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Tradução e notas:
C. N.
fazer isso, porque isso não é nada. Mas é manifesto que não pode fazer que isso se
faça porque a posição que assim se põe se destrói a si mesma. Se todavia se põe que
Deus pode fazer de modo que tais coisas sejam feitas, a posição não é herética, ainda
que, como creio, seja falsa, assim como que o pretérito não o fosse encerra em si
contradição. Por isso diz Agostinho no livro Contra Fausto: “Alguém diz assim: ‘Se
Deus é onipotente, faça que coisas que foram não hajam sido’: estes não veem que
estão dizendo: ‘Se Deus é onipotente, faça que o que é verdadeiro, enquanto é
verdadeiro, seja falso’”. E todavia alguns grandes [teólogos] disseram piedosamente
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12/10/2016 Estudos tomistas: "Sobre a Eternidade do Mundo, contra Murmurantes", de Santo Tomás de Aquino
que Deus poderia fazer que o pretérito não fosse pretérito; tampouco foi reputado
herético.[5] Deve ver-se então, portanto, se há repugnância entre estes dois
intelectos: que algo seja criado por Deus e, no entanto, haja sido sempre.[6] E,
qualquer que seja o verdadeiro, não será herético dizer que Deus pode fazer que algo
criado por Deus fosse sempre. Creio no entanto que, se houvesse repugnância de
intelectos, seria falso. Se porém não há repugnância de intelectos, não só não é falso,
senão que tampouco é impossível: senão seria errôneo se se dissesse de outro modo.
Como pois à onipotência de Deus pertence exceder a todo intelecto e a toda virtude,
derroga expressamente a onipotência de Deus o que diz que se pode inteligir algo
nas criaturas que não possa ser feito por Deus. Tampouco se inste com os pecados,
que enquanto tais nada são. Nisto, portanto, consiste toda a questão: se ser criado
por Deus segundo toda a substância e não ter princípio de duração se repugnam
entre si, ou não. Que todavia não se repugnam mostra-se assim. Se com efeito se
repugnam, tal não é senão por uma destas duas razões ou por ambas: ou porque é
necessário que a causa agente preceda na duração [ao efeito], ou porque é
necessário que o não ser preceda na duração [ao ser]: porque, como se diz, o criado
por Deus se fez de nada. Em primeiro lugar, mostrarei que não é necessário que a
causa agente, ou seja, Deus, preceda na duração ao causado por ele, se assim quiser.
Antes de tudo, assim. Nenhuma causa que produz seu efeito de modo súbito precede
necessariamente a seu efeito na duração. Mas Deus é uma causa que produz seu
efeito não por movimento, mas subitamente. Por conseguinte, não é necessário que
preceda na duração a seu efeito. A primeira [proposição] patenteia-se por indução
em todas as mutações súbitas, como a iluminação e coisas assim. Pode porém
provar-se por argumentação, assim. Em qualquer instante em que se ponha que
uma coisa é, pode pôr-se o princípio de sua ação, como é patente em todas as coisas
geráveis, porque, no instante mesmo em que começa, o fogo já esquenta. Mas na
operação súbita, simultaneamente, antes o princípio e o fim seus são o mesmo,
como em todas as coisas indivisíveis.[7] Logo, em qualquer instante em que se
ponha o agente produzindo seu efeito subitamente, pode pôr-se o termo de sua ação.
Mas o termo da [sua] ação é simultâneo à coisa feita. Logo, não repugna ao intelecto
se se põe que a causa que produz seu efeito subitamente não precede na duração ao
causado por ela. Repugnaria, porém, nas causas que produzem seus efeitos por
movimento, porque é necessário que o princípio do movimento preceda a seu fim. E,
porque os homens estão acostumados a considerar as faturas que são por
movimento, por isso mesmo não captam facilmente que a causa agente não preceda
na duração a seu efeito. E é por isso que inexpertos em muitos [domínios], ao
considerar poucas coisas, enunciam facilmente. Não pode objetar-se a esta razão
que Deus é causa agente por vontade: porque tampouco é necessário que a vontade
preceda na duração a seu efeito; nem o agente por vontade, a não ser que aja a partir
de deliberação, o que livre-nos Deus de pôr nele.[8] Ademais. A causa que produz
toda a sustância da coisa não pode menos ao produzir toda a substância que a causa
que produz a forma na produção da forma; antes muito mais: porque não produz
eduzindo da potência da matéria, como se dá no que produz a forma. Mas algum
agente que produz só a forma pode fazer que a forma por ele produzida seja tanto
tempo como ele mesmo, como se patenteia no sol ao iluminar. Logo, com muito
mais razão Deus, que produz toda a sustância da coisa, pode fazer que o causado por
ele seja em todo o tempo em que ele mesmo é. Ademais. Se há alguma causa tal, que,
posta em algum instante, não se possa pôr o efeito procedente dela nesse mesmo
instante, isto não é senão porque a essa causa lhe falta algo de complemento: com
efeito, a causa completa e o causado são simultâneos. Mas a Deus nunca falta nada
de complemento. Logo, posto Deus, o causado por ele sempre pode pôr-se; e assim
não é necessário que preceda na duração. Ademais. A vontade do que quer não
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diminui nada de sua virtude, e precipuamente em Deus. Mas todos os que solvem as
razões de Aristóteles pelas quais se prova que as coisas sempre foram [feitas] por
Deus pelo fato de que o mesmo sempre faz o mesmo[9] dizem que isto se seguiria se
[Deus] não fosse agente por vontade.[10] Logo, também se se põe um agente por
vontade, nem por isso se segue que não possa fazer que o causado por ele seja
sempre. E assim se patenteia que não repugna ao intelecto dizer que a causa agente
não precede a seu efeito na duração, porque as coisas que repugnam à razão Deus
não pode fazer que sejam. Resta agora ver se repugna à razão que algo feito seja
sempre, por ser necessário que seu não ser preceda na duração [a seu ser], porque se
diz que foi feito de nada.[11] Mas que isto em nada repugna mostra-se pelo dito de
Anselmo no Monológio, cap. 8, quando expõe de que modo criatura se diz feita de
nada. “A terceira interpretação”, diz ele, “pela qual se diz que algo é feito de nada,
dá-se quando inteligimos que algo é feito, mas não há algo de onde seja feito.” Por
semelhante significação parece dizer-se que o homem contristado sem causa se diz
contristado de nada. Segundo pois este sentido, se se intelige o que acima se
concluiu, a saber, que além da suma essência todas as coisas que provêm dela são
feitas de nada, isto é, não de algo, não se segue nada inconveniente. Por isso é
patente que segundo esta exposição não se põe nenhuma ordem do que é feito ao
nada, como se fosse necessário que antes de ser feito nada fosse, e depois fosse algo.
Ademais, suponha-se que a ordem ao nada implicada na preposição [ de] permaneça
afirmada, de modo que o sentido seja: a criatura é feita de nada, isto é, depois de
nada: a dicção “depois” importa absolutamente uma ordem. Mas a ordem é
múltipla: a saber, de duração e de natureza. Se pois do comum e do universal não se
segue o próprio e o particular, não seria necessário que, pelo fato de dizer-se que a
criatura é depois de nada, nada fosse anterior na duração, e depois houvesse algo:
senão que basta que nada seja por natureza antes que o ente; com efeito, tudo o que
convém a uma coisa em si mesma sempre lhe é inerente anteriormente por natureza
ao que tem de outro. O ser, todavia, a criatura não o tem senão por outro; ora,
entregue a si mesma e considerada em si mesma, [a criatura] não é nada: razão por
que naturalmente o nada é para ela naturalmente anterior ao ser. [12] Nem é
necessário por isso, ou seja, por não preceder [o nada] na duração [ao ser], que [a
criatura] seja simultaneamente nada e ente: com efeito, se a criatura foi sempre, não
se põe que em algum tempo haja sido nada: senão que se põe que sua natureza é tal,
que não seria nada se fosse entregue a si mesma, assim como, se disséssemos que o
ar sempre fosse iluminado pelo sol, seria necessário dizer que o ar foi feito luminoso
pelo sol. E, como tudo o que se faz se faz do incontingente,[13] isto é, do que não
ocorre simultaneamente com aquilo que se diz fazer-se, é necessário dizer que [o ar]
é feito luminoso do não luminoso, ou do tenebroso; não que alguma vez tivesse sido
não luminoso ou tenebroso, senão que seria tal se fosse entregue a si mesmo pelo
sol. E o expresso é patente nas estrelas e nos orbes, que são sempre iluminados pelo
sol. Patenteia-se assim, portanto, que nisto que se diz, a saber, que algo foi feito e
sempre foi, não há nenhuma repugnância do intelecto. Se, com efeito, houvesse
alguma, seria admirável que Agostinho não a tivesse visto: porque teria sido uma via
eficacíssima para refutar a eternidade do mundo; se ele impugna a eternidade do
mundo com muitas razões no livro undécimo e no duodécimo de Da Cidade de
Deus , como deixa passar totalmente esta? Aliás, antes parece insinuar que não há
nisso repugnância de intelectos: daí que diga no livro décimo de Da Cidade de Deus ,
cap. 31, ao falar dos platônicos: “Encontraram o modo de inteligi-lo, a saber, que se
trata não de um início do tempo, mas do início de uma subjacência. Com efeito,
assim como, dizem, se um pé sempre, de toda a eternidade, estivesse no pó, sempre
subjazeria a ele a pegada, que ninguém duvidaria fosse feita pelo que pisa; e um não
seria anterior ao outro, ainda que um fosse feito pelo outro; assim também, dizem, o
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mundo e os deuses criados nele sempre foram, porque sempre foi o que os fez; e
todavia foram feitos”. Nem nunca diz que isto não possa inteligir-se, senão que
procede de outro modo contra eles. Diz ainda no livro undécimo, cap. 4: “Os que
confessam que o mundo foi feito por Deus não querem que tenha tido um início do
tempo, mas só de sua criação, de sorte que sempre seja feito de maneira dificilmente
inteligível; com efeito, dizem algo, etc.”. A causa porém pela qual é dificilmente
inteligível já se tratou na primeira argumentação. Também é admirável que tão
nobilíssimos filósofos não tenham visto tal repugnância. De fato, diz Agostinho no
mesmo livro, cap. 5, falando contra aqueles cuja autoridade mencionou no capítulo
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Para o texto latino, aqui.
[1] Este opúsculo é um dos ápices da metafísica de Santo Tomás, metafísica sempre
confluente com a teologia sagrada, e é fundamental para a refutação de muitas das objeções
às cinco vias tomistas.
[2] Alusão aos que, seguindo a Pedro Damião, subtraem a potência divina ao princípio da
contradição.
[3] Intelecto : aqui, o produto ou resultado da intelecção.
[4] E como nega Santo Tomás, como se verá. Cf. nota anterior.
[5] Alusão direta a Pedro Damião.
[6] Afirmam que há tal repugnância São Boaventura e John Peckham (e como o faria
Henrique de Gand depois de Santo Tomás).
[7] Cf. Aristóteles, Phys., VIII, 2, 251 b 21.
[8] Cf. Santo Tomás In Sent , II, d. 1, q. 1, a. 5.
[9] Cf. Aristóteles, De gen. et c orr., II, 10, 336 a 27-28.
[10] É o argumento de mestres das artes. Cf. Santo Alberto Magno, Summa de creaturis, I,
q. 20, a. 1, e Super Sent. , II, d. 1, a. 10.
[11] É o argumento notadamente de Alexandre de Hales. Cf.Quaestio De aeternitate, Paris,
BN 16406, f. 6 rb, citado pela Leonina.
[12] Cf. Santo Tomás, Im Sent. , II (1. 1, q. 1, a. 5, ad 1), e De pot. , q. 3, a. 14, ad 7.
[13] Dicção de difícil tradução. Poderia talvez verter-se por “coocorrente”.
[14] Retomada irônica de Jó 12, 2: “Logo, só vós sois homens, e convosco morrerá
[morietur] a sabedoria?” Santo Tomás põeoritur (nasce) em lugar de morietur. Segundo
muitas fontes, a ironia parece dirigida a São Boaventura e a seu discípulo John Peckham.
[15] I, 1, cap. 1.
[16] V, pro 6.
[17] XXIII, 44.
[18] 30, 40.
[19] Argumento de Algazel retomado por São Boaventura, Sent. , II, d. 1, p. 1, a. 1, q. 2, arg. 5
ad oppos. Cf. ainda Santo Tomás,In Sent. , II, d. 1, q. 1, a. 5-6, em sentido contrário.
[20] In Sent. , II, d. 1, q. 1, a. 5; Contra Gent., II, cap. 38; De pot., q. 3, a. 14 et 17; ST, I, q.
46, a. 1 et 2; Quod. III , q. 14, a. 2 [31].
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