admite-se o uso de gestos, Língua de Sinais, alfabeto digital,
expressão facial, fala e aparelho de amplificação sonora. Seu objetivo é
possibilitar a comunicação com o surdo. No entanto, esta metodologia
trouxe divergências, uma vez que os sinais e a fala eram usados simul-
taneamente.
Em Sergipe, por volta de 1975, foi implantado o Núcleo de Educação
Especial que, apesar de adotar o modelo médico em seu atendimento,
foi de fundamental importância para o Estado, pois deu início ao proces-


2
(MENEZES; SANTOS, 2002).
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so de encaminhamento das crianças com deficiência para as classes es-


peciais, tornando-se, assim, uma espécie de privilégio, pois a instalação
dessas classes tinha direito a “todo o material pedagógico necessário e
recursos para seu funcionamento. Esses recursos eram financiados pelo
CENESP (Centro Nacional de Educação Especial).” (SOUZA, 2005, 78).
Antes disso, em 1962, foi criado o Centro de Reabilitação Ninota
Garcia para atender crianças com deficiência. Os profissionais que atu-
avam no Centro tinham como referência as orientações pedagógicas
do INES, do Rio de Janeiro, onde as professoras do “Ninota’ se especia-
lizaram.” (REIS, 2007, p.36).
Somente em 1977 surge a Escola de 1º Grau 11 de Agosto, dispon-
do de classe especial para deficientes auditivos. A Comunicação Total
era a metodologia proposta, e a partir dos estudos de Lucinda Ferreira
Brito, na década de 1980, alguns estudiosos começaram a pesquisar
acerca da Língua de Sinais.
No mesmo período, nos Estados Unidos, acontece um movimento li-
derado pela comunidade surda exigindo o direito de usar a Língua de Si-
nais como primeira língua (L1). A proposta bilíngue causou muitos equí-
vocos em sua interpretação e foi até mesmo confundida com a filosofia
da Comunicação Total. O quadro comparativo a seguir pode elucidar a
compreensão sobre o que preconiza o Bilinguismo e a Comunicação Total.

Quadro 1- Diferença entre Bilinguismo e Comunicação Total

Diferença entre Bilinguismo e Comunicação Total


BILINGUISMO COMUNICAÇÃO TOTAL
Uso “Diglóssico” de duas línguas (dois am- Uso concomitante da língua.
bientes linguísticos).
Culturas Surdas Não existe enfoque de dar a “identidade
surda” para o indivíduo.

Participação obrigatória de surdos adultos Não obrigatoriedade de participação de


na educação da criança surda. adultos surdos na educação da criança
surda.

(Fonte: SARETTO, Tiago M. Oficina de Multiplicadores de Interpretação da LIBRAS, SE-


DUC 2009, p. 12).
42 | ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

Muitos educadores ainda se posicionam com opiniões divergentes


sobre estas duas tendências educacionais. Entretanto, a maioria defende
a educação inclusiva dos surdos. Sobre a inclusão, Carvalho (2004) diz:

Somos diferentes. Esta é a nossa condição humana. Pensamos


de jeitos diferentes, agimos de formas diferentes, sentimos
com intensidades diferentes. E tudo isso porque vivemos e
aprendemos o mundo de forma diferente. A questão não é se
queremos ou não ser diferentes. Mas que, como seres huma-
nos, nossa dignidade depende substancialmente da diversida-
de, da alteridade (por isso, a possibilidade da clonagem nos
choca tanto), porque precisamos garantir o caráter subjetivo
de nossa individualidade (CARVALHO, 2004, p.11).

Considerando o que diz Carvalho, quando abordamos a inclusão na


perspectiva da educação para o surdo, não podemos perder de vista a
questão da identidade do indivíduo que não ouve. Muitos estudiosos,
baseando-se nos princípios da Declaração de Salamanca, defendem
que a aprendizagem preferencialmente deva acontecer com todos jun-
tos, os que ouvem e os que não ouvem. Sendo assim, as pessoas com
deficiência terão chances de “preparar-se para a vida na comunidade,
os professores melhoram suas habilidades profissionais e a sociedade
toma a decisão consciente de funcionar de acordo com o valor social da
igualdade para todas as pessoas.” (STAINBECK, 1999, p.21).
Segundo Mittler (2003, p.25), o “[...] conceito de inclusão envolve
um repensar radical da política e da prática e reflete um jeito de pensar
fundamentalmente diferente sobre as origens da aprendizagem e as
dificuldades de comportamento.” Outra perspectiva é a de que a pro-
posta para uma educação inclusiva significa um desejo acalentado há
séculos e, caso seja compreendido em sua extensão e dignidade, “como
educação de boa qualidade para todos e com todos buscando meios e
modos de remover barreiras para a aprendizagem e para a participa-
ção dos aprendizes indistintamente.” (CARVALHO, 2004, p.64).
Respaldado na Declaração de Salamanca, o Ministério da Educa-
ção, através da Lei de Diretrizes e Bases nº 9394/96, estabelece garan-
Alda V. S. de Melo | Josevânia T. Guedes | Mônica de G. S. Barbosa | Rita de Cácia S. Souza | 43

tia de atendimento educacional especializado gratuito aos educandos


com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de en-
sino; e, através das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica, orienta a inclusão da criança surda no ensino público
ou privado. No entanto, o sujeito surdo, para constituir sua identidade,
dependerá do meio do qual fará parte, e, no momento em que integra
uma classe inclusiva no ensino regular, surgem importantes questões:
Como a identidade do surdo se constituirá? Como a Língua de Sinais
será adquirida por esta clientela?

A IDENTIDADE SURDA NO CONTEXTO EDUCACIONAL

Os surdos como seres humanos fazem parte nos movimentos da


humanidade, também constroem e reconstroem a si mesmos e às suas
necessidades. A constante movimentação, a troca de experiências e a
comunicação entre os indivíduos constroem uma cultura surda que
consegue fazer o surdo compreender melhor o mundo e com ele inte-
ragir e se harmonizar, ajustando “suas percepções visuais, que contri-
buem para a definição das identidades surdas e das almas das comuni-
dades surdas.” (STROBEL, 2008, p.22).
No entanto, o respeito e o reconhecimento do sujeito deficiente
neste universo sempre foram negados, a exemplo do que ocorreu no
Congresso de Milão, quando os professores surdos foram excluídos de
votar (GUARINELLO, 2007). Hoje temos uma política educacional que
defende o sujeito surdo em classe regular inclusiva e verificamos que
esta proposta divide opiniões, a falta de contato com seus pares impede
que se desenvolvam enquanto comunidade, que conheçam sua língua e
desenvolvam sua fluência. A primeira razão já explicitada diz respeito à
cultura da constituição de uma identidade, vez que a cultura não se faz
por si mesma e está sempre em movimento, modificando-se e atualizan-
do-se, “expressando claramente que não surge com o homem sozinho e
sim das produções coletivas que decorrem do desenvolvimento cultural
experimentado por suas gerações passadas.” (STROBEL, 2008, p.19).
Com o final da Segunda Guerra Mundial e a queda dos regimes na-
zifascistas houve um crescimento dos estudos acerca das diversidades
44 | ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

culturais, muitos pesquisadores voltaram-se para temas ligados aos


deficientes, negros, índios e outros. No Brasil, dentre os estudos exis-
tentes, temos aqueles voltados à educação de surdos, elaborados por
Quadros e Skliar, “que buscavam discutir as relações entre educação
surda, estudos culturais e estudos surdos, identidades surdas e cultura
surda dentro do espaço institucional da Universidade de Santa Catari-
na (UFSC)” (QUADROS, 2007, p 55).
Tais estudos proporcionam um novo olhar sobre a identidade do
indivíduo surdo. Temos hoje diversas literaturas abordando o tema
Identidade, no entanto a Identidade Surda é abordada na perspectiva do
ouvinte no momento em que foca a deficiência. “Para focalizar a repre-
sentação da identidade surda em estudos culturais, tenho de me afastar
do conceito de corpo danificado3 para chegar a uma representação da
alteridade cultural.” (PERLIN, 2005, p.53). A formação da identidade de
um indivíduo depende do meio em que vive e do seu grupo cultural.
A autora afirma ainda que a identidade é algo em questão, em
construção móvel que pode frequentemente ser transformada ou es-
tar em movimento e que empurra o sujeito em diferentes posições.
Na visão pós-moderna propõe-se pluralizar o termo cultura. Segundo
Strobel (2008, p.17), “[...] os autores enfatizam as múltiplas culturas e
se dedicam a interagir de forma profunda no interior delas. Neste pen-
samento pós-moderno, a pluralidade encontra-se cruzada com a autoi-
dentidade, ao invés de se dissolver em identidades distintas.” Partindo
desta visão, Perlin classifica as identidades surdas em cinco: identida-
de surda, identidade híbrida, identidade surda de transição, identida-
de surda incompleta e identidade surda flutuante. Tais conceituações
de identidade se constituem sob forte influência do ouvintismo4 que
visa à “normalização do corpo”.


3
Termo utilizado por Perlin que remete à questão de necessidade de normalização,
que significa trabalhar o sujeito surdo do ponto de vista do sujeito ouvinte.

4
“O ouvintismo deriva de uma proximidade particular que se dá entre ouvintes e sur-
dos, na qual o ouvinte sempre está em posição de superioridade [...] Academicamente
esta palavra – ouvintismo – designa o estudo do surdo no ponto de vista da deficiên-
cia, da clinicalização e da necessidade de normalização.” (SKLIAR,1998, p59).
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O mito de que a norma para os seres humanos consiste em fa-


lar e ouvir leva a olhar para o surdo e dizer que ele é um selva-
gem. O pressuposto normalmente aceito é o da normalização
do corpo. E esta normalização do corpo evoca o sofrimento do
surdo e está registrada na história (PERLIN, 2005, p.69).

A Cultura é uma herança transmitida através da convivência entre


os indivíduos de determinado grupo. Os sentidos que o surdo tem de
cultura dependem também da escola que frequenta e da comunidade
em que vive e convive. Neste sentido Skliar (1998) enfatiza que, para
muitos ouvintes que trabalham com surdos, a existência da comunida-
de e da cultura surda constitui tanto um problema de representações
pessoais quanto de experiências e oportunidades de “liberdade”.
Inclusive problema de representações, porque se acha que não
há nada fora de seu normal, de sua própria autoreferência cultural;
neste plano, a cultura surda seria um desvio, uma anomalia, o espaço
limitado onde se produzem atividades irrelevantes. E é, também, um
problema de experiência e oportunidades de “liberdade’, porque, ao
‘trabalhar’ com as criança, num contexto escolar ou clínico onde não
existem adultos surdos, desconhecem os processos e os produtos que
determinados grupos de surdos geram em relação ao teatro, brinque-
dos [...]” (SKLIAR, 1998. p.28).
A maioria das pessoas desconhece o mundo dos surdos e cria con-
ceitos equivocados, conforme afirma Strobel (2008, p.22), “os povos
surdos5 não vivem isolados e incomunicáveis, simplesmente os sujeitos
surdos têm seus modos de agir diferentes de sujeitos ouvintes6.” Este
estudioso narra uma experiência que considerou diferente, relativa a
quando esteve em uma festa onde a maioria era de surdos:


5
Para Strobel (2008), quando pronunciamos “povo surdo”, estamos nos referindo
aos sujeitos surdos que habitam o mesmo local, mas que estão ligados por uma
origem, por um código ético de formação visual, independente do grau de evolução
linguística, tais como a Língua de Sinais, a cultura surda e quaisquer outros laços.

6
O termo ‘ouvinte’ se refere a todos aqueles que não compartilham as experiências
visuais enquanto surdos.
46 | ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

[...] cerca de dois mil surdos – eu nunca tinha visto tantos


surdos juntos – e ali eu que era o estranho! Não falava como
eles, não entendia o que diziam, sentia-me caminhando por
uma tribo cuja língua eu não conhecia, cujos costumes me
eram alheios. Sequer sabia a etiqueta: como pedir desculpas,
na língua de sinais, quando a gente esbarra em alguém? No
início, essa dificuldade causou um certo constrangimento,
mas logo comecei a circular no meio deles e apreciar outras
formas de contato e sociabilidade que, eu não podia decodi-
ficar através daquela língua, porque eu não a dominava, po-
diam ser entendidas por meio de outros códigos (STROBEL,
2008, p. 22).

A cultura surda é formada por “artefatos culturais” que não se


referem apenas a materialismos culturais, mas àquilo que na cultura
constitui produções do sujeito que tem seu próprio modo de ser, ver,
entender e transformar o mundo e se dividem em: experiência visual,
linguístico, familiar, literatura surda, vida social esportiva, artes visu-
ais, política e materiais (STROBEL, 2008, p.37).
A experiência visual refere-se à percepção do mundo através dos olhos
e, muitas vezes, explorando as expressões faciais e corporais. A socieda-
de pode colaborar no sentido de levá-lo a participar da sociedade mais
efetivamente, recorrendo, por exemplo, a recursos visuais como cartazes,
painel eletrônico e outros. O artefato linguístico refere-se à Língua de Si-
nais. O surdo pode conversar sobre qualquer assunto através da LIBRAS,
muitos ainda associam a Língua de Sinais à linguagem, considerando-a
uma forma de comunicação limitada, mas é a principal marca da cultura
surda, pois garante ao povo surdo acesso à informação e construção de
sua identidade.
A maneira mais adequada de um surdo adquirir a Língua de
Sinais é participando da comunidade surda. Muitos surdos que vi-
vem isolados também desenvolvem gestos para se comunicar: “si-
nais emergentes” e “sinais caseiros”, é o exemplo daqueles que a
família impede o contato com outros surdos ou que moram nas
zonas rurais.
Alda V. S. de Melo | Josevânia T. Guedes | Mônica de G. S. Barbosa | Rita de Cácia S. Souza | 47

Artefato familiar refere-se à aceitação do filho surdo. Ao descobrir


a surdez a família sente a perda do filho ideal e muitas vezes buscam
a “cura”. Naturalmente que este sujeito vai crescer alheio à cultura
surda. Já com os nascidos em família surda, o processo de aquisição da
Língua de Sinais torna-se natural, assim como sua identidade.
A terminologia literatura surda refere-se às produções criadas
pelo surdo, que muitas vezes são produzidas a partir de experiências
pessoais. A literatura surda quando narrada exige expressão facial e
corporal, é o caso das piadas. Elas variam de gêneros como a poesia, as
piadas, as lendas, os romances e outros. A produção destes materiais
hoje recorre a CD ROM e DVD, facilitando o acesso em todo o País.
Quanto à vida social e esportiva, o artefato político da cultura re-
fere-se aos acontecimentos de relevância para a comunidade. “Dentro
da comunidade surda, os sujeitos surdos não diferenciam um ao outro
de grau de surdez, e sim que o tal fulano é ‘surdo’ ou ‘ouvinte’, pois isso
demonstra as suas identidades culturais de pertencimento à comuni-
dade surda.” (STROBEL, 2008, p.62).
A Identidade surda se constitui através das relações surdo/surdo,
o sujeito surdo desde a infância precisa estar em contato com seus pa-
res, seja na escola ou em outras associações. Segundo Perlin (1998,
p.54), é como “abrir um baú que guarda adornos que faltam ao perso-
nagem”. A Língua de Sinais é uma característica marcante dessa comu-
nidade e o domínio dessa língua pelo sujeito surdo só ocorre quando o
mesmo está em contato direto com essa comunidade.
Isso quer dizer que as crianças podem adquirir a Língua de Sinais quan-
do interagem com outras da comunidade surda, da mesma forma que ocor-
re com outras crianças durante a etapa da aquisição de uma língua natural.
“Natural, entretanto, não se refere a uma certa espontaneidade biológica.
Língua natural, aqui, deve ser entendida como uma língua que foi criada e é
utilizada por uma comunidade.” (SKLIAR, 1998 p. 26-27).
A história da educação dos surdos não difere muito dos demais defi-
cientes ao longo da humanidade. No Brasil, a partir da fundação do Insti-
tuto dos Surdos-Mudos, em 1857, já mencionada neste texto, foi iniciado
um longo período de amadurecimento e consciência política culminada
com a fundação da Federação Nacional de Educação e Integração dos
48 | ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

Surdos (FENEIS7), em 1987, a qual foi de grande importância para a or-


ganização de Associações em todo o País e a difusão da LIBRAS.
Neste caminhar, com a ajuda da comunidade ouvinte, os surdos fo-
ram conquistando seus espaços e legitimando seus direitos. Um desses
direitos conquistados pelos surdos foi a regulamentação da Língua de
Sinais para a sua educação escolar, como também o reconhecimento da
profissão do intérprete de Língua de Sinais em 2010.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relevância e a contribuição deste estudo configuram-se no con-


texto educacional que hoje prioriza a escola inclusiva. De acordo com
a declaração de Salamanca, tem-se a garantia da educação para todas
as pessoas com necessidades educacionais especiais. No entanto, há
situações que tornam este processo difícil.
Ao longo do tempo, muitas práticas de exclusão marcaram a educa-
ção do deficiente. Dentre eles, ao sujeito surdo, durante muito tempo,
foi imposta a oralização e o não reconhecimento da Língua de Sinais.
Hoje, sabe-se que a Língua de Sinais é um dos elementos da cultura
surda. Ela proporciona ao surdo conviver com seus pares, possibili-
tando conhecimentos e favorecendo na construção de sua identidade.
Assim, para que o surdo seja efetivamente incluso no contexto edu-
cacional, a abordagem bilíngue é a que se ajusta à proposta inclusiva,
outrossim, esta metodologia atende à exigência da própria comunida-
de, uma vez que garante ao aluno acompanhar as aulas recorrendo ao
uso de sua primeira língua, a LIBRAS.
Desta forma, este retorno à história permite refletir sobre as práti-
cas educativas e suas consequências no processo educacional da pessoa
surda. Isso possibilita, ao educador e a profissionais envolvidos na área
da surdez, repensar as metodologias desenvolvidas atualmente para
possibilitar ao educando surdo uma educação inclusiva de qualidade.


7
É uma entidade não governamental, filiada à World Federation of the Deaf. Ela pos-
sui sua matriz no Rio de Janeiro e filiais por diversos estados brasileiros.
Alda V. S. de Melo | Josevânia T. Guedes | Mônica de G. S. Barbosa | Rita de Cácia S. Souza | 49

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52 | ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS
Josilene Souza Lima Barbosa | Rita de Cácia Santos Souza | 53

Capítulo 3 | O PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR DA PESSOA


COM DEFICIÊNCIA

Josilene Souza Lima Barbosa


Rita de Cácia Santos Souza

A educação voltada para as pessoas com deficiência tem sido


muito discutida e é um dos desafios no campo educacional.
Entre outros aspectos, as discussões versam sobre a acessibilidade pe-
dagógica, a acessibilidade arquitetônica e sobre a importância da for-
mação continuada dos professores. No entanto, para se chegar a essas
discussões, muitos caminhos precisaram ser trilhados rumo à inclusão
da pessoa com deficiência na escola do ensino regular. Várias termi-
nologias1 foram utilizadas ao longo dos séculos: incapacitados, excep-
cionais, pessoas diferentes, pessoas portadoras de deficiência, pessoas
com necessidades especiais, portadora de direitos especiais e a mais
atual pessoas com deficiência. Esta última, definida através dos mo-
vimentos mundiais de pessoas com deficiência. Cabe ressaltar que, as
terminologias aparecerão no texto de acordo com o marco temporal.
A trajetória das pessoas com deficiência é marcada por dificulda-
des e conquistas ao longo dos séculos. Estas pessoas eram ignoradas e
eliminadas do contexto social. Segundo Gugel (2007), nos livros a Re-
pública de Platão e Política de Aristóteles, haviam orientações, de que
as pessoas nascidas com deformações deveriam ser eliminadas por
abandono, atiradas em cadeias de montanhas ou deveriam ser mortas
por afogamentos. Os pais colocavam os filhos em cestos e os jogavam
em rios, as crianças que conseguiam sobreviver tornavam-se bobos da

1
Romeu Sassaki elaborou um quadro intitulado “Como Chamar as Pessoas com Defi-
ciência”, que possibilita o entendimento de cada terminologia de acordo com o marco
temporal.
54 | O PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

corte, iam trabalhar em circos ou viviam nas ruas como pedintes. Al-
guns pais escondiam os filhos em cavernas e os criavam sem que a
sociedade tomasse conhecimento de sua existência. Já em Esparta, só
deveriam sobreviver os fortes e perfeitos para servir ao exército; os
que não atendiam a esses critérios deveriam ser executados.

A Política, Livro VII, Capítulo XIV, 1335 b – Quanto a rejeitar ou


criar os recém-nascidos, terá de haver uma lei segundo a qual
nenhuma criança disforme será criada; com vistas a evitar o ex-
cesso de crianças, se os costumes das cidades impedem o aban-
dono de recém-nascidos deve haver um dispositivo legal limi-
tando a procriação se alguém tiver um filho contrariamente a tal
dispositivo, deverá ser provocado o aborto antes que comecem
as sensações e a vida (a legalidade ou ilegalidade do aborto será
definida pelo critério de haver ou não sensação e vida. (GUGEL,
2007, p. 63)

Gugel (2007) ressalta que a população ignorante encarava o nas-


cimento de pessoas com deficiência como castigo de Deus. Os supers-
ticiosos acreditavam que elas tinham poderes especiais consentidos
por feiticeiros ou bruxos. De acordo com a autora, foi no reinado do rei
Luís IX, entre 1214 e 1270, que foi fundado o primeiro hospital para
pessoas cegas, que tiveram seus olhos vazados na 7ª Cruzada. Na Idade
Média, com o advento do cristianismo, pessoas doentes, defeituosas e/
ou mentalmente afetadas não mais podiam ser exterminadas, passa-
ram a ser consideradas criaturas de Deus.
Aranha (2000) relata que, com a Revolução Burguesa assuntos re-
ferentes à deficiência, começaram a ter uma nova conotação e surgem
novas idéias. As pessoas com deficiência começaram a ser tratadas,
através da alquimia, da magia e da astrologia, métodos da então ini-
ciante medicina, processo importante do século XVI. Segundo a autora,
o século XVII foi palco de novos avanços no conhecimento, produzido
na área da medicina, o que fortaleceu a tese da organicidade, e ampliou
a compreensão da deficiência como processo natural. A autora relata
que a tese da organicidade favoreceu o surgimento de ações de trata-
Josilene Souza Lima Barbosa | Rita de Cácia Santos Souza | 55

mento médico das pessoas com deficiência. A tese do desenvolvimento


por meio da estimulação encaminhou-se, embora muito lentamente,
para ações de ensino, o que vai se desenvolver definitivamente somen-
te a partir do século XVIII.
Souza (2005) afirma que, apenas no século XVIII começa a educa-
ção voltada para a pessoa com deficiência de forma mais sistematiza-
da. Segundo ela, o objetivo era torná-los preparados para exercerem
algumas atividades, embora em isolamento completo. De acordo com
Menezes (2006), o introdutor da educação especial foi Jean Itard, o
qual ficou conhecido como o médico-pedagogo, devido ao trabalho de-
senvolvido com Vitor (garoto abandonado em uma floresta francesa).
Na época não se acreditava que Vitor pudesse se tornar sociável e ins-
truído. No entanto, o médico defendia que o menino não se comunica-
va, devido à privação de contato social. Jean Itard foi de encontro aos
seus contemporâneos e começou a sistematizar uma proposta de ensi-
no para as pessoas com deficiência. Diante dos resultados alcançados
com Vítor (o selvagem de Aveyron), tornou-se referência no contexto
da educação especial.
Souza (2005) ressalta que a preocupação com a educação desse
alunado no Brasil passa efetuar-se de forma sistematizada no início da
segunda metade do século XIX, assim como os estudos científicos mais
aprofundados voltados para a deficiência. Informa, também que raras
foram as instituições que surgiram e quase não há registros por escrito
sobre a educação no início do século XX. Em 1913 houve no Brasil uma
síntese da educação dos ‘anormais’ na escola, baseada nos enfoques
e procedimentos europeus e americanos. No entanto, o número de
instituições até o final da década de 1920, era de apenas 16 escolas.
Afirma que, a década de 1920 é um marco na história da educação
especial, com a iniciativa do deputado Antonio Manoel Carvalho Neto,
que defendeu a criação de escolas de aperfeiçoamento e classes espe-
ciais para atrasados. Carvalho Neto foi autor do projeto “A Educação
dos Anormais” de nº 480/1921“.
De acordo com Souza (2005), no segundo semestre de 1930, come-
ça a funcionar a primeira escola dos anormais em São Paulo. Essa auto-
ra cita que, embora o estado de São Paulo tenha iniciado o atendimen-
56 | O PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

to, foi o projeto do deputado sergipano Carvalho Neto, que recebeu o


título de pioneiro com a educação especial do país, por apresentar uma
proposta coerente dentro do que se esperava para àquela época.

A educação especial em Sergipe passa da década de 1920 até o


início dos anos 1960 sem a criação de instituição voltada para
essa clientela, enquanto que em São Paulo,em 1954, já estavam
funcionando 21(vinte e uma) classes especiais para débeis
mentais em grupos escolares da capital. Durante esse período
de silêncio sobre a questão, os jornais demonstraram que exis-
tira uma preocupação maior com o debate científico e pouco ou
nada sobre a educação dos deficientes (SOUZA, 2005, p.64).

Aranha (2000) relata que em 1950 continuou a proliferação de en-


tidades assistenciais privadas, ampliando também o número de pes-
soas atendidas na rede pública. O sistema público, começou a oferecer
Serviços de Educação Especial nas Secretarias Estaduais de Educação
e a realizar campanhas nacionais de educação para pessoas com de-
ficiência. A década seguinte passou por um processo geral de reflexo
e de crítica sobre direitos humanos, e mais especificamente, sobre os
direitos das minorias, e seus efeitos na construção da sociedade e da
subjetividade humana na maioria dos países ocidentais. Esta década
foi importante pela relação da sociedade com a pessoa com deficiên-
cia. No Brasil, surgiram centros de reabilitação para atender a todos os
tipos de deficiências, ficando conhecido como paradigma de serviços.
Esses centros eram voltados para o objetivo de integração da pessoa
com deficiência na sociedade em diversas instâncias. A autora salienta
a importância da Lei nº 4.024/61 por explicitar o compromisso do
poder público brasileiro com a educação especial, momento em que
ocorria um aumento crescente das escolas públicas no País.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei
nº 4.024 de 1961 dava direito aos “excepcionais” à educação, prefe-
rencialmente dentro do sistema geral de ensino. Conforme dados de
Brasil (2008), a Lei nº 5.691/71 altera a LDBEN de 1961 ao definir
“tratamento especial” para os alunos com deficiências físicas, mental,
Josilene Souza Lima Barbosa | Rita de Cácia Santos Souza | 57

com atraso na aprendizagem e para os superdotados. Esta mudança


na lei acabou reforçando o encaminhamento dos alunos para classes
ou escolas especiais.
Em 1973 foi criado o Centro Nacional de Educação Especial (CE-
NESP), como um órgão do Ministério da Educação e Cultura. De acor-
do com Souza (2005), o objetivo desse centro era planejar, coordenar
e promover o desenvolvimento da educação especial na pré-escola,
ensino de 1º e 2º graus, superior e supletivo, para deficientes visuais,
auditivos, mentais, físicos, portadores de deficiências múltiplas, edu-
candos com problemas de conduta e superdotados. Segundo Galvão
Filho (2009), tal centro atuava sob a concepção de um sistema educa-
cional paralelo e segregado.
A Constituição Federal de 1988, determina a promoção e o bem
de todos, sem preconceitos de cor, raça, sexo, cor, idade e qualquer ou-
tras formas de discriminação (art.3º, inciso IV). A educação deverá
ser um direito de todos e garantir o acesso e a permanência na escola.
Garante como dever do Estado, a oferta do atendimento educacional
especializado, preferencialmente na rede regular de ensino.
O ano de 1990 iniciou com a aceitação política da proposta de Edu-
cação para todos, produzida em Jomtiem, Tailândia, na conferência
mundial da UNESCO. Ao assumir tal compromisso, o Brasil comprome-
teu-se em aprofundar a transformação do sistema educacional brasi-
leiro de forma que pudesse acolher a todos, indiscriminadamente, com
qualidade e igualdade de condições.
Dando continuidade a esse processo, o país tornou-se signatário
da Declaração de Salamanca, assinada em 1994. Conforme Galvão
Filho (2009), esta declaração é um dos primeiros e principais docu-
mentos que situam a Educação Especial na perspectiva da Educação
Inclusiva. Este documento demanda que os Estados assegurem que a
educação de pessoas com deficiência, seja parte integrante do sistema
educacional. Para isso, se faz necessário, o envolvimento de governos,
grupos de advocacia, comunidades, pais, e em particular de organiza-
ção de pessoas com deficiência.
De acordo com a Declaração de Salamanca (1994), a educação espe-
cial deveria ser integrada dentro de programas de instituições de pesqui-
58 | O PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

sa e desenvolvimento e de centros de desenvolvimento curricular, investir


na pesquisa-ação com foco em estratégias inovadoras de ensino-aprendi-
zagem. Os educadores devem participar ativamente tanto na ação quanto
na reflexão envolvidas em tais investigações. E, em estudos-pilotos, es-
tudos de profundidade deveriam ser lançados para auxiliar, tomadas de
decisões e para promover orientações futuras para a educação.

Durante muito tempo as pessoas mais diretamente influen-


ciadas pelo que acontece nas escolas foram excluídas dos
planejamentos e dos processos de tomada de decisão. Os alu-
nos com necessidades especiais e seus familiares raramente
tiveram voz nas decisões educacionais. O ‘mito do julgamen-
to clínico’, manteve as decisões de programação educacional
fundamentalmente nas mãos de especialistas, cuja abordagem
tem sido o déficit concentrado e baseado em um modelo es-
tático e ultrapassado, segundo o qual a quantidade de tempo
que um aluno depende em atividades regulares da escola e da
vida comunitária depende do julgamento profissional, em que
vai avaliar e verificar se o aluno adquiriu sua ‘prontidão’ para
a inclusão. (SCHAFFNER; BUSWELL, 1999, p.70-71)

Conforme a nova LDBEN 9394/96, todas as crianças, sempre que


possível, devem estudar juntas, independente de suas dificuldades
e diferenças, partindo da convicção de que todos os são capazes de
aprender. Galvão (2009) cita que a nova LDB flexibiliza a concepção
de um ensino padronizado do ensino regular, preconizando uma maior
valorização à diversidade.
Em 2001, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Edu-
cação Básica, determina:

Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, ca-


bendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos edu-
candos com necessidades educacionais especiais, asseguran-
do as condições necessárias para uma educação de qualidade
para todos. (BRASIL, 2001)
Josilene Souza Lima Barbosa | Rita de Cácia Santos Souza | 59

Ainda em 2001, o Plano Nacional de Educação (PNE), destaca a


necessidade da criação de uma escola inclusiva que possa garantir o
atendimento a diversidade humana. Este Plano, estabelece metas e
objetivos para subsidiar a educação dos alunos com deficiência. Apon-
ta também, o déficit referente a matricula deste alunado, à formação
docente, à acessibilidade e ao atendimento educacional. Outro docu-
mento importante é o Decreto nº 3.956/2001 que promulga a Conven-
ção de Guatemala realizada em 1999, afirmando que as pessoas com
deficiência têm os mesmos direitos que as demais pessoas na socieda-
de. Conforme Galvão (2009), este decreto tem uma importante reper-
cussão na sociedade, por exigir a eliminação de barreiras que dificul-
tam o acesso à escolarização.
Em 2002 a Lei nº 10.436 reconhece a Língua Brasileira de Sinais-
Libras como sendo a língua oficial dos surdos. Foi regulamentada em
2005, através do Decreto nº 5626 e determina a inclusão da Libras
como disciplina curricular, a formação e a certificação de professor,
instrutor e tradutor/intérprete de Libras, e o ensino da Língua Por-
tuguesa como segunda língua para os alunos surdos. Ainda em 2002,
a Portaria nº 2.678 expedida pelo MEC aprova as diretrizes e normas
para o uso, o ensino, a produção e a difusão do sistema Braille em todas
as modalidades de ensino. Já, em 2003 é implantado pelo MEC o Pro-
grama Educação Inclusiva: direito à diversidade, com vistas a apoiar a
transformação dos sistemas de ensino em sistemas inclusivos, deven-
do garantir o direito de acesso de todas as pessoas à escolarização, à
oferta do atendimento educacional especializado e à garantia de aces-
sibilidade.
O Brasil é signatário da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, ocorrida em 2006. Ficando estabelecido que os Es-
tados-Partes devem assegurar um sistema de educação inclusiva em
todos os níveis de ensino, em ambientes que favoreçam o desenvolvi-
mento acadêmico e social. Outra medida importante foi o lançamento
do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, lançado através
da parceria entre a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, os Mi-
nistérios da Educação e da Justiça, juntamente com a Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura( UNESCO). Este
60 | O PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Plano visa a inclusão no currículo de temáticas relativas às pessoas


com deficiência e o desenvolvimento de ações afirmativas para possi-
bilitar o acesso e a permanência na educação superior.
O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado em
2007, tem como eixos centrais a formação de professores para a edu-
cação especial, a implantação das salas de recursos multifuncionais,
a acessibilidade arquitetônica, o acesso e a permanência das pesso-
as com deficiência no ensino superior e o monitoramento do acesso à
escola dos favorecidos pelo Beneficio de Prestação Continuada (BPC).
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Edu-
cação Inclusiva de 2008 é um dos documentos que norteiam a educa-
ção inclusiva no Brasil atualmente. Esta Política tem como objetivo: o
acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdo-
tação nas escolas de ensino regular, orientando os sistemas de ensino a
promover respostas às necessidades educacionais especiais, devendo
garantir:
- Transversalidade da educação especial desde a educação infantil
até a educação superior;
- Atendimento educacional especializado nos níveis mais elevados
do ensino;
- Formação de professores para o atendimento educacional espe-
cializado e demais profissionais da educação para a inclusão es-
colar;
- Acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equi-
pamentos, nos transportes, na comunicação e informação; e
- Articulação intersetorial, na implementação, das políticas públi-
cas. (BRASIL, 2008)

Diante do contexto apresentado, pode-se perceber que a educação


das pessoas com deficiência passou por transformações significativas. Da
exclusão social passaram a ter direito a estudarem em escolas ou classes
especiais e atualmente são incluídas nas escolas do ensino regular.
Em Brasil (2008) pode-se perceber a orientação que a educação
especial deve integrar a proposta pedagógica da escola regular e per-
Josilene Souza Lima Barbosa | Rita de Cácia Santos Souza | 61

passar por todos os níveis, etapas e modalidades. Deverá, ainda, pro-


mover o atendimento às necessidades educacionais especiais de alu-
nos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação e outros casos que implicam em transtor-
nos funcionais específicos. A educação especial deve atuar de forma
articulada com o ensino comum dando as orientações necessárias,
direcionando suas ações para o atendimento educacional às especifi-
cidades dos alunos no processo educacional, orientando a organização
das redes de apoio, a formação continuada, a identificação de recursos,
serviços e o desenvolvimento de práticas colaborativas.
Conforme Brasil (2008), a educação especial deve pensar em ações
para a modalidade de educação de jovens e adultos e educação profis-
sional, visando a ampliação de oportunidades de acesso à educação,
formação para o ingresso no mundo do trabalho e para a participação
social. Na educação indígena, do campo e quilombola deve assegurar
que os recursos, serviços e atendimento educacional especializado es-
tejam presentes nos projetos pedagógicos respeitando as diferenças
socioculturais desses grupos. No ensino superior, as ações da educação
especial devem promover o acesso, a permanência e a participação dos
alunos. As ações envolvem o planejamento e a organização de recursos
e serviços para a promoção da acessibilidade arquitetônica, urbanísti-
ca, pedagógica e nas comunicações, devendo ser disponibilizados nos
processos seletivos, e no desenvolvimento de todas as atividades que
envolvam o ensino, a pesquisa e a extensão.
Pode-se perceber diante do contexto apresentado a diversidade de
documentos referentes à educação das pessoas com deficiência, teo-
ricamente e filosoficamente a educação inclusiva é riquíssima. Entre-
tanto, no cotidiano escolar, ainda há muitas barreiras que impedem
ou dificultam uma educação de qualidade para todos os alunos. É bom
ressaltar, que o Brasil é um dos países mais ricos em relação à quan-
tidade de leis relacionadas às pessoas com deficiência, no entanto, o
cumprimento das mesmas raramente acontece de forma efetiva.
Atualmente há ainda algumas escolas especiais ou classes especiais
que compõem as escolas do ensino regular, mas estão sendo fechadas
de forma gradativa. O objetivo do MEC é transformá-las em Centros de
62 | O PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Atendimento Educacional Especializado para subsidiar as escolas do


ensino regular, dando-lhes o apoio e as orientações necessárias para a
educação dos alunos com deficiência intelectual, física e sensorial (de-
ficiência visual, deficiência auditiva e surdocegueira), assim como os
alunos com transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação.
O apoio dos profissionais que atuam na educação especial é essen-
cial para auxiliar pais, professores e principalmente os alunos que ne-
cessitam desse apoio pedagógico nas escolas do ensino regular. Estes
serviços compreendem o Atendimento Educacional Especializado, o
Centro de Atendimento Educacional Especializado, as classes hospi-
talares e os atendimentos itinerantes. Cabe ressaltar que na prática,
esses serviços são escassos ou inexistentes, e os alunos ficam à mercê
de um sistema que deveria ser inclusivo, mas que acaba, em alguns ca-
sos, excluindo os alunos por falta do suporte necessário. Assim, é difícil
conceituar no cotidiano das escolas o que vem a ser segregar ou incluir.
Carvalho (2008) defende, que o trabalho na diversidade em busca
da educação inclusiva, deveria começar no interior dos órgãos gesto-
res de sistemas educacionais e concretizar-se em ações conjuntas de
todos os gestores, independentemente do nível de ensino que atuam.
Para esta autora, deveriam se organizar equipes de trabalho e que pu-
dessem estar juntas, desde as discussões sobre a filosofia de educação
adotada, até a elaboração da política educacional a ser implantada. A
autora foi Secretária de Educação Especial, e diz que há dificuldades
para que ocorram articulações sistematicamente nestes órgãos, geral-
mente só ocorrem em situações esporádicas.

A verdade é que as narrativas centradas na inclusão e no tra-


balho na diversidade ainda predominam nos textos escritos e
verbais de gestores e professores da educação especial, ape-
sar de seus evidentes esforços para que seja assumida, espon-
taneamente, por seus pares, educadores do ensino regular. Pa-
rece que no caso das pessoas em situação de deficiência, suas
necessidades e direitos não são, suficientemente, visíveis para
todos, fora da educação especial. (CARVALHO, 2008, p.56)
Josilene Souza Lima Barbosa | Rita de Cácia Santos Souza | 63

Os professores e diretores, que trabalham em escolas inclusivas


precisam perceber a necessidade da quebra de paradigmas, o trabalho
requer um relacionamento bem mais cooperativo entre os professores
da educação regular e educação especial, trocando experiências e di-
ficuldades, neste novo cenário educacional. É comum, os professores
do ensino regular, querer atribuir maior responsabilidade aos profes-
sores da educação especial e acreditarem que o sucesso ou o fracasso
do aluno dependem dos serviços realizados pelos professores especia-
lizados nesta área. E, se esquivam de assumirem o seu papel perante
estes alunos, alguns alegam não estar preparados, outros ignoram a
presença dos alunos nas salas de aula. Infelizmente, situações como
estas ocorrem com muita frequência.
Para que a inclusão escolar possa dar um salto qualitativo, é preciso
que os órgão competentes, proporcionem melhores condições de aces-
so e permanência dos alunos, cursos de formação continuada e que fis-
calizem os recursos destinados às secretarias de educação e às escolas.
É comum, ocorrer o extravio dos recursos direcionados ao atendimento
especializado para outros setores das instituições de ensino. É preciso
reconhecer a preocupação e o investimento feito pelo Ministério da
Educação, no entanto a educação inclusiva ainda anda em passos lentos.

Quando um aluno com deficiência ingressa em um sistema edu-


cativo tradicional, em uma escola tradicional, seja especial ou
regular, freqüentemente, vivencia interações que reforçam uma
postura de passividade diante de sua realidade, de seu meio. Fre-
qüentemente é submetido a um paradigma educacional no qual
continua a ser o objeto, e não o sujeito, de seus próprios proces-
sos. Paradigma esse que, ao contrário de educar para a indepen-
dência, para a autonomia, para a liberdade no pensar e no agir,
reforça esquemas de dependência e submissão. É visto e tratado
como um receptor de informações e não como construtor de seus
próprios conhecimentos. (GALVÃO FILHO, 2009, p.125)

Galvão Filho (2009) coloca que a missão do educador que trabalha


com alunos inclusos não é o de facilitar, de diminuir as dificuldades
64 | O PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

para o aluno com deficiência, mas desafiá-lo, estimulá-lo, para que ele
mesmo encontre as soluções para seus próprios problemas. Portanto,
para que o aluno com deficiência seja esse sujeito ativo na construção
do próprio conhecimento, é necessário que vivencie condições e situa-
ções nas quais ele possa exercitar sua capacidade de pensar, comparar,
formular e testar ele mesmo suas hipóteses, relacionando conteúdos
e conceitos. Segundo o autor, para que isso aconteça, necessitará de
uma mediação instrumental buscando ‘rotas alternativas’ para a cons-
trução de conhecimentos, e encontra na Tecnologia Assistiva, um forte
aliado, neste processo.
As escolas quando recebem alunos com deficiência, altas habili-
dades ou com graves déficits educacionais, querem que os mesmos se
adaptem e aprendam como os alunos que não têm limitações, e aca-
bam não viabilizando as ações necessárias para que estes educandos
avancem no processo de aprendizagem. Desta forma tornam-se pas-
sivos, continuam dependentes, sem liberdade, tornando-se submis-
sos ao paradigma educacional que deveria ser inclusivo, porém acaba
tornando-se excludente. Muitos profissionais não apostam no poten-
cial destes alunos, por não acreditarem que possam aprender de forma
efetiva, tomar as suas próprias decisões e acabam subestimando a in-
teligência dos mesmos. E, para muitos educadores, a educação inclusi-
va serve apenas para a socialização do indivíduo. Socialização no senti-
do de brincar e fazer amizades. No entanto, a escola deve ser espaço de
aprendizagem para todo e qualquer aluno, independentemente de ter
alguma limitação. E de socialização, mas no sentido de compartilhar
experiências, modos de vida e culturas diferenciadas.
Stainback e Stainback (1999) ressaltam, que o objetivo da inclusão
não é o de apagar as diferenças, mas o de que todos os alunos perten-
çam a uma comunidade educacional que valide e valorize sua indivi-
dualidade. Dando-lhes autonomia e oportunidades para se reunirem,
formar amigos, gerar parcerias entre os grupos e aprender a assumir
a sua própria educação. Estes autores chamam à atenção para a ne-
cessidade da implantação de equipes de apoio para auxiliar alunos e
professores em escolas inclusivas. Estas equipes de apoio têm como
função debater, resolver problemas e trocar idéias, métodos, técnicas
Josilene Souza Lima Barbosa | Rita de Cácia Santos Souza | 65

e atividades para apoiar os professores e alunos a conseguirem ser


bem-sucedidos em seus papéis. A equipe pode ser constituída de duas
ou mais pessoas, tais como alunos, diretores, pais, professores das
classes regulares e professores especializados, psicólogos, terapeutas
e servidores.
Os pais precisam ser atuantes, participativos e principalmente
acreditarem nas potencialidades e possibilidades de aprendizagem de
seus filhos. Quando uma pessoa com deficiência é bem sucedida na
sociedade, certamente, estas são oriundas de famílias que acredita-
ram, investiram e lutaram para que seus direitos fossem respeitados
e valorizados. Cury (2003) complementa: “O mundo pode não apostar
em nossos filhos, mas jamais devemos perder a esperança de que eles
se tornem grandes seres humanos”. Para este autor, os pais devem se-
mear idéias e esperar que um dia as sementes germinem. Devem ser
poetas na batalha da educação, podem chorar, mas jamais desanimar.
“Podemos nos ferir, mas jamais deixar de lutar. Pais e professores de-
verão se unir e se tornar parceiros na fantástica empreitada da educa-
ção.” (CURY, 2003, p. 52).
Acredita-se, que na luta em busca dos direitos dos filhos, é que foi
se construindo o processo educacional para as pessoas com deficiência.
Pais atuantes que saíram do luto e foram à luta, em busca de melhores
condições de escolarização e na vida social, acabou contribuindo para
o movimento da inclusão escolar. Para que a reforma do ensino inclusivo
aconteça, os pais devem acompanhar de perto a metodologia adotada, a
prática docente, os modelos avaliativos, reivindicar que os direitos se-
jam respeitados e sejam também, cumpridores dos seus deveres.
Mittler (2003) percebe a inclusão escolar como um processo de
reforma e de reestruturação das escolas. Essa reforma deverá ter como
objetivo garantir o acesso e a participação de todas as crianças nas di-
versas possibilidades de oportunidades oferecidas pela escola, impe-
dindo a segregação e o isolamento. A política inclusiva foi planejada
para beneficiar todos os alunos, incluindo os que pertencem às mino-
rias lingüísticas e étnicas, aqueles com deficiência ou dificuldades de
aprendizagem, os alunos que se ausentam constantemente das aulas e
os que estão sob o risco de exclusão social.
66 | O PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Schaffner e Buswell (1999) ressaltam: para que a reforma das es-


colas obtenha sucesso, é necessário que sejam comunidades acolhedo-
ras em que todos os alunos se sintam valorizados e respeitados. Se esta
característica da comunidade for negligenciada ou se sua importância
for subestimada, os alunos vão continuar a ser segregados e as escolas
para todos os alunos não conseguirá atingir seus objetivos.
Os termos integração e inclusão são utilizados, com freqüência,
como sinônimos, é salutar compreender o significado de integrar e in-
cluir no campo educacional. Mittler (2003), explica que a integração
envolve preparar os alunos para serem colocados nas escolas regulares,
implicando em um conceito de prontidão, ou seja, o aluno é transferido
da escola especial para escola regular. O aluno deve adaptar-se à escola,
e não há necessariamente uma perspectiva de que a escola mudará para
atender à diversidade. A integração torna as escolas regulares em esco-
las especiais, quando aplicam a transposição das melhores práticas, dos
melhores professores, dos melhores equipamentos das escolas espe-
ciais para o sistema regular de ensino, para atender apenas aos alunos
com limitações. A inclusão implica em uma reforma radical nas escolas
envolvendo modificações no currículo, na avaliação, pedagogia e formas
de agrupamento dos alunos nas atividades de sala de aula. Deve está
baseada em um sistema de valores para que todos se sintam acolhidos,
celebrando a diversidade que deve ter como base o gênero, a raça, a lin-
guagem de origem, o background social, o nível de aquisição educacional
ou a deficiência.
Diante das discussões sobre a inclusão escolar, percebe-se que o ce-
nário educacional brasileiro, ainda está sob o modelo da integração. Ao
adentrar nos estabelecimentos de ensino podemos constatar: a falta de
acessibilidade, salas de recursos funcionando na precariedade, os pro-
fessores sem cursos de formação continuada, ausência de metodologias
apropriadas e o apoio insuficiente dos órgãos competentes. Deve-se re-
conhecer que, já foram dados passos importantes, porém, a caminhada
em busca de uma educação inclusiva está longe de chegar ao fim.
Cabe lembrar que, não se deve descartar e desvalorizar as
contribuições dadas pelas escolas especiais. Falar de inclusão,
teoricamente é fácil, não é oportuno fazer julgamento de valor sem
Josilene Souza Lima Barbosa | Rita de Cácia Santos Souza | 67

conhecer o contexto das pessoas com deficiência. E principalmente,


se estas pessoas têm limitações mais graves. Muitos destes alunos,
quando são matriculados em escolas do ensino regular, não lhes são
dadas as condições de permanência, acabam abandonando as institui-
ções de ensino, sejam da educação básica ou do ensino superior. Co-
nhecendo a inclusão na prática, os teóricos poderiam entender melhor
o que é de fato incluir e segregar no contexto inclusivo nas escolas bra-
sileiras.
O ideal seria que existisse escola de qualidade para todos de forma
que essa discussão não precisasse existir ou fosse facultado às famí-
lias o direito de escolher qual escola atenderia melhor às necessidades
educacionais dos seus filhos. Agindo desta forma, os governantes po-
deriam afirmar que o Brasil é de fato um país democrático. É impor-
tante esclarecer que somos a favor da educação inclusiva, entendida
como educação de qualidades e para todos, mas vivenciamos, na prá-
tica, todas as dificuldades existentes no sistema inclusivo de ensino
como professoras de sala de aula e no atendimento educacional espe-
cializado. Almejamos ver, no futuro próximo, todos os alunos em es-
colas onde possam ter uma educação voltada para o desenvolvimento
das suas habilidades e potencialidades, independentemente do fato de
estarem matriculados em escolas especializadas ou não.
Contudo, é bom ressaltar que percebemos a educação inclusiva
como um processo, como uma reforma educacional e cultural, que de-
penderá da colaboração e do apoio de todos os membros da socieda-
de em prol do atendimento às necessidades de todo e qualquer aluno.
Portanto, devemos acreditar e continuar na luta, para que as escolas
brasileiras atendam aos princípios da filosofia inclusiva construída
com critério e responsabilidade e os educadores possam estar com-
partilhando as experiências positivas e colaborando para a tão sonha-
da qualidade na educação.
68 | O PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

REFERÊNCIAS

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e a permanência de todos os alunos na escola- Alunos com necessida-
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cial na Perspectiva de Educação Inclusiva. Brasília, 2008.

BRASIL. Ministério da Educação. Plano de Desenvolvimento da Educa-


ção: razões, princípios e programas. Brasília, 2007.

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ção Ibero-americana para Eliminação de Todas as Formas de Discrimi-
nação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência: Guatemala, 2001.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001.


Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências.

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Josilene Souza Lima Barbosa | Rita de Cácia Santos Souza | 69

CURY, Augusto. Pais brilhantes, professores fascinantes. Rio de Janeiro:


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jetória de descasos, lutas, dores e conquistas. Aracaju: Universidade
Tiradentes, 2005.
70 | O PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Edna Maria dos Santos | Alessandra R. dos Santos Andrade | Edivaldo da Silva Costa | 71

Capítulo 4 | EDUCAÇÃO DE SURDOS EM QUESTÃO: UMA


EXPERIÊNCIA DE INCLUSÃO E CIDADANIA
Edna Maria dos Santos
Alessandra Rezende dos Santos Andrade
Edivaldo da Silva Costa

A escola é muito importante na formação dos sujeitos em todos


os seus aspectos; é um lugar de aprendizagem, de diferenças
e de troca de conhecimentos. Desta forma, valorizar as peculiaridades
de cada aluno, atender a todos na escola e incorporar a diversidade,
sem nenhum tipo de distinção, são práticas desafiadoras para a edu-
cação no século XXI. E ao falarmos em peculiaridades, reportamos-nos
ao discente Surdo1 que utiliza de uma língua de modalidade visual-
-gestual, a LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, necessitando, desta
forma, da utilização do corpo, em especial da face e das mãos, para se
comunicar com os ouvintes.
Desse modo, pensar a educação escolar voltada para as pessoas
com surdez nos leva a questionar diversos fatores, como suas limita-
ções linguísticas, suas possibilidades e também o preconceito que ain-
da existe em nossa sociedade.
Na atualidade, ainda percebemos que os alunos com deficiência
auditiva e surdos enfrentam dificuldades para participar ativamen-
te do processo educacional na escola regular, tendo em vista um dos
motivos às propostas educacionais que são disponibilizadas e que por,
muitas vezes, prejudicam esses alunos por não oferecerem estímulos
adequados ao seu potencial cognitivo, sócio-afetivo, linguístico e polí-
tico cultural, levando-os a perdas no seu processo de aprendizagem.

1
Escolhemos usar no nosso texto o termo Surdo com letra inicial maiúscula para repre-
sentar os alunos como sujeitos culturais e políticos.
72 | EDUCAÇÃO DE SURDOS EM QUESTÃO

Sobre isto, a Constituição Federal, em um dos princípios para o


ensino, elege em seu art. 206 I, “igualdade de condições de acesso e
permanência na escola” para todos, em um mesmo ambiente, que pode
e deve ser o mais diversificado possível, para atingir o pleno desenvol-
vimento humano e o preparo para a cidadania (art. 205).
Ainda neste contexto, a Declaração de Salamanca (1994) pre-
vê uma educação inclusiva2 através da qual todas as crianças podem
aprender juntas, independentemente de suas condições físicas, inte-
lectuais, sociais, raciais, linguísticas ou outras. Para atingir tal propósi-
to, a escola precisa passar por profundas mudanças relacionadas à sua
função e construção do conhecimento. Hoje, não se pode mais discutir
educação democrática sem incluir a problemática da heterogeneidade
do alunado expressa nos pressupostos da inclusão.
Com essa convicção, o presente artigo objetiva relatar a inclusão
de alunos Surdos da E. E. Vicente Machado Menezes no município de
Itabaiana/SE. Uma experiência destacando não só a mudança de pos-
tura da escola em sua prática pedagógica como também para um novo
olhar à construção de uma filosofia educativa pautada nos direitos de
todos – cidadania.

EDUCAÇÃO DOS SURDOS DA ESCOLA: DA EXCLUSÃO À INCLUSÃO

É preciso que a escola regular busque medidas que beneficiem a


todos os alunos através de ações que tenham sentido na aprendizagem
e possam ser compartilhadas por todos em sala de aula. No que se
refere especificamente à educação de alunos com surdez, presencia-
-se muitas vezes, dentro da escola o processo de “exclusão” não só em
classe inclusiva como na exclusiva.
Tal situação nos remete à experiência da professora Edna Maria,
recém-chegada ao antigo CAIC Vicente Machado Menezes em 1997, le-


2
A educação inclusiva melhora a qualidade do ensino para todos, atua como impul-
sionadora das práticas educacionais nas escolas, desafiando os professores a de-
senvolverem novas metodologias para a participação ativa que beneficia todos os
alunos. (ALVES, 2006, p. 10)
Edna Maria dos Santos | Alessandra R. dos Santos Andrade | Edivaldo da Silva Costa | 73

cionando em turma de ensino regular. Essa unidade escolar hoje é a E.


E. Vicente Machado Menezes, em novo endereço, mantida pelo Gover-
no Estadual, criada em 1994, oferecendo o ensino fundamental, suple-
tivo e educação especial3 – implantada em 1996.
Fávero (2007) destaca que Educação Especial é a educação desti-
nada aos alunos deficientes, oferecida de forma complementar ao en-
sino regular, não obrigatória, sendo uma forma válida de tratamento
diferenciado (discriminação positiva) assegurada pela Constituição
Federal de 1988 e por convenções e tratados internacionais.
Tudo começou a partir da observação inquietante da professora
Edna Maria dos Santos no tocante à exclusão a que os Surdos eram
submetidos (classe especial com 15 alunos, separados em espaço iso-
lado das demais salas comuns na escola), isto porque esse alunado não
participava ativamente no contexto do cotidiano escolar.
Em 2000, já fazendo parte do grupo de professores que leciona-
vam nas classes especiais, com um número significativo de 38 alunos
Surdos – distribuídos em três salas, as inquietações aumentaram visto
que a situação continuava passiva e de discriminação principalmente
pela indiferença de todos.
Nesse mesmo ano, como estudante do curso de Pedagogia, apli-
cou na escola um Projeto4 com o intuito de mostrar, através de ins-
trumental concreto, as evidências em foco, de modo a contribuir para
a (re)descoberta de novos caminhos para a escola e para o relacio-


3
A implantação dessa modalidade de ensino em Itabaiana veio através de projeto
complementar do então secretário de Educação do Estado de Sergipe (no governo
de Albano do Prado Franco), que seguia a Lei Darcy Ribeiro (LDB nº 9394/96) em
seu capítulo V, que trata da Educação Especial em seus três artigos (58, 59, 60)
como forma de garantir a educação para todos. E a escolha dessa escola (pioneira
nesse atendimento) na cidade, deu-se junto à DRE’03 e a diretora da escola Maria
Izabel Santana, impulsionados pelo espaço e estrutura física. (SANTOS, 2003 – His-
tórico da Educação Especial da escola).

4
Projeto: “Surdos X ouvintes e as dificuldades de relacionamento dos alunos do CAIC
Vicente Machado Menezes”. De início, a professora comunicou à direção da escola o
que pretendia fazer e, mesmo sentindo certa resistência por parte desta, realizou -
o. (SANTOS, 2008)
74 | EDUCAÇÃO DE SURDOS EM QUESTÃO

namento interativo e afetivo entre todos, pois, como afirma Aranha


apud Cardoso:

Há que se buscar soluções para a convivência na diversidade


que caracteriza e enriquece, dá sentido e significado. Há que se
efetivamente favorecer a convivência e a familiaridade com as
pessoas com deficiência, derrubando as barreiras físicas, so-
ciais, psicológicas e instrumentais que as impedem de circular
no espaço comum. (ARANHA, apud CARDOSO, 2003, p. 129)

Ao final do processo na busca de solucionar o problema através


dos dados coletados, a professora em reunião com a equipe direti-
va, representantes de cada turma (nos diferentes turnos) e grupo de
apoio apresentou os resultados nos quais ficou constatado de fato pela
maioria que – o fator primordial, dentre outros, era a presença indis-
pensável da língua de sinais no ambiente escolar, visto que ela só tinha
a contribuir na comunicação, evitando assim a exclusão de uma mino-
ria presente na escola. Na verdade, esse projeto foi o primeiro instru-
mento a dar o pontapé inicial para uma prática inclusiva. Reiterando
isso, a Política Nacional (2008) enfatiza que:

A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fun-


damentado na concepção de direitos humanos, que conjuga
igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avan-
ça em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as
circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e
fora da escola (PNEE, 2008).

A respeito dos resultados, todos se conscientizaram da necessi-


dade urgente de elaborar propostas pedagógicas buscando novos ca-
minhos para a inclusão dos Surdos. Perceberam que nesse processo
todos têm uma parcela de contribuição a prestar.
Edna Maria dos Santos | Alessandra R. dos Santos Andrade | Edivaldo da Silva Costa | 75

PROJETOS PIONEIROS EM PROL DA INCLUSÃO

Após realização desse projeto revelador, a escola começou a orga-


nizar-se gradativamente, implementando ações a fim de garantir aos
Surdos o acesso à aprendizagem e ao conhecimento através de vários
projetos elaborados por iniciativa das professoras das classes espe-
ciais e equipe diretiva com o objetivo de tornar inclusivo o ambiente
escolar. Impulsionados nesse grande desafio, passaram a executar em
2001, a primeira experiência – a construção da Casa de Fantoche5 -
tendo como alvo a reciclagem e o trabalho interativo com todos na es-
cola (apresentações de peças de teatro e diálogos com uso da Libras).
Em dezembro de 2001 foi criado o Coral Estrelas Silenciosas (ide-
alizado pela professora Edna) com o objetivo de promover a inclusão
entre surdos e ouvintes, num trabalho inovador, com apresentações
intra e extraescolares. Hoje, não mais como coral e sim grupo Estrelas
Silenciosas – investindo no potencial dos alunos Surdos, trabalhando
a dança, a música (com o coral) e o teatro. Grupo esse formado por
alunos surdos (maioria) e ouvintes. No final desse mesmo ano, surgiu
a necessidade de desenvolver o Projeto Integração – busca da apren-
dizagem por meio da cooperação (realizado em 2002) envolvendo não
somente a comunidade escolar como a família dos alunos com surdez,
com o intuito de mostrar a importância da LIBRAS (Língua Brasileira
de Sinais) para um melhor relacionamento entre ambos.
Vale destacar que com a inclusão de alunos surdos em salas de en-
sino regular em 2003, fez-se necessária a elaboração de mais um pro-
jeto: O Sacolão da Economia (um minissupermercado), com o objetivo
de montar um laboratório (ou melhor, oficina de Libras) como suporte
para as necessidades dos professores da escola – quando na aplicação
de diferentes temas; tendo como apoio os próprios alunos surdos in-
clusos nas turmas e as professoras das classes especiais.


5
Casa confeccionada (construída) com caixas de leite e suco (material reutilizado da
merenda escolar) – inaugurada em outubro de 2001.
76 | EDUCAÇÃO DE SURDOS EM QUESTÃO

Diante de uma nova realidade, todos da escola passaram a ver


o surdo com outro olhar – mais respeito às suas necessida-
des/diferenças e potencialidades. Segundo Mantoan (2006,
p. 19), “uma escola inclusiva propõe um modo de organiza-
ção do sistema educacional que considera as necessidades
de todos os alunos e que é estruturada em função dessas ne-
cessidades”.

DESAFIOS E CONQUISTAS NA INCLUSÃO DE SURDOS: A


TRAJETÓRIA DA ESCOLA

A questão da inclusão de crianças com necessidades educacio-


nais especiais na rede regular de ensino insere-se no contexto das
discussões – cada vez mais em evidência – relativas à sua integração
com deficiências enquanto cidadãos, com seus respectivos direitos
e deveres de participação e contribuição social. Sobre isso, Alves
(2006) enfatiza que:

A educação Inclusiva, a partir do reconhecimento e valoriza-


ção da diversidade como fator de enriquecimento do processo
educacional, tem provocado mudanças na escola e na forma-
ção docente, propondo uma reestruturação da educação que
beneficie todos os alunos. A organização de uma escola para
todos prevê o acesso à escolarização e ao atendimento às ne-
cessidades educacionais especiais. (ALVES, 2006, p. 9)

Complementando, Goulart (2003) aponta que a escola, antes de


tudo, deve acreditar na inclusão de todos que dela fazem parte, pois é
através dos diferentes sujeitos e saberes que a constituem que se pode
refletir, criticar, atuar, acelerar e, quando necessário, retroceder. Mat-
tos (2002) ressalta que a prática docente está intrinsecamente relacio-
nada à formação do professor, considerando o processo de construção
do seu papel profissional.
Em relação ao perfil ideal do professor atual nessa perspectiva de
transição na qual passa a sociedade, Gonzáles (2002) afirma:
Edna Maria dos Santos | Alessandra R. dos Santos Andrade | Edivaldo da Silva Costa | 77

O perfil do docente desejável é do profissional capaz de anali-


sar o contexto em que se desenvolve sua atividade e de plane-
já-la; de dar resposta a uma sociedade em mudança; e de com-
binar um ensino para todos, na etapa da educação obrigatória,
com as diferenças individuais, de modo que sejam superadas
as desigualdades, mas, ao mesmo tempo, que seja estimulada
a diversidade latente no sujeito. Em resumo, encontramos o
perfil de um professor com autonomia profissional e respon-
sável diante dos membros da comunidade interessados na
educação. (GONZÁLES, 2002, p. 244).

Com vistas a isso, pensando no potencial dos surdos, a equipe di-


retiva e professores das classes especiais, preocupados com os Surdos
por não avançarem além da 4ª série6, lançou-se a proposta de implantar
uma sala de recursos na escola para atender aos nove alunos Surdos,
que seriam inseridos em diferentes turmas comuns de ensino regular.
Assim feito em 2003, por iniciativa do Departamento de Educação
(DED) e a Divisão de Educação Especial (DIEESP), com apoio da escola,
foi implantado o espaço – Sala de Recursos Luan Fagundes Domingos –
nome em homenagem a um aluno surdo (in memoriam). Percebemos
com isso, que a inclusão apoiada por iniciativas pautadas na valoriza-
ção do indivíduo e assegurada por diversas leis garante o direito indis-
ponível de todos à educação. Sobre isso, Mantoan destaca:

Um dos princípios de ensino a [...] igualdade de condições


e permanência na escola (art.206, inc. I), a Constituição de
1988, acrescentando que o [...] dever do Estado com a educa-
ção será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis


6
As três turmas eram organizadas segundo os Níveis de Aprendizagem (faixa etá-
ria do alunado) nas diferentes modalidades de ensino – no caso da escola: ensino
fundamental, conforme organização e estrutura de funcionamento e atendimento
exposto nas – Diretrizes da Política Estadual da Educação Especial de Sergipe (Ara-
caju, 2000). Observação: A aplicação destes níveis visava apenas atender aos alunos
seguindo os critérios de ensino, pois a faixa etária da maioria dos alunos inclusos
nos três ciclos era acima de 12 anos de idade.
78 | EDUCAÇÃO DE SURDOS EM QUESTÃO

mais elevados do ensino, [...] segundo a capacidade de cada


um. (MANTOAN, 2005, p. 26 - no art. 208, V)

Nesse contexto, o artigo 208 da Constituição Federal, inciso III, es-


tabelece o direito de pessoas com necessidades especiais receberem
educação, preferencialmente, na rede regular de ensino. Para tal, é de
fundamental relevância o trabalho desenvolvido pelas salas de recur-
sos, pois, como assegura Alves:

As salas de recursos multifuncionais são espaços da escola


onde se realiza o atendimento educacional especializado para
alunos com necessidades especiais, por meio do desenvolvi-
mento de estratégias de aprendizagem, centradas em um novo
fazer pedagógico que favoreça a construção de conhecimentos
pelos alunos, subsidiando-se para que desenvolvam o currícu-
lo e participem da vida escolar. (ALVES, 2006, p. 13)

Cabe salientar ainda que o atendimento especializado7, embora


deva ser garantido preferencialmente, nas escolas de ensino regular
– no contraturno – é uma forma de garantir que sejam reconhecidas e
atendidas as particularidades de cada aluno com deficiência. No que se
refere ao atendimento dos alunos com surdez, são consideradas maté-
rias do atendimento educacional especializado: Língua Brasileira de
Sinais (LIBRAS); interpretação de LIBRAS; ensino de língua portugue-
sa para surdos; [...] entre outras. (Ministério Público Federal, 2004, p.
11, org.: Fundação Procurador Pedro Jorge Melo e Silva).


7
§ 1º Considera-se Atendimento Educacional Especializado (AEE) o conjunto de ati-
vidades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente,
prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino
regular; - § 2º O atendimento educacional especializado deve integrar a proposta
pedagógica da escola, envolver a participação da família e ser realizado em articu-
lação com as demais políticas públicas. (Decreto nº 6.571/2008)
Edna Maria dos Santos | Alessandra R. dos Santos Andrade | Edivaldo da Silva Costa | 79

É importante frisar, que o atendimento especializado em salas


de recursos, os educadores devem elaborar atividades que possam
apoiar, complementar ou suplementar os serviços educacionais co-
muns como também desenvolver projetos que proporcionem aos alu-
nos uma maior aprendizagem.
Portanto, atuando também como professora da sala de recursos,
desde a implantação em 2003, sistematizou e elaborou juntamente
com as demais colegas desse espaço, diversos projetos com o intuito de
proporcionar não só aos professores das salas inclusivas, como prin-
cipalmente aos Surdos, todo o suporte necessário para que, de fato,
ocorresse a inclusão. A seguir como demonstra a foto abaixo – alunos
produzindo textos orientados pelas professoras usando a Libras após
exibição do filme “O milagre de Anne Sullivan”.

Foto 1: Edna Maria dos Santos – Apresentação dos cartazes produzidos (Acervo da
Sala de Recursos da Escola Estadual Vicente Machado Menezes) Itabaiana – SE/2008

A aceitação e a permanência dos primeiros Surdos nas turmas co-


muns, a princípio, foram difíceis porque eles estavam acostumados até
então, com o uso da Língua de Sinais nas classes especiais, enquanto
que nas salas inclusivas não existia. Mesmo sabendo das oportunida-
des para avançar nas séries seguintes, ficavam ansiosos, pois os pro-
80 | EDUCAÇÃO DE SURDOS EM QUESTÃO

fessores não sabiam como se comunicar com eles, as aulas não eram
atrativas; tampouco havia a presença do intérprete da Libras na sala
para lhes dar suporte. Só podiam contar com o apoio das professoras
da sala de recursos em algumas situações.
Carvalho (2004) enfatiza que não basta colocar as pessoas com de-
ficiência em classes regulares; faz-se necessário assegurar-lhes garan-
tias e práticas pedagógicas que rompam as barreiras de aprendizagem
a fim de não se fazer uma educação excludente.
É importante ressaltar que é através da língua de sinais (LIBRAS)
que os alunos surdos podem receber uma educação equivalente àque-
la dada aos estudantes ouvintes, podendo eles, no entanto, receber
uma instrução adequada na língua escrita da sociedade e com isso de-
senvolver o bilinguismo funcional. Como relata Ferreira Brito (apud
QUADROS, 1997, p.37):

A língua de sinais apresenta um papel central no processo


educacional, pois essa será usada constantemente durante as
aulas como no seu cotidiano. A língua portuguesa será ensina-
da com ênfase na escrita, considerando que o canal de apren-
dizagem do surdo é visual.

O ideal e imprescindível na inclusão dos Surdos em salas comuns,


é que ao menos os professores conheçam a Libras, que recebam apoio
de uma equipe de profissionais multidisciplinares conhecedores de
língua de sinais, a exemplo do professor especialista, intérprete de lín-
gua de sinais, instrutor e monitor surdos para o acompanhamento das
aulas. Este suporte não existia até então.
No tocante ao acesso da LIBRAS pelos professores das salas in-
clusivas, essa condição só foi possível em 2006, por meio do Plano
de Desenvolvimento da Escola (PDE), isso por conta do aumento de
alunos com surdez inclusos em salas comuns e da grande necessidade
de curso em língua de sinais solicitado pela maioria dos professores.
Uma iniciativa mesmo que de forma incipiente (curso com carga horá-
ria de 20h) possibilitou-os a ter uma noção da língua. Pedreira (2008)
destaca que no âmbito da escolarização de surdos, observamos que,
Edna Maria dos Santos | Alessandra R. dos Santos Andrade | Edivaldo da Silva Costa | 81

introduzida no Brasil na década de 1990, a educação bilíngue vem se


desenvolvendo de forma incipiente, [...]. Ainda sob esse foco, Bueno
(2001) enfatiza que:

[...] Se, por um lado, sabemos que grande parte dos professo-
res do ensino regular não possui preparo mínimo para traba-
lhar com crianças que apresentam necessidades educativas
especiais, por outro lado, observamos que a formação dos pro-
fessores para o ensino especial está centralizada, quase que
exclusivamente, nas dificuldades específicas do alunado a que
atende, sem uma compreensão aprofundada do processo pe-
dagógico de forma ampla e abrangente. (BUENO, 2001, p. 78)

Em 2002, antes da inclusão dos Surdos em salas comuns, realizou-


-se o Curso “Libras em Contexto” em Aracaju/SE, ministrado por Paulo
André Bulhões (professor de matemática e instrutor da LIBRAS – Sur-
do) do INES – Instituto Nacional de Educação do Surdo (RJ). Esse curso
foi promovido pelo MEC em parceria com a FENEIS (Federação Na-
cional de Educação e Integração do Surdo), Governo de Estado/SE e o
município de Aracaju.
O objetivo foi observar, orientar e selecionar Surdos através do de-
sempenho na proficiência de sua Língua e criatividade, para a seleção e
qualificação profissional – instrutores da LIBRAS, ou melhor, multipli-
cadores da Língua de Sinais, a fim de exercer sua função ministrando
cursos de sua língua materna. Dos 20 alunos (selecionados da rede es-
tadual em Sergipe), apenas 10 foram classificados nessa primeira fase.
As duas alunas do CAIC Vicente Machado Menezes, receberam apenas
o certificado de participação. Uma iniciativa da Secretaria de Estado
da Educação de Sergipe (SEED) referente às políticas públicas para a
inserção da Libras na educação dos Surdos, cujo intuito foi de valorizar
e profissionalizar o surdo do estado.
Ainda nesse contexto, em 2006 foi realizada a segunda fase do cur-
so “Libras em Contexto”, cujo objetivo foi igual ao anterior, com a par-
ticipação de novas alunas. Esta fase aconteceu em duas etapas, ambas
em Aracaju/SE – a primeira nesse mesmo ano, ministrado por Tânia
82 | EDUCAÇÃO DE SURDOS EM QUESTÃO

Fellipe (doutora em linguística, pesquisadora em Libras) e a segunda,


em 2007, no CAS – Centro de Atendimento ao professor e ao Surdo,
tendo como ministrantes os novos instrutores formados no primeiro
encontro em 2002.

Foto 2: Acervo do curso Libras em Contexto –


CAS/Aracaju – SE/2007. (Foto: Edna Maria dos Santos)

Em 2008, a escola contou com as novas alunas (estudantes da es-


cola matriculadas na época no 1º ano do ensino médio) como instruto-
ras – contratadas por dois anos pela Secretaria de Estado da Educação
(SEED/SE), dando suporte à Diretoria Regional de Educação (DRE’3)
de Itabaiana, e principalmente na referida Escola – sala de recursos,
nas turmas inclusivas e ministrando cursos aos alunos Surdos, pais
dos alunos surdos e aos professores.
Edna Maria dos Santos | Alessandra R. dos Santos Andrade | Edivaldo da Silva Costa | 83

Foto 3: Acervo da Sala de Recursos/2009 – Curso de Libras para alunos


surdos pelas instrutoras Edilaine (azul/em pé) e Vanessa (sentada ao birô).
Foto: Edna Maria dos Santos.

No que diz respeito à formação desse profissional, há documentos


legais, como o Decreto nº 5.626, de dezembro de 2005, que regulamen-
ta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, (que dispõe sobre a Língua
Brasileira de Sinais – LIBRAS), em especifico no Cap. III – Da formação
do [...] instrutor de Libras decreta que:

- § 1o  A formação do instrutor de Libras pode ser realizada


também por organizações da sociedade civil representativa
da comunidade surda, desde que o certificado seja convalida-
do por pelo menos uma das instituições referidas nos incisos
II e III;
- § 2o As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de forma-
ção previstos no caput;
- Art. 7o  Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste
Decreto, caso não haja docente com título de pós-graduação ou
de graduação em Libras para o ensino dessa disciplina em cursos
de educação superior, ela poderá ser ministrada por profissionais
que apresentem pelo menos um dos seguintes perfis:
- II - instrutor de Libras, usuário dessa língua com formação de
nível médio e com certificado obtido por meio de exame de profi-
ciência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação.
84 | EDUCAÇÃO DE SURDOS EM QUESTÃO

Desde os primeiros alunos inclusos nas turmas comuns em 2003,


não pudemos contar com o intérprete8 da Libras, apesar das várias
tentativas da escola. Apenas no segundo semestre de 2007 tiveram
como intérprete temporário a professora Edna, que atuava em algu-
mas turmas nos horários das disciplinas mais críticas, mas que não
vingou por questões puramente burocráticas. Só em 2009, com a inclu-
são de muitos surdos em diversas turmas, é que foi possível a presença
desse profissional nas salas de aula (mesmo que em número reduzido
ao de salas com surdos inclusos), dando suporte também nos eventos
promovidos pela escola e/ou quando a convite por outra instituição.
E de acordo com o regulamento dos intérpretes, da FENEIS-RS 2004,
conceitua que:

Intérprete é o profissional capaz de possibilitar comunicação


entre Surdos e Ouvintes através da LIBRAS (Língua Brasilei-
ra de Sinais) para o português e vice-versa; ou entre outras
línguas de sinais e línguas orais; Todo intérprete deverá ser
fluente em LIBRAS e Português (expressão e recepção)...Su-
gere-se que o intérprete aprenda outras línguas (sinais e/ou
orais). (FENEIS, 2004, p. 42-43)

Quanto à formação também desse profissional, no mesmo decreto e


lei acima citados em específico no capítulo V – da formação do tradutor e
intérprete da Libras – Língua Portuguesa, confere em seus artigos:

Art. 17.  A formação do tradutor e intérprete de Libras – Lín-


gua Portuguesa deve efetivar-se por meio de curso superior de
Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras – Língua
Portuguesa.


8
A presença do intérprete no âmbito educacional representa uma conquista inigua-
lável em todo o processo dos movimentos sociais do surdo, hoje já reconhecido
através da Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010, que regulamenta a profissão
de tradutor e intérprete da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS.
Edna Maria dos Santos | Alessandra R. dos Santos Andrade | Edivaldo da Silva Costa | 85

Art. 18.  Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste De-


creto, a formação de tradutor e intérprete de Libras - Língua Por-
tuguesa, em nível médio, deve ser realizada por meio de:
I – cursos de educação profissional;
II – cursos de extensão universitária;
III – cursos de formação continuada promovidos por institui-
ções de ensino superior e instituições credenciadas por secre-
tarias de educação.
Parágrafo único.  A formação de tradutor e intérprete de Libras
pode ser realizada por organizações da sociedade civil repre-
sentativas da comunidade surda, desde que o certificado seja
convalidado por uma das instituições referidas no inciso III.

Atualmente, conforme as políticas públicas brasileiras, entende-se que


é possível a inclusão dos surdos na escola regular, principalmente quando a
LIBRAS passar a ser ensinada nas escolas regulares como segunda língua, o
que foi viabilizado pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002:

Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público em ge-


ral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas
institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasi-
leira de Sinais - LIBRAS como meio de comunicação objetiva e
de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.

E pelo Decreto Nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005:

Art. 3º A LIBRAS deve ser inserida como disciplina curricu-


lar obrigatória nos cursos de formação de professores9 para
o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos
cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas


9
Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso nor-
mal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Edu-
cação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais
da educação para o exercício do magistério. (Decreto 5.626/2005, § 1º)
86 | EDUCAÇÃO DE SURDOS EM QUESTÃO

e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de en-


sino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Art. 4º A formação de docentes para o ensino de LIBRAS nas


séries finais do ensino fundamental, no ensino médio e na edu-
cação superior deve ser realizada em nível superior, em curso
de graduação de licenciatura plena em Letras: LIBRAS ou em
Letras: LIBRAS/Língua Portuguesa como segunda língua.

Art. 5º A formação de docentes para o ensino de LIBRAS na


educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental
deve ser realizada em curso de Pedagogia ou curso normal
superior, em que LIBRAS e Língua Portuguesa escrita tenham
constituído línguas de instrução, viabilizando a formação bi-
língue.

Assim, conforme determina a legislação, os professores formados


sob a aplicação e a fiscalização dos mencionados preceitos legais terão
conhecimentos da LIBRAS e poderão repassá-los a seus alunos, para,
em um futuro próximo, receberem, em suas classes, alunos surdos,
proporcionando-lhes inclusão educacional e social. É fato, porém, que
muitos profissionais mostram-se preocupados e outros indignados
com esse novo desafio.

PROJETOS PÓS INCLUSÃO

A escola, desde então, em meio a tantos desafios, impasses e con-


quistas para que os direitos dos Surdos fossem respeitados, tem hoje
uma consciência crescente sobre a importância da inclusão na troca
com o diferente. Percebe-se isso na participação da maioria nos diver-
sos projetos10 elaborados e executados, principalmente, pelas profes-

Os diferentes projetos executado no ano de 2007, foram realizados em dias (da


10

semana) e/ou meses intercalados conforme a necessidade dos alunos.


Edna Maria dos Santos | Alessandra R. dos Santos Andrade | Edivaldo da Silva Costa | 87

soras da sala de recursos, classes especiais e da escola como um todo,


com o intuito de promover o respeito mútuo e igualdade.
Projetos como A Difusão da Libras, realizado em 2007, com o obje-
tivo de desenvolver na escola minicursos de LIBRAS (ministrados com
os próprios Surdos de cada sala de acordo os temas desenvolvidos nas
aulas), nas salas inclusivas, visando a uma comunicação interativa de
forma criativa e um bom relacionamento entre todos. Por um ano foi
difundido com muito sucesso e entusiasmo por todos. No entanto, por
falta de recursos humanos para apoio na execução, como instrutores
surdos, professores e outros, ele está temporariamente arquivado.
Realizaram-se outros em 2007, como Aprendizagem Lúdica da
Língua Portuguesa, com o objetivo de promover o aprendizado de Lín-
gua Portuguesa de forma lúdica, valorizando a criatividade e a habili-
dade artística dos alunos. Convivendo com a Sexualidade, elaborado
em 2007, teve como objetivo provocar reflexões críticas sobre com-
portamentos e atitudes em relação à sexualidade, saúde reprodutiva
e práticas sexuais seguras. Infelizmente, por falta mais uma vez, de
recursos humanos, foi executado somente de forma parcial em 2009.
Já o Vivenciando a Surdez, envolveu a sala de recursos, as classes
especiais e as salas inclusivas, ou melhor, toda a escola, visando des-
pertar no aluno Surdo a necessidade de conhecer a si mesmo no que
diz respeito à sua condição como pessoa surda, abordando diferentes
temas na área da surdez. Projeto esse realizado em 26 de setembro de
2007 no II Movimento do Surdo11 (em comemoração ao Dia Nacional
do Surdo), envolvendo toda a comunidade escolar.
O primeiro teve início em 2006 (idealizado pela professora Edna –
quando coordenadora da Educação Especial na Diretoria Regional de
Educação (DRE’3) Itabaiana/SE em parceria com as professoras das
classes especiais, sala de recursos e escola) com o intuito, a princípio,
de divulgar esse dia como uma representação de comemoração e do

O movimento Surdo tem sido caracterizado como local de gestação da política de iden-
11

tidade surda contra a coesão ouvinte, através de lutas que objetivam, entre outras coi-
sas, questionar a natureza ideológica das experiências surdas e descobre interconexões
entre essa comunidade cultural e o contexto social, em geral. (PERLIN, 1998).
88 | EDUCAÇÃO DE SURDOS EM QUESTÃO

reconhecimento da língua de sinais e de sua cultura. Desde então até


hoje, todos os movimentos vêm se caracterizando com temas e objeti-
vos diversificados, tendo como parceria a partir de 2009 a Associação
dos Surdos de Itabaiana – ASI/SE.

Foto 4: Acervo Movimento Surdo/2008 – Tema: “O Mundo Surdo”, da E. E. Vicente Ma-


chado Menezes – Itabaiana /SE. (Foto: Edna Maria dos Santos)

A partir desses movimentos, os surdos despertaram para a organi-


zação de um espaço onde pudessem partilhar ideias, concepções, signifi-
cados, valores e sentimentos – uma associação12. Associação essa, criada
em 2009 denominada de ASI/SE – Associação dos Surdos de Itabaiana,
cujo objetivo principal discutir sobre os direitos na busca da cidadania.
Um ambiente onde possam se relacionar e lutar para que sua cultura
seja incluída como legítima no contexto social. Para a concretização des-
sa associação, os Surdos, obtiveram apoio não só das professoras da sala
de recursos, como da escola (que sediou provisoriamente uma sala para
as reuniões), hoje funcionando com sede própria no centro da cidade.

É nessa comunidade que se discute o direito à vida, à cultura, à educação, ao tra-


12

balho, ao bem-estar de todos. É nela que são gestados os movimentos surdos (ca-
racterizados pela resistência surda ao ouvintismo, à ideologia ouvinte). É por meio
dela que os surdos atuam politicamente para terem seus direitos linguísticos e de
cidadania reconhecidos, como destaca Felipe (2001).
Edna Maria dos Santos | Alessandra R. dos Santos Andrade | Edivaldo da Silva Costa | 89

Atualmente, contamos apenas com os Movimentos Surdos e o Gru-


po Estrelas Silenciosas como projetos de base na luta em preservar e
fortalecer cada vez mais a inclusão não só dos Surdos como também
dos demais alunos com necessidades educacionais especiais (NEEs)
presentes na escola, fazendo valer os direitos de uma minoria que me-
rece respeito e dignidade. Mesmo atendendo a diferentes especifici-
dades, a escola continua sendo ainda referência na inclusão de Surdos
(maior número) na cidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Respeitar as diferenças é o primeiro passo para construir uma so-


ciedade mais justa; é, para tanto, um grande desafio no dia a dia na
educação. Acreditando nisso, a professora Edna Maria e demais cole-
gas da sala de recursos, em parceria com a escola, buscaram tornar
possível o ambiente escolar inclusivo. Infelizmente, alguns casos não
são da competência da instituição escolar na tomada de decisão em de-
terminados procedimentos e por isso, pensando ser apenas uma fase,
hoje, não contamos com um número significativo de intérpretes para
atender conforme a necessidade dos alunos Surdos e tampouco das
instrutoras da Libras.
Vale ressaltar que, analisando a evolução da escola, decorrente do
movimento de inclusão, hoje, não há mais classes especiais para Surdos,
até porque em 2009, só existia uma com número muito reduzido. E, por
conta de a necessidade de professor ser maior na sala de recursos e pela
não procura de matrículas nesse atendimento, essa classe foi desativada.
Portanto, para ocorrer a inclusão propriamente dita no espaço
escolar é necessário que a escola repense e discuta suas práticas pe-
dagógicas, enfrente os desafios e supere obstáculos, buscando novas
perspectivas de uma convivência salutar para todos na tentativa de
combater o preconceito e a discriminação. Apesar das dificuldades, a
inclusão nessa escola hoje é um fato. A aceitação de Surdos nas salas
inclusivas como o interesse na aprendizagem da Libras é uma prática
comum adotada por todos.
90 | EDUCAÇÃO DE SURDOS EM QUESTÃO

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Soraya Cristina Pacheco de Meneses | Ronaldo Nunes Linhares | Rita de Cácia Santos Souza | 93

Capítulo 5 | SUJEITO SURDO: RELAÇÃO DIALÓGICA ENTRE


INCLUSÃO/EXCLUSÃO

Soraya Cristina Pacheco de Meneses


Ronaldo Nunes Linhares
Rita de Cácia Santos Souza

P artindo de um enfoque geral sobre a inclusão sendo um proces-


so em construção e que esse processo passa pelo entendimento
que temos acerca do conceito de exclusão em cada fase histórica, não
pretendo fechar um significado, mas apresentar algumas compreen-
sões contextualizando suas mudanças conceituais ao longo da história.
O que é igualdade e o que é diferença? O que é habilidade e compe-
tência? E o que é deficiência? A cada momento histórico essa pergunta
tem respostas moldadas conforme as correntes de interpretação que
orientaram as práticas de cada período.
Nos propomos aqui a demonstrar o conceito de educação e inclusão
social do sujeito surdo ao longo da história contemplando as categorias
conceituais de exclusão, segregação, integração e inclusão, cultura e co-
municação do surdo destacando a necessidade de uma educação para os
indivíduos surdos que possa atender sua singularidade linguística enfa-
tizando a evolução do desenvolvimento do processo histórico e cultural
desta comunidade, observando como se dá o processo de alfabetização e
letramento na escola inclusiva compreendendo-os como uma prática so-
cial onde as habilidades de leitura e de escrita, em um contexto específico,
se relacionam com as necessidades, valores e práticas sociais. Por fim, fa-
zemos um panorama das filosofias educacionais (oralismo, comunicação
total e o bilinguismo) que permeiam a educação do sujeito surdo.

EDUCAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL DO SUJEITO SURDO

Ao analisar a evolução do conceito de inclusão sob o enfoque so-


cial e educacional, buscamos na literatura compreender as transições
94 | SUJEITO SURDO

por quais tem passado, ou seja, a forma como a sociedade e a escola,


por meio de seus agentes, entende e pratica essa inclusão levando em
consideração que a escola é composta por sujeitos socialmente conec-
tados e está inserida em um contexto político-social-econômico.
Ao longo da história é premente a presença de segregações de toda
ordem: sociais, econômicas, políticas, raciais e físicas. Todas afetaram
e afetam de alguma forma os modelos educacionais vigentes. As dife-
renças e as deficiências inclusas no ambiente escolar implicam a im-
portância de entender que o papel da escola, como espaço inclusivo,
deve ser o de suscitar desafios, reflexões e debates que denotem a coe-
xistência de diferenças na diferença.
Lembramos que essa organização temporal contemplando as cate-
gorias conceituais de exclusão, segregação, integração e inclusão são
meramente didáticas, implica dizer que muitas delas podem estar sen-
do vivenciadas concomitantemente.
Adentrando mais especificamente no meu objeto de estudo, se-
gundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(2010), existem no Brasil 9.722.163 sujeitos surdos. Deste universo
3.101.800 (30,1%) vivem no nordeste e 111.726 (2,7%) em Sergipe.

Quadro 01 - População residente, por tipo de deficiência, segundo as Grandes Regiões


e as Unidades da Federação – 2010.
Pelo menos Deficiência Auditiva
uma das
Regiões Total Não consegue Grande Alguma
deficiências
investigadas de modo algum dificuldade dificuldade
BRASIL 190 755 799 45 623 910 347 481 1 799 885 7 574 797
NORDESTE 53 081 950 14 133 713 89 490 569 256 2 416 254
SERGIPE 2 068 017 518 901 3 278 20 108 88 376
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. Resultados Preliminares da Amostra Tabela 1.1
- População residente, por tipo de deficiência, segundo as Grandes Regiões e as Unida-
des da Federação – 2010.

Em relação ao número de sujeitos surdos efetivamente matricu-


lados, os resultados do INEP (2010) nos informam a existência de
450.407, sendo 3.023 em Sergipe e 856 em Aracaju.
Soraya Cristina Pacheco de Meneses | Ronaldo Nunes Linhares | Rita de Cácia Santos Souza | 95

Quadro 02- Sujeitos surdos matriculados conforme INEP 2010


Matrícula inicial – 2010
Educação Especial (Alunos de Escolas Especiais, Classes Especiais e Incluídos)
EJA Presencial
Educação Ensino
Médio
Infantil Fundamental Fundamental Médio
BRASIL 33.641 358.701 20.080 34.730 3.255
SERGIPE 317 2.436 84 176 10
ARACAJU 214 588 32 17 05
Fonte: ANEXO II, INEP 2010.

Analisando os dados acima podemos afirmar que os surdos estão


incluídos no processo educacional, mas carece analisar de que forma
está sendo feita essa inclusão e para isso farei um apanhado sobre o
desenvolvimento desse processo.
O processo educacional do surdo como sujeito histórico teve di-
ferentes significações a partir dos conceitos de mundo e sociedade
dominantes de cada época, dependendo dos ideais de perfeição de
quem detêm o poder econômico, político ou das ideias, o que me leva
a pensar sobre quais motivos provocaram as mudanças na forma de
compreendê-los desde seres subumanos, ou seja, até serem reconheci-
dos como sujeitos ou cidadãos.
Na literatura especializada não há referências que concretizem a
ideia de que tenha havido comunidades de surdos antes do final do
século XVIII. Encontramos alguns casos isolados sobre a existência de
surdos e sua forma de comunicação, percebidos, especialmente nos
campos da filosofia e da religião. Quando observamos o posicionamen-
to da sociedade perante o surdo e sua comunicação, percebo quanto o
pensamento filosófico e eclesiástico permearam essa questão.
Gugel (2007) e Coutinho (2008) demonstram o desenvolvimento do
pensamento acerca da deficiência ao longo da história e sua influência
social e educacional desde a antiguidade até a contemporaneidade. Estes
autores afirmam que tanto Platão, no livro A República, tanto quanto Aris-
tóteles, no livro A Política, abordam nas questões do planejamento das
cidades gregas e sugerem que as pessoas nascidas “disformes” deveriam
ser eliminadas. Conforme Coutinho (2008), o sujeito surdo na cultura gre-
ga é compreendido por Aristóteles (séc. IV a. C.) como pessoa com menos
96 | SUJEITO SURDO

inteligência. Essa posição de Aristóteles perante os surdos foi um marco


para o mundo ocidental, mantida também para a idade média. 
Embora o Velho Testamento preconize que as pessoas surdas me-
reciam respeito como seres integrantes do plano de Deus (COUTINHO,
2008), o Novo Testamento se refere às pessoas surdas como que sendo
possuídas por “demônios” afirmando que somente quem “ouve” a palavra
de Deus pode ser salvo: ”a fé só se obtém pela audição” (S. Paulo, Romanos
X: 17). O pensamento religioso reforça esse entendimento, na medida em
que defendiam que a fala era um dom divino e era negado o direito à ins-
trução aos surdos. Então, para o sujeito surdo, advento do cristianismo,
mostrou uma continuidade da exclusão social e educacional.
Durante a modernidade, apesar do avanço da educação fundamen-
tal, o atendimento educacional às crianças especiais ainda era muito
precário, ou melhor, quase ausente. Gradualmente surgem algumas es-
colas especiais privadas que enfatizavam o atendimento clínico espe-
cializado. Os estudos e experiências acerca da pessoa com deficiência
evoluíram dentro de uma visão filosófica e humanística e começou-se
a pensar a deficiência como resultado da hereditariedade, aspectos or-
gânicos, biotipologia, etiologia, caracterização de quadros típicos, dis-
torções anatômicas etc. (RIBEIRO, 2003).
Com a revolução Industrial, o início do século XX foi marcado pelo
modelo de atendimento médico - institucionalista predominando ainda
o atendimento educacional segregacionista. A obrigatoriedade e expan-
são da escolarização básica trouxeram o aumento da clientela também
a multiplicação dos casos de crianças que não acompanhavam o ritmo
da maioria. Uma vez que a escola foi preparada para a “normalidade” o
que fazer com as crianças que não aprendiam? Viu-se então a necessi-
dade de criar uma pedagogia diferenciada para atender a essa demanda,
a educação especial institucionalizada tendo como base os níveis de ca-
pacidade intelectual dos alunos. Neste momento a sociedade apresenta
posições ao mesmo tempo segregacionistas ou integracionistas quando
o atendimento educacional ainda é realizado em escolas especiais ou
em instituições inclusivas, onde a pessoa com deficiência está na escola
comum passando a “existir” com direito a cidadania, mas ainda sem os
aparatos necessários à sua evolução educacional.
Soraya Cristina Pacheco de Meneses | Ronaldo Nunes Linhares | Rita de Cácia Santos Souza | 97

As novas técnicas de oralização e as invenções na área audiológica


aliados a técnicas cirúrgicas lançaram novos parâmetros ao processo
educacional do surdo tornando obrigatório o uso da oralidade. Do fim
do século XIX até a metade do século XX, com as primeiras pesquisas
na área da linguística sobre a língua de sinais, abre um novo leque de
possibilidades para aquisição de informação e conhecimento através da
utilização de recursos visuais, como o desenho, a fotografia, filmes, e a
língua de sinais, vista como um recurso de apoio à aprendizagem da lín-
gua oral. E essa nova compreensão sobre a aprendizagem, trouxe mais
desafios à educação especial, atingindo especialmente a maior dificulda-
de do surdo, que é domínio da língua escrita e da leitura em português.
Ainda na década de 1960, é colocado em prática o fundamento fi-
losófico da normalização, a partir de estudos realizados na Dinamar-
ca, sobre o atendimento ao excepcional, onde os mesmos deveriam ter
condições de vida idênticas a todos, a integração, que supõe um tra-
balho em equipe com médicos, equipe escolar, comunidade e família,
além do suporte legal de ações governamentais, para que possa ser
implementado diretrizes básicas, através de um projeto pedagógico
que respeite a individualidade e potencialize o desenvolvimento de
habilidades inerentes a todo ser humano.
No Brasil, o processo de Inclusão iniciou na década de 1990 do sé-
culo XX, norteada legalmente pela Constituição Federal Brasileira de
1988 nos seus artigos 206 que “estabelece a igualdade de condições
de acesso e permanência na escola”, e o artigo 208 que obriga o Esta-
do a “oferecer ensino fundamental gratuito para todos independente
da idade e o atendimento educacional especial aos portadores de de-
ficiência, preferencialmente, na rede regular de ensino”. A Lei de Di-
retrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN n 9394/96) reafirma
a Educação Especial como parte integrante da educação geral, com o
princípio onde “o ensino deve ser ministrado à todas as crianças, jo-
vens e adultos com necessidades Educativas Especiais preferencial-
mente no sistema comum de ensino”, além do subsídio do Estatuto da
Criança e do Adolescente e da Política Nacional de Educação Especial.
No quadro 03 apresentamos outros fatos importantes que legiti-
maram o processo de inclusão, conforme citamos abaixo:
98 | SUJEITO SURDO

Quadro 03: Fatos importantes que impulsionaram as políticas de educação da pessoa


com deficiência
Processo de integração
Período Brasil Sergipe
Criação do Centro Nacional de Educação Especial Formação de uma equi-
(CENESP), com o objetivo de organizar a escola- pe de apoio pedagógico,
ridade das pessoas com deficiência. (JANUZZI, integrante da Secretaria
1970 2006). de Educação e Cultu-
A reforma do Ensino de 1° e 2° graus (5692/71), ra na escola de 1° grau
reforça a organização da Educação Especial de 11/8/1977, com classes
forma paralela à educação comum. (LDB, n°. especiais para surdos.
5.692/71 Art. 9°). (SOUZA, 2005).
Criado a Secretaria de Educação Especial (SEPE), Em 1989, é criado pela
através de decreto n° 93.613 de 21/11/1986, inte- Secretaria de Educação
grando a estrutura básica do MEC. do Estado de Sergipe, o
1980 Centro de Educação Es-
Constituição Federal (1988) define a educação pecial.
como um direito de todos, estabelece como um
dos princípios para o ensino, a oferta do atendi-
mento educacional especializado.
Processo de inclusão
  A Conferência Mundial sobre Educação Para Todos Em 1991é criada no es-
  (1990) Destaca as medidas para garantir igualda- tado de Sergipe a Asso-
  de de acesso e permanência às pessoas portadoras ciação de Pais e Amigos
1990 de deficiência no sistema educacional. do Deficiente Auditivo
e Declaração de Salamanca (1994), com o princípio (APADA-SE).
2000 fundamental de que “(...) as escolas devem acolher  
todas as crianças, independentemente de suas Em 21 de dezembro de
condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, 2000, é fundado o Insti-
linguísticas e outras (...)”. tuto Pedagógico de Apoio
Resolução nº. 02 de 11/9/2001 Instituem Diretrizes à Educação do Surdo de
Nacionais para a Educação Especial na Educação. Sergipe – IPAESE - Foi a
A Lei nº 10.436, de 24/4/2002, oficializa A língua primeira escola especia-
Brasileira de sinais (libras). lizada no ensino especial
Decreto nº 6.094/07 estabelece a inclusão educa- para surdos do Estado de
cional, com apoio do atendimento educacional espe- Sergipe.
cializado (AEE), e o direito do aluno surdo ter uma
educação bilíngue, tendo a Libras (língua Brasileira
de sinais) como primeira língua e o português como
segunda língua.
Decreto nº -7.611, de 17/11/2011,instituí o Plano
Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
– Plano Viver sem Limite, e no Art. 12 institui o
Comitê Interministerial de Tecnologia Assistiva.
Fonte: PRADO, R. B. de S.; CORRÊA,. 2011.
Soraya Cristina Pacheco de Meneses | Ronaldo Nunes Linhares | Rita de Cácia Santos Souza | 99

Ao analisar esses eventos, observamos, então, uma mudança de


paradigma com a inclusão, pois ao invés da pessoa com deficiência ter
que se adequar à escola e à sociedade, a escola e a sociedade é que
devem, ao menos em respeito às políticas já existentes que garantem
esses direitos, se adequarem para reconhecer a pessoa com deficiên-
cia, como cidadãos, com direito a uma vida com qualidade, inserida na
sociedade e especificamente ter uma escola que reconheça e otimize
sua estrutura e metodologias a fim de atendê-las igualitariamente, res-
peitando suas diferenças.
Com relação ao atendimento educacional especializado que tem
como objetivo maior incluir todos no ensino regular é preciso ava-
liar muito bem de que forma está sendo implementado, observando
as condições estruturais das escolas para recebê-los, a formação do
professor e também a preparação da comunidade escolar no intuito
de aceitar e conviver com a diferença, isto é, fazer uma inclusão com
responsabilidade.
Percebo que quando se propõe uma educação inclusiva, afirma-se
que existem os excluídos. Então é necessário refletir sobre uma polí-
tica educacional nacional que realmente acolha as diferenças nos con-
textos sociais, políticos, linguísticos e cultural e não uma inclusão de
todos objetivando inte­resses políticos baseados na homogeneidade,
pois resultará na continuidade da exclusão.
No que tange aos estudos sobre a língua de sinais, no final do sé-
culo XX desencadearam vários movimentos sociais liderados pelos
surdos do Brasil e estudiosos da área, em prol do reconhecimento da
Língua brasileira de Sinais (libras), objetivando sua utilização oficial
como forma de comunicação do surdo, com libras adquirindo estatuto
oficial de língua, com estudos sobre sua forma escrita, a pessoa surda
dá mais um passo para afirmar sua identidade cultural e linguística.
No Estado de Sergipe, a educação para pessoas com deficiência
acompanhou o mesmo ritmo do desenvolvimento nacional e ainda
convive com espaços de exclusão, integração e em processo de inclu-
são, e já vemos um avanço significativo na escolarização dos surdos
que estão adentrando o ensino superior.
100 | SUJEITO SURDO

Incluir as pessoas com deficiência no ambiente social e escolar exige


que criemos um ambiente propício que suscite desafios e reflexões. A inclu-
são social e educacional de alunos com deficiência, e no caso a pessoa com
surdez, exige uma postura diferenciada no que concerne principalmente
a sua forma de comunicação em que seja pensado o seu desenvolvimento
global procurando entender as necessidades comunicacionais inerentes ao
ser humano e viabilizar situações que favoreçam a aprendizagem, desen-
volvimento da autonomia e consequentemente uma melhor qualidade de
vida. Para que isso ocorra, é necessário garantir a sua inserção na sociedade,
promovendo os meios necessários à sua interação com o mundo e entendo
que nesse método há um fator preponderante: respeito à diversidade cultu-
ral e linguística, que são, a nosso ver, os principais empecilhos à educação do
sujeito surdo, assim como também à maioria das demais pessoas.

CULTURA E COMUNICAÇÃO DO SURDO

Percebemos que é premente a necessidade de reconhecimento e


valorização da cultura surda, entretanto, também é igualmente impor-
tante o respeito aos surdos que não são usuários da libras, ao direito
de escolha também da família, ou seja, a diversidade cultural deve ser
respeitada em todos os âmbitos.
Segundo skiliar (1998), dentre outros autores, o sujeito surdo é
bicultural, pois está inserido em duas culturas, ouvinte e surda. Essa
cultura (surda), como qualquer outra cultura, tem a língua como parâ-
metro principal, de onde é criada toda uma forma de convivência e so-
cialização. Segundo Hall e Canclini, (2000), apud BASTOS (2011, p. 36),

Na chamada Pós-Modernidade ou modernidade tardia, demar-


cada, principalmente, pela égide da globalização, a compreen-
são de identidade que ganha forma é a identidade móvel, flu-
tuante, conse­quentemente, acompanhando essa discussão se
consolidam ideias de que não existem mais culturas fixas, autô-
nomas, isoladas e autossuficientes. Como resultado do proces-
so de globalização, as culturas se mesclam em um processo de
hibridização.
Soraya Cristina Pacheco de Meneses | Ronaldo Nunes Linhares | Rita de Cácia Santos Souza | 101

Nesse contexto, seguindo a linha teórica defendida pelos autores,


observamos que a cultura Surda é uma cultura mista, híbrida, pois é
construída e vivenciada com laços estreitos com a cultura ouvinte.
Ao conceber o homem como um ser histórico-cultural, Vygotsky
apresenta a ideia de que o desenvolvimento se dá a partir da inser-
ção do homem num contexto que lhe possibilite relacionar-se com o
mundo e apropriar-se dos significados culturalmente construídos. Nos
seus estudos sobre defectologia, Vigotsky, apud Sales et Al (1995) traz
à discussão, uma compreensão dialética entre o biológico e o ambiente
social, histórico e cultural, por meio de um entendimento mais amplo
das alterações do desenvolvimento humano.
Segundo Diaz (2011, p. 58),

Nesta concepção, o cultural e o social se entrelaçam e se in-


cluem entre si: a cultura faz parte do social e o social tem uma
de suas expressões na cultura que, por sua vez, desenvolve o
social. Desta forma, acontece toda uma influência social em ge-
ral e cultural em particular, expressa fundamentalmente pelo
processo educativo que atua sobre cada membro da sociedade
culturalizada, através principalmente da família e da escola,
porém também através dos grupos, da mídia, das outras pes-
soas, das diferentes instituições públicas e privadas, enfim, de
tudo o que é produzido pelo conjunto de seres humanos em
interação, isto é, pela sociedade e pela cultura.

Refletindo sobre o pensamento do autor, o desenvolvimento huma-


no é possibilitado por sua inserção ou exposição à sociedade e sua cul-
tura, não esquecendo que o momento histórico em que vive também
traz influências sociais e culturais em sua história individual-social, e
essa interação é determinante para uma aprendizagem significativa.
Para garantir um desempenho educacional satisfatório deve-se
construir um processo educacional que promova os meios comunica-
tivos necessários à sua aprendizagem. Vigotsky (1991, p. 44) afirma
que: “O desenvolvimento do pensamento é determinado pela lingua-
gem, isto é, pelos instrumentos linguísticos do pensamento e pela ex-
102 | SUJEITO SURDO

periência sociocultural da criança.”. Ele faz a relação entre linguagem


e pensamento, onde o significado é o ponto de união dos dois, faz a
mediação entre o indivíduo e o mundo, tornando-os capaz de aprender
e interagir com o mundo.
Esta consideração reafirma o critério instrumental do psicólogo
russo com respeito ao papel que exerce a cultura (aculturação) princi-
palmente através dos signos, como veremos mais adiante, num mundo
caracterizado pelo convívio em sociedade, onde se estreitam os rela-
cionamentos humanos (socialização).
O referido autor introduz a questão da cultura discutindo o proble-
ma do desenvolvimento da criança e a aquisição das formas superio-
res de conduta, como a atenção volun­tária, o pensamento, a linguagem
e a memória lógica, afirmando que no ser humano, o cultural supõe
e também transforma o biológico, permitindo ao sujeito desenvolver
processos de compreensão do mundo por meio de interações com seu
contexto físico, simbólico e histórico-cultural. Vigotski apud Sales et
al (2011), afirma que o desenvolvimento cultural é a principal esfera
onde podemos compensar a defici­ência, se não pelo desen­volvimento
orgânico, abre-se um caminho sem limites para o desenvolvimento
cultural.
Dentro dessa compreensão, o desenvolvimento humano resulta
dos aspectos biológicos e culturais. O que herdamos biológica e cul-
turalmente nos remete ao uso da linguagem e outras formas culturais
e, inclusive para aprender uns com os outros por meio de processos
educacionais e culturais, sendo a cultura considerada histórica, cons-
truída na sociedade. Segundo Diaz (2011, p. 61, 62),

Vygotsky privilegia o “signo” lingüístico sobre os demais “sig-


nos” como característica da apren­dizagem exclusivamente me-
diada pelo ser humano, já que lhe permite obter informação,
aprender, através da palavra; é por isso se refere a ela de forma
particular como mediação social,... mediados pela linguagem,
os homens podem compartilhar suas experiências formadas
por conhecimentos, vivências e valorações numa atividade dia-
lógica constante que, além da trasmisão dessas experiências
Soraya Cristina Pacheco de Meneses | Ronaldo Nunes Linhares | Rita de Cácia Santos Souza | 103

acumuladas na história humana às novas gerações, assegura o


aperfeiçoamento da cultura da humanidade.

Portanto, é nas relações interpessoais, por meio da linguagem, em


suas múltiplas formas e signos, como a internet e as redes sociais digi-
tais, por exemplo, que as pessoas vão for­mando, desenvolvendo, am-
pliando sua subjetividade, seu pensamento e sua ação.
Ainda com Vigotski (apud Sales et Al, 2011), adentrando mais es-
pecificamente na comunicação do surdo, estamos acostumados a en-
tender a que a fala é emitida apenas pela boca, e isso é convencionado
pelo comportamento cultural e mais grave ainda a educação incute
esse conceito da fala no sujeito surdo.
Compreendo então, que a escola precisa entender que os surdos
aprendem através do canal visual, enquanto que os ouvintes aprendem
através do canal oral-auditivo, ter consciência da realidade linguística, dos
alunos e utilizar os métodos adequados à essa realidade. Ora, se o sujeito
surdo não tiver acesso a educação formal e informal, por meio de uma lín-
gua que domine, como ser realmente inserido na sociedade e na cultura?
A esse respeito, Skliar (2005, p. 26) destaca que:

O sentido que dou a uma educação e a uma escola possível se


refere à criação de políticas linguísticas de identidade, comu-
nitárias e culturais, pensadas a partir do que os outros, os sur-
dos, se representam como possível e do modo como os outros,
os surdos, reconstroem o próprio processo de educação”

Dessa maneira, o referido autor destaca a necessidade da educação


de indivíduos surdos atender sua singularidade e para a importância
de participação da comunidade surda em seu processo histórico e cul-
tural. Skliar (2005, p.27) acrescenta que: “As crianças surdas possuem
a potencialidade da aquisição da língua de sinais, e que constroem
estratégias de identificação no marco de um processo sócio-histórico
não fragmentado”.
Então, se dermos ao sujeito surdo a oportunidade de comunicar-se
em uma língua adequada à sua compreensão, no caso língua de sinais,
104 | SUJEITO SURDO

e de ter respeitado sua cultura, apoiada pela opinião de Strobel (2007,


p.26) serão vistos como seres capazes e produtivos.
Saks (2010) complementa essa compreensão quando diz que o infor-
túnio da surdez só aparece com a falta de linguagem, que acontece quando
o surdo não é exposto a uma língua apropriada, gerando comunicação,
trazendo revezes linguísticos, intelectuais, emocionais e culturais.
Em outras palavras, a exposição a uma forma de linguagem viável
ao surdo é que vai garantir uma comunicação efetiva, em seu sentido
mais amplo, dirimindo os revezes oriundos da falta da comunicação.
Dominique Wolton (2010, p. 12- 13), observa que: “o desafio é me-
nos de compartilhar o que temos em comum do que aprender a ad-
ministrar as diferenças que nos separam (...) na comunicação, o mais
simples tem a ver com as tecnologias e mensagens, enquanto o mais
complicado tem a ver com os homens e as sociedades”.
Entendemos então que, o que impede que a comunicação seja efe-
tiva, não é encontrar o que temos em comum utilizando a tecnologia
a seu favor, mas aprender a conviver com a diversidade. Para a pessoa
surda, o que falta são exatamente os meios de se comunicar. A observa-
ção de Wolton (2010) reforça nosso entendimento sobre a importân-
cia e condições necessárias para a comunicação. Para este autor:

O problema não é mais somente o da informação, mas antes


de tudo o das condições necessárias para que milhões de in-
divíduos se comuniquem ou, melhor, consigam conviver num
mundo onde cada um vê tudo, sabe tudo, mas as incontáveis
diferenças – linguísticas, filosóficas, políticas, culturais e reli-
giosas – tornam ainda mais difíceis a comunicação e a tolerân-
cia. A informação é mensagem. A comunicação é a relação, que
é muito mais. (WOLTON, 2010, p.12).

Nessa perspectiva, concordamos que a comunicação é essencial a


qualquer ser humano e, é necessário que pensemos numa perspectiva
de valorização diversidade cultural, proporcionando acessibilidade co-
municacional, no caso se utilizando de todas as ferramentas possíveis e
disponíveis, inclusive as tecnológicas, para atender a essa diversidade.
Soraya Cristina Pacheco de Meneses | Ronaldo Nunes Linhares | Rita de Cácia Santos Souza | 105

Corroborando esse pensamento, cito Souza (2007, 63),

Os esforços das diferentes visões educativas sobre a educação


dos surdos não têm alcançado grandes sucessos, quanto ao
acesso dos surdos à língua escrita... No entanto, o domínio de
uma segunda língua, no caso, o português, precisa ser conquis-
tado. A LIBRAS e o português são línguas oficiais. E o domínio
da segunda, que é utilizada por quase todos os brasileiros, é um
importante passo para a emancipação do surdo.

Que fazer então, para que o sujeito surdo adentre o mundo le-
trado quando ainda não conseguimos alfabetizá-lo em sua própria
língua, a de sinais? A respeito desse questionamento, Quadros (2006,
p. 33) afirma que “Os surdos não são letrados na sua língua quando
se deparam com o português escrito. A escrita passa a ter uma repre-
sentação na língua portuguesa ao ser mediada por uma língua que
haja significação”.
A autora nos esclarece que, sem a compreensão do significado das
palavras em língua de sinais, não há como representá-la na língua por-
tuguesa. Como se desenvolve os processos de alfabetização /letramen-
to numa escola inclusiva?

PROCESSOS DE ALFABETIZAÇÃO/ LETRAMENTO NA ESCOLA


INCLUSIVA

A acessibilidade comunicacional do surdo perante a comunida-


de ouvinte é deficitária, no momento em que se utiliza de canais di-
ferenciados de percepção da informação. A falta do sentido proximal
da audição afeta diretamente o processo de comunicação, e, por con-
seguinte de letramento da pessoa surda, porque a construção da lin-
guagem está condicionada à interação com outras pessoas para que
possa apropriar-se da cultura e se constituir como sujeitos. Segundo
Soares (2003 p.17-18), letramento, no sentido que hoje lhe é dado. A
autora explica que pensando no indivíduo, aprender a ler e escrever
traz consequências que mudam sua condição no que concerne aos as-
106 | SUJEITO SURDO

pectos sociais, psíquicos, culturais, políticos, cognitivos, linguísticos e


também econômicos.
Entendo então que letramento é o que resulta da apropriação da
ação de ler e escrever e como essa ação interfere no âmbito social e cul-
tural do sujeito, atribuindo-lhe uma nova condição de pertencimento a
um determinado grupo social. Quando nos referimos ao letramento da
pessoa surda estamos nos baseando nessa compreensão que para ser
considerado letrado é necessário que a pessoa tenha incorporado os
usos sociais da leitura e da escrita. Os termos alfabetização e letramen-
to seriam para Soares (2003, p.47) “... ações distintas, mas não insepa-
ráveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja, ensinar
a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita,
de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado
e letrado”. Optamos aqui pela definição de Scribner, (1984, p.7-8 apud
SOARES 2003), quando diz que:

As tentativas de definição (de letramento) estão quase sempre


baseadas em uma concepção de letramento como um atributo
dos indivíduos busca descrever os constituintes do letramento em
termos de habilidades individuais. Mas o fato evidente a respeito
do letramento é que ele é um fenômeno social (...), O letramento é
um produto da transmissão cultural (...). Uma definição de letra-
mento (...) implica na avaliação do que conta como letramento na
época moderna em determinado contexto social. Compreender
o que é o letramento envolve inevitavelmente uma análise social
(...). (SRIBNER, 1984, p.7-8 apud SOARES, 2003, p. 66).

Então como pensar o sujeito surdo nesse contexto? Já que é ex-


posto a uma língua que é baseada na sonoridade, onde a forma escrita
não lhe é própria e o surdo não consegue interagir, ou seja, tem uma
cultura diferenciada dos ouvintes, são “estrangeiros” dentro do seu
próprio país. Fica difícil para o surdo apropriar-se das nuances da lín-
gua portuguesa, utilizando-se em geral do sentido literal das palavras,
deixando-os aquém dos ouvintes no que concerne a compreensão do
contexto comunicacional.
Soraya Cristina Pacheco de Meneses | Ronaldo Nunes Linhares | Rita de Cácia Santos Souza | 107

Assim, o letramento pode ser pensado como uma prática social,


onde as habilidades de leitura e de escrita, em um contexto específico,
se relacionam com as necessidades, valores e práticas sociais. Segundo
a teoria sociocultural, Vigotsky (apud OLIVEIRA, 2005) afirma que o
aprendizado está relacionado ao desenvolvimento, que ocorre no con-
tato do indivíduo com o ambiente cultural. Ele relaciona linguagem e
pensamento e coloca significado como ponto de união dos dois. Para
o autor o significado faz a mediação entre o indivíduo e o mundo, tor-
nando-os capazes de aprender e interagir com o mundo.

O significado de uma palavra representa um amálgama tão es-


treito do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se
trata de um fenômeno da fala ou de um fenômeno do pensa-
mento. Uma palavra sem significado é um som vazio; o signi-
ficado, portanto, é um critério da ‘palavra’, seu componente in-
dispensável. [...] O significado das palavras é um fenômeno de
pensamento apenas na medida em que o pensamento ganha
corpo por meio da fala, e só é um fenômeno da fala na medida
em que esta é ligada ao pensamento, sendo iluminada por ele.
(VIGOTSKY, apud OLIVEIRA, 2005, p.150)

Então concordo que a linguagem possui funções comunicativas e


de construção do pensamento, que o indivíduo desenvolve por meio
das relações sociais e linguísticas Ao nos reportarmos ao sujeito surdo,
percebemos que a ausência da audição gera problemas comunicativos,
não os possibilitando de adquirir a língua portuguesa naturalmente,
dificultando construir um sistema conceitual que permita compreen-
der as relações e o contexto. Ou seja, a expressão e compreensão só são
viáveis quando o sujeito é capaz de generalizar, relacionando sua expe-
riência com o outro, assim o desen­volvimento cognitivo não é apenas
um processo individual, mas um resultado de processos de vivências
sociais entre sujeitos. Segundo Bastos (2011a, p. 274):

As representações sobre as coisas que compõem o mundo das


ideias são construídas culturalmente num processo dialético
108 | SUJEITO SURDO

em que aparecem as representações individuais que são com-


partilhadas no coletivo, e as construções coletivas que são
apreendidas de forma individual/particular por cada sujeito.
Neste processo de captar o sentido do mundo e compartilhar
o sentido próprio com o outro, a linguagem ganha destaque
como algo já constituído e também como um processo em
construção que provoca a existência do laço social.

Então, se a pessoa surda se utiliza de outra língua, no caso libras,


para se comunicar, ou, na maioria das vezes, não internaliza nenhuma
língua, pois convivem com ouvintes que impõem a língua portuguesa
e às vezes tem pouco contato com a libras, daí surge as dificuldades
de interação, de criação de vínculo social com a comunidade ouvinte,
impossibilitando compreender sua cultura, enfim se identificar e de-
senvolver o sentido de pertinência a essa comunidade.
Ao longo do tempo, os sujeitos surdos foram submetidos a várias
metodologias e estratégias de ensino em que, cada uma, a seu tempo,
teve a sua importância. Baseada em Goldfeld (2002), o quadro 02 de-
monstra os objetivos e princípios norteadores da cada uma delas.

Quadro 04: filosofias de ensino para o surdo: objetivos e princípios.

Filosofias educacionais
Oralismo Comunicação total Bilinguismo
Integra o surdo à co- Amplia a compreensão Expor o sujeito surdo à
munidade geral, ensi- sobre o sujeito surdo e língua de sinais como pri-
O b j e t i v o nando a língua oral de surdez, priorizando a meira língua e a língua de
principal seu país. comunicação, visando seu país como segunda
aproximar e facilitar língua, para que o mesmo
a comunicação entre se desenvolva linguística
sujeito surdo e família e cognitivamente sem di-
ouvinte. ficuldades.
Soraya Cristina Pacheco de Meneses | Ronaldo Nunes Linhares | Rita de Cácia Santos Souza | 109

- o aprendizado é arti- - iniciou um processo - defende que somente


ficial, sistemático. de aceitação do uso pela exposição à língua de
- não garante o pleno de códigos espaço- sinais, o sujeito surdo po-
desenvolvimento do -viso-manuais, como o derá adquirir linguagem.
sujeito surdo e nem português sinalizado, - o sujeito surdo adquire a
sua integração à co- os sinais que represen- língua de sinais da mesma
munidade ouvinte. tam fonemas, letras forma e na mesma veloci-
- apenas o domínio da (alfabeto manual) ou dade que o ouvinte adqui-
Princípios língua oral não possi- ainda gestos espontâ- re a língua oral, evitando
norteado- bilita a equiparação neos que não caracte- qualquer dano cognitivo
res entre pessoas surdas rizam uma língua, com ou emocional que possa
e ouvintes. o objetivo facilitar a decorrer do atraso de lin-
- utiliza um conceito aprendizagem da lín- guagem.
simplista de língua, gua oral. - a convivência do sujeito
como um conjunto de - considera o surdo surdo com as culturas sur-
regras abstratas que uma pessoa capaz e da e ouvinte, o tornará um
tem como função a a surdez, um estigma indivíduo bicultural.
comunicação. criado nas relações - permite a aquisição de
- não leva em conside- sociais e no desenvol- linguagem em idade se-
ração que o processo vimento afetivo e cog- melhante à que as crian-
de internalização da nitivo. ças ouvintes evitando
língua oral, onde se - deseja garantir uma perdas em nível de per-
desenvolve o pensa- relação dialógica entre cepção, generalização,
mento e a cognição, é a criança surda, sua fa- formação de conceitos,
diferente para o sujei- mília ouvinte e a socie- atenção, memória, na evo-
to surdo, em compa- dade em geral. lução das brincadeiras e
ração ao ouvinte. - defende que não é também na educação es-
- o sujeito surdo tem imprescindível a aqui- colar.
dificuldade de cons- sição plena da língua - defende que as famílias
truir um sistema con- de sinais. das crianças surdas de-
ceitual hierárquico, - não valoriza a língua vem aprender a língua de
abstrato, por falta da de sinais e a cultura sinais, mesmo sabendo
interação em uma co- surda. Ou seja, valori- que esse aprendizado é
munidade linguística za a comunicação e a difícil e longo.
e cultural. interação entre surdos - considera importante a
e ouvintes, mas não separação das línguas, ou
necessariamente por seja, os pais devem falar
meio do uso da libras e em português ou em lín-
como instrumento cul- gua de sinais com seus fi-
tural do surdo. lhos, separadamente.

Fonte: Goldfeld, 2002.


110 | SUJEITO SURDO

As três filosofias educacionais defendem diferentes pontos de vista


de aquisição da linguagem pelo sujeito surdo. O oralismo deseja reabi-
litar o surdo para que pense, aja e fale como o ouvinte, esquecendo-se
de observar os aspectos cognitivos, emocionais e sociais desse sujeito;
a comunicação total se preocupa com esses aspectos, e tenta criar uma
forma de comunicação utilizando todos e quaisquer recursos, como a
oralização, os gestos naturais e alguns sinais naturais, contanto que o
sujeito consiga se comunicar de forma aceitável, mas não reconhece
a língua de sinais como língua natural do surdo. Já o bilinguismo, de-
fende que o surdo não precisa ser igual ao ouvinte, é necessário que
respeite sua língua e sua cultura.
Então percebo cada filosofia tem seu lugar no tempo e na história,
o que vemos é uma progressão na compreensão e aceitação da condi-
ção do sujeito surdo que busca seu lugar numa sociedade de maioria
ouvinte.
A respeito do bilinguismo, Goldfeld (2002, p. 43) afirma que:

O conceito mais importante que a filosofia bilíngue traz é de


que os surdos formam uma comunidade, com cultura e língua
próprias. A noção de que o surdo deve, a todo custo, tentar
aprender a modalidade oral da língua para poder se aproximar
o máximo possível do padrão de normalidade é rejeitada por
esta filosofia. Isto não significa que a aprendizagem da língua
oral não seja importante para o surdo, ao contrário, este apren-
dizado é bastante desejado, mas não é percebido como o único
objetivo educacional do surdo nem como uma possibilidade de
minimizar as diferenças causadas pela surdez.

Então, o desenvolvimento da língua oral no sujeito surdo tem como


intenção “normalizar” o surdo, dando maior oportunidade de inserção
e interação com os ouvintes, deve ser apenas uma possibilidade, não
uma regra, é claro que devemos possibilitar ao sujeito surdo a apro-
priação da língua portuguesa, especialmente na modalidade escrita,
partindo primeiramente da aprendizagem da língua de sinais, ofere-
cendo um ensino com qualidade, respeitando sua diferença linguística,
Soraya Cristina Pacheco de Meneses | Ronaldo Nunes Linhares | Rita de Cácia Santos Souza | 111

cultural, inclusive as diferenças entre os próprios surdos, pois eles não


são todos iguais, nem aprendem tudo igual, como acontece também
com os ouvintes. Cada ser é único e tem formas únicas de aprender.
Capovilla (2006­) nos informa que por meio do Programa Nacional
de Avaliação do Desenvolvimento da Linguagem de Surdos, já avaliou
mais de 9.200 alunos surdos de 6 a 40 anos de idade, da educação in-
fantil até o fi­nal do ensino superior, de 15 Estados brasileiros.
Observando as competências de leitura alfabética, compreensão
de textos, leitura orofacial, vocabu­lário de escrita, qualidade ortográfi-
ca da escrita, vocabulário em português por leitura orofacial, vocabu-
lário em Libras. E a referida pesquisa tem revelado que:

O desenvolvimento cognitivo e linguístico desses escolares é


fruto da interação entre as suas características pessoais e as do
sistema de ensino. Mais especificamente, que alunos com per-
da auditiva pré-lingual profunda desenvolvem-se melhor em
ensino bilíngue ministrado em Libras por professores especia-
lizados e em meio a uma comunidade de colegas igualmente
surdos; ao passo que alunos com perda auditiva pós-lingual ou
menos que severa (ou com bom desempenho auditivo devido
a próteses auditivas) desenvolvem-se melhor em ensino mo-
nolíngue ministrado em Português em meio a alunos ouvintes
em escolas comuns. (CAPOVILLA, 2006, p. 201).

A partir dos resultados dessa pesquisa, fica claro que, dependo da


intensidade da perda auditiva, há indicações de formas de aprendiza-
gem diferenciadas, sejam por línguas orais ou sinalizadas. Sobre isso,
o autor afirma que:

Nas escolas bilíngues, elas desenvolvem tanto as competências


pré-requisito para a aquisição da leitura e escrita alfabéticas,
que permitirão a compreensão do conteúdo escolar, como a
leitura orofacial, que possibi­litará a inclusão social. Conforme
os resultados mostram, é ingênuo acre­ditar que o AEE (Aten-
dimento Edu­cacional Especializado) vá conseguir substituir a
112 | SUJEITO SURDO

escola bilíngue. O lugar é uma comunidade escolar sinaliza-


dora que permite o desenvolvimento da língua natural (que
é a Libras) aos surdos brasileiros, desde a educação infantil.
(http://www.ip.usp.br/lance/reportagens/revista_espa-
co_aberto_editora_paulus.pdf em 03/05/2012).

Então, a escola deve estar atenta para atender a todos e a cada um,
dentro das suas necessidades e perspectivas educacionais, para que o
sujeito surdo possa se apropriar de uma aprendizagem significativa,
por meio da língua que domine, seja ela a libras, ou a língua portu-
guesa. E a escola bilíngue no momento é a melhor opção.
Giordan (2005, p.60) afirma que,... “é pela mediação da oralidade e
da escrita que ocorre não apenas a maioria, mas também as principais
e mais significativas ações humanas”.
Então, tomando por base essa centralidade da linguagem verbal
nas ações humanas, questiono como o sujeito surdo, não dominante
dessa oralidade, pode se posicionar como ser social, como pode se
apropriar dessa cultura oral, se não forem disponibilizadas a eles, con-
dições de acesso a uma forma de comunicação própria, no caso, por
meio da língua de sinais, aliado a outras formas comunicacionais.
Hoje vivenciamos a era da comunicação e da informação sob o im-
pério da cultura audiovisual. Através de meios altamente desenvolvi-
dos de transmissão de imagens e sons, que trouxe benefícios através
de uma linguagem comunicacional visual abrangente, e facilitou à pes-
soa com surdez um contato maior com processo de escrita, oferecendo
algumas condições essenciais para que a pessoa surda se apodere das
competências e habilidades exigidas na nova perspectiva de mercado
de trabalho, como também melhoria na qualidade de sua comunicação
escrita e, por conseguinte, sua inclusão social.
Soraya Cristina Pacheco de Meneses | Ronaldo Nunes Linhares | Rita de Cácia Santos Souza | 113

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116 | SUJEITO SURDO
Priscila Dantas Fernandes | Verônica dos Reis Mariano Souza | 117

Capítulo 6 | SURDEZ E ENSINO SUPERIOR: O PROCESSO DE IN-


CLUSÃO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
Priscila Dantas Fernandes
Verônica dos Reis Mariano Souza

A educação da pessoa surda no Brasil teve início em 1857 com a


fundação do Imperial Instituto dos Surdos Mudos no Rio de Ja-
neiro, hoje Instituto Nacional de Educação dos Surdos – INES (SOUZA,
2007; BUENO 1993; SOARES 1999).
Muitas foram as dificuldades para sistematizar a educação das pes-
soas com surdez, quer sejam pelas divergências a respeito da melhor
maneira para educar o surdo (oralismo, comunicação total ou bilin-
guismo1), quer seja pela ausência de políticas públicas efetivas que
possibilitassem a inserção dos surdos nos níveis mais altos de esco-
larização.
Depois do século do oralismo, passamos nas décadas de 1970 e
1980 pela comunicação total até chegarmos ao bilinguismo, na últi-
ma década do século XX, com a aprovação da Lei nº 10.436, de 2002,
que instituiu a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS como língua oficial.
Mas os problemas de comunicação com os surdos continuam. É co-
mum o surdo chegar à universidade sem dominar a Língua Portuguesa
na sua modalidade escrita (entenda-se dominar como a capacidade de
entender e produzir textos em Português).
Nesse ínterim, o objetivo deste artigo é analisar o processo de
inclusão de uma aluna surda na Universidade Federal de Sergipe. O
procedimento metodológico adotado foi a realização de entrevistas se-

1
Oralismo utiliza a língua oral ou falada; comunicação total utiliza a leitura labial,
gestos, oralização, leitura e escrita; bilinguismo utiliza duas línguas no dia a dia: a
Língua Portuguesa e a Língua de Sinais.
118 | SURDEZ E ENSINO SUPERIOR

miestruturada, observações em sala de aula, bem como a vivência nos


diversos ambientes dessa instituição.
Com relação à inclusão da pessoa com deficiência no sistema geral de
educação, a LDB 4.024, de 1961, previu essa inserção. Já em 1971, a lei nº
5.692 previa uma educação especial para os alunos que tivessem deficiên-
cias físicas ou mentais e às pessoas com altas habilidades/superdotação.
Em 1985, através da Assembleia Geral da ONU, recomendou-se
uma educação que atendesse aos portadores de deficiências no siste-
ma regular. Assim, a Constituição Federal de 1988 vem garantir um
ensino especializado a pessoas deficientes na rede regular de ensino.
Nesse sentido, a inclusão reafirma o princípio internacional da
educação de qualidade como um direito de todos. Este princípio foi
oficialmente formalizado na Declaração Mundial sobre Educação para
Todos: necessidades básicas de aprendizagem, na Conferência de
Jomtiem, Tailândia, em 19902. E a partir de 1994, a Declaração de Sa-
lamanca passou a utilizar o termo, aplicando-o também à luta contra a
discriminação e exclusão dos deficientes.
Com o intuito de abolir as escolas segregativas, em 1994, apro-
ximadamente 80 países assinaram a Declaração de Salamanca com a
finalidade de reivindicar defender escolas regulares inclusivas, defen-
dendo a ideia de que:

Inclusão e participação são essenciais à dignidade humana e ao


gozo e exercício dos direitos humanos. No campo da educação, tal
se reflete no desenvolvimento de estratégias que procuram pro-
porcionar uma equalização genuína de oportunidades. A experiên-
cia em muitos países demonstra que a integração de crianças e jo-
vens com necessidades educacionais especiais é mais eficazmente
alcançada em escolas inclusivas que servem a todas as crianças de
uma comunidade (Declaração de Salamanca, 1994, p. 61).

UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das neces-
2

sidades básicas de aprendizagem Jomtien, 1990. Disponível em: <http://unesdoc.


unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2013.
Priscila Dantas Fernandes | Verônica dos Reis Mariano Souza | 119

Acompanhando essas discussões, o Brasil sancionou a nova LDB nº


9.394, de 20 de dezembro de 1996, afirmando em seu capítulo V que a
educação dos alunos com deficiência deve se dar, em especial, na rede
regular de ensino.
Nesta perspectiva, o convívio com as pessoas com deficiência no
ensino regular é recente. Para incluir esses alunos são indispensáveis
currículos flexíveis para atender às “[...] especificidades da clientela,
seja na escola especial ou na regular. Os educadores devem conside-
rar, além da metodologia, as necessidades específicas dos alunos, com
o objetivo de favorecer sua adaptação e sua integração” (REDONDO;
CARVALHO, 2000, p. 40).

INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR

A educação é o que move; é elemento constitutivo da pessoa, “deve


estar presente desde o momento em que ela nasce, como meio e condi-
ção de formação, desenvolvimento, integração social e realização pes-
soal” (BRASIL, 2000). Assim, a universidade tem papel fundamental na
vida dos sujeitos, buscando formar profissionais visando à diversidade.
A inclusão escolar, independentemente do nível de escolaridade,
vai além do atendimento ao deficiente, se compromete com a educação
de todos os alunos, no sentido de introduzir na escola uma cultura de
respeito e de mudança de atitude, valorizando as diferenças culturais,
sociais e individuais.
A inclusão de alunos com deficiência no ensino superior é um di-
reito legal regulamentado pela Portaria nº 1.679, de 2 de dezembro
de 1999, revogada pela Portaria 3.284/2003, que assegura às pessoas
com deficiência condições básicas de acessibilidade ao nível superior,
de mobilidade e de utilização de equipamentos e instalações das ins-
tituições de ensino. Também nesse sentido, a Resolução 80/2008 do
CONEP (Conselho do Ensino e da Pesquisa) veio estabelecer reserva
de vaga na Universidade Federal de Sergipe. No entanto, há um abismo
entre a lei e a sua efetivação.
No Brasil, foi sancionada a Lei Federal nº 10.436/2002, chamada
também de Lei de Libras, reconhecendo a Língua Brasileira de Sinais
120 | SURDEZ E ENSINO SUPERIOR

como língua do surdo, sendo o seu uso previsto, inclusive, nas políticas
educacionais. Em 2005, foi publicado o Decreto 5.626, que regulamen-
ta a lei, e em seu artigo 3 aponta que a Libras deve ser implantada no
currículo como disciplina obrigatória nos cursos de formação de pro-
fessores e nos cursos de Fonoaudiologia. O decreto também dispõe
sobre a formação do professor de Libras e do instrutor.

Art. 4º A formação de docentes para o ensino de Libras nas


séries finais do ensino fundamental, no ensino médio e na edu-
cação superior deve ser realizada em nível superior, em curso
de graduação de licenciatura plena em Letras: Libras ou em
Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua. [...]
Art. 5º A formação de docentes para o ensino de Libras na educa-
ção infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser re-
alizada em curso de Pedagogia ou curso normal superior, em que
Libras e Língua Portuguesa escrita tenham constituído línguas de
instrução, viabilizando a formação bilíngue. (BRASIL, 2005)

Percebe-se claramente que essa disciplina não formará profes-


sores ouvintes com proficiência em Libras, porém acarretará em seu
processo de formação a possibilidade de quebrar padrões preestabe-
lecidos e trazer essa nova realidade ao diálogo com o cotidiano escolar.
A legislação que versa sobre a inclusão de surdos em instituições
de ensino regular (BRASIL, 2003) estabelece que se deve oferecer, sem-
pre que necessário, um intérprete de Língua Brasileira de Sinais/Língua
Portuguesa e recomenda flexibilidade na correção das provas, de modo
a valorizar o conteúdo semântico. Neste sentido, a formação para o con-
texto da educação do aluno surdo requer a compreensão do trânsito por
duas línguas; no caso do Brasil, Libras e Língua Portuguesa.
O contexto universitário é desafiador para todos os jovens. Pro-
blemas de adaptação à vida acadêmica e às obrigações que ela impõe
conduzem o estudante, muitas vezes, ao fracasso e ao abandono. Para
conseguir assimilar as novas informações e os novos conhecimentos,
ele precisa contornar as falhas da trajetória escolar anterior, como la-
cunas deixadas pelos ensinos fundamental e médio, inadequação das
Priscila Dantas Fernandes | Verônica dos Reis Mariano Souza | 121

condições de estudo, falta de habilidades lógicas, problemas de com-


preensão em leitura e dificuldade de produção de textos (SAMPAIO e
SANTOS, 2002 apud BISOL, 2010).
Assim sendo, para que haja inclusão de alunos com características
diferentes numa sala de aula, faz-se necessária a criação de mecanis-
mos que permitam, com sucesso, que eles se integrem educacional, so-
cial e emocionalmente com seus colegas e professores. No entanto, é
comum encontrarmos alunos queixando-se da prática pedagógica de
professores universitários ou a respeito da forma excludente, precon-
ceituosa e seletiva do sistema universitário no que diz respeito a vários
aspectos, como as avaliações, relação professor aluno, relação entre
professores, entre outros.
Com isso, a inclusão no âmbito escolar, requer professores prepara-
dos para atuar na diversidade, compreendendo as diferenças e valori-
zando as potencialidades de cada estudante de modo que o ensino favo-
reça a aprendizagem de todos. Os profissionais do ensino devem buscar
atender, de maneira adequada, à diversidade do alunado. Essa ação

[...] deve se pautar no respeito e no convívio com as diferen-


ças, preparando os educandos para uma sociedade mais jus-
ta e solidária; contrária a todos os tipos de discriminação [...]
Os professores precisam tratar das relações entre os alunos.
(ZOÍA, 2006, p. 23)

São poucos os professores do ensino superior que estão abertos às


mudanças nas concepções de universidade, de aluno, de currículo e de
avaliação exigidos na educação inclusiva.
Estigmas que são atribuídos pelo preconceito com relação à dife-
rença. Muitas vezes, por desconhecimento das peculiaridades e po-
tencialidades da diferença, o próprio professor traz um olhar discri-
minatório/classificatório para o estudante com alguma necessidade
especial. No entanto, sua ação deve ser de desconstruir ou favorecer a
superação do estranhamento inicial provocado pela diferença, possibi-
litando aos educandos com deficiência mostrarem suas potencialida-
des (PIMENTEL, 2009).
122 | SURDEZ E ENSINO SUPERIOR

No ensino superior, bem como em qualquer modalidade de ensino,


a avaliação inclusiva precisa ser diversificada. Devem ser oferecidas
oportunidades e formas diferentes de o educando mostrar seu desen-
volvimento ao longo do processo educacional. Esta forma de avaliar
permite que ocorra uma relação pedagógica entre aluno e professor,
enriquecendo, então, suas experiências educacionais.
Portanto, a proposta da inclusão assegura e garante a participa-
ção ativa de qualquer aluno nas atividades dos processos de ensino-
-aprendizagem, principalmente em sala de aula. A inexistência dessa
formação gera o fenômeno da falsa inclusão, ou seja, apenas da figura-
ção do estudante com deficiência na escola regular, sem que ele esteja
devidamente incluído no processo de aprender. Estar matriculado e
frequentar a classe regular não significa estar envolvido no processo
de aprendizagem daquele grupo.

SURDEZ E A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS (LIBRAS)

Quando se fala em surdez ou pessoa surda, logo aparecem precon-


ceitos que denigrem o indivíduo pela pouca comunicação ou expressão
como a maioria pela fala oralizada. “O surdo é considerado uma pessoa
que não ouve e, portanto, não fala. É definido por suas características
negativas [...] Os surdos são considerados doentes reabilitáveis, e as
tentativas pedagógicas são unicamente a ortopedia da fala” (SKLIAR,
1999 apud FALCÃO, 2012, p. 23).
Deficiência auditiva é a redução da capacidade de perceber os sons de
forma normal. Chama-se surdez quando essa deficiência é total; e surdez
parcial quando a audição, ainda que deficiente, é funcional com ou sem
prótese auditiva. A deficiência auditiva pode ser congênita ou adquirida.
Hereditariedade, viroses maternas (rubéola, sarampo), doenças
tóxicas da gestante (sífilis, citomegalovírus, toxoplasmose) e inges-
tão de medicamentos ototóxicos (que lesam o nervo auditivo) duran-
te a gravidez são as principais causas da deficiência congênita. Já a
adquirida é quando existe uma predisposição genética (otosclerose);
quando ocorre meningite, ingestão de remédios ototóxicos, exposição
a sons impactantes (explosão) e viroses (RINALDI et. al, 2007).
Priscila Dantas Fernandes | Verônica dos Reis Mariano Souza | 123

A classificação dos limiares tonais3 de audição são: audição normal


de 0 a 15 dB; deficiência auditiva suave de 16 a 25 dB; deficiência au-
ditiva leve de 26 a 40 dB; deficiência auditiva moderada de 41 a 55 dB;
deficiência auditiva moderadamente severa de 56 a 70 dB; deficiência
auditiva severa de 71 a 90 dB e deficiência auditiva profunda acima de
91 Db (MARTINEZ, 2000 apud REDONDO e CARVALHO, 2000).
A pessoa com deficiência auditiva ou o surdo expressam seus de-
sejos, sentimentos e necessidades através dos gestos, das expressões
faciais, leitura labial, oralização, leitura e escrita, contribuindo assim
na aquisição de conhecimentos e na sua socialização. Essa comunica-
ção é facilitada por meio do intérprete de Libras.
No âmbito educacional, a presença somente do intérprete de lín-
gua de sinais não é suficiente. A inclusão requer uma profunda reflexão
sobre as responsabilidades e o papel do professor e da instituição for-
madora como um todo, pois, como a maioria dos alunos e professores
é ouvinte, desconhece as peculiaridades e especificidades relativas à
surdez, compartilha ideias de senso comum, ignora a língua de sinais e
tem dificuldade de se relacionar com o diferente.
Nessa perspectiva, as instituições de ensino superior precisam
rever a forma como lidam no processo de ensino-aprendizagem. Pre-
cisam também conhecer a surdez, pensar sobre as diferenças linguís-
ticas e culturais e, principalmente, o modo como essas diferenças su-
cedem na vida acadêmica desses estudantes.
De acordo com Perlim (1998), identidade surda é o conjunto de
diferentes aspectos históricos e sociais e das transitoriedades dos dis-
cursos representados e representantes de sujeitos. Para essa autora,
não existe um modelo de identidade surda, pois se percebe a fragmen-
tação das identidades surdas no momento em que se olha a diferença
existente entre os surdos. Existem diversas possibilidades de identifi-
cação das identidades.
Segundo a autora (id.), as identidades surdas se classificam como:
híbridas - as apresentadas pelos surdos que nasceram ouvintes e


3
Média dos limiares tonais em 5000, 1.000 e 2.000 Hz.
124 | SURDEZ E ENSINO SUPERIOR

tornaram-se surdos, que conhecem a estrutura do português falado


e usam-no como língua; de transição – as encontradas em surdos
que se mantiveram sob a influência do mundo ouvinte, o que ocorre
com a maioria, por serem filhos de pais ouvintes. A transição seria a
passagem do mundo ouvinte para o mundo surdo, com experiências
e percepções predominantemente visuais; incompletas – são obser-
vadas quando os surdos vivem sob a ideologia ouvinte, em que há uma
tentativa de reprodução da identidade desse mundo. O surdo nega a
identidade surda, por desconhecer as comunidades surdas ou mesmo
porque suas famílias os mantêm afastados destas; flutuantes - seriam
observadas nos surdos que desejam se tornar ouvintes; desprezam a
cultura surda, bem como sua comunidade; não conseguem estar a ser-
viço da comunidade ouvinte, por falta de comunicação, e nem a serviço
da comunidade surda, por falta de língua de sinais.
Sem aprofundar as questões relativas à identidade surda, a Uni-
versidade Federal de Sergipe recebe surdos usuários apenas da Língua
Portuguesa (oralizados); surdos usuários da Língua Brasileira de Si-
nais que sentem extrema dificuldade na leitura e produção de textos
em Português, e surdos bilíngues que usam a LP e a Libras.
Para efeito deste estudo escolhemos uma aluna surda, estudante
da Universidade Federal de Sergipe desde 2010, sendo aprovada pelo
sistema de cotas. Ela se comunica através de leitura labial, gestos, ora-
lização, leitura e escrita.

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS



No intuito de direcionarmos o estudo, optamos pela pesquisa qua-
litativa. Para Richardson (2009), este tipo de pesquisa busca a com-
preensão detalhada dos significados e características situacionais
apresentados pelos entrevistados. Desta forma, utilizamos a pesquisa
em forma de estudo de caso. De acordo com Gresseler (2004, p. 55),
“dedica-se a estudos intensivos do passado, presente e de interações
ambientais (socioeconômica, política, cultural) de uma unidade: indi-
víduo, grupo, instituição ou comunidade, selecionada por sua especi-
ficidade.” Este método de pesquisa foi escolhido devido ao seu cará-
Priscila Dantas Fernandes | Verônica dos Reis Mariano Souza | 125

ter descritivo, à diversidade de fontes e à possibilidade de um estudo


aprofundado em uma sala de aula.
A Universidade Federal de Sergipe, através da Resolução 80/2008 do
CONEP (Conselho do Ensino e da Pesquisa) instituiu o programa de ações
afirmativas para a garantia de acesso aos grupos menos favorecidos à UFS,
conforme reza o artigo primeiro: “Cada curso de graduação ministrado
pela UFS ofertará uma vaga para candidatos portadores de necessidades
educacionais especiais, comprovada através de relatório médico”.
O processo de pesquisa cumpriu a etapa das observações das au-
las4 - observação direta. Segundo Lakatos e Marconi (2010), a observa-
ção é uma técnica de coleta de dados para obter informações e utiliza
os sentidos na aquisição de determinados aspectos da realidade. Não
se resume em ver e ouvir, mas também em examinar fatos ou fenôme-
nos que se deseja estudar. Vargas apud Gresseler diz que:

[...] a observação, [...] não se restringe absolutamente à simples


percepção dos fatos, acontecimentos ou objetos [...]. Ela requer
a intenção de conhecer e o interesse pelo que se quer observar;
depois, uma consciência plena de que a própria mentalidade e
estado de espírito do observador podem influenciar na obser-
vação. Em seguida, requer conhecimento teórico do que se está
observando; isto é, exige que, além da percepção e intenção, haja
uma interpretação ou compreensão intelectual do que está sendo
observado. (VARGAS, 1985 apud GRESSELER, 2004, p. 170)

Foram realizadas também quatro entrevistas semiestruturadas


com a aluna, a intérprete e dois professores5 que se dispuseram a par-
ticipar da pesquisa. Para Triviños (1987, p. 152), esse tipo de entre-
vista “[...] favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas tam-
bém sua explicação e a compreensão de sua totalidade [...]”, além de


4
Foram observadas e acompanhadas duas disciplinas – Cálculo II e Lógica para Com-
putação.

5
Um professor que ministra a disciplina Cálculo II, que chamaremos de A e o outro
ministra Lógica para Computação, o qual chamaremos de B.
126 | SURDEZ E ENSINO SUPERIOR

manter a presença consciente e atuante do pesquisador no processo


de coleta de informações.
As entrevistas foram submetidas a um roteiro. Após este processo,
foi efetivada a fase de processamento, que compreendeu a etapa de pas-
sagem do depoimento da forma oral para a escrita, englobando os me-
canismos de transcrição, conferência de fidelidade e digitação do texto.
A aluna P tem 26 anos de idade, o nível de sua perda auditiva é
profundo nos dois ouvidos. Ela nasceu surda devido ao fato de sua mãe
sido acometida de rubéola durante sua gravidez. Para se comunicar,
ela prefere a Libras, utilizando principalmente na rua, na universidade
e com os amigos surdos. Mas, especialmente com a sua família, vale-
-se do oralismo. Na universidade, ela, em alguns momentos, usa a co-
municação total, uma vez que os colegas e professores não sabem a
Libras. Ingressou pelo sistema de cotas para pessoas com deficiência
em 2012. Faz graduação no curso de Ciências da Computação e está no
2º período.
A intérprete R tem 42 anos de idade. É formada em Letras-Libras
Bacharelado, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e tem 15 anos
de experiência profissional. Sempre busca se atualizar, participando de
cursos na área da Libras.
O professor J tem 37 anos. É graduado em Matemática Bachare-
lado, tem mestrado em Matemática Pura e é professor substituto na
instituição, há aproximadamente três anos. O professor D também tem
37 anos; é Cientista de Computação, e exerce a função de professor
efetivo há cinco meses.
Nas entrevistas e no cotidiano das aulas observadas, percebeu-se
a grande preocupação dos professores, uma vez que eles não foram
graduados em cursos de magistério nem de licenciatura, não tendo,
pois, habilitação para trabalhar com alunos surdos. Este fato fez com
que o ensino virasse um desafio complexo diante de uma sociedade em
constante transformação.
A aluna P prestou vestibular com outros surdos, numa sala, com
vários intérpretes. Concorreu com quatro pessoas à vaga no curso de
Ciências da Computação. Ela afirmou ter gostado da prova, mas alegou
ter enfrentado dificuldade, principalmente em matemática. Na reda-
Priscila Dantas Fernandes | Verônica dos Reis Mariano Souza | 127

ção, disse que trocou algumas palavras, mas que o importante é o con-
texto, uma vez que “[...] os professores compreenderam, parece que os
professores na hora de corrigir tiveram que respeitar a gramática, como
a leitura, então os professores entenderam que era surda e compreende-
ram [...]. Para ela, foi importante essa compreensão por parte dos pro-
fessores, percebendo sua deficiência; corrigiram a prova entendendo
sua diferença linguística.
Segundo Goffredo (2004), para atender às necessidades educacionais
especiais dos jovens surdos, o primeiro passo é assegurar seu ingresso na
universidade por meio do vestibular. Mas isso não garante que a inclusão
se concretize. Vencida a barreira do ingresso, o próximo desafio é a per-
manência no curso, que depende muito da mediação do intérprete.
O principal sentimento refletido pelos professores ao saberem,
no primeiro dia de aula, que teriam uma aluna surda foi a inquietude
da comunicação. Neste ínterim, a comunicação é o principal caminho
para a aprendizagem. O caminho para se estabelecer comunicação é a
reflexão. Só o professor que, de fato, reflete pode pensar numa melhor
maneira de se comunicar com o seu aluno para que este possa apren-
der. Só o professor que reflete pode aliar seus saberes para proporcio-
nar uma melhor educação (MIRANDA e MIRANDA, 2011).
O professor A afirma: “Eu senti que ia ser complicado porque não
saberia como me reportar diante da situação, como por exemplo, me
comunicar.” Ele comunica-se com a aluna por meio da intérprete ou,
quando esta não está presente, através da comunicação total: “[...]
quando está a tradutora, é óbvio que [...], mas quando está só a gente,
basicamente escrita e uso de gestos”.
No entanto, de acordo com esse professor, é difícil a comunicação
entre ele e sua aluna, pois ele não sabe Libras: “não dá porque como eu
vou explicar matemática se eu não sei sinais, não dá”.
O professor B, sobre isso, esclareceu que seria uma experiência
interessante, mais um desafio, mas que também se preocupava com
relação à comunicação em sala de aula, pois não sabia a Libras. Ele
também se comunica com a aluna através da comunicação total.
Para esse professor, não há dificuldades em incluir a aluna em suas
aulas; somente “seria problemático se tivessem outros alunos. Somente ela
128 | SURDEZ E ENSINO SUPERIOR

não atrapalha, de jeito nenhum. Até porque tem outros alunos na sala e eles
também interrompem a aula, é normal, não atrapalha”. Diz ainda: “tem que
parar um pouco a aula de vez em quando. Mas como falei, isso não vejo pro-
blema nenhum. O que é difícil é quando tem a inserção de um novo termo
técnico, mas aí fica de difícil compreensão. Não vejo problemas.”
Contudo, o professor A sente bastante dificuldade em incluir a es-
tudante, pois não sabe Libras. Nunca sentiu necessidade e nunca havia
pensado sobre esse processo de inclusão; no entanto, a partir dessa
experiência, ele afirma: “[...] se eu soubesse de algum curso, que fosse
acessível e desse pra fazer eu faria, pensando nisso, porque foi difícil o
período, foi difícil porque eu não sei o que fazer. Eu entendo a dificuldade
dela, mas eu não posso ajudar muito”.
O professor não precisa necessariamente saber Libras, mas deve
saber como esta funciona e quais as dificuldades do aluno surdo com
relação à Língua Portuguesa. Por outro lado, o intérprete deve domi-
nar a área ou os conteúdos da disciplina.
Só o conhecimento da Libras não é suficiente para um processo de
ensino - aprendizagem completo. E os surdos são capazes de aprender
matemática, mas de maneira diferente da dos ouvintes, já que eles são
de uma cultura diferente, têm uma identidade diferente e, portanto,
aprendem de modo diferente (MIRANDA e MIRANDA, 2011).
A intérprete, quando indagada sobre sua dificuldade no local de
trabalho respondeu que era: “a metodologia de ensino dos professores.
A maioria não tem conhecimento que existe um aluno surdo na sala de
aula e não faz questão sequer de procurar nem o aluno e muito menos
com o intérprete”. Normalmente, os professores sabem da existência
do aluno surdo na sua turma no primeiro dia de aula. Não existe uma
preparação para o ingresso desse aluno.
Para Martins (2006), o intérprete de língua de sinais deve ser ca-
paz de perceber as dificuldades do aluno surdo e de descobrir cami-
nhos e métodos para atenuá-las. Deve ser uma ponte entre o aluno, o
professor e o conhecimento que ajude a superar a diferença linguística
na interação comunicativa.
A aluna P, sobre sua experiência na instituição, comentou que no
início foi difícil. Mas que
Priscila Dantas Fernandes | Verônica dos Reis Mariano Souza | 129

[...] é uma experiência positiva, estudar, interagir. A questão


toda é que aqui é uma realidade completamente diferente de
um segundo grau, quando você chega aqui é mais profundo,
não é a mesma coisa, então fico muito preocupada, muito re-
ceio, a questão das dificuldades, a troca de experiência de alu-
nos que não entendo uma palavra e a gente precisa interagir
através de gestos, minha irmã é que socorre com essa questão
de palavras da escrita, na internet também o tradutor, existem
muitas palavras que não conheço, então existe essa tradução,
aí vou interagindo e vou entendendo para compreender me-
lhor a leitura de um texto.

No que diz respeito às consequências decorrentes do processo de


inclusão na universidade, os dois professores alegaram que essa expe-
riência influencia positivamente, uma vez que pretendem fazer curso
de Libras. Sobre o aspecto negativo, o professor A disse que “[...] de-
mora mais para dar o assunto. Na outra turma, estavam umas três ou
quatro aulas adiantadas. Inclusive, eu falo muito rápido quando estou
dando aula, isso é natural meu.” Já o professor B acredita que precisa
de uma maior veiculação de informações acerca da inclusão. Ele diz
que faltam instrumentos, falta apoio, tanto aos professores quanto aos
alunos. De acordo com ele:

[...] é falta de informação, não tenho acesso às pessoas, falta ins-


trumento. Precisaria de mais apoio. [...] Se existe uma política
do governo de incluir, tem que incluir mesmo. Sem dúvida de-
veria ter um apoio, talvez, ao depender da quantidade de recur-
sos, ter um centro de formação, ou se não for possível, ao menos
uma pessoa numa sala para dar um apoio, uma orientação.

Na verdade, a UFS não tem uma estrutura capaz de atender a todos


os departamentos.
Quando questionados sobre o preconceito com relação à aluna
surda na sala de aula e nos diversos ambientes da instituição, os pro-
fessores afirmaram que nunca presenciaram esse ato. A aluna P tam-
130 | SURDEZ E ENSINO SUPERIOR

bém disse que não sofreu nenhum tipo de discriminação. No entanto,


a intérprete declarou: “eu acho que sempre tem, principalmente porque
eles se questionam: ‘Como ela consegue?’. [...] As pessoas subestimam
muito os surdos, acham que eles não têm capacidade, ficam o tempo todo
perguntando a ela: ‘Você estudou? Você fez o trabalho?’”
Como informado antes, a aluna P é graduanda do curso de Ciências
da Computação, e as disciplinas que ela cursa são da área das Ciências
Exatas e da Terra. Sobre a possível dificuldade da aluna e sua relação
com as matérias de Matemática, p professor A disse:

A Matemática ela é muito densa, se eu coloco alguns símbolos,


aquilo diz muita coisa, aí, enquanto eu falo com os outros, eu
vou explicando os símbolos é muito mais fácil, eles estão ven-
do e ouvindo ao mesmo tempo. E com ela não, mesmo que eu
soubesse, seria difícil de ela compreender, isso em qualquer
área, mas em Matemática é muita informação.

Assim sendo, pode-se perceber que esse professor escreve rapidamen-


te no quadro ao mesmo tempo em que explica o assunto. Está acostumado
a uma dinâmica em que os alunos escutam e tomam notas simultaneamen-
te. Para Kidd e Madsen (1993 apud MIRANDA e MIRANDA, 2011), algumas
palavras dentro da matemática apresentam muitas formas de expressar
um conceito único e variadas formas, abreviaturas e símbolos.
Professor B:

Isso não tem nada a ver com o fato da pessoa ser deficiente.
Cálculo é difícil para todos, se é difícil para um, é difícil para
o surdo, se é fácil para outro é fácil para o surdo. Não sei por
que seria mais difícil para eles. Mas isso é preconceito com as
Ciências Exatas. A Matemática está num nível de abstração que
as pessoas “normais” não conseguem entender, olhando por
esse lado, podemos dizer que a Matemática é difícil.

De acordo com Barham e Bishop (1991 apud MIRANDA e MIRAN-


DA, 2011), dentre as principais dificuldades apresentadas em mate-
Priscila Dantas Fernandes | Verônica dos Reis Mariano Souza | 131

mática pelos alunos surdos está a de combinar conhecimento linguís-


tico e cognitivo.

O conteúdo linguístico dos problemas ou as competências lin-


guísticas dos alunos foram considerados os principais fatores
que contribuem para com que os alunos surdos tenham difi-
culdades com a matemática em geral, bem como problemas
com a palavra em particular (BARHAM; BISHOP, 1991, p. 123
apud MIRANDA e MIRANDA, 2011, p. 36)

Com relação aos alunos ouvintes, Cagliari (2010) afirma que mui-
tas vezes o educando tem dificuldade em matemática não porque não
sabe matemática, mas porque não sabe ler o enunciado do problema. É
preciso também saber ler o português que a matemática usa.
No que se refere à interpretação nessa área, o professor B afirmou
que ajudaria se a intérprete tivesse um conhecimento maior, pois há
muitos termos técnicos que a intérprete não sabe repassar para a alu-
na. A própria intérprete confirma a posição do professor, expondo que
“o correto seria que cada intérprete interpretasse sua área de formação.
[...] Na verdade, disciplinas matemáticas não têm o que interpretar, é
tudo visual [...]”.
Essa frase exemplifica a realidade enfrentada por muitos intérpre-
tes em nosso país, pois alguns conceitos matemáticos ainda não têm
sinais específicos, e quando os têm, não são conhecidos por grande
parte da comunidade surda, o que compromete o aprendizado de mui-
tos conceitos matemáticos. (COSTA e MAGALHÃES, 2011)
No quesito avaliação, todos os professores declararam que a aluna
não teve dificuldades na realização das provas, apesar de ter obtido
nota baixa na primeira avaliação da disciplina de Cálculo II. Os profes-
sores afirmam que ela precisa estudar mais, pois deixa para fazê-lo de
última hora; é desorganizada; em contrapartida é muito inteligente.
As pessoas subestimam muito os surdos; acham que eles não têm
capacidade. Podemos notar isso nas notas da aluna P, que numa das
provas de Lógica para Computação conseguiu fazer e alcançou 5,0
(cinco), enquanto que os colegas ouvintes obtiveram dois; dois e meio;
132 | SURDEZ E ENSINO SUPERIOR

três. As dificuldades surgem para qualquer aluno, mas se evidenciam


naqueles com deficiência.
O sistema de cotas gera muitos embates, uns são a favor, outros
são contra. Os professores que participaram da pesquisa têm a mesma
opinião acerca das políticas afirmativas na Universidade Federal de
Sergipe: eles são contra. Para o professor A, o grau de conhecimento
dos alunos regrediu muito após esse sistema. Já o professor B é a favor
somente das cotas para pessoas com deficiência. Podemos perceber
isso em suas falas:
Professor A:

Sou completamente contra cotas. Fui professor antes das cotas e


sou agora e diminui bastante o nível aqui na universidade a partir
das cotas. Eu percebi um determinado nível quando fui professor
aqui a primeira vez e esse nível caiu bastante. Estou tendo muito
mais trabalho por causa dessas cotas. Acredito que seja por causa
das cotas, porque não é em uma turma só, é no geral, por isso sou
contra as cotas. Ou, como em outras universidades, que as cotas
têm um estágio probatório, você não pode reprovar, se reprovar
duas vezes durante o estágio probatório, que são nos três primei-
ros períodos, perde a vaga e a pessoa que está melhor pontuada
que não entrou, entra no seu lugar [...]. Se entra por cotas, beleza,
mas tem que mostrar que é bom para estar ali, correr contra o
tempo perdido, porque senão está tomando a vaga de uma pes-
soa que seria produtiva para estar ali.

Professor B:

Então, cegos e surdos são deficientes, mas pessoas que não


têm nota para entrar no vestibular não são. Eu sou a favor
da inclusão de deficientes. Mas a inclusão, a política de cotas,
acho uma demagogia do governo, é simplesmente uma manei-
ra de satisfazer a população, uma parcela da população, deixa
o pessoal feliz e tapar o sol com a peneira e deixar a educação
do jeito que está. Então, eu acho que é simplesmente demago-
Priscila Dantas Fernandes | Verônica dos Reis Mariano Souza | 133

gia. Pessoas com deficiência, sem dúvida, devem ser incluídas


e devem ter mais apoio. Eu sinto falta de uma orientação de
como lidar com essas pessoas.

De acordo com a aluna P, se não houvesse o sistema de cotas, ela


não conseguiria adentrar a universidade concorrendo com as outras
pessoas ouvintes, devido ao fato de “[...] os ouvintes terem mais desen-
volvimento de Português, eu perderia com certeza”.
Quando indagado acerca das possíveis melhorias na instituição, no
que diz respeito à inclusão dos alunos com deficiência, o professor A
declarou que não fazia ideia das providências a serem tomadas para
esses alunos, mas que para os professores, seria interessante um curso
de linguagem, a cada período, para que houvesse a comunicação entre
surdos e ouvintes. Ele diz ainda: “[...] não sei o que é necessário, mas
pra mim, seria o curso, para aprender e conseguir melhorar, mesmo com
intérprete, mas é bom para conseguir pelo menos entender o que ela está
falando e poder ajudar de alguma forma”.
O professor B afirma que precisa de mais apoio tanto para os alu-
nos quanto para os profissionais. “Sem dúvida deveria ter um apoio,
talvez, ao depender da quantidade de recursos, ter um centro de forma-
ção, ou se não for possível, ao menos uma pessoa numa sala, para dar um
apoio, uma orientação”.
No entanto, a intérprete afirma que na universidade muita coisa
precisa ser feita para melhorar o processo de inclusão. Ela chama aten-
ção para a ausência de uma cultura inclusiva.
Primeiro, deveria ter mais respeito com os surdos:

[...] uma coisa que sempre prezei foi a questão do respeito [...]
Aqui eu não vejo essa preocupação. Se chega um surdo perto
de mim, você não se atenta que ele chegou e continua conver-
sando em Português. A gente, por mais que esteja trabalhando
na área, a gente nunca tem essa preocupação com os surdos e
eles observam isso, essa dificuldade, esse respeito, essa coisa
de tá falando mal, eles sabem quando a pessoa tá falando mal
deles, eles percebem na hora.
134 | SURDEZ E ENSINO SUPERIOR

Outro aspecto que precisa ser modificado diz respeito à atenção,


tanto com os professores quanto com os alunos com deficiência: “[...]
eu nunca vi ninguém vir aqui, passar aqui no corredor pra saber: ‘E aí,
professor, como está a aluna, a intérprete?’”. Reafirma a necessidade
do apoio e preocupação com as peculiaridades dos alunos: “[...] tinha
que ter pelo menos uma pessoa para estar indo nos departamentos, de
Matemática, de Química, de Física, conversar e fazer uma reunião, fazer
comunicado como deve se dirigir pra um surdo”.
A aluna surda foco desta análise declarou sobre seu sonho educa-
cional: “[...] eu queria vestibular próprio pros surdos, eu tenho esse so-
nho. Meu sonho é que tivesse um curso que tivesse material para surdos,
porque a gente acaba ficando muito preso, dependente”. Percebe-se pela
sua fala a falta de interação, de atenção das pessoas ouvintes para com
os surdos, pois nas comunidades surdas, eles têm maior liberdade; não
precisam de intérpretes; sentem-se em seu mundo.
A partir da observação em sala de aula e das entrevistas analisa-
das, pode-se concluir que os professores necessitam de material para
consulta que lhes permita adequar a metodologia utilizada em sala de
aula para que atendam também aos surdos. Além disso, falta apoio e
atenção por parte da instituição, tanto com a aluna quanto com os pro-
fessores, no que diz respeito à inclusão escolar.
Uma grande barreira dentro e fora da sala de aula são os ruídos na
comunicação. É importante respeitar a cultura surda, e isso significa
respeitar sua língua, a Libras. Por meio dela é possível a expressão de
conteúdos complexos ou abstratos, de modo que seus usuários pos-
sam discutir qualquer área do conhecimento, da filosofia à política, uti-
lizando-se dos seus recursos, como ocorre com qualquer outra língua,
para consolidar comunicação (MIRANDA e MIRANDA, 2001)
Outro aspecto é o preconceito, muitas vezes revestido por diálogos
inclusivos. É imprescindível que as pessoas tenham consciência de que
ter uma deficiência não torna um cidadão melhor ou pior do que um
sem deficiência. Estigmatizar um grupo de pessoas é ignorar as carac-
terísticas singulares de cada indivíduo.
Priscila Dantas Fernandes | Verônica dos Reis Mariano Souza | 135

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os surdos vêm lutando por compreensão e garantia dos seus direi-


tos enquanto cidadãos. A sociedade estabelece padrões e, se a pessoa
não se enquadra, é estigmatizada e sofre discriminação. Por isso, os
profissionais do ensino, bem como colegas de sala de aula, precisam
perceber os alunos com deficiência, sem rotulações, tendo em vista
que existe uma diversidade presente na sociedade que precisa ser
compreendida e trabalhada.
A principal barreira com a qual se defrontam os surdos é a comu-
nicação. Devemos respeitar a cultura surda, ou seja, respeitar a Libras.
Outro aspecto é o preconceito, muitas vezes revestido de diálogos in-
clusivos. Assim, as instituições de ensino devem oferecer apoio e aten-
ção aos professores e alunos com deficiência, no intuito de propiciar
uma melhor qualidade no processo de ensino-aprendizagem.
O professor deve atender às especificidades e peculiaridades de
seus alunos, valorizando as potencialidades destes. No caso do aluno
surdo, foco do nosso estudo, o professor deve considerar as suas carac-
terísticas linguísticas a forma como eles assimilam as ideias do mundo
a sua volta e os seus aspectos culturais. E para que isso possa ser feito,
é necessário que se reflita sobre a prática para mobilizar metodologias
que proporcionem um melhor processo de ensino-aprendizagem.
Ressaltamos aqui que a presença de um intérprete de Língua de
Sinais – Libras em sala de aula ajuda a reduzir os problemas vistos na
inclusão e favorece uma melhor aprendizagem de conteúdos ministra-
dos pelo professor, pois tendo acesso à informação através de sua lín-
gua natural, a barreira presente na comunicação será minimizada. No
ensino de matemática, o tradutor terá uma responsabilidade ainda de
traduzir para a Libras várias palavras específicas e conceitos próprios
dessa importante disciplina.
136 | SURDEZ E ENSINO SUPERIOR

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Mônica de Gois Silva Barbosa | 139

Capítulo 7 | ANÁLISE DA PRODUÇÃO ESCRITA DOS SURDOS:


A INTERFERÊNCIA DA LÍNGUA BRASILEIRA DE
SINAIS
Mônica de Gois Silva Barbosa

A educação de pessoas surdas tem percorrido um caminho de


dores, lutas e vitórias. Dentre as conquistas ressalta-se o re-
conhecimento da Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS como primeira
língua da comunidade surda do Brasil. Porém, esse reconhecimento
não tem proporcionado as mudanças desejadas, dentre elas, o ensino
do português como segunda língua. Como consequência disso, as pro-
duções escritas dos surdos são avaliadas sem levar em conta a interfe-
rência da língua materna no aprendizado da segunda língua.
Diante do exposto pode-se questionar: será que o desempenho
linguístico da produção escrita analisada é desprovida de sentido? Ou
ainda, será que as peculiaridades da produção escrita dos surdos im-
possibilitam a coerência do texto?
Dessa forma, neste capítulo serão examinadas as influências da LI-
BRAS na produção escrita de surdos. Para tanto, objetiva-se aqui ana-
lisar as características dessa interferência na escrita e compreender os
procedimentos de construção de sentido na escrita da pessoa surda.
O capítulo organiza-se em duas partes: a primeira trata-se dos
pressupostos teóricos e a segunda aborda a análise do texto. A fun-
damentação teórica subdivide-se em três tópicos. O primeiro refere-
-se a um breve apanhado histórico com o intuito de contextualizar a
atual situação educacional da pessoa surda. O segundo trata-se de di-
ferenciar aspectos gramaticais da língua de sinais em relação à língua
portuguesa e as implicações da LIBRAS na produção escrita da Língua
Portuguesa. Nessa seção serão abordadas as categorias de análise. E o
terceiro tópico explanará algumas características do gênero relato de
experiência vivida.
140 | ANÁLISE DA PRODUÇÃO ESCRITA DOS SURDOS

A elaboração deste capítulo justifica-se diante da relevância do


assunto por se tratar de falantes da LIBRAS aprendizes do português
como segunda língua. O capítulo trata de um conteúdo relevante para
pesquisadores e professores interessados em estudos linguísticos, pois
possibilita um esclarecimento sobre as características da escrita do
surdo, permitindo um novo olhar sobre tais produções.

TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

Desde a Antiguidade e por quase toda a Idade Média os surdos


eram vistos como incapazes de serem educados, nem mesmo exercer
direitos legais, como casar e herdar bens. No início do século XVI, hou-
ve a aceitação da educação para surdos através de metodologia que
desenvolvesse o pensamento através do ensino da fala e da compre-
ensão da língua falada. Pensava-se que a habilidade de falar com a voz
estava intrinsecamente associada à inteligência. Entretanto, esse en-
sino era restrito aos filhos de nobres, por isso, pouquíssimos surdos
tinham acesso. Além disso, segundo Soares (2005), desde o início da
Idade Moderna os surdos eram alvos da medicina e da religião. Sen-
do uma deficiência relacionada a uma anomalia orgânica, a surdez-
-mudez1 constituía um desafio para medicina. E segundo os preceitos
religiosos, deviam-se ajudar os desvalidos, entre eles, aqueles que não
podiam ouvir nem falar. (SOARES, 2005)
Em vários países da Europa, ouvintes desenvolveram métodos
para ensinar aos surdos a língua de seu país, entre eles, destacaram-se
na Itália, Girolamo Cardano; na Espanha, Pedro Ponce de Leon e Juan
Pablo Bonet; na Alemanha, Samuel Heinicke e Moritz Hill, na França,
Charles Michael de L’Epée que funda, em Paris, a primeira escola para
surdos em 1775, entre outros. Alguns desses professores utilizaram
o método “oralista puro”, que se voltava unicamente para o ensino da
língua falada. Outros acreditavam que a melhor metodologia de ensino


1
Denominação utilizada para designar a língua de um falante não nativo.
Mônica de Gois Silva Barbosa | 141

para os surdos era o “método combinado”, que utilizava a língua de


sinais como meio para o ensino da fala.
Dentre essas práticas, muitas vezes o conhecimento que os surdos
adquiriam eram por meio da escrita. Por isso, muitos médicos desen-
volveram praticas de ensinar os surdos a ler e escrever para adquirir
a fala. (SOARES, 2005, p.24). Entretanto, conforme Zumthor (1993, p.
18-22) a primeira forma de comunicação humana foi a oralização, por
isso a preocupação tão grande de médicos e educadores em desenvol-
ver a fala na pessoa surda. O fato de ensinarem a escrita justifica-se por
ela ser um instrumento para chegar a fala que era tão valorizada em
uma sociedade que tinha a escrita como algo externo, parcial e atrasa-
da. (ZUMTHOR, 1993, p. 18)
Dos professores citados acima, o que influenciou na educação dos
Surdos no Brasil foi o francês Michael de L’Epée, pois vem do seu Ins-
tituto para o Brasil o professor Ernest Huet. Chega em 1855, no Rio de
Janeiro, num momento social em que tais indivíduos não eram reco-
nhecidos como cidadãos. Esse professor, em 1857, fundou a primeira
escola para surdos no Brasil, o Instituto Nacional de Educação de Sur-
dos (INES), antigo Instituto dos Surdos-Mudos. Foi a partir desse insti-
tuto que surgiu a Língua Brasileira de Sinais, a partir da combinação da
Língua de Sinais Francesa com a língua de sinais já usada por surdos
de várias regiões do Brasil.
Em 1880, aconteceu o congresso de Milão. Evento internacional
que resultou no fortalecimento da filosofia oralista, sendo desta for-
ma, um verdadeiro retrocesso na educação dos surdos do mundo todo.
Essa tendência proibia os surdos de utilizar qualquer tipo de comuni-
cação através dos sinais. O descontentamento com essa metodologia e
estudos realizados sobre língua de sinais, que surgiram na década de
1960, deram origem a novas propostas pedagógico-educacionais em
relação à educação da pessoa surda.
Passou a ser adotada, a partir da década de 1970, a filosofia educa-
cional denominada comunicação total. Essa abordagem permite o uso
de sinais, gestos, leitura orofacial, datilologia, desenho etc. Admitin-
do o contato com os sinais, antes proibido pelo oralismo, esse método
possibilitou aos surdos se dispor a aprender a língua de sinais (LS).
142 | ANÁLISE DA PRODUÇÃO ESCRITA DOS SURDOS

Conforme Goldfeld (2002, p. 38), “Está filosofia também se preocupa


com a aprendizagem da língua oral pela criança surda, mas acredita
que os aspectos cognitivos, emocionais e sociais não devem ser deixa-
dos de lado em prol do aprendizado exclusivo da língua oral.” A autora
ainda afirma: que “essa filosofia defende a utilização de recursos es-
paço-viso-manuais como facilitadores da comunicação” (GOLDFELD,
2002, p. 38). Entretanto, a língua de sinais ainda não era reconhecida
como língua natural dos surdos, era apenas um instrumento para se
ensinar a Língua Portuguesa (LP).
Paralelamente ao desenvolvimento das propostas de comunicação
total foram surgindo pesquisas sobre línguas de sinais e consequente-
mente, estudos sobre uma metodologia voltada para educação bilín-
gue. Segundo o bilinguismo, a língua de sinais é a língua materna dos
surdos e a Língua Portuguesa é a segunda língua.

O bilingüismo tem como pressuposto básico que o surdo deve


ser bilíngüe, ou seja, deve adquirir como língua materna a lín-
gua de sinais, que é considerada a língua natural dos surdos
e, como segunda língua, a língua oficial de seu país... Para os
bilinguistas, o surdo não precisa almejar uma vida semelhante
ao ouvinte. (GOLDFELD, 2002, p. 42)

Desta forma, a educação bilíngue contrapõe-se ao oralismo, pois


trabalha com uma pedagogia visual e entende que a oralização dos
surdos não é de competência educacional. Ela contrapõe-se a comuni-
cação total porque compreende que tanto a Língua Portuguesa como a
língua de sinais têm características próprias e é incompatível articulá-
-las simultaneamente, visto que os surdos precisam adquirir a língua
de sinais com metodologia de ensino de língua materna e aprender o
português com metodologia de ensino de segunda língua (L2). (SAL-
LES, 2004)
A aplicação dessa metodologia ainda é recente e em muitos países,
como no Brasil, as experiências ainda são poucas. Faltam profissionais
habilitados e ainda há resistências de muitos em considerar a língua de
sinais como língua natural dos surdos.
Mônica de Gois Silva Barbosa | 143

INTERFERÊNCIAS DA LIBRAS NA ESCRITA DA LÍNGUA


PORTUGUESA

No primeiro artigo da lei de LIBRAS nº. 10.436, de 24 de abril de


2002 lemos: “É reconhecida como meio legal de comunicação e expres-
são a Língua Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expres-
são a ela associados”. Portanto, a LIBRAS é considerada como língua,
isso porque diante de análises feitos por linguistas foi constatado que
apresenta características de língua:

Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma


de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de
natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria,
constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e
fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.
(lei 10.436, parágrafo único)

Sendo uma língua com modalidade diferente da língua oral há re-


percussões diretas na aprendizagem escrita da segunda língua. Por
isso, a análise de produções escritas de surdos tem despertado inte-
resse de linguistas e educadores. Algumas particularidades dos textos
são apontadas por autores como: Quadros (2006), Salles (2004), Faria
(2001), entre outros.
Deve-se ressaltar que na aprendizagem do português como segun-
da língua, na modalidade escrita, ocorre a articulação das proprieda-
des da língua materna (LIBRAS) e da língua alvo, dando origem à in-
terlíngua2.
Ao se referir aos estágios de interlíngua, Quadros e Schmiedt
(2006, p. 34) esclarecem: “esses estágios de interlíngua apresentam
características de um sistema linguístico com regras próprias e vai em
direção à segunda língua.” Isto significa que em diversos estágios da
escolarização do surdo, a sua produção escrita estará sujeita a dife-

2
Denominação utilizada para designar a língua de um falante não nativo.
144 | ANÁLISE DA PRODUÇÃO ESCRITA DOS SURDOS

renciações. Por isso, nas etapas iniciais a sua escrita estará muito mais
marcada pelas características da língua de sinais, enquanto que nas
etapas finais desse processo, mesmo com particularidades, ela estará
mais próxima do português, sua segunda língua. Isso foi comprovado
pelas pesquisas realizadas por Brocado (2003, p. 308) demonstrando
os estágios de interlíngua em crianças surdas.
Segundo ela, no estágio de interlíngua I, observa-se o emprego
predominante de estratégias de transferência da língua de sinais (L1)
para a escrita da Língua Portuguesa (L2). Já no estágio de interlíngua
II, segundo o autor, constata-se na escrita de alguns alunos uma inten-
sa mistura das duas línguas, em que se observa o emprego de estrutu-
ras linguísticas da Língua de Sinais Brasileira e o uso indiscriminado
de elementos da Língua Portuguesa, na tentativa de apropriar-se da
língua alvo. No terceiro estágio de interlíngua, há o emprego predomi-
nante da gramática da Língua Portuguesa em todos os níveis, princi-
palmente, no sintático. Definindo-se pelo aparecimento de um número
maior de frases na ordem Sujeito-Verbo-Objeto e de estruturas com-
plexas.
Diante dessas particularidades da interlíngua, o primeiro contato
com um texto escrito por um surdo é algo desconcertante para o ou-
vinte. Isso acontece pelo fato de o ouvinte não conhecer a realidade
do surdo e desconhecer que a produção escrita em Língua Portuguesa
trata-se de segunda língua. (SALLES, 2004, p. 118). Daí a importância
de conhecermos as características da LIBRAS para compreender as
implicações dessa língua na aprendizagem escrita do português.
Primeiramente, deve-se ressaltar que, como qualquer outra língua,
a LIBRAS apresenta suas características gramaticais próprias, diferen-
ciando-se, portanto, da estrutura da Língua Portuguesa. A respeito dis-
so comenta Felipe (2005, p.21):

A LIBRAS, como toda língua de sinais, é uma língua de mo-


dalidade gestual-visual que utiliza, como canal ou meio de
comunicação, movimentos gestuais e expressões faciais que
são percebidas pela visão; portanto, diferencia da Língua Por-
tuguesa, uma língua de modalidade oral-auditiva, que utiliza,
Mônica de Gois Silva Barbosa | 145

como canal ou meio de comunicação, sons articulados que são


percebidos pelos ouvidos. Mas as diferenças não estão somen-
te na utilização de canais diferentes, estão também nas estru-
turas gramaticais de cada língua.

Diante das diferenças das duas línguas, como categorias de análise,


será levada em consideração a repercussão de tais diferenças nos níveis
fonológicos, morfológico e sintático no texto produzido pelo surdo. Tais
categorias baseiam-se na pesquisa desenvolvida por Faria (2001).

ASPECTOS FONOLÓGICOS

No que se refere aos aspectos fonológicos, a Língua Portuguesa tem
como unidade mínima o som (fonema). Na LIBRAS a articulação das
mãos são comparadas aos fonemas. Essas articulações são denomina-
das de parâmetros, que são: configurações de mãos - a forma da mão;
ponto de articulação – o lugar onde se posiciona a mão; movimento –
os sinais podem ter ou não; orientação – a direção do sinal; expressão
facial/corporal – muitos sinais necessitam de expressões feitas pelo
rosto/ou corpo. Assim, a partir da combinação destes parâmetros são
formados os sinais que são as palavras.
Em relação às expressões faciais e corporais, que se refere ao quinto
parâmetro da LIBRAS, na língua oral também há ocorrências de tais re-
cursos que não estão presentes na escrita. Sobre isso, Carvalho afirma:

A comunicação oral exige, além do conhecimento das normas


que regem o funcionamento da língua, o manejo de recursos
não verbais e paralinguísticos, como gestos, as expressões fa-
ciais, as entonações, etc., o que não ocorre na escrita, em que
a coesão é estabelecida através do uso de conectivos, recor-
rência a lexicalizações e estruturas de maior complexidade.
(2008, p. 65)

Esses recursos não verbais são imprescindíveis nas duas línguas,


pois eles interferem na interpretação e entendimento dos enunciados.
146 | ANÁLISE DA PRODUÇÃO ESCRITA DOS SURDOS

Além de tais recursos, os aspectos fonológicos próprios de uma lín-


gua de modalidade espaço-visual repercutem na produção de textos
escritos por educandos surdos. Interferindo diretamente na ortogra-
fia, acentuação e pontuação.

ASPECTOS MORFOLÓGICOS

Em relação à morfologia, que é a parte da gramática que estuda as


palavras e os elementos que as constituem, há uma grande diferença entre
as línguas em questão. No que se refere à palavra, nas línguas orais-audi-
tivas ela é denominada de item lexical, nas línguas de sinais são os sinais.
Além de estudar a flexão das palavras, a morfologia também as divide em
classes gramaticais. Neste caso, também há diferenças entre essas duas
línguas. Por exemplo, na LIBRAS há ausência de conectivos de ligação pelo
fato de a ligação entre os elementos se estabelecer no espaço.
Assim, nas frases escritas produzidas por surdos, pode-se verificar
falta de concordância de gênero e número. Há uma tendência em es-
crever verbos no infinitivo, ou flexão incorreta ocasionando estruturas
inadequadas. Há omissão frequente dos verbos de ligação, devido a
inexistência destes na LIBRAS. O uso inadequado ou ausência de co-
nectivos. Há também escrita do verbo no lugar do adjetivo ou substan-
tivo e vice-versa.

ASPECTOS SINTÁTICOS

A sintaxe estuda a relação das palavras nas frases. Na LIBRAS a


sintaxe é espacial. Por isso há uma diferença no emprego do objeto
que pode está à direita ou à esquerda do verbo. Isso acarreta em es-
truturas invertidas da Língua Portuguesa, principalmente por verbos
com concordância pelo fato de ter incorporações aleatórias de pontos
no espaço. O ponto inicial é o sujeito e o final é o objeto. De acordo com
Faria (2001, p. 1), não foi encontrado estruturação passiva em LIBRAS.
Dentre as repercussões na escrita, há uma escrita sem preocupação
com a posição do objeto, produzindo estruturas invertidas (Objeto-
-Sujeito-Verbo).
Mônica de Gois Silva Barbosa | 147

GÊNERO: RELATO DE EXPERIÊNCIA VIVIDA

Antes da análise do texto, percebe-se que é importante esclarecer


algumas características do gênero analisado. Primeiramente, ressalta-
-se que gênero textual também denominado de gênero discursivo é
considerado aqui como “uma forma textual concretamente realizada
e encontrada como texto empírico, materializado. O gênero tem exis-
tência concreta expressa em designações diversas, constituindo, em
princípio, conjuntos abertos.” (MARCUSCHI, 2001, 42-43)
O texto selecionado trata-se do gênero relato de experiência vivida. E
em relação à condição de produção, o texto foi fruto de uma atividade solici-
tada pela professora de Língua Portuguesa, no ano de 2006, em um curso de
capacitação de surdos para o mercado de trabalho, oferecido numa parceria
SENAC/APADA/Instituto G. Barbosa na cidade de Aracaju-Sergipe.
Após uma visita a um dos supermercados da rede G. Barbosa, foi
feito debate em sala de aula e solicitado o relato da experiência na
forma escrita. O texto pertence a uma jovem com surdez moderada e
oralizada, tendo nível médio completo. Sobre a autoria, é importante
salientar que o escritor “é ele que dá um rumo ao que é dito, sendo
responsável único pelo que faz, desde que não experimenta o envol-
vimento imediato com o interlocutor, típico de uma conversa, de um
diálogo” (CARVALHO, 2008, p. 66). Assim, tratou-se de uma atividade
planejada e houve um distanciamento dos interlocutores.
Dentre as características desse gênero pode-se destacar que se en-
contram presentes no texto expressões gramaticais que revelam mar-
cas da autoria, de diálogo e de tempo. Sendo estas marcas característi-
cas próprias do gênero em questão.
Dentre as marcas da autoria, pode-se destacar:
Expressões que revelam sentimentos pessoais;
O autor se revela no depoimento vivido pelo uso de verbos e pro-
nomes na primeira pessoa.
A vivência das pessoas não se dá de forma solitária. Por isso, em
relatos pessoais, encontram-se características gramaticais que assina-
lam as marcas de diálogo com outros sujeitos que participaram dessa
vivência, por isso:
148 | ANÁLISE DA PRODUÇÃO ESCRITA DOS SURDOS

Rememoram-se situações vividas com outros sujeitos;


Há presença de vozes desses sujeitos no depoimento, citado de for-
ma direta ou indireta o que eles disseram.
Percebe-se também uma relação dialógica entre o enunciador e o
destinatário, pois segundo Kemiac (2008, p. 29), o dialogismo consti-
tui a realidade fundamental da língua. Por isso que:
O enunciador se dirige ao leitor fazendo-lhe perguntas;
Inclui o leitor, outra característica do diálogo.
Quando se produz um relato recorre-se à memória. Assim sendo,
percebe-se marcas de tempo no texto. No caso em questão, a autora
relata seu depoimento recordando sua visita ao supermercado G. Bar-
bosa. Desta forma, pode-se perceber:
O Jogo do “agora” com o “ontem” do “aqui” com o “lá”;
Os verbos usados expressam o ato de lembrar para mostrar a re-
lação do presente com o passado, por isso pode-se verificar verbos no
presente, pretérito imperfeito e pretérito perfeito.

RELATO DE EXPERIÊNCIA VIVIDA

TEXTO

Eu ver uma G. Barbosa ter muito de ótimo porque As pessoa esta


trabalhar muito de certo mais fica tudo As Pessoa como certo ou erra-
do, Eu já ver uma Mulher esta Educação, Respeito mais Ele viu amiga
dela porque esta conversamos verdade Porque Eu não gosta muito de
trabalho. não porque ter uma chefe não fica ver nada. Eu não gosta
nada aqui G. Barbosa não damo nada esta muito feito. Eu ver uma
Amiga minha nome dela Monica Só Ela esta trabalho muito de certo
verdade Ela esta limpa cabelo também corpo roupa esta ótimo Tam-
bém muito de Sorriso Alegra Só Monia. Ela era Boa
Eu ter muito Cetasa Sim Verdade.
Ela não Ter erro nada. Só certo verdade. Também Banheiro ter
uma Porta está quebrar Verdade Eu ver já. Porta de Banheiro quebrar
esta muito de feito. Sim não Pessoa vai falar muito de chefe porque
ter homem ver Banheiro. nossa fala está Pior só Banheiro esta velho
Mônica de Gois Silva Barbosa | 149

por favo Troca uma Porta novo de Banheiro. As pessoal não Poder
(ocupado) conversamos Os homens esta vassoura vareto chão mais
Ele ter Paciência não fica raiva porque pessoa já Ter paciência mais
Ele ter muito de vergonha não poder. Eu ver uma carrinho muito de
coisa ter Pessoas não quero compra porque ter tudo coisa esta velho
Ter trocar outro novo Só mais Na Rua Ter muitos carrinhos deixou
Rua porque os homens não quero trabalho preguiça de quer Os ho-
mens esta muito de ódio também nervoso esta ver ter um Amiga dele
só fica esperar quer?
O homem esta trabalho certo. Ele gosta muito carrinho onde fica
guardar. Ele Ela trabalhar outro fazer Papel de presente. Mais ter tra-
balho certo porque Eles Elas falar Ela não quero Ajuda outro Amiga
também
Eu não gosto de trabalho de G. Barbosa mais Pessõa gosta fazer
mal outro Eu nunca fazer amiga dela só fica nada. Nós ter fica certo
não pode raiva outro Amiga. Eu ver ter muito de confusão tudo
Eu ver ter água chão cuidado caí

ANÁLISE DAS MARCAS DE INTERFERÊNCIA DA LIBRAS NA PRO-


DUÇÃO ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA

1. ASPECTOS FONOLÓGICOS
Ortografia: Confusão entre a posição de algumas letras no vocá-
bulo
não damo nada
Porta de Banheiro quebrar esta muito de feito: compreende-se
que a aluna queria dizer porta feia.
Só Monia: apagamento da letra c da palavra Mônica
Eu ter muito Cetasa: palavra correta certeza
por favo Troca...: esquecimento da letra r
Os homens esta vassoura vareto chão: palavra varrendo
Nota-se também, durante todo o texto, o uso inadequado de letras
maiúsculas ou a sua falta após a pontuação:
Banheiro. nossa fala está Pior
150 | ANÁLISE DA PRODUÇÃO ESCRITA DOS SURDOS

Acentuação: pode ter troca de acentuação, pois há memorização


da acentuação por não reconhecer as sílabas tônicas;
mais Pessõa gosta fazer: sinal do til inadequado

Pontuação: Pode-se verificar que em todo o texto há ausência de


pontuação, seja de ponto final, vírgula ou ainda outros. Isso acontece
pelo fato de a pontuação ser aparentemente vinculada à língua oral
(entoação, ritmo, timbre).
Eu ver uma G. Barbosa ter muito de ótimo porque As pessoa esta
trabalhar muito de certo mais fica tudo
As pessoal não Poder (ocupado) conversamos Os homens esta vas-
soura vareto chão mais Ele ter Paciência não fica raiva porque pessoa
já Ter paciência mais Ele ter muito de vergonha não poder

ASPECTOS MORFOLÓGICOS

Gênero: supressão ou inadequação de uso.


Eu ver uma G. Barbosa: como o substantivo termina com a letra
“a”, a aluna associou ao artigo uma.
uma carrinho
ter um Amiga dele
Ajuda outro Amiga

Número: as concordâncias não são empregadas corretamente.


As pessoa esta
As Pessoa como certo ou errado
As pessoal não Poder (ocupado) conversamos Os homens esta
vassoura vareto chão
não pode raiva outro Amiga
os homens não quero trabalho preguiça de quer Os homens esta
A aluna não compreende que o uso de “eles” substitui essas repeti-
ções equivalendo as pessoas:
Ele Ela trabalhar (...) porque Eles Elas falar:
Mônica de Gois Silva Barbosa | 151

Verbos: Há uma predominância de verbos na forma infinitiva, são


poucos verbos flexionados, alguns incorretamente.
Eu não gosta muito de trabalho
Eu ver uma G. Barbosa ter muito
Eu já ver
Eu ter muito Cetasa (...) Ela não Ter

Verbos de ligação: há omissão frequente dos verbos de ligação,


devido a inexistência destes na LIBRAS.
As Pessoa como certo ou errado (subtende-se: as pessoas estão
certas ou erradas.)
porque os homens não quero trabalho preguiça de quer: (subten-
de-se: os homens não querem trabalhar porque estão com preguiça.)

Elementos de Ligação:
Ausência de conjunção “que” e preposição “no”: Eu ver ter água
chão (Subtende-se: eu vejo que tem água no chão)

Usos inadequados da preposição “de”:


Eu ver uma G. Barbosa ter muito de ótimo
As pessoa esta trabalhar muito de certo mais fica tudo
Ela esta trabalho muito de certo
Ele ter muito de vergonha não poder
Eu ver ter muito de confusão tudo

Troca da conjunção “mas” por “mais”:


Respeito mais Ele viu amiga
mais Ele ter Paciência

Ausência da preposição “de” e “na”:


Eu não gosta nada aqui
Ter muitos carrinhos deixou Rua (deixados na rua)

Troca da proposição “com” por “de”: Os homens esta muito de


ódio (Subtende-se: Os homens estão com muito ódio)
152 | ANÁLISE DA PRODUÇÃO ESCRITA DOS SURDOS

Substantivos, Adjetivos e verbos: quando tiver o mesmo radical,


há escrita do verbo no lugar do adjetivo ou substantivo e vice-versa.
Trocou “quebrar” por “quebrada”: Também Banheiro ter uma Por-
ta está quebrar Verdade.
Trocou “trabalho” por “trabalhar”: Eu não gosto de trabalho de G.
Barbosa
Trocou “amiga” por “amizade”: Eu nunca fazer amiga dela só fica...

ASPECTOS SINTÁTICOS

Estrutura frasal: escrita sem preocupação com a posição do obje-


to, produzindo estruturas invertidas.
Eu ver já. (Eu já vi)
Troca uma Porta novo de Banheiro (Subtende-se: Trocar a porta do
banheiro por uma nova)
Os homens esta vassoura vareto chão (Subtende-se: Os homens es-
tão varrendo o chão com a vassoura)
Ela não quer ajuda outra amiga também (Subtende-se: Ela não
quer a ajuda de outra amiga.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da análise feita, observa-se que a escrita dos surdos não segue
as mesmas construções dos ouvintes devido à interferência da LIBRAS
que é a língua materna da comunidade surda. Tais singularidades são
comuns a um aprendiz de segunda língua. Por outro lado, percebe-se
que alguns erros são comuns também a falantes da Língua Portuguesa,
em que são refletidos a influência da variante oral na escrita.
Constata-se também a falta de domínio das estruturas sintáticas da
Língua Portuguesa, a ausência de concordância básica, o desconheci-
mento de palavras do cotidiano. Há também a omissão de preposições
e conectivos ou o uso inadequado e uma grande quantidade de verbos
no infinitivo ou flexões impróprias. Essas dificuldades acarretam a fal-
ta de entendimento por parte do leitor, mas verifica-se que há sentido
na escrita e coerência no desenvolvimento das informações do texto,
Mônica de Gois Silva Barbosa | 153

pois a aluna relata passo a passo a experiência na visita feita ao super-


mercado.
Portanto, essa construção que caracteriza uma interlíngua - per-
curso de aquisição de uma segunda língua, que tem no ponto de parti-
da sua língua natural - não pode ser desqualificada pelo professor em
seu processo de avaliação. A interlíngua produzida pelos surdos, não
pode ser ignorada por eles, no processo de aprendizagem da língua
portuguesa escrita. (SILVA, 2010)
Dessa forma, este capítulo aponta que a LIBRAS, sendo a primeira
língua dos surdos, serve de referência para a escrita da Língua Portu-
guesa. Então, cabe ao professor interpretar o sentido presente nas pro-
duções escritas e intervir de forma que possibilite um ensino que apro-
xime o texto surdo da estrutura da Língua Portuguesa, respeitando a
LIBRAS como primeira língua dessa comunidade. Assim, ele possibilita
o ensino de português com metodologia de segunda língua.

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Mônica de Gois Silva Barbosa | 155

ANEXO: Texto produzido pela aluna


156 | ANÁLISE DA PRODUÇÃO ESCRITA DOS SURDOS
Iranilde dos Santos Rocha Souza | Rita de Cácia Santos Souza | 157

Capítulo 8 | GÊNEROS TEXTUAIS: UMA PROPOSTA PARA O


ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS

Iranilde dos Santos Rocha Souza


Rita de Cácia Santos Souza

A trajetória do surdo no Brasil e no mundo tem sido muito sofri-


da, devido à luta em busca dos seus direitos. A maior dificulda-
de da comunidade surda é a inclusão educacional, devido à metodolo-
gia inadequada e a carência de profissionais especializados no ensino,
principalmente, de Língua Portuguesa.
O ensino do Português para surdo é marcado por um problema
muito peculiar: a metodologia utilizada pelo professor não condiz com
as necessidades dessa comunidade.

As práticas pedagógicas constituem o maior problema na escola-


rização das pessoas com surdez. Torna-se urgente, repensar essas
práticas para que os alunos com surdez, não acreditem que suas di-
ficuldades para o domínio da leitura e da escrita são advindas dos
limites que a surdez lhes impõe, mas principalmente pelas metodo-
logias adotadas para ensiná-los. (DAMÁZIO, 2007, p. 21).

Partindo desse princípio, faz-se urgente pensar numa estratégia de


ensino contextualizada e que seja significativa na aprendizagem desse
aluno. Em decorrência disso, o ensino através dos gêneros textuais cum-
pre esse papel de contextualização. “Evidentemente, tudo pode ser visto
nos textos. Lá é que todo tipo de fenômeno acontece”. (ANTUNES, 2007,
p. 139). O ensino deve ser contextualizado, ou seja, partir do texto.
Os gêneros textuais estão ligados diretamente a tudo que envolve
a língua, isso quer dizer que é condizente para ensinar Língua Portu-
guesa, uma vez que se trata de todo texto que circula na sociedade com
função e forma própria.
158 | GÊNEROS TEXTUAIS

O gênero textual é uma noção propositalmente vaga para re-


ferir os textos encontrados em nossa vida diária e que apre-
sentam características sociocomunicativas definidas por
conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição ca-
racterística. (MARCUSCHI, 2002, p. 40).

A pessoa surda é aquela que compreende o mundo através da sua


vivência visual e se comunica através da Libras/ Língua Brasileira de
Sinais e têm direito a um ensino baseado no bilinguismo, ou seja, tanto
a Libras quanto a Língua Portuguesa.
Há uma ferramenta que hoje é de extrema importância para o ensino
do português para surdo, uma vez que os alunos tem muita dificuldade na
leitura, na interpretação e na produção textual, o ensino a partir dos gêne-
ros vem contribuir para um ensino contextualizado, possui os elementos
que auxiliam nas principais dificuldades do aluno surdo e também possi-
bilita a ele surdo vivenciar o texto de acordo com sua função na sociedade.
A escolha do tema partiu do interesse despertado por acompanhar
o processo de ensino-aprendizagem de uma aluna surda no 1º ano
do Ensino Médio e perceber que ela consegue compreender melhor o
conteúdo de português através dos gêneros textuais. Essa compreen-
são se deve à contextualização da Língua Portuguesa que permite ao
aluno vivenciar cada texto de acordo com sua função social. Portanto,
é um ensino significativo para aluna.
O presente trabalho tem o objetivo de verificar estratégias para o
ensino de Língua Portuguesa através dos gêneros textuais para surdos
em salas inclusivas. Uma vez que os gêneros textuais têm um impor-
tante papel no ensino dessa disciplina, por que permite um trabalho
completo do texto, partindo da leitura até sua produção e também
possibilita ao aluno vivenciá-lo de acordo com sua função social. Para
chegar ao objetivo principal, foi preciso identificar o perfil da escola e
da professora de português que ensina a uma aluna com surdez para
verificar e analisar a metodologia/estratégias de ensino dessa língua
através dos gêneros textuais.
O embasamento teórico desta pesquisa está focado principalmente
nas teorias de Soares (2003) sobre metodologia cientifica; nas teorias
Iranilde dos Santos Rocha Souza | Rita de Cácia Santos Souza | 159

de Damázio (2007) sobre inclusão social; no conceito de gêneros tex-


tuais desenvolvido por Marcuschi (2002), Porto (2009) e os estudos
de Salles (2004a e b) sobre o ensino de Língua Portuguesa para surdos.
A metodologia da pesquisa foi desenvolvida através de um estudo
de caso realizado numa Escola Pública do município de Boquim- SE,
no 1º ano do Ensino Médio. Para realização desse trabalho qualitativo,
foi feita uma análise da entrevista concedida por uma professora de
Língua Portuguesa.Nessa parte metodológica, foram levantadas infor-
mações acerca da pessoa pesquisada, tanto com relação às questões
profissionais quanto pessoais e, em seguida, a entrevista foi analisada
e interpretada através das técnicas da análise de conteúdo.
A seguir, foi desenvolvida a fundamentação teórica que discute o
ensino de Língua Portuguesa de forma geral, destacando a leitura, a
interpretação e a produção textual, itens contemplados ao adotar os
gêneros textuais como uma estratégia de ensino dessa disciplina, as-
sim como caracterizar a pessoa surda que é para quem a pesquisa é
direcionada, por possuir geralmente muita dificuldade em compreen-
der essa língua. Para finalizar, foi feita a análise da descrição de uma
entrevista concedida pela professora de português ao utilizar os gê-
neros textuais no ensino de uma aluna surda que é o ponto central da
pesquisa.
Logo, os gêneros textuais são a proposta para o ensino de Língua
Portuguesa para surdo por que auxilia na aprendizagem dessa língua,
no caso do aluno com surdez, de maneira contextualizada e permite a
ele ter contato com as diferentes funções que o texto exerce na socie-
dade e também vivenciá-lo, ou seja, praticar cada situação, em contex-
tos formais ou informais.

CARACTERIZAÇÃO DA PESSOA SURDA

Ultimamente, têm surgido muitas pesquisas sobre o surdo e sua


maneira de aprendizagem. Mas o que é uma pessoa surda? Surda é a
pessoaque tem perda auditiva parcial ou total. Sua principal forma de
comunicação é o uso da Língua Brasileira de Sinais/ Libras. É através
da língua de sinais que ela compreende o mundo a sua volta.
160 | GÊNEROS TEXTUAIS

A Língua Brasileira de Sinais é a forma de linguagem utilizada pela


comunidade surda do Brasil e expressada na modalidade visual- espacial
e também facial e corporal para demostrarem a gramática dessa língua.

Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – Libras a forma


de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de
natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria,
constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e
fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.
(paragrafo único. Lei Nº 10.436 de 24 de Abril de 2002).

Cabe ressaltar que o aluno surdo tem direito aos serviços de in-
térprete que é um profissional com formação em Libras e conhecedor
da Língua Portuguesa cuja função e intermediar a comunicação entre
surdo e ouvinte ou vice versa e sua presença é reconhecida por lei em
todas as repartições públicas e prioritariamente nas escolas.
“É o profissional que domina a língua de sinais e a língua falada do
país e que é qualificado para desempenhar a função de intérprete [...]
o profissional intérprete também deve ter formação específica na área
de sua atuação (por exemplo, a área da educação)”. (QUADROS, 2005,
p. 28).
A língua de sinais possibilita a comunicação da pessoa surda com
os ouvintes, mas a grande dificuldade é a falta de profissional na área
de tradução e interpretação de libras. Segundo Quadros (2005), os
surdos se prejudicam em atividades sociais, educacionais, culturais e
politicas. Dessa forma, percebe-se o quanto é importante à difusão da
língua de sinais.
A língua é a principal marca de identidade de uma comunidade ou
de uma nação. Quando se trata de surdo, eles dividem o mesmo espaço
e mesmo costumes dos ouvintes, além de possuírem sua língua mater-
na a LIBRAS e se enquadrarem numa cultura essencialmente visual,
adquirindo, assim, uma identidade multicultural, e necessitam apren-
der o português escrito como forma de socializarem sua participação
junto aos ouvintes.
Iranilde dos Santos Rocha Souza | Rita de Cácia Santos Souza | 161

Caracterizar a cultura surda como multicultural é o primeiro


passo para admitir que a comunidade surda partilha com a co-
munidade ouvinte do espaço físico e geográfico, da alimenta-
ção e do vestuário, entre outros hábitos e costumes, mas que
sustenta em seu cerne aspecto peculiares, além de tecnologias
particulares, desconhecidas ou ausentes do mundo do ouvinte.
(SALLES, 2004a, p. 40).

Na antiguidade os surdos passam por muitas dificuldades na in-


clusão educacional, pois a forma do ensino para surdo era através do
oralismo, ou seja, eles eram forçados a falar. Atualmente, essa concep-
ção mudou e o ensino para surdos é através do bilinguismo, isto é, o
uso das duas línguas: a Língua Portuguesa na modalidade escrita e a
Libras como língua natural e pela qual o sujeito surdo tem acesso às
informações.

A educação bilíngue nessa concepção é uma proposta de ensino


que preconiza o acesso a duas línguas no contexto escolar, consi-
derando a língua de sinais como língua natural e partindo desse
pressuposto para o ensino de língua escrita. A proposta bilíngue
busca resgatar o direito da pessoa surda de ser ensinada em sua
língua, a língua de sinais, levando em consideração os aspectos
sociais e culturais em que está inserido. (SALLES, 2004a, p. 57).

Segundo Damázio (2007), a abordagem educacional na perspecti-


va bilíngue almeja a capacitação da pessoa surda para o uso das duas
línguas: a língua de sinais e a Língua Portuguesa, tanto no contexto
escolar quanto no social. Essa abordagem ainda é recente, há carência
de professores bilíngues, os currículos e os ambientes escolares são
inadequados, também existem outros fatores como dificuldade para
formação de professores surdos a pouco prazo, presença contínua de
um professor de português e, o pior, falta de conhecimento em relação
ao bilinguismo. Mas, depois do reconhecimento da Libras pelo decreto
5.626/05, a organização de turmas bilíngues são mantidas no mesmo
espaço escolar.
162 | GÊNEROS TEXTUAIS

A escola inclusiva também precisa reconhecer e responder a tais


necessidades de acordo com o ritmo de aprendizagem de cada aluno,
assegurando, assim, uma educação de qualidade e igualitária, partindo
de um currículo adequado e a escola tem a responsabilidade de ofe-
recer apoio continuado para as crianças com necessidades dentro da
própria escola. Esse apoio é chamado de salas de recursos, que tem o
objetivo de desenvolver estratégias de aprendizagem para suprir as
necessidades encontradas na sala de aula.

As salas de recursos multifuncionais são espaços da escola onde


se realiza o atendimento educacional especializado para alunos
com necessidades educacionais especiais, por meio do desen-
volvimento de estratégias de aprendizagem, centradas em um
novo fazer pedagógico que favoreça a construção de conheci-
mento pelos alunos, subsidiando-os para que desenvolvam cur-
rículo e participem da vida escolar. (ALVES, 2006, p. 13).

Para a realização da cidadania de forma legal, os surdos precisam


compreender a Língua Portuguesa na modalidade escrita. Esse é gran-
de desafio para a escola, pois os surdos não conseguem dominar os
signos dos ouvintes, por exemplo: o estudo científico relacionado à pa-
lavra, à leitura e à escrita (DAMÁZIO, 2007).
Logo, a Lei nº 10.436/02, de 24 de abril de 2002, reconhece a língua
brasileira de sinais como língua natural da comunidade surda, apoia e
recomenda a difusão do uso da Libras, possibilita o acesso bilíngue das
informações em espaços institucionais e também dá respaldo para ca-
pacitação de profissionais que trabalham com pessoas surdas. E a Lei
10.098/00, de 19 de dezembro de 2000, promulga a acessibilidade de
barreiras e de comunicação a todos os deficientes.

O GÊNEROS TEXTUAIS COMO FERRAMENTA DE ENSINO DE


LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS

Diante do pressuposto que o ensino através dos gêneros dá ao alu-


no a oportunidade de vivenciar o uso da língua nas diferentes formas
Iranilde dos Santos Rocha Souza | Rita de Cácia Santos Souza | 163

de comunicação na sociedade, sua importância para o ensino de Língua


Portuguesa para surdo é fundamental na aquisição de segunda língua.
O aluno surdo compreenderá a segunda língua através da leitura
que possibilitará a assimilação desta língua para ele dada apenas na
modalidade escrita e os gêneros dão abertura para aquisição da apren-
dizagem da gramática e sua funcionalidade através do texto e ainda
sua variada possibilidade de usos a depender da situação.

Por razões já explicitadas anteriormente, observa-se que esta


recomendação é totalmente pertinente em se tratando da pe-
dagogia do português para surdos, apesar de esta ter estatuto
de segunda língua. Por isso, é importante que o professor de
surdos inclua os mais diferentes textos como recurso didático,
tanto para atividade de leitura como para a de produção. (SAL-
LES, 2004b, p. 38-39).

O ensino de segunda língua através dos gêneros possibilita ao alu-


no surdo exercer sua participação social enquanto cidadão de direito.
Segundo a lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002, o aluno surdo precisa
dela para uso social e oficial, na modalidade escrita, e o professor aten-
to as suas necessidades tenta trabalhá-las com a ajuda do profissional
da sala de recursos e do intérprete para melhorar essa realidade.

O ensino dos diversos gêneros textuais que circulam social-


mente não só amplia sobremaneira a competência linguística
e discursiva dos alunos, mas também aponta-lhes as inúmeras
formas de participação social que eles, como cidadãos, podem
ter fazendo uso da linguagem. (PORTO, 2009, p. 38).

Esse é o ponto crucial da pesquisa: mostrar que através da diversi-


dade de gêneros o aluno surdo é capaz de não só compreender a Lín-
gua Portuguesa em suas diversas situações e usos, como também com-
preender a gramática e os usos num texto coeso e coerente, como ele
pode se expressar usando a forma escrita da língua, como uma pessoa
ouvinte.
164 | GÊNEROS TEXTUAIS

Em se tratando do ensino de português como segunda língua, a


leitura é um requisito de fundamental importância, como já foi dito
anteriormente. No caso do aluno surdo, é através dela que ocorrerá
a aprendizagem da escrita, visto que a interpretação e a produção de
textos são dificuldades dos alunos em geral, o mesmo processo é mais
difícil para o aluno surdo. “A leitura deve ser uma das principais preo-
cupações no ensino de português como segunda língua para o surdo,
tendo em vista que constitui uma etapa fundamental para a aprendiza-
gem da escrita.” (SALLES, 2004b, p. 20).
O ensino, através dos gêneros, é importante na aprendizagem do
português para surdos há muitas diferenças em relação a Libras. Mas
a partir do texto, eles podem compreender o uso da língua e vivenciá-
-los em seus diversos contextos. Os gêneros são uma proposta para
o trabalho do texto em sua totalidade, ou seja, leitura, interpretação,
variedade linguística, coerência, coesão, intertextualidade, pressupos-
tos, gramática e produção textual. O professor precisa compreender a
verdadeira necessidade do aluno auditivo, focando na escrita que é sua
principal dificuldade.

A proposta, portanto, é que o texto seja analisado: no seu gêne-


ro, na sua função, nas suas estratégias de composição, na sua
distribuição de informação, no seu grau de informatividade,
nas suas remissões intertextuais, nos seus recursos de coesão,
no estabelecimento de sua coerência e, por causa disso tudo,
só por causa disso, repito, os itens da gramática comparecem.
(ANTUNES, 2007, p. 138).

Para o aluno surdo, o sentido se faz primeiro na interpretação do


texto, para depois partir para outros quesitos. Por isso, um passo im-
portante é o trabalho com o vocabulário do texto, pois eles têm muita
dificuldade na compreensão da palavra e do seu uso. Outro aspecto
interessante é o trabalho com a imagem que auxilia na compreensão
do texto. Partindo desse princípio, “[...] acrescenta-se que, nesse caso,
os recursos gráficos e visuais constituem um instrumento auxiliar de
excelência [...].” (SALLES, 2004b, p. 18).
Iranilde dos Santos Rocha Souza | Rita de Cácia Santos Souza | 165

Segundo Antunes (2007), o vocabulário contido no texto deveria


ser analisado em função do gênero e das finalidades que o texto se
propõe. O vocabulário empregado corresponde à finalidade do texto
numa linguagem coloquial ou formal. Isso é interessante para que o
aluno surdo possa comparar a diversidade textual e ver seu uso a de-
pender da situação.
O texto como ponto de partida para qualquer conhecimento, a
linguagem faz parte do ponto inicial para todas as disciplinas. A difi-
culdade do aluno surdo é a Língua Portuguesa, como ele terá acesso
aos outros conhecimentos sem uma base sólida nessa disciplina? As
outras áreas do conhecimento precisam de leitura e de interpretação
para a sua compreensão. A leitura é muito importante, porque através
dela ele terá acesso a todo tipo de conhecimento e informação que está
prioritariamente no texto, partindo da linguagem escrita que é a prin-
cipal forma do aluno surdo assimilar conhecimento.

A apreensão de qualquer conhecimento passa necessariamen-


te pela linguagem. Isto é, o que aprendemos tem como aces-
so e como percurso a linguagem. Privar, portanto, as pessoas
de um amplo e consistente conhecimento dessa linguagem é
privá-las de chegar a uma porta que se abre para inúmeros
atalhos... e de onde se pode enxergar um horizonte vastíssimo.
(ANTUNES, 2007, p. 123).

Segundo Antunes (2007), se o professor quiser promover a inclu-


são dos alunos, nada mais urgente do que incluí-los no mundo da lei-
tura, da escrita, da análise, da reflexão crítica e criadora, ou seja, da
posse da palavra.
Como se pode notar, o ensino de Língua Portuguesa no geral deve
partir da leitura para que o aluno se desenvolva plenamente nas de-
mais habilidades: escrever corretamente e interpretar. O ensino de
português para surdos não é diferente, mas antes é preciso ter ciência
de que a percepção do surdo, diferentemente do ouvinte é somente
visual- espacial, enquanto que o ouvinte é através da fala e da audição.
A Língua Portuguesa desempenha para o surdo o papel de segunda
166 | GÊNEROS TEXTUAIS

língua na modalidade escrita, sendo a sua primeira língua a Libras.


Nas escolas, o ensino se dá com o bilinguismo, ou seja, o uso das duas
formas (Língua portuguesa e Libras).
Segundo Salles (2004a), o ensino de Língua Portuguesa para sur-
do, parte do pressuposto de que a modalidade visual- espacial é o ca-
nal perceptual adequado à aquisição e à utilização da linguagem, tendo
implicações cruciais para o desenvolvimento cognitivo, sua afirmação
e realização pessoal, do que decorre ainda o entendimento de que, na
adoção do bilinguismo, o português funciona como segunda língua
para o surdo.
Dessa forma, um ensino de Língua Portuguesa que faça sentido ao
aluno surdo partir-se-á dos gêneros textuais, os quais têm uma fun-
ção na sociedade e podem ser vivenciado pelo aluno, possibilitando o
dessecamento do texto em sua totalidade, podendo ser compreendido
pelo aluno surdo de maneira dinâmica e produtiva. Além de ser uma
leitura prazerosa, também oferece os principais requisitos para a pro-
dução textual e possibilita a aquisição de outras áreas do conhecimen-
to, dando a oportunidade de sucesso na área educacional e inclusão na
sociedade de forma geral.

ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO

Esta foi uma pesquisa de campo qualitativa, na qual será descri-


ta uma situação (o ensino de língua portuguesa para surdo) e, em se-
guida, foi analisada a estratégia de ensino utilizada pela professora
de português da sala inclusiva através de entrevista. Segundo Soares
(2003, p. 19), “... o pesquisador interpreta os fatos, procurando solução
para o problema proposto”.
Segundo Thomas e Nelson (2002), é um estudo valorizado e am-
plamente utilizada na educação e está focado no princípio de que os
problemas podem ser resolvidos e as práticas melhoradas por meio de
observação, análise e descrição objetivas e completas, o estudo explo-
ratório, o qual inclui questionários, entrevistas e estudo transversal.
A técnica utilizada para análise é conteúdo que segundo Marconi e
Lakatos (1999), o pesquisador deve estar seguro da pergunta ou ques-
Iranilde dos Santos Rocha Souza | Rita de Cácia Santos Souza | 167

tão se é necessária à investigação; se requer ou não apoio de outras


perguntas; se os entrevistadores têm a informação necessária para
responder à pergunta.
Esta pesquisa foi realizada numa Escola Pública Estadual, localizada
na Avenida Paulo Barreto de Meneses, no centro do munícipio de Boquim-
SE. A escola oferece a educação regular composta pelo Ensino Fundamen-
tal, Ensino Médio e também a Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Na diversidade de alunos, apenas uma aluna de 22 anos, com de-
ficiência auditiva, estuda numa sala regular, 1ª série do Ensino Médio,
com um total de 35 alunos. A aluna com deficiência auditiva não conta
com o apoio da sala de recursos na própria escola.
A professora entrevistada tem 40 anos, atua na sala inclusiva como
professora de Língua Portuguesa e possui formação na área de Peda-
gogia com especialização em Psicopedagogia. Já realizou um curso de
Libras de 20 horas oferecido pela rede municipal do município de Bo-
quim- SE.A especialista atua na área há 22 anos, mas é a primeira vez
que ensina Língua Portuguesa a uma aluna surda.
Dessa forma, mesmo com pouca experiência, a professora demos-
tra interesse e incentiva a aluna na aprendizagem, oferecendo leituras
de diferentes gêneros textuais e buscando sempre uma imagem para
complementar a aprendizagem desta aluna.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS

A sala, na qual a aluna está inserida, segundo a professora “é uma


turma pequena. Eu preciso dar mais atenção a ela”. A atenção que a
professora se refere é uma oportunidade de estudar mais sobre o ensi-
no de Língua Portuguesa para surdos e conhecer técnicas que ajudem
a lidar com as dificuldades dessa aluna, como tornar o ensino mais
significativo. Segundo Damázio (2007), para aquisição do Português, o
professor precisa estimular, permanentemente, o aluno, provocando-o
a enfrentar desafios.
Em relação às estratégias para o ensino de Língua portuguesa, a
professora tenta trabalhar com gravuras, gestos, mostrando o quadro,
as palavras nele contidas e tentando fazer desenhos para ela relacio-
168 | GÊNEROS TEXTUAIS

nar ao conteúdo, ou seja, ela utiliza recursos visuais para facilitar a


aprendizagem da aluna surda. Percebe-se que a professora tenta tra-
balhar com o visual para que a aluna possa compreender melhor o que
está sendo explicado.
Sobre isso, Salles (2004b) acrescenta que os recursos gráficos e
visuais são instrumentos auxiliares por excelência no ensino de Lín-
gua Portuguesa para surdos. Então, a professora de português usa uma
metodologia condizente com a realidade da turma, ou seja, facilita a
aprendizagem tanto para aluna surda quanto para os outros alunos.
Portanto, ela procura utilizar uma técnica que beneficie a todos.
Damázio (2007) diz que as práticas pedagógicas são o maior pro-
blema no ensino a pessoas com surdez, fazendo-se necessário repen-
sar tais práticas para que o aluno surdo não pense ser incapaz de ler
e escrever devido à limitação imposta pela deficiência, mas, sim, por
falta de uma metodologia adequada.
A docente continua: “As figuras ajudam com certeza. Faço esque-
mas, setas, desenhos, uns desenhos engraçados. Vou mostrando por que
aquilo acontece, por que aquilo é daquele jeito, daquela forma”. “Eu atin-
jo meu objetivo”. O objetivo da professora é que a aluna compreenda a
explicação para responder as atividades e adquirir mais conhecimento.
Segundo a entrevistada, a sala inclusiva conta com algumas tecno-
logias que as outras salas não possuem, não por causa da aluna surda,
mas por que se trata de uma sala readaptada, antes funcionava como
sala dos professores. Em relação às tecnologias utilizadas para ajudar
na aprendizagem da aluna surda, a docente confessou que utiliza pouca
tecnologia. Nesse quesito, ela poderia utilizar tecnologias como o celular
para auxiliar na escrita, por exemplo: trabalhar mensagem de texto, o
torpedo que é uma forma de comunicação da comunidade surda.
Percebe-se uma falha por parte da professora, pois os gêneros re-
lacionados à informática são uma boa oportunidade para ensinar a
Língua Portuguesa. Segundo Salles (2004a), para uma aprendizagem
eficiente, é preciso considerar os avanços técnicos que são oferecidos
pelas novas tecnologias para o ensino e observar que os surdos têm
língua própria, costumes e objetivos comuns, ou seja, as tecnologias
ajudam, mas é preciso ter consciência da necessidade do aluno surdo.
Iranilde dos Santos Rocha Souza | Rita de Cácia Santos Souza | 169

A docente demostrou ter um bom relacionamento com a discente


e está sempre por perto auxiliando, tirando dúvidas e olhando os deve-
res para ter certeza se realmente está realizando as atividades. “Eu olho
como está o caderno, onde ela está respondendo, onde parou”. A aluna
não consegue acompanhar rapidamente as atividades. Segundo Perlin
(1998) apud Damázio (2007), os surdos não conseguem dominar os sig-
nos dos ouvintes, ou seja, seu ritmo de aprendizagem deve ser conside-
rado em vista da complexidade dos signos da Língua Portuguesa.
Mas, apesar da dificuldade da professora, a aluna surda interage na
aula, faz perguntas através da intérprete e sempre diz o que entendeu
através da Libras. Portanto, a relação da professora com a aluna surda
e os outros alunos só difere, apenas, na forma de comunicação.
O intérprete educacional, ou seja, o profissional que atua fazendo
interpretação e tradução da Libras e do português é muito importan-
te no processo de inclusão do aluno surdo. Sobre isso, a professora
falou: “Conto muito com a ajuda da intérprete”. É importante desta-
car que a professora não deixa a aprendizagem da aluna a cargo da
intérprete, ela separa, sabe que o ensino para a aluna surda é respon-
sabilidade dela.
A interação do aluno surdo em sala de aula é de suma importância,
ou seja, ajuda a motivá-lo a sentir-se mais capaz de aprender. Sobre isso,
a professora comentou: “interage, faz perguntas e também faz questão
que eu saiba que ela entendeu”. Diante desse comentário, fica claro que a
professora dar oportunidade para a aluna se expressar na sala.
Segundo Damázio (2007), a inclusão das pessoas com surdez na
escola comum precisa de meios que beneficiem a interação e apren-
dizagem na sala de aula. Portanto, o professor precisa estar atento ao
posicionamento da aluna, pois a participação dela nas aulas é muito
importante no processo de aprendizagem além de nortear o professor
sobre a situação e a evolução dela.
Os gêneros textuais são a proposta para o ensino de Língua Portu-
guesa para surdo defendida na pesquisa, apresenta as principais ferra-
mentas para a aquisição da linguagem, as quais serão discutidas a se-
guir: Leitura, interpretação, produção textual, função social e o ensino
de gramática contextualizado.
170 | GÊNEROS TEXTUAIS

A leitura é um quesito muito importante para a produção do co-


nhecimento e da escrita. Sabendo disso, a professora afirma que tem
um pouco de dificuldade em trabalhar leitura, mas persiste em ofere-
cer vários textos e a aluna lê-los e os compreende. É possível analisar
que a professora tem consciência da necessidade de trabalhar a leitura
com sua aluna surda, porém sente dificuldade de proceder com esse
ensino.
Segundo Salles (2004b), a leitura é um processo de interpretação
que o sujeito faz do seu universo sócio-histórico-cultural, ou seja, é a
partir da leitura que o sujeito vai conhecendo seu meio. Para Freire
(2003, p. 11) “a leitura de mundo precede a leitura da palavra”. O co-
nhecimento prévio do aluno ajuda na interpretação das palavras, ou
seja, de textos.
A professora contínua: “Eu faço muita leitura para ajudar na pro-
dução, ela tem muita dificuldade. A dificuldade que ela tem, muitos
alunos ditos normais também têm”. Nesse fragmento, a professora dei-
xa transparecer sua agonia ao trabalhar leitura, mas ameniza ao saber
que a dificuldade que a aluna tem, os outros alunos compartilham. Por-
tanto, não é em decorrência da limitação da aluna, mas um problema
que vem das séries iniciais.
Segundo Salles (2004b), a leitura deve ser uma das principais pre-
ocupações para o ensino de segunda língua para surdo, pois ler é uma
parte fundamental para a aprendizagem da escrita. Então, percebe-se
que o ensino torna-se mais significativo quando o aluno já aprendeu a
ler, o que pressupõe que umas das maiores dificuldades do aluno sur-
do é a leitura que deve ser trabalhada com prioridade.
A interpretação é prioritariamente uma consequência da boa lei-
tura. Se o aluno sabe ler direito, ele consegue interpretar. Em relação
a esse ponto, a professora demostra alegria dizendo que acha interes-
sante como a aluna busca a interpretação nos detalhes do texto que,
muitas vezes, vêm acompanhados por figuras.
Observa-se que a professora sabe da importância que a figura ilus-
trativa do texto ajuda na interpretação pelo aluno surdo, pois, a partir
da imagem ele faz referência às palavras que conseguiu entender do
texto e interpretá-lo. Segundo Damázio (2007), o uso de recursos visu-
Iranilde dos Santos Rocha Souza | Rita de Cácia Santos Souza | 171

ais é fundamental para a compreensão da Língua Portuguesa, seguido


de uma exploração contextual do conteúdo em estudo.
Para uma escrita de qualidade, é preciso muita leitura para se ter
conhecimento sobre vários assuntos e também compreender a funcio-
nalidade da língua nos vários textos. A professora acredita que a sur-
dez é uma limitação, mas não impede que a aluna aprenda a escrever,
uma vez que ela, quase sempre, escreve com coerência. Pressupõe-se
que a aluna tem uma boa base de leitura e consegue escrever de ma-
neira razoável, pois a professora afirmou que a mesma dificuldade da
aluna surda, os outros alunos a têm.
Segundo Salles (2004b), as experiências e as práticas pedagógicas
têm mostrado que a leitura, é um ponto fundamental para a escrita.
Na verdade, ela é o ponto basilar e o habito de ler ainda possibilita a
internalização das regras próprias da língua escrita, fornecendo infor-
mações do universo que circunda o homem, ampliando seu conheci-
mento. Em outras palavras, aprende a usar a língua.
Os gêneros textuais têm um papel muito importante no ensino de
Língua Portuguesa, pois eles dão suporte às principais dificuldades
dos alunos, tanto na leitura quanto na escrita e fornecem o uso da lín-
gua no texto em diversas situações. Além do papel social que desem-
penham, ou seja, todo texto surge de uma necessidade de comunicação
na sociedade. Para Marcuschi (2002),

o gênero textual é uma noção propositalmente vaga para re-


ferir os textos encontrados em nossa vida diária e que apre-
sentam características sociocomunicativas definidas por
conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição ca-
racterística.

A respeito disso, a professora falou que trabalha com todos os gê-


neros, pois todos são importantes. Ela faz questão de ensinar de forma
contextualizada para que a aluna perceba a funcionalidade da Língua
Portuguesa e pela questão da função que os gêneros exercem na socie-
dade. Outro ponto importante foi, ao trabalhar autobiografia, ela teve
um ótimo desempenho, estava escrevendo sobre a realidade dela.
172 | GÊNEROS TEXTUAIS

Percebe-se que, ao trabalhar os variados gêneros, a professora


possibilita a aluna a ter contato com infinitas funções sociais que os
textos sugerem fazendo uso da linguagem (uma postura correta). A
professora complementa dizendo: “o aluno pode vivenciar o gênero”.
Porto falaque “o ensino dos diversos gêneros textuais que circulam
socialmente não só amplia sobremaneira a competência linguística e
discursiva dos alunos, mas também aponta-lhes as inúmeras formas
de participação social que eles, como cidadãos, podem ter fazendo uso
da linguagem (PORTO, 2009, p. 38).
A professora fala de um ponto chave da pesquisa nesse tópico. Toda
discussão do estudo é uma metodologia de ensino significativa para o
ensino de Língua Portuguesa para o aluno surdo, proposta aqui pelos
gêneros textuais. Que segundo Salles (2004b), ao adotar várias possibi-
lidades de gêneros em sua pedagogia, o professor demostra a relevân-
cia do papel que a língua cumpre como instrumento de comunicação e
transformação, instrumentos que o aluno deve sempre dispor.
Diante disso, a professora enfatiza que a aluna entende melhor
o conteúdo quando parte de um gênero textual. Como diz Antunes
(2009), o estudo de conteúdos gramaticais e textuais permite ir muito
além dos simples reconhecimento de classes de palavras ou de funções
sintáticas dos termos das orações, ou seja, um ensino contextualizado.
A professora complementa que o uso da Língua Portuguesa está
no texto. Isso pressupõe que o aluno compreende o uso da língua atra-
vés da leitura e do trabalho com o texto. “Evidentemente, tudo pode
ser visto nos textos. Lá é que todo tipo de fenômeno acontece” (ANTU-
NES, 2004, p. 139).
Em relação ao ensino de gramática, a docente afirma que dá total-
mente para encaixar o ensino de gramática, de acordo com a funciona-
lidade de cada gênero na vida do ser humano. Nesse momento, com-
preende-se que os gêneros, como proposta para o ensino de Língua
Portuguesa, reafirmam o que a pesquisa discute: dão respaldo para a
gramática contextualizada e mostram a função social do texto circula-
do na sociedade.
Tendo noção também que se trata de um processo muito comple-
xo o ensino de Língua Portuguesa para surdos, a professora percebe a
Iranilde dos Santos Rocha Souza | Rita de Cácia Santos Souza | 173

importância de se atualizar e a necessidade de todos os professores se


capacitarem e se prepararem para receberem essa demanda de alunos,
uma vez que a escola já abriu as portas para inclusão educacional.
Isso faz compreender que quanto mais conhecimento possuir
sobre a educação para surdos, mais fácil será adotar meios, ou seja,
estratégias que amenizem as dificuldades dos alunos. Segundo Salles
(2004b), apresentar propostas metodológicas para o ensino de textos
em português para surdos requer, portanto, a articulação dessas práti-
cas em atividades contextualizadas.
Um fato interessante nessa pesquisa é que mesmo a professora
não tendo um conhecimento aprofundado sobre o ensino de Língua
Portuguesa para surdo, suas estratégias de ensino já priorizam uma
dinâmica que envolve o visual que é de extrema importância para o
aluno surdo e a apresentação dos conteúdos parte dos gêneros textu-
ais, ou seja, é contextualizado, outro fato primordial na aprendizagem
do Português pelo aluno surdo.
Diante da fala da professora, foi possível observar que a aluna sur-
da, inserida na sala inclusiva, teve um progresso bastante satisfatório
ao entrar em contato com os gêneros textuais que fazem parte do cur-
rículo do 1º ano do Ensino Médio. Portanto, faz-se necessário passar
esses avanços nesta pesquisa, nos campos a que se propõe destacar a
leitura, a interpretação e a escrita, os quais são assimilados significati-
vamente a partir do estudo dos gêneros textuais.
A leitura é a base para a aprendizagem do aluno surdo e deve ser uma
prioridade, ou seja, antes de qualquer outra etapa, o professor precisa ter
consciência da base de leitura por parte do aluno surdo. “A leitura deve ser
uma das principais preocupações no ensino de português como segunda
língua para o surdo, tendo em vista que constitui uma etapa fundamental
para a aprendizagem da escrita” (SALLES, 2004b, p. 20).
A escrita tem uma relação de dependência muito íntima com a lei-
tura. A professora disse a esse respeito: “Melhorou muito, ela se sente
capaz”. Foi discutido, anteriormente, que a leitura é a base para as ou-
tras competências. Se a aluna gosta de ler, então, provavelmente ela
terá menos dificuldade com a escrita. Isso justifica a fala da professora
ao afirmar que a aluna melhorou sua competência na produção textual.
174 | GÊNEROS TEXTUAIS

Para Salles (2004b), o texto escrito é ferramenta básica de comu-


nicação entre surdos e ouvintes. Portanto, é pertinente reforçar que
o aluno surdo precisa ter contato com a variedade textual, para que
conheça as diversas funcionalidades da língua, tanto formais quanto
informais, e escreva cada vez melhor.
A interpretação é uma prática que exige leitura, pois cada vez que
o aluno ler um texto, ele poderá fazer inferência a outro já lido e cons-
truir uma relação de intertextualidade que favorece na compreensão
do texto. Sobre isso, a professora destacou que a aluna consegue inter-
pretar o texto através dos detalhes, isso é importante. A aluna também
gosta de ler, tem dificuldade na escrita como qualquer outra pessoa.
A professora realiza um trabalho que está de acordo com a realida-
de da aluna surda e prioriza um método favorável tanto para ela quan-
to para os demais alunos. Mas, em relação à avaliação, o procedimen-
to utilizado pela professora, é através da observação, suas evoluções
na escrita, na leitura e na interpretação. Observa-se que a professora
avalia a aluna surda de acordo com o progresso dela nas dimensões
priorizada pela docente que são leitura, interpretação e produção tex-
tual. Para Damázio (2007), a avaliação do desenvolvimento da Língua
Portuguesa deve ocorrer continuamente para assegurar que se conhe-
çam os avanços do aluno com surdez e para que se possa redefinir o
planejamento, se for necessário.
Dessa forma, a metodologia da professora contempla o trabalho
de leitura, interpretação e escrita de forma favorável para a aprendi-
zagem da aluna surda fazendo-se compreender ao utilizar formas con-
textualizadas no ensino, por meio da utilização dos gêneros textuais e
dos recursos visuais que ajudam na aquisição da linguagem. Também
é fundamental que o professor de línguas procure conhecer mais sobre
a educação de surdos e, a partir dos estudos e pesquisas realizadas,
adequar uma metodologia que seja condizente com a aprendizagem
do aluno com surdez para que o ensino torne-se mais significativo.
Iranilde dos Santos Rocha Souza | Rita de Cácia Santos Souza | 175

CONSIDERAÇOES FINAIS

A pesquisa realizada teve o objetivo de verificar estratégias para o


ensino de Língua Portuguesa através dos gêneros textuais para surdos
em salas inclusivas. Para o desenvolvimento deste trabalho, foram fei-
tos levantamentos de pesquisas bibliográficas para conceituar e fun-
damentar este tema e, em seguida, foi feita uma análise da entrevista
concedida por uma professora de Português.
De acordo com os dados e teorias apresentados até o momento,
observou-se que uma grande dificuldade da inclusão educacional dos
alunos com surdez é a metodologia utilizada pelo professor. Diante
dessa realidade, a proposta de gêneros textuais vem contribuir para
um ensino contextualizado. Conforme análise da entrevista com a pro-
fessora de português e das teorias de Antunes, o ensino contextualiza-
do torna-se mais significativo na aprendizagem do aluno.
Ao analisar o perfil e as estratégias utilizadas pela professora de
Língua Portuguesa, percebeu-se que, apesar da docente não possuir
especialização em educação especial, ela utiliza uma estratégia de en-
sino adequada às necessidades da aluna surda, ao priorizar um ensino
contextualizado, partindo dos gêneros textuais para trabalhar a leitu-
ra, a interpretação, o ensino da gramática, a escrita, entre outros fato-
res pertinentes no ensino através do texto. Também utiliza recursos
visuais, como figuras, desenhos e setas, para situar a aluna surda e
contribuir com sua interação.
Ao verificar se a escola oferecia um apoio continuado à aluna surda,
através da sala de recursos, para contribuir no desenvolvimento do en-
sino-aprendizagem, percebeu-se que, infelizmente, a escola não conta
com esse apoio, mas dispõe dos serviços de intérprete que acompanha
todas as aulas da aluna interpretando e traduzindo do Português para
Libras e vice-versa. Então, percebe-se também, que a escola oferece
o método do bilinguismo, o uso das duas línguas: a Libras e a Língua
Portuguesa, que é uma forma de respeito à cultura da aluna surda.
Em relação ao papel dos gêneros textuais no ensino da Língua Por-
tuguesa, tanto a professora como a base teórica deixam claro que é
possível ensinar os conteúdos de Português através dos gêneros e com
176 | GÊNEROS TEXTUAIS

o diferencial maior que é a possibilidade dada pelos gêneros dos alu-


nos poderem vivenciar cada texto de acordo com a sua função social.
Foi possível analisar na fala da professora que ela sentiu, diante
das perguntas, a necessidade de aprofundar mais seu conhecimento a
respeita da aluna surda e utilizar mais as tecnologias, no intuito de au-
xiliar mais a aluna e também procurar novas estratégias para trabalhar
a leitura, visto que ela disse ter dificuldade nesse aspecto.
Dessa forma, buscou-se uma verificação precisa de como os gêne-
ros textuais podem ajudar na aquisição da segunda língua, no caso do
aluno surdo na modalidade escrita, na interpretação e na leitura. Por-
tanto, foi possível verificar que o ensino de Língua Portuguesa, através
dos gêneros textuais, é mais significativo por que, além de contextuali-
zar o ensino, permite ao aluno vivenciar cada texto de acordo com sua
função na sociedade.

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Roberto Carlos Bastos da Paixão | Josevânia Teixeira Guedes | 179

Capítulo 9 | EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA: LÍNGUA


INGLESA, LIBRAS E ASL (AMERICAN SIGN
LANGUAGE)
Roberto Carlos Bastos da Paixão
Josevânia Teixeira Guedes

A s Línguas de Sinais (ou mímica, como já foram popularmente


conhecidas) sempre chamaram a atenção dos educadores so-
bre como, quando surgiram e, ainda, porque não existe uma língua de
sinais universal para que todos os surdos se comunicassem sem pro-
blemas. Sendo, como o são, línguas, essas de sinais são também dis-
tintas e se manifestam em sua riqueza em todos os países, pois surdos
existam por toda parte do mundo.

O primeiro ponto de vista é defendido por cientistas como G. Ré-


vész, que, em seu livro Origine et Préhistoire du langage (citado por
Kristeva: 1981), aponta para uma perspectiva evolutiva na qual,
em seis etapas, traça uma linha desde a comunicação animal até a
linguagem humana altamente desenvolvida e complexa. O homem
em seu estado primitivo estaria associado à dêixis, aos gritos e aos
gestos. Essa visão, compartilhada durante muito tempo pela comu-
nidade científica trouxe, e traz ainda, uma boa dose de rejeição às
Línguas de Sinais das comunidades surdas, associando-as à ges-
tualidade primitiva e, portanto à inferioridade. (RAMOS, s.d, p. 1)

Paixão e Guedes (2013) citaram a situação em sala de aula na qual


um professor de língua inglesa, cuja L11 é a língua portuguesa, tem, en-
tre os alunos de uma classe, um que é surdo. A partir daí, continuando
reflexão sobre algumas situações que possam acontecer e surpreender

1
Primeira língua – Língua materna.
180 | EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA

qualquer docente nesse perfil descrito por Guedes, pensou-se em algu-


mas variações da mencionada situação, a exemplo de: a) esse docen-
te não dispõe de formação mínima em Letras/Libras; b) esse mesmo
docente não dispõe do auxílio do tradutor e intérprete de Libras em
sala de aula; c) esse docente também não tem formação mínima em
American Sign Language; d) o aluno surdo é brasileiro; ou, ainda, f) o
aluno surdo é norteamericano, filho de pais da mesma nacionalidade
que estão em processo de acomodação no Brasil.
Cada possível situação levantada sugere uma série de questiona-
mentos, mas as perguntas mais importantes seriam: haverá, em cir-
cunstâncias assim, algum tipo de comunicação entre o professor e o
aluno surdo? Haverá algum tipo de comunicação entre o aluno surdo e
outro colega surdo? Haverá comunicação entre o aluno surdo e o cole-
ga ouvinte? O que diz a Lei de Diretrizes e Bases Nº 9.394/96, sobre a
Educação Especial em seu Capítulo V?
Eis os termos da Lei o art. 58.

Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a


modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente
na rede regular de ensino, para educandos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação.

Conforme se pode avaliar em leitura mais acurada de toda a exten-


são do texto legal, o previsto é que o aluno portador de necessidades
especiais tenha garantias de inclusão quanto à sua especialidade, caiba
ela ou não na realidade, no chão da escola. Entretanto, há ressalvas
para casos que exigem abordagem diferenciada e fora do espaço da
sala de aula. Para o professor as exigências são as de estar preparado
e ter algum conhecimento, por exemplo, em Libras (e, pelo menos, sa-
ber que existem diferenças entre línguas de sinais de país para país);
e, se ainda não dispõe da formação mínima, deve providenciá-la. Essa
preparação deve constar da formação do professor para o exercício de
uma educação inclusiva em conformidade com o Decreto nº 5.626, de
22 de dezembro de 2005, que regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de
Roberto Carlos Bastos da Paixão | Josevânia Teixeira Guedes | 181

abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e


o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000, em seu Capítulo
II, da inclusão da libras como disciplina curricular:

Art. 3º  A Libras deve ser inserida como disciplina curricular


obrigatória nos cursos de formação de professores para
o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos
cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas
e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de
ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Entretanto, cabe frisar que, de acordo com a Lei nº 10.436, de 24


de abril de 2002, em seu Parágrafo único, “a Língua Brasileira de Sinais
- Libras não poderá substituir a modalidade escrita da língua portu-
guesa”. Portanto, aqui se encontram ressaltados os dois lados impor-
tantes de uma questão de identidade nacional, a obrigatoriedade da
Língua Portuguesa e, ainda, o reconhecimento da Libras e do seu status
linguístico representativo da comunidade surda formada por cidadãos
brasileiros e cuja cultura deve ser difundida e incluída ao todo social.
No geral, a situação do profissional de Libras é ainda muito recente
para que tenha contornos definidos quanto à sua formação acadêmi-
ca, especialmente quanto a realizar a sofisticada e dupla atividade de
traduzir e interpretar. Entretanto, sabe-se que já existe, e funcionando
normalmente, o Curso de Letras/Libras, em caráter de pioneirismo,
iniciado pela Universidade Federal de Santa Catarina. Inclusive, há, no
país, uma pequena população de professores pós-graduados, mestra-
dos e doutorados em Letras/Libras.

O Curso de Licenciatura em Letras-Libras é desenvolvido pela Uni-


versidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e conta com uma rede
de oito instituições de ensino superior conveniadas, possibilitando
o oferecimento simultâneo do mesmo curso em diferentes regiões
do país. São nove polos, localizados na: Universidade Federal do
Amazonas, Universidade Federal do Ceará, Universidade Federal
da Bahia, Universidade de Brasília, Centro Federal de Educação
182 | EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA

Tecnológica do Estado de Goiás, Universidade de São Paulo, Institu-


to Nacional de Educação de Surdos no Rio de Janeiro, Universidade
Federal de Santa Maria e Universidade Federal de Santa Catarina.
Cada instituição tem 55 alunos regularmente matriculados, com
exceção do polo UFSC, que tem 60 alunos, totalizando 500 alunos.
Esta formação é financiada pelo Ministério da Educação, por meio
da Secretaria de Educação a Distância e da Secretaria de Educação
Especial. (CERNY; QUADROS; BARBOSA, 2009, p.3)

Levando em conta estas considerações iniciais e mais outras que


poderiam ser levantadas é que o presente artigo partiu da reflexão so-
bre as situações descritas em seu primeiro parágrafo. Tendo em vista
a dificuldade para o docente formado em outra realidade educacional
e acostumado a ponto de não se sentir apto a aprender mais uma lín-
gua que lhe aparece como estrangeira, a Libras, considere-se, portanto,
que essa dificuldade se duplica ou triplica, no caso de um professor na-
tivo do Brasil, falante da língua portuguesa, na condição de professor
de língua estrangeira Inglês, o fato de ter que se comunicar com um
suposto aluno surdo nascido na América do Norte ou em outro país de
língua inglesa. Alguém poderá dizer que esta é uma situação rara e que
o aluno deveria aprender a Libras. Sim, mas, em réplica se poderá lem-
brar a quem o diga que esta em que se vive é a era da globalização, da
disseminação do conhecimento e da avalanche da comunicação. Além
disto, professores de língua inglesa fazem cursos fora do Brasil e ou-
tras situações da convivência social podem ocorrer e nelas aquele que
julga dominar a língua inglesa se sentirá mudo e surdo diante de um
surdo-mudo nativo de países daquela língua estrangeira que leciona.
Pensando nisto é que este artigo inicia uma sucinta apreciação das
diferenças entre a Libras e a American Sign Language quanto ao alfa-
beto e à configuração das mãos. Cumpre lembrar o óbvio, a língua de
sinais não é universal e, cada país, por certo, tem o seu alfabeto pró-
prio. E mesmo, países de língua inglesa situados em hemisférios dife-
rentes se distinguem em seus alfabetos para surdos. Inclusive, como o
ressalta Pinto (2012, p. 28), “[...] Libras não é universal e sim nacional,
e ainda contém seus regionalismos.”.
Roberto Carlos Bastos da Paixão | Josevânia Teixeira Guedes | 183

Enquanto as pesquisas de aquisição de língua de sinais por


crianças surdas revelam que as características fundamentais
desta língua visual-espacial independem da modalidade, não
podemos deixar de lado o fato de que, apesar disto, há uma
diferença entre línguas faladas e sinalizadas e que o padrão
auditivo e o padrão visual entram no cérebro por canais sepa-
rados. (QUADROS; PIZZIO; REZENDE, 2009, p.5).

O quadro a seguir ilustra as línguas de sinais e suas diferentes de-


nominações em vários países ocidentais.
Quadro 1 – Línguas de Sinais e suas diferentes denominações em vários países oci-
dentais.

Língua de Sinais Brasileira (Libras);

Língua de Sinais Portuguesa (LGP - Língua Gestual Portuguesa);

Língua de Sinais Holandesa (SLN – Sign Languege of Netherlands);

Língua de Sinais Americana (ASL – American Sign Language);

Língua de Sinais Argentina (LSA - Lengua de Senas Argentina);

Língua de Sinais Britânica (BSL - British Sign Language);

Língua de Sinais Chilena (JSL Lengua de Senas Chilena);

Língua Francesa de Sinais (LSF Langue des Signes Française) etc.

Fonte: http://www.pead.faced.ufrgs.br/sites/publico/eixo7/libras/unidade1/libras_
mito.htm
184 | EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA

Informações contidas na página eletrônica do Curso de Pós-Gra-


duação-Licenciatura (Modalidade a Distância) em Pedagogia / Moda-
lidade a Distância (PEAD-FACED-UFRGS) dão conta de que, no Brasil,
muitos estudos sobre os contextos bi /multilíngues, embora existam
diferenciadas circunstâncias nas quais mais de uma língua é falada.
Inclui-se, ainda, de acordo com Cavalcanti (1999), a prevalência de um
forte mito relativo monolinguismo no país que vem causando exclu-
são de comunidades indígenas, imigrantes e até comunidades surdas.
Segundo a mesma autora, o Brasil dispõe de cerca de 203 (duzentas e
três) línguas, sendo 170 (cento e setenta) línguas indígenas, 30 (trin-
ta) línguas de imigrantes, 1 (uma) língua de sinais brasileira (Libras)
e 1 (uma) Língua de Sinais Kaapor Brasileira  (LSKB) e a oficial língua
portuguesa. Nota-se, portanto, que o Brasil não é um país monolíngue,
visto que estes povos existem e mantêm suas línguas vivas, uma plura-
lidade linguística e heterogeneidade cultural. Os índios Urubu-Kaapor,
por exemplo, utilizam a LSKB que não apresenta relação estrutural ou
lexical com a LIBRAS, devido à inexistência de contato entre ambas.
Assim como existem mudos pelo mundo inteiro, também existem lín-
guas de sinais. Somente na África há cerca de vinte e cinco dessas línguas.
Pesquisas se reportam a aspectos muito importantes e indispensá-
veis a todos os profissionais que se dedicam às línguas, às linguagens
e à comunicação entre seres humanos. Trata-se, especificamente do
ponto de vista relativo à organização cerebral no uso da linguagem. Há
teorias aprofundadas neste campo que estuda os hemisférios da men-
te humana e os seus mecanismos de raciocínio produtores da fala e da
escrita, enfim, da linguagem - o que é válido também para as línguas
de sinais.

[...] estudos sobre a organização cerebral indicam que o hemis-


fério esquerdo é o responsável pelo processamento de infor-
mações linguísticas no modo auditivo-oral e que esta capaci-
dade de analisar os sons é determinante para este hemisfério
ser o responsável pela linguagem. Já o hemisfério direito é o
responsável pelo processamento visual-espacial. (QUADROS;
PIZZIO; REZENDE, 2009, p.2).
Roberto Carlos Bastos da Paixão | Josevânia Teixeira Guedes | 185

Diferentemente do que se possa supor, o estudo das ocorrências


linguísticas dentro de cada língua de sinais é uma atividade científica
muito séria, um campo amplo e aberto aos pesquisadores. Os estudio-
sos se referem às similaridades e às diferenças estruturais de morfolo-
gia e de sintaxe entre as línguas de sinais, como aqui:

Figura 1: (a) SEE (VER); (b) Palavra Independente: NONE-AT-ALL (absolutamente


nada); (c) Forma Afixada: SEE-ZERO, ‘not see at all’ (NÃO VER ABSOLUTAMENTE
NADA) in (QUADROS; PIZZIO; REZENDE, 2009, p.2).

Figura 2: (a) 1ASK2 ‘I ask you’ (1PERGUNTAR2 – ‘Eu pergunto para você’) (b) jASK1
‘S/he asks me’ (jPERGUNTAR1 – ‘El@ pergunta para mim’) in (QUADROS; PIZZIO;
REZENDE, 2009, p.30).
186 | EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA

Notável é a diferenciação de expressão facial e de locação (L) entre


as línguas de sinais. Observe-se quanto a este exemplo que mostra a
ISL (língua de sinais israelense):

Figura 3: Expressões faciais da ISL para perguntas sim/não e para


informação compartilhada. (QUADROS; PIZZIO; REZENDE, 2009, p.30).

A exemplificação não está sendo utilizada para uma análise apropria-


da desses aspectos, mas, com a intenção de demonstrar que a diferença
existe e, de igual forma, a semelhança. Entretanto, não convém confiar na
semelhança como se faz no Brasil com relação ao idioma espanhol.

As línguas de sinais são línguas naturais utilizadas pelas co-


munidades surdas. Durante muito tempo, essas línguas foram
consideradas apenas gestuais ou pantomimais, incapazes de ex-
pressar conceitos abstratos. Hoje, ainda, há um grande precon-
ceito e desconhecimento sobre estas línguas, pois as pesquisas
nesta área são limitadas e/ou inexistentes, prejudicando assim
o seu conhecimento. No ano de 1960, houve a publicação do li-
vro Sign Language Structure (Willian Stokoe) onde ficou explíci-
to que as línguas de sinais eram consideradas línguas naturais.
Esse descobrimento auxiliou a inserção das línguas não-orais e
seus usuários na universidade. (SOUZA, 2009, p. 145)

A trajetória que segue este texto procura chegar ao alfabeto e às


configurações das mãos na Libras e também na ASL. Trata-se de um
incentivo e uma pequena contribuição no sentido de despertar o do-
Roberto Carlos Bastos da Paixão | Josevânia Teixeira Guedes | 187

cente da disciplina Língua Inglesa no sentido de compreender que ele


também precisa se comunicar com seu aluno surdo e manter alguma
mínima comunicação com ele. Essa contribuição consiste, pois, em de-
monstrar que há diferenças entre as línguas de sinais.
A partir deste ponto, tenta-se demonstrar as diferenças entre al-
gumas letras da Libras se comparadas à ASL. Cumpre frisar que esses
desenhos das mãos devem ser descritos e que:

Na língua de sinais brasileira, assim como verificado na ASL (Si-


ple, 1978), as relações gramaticais são especificadas através da
manipulação dos sinais no espaço. As sentenças ocorrem den-
tro de um espaço definido na frente do corpo, consistindo de
uma área limitada pelo topo da cabeça e estendendo-se até os
quadris. O final de uma sentença na língua de sinais brasileira é
indicado por uma pausa. (PIZZIO et al, 2009, p. 1)

Assim como para os ouvintes existem os destros, os ambidestros e


os esquerdos, o mesmo acontece com os surdos. Os sinais, entretanto,
podem ser feitos pelas duas mãos, exceto sinais ligados a sentimento:
amor paixão. Nesse caso, o sujeito surdo usa o lado do coração.
Em se tratando da organização dos sinais nas línguas de sinais,
pode-se observar a ocorrência da mistura com a organização dos ges-
tos, “pois se apresentam na mesma modalidade, diferentemente das
línguas faladas”, nas quais, é possível analisar “as formas com que se
apresentam as mãos e os movimentos associados a elas”. Assim,

Os gestos são visuais e representam a ação dos atores que par-


ticipam da interação por meio da imitação do ato simbolizando
as relações com as coisas. As línguas de sinais aproveitam esse
potencial dos gestos trazendo-o para dentro da língua, fazen-
do com que sinais visuais representem palavras envolvendo a
organização da língua. Um exemplo produtivo dessa caracte-
rística é o uso de classificadores. Este fenômeno linguístico é
uma representação visual de objetos e ações de forma quase
que transparente, embora apresente características convencio-
188 | EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA

nadas de forma arbitrária. Parece que houve um processo do


gestual para o gramatical, mantendo algumas das característi-
cas do primeiro e tornando-se parte do sistema linguístico das
línguas de sinais. Da mesma forma, podemos apontar o uso da
referência explícita através da apontação por meio do dedo in-
dicador. (QUADROS; PIZZIO; REZENDE, 2009, p. 15).

Convém, ainda, observar a importante diferenciação entre o que


é o alfabeto dos surdos e a configuração das mãos. Inclusive afirmar
que o alfabeto é o alfabeto e não deve ser confundido com a língua em
sua totalidade e características. Denomina-se dactilologia a forma de
soletrar palavras com as mãos, utilizada para nomes próprios, nome de
pessoas, geográficos e palavras estrangeiras. No entanto, nem todos os
nomes de pessoas são soletrados. Foi o abade francês L´Epée, educador
de surdos do século XVIII, quem providenciou a combinação do alfabeto
dactilológico utilizado pelos monges beneditinos, sinais que aprendeu
com os surdos nas ruas de Paris. Esse método de ensino, denomina-
do ‘Método Combinado’, deu origem à Língua Francesa de Sinais. Mais
tarde, esta língua migrou para a América do Norte, onde foi ampliada,
codificada e sistematizada, fornecendo, assim, a base para a estrutu-
ração das línguas de sinais, inclusive da LIBRAS. (HORTÊNCIO, 2005).
Costuma-se convencionar um sinal específico para se referir a uma
determinada pessoa. Os sinais dactilológicos apresentam variações de
país para país. São 46 (quarenta e seis) as configurações de mão na
LIBRAS. (FERREIRA-BRITO, 1995). Abaixo o alfabeto manual e, em se-
guida, os números:
Roberto Carlos Bastos da Paixão | Josevânia Teixeira Guedes | 189

Quadro 2 – Alfabeto Manual


Fonte: http://izabelapce.wordpress.com/2011/02/16/alfabeto-libras-inclua-se-nes-
ta-realidade-tambem/

NUMERAIS

Quadro 3 – Numerais
Fonte: http://rcolacique.wordpress.com/2010/02/20/numerais/
190 | EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA

Quanto à configuração manual das mãos para a ASL, há bastante


diferença entre esta e a LIBRAS. Faz-se a descrição da ASL utilizando a
posição dos dedos e do polegar. Diferentemente de como acontece em
Libras, na ASL são apenas 26 (vinte e seis) e correspondem às letras
do alfabeto Inglês, mas nem todos estes sinais são usados ​​em ASL.  Há
várias configurações de mão adicionais correspondentes a determina-
dos números, alguns dos quais são utilizados em sinais, e há algumas
configurações de mão que aparecem nos sinais, mas não costumam
ser símbolos de letras ou números. Vários pesquisadores têm proposto
sistemas para a configuração de mão (Liddell; Johnson, (1986) que
incluem a descrição de envolvimento antebraço, handshape geral, ex-
tensão do dedo e detalhes da configuração do polegar. (STACK, 1988).
Taub et al (2006), autores de ‘Gesticulação e aquisição da ASL
como segunda língua’, abordam a aquisição da língua de sinais ame-
ricana como segunda língua por pessoas ouvintes. Os autores consi-
deram que, tratando-se de uma segunda língua na modalidade visual-
-espacial, apresentam a hipótese de haver o aproveitamento do uso de
gestos para produção de sinais.
Quadros e Vasconcellos (2006, p. 18) asseguram que a “[...] Habi-
lidade gestual existente entre pessoas falantes está relacionada com a
capacidade cognitiva de representar conceitos no espaço. [...]” (p. 18)
Outro aspecto apurado pelos autores tem relação com a representa-
ção mental e a coincidência com a “a capacidade mental cognitiva de
representar os conceitos por meio da língua de sinais, especialmen-
te, quando a expressão manual-gestual é similar (por exemplo, com o
uso de dêiticos)”. Em detrimento dessa aproximação gestual produzi-
da “por usuários e aprendizes da língua de sinais”, não se dispensará
do aprendiz a reavaliação do “uso em termos linguísticos para que o
conhecimento seja processo na língua de sinais gramaticalmente [...]”.
Roberto Carlos Bastos da Paixão | Josevânia Teixeira Guedes | 191

Quadro 4 – Alfabeto Manual


Fonte: http://izabelapce.wordpress.com/2011/02/16/alfabeto-libras-inclua-se-nes-
ta-realidade-tambem/

Quadro 5 – Alfabeto Manual ASL American Sign Language


Fonte: http://re-downloads.info/Wallpapers-Asl-Sign-Language-Alphabet.html
192 | EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA

Com o propósito de demonstrar tecnicamente, descrevendo as di-


ferenças de configuração da mão entre os alfabetos LIBRAS/ASL que
ocorrem nas letras G, H, K, M, N, Q, T é que foi consultada a Professora
Alda Valéria, tradutora e intérprete de Libras, responsável pela descri-
ção apresentada no quadro ilustrativo abaixo. Quanto aos números, o
tema será tratado em novo artigo.

LETRAS DESCRIÇÃO/LIBRAS DESCRIÇÃO/ASL


Mão fechada (punho para frente) Mão direita fechada (palma para es-
e dedos indicador e polegar esti- querda) e dedos indicador e polegar
G
cados verticalmente encostados esticados horizontalmente e encos-
um no outro tados
Mão direita fechada (punho para
Mão fechada (punho para frente)
frente) e dedos médio e indicador
com a palma da mão para baixo e
H esticados verticalmente e sepa-
dedos indicador e dedo médio esti-
rados, girar levemente para a es-
cados horizontalmente e encostados
querda
Mão fechada (punho para frente)
Mão fechada (punho para frente) e
e dedos médio e indicador esti-
dedos médio e indicador esticados
K cados e separados verticalmente,
verticalmente, encostar o polegar en-
encostar o polegar entre os dois
tre os dois dedos.
dedos. Balançar a mão para cima
Mão fechada (punho para fren-
Mão fechada (punho para frente) e os
te) e os dedos indicador, médio
M dedos indicador, médio e anelar esti-
e anelar esticados, afastados do
cados sobre o dedo polegar.
dedo polegar.
Mão fechada (punho para frente)
Mão fechada (punho para frente) e os
e os dedos indicador e médio es-
N dedos indicador, e médio esticados
ticados afastados do dedo polegar
junto do dedo polegar.
não há movimento.
Mão direita fechada (punho para Mão direita fechada (punho para bai-
Q frente) com indicador e polegar xo) com indicador e polegar, e sepa-
esticados na vertical, juntos. rados na horizontal.
Mão direita aberta com indicador
esticado na horizontal e o polegar Mão direita fechada com polegar es-
T
esticado na vertical próximo ao condido entre os dedos.
indicador.
Roberto Carlos Bastos da Paixão | Josevânia Teixeira Guedes | 193

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo para a composição do presente artigo permitiu o aprofun-


damento na construção de conhecimentos sobre a Educação Especial e
Inclusiva a partir do enfoque no ensino da língua inglesa e direcionan-
do-se para a Libras (Língua Brasileira de Sinais) e ASL (American Sign
Language), no sentido de prever situações de comunicação multicultu-
rais e multilíngues em salas de aula.
Foi possível conhecer melhor a realidade mundial da cultura surda
e a existência de diferenciações de país para país e até de regiões para
regiões no que se reporta aos alfabetos e gestos das distintas línguas
de sinais.
Portanto, digamos, assim como há línguas faladas e escritas, es-
trangeiras entre si, ocorre o mesmo com as línguas de sinais espalha-
das pelo mundo, o que põe por terra a ilusão de que se comunicar com
surdos seja tão somente balançar as mãos desordenadamente. As lín-
guas de sinais são complexas em sua estrutura e sintaxe, devendo ser
estudadas séria e profundamente à luz dos mais modernos conceitos
da Linguística.

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm. Acesso
em 18 dez. 2012.
194 | EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA

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Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Bra-
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bro de 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
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196 | EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA
Ana Paula Andrade de Melo | Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos | 197

Capítulo 10 | REDES SOCIAIS DIGITAIS: ESPAÇO INTERATIVO


NA EDUCAÇÃO E A COMUNICAÇÃO DOS SURDOS
Soraya Cristina Pacheco de Meneses
Ronaldo Nunes Linhares
Andrea Cristina Versuti
Rita de Cácia Santos Souza

1 A TECNOLOGIA INTERVINDO NA COMUNICAÇÃO DO SUJEITO


SURDO

A Internet surgiu como uma mídia aberta e descentralizada. A


distância geográfica e o tempo tornam-se fatores subjetivos.
Ela permite acesso cultural, ideológico e tecnológico. A comunicação
através da internet é cada vez mais sensorial e multidimensional, um
espaço amplo de socialização, abertos à observação e participação, e
nos proporciona um ambiente rico, seja nos fóruns de discussões, nas
redes sociais, nos sites de relacionamento, entre outros.
O uso da internet, quando integrada em um contexto estrutural,
proporciona um processo de comunicação aberto, de participação
interpessoal e grupal efetivos. É um espaço público, aparentemente
sem fronteiras, onde se formam grupos, comunidades, em torno de
qualquer assunto, onde as práticas sociais se desenvolvem, e aí se in-
cluem a comunidade surda entre outras, que vê nesse ambiente um
espaço de igualdade na diferença, um espaço que pode ser um meio
para sua inserção comunicacional no mundo ouvinte. Castells (1999, p.
460) corrobora essa ideia quando firma que: “O que caracteriza o novo
sistema de comunicação, baseado na integração em rede digitalizada
de múltiplos modos de comunicação, é sua capacidade de inclusão e
abrangência de todas as expressões culturais.”
A partir do advento da internet, novas formas de codificação do
saber foram postas em jogo. Segundo Pierre Lévy (1992), o modelo de
pesquisa e troca de conhecimento passa a ser mais interativo e ime-
198 | REDES SOCIAIS DIGITAIS

diato o que nos leva a pensar sobre a necessidade de rever o modelo


tradicional de escola.
As tecnologias da informação e comunicação (TIC), sempre em ex-
pansão, trouxeram novos suportes e linguagens comunicativas, como
o vídeo, a televisão, os celulares (com mensagens de texto), o correio
eletrônico, entre outros, proporcionando diversas oportunidades de
comunicação do surdo, em especial, por meio da internet, elevando o
desejo do surdo em apropriar-se da escrita, pois a sociedade informa-
tizada exige competências múltiplas, habilidades para trabalhar em
grupo, e capacidade de se adequar a novas situações.
Nesse sentido, Lévy (1992, p.145) chama a atenção para o fato de
que: “Não há mais sujeito ou substância pensante, nem “material”, nem
“espiritual”. O pensamento se dá em uma rede na qual, neurônios, mó-
dulos cognitivos, humanos, instituições de ensino, línguas, sistema de
escrita e computadores se interconectam, transformam e traduzem
representações.” Compreendemos então, que no meio cultural, as cog-
nições, atitudes e ideias partem da construção do coletivo e não do in-
divíduo, e nos meios tecnológicos inteligentes fazem a simbiose entre
o homem e a máquina. Mas devemos admitir que não concordamos
totalmente com o autor, pois o ser humano é essencialmente pensante,
mesmo com essa interconectividade, o pensamento é individual e de-
pois compartilhado, podendo sim colaborar na construção do coletivo.
Então, refletindo sobre a inclusão tecnológica, e nesses novos pa-
râmetros trazidos pela presença das TIC no ambiente social, é impres-
cindível que criemos um ambiente inclusivo que suscite desafios e re-
flexões. As conexões entre os indivíduos na sociedade são comumente
referidas como laços sociais. Esse laço é, portanto, constituído de inte-
rações, trocas que são estabelecidas através da conversa, do agir no es-
paço social. Castells (1999, p.443) diz que, (...) as comunidades virtuais
oferecem um contexto novo e impressionante, no qual pensar sobre a
identidade humana na era da internet, e afirma que:

A vantagem da rede é que ela permite a criação de laços fracos


com desconhecidos, num modelo igualitário de interação, no qual
as características sociais são menos influentes na estruturação,
Soraya C. P. de Meneses | Ronaldo N. Linhares | Andrea C. Versuti | Rita de Cácia S. Souza | 199

ou mesmo no bloqueio, da comunicação... os laços fracos facilitam


a ligação de pessoas com diversas características sociais, expan-
dindo assim a sociabilidade para além dos limites socialmente
definidos do autoconhecimento... (CASTELLS, 1999, p. 445).

Analisamos como vantagem porque que esses grupos sociais que


povoam a internet podem ser para o surdo, motivadores da comuni-
cação em seu sentido mais amplo, essa criação de laços fracos, com
relações sociais mais superficiais, permite uma maior abrangência co-
municacional, por meio de espaços de discussão e sociabilidade, mes-
mo que esses laços se dissolvam facilmente, podendo gerar algum iso-
lamento, principalmente por terem pouco ou nenhum acesso à língua
oral e por que suscita no surdo o desejo de mostrar sua capacidade de
comunicar-se através do português escrito, para se sentirem inclusos
e aceitos nas redes sociais digitais que participam.
Para Galvão Filho,

Novas realidades e novos paradigmas emergem na socieda-


de humana, nos dias de hoje. Uma sociedade mais permeável
à diversidade questiona seus mecanismos de segregação e
vislumbra novos caminhos de inclusão social da pessoa com
deficiência. Este fato tem estimulado e fomentado no­vas pes-
quisas, inclusive com a apropriação dos acelerados avanços
tecnológicos dispo­níveis na atualidade. A presença crescente
das Tecnologias de Informação e Comuni­cação (TICs) aponta
para diferentes formas de relacionamento com o conhecimen-
to e sua construção, assim como novas concep­ções e possibili-
dades pedagógicas. (GALVÃO FILHO, 2008,p. 25)

As TIC’s favorecem o desenvolvimento cultural e aquisição de in-


formações, estimulando a capacidade de criação e superação de limi-
tes, estabelecendo novas possibilidades de conhecimento e comunica-
ção. Resgatamos então, Vygotsky que foi um defensor da diversidade
e que preconizou o papel do social no processo de aprendizagem e de-
senvolvimento do indivíduo.
200 | REDES SOCIAIS DIGITAIS

A sociedade atual nos exige novas competências, especificamente


o conhecimento tecnológico, para que possamos estar presente nesse
mundo virtual, incluso digitalmente e esse processo de inclusão visa
promover aos indivíduos o acesso e a utilização dos recursos das Tec-
nologias de Informação e Comunicação de forma eficiente e benéfica.
Entendemos que as TIC’s ainda estão distantes da maior parte da
população do mundo, apesar de sua velocidade de expansão. Convive-
mos com a disparidade entre uma parcelada população mais provida
economicamente imersa em um complexo de redes digitais, e outra
parcela considerável da população sem nenhum ou um parco acesso
às tecnologias da informação e comunicação.
Baseados em Silva (2009), dentre muitos fatores que impedem ou
dificultam a inclusão digital, podemos citar a exclusão social, (infoe-
xclusão); as condições de pobreza da população; o domínio mínimo
para o manuseio do computador e dos recursos da Internet; a necessi-
dade de criação de políticas públicas que ofereçam soluções que aten-
dam à diversidade; é necessária a adequação de equipamentos, criação
de softwares específicos, que proporcionem a acessibilidade das pes-
soas com deficiência.
A infoexclusão é uma forma de exclusão onde as dificuldades de
acesso às TIC’s, a desigualdade tecnológica e o acesso ao conhecimen-
to, acarreta a exclusão digital, ou seja, ela impede a maior parte das
pessoas de participar dos benefícios trazidos pelas TIC’s. Nesse con-
texto, a infoinclusão seria a implementação de ações eficazes objeti-
vando permitir à sociedade globalizada o acesso aos recursos tecno-
lógicos, ao conhecimento, à informação e à aprendizagem, nessa nova
realidade social e digital. Vale ressaltar que a exclusão digital não tem
uma relação direta, pois nem todos os excluídos digitalmente também
são excluídos economicamente, mas a exclusão econômica pode levar
a uma exclusão digital, e o economicamente incluído pode ser um ex-
cluído digital.
Numa política de infoinclusão há outros fatores, além do econô-
mico, que podem levar à infoinclusão como: resistências ao uso das
TIC’s, o idioma e também as pessoas com deficiência, onde as TIC’s
podem representar um novo leque de possibilidades de expressão e
Soraya C. P. de Meneses | Ronaldo N. Linhares | Andrea C. Versuti | Rita de Cácia S. Souza | 201

inserção social, por meio de desenvolvimento de tecnologias específi-


cas adequadas às suas necessidades, sejam elas físicas, visuais, auditi-
vas, mentais ou outras e o acesso facilitado a estas soluções e serviços.
Nesta perspectiva, entendemos que o conhecimento das novas
tecnologias é uma forma de inclusão social, porque apesar da relati-
va democratização dos suportes informáticos que facilitam o acesso à
informação, percebo que grupos de pessoas como: idosos, com defici-
ência, analfabeto tecnológico, com limitações econômicas ou em situ-
ação social marginal, ficam de fora da atual sociedade digital, portanto
também fora do mercado de trabalho.
Fazendo um comparativo da influência das TIC’s na aprendizagem,
temos:

Quadro 05: Influência das TIC na aprendizagem


APRENDIZAGEM TRADICIONAL APRENDIZAGEM COM AS TICS
Instrução centrada no professor/
Aprendizagem centrada no aluno
Estimulação
Unissensorial Estimulação multisensorial
Progressão unidirecional Progressão multidirecional
Única mídia Multimídia
Trabalho isolado Trabalho colaborativo
Informação fornecida Troca de informação
Aprendizagem ativa/ exploratória/
Aprendizagem passiva
inquisitiva
Aprendizagem por aquisição de informa- Pensamento crítico/
ções tomada de decisões
Ação planejada, integrativa,
Reação de responsividade
por iniciativa.
Fonte: Tecnologia Assistiva nas Escolas/2008

Analisando o quadro acima, percebemos o quanto o acesso às TIC’s


pode colaborar para um ensino mais inclusivo. Pensar em exclusão di-
gital não é só pensar na falta ou exiguidade de equipamentos ou tecno-
logia de informação e comunicação acessíveis, mas de perceber todo
um processo de exclusão social, econômica e cultural. De acordo com
Silva (2009), a esse excluído é negada a oportunidade de aprender a
202 | REDES SOCIAIS DIGITAIS

selecionar conteúdos, interferir, armazenar, imprimir, enviar, enfim,


tratar a informação como espaço de manipulação e de negociação.
O referido autor ainda ressalta a necessidade do combate à infoe-
xclusão:

O combate à infoexclusão não deve limitar-se ao amplo aces-


so ao computador conectado à internet [...] mas à qualificação
dos usuários para a não subutilização das tecnologias digitais
interativas, bem como para a participação criativa e colabora-
tiva no universo on-line [...] não basta ter acesso às tecnologias
digitais on-line. É preciso saber operá-la não mais como um
receptor de mídia clássica. A internet é uma mídia interativa,
em que somos espectadores e participadores ao mesmo tem-
po. (SILVA, 2009, p. 76):

Com base nessas afirmações, a educação na sociedade da informa-


ção e na cibercultura supõe ou exige uma atitude comunicacional não
mais centrada na lógica da distribuição de informações, já que inclu-
são digital é mais que acesso livre à conectividade on-line e off-line, a
educação necessita promover a formação do cidadão no ciberespaço,
apresentando um ambiente comunicacional capaz de receber a gera-
ção digital, e orientá-los para uma construção coletiva.

2 ALFABETIZAÇÃO DIGITAL E TECNOLOGIA ASSISTIVA: POLÍTI-


CAS DE INCLUSÃO / ACESSIBILIDADE / USABILIDADE

Considerando a intrínseca relação entre surdez e comunicação,


podemos avaliar a importância que subjaz dos sistemas verbais e não
verbais para os sujeitos surdos. Interagir e perceber nas diversas for-
mas de comunicação, seja por meio de noticiários, filmes, palestras,
apresentações, torna-se um exercício muito complexo, pois dependem
do sujeito ouvinte para repassar as informações, que raramente che-
gam de maneira pura, dando oportunidade de o próprio surdo pro-
cessar e interagir com a informação. Mesmo os surdos que dominam
a libras, sentem essa dificuldade, por ainda não ter compreensão de
Soraya C. P. de Meneses | Ronaldo N. Linhares | Andrea C. Versuti | Rita de Cácia S. Souza | 203

nuances da língua portuguesa, só percebida por quem ouve, como sig-


nificados dado pela entonação da voz, por exemplo.
Nesse contexto comunicacional, percebemos a premente necessida-
de de desenvolver ambientes virtuais com acessibilidade para sujeitos
surdos, que tem uma forma de leitura diferenciada da dos ouvintes.
Embora percebamos que a internet em si é inclusiva, do ponto de vis-
ta do paradigma da “cultura surda”, ela é excludente, pois é feita de
pessoas ouvintes, e na maioria das vezes o sujeito surdo não encontra
acessibilidade.
Refletindo sobre a acessibilidade tecnológica para o sujeito surdo,
entendemos que a interatividade é um ponto muito forte, e é uma das
características da tecnologia digital, ou seja, a condição de atingir os
usuários e ter um retorno imediato. Mas para alcançarmos esse ideal
temos que compreender alguns conceitos básicos contidos no Decreto
nº 5.296 (de 02 de dezembro de 2004), em seu Art. 8º, são eles:

...acessibilidade: condição para utilização, com segurança e au-


tonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipa-
mentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e
dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informa-
ção, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade
reduzida; [...].

...ajuda técnica: os produtos, instrumentos, equipamentos ou


tecnologia adaptados ou especialmente projetados para me-
lhorar a funcionalidade da pessoa portadora de deficiência ou
com mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia pessoal,
total ou assistida; [...].

...desenho universal: concepção de espaços, artefatos e pro-


dutos que visam atender simultaneamente todas as pessoas,
com diferentes características antropométricas e sensoriais,
de forma autônoma, segura e confortável, constituindo-se nos
elementos ou soluções que compõem a acessibilidade.
204 | REDES SOCIAIS DIGITAIS

Então, acessibilidade é promover o direito de liberdade, escolha e


autonomia. Direcionando o foco para a pessoa surda, o Art.49 define
as adaptações necessárias para o acesso à comunicação e informação
para as pessoas surdas.
Apesar de importantes, tais medidas se fundamentam na compre-
ensão de que o surdo pode acessar livremente diversas páginas na Web
que contenham textos, vídeos e imagens, desde que seguidos por le-
gendas explicativas. No entanto, essa compreensão, apesar de ser um
avanço, pode não ser suficiente para atender plenamente os princípios
da acessibilidade, pois é necessário levar em consideração as caracterís-
ticas linguísticas da pessoa surda, usuária da libras.É fato que já temos
uma variedade de materiais que são disponibilizados em diversos sites
educacionais, no entanto, esses serviços ainda são deficitários, como por
exemplo, a legendagem e janela em LS, que não é oferecida em toda a
programação, sejam na televisão, no cinema ou sites da internet.
Acessibilidade na internet representa não só o direito de acessar a
rede de informações, mas também o direito de eliminar barreiras arqui-
tetônicas, de disponibilidade de comunicação, de acesso físico, de equi-
pamentos e programas adequados, de conteúdo e apresentação da infor-
mação em formatos alternativos por meio da Tecnologia Assistiva (TA).
Conforme o Comitê de Ajudas Técnicas da Coordenadoria Nacional para
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE) O conceito de TA
nos últimos anos sofreu modificações devi­do à abrangência e importância
desta área para a garantia da inclusão da pessoa com deficiência.

Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característi-


ca interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias,
estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcio-
nalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com
deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua
autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social.
(Comitê de Ajudas Técnicas, Corde/SEDH/PR, 2007).

Partindo desse conceito, podemos perceber seis áreas de atuação


da acessibilidade:
Soraya C. P. de Meneses | Ronaldo N. Linhares | Andrea C. Versuti | Rita de Cácia S. Souza | 205

-Arquitetônica: elimina barreiras em todos os ambientes fí-


sicos (internos e externos) da escola, incluindo o transporte
escolar;
-Comunicacional: transpõe obstáculos em todos os âmbitos da
comunicação, consi­derada nas suas diferentes formas (fala­da,
escrita, gestual, língua de sinais, digi­tal, entre outras);
-Metodológica: facilita o acesso ao conteúdo programático
oferecido pelas escolas, am­pliando estratégias para ações na
comuni­dade e na família, favorecendo a inclusão;
-Instrumental: possibilita a acessibilidade em todos os instru-
mentos, utensílios e equi­pamentos, utilizados na escola, nas
ativi­dades de vida diária, no lazer e recreação;
-Programática: combate o preconceito e a discriminação em
todas as normas, pro­gramas, legislação em geral que impeçam
o acesso a todos os recursos oferecidos pela sociedade, pro-
movendo a inclusão e a equiparação de oportunidade;
-Atitudinal: extingue todos os tipos de ati­tudes preconceitu-
osas que impeçam o pleno desenvolvimento das potencia­
lidades da pessoa com deficiência. (Comitê de Ajudas Técnicas,
Corde/SEDH/PR, 2007).

As acessibilidades instrumentais e comunicacionais são as que


mais afetam a pessoa com surdez no seu acesso ao conhecimento. A
comunicação mediada é prioridade para seu aprendizado. Essa media-
ção acontece por meio da interação entre pessoas, ou de recursos que
viabilize sua acessibilidade nos contextos social, escolar e familiar que
está inserido.
Dentro dessa compreensão, entendo que os recursos da TA po-
dem proporcionar à pessoa com deficiência uma vida mais autônoma,
sendo mediadora da inserção da pessoa com deficiência na sociedade.
No que diz respeito à inclusão na web, é importante que se entenda
outro conceito que complementa e orienta como promover essa aces-
sibilidade: a usabilidade.
Conforme a cartilha de usabilidade produzida pelo Portal do Proje-
to Padrões Brasil e-gov, para promover a usabilidade (segundo norma
206 | REDES SOCIAIS DIGITAIS

da International Organization for Standardization (ISO, Nº 9241-11),


Guidance on usability (1998), é a capacidade de um produto ser uti-
lizado por indivíduos em busca de atingir objetivos específicos com
eficácia, eficiência e satisfação), o ponto de partida é pensar na neces-
sidade do usuário, ou seja, cada pessoa que utiliza o objeto, que são as
páginas da web, por meio de uma interface, para acessar informações e
serviços disponibilizados eletronicamente. Então, a interface é o meio
pelo qual a pessoa intervém, dialoga ou modifica o site. E essa interface
deve estar acessível para que diferentes usuários, com diferentes valo-
res, cultura e nível de escolaridade possam utilizar o sistema.
Para desenvolver os ambientes virtuais sob o princípio da usabi-
lidade, para a pessoa com surdez, é necessário ter em perspectiva al-
guns parâmetros, como:
Universalidade da linguagem; - pedagogia bilíngue; - linguagem
contendo imagens gráficas; - vídeos com legendas e Língua de Sinais
juntamente com os conteúdos textuais escritos; - navegabilidade; -
layout de tela; - carga cognitiva, que consiste em um conjunto universal
de princípios que norteiam o desenvolvimento e customização de am-
bientes virtuais potencializadores do processo de cognição humana,
tendo como principal objetivo simplificar e facilitar a usabilidade do
sistema, viabilizando a interação humana com a tecnologia. - legibili-
dade; - clareza; - rastreabilidade; - interatividade e afetividade; - nível
alto de iconicidade; - ferramentas síncronas, como webconferências e
chats e ferramentas assíncronas, como fóruns e envio de e-mails. Se
realmente aos ambientes virtuais forem pensados observando esses
parâmetros, poderão promover muito mais do que o acesso à informa-
ção, permitirão a aprendizagem em rede.
Para as pessoas com deficiência auditiva ou surdez, foram desen-
volvidos ou estão em fase de desenvolvimento, alguns softwares que
possibilitam a comunicação e a inclusão em um ambiente digital.
Abaixo, listamos algumas tecnologias digitais que tem como pro-
posta garantir a acessibilidade comunicacional para o sujeito surdo:
Soraya C. P. de Meneses | Ronaldo N. Linhares | Andrea C. Versuti | Rita de Cácia S. Souza | 207

Tradutores eletrônicos de libras


Software Player Rybená - Um programa tradutor de Libras, uma
tecnologia desenvolvida pelo Centro de Tecnologia de Software (CTS)
e Java Users Group no Programa Javas-Brasilia (DFJUG), que objetiva
criar mecanismos para que as pessoas surdas possam interagir com as
pessoas em contextos diferenciados.

Figura 01. Software Player Rybená


Fonte: http://www.senado.gov.br/portaldoservidor/jornal
/jornal69/senado_rybena.aspx

Software ProDeaf - aplicativo lançado pela empresa pernambuca-


na de mesmo nome que faz a tradução para Libras de textos e áudios
em português, em tempo real. O aplicativo é gratuito e tem 1.200 sinais
em Libras, mas pode receber novas informações do próprio usuário.
Tem um editor que cadastra novos sinais.

Figura 02. Software ProDeaf


Fonte: blogs.estadao.com.br/vencer-limites/aplicativo-traduz-textos-e-audios-em-
-portugues-para-libras/
208 | REDES SOCIAIS DIGITAIS

DVDs interativos
Aulas temáticas - Este programa destina-se ao ensino de pala-
vras em Libras. Não envolve palavras da língua portuguesa. Abrange
diversos temas como: frutas, profissões, animais, cidade,  utensílios
domésticos, cores, verbos, família dentre outros. Não utiliza anima-
ções 2D, que podem demonstrar sinais distorcidos.

Figura 03. DVD interativo Aulas temáticas 


Fonte: http://www.dicionariolibras.com.br/

Jogos de Bingo  - Todos os temas em Libras com legenda em cin-


co línguas (port./ingles/Frances/italiano/espanhol) e SignWrite.  As
ilustrações, a legenda e a relação das palavras sorteadas podem ou não
ficar ocultas, conforme a conveniência do momento. Nos quadradinhos
das cartelas, há os desenhos correspondentes ao sinal Libras.. 

Figura 04. DVD interativo Jogos de bingo 


Fonte: http://www.dicionariolibras.com.br/
Soraya C. P. de Meneses | Ronaldo N. Linhares | Andrea C. Versuti | Rita de Cácia S. Souza | 209

Redes sociais digitais


Plataformas acessíveis e interfaces visuais - conjunto de ferramen-
tas que oportunizam ao homem contemporâneo uma efetiva partici-
pação em espaços sociocognitivos visando à modelagem de tempos e
espaços digitais maleáveis e ajustáveis às necessidades dos indivíduos.

Figura 05 - Plataformas acessíveis e interfaces visuais


Fonte:http://www.agenciabamboo.com.br/blog/redes-sociais/
facebook-e-rede-mais-concentra-publicidade-brasil

Legendas tipo close caption offline e on line


Closed Caption - legenda oculta foi concebida para permitir aos
surdos e pessoas com dificuldades auditivas o acesso a programas, co-
merciais e filmes veiculados na televisão e em vídeo. A legenda oculta
funciona como o áudio do programa e através dela são passadas as
informações literais e não literais. 

Figura 06 - Closed Caption


Fonte: http://www.stncaption.com.br/closed-caption-online.php
210 | REDES SOCIAIS DIGITAIS

Janela em língua de sinais:


Tecnologias de produção de vídeos com conteúdos em libras que
podem ser disponibilizados em livros eletrônicos, cursos e em sítios
eletrônicos na internet.

Figura 07- Janela em língua de sinais


Fonte http://www.tce.ms.gov.br/portal/lista_noticias/detalhes/192773

Dicionário de libras
 Você escolhe uma palavra e procura pela inicial o seu significado,
a demonstração em vídeo, exemplos de uso dessa palavra, a classe gra-
matical e o sinal feito com a mão. 

Figura 08 – Dicionário de libras


Fonte: http://coisasquegosto.com/2008/03/09/
lingua-brasileira-de-sinais-libras-online/

Dispositivos portáteis multimídias (PDAs)


Equipados para reproduzirem vídeos com conteúdos em língua de
sinais e legendas disponíveis.
Soraya C. P. de Meneses | Ronaldo N. Linhares | Andrea C. Versuti | Rita de Cácia S. Souza | 211

Figura 09 - Dispositivos portáteis multimídias (PDAs)


Fonte: http://pontocomteudo.com/2011/01/04/
sistemas-operacionais-moveis-quais-as-diferencas-entre-eles/

Óculos legenda para surdos


São óculos especiais, desenvolvidos pela Sony, nos quais é possível ler
diretamente as legendas, podendo ser usados tanto para ver filmes 2D
como 3D. Foi utilizada uma tecnologia holográfica única que resulta em
legendas “brilhantes, claras e fáceis de ler” e que parecem “flutuar” nas
lentes, sendo estas transmitidas através de um rádio colocado no servidor
digital do cinema. Os utilizadores podem escolher seis idiomas diferentes,
dependendo das que estiverem disponíveis no próprio cinema.

Figura 10 - Óculos legenda para surdos


Fonte:http://www.pontosdevista.com.pt/index.php?option=com_content&view=ar
ticle&id=3585:oculos-inovadores-com-legendas-para-surdos&catid=65:tecnologia-
-internacional&Itemid=98.em 17/01/2013

Luva que converte Libras em som para facilitar comunicação


Desenvolvida por três estudantes ucranianos, ainda é um protó-
tipo, a luva tem 15 sensores de flexão, um giroscópio e um acelerôme-
212 | REDES SOCIAIS DIGITAIS

tro, e é capaz de “ler” os sinais feitos pela mão que a usa e convertê-los
em sons, facilitando a comunicação das pessoas com deficiência audi-
tiva com aqueles que não sabem Libras.

Figura 11 - Luva que converte Libras em som


Fonte:http://vidamaislivre.com.br/noticias/noticia.php?id=5888&%2Fluva_conver-
te_libras_em_som_para_facilitar_comunicacao. Em 02/02/2012.

Percebemos então que existem várias opções de tecnologias digi-


tais, que podem ser utilizados na educação como recursos pedagógi-
cos para favorecer a aprendizagem, e a tecnologia assistiva é voltada
especificamente para viabilizar essa acessibilidade. O desafio então é
disseminar e compartilhar o conhecimento e utilização dessa tecnolo-
gia, que permite explorar novas formas comunicacionais que surgem
por meio do desenvolvimento tecnológico, e possibilita a formação de
grupos sociais reunidos graças às possibilidades comunicacionais pro-
porcionadas, gerando interação e socialização.
A seguir fazemos uma descrição das redes sociais digitais e apre-
sentamos alguns dados do facebook no Brasil e em Sergipe que podem
nos situar sobre a importância dessa rede atualmente como espaço de
socialização.
Ana Paula Andrade de Melo | Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos | 213

3 REDES SOCIAIS DIGITAIS: ESPAÇOS VIRTUAIS DE SOCIALIZAÇÃO

A internet por meio de seus ambientes e ferramentas propicia im-


portantes espaços de relações sociais, que é a característica mais con-
tundente da sociedade influenciada pela tecnologia. Estes espaços são
definidos como sites de redes sociais digitais, a exemplo do Facebook,
que está se tornando importante espaço de organização e mobilização
social com mais de 60 milhões de usuários no Brasil.
A rede social digital configura-se como uma estrutura social onde
tanto pessoas quanto organizações podem se conectar a partir de di-
versas formas de relações, valores e/ou objetivos. Capra (2008), afir-
ma que essas relações não tem um limite físico, mas um limite de ex-
pectativas, de confiança e lealdade e é permanentemente mantido e
renegociado pela rede de comunicações. Ou seja, para que o usuário
dessas redes possa aderir a uma determinada conexão, necessita com-
partilhar, identificar um objetivo, valor ou conhecimento. Os limites
das redes não são limites de separação, mas limites de identidade.
Pensando a educação como processo permanente de aprendiza-
gem, consideramos que os sistemas educacionais não podem descar-
tar nenhuma das interfaces que a era digital nos oferece. Entende-
mos então, que as redes sociais digitais podem ser de muita ajuda
para esse sistema. Os espaços virtuais podem ser um ambiente de
construção de identidade quando possibilitam criar e desenvolver
um conjunto de marcas identitárias onde se é utilizado uma lingua-
gem própria, uma construção de normas e regras sociais, entre mui-
tos outros aspectos.

3.1 Histórico e caracterização da rede social facebook

O Facebook (FB) é uma rede social que foi lançada no ano de 2004,
por Mark Zuckerberg, tendo como objetivo principal criar uma rápida
comunicação entre os estudantes da Harvard que estavam cadastrados
no sistema. Porém, o crescimento do Facebook fez com que os cria-
dores expandissem o acesso para outras universidades americanas, a
214 | ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA A PESSOA COM SURDEZ

partir daí, a rede social não parou de crescer e hoje conta com aproxi-
madamente 800 milhões de usuários cadastrados.
A posição do FB é de que as pessoas desejam compartilhar mais,
e que a empresa está fornecendo a plataforma de que precisam para
isso. O executivo-chefe Mark Zuckerberg afirmou, em um post no blog
da empresa: “Nós facilitamos as coisas para que as pessoas se sintam
confortáveis ao compartilhar coisas sobre suas vidas reais”.
Como empresa de capital fechado cujo foco é criar tecnologia, ado-
tou a postura de que, quanto mais serviços oferecer, mais atrairá usu-
ários. Quanto mais tempo as pessoas passarem em seu site e quanto
mais informações compartilharem sobre si mesmas, mais fácil será
para as empresas em direcionar sua publicidade. Quanto mais usuá-
rios o Facebook atrair, mais pessoas verão os anúncios, e maior será o
faturamento publicitário.
Baseados nas informações obtidas no site www.ufsm.br/rede-
vistadireito, o Facebook afirma que, ao desenvolver anúncios dire-
cionados, não compartilha dados dos usuários com os anunciantes. Os
endereços de e-mail e nomes de anunciantes são codificados e depois
analisados de forma anônima. Os usuários podem optar por não rece-
ber anúncios de determinadas marcas em suas páginas, e podem optar
por não receber quaisquer mensagens direcionadas recorrendo aos
sites das empresas parceiras no programa de publicidade direcionada.
A compilação dos dados coletados cria um perfil do usuário, para
os quais são enviadas as propagandas exploradas pelas redes sociais.
Ou seja, as informações são utilizadas como “moeda de troca” por par-
te da rede social que oferta a informação dos usuários para empresas,
com interesse em divulgar seus serviços/produtos e as mesmas dire-
cionam sua publicidade pelo site com o uso das informações presta-
das pelos usuários. Dessa forma estas empresas conseguem ofertar ao
mercado de publicidade um serviço diferenciado trazendo para si o
lucro. Agora trago alguns dados estatísticos sobre o Facebook no Brasil
e em Sergipe.
Ana Paula Andrade de Melo | Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos | 215

3.1.1 Dados do facebook no Brasil

As estatísticas do mês de abril de 2013 mostram que redes so-


ciais Facebook a penetração no Brasil é 83,98% em comparação com a po-
pulação do país e 61,02% em relação ao número de usuários da Inter-
net. O número total de usuários FB no Brasil está chegando a 66.522.420 e
cresceu mais de 15.886.460 nos últimos seis meses.

Quadro 06: demonstrativo de usuários do Facebook no Brasil


Total de usuários do Facebook 66.552.420
Posição na lista 2º
Penetração da população 33,09%
Penetração da população on-line 83,98 %

Fonte: http://www.socialbakers.com/facebook-statistics/brazil. Disponível em


04/04/2013.

O atrativo dessa rede é que além da tradicional busca por amigos


através do nome e e-mail, o Facebook tem um sistema que ajuda a pro-
curar quais dos seus contatos da lista de e-mail já estão na rede social,
ou seja, seus contatos do e-mail que têm conta no Facebook aparece-
rão em uma lista como pessoas a serem adicionadas. Esse filtro facilita
o processo de busca e ajuda os usuários a encontrarem amizades que
há muito tempo não entravam em contato. Além das inúmeras ferra-
mentas disponíveis como exibição de perfil, postagem de fotos e víde-
os, divulgação de eventos, o Facebook ainda possui uma estratégia que
permite anúncios de produtos no site de relacionamento.
Destaco algumas ferramentas disponíveis no Facebook com a des-
crição de uso:

Feed de Notícias
No Feed de Notícias é possível acompanhar as atualizações de cada
um dos seus amigos da rede social.
216 | ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA A PESSOA COM SURDEZ

Mensagens
A “página de recados” do Facebook. A opção se desdobra em Atua-
lizações e Enviadas. Na primeira, é possível acompanhar as respostas
dos seus amigos, e a segunda, permite listar todas as mensagens já en-
viadas por você. Ao clicar numa mensagem qualquer, é possível carre-
gar uma nova interface, com a conversa na íntegra, com suas mensa-
gens e as do contato exibidas em ordem.

Eventos
Evento desdobra-se em outras opções: Eventos de amigos, Aniver-
sários e Eventos anteriores.

Amigos
Na opção Amigos, além de visualizar todos os amigos do seu Perfil,
você pode informar outros endereços de e-mail válidos, para que o sis-
tema procure por novos possíveis amigos. Adicionalmente o Facebook
lista uma série de pessoas com interesses semelhantes ou que tenham
amigos em comum com você. Adicioná-los ou não é uma escolha sua.

Fotos
É a área onde os álbuns de todos os seus amigos ficam disponíveis
para apreciação. Em Álbuns recentes podemos ver aqueles que rece-
beram aquisições nos últimos dias. Exibidos em ordem de atualização,
permitem que você deixe comentário nas imagens que mais gostou. Há
também a categoria Vídeos, com arquivos multimídia gravados pelos
próprios contatos, ou encontrados pela rede.

Links
Podem ser postados links de quaisquer sites, além de poder com-
partilhar com seus contatos.

Grupos
Podem ser criados por você para reunir os amigos ou interessados
em algum assunto, por exemplo.
Ana Paula Andrade de Melo | Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos | 217

Jogos
Uma lista das pessoas que fazem uso dos chamados Social Games
está em destaque, com os jogos destacados em azul e link direto para
os mesmos. 

3.1.2 Dados do facebook em Sergipe: Considerações finais

Segundo dados do site: http://www.slideshare.net/teaserpro-


paganda/facebook-sergipe-dadoscompletos, Sergipe é o terceiro
Estado do Nordeste com maior penetração on- line. Os municípios
que mais se destacam são: Aracaju, com 29.2 %, seguido de Itabaiana
(8,8%), Poço Verde (7.5%) e Carmópolis (6.5%).
Podemos observar mais adiante alguns dados relevantes sobre os
usuários do Facebook em Sergipe.

Quadro 07: demonstrativo de usuários do Facebook em Sergipe

Total de usuários do Facebook 330,260


Posição na lista 3º do Nordeste
Penetração da população 10.5%
Número de habitantes 930.083%
Fonte: http://www.slideshare.net/teaserpropaganda/facebook-sergipe-dadoscomple-
tos acesso em 13/0492013.

Quanto à participação dos sujeitos surdos no Facebook, não existe


dados específicos que nos apoiem, eles estão inclusos nesse ambien-
te, utilizando as redes sociais digitais, já que as mesmas criam novas
formas de relacionamento, conhecimento e aprendizagem, mesmo que
enfrentando o desafio da linguagem.
Como já falamos anteriormente é possível definir redes sociais
como um espaço virtual onde existem relações em todos os âmbitos,
entre os usuários que compartilham de quaisquer interesses em co-
mum. Nessa compreensão, percebemos que é necessário conhecer
mais profundamente como se dá a interação dos sujeitos surdos nas
redes sociais digitais, mais especificamente na rede social Facebook,
mas podemos verificar que este pode ser um ambiente acessível lin-
guisticamente para esse grupo de usuários.
218 | ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA A PESSOA COM SURDEZ

Finalizando, com o apoio de Vigotsky (1991, p.44) quando fala que


“O desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem,
isto é, pelos instrumentos linguísticos do pensamento e pela experi-
ência sociocultural da criança”, analisamos que o processo de inclusão
social por meio das redes sociais digitais, permite sua inclusão digital e
é um aliado no acesso e na construção da escrita da língua portuguesa,
promovendo o desenvolvimento da comunicação do sujeito surdo com
os ouvintes, proporcionando a expansão do seu vocabulário e compre-
ensão do significado das informações.

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­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­__________. Ministério da Educação. Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de


2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências.

__________. Ministério de Educação. Decreto 5296/2004, sobre a acessibi-


lidade, Brasília, 2004.

_________. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Lo-


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_______. Lei 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais


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Queila. O Tempo Das Redes. Editora Perspectiva S/A, 2008. P. 21/23.

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de em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura, v. 1. São
Paulo: Paz e Terra, 1999.
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mento e aprendizagem. São paulo: Ícone, 1998.
Enio Gomes Araujo | 221

Capítulo 11 | WEBSITE LIBRAS MATEMÁTICA

Enio Gomes Araujo

Os surdos, sempre e em toda parte, foram vistos como “deficien-


tes” ou “inferiores”? Terão sempre sido alvo, deverão sempre
ser alvo de discriminação e isolamento? É possível imaginar sua
situação de outro modo? Que bom seria se houvesse um mundo
onde ser surdo não importasse e no qual todos os surdos pu-
dessem desfrutar uma total satisfação e integração! Um mundo
no qual eles nem mesmo fossem vistos como “deficientes” ou
“surdos” (SACKS, 2010, p. 38).

Esta produção surgiu da necessidade de promover, através desta


coletânea, mais um meio de fomento para que as pessoas saibam de
produções acadêmicas que versam sobre o ensino de matemática para
surdo. Instigado a diminuir os entraves que dificultam o ensino e a
aprendizagem de matemática para alunos surdos, mobilizo-me diante
das angústias que permeiam o ensino para que possamos vencer al-
guns obstáculos. Espera-se que, através destas ações, haja uma contri-
buição na melhoria da qualidade de ensino-aprendizagem.
Diante das minhas dificuldades para ensinar matemática a sur-
dos, venho pesquisando e buscando, de alguma forma, poder con-
tribuir com a temática. A dificuldade para esse tipo de ensino inicia-
-se com a falta do conhecimento da Libras, assim como as poucas
pesquisas que versam sobre a área dos sinais utilizados para repre-
sentação dos conceitos/notações matemáticos. “Os sinais gráficos
são símbolos abstratos para quem nunca ouviu os sons e entona-
ções que eles representam. É uma linguagem silenciosa (QUADROS,
1997, p. 98)”.
222 | WEBSITE LIBRAS MATEMÁTICA

Assim, um projeto desenvolvido através da pró-reitoria de pesqui-


sa e extensão – PROPEX – no Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia de Sergipe – IFS, intitulado “Matemática em Libras: um
campo em construção”, juntamente com dois alunos do curso Integra-
do em Informática, também do IFS, iniciou-se a produção de um we-
bsite para facilitar o ensino-aprendizagem de sinais matemáticos em
Libras. Ainda em fase de construção, espera-se que possamos provocar
transformações para uma melhoria da qualidade do ensino/aprendi-
zagem de matemática a alunos surdos.

A PROPEX e o PIBITE

O IFS, instituição centenária no estado de Sergipe na formação de


profissionais na área de tecnologia, atualmente com cursos superiores,
vem despontando com seu crescimento rápido em produções acadê-
micas de pesquisa e extensão através de ações da PROPEX. Esta pró-
-reitoria tem como atribuição:
- Estabelecer políticas e diretrizes relativas às ações de Pesquisa,
Extensão e de Inovação Tecnológica no IFS/SE, em consonância
com o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), as quais de-
vem ser submetidas à aprovação pelo Conselho Superior;
- Fomentar, acompanhar, articular e divulgar as atividades de pes-
quisa e extensão no IFS/SE;
- Estabelecer critérios para alocação de recursos destinados às
atividades de pesquisa e extensão da instituição.

O projeto, diante das suas características peculiares, foi submetido ao


edital do programa institucional de bolsas de iniciação em desenvolvimento
tecnológico e inovação - PIBITI e tem como objetivos principais o de estimu-
lar os professores do IFS a envolverem alunos dos níveis técnico e superior
nas suas atividades de pesquisa em desenvolvimento tecnológico e inova-
ção, e proporcionar aos alunos a aprendizagem de métodos de pesquisa na
área. O programa dá direito a uma bolsa para o professor e outra para o alu-
no, além de mais uma taxa de bancada para o auxílio de compra de material.
Pode ainda contar com a participação de mais um aluno bolsista voluntário.
Enio Gomes Araujo | 223

1. Ensino-Aprendizagem para Surdos

O ensino de matemática para alunos surdos1 passa por adaptações


porque, em parte, estamos ainda aprendendo a lidar com uma nova re-
alidade do ensino inclusivo. Este desafio tem estimulado o crescimen-
to de um novo campo de pesquisa na área de Educação Matemática,
que é a “Educação Matemática Inclusiva”.

Este novo campo que se constrói tem como objetivo facilitar o


acesso das pessoas com deficiência aos saberes matemáticos.
Não estamos prontos, estamos sempre em fase de aprendiza-
gem. Se nos depararmos com alunos com deficiência, somos pe-
gos de surpresa com dúvidas sobre o que fazer. Qual o fazer do-
cente nesta condição incomum? É neste momento que, movido
pelas angústias, o professor deve e tem obrigação de fazer com
que o outro aprenda. Aí surgem as ideias de como fazer, criar,
montar e adaptar para que o aluno, na condição de deficiência,
aprenda. Isto que é estar imerso no campo da Educação Mate-
mática Inclusiva. É envolver-se, é entender o outro como sujeito
humano interessado pelo saber, é entender as suas limitações e
propiciar adaptações para o acesso (ARAUJO, 2011, p. 21).

Para caminhar na direção de uma Educação Matemática mais in-


clusiva, é necessário que conheçamos nossos alunos e sua identidade
cultural.

Sabemos que todo grupo de pessoas, seja étnico, familiar, esco-


lar, religioso ou empresarial, possui valores, expectativas, pre-
ferências, objetivos e linguagens que caracterizam, mas que se
alteram no tempo e no espaço. Sabemos, também, que o ensino


1
O termo “surdo” é vago, ou melhor, é tão abrangente que nos impede de levar em
conta os graus de surdez imensamente variados, graus que têm uma importância
qualitativa e mesmo “existencial” (SACKS, 2010, p. 17)
224 | WEBSITE LIBRAS MATEMÁTICA

da matemática, para ser proveitoso ao aluno, precisa estar vin-


culado à realidade na qual está inserido o aluno. Para tanto, o
ensino da matemática precisa ser planejado e ministrado tendo
o complexo contexto de identificação de seus alunos, conside-
rando e respeitando a cultura deles, bem como suas aspirações,
necessidades e possibilidades. Pode parecer demais para algum
professor de matemática que, além de conhecer o conteúdo a
ser ensinado e a melhor didática para ensiná-lo, ele tenha tam-
bém de conhecer a identidade cultural do meio em que leciona
(LORENZATO, 2008, p. 21).

Todos têm direito à educação; e desta forma qualquer um, inde-


pendentemente da sua condição financeira, religiosa, étnica ou de de-
ficiência, deve ter a sua condição de acesso a esse direito. Os surdos
ainda sofrem exclusão dentro da escola. Desta forma urge tomarmos
medidas para não eliminarmos, já que seria muita pretensão, mas ini-
ciar um processo de conscientização das pessoas quanto à inclusão
dos surdos no ensino regular.
Na experiência de ter ministrado a disciplina de Estágio Supervi-
sionado, nas visitas que faço aos meus alunos em escolas públicas, já
que estas são as mais procuradas para vivenciar suas experiências, te-
nho visto exclusão por parte do governo em não colocar intérprete2
em sala de aula, e também por parte dos ouvintes que excluem o surdo
dentro da própria sala.
Até quando isto vai continuar? Só porque usam a Libras e estão
dentro do mundo dos ouvintes, os surdos não podem ser excluídos por
se comunicar de forma diferente. “Um ser humano não é desprovido
de mente ou mentalmente deficiente sem uma língua, porém está gra-
vemente restrito no alcance de seus pensamentos, confinado, de fato, a
um mundo imediato, pequeno” (SACKS, 2010, p. 44).

O intérprete tem tido uma importância valiosa nas interações entre surdos e
2

ouvintes. Na maioria dos casos, os intérpretes têm contato com a língua de sinais a
partir dos laços familiares e da convivência social, vizinhos e amigos surdos (ocor-
rendo geralmente em espaços escolares e religiosos) (GESSER, 2009, p. 47).
Enio Gomes Araujo | 225

Diante de algumas angústias no ensino de matemática para sur-


dos quanto aos sinais a serem utilizados ou à sua falta, acredito muito
acontecer também no trabalho com outras disciplinas. Desta forma,
deparo-me com alguns questionamentos e busco responder a estes.
O surdo numa sala de aula de ouvintes, usando a empatia, é como
se ele estivesse numa sala de aula em outro país. Se os outros alunos
não souberem a língua de sinais, a Libras, não haverá comunicação,
interação, diálogo. Desta forma, a exclusão começa na própria sala de
aula; ou seja, fica comprometida a socialização em sala de aula, e as-
sim os trabalhos que devem ser desenvolvidos de forma coletiva não
acontecem. Com a comunicação restrita, a interação dos alunos, que
é de fundamental importância para a aprendizagem, constitui-se um
empecilho também para os professores.
Quanto ao professor, se ele também não souber a Libras, dificultará as
suas atividades em sala de aula e consequentemente seus objetivos não
serão alcançados com o aluno surdo. Quanto ao aluno surdo sujeito a essa
condições indesejáveis em sala de aula, pode apenas fazer reprodução do
que estiver escrito no quadro sem necessariamente ocorrer a aprendiza-
gem. “Reprodução” e “imitação” não significam essencialmente aprendi-
zagem. Se em determinado momento houver alguma ação por parte do
professor diferente do exposto nas suas aulas, o surdo não entenderá.
Diante do exposto, analisamos também outra condição peculiar:
na eventualidade de existir um intérprete na sala de aula para o surdo,
pode existir a possibilidade de o intérprete não saber matemática e
traduzir de forma fiel o português escrito para o surdo. Vejamos: se o
intérprete não souber pelo menos o conteúdo de matemática ensina-
do, há um risco de que ele não contribua para a compreensão/apren-
dizagem do surdo. Analisemos a seguinte condição em que um profes-
sor está ensinando Matemática Financeira para uma sala em que há
um aluno surdo e um intérprete. Vale salientar que o intérprete, nessa
condição para o surdo, exerce um papel de fundamental importância,
pois ele é o meio de transmissão do conhecimento ensinado pelo pro-
fessor. Supomos que, numa aula de Matemática Financeira o intérpre-
te não saiba o que é “Capital Inicial” para uma operação financeira. O
intérprete usará dois símbolos que deixarão confuso o entendimento
226 | WEBSITE LIBRAS MATEMÁTICA

da questão pelo surdo. Poderá usar o sinal “Capital”, que para o surdo
pode ser compreendido como o termo “cidade”, e “Iniciar”, que o surdo
pode interpretar como “Começar”. O surdo interpretará: “Cidade co-
meçar”! Não terá nenhum sentido para a compreensão da matemática.
Assim, Quadros (1997, p. 33) afirma que “de fato, é muito complicado
pensar em educação de surdos sem sequer ter como prioridade o do-
mínio da língua de sinais. Estende-se essa dificuldade a todos os pro-
fissionais que atuam diretamente na área da surdez”.
É interessante também, e necessário para a aprendizagem do sur-
do, que ele tenha a sua língua primeira, a Libras3, de forma fluente. “É
óbvio que a linguagem é pré-requisito para se construir um processo
educacional e, talvez, por essa razão, os profissionais continuem discu-
tindo sobre língua de sinais e línguas orais (QUADROS, 1997, p. 110)”.

Em primeiro lugar, as línguas de sinais apresentam-se numa mo-


dalidade diferente das línguas orais; são línguas espaço-visuais, ou
seja, a realização dessas línguas não é estabelecida através dos ca-
nais oral-auditivos, mas através da visão e da utilização do espaço
(Figura 1). A diferença na modalidade determina o uso de mecanis-
mos sintáticos especialmente diferentes dos utilizados nas línguas
orais. As línguas de sinais são sistemas linguísticos independentes
dos sistemas das línguas orais, desmistificando a concepção de que
as línguas de sinais derivam da comunicação gestual espontânea
dos ouvintes. São línguas naturais que se desenvolvem no meio em
que vive a comunidade surda. As pessoas surdas de uma determi-
nada região encontram-se e comunicam-se através de uma língua
de sinais de forma análoga a qualquer outro grupo sócio-cultural
que utiliza uma língua (QUADROS, 1997, p. 46).


3
A Libras é adquirida pelos surdos brasileiros de forma natural mediante contato
com sinalizadores, sem ser ensinada, consequentemente [...] e deve ser sua primei-
ra língua. A aquisição dessa língua precisa ser assegurada para realizar um trabalho
sistemático com a L2, considerando a realidade do ensino formal. A necessidade
formal do ensino da língua portuguesa evidencia que essa língua é, por excelência,
uma segunda língua para a pessoa surda (QUADROS, 1997, p. 84).
Enio Gomes Araujo | 227

Figura 1
Fonte: http://www.libras.ufsc.br

Dessa forma, analisando as condições que permeiam o ensino de


matemática para surdos, procura-se, através desse projeto, buscar me-
lhorias para que pelo menos possamos diminuir os entraves referentes
às questões desse tipo de ensino.
Existe uma imensa abertura, um abismo que separa o ensino da
aprendizagem matemática pelo aluno surdo. Por um lado, há um ensi-
no tradicional permeado ainda de um conservadorismo encrostado na
docência, algo que precisa ser mudado. Não estamos mais vivendo em
um mundo estático, parado, inerte em transformações educacionais. É
necessário que os profissionais da educação se mobilizem para aden-
trar em um mundo de novas exigências, carente de adaptações, envol-
vido na tecnologia. Por outro lado, há uma aprendizagem que está blo-
queada pela falta de comunicação, de interação, de envolvimento para
a fluência na aprendizagem matemática. Esta fluência está intimamen-
te ligada à comunicação em Libras. Ela é a ponte para facilitar e co-
nectar um a outro, tanto em nível de conhecimento quanto em relação
pessoal. A relação pessoal dá fluência à aprendizagem através de uma
relação envolvida por afetividade; uma afetividade que é permeada de
uma sensibilização do conhecimento do outro como um sujeito, um ser
humano, uma pessoa igual na diferença.
228 | WEBSITE LIBRAS MATEMÁTICA

2. O projeto

O projeto, intitulado “Matemática em Libras: um campo em cons-


trução”, desenvolveu-se como a minha participação como coordena-
dor, exercendo, de forma paralela, minhas atividades como professor-
-pesquisador, que

[...] configura-se como uma opção profissional. Opção essa que


exige do investigador envolvimento, tempo para dedicar-se a
esse tipo de empreendimento, paixão, investimento intelectu-
al e emocional e, além disso, muita disciplina e cuidado na co-
leta e tratamento de informações (FIOTENTINI, 2007, p. 77).

Participam também do projeto dois alunos do curso Integrado em


Informática do IFS. Foram escolhidos alunos do curso de informática
pelo fato de estes terem o conhecimento da linguagem de programa-
ção HTML4, uma linguagem básica e essencial para o desenvolvimento
do projeto na construção do website.
Como os alunos ainda não tinham as informações necessárias para
a produção do “Website”, foram feitas reuniões iniciais para que eles
se apropriassem de informações sobre a comunidade surda, como se
ensina aos surdos e também conhecer as dificuldades do processo. Foi
informado para os alunos qual seria o objetivo do website e que este
auxiliaria alunos e professores, surdos ou não, a aprender os sinais de
matemática e Libras; ou seja, esse website seria uma ferramenta de
trabalho, mais um “material didático” que, conforme diz Lorenzato
(2009, p. 18), “[...] é qualquer instrumento útil ao processo de ensino-
-aprendizagem [...]”. Seu uso era para que alunos e professores, me-
diante algum conteúdo da matemática, pudessem consultar qual o si-
nal em Libras a ser utilizado. A título de exemplo, se em uma sala de


4
HTML (abreviação para a expressão inglesa Hyper Text Markup Language, que sig-
nifica Linguagem de Marcação de Hipertexto). É uma linguagem de marcação uti-
lizada para produzir páginas na Web. Documentos HTML podem ser interpretados
por navegadores.
Enio Gomes Araujo | 229

aula estivesse sendo ensinado o conteúdo de adição, qual seria o sinal


utilizado para tal?
Inicialmente, os trabalhos foram desenvolvidos tendo como base,
ou referência, o dicionário Acesso Libras disponível na internet (Fi-
gura 2).

Figura 2: Dicionário Acesso Libras


Fonte: http://www.acessobrasil.org.br/libras

Qualquer pessoa, ouvinte ou surdo, pode acessar esse dicionário li-


vremente na internet, saber os sinais específicos da Libras e visualizá-
-los em pequenos vídeos. De forma similar, a intenção do projeto era
que surdos ou ouvintes, aluno ou professor, soubessem os sinais dos
conceitos e símbolos da matemática como no dicionário. A princípio,
o website foi desenvolvido obedecendo a esses critérios. Mas com o
andar do projeto, percebeu-se a necessidade de se fazer algumas mo-
dificações por apresentar problemas de acessibilidade.

Atualmente ouve-se falar muito em padrões web e acessibili-


dade entre os desenvolvedores de sites. Entretanto, o enten-
230 | WEBSITE LIBRAS MATEMÁTICA

dimento que cada um trás [sic] desses conceitos é diverso e


muitas vezes indefinido.
Os Padrões web sempre estão associados ao código da página
web e às recomendações do W3C especificadas para ele. Para
podermos desenvolver um site genuinamente de boa quali-
dade e preparado para receber o extra de acessibilidade, os
padrões desenvolvidos em seu código devem abranger os se-
guintes itens:
Código html/xhtml e CSS válidos;
Separação em camadas: conteúdo, apresentação e comporta-
mento.
Código (X) HTML semântico.
Para demonstrar a importância desses itens dos padrões web
para a acessibilidade de sites, temos de especificar para quem
seja acessibilidade web, conceito culturalmente só associado
ao acesso de pessoas com deficiência visual. Disponível em:
http://www.acessibilidadelegal.com/23-padroes-web.php.
Acesso em 27 de dezembro de 2012).

Notou-se que os sinais dos conteúdos/símbolos matemáticos dis-


tribuídos conforme o dicionário poderiam provocar má interpretação.
Além disso, percebeu-se que algo estava inviabilizando a construção
do website; ou seja, não estávamos pensando como surdos. Se estava
sendo desenvolvido, e mais especificamente para a comunidade surda,
é necessário que pensemos dessa forma. Seria necessário “ausentar-
-nos” da audição.
Por conseguinte, decidiu-se que seria melhor separar por conteú-
dos de ensino do 1º ano do ensino fundamental até o 3º ano do ensino
médio. Percebeu-se também que seria necessário que os sinais de ma-
temática em Libras estivessem dentro de um contexto de ensino. “As
pessoas aprendem a maior parte das palavras que conhecem através
do contexto em que estão inseridas e não por procurarem o significado
das mesmas no dicionário (QUADROS, 1997, p. 97)”.
A intenção do website, mais especificamente, era que se estivesse
sendo ensinado o conteúdo de adição e houvesse um aluno surdo e o
Enio Gomes Araujo | 231

professor, estes poderiam acessar o website e verem o símbolo utiliza-


do com a demonstração de um vídeo em Libras. Ainda, na mesma pá-
gina, teria um exemplo em texto de um problema de matemática com
seus respectivos vídeos em Libras. O fato de ter nessa mesma página
um “problema de matemática” é por acreditarmos na aprendizagem
através da operacionalização dos sinais/simbologia adequados para o
problema.

A resolução de problema é uma habilitação prática como, di-


gamos, é a natação. Adquirimos qualquer habilitação por imi-
tação e prática. Ao tentarmos nadar imitamos o que os outros
fazem com as mãos e os pés para manterem suas cabeças fora
d’água e, afinal, aprendemos a nadar pela prática da natação.
Ao tentarmos resolver problemas, temos de observar e imi-
tar o que fazem as outras pessoas quando resolvem os seus
e, por fim, aprendermos a resolver problemas, resolvendo-os
(POLYA, 2006, p. 4).

Assim, poderemos proporcionar a aprendizagem da simbologia


matemática utilizada para adição, seu sinal correspondente em Libras
e a sua operacionalização na matemática, que também estará em Li-
bras através de um vídeo.
Vale salientar que quanto aos vídeos inseridos no website, a título
de construção deste, foram inseridos vídeos já disponíveis na internet5
sobre sinais matemáticos em Libras. Mas como para a Libras existe a
regionalização, os vídeos poderão ser descartados ou não, para assim
inserir os vídeos correspondentes à nossa região. Como já existe uma
pequena aproximação para uma iniciativa de padronização dos sinais
sergipanos, estes serão coletados/filmados e inseridos no programa
em HTML.

Consultar Glossário de Matemática no site: http://www.youtube.com/watch?v=


5

GoCDQmVuAt4.
232 | WEBSITE LIBRAS MATEMÁTICA

Até a produção deste texto obteve-se como resultado a apresen-


tação a seguir para página inicial do website (figura 3). Este ainda se
apresenta desta forma por estar em fase de construção.

Figura 3: Página inicial do Website


Fonte: Arquivo do grupo

A título de exemplo, se o aluno/professor quiser saber informa-


ções a respeito dos sinais em Libras da matemática para o conteúdo
de “adição”, é só clicar no ícone referente ao 1º ano e logo em seguira
abrir-se-á uma nova página de conteúdos (Figura 4).

Figura 4: Página de conteúdos


Fonte: Arquivo do grupo
Enio Gomes Araujo | 233

Nota-se que nessa página o usuário do website verá as opções de


conteúdo disponíveis para visualização. Essa nova página dará acesso
a uma nova página, que apresentará maiores detalhes sobre: símbolo,
vídeo do sinal em Libras, um problema de matemática em texto, e ao
lado, um vídeo correspondente a esse problema.
Espera-se que dessa forma possamos dar um melhor entendimen-
to para que surdos ou ouvintes possam, através dessa interação com o
website, aprender os sinais específicos de cada notação/conceito ma-
temático, assim como compreender eventuais problemas que façam
uso da matemática. Pretende-se, assim como no dicionário Acesso Li-
bras, dar um sentido aos verbetes e elucidar para o aluno surdo a be-
leza que existe na matemática, de forma contextualizada. Vemos como
de fundamental importância fazer um elo do conhecimento matemá-
tico com o cotidiano do aluno. Acredita-se que possamos estabelecer
uma relação que favoreça a aprendizagem propriamente dita da mate-
mática; a matemática qual fazemos uso em todos os momentos.
Assim, nessa nova página, como já informado, aparecerão o sím-
bolo de “+”, um vídeo em Libras do sinal, um exemplo e seu respectivo
vídeo (Figura 5).

Figura 5: Página com símbolos, exemplos e respectivos vídeos.


Fonte: Arquivo do grupo
234 | WEBSITE LIBRAS MATEMÁTICA

Além dessas informações, o dicionário terá a definição escrita em


português e em Libras para que haja um melhor entendimento do con-
teúdo por parte do aluno surdo. Esta informação se constitui como
uma complementação para o que se pretende demonstrar. Apesar de o
aluno surdo não ter familiaridade com a língua portuguesa, espera-se
dar-lhe todas as chances possíveis para o entendimento.
Assim, dá-se o primeiro passo nessa longa caminhada. Esta traje-
tória essa que pode contribuir para a melhoria da qualidade do ensino
de matemática a surdos e fomentar novas pesquisas.

3. Resultados da Pesquisa

Após várias reuniões e discussões a respeito do ensino de matemá-


tica para surdo, o website já tem a sua produção inicial; não ainda por
completo tendo em vista almejarmos mais informações explicativas de
uso e vídeos explicativos dos sinais matemáticos em Libras. Ele sofrerá
constantes atualizações e inserção de novos vídeos de sinais construí-
dos pela comunidade surda.
Os resultados ainda são incipientes, mas estamos mergulhados em
otimismo para a melhoria da qualidade do website. Espera-se que ele
possa trazer resultados promissores para novas pesquisas e, além dis-
so, contribuir para a melhoria da qualidade do ensino e da aprendiza-
gem para surdos.
Não adianta estarmos desenvolvendo isoladamente ações para a
melhoria da qualidade do ensino; precisamos estar envolvidos com
outras pessoas e outros profissionais que estão envolvidos direta ou
indiretamente com os surdos.

Sabe-se o quanto é difícil compreender como pensam as pes-


soas surdas que são diferentes de nós, mas isso é absoluta-
mente necessário ao profissional que decide trabalhar com
pessoas que não pertencem a sua comunidade linguística e
sócio-cultural. A compreensão do professor do que implica ser
surdo é fator decisivo para a eficiente interação entre profes-
sor e aluno. Esses aspectos devem estar claros para todos os
Enio Gomes Araujo | 235

integrantes da comunidade escolar, ou seja, administradores,


pais, alunos, técnicos, professores, funcionários com outras
funções e demais membros (QUADROS, 1997, p. 119).

Assim, no intuito de provocar transformações para a melhoria da


qualidade do ensino e da aprendizagem de matemática pelo aluno
surdo, buscou-se, através dessas ações, iniciar um processo de cons-
trução de algo que pode ser um passo inicial para o tão almejado
objetivo de qualquer professor; a aprendizagem da sua disciplina.
Salienta-se que para esse processo independe de condição física, cul-
tural, social ou linguística.
Todo educador deve ter em mente que a sua ação em sala de aula
requer forças superiores para dirimir as dificuldades encontradas, in-
dependentemente como elas se mostrem. Elas devem ser propulsoras
para alavancar ideias de melhorias e de superação tanto por parte do
professor, que sempre está em um processo de reflexão quanto à me-
lhor forma de ensinar, como para o aluno que não encontra em um am-
biente familiar a sua primeira língua. Deve existir o esforço por parte
do aluno para conseguir fluência na Libras e na medida do possível,
imergir no conhecimento da língua portuguesa, a sua segunda língua.
Assim, através de esforços conjuntos, poderemos dar sentido ao que
pretendemos, provocando e incitando novas pesquisas nessa área do
conhecimento.

REFERÊNCIAS

ARAUJO, Enio Gomes. Intervenções de um professor de matemática


cego. Aracaju: 2011. 148f. Dissertação do Programa de Pós-graduação
em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Federal de Ser-
gipe, Aracaju, 2011.

FIOTENTINI, Dario; LORENZATO, Sérgio. Investigação em educação


Matemática: percursos teóricos e metodologias. Campinas-SP: Autores
Associados, 2007.

236 | WEBSITE LIBRAS MATEMÁTICA

GESSER, Audrei. LIBRAS? Que língua é essa? Crenças e preconceitos


em torno da Língua de Sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola
Editorial, 2009.

LOREANZATO, Sérgio. O Laboratório de Ensino de Matemática na For-


mação de professores. Campinas-SP: Autores Associados, 2009.

LORENZATO, Sérgio. Para aprender matemática. Campinas-SP: Auto-


res Associados, 2008.

POLYA, George. A arte de resolver problemas. Rio de Janeiro – RJ: Inter-


ciência, 2006.

QUADROS, Ronice Muller de. Educação de Surdos: a aquisição da lin-


guagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.

SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Pau-
lo: Companhia das Letras, 2010.
Ana Paula Andrade de Melo | Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos | 237

Capítulo 12 | ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO


PARA A PESSOA COM SURDEZ
Ana Paula Andrade de Melo
Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos

O s problemas enfrentados pela Educação brasileira são diver-


sos, e os que hoje enfrenta a Educação Especial na Perspectiva
de Educação Inclusiva, são ainda maiores e facilmente reconhecidos
em suas diversas manifestações.
Os desafios para todos os profissionais da Educação são também
inigualáveis e estão a todo momento batendo à porta. Um deles é a
formação continuada, que exige dos profissionais estarem cada vez
mais preparados para trabalhar com uma população cada dia mais di-
versificada; uma Educação que mais do que nunca precisa atender a
todos. Pensando nisso, e diante da nova política que hoje rege os ru-
mos da Educação Especial em nosso país (Brasil) através do Programa
de Atendimento Educacional Especializado no qual estávamos inseri-
dos, sentimo-nos motivados em buscar cada vez mais conhecimentos
e promover discussão na área.
Este trabalho é fruto de meses de pesquisa bibliográfica e de cam-
po no sentido de estar a todo momento interagindo entre a teoria e a
prática. Este propõe a construção de um plano de atendimento onde
escolhemos como público o aluno surdo pela nossa história de afinida-
de, por nos identificar e ter conhecimentos anteriores na área.
Na pesquisa de campo tivemos como foco de investigação uma
jovem com deficiência auditiva, com perda neurossensorial, de grau
profundo bilateral, matriculada na 6ª série do ensino fundamental de
uma escola pública da rede estadual situada no município de Araca-
ju/SE. Apesar de a escola possuir Sala de Recursos Multifuncionais e
de a aluna fazer parte do público-alvo a ser inserida no Atendimento
238 | ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA A PESSOA COM SURDEZ

Educacional Especializado – AEE, haja vista o Decreto nº 6.571/2008


e a Resolução nº 4/2009 que institui as diretrizes operacionais de fun-
cionamento, ela não frequenta o serviço, pois os pais optaram por ela
ser atendida na Associação de Pais e Amigos do Deficiente Auditivo –
APADA/SE. Sobre isso, Damázio ressalta que

[...] a nova política de Educação Especial na perspectiva inclu-


siva, principalmente para pessoas com surdez, tem se tornado
promissora no ambiente escolar e nas práticas sociais/institu-
cionais. Porém, por mais que as políticas estejam já definidas,
muitas questões e desafios ainda estão para ser discutidos, mui-
tas propostas, principalmente no espaço escolar, precisam ser
revistas e algumas tomadas de posição e bases epistemológi-
cas precisam ficar mais claras, para que, realmente, as práticas
de ensino e aprendizagem na escola comum pública e também
privada apresentem caminhos consistentes e produtivos para a
educação de pessoas com surdez. (DAMÁZIO, 2009, p. 2)

É necessário ressaltar que seus pais lhe dão a assistência necessá-


ria e acompanhamento na escola, o que é algo muito importante para
seu processo de ensino-aprendizagem. Ela é uma jovem muito alegre,
prestativa, bem extrovertida; tem uma elevada autoestima e gosta mui-
to de frequentar a escola. Mantém um bom relacionamento com todos
na escola, inclusive com seus professores, com alegria e expressa que
gosta muito deles. Adora dançar todos os tipos de músicas, mas o seu
gênero musical preferido é hip hop, de cujo grupo participa na escola.
Possui boa memória, concentração e coordenação motora satisfatória.
Conhece os conceitos básicos; tem noção temporal e espacial, e sua
lateralidade é direita.
Não oraliza e utiliza Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS para se co-
municar; contudo, ainda não possui fluência suficiente. É através desta
que exprime seus desejos e necessidades; lê pequenos textos e interpreta
com ajuda; escreve frases simples, conhece as cores, formas geométricas;
sabe fazer cálculos matemáticos de adição e subtração, porém, precisa de
ajuda para cálculos com reserva. Apresenta dificuldade em divisão, multi-
Ana Paula Andrade de Melo | Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos | 239

plicação e conteúdos específicos da série. Acreditamos que isso se dê pela


falta da comunicação necessária e atraso na aprendizagem.
Diante do exposto, acreditamos que seu problema está focado
principalmente no aprendizado da Língua Portuguesa na sua moda-
lidade escrita, especificamente na leitura, interpretação e construção
de texto devido às especificidade da sua deficiência. “As dificuldades
frente à aprendizagem da Língua Portuguesa são também outra ques-
tão escolar importante. Afirmam que a Língua Portuguesa é difícil de
ser assimilada pelos alunos ou mesmo impossível de ser adquirida pe-
los que têm surdez” (DAMÁZIO, 2009, p. 8). Além disso, é necessária
uma intervenção imediata no sentido de sensibilizar sua família para
a importância de inserir a aluna no Atendimento Educacional Especia-
lizado – AEE onde ela será atendida, contemplando as três modalida-
des do AEE para Pessoa com Surdez: AEE de Libras, AEE com Libras e
AEE do Ensino da Língua Portuguesa na Modalidade Escrita. “O AEE
em seus três momentos visa oferecer a esses alunos a oportunidade de
demonstrarem e beneficiar de ambientes inclusivos de aprendizagem”
(MEC, 2010, p.10). O problema é que essa jovem conta do prazer de
frequentar a APADA/SE pelo contato que ela tem com seus pares nessa
instituição, onde o trabalho é pautado via orientações das atividades
escolares, tipo banca com professores intérpretes.
A aluna é bastante participativa; gosta de todas as atividades inte-
rativas que a escola propõe, mas nas suas dificuldades em sala (cita-
das acima) não consegue dar contribuições importantes devido ao seu
atraso na aprendizagem. Vale ressaltar a preocupação dos professores
com sua defasagem na aprendizagem, em razão de estes não saberem
interagir com ela, pois não sabem a Língua de Sinais. Reconhece o
grande potencial da aluna, algo inclusive muito importante ser men-
cionado, pois atualmente entendemos que, de modo geral, a pessoa
com deficiência é alguém com limitações significativas, mas com um
potencial que vai além do que podemos mensurar, e não diferente no
caso da pessoa com surdez, que apesar de ter

[...] perda sensorial auditiva, ou seja, possui surdez, o que a limi-


ta biologicamente para essa função perceptiva. Mas, por outro
240 | ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA A PESSOA COM SURDEZ

lado, há toda uma potencialidade do corpo biológico humano


e da mente humana que canalizam e integram os outros pro-
cessos perceptuais, tornando essa pessoa capaz, como ser de
consciência, pensamento e linguagem. (DAMÁZIO, 2009, p. 2)

Apesar de a aluna estudar numa escola que atende a uma quanti-


dade significativa de aluno com surdez no ensino regular, não enfrenta
maiores problemas com sua socialização. Apesar disso seus professo-
res ainda enfrentam diariamente a contradição de não saber comuni-
car-se com ela (não fazem uso da Língua de Sinais e essa aluna, por sua
vez, não oraliza). Então veem no AEE um aliado no sentido de se fazer
um trabalho qualitativo, principalmente na área da linguagem, visto
que, segundo Damázio, no

[...] cotidiano escolar do AEE PS, aplicamos a metodologia vivencial,


que leva o aluno a aprender a aprender. Essa metodologia é com-
preendida como um caminho percorrido pelo professor, para favo-
recer as condições essenciais de aprendizagem do aluno com sur-
dez, numa abordagem bilíngüe. Nesse sentido, o professor do AEE
PS, na condição de autoridade, para gestar e com responsabilidade
para construir o ambiente de aprendizagem para esse aluno, busca
os métodos, escolhendo os melhores procedimentos e recursos para
operacionalização da aula especializada. (DAMÁZIO, 2009, p. 8)

A proposta da intervenção surgiu após pesquisa realizada em algu-


mas escolas públicas para escolha e caracterização de um caso. Após
proposição do caso, realizamos visitas à unidade de ensino para obser-
vação do aluno no ambiente escolar (sala de aula, recreio, biblioteca,
sala de informática) e interação com os colegas, professores e demais
funcionários. Outro ponto-foco da nossa investigação foi como ocorria
sua aprendizagem em sala de aula. Mantivemos contato com a família,
professores e outros membros da escola para coletar mais informa-
ções. Passada esta etapa, agendamos uma avaliação inicial com a aluna
para avaliar seu processo de aprendizagem e assim diante de todos os
dados, proceder ao plano de atendimento da aluna.
Ana Paula Andrade de Melo | Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos | 241

Para o desenvolvimento deste trabalho, foram realizados pro-


cedimentos metodológicos que combinaram análise documental e
bibliográfica, bem como entrevistas orais e observações em locais
específicos.

A LEGITIMAÇÃO DE UM DIREITO

A atual sociedade vive um momento histórico de transição em que


as instituições políticas, civis e religiosas voltam-se para questiona-
mentos éticos. A escola, como parte integrante dessa sociedade, tam-
bém busca respostas para novas e velhas questões. A exclusão social
lança as sementes do descontentamento e da discriminação social. A
educação é uma questão de direito humano, e todos têm o direito de
estar inseridos no processo educacional, independentemente de seu
ter ou ser. E as escolas devem se estruturar, modificando-se para in-
cluir todos os alunos.
O ensino inclusivo é a prática da inclusão de todos – independente-
mente de seu talento, sexo, raça, deficiência, nível socioeconômico ou
origem cultural. A Constituição Brasileira de 1988 assegura que todas
as crianças brasileiras têm o direito de “ser”, e “institui como um dos
princípios de ensino a igualdade de condições de acesso e permanência
na escola” (art. 206, inciso I). Porém, é necessário realizar-se um traba-
lho diferenciado dentro do ambiente escolar visando à equidade educa-
cional; isto quer dizer oferecer condições para que nosso aluno surdo
possa ter acesso e permanência, de fato e de direito, a uma educação
de qualidade. Deve-se oferecer uma proposta pedagógica centrada nas
potencialidades e processo de formação permanente do aluno.
Modificar-se sim, pois por muito tempo lhes foi negado o mínimo,
o direito de matrícula. Pensamos que é uma nova maneira de viver as
relações de ensino-aprendizagem no cotidiano. Não é novidade que vi-
venciamos atualmente um quadro de defasagem idade-série bem acen-
tuado e que as estatísticas negativas das escolas públicas fazem parte do
cenário educacional em todo o Brasil, haja vista o quantitativo de vários
programas e projetos de correção de fluxo. E quando falamos em aluno
com surdez estes números tornam-se ainda mais surpreendentes. Não
242 | ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA A PESSOA COM SURDEZ

se pensarmos em anos de descaso com a educação de surdos e esta re-


alidade não é diferente no Estado de Sergipe. Outro pesadelo que faz
parte das escolas públicas na maioria dos estados brasileiros é a evasão
escolar. Os alunos descontentes, desmotivados e cansados de reprova-
ção evadem do seio escolar e entram para as estatísticas.

O processo de construção e de produção do conhecimento


pressupõe um movimento dialético, envolvendo uma rede de
relações e trocas entre a realidade interna e a realidade ex-
terna dos sujeitos ensinantes e aprendentes. [...] O sujeito tem
uma história pessoal construída através das relações que es-
tabelece com as outras pessoas ao longo da vida, de seus es-
quemas de assimilação e acomodação, alicerçados em normas
e valores pertinentes ao meio social. (BORGES, 2004, p. 52)

As dificuldades enfrentadas nos sistemas de ensino para realizar a


inclusão evidenciam a necessidade de confronto às práticas discrimi-
natórias, surgindo a necessidade de transformações nas ações  da Edu-
cação Especial. Aracaju não ficou fora desta realidade, uma vez que  os
órgãos competentes estão desenvolvendo ações para tentar transformar
essa realidade, mas existe um grande caminho ainda para ser trilhado.
A educação inclusiva é o resultado de movimentos mundiais, que
desencadearam quebras de paradigmas sobre as ações políticas, cultu-
rais, sociais e pedagógicas, em defesa dos direitos humanos, do direi-
to de todos os alunos estudarem juntos e da efetivação de um direito
ainda maior: ir e vir. Com a evolução dos estudos no campo da Educa-
ção e dos Direitos Humanos, modificando os conceitos, as legislações,
as práticas educacionais e os gerenciamentos, ocorreu a necessidade
de inovar as  práticas pedagógicas, as escolas de educação básica e de
educação infantil.
No Brasil, o atendimento às pessoas com deficiência teve início na
época do Império com a criação das duas escolas especiais,  que fo-
ram IBC (Instituto Benjamin Constant) e o INES (Instituto  Nacional de
Educação de Surdos). A implantação do  ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente), Lei nº 8.069/90, em seu artigo 55, reforça o dispositivo
Ana Paula Andrade de Melo | Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos | 243

legal supracitado ao determinar que “os pais ou responsáveis têm a


obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de en-
sino”. Também nessa mesma década, surgiram movimentos, tais como
a Declaração Mundial de Educação para todos (1990), a Declaração de
Salamanca (1994) e a Convenção de Guatemala (1999), que passaram
a influenciar a formulação das Políticas Públicas da Educação Inclusiva
no mundo.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9.394/96, em
seu artº. 58, § 1º, preconiza que haverá, quando necessário, serviços
de apoio especializado na escola regular para atender às peculiarida-
des da parcela de alunos com necessidades especiais. É necessário que
se efetive na prática o que essa lei preconiza, garantindo condições de
aprendizagem a todos os alunos, seja através de incrementos na inter-
venção pedagógica ou de medidas que atendam a suas necessidades.
A filosofia do trabalho nas Salas de Recursos está fundamentada
no respeito às diferenças individuais, bem como no direito de cada
um em ter oportunidades iguais, mediante atendimento diferenciado,
e oferecendo subsídios às práticas pedagógicas dos professores, pro-
porcionando aos alunos condições de darem respostas educativas ade-
quadas. É um

[...] serviço de natureza pedagógica, conduzido por professor


especializado, que suplementa (no caso dos superdotados) e
complementa (para os demais alunos) o atendimento educa-
cional realizado em classes comuns da rede regular de ensino.
Esse serviço realiza-se em escolas, em local dotado de equi-
pamentos e recursos pedagógicos adequados às necessidades
educacionais especiais dos alunos, podendo estender-se a alu-
nos de escolas próximas, nas quais ainda não exista esse aten-
dimento. Pode ser realizado individualmente ou em pequenos
grupos, para alunos que apresentem necessidades educacio-
nais especiais semelhantes, em horário diferente daquele em
que frequentam a classe comum.
A inclusão de alunos com deficiência em classes comuns do en-
sino regular, como meta das políticas de educação, exige intera-
244 | ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA A PESSOA COM SURDEZ

ção constante entre professor da classe comum e os dos serviços


de Salas de Recursos, sob pena de alguns alunos não atingirem
rendimento escolar satisfatório. (Diretrizes Nacionais para a
Educação Especial na Educação Básica, 2002, p.50-51)

No Estado de Sergipe, de acordo com o senso da Educação Especial, 


o  Atendimento Educacional Especializado (AEE) está sendo ampliado
na rede de ensino, devido  à Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva Inclusiva, conforme o Decreto nº 6571/2008, adotada
pelos órgãos competentes. Este atendimento tem o objetivo de com-
plementar ou suplementar a formação  dos alunos inclusos, proporcio-
nando a autonomia e independência na escola e na vida, e dar suporte
à educação inclusiva,  desenvolvendo  o ensino de qualidade  para to-
dos.  As adaptações de  acessibilidade arquitetônica estão ocorrendo
gradativamente nos prédios escolares, através de recursos próprios e
também do programa de Escola Acessível. A formação dos profissio-
nais que atuam nas escolas e nessas salas é algo imprescindível e está
acontecendo gradativamente através de convites para participarem de
cursos de capacitação nas  áreas afins, para  se adaptarem  a essa nova
realidade, favorecendo, assim, a promoção da aprendizagem e a valori-
zação das diferenças, de forma a atender às necessidades especiais de
todos os alunos.

A EDUCAÇÃO DO SURDO

Historicamente se sabe que a tradição médico-terapêutica influen-


ciou a definição da surdez a partir do déficit auditivo e da classificação
da surdez (leve, moderada, profunda, severa, congênita ou adquirida,
pré-linguística, pós-linguística, etc.), mas deixou de incluir a experi-
ência da surdez e de considerar os contextos psicossociais e culturais
nos quais a pessoa surda se desenvolve. É justamente desses aspectos,
dentre outros, que os estudos surdos passam a se ocupar. “O conceito
de surdez, como qualquer outro conceito, sofre mudanças e se modi-
fica no transcurso da história. Estamos atravessando um momento de
redefinição deste conceito” (BEHARES, 2000, p. 1).
Ana Paula Andrade de Melo | Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos | 245

Quanto ao termo “surdo”, podemos dizer que é o termo com o


qual as pessoas que não ouvem referem-se a si mesmos e a seus pa-
res; está associado intrinsecamente à questão cultural e de identi-
dade do surdo. Podemos definir uma pessoa surda como aquela que
vivencia um déficit de audição que a impede de adquirir, de maneira
natural, a língua oral/auditiva usada pela comunidade majoritária e
que constrói sua identidade calcada principalmente nessa diferença,
utilizando-se de estratégias cognitivas e de manifestações compor-
tamentais e culturais diferentes da maioria das pessoas que ouvem.
Nesse grupo estão as pessoas que, dentre outros aspectos, comuni-
cam-se e interagem através da Língua de Sinais, que no Brasil ad-
quiriu desde 2002 através da Lei nº 10.436 é conhecida por meio da
sigla Libras – Língua Brasileira de Sinais, bem como sua oficialização
em todo o território nacional, enquanto direito do surdo em utilizá-
-la como sua língua materna. Contudo, nessa mesma lei deixa clara a
necessidade de o surdo adquirir fluência também na Língua Portu-
guesa, na sua modalidade escrita.
No entanto, na maioria das vezes, alheia a essas questões, a so-
ciedade vê a surdez como uma deficiência que futuramente há de ser
abolida através dos “consertos” neurocirúrgicos prometidos pela pes-
quisa médica, pela engenharia genética ou pela prevenção a doenças
(principalmente as que surgem predominantemente nas classes des-
favorecidas). O aparecimento da surdez muitas vezes é visto como um
mal, um contágio, resultante das más condições sanitárias da classe
desfavorecida ou da falta de cuidados familiares ou médicos, ou mes-
mo como uma fatalidade, como “castigo, punição, ou situação a que se
estaria exposto pela purgação de culpas, da própria pessoa ou dos que
a cercam” (SÁ e RANAURO, 1999, p. 59).
É mais difícil ver citado o fato de que os surdos surgem aleatoria-
mente nas sociedades. É certo que cada surdez e cada surdo têm uma
história pessoal, como a tem qualquer pessoa, mas geralmente a sur-
dez é encarada de maneira pejorativa, como fruto de uma falha, uma
culpa, uma pobreza, uma fatalidade. Na verdade, sabe-se que a surdez
estritamente genética é bastante incomum, mas cientistas afirmam
que 25% da população humana carregam o gene da surdez.
246 | ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA A PESSOA COM SURDEZ

Em síntese, segundo a Profª Drª Nídia Limeira de Sá (2004, p.


3), a história dos surdos, contada pelos não surdos, é mais ou menos
assim: primeiramente os surdos foram “descobertos” pelos ouvintes,
depois eles foram isolados da sociedade para serem “educados” e
afinal conseguirem ser como os ouvintes; quando não mais se pôde
isolá-los, porque eles começaram a formar grupos que se fortaleciam,
tentou-se dispersá-los, para que não criassem guetos. A história co-
mum dos surdos é uma história que enfatiza a caridade, o sacrifício
e a dedicação necessários para vencer “grandes adversidades”. A his-
tória tradicional enfatiza que os resultados apresentados geralmente
são pequenos, mas são enobrecidos pelos esforços dispendidos para
alcança-los.
Os surdos formam uma comunidade linguística minoritária carac-
terizada pelo compartilhamento de uma língua espaço-visual. A Lín-
gua de Sinais constitui o elemento identificatório dos surdos; é algo
intrínseco da sua cultura.

Sabemos que a nova política de educação no Brasil vem tecen-


do fios direcionais que possibilitam superar uma visão centra-
da de homem, sociedade, cultura e linguagem de forma frag-
mentária, certamente, não só neste momento histórico como
um modismo, mas que se consolidará numa perspectiva de
inclusão de todos, com especial destaque para as pessoas com
deficiência. Neste ponto, uma nova política de Educação Es-
pecial na perspectiva inclusiva, principalmente para pessoas
com surdez, tem se tornado promissora no ambiente escolar e
nas práticas sociais/institucionais. Porém, por mais que as po-
líticas estejam já definidas, muitas questões e desafios ainda
estão para ser discutidos, muitas propostas, principalmente
no espaço escolar, precisam ser revistas e algumas tomadas
de posição e bases epistemológicas precisam ficar mais cla-
ras, para que, realmente, as práticas de ensino e aprendizagem
na escola comum pública e também privada apresentem ca-
minhos consistentes e produtivos para a educação de pessoas
com surdez. (DAMÁZIO e FERREIRA, 2009, p. 2)
Ana Paula Andrade de Melo | Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos | 247

Não podemos negar que uma criança ouvinte traz para a escola uma
gama de vocabulário e uma compreensão da função social da língua que
permite que ela tenha acesso mais rápido ao mundo letrado (leitura e es-
crita). A criança ouvinte aprende a falar naturalmente e chega à escola com
uma gramática interna bem formada. Em contrapartida, a criança surda
não traz para a escola tais conhecimentos. O seu processo de conhecimen-
to é outro. Então, estar no mesmo espaço dividindo as mesmas regras é no
mínimo extremamente desvantajoso, para não dizer uma imensa cruelda-
de. É neste momento que se torna necessário individualizar e especializar
o atendimento no sentido de atender às suas particularidades.
Hoje, cada vez mais vemos, a partir das várias experiências, que
a educação de surdos deve ser centrada no desenvolvimento de um
trabalho preparatório de língua escrita, tendo como apoio o modelo
BILÍNGUE, assegurando esse conhecimento para o surdo. Ou seja, ter
uma educação que lhe ofereça conhecimento da sua L I (Língua de Si-
nais) e a L II (Língua Portuguesa escrita), entendendo que o português
é, para o surdo, sua segunda língua e deve ser ensinada e exigida como
tal. Para tanto, devem ser empregadas metodologia e estratégias dife-
renciadas para atender essa clientela.
Com esse modelo de educação bilíngue, o desenvolvimento lin-
guístico e cognitivo do surdo é garantido prioritariamente através da
língua de Sinais. Esta é quem vai permitir que ele adquira tanto os co-
nhecimentos da língua portuguesa escrita como todo o conhecimento
de mundo para que possa crescer como uma pessoa cidadã. O desen-
volvimento de uma educação bilíngue de qualidade é fundamental ao
exercício de sua cidadania, na qual o acesso aos conteúdos curricula-
res, leitura e escrita não dependem do domínio da oralidade.
Stokoe, já em 1960, percebeu e comprovou que a Língua de Sinais
atendia a todos os critérios linguísticos de uma língua genuína, no lé-
xico, na sintaxe e na capacidade de gerar uma quantidade infinita de
sentenças. Observou também que os sinais não eram imagens, mas
símbolos abstratos complexos, com uma estrutura interior. As línguas
de sinais são, portanto, consideradas pela linguística como línguas na-
turais ou como um sistema linguístico legítimo e não como um proble-
ma do surdo ou como uma patologia da linguagem.
248 | ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA A PESSOA COM SURDEZ

Stokoe comprovou, inicialmente, que cada sinal apresentava pelo


menos três partes independentes (em analogia com os fonemas da
fala) – a localização, a configuração de mãos e o movimento – e que
cada parte possuía um número limitado de combinações. Pesquisas
realizadas em diversos países procuram descrever, analisar e demons-
trar o status linguístico das línguas de sinais, desmistificando concep-
ções inadequadas em relação a essa modalidade de língua, as quais se
transformaram em mitos.
Do ponto de vista linguístico, existe uma distinção entre lingua-
gem, língua e fala. É claro que esta distinção é meramente metodológi-
ca por revelar aspectos diferentes de um processo amplo da comuni-
dade humana. Linguagem é todo sistema de sinais convencionais que
nos permite realizar atos de comunicação. Esta costuma dividir-se em
verbal, no qual se utilizam as palavras – tanto escritas quanto faladas
– e o não-verbal, que utiliza outros sinais de comunicação. O caráter
social da língua é percebido quando levamos em conta que ela existe
antes mesmo de nós nascermos. A fala não deve ser confundida com a
escrita. Esta representa um estágio posterior de uma língua.

A LÍNGUA PORTUGUESA

Esta que não é considerada ciência, apresenta apenas característi-


cas semelhantes aos códigos de natureza ética ou moral, que nos im-
põem o que devemos ou não fazer. As suas normas têm caráter impe-
rativo. Funcionando como uma espécie de guia, as normas têm uma
função de impor um comportamento padrão. Porém, para que produza
efeito, a norma deve estar adequada ao fato social que visa regular.
Estes devem andar juntos. Quando um fato social muda, a norma deve
acompanhar essa mudança. Ou seja, fatos novos vão determinar o sur-
gimento de novas normas.
Sabemos que a escrita é a maior invenção do homem. Para Goody
(aput Teberosky, 2002), ela é “tecnologia do intelecto”. Não podemos
nem sequer imaginar um mundo sem a escrita, ou seja: sem os livros,
sem jornais, sem cartas, sem impressos, sem bibliotecas nem livrarias,
sem cheques, sem receitas médicas, sem educação sistemática. Enfim,
Ana Paula Andrade de Melo | Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos | 249

a civilização é inconcebível sem a escrita. Sua importância social é tão


grande que apenas com ela tornou-se possível uma forma complexa de
intercâmbio econômico.
A invenção da escrita é, sem dúvida, uma descoberta significativa.
Com ela tivemos a oportunidade de organizar conhecimentos, porém
também perdemos o espírito participativo da forma oral de organiza-
ção de conhecimento. As cidades e a escrita evoluíram conjuntamente,
e toda a movimentação econômica dependia dela, pois seria impos-
sível memorizar todas as transações econômicas ocorridas. A escrita
também conquistou outros mundos, outros domínios e outras funções.
A mais conhecida é a de registro ou função mnemônica, permitindo,
além de fazer registro, recordar acontecimentos. Outras funções eram
a comunicação a distância, no espaço e no tempo; regulamentação e
permissão do controle social do comportamento.
Atualmente a linguagem escrita encontra-se longe da galáxia Gu-
tenberg. Porém, antes de chegar ao estado atual, a escrita teve a função
de fixar, registrar e arquivar a linguagem escrita, apesar de às vezes
comprovarmos a contradição entre a linguagem oral e escrita. Uma das
diferenças cruciais entre produções escritas e orais é o planejamento
prévio. Apesar das diversas variações da escrita, todos utilizaram os
princípios estabelecidos pela escrita grega. De acordo com Teberosky,

[...] o conhecimento da escrita inicia-se muito antes da criança


freqüentar a escola, sua origem é extra-escolar. E vai mudando
com a idade do indivíduo.
Mais ou menos entre 04 a 06 anos de idade as crianças con-
seguem controlar nosso sistema fonético, sabem e utilizam o
vocabulário básico de sua língua e lidam com os núcleos gra-
maticais. A criança compreende a escrita através de algumas
etapas: Primeiro delimita a escrita, ou seja, escrita é tudo o
que não é desenho; em seguida transforma-se numa descrição
positiva. Por volta dos quatro a cinco anos ela já faz essa dife-
renciação e quando escreve o faz como ela pensa que é. Sobre
o ponto de vista evolutivo as primeiras escritas infantis apa-
recem como traços ondulados e contínuos dentro da mesma
250 | ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA A PESSOA COM SURDEZ

linha, quando ela concebe como digital perde a descontinuida-


de. (TEBEROSKY, 2002, p. 157)

Sendo assim o ensino da Língua Portuguesa, por sua vez, tem como
função desenvolver um trabalho que leve o aluno a observar, perceber,
interferir, refletir sobre o mundo, interagir com seu semelhante, por
meio do uso funcional da linguagem, de modo que o aluno torne-se
um cidadão crítico, atuante e transformador para a existência de uma
sociedade mais justa, humana e democrática.
É inerente ao ser humano a necessidade individual de se expressar,
bem como a necessidade social de se comunicar. Desde os primórdios,
essa necessidade era aparente, visto que eles utilizavam os desenhos
como forma de expressar suas ideias visualmente. A partir daí tais for-
mas foram evoluindo até chegarem à forma atual, passando, é claro,
por etapas e civilizações diferentes. E neste trajeto, até chegar à escri-
ta, o homem foi tomando consciência das várias unidades linguísticas:
palavras, sílabas, som, etc.
Sabe-se que as pessoas de uma forma geral necessitam utilizar a
leitura e a escrita nas suas diferentes funções sociais. O primeiro con-
tato com o texto geralmente é de ordem mais afetiva do que intelec-
tual. O educador deve ajudar o aluno a aperfeiçoar essas habilidades
de produzir e compreender textos, a descobrir como são ricas as pos-
sibilidades de interação consigo mesmo e com os outros por meio da
linguagem. É importante proporcionar ao educando situações através
das quais ele possa assumir-se sujeito da sua aprendizagem.
Diferentes das atuais aulas de português que perseguem as regras
gramaticais que o aluno decora e dificilmente lembra, elas deveriam
ir em busca de uma constante produção pessoal de textos, leitura, co-
mentário, análise e interpretação de bons textos, ou seja, vivência cria-
tiva com o idioma.
A organização de um texto enquanto história vai depender, além
do domínio de uma língua e experiências sociais, mas também e prin-
cipalmente se a pessoa está alfabetizado, porque a escrita é a tradição
literária. É através da leitura compartilhada de textos que as crianças
aprendem a estruturar, unificar e fechar os discursos. Segundo Tabe-
Ana Paula Andrade de Melo | Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos | 251

rosky, “é impossível conceber a capacidade de produzir sem a capa-


cidade de compreender textos, porque se trata de um mesmo conhe-
cimento que origina dois processos complementares” (TABEROSKY,
2002, p. 190).
Percebe-se que o escritor é algo mais do que aquilo que ele escre-
ve: é o editor e o montador – também visual – de seu próprio texto.
Para Calkins, “escrever permite que transformemos o caos em bonito;
permite que emolduremos momentos selecionados em nossas vidas,
permite que descubramos e celebremos os padrões que organizam
nossa existência” (CALKINS, 1989, p. 15). Enfim, escrever é dar asas
a sua imaginação; é entrar em sintonia com seu eu interior e com o
mundo exterior.
Porém, com o passar do tempo, seus cadernos vão se enchendo de
correções impiedosas e seu entusiasmo vai-se embora, ficando apenas
um sentimento de impotência, do “não sei escrever”. Aos alunos deve-
-se dar oportunidade de crescer linguisticamente, através da prática
constante, em aulas prazerosas de descobertas, oportunizando suas
manifestações individuais espontâneas, em lugar de repressões ou hu-
milhações com correções de seus “erros”.
Segundo Luft (2001), muitos dos escritores eram ruins em portu-
guês, a exemplo de Machado de Assis e Monteiro Lobato, que escreve-
ram obras belíssimas. Este último foi reprovado em português e aque-
le não entendia nada de gramática. Contudo, a todos nós deve-se ser
dada a oportunidade de estar em contato com esse arsenal linguístico
para que através do uso e prática adquirirmos habilidade textual, ou
seja, desenvolvermos as habilidades e competências necessárias para
produzir textos ajustados à necessidade.

O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA PESSOA


SURDA

O Atendimento Educacional Especializado – AEE para pessoa sur-


da deve ser oferecido no horário oposto, como as demais deficiências,
e organizado através de uma abordagem bilíngue, como a lei assim
252 | ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA A PESSOA COM SURDEZ

prevê, ou seja, a utilização da Língua Brasileira de Sinais enquanto lín-


gua materna do surdo e a língua portuguesa na sua modalidade escri-
ta, e prevê este atendimento pela sua especificidade, todos os dias da
semana, levando em consideração três momentos muito importantes
e que devem ser planejados em consonância com o professor da sala
comum, o conhecimento e habilidade do aluno e os conteúdos curri-
culares. Em todos esses momentos é imprescindível a produção de
materiais didáticos de acordo com a programação curricular do aluno
atendido.
Esses três momentos estão divididos em Atendimento Educacional
Especializado em Libras, AEE de Libras e AEE do Ensino da Língua Por-
tuguesa na modalidade escrita.
No Atendimento Educacional Especializado em Libras deve-se tra-
balhar a base conceitual do conteúdo abordado em sala de aula para
que o aluno com surdez possa, no momento da classe comum, com-
preender, interagir, questionar e construir seu próprio conhecimento
e não fique apenas um mero expectador em sala. Para isso o professor
do Atendimento Educacional Especializado deverá promover momen-
tos de contextualização e vivências para que o aluno surdo possa am-
pliar seus conhecimentos dos temas trabalhados.
No Atendimento Educacional Especializado de Libras o professor
deverá, através de ações práticas – também contextualizadas a partir
da realidade e conhecimento do aluno –, proporcionar o crescimento
linguístico desse educando na Língua de Sinais. É necessário, segundo
Damázio (2010, p.25), levar em consideração “o estágio de desenvol-
vimento da língua em que o aluno se encontra”. A utilização de vários
recursos pedagógicos será frequente, a exemplo de DVDs, livros, dicio-
nários, entre outros recursos.
O Atendimento Educacional Especializado para o Ensino da Língua
Portuguesa, enquanto língua da comunidade em que vive a escrita da
língua portuguesa é muito importante para a pessoa surda, uma vez
que nosso meio social é substancialmente escrito. Tudo a nossa volta
gera em torno da língua escrita. Sendo assim, é muito importante essa
interação. Para isso, o professor do AEE deverá promover, através de
suas experiências, momentos de letramento e gradativamente ir evo-
Ana Paula Andrade de Melo | Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos | 253

luindo na construção da língua escrita para que o educando consiga


adquirir competência linguística para a leitura, produção e interpre-
tação de texto. Em todos e principalmente nesse momento, o estímulo
e riqueza de intervenções serão muito importantes para o aprimora-
mento da aprendizagem.
Segundo Damázio, o objetivo desse atendimento é desenvolver
a competência linguística, bem como textual, dos alunos com surdez
para que sejam capazes de ler e escrever em língua portuguesa. As
aulas neste tipo de atendimento devem ser preparadas segundo o de-
senvolvimento e aprendizagem dos alunos. O professor do AEE avalia
e analisa o estágio de desenvolvimento linguístico em que os alunos se
encontram, em relação à leitura e escrita, tendo por base suas próprias
produções e interpretações de textos dialógicos, descritivos, narrati-
vos e dissertativos.
A partir do nível de aprendizagem da Língua Portuguesa escrita
deve-se traçar seu plano individual de atendimento. Para aqueles que
se encontram no primeiro nível, o processo deve ser iniciado através do
letramento, que perpassa a Educação Infantil e o ciclo de Alfabetização
no decorrer do ensino fundamental. Nesta fase inicial de aprendizado
é importante trabalhar com bastante ludicidade, contextualizando as
temáticas por meio de expressão corporal, expressão artístico-cultu-
ral, dramatização, contextualização de situações vividas, aula-passeio
e sessão de filmes e desenhos.
Em seguida passamos para o segundo nível – intermediário –, no
qual os textos devem apresentar estruturas, organização e funciona-
mento de razoável complexidade, em condições de promover a leitura,
interpretação e escrita, segundo categorias mais elaboradas da Língua
Portuguesa. Propor atividades tipo interpretação e compressão é im-
prescindível na rotina dos atendimentos com alunos surdos no sentido
de criar o hábito e desenvolver habilidade linguística. Deve-se promo-
ver, além da leitura visual de imagens, interpretação e compreensão
por meio de desenho, leitura de texto escrito, como frases, palavras,
sílabas, letras, leitura de ícones, sinais, índices e símbolos linguísticos.
Finalmente, chega-se ao terceiro nível, em que os conhecimentos
do português escrito devem recair sobre o uso da língua oficial na lei-
254 | ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA A PESSOA COM SURDEZ

tura e na produção de textos mais complexos. Tudo isto de forma bem


mais contextualizada, ou seja, a partir de um dado assunto (aprender
a escrever com sentido e não apenas desenhar palavras); contextuali-
zação do uso do léxico (das palavras) da Língua Portuguesa escrita em
várias situações diferentes.
Nesses três estágios há algo em comum, que é o espaço rico em re-
cursos visuais e vários tipos de referência que podem colaborar com o
aprendizado do aluno surdo, uma vez que este aprende e interage com
o mundo através de experiências visuais.

INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA NA SALA DE RECURSOS MULTI-


FUNCIONAIS

O objetivo dessa intervenção era promover no ambiente escolar


as acessibilidades necessárias para que a aluna possa utilizar todas as
suas potencialidades no seu processo de aprendizagem. Para atingir
o objetivo é necessário realizar algumas atividades anteriores como:
- Convencer os pais e aluna da importância e necessidade da sua
inserção no AEE;
- Sensibilizar a família quanto as suas reais possibilidades e neces-
sidades;
- Fazer uso de Libras no seu processo de aprendizagem;
- Contribuir com seu o aprofundamento na Língua Brasileira de
Sinais – Libras;
- Desenvolver competências relacionadas à leitura, interpretação
e construção de texto;
- Estimular a aluna para que ela possa ter autonomia e participar
das atividades escolares e do seu cotidiano;
- Ampliar seu vocabulário linguístico;
- Promover aquisição de conceitos necessários para melhor parti-
cipação da aluna em sala;
- Manter aberto um canal de comunicação com os professores das
diversas disciplinas acerca dos temas trabalhados em sala;
Ana Paula Andrade de Melo | Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos | 255

- Proporcionar nos ambientes escolar e familiar as informações


sobre a importância do aprendizado da Libras na escola com in-
clusão do aluno com surdez;
- Desenvolver no ambiente escolar um curso com noções básicas
de Libras;
- Negociar junto à APADA/SE a liberação da aluna em apenas dois
dias na semana para que ela frequente a sala de recursos.

O horário de atendimento foi organizado no contraturno de forma


individual, e coletiva no período de agosto a dezembro, três vezes por
semana, uma hora e meia por dia, com os três momentos distintos que
são:
- Atendimento Educacional Especializado em Libras;
- Atendimento Educacional Especializado de Libras;
- Atendimento Educacional de Língua Portuguesa.

Os atendimentos não serão diários, como sugere o AEE da pessoa


com surdez, visto que entendemos a importância do contato da pessoa
surda juntamente com as associações e seus pares para aquisição na-
tural da língua e da sua cultura.
Foram traçadas atividades diferenciadas para cada tipo de atendi-
mento:
- No Atendimento Educacional Especializado em Libras – Traba-
lhar conceitos básicos dos temas vistos em sala de aula através
de fotos, filmes, maquetes, imagens, textos, cartazes, modelagem,
desenhos e jogos pedagógicos.
- No Atendimento Educacional Especializado de Libras, com o au-
xílio do instrutor surdo – Trabalhar com oficina de Libras para a
comunidade escolar e família ampliarem sua comunicação atra-
vés de vários tipos de estímulos: dramatização de histórias em
Libras, interpretação de textos em Libras, recontação de histó-
rias em Libras, palestras e debates na escola sobre surdez, jogos
pedagógicos temáticos em Libras e jogos populares em Libras.
- No Atendimento Educacional Especializado de Língua Portugue-
sa – Trabalhar com o português escrito de diferentes tipos de
256 | ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA A PESSOA COM SURDEZ

textos: histórias, fábulas, receitas, convites, contas de água, luz,


telefone, calendários, mensagens telefônicas, agendas, lista de
compras, etc; Trabalhar a construção de pequenos textos atra-
vés de atividades tipo: correio da amizade; convites, mensagens
telefônicas e outros; textos para dramatização, música (hip hop);
leituras e interpretação de livros paradidáticos; fábulas, carta-
zes, panfletos, software pedagógico, caça-palavras.

No decorrer dos atendimentos foram confeccionados materiais


didáticos condizentes com as temáticas trabalhadas em sala de aula,
tipo: cartazes, maquetes, calendário de aniversário, dominó temáti-
co, jogos didáticos e paradidáticos, confecção de livros temáticos em
Libras e livro de experiência real. Também foram utilizados os jogos
pedagógicos com e sem Libras e jogos pedagógicos todos em Libras.
No planejamento também foram previstas visitas à sala regular
para acompanhar e avaliar o desenvolvimento da aluna, bem como
orientação ao professor de sala e outros profissionais da unidade es-
colar, conforme discriminado a seguir:
- Professor por área da Sala Regular – Orientações pertinentes em
relação à aluna (suas necessidades e potencialidades, bem como
melhores estratégias no dia a dia) e incentivá-la no sentido de
promover em sala de aula cada vez mais a participação dos alu-
nos surdos nas aulas e eventos da escola.
- Professor de Língua Portuguesa – Orientações acerca de estraté-
gias e atividades para aprimorar o seu português escrito;
- Intérprete de Libras – Verificar se os alunos estão entendendo o
que está sendo traduzido.
- Instrutor surdo – Promover mais conversa com o aluno e incen-
tivá-lo a participar das atividades no curso de Libras na escola;
- Gestores escolares – Informações sobre a aluna, sua inserção no
AEE e do seu plano de atendimento. Informá-los da necessida-
de de efetivação das reuniões informativas sobre o trabalho que
vem sendo desenvolvido junto à aluna, convidar profissionais
especializados para ministrar palestra, exibir filme; e viabilizar a
Ana Paula Andrade de Melo | Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos | 257

escola para o curso de Libras destinado à comunidade e familia-


res;
- Equipe pedagógica – Realizar conversa informal com professo-
res, equipe técnica, de apoio e família sobre a inclusão;
- Família – Orientar a família sobre o direito da utilização do trans-
porte no turno contrário; estabelecer compromisso com relação
à frequência; fazer observações para subsidiar todo o trabalho
na escola; orientá-los a participar juntamente com os demais in-
teressados do curso de Libras.

Para avaliar os resultados foi utilizada a ficha de acompanhamento


diário do aluno para registrar as estratégias, atividades, evoluções, bem
como as conversas com os professores da sala de aula e demais profis-
sionais, contatos com a família, livro da vida do aluno, entre outros.
As atividades propostas eram avaliadas sistematicamente para
medir os resultados obtidos diante dos objetivos do Plano de AEE. Ao
final do prazo, o plano será reavaliado para verificar sua eficácia das
estratégias e recursos didáticos e possível reestruturação com o intui-
to de se fazer novas pesquisas e implementação de outros recursos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo educacional das pessoas com surdez tem sido marca-


do continuamente por decisões políticas que determinaram, ao longo
dos tempos, diversas formas de intervenção. Atualmente ainda sofre
profundas transformações em todos os aspectos desde o material di-
dático, o qual vem sendo modernizado para atender a essa população,
até a forma de atendimento em que a nova Política de Educação Espe-
cial na Perspectiva de Educação Inclusiva prevê um momento no turno
oposto ao que o aluno está inserido.
A sociedade participa hoje de um mundo que fala, escuta, lê, escreve
e discute seus usos, e que para compreender melhor esses usos é neces-
sário ampliar competências e habilidades que envolvem o emprego da
palavra e de sinais, ou seja, dominar o discurso nas diversas situações
comunicativas. O uso da linguagem e sua necessidade são manifestados
258 | ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA A PESSOA COM SURDEZ

a todo o momento em nossa vida cotidiana: na leitura de uma placa ou


jornal, textos, científicos, poemas e romance, ou numa simples receita
culinária; por escrito ou através de imagens, enfim nas situações mais
informais. Daí a importância de o Atendimento Educacional Especializa-
do da pessoa com Surdez ser pautado na experiência ativa de elaboração
e interpretação de textos, sempre baseadas em situações do cotidiano
e trabalhadas de forma contextualizada. Conforme salienta Gadotti: “O
aluno deve perceber que a língua é um instrumento vivo, dinâmico, faci-
litador, com a qual é possível participar ativa e essencialmente da cons-
trução da mensagem de qualquer texto” (GADOTTI, 2001, p. 12).
Sem dúvida, o estudo da língua é necessário como forma de evitar a
exclusão, ou seja, construir leituras de mundo, criando possibilidades
de descobertas pessoais que favorecem sua participação ativa na so-
ciedade. Além de outras competências, deve-se possibilitar a redução
da distância entre o estudante e a palavra e procurar anular as experi-
ências traumáticas com os processos de aprendizagem da leitura e da
produção de textos. Deve, ainda, fortalecer a pessoa surda no sentido
de romper o silêncio imposto pelos vários processos de exclusão que
foram gerados pelo sistema escolar.
A esse respeito pode-se considerar que a escola não pode jamais
estigmatizar o aluno surdo em função dos traços de fala que marcam
sua vida. Deve-se, sim, promover debates, como forma de conhecer
ainda mais essa realidade, visto que defender direitos e argumentar
sobre qualquer assunto são habilidades cada vez mais exigidas nos es-
paços profissionais e na vida pública.
O presente trabalho foi uma oportunidade ímpar de pôr em prática
todo o conhecimento teórico-metodológico obtido no decorrer da nossa
trajetória profissional. Presenciamos, no final do plano, uma melhora sig-
nificativa da aluna no tocante à fluência linguística na Libras e Língua Por-
tuguesa, bem como seu desempenho e aproveitamento em sala de aula.
Percebemos também maior interação da aluna com os colegas e demais
profissionais da escola através da Libras, maior respeito dos colegas em
relação às deficiências, além do envolvimento destes na aprendizagem da
Língua Brasileira de Sinais. Foi um momento de troca onde a interação e
ajuda mútua contribuíram e aprimoraram ainda mais nossa prática.
Ana Paula Andrade de Melo | Tálita Cavalcanti Pergentino dos Anjos | 259

REFERÊNCIAS
 
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260 | ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA A PESSOA COM SURDEZ

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Sandra de Andrade Santos | Joelma Alves da Rocha | Cristina Nunes dos Santos | 261

Capítulo 13 | O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO


PARA ALUNOS COM SURDEZ NO ENSINO SUPERIOR:
UM SERVIÇO NECESSÁRIO
Sandra de Andrade Santos
Joelma Alves da Rocha
Cristina Nunes dos Santos

A escola foi historicamente marcada pela exaltação aos bons alu-


nos, comportados, inteligentes; aos que dominavam a tabuada
oral e a conjugação dos verbos; aos que tinham uma perfeita caligrafia;
aos destros. Com isto, a escola excluía os que não conseguiam se ade-
quar às suas normas e exigências, em nome da ordem social.
Os alunos com deficiência foram os mais prejudicados. Muitos não
tiveram direito à educação, que somente era permitida às famílias
mais abastadas, pois estas podiam pagar aos melhores professores e
especialistas do mundo em educação para deficientes. Com a universa-
lização e democratização do ensino, viu-se a necessidade em atenção a
essa clientela, mesmo porque houve manifestações do desejo em cur-
sar o ensino regular, ter acesso às mesmas condições dos tidos nor-
mais, já que os deficientes também são considerados cidadãos.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educa-
ção Inclusiva (2007) objetiva o acesso, a participação e a aprendizagem
dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orienta os siste-
mas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais
especiais e garante:
- Transversalidade da educação especial desde a educação infantil
até a educação superior;
- Atendimento educacional especializado;
- Continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino;
- Formação de professores para o atendimento educacional especiali-
zado e demais profissionais da educação para a inclusão escolar;
262 | O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA ALUNOS COM SURDEZ NO ENSINO SUPERIOR

- Participação da família e da comunidade;


- Acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equi-
pamentos, nos transportes, na comunicação e informação; e
- Articulação intersetorial na implementação das políticas públicas.

De acordo com o Censo Escolar do MEC/INEP de 2006, o total de


matrícula no ensino superior dos alunos com necessidades educacio-
nais especiais subiu de 5.078, em 2003, para 11.999, em 2005. O total
de alunos com surdez matriculados no ano de 2003 era de 665, em
2005 o total de alunos frequentando o ensino superior era de 2.428.
Com base nestas informações, é visível a necessidade de atendimento
especial no ensino superior aos alunos com surdez, já que a educação
básica desses alunos foi prejudicada devido à educação oferecida, an-
teriormente a esses dados, aos alunos com necessidades educacionais
especiais (NEE).
Percebe-se que a educação desses alunos era baseada em uma
visão clínica e não pedagógica da deficiência. Hoje, a educação na
perspectiva inclusiva objetiva a eliminação de barreiras que possam
impedir o aprendizado desses educandos, dando ênfase as suas po-
tencialidades em um viés transdiciplinar. Os alunos com surdez têm
ao seu dispor o atendimento educacional especializado (AEE), um dos
serviços da Educação Especial garantido por lei em todos os níveis e
modalidades de ensino e também uma gama de políticas públicas vol-
tadas para uma educação de qualidade e focada nas especificidades do
educando com deficiência auditiva.

A SURDEZ

Dentro da visão clínica da deficiência muitos estudantes com de-


ficiência não tiveram o direito a uma educação que respeitasse suas
limitações. A maioria foi aprovada para que não pudesse mais “atra-
palhar” ou dificultar os procedimentos arcaicos de ensino-aprendi-
zagem. Outros foram muitas vezes reprovados para que suas famílias
percebessem que uma pessoa com deficiência não tem condição de
“competir” ou receber uma educação formal.
Sandra de Andrade Santos | Joelma Alves da Rocha | Cristina Nunes dos Santos | 263

Estudos mostram que a surdez caracteriza-se como uma privação


sensorial que prejudica de forma significativa na comunicação, modi-
ficando, assim, a qualidade da relação que o indivíduo estabelece com
o meio onde vive. “Qualquer alteração ou distúrbio no processamento
normal da audição, independentemente da causa, tipo ou grau de seve-
ridade, constitui uma alteração auditiva determinando, para o indivíduo,
uma diminuição da sua capacidade de ouvir e perceber os sons” (GOMES
in BRASIL, 2006). Não se nega que a surdez é uma limitação auditiva;
mas com a nova concepção educacional, valoriza-se a potencialidade
dos surdos, dando mais ênfase à experiência visual do que à percepção
auditiva. Esta nova concepção não é mais pautada nos padrões da nor-
malidade e sim respaldadas pelos avanços científicos, sócio-antropoló-
gicos, psicológicos e outros (FERNANDES in BRASIL, 2006).
Para Vygotsky (1984; 2001), a surdez se define como “um estado
normal e não patológico para a criança surda, e o defeito só é sentido de
um modo mediatizado, secundário como resultado de sua experiência
social refletida”. Esse pesquisador afirma ainda que a linguagem regula
a atividade psíquica humana, pois ela é responsável pela estruturação
dos processos cognitivos. Com isso é assumida como constitutiva do
sujeito, pois possibilita as interações fundamentais para a construção
do conhecimento.
Conforme Sá (2002), uma pessoa surda é alguém que vivencia um
déficit de audição que o impede de adquirir, de maneira natural, a lín-
gua oral/auditiva usada pela comunidade majoritária e que constrói
sua identidade baseada principalmente nessa diferença, fazendo uso
de estratégias cognitivas e de manifestações culturais diferentes da
maioria das pessoas que ouvem.
No tocante a definição de surdez, esta na atualidade, é uma limita-
ção sensorial que não impossibilita a área cognitiva de um aluno sur-
do. A pessoa com surdez é vista como um indivíduo que tem caracte-
rísticas próprias, a quem a educação deve priorizar um aprendizado
humanizado, buscando alternativas que possibilitem a maximização
da inclusão.
264 | O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA ALUNOS COM SURDEZ NO ENSINO SUPERIOR

A EDUCAÇÃO DAS DIFERENÇAS

A prática da inclusão quebra as barreiras que pregam o conserva-


dorismo na educação, questiona os sistemas educacionais; seus fun-
damentos; contesta a rigidez dos modelos ideais, as normas de perfis
específicos de alunos e a seleção dos candidatos a frequentar as esco-
las. Esta visão educacional de inclusão não deixa surgir as diferenças e
a exclusão. O poder instituído aos sistemas educacionais deixa surgir
diferenças também nas escolas e não somente entre alunos. A dicoto-
mia normais e especiais cria espaços educacionais distintos para os
alunos - espaços pedagógicos que mantém tal separação - e define fun-
ções dos professores, dos currículos, dos programas, das avaliações e
promoções dos que fazem parte de cada espaço (Ropoli, 2010).
Ropoli (2010) defende que os ambientes de ensino que praticam
a inclusão fundamentam-se em uma concepção de identidade e dife-
renças e não identifica uma identidade mais privilegiada em relação às
outras. Em ambientes excludentes, a identidade normal é denominada
como natural, sendo vista como generalizada e positiva, faz com que as
outras identidades sejam avaliadas e hierarquizadas. Essa denomina-
ção tem origem em sistemas de ensino ou pessoas que têm o poder de
dividir e classificar. Mas felizmente isto cai por terra quando professo-
res e gestores têm princípios inclusivos.

Educação inclusiva significa provisão de oportunidades equi-


tativas a todos os estudantes, incluindo aqueles com deficiên-
cias severas, para que eles recebam serviços educacionais efi-
cazes, com os necessários serviços suplementares de auxílio
e apoios, em classes adequadas às idades, em escolas da vizi-
nhança, a fim de prepará-los para uma vida produtiva como
membros plenos da sociedade. (SASSAKI, 1997, p. 122)

Mantoan (2010), em suas sábias palavras, mostra-nos que os


problemas conceituais, bem como o desrespeito a preceitos consti-
tucionais, as interpretações tendenciosas da legislação educacional e
preconceitos distorcem ou mascaram o sentido da inclusão escolar e
Sandra de Andrade Santos | Joelma Alves da Rocha | Cristina Nunes dos Santos | 265

esta fica reduzida unicamente à inserção de alunos com deficiência no


ensino regular e desconsidera os benefícios que essa nova proposta
educacional propicia à educação dos alunos em geral. Essa autora con-
tinua dizendo que a escola exclui os que não sabem ou não praticam
o conhecimento que ela valoriza. Mantoan entende a democratização
como massificação de ensino e afirma que a escola não possibilita
oportunidades para que exista o diálogo entre os novos saberes que
invadiram seu espaço. A trajetória escolar precisa ser repensada, con-
siderando os efeitos cada vez mais nocivos das disciplinas curricula-
res, os quais dificultam a articulação dos saberes.
Não se busca aqui uma adaptação curricular e sim novos métodos
ou novas práticas de ensino. A melhoria na qualificação dos professo-
res já está acontecendo. O que se almeja é pôr em prática o que está
sendo divulgado nos estudos científicos ou o interesse em uma relação
interdisciplinar com outros profissionais, já que, no que diz respeito
aos alunos existem várias formas e níveis de conhecimento em uma
sala de aula.

OS SURDOS NAS UNIVERSIDADES

No Brasil, no ano de 2011, 1.582 alunos com surdez fizeram suas


matrículas junto às instituições de ensino superior. A entrada destes
alunos, neste nível de ensino na região Nordeste no mesmo ano totali-
zaram 274 matrículas; houve o ingresso de 158 alunos na rede pública
e 116 na rede privada. No estado de Sergipe, o número de matrícula
alcançado foi de 20; na rede pública de ensino superior ingressaram
17 alunos e na rede privada 3 alunos (MEC/INEP, 2012). A portaria
1.679/99, de 02 de dezembro de 1999, assegura as condições bási-
cas que permitam a mobilidade e a utilização de equipamentos nesses
espaços de ensino, permitindo o acesso ao ensino superior da pessoa
com deficiência.
A maior parte das aulas nos cursos de ensino superior é feita com
base em debates e trocas de experiências ou informações entre alu-
nos e professores. Isto impossibilita a leitura labial; os conteúdos de-
batidos não estão nos livros para que o aluno possa acompanhar. A
266 | O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA ALUNOS COM SURDEZ NO ENSINO SUPERIOR

leitura labial depende muito de quem está falando, pois fatores como
espessura dos lábios, a expressão facial e fala rápida de boca fechada
ou aberta podem dificultar essa leitura (STROBEL in BRASIL, 2006).
É notório que muitos estudantes do ensino superior enfrentarão
dificuldades em sua trajetória acadêmica, já que as instituições ainda
agem como se os alunos, recém-saídos do ensino médio, estivessem
prontos para cursar a educação superior, com o domínio de conheci-
mentos básicos exigidos. O aprendizado de disciplinas importantes
para sua formação será prejudicado, já que muitos acadêmicos estu-
daram em escolas públicas que não possuíam recursos humanos e
materiais necessários para sua formação escolar, que atualmente é
garantida por lei. Nota-se que os conhecimentos mínimos, básicos, exi-
gidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, que especificam o que
aprender e as habilidades que precisam ser alcançadas em cada disci-
plina curricular, não foram contemplados em sua totalidade.
Para Strobel in Brasil (2006), a inclusão não acontece. O que ocorre
é uma adaptação forçada com a situação do dia a dia dentro das ins-
tituições de ensino. Seria mais fácil se essas instituições aceitassem
ajudar sem preconceitos e procurassem adequar as várias situações
de dificuldades cedendo intérpretes, profissionais de língua de sinais
durante as aulas. Contudo, é importante destacar que para a disponibi-
lização dos intérpretes depende da individualidade de cada ser surdo:
a identidade surda, o domínio de língua de sinais, para que haja a plena
satisfação em receber esse profissional.
Brasil (2006) defende a potencialização de atividades que visem
ao exercício dialógico no cotidiano, estabelecendo o respeito mútuo
e o reconhecimento das diferenças. As aulas tradicionais, nas quais
o professor demonstra conhecimento e os alunos apenas o recebem,
dificulta o relacionamento dos alunos surdos, pois impede o trabalho
cooperativo com seus colegas. A utilização de recursos visuais, manu-
ais ou simbólicos, a experiência direta, a observação, a exploração e a
descoberta possibilitam tal trabalho cooperativo e o contato entre os
membros do grupo nas instituições de ensino superior.
É perceptível que a educação ofertada nas instituições de ensino
superior está pouco familiarizada com a inclusão em relação ao ensino
Sandra de Andrade Santos | Joelma Alves da Rocha | Cristina Nunes dos Santos | 267

fundamental. Isso se deve, principalmente, a um número significativo


de professores especializados nessa subárea do nível inicial de ensino.
Os professores da educação básica são expostos na maioria das vezes
à formação continuada na área da educação especial e ou são atiçados
mais frequentemente acerca do tema, já que a inclusão está ocorrendo
visivelmente nas séries iniciais do ensino fundamental.
Com isso, vê-se a necessidade de investimento do AEE no ensino
superior, tanto em recursos didático-pedagógicos e estrutura física das
instituições, como também em recursos humanos capacitados para a
efetivação da inclusão, tentando alcançar as diversas áreas de forma-
ção na educação superior.

ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO NO ENSINO


SUPERIOR

É evidente que se precisa reinventar as formas de entendimento


sobre a escola e suas práticas pedagógicas, romper com os modos rí-
gidos de pensar e agir no que se refere à escolarização. O paradigma
da inclusão trata os seres humanos em suas diferenças, refletidas nas
relações, experiências e interações. As pessoas com surdez não podem
ser percebidas somente pela condição sensorial, desconsiderando
suas potencialidades que as integram a outros processos de percep-
ção, já que são seres de consciência, de pensamento e de linguagem
(ALVEZ, 2010). Alvez (2010) aborda detalhadamente o tema AEE, por
isso este tópico a evidencia de forma abundante.
O atendimento educacional especializado é um serviço da educa-
ção especial que visa melhorar o processo ensino-aprendizagem com
foco em identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de
acessibilidade que eliminem barreiras para a plena participação dos
alunos, considerando suas necessidades específicas (SEESP/MEC,
2008). “Este atendimento complementa e ou suplementa a formação
do aluno, visando a sua autonomia na escola e fora dela, constituindo
oferta obrigatória pelos sistemas de ensino” (ALVEZ, 2010). Com isso,
os alunos com surdez no ensino superior precisam de um atendimen-
to que elimine barreiras impostas ou adquiridas pela antiga visão de
268 | O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA ALUNOS COM SURDEZ NO ENSINO SUPERIOR

ensino. O atendimento educacional especializado no ensino superior


se faz importante também para suplementar e complementar as la-
cunas deixadas no processo de ensino-aprendizagem de professores
sem formação ou mal formados provenientes de um sistema de ensino
que visava à homogeneidade de aprendizado, de escolas rotulistas, de
recursos didáticos insuficientes ou da não existência destes.
Alvez (2010), uma autora singular que conceitua e descreve com
base legal o AEE, defende que o professor do AEE deve estudar as habi-
lidades e necessidades educacionais específicas do aluno com surdez
elaborando um plano de AEE, identificando também as possibilida-
des e barreiras encontradas no processo de escolarização desse aluno
para, assim possibilitar o AEE em três momentos didático-pedagógi-
cos, de acordo com Damázio (2007): AEE em Libras, AEE de Libras e
AEE de Língua Portuguesa.

O AEE em Libras fornece a base conceitual dos conteúdos cur-


riculares desenvolvidos na sala de aula [...]. [...] O AEE de Libras
favorece a contextualização significativa, deve-se levar em con-
sideração o conhecimento que o aluno tem a respeito da Libras
e realizar o atendimento de acordo com o estágio de desenvol-
vimento da língua em que o aluno se encontra [...]. [...] O AEE de
Língua Portuguesa, orienta-se pela concepção bilíngue – Libras
e Português escrito, como línguas de instrução destes alunos
[...] (DAMÁZIO, 2007 in ALVEZ, 2010, p. 12; 17 e 18).

Para o ensino superior, os alunos com surdez, à primeira vista, deve-


riam ter o AEE em LIBRAS, subtendendo que os alunos com surdez nes-
se nível de ensino já têm fluência na LIBRAS. Não são descartadas aqui
as várias especificidades que cada aluno apresenta no processo de en-
sino-aprendizagem e seu histórico de vida escolar. O professor da sala
de recursos multifuncionais construirá um plano de atendimento do
AEE ressaltando os indicadores necessários para um serviço efetivo.
Cabe ao professor do AEE acolher todos os alunos que precisam
ser valorizados; identificar as habilidades e as necessidades educacio-
nais específicas, contemplando uma avaliação inicial de conhecimento;
Sandra de Andrade Santos | Joelma Alves da Rocha | Cristina Nunes dos Santos | 269

estabelecer parceria com os professores da sala de aula para discussão


dos conteúdos, com o intuito de objetivar a coerência entre planeja-
mento das aulas e o do AEE; realizar estudos dos termos científicos,
próprios das áreas específicas em Libras, ampliando assim o vocabu-
lário - nesta etapa do planejamento do AEE é inegável a participação
do intérprete de LIBRAS para obter também o aprofundamento dos
conhecimentos nessa língua; identificar, organizar e produzir de re-
cursos didáticos acessíveis a serem utilizados para ilustrar as aulas na
sala de aula comum e no AEE, assim como dramatizações, pantomi-
mas, recursos visuais, sendo produzidos pelos professores e alunos e a
avaliação de aprendizagem por meio da Libras, verificando a compre-
ensão e a evolução conceitual dos alunos com surdez (ALVEZ, 2010).
Alvez afirma ainda que as instituições devem estar preparadas
para compreender cada pessoa em suas potencialidades, singulari-
dades e diferenças e seus contextos de vida e a partir daí, pensar e
construir uma prática pedagógica que assuma a abordagem bilíngue
e se volte para o desenvolvimento das potencialidades das pessoas
com surdez na escola. “O atendimento às necessidades educacionais
específicas desses alunos é reconhecido e assegurado por dispositivos
legais, que determinam o direito a uma educação bilíngue, em todo o
processo educativo”.
É notório que um professor ministrar aula em duas línguas simul-
taneamente é muito complexo, já que demanda um esforço além de
suas capacidades. O professor pode ter domínio em duas línguas, mais
fica inviável se comunicar nas duas ao mesmo tempo. A educação bi-
língue está pautada na prática pedagógica na sala de aula comum e no
AEE porque, de acordo com o Decreto 5.626/05, de 22 de dezembro de
2005, o cidadão com surdez tem o direito a uma educação que garanta
a sua formação em Língua Brasileira de Sinais e em Língua Portuguesa,
de preferência na modalidade escrita, ambas devem constituir línguas
em instrução, ocorrendo de forma simultânea no ambiente educacional.
Na educação de surdos no ensino superior é imprescindível um
intérprete na sala de aula para interpretar os conteúdos ministrados
pelo professor: “O tradutor e intérprete terá competência para realizar
interpretação das duas línguas de maneira simultânea ou consecutiva
270 | O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA ALUNOS COM SURDEZ NO ENSINO SUPERIOR

e proficiência em tradução e interpretação da Libras e da Língua Por-


tuguesa” (Lei 12.319/10, de 01 de setembro de 2010). Aliado a essa
prática, o AEE em LIBRAS, fornece base conceitual dos conteúdos cur-
riculares desenvolvidos na sala de aula, contribui para a participação
do aluno com surdez nas aulas, interagindo com o professor e colegas.
Este atendimento possibilita a ampliação da relação dos alunos com o
conhecimento, proporcionando-lhes a formulação de ideias através de
questionamentos e da liberdade de expressão.

ARCABOUÇO LEGAL QUE ASSEGURA O AEE NO ENSINO


SUPERIOR

A Constituição Federal (1988) defende o serviço do AEE às pessoas


com deficiência, no artigo 208, inciso III. A Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional – LDBEN (1996) também assegura esse serviço,
ressaltando que quando necessário será ofertado um serviço de apoio
especializado, com objetivo de atender às peculiaridades da clientela
da Educação Especial. Estas peculiaridades diferem em níveis entre os
alunos que apresentam uma mesma limitação; por isso, esse atendi-
mento caracteriza-se como sendo um serviço especializado, direciona-
do e elaborado especificamente para cada aluno com deficiência.
A Portaria 3.284/03, de 07 de novembro de 2003, dispõe sobre
requisitos de acessibilidade de pessoas com deficiência, para instruir
os processos de autorização e de reconhecimento de cursos e de cre-
denciamento de instituições. Esse documento considera a necessidade
de assegurar aos portadores de deficiência física e sensorial condições
básicas de acesso ao ensino superior, de mobilidade e de utilização de
equipamentos e instalações das instituições de ensino. No artigo 2º,
parágrafo 1º, inciso III consta o seguinte:
Quanto a alunos portadores de deficiência auditiva, compro-
misso formal da instituição, no caso de vir a ser solicitada e até
que o aluno conclua o curso:
a) de propiciar, sempre que necessário, intérprete de língua de
sinais/língua portuguesa, especialmente quando da realização
e revisão de provas, complementando a avaliação expressa em
Sandra de Andrade Santos | Joelma Alves da Rocha | Cristina Nunes dos Santos | 271

texto escrito ou quando este não tenha expressado o real co-


nhecimento do aluno;
b) de adotar flexibilidade na correção das provas escritas, va-
lorizando o conteúdo semântico;
c) de estimular o aprendizado da língua portuguesa, princi-
palmente na modalidade escrita, para o uso de vocabulário
pertinente às matérias do curso em que o estudante estiver
matriculado;
d) de proporcionar aos professores acesso à literatura e in-
formações sobre a especificidade linguística do portador de
deficiência auditiva.

O Decreto nº 5.296/04, de 02 de dezembro de 2004, estabelece


normas e critérios para a promoção da acessibilidade às pessoas com
deficiência ou mobilidade reduzida. Esse decreto “impulsionou o Mi-
nistério da Educação e Cultura a elaborar o Programa Incluir no en-
sino superior, como forma de garantir a acessibilidade universal aos
espaços públicos, à instrução e ao conhecimento nesse nível de ensino”
(SILVA & TELES, 2012)
O Decreto 5626/2005, em seu artigo 14º, alega que as instituições
federais devem garantir obrigatoriamente aos alunos com surdez o
“acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos se-
letivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em
todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde a educação
infantil até à superior”. No artigo 22º, esse decreto garante ainda o
atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos surdos,
desde a educação infantil, nas salas de aula e, também, em salas de
recursos, em turno contrário ao da escolarização. No ensino superior:

Art. 23. As instituições federais de ensino, de educação básica


e superior devem proporcionar aos alunos surdos os serviços
de tradutor e intérprete de Libras/Língua Portuguesa em sala
de aula e em outros espaços educacionais, bem como equipa-
mentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação,
à informação e à educação.
272 | O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA ALUNOS COM SURDEZ NO ENSINO SUPERIOR

§ 1o Deve ser proporcionado aos professores acesso à literatura


e informações sobre a especificidade linguística do aluno surdo.

Vemos que as instituições de ensino superior ainda não dispõem


de equipamentos e tecnologias voltados para a comunicação, informa-
ção e educação ou, quando os têm, são insuficientes para o número de
alunos. Muitos professores, principalmente do nível superior, desco-
nhecem o direito linguístico da pessoa com surdez.
No tocante à Educação Inclusiva, a Política Nacional de Edu-
cação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2007) alega
que a Educação Especial é uma modalidade de ensino que perpassa
todos os níveis do ensino e que se estrutura como apoio e Aten-
dimento Educacional Especializado aos alunos com necessidades
educacionais especiais.
O Decreto 7611/11, de 17 de novembro de 2011, que dispõe sobre
o Atendimento Educacional Especializado assegura:

Art. 2o A educação especial deve garantir os serviços de apoio


especializado voltado a eliminar as barreiras que possam obs-
truir o processo de escolarização de estudantes com deficiên-
cia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilida-
des ou superdotação.
§ 1º Para fins deste decreto, os serviços de que trata o caput
serão denominados atendimento educacional especializado,
compreendido como o conjunto de atividades, recursos de
acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e con-
tinuamente, prestado das seguintes formas:
I – complementar a formação dos estudantes com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento, como apoio perma-
nente e limitado no tempo e na frequência dos estudantes às
salas de recursos multifuncionais; ou
II – suplementar a formação de estudantes.

No artigo 3º são expostos os objetivos do atendimento educacional


especializado: Fornecer condições de acesso aos alunos, participação
Sandra de Andrade Santos | Joelma Alves da Rocha | Cristina Nunes dos Santos | 273

e aprendizagem no ensino regular e garantir serviços de apoio espe-


cializados de acordo com as necessidades individuais dos estudantes;
responsabilizar-se sobre a transversalidade das ações da educação
especial no ensino regular; estimular o desenvolvimento de recursos
didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras no processo de en-
sino e aprendizagem; e asseverar condições para que o discente con-
tinue os estudos nos demais níveis, etapas e modalidades de ensino.
No que se refere ao AEE do aluno no turno oposto as suas aulas
regulares, o Decreto 5626/2005, em seu artigo 15º, trata que o ensi-
no de LIBRAS e o da Língua portuguesa na modalidade escrita devem
complementar o currículo da base nacional comum e ser ministrados
em uma perspectiva dialógica, funcional e instrumental, no caso do
ensino superior, nas áreas de conhecimento, como as disciplinas cur-
riculares, tratando dos termos técnicos e científicos de formação do
aluno com surdez. Aliado a isso, “as instituições federais de ensino da
educação básica e da educação superior devem incluir, em seus qua-
dros, em todos os níveis, etapas e modalidades, o tradutor e intérprete
de Libras/Língua Portuguesa, para viabilizar o acesso à comunicação,
à informação e à educação de alunos surdos” (ARTIGO 21, DECRETO
5626/2005).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a inserção de alunos com surdez no ensino superior é neces-


sário que sejam realizadas ações para que as lacunas deixadas pela
antiga visão educacional sejam preenchidas. O aumento do número
de pessoas com surdez nas IES exige uma atenção voltada para esta
clientela, já que muitos não tiveram uma educação bilíngue - acesso ao
AEE; a disponibilidade de intérpretes nos níveis anteriores de ensino
devido ao fato de muitos apresentarem dificuldade no idioma portu-
guês escrito ou aprenderam a LIBRAS em idade tardia.
As instituições de ensino superior ainda estão se adequando às
exigências mínimas feitas pelas políticas públicas da educação na
perspectiva inclusiva. Os professores também devem buscar práticas
pedagógicas que contemplem essa demanda. A utilização de recursos
274 | O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA ALUNOS COM SURDEZ NO ENSINO SUPERIOR

visuais tem grande valia na aprendizagem dos alunos com surdez. A


internet também é frequente no cotidiano desses alunos.
Percebe-se que o AEE é ofertado predominantemente nas séries ini-
ciais do ensino fundamental em turno contrário. Mas este serviço deve
ser oferecido nos outros níveis e modalidades de ensino; no caso deste
estudo, no ensino superior. Por enquanto, o serviço de intérpretes é o
único cumprimento legal nas universidades e faculdades públicas e pri-
vadas no que se refere à prática da inclusão aos alunos com surdez.
O professor do AEE no ensino superior deve obter informações
relativas à limitação do aluno e suas potencialidades, como também
dados referentes a um histórico educacional para que o plano do AEE
tenha a sua função efetiva. Essas informações podem ser levantadas
através de entrevista com o aluno e pais ou responsáveis, como tam-
bém com os professores e intérpretes da instituição de ensino superior
que atende a esse aluno. A parceria com outros profissionais é uma
ação importante para a rapidez na superação das barreiras no apren-
dizado. A relação interdisciplinar entre os profissionais envolvidos
contribui para o avanço educacional. No plano de AEE devem conter
também os objetivos; a organização do atendimento, como o tempo do
atendimento, o período, a frequência e a composição: individual ou co-
letiva; as atividades a serem desenvolvidas pelo aluno e para o aluno, a
seleção de materiais e equipamentos produzidos e a serem adquiridos
e os profissionais da instituição, como porteiros, serviços gerais, entre
outros, que precisam receber orientação do professor do AEE.
A educação bilíngue ocorrerá principalmente no AEE, já que o
atendimento ao aluno surdo se dará em dois momentos principais:
O AEE em Libras e o AEE de Língua Portuguesa, contribuindo para o
conhecimento e ampliação do vocabulário em termos técnicos e cien-
tíficos em Libras e no português escrito, sendo necessária a participa-
ção do intérprete nesses momentos para que ele também aprofunde o
vocabulário em Libras. Esses momentos podem caracterizar-se, para
este profissional como horas de estudo.
A busca da qualidade de ensino também está atrelada à inserção
desses alunos no nível superior bem como as novas práticas didáti-
co-pedagógicas nesse ambiente científico. Os surdos devem ser ou-
Sandra de Andrade Santos | Joelma Alves da Rocha | Cristina Nunes dos Santos | 275

vidos para que sejam identificadas futuras melhorias educacionais.


O movimento surdo, professores surdos e as associações de surdos
são locais e pessoas para debater as situações mencionadas anterior-
mente. Podem ser chamados a contribuir com suas opiniões acerca
da temática. A formação continuada com a abordagem da inclusão
deve ser praticada também por professores de outras áreas de for-
mação e atualmente se vê mais frequentemente nos departamentos
de educação.
Os alunos surdos, estudantes das instituições de ensino superior,
também irão perceber o que pode ser melhorado, contribuindo, dessa
forma, com a busca da qualidade de ensino, com a construção de novas
práticas didático-pedagógicas e com a educação das diferenças.

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278 | O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA ALUNOS COM SURDEZ NO ENSINO SUPERIOR
Gicélia Barreto Nascimento | 279

Capítulo 14 | O INTÉRPRETE DE LIBRAS E O ALUNO SURDO

Gicélia Barreto Nascimento

E ste capítulo discute a importância do Intérprete de LIBRAS no


processo educacional dos alunos surdos e traz o recorte de uma
pesquisa desenvolvida em uma escola pública de Sergipe, na cidade
de Aracaju, em 2011. Ao longo do texto priorizou-se escrever a pala-
vra “Surdo” (escrita com letra maiúscula) para designar pessoas com
características comuns, língua, cultura e identidade próprias, diferen-
ciando de “surdo” (escrito com inicial minúscula), que designa a defici-
ência, o sentido que falta a esses sujeitos, como defende Sacks (1989)
ao se referir à comunidade surda americana.

SURDEZ E INCLUSÃO

A educação inclusiva começa a adentrar em meio às políticas edu-


cacionais a partir dos anos 1990 com a realização de dois eventos in-
ternacionais, a saber: a Conferência Mundial de Educação para Todos,
realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e aConferência Mundial
de Educação Especial, realizada em Salamanca, na Espanha, em 1994.
Esses eventos possibilitaram a discussão e reformulação do sistema
de ensino e permitiram debates para modificar o quadro educacional
direcionado ao aluno com necessidades educacionais especiais (PRU-
DENTE, 2004b). Da conferência realizada em Salamanca surgiu o do-
cumento Declaração de Salamanca, que teve como objetivo construir
“uma sociedade inclusiva” e alcançar “uma educação para todos” (SAN-
TOS, 2000, p. 4).
A política de educação inclusiva parte do pressuposto de que de-
vemos construir um sistema educacional com qualidade, respeitando,
280 | O INTÉRPRETE DE LIBRAS E O ALUNO SURDO

assim, as diferenças que cada indivíduo vai apresentar na vasta diver-


sidade das suas características e necessidades.
Ao falar de inclusão, é importante diferenciá-la do conceito de in-
tegração, pois integrar significa colocar o indivíduo na sala de aula,
mas não se atentar as suas diferenças em conviver nesse espaço e em
prosseguir educacionalmente para uma boa aprendizagem. Diferente-
mente, incluir é:

Construir e pôr em prática no ambiente escolar uma pedago-


gia que consiga ser comum ou válida para todos os alunos da
classe escolar, porém capaz de atender os alunos cujas situ-
ações pessoais e características de aprendizagem requeiram
uma pedagogia diferenciada. Tudo isto sem demarcações, pre-
conceitos ou atitudes nutridoras dos indesejados estigmas. Ao
contrário, pondo em andamento, na comunidade escolar, uma
conscientização crescente dos direitos de cada um(BEYER,
2006, p.76).

No Brasil, a política inclusiva visa garantir os direitos da população


que não tem acesso ao desenvolvimento educacional, por meio de docu-
mentos oficiais. Dentre estes documentos, merecem destaque a Lei de
Diretrizes e Bases (LDB), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o
Decreto Lei de LIBRAS nº 5.626, de dezembro de 2005. A LDB, em seu
capítulo V, “Da Educação Especial”, define educação especial como a mo-
dalidade escolar para educandos “portadores de necessidades especiais”,
preferencialmente na rede regular de ensino, disponível da educação in-
fantil (de zero a seis anos) até a educação superior, visto que se propõe a
promover serviços de apoio especializado e currículos diversificados para
atender às peculiaridades de cada indivíduo (BRASIL, 1996).
Passando à Lei de LIBRAS, temos como principal destaque a inclu-
são da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como disciplina curricu-
lar obrigatória para a formação de profissionais que irão atender aos
deficientes auditivos e/ou surdos e a instituição do bilinguismo aos
surdos como forma de incluí-los no meio social e promover também
um melhor aprendizado (BRASIL, 2005).
Gicélia Barreto Nascimento | 281

O bilinguismo destacado na lei de LIBRAS é primordial na educa-


ção dos Surdos porque valoriza a língua natural desses sujeitos, sua
identidade e cultura. Ser bilíngue significa que o Surdo deve adquirir
como primeira língua (L1) a língua de sinais, em contato com outros
sujeitos Surdos, e como segunda língua (L2) a língua oficial de seu país
(LODI, 2005). Essa segunda língua é sempre adquirida a partir de L1,
que possibilita aos Surdos serem fluentes em sua língua e terem acesso
a sua cultura e identidade próprias.
As leis apresentadas aqui existem para assegurar o direito de in-
clusão das pessoas com necessidades especiais; porém a realidade
educacional ainda tem um longo caminho pela frente, e muitas barrei-
ras precisam ser removidas para que a educação deixe de ser integra-
tiva e seja de fato inclusiva.

O INTÉRPRETE DE LIBRAS E A EDUCAÇÃO DOS SURDOS

A atuação do intérprete de LIBRAS iniciou enquanto prática volun-


tária, e à medida que os Surdos foram conquistando seus direitos como
cidadãos é que a atividade do profissional intérprete passou a ser valo-
rizada, reconhecida e oficializada enquanto profissão (QUADROS, 2004).
Autores como Quadros (2004), Martins (2009) e Masutti e Santos
(2008) trazem em seu trabalho um resgate histórico da trajetória dos
tradutores e intérpretes de língua de sinais em países como Suécia,
Estados Unidos, França, Dinamarca, Alemanha e Brasil. Esses autores
descrevem a atuação desses profissionais e o percurso histórico, desde
ações voluntárias e religiosas até sua configuração enquanto profissão.
Na Suécia, a atuação dos intérpretes iniciou no século XIX em ati-
vidades religiosas. Posteriormente,em 1938, houve a criação de cinco
cargos de conselheiros para Surdos, e com isso surgiu a necessidade
de aumentar o número de intérpretes para dar conta da demanda vi-
gente. Então, no ano de 1968, diante das reivindicações da Associação
Nacional de Surdos, o Parlamento decidiu que todos os Surdos teriam
direito a um intérprete sem arcar com as responsabilidades. Nesse
mesmo ano foi organizado pela Associação Nacional de Surdos o pri-
meiro curso de treinamento de intérprete do país.
282 | O INTÉRPRETE DE LIBRAS E O ALUNO SURDO

Nos Estados Unidos, o primeiro intérprete de que se tem notícia foi


Thomas Gaullaudet, intérprete de um surdo francês chamado Laurent
Clerc, que estava nos Estados Unidos para promover a educação das
pessoas surdas. A comunicação com os Surdos do país era intermedia-
da por vizinhos, amigos, parentes e religiosos que agiam voluntaria-
mente, mas a comunicação era bastante limitada (QUADROS, 2004).
Até que em 1964 foi fundada uma organização nacional de intérpretes
para Surdos, a qual atualmente é denominada RID e realiza importan-
tes contribuições na seleção desses profissionais, permite a emissão
de certificados, mantém registro e promove capacitação e aperfeiçoa-
mento profissional para os intérpretes.
Na França, Dinamarca e Alemanha há cursos com duração de dois
anos; e ao ingressar no curso não é necessário que o indivíduo já tenha co-
nhecimentos sobre língua de sinais. Os intérpretes atuantes nos países são
registrados em organizações e associações nacionais (QUADROS, 2004).
No Brasil, a atuação dos intérpretesiniciou na década de 1980,
associado a instituições religiosas, junto à família e amigos. O traba-
lho se expandiu principalmente em diferentes religiões, instituições
educacionais e diversas associações e levou à mobilização desses in-
térpretes em busca do reconhecimento da sua prática como profissão
(MASUTTI; SANTOS, 2008).
Também há registros encontrados da atuação do intérprete que
datam de 1988 em um relatórioem ata da Federação Nacional de Edu-
cação e Integração dos deficientes Auditivos (FENEIDA), fundada em
1973, que posteriormente, em 1986, foi transformada emFederação
nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS).No relatório
divulgado pela FENEIS estão descritas as atividades desenvolvidas
por intérpretes de LIBRAS, de 1988 a 2002, que eram principalmente
atuação em redes televisivas no Rio de Janeiro; atuação em empresas
de aviação; encaminhamentos às escolas estaduais; atuação em asses-
soria jurídica; contato com escolas especiais; atuação em atividades
de RH; atuação em palestras; atuação em bancos e atuação em órgãos
públicos, em igrejas e em faculdades (MARTINS, 2009).
A atuação desses profissionais já era intensa no país; porém a fal-
ta de formação especializada era uma das dificuldades enfrentadas.
Gicélia Barreto Nascimento | 283

Algumas universidades e faculdades passaram a oferecer cursos de


formação, mas apenas com a implantação do Decreto 5.626 descrito
anteriormente, é que foi criado um Exame Nacional de Proficiência na
língua brasileira de sinais (PROLIBRAS), que destaca habilidades e com-
petências para a docência, tradução e interpretação (MARTINS, 2009).
O PROLIBRASé um exame aplicado em duas partes. A primeira
corresponde a uma prova objetiva em língua de sinais e envolve com-
preensão de LIBRAS, conhecimentos específicos, legislação e ética. A
segunda parte exige dos participantes uma prova prática de interpre-
tação e tradução da língua.
O intérprete de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é um dos pro-
fissionais responsáveis em incluir o Surdo, promovendo uma educação
com garantia de direitos:

O tradutor/intérprete de Libras é o profissional que interpreta


e traduz a mensagem de uma língua para outra de forma pre-
cisa, permitindo a comunicação entre duas culturas distintas.
Ele possui, assim, a função de intermediar a interação comuni-
cativa entre o surdo e a pessoa que não usa a Libras (MARCON,
2012. p.238).

Ele é o responsável por realizar a interpretação da língua portu-


guesa oral para a língua de sinais e vice-versa, e transmitir o conteúdo
das aulas para o aluno Surdo:

O intérprete, em situação face a face com o surdo, precisa dar


conta de formular todas as informações que estão sendo discu-
tidas. Essa condição vai marcar um momento de planejamento,
ou seja, o modo como ele irá organizar todas as informações
com base nas suas competências para poder transmiti-las na
língua alvo (MARCON, 2012. p.238).

Esse profissional se faz importante, pois estabelece o contato com


o aluno Surdo dentro da escola, possibilita o acesso à língua de sinais,
à cultura e identidade surda, permitindo, assim, que o educando te-
284 | O INTÉRPRETE DE LIBRAS E O ALUNO SURDO

nha condição de adquirir e ampliar seus conhecimentos. Ao realizar


a interpretação de uma língua para a outra, ele deve observar alguns
preceitos éticos: confiabilidade, pois ele deve respeitar o sigilo profis-
sional; imparcialidade, uma vez que deve estar atento para respeitar a
neutralidade e não interferir com opiniões próprias; discrição, sempre
estabelecendo limites no seu envolvimento durante a atuação; distân-
cia profissional e separação de sua vida profissional de sua vida pesso-
al; fidelidade, seguindo o princípio de que a interpretação deve ser fiel
e não se deve alterar a informação porque deseja ajudar ou porque tem
opiniões a respeito de assunto abordado. É importante ter em mente
que o objetivo da interpretação é passar o que realmente está sendo
dito pelo professor (QUADROS, 2004).
A história do intérprete mostra que a mudança em sua atuação,
antes voluntária e vinculada ao trabalho religioso para posteriormen-
te ser valorizado enquanto categoria profissional esteve associada ao
movimento de lutas dos indivíduos Surdos. As conquistas alcançadas
no campo educacional por meio de legislação específica para garantir
os direitos desses sujeitos só foram possíveis mediante intensa mobi-
lização na busca de espaço. Os intérpretes brasileiros também organi-
zaram movimentos, como encontros e seminários, buscando debater
o reconhecimento profissional, capacitações e aperfeiçoamento para
a categoria. Entre esses eventos, destacam-se o I Encontro Nacional
de Intérpretes, organizado em 1988 pela FENEIS no Rio de Janeiro;
o II Encontro Nacional realizado em 1992,também no Rio de Janeiro;
I Encontro Nordestino de Intérpretes de Libras, promovido em1998,
em João Pessoa; I Seminário de Intérpretes, realizado em 2001, em São
Paulo; I e II Encontros de Intérpretes do Estado de Santa Catarina, re-
alizados no ano de 2004 e 2005, respectivamente, em Florianópolis
(MASUTTI; SANTOS, 2008).
Ainda há muito a se conquistar e muitas dificuldades, a exemplo
de baixos salários, péssimas condições de trabalho, falta de aperfei-
çoamento e capacitações profissionais, que inviabilizam o trabalho e
tornam a profissão pouco valorizada.
Gicélia Barreto Nascimento | 285

A ATUAÇÃO DO INTÉRPRETE DE LIBRAS EM UMA ESCOLA RE-


GULAR DE ARACAJU-SE

Os aspectos discutidos anteriormente fizeram aumentar o interes-


se em conhecer uma escola e atentar a esse movimento de inclusão e
aplicação das leis, para possibilitar compreender de que maneira esse
processo está se construindo na educação dos Surdos em Sergipe, e
como está sendo estabelecida a atuação do profissional que tem a im-
portante responsabilidade de atuar na sala de aula junto ao aluno Sur-
do e promover uma educação bilíngue.
A seguir será descrito um trabalho que foi desenvolvido durante
minha graduação na Universidade Federal de Sergipe, em uma escola
pública regular localizada na cidade de Aracaju, que se autodenomina
uma escola inclusiva. No decorrer da pesquisa, essa unidade escolar
era composta de dez salas regulares, uma sala de informática e uma
sala de recursos. O número de alunos por sala era uma média de 30,
sendo que em cada sala havia dois ou três alunos surdos, totalizando
677 alunos em todos os turnos escolares.
Para poder frequentar as aulas e participar do funcionamento da
instituição, foi enviado um ofício à direção da escola informando o ob-
jetivo do trabalho. Este foi realizado no período de um mês, sendo co-
lhidosos dados por meio de observações da estrutura e funcionamento
da escola, observação das aulas e entrevistas com o intérprete de LI-
BRAS e com os alunos surdos, apenas no turno da tarde.
A cada visita era produzido um diário de campo, em que se des-
creviam todos os aspectos observados. Aqui serão apresentados dois
momentos vivenciados na instituição estudada, um que discute as di-
ficuldades enfrentadas pelos alunos surdos com a falta do profissional
intérprete no ambiente escolar e outro em que é descrita a importante
atuação do intérprete de LIBRAS como mediador entre o professor e
o aluno Surdo.
286 | O INTÉRPRETE DE LIBRAS E O ALUNO SURDO

A CARÊNCIA DE INTÉRPRETE DE LIBRAS NA ESCOLA REGULAR

Em uma das visitas foi realizada uma entrevistacom o único intér-


prete de LIBRAS, que trabalhava em 2011 na escola, acerca das diver-
sas dificuldades encontradas naquele ambiente de ensino. Ele relatou
que era o único profissional que desenvolvia o trabalha, assegurado
pela LDB, com os alunos surdos por conta do fim do contrato dos ou-
tros profissionais, pois não houve renovação dos contratos destes.
Dessa maneira, apenas uma sala era contemplada com o trabalho do
interprete (o 6° ano D), durante todas as aulas ministradas pelos pro-
fessores. O motivo pela preferência do intérprete nesta única sala não
foi informado.
Quando perguntado sobre as dificuldades que a escola apresenta-
va na inclusão do sujeito surdo, esse profissional disse que de todos os
lugares em que trabalhou essa unidade de ensino era a que apresenta-
va menos dificuldades. Afirmou também que a escola tinha professo-
res sensibilizados e dispostos a um trabalho inclusivo, diferentemente
de outros lugares, em que havia profissionais que se recusavam a fa-
zer provas diferenciadas para os alunos. Relatou que a coordenação
buscava incentivar e motivar os profissionais para trabalhar com esses
alunos e que o único problema era a falta de intérpretes, o que inviabi-
lizava um trabalho mais efetivo.
Quanto à relação dos alunos surdos com os ouvintes, ele disse que
havia uma boa interação entre ambos. Os ouvintes procuravam apren-
der a língua de sinais para se comunicarem com os surdos e não ha-
via nenhuma rejeição para se relacionar uns com os outros. Quando
questionado sobre as disciplinas que mais traziam dificuldades para
o sujeito surdo, destacou o Português em primeiro lugar, seguido de
Ciência e Química.
Percebe-se que esse profissional é de extrema importância na edu-
cação do surdo e que chega a ser uma referência na escola, pois domi-
na a língua natural dos surdos e faz a ligação entre o professor, falante
do Português e o aluno que se comunica em LIBRAS. Transitando entre
as duas línguas, passa as informações da aula para esse aluno.
Gicélia Barreto Nascimento | 287

O capítulo VI da LDB define que as instituições de ensino devem


proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete
de Libras-Língua Portuguesa em sala de aula e em outros espaços edu-
cacionais para viabilizar o acesso da pessoa surda aos conhecimentos
e conteúdos curriculares (BRASIL,1996).E o Decreto LIBRAS nº 5.626
busca garantir a presença do intérprete na sala de aula para assegurar
que a educação para Surdos seja bilíngue. Contudo, essa escola apre-
senta carência de profissionais que realizem esse trabalho e garantam
a inclusão dos alunos surdos.
Quando há carência de intérpretes de língua de sinais, a interação
entre surdos e pessoas que desconhecem a língua de sinais fica com-
prometida. As implicações disso são, pelo menos:
a) os surdos ficam isolados e deixam de participar de vários tipos
de atividades (sociais, educacionais, culturais e políticas);
b) eles não conseguem avançar em termos educacionais;
c) podem ficar desmotivados a participar de encontros e reuni-
ões porque não conseguem compreender o que está sendo dis-
cutido e não podem opinar;
d) esses alunos surdos não têm acesso às discussões e informa-
ções veiculadas na língua falada, sendo, portanto, excluídos da
interação social, cultural e política, sem direito de exercerem
sua cidadania;
e) os surdos são impedidos de expressar sua opinião;
f) os ouvintes que não dominam a língua de sinais não conse-
guem se comunicar com os surdos (QUADROS, 2004).

Um aspecto importante apontado pelo sujeito entrevistado é em


relação ao trabalho desenvolvido pelo professor. Ele informou que a
escola estudada tem professores engajados e dispostos a realizar um
trabalho inclusivo. Isto é extremamente importante, pois em um es-
paço educacional que enfrenta tantas carências, a conscientização do
professor sobre as dificuldades dos alunos contribui para uma prática
pedagógica diferenciada.
Ao comparar os professores de outras instituições em que traba-
lhou com os que atuam em seu ambiente atual de trabalho, o intér-
288 | O INTÉRPRETE DE LIBRAS E O ALUNO SURDO

prete consegue diferenciar profissionais que apenas integram o aluno


daqueles que realmente incluem. Prudente apud Moraes (2004a) clas-
sifica os professores em três grupos distintos:
a) O primeiro grupo não tem conhecimento sobre os movimentos
inclusivos que estão acontecendo. Os professores deste gru-
po não pararam para refletir, estudar ou questionar sobre os
acontecimentos;
b) Os professores do segundo grupo já tiveram experiências com
alunos deficientes, porém não corresponderam as suas expec-
tativas, ou já ouviram relatos de colegas que trabalharam com
esses alunos, ou, ainda nunca tiveram experiência em atuação
com tais educandos, mas já leram materiais a respeito ou ouvi-
ram falar por meio de propagandas;
c) Os professores do terceiro grupo, independentemente de te-
rem experiências, são capazes de superar os obstáculos e que-
brar as barreiras do preconceito. Os professores dessa catego-
ria estão abertos para debater sobre inclusão, aceitar o aluno
em sala de aula, visando a sua subjetividade e ressaltando o
que eles são capazes de construir.

Outra questão apontada no discurso do intérprete diz respeito às


dificuldades educacionais dos alunos em, principalmente, três discipli-
nas. A literatura discute e aponta diversas barreiras no processo edu-
cacional desses indivíduos, principalmente na aprendizagem da língua
portuguesa em sua modalidade escrita, visto que esse aprendizado traz
em si marcas do conflito linguístico que acompanham esses indivíduos
ao longo do seu desenvolvimento. São sujeitos que estão inseridos em
uma comunidade ouvinte, impedidos de manifestar sua língua natu-
ral e por meio desta agir sobre o universo da linguagem. No processo
de aprendizagem nem sempre a LIBRAS é aceita para intermediar as
práticas de leitura e escrita, sendo negado ao Surdo construir sentidos
para o texto utilizando a tradução para a língua de sinais:

Na escola predomina o enfoque na leitura e escrita do texto em


língua portuguesa, tendo a língua de sinais como um mero supor-
Gicélia Barreto Nascimento | 289

te, uma ferramenta a serviço da língua majoritária. Desta forma,


são silenciadas as produções textuais, as narrativas, as releituras
e a(s) tradução(ões) dos significados construídos em sinais. Tais
fatos parecem decorrer, em parte, de uma prática pedagógica que
por quase um século, predominou na educação de surdos, prática
essa que nos permite traçar um perfil da situação de ensino da
leitura, que se preocupou essencialmente com o ensino das nor-
mas do “bem falar e bem escrever” a língua portuguesa, dando à
leitura um espaço mínimo (Karnopp, 2005, p.65).

EM SALA DE AULA, UM OLHAR SOBRE A INCLUSÃO

Em outra visita houve a participação da pesquisadora em uma aula,


após o convite de um professor da escola. A aula observada foi de ma-
temática, no 6° ano D, única turma em que o intérprete está presente.
Na sala havia 13 alunos, dos quais são 10 ouvintes e três surdos. An-
tes de iniciar a aula o professor conversava na sala com os 10 alunos
ouvintes e o intérprete com os três surdos. Isso mostra a ligação que o
intérprete tem com os alunos surdos por dominar a LIBRAS e afirma
que a língua de sinais é a única língua que o surdo domina plenamente e
que serve para todas as suas necessidades de comunicação e cognitivas,
isto é, comunicação e organização do pensamento (GOLDFELD, 2002a).
Todos os alunos surdos sentavam em carteiras enfileiradas na
frente e muito próximos uns dos outros; os demais sentavam espalha-
dos pela sala. Ao iniciar a aula, cujo tema eram operações com frações,
o professor começou a corrigir um exercício da aula anterior e os alu-
nos surdos continuaram conversando entre si e com o intérprete. O
professor se dirigia apenas aos outros alunos, tirando as dúvidas do
exercício.
Aqui chama a atenção o fato de os alunos Surdos procurarem sen-
tar sempre próximos uns dos outros e o fato de buscarem dialogar
com falantes da LIBRAS. Mesmo o professor já tendo iniciado a aula
eles, continuaram interagindo entre si e com o intérprete, enquanto o
professor conversava com os outros alunos em língua portuguesa. Isso
mostra a importância que a língua de sinais tem na formação linguísti-
290 | O INTÉRPRETE DE LIBRAS E O ALUNO SURDO

ca desses sujeitos e permite que eles interajamcom seus pares, possam


se comunicar e expressem ideias e emoções.
Góes (2000) traz reflexões sobre os vários interlocutores da crian-
ça Surda que dialogam com ela em sinais. O autor aponta que estas
crianças na maioria das vezes não adquirem a língua de sinais pre-
cocemente, pois a maioria delas são filhas de pais ouvintes que não
compreendem o papel que a LIBRAS tem na constituição linguística
desses indivíduos, e por isso a constituição desses sujeitos como bi-
língues é adiada. Ao longo de sua vida, a criança vai interagindo com
diversos interlocutores e nos mais variados esquemas comunicativos,
principalmente com os pais ouvintes. Ao se aproximarem de outros
Surdos elas passam a interagir em sinais e isso passa a ser prioridade
em sua comunicação, pois essa língua permite-lhe constituir sua sub-
jetividade, significar o universo ao seu redor, a si mesma e aos outros.
Em seguida, o professor passou mais exercícios, copiando e falan-
do ao mesmo tempo. Enquanto ele explicava as novas operações, o in-
térprete transmitia a aula para os surdos na língua de sinais. Então,
o professor começou a responder juntamente com alunos, e em um
momento dirigiu-se a um aluno surdo para que este resolvesse uma
das operações. O aluno, por sua vez verbalizou o primeiro número e
fez o sinal para o segundo, sempre olhando para o professor, que com-
preendeu o que ele estava falando. Isso revela uma tentativa do aluno
surdo em interagir com o professor em português, visto que a maioria
dos professores não conhece a LIBRAS.
A realidade educacional em que a aula é ministrada em português
por um professor que não conhece a LIBRAS é apontada por alguns
autores como uma lacuna na interação entre esse professo e o aluno,
pois os surdos acabam conversando entre si pela língua de sinais, e
o professor ouvinte é deixado de lado por ser incompreendido (GOL-
DFELD, 2002b).
Durante a tradução da aula para os alunos foi observado que o in-
térprete não teve dificuldades em traduzir os conceitos matemáticos
do conteúdo abordado em sala, de maneira que a disciplina facilitou
a tradução por se tratar de conceitos envolvendo operações matemá-
ticas. Alguns autores como Masutti e Santos (2008); Quadros e Sou-
Gicélia Barreto Nascimento | 291

za (2008) e Marcon(2012) discutem alguns empecilhos que os intér-


pretes enfrentam durante a tradução de termos específicos da língua
portuguesa oral para a língua de sinais, visto quese trata de línguas
completamente distintas, isto porque, diferentemente do português a
LIBRAS é uma língua visual-espacial.
Quadros e Souza (2008), em uma pesquisa com tradutores Surdos
do curso de Letras LIBRAS da Universidade Federal de Santa Catari-
na (UFSC), desenvolveram algumas técnicas para auxiliar na tradução
de textos escritos na Língua Portuguesa para a Língua Brasileira de
Sinais, buscando elaborar estratégias de tradução dos conteúdos de
ensino que foram disponibilizados em um ambiente virtual de ensino-
-aprendizagem. Dentre essas técnicas destacam-se a importância de o
intérprete priorizar a tradução dos sentidos e evitar traduzir palavra
por palavra; deve-se levar em conta o objetivo do processo tradutório
em gerar o ensino e aprendizagem do conteúdo da aula; priorizar a
fidelidade tradutória do texto ao produzi-lo em língua de sinais; tornar
mais claros os textos alvos de tradução; o intérprete pode incluir in-
formações que sejam importantes e auxiliem a organizar o sentido do
texto; utilizar exemplos para explicar conceitos; quando for necessário
para esclarecer o conteúdo abordado, pode-se empregar o recurso de
“empréstimo linguístico”, ou seja, transpor uma palavra, letra a letra
do português para a LIBRAS; utilizar o alfabeto manual para introduzir
um termo técnico que surja no português e depois criar um sinal para
explicar esse termo; quando o intérprete se deparar com uma palavra
de difícil tradução é importante trocar ideias com seus pares ou utili-
zar o empréstimo de sinais existentes em línguas de sinais de outros
países.
Pode-se observar que houve interação do professor e dos alunos
ouvintes com os surdos e que nessa sala o processo educacional estava
de acordo com a LDB, uma vez que a presença do intérprete possibi-
litou aos alunos surdos se apropriar do conteúdo das aulas e melhor
compreender o conteúdo programático.
O intérprete de LIBRAS facilita a inclusão, possibilitando que os
alunos surdos participem ativamente da aula, assimilando e pondo em
prática o conteúdo ministrado. Também há uma relação saudável en-
292 | O INTÉRPRETE DE LIBRAS E O ALUNO SURDO

tre os colegas de sala. Entretanto, vale lembrar que essa era a única
sala que dispunha de intérprete e que nas demais salas essa inter-re-
lação não existia para possibilitar um adequado processo educacional
a esses alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho mostrou que o intérprete de LIBRAS é um profissio-


nal essencial na educação dos alunos surdos, possibilitando a intera-
ção entre eles e o professor ouvinte. Esse profissional é uma referência
para os alunos, pois domina a língua de sinais e a língua portuguesa,
mediandoa interação entre duas culturas diferentes.
Em todo o seu histórico de atuação em interpretar/traduzir as
informações na língua oral para os sujeitos surdos, o intérprete en-
frentou diversas dificuldades na busca de regulamentar seu fazer en-
quanto profissão. Muito foi conquistado por meio de mobilização da
própria categoria e também da comunidade surda, mas muito ainda
deve ser conquistado, e por isso os movimentos necessitam fortalecer
sua atuação para fazer cumprir as leis e assim conquistar condições
dignas de trabalho.
Foi possível notar que na instituição estudada existia uma carência
muito grande de intérpretes. Isto contradiz o discurso da instituição
que se denomina inclusiva, pois uma escola que aplica os princípios
defendidos na LDB, em apenas uma das dez salas que compõem sua
estrutura física está longe da definição de inclusão discutida neste
trabalho,de modo que a escola abordada aqui ainda caminha com pas-
sos lentos em direção à inclusão dos surdos.
A falta do intérprete na escola compromete a formação, uma vez
que sem um profissional que conhece a LIBRAS para intermediar a
aprendizagem dos alunos, eles deixam de participar de vários tipos
de atividades, não conseguem avançar em termos educacionais, ficam
desmotivados a participar de encontros e reuniões, não têm acesso às
discussões e informações veiculadas na língua falada, sendo, portanto,
excluídos da interação social, cultural e política e sem direito ao exer-
cício de sua cidadania.
Gicélia Barreto Nascimento | 293

Também foi possível observar a lacuna na interação do professor ou-


vinte com o aluno surdo porque a LIBRAS, língua que garante ao surdo ser
efetivo na comunicação, compreender o mundo a sua volta, interpretar e
agir sobre o universo da linguagem não é a mesma língua do professor
ouvinte. Como o professor não conhece a LIBRAS, ele passa a ser uma
figura que apenas transmite conteúdos em sala de aula de maneira indi-
reta, pois necessita do auxílio do intérprete. Isso impossibilita o diálogo
do professor com o aluno surdo sem a mediação do intérprete; e assim a
comunicação com esse aluno não é realizada de maneira satisfatória.
Esses aspectos nos levam a questionar como a inclusão está sendo
pensada. Será que o simples fato de existirem alunos Surdos no mesmo
espaço educacional dos ouvintes já é visto como inclusão por alguns
profissionais? Em qual definição as escolas se baseiam para se autode-
nominar inclusivas?
Este trabalho não pretende esgotar a discussão e não tem a preten-
são de trazer respostas. Ao contrário, traz indagações para que mais
pesquisas sejam produzidas e mais conhecimentos sejam somados na
contribuição e fortalecimento da educação brasileira e sergipana.
Por fim, fica claro que em um espaço educacional no qual há um
profissional que entende e atua valorizando o universo viso-espacial
da língua de sinais a aprendizagem se consolida como um direito ga-
rantido na Constituição Federal.

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294 | O INTÉRPRETE DE LIBRAS E O ALUNO SURDO

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296 | O INTÉRPRETE DE LIBRAS E O ALUNO SURDO
Genivaldo O. Santos Filho | Rozilda R. dos Santos Oliveira | Rita de Cácia S. Souza | 297

Capítulo 15 | A FUNÇÃO DOS TRADUTORES/INTÉRPRETES DE


LIBRAS - TILIBRAS - NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Genivaldo Oliveira Santos Filho
Rozilda Ramos dos Santos Oliveira
Rita de Cácia Santos Souza

C omo tradutores/intérpretes de Língua Brasileira de Sinais –


TILIBRAS, propomos apresentar esse tema devido à necessida-
de da conscientização da função do TILIBRAS na educação inclusiva.
Essa discussão tem sido alvo de muitas reflexões. O aluno surdo entra
em sala de aula em que os professores não estão preparados para ensi-
ná-los, surgindo assim a necessidade urgente do TILIBRAS. Desta for-
ma questionamos: como esses profissionais poderão ser introduzidos
na sala de aula voltada para a Educação Inclusiva? Quem são eles? Por
que eles têm uma função importante na educação inclusiva? É preciso
conhecer quem é para depois entender a importância que eles têm na
educação inclusiva.
O presente texto tem como objetivo apresentar a história do intér-
prete de língua oral – IO – e tradutor/intérprete de Língua de Sinais –
TILS, pois existem muitas dúvidas sobre a atuação desses profissionais,
como também contribuir com o desenvolvimento que vem sendo alcan-
çado na esfera acadêmica (formação), política (profissão) e social (mer-
cado de trabalho). Pensando nisso realizamos uma discussão de ideolo-
gia contemporânea para constituí-los como contribuintes da inclusão.
Devido à necessidade de compreensão da inclusão TILIBRAS per-
manente de atualização do seu exercício nos campos trabalhistas para,
especialmente, a demanda escolar contemporânea. Além disso, sem
uma conjectura crítica sobre essa demanda de não compreender o per-
curso deles, não poderíamos ajudá-los a desempenhar suas atividades
numa turma da educação inclusiva.
É imprescindível lembrar que os TILIBRAS farão a intermediação
entre surdos e ouvintes e vice-versa, e percebe-se que as pessoas sur-
298 | A FUNÇÃO DOS TRADUTORES/INTÉRPRETES DE LIBRAS

das são diferenciadas das outras “ditas normais”, pois necessitam do


intercâmbio desses profissionais. Por fim têm esses profissionais os
mesmos direitos constitucionais como qualquer outro cidadão, até
lhes é assegurado um ambiente de trabalho.
São relevantes as reflexões sobre o diálogo entre tradução e inter-
pretação, o TILIBRAS e contribuí-lhes para se desenvolverem como
facilitadores da inclusão com o objetivo de organizarem-se para o tra-
balho da coletividade. Verifica-se também que os surdos colaboram
diretamente para que esses profissionais sejam hoje regulamentados
ante a sociedade, a família e a comunidade. Neste contexto, conhecere-
mos a apreciação de ações que poder-se-á constituir em conhecimen-
tos de melhorias para a inclusão do TILIBRAS.
Essas ações também podem contribuir para novas pesquisas sobre
a inclusão e a função primordial do TILIBRAS na escola ou Faculdade/
Universidade, pois é necessário sempre cultivar novas ideias para fu-
turas transformações. Percebe-se a necessidade de expandir o reforço
e a importância do TILIBRAS na Educação inclusiva.
Para finalizar, fizemos uma pesquisa qualitativa do tipo bibliográfi-
co: Expusemos algumas narrativas dos teóricos: Quadro (2004), Pires
e Nobre (2004), Delisle e Woodsworth (2003), Wilcox (2005), Tanya
(2005) e outros, os quais fundamentaram nossas percepções sobre o
TILIBRAS. E exibimos nossas compreensões, com fundamentos nos
pesquisadores dessa demanda, através do seguinte roteiro: no primei-
ro momento mostramos a história dos tradutores/intérpretes – onde
estão relatadas histórias dos IOs e de Língua de Sinais – LS; no segun-
do momento traçamos reflexões a natureza e formação sobre os TILI-
BRAS; e no terceiro momento expusemos a visão que detectamos na
educação inclusiva sobre a introdução deles.

ASPECTOS HISTÓRICOS DOS TRADUTORES/INTÉRPRETES

Artefatos dos Intérpretes de Línguas Orais – ILO – na História

Como diz Pagura (2003, p. 4), “a mais antiga referência a um in-


térprete parece ser um hieróglifo egípcio do terceiro milênio antes de
Genivaldo O. Santos Filho | Rozilda R. dos Santos Oliveira | Rita de Cácia S. Souza | 299

Cristo. Há registros de intérpretes na antiga Grécia e no Império Roma-


no”. Nisso, provavelmente, à medida que os povos começaram o pro-
cesso de negociação, houve a necessidade de comunicação entre eles.
E assim, o outro lado da história. Há outra questão do profissional
de interpretação. Investigando os dados bíblicos, focalizamos a Torre de
Babel, cuja história busca salientar sobre que os povos utilizavam uma
única língua na comunicação, com isso construíram uma torre que al-
cançasse o céu. Assim, Deus fez com que a língua se diferenciasse e re-
sultou a interrupção da construção da torre. Segundo George Steiner:

O fato de que milhares e milhares de línguas diferentes e mu-


tuamente incompreensíveis foram e são faladas em nosso pe-
queno planeta é uma expressão clara do enigma profundo da
individualidade humana, da evidência biogenética e bissocial
de que não existem dois seres humanos inteiramente iguais. O
evento de Babel confirmou e externalizou a interminável tare-
fa do tradutor (2005, p. 72).

Houve uma época1 em que as posições sociais dos sujeitos eram


regidas por um padrão social (serem homens brancos, europeus, in-
telectuais). Para Delisle e Woodsworth (2003, p. 258), a posição social
dos intérpretes, também, explica-se pela sua omissão nos anais da his-
tória, pois eram: “híbridos étnicos e culturais, muitas vezes do sexo
feminino, escravos ou membros de uma “subcasta” – cristãos, armê-
nios, judeus que viviam na Índia britânica (RODITI, 1982, p. 6)”. Por
fim não recebiam nos assentamentos históricos o reconhecimento que
mereciam.
Pela Idade Média, a presença dos ILO foi marcada nos encontros
diplomáticos e em conferências, pois careciam de um intermediador
linguístico/cultural dos países representados nesses encontros. Antes,
essas negociações eram desempenhadas na língua francesa, que era
majoritária naquela época. Segundo Pagura (2003), houve o Congresso

Iluminismo.
1
300 | A FUNÇÃO DOS TRADUTORES/INTÉRPRETES DE LIBRAS

de Viena (1814-1815) em que os Estados Unidos iniciaram a participa-


ção, necessitando de que as interpretações fossem realizadas em duas
línguas – francês e inglês. Ele, o mesmo autor, cita Paul Mantoux como
um dos primeiros intérpretes das conferências, também atuando no
Tratado de Versalhes.
Na mesma época, as guerras em nome das religiões eram comuns,
pois focavam a evangelização dos povos. Por isso houve a intermedia-
ção cultural/linguística. Nas guerras que objetivavam conquistar no-
vos territórios e nas Cruzadas que aspiravam difundir o cristianismo,
a língua exerceu o papel essencial do poder de um povo sobre outros.
Prendiam as pessoas para intermediar, a exemplos de Doña Marina,
que intermediava para o conquistador de colônias, e Cortez realizava
esse trabalho na cidade do México. Portanto, todos os intermediadores
atuavam sem o conhecimento e prática das técnicas de interpretação.
Por fim, no decorrer dos anos, os ILOs organizaram-se profissional-
mente em vários países por meio de associações e outros seguimentos.
E assim, no âmbito internacional, temos a Associação Internacional de
Intérpretes de Conferências. No Brasil, temos a Associação Profissio-
nal de Intérpretes de Conferências, para que pudessem-se organizar
profissionalmente com o proposito da reivindicarem a formação.

Artefatos dos Intérpretes de Língua de Sinais – ILS – na História

Antigamente, a atividade de interpretar não era reconhecida en-


quanto profissão, por isso havia dificuldade em reconhecer esses pro-
fissionais. Rodríguez (2001, p. 18) afirma que nos séculos XVIII e XIX,
em decorrência da revolução industrial, houve crescimento nas cida-
des, transformando as concepções a cerca do trabalho e do papel das
pessoas surdas. Para que eles não fossem isolados, segundo a autora,
instituições com fins religiosos, educativos, sociais e em outras, ofe-
reciam serviços diferenciados. As pessoas que tinham contato com os
surdos assumem o papel de “ponte” entre os ditos e os ouvintes. Na
família em que nasce filho ouvinte, cujos pais são surdos, estes desen-
volviam a atividade de interpretar, havendo intermediação entre eles,
isso por conta da aquisição e fluência de Língua de Sinais - LS.
Genivaldo O. Santos Filho | Rozilda R. dos Santos Oliveira | Rita de Cácia S. Souza | 301

Do mesmo modo que os surdos foram conquistando os direitos e


espaço, os TILS também avançaram e conquistaram o reconhecimento
da profissão. Podemos ressaltar que na Suécia predominavam traços
religiosos resultando na conquista politica dessa demanda. Em 1938
criaram cargo de conselheiro no Parlamento para atendimento da de-
manda, mas não conseguiram resultado satisfatório. Já em 1947 foram
admitidos 20 profissionais para que todos os surdos tivessem atendi-
mento eficaz. Em 1968, a associação de surdos conseguiu ficar livre
dos encargos na utilização dos intérpretes. Também criaram o primei-
ro curso de treinamento de intérprete.
Nos Estados Unidos, a organização dessa categoria profissional
incumbiu-se em 1964, afirma Wilcox (2005), quando um grupo de
intérpretes de língua sinalizada estabeleceu o registro de intérpretes
para surdos. Esse registro assumiu a responsabilidade de formação,
exercício e avaliação, constituindo código de conduta ética. Quando
os interpretes relataram “(...) a realidade de como era vista a função
do ILS num passado não muito distante, em que a interpretação para
surdos não era considerada uma profissão até 1964” (2005, p. 154).
Promoveu, também, workshops com a finalidade de implementar um
sistema de avaliação nacional, naquele país, para testar e certificar os
intérpretes habilitados a desempenhar as atividades.
Em consonância com esse contexto em que a convivência familiar
e a atuação dos ILS não são realidades exclusivas dos Estados Unidos e
da Suécia, pois no Brasil semelhanças foram observadas dentro desses
aspectos. Questões como caridade, benevolência e ajuda aos surdos le-
varam muitos dos ILS que atuavam naquela época a não reivindicaram
essa atividade como profissão. Por outro lado, o trabalho de evangeli-
zação direcionado aos surdos necessitava da presença do ILS para rea-
lizar as interpretações. E assim criaram ministérios de surdos em suas
respectivas denominações. Este fato é um marco na história dos ILSs,
pois para esses trabalhos desenvolverem-se, a base era o voluntariado
por parte deles.
Assim, o reconhecimento legal dessa categoria resulta, também, de
um investimento recente por parte dos órgãos públicos. Nessa linha de
pensamento, Rosa afirma:
302 | A FUNÇÃO DOS TRADUTORES/INTÉRPRETES DE LIBRAS

Embora a atividade de intérprete de LIBRAS, já exista há muitos


anos, o interesse e o investimento por parte dos órgãos públicos
na profissionalização desses indivíduos são bem recentes. Os in-
térpretes de LIBRAS surgiram dos laços familiares e da convivên-
cia social com vizinhos, amigos da escola e igrejas. (2003, p. 239)

No Brasil, por volta da década de 1980, houve os primeiros regis-


tros dos trabalhos de atuação dos ILSs. Referente a esse grupo e sua
emergência, Pires e Nobre (2004) nos esclarecem que na FENEIS2 exis-
te um departamento específico, denominado DNIF3, que se responsa-
biliza pelas demandas referentes aos intérpretes de LIBRAS. Segundo
esse departamento, o intérprete é aquele que toma a atitude de sina-
lizante ou de falante, transmitindo pensamentos, palavras e emoções,
servindo de elo entre as duas línguas.
Os ILSs, percebendo a carência de formação da categoria, come-
çaram a mobilizar-se em busca de organização profissional. Quadros
contextualiza, em nível nacional, as organizações de formação através
de congressos que o grupo realizou:

Em 1988, realizou-se o I Encontro Nacional de Intérpretes de


Língua de Sinais organizado pela FENEIS que propiciou, pela pri-
meira vez, o intercâmbio entre alguns intérpretes do Brasil e a
avaliação sobre a ética do profissional intérprete. (2004, p. 14)

Após o I Encontro foram marcados outros que os ILS organizaram


nas regiões brasileiras, foram realizados encontros estaduais onde pu-
dessem discutir questões referentes à formação, à ética e ao papel do
profissional ILS. Serão apresentados alguns encontros e localizações
para entendimento dessa série de evento: no Rio de janeiro em 1992
houve o II encontro nacional; em 1998, João Pessoa, houve o I Encontro
Nordestino de Intérprete de LIBRAS; em Recife, no ano de 2000, houve


2
Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos

3
Departamento Nacional de Intérpretes da FENEIS
Genivaldo O. Santos Filho | Rozilda R. dos Santos Oliveira | Rita de Cácia S. Souza | 303

o II Encontro Nordestino de Intérpretes de LIBRAS; em São Paulo, no


ano de 2001, houve o I Seminário de Intérpretes; em 2004, houve o I
Encontro enfocando a situação e o trabalho desenvolvido por ILS em
Santa Catarina; nessa mesma cidade em 2005 houve o II encontro, que
contribuiu de forma significativa para a formação desses profissionais.
A partir desses momentos, visualizamos algumas das representa-
ções que foram atribuídas aos avanços desses profissionais ao longo
das décadas. Essas representações fazem parte da história que os ILSs
vêm construindo e merecem ser exposta.

TILIBRAS: CONSIDERAÇÕES SOBRE A NATUREZA E FORMAÇÃO

Reflexões sobre Tradução e Interpretação e Quem é TILIBRAS?


Que ponto trabalha?

Inicialmente será evidente o conhecimento básico do que é tradu-


ção e do que é interpretação. Tradução não é uma tarefa simplesmente
automática, que substitui uma palavra por outra, mas busca a equiva-
lência linguística entre as línguas envolvidas na tradução. Segundo Ró-
nai (1976, p. 2) “as palavras não possuem sentido isoladamente, mas
dentro de um contexto, e por estarem dentro desse contexto”.
A tradução é compreendida como a transição de um texto, na for-
ma escrita, em uma língua fonte ou língua de origem, para outro texto,
também na forma escrita, em uma língua meta ou língua de destino.
Portanto, o termo tradução, como apresenta Pagura (2003, p.210)
“trabalha com a palavra escrita”.
Quanto a conhecimento de tradução, cabe observar o estudo con-
cretizado por Russo e Pereira (2008), no qual estes retomam a tra-
dicional classificação de Jakobson quanto às distintas conceituações
sobre o termo tradução: interlingual, intralingual e intersemiótica.
No campo da interpretação, esta é compreendida como o cultivo de
um sentido que se dá pela possibilidade de o sujeito realizar, em uma
nova qualidade de obra discursiva, da memória do dizer, do interdis-
curso. A interpretação é o estilo pelo qual o sujeito compõe a passagem
no uso da língua, em categorias sócio-históricas.
304 | A FUNÇÃO DOS TRADUTORES/INTÉRPRETES DE LIBRAS

Historicamente, a interpretação é mais antiga do que a tradu-


ção, que depende da palavra escrita, mas ela se subtrai à quan-
tificação documentada, uma vez que reside exclusivamente no
âmbito da palavra falada. Apenas desde a invenção dos meios
de gravação tornou-se possível documentar a ação dos intér-
pretes. (THEODOR, 1980, p. 16).

Pagura (2003) conceitua os dois estilos de interpretação: consecu-


tiva e a simultânea. Consecutiva é “aquela em que o intérprete escuta
um longo trecho de discurso, toma notas e, após a conclusão de um
trecho significativo ou do discurso inteiro, assume a palavra e repe-
te todo o discurso na língua-alvo, normalmente a sua língua materna”
(PAGURA, 2003, p. 211), simultânea é aquela em que “o intérprete se
senta próximo a um ou dois ouvintes e interpreta simultaneamente a
mensagem apresentada em outro idioma”. (PAGURA, 2003, p.212).
Tanto a tradução quanto a interpretação são assuntos distintos,
mas estão também ligados. Por isso, “na verdade, traduzir e interpretar
são verbos e ações que se interpenetram” (MAGALHÃES, 2007, p.26).
O TILIBRAS é o profissional que doma a LS e a língua falada do país.
Em relação ao Brasil, essa língua é a LIBRAS. No Brasil, o intérprete
deve dominar a LIBRAS e língua portuguesa - LP. Ele também pode do-
minar outras línguas, como o inglês, o espanhol, a LSA4 e fazer a inter-
pretação para a LIBRAS ou vice-versa (como exemplo as conferências
internacionais). Além do domínio das línguas envolvidas na ação de
tradução/interpretação, ele necessita ter qualificação adequada para
atuar como tal. Isso denota ter domínio dos métodos, dos padrões, das
estratégias e técnicas de tradução/interpretação. Ele também deve ter
formação particular na área de sua atuação ou ser um pesquisador
para aperfeiçoar a interpretação.
No seu exercício, o tradutor/intérprete desempenha a interpreta-
ção da língua falada para a língua sinalizada e vice-versa, ressaltando
os seguintes princípios éticos: confiabilidade correspondente ao sigilo


4
Língua de Sinais Americana
Genivaldo O. Santos Filho | Rozilda R. dos Santos Oliveira | Rita de Cácia S. Souza | 305

profissional; imparcialidade, em que ele deve ser neutro e não inter-


ferir com apreciações próprias; discrição, dá-se no momento em que
ele deve pôr contornos na envoltura durante o desempenho; distância
profissional, baseia-se no fato de que ele e sua vida pessoal são sepa-
rados; fidelidade: no momento de interpretação precisa ser fiel - ele
não pode desviar a informação por querer ajudar ou ter apreciações a
respeito de algum tema. O objetivo da interpretação é transpor o que
verdadeiramente foi dito (RONICE, 2004).
Pagura adverte-nos que o intérprete é aquele que “trabalha com
a palavra falada” (2003, p. 210). O intérprete atua diferentemente do
tradutor, pois um lida com a traduzir um texto escrito e o outro lida
com a fala. Contudo o ILS5 é visível, pois a LS se apresenta numa moda-
lidade visual-gestual, sendo assim, o ato interpretativo só pode acon-
tecer na presença física dos intérpretes/tradutores. E assim, TILIBRAS
são propriamente aqueles que empreendem uma interpretação “ao
vivo e em cores”, utilizando a voz ou o corpo presente.

Construção da Formação do TILIBRAS

Há vários níveis de formação de intérpretes para surdos no mun-


do. Desde o nível secundário ao nível de mestrado, podemos encontrar
pessoas especializando-se para se tornarem profissionais mais quali-
ficados. Essa variação em níveis de qualificação reflete um desenvolvi-
mento sócio-cultural da comunidade surda. A preocupação em formar
intérpretes surge a partir da participação ativa da comunidade surda
onde esta se inserida, pois se os surdos não compõem um grupo com
identidade sócio-cultural-política, o intérprete não se compõe enquan-
to profissional.
Dependendo desse nível de envolvimento, a comunidade surda es-
tará, mais ou menos, envolvida na formação dos intérpretes proporcio-
nando o sucesso ou não dessa prática. Em países, tais como Dinamarca,
Suécia e Finlândia, são detectadas algumas características no desen-


5
Intérprete de Língua de Sinais
306 | A FUNÇÃO DOS TRADUTORES/INTÉRPRETES DE LIBRAS

volvimento de intérpretes que precisam ser refletidas. Hansen (1991)


apresenta os seguintes aspectos: a aceitação da LS na sociedade e na
educação dos surdos; o direito dos surdos a chances sociais, educacio-
nais e vocacionais na sociedade; a legalização do direito dos surdos à
gratuidade dos serviços da interpretação; o reconhecimento do TILI-
BRAS como profissional qualificado para probabilidades de emprego e
carreira; a equivalência entre o número de intérpretes demandados e
a demanda surda; a consignação de cursos de formação de intérpretes
e as atitudes dos surdos e ouvintes quanto à necessidade aos serviços
desses profissionais.
Autores como Cristina Lacerda (2011), Eulália Fernandes (2003),
Teske Ottmar (2003), Luz Evanise (2003) e Tanya Felipe (2003) elu-
cidam a importância da construção da formação acadêmica dos TILI-
BRAS, pois estes, segundo Tanya (2003), estão influenciando positiva-
mente ou não na escolarização dos surdos.
A formação acadêmica desse profissional é construída por um cur-
rículo amplo que tem disciplina propícia para a interpretação. Segun-
do Fernandes (2003), deve haver cursos profissionalizantes que abra-
cem módulos com disciplinas consistentes para se trabalhar com essa
demanda, como também necessita de um ambiente ideal, cooperação
com professor; participações pedagógicas e compartilhamentos com
os outros intérpretes.
Ottmarq (2003) questionou os intérpretes em um determinado
curso de formação de intérprete, resultando na resposta em que eles
prestavam uma grande bondade para os surdos. Já no questionário
apresentado aos surdos, esses reivindicaram a importância da forma-
ção desse profissional e remuneração equivalente. Contudo, quando os
surdos conseguiram os avanços acadêmicos (do ensino fundamental
ao ensino superior) deu-se a participação dos intérpretes para obtê-
-los (LUZ, 2003).
Com essa reflexão confirmamos que “o intérprete está completa-
mente envolvido na interação comunicativa (social e cultural) com po-
der completo para influenciar o objeto e o produto da interpretação.”
(QUADROS, 2004, p.27).
Genivaldo O. Santos Filho | Rozilda R. dos Santos Oliveira | Rita de Cácia S. Souza | 307

A EDUCAÇÃO INCLUSIVA: A INSERÇÃO DO TRADUTOR/INTÉR-


PRETE DE LIBRAS - TILIBRAS

Pressuposto da Visão do Intérprete na Educação Inclusiva

Professores de surdos são TILIBRAS? Não é verdade que profes-


sores de surdos sejam necessariamente TILIBRAS. Verdadeiramente,
cada um desempenha papéis diferentes: os professores são professo-
res e os intérpretes são intérpretes. Cada profissional exerce sua fun-
ção e papel que o caracterizam imensamente. O professor de surdos
deve dominar e utilizar muito bem a LS, mas isso não alude ser TILI-
BRAS. O professor tem o papel essencial coligado ao ensino e, deste
modo, esta totalmente inserida no processo interativo social, cultural
e linguístico. O intérprete, por outro lado, é o intermediário entre pes-
soas que não dominam o mesmo idioma, abstendo-se, na medida do
possível, de interferir na ação acessível.
As pessoas ouvintes que dominam a LS são TILIBRAS? É necessá-
rio pensamos nisso, pois não é verdade que dominar a LS seja suficien-
te para que ele possa exercer essa profissão. Eles são profissionais que
precisam apresentar qualificação específica para atuação do exercício
de interpretação. Às vezes, as pessoas que dominam a LS não anseiam
e nem desejam atuar como TILIBRAS. Também existem pessoas que
são fluentes na LS, mas não apresentam desenvoltura para serem in-
térpretes.
Os filhos de pais surdos são TILS? É impossível afirmar, mas não
é impossível a atuação, que por serem filhos ouvintes de pais surdos
seja satisfatório para aprovação que tais filhos sejam considerados TI-
LIBRAS. Por outro lado, normalmente os filhos de pais surdos interme-
deiam as relações entre eles, contudo não conhecem técnicas, tática
e métodos de tradução/interpretação, pois não são qualificados para
isso. Os filhos fazem esse intercâmbio, mas isso ocorre por serem fi-
lhos e não por serem intérpretes. Alguns filhos ouvintes de pais surdos
se consagram a profissão de TILIBRAS e têm o benefício de dominarem
ambos os idiomas. O que garante a qualquer pessoas ser um bom pro-
fissional intérprete e, além do domínio dos dois idiomas envolvidos
308 | A FUNÇÃO DOS TRADUTORES/INTÉRPRETES DE LIBRAS

nos intercâmbios, o profissionalismo, ou seja, a busca por qualificação


constante e estudo do código de ética.

Os TILIBRAS: intermediadores na comunicação da educação


inclusiva

Os TILIBRAS são os responsáveis pela comunicação entre os falan-


tes de uma língua (no caso, a Libras) e de oura língua (no caso, o Portu-
guês). No contexto de sala de aula, que seja do ensino fundamental seja
do ensino médio e até no ensino superior, eles constituem um interme-
diador de comunicação entre aluno (s) surdo(s), aluno(s) ouvinte(s)
e professor (surdo ou ouvinte). Considerando que é mais comum en-
contrar muito mais alunos ouvintes, quase sempre o intérprete fará
o intercâmbio entre ambos envolvidos (professor, alunos ouvintes e
surdo).
A inovação da atuação desses profissionais nos ambientes educa-
cionais favorece, por vezes, conflito em relação a seu papel. Com certa
frequência, ele é confundido com o professor, já que pouco se debate
sobre seu papel nas diversas instituições de ensino para as diferentes
faixas etárias, não se distinguindo sobre a abstrusa e extraordinária
tarefa dentro da sala de aula, o que é cada vez mais habitual nos exer-
cícios educacionais. Nesse sentido Lacerda assevera que:

Neste contexto, o intérprete de língua de sinais em sala de


aula intermediando as relações entre professor/aluno sur-
do, alunos ouvintes/aluno surdo nos processos de ensino/
aprendizagem, tem grande responsabilidade. Além dos co-
nhecimentos necessários para que sua interpretação evitando
omissões, acréscimos ou distorções de informações de conte-
údo daquilo que é dito para a língua de sinais, ele deve estar
atento às apreensões feitas pelos alunos surdos, e aos modos
como eles efetivamente participam das aulas. (2007, p.19).

Assim, a ausência desse profissional atrasa o desenvolvimento dos


alunos surdos, pois estes perdem informações e discussões que acon-
Genivaldo O. Santos Filho | Rozilda R. dos Santos Oliveira | Rita de Cácia S. Souza | 309

tecem em sala de aula e consequentemente não compartilham das ati-


vidades acadêmicas de modo adequado.
Ressalta-se ainda que, além de uma ótima interpretação, o intér-
prete em sala de aula precisa possibilitar ao aluno surdo um intercâm-
bio com os alunos ouvintes, como também questionar os professores,
apregoando suas apreciações e, portanto, apontando suas capacidades.
Assim, Lima propõe:
Em se tratando das pessoas surdas, cabe ao (à) intérprete de Lín-
gua de Sinais toda a responsabilidade de tornar as informações e os
saberes que circulam nos ambientes acadêmicos acessíveis àqueles
que não ouvem e comunicam-se pela Língua de Sinais, além de incluir
os (as) surdos (as) na rotina cotidiana dentro de uma faculdade ou uni-
versidade, ou seja, a ele (a) não cabem apenas as funções atribuídas a
um tradutor e intérprete de línguas orais (2006, p.34).

O trabalho do TILIBRAS carreta em si muita responsabilidade em


relação à inserção acadêmica apropriada do discente surdo. “Sen-
do assim, cumpre-se a lei, mas exime-se da responsabilidade de
subsidiar o trabalho desse profissional, contando para isso com
as diversas formas de contratação” (SANTOS, 2006, p.90).

TILIBRAS: As leis que asseguram a Educação Inclusiva focali-


zando a regulamentação do profissional

A Declaração de Salamanca (1994) foi um marco para estimular a


inclusão educacional. É um documento internacional firmado por di-
versos países, até mesmo o Brasil, e teve como objetivo não aceitar
nenhum aluno fora do ensino regular, desde o começo da escolariza-
ção. Ou seja, todos os alunos precisarão permanecer dentro da escola
regular, independentemente da procedência social, étnica ou linguísti-
ca. Com isso, o poder público pôs o TILIBRAS na sala de aula onde há
surdos matriculados, almejando, assim, propor tática para cultivar a
ideia de que a educação do surdo deve ser disponibilizada no ensino
regular com a garantia ao surdo da aquisição dos conteúdos escolares
na sua própria língua (QUADROS, 2006).
310 | A FUNÇÃO DOS TRADUTORES/INTÉRPRETES DE LIBRAS

Na educação brasileira é normal a luta pela inclusão. Temos desen-


volvido leis e decretos amparando e regulamentando o ensino de qua-
lidade acessível para todos. O decreto nº 5.626/2005 regulamenta a lei
nº 10.436/2002, dispõe sobre o reconhecimento da LIBRAS e assevera
o direito dos surdos de comunicar-se em sua língua, no caso a LIBRAS.
Após o Decreto 5.626/05, o MEC instituiu uma proposta de for-
mação de TILS bem característica, na qual os professores da rede re-
gular de ensino transpõem por uma capacitação intitulando-se “pro-
fessores-intérpretes”. O desempenho resultará em posições distintas,
quando “professores-intérpretes” estiver desempenhando a função de
docente em um turno, no turno contrário precisará praticar a função
de intérprete no comparecimento de outro docente.
O processo de reconhecimento profissional no Brasil inicia no ano
de 2005, quando o Decreto 5.626 regulamenta a Lei de LIBRAS. Nes-
se Decreto continua a ser conhecida a presença desse profissional no
âmbito educacional em todos os níveis. No entanto, apenas no ano de
2010 tal fato concretiza-se através Lei 12.3196, de 1º de setembro. Este
é um avanço tanto para o profissional intérprete, que conquista grada-
tivamente espaços, quanto para o discente surdo, que passa a enfren-
tar uma barreira a menos ao cursar o ensino fundamental ao ensino
superior público/privado.

O Trabalho de Intérpretes na Lógica Inclusiva: dispõe em in-


térprete de LIBRAS, professor-tradutor/intérprete ou tradu-
tor/intérprete educacional?

Do ponto de vista das políticas públicas, a educação do surdo está


volvida para a garantia de ingresso e permanência do surdo nas es-
colas regulares de ensino em turmas de ouvintes. Para acatar as re-
quisições legais com a meta de propiciar o acesso ao ensino a comu-
nidade surda, em atender às suas qualidades pedagógicas para o seu
desenvolvimento na aprendizagem, torna-se necessária a presença do


6
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12319.htm
Alda Valéria S. de Melo | lka Miglio de Mesquita | Simone S. Amorim | Rita de Cácia S. Souza | 311

TILS na sala de aulas com características específicas para o exercício


da função de intermediário da comunicação entre o aluno surdo e o
argumento educativo.
Lacerda e Polleti (2004), ao examinarem a ação de duas intérpre-
tes de língua de sinais – ILS – em revezamento em sala de aula da 5º
ano (4ª série) do ensino fundamental, de uma escola particular com 29
alunos ouvintes e uma criança surda em São Paulo, constataram que os
intérpretes assumiam uma série de funções, como: “ensinar língua de si-
nais, atender às demandas pessoais do aluno, orientar quanto aos cuida-
dos com o aparelho auditivo, atuar frente ao comportamento do aluno,
estabelecer uma posição adequada em sala de aula, atuar como educa-
dor frente a dificuldades de aprendizagem do aluno, esta por sua vez
aproxima-o muito a um educador” (LACERDA e POLLETI, 2004, p. 3).
Kelman (2005) realizou um estudo com o foco de descrever os
papéis que o intérprete assume em situações educacionais inclusivas,
desenvolvidos a partir de entrevistas com professoras de escolas pú-
blicas de ensino fundamental do Distrito Federal que atuavam com
alunos surdos a partir da 4º ano.
Foram 11 diferentes papéis imputados a esse profissional: primei-
ro deles é o de ensinar ao surdo a LP como L27; em segundo, o ensino
da própria LS aos surdos; em terceiro, ensinar a LS aos alunos ouvin-
tes, a fim de promover a comunicação entre os discentes; em quarto,
verificou que o intérprete também é responsável pela adaptação cur-
ricular, que acontece em forma de omissão de alguns conteúdos, pois
alguns professores expõem que os alunos ouvintes ficam nervosos ao
terem de esperar pelos alunos surdos; em quinto, a função de partici-
par do planejamento das aulas; e como sexto papel, no tempo da inter-
pretação, buscar a coerência juntamente com o professor regente, para
que o conteúdo seja fornecido da melhor maneira possível para os sur-
dos; em sétimo, identificou que o intérprete necessita nortear habili-
dades de estudo dos discentes surdos, elucidando detalhadamente os
exercícios e conteúdos trabalhados, certificando-se de que houve en-


7
Segunda Língua.
312 | A FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS

tendimento deles; no oitavo, o de instigar a autonomia dele; em nono,


o papel do intérprete é de instigar e traduzir/interpretar a interação
entre todos os envolvidos; em décimo, o intérprete necessita empregar
a concessão multimodal, ou seja, usar diversos canais de comunicação
para garantir o aprendizado. Por último, o intérprete deve agenciar a
tutoria, dirigindo o surdo na coordenação de suas atividades acadêmi-
cas (KELMAN, 2005).
Para Martins (2009), as categorias de trabalho do TILS têm uma
finalidade educacional. O intérprete necessita interceder no procedi-
mento ensino/aprendizagem, as qualidades de trabalho não podem
ser ponderadas apenas como uma tradução/interpretação desvin-
culada dos processos educacionais. Já para Albres (2006) o domínio
da LS e a formação na mesma área de interpretação harmonizam ao
intérprete melhores condições para generalizar o texto que está sen-
do intermediado e perpetrar na criação de estratégias para tradução/
interpretação. Assim, “há necessidade de se conhecer bem a temática
a ser interpretada, ter fluência na LIBRAS e criatividade para fazer uso
dos recursos espaciais da língua no momento da construção de expli-
cações da área” (ALBRES, 2006, p. 11).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os surdos são os responsáveis para que aconteça o serviço da in-


terpretação da LIBRAS. É importante, de certo modo, comparamos
com os intérpretes de língua oral os TILIBRAS, esses desempenham os
mesmos papéis de interpretação só que da LS para a LP e vice-versa.
Esses profissionais intermediam os surdos e os ouvintes e as línguas,
utilizados com ambos os envolvidos, necessitam de técnicas no serviço
de interpretação. No entanto, o desconhecimento destes aspectos pro-
fissionais da interpretação de LS para gera um serviço fundamentado
na ética e política dos TILIBRAS nos papéis na educação inclusiva.
Um agente tão presente na confirmação dos direitos dos surdos,
com tarefas tão, ou mais, complexas do que os intérpretes de línguas
orais merecem ser tirado do obscurantismo e ser alvo de, toda vez
mais, cursos acadêmicos.
Alda Valéria S. de Melo | lka Miglio de Mesquita | Simone S. Amorim | Rita de Cácia S. Souza | 313

A presença do profissional TILIBRAS é indispensável nos espa-


ços da educação inclusiva em cuja atuação do cotidiano escolar rece-
bem discentes surdos. Para consentirem a demanda desses discentes,
as instituições educacionais necessitam de fato no que concerne aos
processos da educação inclusiva e/ou de escolha desses profissionais,
considerando com determinação sua formação e capacidade para de-
sempenharem sua função em sala de aula. Se isso não acontecer, desco-
briremos muitos deles atuando na educação sem formação específica,
sem preparação, prejudicando a qualidade de ensino proporcionada
ao discente surdo.
Finalizando, depois que conhecemos o significado de traduzir/in-
terpretar e quem seria o profissional para realizar essas atividades,
constatamos que em vários andamentos o TILIBRAS vive um equívoco
com o cargo de educador ou filho ouvintes de pais surdos ou professor
que domine a LS e outros profissionais. O TILIBRAS constrói ativida-
des para auxiliar o aprendizado do discente surdo, desempenhando
um papel que não seria intermediar entre as pessoas que se comuni-
cam com a LS e LP. Pela condição linguística dos surdos, sobretudo no
desempenho do ensino, o papel do educador se concentra em ensinar,
já que acolhem discentes surdos que tem uma relação com a adversi-
dade em sala de aula conturbada.

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Capítulo 16 | A FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE


LIBRAS: ENTRE A LEI E O REAL
Alda Valéria Santos de Melo
Ilka Miglio de Mesquita
Simone Silveira Amorim
Rita de Cácia Santos Souza

C om a intenção de entender a atuação dos tradutores e intérpre-


tes de Libras em Sergipe, procuramos, neste texto, identificar o
processo de sua formação, analisando suas ações nos diversos espaços
formativos. Para tanto, buscamos informações acerca dos cursos de
licenciatura, extensão e especialização ofertados no Estado de Sergipe,
como também na Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que reconhece
a Língua de Sinais; no Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005,
que garante uma educação bilíngue e a presença do tradutor e intér-
prete em sala de aula; no artigo 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro
de 2000, que estabelece ao Poder Público formar profissionais intér-
pretes de escrita em braile, linguagem de sinais e de guias-intérpretes,
no sentido de facilitar qualquer tipo de comunicação; na Lei nº 12.319,
de 1º de setembro de 2010, que reconhece a profissão do Tradutor e
Intérprete de LIBRAS; além da Resolução do CNE1 nº 1, de 3 de abril de
2001, que trata do curso de Pós-Graduação Latu Sensu.
A apropriação do conhecimento sobre a história da atividade de
tradutores e intérpretes de línguas em geral contribui para a constru-
ção da identidade deste tipo de profissional. Assim, esse reconheci-
mento em si e em sociedade vai se delineando e, no caso específico do
indivíduo que traduz e interpreta a Libras, se poderá compreender que
a história da profissão é recente e tem como principal objetivo favore-
cer a comunicação entre os indivíduos surdos em seu convívio social.

1
CNE – Conselho Nacional de Educação
318 | A FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS

Essa atividade é, atualmente, estendida às salas de aula para atender


ao que estabelece a Educação Especial/Inclusiva.
Os indivíduos surdos, por sua vez, têm uma história diferenciada,
em virtude de suas condições físico-biológicas, o que manteve, duran-
te muito tempo, este grupo segregado, excluído, ou seja, distanciado
do convívio social e educacional. A partir da conscientização de que
surdos têm iguais deveres e direitos, a sociedade e especialmente os
próprios surdos e seus familiares lutaram pela inclusão. “O movimento
mundial pela educação inclusiva é uma ação política, cultural, social
e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos
de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de
discriminação” (POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA
PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA, 2007, p. 1).
A Educação Especial/Inclusiva prevê a formação do tradutor e in-
térprete de Libras para concretizar este anseio de inclusão social. O
trabalho deste profissional, no âmbito educacional, responde ao apa-
rato legal e a sua prática compreende a aplicação destas leis no am-
biente escolar, compartilhando com o professor regente o mesmo es-
paço e, tendo em vista suas condições de trabalho, sua necessidade de
formação especializada e continuada.

HISTÓRICO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE: UM LEVANTAMEN-


TO DA CONSTITUIÇÃO DESSE PROFISSIONAL

Os primeiros intérpretes surgiram ainda na Antiguidade. Apesar


da escassez de documentos, podemos usar como fonte as passagens
bíblicas, como a de São Paulo aos Coríntios:

Por isso, quem fala em línguas, peça na oração o dom de as interpre-


tar. Se oro em virtude do dom das línguas, o meu espírito ora, mas
o meu entendimento fica sem fruto. Então que fazer? Orarei com o
espírito, mas orarei também com o entendimento [...] (CORINTIOS
14: 13-15).

A existência de intérpretes remonta à formação das primeiras so-


ciedades, pois, para ampliar seus territórios, muitos líderes e conquis-
Alda Valéria S. de Melo | lka Miglio de Mesquita | Simone S. Amorim | Rita de Cácia S. Souza | 319

tadores buscavam o auxílio destes indivíduos. Na conquista da Amé-


rica, por exemplo, temos Fernão Cortez, conquistador espanhol, que
utilizou a fluência de uma nativa, Malinche, como intérprete. Também
os jesuítas da Companhia de Jesus, que atuaram no Brasil, aprende-
ram a língua nativa para aproximar-se das tribos, dentre esses foi o
caso de José de Anchieta que aprendeu a língua Tupi e colaborou na
intermediação, como intérprete, entre os portugueses e os indígenas
na Confederação dos Tamoios.
Por sua vez, pessoas que procuravam os serviços de interpretação
não faziam a distinção entre as categorias de intérpretes. Não havia, por
exemplo, a sutileza em diferenciar o que faz um intérprete de conferên-
cias e o que faz a interpretação em um tribunal. A classificação que havia,
estava relacionada aos papéis desempenhados pelos intérpretes, ou “[...]
a serviço do Estado ou de uma religião, em expedições de descoberta ou
conquista, a serviço de militares ou da diplomacia, muito embora essas
categorias às vezes se embaralhem” (ROSA, 2005, p. 109).
A constituição do trabalho do intérprete ao longo da história é
fragmentada, tendo em vista que “[...] o conhecimento sobre o traba-
lho que os intérpretes de línguas orais realizaram no passado tende a
ser derivado de fontes tais como: cartas, diários, memórias e biografias
dos próprios intérpretes” (ROSA, 2005, p. 109). A situação do Tradutor
e Intérprete de Língua de Sinais não foge à regra, pois não dispõe de
registros oficiais. As informações coletadas fazem parte de anotações
providenciadas pelos próprios tradutores e intérpretes. Portanto, as
vagas informações jamais poderão ser desveladas, “[...] especialmente
com respeito àqueles períodos em que as relações de poder conferiam
demasiado prestígio à oralidade, proibindo e desestimulando o uso da
língua de sinais pela comunidade surda” (ROSA, 2005, p. 110).
Na Europa, verificam-se movimentos discretos no século XIX. Qua-
dros (2005) afirma que a presença do tradutor e intérprete de Língua
de Sinais em trabalho religioso, na Suécia, deu-se por volta de 1875.
Estas mudanças são ainda mais expressivas no século XX, quando o
parlamento sueco criou cinco cargos de conselheiros para atender a
surdos, que imediatamente não conseguiram atender à demanda da
comunidade. Em 1968, o mesmo parlamento sueco decidiu que todos
320 | A FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS

os surdos teriam acesso ao profissional intérprete, sendo que ficariam


livres de encargos perante a Associação Nacional de Surdos.
Nos Estados Unidos da América do Norte, o trabalho se propagou,
por volta de 1815, através da ação de Thomas Gallaudet, que apren-
deu com L’Epée2 o método manual, fundando em seu país uma escola
para surdos. De acordo com Goldfeld (2002), todas as escolas públicas
norte-americanas teriam como referência a American Sign Language -
ASL, que sofreu muita influência do francês sinalizado. Em 1850, a ASL
passa a ser utilizada nas escolas norte-americanas, como ocorria na
maior parte dos países europeus, cada um na sua especificidade.
Na verdade, o cenário mundial apresentava, em geral, um contex-
to no qual a tradução e interpretação em Língua de Sinais eram ativi-
dades desempenhadas por membros da família ou pessoas próximas:
namorada, vizinho ou amigo de infância. No Brasil, especialmente, “a
geração de surdos da década de 60 [1960] é que pode [sic] testemu-
nhar essas mudanças operadas” (QUADROS, 2007, p. 245).
Posteriormente, as instituições religiosas, no Brasil, iniciaram seu
trabalho com os tradutores e intérpretes religiosos, voltados especifi-
camente para a evangelização, o que resultou em grande repercussão,
pois os surdos passaram a ter um espaço de acolhimento e apoio. Por
isso, esses mediadores passaram a ser solicitados pelos surdos, para
também realizar tradução e interpretação de Língua de Sinais fora do
universo religioso (CORDOVA, 2009, p.28).
Para Rosa (2005), a tradução e interpretação em Língua de Sinais
no Brasil são atividades exercidas, principalmente, por pessoas que se
tornam tradutores e intérpretes de modo fortuito. A presença do tra-
dutor e intérprete de Libras aparece oficialmente em documento do
Instituto Nacional de Educação dos Surdos/INES, no final do século
XIX, mediante uma convocação por órgão judicial. No entanto, Rosa
(2005) afirma que a luta pela regulamentação do profissional tradu-
tor e intérprete (isto não se reporta especificamente à Libras), data de


2
Charles Miguel de L’Epée (1712-1784), fundou o Instituto Nacional de Surdos-Mu-
dos de Paris, em 1760, educou surdos pelos sinais metódicos. (Januzzi, 2006, p.30).
Alda Valéria S. de Melo | lka Miglio de Mesquita | Simone S. Amorim | Rita de Cácia S. Souza | 321

21 de maio de 1974, quando a Associação Brasileira de Tradutores /


ABRATES elaborou um projeto de lei que regulamentava a profissão.
No entanto, o projeto foi “engavetado” pelo Ministério do Trabalho.
Em 1988, por ocasião da elaboração da Constituição Federal, sur-
giram as comissões de luta das pessoas com deficiência compostas
pelos surdos Ana Regina de Souza Campello (uma das fundadoras e
que também exerceu a presidência da FENEIS3) e João C. Carreira Al-
ves, acompanhados pela tradutora e intérprete Denise Coutinho (de
Pernambuco e primeira tradutora e intérprete de Libras no Brasil). De
acordo com Tuxi (2009), no mesmo ano de 1988 foi realizado o I En-
contro dos Intérpretes de Língua de Sinais e foi publicado um manual
para o tradutor e intérprete: “A Importância do Intérprete da Lingua-
gem de Sinais”.
No ano de 1992, quando já acontecia a Campanha pela Legalização
da Língua Brasileira de Sinais, os tradutores e intérpretes organiza-
ram, no Rio de Janeiro, o II Encontro Nacional de Intérpretes. O mo-
mento era propício para tal, uma vez que a comunidade surda estava
imbuída em conquistar o reconhecimento da Libras e havia um núme-
ro expressivo de tradutores e intérpretes atuando. Era necessária uma
discussão mais profunda sobre sua atuação, conduta ética e profissio-
nalização e, como resultado, foi aprovado o código de ética que vigora
até hoje. É importante relatar que o código de ética foi uma adaptação
do código de ética americano.
Merece destaque a Coordenadoria Nacional de Apoio à Pessoa Por-
tadora de Deficiência/CORDE, fundada em Brasília, no ano de 1996, e
envolvida também nas questões relacionadas ao profissional tradutor
e intérprete, que produziu, por uma Câmara Técnica, um documento
intitulado “O Surdo e a Língua de Sinais”. Esse documento caracteri-
zava o tradutor e intérprete como “[...] um profissional bilíngue, que
efetua a comunicação entre: surdo x ouvinte; surdo x surdo; surdo x
surdo cego; surdo cego x ouvinte.” (Leite, 2005 p. 42).


3
Federação Nacional de Educação e Inclusão do Surdo – fundada em 1989.
322 | A FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS

Durante a estruturação do trabalho na Associação de Pais e Ami-


gos do Deficiente Auditivo (APADA/SE), alguns profissionais qualifi-
cados como fonoaudiólogos e professores contribuíram como volun-
tários. Sentindo a necessidade de estudo e aprofundamento na área
para melhor atender à clientela, surgiram assim os cursos de formação
continuada, quando se providenciou junto à FENEIS a vinda de profis-
sionais, surdos, professores de Libras, das cidades de Belo Horizonte
e Rio de Janeiro, que ministraram cursos de Libras para surdos e ou-
vintes. A referida Instituição se tornou parceira das Secretarias Muni-
cipal e Estadual de Educação, realizando diversos cursos básicos de
Língua de Sinais para professores. Além de qualificar os professores,
os profissionais convidados contribuíram no sentido de conscientizar
a comunidade surda de seus direitos e da importância da Língua Bra-
sileira de Sinais para sua inclusão. A FENEIS, por sua vez, articulava
com instituições de vários estados, no sentido de difundir a Libras e
acompanhar as ações desenvolvidas com a comunidade surda local,
para isso, foram criadas regionais e a APADA, em Sergipe, foi a primei-
ra a filiar-se à Federação.
Diante da difusão da Língua de Sinais e das dificuldades que os sur-
dos tinham na questão da Inclusão Social devido à comunicação, a Fe-
deração liderou uma campanha em prol do reconhecimento da Língua
de Sinais. Foram recolhidas 1.473 (mil e quatrocentas e setenta e três)
assinaturas e a APADA foi a associação que encabeçou a campanha no
Estado de Sergipe em 1992. Era uma campanha tímida, pois a comu-
nidade ainda não estava engajada ou inteirada na luta; as famílias, em
sua maioria compostas por pessoas humildes, também desconheciam
estas ações. É importante ressaltar que essa campanha resultou na
aprovação da Lei Federal nº 10.436/2002 que reconhece a Língua de
Sinais como a língua da comunidade surda.
Outras ações que efetivamente contribuíram para a disseminação
da Língua de Sinais e para o surgimento do profissional tradutor e in-
térprete dessa Língua em Sergipe foram as atividades desenvolvidas
pela Primeira Igreja Batista, que se iniciaram em 1997. Diante de uma
experiência vivida no Rio de Janeiro pela professora Nadja Maria de
Deus, onde o trabalho de evangelização utilizava a dança e o teatro
Alda Valéria S. de Melo | lka Miglio de Mesquita | Simone S. Amorim | Rita de Cácia S. Souza | 323

como formas de expressão, a proposta foi trazida para Aracaju e inicia-


da com jovens membros da própria igreja. Posteriormente, o trabalho
se estendeu a toda a comunidade.
Tudo indica que os serviços de tradutor e intérprete de Libras, as-
sim como as ações de disseminação da Língua de Sinais, em Sergipe,
partiram das instituições não governamentais, mas, no final da década
de noventa do século XX, as secretarias estadual e municipal de Edu-
cação passam a ofertar aos professores diversos cursos de Língua de
Sinais. O objetivo era preparar os professores para que pudessem atu-
ar nas classes especiais proporcionando ao surdo uma educação con-
dizente com suas necessidades, respeitando as diferenças individuais.
Verifica-se que a princípio não se objetivava a formação de tradutores
e intérpretes, em relação às secretarias de Educação, mas de professo-
res para atuarem em classe especial.
No entanto, ocorreu um aumento na requisição de tradutores e in-
térpretes de Libras em eventos governamentais e, em seguida, a solici-
tação começou a vir de outros segmentos da sociedade, a exemplo de
empresas, supermercados, delegacias, fóruns. A APADA era quem mais
cedia seus professores para atuarem como tradutores e intérpretes,
mas nem sempre era possível atender a todas as solicitações, pois isso
implicava em alterar a rotina de trabalho na instituição.
Segundo Tuxi (2009), no período compreendido entre 2004 e
2008 foram fundadas 14 (catorze) associações de tradutores e intér-
pretes de Libras. Em agosto de 2008 foi criada a Federação Brasileira
de Tradutores e Intérpretes e Guias Intérpretes de Língua de Sinais/
FEBRAPILS, em Brasília. Essas instituições além de reunirem os tra-
dutores e intérpretes de uma mesma região, também os fortaleceram
para a conquista e o reconhecimento de sua profissão.
Em 12 de julho de 2006, um grupo de professores que atuava
como tradutores e intérpretes, fundou a Associação dos Intérpretes
de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) do Estado de Sergipe/AILES
que se constitui numa sociedade civil, sem fins lucrativos. Através des-
ta instituição, estes profissionais visavam contribuir para a formação
adequada dos que desejavam atuar como tradutores e intérpretes, as-
segurando qualidade ao trabalho daqueles em atividade no contexto
324 | A FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS

educacional. Esta necessidade ocorreu também em outros estados da


Federação.
Em Sergipe, a falta de um espaço próprio para a Associação e o fato
de a profissão ainda não se encontrar regulamentada no ano de 2006,
foram grandes obstáculos para a realização de suas metas. O valor pago
aos tradutores e intérpretes de Libras era ínfimo, pois a tabela não era
aceita e em algumas situações acontecia de o valor ser considerado
elevado pelo contratante. Neste sentido, Quadros (2005, p.51) ressalta
que “[...] enquanto a comunidade surda não se constitui um grupo com
identidade sócio-político-cultural, o intérprete da Libras não se consti-
tui enquanto profissional”. A autora continua a argumentação e aponta
que a formação do tradutor e intérprete está intimamente ligada à par-
ticipação dos surdos no contexto social e que o tipo de qualificação do
profissional varia de acordo com o nível sociocultural dos surdos com
os quais ele pretende trabalhar.
Atualmente, no Estado de Sergipe, dentre as diversas áreas de atu-
ação dos profissionais de Libras, é o tradutor e intérprete educacional
o mais requisitado devido ao aumento da matrícula de alunos surdos
no ensino fundamental e médio. A Secretaria de Educação contratou,
de 2011 até a presente data da realização deste estudo, 48 (quarenta e
oito) tradutores e intérpretes de Libras, para atender alunos do ensino
fundamental e médio na capital e no interior.
A Prefeitura Municipal de Aracaju possui 10 (dez) tradutores e
intérpretes de Libras. A Universidade Federal de Sergipe, através de
um exame de seleção, iniciado em 2010, já possui em seu quadro 20
(vinte) tradutores para atenderem a 23 surdos que nos últimos anos
ingressaram na Universidade nos mais diversos cursos (Odontologia,
Química, Pedagogia, Educação Física e Biblioteconomia), assim como
para ministrarem aulas de Libras na modalidade presencial.
Na Faculdade Pio Décimo, em 2008, foi contratado um intérpre-
te para acompanhar um aluno surdo no Curso de Direito. Esse aluno
graduou-se no ano 2012. A Universidade Tiradentes possui 02 (dois)
profissionais de Libras que atuam na sala de aula interpretando e tra-
duzindo, como também ministrando aulas na modalidade a distan-
cia. Já o SENAC possui 02 (dois) tradutores e intérpretes que fazem
Alda Valéria S. de Melo | lka Miglio de Mesquita | Simone S. Amorim | Rita de Cácia S. Souza | 325

o acompanhamento do instrutor surdo que ministra aulas de Libras.


Encontramos tradutores atuando efetivamente também em outros
segmentos, como Câmara de Vereadores de Aracaju. Dos que citamos
acima somente os que atuam nas escolas estaduais participam de en-
contros para estudo realizados no CAS4, onde fazem oficinas para estu-
dar conteúdos específicos das diversas disciplinas, contribuindo para
sua atuação na sala de aula.
A Secretaria de Estado da Educação contrata os profissionais de
Libras com o objetivo de atender às escolas da rede pública estadual
de Sergipe. Nos últimos anos foram atendidas 26 (vinte e seis) escolas
inclusivas da capital e interior através da contratação de 48 (quarenta
e oito) tradutores e intérpretes de Libras. Por sua vez, a Secretaria
de Educação do Município/Aracaju também contrata os tradutores e
intérpretes assim distribuídos pelas escolas municipais. Entretanto,
as outras prefeituras que correspondem a todos os municípios sergi-
panos ainda estão descobertas quanto à contratação de tradutores e
intérpretes de Libras.
Apesar dos encontros realizados pelos tradutores e intérpretes
brasileiros desde 1988, da Lei nº 5.626/2005 que regulamenta a Lín-
gua Brasileira de Sinais e, mais recentemente, da Lei nº 12.319/2010
que regulamenta o exercício da profissão de tradutor e intérprete de
Libras, ainda não temos uma política clara sobre a formação do tra-
dutor e intérprete de Libras. Tendo claras as limitações e as dificul-
dades pelas quais os tradutores e intérpretes de Libras passam neste
momento, mas tendo em mente tratar-se de um período de transição
no contexto da educação de surdos no Brasil, consideram-se oportu-
nas algumas reflexões acerca da efetiva inclusão desse profissional no
âmbito educacional, uma vez que não há uma política clara para sua
formação. A partir destas considerações, surge uma pergunta de extre-
ma relevância: como se dá a formação desse profissional atualmente?


4
Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas
com Surdez (CAS). Esta modalidade de centro foi criada em todos os estados da
Federação, e a disseminação da LIBRAS é um dos seus objetivos.
326 | A FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS

FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS: LEGIS-


LAÇÕES

Cordova (2009) afirma que o tradutor e intérprete é aquele que faz


a mediação linguística entre duas línguas. E, naturalmente, por reali-
zar tal atividade, especialmente em ambiente educacional, transpondo
uma mensagem da língua oral-auditiva para uma visual espacial, ne-
cessita de formação específica.
No entanto, a realidade demonstra que este profissional atua sem
a devida formação. Apesar da regulamentação da profissão através da
Lei nº 12.319/2010, a realidade demonstra ocorrer em pouca quan-
tidade a oferta de cursos no País voltados para essa formação. Recor-
de-se que a SEED/SEMED/MEC já haviam ofertado cursos de Libras,
visando o tradutor e intérprete, mas não foi suficiente para atender
à demanda sempre em ascensão. Os cursos existentes voltam-se, na
maioria das vezes, à capacitação de professores, não atendem às espe-
cificidades da profissão de tradutor e intérprete, que exige domínio e
fluência em Libras.
Para ser intérprete, Sander (2000) menciona duas importantes
condições: a formação acadêmica e o ambiente linguístico. A primeira
enfatiza a necessidade de que a formação aconteça em nível de gradua-
ção e com estágios. Em relação à segunda, o autor questiona, “[...] como
pode uma pessoa tornar-se intérprete sem nunca ter convivido com o
surdo?” (SANDER, 2000. p. 81).
Quadros (2005), em seus estudos, afirma que há vários níveis de
formação de tradutor e intérprete de Língua de Sinais, desde o secun-
dário ao mestrado e doutorado. Segundo a autora, esta variação em
níveis de qualificação reflete um desenvolvimento social dos surdos.
Quanto mais organizados em suas comunidades, melhor contribuirão
para a formação do tradutor e intérprete de Língua de Sinais, pois “[...]
interpretar é uma ato complexo que exige, sobretudo, conhecimento
teórico na área, pois somente a prática cotidiana não garante uma in-
terpretação com qualidade” (PIRES, 2000, p.86).
Na Europa, por exemplo, encontramos cursos com duração de 6
(seis) meses a 2 (dois) anos e, na maioria das vezes, não exigem como
Alda Valéria S. de Melo | lka Miglio de Mesquita | Simone S. Amorim | Rita de Cácia S. Souza | 327

pré-requisito fluência na Língua. Os recursos financeiros destinados


à manutenção e criação de novos cursos variam na Itália, na Holanda,
na Inglaterra e na Dinamarca, por exemplo, que contam com ajuda do
governo. A presença da comunidade surda é marcante nestes países.
Prova disso é que os cursos de formação de tradutores e intérpretes
têm como critério de avaliação a realização de uma prova prática de
conversação com um professor surdo para validar seu nível de fluên-
cia. Outro aspecto levantado a respeito da formação do profissional é
sua relação de convívio com a comunidade surda, assim como pensam
Sander (2000) e Rosa (2005). Desta forma, conhecendo o universo cul-
tural dos surdos, o tradutor e intérprete pode construir o conhecimen-
to e melhorar o desempenho de sua tarefa.
As línguas são partes da identidade de um sujeito e, segundo Qua-
dros (2005, p.15), elas são tratadas enquanto sistemas e esta definição
não capta a riqueza das interações sociais que transformam e determi-
nam a expressão linguística. A autora afirma que, quando alguém apren-
de uma nova língua, imediatamente se redefine enquanto pessoa.
A Língua de Sinais é parte da cultura surda, e contribui para definir
quem faz parte ou não do povo surdo5. Strobel (2008, p.19) afirma que a
cultura não vem pronta, daí porque ela sempre se modifica e se atualiza,
expressando que não surge com o homem sozinho e sim das produções
coletivas. Quando o indivíduo escolhe ser tradutor e intérprete, ele deve ter
em mente que será avaliado pelo surdo, pois esse verificará, constantemen-
te, a fluência e o conhecimento do profissional em relação à cultura surda.
Tudo isso proporciona adentrar no mundo surdo, ou seja, conhecer como
vivem os surdos, como apreendem o que acontece ao seu redor, mas sem
perder de vista que o tradutor e intérprete faz parte do mundo dos ouvintes.
Para Rosa (2005), conhecer a cultura permite ao tradutor e intér-
prete intuir, experimentar ou investigar os hábitos linguísticos e extra-
linguísticos que favorecem diretamente sua prática interpretativa. “É o


5
Strobel (2008, p. 31) define os sujeitos surdos que não habitam o mesmo local, mas
que estão ligados por uma origem, por um código ético de formação visual, inde-
pendente de evolução linguística [...].
328 | A FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS

nosso conhecimento de mundo com tudo o que ele tem de complexo,


que nos auxilia estabelecer as diversas ligações necessárias para que
esse mesmo discurso tenha significado, isto é seja coerente para nós”.
(ROSA, 2005, p.132).
Para exercer a atividade de um tradutor e intérprete, é preciso,
além de conhecer a cultura surda, compreender a especificidade da
comunidade e obter o necessário conhecimento específico da Língua
de Sinais, sua estrutura morfológica, sintaxe e semântica. Conforme
ressalta Sander (2000), Quadros (2004) e Rosa (2005), a formação
acadêmica é necessária para o exercício desse profissional.
Outro aspecto que precisa ser considerado é a ética. De acordo com
o Código de Ética da FENEIS, em seu Artigo 1º, prescreve que “o intér-
prete deve ser uma pessoa de alto caráter moral, honesto, consciente,
confidente e de equilíbrio emocional. Ele guardará informações con-
fidenciais e não poderá trair confidências, as quais foram confiadas a
ele”. Muitas vezes nos deparamos com situações que expõem a comu-
nidade de intérprete e levanta dúvidas sobre a confiança que o surdo
deve depositar nesse profissional. Ele é responsáveis pela veracidade
e sigilo das informações e quando cumprimos nossa função de manei-
ra ética, o reconhecimento vem da própria comunidade surda.

Numa das últimas oportunidades em que estivemos lá no Rio


Grande do Sul, por ocasião das entrevistas de candidatos ao
curso de intérpretes, cujo critério essencial é o conhecimento
(tanto de recepção, quanto expressão) da Libras numa certa
entrevista, que foi filmada e em parte, feita em Libras, o can-
didato não estava no nível de Libras almejado, mas era conhe-
cido e tinha a mais alta confiabilidade da comunidade surda
(SANDER, 2000, p. 82).

O resultado desta situação narrada por Sander (2000) é que, mesmo


não tendo demonstrado o nível esperado de fluência em Libras, o candidato
foi aprovado em reconhecimento à virtude do valor ético de sua postura.
Conforme afirma Quadros (2005), a ética deve estar na essência do tradutor
e intérprete de Libras.
Alda Valéria S. de Melo | lka Miglio de Mesquita | Simone S. Amorim | Rita de Cácia S. Souza | 329

As reflexões sobre a formação do profissional tradutor e intérpre-


te de Libras surgiram no Brasil, na década de 80, em estados como
o Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e no Distrito Federal,
entre outros. Em Sergipe, estas discussões não aconteciam ainda, mas
por volta da década de 1990, tiveram início os primeiros cursos vol-
tados para a educação de surdos, ofertados por instituições religiosas
e Organizações Não Governamentais (ONGs). A situação toma outro
rumo em 2000, quando foi sancionada a Lei nº 10.098/2000 voltada
à promoção da acessibilidade6 das pessoas portadoras de deficiência.
A regulamentação da referida Lei possibilitou o aumento da oferta de
cursos financiados pelas Secretarias de Educação, além da produção
literária referente à Libras e à educação dos surdos.
O Governo Federal financiou projetos visando à inclusão com o obje-
tivo de disseminar a Língua de Sinais. Um desses projetos envolve o Pro-
grama Nacional de Apoio à Educação de Surdos/2002, cujo objetivo era
promover a capacitação de professores que atuam com alunos surdos, ins-
trutores de Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, bem como professores
tradutores e intérpretes dessa Língua. Esses profissionais iriam atuar nas
escolas com dupla função, ou seja, em horários distintos como professor e
tradutor e intérprete de Libras.
Em Sergipe, duas professoras participaram do mencionado Pro-
jeto e atuaram como multiplicadoras pelos municípios. A professora
Margarida Maria Teles, representando a Secretaria Municipal de Edu-
cação, e a professora Alda Valéria Santos de Melo, representando a Se-
cretaria Estadual de Educação. Naquele encontro também foram apre-
sentadas as ações voltadas à formação de tradutores e intérpretes de
Libras, em longo prazo, como o curso Letras/Libras. Ainda em 2002,
outra conquista importante para a comunidade surda foi a regulamen-


6
O conceito de acessibilidade associa-se ao compromisso de melhorar a qualidade
de vida de todas as pessoas, dentre suas seis dimensões está a comunicacional, que
transpõe obstáculos em todos os âmbitos da comunicação, considerada nas suas
diferentes formas (falada, escrita, gestual, língua de sinais, digital, entre outras).
Recursos básicos de acessibilidade sócio-digital para pessoas com deficiência – Ins-
tituto de Tecnologia Social (ITS BRASIL, 2008, p.10).
330 | A FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS

tação da Lei nº 10.436/2002 que, mais tarde vai, através do Decreto


nº 5.626/05, reconhecer a Língua de Sinais como primeira língua da
comunidade surda.
Em Sergipe, os primeiros intérpretes educacionais começaram
a atuar efetivamente em 2004, de acordo com registro da Secretaria
Estadual de Educação. A princípio, os primeiros contratados tinham
concluído apenas o ensino médio. Por isso, em seus contratos cons-
tava a condição de Agente Administrativo enquanto, na realidade, o
indivíduo exercia a função de tradutor e intérprete. Posteriormente,
aqueles possuidores de nível superior eram contratados na categoria
professor. Tais medidas ocorreram devido à urgência em proporcionar
ao aluno surdo acesso à comunicação no contexto educacional.
Uma medida relevante, no Estado de Sergipe, foi a implantação, no
ano de 2006, do Centro de Capacitação de Profissionais da Educação
e de Atendimento às Pessoas com Surdez (CAS). Esta modalidade de
centro foi criada em todos os estados da Federação com o objetivo de
disseminar a Libras por meio da oferta de cursos de capacitação de
professores interessados em aprender a Língua Brasileira de Sinais e
tradutores e intérpretes para atuarem na educação. O CAS de Sergipe
está vinculado à Secretaria Estadual de Educação e atualmente oferece
curso de Libras para professores e membros da comunidade. Desde
sua fundação já certificou 1.118 (mil, cento e dezoito) cursistas.
Outra ação de grande repercussão foi o Programa Interiorizando a
Libras (estipulado para funcionar no período entre 2004 e 2008), que
foi um convênio entre MEC/SEESP, FENEIS e APADA-DF/UnB, com re-
cursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento (FNDE). Foram capaci-
tados 1.740 (mil, setecentos e quarenta) professores e 400 (quatrocen-
tos) surdos e os estados beneficiados foram Acre, Roraima, Tocantins,
Amapá, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Espírito Santo,
Mato Grosso, Goiás e São Paulo. Dentre os objetivos do programa esta-
va o de apoiar técnico e financeiramente cursos de capacitação de pro-
fessores (surdos e ouvintes e instrutores surdos), do sistema estadual,
municipal e do Distrito Federal para o ensino da Libras em sala de aula.
A Política Nacional de Inclusão do surdo é baseada na metodologia bi-
língue, a qual visa “capacitar a pessoa com surdez para a utilização de
Alda Valéria S. de Melo | lka Miglio de Mesquita | Simone S. Amorim | Rita de Cácia S. Souza | 331

duas línguas no cotidiano escolar e na vida social: a Língua de Sinais e


a língua da comunidade ouvinte.” (DAMÁZIO, 2007, p. 19).
Buscando contribuir para a compreensão das carências e o enten-
dimento mínimo da complexidade da questão que envolve a formação
do profissional de Libras, que é uma realidade brasileira, o Governo,
através do Ministério da Educação, apresentou o Exame Nacional de
Proficiência do Ensino da Língua Brasileira de Sinais (Prolibras), para
atender ao disposto no Decreto nº 5.626/2005, uma vez que a neces-
sidade de profissionais fluentes em Libras era urgente. O Prolibras é
uma medida temporária, necessária e válida até 2016. É um exame
coordenado pela Universidade Federal de Santa Catarina em parceria
com o Ministério da Educação e o Instituto Nacional de Estudos e Pes-
quisa “Anísio Teixeira”, tendo iniciado suas atividades em 2006. Os cer-
tificados obtidos por meio desse exame nacional poderão ser aceitos
por instituições de ensino superior/IES ou instituições de educação
básica, como títulos que comprovam a competência no uso e no ensino
da Libras ou na tradução e interpretação dessa Língua.
A referida Universidade destacou-se, também, por criar, em 2006,
o primeiro Programa de Língua de Sinais com o objetivo de formar tra-
dutores e intérpretes de Libras e que foi implantado em nove estados
brasileiros. Na região Nordeste foram ofertados cursos nas Universi-
dades Federais da Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco.
Em nível estadual, no ano de 2011, Sergipe, através do CAS, minis-
trou cursos voltados à formação de tradutor e intérprete educacional,
havendo deles participado profissionais de nível superior em Educa-
ção. No mesmo ano foram contratados 48 (quarenta e oito) profissio-
nais tradutores e intérpretes através desse Centro especializado.

FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS: LICEN-


CIATURAS E ESPECIALIZAÇÃO

Focalizando o plano legal, vê-se que a Constituição de 1988 foi


especialmente significativa para a educação, uma vez que estabelece,
em seu Art. 208 inciso III, que o dever do Estado com a educação será
efetivado mediante a garantia do atendimento educacional especiali-
332 | A FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS

zado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular


de ensino. Nota-se, portanto, a preocupação em garantir igualdade de
condições para todos, apesar de não haver uma definição de atendi-
mento diferenciado no que diz respeito às especificidades dos alunos
deficientes. O momento foi memorável, pois as minorias excluídas se-
cularmente passaram a dispor, então, da garantia de acesso igualitário
à educação.
A análise da Lei nº 7.853 de 1989, regulamentada pelo Decreto nº
3.298/99, que após dez anos, naturalmente vivenciada a realidade da
educação inclusiva, permite constatar o estabelecimento da educação
especial por todos os níveis de ensino. É importante considerar que a
elaboração de algumas leis ocorreu devido a campanhas dos próprios
deficientes através de associações. A Lei que estabelece normas de aces-
sibilidade é um desses casos, não se limitando apenas ao espaço educa-
cional, mas a todos os lugares. A princípio havia a compreensão que esta
legislação estava voltada apenas à colocação de rampas de acesso espa-
lhadas pela cidade. Houve uma mudança de mentalidade social que se
associa “[...] ao compromisso de melhorar a qualidade de vida de todas
as pessoas [...]” em todos os setores (ITS BRASIL, 2008, p. 10). A constru-
ção da legislação relacionada à educação especial/inclusão está atrelada
à experiência e manifestações dos próprios deficientes.
A inclusão no âmbito educacional, efetivamente, só acontece a par-
tir da concepção e do redimensionamento em busca da construção de
currículos adequados e da formação de profissionais habilitados. Nes-
te sentido, conta-se com o prescrito na Lei 9.394/96, que propõe uma
ação efetiva destinada à formação e qualificação de professores para
atuarem em escolas especiais/inclusivas. A partir de 2000 algumas
legislações (Leis nº 10.048 e nº 10.098) favoreceram a comunidade
surda no sentido da acessibilidade de comunicação, ressaltando-se o
Decreto nº 5.296/2004 que regulamenta a acessibilidade e respalda
as referidas legislações.
Em 2005, a partir do Decreto nº 5.626, do reconhecimento e regu-
lamentação da Língua Brasileira de Sinais, cria-se um ambiente propí-
cio à efetivação de uma política de educação para os surdos voltada à
formação e subsequente contratação de profissionais bilíngues. A Lei
Alda Valéria S. de Melo | lka Miglio de Mesquita | Simone S. Amorim | Rita de Cácia S. Souza | 333

nº 12.319/2010 foi uma consequência das ações estabelecidas pelo


anterior Decreto nº 5.626/05, que serviu para efetivamente garantir a
educação bilíngue e, inclusive, era necessário regulamentar a situação
dos tradutores e intérpretes que já atuavam no contexto educacional.
Quadro - Legislação da Educação Especial/Inclusão

ORDENAMENTO TEXTO LEGAL


Constituição 1988 Art. 205 A educação, direito de todos e dever do Estado
e da família, será promovida e incentivada com a colabo-
ração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
Art. 206 O ensino será ministrado com base nos seguin-
tes princípios:
I- igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola;
Art. 208 O dever do Estado com a Educação será efetiva-
do mediante a garantia de:
III- atendimento educacional especializado aos portado-
res de deficiência, preferencialmente na rede regular de
ensino;
Lei nº 7.853/89 - Dispõe Art. 2º Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar
sobre o apoio às pessoas às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício
portadoras de deficiência, de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educa-
sua integração social, sobre ção, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social,
a Coordenadoria Nacional ao amparo, à infância e à maternidade, e de outros que,
para Integração da Pessoa decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu
Portadora de Deficiência bem-estar pessoal, social e econômico.
- Corde, institui a tutela ju- Parágrafo Único- Para o fim estabelecido no caput deste
risdicional de interesses artigo, os órgãos e entidades da administração direta e
coletivos ou difusos dessas indireta devem dispensar, no âmbito de sua competência
pessoas, disciplina a atua- e finalidade, aos assuntos objetos desta Lei, tratamento
ção do Ministério Público, prioritário e adequado, tendente a viabilizar, sem prejuí-
define crimes, e dá outras zo de outras, as seguintes medidas:
providências. I- na área da educação:
a) a inclusão, no sistema educacional, da Educação Espe-
cial como modalidade educativa que abranja a educação
precoce, a pré-escolar, as de 1º e 2º graus, a supletiva, a
habilitação e reabilitação profissionais, com currículos,
etapas e exigências de diplomação próprios;
334 | A FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS

Lei nº 10.098/94 - Estabe- Art. 1o Esta Lei estabelece normas gerais e critérios
lece normas gerais e crité- básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas
rios básicos para a promo- portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida,
ção da acessibilidade das mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas
pessoas portadoras de defi- vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na cons-
ciência ou com mobilidade trução e reforma de edifícios e nos meios de transporte
reduzida, e dá outras provi- e de comunicação.
dências. Art. 2o Para os fins desta Lei são estabelecidas as seguin-
tes definições:
I- acessibilidade: possibilidade e condição de alcance
para utilização, com segurança e autonomia, dos espa-
ços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edifica-
ções, dos transportes e dos sistemas e meios de comu-
nicação, por pessoa portadora de deficiência ou com
mobilidade reduzida;
II- barreiras: qualquer entrave ou obstáculo que limite
ou impeça o acesso, a liberdade de movimento e a circu-
lação com segurança das pessoas, classificadas em:
d) barreiras nas comunicações: qualquer entrave ou
obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou o
recebimento de mensagens por intermédio dos meios ou
sistemas de comunicação, sejam ou não de massa;
Lei nº 9394/96 - Estabele- Art. 58 Entende-se por educação especial, para os efei-
ce as diretrizes e bases da tos desta Lei, a modalidade de educação escolar, ofere-
educação nacional. cida preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos portadores de necessidades especiais.
§2º- O atendimento educacional será feito em classes, es-
colas ou serviços especializados, sempre que, em função
das condições específicas dos alunos, não for possível a
sua integração nas classes comuns do ensino regular.
Art. 59 Os sistemas de ensino assegurarão aos educan-
dos com necessidades especiais:
I- currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e
organização específicos, para atender às suas necessida-
des; [...]
III- professores com especialização adequada em nível
médio ou superior, para atendimento especializado, bem
como professores do ensino regular capacitados para a
integração desses educandos nas classes comuns;
Decreto nº 3.298/99 Art. 4o  É considerada pessoa portadora de deficiência a
Regulamenta a Lei no 7.853, de que se enquadra nas seguintes categorias:
24 de outubro de 1989, dispõe II- deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total,
sobre a Política Nacional para de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por au-
a Integração da Pessoa Porta- diograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e
dora de Deficiência, consolida 3.000Hz; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)
as normas de proteção, e dá
outras providências.
Alda Valéria S. de Melo | lka Miglio de Mesquita | Simone S. Amorim | Rita de Cácia S. Souza | 335

Lei nº 10.436/2002 - Dis- Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e


põe sobre a Língua Brasileira expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros
de Sinais - Libras e dá outras recursos de expressão a ela associados.
providências. Parágrafo único- Entende-se como Língua Brasileira
de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão,
em que o sistema linguístico de natureza visual-motora,
com estrutura gramatical própria, constitui um sistema
linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de
comunidades de pessoas surdas do Brasil
Decreto nº 5.296/2004 - Re- Art. 5o  Os órgãos da administração pública direta, indi-
gulamenta as Leis n  10.048, reta e fundacional, as empresas prestadoras de serviços
os

de 8 de novembro de 2000, públicos e as instituições financeiras deverão dispensar


que dá prioridade de aten- atendimento prioritário às pessoas portadoras de defici-
dimento às pessoas que es- ência ou com mobilidade reduzida.
pecifica, e 10.098, de 19 de Art. 6   O atendimento prioritário compreende trata-
o

dezembro de 2000, que esta- mento diferenciadoo e atendimento imediato às pessoas


belece normas gerais e crité- de que trata o art. 5 .
rios básicos para a promoção III- serviços de atendimento para pessoas com deficiên-
cia auditiva, prestado por intérpretes ou pessoas capaci-
da acessibilidade das pessoas
tadas em Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS e no trato
portadoras de deficiência ou com aquelas que não se comuniquem em LIBRAS, e para
com mobilidade reduzida, e pessoas surdocegas, prestado por guias-intérpretes ou
dá outras providências. pessoas capacitadas neste tipo de atendimento;
Decreto nº 5.626/05 Art. 2o  Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa
Regulamenta a Lei nº 10.436, surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e
de 24 de abril de 2002, que interage com o mundo por meio de experiências visuais,
dispõe sobre a Língua Bra- manifestando sua cultura principalmente pelo uso da
sileira de Sinais - Libras, e o Língua Brasileira de Sinais - Libras.
art. 18 da Lei no 10.098, de Art. 4   A formação de docentes para o ensino de Libras nas sé-
o

19 de dezembro de 2000. ries finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educa-


ção superior deve ser realizada em nível superior, em curso de
graduação de licenciatura plena em Letras: Libras ou em Letras:
Libras/Língua Portuguesa como segunda língua.
Parágrafo único-  As pessoas surdas terão prioridade
nos cursos de formação previstos no caput.
Art. 5o  A formação de docentes para o ensino de Libras
na educação infantil e nos anos iniciais do ensino funda-
mental deve ser realizada em curso de Pedagogia ou cur-
so normal superior, em que Libras e Língua Portuguesa
escrita tenham constituído línguas de instrução, viabili-
zando a formação bilíngue.
Lei nº 12.319/2010 Art. 1o  Esta Lei regulamenta o exercício da profissão de Tra-
Regulamenta a profissão dutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS. 
de Tradutor e Intérprete da Art. 2o  O tradutor e intérprete terá competência para
Língua Brasileira de Sinais - realizar interpretação das 2 (duas) línguas de maneira
LIBRAS. simultânea ou consecutiva e proficiência em tradução e
interpretação da Libras e da Língua Portuguesa. 

Fonte: Melo, A.V. S. (2012) – Elaborado a partir dos estudos da Pesquisa (2012)
336 | A FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS

As instituições brasileiras formadoras de tradutores e intérpretes


de Libras, com o devido respaldo legal, passaram a ofertar cursos vol-
tados à formação desses profissionais, a exemplo da Universidade de
Santa Catarina que oferece Bacharelado em Letras/Libras; da Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro, com o curso de Especialização em
Libras: Ensino, Tradução e Interpretação, Mestrado e Doutorado em
Libras da Faculdade de Teologia e Ciências (FATEC), porém se pensar-
mos em termos da dimensão e das carências no contexto nacional, es-
ses cursos ainda são escassos.
Sem dúvida que o Decreto nº 5.626/2005 possibilitou ações que
efetivamente favorecem a inclusão educacional do surdo, e possibilitou
às instituições de nível superior, respaldadas pelo Conselho Nacional de
Educação/ CNE Nº1/2001, propor formações voltadas a este segmento.
Em Sergipe, a primeira instituição educacional a ofertar cursos vol-
tados à educação de surdos foi a Faculdade Pio Décimo que, em 2004,
criou o curso de Pós- Graduação em Educação Inclusiva e, em 2008,
ofertou o curso de Pós-Graduação em Libras, cujo objetivo era espe-
cializar profissionais de diferentes áreas do conhecimento, mediante
o aprofundamento e articulação da teoria com a prática em Libras. Em
seguida, as faculdades São Luís, Atlântico e Amadeus também passa-
ram a ofertar os cursos de Pós-Graduação em Educação Inclusiva; em
Libras; e Educação Inclusiva e Libras. Diante do exposto, verificamos
que os diversos cursos estão voltados à preparação do professor, mas
não para a especialização em tradutor e intérprete de Libras, como
ocorre em nove estados do País, que ofertam o curso letras/Libras.
Sobre a Libras como disciplina curricular, verificamos que nas ins-
tituições de ensino superior em Sergipe é ofertada em duas modali-
dades. A primeira, de ensino a distância/EAD, modalidade em que o
professor atua como mediador utilizando recursos tecnológicos. No
curso a distancia os alunos participam de conversas, visitam páginas
da Internet em horários diversos. A intenção é a de atender à demanda
de aulas das diversas licenciaturas que têm a Libras como disciplina
obrigatória. A segunda, no ensino presencial de Libras, quando as au-
las são ministradas duas vezes por semana, perfazendo um total de 40
(quarenta) horas.
Alda Valéria S. de Melo | lka Miglio de Mesquita | Simone S. Amorim | Rita de Cácia S. Souza | 337

É preciso ter clareza dos objetivos dessa disciplina, porque apesar


de ser o ensino da Língua de Sinais, não tem como finalidade formar tra-
dutores e intérpretes, ou seja, sua proposta curricular está distante dos
conteúdos a serem trabalhados para tal especificidade, sendo que aque-
les que cursam a disciplina adquirem tão somente as noções de Libras.

[...] um curso de língua de sinais não deve confundir-se com


um curso de formação de intérprete. Referimo-nos, nesta afir-
mativa, a necessidade, de um curso de formação de intérpre-
tes em nível profissional, com todas as características de curso
profissionalizante. Isso porque um curso de formação de in-
térpretes não é suficiente senão se for um curso de formação
de intérpretes que inclua módulos básicos com disciplinas ge-
rais e módulos de especialização, nos quais se permita a opção
específica da função de intérprete em sala de aula. [...] (FER-
NANDES, 2003, p.82)

As afirmações de Fernandes (2003) deixam bem claras estas dis-


tinções necessárias à formação do profissional de Libras, isto é, sobre
as competências dos instrutores de Libras (surdo portador de nível
médio), dos professores de Libras (ouvinte ou surdo portador de nível
superior em Educação e/ou em Letras/Libras); e dos tradutores e in-
térpretes de Libras (ouvinte autorizado com certificado de proficiên-
cia em Libras/exame Prolibras; e o graduado em Letras/Libras com a
especialização em tradução e interpretação).
Para adquirir a formação inicial em nível de Bacharelado em Letras
com habilitação em Libras, o profissional precisa cumprir o curso dis-
tribuído em 08 (oito) semestres, atendendo a uma grade curricular que
privilegia a formação de tradutores e intérpretes de Libras. As especifi-
cidades se encontram explícitas nas disciplinas: Introdução aos Estudos
da Tradução I, II e III; Língua Brasileira de Sinais I, II, III, IV, V e VI; Escrita
de Sinais I, II e III; Fonética e Fonologia; Aquisição de Segunda Língua;
Sintaxe; Semântica e Pragmática; Tradução e Interpretação da Libras I e
II; Laboratório de Interpretação de Língua Brasileira de Sinais e Língua
Portuguesa I, II, e III; e Estágio em Interpretação da Língua.
338 | A FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A formação do tradutor e intérprete hoje é muito discutida, o Minis-


tério da Educação em parceria com as universidades propôs o exame do
Prolibras que certifica aqueles que apresentam fluência na Língua, mas o
que de fato se necessita é de uma formação acadêmica condizente com a
expectativa de atuação. Além da formação acadêmica, há o consenso sobre
como é importante analisar a ação e a formação do profissional tradutor e
intérprete frente à comunidade surda. Em diálogo mantido com Fernando
Valverde7 perguntamos-lhe sobre o que era necessário para que a pessoas
se tornassem realmente tradutores e intérpretes/Libras. Ele então respon-
deu-nos: “primeiro do que tudo, o reconhecimento da comunidade surda”.
O estágio atual e o nível que alcançou a formulação de leis e apara-
tos legais que conduzem a inclusão do surdo, pode-se dizer adiantado
com relação ao descaso social que lhe foi dispensado por muito tempo.
O campo de trabalho existe e é amplo, crescem simultaneamente as
exigências sociais e a matrícula de surdos em todos os níveis educacio-
nais, incluindo o nível superior. Portanto, é legítima a necessidade da
formação e especialização desse profissional que promove a interação,
a integração e a inclusão de indivíduos surdos, além de contribuir para
a qualidade da sua educação. Todavia os tradutores e intérpretes que
atuam no contexto educacional ainda não possuem a formação devi-
da. Logo, em diversos momentos as funções se misturam, ora o profis-
sional mediando a comunicação, ora ensinando o conteúdo da aula. A
definição de seu papel é fundamental para sua prática enquanto intér-
prete e para se estabelecer uma relação ética e saudável no contexto
escolar. Conforme afirma Quadros (2004, p.61) ser intérprete “em si já
se basta”.


7
Foi o segundo presidente da FENEIS/RJ.
Alda Valéria S. de Melo | lka Miglio de Mesquita | Simone S. Amorim | Rita de Cácia S. Souza | 339

REFERÊNCIAS

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normas para o funcionamento de cursos de pós-graduação. Disponível
em: <http.//www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/ 110436.htm.>
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Brasil. MEC/SEESP. Política Nacional de Educação Especial na Pers-


pectiva da Educação Inclusiva - Documento elaborado pelo Grupo de
Trabalho nomeado pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho
de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007.
<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf> Acesso
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CORDOVA, Bianca Carrijo. Concepções de intérpretes de Língua de Sinais


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DAMAZIO, Mirlene Ferreira Macedo; SILVA, Alessandra da; LIMA, Cris-


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FERNANDES, Eulália. A função do intérprete na escolarização do sur-


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LEITE, Emili Marques C. Os papéis do intérprete de Libras na sala de


aula inclusiva. São Paulo: Arara Azul, 2005.

SANDER, Ricardo; PIRES, Cleidi Lovatto. O intérprete de Libras – um


olhar a prática profissional. In: Seminário Desafios para o Próximo Mi-
lênio. Rio de Janeiro: INES, 2000, p. 80-6.
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QUADROS, Ronice Muller de. O tradutor intérprete de Língua de Sinais


e Língua Portuguesa. Brasília: MEC. SEESP, 2005.

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In: QUADROS, Ronice Muller; PERLIN, Gladis. (Orgs). Estudos surdos II.
Petrópolis: Arara Azul, 2007, p.245.

ROSA, Andréa da Silva. Entre a visibilidade da tradução de sinais e a


invisibilidade da tarefa do intérprete. Campinas: Unicamp, 2005. (Dis-
sertação de Mestrado).

STROBEL, Karen Lilian. As imagens do outro sobre a cultura surda.


Petrópolis: Arara Azul, 2008.

TUXI, Patrícia. A atuação do intérprete educacional no ensino funda-


mental. Florianópolis: UFSC, 2009. (Dissertação de Mestrado).
Rita de Cácia Santos Souza (Org) | 341

SOBRE OS AUTORES

ALDA VALÉRIA SANTOS DE MELO - Mestre em Educação pela Universi-


dade Tiradentes, Pós-Graduada em Educação Inclusiva, Professora das
Faculdades AMADEUS e Pio Décimo, Técnica na Divisão de Educação Es-
pecial na Secretaria Estadual de Educação e membro integrante do Grupo
de Pesquisa em Políticas Públicas, Gestão Sócioeducativas e Formação de
Professor (GPGFOP/UNIT/CNPq). E-mail: aldamvaleria@yahoo.com.br

ALESSANDRA REZENDE DOS SANTOS ANDRADE - Graduanda no curso de


Licenciatura Letras Português pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Itabaiana. Professora da Rede Estadual lecionando em Sala de Recursos
Multifuncional na E. E. Vicente Machado Menezes Itabaiana/SE. E-mail:
suicivin@yahoo.com.br

ANA PAULA ANDRADE DE MELO - Graduada em Serviço Social pela UFS


(1997), licenciada em Letras-Português pela UNIT (2005). É especialista
em Educação Especial na área da surdez pela UFAL, especialista em Aten-
dimento Educacional Especializado pela UFC, e cursa pós-graduação em
Língua Brasileira de Sinais. Trabalha na rede Estadual de Ensino lotada no
CAS/SEED e na rede Municipal de Educação na COEESP/SEMED. E-mail:
anamelo1200@gmail.com

ANDREA CRISTINA VERSUTI - Doutora em Educação com ênfase em Ciên-


cia e Tecnologia pela Universidade Estadual de Campinas (2007), Mestre
em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (2000) e Gradua-
da em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (1997).
Atualmente é Professora e Pesquisadora PPG PLI do Programa de Pós-
-Graduação em Educação da Universidade Tiradentes - UNIT - em Aracaju,
Sergipe, na linha de Educação e Comunicação, onde desenvolve pesquisa
sobre Narrativas Transmídia e EAD. E-mail: andrea.versuti@gmail.com
342 | SURDEZ, DEFICIÊNCIA AUDITIVA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA

CRISTINA NUNES DOS SANTOS - Pós-Graduanda em LIBRAS pela FSLF


(2013). É licenciada em Letras Vernáculas pela Faculdade Ages (2012).
Lecionou no Colégio Integrado Ages (2011-2013). Faz parte do GPGFOP/
UNIT. Aluna regular do curso de extensão Universitária/LIBRAS-UFS.
Email: cristinanuness@hotmail.com

EDIVALDO DA SILVA COSTA - Mestrando em Ensino de Ciências e Matemá-


tica pela Universidade Federal de Sergipe Campus Professor José Aloísio de
Campos, pertencente ao Núcleo de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e
Matemática (NPGECIMA). Licenciado em Química, com experiência na área
de educação científica para surdos. E-mail: edieinstein@hotmail.com

EDNA MARIA DOS SANTOS - Mestranda em Educação pela Universidade


Lusófona de Humanidades e Tecnologias (UHLT) Portugal, especialista em
Educação Especial e Inclusiva, Educação e Gestão e LIBRAS – Língua Bra-
sileira de Sinais, Pedagoga, professora aposentada da rede estadual com
experiência em Sala de Recurso Multifuncional. Atualmente lecionando a
disciplina LIBRAS no Instituto Federal (IFS) como professora substituta.
Email: andesan_1121@hotmail.com

ENIO GOMES ARAUJO - Doutorando em Educação Matemática pelo Din-


ter entre a Universidade Federal de Sergipe e Universidade Anhanguera;
mestre em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Federal de
Sergipe, especialista em “Matemática e Estatística” pela Universidade Fe-
deral de Lavras (UFLA); especialista em Docência para o Ensino Superior
pela Universidade Federal de Sergipe (UFS); graduado em Licenciatura em
Matemática pela Universidade Tiradentes; professor efetivo do curso de
Licenciatura em Matemática do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de Sergipe (IFS). E-mail: enioga@yahoo.com.br

GENIVALDO OLIVEIRA SANTOS FILHO - Graduado em Letras/Português.


Pós-graduado Lato Senso em LIBRAS. Proficiência em Tradução/intér-
prete de Libras e Uso e Ensino de Libras Ensino Superior (PROLIBRAS).
Intérprete no Tribunal de Justiça de Sergipe. Dr. honorário em Defensor
Direitos Humanos. Presidente da AILES - Associação dos Interpretes de
LIBRAS de Sergipe. E-mail: grlibras@hotmail.com
Rita de Cácia Santos Souza (Org) | 343

GICÉLIA BARRETO NASCIMENTO - Graduada em Fonoaudiologia pela Uni-


versidade Federal de Sergipe em 2012. E-mail: giceliabarreto89@yahoo.
com.br

ILKA MIGLIO DE MESQUITA - Pós-doutorado em História da Educação


pela Universidade Federal de Minas Gerais (2011). Doutorado em Educa-
ção pela Unicamp (2008). Mestrado em Educação pela Universidade Fe-
deral de Uberlândia (2000). É Professora do Programa de Pós-graduação
em Educação – PPED/UNIT (Mestrado). E-mail: ilkamiglio@hotmail.com

IRANILDE DOS SANTOS ROCHA SOUZA - graduada em Letras Português


/Inglês pela Faculdade José Augusto Vieira, Pós-graduanda em LIBRAS-
Língua Brasileira de Sinais: educação especial pela Faculdade São Luís de
França, Tradutora Intérprete de Libras (SEED) e Grupo de Pesquisa do Nu-
pieped (UFS). E-mail: iranilde.rocha@ymail.com

JOELMA ALVES DA ROCHA - Especialista em Psicopedagogia Clínica pela


FSLF (2013). É licenciada em Pedagogia pela UFS (2011). Técnica em Ges-
tão pelo CEFET/SE (2005). Assistente Administrativa – Departamento Ju-
rídico do SINTESE (Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado
de Sergipe). Aluna regular do curso de extensão Universitária/Educação e
Direitos Humanos-CESAD/UFS. E-mail: tbjoelmarocha@hotmail.com.

JOSEVÂNIA TEIXEIRA GUEDES - Mestra em Educação pela Universidade


Tiradentes, especialista em Metodologia do Ensino Superior pela Facul-
dade Pio Décimo. Professora da Educação Básica e da Faculdade Pio Dé-
cimo. Coordenadora da Linha de Pesquisa Iniciação à Pesquisa Científica
na Educação Superior do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Gestão
Socioeducacional e Formação de Professor (GPGFOP/PPED/Unit/CNPq)
e Voluntária do Projeto TRANSEJA do Observatório de Educação da UNIT/
CAPES/INEP. E-mail: josevaniatguedes@gmail.com

JOSILENE SOUZA LIMA BARBOSA - Mestre em Educação pela Univer-


sidade Federal de Sergipe, Graduada em Pedagogia; Pós-Graduada em
Educação Inclusiva e em Libras; Professora do Atendimento Educacional
344 | SURDEZ, DEFICIÊNCIA AUDITIVA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Especializado; Professora Substituta da Universidade Federal de Sergipe;


Membro do Núcleo de Pesquisa em Inclusão Escolar da Pessoa com Defici-
ência (NUPIEPED). E-mail: josylenelbarbosa@yahoo.com.br

MÔNICA DE GOIS SILVA BARBOSA - Mestre em Letras pela Universidade


Federal de Sergipe, Pós Graduação Educação Inclusiva e Libras pela Fa-
culdade Pio Décimo. Professora Assistente I da Universidade Federal de
Sergipe lotada no Departamento de educação no Campos de Itabaiana.
Experiência em Atendimento Educcacional Especializado para pessoas
com surdez/ AEE – E- mail: monicagsb@yahoo.com.br

PRISCILA DANTAS FERNANDES - Graduada em Pedagogia pela Universi-


dade Federal de Sergipe (UFS). Mestranda no Núcleo de Pós-Graduação
em Ensino de Ciências e Matemática (NPGCIMA/UFS). Faz parte do Núcleo
de Pesquisa em Inclusão Escolar da Pessoa com Deficiência (NUPIEPED),
atuando principalmente nos seguintes temas: inclusão, educação dos sur-
dos, literatura infantil e práticas pedagógicas. E-mail: prifernandes_17@
yahoo.com.br

RITA DE CÁCIA SANTOS SOUZA - Doutora em Educação pela Universidade


Federal da Bahia (2009). Possui Licenciatura em Pedagogia pela Universi-
dade Federal de Sergipe (1993), Mestrado em Educação pela Univeridade
Federal de Sergipe (2000). Professora da universidade Federal de Sergipe;
Membro da Sociedade Movimento dos Focolares, Associação Brasileira de
Psicopedagogia - Seção Sergipe, Associação Brasileira de Pesquisadores
em Educação Especial, SBHE; Membro dos Grupos de Pesquisa: Episte-
mologia do Educar e práticas ( UFBA), História da Educação ( UFS), Geine
(UFBA) e vice-líder do Núcleo de pesquisa em Inclusão escolar - Nupieped
(UFS). E-mail: ritacssouzaa@yahoo.com.br

ROBERTO CARLOS BASTOS DA PAIXÃO - Mestrando em Educação pela


Universidade Federal de Sergipe, especialista em Metodologia do Ensino
de Língua Inglesa pela Faculdade Atlântico. Membro do grupo de pesquisa
NEC – Núcleo de Estudos de Cultura da UFS/CNPq. Consultor corporativo
de língua inglesa. E-mail: yeper_rp@hotmail.com
Rita de Cácia Santos Souza (Org) | 345

RONALDO NUNES LINHARES - Pós-doutoramento em educação e Comu-


nicação e Artes pela Universidade de Aveiro/Portugal. Doutoramento em
Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (2003). Mestre
em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (1996). Professor da
Universidade Tiradentes do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em
Educação. Licenciado e Bacharel em História pela Universidade Federal
de Sergipe (1986). Membro do Conselho Técnico e Cientifico da FAPITEC
na área de Ciências Sociais Aplicadas. E-mail: nuneslinhares.ronaldo8@
gmail.com

ROZILDA RAMOS DOS SANTOS OLIVEIRA - Graduada em Letras/Portu-


guês. Pós-graduada Lato Senso em LIBRAS. Proficiência de Uso e Ensino
de LIBRAS, Nível superior (PROLIBRAS). Intérprete no Tribunal de Justiça
de Sergipe e Programa Câmara em Ação (TV ATALAIA). Associada da AI-
LES - Associação dos Interpretes de LIBRAS de Sergipe. Drª Honorária em
Direitos Humanos. E-mail: rozildaramos@hotmail.com

SANDRA DE ANDRADE SANTOS - Mestranda em Ciência da Proprieda-


de Intelectual pelo PPGPI/UFS (2013). Especialista em LIBRAS pela FSL
(2009) e AEE pela UFC (2011). É licenciada em Ciências Naturais pela
UNIT (2009). Graduada em Psicologia pela Pio Décimo (2006). Professora
efetiva das Prefeituras Municipais de São Cristóvão e Laranjeiras. Faz par-
te do NUPIEPED/UFS. Membro da Associação de Intérpretes de Sergipe
– AILES. E-mail: sandra.dea@hotmail.com.br.

SIMONE SILVEIRA AMORIM - Doutora em Educação pela Universidade Fe-


deral de Sergipe (2012). Possui Mestrado em Educação pela Universidade
Federal de Sergipe (2006). Integra o PPED da UNIT como docente PPGP
I. É membro da SBHE e da Anped, integra o Grupo de Pesquisa História
das Práticas Educacionais, vinculado à UNIT. E-mail: amorim_simone@
hotmail.com

SORAYA CRISTINA PACHECO DE MENESES - Mestra em Educação pela


Universidade Tiradentes (2013), pós-graduada em Educação Inclusiva
e libras, graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Sergipe
346 | SURDEZ, DEFICIÊNCIA AUDITIVA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA

(1986). Atua na área da Educação inclusiva, ministrando cursos de forma-


ção continuada para professores que atendem alunos com deficiência em
Salas de Recursos. Membro dos Grupos de Pesquisa em Inclusão Escolar
da Pessoa com Deficiência, formação de professores e tecnologia. E-mail:
soraya.menezes@yahoo.com.br

TÁLITA CAVALCANTI PERGENTINO DOS ANJOS - Licenciada em Artes Vi-


suais pela UFS (2002). É especialista em Psicopedagogia Institucional pela
FANESE (2005) e especialista Arteterapia pela Anhanguera (2007). Tra-
balha na rede Estadual de Ensino coordenando o Centro de Capacitação
de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez
– CAS/SEED. Participa do grupo de estudo: NUPIEPED/UFS. E-mail: tali-
tacps@yahoo.com.br

TÂNIA MARIA DA CONCEIÇÃO MENESES SILVA - Licenciatura Plena em


Letras Vernáculas Português/Inglês pelo Instituto de Letras, Artes e Co-
municação da UFS/1972. Professora aposentada da Rede Estadual de En-
sino, ex-professora universitária e membro do MAC (Movimento de Apoio
Cultural Dr. Antonio Garcia Filho), da ASL. Escritora, poeta e revisora de
textos. E-mail: tania88meneses@hotmail.com

VERÔNICA DOS REIS MARIANO SOUZA - Possui mestrado em Educação


pela Universidade Federal de Sergipe (2000) e doutorado em Educação
pela Universidade Federal da Bahia (2007). Atualmente é professor ad-
junto da Universidade Federal de Sergipe, no curso de Pedagogia e nos
Núcleos de Pós-Graduação em Educação e de Pós-Graduação em Ensino
de Ciências e Matemática. E-mail: veromar@infonet.com.br.

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