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Athias,

R. Os Ciganos e o Darwinismo social. In: Continente Multicultural, CEPE,


Recife, Vol 147, Março 2013, pp 32-33





Os Ciganos e o Darwinismo social

Renato Athias (NEPE/UFPE)



Meu primeiro contato com os ciganos foi na minha infância, com as estórias da Babá.
Ela sempre falava, em seus contos, de uma cigana que lia as mãos. E depois, durante
minha adolescência, lendo “Memórias de um Sargento de Milícia”. Acho que minha
geração, no norte do país, conhecia os Ciganos através das estórias e contos.
Manoel Antônio de Almeida em Memórias de um Sargento de Milícia descreve,
em 1854, os ciganos da seguinte maneira:

“Com os emigrados de Portugal veio também para o Brasil a praga dos ciganos.
Gente ociosa e de poucos escrúpulos, ganharam eles aqui reputação merecida dos
mais refinados velhacos: ninguém que tivesse juízo se metia com eles em negócio,
porque tinha certeza de levar carolo. A poesia, seus costumes e suas crenças, de
que muito se fala, deixaram na outra banda do oceano: para cá só trouxeram os
maus hábitos, esperteza e velhacaria [...] Viviam em quase completa ociosidade;
não tinham noite sem festa” 1.

É a partir desse imaginário que os ciganos aparecem para os brasileiros
urbanos. E nesse entendimento é que serão construídas as relações sociais, e as
políticas públicas brasileiras. Aliás, a descrição de Manoel Antonio de Almeida
não difere em nada na definição amplamente divulgada da “Encyclopédie” de
Diderot, que propaga ao mundo das letras que os ciganos são “vagabundos que
praticam a profecia pela leitura de mãos. O seu talento é cantar, dançar e roubar”.
E isso vai influenciar o “Darwinismo Social”, que como doutrina contribuiu para
o acirramento das perseguições aos ciganos, e as outras minorias étnicas. É

1 ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. Ed. crítica de Cecília de Lara. Rio de
indiscutível que, degradantes ou românticas, de qualquer forma, cercados de
generalizações e estereótipos, todas essas impressões sobre os ciganos,
certamente, tiveram um lugar garantido em nossa “bagagem de heranças
européias”.
Vale lembrar outros autores que descrevem com mais simpatia a vida dos
ciganos, entre os quais, me lembro aqui Bartolomeu Campos de Queirós2, com
destaque para o seu premiado livro: “Os Ciganos”. Este autor apresenta muito
bem a temática cigana, mostrando em sua narrativa a ambigüidade de
sentimentos que os ciganos despertam em quase todos nós. Nessa história, ele
mostra um menino, Mário, que com medo, sonhava em ser roubado pelos ciganos
que acampavam em sua cidade. Mario pensava na realidade ganhar liberdade e
conhecer um novo mundo com o qual sonhava, e, ao mesmo tempo, despertar o
amor do seu ocupado pai, que partiria para resgatá-lo. Esta ambigüidade está
ainda presente entre muitas pessoas até hoje, de um lado o medo, e de outro a
liberdade.
Mais tarde durante minha formação, como antropólogo vou ter um
contato maior, sobretudo vivendo na Europa, por vários anos. Ali eu aprendi a
vê-los como um grupo social, com uma história, e uma cultura bem específica,
bastante diversos e distribuídos em diversos grupos étnicos, com etnônimos
próprios, cujos principais grupos são os ROM, os CALON e os SINTI. Mas, no
Brasil, acredito que o preconceito ainda é o mesmo que com os judeus, e até
mesmo com os índios. Em diferentes momentos históricos estão presentes mas
fortemente no imaginário dos brasileiros. Isso, eu chamo de relações
interétnicas, aqui entendido como o contato entre dois grupos sociais
etnicamente diferenciados e inseridos em processos próprios de produção da
própria etnicidade. E, nesses últimos quarenta anos, venho trabalhando sobre
essas relações interétnicas, fortemente introduzidas, desde os anos vinte, por
Max Weber, que reintroduz nas ciências sociais o debate da identidade
desenvolvendo o conceito de comunidades étnicas. Na realidade, podemos
pensar os ciganos como uma comunidade étnica inseridas em diferentes
contextos nacionais.
Eu aprendi através dos estudos históricos e antropológicos, que a origem
dos povos ciganos, como grupos nômades é a Índia. E que estes migraram da
Índia, de maneira ostensiva, durante os séculos VIII e IX, passando a circular de
maneira efetiva por inúmeros países em diferentes continentes, até os dias de
hoje. Angus Fraser3, talvez a maior autoridade britânica sobre a história dos
ciganos, busca traçar um quadro histórico da expansão cigana no continente
europeu, desde o século XV, bem como as diversas reações que estas
mobilizações impactaram, por mais de quatro séculos consecutivos. Através
dessas leituras, conseguimos identificar uma maior unidade étnica e cultural
entre os antepassados, assim como alguns aspectos culturais presentes até os
dias atuais. As informações mais seguras indicam que as primeiras grandes
famílias ou mesmo indivíduos ciganos que chegaram ao Brasil vieram de
Portugal, sendo que estes ocuparam a Península Ibérica entre os séculos XIV e
XV. Os documentos mais antigos conhecidos que tratam da presença de ciganos


2 QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Ciganos. São Paulo: Editora Global, (2004)Livro vencedor do Prêmio
Jabuti (1983) de Literatura Juvenil, além do título de Altamente Recomendável para jovens pela Fundação
Nacional do Livro.
3 FRASER, Angus. História do Povo Cigano. Lisboa: Editorial Teorema, 1997
na Península Ibérica datam de 1415 e 1425, ambos emitidos por D. Afonso V que
autorizavam a circulação temporária de ciganos em Aragão, solicitando que os
mesmos fossem bem tratados e acolhidos por um período de três meses, sem
pagarem taxas ou tributos. Esse teor já não é o mesmo nos documentos do século
XVI, quando muitas leis e regulamentos tentam erradicar os ciganos de Portugal
ou obrigá-los a se integrarem na sociedade através da sedentarização, medidas
estas seguem a tendência do restante do território europeu. Pesquisas
demonstram que os ciganos chegaram ao Brasil ainda no período colonial, mas
não existe um consenso quanto à data exata. Essas informações remetem ao
degredo de indivíduos ou famílias ciganas, por determinação da Coroa
Portuguesa. As deportações de ciganos de Portugal para o Brasil se estenderam
até o final do século XVIII.
Fui ter mais contato com os Ciganos quando iniciei uma pesquisa, em
1997 entre os índios Pankararu. Eu acredito que ainda exista uma rota de
ciganos que passa justamente pelo território desses índios, no sertão
pernambucano. E, de acordo com os Pankararu essa rota é muito antiga, pois eles
têm notícias de grupos de ciganos através da tradição oral. Historiadores, entre
os quais Geraldo Pieroni4 destaca o Séc. XVII como o momento em que se
generalizou o degredo de “bandos” de ciganos para o Brasil, principalmente após
a resolução real de 1686 baseadas nas orientações de Filipe II (1610) que
determinava o degredo de ciganos para a África, e posteriormente para o
território brasileiro. Esse decreto representou um dos principais instrumentos
utilizados pela coroa portuguesa para “despejar” seus “elementos indesejáveis” e
“gentes inúteis”, expulsando para as colônias ultramarinas seu contingente
populacional considerado perigoso. O degredo funcionava como um ritual de
purificação, ligado também a questões religiosas, sob o comando do Santo Ofício.
Porém, antes desse período tem-se notícias de chegadas de ciganos no Brasil tal
como nos informa outros autores como Rodrigo Corrêa Teixeira. Este autor, ao
estudar as deportações de ciganos portugueses, analisa as cartas do secretário de
Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos, Martinho de Melo Castro, cujo
conteúdo indica o envio anual de cerca de 400 ciganos para o Brasil, entre os
anos de 1780 e 1786. Ele também identifica, tanto através de abordagens em
estudos anteriores, como por meio da análise de uma série de decretos
expedidos pela coroa em 1718, referentes à expulsão de ciganos de regiões do
nordeste (Bahia, Sergipe Pernambuco e Paraíba), que muitos desses vieram para
o território das Minas através do Rio São Francisco.
Em minha opinião, existe um profundo desconhecimento mútuo, e uma
intolerância sempre presente nas relações entre os ciganos e não-ciganos. E
podemos verificar isso há séculos nas relações entre o Estado e os grupos de
ciganos. Não só no Brasil, mas em várias partes do mundo. Podemos buscar os
registros dessa relação conflituosa que têm sido feitos de maneira unilateral, sob
o olhar “estrangeiro” algumas vezes implacável e outras, paternalista, dos
estudiosos não-ciganos sobre o tema, que buscam enumerar, e descrever os
costumes e tradições dos ciganos, como um jornalista em busca de um furo de
reportagem. O resultado é geralmente cercado de leituras equivocadas,


4 PIERONI, Geraldo. Vadios e Ciganos, Heréticos e Bruxas. Os Degredados no Brasil Colônia. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil: Fundação Biblioteca Nacional, 2000. p. 111-114
generalizantes e preconceituosas, acentuando a dificuldade de entendimento
entre esses dois mundos, involuntariamente, mas, obrigatoriamente interligados.
Os estudos sobre a temática cigana têm sido caracterizados como
“ciganologia” 5, relacionada diretamente à antropologia cultural, mas tendo a
história e a lingüística como disciplinas auxiliares. Como área específica de
conhecimento, assim como da terminologia que a compõe, aparece a partir de
1888, na Inglaterra quando foi lançada a revista Gipsy Lore Society, a primeira
revista européia, responsável pela generalização recorrente de se denominar
como “ciganos” diversos grupos de “populações flutuantes”. Existem muitos
ciganólogos nas diversas universidades brasileiras que lidam com esses estudos.
Mas o que mais me interessa, como antropólogo, nos estudos ciganos é
poder oportunizar a compreensão do processo de produção da etnicidade cigana
nos diversos contextos brasileiros. E, nesses últimos anos, venho trabalhando
juntamente, com vários colegas, com essa vertente nas pesquisas que
desenvolvemos no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade do Programa
de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco. É
nessa abordagem que encontro um caminho importante ainda a percorrer, pois
entender como os ciganos se inserem como ciganos na sociedade contemporânea
nos parece ser ainda um desafio para as ciências sociais.
Talvez uma das questões principais, presente atualmente nos estudos
cigano é entender a mobilidade cigana ou entender como se processa hoje essa
noção de nomadismos tão presente nos estudos ciganos. O que significa essa
“perambulação” fortemente presente e fortemente associada as identidades
ciganas.


Bibliografia
TEIXEIRA, Rodrigo Corrêa. Correrias de ciganos pelo território mineiro (1808-1903). Belo Horizonte:
FAFICH/UFMG. Dissertação de Mestrado em História, 1998. P. 109.

Peça Teatral Cigana em um Ato. Trecho do texto que compõe o roteiro de “Além da Lenda”, que estreou
em Curitiba em 2000 e foi apresentada em várias cidades no Brasil. O texto (Cláudio Iovanovitch), a direção
e os atores da peça são ciganos. Roteiro disponível em http://dhnet.org.br/direitos/sos/ciganos/index.html.
Acesso em 02/06/2005.

24 MOTA, Ático Vilas-Boas da. (org). Ciganos – Antologia de Ensaios. Brasília: Thesaurus, 2004. P. 11. 25
MARTINEZ, Nicole. Os Ciganos. Campinas: Papirus, 1989. A autora destaca o forte fluxo de grupos
ciganos na Inglaterra nesse período, já que a cidade de Liverpool era um dos mais destacados pontos de
embarque destes para as Américas, o que, segundo ela, pode ter desencadeado o pioneiro interesse britânico
pela temática cigana. P. 7 e 25. 26 TEIXEIRA, Rodrigo Corrêa. Op. Cit. Página 2.

NUNES, Olimpio – O Povo Cigano. Lisboa: Grafilarte Artes Gráficas, 1996. Apud. DIAS, Isabel.
Realojamento da Comunidade Cigana do Vale do Forno: a Partilha de Uma Experiência. Páginas 5 e 6.
Anais


5 MOTA, Ático Vilas-Boas da. (org). Ciganos – Antologia de Ensaios. Brasília: Thesaurus, 2004. P. 11

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