Sei sulla pagina 1di 31

FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS

CLARISSA FEDER
SIOMARA PACHECO

ANÁLISE ESTILÍSTICA E LITERÁRIA DA OBRA “EMÍLIA NO PAÍS


DA GRAMÁTICA”, DE MONTEIRO LOBATO

SÃO PAULO
2019
FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS

BORGES, Juliana Boeno


CARVALHO, Luara Barreto
JESUS, Ana Carolina de
MEDRADO, Robson de Sousa
NASCIMENTO, Stefany Rosa
RAMIRO, Nayara Aparecida Antunes
SILVA, Thamires Fernanda de Oliveira

ANÁLISE ESTILÍSTICA E LITERÁRIA DA OBRA “EMÍLIA NO PAÍS


DA GRAMÁTICA”, DE MONTEIRO LOBATO

Trabalho apresentado às
disciplinas Língua Portuguesa:
Semântica e Estilística e
Literatura Infantil, ministradas,
respectivamente, pela Profª. Dra.
Siomara Pacheco e Profª. Dra.
Clarissa Feder, como
instrumento de avaliação
continuada.

SÃO PAULO
2019
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................ 4

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................... 5

1.1 O QUE É ESTILÍSTICA? ......................................................................... 5

1.2 ESTILÍSTICA DO SOM ........................................................................... 6

1.3 ESTILÍSTICA DA PALAVRA ................................................................... 7

1.4 ESTILÍSTICA DA FRASE ....................................................................... 8

1.5 ESTILÍSTICA DA ENUNCIAÇÃO............................................................ 9

2 ANÁLISE ESTILÍSTICA..........................................................................11

2.1 NÍVEL DO SOM ........................................................................................ 11

2.2 NÍVEL DA PALAVRA ................................................................................ 13

2.3 NÍVEL DA FRASE ..................................................................................... 14

2.4 NÍVEL DA ENUNCIAÇÃO ......................................................................... 16

3 ANÁLISE LITERÁRIA..............................................................................19

3.1 CONTEXTO HISTÓRICO............................................................................19


3.2 ANÁLISE DAS PERSONAGENS.................................................................22
3.2.1 RINOCERONTE.............................................................................22
3.2.2 EMÍLIA............................................................................................24
3.3 PROPOSTAS DE ATIVIDADES..................................................................25
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................... 30

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................. 31


INTRODUÇÃO
Dentro das áreas de estudo da Língua Portuguesa e suas expressões,
temos o conceito de Estilística sendo estudado por muitos teóricos, entre eles
Nilce Sant’Anna Martins. Segundo Martins (2012), um dos objetivos da Estilística
é explicar os usos da linguagem que ultrapassam a função puramente
denotativa, com maior exatidão e sem o propósito normativo, que caracterizou a
retórica.

Atualmente, a concepção de estilo gira em torno de tudo que apresenta


características particulares, que fogem à norma comum, não apenas em textos
literários, mas em todos os outros gêneros textuais. Sendo assim, para captar
as peculiaridades de cada autor, Martins sugere o estudo do todo em partes,
possibilitando dissecar as escolhas feitas pelo enunciador para produzir o efeito
final.

Estudaremos na presente análise o livro Emília no País da Gramática, de


Monteiro Lobato. Analisaremos a personagem do rinoceronte, Quindim, que
representa dois papeis: gramático e professor. Seguindo principalmente os
preceitos de Nilce Sant’Anna Martins, será analisado, por meio dos recursos
estilísticos do som, da palavra, da frase e da enunciação, como o personagem
produz falas próximas à oralidade para entrar em contato com as crianças, mas
também mantém a sua postura de gramático por meio da linguagem próxima à
norma culta escrita. Além disso, também será feita uma análise literária da obra,
observando as personagens Quindim e Emília por meio de seus discursos.
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 O que é Estilística?


O vocábulo “estilo”, que vem do latim stilus, remete-nos a um antigo
instrumento metálico utilizado para escrever em tábuas, ao passo que deixava
marcas. Dessa forma, o estilo parece referir-se às marcas que cada autor deixa
na linguagem ao compor sua obra, nas quais as palavras são inventadas a partir
de manipulações de princípios morfológicos e lexicais de derivações pré-
existentes na língua. Estudos a respeito dessa área tiveram início no século XX,
como uma disciplina ligada à Linguística, por meio de estudiosos como Charles
Bally (1845-1947) e Leo Spitzer (1887-1960).

Muitos linguistas buscam definir o que é estilo. Mounin apud Martins


(2000) reúne essa definição em três grupos: 1) estilo como desvio da norma; 2)
estilo como escolha entre alternativas de expressão; 3) estilo como conotação.
Já Ekvist apud Martins (2000), divide o estilo em seis grupos: 1) estilo como
adição; 2) estilo como escolha entre alternativas de expressão; 3) estilo como
conjunto de características individuais; 4) estilo como desvio da norma; 5) estilo
como conjunto de características coletivas; 6) estilo como resultado de relação
entre entidades linguísticas formuláveis em termos de textos mais extensos que
o período.

Já a Estilística, segundo Martins, é divida entre quatro correntes: a


sociológica, voltada para a variedade linguística: “Cabe à Estilística estudar as
variedades, quer da língua falada, quer da língua escrita, adequada às diferentes
situações e próprias de diferentes classes sociais” (MARTINS, 2000, p. 6). A
Estilística funcional estuda as funções das palavras de acordo com o uso, a
retórica, a arte de persuadir, e a literária, que segundo Spitzer apud Martins
(2000), é o estilo do autor e a sua maneira individual de expressar-se. Ele nomeia
esse último método de “círculo filológico”.

As quatro correntes dessa área de conhecimento estudam os gêneros


textuais de acordo com o seu campo de análise. Sendo assim, elas utilizam as
ferramentas e os recursos adequados para a produção do material que resultará
na compreensão da mensagem pretendida pelo sujeito enunciador.
1.2 Estilística do Som

Definida por Martins em sua obra Introdução à Estilística, a Estilística do


Som ou também Fonoestilística trata dos níveis de expressividade de natureza
sonora, perceptíveis nas palavras e nos enunciados. Martins aponta no livro que
Fonemas e Prosodemas (acento, entoação, altura e ritmo) compõem um
complexo sonoro que comporta enorme influência na função emotiva e poética.

A autora também menciona na obra a função expressiva que a matéria


fônica desempenha, que se deve às particularidades da articulação dos
fonemas, às suas qualidades do timbre, à altura, duração e intensidade. Martins
destaca que os sons da língua, também como outros sons dos seres, podem
encadear sensações de agrado ou desagrado, além de poder sugerir ideias e
impressões. Ela também relata como o modo do locutor proferir as palavras da
língua denuncia o estado de espírito ou traços que a sua personalidade carrega.
Porém, Martins salienta que todos esses fatores fornecidos pela matéria fônica
são recebidos de maneira diversa e individual por interlocutores. Dessa forma,
são os artistas que trabalham a palavra e apreendem da melhor forma o
potencial de expressividade dos sons.

Não há um inventário preciso sobre os conjuntos de traços fonoestilísticos


e das regras de organização como cita Martins, mas a autora apresenta em sua
obra alguns valores expressivos dos fonemas, selecionados entre os que citam
Grammont e Morier — principais autores que se dedicaram ao estudo da
expressividade dos elementos sonoros —, ressaltando que tais valores só se
apreendem com certa nitidez na ligação com a fala, sobretudo quando há o
exercício de repetição desses fonemas e quando são postos em evidência.

Como potencial expressivo dos fonemas, encontra-se em destaque a


expressividade das vogais (separada por vogais orais e nasais), expressividade
das consoantes e a insistência em sons de valores expressivos. A onomatopeia
também está presente na estilística do som, tendo como significado a
reprodução de um ruído ou a tentativa de imitação de um ruído por um grupo de
sons da linguagem.
Referindo-se a um sentido mais amplo atribuído ao termo da
onomatopeia, encontra-se a harmonia imitativa, que se estende dentro de um
enunciado, de um fragmento de prosa ou de um poema que resulta em um
aglomerado de recursos expressivos, como as peculiaridades dos fonemas, as
repetições de fonemas, os sintagmas ou as palavras.

Prosodemas ou Traços Supra-Segmentais são estudados e percebidos


na intensidade e na duração da acentuação de palavras e na sua entonação.

1.3 Estilística da Palavra

Para Martins (2000), a Estilística da Palavra ou Léxica estuda os aspectos


expressivos das palavras ligados aos seus componentes semânticos e
morfológicos, os quais, entretanto, não podem ser completamente separados
dos aspectos sintáticos e contextuais.

Léxico é o conjunto dos vocábulos de uma língua, sujeito a constantes


alterações, em função do desenvolvimento da língua falada e escrita. Faz parte
da língua viva a criação de novas palavras, sejam elas criadas por neologismos,
estrangeirismos, termos que surgem nas comunicações eletrônicas, termos
técnicos, entre outros. Já que partimos da conceituação tradicional de léxico,
este também é denominado palavra. Sendo assim, há duas possibilidades
expressivas da nossa língua de duas espécies de palavras: as gramaticais,
ligadas aos gramemas, e as lexicais, ligadas aos lexemas.

As palavras gramaticais têm significação compreendida apenas no


contexto linguístico, consideradas intralinguísticas ou internas. Os gramemas
podem ser independentes, como os artigos, as preposições e certos advérbios,
ou dependentes, como os afixos, mas sempre se referem à sintaxe e à
organização textual, seguindo regras mais ou menos estabelecidas.

Já as palavras lexicais têm significação compreendida no contexto


extralinguístico, consideradas externas. São eles os substantivos, os adjetivos,
os advérbios deles derivados ou a eles correspondentes, os verbos que
exprimem ação e o processo mental. Ex.: menino e menina fazem parte de um
mesmo lexema, mas cantora e cantar não compõem um lexema porque não
pertencem à mesma classe morfológica. A primeira é um substantivo e a
segunda, um verbo. Sendo assim, os lexemas representam um conjunto de
palavras de mesma classe morfológica que se diferem morfologicamente entre
si unicamente por sufixos flexivos.

Quanto aos recursos que compõem a estilística da palavra, podemos


obter:

- Sentido avaliativo relacionado a afixo: têm valores positivos ou negativos,


acrescentados a um lexema por um sufixo ou prefixo;

- Palavras evocativas: transmitem um significado e nos remetem a uma época,


a um lugar e a um meio social ou cultural:

- Estrangeirismos: consiste no uso “emprestado” de uma palavra, expressão


ou construção frasal estrangeira, em substituição de um termo na língua nativa;

- Arcaísmos: vocabulários e costumes medievais, que denotam uma erudição


até um pouco cansativa para os leitores atuais;

- Gírias: vocabulários especiais, que evocam determinadas classes sociais ou


grupos profissionais. A gíria assinala o estilo na linguagem popular.

1.4 Estilística da Frase

Uma frase significa algo com um sentido completo, não necessariamente


precisando seguir a estrutura binária (sujeito e predicado) como a oração.
Segundo Câmara apud Martins (2000), é considerada frase a unidade do
discurso: “A frase não tem estrutura gramatical própria, podendo ter uma
formulação extensa e elaborada ou ser apenas uma interjeição [...]” (p. 130).

De acordo com Martins (2000), como unidade de comunicação, as frases


podem ser classificadas de acordo com o valor que cada uma exprime:
declarativa, exclamativa, imperativa e interrogativa. As frases também podem
ser divididas entre simples e complexa. A simples contém apenas um verbo
principal, sendo que esse verbo pode ter significação gramatical ou nacional. No
sentido gramatical, usa-se um verbo de ligação, como o verbo ser, o qual indica
um atributo do sujeito.
Já as frases de predicado nominal, segundo Martins (2000), podem ter um
valor intelectual quando exprimem um fato, uma classificação, uma definição ou
uma descrição objetiva, além de exprimir um valor emotivo quando ligadas a um
julgamento de valor.

É na frase que veiculam os valores expressivos, e embora ela seja pouco


notada, ela é fundamental: “Os desvios da norma podem estar acima ou abaixo
da competência média que a gramática estabelece: podem ser criações
expressivas de artistas (inovações estilísticas) [...]” (MARTINS, 2000, p. 130).
Logo, a Estilística se interessa pelo desvio da norma.

Dentre os recursos utilizados, obtemos:

• Elipse: cancelamento dos termos; ausência de algum elemento;

• Pleonasmo: repetição de uma mesma ideia ou de um mesmo termo;

• Anacoluto: quebra do sintagma. Segundo Martins (2000), o anacoluto também


é um pleonasmo, pois se pode dizer que ele está na quebra da estrutura
sintática, e o pleonasmo na presença de dois vocábulos para uma mesma ideia;

• Anáfora: termo de retomada. É a repetição intencional para enfatizar o que


está sendo dito;

• Polissíndeto: repetição de conjunções.

1.5 Estilística da Enunciação

Todo ato de comunicação verbal é uma enunciação, e essa enunciação


pode ser compreendida como a atividade em que há um sujeito enunciador “EU”
que se comunica com um “TU”, os dois situados em um “AQUI” e em um
“AGORA”. O produto desse processo comunicativo é o que chamamos de
enunciado, porém a enunciação não está e nem pode ser reduzida a apenas
uma produção de enunciados.

Por meio do produto do ato de comunicação, podemos buscar os traços


do ato de produção desse enunciado e todas as marcas de elementos
relacionados à enunciação materializadas no texto, como, por exemplo, a
situação, o contexto sócio-histórico, o locutor, o receptor e o referente.
A teoria utilizada para essas análises é a teoria da Estilística. Segundo
Martins (2000), Tzvetan Todorov (1939-2017) é quem distingue a Estilística em
duas: a Estilística do Enunciado e a Estilística da Enunciação. A estilística do
enunciado se ocupa “do aspecto verbal, suas particularidades fônicas,
morfológicas, semânticas, sintáticas”. Já a estilística da enunciação se ocupa “da
relação entre protagonistas do discurso: locutor, receptor, referente” (MARTINS,
2000, p. 189).

Um dos interesses da estilística da enunciação é o nível de subjetividade


do discurso. O enunciador pode utilizar recursos que podem produzir tanto um
efeito de objetividade (ocultamento) quanto de subjetividade (aproximação).

Todo ato de comunicação é subjetivo. Há sujeitos da interação, e essa


relação entre eles sempre será subjetiva, partindo do pressuposto de que há o
“EU”, que projeta o seu “TU”, e que analisa, organiza, seleciona suas estratégias
e materializa tudo em um enunciado. O que há são efeitos de objetividade por
meio de estratégias de ocultamento do sujeito.

O texto subjetivo é aquele em que se observa a manifestação da 1ª


pessoa do discurso, e essa subjetividade pode ser explícita ou implícita. Já o
texto com efeito objetivo, é quando nele pode-se notar o distanciamento do
sujeito enunciador, ou seja, o locutor se ausenta do enunciado.
2 ANÁLISE ESTILÍSTICA

2.1 Nível do Som

Pedrinho, no começo da história, revela o quão desagradável é o modo


como aprende gramática nas aulas. O País da Gramática é uma forma criativa
de tornar o aprendizado da matéria mais interessante, e para isso, a personagem
Quindim (o rinoceronte), é responsável por apresentar o país:

— Ah assim, sim! — dizia ele. Se um professor me ensinasse como a


senhora, a tal gramática até virava brincadeira. Mas o homem obriga a
gente a decorar uma porção de definições que ninguém entende.
Ditongo, fonemas, gerúndios... (LOBATO, 1934, p. 7).

É visto que Quindim representa o guia/educador, explicando às crianças o


mundo gramatical de forma lúdica e interativa. Observaremos os diálogos do
rinoceronte, atentando-se ao nível do som/fonético. Segundo Martins (2000), a
estilística do som também é chamada de fonoestilística e estuda os níveis de
expressividade de natureza sonora que são observáveis nas palavras e nos
enunciados.

Na seguinte fala, o sujeito enunciador utiliza o recurso da assonância


para produzir a repetição das vogais “a/i”, dando sonoridade ao ar do país, como
diz o rinoceronte. Ele recorre também ao uso de maiúscula em palavras e
sílabas, para marcar alteração na entonação, o que influencia na compreensão
da mensagem, transmitindo um diálogo entre docente e discente:

— Nele já estamos — disse o paquiderme. — Esse país principia


justamente ali onde o ar começa a zumbir. Os sons espalhados pelo
ar, e que são representados por letras, fundem-se logo adiante em
SÍLABAS, e essas Sílabas formam PALAVRAS — as tais palavras que
constituem a população da cidade onde vamos (LOBATO, 1934, p. 7).

Enquanto Quindim continua a explicação dos sons orais, é utilizado o


acento suprassegmentado na palavra “orgulhosíssima”, provocando
predominância do adjetivo e intensidade na pronúncia marcada pela sílaba
tônica sí, sendo mais uma variação de entonação utilizada para criar a imagem
de professor na personagem analisada:

São as Senhoras VOGAIS — cinco madames emproadas e


orgulhosíssimas, porque palavra nenhuma pode formar-se sem a
presença delas (LOBATO, 1934, p. 7).
O grande paquiderme utiliza um metaplasmo característico e expressivo da
fala popular. Isso mostra que mesmo carregando a figura de gramático/educador,
a sua fala não se distância da fala das crianças:

São os escombros duma cidade que já foi muito importante — a cidade


das palavras latinas; mas o mundo foi mudando e as palavras latinas
emigraram dessa cidade velha para outras cidades novas que foram
surgindo. Hoje, a cidade das palavras latinas está completamente
morta. Não passa dum montão de velharias. Perto dela ficam as ruínas
de outra cidade célebre do tempo antigo — a cidade das velhas
palavras gregas. Também não passa agora dum montão de cacos
veneráveis (LOBATO, 1934, p. 9).

A repetição de sons está presente em forma de homeoteleuto, o qual aparece


em palavras sequenciais de terminação igual, sem obedecer a um esquema
regular, causando um efeito de explicação:

— As coitadas que ficam arcaicas são expulsas do centro da cidade e


passam a morar aqui, até que morram e sejam enterradas naquele
cemitério, lá no alto do morro. Porque as palavras também nascem,
crescem e morrem, como tudo mais (LOBATO, 1934, p. 13)

No trecho em destaque, podemos observar o que Martins aponta referente ao


nível de expressividade das vogais:

- Que zumbido será esse? indagou a menina


- Parece que andam voando por aqui milhões de vespas invisíveis.
- É que já estamos em terras do País da Gramática- explicou o
rinoceronte.
- Estes zumbidos são os sons Orais que voam soltos no espaço.
- Não comece a falar difícil que nós ficamos na mesma - observou
Emília
- sons orais, que pedantismo é esse?
- Som oral quer dizer som produzido pela boca. A, E, I, O U são
Sons Orais, como dizem os senhores gramáticos (LOBATO, 1934,
p.8)

Tanto as vogais nasais como orais, são classificadas como sonoras, em


virtude de serem produzidas com vibração das cordas vocais. Analisando a parte
em destaque, observa-se que o emprego da palavra zumbido remete a ideia de
sonoridade, ou seja, a articulação desses sons produzidos pela vibração. Além
disso, os sons orais são produzidos pela ausência de obstáculos para a
passagem do ar – característica da produção dos sons consonantais – que pode
ser relacionada ao comentário “que voam soltos no espaço” que dá a sensação
de liberdade, de ausência de qualquer bloqueio.
2.2 Nível da Palavra

Visando atingir maior grau de expressividade, o sujeito enunciador


transmitiu, em Emília no País da Gramática, diversos signos não
convencionados, criando, espantando, produzindo humor e gerando efeitos de
estranhamento por meio das palavras.

— Nem fale, menina! — disse ele. — A todo momento nascem crianças


que os pais querem que eu batize, de modo que vivo numa perpétua
correria de igreja em igreja, a grudar-me em criancinhas que ficam
josezando até à morte. Eu e Maria somos dois Nomes que não sabem
o que quer dizer sossego... (LOBATO, 1934, p. 21).

— O Nome José está sendo chamado para batizar um menino em


Curitiba, capital do Paraná. Depressa! E o pobre Nome José lá se foi
ventando para Curitiba, a fim de josezar mais aquele Zezinho
(LOBATO, 1934, p. 21).

Nos dois exemplos acima, nota-se que o sujeito enunciador tinha intenção
de trabalhar a gramática de forma lúdica, a partir da construção lexical incomum,
e que ele priorizou, assim como igualmente o fazem os falantes das línguas
naturais ao criarem neologismos durante a fala do dia a dia, o processo de
formação de palavras por meio da sufixação, ou seja, a adição de um sufixo a
um radical.

A importância do uso linguístico pelo povo segue sendo muito importante


de acordo com Quindim. Ele evidencia tal fato por meio da expressão latina Est
modus in rebus, que significa há um limite nas coisas. Ou seja, Quindim pretende
mostrar que devemos ter direito à autonomia linguística e que podemos ter um
falar próximo da oralidade:

— Mas é obrigatório hoje escrever-se assim, com dez mil acentos —


observou Pedrinho.
Quindim não concordou.

— Est modus in rebus — disse ele. — A língua é uma criação popular


na qual ninguém manda. Quem a orienta é o uso e só ele. E o uso irá
dando cabo de todos esses acentos inúteis. Note que os jornais já os
mandaram às favas, e muitos escritores continuam a escrever sem
acentos, isto é, só usam os antigos e só nos casos em que a clareza
os exige. Temos, por exemplo, "fora" e "fora" (LOBATO, 1934, p. 135-
136).

Emília também critica as regras gramaticais conservadoras por meio de


diálogos com os vocábulos em latim, visto que seguiu a ideia que o seu educador
propôs: “A língua é uma criação popular na qual ninguém manda”.
Emília acenou para uma das palavras que andavam por ali. Era a
palavra Sabbado, com dois BB.
— Senhor Sabbado, venha cá. Sabbado aproximou-se.

— Diga-me; por que é que traz no lombo dois BB quando poderia


passar muito bem com um só?
[...]

— É por causa da bruxa velha. Como venho do latim Sabbatum, que,


por sua vez, veio do hebraico Sabbat, ela não consente que eu me
alivie deste B inútil. Há séculos que trago no lombo semelhante
parasito, que nenhum serviço me presta.
[...]
Emília arrancou-lhe o B inútil e disse:

— Pois fique com um B só. A velha está caducando e só olha para os


interesses de si própria e dos Carrancas que lhe vêm filar o rape. Estou
aqui representando os interesses das crianças, que constituem o futuro
da humanidade — e as crianças preferem Sábados com um B só. Vá
passear e nunca mais me ponha o segundo B!... (LOBATO, 1934, p.
129)

Ainda sobre conservadorismo, o sujeito enunciador mostra a situação dos


gramáticos em aceitar as mudanças na língua propostas pela fala, a qual evolui
com o passar do tempo, enquanto a gramática normativa fica presa ao passado:

— São palavras da Gíria, criadas e empregadas por malandros ou


gatunos, ou então por homens dum mesmo ofício. A especialidade
delas é que só os malandros ou tais homens dum mesmo ofício as
entendem. Para o resto do povo nada significam. [...] Sou a palavra
Bamba, nascida não sei onde e filha de pais incógnitos, como dizem
os jornais. Só a gente baixa, a molecada e a malandragem das cidades
é que se lembra de mim. [...] Toda esta rapaziada é gentinha da Gíria,
como eu (LOBATO, 1934, p. 15)

Note que a própria palavra Bamba, ao se pronunciar, coloca-se em um


grupo de malandros, representado pela “molecada” e pela “malandragem”. Os
sufixos “ada” e “agem” têm valores negativos, incitando que as gírias geralmente
são utilizadas pelos marginalizados da sociedade, e levando ao preconceito
social.

2.3 Nível da Frase

O rinoceronte Quindim é o personagem dentro da história que leva Emília,


Pedrinho e Narizinho até o País da Gramática. Logo no início da narrativa,
Narizinho e Pedrinho ficam espantados quando Emília diz que o rinoceronte
conhece esse país e também ficam com dúvidas, mas a boneca responde
“Existe, sim. O rinoceronte, que é um sabidão, contou-me que existe. Podemos
ir todos, montados nele” (LOBATO, 1934, p. 4). O termo “que é um sabidão”,
entre vírgulas, qualifica o rinoceronte como uma pessoa inteligente.

As crianças fazem muitas perguntas a Quindim, principalmente Emília, que


sempre o questiona. Quando chegaram ao país, o rinoceronte explica para eles
os sons orais:
— Som Oral quer dizer som produzido pela boca. A, E, I, O, U são Sons
Orais, como dizem os senhores gramáticos.
— Pois diga logo que são letras! — Gritou Emília.
— Mas não são letras - protestou o rinoceronte. Quando você diz A ou
O, você está produzindo um som, não está escrevendo uma letra.
Letras são sinaizinhos que os homens usam para representar esses
sons. Primeiro há os Sons Orais; depois é que aparecem as letras, para
marcar esses Sons Orais (LOBATO, 1934, p. 8).

Frases de predicado nominal estão sempre presentes nas falas de


Quindim, demonstrando um valor intelectual presente no personagem, pois
exprimem uma definição por meio do uso do verbo ser: “Letras são sinaizinhos
[...]”, “A, E, I, O, U são Sons Orais [...]”. Nota-se também, a repetição das palavras
som e sons para obter ênfase em sua explicação.

O Quindim, guia do conhecimento gramatical, é conhecido pelos


personagens como tal. É possível observar essa afirmação na seguinte frase
declarativa marcada por um ponto final: “— Isso é lá com o Rinoceronte —
respondeu o menino — Pelo que diz a Emília, esse paquiderme é um
grandessíssimo gramático” (LOBATO, 1934, p. 6).

A fala anterior é uma frase formada também por um predicado nominal.


Tendo valor afirmativo sobre o sujeito rinoceronte, ela classifica a natureza
existencial do paquiderme como um grandessíssimo gramático.

Quindim é sucinto em seus pronunciamentos para que as crianças o


entendam, como vemos em: “— Estes Nomes Compostos formam-se de dois
Nomes Simples, encangados que nem bois” (LOBATO, 1934, p. 23).

A frase coordenada assindética acima é formada pela primeira “Estes


Nomes Compostos formam-se de dois Nomes Simples” e separada por vírgula
da segunda “Encangados que nem bois”. Ambas são frases independentes,
sem ligação por meio de vocábulos, sendo relacionadas apenas por meio da
semântica. Essa construção é uma marca da língua oral, que sugere a
simultaneidade ou a rápida sequência dos fatos.

2.4 Nível da Enunciação

Monteiro Lobato, escritor hoje tido como referência em literatura


direcionada ao público infantil por ter sido pioneiro nesta área, publica, em 1934,
a obra Emília no País da Gramática. O livro traz como enredo a viagem de Emília,
Pedrinho, Narizinho e Visconde, guiados pelo rinoceronte Quindim ao País da
Gramática, onde vivenciam e aprendem diferentes aspectos gramaticais da
língua portuguesa e curiosidades sobre outras línguas e suas origens.

O autor traz para o centro da obra a aprendizagem gramatical, a princípio


a aprendizagem das personagens da história, e, por consequência, acaba
representando como se dava o aprendizado do leitor, a quem a obra é dirigida,
ou seja, a de todo o público infantil.
Por meio das conversas entre os moradores do Sítio do Pica-Pau amarelo
e as categorias gramaticais personificadas encontradas na viagem ao País da
Gramática, o sujeito enunciador assume a voz infantil para expressar a sua visão
sobre o método aplicado à educação da época “— Maçada, vovó. Basta que eu
tenha de lidar com essa caceteação lá na escola” (LOBATO, 1934, p. 5), disse a
personagem Pedrinho, já no início da obra.
Pedrinho, aceitando relembrar os conceitos aprendidos na escola em
suas férias com a avó, explica a sua visão sobre a gramática após os estudos
com Dona Benta:
— Ah, assim, sim! — dizia ele. — Se meu professor ensinasse como a
senhora, a tal gramática até virava brincadeira. Mas o homem obriga a
gente a decorar uma porção de definições que ninguém entende.
Ditongos, fonemas, gerúndios (LOBATO, 1934, p. 5).

Por meio da fala do menino, o sujeito enunciador critica o método


tradicional de ensino de língua portuguesa, que consistia — e por vezes segue
consistindo em muitas instituições — em decorar conceitos e termos rebuscados
sem compreendê-los verdadeiramente. Assim, por meio da forma como a avó
ensina gramática para Pedrinho, comparada à forma como o professor ensina o
menino na escola, o enunciador deixa clara a sua visão sobre outras maneiras
de ensinar as regras e os usos da Língua Portuguesa para as crianças.
Em seguida, a boneca de pano Emília propõe que ao invés de apenas
ouvir falar sobre a tal gramática, seria mais divertido ir até o País da Gramática
e vivenciá-la. A proposta da boneca está aliada à metodologia educacional em
pauta no período em que a obra foi publicada, a Escola Nova, uma proposta que
buscava entender o ambiente escolar como um lugar onde o aluno experimenta
o conhecimento e, dessa forma, passa a ser um agente ativo na aprendizagem,
trocando a ideia de aquisição do conhecimento pela obrigação, cópia e
memorização, pelo conhecimento vivenciado, que é uma forma divertida, prática
e prazerosa.
A partir desse momento, entra na história a personagem Rinoceronte,
nomeado de Quindim pela "botadeira de nomes do sítio", e que se transforma
em personagem chave nessa fantástica viagem. Quindim, apelidado por Emília
também de “grandessíssimo gramático”, é quem guia todos por todo o país
visitado, dando a eles diversas explicações que os ajudam a compreender o
lugar e assim construir o conhecimento sobre a gramática por meio da
experimentação.
A personagem principal da história, Emília, é quem mais distribui críticas
no decorrer da história aos termos e às regras que existem nesse país, ao passo
que são muito difíceis de aprender. O sujeito enunciador assume a voz da
boneca falante para expressar a sua própria indignação.
Quindim, por sua vez, atua como tutor das crianças durante o passeio,
passando as informações importantes sobre cada lugar, explicando o que as
crianças querem saber e ajudando-as a compreender esse país desconhecido
por eles. Quindim, em geral, não determina o tempo em que ficam em cada bairro
nem estabelece uma ordem de visitação, são as crianças que decidem quando
é a hora de partir para outro lugar e seguem para as proximidades que lhe
parecem mais interessantes:

— Vamos percorrer a cidade nova, que é a que mais nos interessa —


propôs Narizinho (LOBATO, 1934, p. 19).

— Chega de Número, Quindim — disse Emília. — Já me está enjoando


as tripas. Mude de tecla (LOBATO, 1934, p. 28).
— Chega de Adjetivos — gritou a menina. — Eu não sei por quê, tenho
grande simpatia pelos PRONOMES, e queria visitá-los já!

— Continue, Quindim — pediu Emília, e o rinoceronte continuou


(LOBATO, 1934, p. 36).

Quindim apenas as acompanha e sana as dúvidas que possam aparecer


durante a viagem.
A obra trabalha questões gramaticais relacionadas ao ensino da norma
padrão e ao uso da língua. Durante o passeio, a turma do sítio percebe a divisão
em Portugália — a cidade das palavras de língua portuguesa — entre bairros,
alguns ricos e bem cuidados, onde viviam as palavras em maior uso e de
prestígio, e alguns pobres e abandonados, onde viviam as palavras já em desuso
e estigmatizadas.
Narizinho, ao ver uma palavra tirando suas aspas do bolso sem entender
o que aquilo significava, comenta:

— Olhem! — gritou Emília. — Aquela palavrinha acolá acaba de tirar


do bolso um par de aspas, com as quais está se enfeitando, como se
fossem asinhas. . .
— É que recebeu chamado para figurar nalguma frase lá no centro e
está vestindo o passaporte. Trata-se da palavra francesa Soirée.
Reparem que perto dela está outra a botar-se em grifo. É a palavra
Bouquet... (LOBATO, 1934, p. 17).

Em seguida, Narizinho critica o tratamento dado em Portugália aos


estrangeirismos, chamados na obra de barbarismos. Nessa fala, o sujeito
enunciador mostra uma visão não purista da língua portuguesa e critica a
exclusão e o tratamento depreciativo, demonstrando sua proximidade com a
ideia de que qualquer contribuição de outras línguas só tende a enriquecê-la:

— Judiação! — comentou Narizinho. — Acho odioso isso. Assim como


num país entram livremente homens de todas as raças — italianos,
franceses, ingleses, russos, polacos, assim também devia ser com as
palavras. Eu, se fosse ditadora, abria as portas da nossa língua a todas
as palavras que quisessem entrar — e não exigia que as coitadinhas
de fora andassem marcadas com os tais grifos e as tais aspas
(LOBATO, 1934, p. 17).

Ao longo de toda a narrativa, a personificação das classes gramaticais dá


concretude ao que para as crianças pode parecer abstrato. A estruturação das
cidades é uma tentativa de transpor esse mundo do estudo das gramáticas para
o real, aproximando o País da Gramática com qualquer outro que exista
concretamente no mundo.
3 ANÁLISE LITERÁRIA

3.1 Contexto Histórico


José Bento Renato Monteiro Lobato nascido em 18 de abril de 1882 é um
dos maiores nomes da literatura infantil no brasil. O escritor que cursou direito,
largou a carreira jurídica quando herdou a fazenda de seu avô. Intenso como
sempre foi, o autor era um grande apreciador de literatura e mostrou-se muito
conectado com o mundo literário no período em que morava na fazenda que
herdara. No ano de 1917, Lobato acaba vendendo a fazenda em que viveu para
seguir carreira no mercado editorial.
Sendo editor, Lobato envolveu-se muito com a literatura nacional. O crítico
literário Antonio Candido ao discutir a revolução de 1930 e a cultura no Brasil,
apontou a relevância de Monteiro Lobato na década de 20, demonstrando a ação
do escritor na editorialização da literatura brasileira:

Ainda aqui estamos ante um processo começado nos anos 20, quando
Monteiro Lobato fundou e desenvolveu a sua editora, marcada por
alguns traços inovadores: preferência quase exclusiva por autores
brasileiros do presente; interesse pelos problemas da hora; busca de
uma fisionomia material própria, diferente dos tradicionais padrões
franceses e portugueses; esforço para vender por preços acessíveis
sem quebra da qualidade editorial. (CANDIDO, 1987, p. 232)

Lobato sempre se mostrou preocupado com a educação dos filhos, o que


direcionou seu talento para a literatura infantil, onde, destacou-se e consagrou-
se como patrono da literatura infantil no Brasil. O autor atribuía aos livros grande
importância para a construção de uma nação, com intuito de levar à sociedade
brasileira livros de qualidade. Foi assim, que se tornou o primeiro editor do país
a desenvolver um mercado de massa para livros, com a tentativa de transformar
a indústria editorial em indústria de consumo.
O autor, não só obteve destaque como editor, mas também como exímio
escritor, deixando um grande legado literário. Não só agraciou a todos com suas
histórias acerca das aventuras da turma do Sítio do Pica-pau Amarelo, como
criou diversas obras destinadas ao público adulto, entre suas publicações,
destacam-se: críticas, romances e contos.
Preocupado com questões que o cercavam socialmente, Lobato sempre
transmitiu nas obras suas indagações. É o que aponta Artur Neves no editorial
em memória do escritor:

Um artista para ser realmente grande precisa refletir em sua obra pelo
menos alguns dos aspectos essenciais das contradições econômicas
que o envolvem. Lobato compreendeu isso muito cedo e muito cedo
passou a estudar o meio que o cercava sem qualquer preconceito
romântico e sem qualquer fantazia literária. (ALVES, 1948, pg. 271)

Lobato foi responsável por grandes causas no Brasil, esteve diretamente


ligado a campanha do petróleo, que culminou na criação da obra “O Escândalo
do Petróleo” publicada em 1936. O historiador Caio Prado Junior (1907 - 1990)
comenta sobre esses episódios em que o autor esteve inserido:

Batalhador incançável em todas as causas em que se jogaram


interesses de nosso país, arrosta novos riscos para trazer sua
generosa solidariedade e conforto moral a vítimas da reação policial
que outros, com mais responsabilidade e obrigações; preferiram
tolerar. (JUNIOR, 1948, pg. 290)

“Emília no País da Gramática” obra de estudo, foi publicada no ano de


1934. O livro é dividido em 26 capítulos que narram a aventura das crianças do
Sítio do Pica-pau Amarelo ao País da Gramática, o mundo lúdico criado por
Lobato. A boneca de pano Emília é a responsável por essa viagem ocorrer, é ela
e o Rinoceronte Quindim (nomeado pela própria boneca) as personagens
norteadoras da obra. É comum, Lobato utilizar seus personagens para criticar
costumes, comportamentos e regras pré-estabelecidas. É por meio da
perspicácia e irreverência da personagem Emília que o autor faz suas críticas e
questionamentos a sociedade da época.
Lobato apresenta o país da Gramática de uma forma concreta, como se
as descrições daquele ambiente fictício saltassem as páginas do livro e
tomassem vida. O país idealizado pelo autor é representado como um espaço
urbano, assim como a sociedade contemporânea vivida pelo o autor, existem
bairros pobres e ricos. "Era uma cidade como todas as outras. A gente
importante morava no centro e a gente de baixa condição, ou decrépita, morava
nos subúrbios.” (LOBATO, 1934, p.12)
Não só na obra em destaque, mas em outros escritos do autor, a questão
que mais se é discutida e levantada até hoje, é o fato de sua literatura carregar
o peso de um discurso racista. Apesar da abolição da escravidão em 1888, no
plano social, o racismo continuou. Não se trata apenas do autor, mas da visão
da sociedade da época. É possível identificar traços em suas obras em que isso
é perceptível:
— A gente verbática — frisou Emília —, porque eu também
sou gente e nada me modifica. Só Tia Nastácia, às vezes. . .
— Quem é essa senhora?
— Uma Advérbia preta como carvão, que mora no sítio de Dona
Benta. (LOBATO, 1934, p. 56)

O livro “Emília no País da Gramática” foi publicado na década de 30, mais


precisamente no ano de 1934. O Brasil estava em plena Era Vargas (1930 –
1945), período de muitas mudanças no país. A ascensão de Getúlio Vargas ao
poder ocorreu em 1930, logo após a destituição de Washington Luís e o
impedimento da posse de Júlio Prestes. Algumas características do governo de
Vargas era: a centralização do poder e ampliação dos direitos trabalhistas.
No ano exato da publicação do livro de Lobato, foi promulgado a
Constituição de 1934, que foi uma consequência da revolução constitucionalista
de 1932. Com o fim da Revolução, a questão do regime político veio à tona,
forçando dessa forma a substituição da Constituição de 1891. A nova
Constituição tinha como objetivo a melhoria das condições de vida da população,
como por exemplo, criações de leis a respeito da saúde, cultura e educação. Ela
trouxe uma perspectiva de uma vida melhor no Brasil.
Porém, em 1937 foi dado início a uma nova fase no país chamado Estado
Novo. Vargas reforçou o seu poder centralizado, reduzindo direitos civis e
implantando a censura. Um dos livros de Lobato “O Escândalo do Petróleo” foi
censurado nesta mesma época, além disso, o autor havia enviado várias cartas
a Getúlio Vargas criticando sua gestão do petróleo no Brasil. Assim, Lobato foi
condenado e preso por três meses por injúria ao Estado.
Foi instaurada a Constituição de 1937, que tinha como principais
características a concentração de poderes legislativos e executivos para o
presidente, pena de morte e retirada do direito à greves. O Estado Novo
permaneceu no país por oito anos, até que em 1945, Getúlio Vargas foi deposto
do seu cargo e o poder passa para as mãos dos militares.
O autor fez e ainda faz muito pelo Brasil com sua literatura ou nas lutas
que travou contra o sistema. Veio a falecer no dia 4 de Julho de 1948, deixando
sua marca ou como o autor Oswald de Andrade cita em um trecho posto como
epígrafe na edição de “Emília no País da Gramática” da Editora Globo (2008):
A Lobato deve muito o Brasil. Em primeiro lugar o exemplo magnífico e
raro do intelectual que não se vende e não se aluga, não se coloca a
serviço dos poderosos ou dos sabidos. Depois, foi ele um homem de
ação e um descobridor. Devem-se a ele a campanha do livro e a
campanha do petróleo. Foi ele o criador da nossa literatura infantil.

3.2 Análise das Personagens

3.2.1.Rinoceronte

O livro começa com Dona Benta dando aulas de gramática para Pedrinho,
já que o menino tem dificuldade em aprender na escola por considerar chata a
maneira como é ensinado a decorar regras. Então, Emília sugere uma viagem
ao país da gramática, para assim o menino aprender fora dos livros e de maneira
mais descontraída. Para isso, recebem a ajuda do rinoceronte Quindim, um
“famoso gramático”. No livro Caçadas de Pedrinho (1933), o rinoceronte é
apresentado pela primeira vez nos contos de Monteiro Lobato, descrito como um
animal feroz e “traiçoeiro”. Porém, em Emília no País da Gramática a boneca faz
uma descrição oposta a esta, informando que o animal é um “sabidão” e
“grandessíssimo gramático”:

— Aqui nem dá gosto morar, vovó — dizia ele, torcendo o nariz. — Fora o
jaguar, que outra fera possuímos? Só paca e veado e anta — uns pobres
herbívoros que têm medo de gente. Eu queria mas era enfrentar peito a peito
um rinoceronte!... Dona Benta arrepiava-se com aquilo. Lera muita coisa
sobre as grandes feras africanas e sabia que nenhuma existe mais traiçoeira
e feroz do que o rinoceronte, com aquele seu terrível chifre no meio da testa.
LOBATO (1933) p. 6

— Existe, sim. O rinoceronte, que é um sabidão, contou-me que existe.


Podemos ir todos, montados nele. Topa? […] — Isso é lá com o
rinoceronte — respondeu o menino. — Pelo que diz a Emília, esse
paquiderme é um grandessíssimo gramático. — Com aquele cascão
todo? — É exatamente o cascão gramatical — asneirou Emília, que
vinha entrando com o Visconde. (LOBATO 1934 p. 26)

Ao descrever o rinoceronte, Emília transmite uma ideia sobre os


conhecimentos do animal em relação à gramática. Por ser estrangeiro (pesado
e africano), o paquiderme pode ser uma metáfora da própria gramática da língua
portuguesa do Brasil, revelando a visão do autor referente à língua: é pesada, o
que dificulta a compreensão, e estrangeira, por vir do português europeu.
Gancho (1998) diz que as personagens são definidas pelo o que fazem ou dizem,
ou pelo julgamento de outros personagens, e por meio da Emília, características
do animal são reveladas.

Bichos, homens ou coisas, os personagens se definem no enredo pelo


que fazem ou dizem, e pelo julgamento que fazem dele o narrador e os
outros personagens. De acordo com estas diretrizes podemos
identificar-lhes os caracteres ou características, estejam eles
condensados em trechos descritivos ou dispersos na história.
(GANCHO, 1998 p. 14)

O nome do rinoceronte surgiu por meio de uma conversa sobre


arbitrariedade de signo, estudo iniciado por Saussure, quando Emília resolve
chamá-lo dessa maneira e acaba explicando, de maneira simples o estudo da
significação:
— Quindim — explicou Emília — é o nome que resolvi botar no
rinoceronte. — Mas que relação há entre o nome Quindim, tão mimoso,
e um paquiderme cascudo destes? — perguntou o menino, ainda
surpreso. — A mesma que há entre a sua pessoa, Pedrinho, e a
palavra Pedro — isto é, nenhuma. Nome é nome; não precisa ter
relação com o "nomado". Eu sou Emília, como podia ser Teodora,
Inácia, Hilda ou Cunegundes. Quindim!. . . Como sempre fui a
botadeira de nomes lá do sítio, resolvo batizar o rinoceronte assim —
e pronto! (LOBATO 1934 p. 8)

Ao chegarem no país da gramática e ao longo de toda a viagem, recebem


explicações do paquiderme de maneira direta e lúdica para as crianças, como
“são sinaizinhos que representam os sons”, mas nunca deixando de lado a fama
de grande gramático ao mostrar todo o conhecimento que possui, facilitando a
compreensão sobre as regras da língua e não sendo apenas um mero condutor
das crianças. Apesar de ser uma possível metáfora a respeito da língua devido
à sua aparência e nacionalidade, como dito anteriormente, o rinoceronte é, neste
livro, o guia principal da turma do sítio e um sábio da língua portuguesa.
Em A Língua de Eulália, obra sobre o estudo da linguística, de Marcos
Bagno, a personagem Irene é reconhecida como uma grande estudiosa da
língua portuguesa, o que nos leva a reconhecer essa semelhança com a
personagem de Lobato. Quindim, assim como Irene, é admirado pela inteligência
que possui, a qual o capacita com uma autoridade que o faz não ser contestado
em relação aos seus conhecimentos intelectuais e suas marcas didático-
pedagógicas. Assim, o rinoceronte divide o protagonismo com a boneca Emília.

3.2.2. Emília

Já Emília, a personagem contestadora e irreverente, perambula entre a


travessura, o atrevimento, a insolência e a malcriação. É assim que é vista a
boneca do Sítio, pela ótica psicológica, às vezes satírica, irônica e crítica. Nela
transplantada pelo criador, cuja biografia revela identidade e cumplicidade entre
ambos. Emília pode ser considerada uma representante da aproximação com a
língua brasileira real e do distanciamento do que ela mesma chama de
“pedantismo”, o português idealizado pelos gramáticos, como Quindim.

— Quantos jeitos! — exclamou Emília. — Isso é que aborrece na


língua. Em vez de haver um jeito só para cada coisa, há muitos. Tal
abundância de jeitos só serve para dar trabalho à gente. (LOBATO,
1934, pg. 6.)

Além disso, a ideia da boneca abre precedente para que se pense na nova
metodologia pretendida por Lobato, e que tem por base os preceitos de Anísio
Teixeira acerca da “escola nova”: a escola foi pensada como “um lugar onde os
alunos fossem ativos”. Como vemos a seguir:

“Emília teve uma grande ideia: visitar o Verbo Ser, que era o mais velho
e graduado de todos os Verbos. Para isso imaginou um estratagema:
apresentar-se no palácio em que ele vivia, na qualidade de um jornal
imaginário – O Grito do Pica-Pau Amarelo
- Meu caro senhor – disse ela ao porteiro do palácio – eu sou redatora
do Grito do Pica-Pau Amarelo, o mais importante jornal do sítio de
Dona Benta, e vim cá especialmente para obter uma entrevista do
grande e ilustre Verbo Ser. Será possível?
(...) Emília foi levada à presença dele e entrou muito tesa, com um
bloquinho de papel debaixo do braço e um lápis sem ponta atrás da
orelha (...)
- Salve, Serência! exclamou Emília, curvando-se diante dele, os braços
espichados, à moda do Oriente. - O que me traz à vossa augusta
presença é o desejo de bem servir aos milhares de leitores do Grito do
Pica-Pau Amarelo, o jornal de maior tiragem do sítio de Dona Benta”
(LOBATO, 1934, pg.50)

Sendo assim, não era somente interessante ouvir falar de gramática, mas
sim, vivê-la, propor questões sobre ela, investigá-la – enfim - conhecê-la. Emília
acaba sendo levada em passeio, ou seja, não se trata de obter o conhecimento
por obrigação, mas por ação e prazer.
Uma das características notórias da boneca é ser extremamente
questionadora do uso de arcaísmos e crítica do português tradicional de
Portugal. Segundo ela, o português brasileiro deveria se livrar das velharias da
língua e simplificar sua gramática, como vemos no diálogo a seguir entre Emília
e uma palavra arcaica:
— Nesse caso, se é inútil, se não tem o que fazer, se está sem
emprego, a senhora não passa dum Arcaísmo cujo lugar não é aqui e
sim nos subúrbios. Está tomando o espaço de outras. (LOBATO, 1934,
pg.21.)

Emília, é a personagem que, deseja conhecer o desenvolvimento da


gramática, e possui algumas características importantes para fazer uso desses
conhecimentos e dos saberes científicos, em geral, sendo a expressão do ensaio
de pensamento e da especulação que requer o saber filosófico. Em suma, ela é
dominadora e individualista. Possui um espírito líder que a distingue dos demais,
também a obstinação com que sabe querer as coisas, ou como mantém seus
pontos de vista e opiniões. Sua curiosidade é aberta a tudo:

Emília habituou-se a vir assistir às lições, e ali ficava a piscar,


distraída, como quem anda com uma grande idéia na cabeça.
É que realmente andava com uma grande idéia na cabeça.
— Pedrinho — disse ela um dia depois de terminada a lição —,
por que, em vez de estarmos aqui a ouvir falar de gramática, não
havemos de ir passear no País da Gramática? LOBATO, 1934, pg.6)

É a idealização mirim do ser social que Lobato pensou enquanto


desenvolvia a problemática educacional em seu livro: ela é um ser pensante,
inquieto, cheio de interrogações, perturbador, mas acima de tudo um ser livre,
responsável por si e por seus atos. Um ser que busca incessantemente um
conhecimento adquirido através da experiência e dessa inquietação de quem
quer saber sempre mais.

3.3 Propostas de Atividades

A obra aqui analisada é extremamente rica no âmbito pedagógico.


Diversas passagens e o conjunto da obra nos dão infinitas possibilidades de
atividades para trabalhar em sala de aula, sobre desde conteúdos gramaticais a
questões sociolinguísticas e sociais.
Uma dessas possibilidades, na área de sociolinguística, se pode utilizar
da seguinte passagem:
Emília encaminhou-se para o último cubículo, onde estava preso um
pobre homem da roça, a fumar o seu cigarrão de palha.
— E este pai da vida que aqui está de cócoras? — perguntou
ela.
— Este é o PROVINCIANISMO, que faz muita gente usar termos só
conhecidos em certas partes do país, ou falar como só se fala em
certos lugares. Quem diz naviu, ménino, mecê, nhô, etc. está
cometendo Provincianismos.
Emília não achou que fosse caso de conservar na cadeia o pobre
matuto. Alegou que ele também estava trabalhando na evolução da
língua e soltou-o.
— Vá passear, Seu Jeca. Muita coisa que hoje esta senhora condena
vai ser lei um dia. Foi você quem inventou o Você em vez de Tu e só
isso quanto não vale? Estamos livres da complicação antiga do
Tuturututu. Mas não se meta a exagerar, senão volta para cá outra vez,
está ouvindo?
O Provincianismo agarrou a trouxinha, o pito, o fumo e as palhas e,
limpando o nariz com as costas da mão, lá se foi, fungando. (LOBATO,
1934, pg.106)

Nesta passagem, vemos a utilização, já arcaica, do termo


“provincianismo”. Na época, o provincianismo era considerado um erro. Hoje,
aqueles vícios de linguagem são compreendidos como apenas uma variedade
linguística, tão legítima como qualquer outra.
Com esse trecho, é possível criar uma atividade completa de leitura para
o ensino fundamental II, como um 6° ano: inicialmente, como atividade de pré-
leitura, é dada a missão de encontrar em um pequeno texto regional, no caso o
poema “Poeta da Roça” de Patativa do Assaré, e listar na lousa, todas as
palavras que a eles lhes pareçam estranhas quanto a sua grafia.

O Poeta da Roça, Patativa do Assaré


Sou fio das mata, cantô da mão grossa,
Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de páia de mío.
Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.
Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.
Meu verso rastêro, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.
Só canto o buliço da vida apertada,
Da lida pesada, das roça e dos eito.
E às vez, recordando a feliz mocidade,
Canto uma sodade que mora em meu peito.
Eu canto o cabôco com suas caçada,
Nas noite assombrada que tudo apavora,
Por dentro da mata, com tanta corage
Topando as visage chamada caipora.
Eu canto o vaquêro vestido de côro,
Brigando com o tôro no mato fechado,
Que pega na ponta do brabo novio,
Ganhando lugio do dono do gado.
Eu canto o mendigo de sujo farrapo,
Coberto de trapo e mochila na mão,
Que chora pedindo o socorro dos home,
E tomba de fome, sem casa e sem pão.
E assim, sem cobiça dos cofre luzente,
Eu vivo contente e feliz com a sorte,
Morando no campo, sem vê a cidade,
Cantando as verdade das coisa do Norte.

Após essa listagem, o professor deve perguntar aos alunos o que eles
acham sobre o modo como as palavras estão escritas. Estão erradas? Uma
conversa coletiva sobre as impressões dos alunos seria interessante.
Em seguida, o trecho de “Emília no País da Gramática” é apresentado
para que todos façam uma leitura silenciosa. Depois, o professor pergunta aos
alunos quais foram suas impressões desse trecho, o que eles compreenderam.
Por fim, o professor deve explicar que tudo o que os alunos buscaram no
texto regional seriam considerados na época de Lobato provincianismos, e que
quem os utilizava em suas falas era estigmatizado, assim como o senhor
provincianismo, na obra, que está preso, e que isso não é uma prática correta
com as pessoas. Hoje, depois de muitos estudos sobre a linguagem, se
entendem essas palavrinhas como uma variedade linguística - a variante
regional. Cada variedade é apenas uma maneira diferente de utilizar a língua
portuguesa e não um erro. A variedade regional tem tanta legitimidade quanto
qualquer outra, mas infelizmente ainda hoje se estigmatiza quem a utiliza.
Para outra atividade seguindo a mesma área, dessa vez para Ensino
Médio, um primeiro ano, por exemplo, podemos utilizar o trecho a seguir:

Depois que os Neologismos acabaram de passar, os meninos


dirigiram-se a uma praça muito maltratada, cheia de capim, sem
calçamento nem polícia, onde brincavam bandos de peraltas
endiabrados.
— Que molecada é esta? — perguntou a menina.
— São palavras da Gíria, criadas e empregadas por malandros
ou gatunos, ou então por homens dum mesmo ofício. A especialidade
delas é que só os malandros ou tais homens dum mesmo ofício as
entendem. Para o resto do povo nada significam.
Narizinho chamou uma que parecia bastante pernóstica.
— Conte-me a sua história, menina.
A moleca pôs as mãos na cintura e, com ar malandríssimo, foi
dizendo:
— Sou a palavra Bamba, nascida não sei onde e filha de pais
incógnitos, como dizem os jornais. Só a gente baixa, a molecada e a
malandragem das cidades é que se lembra de mim. Gente fina, a tal
que
anda de automóveis e vai ao teatro, essa tem vergonha de utilizar-se
dos
meus serviços.
— E que serviço presta você, palavrinha? — perguntou Emília.
— Ajudo os homens a exprimirem suas idéias, exatamente como
fazem todas as palavras desta cidade. Sem nós, palavras, os homens
seriam mudos como peixes, e incapazes de dizer o que pensam. Eu
sirvo
para exprimir valentia. Quando um malandro de bairro dá uma surra
num polícia, todos os moleques da zona utilizam-se de mim para definir
o valentão. "Fulano é um bamba!", dizem. Mas como a gente educada
não me emprega, tenho que viver nestes subúrbios, sem me atrever a
pôr o pé lá em cima.
— Onde é lá em cima?
— Nós chamamos "lá em cima" à parte boa da cidade; este "lixo"
por aqui é chamado "cá embaixo".
— Vejo que você tem muitas companhias — observou Narizinho,
correndo os olhos pela molecada que formigava em redor.
— Tenho, sim. Toda esta rapaziada é gentinha da Gíria, como
eu. Preste atenção naquela de olho arregalado. É a palavra Otário, que
os gatunos usam para significar um "trouxa" ou pessoa que se deixa
lograr pelos espertalhões. Com a palavra Otário está conversando
outra
do mesmo tipo, Bobo.
— Bobo sei o que significa — disse Pedrinho. — Nunca foi gíria.
— Lá em cima — explicou Bamba —- Bobo significa uma coisa;
aqui embaixo significa outra. Em língua de gíria Bobo quer dizer relógio
de bolso. Quando um gatuno diz a outro: "Fiz um bobo", quer significar
que "abafou" um relógio de bolso.
— E por que deram o nome de Bobo aos relógios de bolso?
— Porque eles trabalham de graça — respondeu Bamba, dando
uma risadinha cínica.
Os meninos ficaram por ali ainda algum tempo, conversando
com outras palavras da Gíria — e por precaução Pedrinho abotoou o
paletó, embora seu paletó nem bolso de dentro tivesse. A gíria dos
gatunos metia-lhe medo. (LOBATO, 1934, pg.14)

Como atividade de aproximação, é apresentado aos alunos o verbete da


palavra gíria, retirado do dicionário Michaelis Online:

gí·ri·a
1 (SOCIOLING) Linguagem, em geral efêmera, marcada por
vocabulário novo, ou já existente, porém com outra significação, e
construções metafóricas, muitas vezes cômicas: A gíria se popularizou
e é usada hoje por diferentes grupos sociais.
2 (SOCIOLING) Linguagem usada por marginais, que costuma
funcionar como elemento de agregação e aceitação social, não
compreendida por outras pessoas.
3 (SOCIOLING) Linguagem própria de indivíduos que desempenham
a mesma profissão ou arte, com vocabulário especial, às vezes difícil
de entender; jargão: “Se a mãe o prendia ficava a fazer exercícios de
capoeiragem no corredor, cantando dobrados, a gingar, como fazia à
frente dos batalhões, com uma gíria sórdida e gestos
desempenados” (CN).
4 Vocábulo ou expressão de linguagem informal; slang.

Em seguida, é feito um questionamento geral a todos: Vocês utilizam


gírias para se comunicar? Em todos os lugares? Com qualquer pessoa? O que
vocês pensam sobre o uso de gírias? Elas ajudam ou atrapalham a comunicação
entre pessoas? Você já teve algum problema por ter utilizado uma gíria em algum
contexto comunicativo?
Após esse debate, o trecho de Lobato é apresentado aos alunos para uma
leitura silenciosa. Logo após, é feito outro questionamento: vocês conhecem as
gírias presentes no trecho? Parecem com as gírias que vocês utilizam hoje?
O próximo passo é consolidar o assunto, explicando que as gírias, como
dito no dicionário, são linguagem popular usada por determinados grupos, tanto
sociais como profissionais e criadas para substituir termos. Além disso, as gírias
são próprias de determinadas épocas, sendo criadas, tomando força e caindo
em desuso muito rapidamente.
Como atividade prática, os alunos são convidados a fazer um
levantamento de gírias que seus pais e avós utilizavam em seus tempos para a
confecção de um dicionário feito por toda a turma, em que as explicações das
gírias antigas devem ser feitas utilizando as gírias atuais.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensando nas crianças e nos jovens, Lobato colocou à disposição uma


obra comprometida e repleta de intencionalidade por trás do enunciado e do
processo comunicativo. Ao estudar Martins e os conceitos de Estilística,
percebe-se a enorme riqueza de recursos linguísticos utilizados pelo enunciador
para atingir maior grau de expressividade, como a articulação dos fonemas para
representar uma sonoridade emotiva, o uso de afixos e palavras evocativas,
entre outros recursos.

Por sua vez, a literatura infantil é um fenômeno de criatividade que


representa o mundo, o homem e a vida por meio da palavra. Quando trabalhada
ou apresentada de forma significativa para a criança, diverte, além de
desenvolver a imaginação, os sentimentos e a emoção. Emília, a boneca falante
e contestadora, provoca a imaginação das crianças despertando a curiosidade
com suas descobertas reflexões sobre a gramática. Da mesma forma que
Quindim, guia e gramático, também instrui o público-alvo de forma lúdica ao
chegar no país da gramática.

Também é relevante informar que, embora as personagens do Sítio do


Pica-Pau Amarelo utilizem e expliquem as regras gramaticais, elas não perdem
a oportunidade de criticar os gramáticos conservadores: “Mas os senhores
gramáticos são uns sujeitos amigos de nomenclaturas rebarbativas, dessas que
deixam as crianças velhas antes do tempo” (LOBATO. 1934, p. 10). “Há certos
gramáticos que querem fazer a língua parar num certo ponto, e acham que é
erro dizermos de modo diferente do que diziam os clássicos” (LOBATO, 1934 p.
90).

Portanto, pode-se dizer que Emília no País da Gramática é uma obra não
só para entretenimento, mas também como objeto de estudo, pois apresenta
aspectos estilísticos e literários e contribui para o aprendizado e o despertar da
imaginação, tornando-se uma leitura fundamental nas salas de aula.
REFERÊNCIAS

CANDIDO, Antonio. A revolução de 1930 e a cultura In: A educação pela noite


e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987.
GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. 7ª ed. São Paulo: Ática,
2002.
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. Editora Círculo do Livro S.A.,
Edição integral: 1934.
________. Emília no País da Gramática. São Paulo: Editora Globo, 2008.
MARTINS, Nilce Sant’Anna. Introdução à estilística: a expressividade na língua
portuguesa. 3. ed. rev. e aum. São Paulo: T.A. Queiroz: 2000.
SCHMIDT, Afonso. Fundamentos. [Editorial]. Nº 4-5 Vol. II. Setembro-Outubro,
1948.

Potrebbero piacerti anche