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A PSICOLOGIA NA VIDA DO NOSSO TEMPO

CHARLOTTE BuHLER

A PSICOLOGIA NA VIDA DO NOSSO TEMPO

Tradução de

Elsa Meneses de Jesus

Hannelore Eibner Roth

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKiAN

Lisboa
Tradução do original alemão intitulado:

PSYCHOLOGIE IM LEBEN UNSERER ZEIT

Charlotte Bühler

Reservados todos os direitos de harmonia com a lei

Edição da FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN

Av. de Berna 1 Lisboa
DEDICADO AOS MEUS FILHOS
E AOS MEUS NETOS

PREFÁCIO

O livro sobre «A Psicologia na Vida do nosso Tempo» foi concebido e escrito sob 
um ponto de vista bem determinado.

Não é, como alguns leitores poderiam supor, um manual de fácil compreensão 
destinado a principiantes no domínio da Psicologia e a outros curiosos, se bem 
que, segundo creio, possa ser utilizado nesse sentido. Contudo, quase não se 
justificaria escrever um novo manual elementar, uma vez que essas obras existem 
já em tão grande abundância.

O livro não surgiu tão­pouco como uma compilação folhetinesca do que há de 
«interessante» na Psicologia. Tais obras existem; porém, eu, como cientista, 
encontro­me afastada dessa perspectiva. Esse facto não exclui, no entanto, que 
eu tenha tentado escolher matéria de interesse geral e tenha procurado 
apresentá­la de modo a proporcionar uma leitura fácil.

O verdadeiro objectivo deste livro é, no entanto, absolutamente diverso. A minha 
visão geral do assunto pretende mostrar aos meus contemporâneos como a 
Psicologia Moderna pode ajudá­los na sua vida pessoal.

Por que motivo será isso importante? Parece­me importante por diversos motivos. 
A actividade que desenvolvi como Psicóloga Infantil em diferentes países e em 
diversos círculos culturais e as experiências então colhidas fizeram­me ver como 
os pais e professores se esforçam hoje em dia por compreender verdadeiramente os 
seus filhos e alunos, em crescimento numa época extraordinariamente difícil, e 
por encontrar os métodos de tratamento para eles adequados. Pareceu­me desejável 
apresentar­lhes os problemas do desenvolvimento e da educação integrados no 
contexto mais amplo daquilo que hoje sabemos sobre a nossa vida anímica.

Em segundo lugar, a minha actividade e as minhas experiências como 
Psicoterapeuta de Adultos fizeram­me ver de dia para dia com maior nitidez que 
vivemos numa época em que uma compreensão mais profunda de nós próprios bem como 
dos problemas da nossa existência humana se vai tornando uma necessidade cada 
vez mais premente e mais divulgada. Nunca tantos puseram tão sistematicamente em 
dúvida o sentido e o valor da vida. Por esse motivo, a par da discussão da 
teoria da Auto­Realização, do Existencialismo e da Logoterapia, tento esboçar as 
minhas ideias quanto a uma Filosofia da Vida resultante das minhas reflexões de 
ordem psicológica. Contudo, em primeiro lugar, reúno tudo aquilo que possa 
ajudar o homem moderno a compreender­se melhor a si próprio.
Em terceiro lugar, como ser humano que vive numa época de enormes mutações de 
ordem cultural, senti a necessidade de elaborar para mim e para o próximo um 
quadro daquilo que se passa na nossa cultura e em outras culturas sob o ponto 
de vista psicológico. Valendo­me dos estudos de Sociólogos e de Antropologistas, 
procurei ver em que medida a vida humana em conjunto se ordena de acordo com as 
diversas circunstâncias, e tentei tornar esse conhecimento extensivo aos demais. 
Só a partir dele podemos, segundo creio, dominar o problema das soluções 
pacíficas para os conflitos que surgem entre os homens, quer se trate dos 
pequenos quer dos grandes grupos deste mundo.

Assim, este livro apresenta a Psicologia, em primeiro lugar, sob o ponto de 
vista do serviço que ela pode prestar à compreensão da vida humana e das 
correlações íntimas. No entanto, para além desse aspecto, tem também, como é 
natural, um carácter informativo. Esta informação não se deve compreender como 
simples transmissão de factos, mas como uma exposição que resulta da meditação 
sobre as relações dos factos entre si.

Se, desta forma, o presente volume não foi escrito com fins puramente 
académicos, se, em vez disso, visa antes interesses educativos, clínicos e 
humanísticos, fiz todavia por outro lado tudo o que estava ao meu alcance para 
apresentar o conhecimento dos factos, as teorias e as questões problemáticas com 
a maior objectividade possível e com a integridade relativa que o âmbito 
limitado permite. Quer dizer, esforcei­me por tratar todos os
factos e concepções importantes e por apresentar a opinião de todos os 
investigadores de significado.

Como não queria em nenhum aspecto confiar apenas no meu
juízo, pedi a um grande número de colegas europeus e americanos que lessem os 
diversos capítulos com espírito crítico, fornecendo­me em seguida o seu 
comentário. Devido aos meus conhecimentos limitados em algumas matérias e devido 
à grande extensão bibliográfica, solicitei além disso a uma série de peritos que 
me auxiliassem na organização da bibliografia correspondente. Tanto quanto 
possível tomei em consideração as suas sugestões
e informações, quer para a organização do livro, quer do conteúdo. Desta forma 
espero ter precavido o leitor contra as limitações que a especialização e a 
parcialidade podem produzir, sem no entanto tirar ao livro a unidade de 
concepção do conjunto.

Mal consigo encontrar as palavras adequadas para exprimir a dívida de gratidão 
que sinto ter para com esses colaboradores desinteressados. Ao mencionar aqui 
mais uma vez os seus nomes, tenho novamente consciência de que sem o valioso 
auxílio destes peritos nunca o meu livro teria sido possível. A eles cabe, 
portanto, o meu primeiro e mais profundo agradecimento.

Antes de os mencionar e de lhes exprimir o meu reconhecimento gostaria de, em 
poucas palavras, dar ao leitor alguns conselhos de ordem prática. A quem se 
abeirar deste livro, levado mais pelo interesse pessoal do que pelo do 
conhecimento da matéria, aconselho a iniciar a leitura pelo capítulo «A 
Motivação», para só mais tarde, se o desejar, proceder à leitura dos primeiros 
capítulos. Talvez prefira, além disso, omitir primeiro as discussões teóricas, 
nitidamente destacadas em cada capítulo. De resto, o
índice pormenorizado de assuntos remeterá cada um rapidamente aos problemas do 
seu interesse. Todos os nomes próprios, escolhidos para ilustração dos casos que 
referimos, são fictícios.

Com orgulho, alegria e agradecimento cito agora os nomes
dos colegas que, pelo seu conselho e pelo seu trabalho, se puseram à disposição 
desta obra.

Em primeiro lugar contribuíram com indicações bibliográficas:

Dr. Franz Weinert, Instituto de Psicologia,

Universidade de Bona

Dr a Lotte Schenk­Danzinger, Directora do Serviço de Psicologia Escolar do 
Conselho Escolar Municipal, Viena

Dr. K. Hermann Wewetzer, Professor de Psicologia, Universidade de Friburgo em 
Breisgau

Miss Ruth Leeds, Graduate Student, Department of Sociology, Columbia University, 
New York, N. Y.

Mr. William L. Kimba11, Graduate Student, Department of Anthropology, University 
of California, Los Angeles, Calif.
para o capítulo histórico

para o capítulo «As Funções»

para o capítulo «A Sociedade»

para o capítulo «As Culturas»
Contribuíram para o capítulo «A Personalidade»:

Lutz von Rosenstiel, Psicólogo, Assistente Científico do Instituto de Psicologia 
da Universidade de Munique

Versão revista do capítulo sobre «A Teoria das Camadas da Personalidade»

Contribuíram para o capítulo sobre as «Profissões de ajuda
psicológica e psicossociológica»:

Dr. Rogers H. Wright, Clinical Psychologist, Private Practice, Long Beach, 
Calif.

Dr. Franz Alexander, Director Department ofPsychiatry, Director Psychiatric and 
Psychosomatic Rescarch Institute, Mount Sinai Hospital, Los Angeles, Calif.

Dr. Hedda Bolgar, Chief Clinical Psychologist,
Director Clinical Psychology Training Program, Mourit Sinai Hospital, Los 
Angeles, Calif.

Dr. George Bach, Clinical Psychologist, Private

Practice, Institute of Group Psychotherapy, Beverly Hills, Calif.

Dr. J. H. Schultz, Professor, Neurologista, Berlim ­ Charlotteriburg

Dr. Hildebrand R. Teirich, Especialista de doenças nervosas, Friburgo em 
Breisgau

um caso de diagnóstico

e 1 u c i d a ç o e s

acerca de um dos seus casos

um caso de psicoterapia

Breves exposições sobre as técnicas terapêuticas especiais por eles utilizadas

Leram e pronunciaram­se sobre os seguintes capítulos e

subcapítulos:
Dr.  Mauríce e Dr. Fav Karpf, Private Practice,

Beverly Hills, Calif.

Dr.  Franz Weinert, Instituto de Psicologia, Uni­   @@História da

versídade de Bona                              Psicologia»

Dr.  Ludwig iyon Bertalanfiy, Professor, Department of Zoology, University of 
Alberta,       «As Raízes BioEdmonton, Alberta, Canadá 
lógicas»
Dr.  K. Hermann Wewetzer, Professor de Psicologia, Universidade de Friburgo em 
Breisgau.

Dr.  Peter Hofstdtter, Professor de Psicologia,

Universidade de Hamburgo

Dr.  Hedda Bolgar, Chief Clinical Psychologist,

Director Clinical Psychology Training Program, Mount Sinai Hospital, Los 
Angeles, Calif.

Dr. Hans Thomae, Professor de Psicologia, Universidade de Bona

Dr. Philipp Lersch, Professor de Psicologia,

Universidade de Munique

Dr.  Gordon Allport, Professor of Psychology,

Harvard University, Cambridge, Mass.

Dr.  George Bach, Clinical Psychologist, Private

Practice, Institute of Group Psychotherapy, Beverly Hills, Calif.

Dr.  Gordon Allport, Professor of Psychology,

Harvard University, Cambridge, Mass.

Dr.  Peter Hofstãtter, Professor de Psicologia,

Universidade de Hamburgo

Dr.  Paul Lazarsfeld, Professor of Sociology,

Columbia University, New York, N. Y.

Miss Ruth Leeds, Graduate Student, Department of Sociology, Columbia University, 
New York, N. Y.

Dr.  Harvey Locke, Professor of Sociology, University of Southern California 
(USC), Los Angeles, Calif.
Dr.  Margaret Thomes, Asst. Professor in The

School of Social Welfare, UCLA, Los Angeles, Calif.

Dr.  Councill Taylor, Professor of Anthropology,

University of California, Los Angeles, Calif .

Dr.  Wilhelnz Arnold, Professor de Psicologia,

Universidade de Würzburg

«As Funções»

«A Motivação»

«0 Desenvolvimento»

«A Personalidade>,

«As Teorias de Kurt Lewin»

«0 Decurso da Vida Humana»

«A Sociedade»

«As Culturas»
Dr. Hildegard Hetzer, Professor de Pedagogia, Universidade de Giessen

Dr. D. Welty Lefever, Professor of Education,

University of So. California, Los Angeles, Calif.

Dr.” Lotte Schenk­Danzínger, Directora do Serviço de Psicologia Escolar do 
Conselho Escolar Municipal, Viena

a r. Hedda Bolgar, Chief Clinical Psychologist,

Director Clinical Psychology, Mount Sinai Hospital, Los Angeles, Calif.

Dr.  Frederick Hacker, Director of Hackers

Psychiatric Clinics, Professor de Psiquiatria, Universidade de Viena

Dr.  Robert Heiss, Professor de Psicologia, Universidade de Freiburgo em 
Breisgau

Dr.  Fay e Dr. Maurice Karpf, Private Practice,

Beverly Hills, Calif. Dr.  J. H. Schultz, Professor, Neurologista, Berlim, 
Charlottenburg

Dr. Paul Lazarsfeld, Professor of Sociology,

Columbia University, New York, N. Y.

«Educação e

Orientação Profissional»

«As Profissões de Ajuda Psicológica» « P s i c o 1 o g i a Económica»

Contribuíram com o seu conselho e o seu comentário em

questões isoladas:

Dr. Wilhelm Arnold, Universidade de Würzburg
Dr. George Bach, Beverly Hills, California

Dr.a Hedda Bolgar, Los Angeles, California

Dr. Felix Guggenheim, Beverly Hills, Calif.

Dr. Robert Heiss, Universidade de Friburgo em Breisgau.

Dr. Hildegard Hiltmann, Universidade de Friburgo em Breisgau

Dr. Robert e Senhora D. Ruth Jungk, Viena

Dr. Fay e Dr. Maurice Karpf, Beverly Hills, California

Dr. Paul Lazarsfeld, Columbia University, New York Miss Ruth Leeds, Columbia 
University, New York
Dr. Arthur Maier, Escola Superior de Comércio, Mannheim Dr  aIlse Pichottka, 
Instituto Stern, Munique

Dr. John Seward, University of California, Los Angeles, California Dr. Robert 
Williamson, Los Angeles State College, Los Angeles,

California

Dr. Pauline Young, Modesto, California

Puseram à disposição biografia e fotografias:

Dr. Anne Kine Holter, Oslo

Mr. e Mrs. Franklin J. Homme, Bakersfield, Calif.

Mrs. Joan Seward Mackay, San Francisco, Calif.

Miss Misako Miyamoto, Tóquio

Mr. Richard Neutra, Los Angeles, California Dr  aIlse Pichottka, Munique

Mrs. Larry WeIty, Los Angeles, California

Além da gratidão pelo auxílio dos peritos na matéria, quero exprimir o meu 
profundo reconhecimento pessoal a uma série de amigos e auxiliares que por 
diversas formas me assistiram na realização deste livro.

A obra nunca teria sido possível sem o entusiasmo e a assistência amiga com que 
o Senhor Dr. Robert Jungk e sua

Mulher nela se empenharam. É a eles que exprimo o meu primeiro agradecimento 
pessoal.

a A Dr. Hedda Bolgar, Dr. Fay e Dr. Maurice Karpf, Dr. Paul

a Lazarsfeld, Dr. Ilse Pichottka, Dr a Lotte Schenk foram não só conselheiros na 
matéria mas, pela sua comparticipação pessoal e pelo seu incitamento, apoiaram­
me numa obra que eu sentia ser bastante arrojada.

A maior assistência prestada neste sentido devo­a ao meu

generoso editor, Senhor Willy Droemer, e ao meu conselheiro científico, Senhor 
Dr. Felix Guggenheim, pela sua invulgar bondade e calorosa compreensão.

Ao Senhor Fritz Bolle e ao Senhor Werner Grabinger devo agradecer a solicitude e 
amabilidade com que contribuíram para os trabalhos anteriores à impressão. As 
minhas secretárias Ilse Butzke e Lisbeth Schiel foram incansáveis e o interesse 
que manifestaram por esta obra transformou o trabalho em alegria.
Como sempre, o meu marido, Karl Bühlcr, deu­me o seu conselho inteligente, nunca 
me negando o seu interesse afectuoso.

O livro é dedicado aos meus filhos e netos, que contribuíram de modo essencial 
para a realização da minha própria vida e a quem espero que, no futuro, ele 
possa servir sob o ponto de vista intelectual e humano.

Los Angeles, Março de 1962

CHARLOTTE BuHLER
Parte A

INTRODUÇÃO

1. O NOSSO TEMPO NECESSITA DA PSICOLOGIA

Na história da Humanidade surgem e desaparecem os povos e as culturas. Se 
olharmos para trás, vemos como a Humanidade, em contínua mutação e 
desenvolvimento, se apoderou passo a

passo da esfera terrestre e agora se dispõe mesmo a ultrapassá­la e a penetrar 
no espaço, rumo aos corpos celestes.

Por mais impressionante que nos pareça este processo de domínio crescente do 
mundo que nos rodeia, o certo é que a

Humanidade não realizou progresso correspondente no que respeita ao autodomínio. 
Apesar de todas as conquistas da civilização, apesar do progressivo requinte do 
nosso modo de vida e dos nossos costumes, apesar dos conhecimentos crescentes em

todos os domínios da ciência e da técnica, da indústria, do comércio, das 
comunicações, apesar de tudo isso, somos ainda em alto grau os mesmos seres que 
éramos: perseguidos por medos mesmo durante o sonho; movidos por paixões e 
desejos; atormentados por preocupações; despedaçados por problemas e

conflitos; prostrados pela dor e pela culpa. Ainda hoje nos continuamos a 
aniquilar mutuamente pela guerra e pelo crime. Ainda hoje não conseguimos 
cooperar na chefia dos nossos destinos em trabalho comum, orientado e 
construtivo. E ainda hoje nos encontramos sem resposta perante a eterna questão: 
Qual o sentido da existência humana?

Desde sempre que a Humanidade tentou criar um instrumento espiritual 
­superstição e religião, filosofia e ciência para compreender a divindade e se 
compreender a si própria, para se saber orientar neste mundo e no seu próprio 
íntimo e

para conseguir realizar uma vida boa e plena de sentido.

Constantemente se frustrou esta esperança da Humanidade. A última e mais amarga 
destas desilusões, o deflagrar de duas guerras e o aniquilamento parcial da 
nossa cultura do Ocidente, muitos de nós a experimentámos e, de momento, todos, 
de respiração suspensa, nos encontramos perante o fenómeno impressionante de 
movimentos espantosos nos quais se empenharam massas gigantescas de gente em 
todo o globo terrestre. Que podemos, que devemos fazer?

Parece nada existir que possamos fazer. A única coisa com

sentido que podemos empreender consiste em trabalhar para adquirir uma melhor 
compreensão dos fenómenos que ocorrem no mundo, com o fim de assegurarmos uma 
concepção própria e de obtermos para o nosso procedimento uma linha de conduta, 
uma filosofia da vida.

Na medida em que para tal necessitarmos da compreensão dos acontecimentos 
exteriores que ocorrem no mundo, servir­nos­a

o que os jornais e as revistas, os livros, a rádio e a televisão relatam em 
todos os domínios da política, da economia, da cultura. Mas, logo que tomemos em 
consideração os fenómenos internos, aquilo que se passa em nós próprios, existe 
hoje em

dia um único método útil provido de sentido e digno de confiança que pode 
auxiliar a nossa autocompreensão e o nosso

autogoverno: esse método único é a Psicologia. Eis porque o

nosso tempo necessita da psicologia, eis porque o homem do nosso tempo necessita 
dela como o único fundamento do autoconhecimento e da auto­orientação em que 
pode confiar.

Na exposição seguinte faz­se a tentativa de proporcionar a

vastos círculos dos nossos contemporâneos o acesso à compreensão psicológica e à 
autocompreensão, conferindo­lhes simultaneamente uma visão dos diferentes 
âmbitos que a moderna psicologia abrange. Por esse motivo, apresentamos ao 
leitor, em três partes principais, a Psicologia do Indivíduo, a Psicologia da 
Sociedade e a utilização prática dos conhecimentos psicológicos.

Teremos alcançado o fim desta obra se, através dela, conseguirmos proporcionar 
ao leitor conhecimentos e pontos de vista com o auxílio dos quais ele venha a 
sentir­se mais apto a compreender a vida, o mundo e a grande tarefa de ser 
senhor da própria vida, do que antes de ter procedido à sua leitura.

2. O QUE É E O QUE ABRANGE A PSICOLOGIA?

A Psicologia é a doutrina da vida anímica. Esta vida anímica, que todos 
conhecemos, tem para nós um acesso directo. Em primeiro lugar temos conhecimento 
dela pelo constante fluir do nosso sentir e pensar, da nossa recordação e 
esperança, das nossas percepções e de outras experiências semelhantes.
Depois, numa camada mais profunda, experimentamos coisas mais inquietantes e de 
mais longo alcance como, por exemplo, problemas e conflitos, desejos ocultos, 
sentimentos de medo e

de culpa, de aflição e felicidade.

E, se olharmos para uma camada ainda mais profunda, atingimos o domínio 
daqueles enigmas da vida perante os quais nos detemos perplexos, na busca eterna 
do sentido e correlação da nossa existência.

Tudo isto e ainda mais constitui a nossa vida anímica, cujas profundezas os 
pensadores e poetas da Humanidade desde sempre ambicionaram pesquisar.

A moderna psicologia científica, nos seus primórdios históricos com Gustav 
Fechner e Wilhelm Wundt, limitou­se, como veremos, à pesquisa daqueles fenómenos 
internos que são acessíveis à observação imediata e hoje se denominam funções 
anímicas. Em breve, porém, a psicologia sofreu um desenvolvimento insuspeitado 
em muitas direcções. Estendendo­se em sentido horizontal passou a abranger, a 
pouco e pouco, todos os domínios da vida moderna, sobre os quais o homem tem 
influência ou que actuam sobre o seu íntimo.

Existe assim uma Psicologia Funcional e Experimental, uma

Psicologia do Desenvolvimento, da Personalidade e uma Psicologia Social, uma 
Psicologia Industrial, do Ensino, da Escola e das Idades, uma Psicologia do 
Exército e uma Psicologia dos Serviços Públicos.

Simultaneamente, porém, a Psicologia estendeu­se em profundidade. Do confronto 
com a Psiquiatria moderna e a Filosofia, e do trabalho realizado em comum com 
estas disciplinas, surgiram as novas orientações da Psicologia Clínica e da 
Psicologia Existencial.

Estas expressões necessitam de explicação. A Psiquiatria é uma disciplina médica 
que de início se ocupava, essencialmente, da vida anímica perturbada. 
Modernamente a Psiquiatria desenvolveu um interesse crescente pela comparação da 
vida anímica perturbada com a vida anímica sã. Isto diz respeito tanto à recente 
investigação dos tipos, criada por Ernst Kretschmer, como, ainda em mais alto 
grau, à moderna Psicologia Profunda, iniciada com a Psicanálise de Sigmund 
Freud.

Ambos os ramos da investigação ­um criando uma base científica para a ideia dos 
tipos humanos, o outro trazendo a motivação humana desde as profundezas do 
inconsciente até à luz do dia­ foram prosseguidos por psicólogos no sentido do 
estudo do desenvolvimento e da personalidade sãos. É hoje frequente o Psiquiatra 
de formação médica e orientação psicológica e o Psicólogo Clínico, formado no 
estudo tanto da vida anímica normal como perturbada, fazerem um trabalho de 
colaboração, quando se trata de diagnóstico, orientação e tratamento de 
problemas de vida humanos. Ambas as disciplinas utilizam aqui métodos e 
concepções da Psicologia Profunda.

Finalmente o Existencialismo é, como adiante se exporá mais pormenorizadamente, 
uma Filosofia moderna que investiga questões da existência humana. Também este 
aspecto do problema é hoje incluído na Psicologia e manejado sobretudo por 
Psicólogos Clínicos.

Assim, o Psicólogo Clínico é (como aqui apenas se indicou, mas se mostrará em 
pormenor na última parte desta obra), de entre os Psicólogos o especialista que 
se ocupa dos problemas da vida e da existência humanas.

A extensão em largura e em profundidade da Psicologia actual, de que este livro 
pretende dar uma imagem marcante, confere­nos a esperança de que esta ciência 
esteja apta como nenhuma antes dela a assistir­nos na compreensão de nós 
próprios e dos nossos problemas e a indicar­nos o caminho para uma orientação da 
nossa vida, que seja a um tempo significativa e satisfatória.

3. A PSICOLOGIA ACTUAL E ALGO DO SEU PASSADO

A reflexão sobre o que a Psicologia hoje é e o que ela foi outrora abre 
perspectivas interessantes. O presente livro consta de três partes: uma sobre a 
Psicologia do Indivíduo, outra sobre a Psicologia das relações e grupos sociais 
e outra ainda sobre a aplicação prática da Psicologia. Estas três partes têm no 
nosso livro um relevo aproximadamente igual. Ou exprimindo­nos de modo 
diferente: o significado da Psicologia para a compreensão da vida em comum e da 
vida prática duplicou­se, por assim dizer, em face do seu interesse inicial, 
dirigido predominantemente para os problemas do indivíduo.

Mas também no seu papel de compreensão do indivíduo a Psicologia se modificou 
completamente. Hoje surge em primeiro plano a interpretação psicológica da vida 
humana, da personalidade humana, do desenvolvimento humano e da saúde ou doenças 
anímicas, enquanto a doutrina das funções e realizações anímicas, outrora 
predominante, recuou para segundo plano como problemática isolada.

No entanto, isto não quer dizer de modo nenhum que este importante período da 
história da psicologia se tenha revelado
supérfluo ou erróneo. De forma alguma. Pelo contrário: sem a extraordinária 
compilação de conhecimentos que a Psicologia Funcional realizou e ainda 
continua a realizar, não teríamos a

possibilidade de amplificar a nossa actual investigação da maneira como hoje o 
fazemos. A investigação funcional é e permanece um alicerce do edifício da 
moderna Psicologia. Com efeito, se não soubéssemos como trabalham os nossos 
órgãos sensoriais, o nosso equipamento perceptivo, os nossos processos de 
pensar,

a nossa capacidade motora, a nossa vida afectiva ­como poderíamos pronunciar o 
que quer que fosse sobre o homem enquanto ser que actua, se desenvolve e domina 
o mundo que o rodeia?

Por outro lado, porém, a Psicologia Funcional foi influenciada retroactivamente 
pelo desenvolvimento verificado nos outros domínios. A compreensão do 
procedimento humano, sobretudo da motivação; a compreensão dos acontecimentos 
passados dentro de grupos humanos, graças sobretudo ao extraordinário 
desenvolvimento da Antropologia e do estudo experimental dos fenómenos ocorridos 
em grupo; a apresentação do papel prático da Psicologia sobretudo na Saúde 
Mental, Educação e Economia ­tudo isso se demonstrou retroactivamente ser do 
maior interesse para a moderna Psicologia Funcional. Na investigação das 
percepções, por exemplo, vieram à luz factos absolutamente novos, mal se teve em 
consideração a influência da motivação, ou

seja, dos objectivos que elas servem.

Após estas considerações preliminares sobre a situação actual da Psicologia, 
observemos, algo de mais perto, os pormenores históricos.
DA HISTÓRIA DA PSICOLOGIA DO INDIVÍDUO

Tem­se afirmado que a Psicologia é uma ciência com um longo passado mas com uma 
curta história. Tal frase lança luz sobre o facto de os povos de todos os tempos 
e de todas as

culturas se terem ocupado dos problemas da alma e da vida

humanas. A partir dos testemunhos escritos que nos ficaram das antigas culturas 
da índia, da China, da Ásia Anterior, do Delta do Nilo, Z                 partir 
de mitos e contos

populares bem como de obras eruditas, podemos depreender que os homens sem

pre reflectiram sobre a

alma, sobre a morte e a imortalidade, sobre o bem e o mal e sobre as causas dos 
seus medos e preocupações

A nossa ciência ocidental remonta à Antiga Grécia. Do mesmo modo a psicologia 
moderna radica em HelIas: o antigo escrito do filósofo grego Aristóteles (384­
322 a. C.) «Acerca da Alma», quase com 2300 anos, é designado muitas vezes como 
o primeiro manual de Psicologia. De facto, este grande mestre da ciência antiga 
tratou de quase todos os problemas que ainda hoje nos ocupam; interessou­se de 
modo muito especial pela questão dos fundamentos biológicos da vida anímica e do 
desenvolvimento anímico. Uma tese importante de Aristóteles foi retomada no 
nosso século por Christian von
2­5 Os quatro temperamentos segundo a concepção medieval. À esquerda o 
sanguíneo, caracterizado corno amigo da «alegria e da música, do vinho e das 
mulheres». Ao lado o fleumático que, segundo se diz, gosta da «preguiça e do 
sono». O melancólico tem «olhar turvo e pouca temeridade», ao passo que

**EhrenfeIs e a chamada Escola de Psicólogos de Berlim ­a tese

de que o todo vem antes das partes e é, portanto, mais do que o somatório das 
suas partes. Uma comparação poderá ilustrar o que se entende por isto: cada 
floresta é mais do que o somatório das árvores, arbustos e ervas que a 
constituem e dos animais que nela habitam; é uma totalidade própria com 
características especiais que pertencem à totalidade. Porém, tais totalidades 
existem igualmente no domínio psíquico. Esta concepção opõe­se à opinião de 
Wilhelm Wundt (1832­1920), de que o Todo da Alma é constituído a partir de 
processos elementares, opinião que, a princípio, dominou a moderna Psicologia 
Científica. Esta doutrina, orientada pelo pensamento atomista da Física, foi 
combatida desde os primórdios do pensamento ocidental e

é ainda hoje refutada por aqueles que vêem a vida como caracterizada pela ânsia 
para atingir um fim e a consideram sustentada por essa ânsia.

Os Gregos consideravam a alma como o sopro da vida, como

o que vivificava a vida. Como, porém, se realizava essa vivificação foi problema 
que permaneceu tão discutido quanto insolúvel. Já muito antes de Aristóteles, 
Tales de Mileto (cerca de 600 a. C.) considerou o movimento como o essencial 
para a vivificação; como consequência disso, atribuiu uma alma ao magnete visto
o colérico é considerado «sempre violento, apaixonado e cheio de fogo». Os 
temperamentos deveriam corresponder não só aos quatro humores como aos 
«elementos» dos antigos. O sanguíneo ao ar, o fleumático à água, o melancólico à 
terra e o colérico ao fogo (Segundo um manuscrito medieval)

ele movimentar o ferro. Alguns dos filósofos da Antiga Grécia pensavam que a 
alma era «ar»; outros, que os odores teriam algo que ver com o elemento 
«vivificante». Heinrich Gomperz, um dos mais distintos investigadores do Mundo 
Antigo, referindo­se a um discípulo anónimo de Pitágoras (cerca de 550 a. C.), 
relata a doutrina de que «almas incorpóreas vivem de aromas

e que, na realidade, alguns animais, especialmente as abelhas, fazem o mesmo».

Platão (427­347 a. C.) qualifica a alma de ser espiritual; o seu discípulo 
Aristóteles considerava­a como uma força, aliás incorpórea mas que movia e 
dominava os corpos. A par de tais concepções, adquiridas exclusivamente pela 
especulação, existiam no entanto também já na Antiguidade, estudos amplos sobre 
processos cerebrais, sobre as funções dos órgãos sensoriais e

sobre perturbações destas funções em caso de lesões cerebrais.

P. P. Wiener e A. Noland, na introdução do instrutivo volume sobre as «Raízes do 
Pensar Científico» por eles editado, indicam como é ainda possível reconhecer 
nitidamente nas concepções actuais sobre a vida, o crescimento e o 
desenvolvimento, a continuidade a partir da Antiga Grécia ­o que não quer dizer 
que não se tenham dado simultaneamente grandes desvios em determinadas 
direcções. Ainda hoje continuamos a seguir o modo
como os pensadores antigos procuravam princípios que pudessem ser considerados 
inerentes aos acontecimentos ocorridos na Natureza e na vida anímica e que 
pudessem tornar compreensíveis a nós, seres humanos, a Natureza que nos rodeia e 
a alma que em

nós habita.

Não é possível entrar aqui no domínio das muitas relações de interesse histórico 
existentes entre a investigação e a

prática psicológicas realizadas actualmente e na Antiguidade, bem como entre 
elas e o pensamento e investigação dos séculos posteriores. Destacamos apenas 
alguns factos que continuam a ser significativos para o nosso pensamento actual.

Ao grande médico grego Hipócrates (cerca de 400 a. C.) remonta a doutrina dos 
quatro temperamentos, retomada e desenvolvida pelo médico romano

Galeno (131 até 201 a. C.). Segundo ele, existem quatro temperamentos, 
determinados pela predominância de um dos quatro «humores»: o sanguíneo (sangue: 
folgazão e superficial), o colérico (bílis amarela: vontade forte e iras 
repentinas), o melancólico (bílis negra: pensativo e triste) e o

fleumático (muco: sossegado e

inactivo). Apesar do seu **fun6­7 Os quatro temperamentos segundo a 
representação de Johann Kaspar Lavater nos seus célebres «Fragmentos 
Fisionómicos» (1771 / 1773)
damento pseudocientífico, a doutrina dos quatro temperamentos afirmou­se na 
prática; os quatro tipos foram finalmente introduzidos como noções na nossa 
linguagem do dia a dia.

De interesse para a Psicologia actual é o Doutor da Igreja Santo Agostinho (354­
430) pelo facto de ter descoberto dois métodos importantes: o da auto­observação 
e o da descrição da experiência interior.

Podemos agora passar por sobre vários séculos até chegarmos ao próximo pensador 
que voltou a influenciar a Psicologia de modo decisivo: trata­se de John Locke 
(1632­1704), ao sublinhar o papel que desempenham as impressões sensoriais para 
o desenvolvimento da nossa experiência. Imaginou o espírito da criança como uma 
folha de papel em branco (tabula rasa) na qual são «registadas» as experiências.

Já Aristóteles se ocupara das associações, da combinação de duas ou mais 
representações ou vivências parciais. O facto de David Hume (1711­1776) ter 
retomado e aperfeiçoado a teoria aristotélica das associações demonstrou ser de 
extraordinária importância, também para a actual Psicologia. Hume ensinou que as 
representações eram imagens de impressões sensoriais e

se encontravam ligadas umas às outras com base em leis mecanicamente funcionais. 
Continuando o pensamento de Aristóteles, formulou as leis da associação do 
contacto espaço­tempo (nó no lenço ­ deitar cartas no correio), da semelhança 
(pinheiro ­ abeto), do contraste (preto ­ branco) e da casualidade (aroma ­ 
flor). Esta doutrina não só influenciou em extremo a Psicologia como muitos dos 
seus representantes reivindicaram até aos nossos dias, para este princípio de 
pensamento, um tal direito de exclusividade que no período posterior a Wundt ­ 
ao qual já nos iremos referir mais pormenorizadamente ­ se travaram vivas 
discussões sobre a Psicologia Associacionista.

Toda a Psicologia fora praticada até aos meados do século XX de modo 
predominantemente especulativo: julgava­se poder solucionar todos os problemas 
pensando. O principal impulso para o procedimento empírico na psicologia ­ para 
o método de observação e experiência ­ proveio, como Ernest Hilgard, entre 
outros, acentuou, de Charles Darwin (1809­1882), o fundador da moderna doutrina 
genética e da hereditariedade. A obra monumental de Darwin, «A Origem das 
Espécies» (1859), influenciou de modo revolucionário quase todos os domínios da 
ciência; Charles Darwin, porém, a par das suas investigações biológicas 
revolucionárias, ocupou­se igualmente de uma série de problemas que hoje 
denominaríamos psicológicos. Hilgard aponta estas relações num

estudo sugestivo sobre «A Psicologia após Darwin». Frisa como
Gustav Theodor Fechner
1801­1887

9 Wilhelm Wundt

1832­1920

10 Franz Brentano

1838­1917

as ideias de Darwin deram novo impulso à investigação psicológica e constituíram 
o fundamento para muitos campos da moderna Psicologia: a Psicologia do 
Desenvolvimento e a Psicologia Animal, o estudo da expressão dos movimentos 
afectivos, a investigação das diferenças entre os diversos indivíduos, o 
problema da influência da hereditariedade em comparação com

a do meio ambiente, o problema do papel da consciência e, logo a seguir, o 
estudo experimental de funções anímicas e a introdução do princípio quantitativo 
da investigação.

O historiador Boring, cuja formação académica remonta a

Wilhelra Wundt passando por Edward E. Titchener, afirma, em

determinado passo, acerca da psicologia americana: «Herdou o

corpo da investigação experimental alemã; o espírito, porém, provém de Darwin.» 
Refere­se assim à tradição americana fundada com base em William James (1842­
1910) e John Dewey (1859­1952) que ­diferentemente da tradição alemã criada por 
Wundt­ transfere para primeiro plano as questões da Biologia, do Desenvolvimento 
e da Actividade Anímica.

Em face disto, cabe a Wilhelm Wundt o mérito único de ter sido o primeiro a 
criar em grande escala uma Psicologia Experimental, pouco depois de Gustav 
Theodor Fechmer (1801­1887) ter demonstrado pela primeira vez como se faz uso da 
experimentação, da observação exacta e da medição para os

problemas psicológicos. Historicamente é interessante verificar que as primeiras 
publicações de Fechner e Wundt sobre as
11 William James
1842­1910

12 Wilhelm Th. Preyer

1842­1897

13 Iwan P. Pawlow

1849­1936

Percepções Sensoriais surgiram ao mesmo tempo que a «Origem das Espécies» de 
Charles Darwin: os «Elementos da Psicofísica» de Fechner apareceram em 1860 e os 
«Contributos para uma

Teoria das Percepções Sensoriais» de Wundt, no ano de 1862.

O lugar de primazia que Wundt ocupa entre os psicólogos e

a sua influência internacional, absolutamente espantosa, têm fundamento numa 
série de circunstâncias. Wundt não se limitou a criar em 1879, em Leipzig, o 
primeiro laboratório destinado à investigação experimental dos fenómenos da 
consciência, facto que muitos consideraram o início da Psicologia como ciência 
independente. Desenvolveu, além disso, um sistema amplo da nova ciência, desde a 
Psicologia Experimental Fisiológica até à Psicologia dos Povos. E, finalmente, 
possuía invulgar capacidade e fecundidade de trabalho. Boring calculou que, 
entre 1853 e

1920, Wundt escreveu ou refundiu nada menos do que 53 735 páginas.

A concepção da Psicologia de Wundt era orientada pela Física. Tal como o físico, 
ele pretendia encontrar elementos e

processos elementares; a partir deles pensava poder construir a

alma como um todo. No entanto, também ele próprio, no fundo, não estava 
absolutamente convencido desta ideia, como demonstra o facto de ter esperado que 
a Psicologia dos Povos fornecesse de qualquer modo conhecimento para os 
fenómenos mais complicados da alma. Contudo ­como Karl Bühler apontou mais tarde 
na sua «Crise da Psicologia»­, Wundt nunca desenvolveu
nas suas meditações o seu conceito da alma dos povos até às últimas 
consequências.

Apesar da grandiosa concepção fundamental, a Psicologia dos Povos de Wundt não 
levou a quaisquer resultados duradouros precisamente no que se refere à 
compreensão dos fenómenos mais complicados da alma e muito menos do 
desenvolvimento humano. Enquanto Wundt se agarrava teimosamente à ideia da sua 
Psicologia dos Povos, outros estudavam os fenómenos de maturação por meio da 
observação de animais e de crianças. Wundt não se interessou pela observação de 
animais tal como

a praticaram Lloyd Morgan, Karl Groos, Robert M. Yerkes, Edward L. Thorndike e 
Wolfgang Kõhler. E, como Elfriede Hõhn acentua num excelente artigo sobre a 
História da Psicologia do Desenvolvimento, manteve uma atitude absolutamente 
céptica perante o desabrochar da Psicologia Infantil.

Este ramo da Psicologia, que incide exclusivamente sobre a

observação do comportamento animal e humano e dos processos de maturação de tal 
comportamento, foi, de início, prosseguido principalmente pelo círculo de 
investigação anglo­saxónico. De Francis Galton, Lloyd Morgan, William McDougall 
a Thorndike, Yerkes e John B. Watson, encontramos uma série de investigações 
brilhantes que se ocupam das questões da hereditariedade, do comportamento 
animal, dos instintos, do comportamento infantil. John B. Watson é considerado o 
verdadeiro fundador do Behaviorismo como doutrina que pretendia basear exclusi14 
Sigmund Freud

1856­1939

15 Alfred Binet

1857­1911

16 John Dewey

1859­1952
vamente no estudo do comportamento observado todas as conclusões acerca do 
desenvolvimento infantil.

Hoje em dia a Psicologia Animal e a Psicologia Infantil constituem dois ramos 
espantosamente vastos e significativos da investigação psicológica. A tradição 
das observações realizadas em animais foi continuada em muitos países; e, pela 
comparação sagaz do comportamento animal e humano, levada a efeito nas 
investigações de Wolfgang Kõhler, Howard LiddelI, Nikolaas Tinbergen, Konrad 
Lorenz e Otto Koehler, permitiu que se obtivessem conhecimentos fundamentais 
sobre as funções psíquicas em diferentes fases do desenvolvimento.

É do conhecimento geral o grande incremento sofrido pela Psicologia da Criança e 
do Adolescente; não existem muitas ciências que se tenham desenvolvido de forma 
tão admirável em extensão e em profundidade. A Psicologia da Criança o a 
Psicologia do Adolescente ­amplificadas ao âmbito da investigação experimental, 
desde Karl Bühler e David Katz até Arnold Gesell e Jean Piaget­ tornaram­se, no 
decorrer de meio século, quase impossíveis de abranger.

Ê menos conhecido o facto de Darwin ter escrito um diário sobre o 
desenvolvimento do filho, simultaneamente com Hippolyte Taine, com o qual 
manteve correspondência sobre o assunto. A ideia de anotar o desenvolvimento 
anímico da criança sob a

forma de diário, já realizada um século antes pelo psicólogo alemão Dietrich 
Tiedemann, voltou a ser retomada pela Psico­
20 Kurt Goldstein * 1878

Karl Bühler * 1879

22 Arnold Gesell

1881­1961

logia da Criança e do Adolescente e, em consequência do livro de Wilhelra Preyer 
«A Alma da Criança» (1882), experimentou uma divulgação internacional semelhante 
à Psicologia Experimental de Wundt. Clara e William Stern (1871­1938) foram, sem 
dúvida, os primeiros a prosseguir, durante anos, já em mais larga escala e com 
uma grande problemática psicológica, o que Tiedemann, Darwin e Preyer tinham 
iniciado. Hoje escrevem­se

em todo o mundo diários infantis. Os nossos actuais estudos longitudinais no 
âmbito da Psicologia Infantil ­ou seja, investigações que estudam o 
desenvolvimento dos indivíduos fazendo um corte longitudinal­ representam o mais 
moderno descendente deste movimento.

Na década de vinte, e em ligação com as ideias de Preyer e John B. Watson, 
realizaram­se, em diversos locais, observações permanentes em lactentes, as 
quais se estendiam por alguns dias durante as 24 horas do dia. Esses inventários 
do primeiro ano

de vida foram realizados com pequenos intervalos por A. Gesell em New Haven, 
Wladimir Bechterew em S. Petersburgo, actualmente Leninegrado, bem como por 
Charlotte Bühler e Hildegard Hetzer em Viena.

Mas não só na Psicologia Evolutiva como também no próprio círculo dos 
continuadores de Wundt, entre os investigadores experimentais das funções 
anímicas, se deu uma insurreição contra a sua Psicologia Atomista e Associativa.

Devemos referir­nos primeiramente aos psicólogos da inteligência e da forma, que 
seguiram a doutrina de Franz Brentano
23 Karen Horney
1885­1952

24 Wolfgang Kõhler * 1887

25 Kurt Lewin

1890­1947

(1838­1917), Christian von EhrenfeIs (1859­1932) e Edmund Husserl (1859­1938). 
Estes dois grupos, que costumam normalmente ser designados por a Escola de 
Würzburg e a de Berlim, insistiam em que a compreensão de relações de sentido e 
a percepção de formas, ou seja de formas e totalidades, são processos de uma 
espécie própria e não se podem explicar como sendo formados por elementos. 
Apresentavam além disso a comprovação experimental para exactidão da sua

tese. Não são as representações mas sim as suas relações que decidem do sentido 
de um pensamento, assim respondeu corajosamente Karl Bühler, um dos mais jovens 
representantes da Escola de Würzburg, a uma crítica severa por parte do grande 
mestre Wundt.

Tal como Oswald Külpe, Narziss Ach, Karl Bühler e Otto Selz demonstraram o 
princípio da atribuição de sentido no

pensamento, assim mostraram Max Wertheimer, Wolfgang KõhIer, Kurt Koffka, Kurt 
Goldstein, e mais tarde Kurt Lewin, os fenómenos estruturais na percepção. Estas 
são operações específicas, por meio das quais se constroem as nossas percepções: 
é que acontece que as impressões sensoriais não são simplesmente reflectidas e 
ligadas umas com as outras, mas dá­se a partir de diferentes centros cerebrais 
uma projecção das impressões sensoriais em diferentes direcções. Quer dizer ­ as 
nossas percepções realizam­se, tal como o nosso pensamento, através da 
actividade espiritual.
26

Ernst Kretschmer

1888­1964

Ainda num outro sector se defendeu a

validade do princípio do sentido. «Reivindico a palavra Psicologia para a 
ciência da vida provida de sentido» declarou Eduard Spranger no ano de 1922 numa 
máxima verdadeiramente clássica. A palavra sentido é definida aqui de modo algo 
diferente do que na

Psicologia da Inteligência, para a

qual sentido significa o contexto espiritual de um pensamento. Spranger define 
sentido como

«aquilo que está integrado num

todo de valores como membro constituinte» ou, por outras palavras: provido de 
sentido é aquilo que contribui para a realização de valores.

Spranger, que, seguindo as

ideias de Wilhelra Dilthey (1833­1911), contrapõe uma Psicologia compreensiva à 
Psicologia explicativa dos experimentalistas, é de opinião que o essencial na 
vida humana é a orientação dos valores. Dever­se­ia compreender o

homem a partir do «espírito objectivo», produtor de valores.

Na linguagem da moderna Psicologia isso quereria dizer que Spranger se ocupa 
exclusivamente
27 Jean Piaget            com as finalidades de valor e com

1896                os produtos de cultura formados

através deles, enquanto considera o estudo da realização das acções humanas 
desprovido de importância. Porém, como Karl Bühler acentua na sua obra «A Crise 
da Psicologia>@, ambos os aspectos são importantes.

Um terceiro grupo ocupou­se ainda de outra maneira com a relação de sentido das 
finalidades. Este facto mostra cada vez
mais claramente que o ponto de vista do sentido ocupa o primeiro plano na 
moderna Psicologia. É a relação de sentido da acção motivada, tal como Sigmund 
Freud (1856­1939), o fundador da
Psicanálise, a viu e descreveu ­ aliás, como a descreveu, no início da sua 
teorização dentro dos estreitos limites daquilo que ele definiu como Libido, ou 
seja, dentro dos limites da ânsia de prazer e satisfação sexuais.

Mais adiante referir­nos­emos mais pormenorizadamente a

Sigmund Freud e à sua obra, que não só revolucionou a Psicologia e a Psiquiatria 
como todo o pensamento do nosso tempo. Por agora bastará dizer que tanto Freud 
como os seus continuadores e os seus críticos só gradualmente conseguiram 
encarar

numa base mais larga a relação de sentido da acção motivada.

Compreende­se por isto a concepção cada vez mais divulgada hoje em dia de que 
todo o nosso pensamento e procedimento humano visa a satisfação de determinadas 
necessidades e adquire o seu sentido a partir de tal. Sob este ponto de vista, 
todo o

procedimento é provido de sentido uma vez que é determinado por motivos.

Mesmo o pensamento e procedimento dos doentes mentais tem sentido, isto é, tem 
em vista um objectivo, ainda que o sentido dos próprios objectivos seja mal 
compreendido pelo doente. No entanto, uma vez que mesmo esse sentido mal 
compreendi­do é muitas vezes susceptível de ser interpretado pelo analista, é 
possível, em muitos casos, ajudar o doente a adquirir uma melhor autocompreensão 
e um procedimento normal.

Também a interpretação dos sonhos é provida de sentido, visto que lhe é inerente 
uma finalidade dirigida no sentido da satisfação de necessidades.

A interpretação, introduzida por Freud no pensamento psicológico como novo 
princípio fundamental, deve ser utilizada sempre que a pessoa que actua oculta a 
si próprio e aos outros o verdadeiro objectivo dos seus anseios. Em tais casos 
ela pensa e actua simbolicamente, quer dizer (e isso acontece 
inconscientemente), em vez do objectivo verdadeiro coloca um objectivo 
substituto ou ilusório, para desviar a atenção de intenções que lhe parecem 
contestáveis, reprováveis ou puníveis.

No princípio do sentido amplo aqui desenvolvido, encontram­se incluídos tanto o 
princípio da relação de sentido no

nosso pensamento, acentuado pela Psicologia da Inteligência,
como o princípio de sentido das finalidades de valor, defendido por Spranger.

A teoria do procedimento revestido de sentido, explicável pela sua motivação e 
compreensível pelo seu objectivo é decisiva nas

tendências hoje em dia confluentes da Neo­análise e da Psicologia do Eu ­ que se 
desenvolveram a partir da Psicanálise de Freud e da Psicologia do 
Desenvolvimento e Psicologia Clínica, fundamentadas na moderna Biologia, 
orientadas analiticamente e enriquecidas por investigações psicológico­sociais e 
antropológicas. Compreenderemos melhor todas estas tendências quando, mediante 
exemplos concretos, virmos mais nitidamente o que se passa nesta Psicologia 
Moderna, tanto no aspecto teórico como prático.

No ano de 1927 surgiu, em primeira edição, a obra de Karl Bühler, «A Crise da 
Psicologia». Se olharmos retrospectivamente para o período que antecedeu esta 
obra, verificaremos que esta nova ciência da Psicologia experimentara no 
decorrer de uma geração uma ramificação espantosa ­ramificação esta que não só 
originou confusão como muitas dissidências no que respeita à matéria e ao 
método.

As divergências na matéria foram ocasionadas pelas diferentes concepções sobre a 
estrutura dos processos anímicos que surgiram logo após o início desta jovem 
ciência. A principal causa para os problemas metodológicos, como Karl Bühler 
demonstrou, foi sobretudo o facto de se poder abordar por diferentes lados o 
objecto da Psicologia, visto este objecto ter três aspectos segundo a natureza 
da coisa. Karl Bühler denominou­os o aspecto das vivências interiores, o aspecto 
do comportamento exterior e o aspecto dos produtos que nós criamos.

A partir deste importante juízo explicam­se muitas das diferenças que se tinham 
verificado quanto à fidedignidade e adequação do processo de investigação. 
Nestas divergências trata­se de algo mais do que de questões de ordem técnica. 
Trata­se antes do problema: a partir de onde se deve processar o acesso à alma, 
que permita obter os resultados mais profícuos? Seja o

que for essa alma ­sabemo­lo hoje em dia tão­pouco como os

antigos Gregos no início das suas buscas. Ainda hoje discutimos, como se 
mostrará nos nossos capítulos sobre «Motivação» e « Personalidade », sobre o que 
é o conteúdo essencial da alma e sobre se existe algo que se possa denominar um 
centro de ipsidade.

Mas seja como for ­podemos evidentemente, como Karl Bühler aponta, apoderar­nos 
dessa alma a partir de três lados, em diferente grau e utilizando diversos 
meios. Podemos observar, analisar, interpretar as nossas vivências e realizar 
experiências com elas. Podemos observar o comportamento, estudá­lo utilizando a 
numeração e a contagem, podemos variá­lo experimentalmente, podemos, a partir 
dele, tirar conclusões sobre as vivências. E, finalmente, podemos, a partir dos 
produtos que o espírito humano cria nos fenómenos de relação entre os homens, na 
linguagem e utensílios, nas obras manuais e espirituais, na
indústria e comércio, na arte e na ciência, tirar conclusões sobre as acções e 
fenómenos espirituais que os produzem.

O mérito duradouro de Karl Bühler consiste em ter apontado a legitimidade dos 
três processos metodológicos e em ter mostrado a necessidade de utilizar estes 
três acessos à vida anímica.

Porém, se hoje não olharmos retrospectivamente para o período que antecedeu a 
obra de Karl Bühler, mas contemplarmos a geração que se lhe seguiu, podemos 
comprovar com satisfação que, apesar das dissidências ainda existentes entre as 
diferentes escolas, se processou, contudo, uma grande classificação numa vasta 
linha. O presente livro procurará dar testemunho dela. Antes disso, porém, 
consideremos as origens históricas da Psicologia Social e da Psicologia 
Aplicada,

DA HISTÓRIA DA PSICOLOGIA SOCIAL E DA ANTROPOLOGIA CULTURAL

Como Fay B. Karpf afirma, à maneira de introdução na sua obra clássica «American 
Social Psychology», tanto se pode designar a Psicologia Social uma ciência muito 
antiga como uma ciência absolutamente nova. Ambas as afirmações se justificam. É 
fora de dúvida que este campo de investigação tem uma história prévia tão longa 
como a Psicologia Geral. Contudo, na sua fundamentação especificamente 
científica, a Psicologia Social é uma ciência muito recente.

Gordon Alport, que partilha a mesma opinião de Karpf, afirma que desde Platão e 
Aristóteles até Lazarus e Steinthal, Tarde e E. A. Ross, passando por Hobbes, 
Comte e Hegel, muitos pensadores foram designados « o pai da Psicologia Social».

Em todo o caso, o conceito «Sociologia» foi criado em 1839 por Auguste Cornte 
(1798­1857), assim como foi o sociólogo Edward A. Ross quem, em 1908, escreveu o 
primeiro livro com o título «Psicologia Social». No mesmo ano foi também 
publicada a primeira Psicologia Social de um Psicólogo, a de W. McDougall.

Encontramo­nos assim já perante um problema inicial para o qual Allport chama a 
atenção: não existe verdadeiramente uma demarcação nítida entre a Psicologia 
Social e as outras Ciências Sociais. Em muitas obras, as Ciências Económicas, a 
Antropologia Cultural e a Sociologia interpenetram­se com considerações da ordem 
da Psicologia Social. Todas estas ciências, às quais recentemente se juntaram a 
Psicologia Teórica e Prática da Indústria e do Mercado, se encontram em estreita 
ligação entre si.
G. Allport apresenta como definição que a Psicologia Social se ocupa da vida do 
indivíduo isolado dentro da sociedade, e

afirma que os psicólogos sociais pretendem compreender e explicar de que modo a 
maneira de pensar, de sentir e o comportamento dos indivíduos são influenciados 
pela real ou imaginária presença dos outros. No entanto, para além desse 
aspecto, a

Psicologia Social interessa­se pelos fenómenos de interacção
­ das relações recíprocas ­ ‘tanto de indivíduos como de grupos, e estuda o jogo 
de forças dentro de grupos, a «dinâmica de grupo», aliás sobretudo no que diz 
respeito aos indivíduos actuantes, entendendo nós por grupo todo o produto 
social cujos componentes se influenciam e dirigem reciprocamente.

Fay B. Karpf aponta os precursores da moderna Psicologia Social na História do 
Pensamento alemão, francês e inglês do último século.

Um dos dados importantes para este nosso contexto é o da fundação da «Revista da 
Psicologia dos Povos e Filologia» levado a

cabo por M. Lazarus e H. Steinthal (1860); nesta revista a Antropologia e a 
Filologia encontravam­se ligadas à Psicologia. Wilhelin

28 O ser humano na multidão: a Psicologia Social investiga como o modo de 
pensar, o modo de sentir e o comportamento individuais são influenciados pela 
presença dos outros e estuda as relações recíprocas entre os indivíduos e os 
grupos sociais, bem como o jogo de forças operado no

interior desses grupos
29 A «Revista de Psicologia dos Povos e de Filologia», fundada em 1860 por M. 
Lazarus e H. Steinthal, foi publicada até ao ano de 1890

(I) d) til o Wundt, pelo contrário, separando estas dis­ 

ciplinas, definiu o método de observação da Psicologia dos Povos como um 
processo complementar do método experimental utilizada na Psicologia Individual.

Pe entre os Sociólogos alemães do fim do século passado e princípios do actual é 
Geork  Simmel (1858­1918) quem ainda hoje em di@ exerce maior influência na 
Psicologia Social @pela sua investigação teórica dos fenómenos fundamentais da 
Psicologia Social, tal como «relação social», «interacção» * outros fenómenos 
semelhantes.

**Tam@ém Max Weber (1864­1920) voltou * adquirir recentemente um significado 
crescente, sobretudo em relação com problemas de formação de grupos políticos e 
económicos e com os do papel dos dirigentes.           Inkeles refere­se a

ele como sendo talvez o maior investigador sociológico dos fenómenos sociais 
considerados em extensão.

Juntamente, com Max Weber também hoje se faz abundante referência a Ferdinand 
Tõnnies (1855­1936); o seu duplo conceito colectividade e sociedade ­é este 
também o título da sua obra fundamental­ revela­se, agora como outrora, muito 
útil na

distinção de grupos naturais (por exemplo, a família) e grupos artificiais, 
constituídos em função de uma finalidade (por exemplo, a empresa) bem como na 
discussão de problemas da industrialização e das suas consequências.

Karpf caracteriza a Psicologia Social francesa como sendo próxima da vida e 
confronta­a com a orientação filosófico­abstracta da Psicologia Social alemã, da 
qual aliás seria necessário excluir Max Weber. Karpf nomeia como os mais 
importantes representantes franceses: Gabriel Tarde, Emile Durkheim, Lucien 
Lévy­Bruh1 e Gustave Le Bon.

Tarde (1843­1904) e Le Bon (1841­1931) são geralmente conhecidos por terem sido 
os primeiros a descrever os processos psicológico­sociais prevalecentes na 
multidão. Tarde concebe a sociedade como fundamentada na imitação; Le Bon é de 
opinião que a Psicologia das massas tem de ser compreendida a partir da 
sugestibilidade dos homens.
Durkheim (1858­1917) é geralmente citado e criticado sobretudo devido à sua 
teoria de um «consciente colectivo». Assim Tarde afirma sarcasticamente a 
propósito da tentativa feita por Durkheim. para compreender a sociedade e os 
grupos sociais como dado primário: «Põe de parte o indivíduo ­a sociedade 
permanecerá apesar de tudo!» No entanto, hoje em dia, Durkheim tal como Max 
Weber readquire importância crescente devido, a

algumas das suas investigações especiais. O seu livro «SuicídiO» (1897) é 
designado por Inkeles como um « marco», com a primeira obra moderna de 
Psicologia Social. A teoria de Durkheim da integração social e da limitação 
social foi introduzida por Henry e Short na moderna teoria psicodinâmica, com 
seu trabalho <@Suicídio e Assassínio».

Também o conceito e a teoria da «Divisão do Trabalho» de Durkheim é considerado 
hoje em dia fundamenta,39

O colaborador de Durkheim, Lévy­Bruhl (1857­1          conhecido sobretudo pela 
sua utilização para a antropologia     s ideias de Durkheim e pela sua teoria da 
mentalidade «primitiva», sobretudo dos «povos da natureza». (Esta expressão 
«povo da natureza» é utilizada várias vezes no âmbito da língua ale à em vez

dos conceitos «povos primitivos», «sociedades primitivas» e «culturas 
primitivas» em uso na literatura anglo­saxónica, visto em inglês o sentido da 
palavra primitivo não estar tão,'identificado com atraso como acontece em 
alemão. No entanto, também o conceito «povos da natureza» não satisfaz 
plenamente, visto cada povo da natureza possuir igualmente a sua cu@     ura.) O 
pensamento primitivo era considerado por Lévy­Bruh1 como «antelógico» e «mágico» 
em oposição ao pensamento «civilizado», lógico­causal ­concepção esta de que ele 
próprio finalmente se

distanciou nos seus «carnets».

Lévy­Bruh1 declarou­se em oposição absoluta aos antropologistas ingleses que, 
segundo a sua opinião, não compreendiam o «homem primitivo» a partir do seu 
ambiente mas com base

nas suas próprias ideias preconcebidas. Estas ideias baseavam­se na Teoria 
Evolutiva que a partir de Darwin e de Herbert Spencer (1820­1903) se tornou o 
fundamento da Psicologia Social inglesa. Quer dizer ­a Psicologia Social inglesa 
teve origem na Antropologia Cultural.

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Edward B. Tylor (1832­1917), denominado muitas vezes o

«Pai da Antropologia», foi o primeiro antropologista que, reportando­se a 
Spencer, definiu o conceito de cultura, na sua obra «A Cultura Primitiva», a 
qual marca uma época. Cultura é para ele o todo complexo que engloba saber, 
crença, moral, lei, costumes, bem como outras capacidades e hábitos que o homem
adquiriu enquanto membro da sociedade. Tylor desenvolveu em seguida dois 
princípios fundamentais que são de tomar em consideração na investigação da 
cultura: primeiro, o princípio da uniformidade, que provém do facto de causas 
iguais terem frequentemente acções iguais como resultado, e, segundo, o 
princípio da evolução: a história da cultura processa­se em estádios de 
desenvolvimento e pode progredir em lugares diversos, em diverso grau.

Da grande escola antropológica inglesa do último quartel do século passado 
destacaram­se a investigação psicológico­social do Í@,istinto e a Psicologia 
Animal Comparada, que tiveram em

W. McDougall e em Lloyd Morgan os seus fundadores decisivos.

McDougall, cuja «Psicologia Social» ­a primeira obra com

este título­ surgiu em 1908 simultaneamente com a obra de Ross, partiu de 
instintos congénitos e hereditários cuja lista apresentou. Segundo McDougall, 
estes instintos estavam na

origem de todo o comportamento adquirido no decorrer da civilização. Foram 
considerados impulsos congénitos.

A concepção do efeito dos impulsos congénitos encontrou grande repercussão junto 
dos Psicólogos e Zoologistas europeus; incitou à observação de animais realizada 
no seu meio natural e no seu comportamento natural. Assim surgiu a ciência da 
Etologia, da investigação comparada do comportamento, que se propôs como 
finalidade investigar objectivamente a estrutura causal do comportamento animal 
no que respeita aos diversos factores aí actuantes, a combinação destes factores 
­a sua integração­ bem como os efeitos que daí resultam; responder, portanto, à 
questão «Por que motivo se comporta um animal deste modo e não de outro?» 
(Tinbergen), As primeiras tentativas feitas para utilizar os conhecimentos da 
Etologia para a

compreensão do comportamento humano foram empreendidas sobretudo por K. Lorenz.

Contudo, a hipótese de que só as necessidades fisiológicas primárias são 
responsáveis pela acção, em breve demonstrou ser errónea, mesmo para o 
comportamento animal; sobretudo Karl S. Lashley (1890­1958) e K. Lorenz 
mostraram como a conformação estrutural do comportamento e dos mecanismos que 
condicionam o comportamento é complicada, sejam quais forem as circunstâncias.

A doutrina dos instintos no que respeita ao comportamento humano sofreu na 
América uma recusa radical e uma crítica severa. Aí existia a tendência 
contrária, ou seja, a tendência para compreender todo o comportamento como 
resultado de uma aprendizagem. John B. Watson remontou mesmo até à
teoria da «Tabula rasa» de John Locke, segundo a qual a alma se assemelhava a 
uma «folha em branco» na qual se podia inscrever o que se desejasse.

Se bem que menos radicais, também os antropologistas americanos, sob a direcção 
do seu primeiro grande representante Franz Boas (1858­1942), se mantiveram 
afastados da orientação dos europeus, bastante delineada segundo a biologia 
hereditária. Clyde Kluckhohn, que considera o conceito de raça um «mito moderno» 
, cita as seguintes palavras de Boas: «0 mesmo indivíduo não se comporta de 
maneira idêntica em condições culturais diferentes, e a identidade de 
comportamento cultural observável em todas as sociedades uniformizadas não pode 
ser

atribuída à identidade genética (hereditária) dos indivíduo@ que constituem essa 
sociedade.»

Como Fay Karpf nota, a relação entre Psicologia Social e

Antropologia Cultural ainda  está longe de ser explicada. /Muitas vezes as duas 
não se distinguem, tal como a Sociologia e a

Psicologia Social também se confundem. Talvez seja útil ocuparmo­nos de algumas 
das recentes discussões sobre estes problemas. Não se trata de modo nenhum de 
divergências em torno de palavras ocas. As faltas de clareza explicam­se antes 
pelo facto de as Ciências Sociais sofrerem hoje em dia uma evolução muito 
interessante, extraordinariamente viva, desvendando­se através de novos métodos, 
problemática e teorias.

Alex Inkeles adquiriu méritos especialmente pela clarificação teórica dos 
conceitos sociológico e psicológico. Reserva para a Psicologia a pesquisa de 
sistemas de personalidade e para a Sociologia a investigação de sistemas 
sociais. O estudo de processos de grupo pode então ser considerado como o elo de 
ligação entre a Psicologia e a Sociologia.

Alfred Kroeber discute pormenorizadamente o que determina a essência da cultura 
e como ela se deve definir, no que é um continuador de Spencer. Spencer referiu­
se ao poderoso amontoado de produtos sobreorgânicos, normalmente chamados 
«artificiais»; eles constroem sobre o nosso mundo circundante originário um 
segundo mundo que se tornou mais importante do que o primeiro. Kroeber 
caracteriza a cultura segundo três características principais: primeiro, a 
cultura tem uma ordem própria; segundo, tem uma história e é muitas vezes melhor 
compreendida a partir da sua história; terceiro, é característica essencial a 
cultura representar e realizar valores.
Kroeber aponta igualmente como é difícil delimitar e determinar o todo de uma 
determinada cultura. A determinação da integração e continuidade de uma cultura 
ocupa
hoje em dia grandemente os antropologistas. A questão de como e por que motivo 
surge determinada cultura faz parte, segundo Kroeber, dos mais difíceis 
problemas.

Ao Psicólogo Social interessa a investigação da cultura na

medida em que, através dela, adquire conhecimentos importantes sobre o 
desenvolvimento da personalidade condicionado culturalmente. Em que medida o 
desenvolvimento individual, o decurso da vida e a vida dos grupos são 
determinados, por um lado, por factores humanos gerais que surgem em toda a 
parte e em que medida, por outro lado, os factores de grupos culturais e 
específicos devem ser considerados responsáveis, é um problema ainda insolúvel 
mas sobre o qual se fazem estudos pormenorizados. A moderna Antropologia 
Cultural veio lançar uma luz completamente nova sobre estas questões, apontando 
especialmente a relatividade cultural dos valores que antigamente muitas vezes 
considerávamos absolutos.

Assim, a Psicologia Social americana e recentemente também a Psiquiatria Social 
fizeram incidir o seu especial interesse sobre os domínios da investigação da 
cultura e da subcultura, amplificando­os consideravelmente. Por subcultura 
compreendem­se os diversos subgrupos culturais que existem precisamente na 
América em grande abundância mas se encontram também noutros países em minoria.

A transposição dos princípios da investigação antropológica do estudo de 
culturas «primitivas» para a clarificação de problemas que surgem no próprio 
país em grupos subculturais, representa um desenvolvimento especificamente 
americano.

As outras raízes para a independência da actual Psicologia Social americana ­ 
que constitui um dos ramos de conhecimento e de investigação mais amplos da 
actualidade ­ parecem­me encontrar­se em dois lados.

Independente, em primeiro lugar, é o conceito do «eu social» que provém do forte 
sentimento de influência fundamental do mundo social circundante. A ideia 
acentuadamente expressa neste conceito, para cujo desenvolvimento contribuíram 
as reflexões de James M. Baldwin, William James, John Dewey, C. H. Cooley, foi 
finalmente posta em relevo por George H. Mead (1913), de uma forma que ainda 
hoje consideramos decisiva, e exerceu desde então uma grande influência sobre o 
pensamento e o trabalho psicológico­social. Por conceito do eu social entende­se 
que o

nosso conhecimento sobre nós próprios adquire uma fundamentação naquilo que os 
outros pensam de nós. Quer dizer, o nosso eu tem de facto uma origem social ­ 
concepção esta de espantosas consequências. Encontra­se em contraste absoluto 
com o
conceito do eu como entidade própria e íntima, corno por exemplo Karen Horney o 
desenvolveu em ligação com a sua Teoria da Realização do Eu. Aí, tal como em 
Erich Fromm, o eu é aquilo que somos no mais íntimo de nós próprios, e pelo 
qual também sabemos que o somos.

O eu, tal como Mead o considera, constitui­se apenas ao

tomar as atitudes dos outros. Na medida em que vê como os

outros, representa os papéis que lhes pertencem. Este conceito dum papel que se 
representa, usado na actual Psicologia Social e tão fundamentalmente importante, 
foi estudado por Mead em

grandes investigações pormenorizadas. O eu constitui­se como um eu, múltiplo, 
multifacetado, consoante os muitos papéis que representa.

Gordon Allport atribui grande significado a esta teoria. A actual Psicologia 
Social americana encontrou um segundo fundamento na Metodologia Empírica, que se 
iniciou com estudos de casos concretos. Célebre é o trabalho sobre «o camponês 
polaco na Europa e na América» de W. 1. Thomas e F. Znaniecki (1918­1920) que 
desbravou um caminho e é hoje em dia continuado em inúmeras direcções.

Podem­se considerar como continuação desta Psicologia Social empírica os estudos 
realizados em bairros de criminosos (C. Shaw), as investigações pormenorizadas 
em povoações inteiras ­ «Middletown» de Robert e Helen Lynd constitui 
presentemente um exemplo clássico ­ e os inventários de grupos

culturais «primitivos», igualmente inovadores, como foram os realizados por Ruth 
Benedict e Margaret Mead.

Outros métodos de investigação empírica são os

da Sociometria ­com o auxílio da qual se investiga a

posição de indivíduos dentro de um grupo (J. L. Moreno, 1934) ­ bem como os de 
questionários, entrevistas e outros inquéritos, utilizados primeiramente para 
ave30 Em grupos de jovens é possível realizar estudos especialmente sugestivos 
sobre a dinâmica das relações recíprocas entre os

componentes de um grupo
**riguação da opinião pública (Gallup poll. 1935) e do pensamento do público 
perante as fontes de informação e por ocasião de eleições (P. Lazarsfeld, 1940, 
1948). Na prática, estes inquéritos servem hoje em dia em grande escala à 
Demoscopia na investigação da opinião pública e elo mercado.

Com o auxílio de todos os métodos apontados bem como

de outros estudos de observação e estudos experimentais, cumpriu­se, pouco a 
pouco, o programa esboçado por Floyd H. Allport em 1924: a Psicologia Social 
devia processar­se de modo behaviorístico e experimental.

A estes adicionam­se recentemente novos métodos para investigação da dinâmica de 
processos de grupo, tal como se

manifestam nas relações recíprocas entre os participantes do grupo. Kurt Lewin e 
os seus discípulos, sobretudo Ronald Lippitt e Dorwin Cartwright, desbravaram 
aqui um campo de investigação absolutamente novo. Os fenómenos de grupo são 
considerados como um «campo de força», no qual as influências exercidas pelos 
participantes de um grupo sobre os restantes actuam como «forças». Um exemplo 
tornado célebre é a experiência em que Lippitt e White estudaram a estrutura de 
comportamento e de motivação dentro de um clube de rapazes, tendo em vista as 
influências exercidas pelos diversos      chefes: o jogo de forças provocado por 
um chefe autoritário revelou ser absolutamente diverso do jogo de forças sob a 
direcção de um chefe democrático. Consequentemente desenvolveram­se atitudes 
absolutamente diferentes por parte dos participantes de grupo em relação uns aos 
outros, bem como em relação ao chefe

e aos objectivos do grupo.

Uma pesquisa dos processos de grupo, orientada diferentemente, foi levada a 
efeito por Mustafer Sherif, que descobriu a «tendência normativa» de grupos. Com 
as suas experiências apresentou a prova da importante teoria dos grupos de 
referência, também chamados grupos de relação, estabelecida por Robert K. 
Merton. Esta teoria afirma que os seres

humanos têm tendência para receber as suas normas por parte de grupos e a 
apoiar­se nos valores de grupos para o seu comportamento.

O problema da interacção social pertence hoje em dia aos problemas mais 
importantes da Psicologia Social, tanto teórica. como experimental; Th. M. 
Newcomb, por exemplo, chega a ver

nele o objecto principal da Psicologia Social. A investigação experimental 
serve­se de preferência de pequenos grupos, cujos participantes são examinados 
tendo em vista a sua atitude e os papéis que representam.
O conceito do papel que se representa é tido por Talcott Parsons como 
fundamentalmente importante: Parsons vê a sociedade como um sistema ou uma 
«estrutura de papéis» («pattern of roles»).

George Mead, que introduziu o conceito do papel, considerou­o assumir de papéis 
como o fenómeno mais essencial da socialização da criança, portanto da sua 
introdução na estrutura da sociedade. Este processo da socialização é um tema 
amplo, considerado na actual investigação psicológico­social como 
fundamentalmente importante. O papel, como diz Ralph Linton, representa o 
aspecto dinâmico do status. Em cada organização social atribui­se ao indivíduo 
um estado (status), uma posição. O indivíduo isolado representa o seu papel, 
desempenhando os direitos e os deveres da sua posição.

O indivíduo isolado recebe o status no âmbito dos grupos, organizações ou 
instituições a que pertence. O estudo das relações dos indivíduos com as 
inúmeras organizações nas quais as diferentes sociedades de culturas diversas 
instituíram a sua vida em comunidade, é um tema vasto, quase inesgotável.

Assim, a investigação psicológica da sociedade humana abrange hoje em dia um 
campo quase ilimitado de problemas. Na nossa visão geral sobre o papel da 
psicologia no nosso tempo não é possível aspirar à amplitude na representação 
deste ou de outro domínio parcial. Esforçamo­nos por destacar o que há de 
essencial e de importante. Esperamos, no entanto, com este curto esboço, ter 
apresentado uma imagem viva deste novo e

fascinante ramo da Ciência.

DA HISTóRIA DA PSICOLOGIA APLICADA

Denomina­se Psicologia Aplicada a aplicação de conhecimentos psicológicos 
fundamentada cientificamente.

Na obra de R. S. Daniell e C. M. Louttit sobre «Problemas Profissionais na 
Psicologia», data­se o início das aplicações da Psicologia dos princípios da 
década de noventa; nessa época, J. Mc K. Cattell e L. Witmer na América e Alfred 
Binet em França tentaram fazer com que os resultados teóricos se tornassem 
pedagógicamente frutíferos.

Contudo, esta afirmação refere­se apenas à aplicação prática da Psicologia 
Laboratorial Experimental. Se tomarmos a palavra «Psicologia» num sentido mais 
amplo, encontramos já muito antes, na Medicina, e sobretudo i­ia Psiquiatria, 
referência a pontos de vista psicológicos. Numa obra com o título «Cem Anos de 
Psiquiatria Americana», editada por J. K. Hall, G. Zilboorg
e H. A. Bunker, um artigo de T. V. Moore trata de «Um Século de Psicologia nas 
suas Relações com a Psiquiatria» e comprova a sua influência na América desde 
1861. David Shakow, que discute este estudo num brilhante artigo, frisa 
sobretudo os

primitivos interesses de G. Stanley Hall e Adolf Meyer pela Psicologia na 
educação, bem como o interesse do grande William James pela higiene mental.

Também no caso europeu se podem apresentar as mesmas provas da influência do 
pensamento psicológico no campo da Pedagogia Terapêutica na sua situação 
medianeira entre Pedagogia e Medicina. H. Hetzer e eu demonstrámos, numa 
investigação «Acerca da História da Psicologia Infantil», que encontramos no 
Instituto Levane fundado em 1856, em Liesing, perto de Viena, por Mauthner von 
Mautstein, as primeiras tentativas para uma Pedagogia Terapêutica, fundamentada 
na observação do desenvolvimento infantil.

H. Thomae atribui a verdadeira fundação da Psicologia Pedagógica como ciência a 
Aloys Fischer, que definiu em 1917 o conceito e as tarefas da Psicologia 
Pedagógica.

Foi essa a época em que a Psicologia Aplicada se ramificou nas mais diferentes 
direcções. É evidente que a Primeira Guerra Mundial produziu um primeiro 
movimento decisivo no sentido de um estudo mais intensivo dos problemas 
psicológicos da vida.

Isto verifica­se por exemplo no campo da Assistência Social que, por altura da 
mudança de século e a partir de uma actividade de beneficência caritativa, se 
desenvolveu, em toda a parte, numa actividade social organizada como profissão.

Assim, por exemplo, fundaram­se em Viena, em 1916, serviços públicos para 
assistência à juventude. No programa sistemático de assistência pública de 
Julius Tandler esta não foi concebida apenas em moldes de assistência e de 
medicina mas também com fundamentos na Psicologia. O mesmo se pode dizer, de um 
modo geral, do trabalho social, que passou a cooperar cada vez mais intimamente 
com a Psiquiatria e a Psicologia.

No âmbito das Profissões de Assistência ­ designação que engloba hoje em dia o 
Trabalho Social, a Psicologia e a Psiquiatria ­ a Psicologia enquanto Psicologia 
de Orientação e Psicologia Clínica adquiriu uma esfera de acção verdadeiramente 
extraordinária. A Psicologia de Orientação, que teve os seus inícios na 
orientação para a profissão e se alargou então a conselhos dados aos pais e à 
família, desempenha hoje em dia um papel importante na orientação escolar e 
conjugal. Ocasionalmente a actividade orientadora transforma­se em actividade 
psicoterapêutica.
Contudo, os métodos psicológicos de diagnóstico e terapia, independentemente da 
sua assistência feita pelo psiquiatra, são fundamentalmente assunto do Psicólogo 
Clínico, categoria que foi criada na América em 1921 mas só em 1947 recebeu um 
programa de formação oficial. Um ano antes (1946), surgira na Alemanha a 
«Psicologia Clínica» de Willy Hellpach.

A orientação profissional a que acima nos referimos desenvolveu­se cada vez em 
mais estreita relação com a Psicologia Económica. Esta, que domina hoje em dia 
um campo extraordinariamente vasto enquanto Psicologia Industrial ou Psicologia 
da Empresa e enquanto Psicologia do Mercado, defrontou com

muito cepticismo no início da década de vinte. Foi mérito de Hellpach acentuar, 
em 1922, que, em sua opinião, «o problema fabril era solúvel psicologicamente».

Nos seus inícios, o ramo da Psicologia que se dedicava aos problemas da empresa 
foi denominado Psicotécnica, o que indica que os problemas eram mais 
compreendidos como técnicos do que como humanos. Tinha­se em vista comprovar as 
condições que possibilitam os melhores resultados. Moede, Poppelreuter, Giese e 
Piorkowski contaram­se na Alemanha entre os primeiros psicotécnicos mais 
conhecidos. Münsterberg foi um dos primeiros a investigar o que torna o trabalho 
mecânico interessante para aquele que o produz.

Como Arthur Mayer aponta num excelente capítulo do grande volume sobre 
Psicologia da Empresa, editado por ele e por B. Herwig, produziu­se, pouco a 
pouco, uma nova orientação que teve como consequência uma atenção crescente aos 
factores sociais ou inter­humanos do trabalho. Segundo o modelo da investigação 
dos problemas sociais da indústria, realizada por Mayo, Roethlisberger e 
Whitehead nos Estados Unidos da América, passou­se a dedicar especial interesse 
aos pontos de vista da estrutura social da empresa e das organizações pessoais 
nas

empresas. Quer dizer, o trabalho humano em colaboração tornou­se o objecto 
principal das investigações.

Terreno ainda bastante inexplorado é o da avaliação da unidade filosófica dos 
saberes e conhecimentos psicológicos. Ousaremos dar neste aspecto uns primeiros 
passos cautelosos.

Como estas breves observações indicam, a Psicologia Aplicada estende­se hoje em 
dia a quase todos os ramos da vida pública e privada. Escrever a sua História 
requereria um volume próprio. A acção que exerce actualmente em alguns campos 
principais ocupar­nos­á na última parte do presente livro.
Parte B
O INDIVÍDUO
Parte B

O INDIVíDUO

1. ­ As raízes biológicas

Biologia é a doutrina da vida. A nossa vida consuma­se no nosso corpo. Com ele 
nascemos, uma conformação extremamente complexa, provida de múltiplos órgãos e 
mecanismos.

Porém, já antes do seu nascimento, o ser humano desenvolve e faz actuar dentro 
do ventre materno, normalmente durante nove meses, o seu corpo pequeno mas já 
altamente complicado.

1. A VIDA É PRIMARIAMENTE ACTIVA

O mais importante que se pode dizer sobre a vida que se

inicia parece­me ser o facto de esta vida       ser já activa logo a

partir da sua primeira existência ainda ......... . embrionária. Denominamos 
esta actividade primária, quer dizer, com ela inicia­se o movimento vital antes 
de ter surgido qualquer estímulo à acção. Se bem que constitua durante nove 
meses

uma parte do corpo materno ­por ele cercado e a ele ligado pelo cordão umbilical 
para sustento do novo organismo ­, se bem que ainda incapaz de respirar ou de se 
alimentar por si próprio, o novo e pequeníssimo indivíduo tem logo a partir do 
seu início uma vida própria, que é sentida nitidamente pela mãe passados poucos 
meses. «Me­         31 Já o embrião dentro do

corpo materno revela acti. xe­se», diz a mãe, cheia de alegria, refe­ 
** vidade rindo­se ao seu bebé de cinco meses. E «já não se mexe» pode ser a sua 
exclamação angustiada se, após alguma doença ou acidente, teme que a vida dentro 
dela tenha deixado de existir.
2.   O RECÉM­NASCIDO É Já UM INDIVíDUO

Logo de início é válido para este novo e pequeno organismo o  que mais   tarde 
será uma das regras       principais do processo

vital: o facto de que a vida decorre, por um lado, segundo determinadas leis 
gerais e, por outro, é também sempre individual. Vejamos o

que isto significa.

Logo de início, por  exemplo, todos os, recém­nascidos são  activos. No entanto, 
já nessa altura se verificam graus de actividade muito diversos que, segundo 
parece hoje em dia a bons observadores, são congénitos e não
32 A primeira vista todos os   recém­nascidos    mutáveis. Estes

parecem iguais...                 graus de actividade,

dos quais por exemplo Margaret Fries distinguiu cinco, desde o mais lento ao 
mais rápido, parecem andar par a par com um ritmo congénito.

Isto não significa necessariamente que todas as crianças que fazem desesperar as 
mães pela sua lentidão em comer e em

33 ... contudo cada bebé é já um ser individualizado pelo seu aspecto e

pelas suas reacções
se vestir possuam um baixo grau congénito de actividade. A maior parte destes 
pequenos preguiçosos encontra­se antes possuída de aborrecimento ou de espírito 
de oposição. E são necessários estudos cuidadosos e especializados para se 
verificar o verdadeiro ritmo individual.

Ouve­se constantemente repetir que todos os recém­nascidos se assemelham. E, de 
facto, utilizam­se frequentemente, nas

clínicas, pequenas pulseiras com os nomes inscritos, para que os bebés não sejam 
trocados. Apesar dessa semelhança superficial e apesar da identidade de muitas 
formas de comportamento, existe, no entanto, a partir do primeiro grito, a 
partir das primeiras reacções à alimentação, à luz e ao som, à temperatura e à 
pressão, uma forma individual absolutamente diversa de se dirigir ao mundo 
circundante. E, observando minuciosamente, encontra­se também muitas vezes uma 
expressão de rosto diferente.

3. AS CARACTERÍSTICAS HEREDITÁRIAS E AS ADQUIRIDAS CONFLUEM LOGO DE INICIO

Saber em que grau um indivíduo é determinado no seu desenvolvimento pelo que 
nele é congénito, ou seja pela hereditariedade, e em que grau o é pelas 
influências do meio ambiente, é problema que interessou desde sempre o 
pensamento e acção humanos., Todos nós conhecemos as consequências funestas que 
os pareceres radicalmente exagerados sobre o papel da hereditariedade produziram 
num passado recente.

Hoje em dia os conhecimentos da ciência ­ exceptuando o

que aprendemos a partir da moderna experiência educacional excluem todos os 
pontos de vista extremos no que se refere ao

papel do factor hereditário e do factor ambiente.

Os conhecimentos adquiridos com a experiência educacional em institutos modernos 
bem como os resultados preponderantemente favoráveis das adopções realizadas por 
um número crescente de famílias, significam para todas as pessoas imparciais uma 
demonstração viva da extraordinária força formativa de um meio ambiente 
favorável sob o ponto de vista educativo.

Ocupemo­nos aqui, porém, com os resultados mais recentes da Ciência e 
reflectamos mais pormenorizadamente sobre eles, tendo em vista o interesse tão 
divulgado pelo problema da hereditariedade e a sua grande importância.

Não necessitamos de nos deter em considerações biológicas pormenorizadas sobre 
genes, cromossomas e leis da hereditariedade. Para tal fim, o leitor poderá 
consultar uma boa biblio­
34 Dois exemplos da hereditariedade e não hereditariedade do talento musical: I. 
Fisliberg, de 102 anos, com cinco dos seus filhos que, tal como muitos dos seus 
netos e bisnetos,

são músicos altamente dotados...

grafia biológica de fácil compreensão, como por exemplo os livros de E. Weiser: 
«Assim surge o ser humano ­ acerca da Procriação e Hereditariedade » e o volume 
ilustrado, publicado pela casa Knaur, « Hereditariedade ». A nós interessa­nos 
antes despertar a

compreensão prática para o papel que a hereditariedade desempenha no todo do 
processo de desenvolvimento de um ser humano.

Dois conhecimentos recentes da moderna ciência se revelam ser de especial 
importância para este aspecto. No primeiro caso trata­se dos resultados da 
investigação sobre o comportamento dos genes, essas pequenas estruturas 
ultramicroscópicas, portadoras da hereditariedade. Estes genes ou factores 
hereditários foram considerados desde a criação da ciência da hereditariedade no 
ano de 1900 ­ nessa altura voltou­se a descobrir as célebres experiências de 
Gregor Mendel dos anos 1854 até 1866 ­ como unidades fundamentais determinantes 
do desenvolvimento, imutáveis e não influenciáveis. Contudo prova­se ­ e este é 
certamente um dos resultados mais sensacionais da Bioquímica moderna ­ que, em 
determinadas circunstâncias e nos primeiros estádios do desenvolvimento, os 
genes são até certo grau influenciáveis na sua função. Este conhecimento 
representa sem dúvida uma das maiores transformações operadas nas ideias sobre 
os factores hereditários que nos provinham de Gregor Mendel.

Há, porém, um segundo conhecimento que ainda mais afecta as convicções 
anteriores: uma grande quantidade de resultados tanto bioquímicos como 
neurológicos prova que, a partir do primeiro momento de vida, ou seja logo após 
a fecundação, se fazem também sentir sobre o novo ser humano em formação as 
influências do meio ambiente.

Quando dizemos «se fazem também sentir» queremos assim afirmar que este novo e 
pequeno ser não é conformado inteiramente pelo mundo circundante como afirmam 
certos sociólogos que partilham de um ponto de vista extremo. O facto verdadeiro 
é antes que, a partir do momento da fecundação, começa a actuar uma « estrutura 
congénita», tecida pela multiplicidade dos genes. Esta actividade, que lhe é 
peculiar e para
* qual Ludwig von Bertalanffy foi um dos primeiros a chamar
* atenção, provoca contudo imediatamente uma contra­actuação do meio ambiente em 
que decorre, e essa contra­actuação influencia imediatamente a estrutura 
congénita e genética. Quer dizer, logo de início se verifica uma actuação 
recíproca, e nesta «interacção» constante com o meio ambiente, como passamos a 
chamar à relação recíproca entre hereditariedade e meio ambiente, vai crescendo 
o bebé em formação, primeiro no interior da mãe, depois fora da mãe, no mundo.

3,5 ... e a família Engel de Reutte: tal como os pais, todos os sete filhos 
tocam diversos instrumentos. Os dois mais

velhos são já artistas de renome

@k                   1    o
1.­ mulher

1      1685­17@r0

2.­ mulher

é­Éff É­0    11 n r+lá @

chantre ou organista

músico

ffl

Morto no 1.­ ano de vida

35a A árvore genealógica da família do organista da igreja de S. Tomás, João 
Sebastião Bach, revela um extraordinário aglomerado de talentos musicais. (Dos 
filhos de João Sebastião Bach apenas se indicam os de

sexo masculino)

Ninguém duvidará, por um momento que seja, do grande alcance destes novos 
conhecimentos. Eles obrigam cada qual a reflectir sobre o seu próprio 
desenvolvimento e são de grande importância para todos os pais e para todos os 
que pretendem vir a ser pais algum dia. Por isso parece ser aconselhável 
insistir mais neste aspecto para chegarmos a uma conclusão sobre o significado 
mais específico destes resultados.

4. É MAIS FÁCIL COMPROVAR A HEREDITARIEDADE POSTERIORMENTE DO QUE PREVÊ­LA

Deve­se frisar primeiramente que não convém interpretar mal os recentes 
resultados e concluir que não existe hereditariedade. Claro que a 
hereditariedade existe, apenas a variabilidade das características hereditárias 
é muito maior do que antigamente se supunha. O número de características 
hereditárias absolutamente comprováveis é muito mais limitado e por esse e 
outros motivos é absolutamente mínima a possibilidade de prever aquilo que se 
espera.

Parece ser possível com muito maior frequência comprovar posteriormente que esta 
ou aquela particularidade, dote ou
doença, foram herdados, do que prever que iriam ser herdados, visto que é 
verdadeiramente imprevisível a combinação resultante das disposições 
hereditárias por ocasião da fusão das células germinativas, bem como a 
modificação operada pelas influências do meio ambiente.

Assim, os pais ficam muitas vezes desiludidos por nenhum dos seus filhos revelar 
o mesmo talento musical que eles próprios possuem, pois esperavam que tal dote 
fosse herdado. Se tiverem mais do que apenas um ou dois filhos, é de esperar que 
em todo o caso esse talento surja pelo menos em alguns deles. Não é, porém, 
possível prevê­lo. Assim, por exemplo, a

cantora Kirsten Flagstad pÉovém de uma família dotada já há duas gerações de 
grande ouvido e talento musical, enquanto que o célebre maestro Arturo Toscanini 
era o único que na sua
família revelava tais dotes.

Interessante, por outro lado, é o caso da família Fisliberg, cuja fotografia 
apresentamos. Isaac Fisliberg, russo da Ucrânia, foi músico profissional em Nova 
Iorque até aos 90 anos, e aos
102 anos tocava flauta ainda tão bem que tomava parte em

concertos familiares juntamente com os seus filhos, músicos como ele. Todos os 
seus 12 filhos, metade dos seus 37 netos e muitos dos seus 60 bisnetos são 
músicos altamente dotados e alguns deles profissionais ­paralelo convincente da 
conhecida ascendência e descendência genealógica do organista da igreja de S. 
Tomás, João Sebastião Bach.

Pelo contrário, a conhecida família Engel, do Tirol, composta por nove membros, 
constituiu em 10 anos uma orquestra familiar dirigida pelo pai, professor de 
música, e aprendeu a

tocar 50 instrumentos e a executar um vasto reportório que exibiu perante uma 
assistência internacional, sem que existissem quaisquer dotes ancestrais 
relevantes.

Se quisermos estabelecer regras gerais sobre as qualidades mais ou menos devidas 
à hereditariedade, resulta o seguinte quadro:

Certas qualidades corpóreas parecem ser mais regularmente transmitidas pela 
hereditariedade. Exemplos disso são a tendência para maior ou menor longevidade, 
para maior ou menor rapidez no crescimento e para um determinado tipo de corpo, 
um dos factos demonstrados pelo célebre psiquiatra Ernst
36­37 Uma mãe carinhosa consegue, a partir da primeira hora de vida do filho, 
conduzir o seu desenvolvimento para a via adequada, enquanto a falta de afecto e 
a indiferença podem enfraquecer as disposições propícias

e fortalecer as não propícias

Kretschmer. É, além disso, hereditária a predisposição para gerar gémeos ou 
trigémeos, a disposição para certas fraquezas ou defeitos orgânicos e para 
algumas doenças, sobretudo para aquelas doenças do espírito que têm um 
fundamento físico.

Frequentemente hereditários são a velocidade de reacções, habilidade ou falta de 
habilidade corporal e técnica, particularidades de movimentos, grau de 
actividade, agudeza sensorial e sensibilidade, inteligência e talentos 
específicos.

5. PARA O DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE O MUNDO CIRCUNDANTE É DE IMPORTÂNCIA 
DECISIVA

É essencial comprovar, sobretudo a partir do ponto de vista prático, que o que 
vai decidir a personalidade é determinado logo de início tanto ou mais pelas 
influências do meio ambiente que pela carga hereditária.

Quando dizemos «logo de início», incluímos também o

período da gravidez. Com base em muitas experiências brilhantes, sabemos hoje 
que, logo a partir do momento da concepção, o novo e pequeno ser que começa a 
germinar dentro da mãe é influenciado e conformado consideravelmente no seu 
cresci­
mento, na sua saúde e em toda a sua estrutura corporal e anímica pelas 
circunstâncias em que a gravidez decorre. Um desastre da mãe, uma doença 
infecciosa, uma grave excitação ou depressão anímica de grande duração podem ter 
uma influência perniciosa sobre a criança, tanto sob o ponto de vista corporal 
como anímico. Toda a futura mãe conscienciosa considera assim um dever um modo 
de vida cuidadoso, uma vez que da sua saúde tanto depende para o destino do 
pequeno ser em formação.

Porém, durante o primeiro ano de vida da criança, o comportamento geral da mãe 
reveste ainda maior importância.

É verdade que dissemos que o recém­nascido traz consigo para o mundo um 
determinado grau de actividade e passividade, de sensibilidade e irritabilidade, 
bem como outras qualidades. Uma mãe carinhosa e sensível pode, porém, exercer 
logo de início unia influência benéfica, contrariando de modo adequado 
determinadas fraquezas. Tomemos como exemplo um bebé pouco activo que se 
comporte passivamente ao beber, que seja portanto «preguiçoso», como se costuma 
dizer, e faça poucos esforços para receber a sua alimentação. A partir da sua 
primeira hora de vida o facto de o bebé receber ou não alimento suficiente 
dependerá da paciência e compreensão da mãe ou da pessoa que dele cuida e a 
habilidade e amor podem mesmo

levá­lo a mamar com aplicação.

rapazes

38­39 Curvas do crescimento em altura (em cima) e do aumento de peso (em baixo) 
no caso especial de rapazes (à esquerda) e de raparigas (à direita). As curvas 
representam a média das medições realizadas em mais de cem mil crianças bávaras. 
(Segundo Keller­Witkott ­ Manual de Terapêutica Infantil)
Deste modo podem­se canalizar para uma via adequada muitas disposições 
deficientes e atenuar ou mesmo É,

tornar ineficazes certas disposições pouco favoráveis ao

desenvolvimento da criança. Um comportamento errado, porém, pode produzir o 
efeito contrário, reforçando as disposições desfavoráveis. Referir­nos­emos mais 
pormenorizadamente a este aspecto em

diferentes passos desta obra.
40 A pesagem regular do   bebé é  in­      Porém, quanto mais o dispensável, 
visto que o aumento       organismo se desenvolve mais constante de peso é da 
maior importância para o seu desenvolvimento      importantes se vão revelando

saudável                 as influências do meio ambiente. Para poder compreender 
bem este aspecto importa conhecer os factos fundamentais do crescimento e da 
maturação.

6. FACTOS FUNDAMENTAIS DO CRESCIMENTO E DO ENVELHECIMENTO

O crescimento e a maturação biológica pertencem aos factos fundamentais mais 
importantes de toda a espécie de vida. Quer se trate de planta, animal ou homem, 
todos eles crescem e se

desenvolvem. Mas por mais evidentes que estes processos pareçam, pertencem, no 
entanto, de certo modo, aos mais difíceis de compreender cientificamente. Muitas 
suposições e teorias discordantes se desenvolveram ­para estabelecer as forças e 
tendências que actuam nestes processos. Também nós nos ocuparemos com algumas 
destas especulações ao referirmo­nos ao desenvolvimento anímico e aos motivos da 
acção. De momento contentar­nos­emos com apontar, com base nos factos, em que 
consistem o crescimento e a maturação.

O crescimento, como todos sabem, consiste num constante aumento de peso e de 
altura por parte da criança, diverso de indivíduo para indivíduo e que se 
processa mais ou menos regularmente, quer mais rápido quer mais lento, e 
cessando normalmente por volta dos 20 anos. A idade de 25 anos constitui o 
limite máximo para o crescimento, tratando­se sempre de casos

de excepção.
41 Diferenças individuais manifestadas no desenvolvimento físico. Cada um dos 
rapazes da esquerda tem 15 anos; B encontra­se na puberdade, A já a ultrapassou, 
C ainda não entrou na puberdade. Os três rapazes da direita revelam um 
desenvolvi­         is     15      is Idade    13,1   13,5    14,6

mento físico que se en­      depois durante antes Puberdade depois durante antes 
contra em proporção inversa com a idade. D (13 anos e 1 mês) terminou a 
puberdade, E @13 anos e 5 meses) encontra­se a meio da puberdade, F (14 anos e 6 
r@eses) ainda não a iniciou. (Extraído de H. S.                      c 
D       E       F Dimock, Rediscovering

the Adolescent)

Toda a mãe sabe que o aumento regular                 de peso do seu

bebé se reveste do maior significado para o seu             desenvolvimento 
normal. Nos países civilizados, muitas mães,              se não a maior parte 
delas, pesam o seu bebé durante o primeiro ano de vida, sempre que possível após 
todas as refeições. As diminuições de peso que ocorrem por vezes como 
consequência de doenças ou

de uma alimentação deficiente são consideradas como um pro42 Curva biológica da 
vida: A linha horizontal corresponde a uma duração de vida que se apresenta de 
forma esquemática e se supõe ser de 70 anos; as subdivisões representam as fases 
da vida (igualmente apresentadas de forma esquemática); as linhas ponteadas 
indicam a margem de variabilidade verificada no início e fim da quarta fase. A 
linha ascendente e descendente indica a transformação das forças produtivas em 
crescimento estacionário e deste em degenerescência ou declínio. A linha que 
continua a do progresso representa o crescimento dos produtos da vida com os 
quais o indivíduo se identifica cada vez mais a partir de determinada altura e 
que lhe sobrevivem. A linha vertical, que une a linha ascendente de produção com 
a curva descendente da vida, deverá significar que, nesse momento, o indivíduo 
termina por um lado a sua própria vida mas Í 1                        continua, 
por outro lado, a existir nos seus produtos ­ filhos, obras ou actuação social 
da sua personalidade. (Extraído de Ch.
O   10  20           %0       70     de vida  Bühler ­ Der menscliliche 
Lebenslauf aIs psychologisches
11    111    IV    (V)   f asas              Problem, 1959)
blema muito sério pela mãe conscienciosa e pelo médico que assiste regularmente 
à criança. Com efeito, no primeiro ano de vida o aumento de peso adequado é um 
dos fundamentos principais para um desenvolvimento sadio.

Após o primeiro ano de vida da criança muitos pais pensam ser já desnecessário 
prestar a mesma atenção ao aumento de peso correspondente ao aumento da idade, 
tal como o fizeram nos primeiros doze meses. Por esse motivo é importante frisar 
que a moderna medicina verificou uma estreita ligação entre o peso corpóreo e a 
saúde psíquica. Tanto durante a infância como mais tarde na vida o grande 
excesso de peso ou um peso sensivelmente inferior ao normal indicam muitas vezes 
não só doença física como também uma perturbação psíquica.

Menos significativo é o crescimento em altura, que varia de indivíduo para 
indivíduo, muitas vezes consoante o «padrão» da família. Muitos pais poderão 
desejar que o seu filho apresente maior estatura; outros preocupar­se­ão por a 
sua filha crescer demasiado. No entanto, a tais particularidades não se pode em

geral atribuir qualquer significado sintomático.

É sobejamente conhecida a extraordinária variabilidade do crescimento e do 
desenvolvimento em geral, verificada no período da puberdade. O desenho 
esquematizado de seis jovens dá­nos uma imagem marcante das diferenças que 
ocorrem nesta idade.

Ainda que, como já dissemos, uma pequena estatura e uma maturação tardia, como 
apresentam dois dos rapazes da imagem, não constituam sintoma de doença ou de 
anormalidade, o certo é que um jovem pode sofrer bastante devido ao seu aspecto 
não desenvolvido.

43­44 Causas que provocam a morte em mulheres (à esquerda) e em homens (à 
direita) na República Federal da Alemanha. (Segundo «Wirtschaft und Statistik», 
1961, versão simplificada)
Pouco tempo após a

puberdade termina, como dissemos, o crescimento em       74 ‘3 altura. Contudo, 
isto não

72 significa o fim do crescimento em geral. Pelo con70 trário, verificam­se no 
orga­    69 nismo durante toda a vida processos de crescimento,        “8

67 dos quais o mais importante é a renovação das cé­      66 lulas. Contudo, 
crescimento em sentido restrito é o pe­      “4

ríodo em que, usando a

expressão de L. von Berta­       62

61 Jariffy, as forças produtivas do corpo prevalecem sobre as formas de 
degenerescên­                         >        E < cia. O crescimento é chaMado 
estacionário no pe­                             L ,O  O       o ríodo médio da 
vida, em

U@. o cc que ambos os processos ­ o

de produção e o de dege­            rnascu I i no  o

N            fern nin

nerescêncía­ atingiram o         45 Expectativa    quanto à duração de 
equilíbrio.                      vida em alguns    países do inundo. (SeAssim, 
podemos referir­     gundo «Wirtschaft und Statistik», 1961, ­nos a uma curva da 
vida                  versão simplificada) que, representada esquem2iticamente, 
ascende até à idade de 25 anos, permanece em seguida à mesma altura até cerca 
dos'50 anos e finalmente decai.

Isto, aliás, numa referência esquemática, pois, devido ao
modo de vida actual, beneficiado pelos progressos da higiene e dos conhecimentos 
medicinais, não só a vida é sensivelmente prolongada como a degenerescência 
visivelmente retardada. Ninguém sabe por enquanto exactamente como se realiza de 
facto o envelhecimento. Uma das teorias hoje em dia mais divulgadas é a de H. 
Selye, segundo a qual cada organismo é esgotado por tensões às quais ele se 
consegue adaptar cada vez menos: Selye refere­se a um esgotamento da «energia 
adaptativa».

Ainda não está igualmente estabelecido em que medida a
função das glândulas sexuais está relacionada com o envelhecimento. A capacidade 
de procriação do organismo humano inicia­se em todo o caso com a maturação 
sexual, atingida na puberdade entre os 11 e os 16 anos, e termina para o sexo 
feminino na chamada menopausa, que ocorre entre os 45 e os
55 anos, e para o sexo masculino num período sensivelmente oscilante, na maioria 
dos casos, porém, mais tardio.

Já dissemos que, no nosso século, a duração média de vida se prolongou 
extraordinariamente. Enquanto que por volta de
1900 comportava apenas cerca de 50 anos, prolongou­se hoje em dia até cerca dos 
70 anos. Com o aumento da idade, para além do esgotamento do organismo que já 
citámos, as doenças passam a desempenhar um maior papel como causas de morte. 
Hoje em dia, as doenças cardiovasculares e o cancro encontram­se entre as causas 
mais frequentes de uma morte prematura.

A morte prematura noutras idades apresenta em grande parte outros motivos. Para 
a morte de bebés existe uma série considerável de causas; nas outras idades e 
segundo uma recente estatística americana, os acidentes de diferentes espécies 
representam um motivo principal a par das doenças de pulmões, do cancro e da 
paralisia infantil cérebro­espinal. Isto verifica­se em todas as idades, mas 
mais especialmente na juventude até aos
24 anos e numa idade avançada passados os 65.

Uma coisa, porém, está estabelecida: a saúde e a doença bem como a esperança de 
viver são de grande importância para os sentimentos que experimentamos em face 
da vida.

46­47 A maturação dos movimentos do corpo: enquanto que o recém­nascido 
manifesta o reflexo inato de agarrar (à esquerda), o bebé de cinco meses procura 
já agarrar com uma finalidade e puxa até si o objecto que vê
48­49 Dois berços aos quais as crianças se encontram presas por ligaduras 
ficando assim impedidas de realizar livremente qualquer movimento, durante o 
primeiro ano de vida: à esquerda, um berço na Albânia (Extraído de «Zeitschrift 
für Kinderforschung» de Danzinger e FrankI, n.o 43); à

direita, um na Samarcândia

7. FACTOS FUNDAMENTAIS DA MATURAÇÃO BIOLóGICA

Muito mais difíceis de abranger do que os factores do crescimento são os 
factores de maturação biológica. Devido ao seu

extraordinário alcance para o decurso da vida, merecem uma observação muito 
cuidadosa.

Por maturação compreendemos uma determinada série de transformações que se 
verifica nas estruturas corporais e funções, bem como no comportamento do ser 
vivo durante toda a sua vida. Essas transformações representam uma série que se 
processa num só sentido ou, usando o termo técnico, uma sequência, significando 
«um só sentido» que a série não é susceptível de regressão, visto que nos 
verdadeiros processos de maturação cada uma das fases que se vai sucedendo 
necessita do pressuposto da fase anterior. O importante conceito de «maturação» 
tornar­se­á claro em face de alguns exemplos.

Aos processos de maturação mais importantes pertence a

maturação dos movimentos corpóreos, por exemplo dos movimentos realizados para 
agarrar qualquer coisa. Se, por exemplo, tocarmos com um dedo a palma da mão de 
um recém­nascido, a pequenina mão fecha­se imediatamente em torno deste objecto. 
Este é o chamado reflexo de preensão, com o qual se iniciam os
movimentos para agarrar. É um dos inúmeros reflexos corpóreos inatos ao ser 
humano.

Além dos reflexos’  o recém­nascido revela uma grande série de outros movimentos 
desordenados e sem objectivo, que se

denominam movimentos em massa; trata­se de reacções não específicas a todos os 
possíveis estímulos internos e externos. Entre esses movimentos em massa existem 
também movimentos de braços, mas esses não obedecem a qualquer objectivo e não 
são dirigidos.

Só a partir de cerca dos três meses o bebé estende o braço para um objecto que 
vê a alguma distância; com cerca de quatro meses agarra um objecto que 
aproximemos dele, e com cerca

de cinco meses pode combinar as seguintes acções: estender o

braço em direcção do objecto (algo distante) que vê a alguma distância, e 
agarrar e puxar para si esse objecto.

A sequência destes trabalhos é condicionada pela maturação, visto que, nas 
acções cada vez mais complicadas, cada nova actuação conjunta dos diferentes 
órgãos pressupõe o

desenvolvimento de trabalhos mais simples: a crescente coordenação e 
complexidade das acções caracterizam os progressos da maturação.

50­53 Quatro estádios do movimento durante o primeiro ano de

16 semanas                               28 semanas
Como dissemos, são de esperar os progressos em agarrar por volta dos três, 
quatro e cinco meses. Mas poder­se­á de facto afirmar isto assim de modo geral? 
Não existirão grandes diferenças individuais?

A este respeito deve dizer­se o seguinte: a sequência como tal é imutável, visto 
estar determinada pelas possibilidades de desenvolvimento fortemente inerentes 
ao organismo, pelo que se fala de leis da estrutura.

No entanto, a aparição efectiva das novas realizações faz pressupor influências 
do meio circundante adequadas no que diz respeito tanto ao momento como à 
peculiaridade individual e à normalidade. Falamos nesse caso de função e podemos 
dizer que, na função, para além dos dados da estrutura, se exprimem igualmente 
as condições de vida.

Eis um exemplo: se se mantivesse um bebé num quarto absolutamente vazio e jamais 
se lhe apresentasse como «estímulo» um único objecto para ele contemplar, 
apalpar, agarrar,

o seu organismo poderia amadurecer (lei da estrutura) mas a sua capacidade de 
coordenação (função) seria prejudicada.

vida. (Reprodução de A. Gesell, The First Five Years of Life, 1940)

40 semanas                                52 semanas
8. MATURAÇÃO, EXPERIÊNCIA E DESENVOLVIMENTO

L. Danzinger e L. Frank1 puderam realizar, na Albânia, experiências com crianças 
muito pequenas que tinham estado consideravelmente privadas desses estímulos, se 
bem que não

completamente. Em aldeias perdidas na montanha encontraram bebés presos a berços 
de madeira, dispostos a um canto escuro das cabanas de argila. Durante todo o 
primeiro ano de vida as crianças tinham os braços, as pernas e o corpo ligados e 
encontravam­se assim impossibilitadas de fazer qualquer movimento. A criança 
apenas sai do seu canto e da sua cama quando toma banho ou quando a mostram 
esporadicamente a algum visitante.

Como se comporta então um bebé desses quando é libertado das faixas que o 
rodeiam, o trazem até à luz e lhe apresentam um brinquedo? A princípio a criança 
fica absolutamente inactiva. É preciso tocá­la e incitá­la a agarrar o 
brinquedo. Então acontece, por exemplo, que uma criança de cinco meses toque um 
objecto ou estenda para ele os braços como faz a criança normal de três meses. 
Com sete meses o movimento de agarrar está ainda mal coordenado, com dez meses a 
criança estende as duas mãos para um guizo, mas as mãos passam por ele sem o 
conseguir agarrar.

Que será feito mais tarde dessas crianças? Danzinger e

Frank1 verificaram que se observava também em todas as crianças mais velhas uma 
paralisação permanente da actividade e

uma falta de habilidade técnica.

O trabalho de Danzinger e FrankI, a que o Instituto Psicológico de Viena deu o 
seu incentivo no ano de 1933, como um dos primeiros estudos sobre o 
desenvolvimento, mereceu uma referência tão pormenorizada da nossa parte devido 
à importância das perspectivas que sugere.

Todo aquele que queira compreender o seu próprio desenvolvimento, antes de mais 
nada, porém, os pais que queiram obter bons resultados na educação dos seus 
filhos, podem, a

partir destas observações, deduzir a importante regra fundamental, ou seja, que 
o desenvolvimento depende na mais alta escala das possibilidades de 
desenvolvimento que se ofereceram na primeira infância.
Hoje em dia a ciência encontra­se rica em resultados que comprovam as 
particularidades mais subtis desta regra. Importante é, por exemplo, o facto de 
os diferentes campos de realização dependerem uns mais outros menos dos 
estímulos apresentados.
Um exemplo de relativa independência em face das circunstâncias verificadas é o 
desenvolvimento do andar. Todos os bebés começam a andar entre mais ou menos o 
ano e o ano e meio, o mais tardar, a não ser que qualquer afecção orgânica ou 
psíquica (anímica) disso os impeça. Wayne Dennis pôde comprová­lo em estudos 
muito vastos que empreendeu. Comprovou assim que os filhos dos índios Hopi, 
atados tal como os albaneses a berços de madeira, começam a andar precisamente 
com a mesma idade que os filhos dos índios educados de outro modo ou as crianças 
de outras raças e grupos etnográficos.

Por outro lado, para outras formas de comportamento em

que não se trata tanto do domínio do corpo como tal mas sim do domínio da 
matéria, do conhecimento do mundo das coisas, da compreensão dos seres humanos e 
do desenvolvimento do mundo interior, são necessários estímulos adequados, 
portanto o apoio dado pelo ensinamento e pela instrução e o contacto carinhoso 
com os outros, para que o desenvolvimento se processe de modo adequado e 
saudável.

Exprimindo­nos por outras palavras: os progressos no desenvolvimento do ser 
humano, mais do que em todos os outros seres vivos, não são quase nunca 
resultado exclusivo da maturação mas também da experiência. Distinguimos por 
esse motivo maturação e desenvolvimento.

Aquilo em que o organismo como tal contribui para o progresso do desenvolvimento 
é condicionado pela maturação. Ao processo de desenvolvimento real pertence, no 
entanto, para além da maturação, a actuação do mundo circundante, que transforma 
a maturação em experiência.

Até aqui referimo­nos ao condicionamento da maturação apenas nas suas relações 
com o desenvolvimento da primeira infância. Que se passará, porém, com a 
maturação nas outras fases da vida?

9. INFLUÊNCIA DA SEXUALIDADE NA MATURAÇÃO

Ao longo de toda a vida existe maturação e desenvolvimento. Um dos factores mais 
importantes, que influencia a maturação e o desenvolvimento durante toda a vida, 
é a sexualidade.

Por sexualidade compreendemos tanto a capacidade inata de procriação do ser 
humano como os modos de comportamento e necessidades que servem as relações 
entre os sexos. Estes pertencem a um determinado grupo de formas de 
comportamento congénitas denominadas instintos.
54 O Psicólogo de Animais, Professor Konrad Lorenz, juntamente com os gansos 
bravos que ficaram «cunhados» a ele, por ter sido ele a primeira pessoa que

viram ao sair do ovo

A palavra instinto usa­se para designar as reacções que respondem regularmente e 
de forma relativamente semelhante a determinados estímulos e de forma que se 
processam simultaneamente como reacções em cadeia. No que respeita ao ser 
humano, dificilmente nos podemos referir aos instintos naquele sentido restrito 
em que a expressão é utilizada para o comportamento animal. Com efeito, no ser 
humano os instintos encontram­se sensivelmente diluídos e existem apenas 
resíduos rudimentares de formas de reacção congénitas.

O conceito de instinto foi muito discutido nos últimos séculos; muitas vezes 
houve mesmo quem quisesse deixá­lo inteiramente de lado. As recentes e 
brilhantes experiências realizadas em animais, como as que Konrad Lorenz 
efectuou com aves, Karl von Frisch com abelhas e Nikolaas Tinbergen com peixes e 
aves, induziram­nos, porém, a falar novamente de instintos, se bem que 
utilizando o termo de forma mais cautelosa do que anteriormente.

Com expressões deste género é necessário lidar de forma cautelosa. O leigo gosta 
de empregar de ânimo leve a palavra «instintivo», tal como se refere também 
acidentalmente a «intuitivo». Na realidade, porém, essas palavras constituem 
expressões para fenómenos bastante complicados.

O mamar do recém­nascido, por exemplo, é um comportamento instintivo 
relativamente puro, uma cadeia de reflexos: abrir a boca, movimentos realizados 
com a língua e movimentos para engolir. A reacção pode mesmo ser provocada já no 
feto de três meses, e no recém­nascido surge de início com todos os estímulos 
possíveis, como se o pequeno ser não quisesse deixar de aproveitar todas as 
ocasiões que se lhe deparam para a recepção de alimentos.

Os reflexos e os modos de comportamento congénitos, coordenados pela complexa 
engrenagem da sexualidade humana, podem encontrar­se submetidos às mais diversas 
modificações
e perturbações, como se mostrará ainda pormenorizadamente. Apesar disso, ao 
referirmo­nos ao desenvolvimento da sexualidade, podemos falar de maturação na 
medida em que nos referimos à sequência de fases. Essas fases são: o tempo 
anterior à capacidade de procriação, a puberdade ou maturação da capacidade de 
procriação, a fase da plena capacidade de procriação, a mudança de idade ou 
período da perda de capacidade de procrição e, finalmente, o período após a 
perda de capacidade de procriação.

Dever­se­ia supor que o desenvolvimento das necessidades sexuais ou do impulso 
sexual decorre paralelamente ao incremento e declínio da capacidade de 
procriação. Porém, como as

necessidades sexuais do ser humano surgem em larga escala separadas da 
actividade do aparelho procriador, não existe qualquer ritmo natural nem 
qualquer automatismo na eclosão deste impulso ou ­ talvez o possamos exprimir 
melhor ­ destas necessidades altamente complicadas.

Existe na verdade também no impulso sexual uma sequência de modos de 
comportamento; no entanto, a sua manifestação depende sensivelmente das 
influências mais diversas, quer no

tempo em que surge quer no carácter que reveste. Por outras palavras: no impulso 
sexual do ser humano os factores psicológicos representam um papel mais 
importante do que os biológicos. Por esse motivo só mais adiante, em ligação com 
o desenvolvimento psicológico, se deverá falar da sexualidade.

10. O FACTOR TEMPO NO DESENVOLVIMENTO

Extraordinariamente importante para a maturação e desenvolvimento, como o 
demonstraram as experiências realizadas em

animais, é o factor tempo. Quer dizer, certos estímulos ou outras influências 
têm de ser fornecidas pelo mundo exterior ­num momento absolutamente determinado 
para tornarem possível um

progresso que só se pode processar nesse momento.

Se, por exemplo, se guardar num quarto escuro pintos recém­saídos da casca, mais 
tarde eles serão para sempre menos

hábeis em debicar, visto que isso se deve aprender nos primeiros dias e semanas 
de vida.
O psicólogo de animais Konrad Lorenz mostrou em experiências célebres, 
realizadas primeiramente com gansos bravos, que o comportamento destes sofre em 
determinado momento um cunho definitivo: os pequenos gansos recém­saídos do ovo

«tomam por» pai o primeiro ser vivo que vejam ­seguem­no, pedem­lhe alimento. 
Normalmente esse ser é um ganso bravo;
porém, se, na experiência, ele for um ser humano, os jovens gansos ficam 
«cunhados», presos a ele.

De grande significado, pelas conclusões que permite extrair para o caso das 
crianças, é uma interessante experiência realizada com ratos: meteram­se por 
diversas vezes ratos de pouca idade numa gaiola onde já se encontrava um rato 
excepcionalmente forte e treinado para a luta. Esse rato atacava­os e vencia­os 
prontamente. Quanto mais novos eram os ratos assim derrotados, tanto mais 
tímidos e medrosos se comportavam mesmo depois de animais adultos. Contudo ratos 
mais velhos, obrigados a sofrer essa mesma derrota mas já submetidos 
anteriormente a outras experiências, não eram intimidados no

mesmo grau.

Posso relatar factos paralelos a partir da minha experiência como 
psicoterapeuta. Repetidas vezes era possível fazer remontar uma agressividade 
extrema ou a fuga temerosa em face de situações de conflito a um «training» 
realizado muito prematuramente. Um doente, por exemplo, tinha uma mãe que já aos 
dois anos o encorajava a bater se outra criança se lhe opunha; outro, pelo 
contrário, encontrava­se sob a influência de uma mãe que levava o seu pacifismo 
ao ponto de proibir ao filho de quatro anos que entrasse em qualquer cena de 
pancadaria e lhe aconselhava a fugir se alguém o agredisse.

Como veremos, a agressividade e o temor apresentam naturalmente ainda outras 
raízes diferentes destas. No entanto, é importante ter consciência do papel 
significativo que representam os primeiros estímulos e fracassos.

É possível que algum leitor considere esta ideia alarmante

e se interrogue sobre as influências propícias para si e para os seus filhos e 
sobre a época adequada em que elas se deverão processar. Outros leitores poderão 
reagir cepticamente.

Praticamente essas influências, que se fazem sentir logo muito cedo sobre a 
criança, são muitas vezes do conhecimento dos pais pelos costumes e tradição ou 
pelo contacto com o meio ambiente. Eis um exemplo: «A minha mãe era contra as 
chuchas
­ diz a Senhora SchuIz à vizinha. ­ Aconselhou­me muitas vezes a não dar uma 
chucha aos meus filhos por ser apenas um mau hábito.» ­ «Sim, mas o meu médico 
disse­me que hoje em dia se tem uma opinião muito diferente» ­responde a Senhora 
Maier ­ «Ele acha que as crianças a quem não é dada oportunidade suficiente para 
chuchar ou têm mais tarde muito mais tendência para chuchar no dedo ou, se não 
os deixarem, podem sentir isso como uma privação que terá nefastas 
consequências.»
­ «Ora, se tivesse tão nefastas consequências, já eu as devia
ter sofrido!» ­diz a Senhora Schulz. ­ «Claro ­responde a

Senhora Meier­ «e já muitas vezes me disse que é bastante nervosa. Quem sabe se 
isso não estará relacionado!» ­ «Ora, não acredito, isso são dessas teorias 
modernas!» ­diz a Senhora SchuIz encerrando o assunto.»

É claro que o nervosismo da Senhora SchuIz não se explicará assim tão 
simplesmente. No entanto, a proibição de usar

a chucha pode ter sido uma das muitas frustrações, dos muitos «fracassos» 
iniciais, que levaram à experiência da desilusão.

Pode ser que a Senhora Schulz não se deixe impressionar pela afirmação da 
Senhora Maier. No entanto, a novidade que acabou de ouvir poderá também torná­la 
pensativa e talvez interrogue o médico ou outras senhoras e assim aprenda algo 
sobre o significado do meio ambiente para a actividade que o seu bebé pratica ao 
chuchar.

Deste modo continuam ou cessam velhos costumes. Um costume que hoje em dia tem 
caído bastante em desuso na cultura ocidental é o de enfaixar as crianças. Pelo 
contrário, permite­se­lhes que esperneiem e se movimentem à vontade, uma vez que 
a liberdade de movimento, realizada nesta altura, fará com que fortifiquem a 
musculatura, exercitem movimentos e

investiguem pela primeira vez o mundo circundante. No subcapítulo oito relatámos 
como o facto de prender crianças pequenas a berços de madeira prejudicou 
fortemente o desenvolver dos movimentos. Eis um caso em que o costume ancestral 
tem efeitos prejudiciais.

Felizmente os conhecimentos gerais sobre a saúde estão hoje em dia tão 
desenvolvidos no mundo ocidental, que, através do ensino escolar, de livros e 
revistas, de médicos, de enfermeiras e assistentes sociais uma mãe poderá 
informar­se acerca de todas as influências favoráveis ou nefastas para o seu 
filho.

As mais importantes são, logo de início, certas influências anímicas; antes de 
mais nada, o amor materno e os estímulos correspondentes à idade da criança. 
Mais adiante referir­nos­emos a isso mais pormenorizadamente, bem como aos 
efeitos do descuido no desenvolvimento infantil, tanto mais que existem para 
este domínio numerosas e importantes investigações modernas, das quais é 
possível tirar ricas conclusões.

Mas também mais tarde, na vida, se faz constantemente a experiência de que é 
necessário ter certas coisas num determinado momento adequado, sem o que será 
«demasiado tarde». «Demasiado tarde» para quê? Para a realização de determinados 
progressos de desenvolvimento internos. Assim o amor, o casamento, a procriação, 
o êxito profissional, pertencem a essas
experiências fundamentais que em determinados momentos nos parecem mais 
necessárias do que todo o resto. A maior parte delas é de natureza anímica. A 
sexualidade constitui uma importante excepção.

As necessidades sexuais do ser humano, como já dissemos, são na verdade 
condicionadas no seu desenvolvimento por muitas circunstâncias; no entanto, as 
influências realizadas na devida altura contribuem essencialmente para um 
desenvolvimento saudável. Isto diz sobretudo respeito ao desenvolvimento operado 
na

puberdade que, devido às influências do meio ambiente, pode ser

antecipado, retardado e conduzido para vias normais ou anormais.

Falando de um modo geral nunca será demais acentuar a grande importância que têm 
para um desenvolvimento saudável as experiências realizadas durante o primeiro 
ano de vida.

Sigmund Freud foi o primeiro a fazer essa verificação no

âmbito das suas investigações psicanalíticas. Na época das primeiras discussões 
tempestuosas em torno da doutrina de Freud, ela foi recusada por muitos como uma 
afirmação exagerada ou aceite piamente por outros, conforme a posição que 
tomavam em face da psicanálise.

Hoje encontramo­nos em situação de poder substituir a

crença ou a descrença neste domínio pelo conhecimento dos factos. Este 
conhecimento apoia­se nas modernas experiências biológicas realizadas em animais 
e que já por diversas vezes

citámos. O conhecido investigador Frank Beach, com base numa visão geral sobre 
toda a bibliografia existente para este domínio, chega à conclusão, que comprova 
cientificamente, de que, primeiro, os hábitos que se adquirem cedo são 
particularmente persistentes e, em segundo lugar, que os adultos se encontram 
permanentemente sob a influência do que viram e aprenderam na infância.

Isto poderá parecer trivial e evidente a alguns leitores ou uma afirmação 
exagerada a outros. Mas, em face dessas duas posições extremas, devemos acentuar 
que uma observação que se apoia em mais de cem investigações cientificamente 
exactas tem um peso muito mais considerável do que uma opinião particular 
formulada de acordo com os sentimentos individuais.
Segundo me parece, um tal resultado definitivo é de valor incalculável para os 
pais e educadores.

11. TUDO O QUE ACONTECE É DE ORDEM PSICOFISICA

A expressão «psicofísico» é usada para todos os fenómenos que são a um tempo 
anímicos (psíquicos) e corpóreos (físicos).
Em muitos acontecimentos vitais é por demais evidente a actuação simultânea do 
corpo e da alma: todos sabem que, ao fazer incidir o olhar sobre um objecto, 
nesse acto actuam em conjunto os olhos, o nervo óptico e o cérebro por um lado, 
a

atenção e a capacidade de percepção por outro.

Noutros fenómenos isto não é tão evidente. A muitos poderá parecer estranho que 
mesmo os processos de um organismo saudável que decorrem automaticamente, como 
porventura a respiração ou a digestão, tenham também sempre o seu lado 
psicológico. Mas pense­se apenas na velha sabedoria popular que afirma que 
determinada experiência põe «um peso no coração», «oprime a respiração» ou «faz 
um vazio no estômago». A chamada investigação psicossomática (sorna é a palavra 
grega para corpo) apontou essas e muitas outras relações, demonstrando assim o 
grande significado da constituição anímica de um ser

humano para todos os seus fenómenos corpóreos.

Sabe­se assim hoje em dia que, mesmo no caso de doenças que antigamente estavam 
longe de fazer pensar em influências psíquicas ­como sejam as úlceras do 
estômago ou do intestino, a gota e o reumatismo ­, a disposição anímica 
desempenha o seu papel, seja numa constante tensão interior, em preocupações e 
medo, numa disposição hostil ou em sentimentos de ódio. Tratar­se­á mais de 
perto destas relações nos capítulos «Motivação» e «Psicoterapia».

De momento, partindo do ponto de vista biológico, perguntamos a nós próprios 
como se poderão de facto compreender essas relações psicofísicas. A resposta é: 
ainda não o sabemos.

Existem fundamentalmente duas teorias para tentar explicar o acontecimento 
psicofísico. Uma refere­se à actuação recíproca de processos psicofísícos, 
enquanto a outra considera o acontecimento psicofísico como um acontecimento 
total. Entre os representantes da teoria da actuação recíproca existem os

que atribuem a primazia ao factor anímico e outros que, pelo contrário, atribuem 
o papel mais importante ao factor orgânico.

Partindo da prática, parece dar­se urnas vezes um caso e outras vezes o outro: 
um doente sentir­se­á mais depressa deprimido e desalentado do que alguém que 
goze de pujante saúde. Por outro lado, alguém que se encontra deprimido devido a

uma vida vazia de afecto poderá, por exemplo, sentir cansaço e ter tendência 
para dores de cabeça, sem que exista propriamente um motivo somático para tais 
padecimentos.

Estas relações complicadas são não só perturbadoras para
* leigo, mas muitas vezes também de difícil compreensão para
* perito. De interesse geral é apenas um facto: que é bom estar­
mos conscientes de que todos os fenómenos que ocorrem em

nós têm um lado anímico e um lado corpóreo e que necessitamos sempre de fazer 
incidir a nossa atenção sobre ambos.

12. SAúDE E DOENÇA

Patenteia­se­nos uma aplicação imediata do princípio de estar consciente da 
duplicidade psicofísica do nosso ser ao

observarmos a saúde e a doença. Ainda não há muito tempo, a saúde e a doença 
constituíam conceitos claros e simples. Doença era sofrimento físico evidente. 
«­0 médico diz que o

meu marido está absolutamente bem, a doença é só em imaginação­» ouve­se ainda 
hoje dizer. Aliás, cada vez se ouvem menos afirmações deste tipo, visto que o 
médico moderno e cada vez mais o leigo sabem que doenças de aparência apenas 
corpórea podem ser de espécie puramente anímica.

Esta dupla natureza das doenças faz com que o seu diagnóstico e tratamento 
(tanto no aspecto corpóreo como anímico) seja um problema essencialmente mais 
complicado do que anteriormente.

Demonstraremos por meio de alguns exemplos como isto se pode revelar na prática.

Elisabeth anda desde o Outono na escola. Quando a mãe a acorda de manhã, queixa­
se frequentemente de enjoo e por vezes vomita. A mãe não consegue compreender 
por que motivo Elisabeth começou de repente a sofrer de «indisposições de 
estômago».

Vai com a filha ao médico e este conclui, após uma cuidadosa observação, que 
Elisabeth tem provavelmente medo de qualquer coisa que se passa na escola. O 
médico é um pediatra moderno e, criando uma atmosfera amigável em que faz 
perguntas acerca da professora e das outras crianças, consegue que Elisabeth 
diga que tem medo de ser chamada e de se ver obrigada a falar diante da turma. 
Assim ele aconselha a mãe a falar

com a professora e a pedir­lhe para não chamar Elisabeth até ela se ter adaptado 
mais à escola.

O problema nem sempre se remedeia desta forma fácil; ocasionalmente é necessário 
ouvir o conselho especializado de um psicólogo quando a criança tem medo da 
escola.
Um segundo caso mostrará como se pode dar precisamente a situação contrária.

Hanna, uma rapariguinha de doze anos, queixa­se de cansaço e de dores de cabeça. 
A mãe, uma lavadeira robusta que trabalha duramente, não tem paciência para 
essas «fitas», como
ela costuma dizer. ­ «Vai apanhar ar e brinca com as outras crianças em vez de 
estares sempre com o nariz metido nos livros» ­diz ela a ralhar. Por sorte Hanna 
tem uma professora que toma interesse pelas alunas e que, sendo além disso uma 
boa observadora, envia a criança ao médico escolar, ao vê­Ia cansada e com 
aspecto doentio. Este verifica uma anemia declarada, prescreve à criança o 
remédio adequado, recomenda­lhe que durma mais e informa a mãe do que se passa.

Interessante é um caso   que diz respeito à mulher de um psiquiatra.

Magda sofre há anos de cansaço. O marido, em quem ela deposita confiança 
absoluta, considera o sofrimento proveniente do medo e das dificuldades que 
sofreu ao ter de fugir de um

país ocupado. Manda a mulher a um colega para que este a

submeta a um tratamento psicanalítico, porém nem mesmo um

tratamento prolongado consegue restituir a Magda a sua frescura e alegria de 
viver. Por fim o casal resolve que Magda seja observada minuciosamente por um 
médico. Assim aconteceu, com o

resultado espantoso de se ter descoberto uma tuberculose latente. Um ano de 
imobilidade no leito e o tratamento médico num sanatório transformaram Magda 
numa pessoa saudável.

E outra vez um caso precisamente oposto: Durante anos a Senhora Grothe visitou 
constantemente a policlínica de um hospital onde lhe receitavam remédios para 
dores e opressões no coração. Finalmente um médico de formação psiquiátrica 
descobriu, após uma longa conversa com a Senhora Grothe, que o seu padecimento 
tinha uma causa exclusivamente anímica ­a sua infelicidade conjugal.

De tudo isto resulta que, hoje em dia, a saúde e a doença são conceitos muito 
mais complicados do que anteriormente.

Como sabemos agora, um desenvolvimento saudável pressupõe não só um corpo 
saudável como também uma alma saudável. A nossa vida radica, é verdade, nos 
factores do nosso organismo; estes, porém, encontram­se, desde o início e 
durante toda a nossa vida, em ligação com os factores da nossa vida anímica.
1. ­ As funções

1. OS FENÓMENOS PSIQUÍCOS BÁSICOS

O que são funções?

Vamos abranger sob o conceito de funções todos os processos psíquicos básicos 
que, por assim dizer, entram como material de construção nas nossas vivências 
complexas, e estão na base das nossas acções.

Este material de construção representa uma rede enormemente complicada de 
processos que são desencadeados por meio de estímulos internos ou externos e 
terminam em movimentos. Alguns destes estímulos convertem­se imediata e 
automaticamente em movimentos; tais reacções designam­se por reflexos. Outras, 
pelo contrário, tornam­se propulsoras de uma quantidade que quase não podemos 
abranger de outros fenómenos internos antes de se converterem em acções.

Pela palavra acção designamos uma conduta em que ­ao contrário do que sucede no 
reflexo isolado­ agem conjuntamente muitos fenómenos que se ocupam, com 
finalidade, do mundo exterior, em vez de, como o reflexo, apenas porem em

movimento o corpo mesmo ou parte dele.

Assim, o reflexo de preensão do recém­nascido é um fechar­se

da mão; já o movimento de preensão da criança de cinco meses

é uma acção dirigida para preensão de um objecto. A acção humana, diz Erwin 
Straus, não é uma reacção mas um projecto.

Os processos que estão na base da acção podem dividir­se em cognitivos e 
afectivos. Entendem­se por processos «cognitivos» todos os que servem à 
apreensão objectiva do mundo exterior ­desde as sensações até ao pensamento, 
passando pelas percepções, memória e aprendizagem. Processos «afectivos», pelo 
contrário, são os sentimentos ou emoções, pelos quais o indivíduo reage à 
influência do mundo que o rodeia e que levam ou «motivam» o indivíduo a 
determinadas acções.
A experimentação na Psicologia Científica

No início da moderna Psicologia Científica, a investigação ocupava­se quase 
exclusivamente do estudo das sensações e da memória, pois eram estas as mais 
acessíveis à experimentação. Distinguindo­se das descrições subjectivamente 
fundadas da Psicologia pré­científica, a Psicologia científica orgulhava­se de 
tornar os fenómenos psíquicos acessíveis à experimentação medidora, enumeradora 
e quantificadora, do mesmo modo que as

ciências da natureza o haviam feito com os fenómenos materiais, provando ser a 
experimentação o único método de confiança para a obtenção de conhecimentos 
objectivos. Aliás pôs­se a

questão, levantada, como expusemos na introdução histórica, por parte do grupo 
dos psicólogos das ciências do espírito ou

da compreensão, se com a experimentação não se perderiam a

individualidade e o sentido próprio do fenómeno, os quais caracterizam 
essencialmente o psíquico.

É que justamente o decisivo na experimentação é o facto de nela terem de ser 
repetíveis fenómenos artificialmente produzidos. Exclui portanto, de acordo com 
a sua natureza, o único

e o particular. o sentido contido na minha vida e a profundidade da vivência que 
uma sinfonia de Beethoven me proporciona não podem ser nem medidos nem contados.

Mas o reconhecimento destes factos não exclui que se submetam à experimentação 
determinados fenómenos psíquicos mais simples. Embora o «calor» ou a «frieza» 
com que uma mãe trata o seu filho não sejam investigáveis nem qualificáveis 
experimentalmente, contudo, através de perguntas e observações de conduta 
estandardizadas, abriram­se caminhos para obter um acesso

indirecto à vida interior dessa mulher. A Psicologia clínica e a

da personalidade desenvolveram hoje métodos que nos elucidam indirectamente 
acerca do papel que um filho representa na vida da sua mãe, que felicidade ou 
que carga ele significa para ela.

A experimentação psicológica moderna, que evidentemente não pode ser realizada 
em todos os campos da vida psíquica à imagem da experimentação usada nas 
ciências naturais, exerceu contudo uma influência enorme sobre esta ciência na 
medida em que impôs à psicologia a regra fundamental de encontrar métodos de 
investigação objectivos.

Embora seja nosso propósito nesta obra tratar em primeira linha as condições 
psicológicas que se revelaram de importância fundamental para a compreensão do 
nosso próprio Eu e da nossa vida, não há dúvida que cabem aqui também algumas 
considerações acerca daquele grande ramo de investigação que nos
proporcionou, em investigações dignas de admiração, os mais exactos 
conhecimentos acerca da regularidade dos fenómenos psíquicos básicos. Se não 
atendêssemos a este fundamento da Psicologia, obteríamos uma imagem bastante 
incompleta do todo. Contudo aconselhamos o leitor menos científica e mais 
pessoalmente interessado a saltar este capítulo e a iniciar a leitura com o 
seguinte, porque a matéria desta investigação experimental da «aparelhagem» 
psicológica talvez lhe pareça um pouco seca. Quem contudo tiver o interesse de 
aprofundar os factos imensamente importantes descobertos pela moderna Psicologia 
experimental, acerca do cérebro e sentidos, percepção e aprendizagem, pensamento 
e emoções, acerca do consciente e inconsciente, tirará desta leitura proveito 
para o seu conhecimento e compreensão.

2. O CÉREBRO E O SISTEMA NERVOSO

O cérebro é o órgão central

O cérebro e o sistema nervoso constituem a base de todos os fenómenos psíquicos. 
É­ através de estímulos nervosos que tomamos conhecimento dos fenómenos que se 
passam no mundo exterior e no interior do nosso corpo. E é através de fenómenos 
nervosos que estes avisos são transmitidos, valorizados e convertidos em 
reacções.

O órgão central, que regula e dirige estas actividades, é o cérebro. Ele é 
constituído por um sistema de inumeráveis células e fibras montado de maneira 
invulgarmente complicada. De cada célula ­também designada por neurone­ partem 
fibras que produzem a ligação com outras células e grupos de células. Estas 
ligações, que não se dão só dentro do cérebro mas que chegam até aos órgãos dos 
sentidos e até à última fibra muscular, dão­se através de processos de 
excitação. São estes processos electroquímicos que se originam nos neurones.

Foi uma obra meritória, na ciência, quando o psiquiatra de lena, Hans Berger, 
conseguiu, em 1929, medir os fenómenos que se passam no cérebro. Foi baseado 
nesta possibilidade que se

desenvolveu o EEG ­o electroencefalograma­ que se utiliza para o diagnóstico de 
doenças cerebrais.

As excitações decorrem nas diversas regiões do cérebro, em

primeira linha no córtex, na superfície do cérebro. É aqui que se encontram dois 
terços de todos os neurones do cérebro. E a superfície multiplamente entrelaçada 
e sulcada está em relação directa com o número, quase impossível de calcular, 
avaliado
em dez biliões de células; só esta ordenação permite alojar num

espaço mínimo uma tão grande superfície. E apesar disso ­ como

é pequeno o nosso cérebro em comparação com os chamados «cérebros electrónicos», 
aqueles autómatos calculadores que necessitam de 4 mil vezes mais espaço com 
uma capacidade de trabalho menos vasta, embora em campos determinados mais 
elevada. Já só esta comparação de tamanhos nos dá uma indicação marcante acerca 
da diferença entre material orgânico e

anorgânico. É aqui no córtex que é determinada e reflectida a vida psíquica 
consciente; quando apercebemos ou pensamos algo, imaginamos uma coisa ou 
deixamos transcorrer a nossa fantasia, quando sonhamos ­ todos estes fenómenos 
se realizam no córtex.

Outras regiões ­abrangidas pela designação de tronco cerebral­ regulam a tensão 
arterial e a respiração, determinam os nossos sentimentos e afectos, e sobretudo 
também os impulsos vitais (no chamado tálamo), regulam o equilíbrio e o 
movimento muscular, em resumo, tudo que é indispensável para a nossa vida como 
seres vivos.

Como há pouco formulou W. Grey Walter, é o cérebro que nos torna no Homo 
Sapiens, uma vez que nos permite pensar, saber e conhecer de um modo que não é 
acessível a nenhum animal. São justamente os    mecanismos do nosso cérebro que 
permitem reconhecer uma

rigorosa separação fisiológica entre o homem e o animal.

A capacidade de produ­  ondas normais (oscilações grandes e pequenas)

ção do cérebro humano é em parte determinada pelo         Influência pelo abrir 
dos olhos seu peso. O cérebro humano pesa entre 1200 e 1400 gramas pesando o 
cérebro fe­      Correntes de acção a estímulos sensitivos

mínino em geral 50 a 100 gramas menos do que o              Oscilações 
potenciais anormais de um doente

cerebral masculino; mas se relacionarmos o peso do cérebro

Correntes de convulsão na epilepsia com o peso do corpo, então o cérebro 
feminino pesa             ffin~WA~ mais que o do homem. A 
Correntes de convulsão durante um ataque opinião antigamente muito difundida de 
que a inteli­        55 Diversas derivações de correntes ceregência de uma 
pessoa esta­        brais no electroencefalograma. (De M. Idenburg, «Kleine 
Methodik der physikaria em relação directa com            Tischen Therapie und 
Diagnostik»)
­ peso do seu cérebro, é hoje contestada. É certo que em casos extremos, em 
génios ou débeis mentais, se verificaram, respectivamente, pesos especialmente 
elevados e baixos. Mas, como o acentuaram claramente E. Dubois e C. von Economo, 
dois especialistas da vanguarda no campo da investigação cerebral, para * 
capacidade produtora psíquica é responsável em primeira linha * lobo occipital ­ 
e neste por sua vez a diferenciação do córtex * não o cérebro na sua totalidade.

Localizações no cérebro

Está continuamente a pôr­se a questão, se no cérebro existem determinados 
centros para determinadas capacidades. A ideia de que se podem localizar 
«capacidades» no cérebro encontra­se pela primeira vez em Franz Joseph GaIl, no 
século dezoito. Gall afirmava poder localizar no cérebro, com o auxílio da 
frenologia, como ele designava a sua doutrina, por exemplo determinados dotes ou 
particularidades de carácter, e, conforme

a sua situação no cérebro, interpretá­las através da configuração do crânio.

Conta­se uma divertida anedota relacionada com a sua actividade diagnóstica:

Mandado chamar por Frederico, o Grande, Gall foi conduzido diante de uma mesa 
redonda que se havia reunido junto do rei, e foi convidado a testemunhar ali 
mesmo acerca do valor da sua doutrina. Gall apalpou portanto o crânio de todos 
os presentes para assim poder apreender as qualidades de carácter específicas de 
cada um. Após terminar o seu trabalho, Gall revelou o resultado, com o qual ele 
próprio se assustou: ele estava decerto entre um grupo de grandes criminosos! A 
qualidade principal que pudera determinar em todos estes homens fora o impulso 
de destruição. Houve uma risada geral, pois tratava­se do grupo de generais que 
costumava reunir­se junto do rei. «Impulso destruidor» tinha dito Gall. Teria 
ele designado um

pouco crassamente certas particularidades que aparecem em todos os militares?

É certo que Gall se enganava quando supunha que se pudessem localizar 
«capacidades psíquicas» em determinadas zonas do cérebro, mas havia algo de 
exacto na sua ideia de que existe uma certa relação entre determinados processos 
psíquicos e

certas regiões do cérebro. Assim, existem na realidade modernamente mapas do 
cérebro. Reproduzimos na página 85 um

mapa do hemisfério cerebral esquerdo considerado um dos mais modernos ­o de Karl 
Kleist.
56 Como Gall imaginava no crânio os «campos de carácter». (Segundo Rohracher)

Se observarmos o mapa do cérebro, de Kleist, a primeira impressão é que ele nos 
apresenta ainda muito mais localizações do que outrora Gall determinou no 
cérebro. Isso é verdade. Mas o que é decisivo é que na actual teoria das 
localizações já não se trata de «capacidades» mas de processos. A teoria moderna 
parte de funções psíquicas que faltaram ou ficaram diminuídas, por exemplo em 
determinadas lesões cerebrais; pois a destruição de determinados centros 
cerebrais pode levar a perturbações ou

carências psíquicas estritamente caracterizadas.

Mas isto não quer forçosamente dizer que sejam apenas as

células cerebrais que determinam a conduta psíquica ou que possamos realizar 
uma cisão absolutamente clara, e encontrar no cérebro, lado a lado, os diversos 
grupos de funções. Trata­se antes dum fenómeno de hierarquia: para determinadas 
funções psíquicas, algumas funções do cérebro são mais importantes do que 
outras, e por vezes tão importantes, que a sua carência leva a função psíquica 
a sucumbir. E é por isso que Hubert Rohracher formula: «Um centro cerebral é um 
sistema de células cuja produção de estímulo é indispensável para a formação de 
uma determinada função corpórca ou psíquica,»
ver . ti&””, mt” hINILI

57 Localizações de funções no córtex cerebral, hemisfério esquerdo. (Segundo K. 
Kleist)

Perturbações orgânicas do cérebro

Quando estão destruídas determinadas partes do lobo occipital do cérebro, não se 
realizam já as sensações visuais, e a pessoa fica cega, embora os seus globos 
oculares se encontrem perfeitos («cegueira cortical»), Com a destruição de 
outras partes do córtex, perde­se a capacidade de reconhecer os objectos 
apercebidos («agnosia»).

Mas há também perturbações das funções corpóreas ou

psíquicas, provenientes de lesões orgânicas cerebrais, que com o decorrer do 
tempo desaparecem, não devido à cura dos centros cerebrais respectivos, mas por 
transferência das funções para outras células, que anteriormente tinham outras 
atribuições, por vezes até muito secundárias. Pode até suceder que então entrem 
em actividade partes do cérebro que anteriormente não tinham nenhuma função a 
desempenhar. Esta plasticidade do cérebro é de enorme importância. Ela prova que 
a função cerebral está, essencialmente, ordenada num todo, como se costuma 
dizer. Existem constelações de estímulos com características de comando e que 
governam os estímulos específicos isolados;
estas totalidades adaptam­se de modo adequado às exigências que são impostas ao 
organismo pelo mundo exterior.

O cérebro como sistema reticular

Estes factos dão­nos a imagem de um sistema reticular assaz complicado e 
entrelaçado de relações no cérebro, que constituem o resultado de todas as 
nossas experiências, e nos permitem aspirar a novas metas e adaptar­nos a novas 
exigências. É a organização, a estrutura no cérebro que caracterizam então a 
especificidade em cada caso. Se perguntamos pela estrutura, pelo modo de 
interligação, podemos também perguntar: como se «realizam as conexões»?

A ciência da cibernética

Com ­esta expressão, «realizar conexões», já estamos dentro do campo da 
cibernética (derivado da palavra grega kybernétes, o piloto). Esta ciência 
inteiramente nova, que foi desenvolvida especialmente por Norbert Wiener, 
investiga os fenómenos de regulação e comando (as «conexões») nos seres vivos e 
seus órgãos, assim como em sistemas técnicos. A teoria da informação, igualmente 
um ramo de investigação muito recente, trabalha lado a lado com a cibernética na 
descoberta das regularidades na transmissão de «mensagens» de toda a espécie 
­quer se

trate, por exemplo, de um impulso nervoso quer de um código de telegrama. E foi 
a partir dos conhecimentos da cibernética e da teoria da informação que se 
constituíram as célebres e gigantescas máquinas calculadoras electrónicas, cuja 
designação popular de «cérebros electrónicos», pelo menos em parte, não é 
errada.

Os gestaltistas haviam já anteriormente desenvolvido ideias parecidas com as dos 
cibernéticos e defensores da teoria da informação ­embora sem utilizar 
princípios e modelos **mater^Iticos tão rigorosos. Foi sobretudo Wolfgang Kõhler 
que viu “   ao fenómeno psíquico ordenado e cheio de sentido corresponde um 
fenómeno de fisiologia cerebral ordenada de modo semelhante. A expressão 
configuração ou estrutura designa a ordem integral que Kõhler atribuía ao 
decurso dos processos tanto físicos como psíquicos no organismo.

Ew perturbações da actividade cerebral provenientes de lesões causadas no 
cérebro, revelam­se então também especialmente os prejuízos sofridos por estes 
processos de ordenação.
Os lesados cerebrais de Kurt Goldstein e a reacção de catástrofe

Tornaram­se célebres as investigações de Kurt Goldstein feitas com soldados da 
primeira guerra mundial, lesados no

cérebro; através delas se chegou pela primeira vez a compreender claramente esse 
fenómeno.

O que acontece quando um lesado cerebral é colocado perante uma tarefa, por 
exemplo, somar quatro com três? Goldstein descreve como o paciente dobrava 
sucessivamente os dedos e contava em voz alta «], 2, 3, 4» e depois ainda «l, 2, 
3»; e depois de ter dobrado todos os dedos contava a fila completa «l, 2,
3, 4, 5, 6, 7» e por fim dizia: «Quatro e três são sete». Mas se lhe perguntavam 
se sete seria mais do que quatro, ele não sabia responder.

O que se passou aqui? Este lesado cerebral perdeu a faculdade do pensamento 
abstracto, já não pode ­neste caso utilizar o conceito da pluralidade. Pode 
apenas contar concretamente pelos dedos.

Mas se insistirmos com ele e dissermos que ele tem de ser

capaz de resolver também a segunda tarefa, pode acontecer que o paciente se 
excite extraordinariamente e perca todo o autodomínio. Esta conduta foi 
denominada por Goldstein reacção de catástrofe. A reacção de catástrofe ­hoje um 
dos conceitos fundamentais @este campo­ aplica­se pelo facto de o paciente 
viver, como um perigo de morte, a sua incapacidade de resolver as tarefas. Não 
se sente à altura da situação e a sua impotência leva­o ao desespero.

O lesado cerebral só se pode manter até certo ponto devido ao facto de procurar 
evitar sempre que possível tais situações críticas. E para consegui­lo procede 
tentando fugir a todas as complicações e limitando­se a situações quanto 
possível simples. Pois só assim ele consegue, pelo menos até certo ponto, manter 
aquela ordem interna vital, cuja enorme perturbação é provocada pelo defeito 
cerebral.

Goldstein dá mais exemplos impressionantes. Assim, um

lesado cerebral que faz pequenos serviços num escritório, ordena todos os dias, 
meticulosamente e sempre do mesmo modo as suas coisas sobre a secretária, antes 
de poder começar a trabalhar.

Goldstein fez a seguinte experiência com um paciente que examinara: colocou 
diante dele uma folha de papel e, sobre esta, mas obliquamente, um lápis. O 
paciente agarrou no lápis e colocou­o exactamente paralelo à folha de papel, 
depois de ter colocado também a folha de papel paralelamente à borda
da mesa. Goldstein agarrou então no lápis e voltou a colocá­lo obliquamente 
sobre o papel. O paciente pegou nele e voltou a colocá­lo direito. E este 
procedimento repetiu­se por várias vezes.

O paciente faz aqui tudo para estabelecer uma ordem que possa abranger. O lápis 
oblíquo torna a situação demasiado complicada e a desordem ou confusão por esse 
facto provocada produz no lesado cerebral medo, que pode aumentar até ao

pânico. O que ele pretende é operar dentro de uma situação simples, que ele 
possa dominar. Goldstein verifica que desejos destes têm como base a tendência 
para funcionar optimamente e realizar tarefas óptimas.

Das investigações clássicas de Goldstein torna­se bem visível que as lesões 
cerebrais provocam, por um lado, defeitos específicos, como por exemplo carência 
de reflexos ou de determinadas funções, quiçá do pensamento abstracto; mas que 
também provocam, por outro lado, perturbações globais da ordem e

da faculdade de dominar a vida.

Crianças com lesões cerebrais

A compreensão destes fenómenos é especialmente importante para aqueles pais que 
têm filhos com lesões cerebrais, assim como para os professores destas crianças.

Não é raro enviarem­nos, a nós, psicólogos, crianças em idade escolar, 
justamente devido a serem irrequietas, ou à sua incapacidade de se concentrarem 
ou, por exemplo, de resolverem certos problemas complicados. A maioria destes 
casos tem causas puramente psicológicas. Mas numa minoria estes casos têm a sua 
origem em formas benignas de lesões cerebrais que se adquiriram durante o 
nascimento ou no decurso de uma grave constipação ou de outras doenças que 
atacam o cérebro, particularmente no primeiro ano de vida. O EEG (Vide pág. 83) 
acusa

normalmente estas perturbações cerebrais, e o médico prático neste domínio pode 
ordenar a terapia adequada ao caso, e dar conselhos para um tratamento 
psicoterapêutico e pedagógico.

3. OS óRGÃOS DOS SENTIDOS

A capacidade dos nossos sentidos

Floyd Ruch, cujo manual de Psicologia é dos mais lidos, introduz o seu capítulo 
sobre as funções dos sentidos com as seguintes observações: na rotina do dia­a­
dia utilizamos continuamente os nossos órgãos dos sentidos ­de tal maneira que
nem nos lembramos de nos deter um momento para admirar a capacidade tão 
extraordinária dos nossos sentidos. Os nossos olhos, por exemplo, podem 
aperceber­se, em condições atmosféricas favoráveis, do luzir de um fósforo a uma 
distância de trinta quilómetros. Ou podem ver um arame que seja tão fino que o 
seu diâmetro meça apenas quinhentas milésimas de todo o campo visual!

E enquanto estou aqui sentada a escrever isto, ouço através da janela fechada e 
vindo de longe o ladrar de um cão, gozo o

sabor e o aroma do meu cigarro, que me distrai ter entre os dedos; 
simultaneamente noto que a sala está um pouco quente de mais, mas que talvez 
justamente por isso chegue até junto de mim o aroma do pinheiro de Natal acabado 
de cortar que se encontra na outra extremidade da sala. E por um momento 
detenho­me e recordo um dia de Natal em Viena, quando a

neve batia de encontro à janela.

Tudo isto e mais coisas ainda podem passar­se simultaneamente, ou no decurso de 
poucos segundos ou minutos nos órgãos sensitivos ou na memória, enquanto os 
pensamentos estão ocupados com uma matéria totalmente diferente.

58 O globo ocular funciona como um aparelho fotográfico: ambos têm um 
«diafragma» regulável conforme a intensidade luminosa (no olho é a íris), ambos 
têm uma lente, ambos uma câmara sensível à luz que «capta» a imagem: no olho é a 
retina, na máquina fotográfica é o filme. (Segundo

Ruch, Psychology and Life, 1958)
Existem muito mais do que cinco sentidos

Ao lado dos cinco sentidos que eu acabo de descrever em acção simultânea, 
distingue­se hoje ainda uma série de muitos outros, sem que se estabeleça um 
número exacto. Existem sensações de dor, de pressão, de movimento, de 
modificações estáticas, cenestésicas e outras mais e para todos estes estímulos 
há um receptor.

Dos nossos sentidos, o da visão é, dum modo geral, considerado como mais 
importante. O globo ocular, que funciona como

uma máquina fotográfica, apercebe­se, com uma acuidade visual que varia de 
indivíduo para indivíduo, da forma e cor dos objectos.
O ouvido distingue a altura, intensidade e timbre, no que também se verificam 
muitas diferenças individuais. Estas são grandes também no que respeita à 
receptividade dos estímulos dos órgãos do olfacto e do gosto, assim como dos 
restantes sentidos.

Peter Hofstãtter, no seu pequeno e interessante Dicionário de Psicologia, dá­nos 
uma tabela resumida dos estímulos dos sentidos e das reacções que lhe 
correspondem, e que reproduzimos a seguir.

Para um estudo mais detalhado do campo das capacidades sensitivas, tão 
intensivamente estudado, indicamos o livrinho de Hofstãtter, em que ele expõe 
claramente este assunto.

ESTIMULO

RECEPTOR

S E N S A Ç A O

SIGN@FICAÇÃO

POSSíVEL

Ondas electromagnéticas (Comp :5 10­5 cm)

Ondas electromagnéticas ]o­ s­ 10­4 CM

Retina
Cores, claridade

Objectos pessoais

Ondas electromagnéticas

10­4­10­2 CM

Células da pele

Calor, frio

Fogo, gelo

Vibrações mecânicas
20­20 000 Hz

Ouvido interno:

caracol

Altura do som, intensidade,  timbres e ruídos

Vozes, instrumentos

musicais

Pressão

Células da pele

Tacto

Metais e tecidos

Movimentos da cabeça

Ouvido interno:

aparelho vestibular

Equilíbrio
Queda, oscilação

Produtos químicos em

solução aquosa

Células gustativas

Doce, azedo, amargo,

salgado

Comidas

Produtos quínicos   em

estado gasoso

Células olfactivas

Odores

Flores

Modificações químicas e

mecânicas de estado do ambiente interno

Células nos órgãos internos

Pressão, tensão

Fome, sede

Altas somas de energia

de toda a espécie

Terminações    nervosas

livres

Dor
Feridas, doenças

Estímulos sensitivos e reacções correspondentes. (De Hofstãtter, Psychologie, 
Fischerlexikon, 1957)
4. AS PERCEPÇõES

O que é uma percepção?

O que é uma percepção em comparação com uma sensação? A seguinte experiência 
esclarecerá a diferença.

Diante da observadora (trata­se de experiências realizadas no Instituto de 
Psicologia de Viena, por O. Rubinow e L. Frank1) encontra­se uma criança de dois 
meses que retribui o sorriso da senhora, com um sorriso. Agora a observadora 
segura um

biberão com leite a alguma distância dos olhos de Pepi. Embora o biberão se 
encontre dentro do campo visual de Pepi e ele o fixe, não dá sinal de reconhecê­
lo. Só quando a observadora agarrar em Pepi e o puser no colo do modo habitual, 
ele começará a mamar, ainda antes de ela colocar o biberão dentro do seu campo 
visual.

Mas dois ou três meses mais tarde tudo é completamente diferente. Agora Pepi já 
começa a mamar vivamente quando o

seu olhar incide sobre a ponta da tetina do biberão mantido a alguma distância 
dele. Agora a criança reconheceu o biberão como objecto.

É certo que ainda são necessários determinados sinais característicos, como a 
ponta da tetina, para levar Pepi a reagir. Ele não mama se lhe mostrarmos um 
balão cheio de leite. Só alguns meses mais tarde é que ele reconhece o seu 
alimento também em recipientes que sejam diferentes do biberão habitual, quer na 
forma quer na cor. Ele apreende a pouco e pouco toda a situação.

Desta descrição de experiências para a investigação das primeiras vivências de 
objectos resulta uma série de factos.

O bebé de dois meses vê, ouve, saboreia e cheira, tem sensações de tacto e de 
dor e de muita coisa mais. Mas não se apercebe ainda do objecto como todo. 
Quando começa a aperceber­se dele, inicialmente apenas se apercebe de 
determinadas características de configuração, como o bico ou o facto de ser 
redondo. Identifica o objecto através de características por vezes

de pouca importância. Só a pouco e pouco separa a apreensão do objecto 
«recipiente de alimento» dos diversos dados acidentais. Apreende o objecto no 
todo da situação que alude à mamada que se segue.
Por percepção designamos, pois, um fenómeno complexo, através do qual o mundo 
exterior é apreendido e interpretado como sendo ordenado em totalidades. 
Estímulos presentes assim como experiências do passado são integrados e 
elaborados na visão de conjunto.
A evolução da constância do objecto

O processo da evolução da percepção, como é fácil de compreender,   prolonga­se 
através de anos, uma vez que se tem de apreender    inúmeras 
características    e incluí­Ias pouco a pouco

na percepção. Ilustraremos Idade                      isto com um exemplo duma
2   4   6   8  10   12 14 16 18     E, E,
100                 . . . . . . .­            fase um pouco mais tardia.

Pepi tem agora três Tema

anos e vai passear com o pai. Passeiam por uma lon­
8                                             ga alameda composta de

álamos. «Paizinho», diz Pepi
70                                            e indica com o dedo para

longe, «porque é que lá londres são tão pequeo­ 
ge as arvo

nas?» O pai compreende que o seu filho ainda não so

aprendeu a ter em conta a diminuição de perspectiva à
40 ­                                          distância e vai agora tentar

F                                          explicar­lha.
30                                                 Mas apesar desta explicação 
ainda levará alguns
20

anos até que a criança possa interpretar      correctamente gura

as sensações,    com todos os factores que    nelas influem, i 4­        isto é, 
as interprete de acor­
2   4   6   8   10 12  14   16  18  E, E,   do com a situação objectiva.

Idade

Coisas que mais tarde nos
59  Só   gradualmente  aprendemos     a~ in­  parecem evidentes ­por terpretar 
correctamente as sensações. As três curvas mostrara que os chama­ 
exemplo, que a luz e a som dos factores de constância, portanto a        bra, a 
situação e a distância apreensão da constância de tamanho, cor e figura, só 
atingem o ponto maxi­        não nos impedem essencial mo da sua evolução na 
idade entre        os   mente de reconhecer cores dez e os catorze anos. 
(Segundo Egon

Brunswik e Sylvia Klimpfinger)            e formas e de calcular tamanhos­ tais 
coisas só se aprendem lentamente. Egon Brunswik e Sylvia Klimpfinger verificaram 
que estes factores de constância, como são designados, portanto a apreensão da 
constância de tamanho, cor, forma, só chegam ao ponto máximo da sua evolução 
entre os 10 e os 14 anos.

O espaço, o tempo e o movimento são incluídos, no decorrer da infância, na 
experiência e gradualmente tidos na devida
conta. A capacidade receptiva, a memória e a inteligência desempenham aqui um 
papel e também as motivações não deixam de ter influência sobre o modo como nos 
apercebemos do mundo exterior.

Ilusões ópticas

Aliás, apesar da nossa grande capacidade de tomar em devida conta todos os 
factores acima mencionados, as percepções estão sujeitas até certo grau a 
determinadas ilusões. Estas desempenharam um papel importante na investigação 
psicológica, porque se prestavam especialmente para nos elucidar sobre o 
significati o factor da configuração.

Entre as ilusões ópticas é especialmente conhecida a chamada ilusão de MüIler­
Lyer, que se pode considerar como um dos exemplos clássicos primeiramente 
descobertos.

As duas linhas têm igual comprimento, embora devido à posição das setas uma 
pareça bastante mais longa.

No segundo exemplo, o círculo do centro parece muito maior quando está no meio 
de círculos pequenos do que quando está rodeado por círculos maiores. Mas na 
realidade nos dois casos o círculo do centro tem o mesmo tamanho.

000
O,00

000

60­61 Dois exemplos clássicos de ilusão óptica: a linha da esquerda, que parece 
mais longa, tem o mesmo comprimento que a da direita, e o círculo rodeado por 
círculos mais pequenos é do mesmo tamanho que o círculo aparentemente mais 
pequeno que está rodeado de cinco círculos grandes

O fenómeno das ilusões ópticas ganhou uma nova perspectiva através das 
observações dos gestaltistas, a cujas investigações nos vamos dedicar agora mais 
detalhadamente.

O princípio da configuração

O princípio descoberto por Christian von Ehrenfels, e a que chamou das 
qualidades de configuração, afirmava inicialmente que nas nossas percepções o 
mundo não é apreendido como
uma soma de impressões isoladas, mas sim em totalidades ordenadas. Uma melodia, 
diz Ehrenfels, é mais do que a soma dos sons
por que é constituída. Ela tem uma configuração. Devido a este facto, isto é, 
por representar um todo formal, pode ser transposta.

A ideia contida nestas afirmações tem uma longa história dentro da Filosofia. 
Assim, lemos já em Platão, Aristóteles e Laotse que o todo é anterior às partes, 
e que é mais do que a soma das partes. Também muitas vezes se cita Goethe a 
respeito destas ideias.

As investigações sobre o princípio da configuração, realizadas de modo intensivo 
especialmente por psicólogos alemães, dispersam­se por muitas orientações e, 
como Hofstãtter notou acertadamente, é a ideia de totalidade o único elo que na 
realidade une as diversas escolas. O seu pequeno volume «Psicologia», por nós já 
citado, elucida rapidamente os interessados acerca de todos os nomes importantes 
e de muitos factos interessantes dentro deste campo. Se aqui nos limitamos a 
referir alguns poucos, como especialmente W. Kõhler, M. Wertheimer, K. Goldstein 
e K. Lewin, isto não significa que se dê menos importância ao significado de 
muitos outros.

A nossa obra não se destina a uma exposição pormenorizada de factos como tais, 
mas a nossa selecção usa a descrição apenas na medida em que esta nos parece 
apropriada à compreensão psicológica do nosso próprio Eu. E é sob este ponto de 
vista que vamos mencionar algumas experiências e observações, que permitem ver 
ffitidamente o modo como funcionam as nossas percepções.

A reacção de forma e fundo e as figuras reversíveis

A chamada relação forma­fundo constitui uma das mais importantes observações. 
Isto é, a percepção actua com o material óptico de tal modo que relega uma parte 
determinada dele como

62­64 Assim como se pode «voltar» o «cubo de Necker», no meio, também as outras 
duas figuras se podem «voltar»: o caderno à esquerda pode ser visto aberto ou 
então de lombada, e a escada pode ver­se como se subisse da direita para a 
esquerda, mas também como se estivesse de cabeça para baixo
65­67 Uma mulher jovem ou uma sogra? Nem todos conseguirão à primeira vista 
fazer «saltar» a figura. As duas imagens abaixo servem para facilitar a 
«dissolução» da imagem (Segundo Krech

e Crutchfield)

fundo para segundo plano, enquanto que vê outra parte qualquer como figura em

primeiro plano, destacando­a do fundo.

Assim, por exemplo, ao observarmos o nosso tabuleiro de xadrez podemo­nos 
concentrar nos nossos próprios quadrados brancos e vê­los como figura sobre o 
fundo dos pretos, ou vice­versa. Depois, no decorrer do jogo, podemos distinguir 
certas constelações, como seja a relação em que se encontra a nossa rainha com o 
que a

rodeia, destacando­a como figura do fundo do restante fenómeno. E assim sentimo­
nos,

com o nosso parceiro, destacados do fundo da sala, que abandonamos 
desapercebidamente, etc. A relação forma­fundo é representada activa e 
continuamente por nós nas nossas vivências. Ela é talvez, como o supõe por 
exemplo K. Goldstein, o mais importante princípio de ordem no campo da 
percepção.

Como consequência do facto de a nossa

percepção ser extraordinariamente flexível, a figura e o fundo podem alternar­se 
constantemente. Isto   revela­se de um modo especialmente drástico nas chamadas 
figuras reversíveis. Um exemplo clássico de uma figura reversível é o chamado 
cubo de Necker, que vemos aqui, cujas paredes da frente e de trás podem «mudar» 
(fig.
63). Um exemplo mais complicado é a

figura «esposa ou sogra?» (fig. 65). Quem conseguir fazer mudar a figura ­ne

todos o conseguem­ pode ver na cabeça de mulher ou uma jovem com um pequeno 
nariz e um véu, olhando para o lado direito,

ou uma velha, com um grande nariz e um lenço na cabeça, olhando para a esquerda.

65 Figura reversível
66 Mulher jovem

67 Sogra
68­70 Como uma mosca (no meio) e um caracol (à direita) vêem a imagem duma rua. 
(De J. v. Ucxki111, Atlas zur Bestiramung der Orte in den Sehrãumen der Ticre)

A flexibilidade e perfeição da nossa percepção não se encontram de maneira 
nenhuma em todos os animais. As fig. 69, 70 mostram como uma mosca e um caracol 
vêem o mundo, segundo a opinião do zoopsicólogo J. von UexküIl. Em compensação, 
alguns animais têm percepções que nos são estranhas: os morcegos, por exemplo, 
ouvem sons que para nós estão dentro do campo do ultra­som, as abelhas vêem o 
ultravioleta para nós invisível, e alguns peixes conseguem aperceber­se de 
modificações do campo eléctrico para a sua orientação no espaço.

A nossa percepção é criadora pela sua flexibilidade. Inclinando­se para a 
pregnância, ela tem tendência para modificar a visão de figuras incompletas em 
«boas», figuras não fechadas em fechadas. Assim, não vemos o céu apenas semeado 
de estrelas, mas

reunimos grupos de estrelas formando figuras de «constelações».

Tal como pela primeira vez mostrou M. Wertheimer, nós também somos capazes de 
ver movimentos em determinados fenómenos de percepção. Movimentos aparentes 
estroboscópicos, como ele lhes chamou, são interpretados como fenómenos ópticos 
que se seguem rapidamente. Esta possibilidade tornou­se a base do filme: imagens 
isoladas projectadas rapidamente umas a

seguir às outras, são por nós vistas como uma cena movimentada de um filme.

A apreensão global e a aprendizagem mecânica

Totalidades são mais facilmente retidas na memória do que pormenores. Este facto 
é tomado em consideração na Pedagogia
de hoje, tanto na aprendizagem da leitura

como na aprendizagem de cor e na aprendizagem de línguas.

Aliás, além do valor de  retenção do todo, desempenha ainda aí um papel um outro 
factor, que é o sentido. Se se aprende uma poesia mais facilmente depois de a 
ter ouvi­do e compreendido como todo, é porque aqui actuam conjuntamente os 
factores de forma e sentido. O sentido, que consiste na apreensão de relações, é 
um

fenómeno do pensamento e como tal nos ocuparemos dele um

pouco mais adiante.

A aprendizagem puramente mecânica, em que se fixa uma

palavra após outra, utiliza outro princípio, isto é, a associação. Por 
associação entende­se a formação de relações entre dados apreendidos 
simultaneamente ou sucessivamente, sejam eles estímulos simples ou dados 
complexos, como por exemplo o são as ideias. Nos inícios da Psicologia 
científica pretendia­se explicar toda a aprendizagem e todo o pensamento através 
de fenómenos de associação. As escolas psicológicas mais modernas atribuem 
contudo às associações um significado bastante mais reduzido, ou, como a 
Psicologia gestaltista, opõem­se mesmo à psicologia da associação.

O completamento da vivência, para o qual tendem as nossas

percepções, é um princípio geral da nossa vida psíquica, que as

inclui. Isto foi mostrado por Kurt Lewin e a sua escola em experiências 
(baseadas na Psicologia gestaltista), que investigam a

acção. Segundo Lewin, a aprendizagem é um fenómeno psíquico de mutação. quando 
mesmo uma pequena parte do campo psicológico é alargada pela aprendizagem de 
uma nova opinião ou

de uma nova prática, então não se modifica só o campo específico de reacção, mas 
há uma mudança de organização da estrutura de todo o campo vital. Através desta 
espécie de elaboração interior, Lewin explica importantes vivências de mutação, 
por exemplo conversões religiosas ou reconhecimentos profundos de um doente 
durante a Psicoterapia.
O princípio básico é que todos os elementos componentes do sistema da 
personalidade estão funcionalmente de tal maneira interligados, que modificações 
num campo específico mobilizam mutações em regiões vizinhas sem que se tenham de 
realizai novas experiências ou acções. Dos discípulos de Lewin temos diversos 
trabalhos sobre funções dinâmicas de dependência entre os componentes do sistema 
da personalidade.

A experiência realizada pela psicóloga Zeigarnik, a qual faz parte daquele 
círculo, considera­se hoje como clássica:

As pessoas que serviram para a experiência tinham de executar num dia uma série 
de pequenas acções, das quais uma

parte foi terminada, mas das quais outra parte estava de tal maneira planeada 
que não podia ser acabada nesse dia. Mais tarde foram interrogadas acerca 
daquilo que haviam feito para se verificar o que tinham retido. O resultado foi 
que as acções não terminadas tinham sido retidas 50 % melhor do que as 
terminadas. A participação dinâmica, o «ainda não resolvido» actuou muito mais 
intensivamente sobre a actividade de fixação da memória.

A tendência para o completamento da acção, que se revela no resultado desta 
experiência, indica­nos um princípio fundamental do actuar humano que actua 
tanto nas percepções como na memória, isto é, o princípio que nos faz levar ao 
fim as tarefas. É um princípio geral que mais tarde veremos actuar no decurso da 
vida tomado como um todo.

5. MEMóRIA E APRENDIZAGEM

O que é a memória?

Designa­se por memória a capacidade do organismo humano e animal de permitir 
que não desapareçam totalmente as vivoncias, mas de reter vestígios delas. «A 
experiência», diz Hubert Rohracher na sua Introdução à Psicologia», escrita de 
modo tão claro, «consiste sempre no efeito consecutivo de vivências passadas» . 
Estes efeitos consecutivos, que também se designam por retenção, vêm de novo à 
consciência como ideias, quando recordamos.

Esquecimento é a perda de recordações. Certos psicólogos negam que haja um 
esquecer absoluto. Muitos factos, aparentemente esquecidos, não estão no fundo 
esquecidos, mas, como o

demonstrou a Psicanálise, apenas «recalcados», isto é, esquecidos 
intencionalmente para não deixar aparecer sensações desagradáveis que com eles 
estão relacionadas.
A nossa memória tem, além da capacidade de retenção, ainda a da aprendizagem. 
Esta capacidade, talvez a mais importante dos animais e dos homens, consiste 
numa modificação da conduta, que se realiza com base no êxito ou no malogro.

Já na segunda mamada um recém­nascido modifica um

pouco a sua conduta, e justamente orientando­a para a rejeição de movimentos 
incomodativos, de que se vai libertando cada vez mais nos primeiros dez dias de 
vida (Hetzer­Ripin). Ao fim de dez dias iniciam­se novos movimentos, que lhe são 
úteis.

Embora isso seja discutível, supõe­se contudo como relativamente certo que há 
animais unicelulares que modificam a sua

conduta através da aprendizagem e sob determinadas condições.

Diversos modos de aprendizagem

Designa­se a aprendizagem com base no êxito e malogro também como uma 
aprendizagem por tentativa e erro. Porque e para que se realiza esta 
aprendizagem? Parece representar uma adaptação que é realizada por todos os 
seres vivos, dos mais inferiores aos mais elevados, orientando­se para o modo 
mais seguro ou melhor de obtenção de alimentos, para a satisfação de 
necessidades, afastamento de situações desfavoráveis ou, duma maneira geral, 
para a conservação da vida. Tal como

Thorpe salienta na sua magnífica obra sobre «Aprendizagem e

Instinto nos Animais», nem as percepções nem a aprendizagem são fenómenos 
mecânicos, como se supôs durante muito tempo, mas são finalizadas em relação a 
determinados êxitos.

A tentativa e o erro são um modo de aprendizagem utilizado por homens e animais 
em determinadas situações em que se trate da solução de problemas. Estes 
problemas dizem respeito à conservação da vida.

Além da aprendizagem por tentativa e erro há ainda a aprendizagem mecânica, que 
consiste numa fixação através de repetições. Donde melhor conhecemos este 
processo é da aprendizagem de cor de vocábulos ou números. Contudo também se 
realiza na vida quotidiana do homem, tal como nos animais, em conexão com 
acontecimentos que se repetem continuamente.

Uma terceira forma de aprendizagem é a do chamado reflexo condicionado.
O descobridor do reflexo condicionado é o fisiólogo russo e

premio Nobel Iwan Pawlow (1849­1936), que se dedicou, no fim do século passado, 
a investigações acerca da secreção dos sucos

gástricos. E então descobriu que as glândulas salivares não produzem a sua 
secreção apenas quando o alimento já se encontra
na boca de um cão, mas já antes, quando o cão vê ou fareja a carne. Isto não era 
nada de novo, pois todos que têm um cão

já viram que o animal saliva quando vê carne, e até de nós próprios dizemos que 
«nos cresce água na boca» quando vemos

ou cheiramos um assado apetitoso. Mas nova foi a verificação de PaMow, de que 
também outro qualquer estímulo, que nada tenha a ver com o alimento, provoca 
igualmente a secreção da saliva, e justamente quando apareceu muitas vezes 
concomitantemente com a alimentação. Se, por exemplo, durante algum tempo, 
simultaneamente com cada refeição se acender uma luz vermelha ou se tocar uma 
campainha, após algum tempo a salivação produzir­se­d igualmente, mesmo sem 
alimento nenhum, mas apenas por aparecer a luz vermelha ou por soar uma 
campainha. O reflexo da secreção salivar, que surge automaticamente através do 
estímulo natural ­o alimento­ realiza­se agora através de estímulos não­naturais 
­luz ou som da campainha porque lhe foram repetidas vezes apresentados 
simultaneamente com o estímulo natural. PaMow chamou a tais reflexos «reflexos 
condicionados», em oposição aos reflexos «não­condicionados», portanto inatos e 
provenientes do estímulo natural.

Os reflexos condicionados podem ser determinados objectivamente ­ no nosso 
exemplo pela salivação ­, eles são em certa medida quantitativamente 
mensuráveis. Assim, em experiências posteriores, Pawlow conduziu a saliva 
através de uma fístula e mediu a força do reflexo condicionado pelo número de 
gotas de saliva que eram segregadas devido ao estímulo condicionado.

Mas Pawlow foi ainda mais longe: um cão, que já tinha o reflexo condicionado da 
salivação quando se acendia um sinal luminoso, foi sujeito, simultaneamente com 
o estímulo luminoso, a um estímulo acústico: juntamente com o sinal luminoso 
soava uma campainha. Se isto se repetia algumas vezes, então a saliva começava a 
correr também quando apenas soava a campainha. Pawlow designou este reflexo 
condicionado secundário por reflexo condicionado de segunda ordem.

Desde então realizaram­se milhares de experiências sobre reflexos condicionados 
e verificou­se que quase todos os reflexos naturais podem ser modificados em 
reflexos condicionados. Além disso verificou­se que os reflexos condicionados se 
apagam se não forem «refrescados» ou « reforçados» de tempos a tempos; isto é, 
quando o reflexo condicionado começa a enfraquecer, tem de se oferecer o 
estímulo condicionado não­natural que o

provoca simultaneamente com o estímulo natural, para que o reflexo condicionado 
não seja lentamente «esquecido»,
Todos estes modos de aprendizagem foram estudados em

inúmeras experiências com homens e animais. A aprendizagem é, dentro da 
Psicologia Experimental, talvez o campo em que mais se trabalhou.

Experiências com animais em labirintos

As mais generalizadas foram durante muito tempo as experiências chamadas de 
labirinto.

Consistem em pôr a um animal ­a maior parte das vezes uma ratazana­ o problema 
de encontrar o caminho através de um difícil labirinto. Como recompensa, a 
ratazana encontra alimento no fim do caminho percorrido, após ter solucionado o 
problema. Através de tentativa e erro as ratazanas aprendem a pouco e pouco o 
caminho para chegar à meta tentadora, o

alimento, cada vez mais rapidamente e com mais segurança portanto sem se 
perderem em becos sem saída. Também entram aí outros factores que já 
indicaremos.

71 O labirinto de Sma11, 1901

72 Uma ratazana a fazer tentativas

de aprendizagem no labirinto

Encontramos reproduzido na figura o primeiro labirinto utilizado em 1901 por W. 
S. SmalI, construído segundo o modelo do labirinto de jardim plantado em 1700 no 
Palácio de Hampton Court, perto de Londres.

Teorias da aprendizagem

É enorme o número de teorias da aprendizagem. Ernest Hilgard trata na sua 
magnífica obra nove teorias importantíssimas ­com o resultado de que na 
realidade nenhuma é totalmente satisfatória, nem mesmo nas suas formas mais 
recentes. E assim também não temos uma resposta universalmente aceite
à questão do que se passa realmente na aprendizagem. E como

não há razão para nos perdermos em difíceis discussões teóricas, vamos limitar­
nos a uma curta apresentação de duas das teorias que nos últimos tempos tiveram 
especial influência. Trata­se das teorias de Edward C. Tolman e de Kurt Lewin.

aprendizagem: A teoria de Tolman

Edward Tolman, um dos mais importantes psicólogos americanos dos últimos 
decénios, partiu de dois factos para a sua teoria da aprendizagem. Reconhecera, 
por um lado, que a conduta de seres vivos tem um objectivo, e que os processos 
de aprendizagem não podem ser explicados sem se tomar em devida conta este 
facto. Por outro lado, contudo, queria evitar uma teoria ideológica, isto é, uma 
teoria que explicasse a aprendizagem como

estando ao serviço da finalidade, como Thorpe defendeu (vide p. 101). Tolman 
quer dar­nos uma teoria da conduta totalmente objectiva. E consegue­o 
introduzindo o conceito de marca, ou melhor, de sinal: os seres vivos aprendem a 
reagir a sinais e a orientar­se por sinais.

Assim as ratazanas (os únicos animais que Tolman utiliza como animais de 
experiência) são capazes de vir a aprender, em repetidas tentativas, a chegar a 
uma caixa de comida se se orientarem segundo determinados sinais do caminho do 
labirinto.

Devido à diferença de aptidão, numa experiência, por exemplo, oito ratazanas 
aprendem a encontrar um novo lugar de comida em oito tentativas, enquanto outras 
cinco não conseguem encontrá­lo mesmo depois de 72 tentativas.

Condição prévia para que a ratazana realize todos estes esforços é que esteja 
com fome. Se a fome, isto é, o instinto, que Tolman introduz na sua teoria, é 
excitado, ele põe o animal em «tensão», da qual provém a actividade.

Enquanto as ratazanas estão a procurar e a arranjar novos sinais de caminho, 
mostram uma conduta que nos dá a impressão de estarem a formular hipóteses, isto 
é, suposições sobre o caminho a tomar. Mostram­se aí uns graus preliminares 
daquilo que num grau mais elevado nos aparece mais tarde como conhecimento.

Uma coisa, contudo, é importante: em todas as teorias sobre a aprendizagem das 
ratazanas, começando pelas de Edward Thorndike até às de Hull e Tolman, estão 
introduzidas suposições, como o nota Rohracher, que os investigadores tiraram da 
sua própria experiência interior e que portanto não podem ser deduzidas apenas 
de observações. Hilgard põe outra objecção:
não se pode basear numa psicologia de ratazanas a compreensão da aprendizagem 
humana, em que se escolhem fins e se pretendem alcançar valores.

Animais que sequem preponderantemente os instintos

Aliás, para muitos animais as coisas passam­se de modo totalmente diverso do das 
ratazanas. As aves, por exemplo, como

nos mostrou a moderna etologia ­desde as investigações de Oskar Heinroth e C. O. 
Whitman até às actuais de Nikolaas Tinbergen, Konrad Lorenz e Otto Kochler­ têm 
muito menor capacidade de aprendizagem em muitos dos seus modos de conduta, mas 
são grandemente determinadas pelos seus instintos, que são o objecto principal 
da investigação da etologia ou estudo do comportamento comparado.

O conceito de instinto, como já mencionámos no capítulo anterior, é hoje usado 
com o maior cuidado. Entende­se por instinto formas inatas de conduta, isto é, 
formas de comportamento que não   foram aprendidas, que se seguem imediatamente 
a determinados  estímulos como reacções. Segundo N. Tinbergen,

o instinto é «um organismo nervoso hierarquicamente organizado, que reage a 
determinados impulsos avisadores, disparadores e orientadores, tanto internos 
como externos, e lhes responde com movimentos bem coordenados, tendentes a 
conservar a vida

e a espécie». Quanto mais fortes forem estes instintos, tan73 Gaivota no choco, 
num ninho vazio, enquanto os ovos estão fora. (De

Tinbergen, The Study of Instinct)

to menor é a capacidade de aprendizagem. Daí falar­se de uma «rigidez» ou 
«cegueira» da acção instintiva. Uma das muitas experiências fascinantes que 
Tinbergen relata é a seguinte: uma gaivota pôs os seus ovos no ninho.
O ninho e o lugar onde este se encontra são familiares à gaivota. Se ela voar 
para longe, de certeza que volta a encontrar o ninho e continua a chocar os 
ovos. Mas então tiraram os ovos à gaivota que se afastara por pouco tempo do seu 
ninho e colocaram­nos ao lado deste. Sem notar os ovos, a gaivota sentou­se no 
ninho vazio e continuou a chocar.
O mecanismo disparador (como Lorenz lhe chama) que põe em movimento a actividade 
de chocar, consiste em ver o ninho no sítio habitual, mas não em ver os ovos.

Mas esta ligação instintiva não quer dizer, naturalmente, que nas aves não 
exista também uma aprendizagem e uma adaptação a determinadas situações. Mas o 
instinto desempenha nestes animais na maioria das vezes um papel mais importante 
do que a aprendizagem.

Em todas as investigações modernas acerca da aprendizagem, o comportamento 
humano e animal é encarado em conexão com uma actividade global finalizada.

De todas as teorias da aprendizagem, a mais avançada nesta orientação deve ser a 
de Kurt Le,,vin.

A teoria da aprendizagem de Kurt Lewin

Lewin, no seu pensamento, partiu principalmente da teoria gestaltista, mas foi 
também influenciado pela interpretação dinâmica da motivação, de Freud. 
Simplesmente, a sua «Psicologia Topológica» como lhe chamou, opunha­se 
nitidamente à concepção de Freud, de que toda a motivação provém da infância e

que, devido a uma «compulsão de repetição», leva sempre de novo à infância. 
Lewin diz:

«Só os sentimentos momentaneamente activos do homem influenciam a sua conduta 
momentânea, afirma a Psicologia Topológica. Opondo­se a isso, Freud afirma que 
determinadas experiências têm na criança pequena uma influência directa sobre as 
suas acções como adulto. Esta afirmação psicanalítica pressupõe uma rigidez 
(rigidity) extraordinária da personalidade humana.»

Lewin viu o impulso, necessário para toda a actividade de aprendizagem bem como 
para qualquer outra, na tensão em que entra qualquer indivíduo numa determinada 
situação. Esta situação, o espaço vital momentâneo do indivíduo, é descrito por 
Lewin como um campo, em que se desenvolvem e agem reciprocamente determinadas 
forças. Lewin interpreta a aprendizagem

como uma modificação de finalidade, pela qual se modifica a estrutura do campo. 
As finalidades que nascem no campo têm diferente carácter de atracção, como 
Lewin lhe chama de um modo concreto, e valências diferentes, isto é, 
valorizações que se

modificam durante a aprendizagem.
Assim, para uma criança o forte carácter de atracção de uma finalidade, digamos 
da finalidade de agarrar com a mão
um brinquedo, pode­se modificar pelo facto de a ameaça de um castigo a impedir 
de agarrar o brinquedo. A criança aprende a

dominar­se para evitar o castigo.

Na teoria de Lewin torna­se nítido o papel dinamicamente diferente de recompensa 
e castigo, de êxito e malogro na aprendizagem. A sua fraqueza reside no seu 
carácter meramente descritivo. Obtemos realmente uma visão dos fenómenos mas 
nenhuma explicação mais profunda das relações.

6. INTELIGÊNCIA E PENSAMENTO

O que é inteligência?

Apesar de ser tão corrente este conceito, a definição da inteligência deu 
durante anos ocasião às mais vivas discussões. Os diversos investigadores tinham 
uma opinião diferente acerca

do que era realmente decisivo na inteligência. William Stern e

Edouard Claparède acentuaram já nos inícios da discussão que o decisivo seria a 
capacidade de resolver novas tarefas, de dominar novos problemas. Opondo­se­
lhes, outros investigadores, sobretudo americanos, nessa altura sob a direcção 
de Edward Thorndike, salientaram que o essencial na inteligência era a 
capacidade de aprendizagem como tal: a capacidade de utilizar experiências 
anteriores parecia­lhes ser a característica principal.

Além desta oposição entre a preponderância atribuída à capacidade de resolver 
problemas e à de utilizar experiências, apareceu ainda uma segunda discrepância 
nestas discussões. Esta resultou da questão, se a inteligência é uma capacidade 
geral utilizada em todas as tarefas espirituais ou se consiste na formação de 
capacidades específicas. Charles Spearman, com

ele Charles Burt e outros investigadores ingleses, defenderam a

teoria de um factor geral (designado por g=geral), enquanto o americano 
Thurstone, o representante mais importante da chamada teoria dos factores, 
procurou provar a existência de factores primários independentes uns dos outros 
dentro do procedimento inteligente do homem.

Todos estes pontos de vista se revelaram como importantes e de certo modo têm de 
ser todos considerados. Ao que parece, existe tanto um factor geral, como 
capacidades específicas; existem actos inteligentes baseados na consideração de 
experiências passadas ao lado da capacidade de resolver novos problemas.

Esta capacidade de encontrar soluções originais para novos

problemas é talvez aquilo que deve ser considerado como realização máxima da 
inteligência, embora existam realmente numerosas pessoas muito inteligentes que 
têm grande capacidade de aprendizagem e, contudo, têm menor capacidade para 
realizações originais.

Krech e Crutchfield acentuam no seu manual que não é possível uma definição 
simples da inteligência, porque tanto a capacidade de dominar novos problemas 
como o grau de possibilidade de aprendizagem, e a capacidade de pensar acerca de 
material espiritual complexo e abstracto, parecem constituir elementos 
importantes da inteligência.

Os europeus, ao ajuizarem acerca da inteligência, têm na sua

maioria a tendência de dar a primazia ao pensamento original. Nós preferiríamos 
dizer com Rohracher, numa nova fórmula da definição dada por William Stern: 
«Inteligência é o grau de realização das funções psíquicas na sua cooperação ao 
dominar novas situações.»

É decisivo aqui que a situação seja nova, isto é, que para

a sua solução não estejam à disposição do indivíduo modos de comportamento 
inatos ou aprendidos. Foi neste sentido que Karl Bühler distinguiu a 
inteligência do «instinto» e do «adestramento». Enquanto se puderam verificar em 
muitos animais rudimentos de inteligência no sentido da capacidade de solução de 
problemas, o seu grau mais elevado, o pensamento por palavras, viu­se ser 
específico do homem.

O pensamento como apreensão de sentido

É mérito da chamada escola de Wurzburgo, que se desenvolveu sob a orientação de 
Oswald Külpe durante os dois primeiros decénios do nosso século, ter pela 
primeira vez apreendido e estudado experimentalmente os processos do pensamento.

O pensamento ­até aí explicado por Wundt e pelos seus discípulos segundo o mesmo 
princípio de associações mecânicas, tal como a aprendizagem de sílabas soltas 
(Ebbinghaus) ­ foi então reconhecido como uma apreensão de relações de sentido, 
e esta concepção foi contraposta à anterior, segundo a qual na aprendizagem se 
tratava apenas de relações de factos sem conexões de sentido (como por exemplo 
sucede com números ou vocábulos). Numa obra de ataque que suscitou grande 
celeuma, Karl Bühler, em 1906, opôs­se ao domínio exclusivo de Wundt e ao do 
princípio de associação. Bühler e outros demonstraram por meio de experiências 
que a apreensão e retenção de pensamentos se realiza independentemente das 
imagens utilizadas para a sua representação e das ideias que os fazem lembrar.
Numa das suas experiências, Karl Bühler mandou aprender pares de pensamentos, 
como por exemplo:

O poderio da Imprensa
O instinto gregário do homem

A viagem de Nansen ao Pólo Norte Ousadia e reflexão

Obteve cerca de 90 % de respostas acertadas relativamente â recordação do 
segundo pensamento ao ser repetido o primeiro, apesar da relativa dificuldade do 
material fáctico com que se relacionava o pensamento. A razão para isso está no 
facto de ser mais fácil recordar pensamentos do que factos.

No pensamento, como Bühler demonstrou, as ideias não desempenham nenhum papel ou 
pelo menos nenhum papel decisivo. O pensamento surge, e ao apreender a relação o 
sujeito pensante tem uma vivência que Bühler designou de vivência «­ah». 
Significa um reconhecimento admirado, um conhecimento (Einsicht).

Encontramos uma exposição magnífica dos pormenores dos trabalhos da escola de 
Wurzburgo na obra de George Humphrey, «Thinking». À escola de Wurzburgo cabe o 
mérito de ter quebrado o predomínio da concepção de que a nossa vida psíquica 
era uma actividade puramente mecânica, e de ter chamado a atenção para o 
conceito de sentido.

Além do conceito de sentido e da relação de sentido saiu também desta escola o 
importante conceito de tarefa. O facto de o nosso pensamento e, como podemos 
acrescentar, para além dele, também toda a nossa vida estar perpassada de 
tarefas foi pela primeira vez verificado por Narziss Ach; K. Lewin desenvolveu 
mais tarde esta doutrina.

Enquanto que inicialmente a teoria gestaltista se desenvolveu independentemente 
da psicologia do pensamento e paralelamente a esta, ocupando­se principalmente 
dos fenómenos da percepção, mais tarde deu­se uma fusão de ambas as orientações 
de investigação. Mas, como Rohracher salienta muito bem, esta nunca foi 
examinada claramente.

Os actuais psicólogos gestaltistas são de opinião que o

pensamento é um processo de estruturação e mudança de estruturação dentro de 
grandes totalidades. Mas nesta definição não se tem em conta que a apreensão de 
«sentido» consiste no estabelecimento de novas relações.
As experiências de Kõhler com chimpanzés

As célebres experiências de Wolfgang Kõhler forneceram os

fundamentos à concepção de que o pensamento é um fenómeno de estruturação e 
mudança de estruturação dentro de grandes totalidades.

Enquanto antes de Kõhler se utilizara a experiência com

animais essencialmente para examinar a capacidade de aprendizagem das diversas 
espécies de animais, Kõhler teve a ideia de pôr problemas de pensamento a 
macacos antropóides, e precisamente chimpanzés não adestrados. Kõhler inventou 
um método genial de colocar animais em situações em que tivessem de resolver 
problemas práticos através do pensamento; e pelo facto de trabalhar com 
chimpanzés, eliminava­se o factor da linguagem no processo do pensamento ­os 
chimpanzés não têm linguagem no sentido humano. A finalidade da experiência era

determinar a existência de um possível pensamento técnico.

Tal pensamento pôde então ser realmente verificado. Os mais dotados entre os 
chimpanzés, e de entre eles o primeiro, Sultão, que hoje vale já como 
«personalidade histórica», foram capazes de fabricar instrumentos com os quais 
podiam alcançar objectos a que não conseguiam chegar directamente. Na primeira 
experiência clássica, colocou­se da parte de fora da jaula de Sultão uma banana 
de tal maneira que ele não a pudesse agarrar com as mãos. Na jaula    estava um 
pau. E Sultão teve então a

ideia de utilizar este pau para trazer até junto de si, a banana.

O que acontecera? Sultão tinha visto a desejada banana através das grades da 
jaula e tinha calculado como demasiado grande a distância a que ela estava. 
Então viu o pau. Num esforço espiritual sem dúvida genial viu na sua ideia o pau 
como prolongamento do seu braço ­ como um

instrumento que chegava até à banana.

ste pensamento técnico, processado sem formação conceptual de linguagem, baseia­
se evidentemente numa

74 Uma repetição da famosa experiência de Kõhler: o chimpanzé puxa com um pau 
que estava na jaula a banana que não consegue alcançar com a mão
mudança de estrutura espiritual da situação de percepção dada. Enquanto nessa 
época foi muito discutido se nesta espécie de modificação de estrutura da 
percepção na ideia se tratava de um processo criador ou não, hoje não se pode já 
duvidar de que na realidade aqui se trata de um tal processo. Ele tem o

carácter de um conhecimento (Einsicht), donde se conclui que a solução de 
problemas, uma vez efectuada, não se esquece mais. Isto distingue­o das soluções 
de problemas mecanicamente aprendidas.

Se incluirmos este processo nos fenómenos do pensamento, para mim não há dúvida 
de que a mudança de estruturação perceptiva baseada em ideias é algo de 
diferente de o apreender de sentido, fundado na linguagem. T@sta foi tamb.­m a 
opinião de K. Bühler.

Para dar o devido lugar a um e outro processo corno processo do pensamento, o 
mais acertado parece­me ser agrupar ambos sob o conceito de processos 
espirituais de ordenação. Forma e

sentido são dois processos através dos quais pomos em ordem as nossas vivências 
e somos capazes de apreender a ordem no mundo exterior.

Em ambos os processos participamos criadoramente nos

dados psíquicos. A arte, a ciência, a técnica e toda a cultura e civilização têm 
afinal origem nesta actividade criadora do espírito formador e produtor de 
sentido.

7. EMOÇõES E IMPULSOS

O campo dos sentimentos

O campo dos sentimentos ou emoções é impossível de abranger e está ainda 
totalmente por dominar sob o ponto de vista teorético­psicológico. Os 
sentimentos, ao que parece, dominam toda a nossa existência. Começando pelo 
primeiro grito de desagrado do recém­nascido, que se encontra subitamente num 
mundo de estímulos que se precipitam sobre o ser indefeso e parecem abafá­lo, 
até ao riso de prazer de alguém que se diverte; do embriagante sentimento de 
felicidade do amor ao sentimento destruidor e amargo do ódio; de sentimentos de 
profunda satisfação sobre uma obra bem feita ou sobre uma boa acção, até aos 
sentimentos de culpa ou auto­acusação acerca do próprio malogro ou duma acção 
que prejudicasse outros; desde a angústia do «ser lançado para a existência» 
(Heidegger) até ao sentimento de êxtase ou sentimento religioso e abnegado de 
elevação através da grandeza e profundidade da existência ­de um ao
outro extremo desta escala de sentimentos, parece não haver limites nem 
interrupções na corrente das nossas emoções.

Embora não pareça muito fecundo ocuparmo­nos com a tentativa de uma divisão das 
emoções, é contudo extraordinariamente importante vermos claramente o papel 
fundamental que elas desempenham na sua actuação sobre os nossos impulsos. 
Tendências e sentimentos estão sempre ligados entre si de um

modo especial. Como diz o arguto psicólogo Philipp Lersch, «Os impulsos e 
tendências estão envolvidos por movimentos emotivos, e estes entrelaçados de 
impulsos e tendências.»

Os movimentos impulsivos

No que respeita aos movimentos impulsivos, começando pelas tendências e 
instintos mais simples até às finalidades e

aspirações de valores mais complexos, também estes representam um campo cujo 
domínio é difícil de abranger. Freud criou, como mostraremos no capítulo sobre 
as motivações, uma divisão tripartida e sistemática da tendência que visa um fim 
e dos seus motivos. Mas este sistema provoca a crítica por parcelar a vida 
anímica e não dar a devida atenção a certas tendências fundamentais e 
importantes que partem do próprio Eu.

Enquanto pensamos tratar estes factos e questões importantes num capítulo 
próprio, vamos descrever aqui apenas algumas conclusões modernas em que se 
verificou a influência de emoções, movimentos impulsivos e tendências em 
processos de percepção, aprendizagem e pensamento.

Diferenças individuais e mundo «privado»

Desde que no ano de 1900 William Stern pela primeira vez

tratou cientificamente o tema das diferenças individuais no que respeita às 
particularidades psíquicas, e assim fundou a Psicologia Diferencial, foram 
investigadas em larga escala as diferenças psíquicas entre os indivíduos, 
seguindo­se as mais diversas orientações; Anne Anastasi dá­nos disso uma visão 
cuidada. Apesar disso ainda continuamos a ter a tendência de esquecer o facto de 
que cada pessoa vive o mundo de maneira diferente. «Se entendermos as diferenças 
individuais na percepção, diz Gardner Murphy na sua obra fundamental sobre a « 
Personalidade », «então chegaremos longe na compreensão das diferenças do 
comportamento que daí resulta». As pessoas voltam sempre a cometer o erro de 
pensar, continua ele, que o mundo é apreendido por todos do mesmo modo. Mas na 
realidade cada pessoa vive
naquilo que Lawrence K. Frank designou por «mundo privado» do indivíduo ­cada um 
no seu próprio mundo.

Este «mundo privado» começa já a formar­se na infância mais remota, em primeiro 
lugar pelo facto de cada indivíduo, segundo a sua «preferência» na apreensão das 
coisas, se apoiar mais em impressões de cor ou mais em impressões de forma, mais 
em sons, ou mais em odores, ou talvez até mais na apreensão de movimentos, em 
que se vai sentir inserido.

As paixões influenciam as percepções

Designamos por paixões os sentimentos intensos. A cólera, o entusiasmo, o medo 
são sentimentos desta natureza, e todos nós sabemos, por experiência própria, 
quão facilmente o homem se deixa arrastar por eles e até que ponto se pode 
perder a capacidade de crítica. Já a concepção que uma criança tem sobre esta ou

aquela pessoa é, como acentua Heinz Werner, determinada ‘pela sua reacção 
afectiva à fisionomia da pessoa em questão, e parece que isto sucede já aos oito 
a dez meses, quando o bebé começa a reagir emocionalmente de um modo 
extraordinariamente individual às diversas pessoas.

Nesta reacção exprime­se mais do que mera preferência por determinadas caras e 
aversão por outras. Ouve­se muitas vezes dizer que uma criança sente se um 
adulto é amigo de crianças ou não, e que o primeiro lhe é simpático e que não 
gosta do segundo. Os próprios adultos muitas vezes se comportam assim. Também 
neles as paixões influenciam a percepção.

A tendência humana muito generalizada de atribuir acontecimentos que nos 
afectam, especialmente quando são desagradáveis, ao facto de outros os terem 
intentado ou causado, traz muitas vezes como consequência, como salienta Fritz 
Heider, valorarmos erradamente os outros factores ­ na maioria os realmente 
responsáveis ­ embora os pudéssemos apreender facilmente se

estivéssemos em situação objectiva. Assim também se atribui facilmente a culpa 
de acções condenáveis ou crimes ao «antipático».

Oscar Levant conta uma divertida anedota sobre Toscaniní.
O maestro criticava constantemente um determinado violinista, porque não o 
suportava por causa da sua cara cheia de manchas. Uma vez, num concerto da 
orquestra em Hartford, um violinista qualquer não entrou a tempo. Toscanini 
ficou furioso e tornou imediatamente responsável pelo erro a sua

«ovelha ronhosa». Mas na realidade este músico nem estava presente nesta 
ocasião, como depois se verificou, pois tinha ficado doente em Nova Iorque.
Outras interpretações subjectivas da percepção

A nossa percepção não é apenas influenciada por aquilo que pensamos ler nos 
outros, mas também pelas nossas próprias necessidades tal como por aquilo que 
esperamos. Nos últimos decénios fizeram­se numerosas experiências muito 
interessantes sobre tais interpretações subjectivas da percepção.

É por exemplo muito proveitoso um estudo de H. Cantril, que durante a guerra 
civil espanhola pediu a adultos de diversos grupos que exprimissem previsões 
sobre o fim da guerra. Verificou geralmente a tendência de predizer aquilo que 
correspondia aos desejos próprios.

Outros estudos acerca de previsões levaram a resultados semelhantes.

Mas não só os desejos, como também os interesses influenciam a selecção das 
percepções.

Assim, J. S. Bruner e L. Postmann verificaram, numa das suas muitas inspiradas 
experiências, como os estudantes eram fortemente influenciados na sua capacidade 
de memória pela orientação dos seus interesses e pela sua valoração. Eles eram

capazes de repetir muito mais depressa e mais precisamente palavras que se lhes 
tinham dito rapidamente se estas estivessem ligadas a valores que lhes 
interessavam; outras, menos interessantes, eram facilmente esquecidas.

Robert Blake estudou ainda outra faceta da interpretação subjectiva de 
percepções: como a observação do comportamento dos outros influencia a nossa 
própria conduta.

Uma destas experiências divertidas foi a seguinte: em Austin (Texas), um 
assistente do dirigente da experiência tomou posição junto de um sinal luminoso 
de trânsito. Segundo a missão que lhe cabia na experiência, a sua posição social 
era caracterizada pela respectiva maneira de vestir: umas vezes aparecia como 
personalidade económica e socialmente bem situada, com

vestuário elegante, outras vezes vestido pobremente com calças remendadas, 
sapatos gastos e camisa azul por engomar.

A sua missão consistia em actuar contra as regras do trânsito em determinado 
número de experiências, atravessando a

rua ao sinal de vermelho, umas vezes como «senhor fino» outras vezes como «pobre 
diabo».

É certo que também quando estava mal vestido alguns peões se deixavam arrastar a 
atravessar com ele a rua, mas o número deles aumentava flagrantemente quando se 
tratava de seguir o

senhor elegantemente vestido a atravessar a rua ao sinal vermelho.
Com estes exemplos damos apenas uma referência breve ao grande campo da 
influência da emoção e motivação sobre a percepção, cujo estudo se iniciou só 
nos últimos decénios. Dedicaremos um capítulo próprio à motivação.

8. FUNÇõES PSIQUICAS INCONSCIENTES

Dezasseis modos de inconsciente

James G. Miller distingue no seu livro fascinante sobre o Inconsciente dezasseis 
significados diferentes desta palavra. E diz que a única coisa que é comum a 
todos eles é que o inconsciente é um estado em que não se fala nem se responde a 
perguntas. A natureza dos processos inconscientes ainda não está explicada.

Do sonho supõe­se que seja o correspondente a processos de excitação nervosos e 
rápidos que se realizam durante o sono e que são sentidos como vivência. 
Segundo opinião muito difundida, nos processos inconscientes, especialmente nos 
sonhos, estão desconectadas certas partes do sistema nervoso superior. Nos graus 
inferiores do sistema nervoso, é evidente que não se

encontra consciência, embora, por outro lado, segundo Miller, ainda não se tenha 
conseguido localizar a consciência. Parece que, se concordarmos com Cobb, 
consciência é principalmente o

aperceber­se dos impulsos que atingem o mais elevado nível de integração de um 
organismo. Justamente quando num sistema exista a maior vigilância, existe 
também diferenciação e com ela a possibilidade de consciência. O inconsciente é 
então definido como a totalidade daqueles processos que, num determinado 
momento, não estão disponíveis para serem apercebidos.

Os fenómenos oníricos como símbolo ou profecia

Entre os muitos processos inconscientes que existem, os, sonhos interessaram 
desde sempre especialmente os homens. E desde os tempos mais remotos se 
realizaram interpretações de sonhos, tomando como símbolos acontecimentos que se

desenrolaram no sonho. Além disso muitas vezes os sonhos foram encarados como 
profecias, como anunciadores de destinos vindouros.
Sonhos criadores e inspirações intuitivas

Psicologicamente a vivência onírica parece­me ser especialmente digna de nota 
sob dois pontos de vista. Em primeiro lugar, temos o fenómeno do sonho criador. 
Conhecemos muitos relatos de sonhos criadores, sonhos portanto em que aparecem 
claramente soluções de problemas e ideias há muito procuradas. Eis dois exemplos 
célebres:

O químico August Kekulé de Stradonitz atribuiu a sua descoberta da estrutura 
molecular fechada do benzol (1865) a fantasias oníricas. Ele relata a formação 
da fórmula do benzol nas suas imagens oníricas da seguinte maneira: «De novo 
estavam

os átomos a dançar diante dos meus olhos... o meu olhar, aguçado por repetidas 
histórias deste género, distinguia agora estruturas maiores de diversa 
configuração. Grandes fileiras várias vezes alinhadas muito juntas, apertadas em 
muitos casos, tudo movimentando­se à maneira de uma cobra e girando, e que veio 
eu? Uma das cobras agarra a sua própria cauda e a estrutura rodopiou 
ironicamente diante dos meus olhos. Acordo como que atingido por um raio ... »

A ocupação intensiva com um objecto, a insatisfação com a primeira  solução de 
um problema, são os componentes que motivaram   o sonho do assiriólogo H. V. 
Hilprecht. Tratava­se de decifrar inscrições em anéis, os quais Hilprecht não 
sabia bem como    ordenar. Algumas tentativas de imaginar pela fantasia como 
teriam podido surgir as inscrições, fizeram que despertasse nele toda uma 
história em sonho. Ele já tinha publicado uma solução, mas não estava 
satisfeito.

Então em sonho, um velho sacerdote do templo conduziu­o ao tesouro, e aí lhe 
contaram a história dos anéis que ele tinha de decifrar. Quando no dia seguinte 
Hilprecht dispôs os anéis da maneira indicada pelo sacerdote no sonho, encontrou 
corroborados os dados mais importantes e fez a correcção da primeira solução.

Estas vivências oníricas são parecidas com as intuições que existem também 
quando se está desperto. Mozart relata que lhe chegavam de repente melodias, que 
ele não sabia donde procediam, e Goethe conta a Eckermann que os seus versos lhe 
vinham de repente e incompreensivelmente, sem qualquer meditação prévia.

Também se conhecem fenómenos semelhantes no campo da ciência. H. Hankin conta 
acerca de um diagnóstico notável que se realizou deste modo:
Levaram uma criança gravemente doente para um hospital. Diversos médicos 
observaram a criança cuidadosamente mas

não foram capazes de diagnosticar a doença. Algum tempo depois chegou um médico 
ao hospital, que não tinha ouvido nada do caso. Ao passar lentamente pela cama 
da criança, observou: «Esta criança tem pus no abdómen». O diagnóstico revelou­
se exacto.

Este médico contou a Hankin que muitas vezes tinha grandes dificuldades em 
explicar­se racionalmente as razões dos seus diagnósticos.

Sonhos e recalcamentos emocionais

O segundo papel notável do inconsciente, e especialmente dos sonhos, é aquele 
que Freud lhes atribuiu: o facto de conterem material emocionalmente recalcado, 
portanto aquelas vivências psíquicas ­impulsos, desejos, etc.­ que foram por 
assim dizer afundadas do consciente no inconsciente, por serem «indesejáveis» ou 
« proibidas». Freud considerou o sonho em primeiro lugar como servindo à 
realização de desejos, o que me parece se pode considerar como um pouco 
unilateral.

Mas a questão que se põe é, naturalmente, se se deve reconhecer em princípio um 
recalcamento e um simbolismo dos sonhos por ele condicionado. Investigadores de 
orientação rigorosamente científica repetem constantemente que nestas teorias se 
trata de factos não comprovados. Realmente no sentido dos métodos experimentais, 
eles não são evidentemente provados nem comprováveis. Mas o clínico que aprendeu 
a trabalhar com este material poderá concordar que maneja aqui fenómenos 
cientificamente não esclarecidos, mas não quererá renunciar à sua utilização. 
Embora tão pouco explicável na sua estrutura

como o diagnóstico médico de tipo intuitivo de que acabámos de falar, a análise 
interpretadora de vivências recalcadas e de material onírico é hoje um 
instrumento indispensável para a

Psicoterapia. É sob este aspecto que a discutiremos mais adiante.

Os sonhos, a actividade inconsciente, as motivações e fenómenos emocionais dão­
nos uma indicação da grande medida em

que toda a actividade funcional, descrita neste capítulo, pertence à ordem da 
personalidade e da vida humana ­os temas principais deste livro dos quais nos 
temos agora vindo a aproximar passo a passo.
III. ­ A Motivação

1. O QUE É MOTIVAÇÃO?

Uma cena do dia­a­dia introduzir­nos­á nos problemas deste capítulo.

Quando Herbert chegou a casa e contou à mulher que se

despedira do emprego, Maria não se pôde conter de irritação. Porque diabo tinha 
ele feito isso, ainda por cima pouco antes do Natal, quando é tão difícil 
encontrar outro emprego. «Diz lá porquê?» Herbert respondeu que ela bem sabia 
que o irmão do chefe não gostava dele, que estava simplesmente farto da sua 
critiquice constante, porque percebia do seu trabalho e não estava disposto a 
que se intrometessem sempre nele; que além disso não tinha de qualquer modo 
grandes possibilidades de subir nessa firma, que aliás era ainda Outubro e 
portanto estavam muito longe do Natal e que um empregado competente como ele 
tinha ainda dez possibilidades de arranjar um emprego,

Mas Maria não queria saber de nada desses argumentos. Ela gritava, que o que ele 
era, era demasiado colérico e arrebatado, para já nem falar do facto de não 
pensar no bem­estai da família, pois senão teria aguentado pelo menos até depois 
do Natal.

Justamente por pensar no bem­estar da família ­ respondeu Herbert ­ queria 
arranjar um lugar com mais futuro. Mas Maria não se deixava convencer: ele 
deveria contudo ter esperado, nesse caso... E assim continuou a discussão ­ sem 
proveito para ninguém e sem vantagem nenhuma, justamente como costumam ser tais 
discussões.

Todos os dias se dão centenas destes atritos mais ou menos violentos, mas se 
este debate for analisado psicologicamente, ele revelar­se­á como um conjunto 
complicado de argumentos em

que se realiza, sem que o casal disso tenha consciência, uma

discussão sobre motivos de uma acção decisiva e sobre fins na vida ­ sobre 
aquilo a que chamamos motivação.
O f im ria vida de que fala Maria, é o bem­estar da família, que o marido não 
deveria esquecer; ela vê esse bem garantido da melhor maneira na segurança do 
emprego actual. Herbert vê, pelo contrário, além da segurança momentânea, uma 
expansão futura do seu emprego, do seu campo de trabalho e do seu ordenado. É 
esta necessidade de expansão criadora, como lhe chamamOs cientificamente, que 
faz com que Herbert arrisque o emprego actual. O seu fim na vida não é tanto 
conservação como desenvolvimento.

A necessidade de segurança de Maria faz com que lhe pareça desejável adaptar­se 
a determinadas situações. Adaptação, entende ela, deveria ser também um motivo 
mais importante para o marido do que é na realidade. Ela leva­lhe a mal que ele 
se tenha simplesmente deixado arrastar pela cólera, como ela julga. Por outras 
palavras: segundo a sua opinião, a acção dele fora deter@ninada pela necessidade 
de descarga emocional, enquanto que ele se deveria ter dominado. Herbert, pelo 
contrário, afirma que os motivos ­ a sua motivação ­ para a sua acção foram bem 
pensados, e não concorda em absoluto que tenha cedido impulsivamente à s suas 
emoções momentâneas.

Sem investigar mais profundamente a situação, é claro que não sabermos se ele 
tem razão, assim como não podemos ajuizar se é correcta a sua interpretação do 
modo como era tratado pelo irmão do chefe. Pois, muitas vezes, dá­se uma 
interpretação falsa a uma situação quando estão em jogo desejos ou sentimentos 
próprios. Isto é, a exactidão da percepção é frequentemente prejudicada pela 
motivação própria.

Aqui naturalmente não nos interessa fazer um juízo acertado acerca da celia 
entre Maria e Herbert; ela tem apenas a finalidade de permitir deduzir alguns 
conceitos fundamentais a partir de um acontecimento quotidiano.

O conceito de motivação ou dos motivos de actuar deve ser o conceito mais 
central da psicologia actual. Ao contrário da psicologia antiga, que se limitava 
ao estudo de modos de comportamento, funções e realizações, a psicologia 
moderna, desde as investigações básicas de Freud, interessa­se cada vez mais 
pelo estudo da motivação. Pois só podemos compreender e julgar realmente uma 
pessoa se partirmos dos seus motivos. E só partindo dos motivos podemos 
realmente influenciar, orientar, educar e tratar terapeuticamente uma pessoa.

COM O INício da Psicologia científica na passagem do século XIX par;@ o século 
XX iniciaram­se diversas investigações que pretendiam uma compreensão da 
finalidade humana. As primeiras tentativas mais importantes desta espécie 
encontram­se em
primeiro lugar nos trabalhos sobre processos de forma e vontade, de que falámos 
no capítulo anterior, em seguida nos estudos acerca da psicologia da evolução, 
que trataremos mais detalhadamente no próximo capítulo, e em terceiro lugar nas 
investigações sobre a motivação, que têm a sua origem na Psicanálise. Estas 
últimas investigações, que a princípio, sob a enorme

influência da teoria de Siginund Freud e do processo de cura

por ele desenvolvido, se limitavam à investigação da psicopatologia, foram­se 
depois estendendo gradualmente também à motivação da Psicologia normal. Chegou o 
momento de reflectirmos sobre o que isso significa.

2. MOTIVAÇÃO NORMAL E PATOLÓGICA

Siginund Freud que, na sequência da sua genial descoberta de um moderno 
processo de cura psicológica, a Psicanálise, criou uma doutrina da motivação, 
interessava­se, como médico, em primeiro lugar pela investigação da 
psicopatologia.

Como pensador sistemático que era, esforçou­se contudo muito depressa por 
elaborar uma Psicologia da personalidade e

evolução que abrangesse tanto o patológico como o normal.

Freud entendia que partindo da compreensão teorética do processo psíquico nos 
doentes se poderiam tirar conclusões para os processos dos indivíduos normais. 
Este procedimento tinha grandes vantagens mas também inconvenientes, que 
saltavam cada vez mais nitidamente à vista. Uma das grandes vantagens, é que, 
devido a Freud, pela primeira vez se tornou compreensível a psicopatologia, 
enquanto antes se considerava incompreensível; isto vale especialmente para as 
psicoses, isto é, para as doenças mentais graves que escondem a realidade, e em 
cuja estrutura Freud foi o primeiro a descobrir um sentido e uma conexão.

Mas a desvantagem do método de Freud está no facto de deduzir a sua teoria sobre 
a motivação normal e a evolução normal a partir dos seus conhecimentos da 
motivação e evolução patológicas. As conclusões a que ele chegou pareceram 
dignas de ataque a muitos psicólogos justamente porque eles consideravam o 
psiquismo normal como absolutamente diferente do psiquismo patológico. Mas como 
se poderia definir dum modo científico esta diferença fundamental ainda ficou 
durante muito tempo por esclarecer e só hoje se começa a perceber a pouco

e pouco.
Já alguns dos primeiros opositores entre os alunos de Freud ­Alfred Adler, Carl 
E. Jung, Otto Rank­ criticaram a predominância unilateral que Freud concedia à 
vida sexual. Salientaram ­Adler acentuando a ânsia de perfeição, Jung e Rank o 
aspecto criador do homem­ dois factores que se revelaram mais propícios para 
distinguir o normal do patológico, e sobretudo porque estes factores têm em 
vista uma orientação futura construtiva do homem, que é importante para o homem 
normal, enquanto esta relação com o futuro se perde no neurótico no seu contínuo 
conflito com o seu passado infeliz.

A discussão entre Herbert e Maria, descrita no início deste capítulo, dá­nos um 
exemplo para o que acabamos de dizer. Ambos discutem os problemas profissionais 
dele, atendendo ao

futuro da família. Se Maria e Herbert, no decorrer da discussão, tivessem falado 
do seu passado, provavelmente também o teriam feito, antes de mais nada, em 
relação ao futuro. Talvez pusessem em primeiro lugar o problema, se ele outrora 
cometera erros que tivessem prejudicado as suas possibilidades no seu emprego 
actual, ou algo de parecido. Mas se fossem pessoas normais não se perderiam em 
meditações acerca do passado. E se Maria estivesse preocupada com o futuro por o 
marido não atender suficientemente à segurança, esta preocupação normalmente não 
a

impediria de ter uma visão optimista do futuro. Uma orientação optimista deste 
tipo é um sinal essencial de normalidade, como demonstrou Thomas French.

O neurótico comporta­se de modo completamente diferente. Nos casos de Robert e 
Alfred teremos ocasião de conhecer mais adiante, neste capítulo, duas 
personalidades cujas contínuas preocupações relacionadas com o seu trabalho 
azedam e estragam uma visão optimista do futuro. Ambos estão além disso 
profundamente oprimidos por erros passados e não os conseguem superar. 
Especialmente Robert perde imenso tempo e paz de espírito pensando se agiu bem 
neste ou naquele caso e acerca da opinião que fazem dele os colegas e clientes.

Uma Psicologia que não dê o devido lugar à importantíssima distinção entre a 
orientação para o futuro, típica das pessoas normais, e a orientação para o 
passado, típica dos neuróticos, e que se esqueça de pôr em lugar primordial a 
orientação para o futuro, própria das pessoas normais, não está em condições de 
oferecer uma base para a compreensão do decorrer normal da vida.

A razão principal pela qual o neurótico fica adstrito aos seus problemas 
internos e é incapaz de encarar com liberdade interior a vida e especialmente o 
seu próprio futuro, está no facto de ele ser uma pessoa profundamente 
insatisfeita. Dito de Um, modo mais correcto: ele vive insatisfeito consigo 
próprio e esta falta de satisfação torna­o não­livre.
O homem normal, pelo contrário, mesmo que esteja a braços com problemas 
difíceis, cuja solução lhe traz dificuldades, não está de tal maneira embrenhado 
neles que por causa disso perca a sua liberdade interior. Mas esta liberdade 
interior significa ser

capaz de libertar­se interiormente no momento preciso e em

qualquer altura dos seus problemas e ­ sem paixão e apesar de todos os 
conflitos, por muito difíceis que sejam de resolver­, encarar de frente a sua 
vida assim como a si próprio. É claro que esta liberdade não é uma varinha 
mágica que lhe permita ver e avaliar tudo correctamente. A pessoa normal 
cometerá erros

tal como o neurótico. Mas estes erros são o resultado da limitação humana e da 
falta de previsão, não o resultado de uma visão perturbada por sentimentos 
confusos.

Como se deve explicar então esta diferença? Freud reconheceu que a perturbação 
emocional do neurótico leva quase sempre à primeira infância e que tem portanto 
a sua origem numa perturbação de equilíbrio já então verificada. E nisto está o 
mérito principal, especialmente importante e inesquecível de Freud. E é nisto 
também que a visão de Freud está na vanguarda da formulação moderna. . Contudo 
Freud concluiu ­e nisto já não o podemos seguir ­ que estas perturbações de 
equilíbrio são provocadas, em primeiro lugar, sempre por necessidades não 
satisfeitas ou, como ele diz, impulsos não satisfeitos, e em segundo lugar que o 
equilíbrio interno do homem normal se explicaria pelo facto de este conseguir 
solucionar o problema da satisfação de necessidades. E em terceiro lugar Freud 
chega à conclusão (que forma a pedra basilar da sua teoria) que a manutenção do 
equilíbrio interno através da solução do problema da satisfação de necessidades 
é a finalidade da vida.

Esta manutenção de equilíbrio representa uma tarefa contínua e sempre actual. No 
homem normal ela realiza­se e termina, segundo a doutrina de Freud, em primeiro 
lugar no presente; no neurótico, pelo contrário, conduz continuamente ao passado 
que não foi superado nem liquidado.

3. NOVAS TEORIAS SOBRE MOTIVAÇõES BÁSICAS

À teoria de Freud, cujo conteúdo de sentido aqui expusemos dum modo que 
corresponde mais aos nossos conceitos científicos actuais, opõem­se de momento 
essencialmente dois grupos

com novos princípios teoréticos. São as teorias da Psicologia Humanista e do 
Existencialismo.
Apesar de ambas serem bastante diferentes em muitos aspectos, têm contudo de 
comum uma diferença em relação a Freud e ainda uma ideia fundamental. A 
diferença comum é que ambas estas novas teorias vêem a finalidade da vida, não 
na satisfação de necessidades como tal nem na realização de um equilíbrio 
interior como tal. Ambas as teorias têm uma concepção fundamental de vida muito 
diferente. E é a ideia básica seguinte que lhes é comum: aquilo que na realidade 
interessa e também deveria interessar ao homem é viver a vida humana « 
correctamente », isto é, de acordo com as leis que lhe foram impostas. Se o 
homem viver «correctamente» neste sentido, dizem especialmente os

representantes da Psicologia Humanista, então, teoricamente, ele, tanto é normal 
sob o ponto de vista psicológico, como também é bom e está satisfeito. A 
satisfação e o ser bom, nesta teoria, não formam a oposição que significaram 
para Freud. Segundo a teoria de Freud, o homem, para ser bom, tem de prescindir 
em larga escala da satisfação de necessidades e as pessoas que

não o conseguiram tornam­se doentes mentais.

Nesta opinião de Freud, deduzida a partir do estudo da neurose, trata­se da 
descrição de factos que não devemos mais perder de vista. Pois, sem dúvida, em 
cada vida existem, desde o início, necessidades não satisfeitas, cuja satisfação 
é por vezes, do ponto de vista psicológico, até vital.

Para uma criança que ­ como mais adiante veremos no caso de Robert ­ não recebeu 
dos pais calor nem verdadeira afeição, e além disso ainda foi sujeita a pesadas 
exigências, é quase impossível ou pelo menos enormemente difícil encontrar o 
caminho para uma vida «correcta» no sentido que acima atribuímos à palavra. Como 
pode estar satisfeita, como pode escapar à doença psíquica? Que dura tem de ser 
a luta de uma tal pessoa para ser «boa»!

Assim temos forçosamente de reconhecer o facto de que existem muitas 
circunstâncias da vida que tornam quase impossível a uma pessoa reunir a saúde 
psíquica, a satisfação e a

bondade. E são precisamente estas pessoas que tentamos levar a soluções mais 
felizes dos seus problemas, usando a nossa

moderna psicoterapia. E para isso Freud foi um guia genial. No entanto, 
teoricamente e até em casos reais, como os psicólogos humanistas mostraram 
mediante inúmeros exemplos, há pessoas que chegam a realizar a sua vida, 
vivendo­a em liberdade interior segundo as leis impostas à vida humana. O 
aspecto que têm estas afirmações, uma vez vistas de mais perto, é encarado de 
modo muito diferente pelas duas escolas psicológicas que
acabamos de mencionar, e pelos seus representantes isolados. E a isso nos vamos 
referir um pouco mais pormenorizadamente.

4. O EXISTENCIALISMO

O existencialismo é, das três teorias aqui mencionadas, a

mais abstracta. Esta doutrina só há pouco aplicada à Psicoterapia e à 
Psiquiatria é na realidade uma Filosofia e não uma psicologia da motivação. O 
nome de existencialismo significa teoria da existência. Esta escola, muito 
difundida especialmente na Europa, tem as suas origens em Kierkegaard e 
Nietzsche. No nosso século, a doutrina foi desenvolvida e formulada 
primeiramente por Martin Heidegger. Nos tempos mais recentes em muitos países do 
continente, investigadores de categoria declararam­se adeptos do existencialismo 
e desenvolveram­no em diversas variantes.

No início, como vimos, esta doutrina não tinha nada a ver

com a Psicologia nem com a Psicoterapia, antes era uma filosofia da vida. Alguns 
dos representantes mais modernos, entre outros especialmente o suíço Ludwig 
Binswanger, os alemães Viktor E. von Gebsattel e Erwin W. Strauss, tal como o 
austríaco Viktor E. FrankI, introduziram o existencialismo na Psicologia e 
Psicoterapia; na sua aplicação nestes campos, os americanos, como Rollo May, 
retomaram­no e confrontaram­no com a Psicanálise.

De tal confronto resulta que o existencialismo apresenta, em lugar de uma teoria 
das necessidades ou instintos, uma teoria sobre o sentido da existência 
(Dasein). Isto é, a análise existencial consiste numa meditação acerca daquilo 
que é designado como «essência» (Wesen) da existência individual. Nietzsche 
disse neste sentido ­ «Torna­te naquilo que és». Neste produzir­se, nesta 
realização da essência da própria existência, o indivíduo tem de tornar­se 
consciente da sua missão principal de ser homem. É que se considera específico 
da existência humana o ser «transcendente»: que se ultrapasse a si próprio e que 
actue fora da própria vida. Neste actuar tem a missão de realizar valores.

«Torna­te naquilo que és», disse Nietzsche. Neste sentido tornou­se célebre o 
caso, apresentado por Ludwig Binswanger, de Ellen West, uma mulher gravemente 
perturbada, cujo suicídio final foi interpretado e reconhecido como uma 
realização necessária do sentido da sua existência, depois de ter sido 
longamente previsto, discutido e de certo modo até preparado.
Os casos descritos por Viktor E. Frank1 situam­se mais dentro do campo do dia­a­
dia. Ele ocupa­se especialmente da motivação adequada ao homem: o homem tem a 
missão de realizar valores. Só a realização de valores dá sentido à vida. E 
nesta realização de valores através da «vontade de sentido» o indivíduo deve 
desenvolver e utilizar as suas «melhores Potencialidades», as possibilidades que 
tem à sua disposição.

Mas a questão de como isso se processa na prática permanece em Frank1 tão 
problemática como em alguns psicólogos humanistas, que de certa maneira 
representam uma opinião parecida. Ocupar­nos­emos das questões práticas nos 
capítulos sobre educação e sobre Psicoterapia.

5. A PSICOLOGIA HUMANISTA

A expressão «Psicologia Humanista» é nova; resultou de certa maneira 
casualmente, quando da fundação de uma nova revista com este título. Mas o nome 
é adequado para abranger um grupo de investigadores com finalidades semelhantes.

Dissemos há pouco que este grupo tem uma ideia fundamental em comum com os 
existencialistas, justamente a de que a motivação humana tem de ser entendida a 
partir das leis básicas impostas à vida humana: O que pretende o homem como 
homem? O que são as coisas de que ele é especificamente capaz como homem e que 
lhe importa realizar? Estas são as questões fundamentais que ambos põem, 
existencialistas e psicólogos humanistas.

Tanto os existencialistas como os psicólogos humanistas chegam a respostas um 
pouco diferentes, que contudo têm muito de comum. Ambos reconhecem que o homem 
está continuamente ocupado, a realizar algo que parta dele e o ultrapasse, a 
actuar para além do momento.

Os existencialistas acentuam aqui sobretudo, como dissemos, o facto de, neste 
actuar, o homem ir sempre para além de si próprio, se transcender, como se diz, 
e de, ao fazê­lo, criar valores.

Os psicólogos humanistas acentuam que este criar se realiza num processo que o 
indivíduo vive como auto­realização ou

como desejo de uma realização em que estão incluídas tanto a criação de valores 
culturais como a própria evolução.

Neste processo o homem procura simultaneamente manter tanto quanto possível o 
seu equilíbrio interno, o que é uma finalidade secundária e não, como na 
Psicanálise, a finalidade Principal.
Os diversos representantes destas orientações acentuam alguns pontos diferentes 
como sendo os principais.

Erich Fromm deve ter sido o primeiro a introduzir na Psicologia moderna a 
palavra «humanista», que designava outrora o

admirador e investigador da Antiguidade e que é oriunda do Renascimento; foi 
também o primeiro a falar da nossa consciência «humanista» opondo­a à 
consciência «autoritária». «Humanista» é na linguagem de Fromm e na moderna 
psicologia clínica o verdadeiramente humano, o mais próprio do homem no seu

melhor sentido.

A consciência «autoritária» representa a prescrição da autoridade, por nós 
aceite e vivida, e que encontrou a sua versão conceptual mais aguda no «Super­
Eu» de Freud.

A consciência «humanista» de Fromm representa, pelo contrário, o nosso saber 
mais interior e mais próprio acerca de se

agimos «correctamente» no sentido das capacidades humanas que nos são inerentes. 
Se seguirmos esta consciência vivemos uma vida cheia de sentido e desenvolvemos 
as nossas melhores energias.

Histericamente deveria competir a Karen Horney a primazia no desenvolvimento 
dalguns dos princípios da nova orientação no início dos anos 30. Ela considera a 
tendência para a auto­realização ­um conceito que provém de Carl Gustav Jung­ 
como

tendência básica do homem que se desenvolve normalmente. E entende por auto­
realização a realização das melhores potencialidades de um indivíduo, através do 
desenvolvimento das quais ele exprime o seu eu mais íntimo e não progride apenas 
ele próprio mas também fomenta o progresso dos outros e participa na criação 
cultural.

Ela vê fundamentada a evolução mórbida do neurótico em insegurança interna, numa 
profunda angústia que é o resultado de carência de amor e de factores gerais 
ambientais desfavoráveis.

E é a Gordon Allport que cabe o mérito de ter sido um dos primeiros a relegar de 
novo para primeiro plano o significado do Eu (Selbst) e dos valores na vida 
humana, depois de estes conceitos terem sido afastados pelos psicólogos da 
primeira geração desta jovem ciência, como pretensamente não­científicos. No seu 
livro sobre a « Personalidade », tão rico em ideias, ele abre caminho para uma 
concepção moderna do Eu e dos valores, dando assim um lugar importante às 
categorias, indicadas por Edward Spanger, dos valores predominantemente 
teoréticos, económicos, estéticos, sociais, políticos e religiosos.
O estudo da motivação do homem normal constituía o ponto central do interesse de 
Abraham Maslow e Charlotte Bühler.

Abraham Maslow, hoje um dos principais representantes da teoria da auto­
realização, esforçou­se especialmente por arranjar muitos exemplos concretos de 
pessoas sãs, trabalhadoras, que se realizavam no seu trabalho, muitas vezes 
penoso. E seguindo Kurt Goldstein, ele acentua que uma tal tensão é sentida pelo 
homem são como um prazer. Kurt Goldstein e também Charlotte Bühler chamaram 
repetidas vezes a atenção para o facto de que o homem são nem sempre propende 
para a distensão, como o postulava Freud, mas que numa tensão normal se pode 
sentir tanto prazer como numa distensão, noutras ocasiões. É no sistema destas 
ideias que se inserem as importantes observações de Karl Bühler, que mostrou o 
prazer da actividade ­ chamado prazer funcional ­ especialmente no jogo infantil 
e também em outras actividades coroadas de êxito. Também neste prazer do 
funcionar se mantém uma certa tensão.

Maslow demonstra num número elevado de personalidades cuja biografia estudou, 
como se distingue a motivação que se orienta para o crescimento de uma motivação 
defeituosa. Ele reúne uma lista de características da personalidade que se 
realiza a si própria ­ por exemplo, que propende mais para a criação do que 
outras; que se ocupa mais dos problemas determinados pelas suas tarefas do que 
dos seus problemas pessoais; que está disposta a aceitar­se a si própria e aos 
outros; que sabe ver a realidade tal como ela é.

Igualmente no início dos anos 30, começou Charlotte Bühler as suas investigações 
sobre a finalidade humana da vida, servindo­se de material biográfico. 
Considerou o conceito de auto­realização, que também ela já então citou, como 
demasiado unilateral, uma vez que só é aplicável à finalidade de vida de certos 
tipos de personalidade e mesmo para estes só com restrições. Estas restrições 
dizem respeito à consideração pelos outros; a opinião de Karen Horney, de que, 
se cada pessoa se realizar a si própria na medida mais completa, isto terá as 
melhores repercussões nos outros, parece­lhe contestável: o mundo não é nenhum 
paraíso. O indivíduo tem de prescindir em muitos aspectos da sua auto­realização 
para dar o lugar a outros.

Um exemplo tão actual como frequente hoje em dia para demonstrar como é correcta 
esta afirmação, oferecem­nos aqueles matrimónios que se mantêm porque existem 
filhos, embora marido e mulher já não esperem a felicidade da auto­realização 
dentro do amor conjugal.
Mas apesar destas limitações da auto­realização do indivíduo constantemente 
impostas pelas condições de vida, existem muitos tipos de personalidade para os 
quais a auto­realização não representa nenhuma finalidade.

Se voltarmos aqui ao exemplo, dado no início do capítulo, de Herbert e Maria, 
podemos ver no primeiro a tendência para a auto­realização, mas de modo nenhum 
em Maria.

O que espera então da vida uma mulher como Maria? Ela critica a tendência do 
marido de renunciar à segurança visando planos mais vastos. Ela não seria capaz 
disso. Ela prefere condições mais modestas em que possa confiar. Porquê?

É naturalmente possível que uma mulher como Maria sofra de uma insegurança 
interior demasiado grande no sentido de Karen Horney, porque o seu mundo­
ambiente lhe deu durante a infância pouco amor e pouca segurança. Mas também é 
possível que Maria pertença ao não raro número de pessoas que se

adaptam facilmente e sem sacrifício às condições modestas dadas, enquanto as 
suas condições pessoais de vida as fazem felizes ou as satisfazem. A sua vida 
com e dentro da sua família, a sua actividade de cuidar da família são mais 
importantes para estas pessoas do que a riqueza, a glória, uma posição influente

ou a realização daquilo que se pretende.

Enquanto no último tipo, para o qual Herbert serve

de exemplo, vejo uma tendência para a expansão criadora, em

pessoas como Maria encontro predominantemente a tendência para uma adaptação 
autolimitadora, como lhe chamei. Considero ambas como tendências fundamentais da 
vida, a que se juntam mais outras duas.

Estas duas outras designei­as por tendências de satisfação de necessidade e 
manutenção da ordem interna.

Expresso em termos concretos, o homem criador, em primeira linha expansivo, é um 
homem que parte para o mundo para o «conquistar», como se diz, que vê a 
realização da sua

vida mais na obtenção de bens, na criação de relações e posições importantes ou 
na realização de produtos ou tarefas, que ele espera, se for possível, 
transmitir à posteridade, do que noutros valores vitais.
O homem que se adapta limitando­se a si próprio, pelo contrário, é o homem a 
quem chega, para dar­lhe satisfação, o

estar bem incluído dentro do ambiente dado ­na cultura, natureza e universo.
Um terceiro tipo interessa­se em primeira linha pela satisfação de prazeres, 
amor, felicidade, e bem­estar.

E finalmente ao quarto grupo pertencem as pessoas para as quais o mais 
importante é a sua paz de alma, como se costuma

dizer. Dão valor à harmonia interior e exterior, a uma boa consciência, a uma 
ordem interna bem equilibrada.

Designei por realização (Erfüllung) a finalidade última destas tendências 
diversas. É uma vivência final partindo da consciência da vida que no essencial 
se levou a cabo com êxito. A realização (Erfüllung) contém uma imensidade do 
vivido, tanto na felicidade como na dor. É uma riqueza interior adquirida 
durante decénios e que foi acumulada a partir do que se viveu,

se se conseguiu realizar de modo relativamente bem equilibrado, expansão e 
adaptação, satisfação e ordem interna. A realização pressupõe que foram 
fomentadas todas as quatro tendências, embora cada um possa preferir uma ou 
outra e também a vida não permita uma total satisfação de todas.

6. TENDÊNCIAS BÁSICAS E FINALIDADES DE VIDA

Supõe­se que as quatro tendências básicas actuam desde o

início da vida.

É certo que nas diversas fases da vida desempenha um. papel maior uma ou outra 
tendência básica. O bebé e também a criança pequena tendem naturalmente em 
primeiro lugar à satisfação de necessidades; só a criança em idade escolar 
começa, a pouco e pouco, mais a adaptar­se do que a satisfazer necessidades; o 
adolescente e o adulto são em primeira linha criadoramente expansivos; o homem 
que envelhece prefere contemplar pensativamente a sua vida e produzir uma ordem 
interna; e na

idade senil o sofrimento e a decrepitude podem lançá­lo de novo na satisfação de 
necessidades da primeira infância.

Também Freud supõe que na transição da primeira infância para a infância mais 
tardia se dá uma viragem da satisfação de tendências, como ele lhe chama, para 
uma adaptação à realidade e à sociedade. Mas, ao contrário de nós, considera o 
recém­nascido no início da vida apenas como um ser instintivo. Esta concepção 
encontra­se ainda num dos seus discípulos mais jovens, especialista em 
psicologia infantil, Renê Spitz.
Tomando uma posição oposta, somos de opinião de que no

indivíduo normal agem continuamente, desde o início até ao fim da vida, as 
quatro tendências básicas, embora, quanto à evolução e individualmente, em 
graus, participação e expressões diferentes. Esta opinião pode ser documentada 
por factos. Por exemplo, o

facto de todos os seres vivos e assim também o homem se adaptarem já em estado 
celular e com esta adaptação se modificarem, é geralmente reconhecido como facto 
biológico, como vimos no

primeiro capítulo.

Existem minúsculos esboços e pré­estádios de expansão criadora naquela 
actividade espontânea que começa já no ventre

materno em forma de movimentos do corpo e algumas percepções sensitivas. A ordem 
interna, contudo, mantém­se no organismo neste pré­estádio de vida consciente a 
princípio mais ou menos

exclusivamente através de regulações automáticas.

Os fenómenos originários inconscientes nas suas raízes e inícios são levados à 
consciência a pouco e pouco e em intensidades diferentes já pouco depois do 
nascimento. Contudo, o momento

exacto em que a consciência entra em funcionamento, é ainda hoje discutido. Mas 
neste ponto da nossa obra não queremos dedicar­nos ainda a questões de evolução, 
mas referimos os factos acima mencionados especialmente sob o ponto de vista da 
descrição daquilo a que se chama estrutura de motivação. Por isso entende­se o 
conjunto de motivações que é no homem, em todas as épocas da sua vida e portanto 
já desde o início, uma rede complicada, complicada justamente por agir em todas 
as fases

como uma pluralidade de tendências.

Freud designou por dinâmica da motivação a multiplicidade de tendências, pois 
via nela um jogo de forças. E embora hoje já não sejam aplicáveis os seus 
conceitos de energia no sentido em que ele os usou, mantém­se contudo ainda 
geralmente a sua

expressão de dinâmica da motivação.
Examinemos agora esta dinâmica tomando como exemplo uma criança. Tomemos uma 
criança de nove meses.

A pequena Anita está sentada na sua caminha com um tambor diante de si e com um 
pauzinho com que bate desajeitadamente no tambor. A mãe passa nesse instante, 
senta­se um momento junto dela e mostra­lhe como se pode bater com o pau no 
tambor. Anita observa tudo espantada, ergue o olhar sorrindo, pega no pau que a 
mãe lhe estende e bate agora ela própria, primeiro timidamente e baixinho, 
depois mais alto e com mais
à.

força, ora sorrindo para a mãe, ora admirando o novo brinquedo, encantada com a 
nova conquista.

O que é aqui, visto tudo exactamente, a estrutura de motivação? Esta criança que 
brinca vivamente interessada está neste momento em primeiro lugar inteiramente 
satisfeita quanto às suas necessidades e por isso pode dedicar­se à investigação 
do novo brinquedo ­ e isto é uma acção expansivamente criadora; e quando a mãe 
lhe mostra

como se pode fazer ainda melhor, adapta­se e aprende o novo jogo.
O êxito com o tambor e o louvor da mãe que a observa carinhosamente tornam a 
criança feliz. Neste momento é evidente que está totalmente em harmonia consigo 
e com o mundo.

O seu agir ainda não vai para além deste momento para o futuro, e também não se 
ocupa do passado, embora ambos estejam activos nela.

Se atendermos à satisfação geral desta criança temos de concluir que o passado 
deve ter sido relativamente favorável, uma vez que é capaz de gozar tão 
harmoniosamente o jogo com a mãe. E o futuro está já munido com certas 
potencialidades acerca das quais nós podemos estar mais ou menos bem orientados.

75­77 Interessada, a criança investiga o seu novo brinquedo, o tambor, em que 
bate desajeitadamente com a pequena batuta. Mas agora mostram­lhe que também se 
pode bater a sério no tambor. Timidamente e sem muito ruído a princípio, mas 
depois cada vez com mais força, ela bate agora, radiante de felicidade com o 
êxito e o louvor que ouve.
Se realizássemos um corte transversal semelhante através da dinâmica da 
motivação durante um momento com uma criança mais velha, com um adulto mais novo 
ou mais velho, é claro que o quadro seria muito mais complicado, uma vez que 
está embaraçado pela multiplicidade de tendências simultâneas e que a dinâmica é 
determinada pelas consequências oriundas do passado e pelas precauções para o 
futuro. Mas em princípio poder­se­ia provar a mesma estrutura básica.

Contudo, com a antecipação do futuro ressalta de um modo mais nítido a 
finalidade, e tanto mais nítida quanto mais orientada esteja para o futuro a 
autodeterminação.

Antes da adolescência quase se não pode falar de uma autodeterminação dirigida 
para finalidades de vida e resultados. E mesmo então, como pude mostrar através 
de estudos biográficos e de entrevistas, ela é primeiro apenas provisória, a 
título de experiência, e indeterminada. Só numa idade que se situa à volta dos 
trinta anos ela é definitiva e determinada. Vamos exemplificar isto através do 
caso seguinte:

Viktor, professor de Direito de uma pequena Universidade, com cerca de 50 anos, 
é um homem cuja vida até aí não foi na verdade muito rica em acontecimentos, mas 
que ­ se abstrairmos de bastantes desilusões a que ninguém escapa ­ pode ser 
considerada como uma vida boa. Viktor mantém um matrimónio, nos pontos 
essenciais feliz, com uma mulher dez anos mais nova do que ele, a que o ligam 
laços de amor recíproco. Muitos desentendimentos acerca da educação dos dois 
filhos, acerca da aplicação dos vencimentos  ‘acerca da falta de interesse de 
Viktor pela vida social, não conseguem prejudicar as suas boas relações, tanto 
mais que Viktor está finalmente disposto a ir com Ella consultar um psicólogo 
para serem esclarecidos acerca das diferenças no seu matrimónio.

Da autodeterminação de Viktor vamos primeiramente analisar as fases do que é a 
título de experiência e do que é definitivo.

O pai de Viktor era alfaiate. Tivera de se fazer à sua custa, provindo da maior 
pobreza, e havia montado um pequeno negócio em que os três filhos tiveram de 
ajudar desde cedo. Viktor era

já com doze anos moço de recados do pai; como ao mesmo tempo frequentava o liceu 
tinha uma vida trabalhosa.

Viktor era o mais velho e um rapaz dotado; o pai, com quem ele se entendia bem, 
contou­lhe como ele próprio desejara outrora poder estudar, mas como a pobreza e 
a falta de compreensão dos pais o tinham impossibilitado disso. O pai também 
disse que esperava que agora o seu filho Viktor realizasse esse velho
desejo, embora não o quisesse de modo nenhum obrigar a

estudar. Este pai tão benévolo como compreensivo deu portanto liberdade ao filho 
para fazer o que quisesse.

Ambos, pai e filho, estavam de acordo em que Ludwig, o

segundo filho, tinha muito mais vocação para ficar com a alfaiataria, pois 
possuía muito mais interesse pelo negócio e não os dotes científicos de Viktor.

Apesar disso, a decisão de estudar e a escolha do curso constituíram problema 
difícil para o jovem, que não podia contar com ajudas financeiras grandes, nem 
com nenhuma orientação por parte dos que o rodeavam. Além disso, os pais eram de 
opinião que se devia educar os filhos a tornarem­se cedo independentes. Viktor 
disse uma vez, mais tarde, à mulher que se

encontrara demasiado cedo perante graves responsabilidades e

tivera de tomar sozinho demasiadas decisões. A consequência foi uma grande 
insegurança. Hesitava muitas vezes se teria escolhido bem, se teria tomado as 
decisões devidas.

Iniciou o seu curso de Direito com muitas dúvidas. Durante muito tempo não sabia 
ao certo se deveria vir a ser advogado, funcionário ou professor liceal. Após 
alguns anos de hesitação decidiu­se pela carreira universitária. Hoje sabe ­ e 
sabe­o desde há muito tempo ­ que a escolha foi acertada.

A mesma insegurança que sentira perante a escolha de profissão sentiu­a também 
perante o problema do casamento. A casa

dos pais não lhe dera naturalmente ocasião de obter experiências sociais. Na 
escola era bem visto mas as raparigas não se haviam interessado especialmente 
pelo rapaz um pouco sério e tímido de mais, que além disso também não possuía 
encantos especiais, e não sabia lidar com raparigas. Numa idade em que todos os 
seus amigos tinham já êxitos sexuais, ele não os conhecia; só à volta dos vinte 
e cinco anos se conseguiu aproximar de uma colega.

Mas ela não era a mulher com quem ele pretendia casar.

O problema do casamento ficou longamente por resolver, porque diversas relações 
não se mantiveram com o tempo.

Então quando Viktor, agora com 34 anos, encontrou Ella entre as suas alunas, 
soube logo que era esta a mulher por que esperara inconscientemente, e tomou a 
decisão de pedi­Ia em casamento.

Apesar da sua juventude, Ella tinha já a experiência de um

matrimónio infeliz e agitado; também para ela a solução agora oferecida foi a 
acertada.

Mas o que se entende por «acertado» e o que se alcançou, do ponto de vista 
psíquico?
O próprio Viktor empregou a palavra «acertado» falando da sua vida quando se 
discutiam as questões matrimoniais. «No essencial», dizia ele, «parece­me que 
fiz tudo bem, apesar das muitas dúvidas com que tomei as minhas decisões ­ 
excepto a decisão de casar: essa pareceu­me logo acertada.»

«0 que quer dizer com «acertada»?» perguntei eu.

«Ah», disse ele, «acertado quer dizer, de qualquer maneira assim como devia ser. 
Quero dizer, como a solução correcta de um exercício, de uma adivinha ­ talvez 
dos diversos componentes do enigma da vida», acrescentou ele rindo.

«Mas se o resolveu bem, porque está então aqui?» «Isso é que é uma boa 
pergunta», disse ele. «Bem, talvez tenha de explicar melhor o que quero dizer. 
Sou de opinião que escolhi a profissão e a mulher adequadas para mim; ambas 
estão de acordo com a minha maneira de ser e permitem­me evoluir.»

«A expressão «realizar­se a si próprio» serviria para isso a que se refere?»

«Pois, essa é a expressão exacta, é isso mesmo que eu quero dizer. Poderíamos 
ter assim uma vida boa. E na realidade temos. Mas depois discutimos por causa 
dos filhos, ou por causa do modo como Ella administra a casa, ou por causa da 
minha relutância em sair tanto como pretende.

Ela tem razão, eu não sou suficientemente sociável e provavelmente sou antiquado 
em muitos aspectos ­ parece­me infantil consultá­lo por estas razões. Mas quando 
Ella me disse que as contínuas discussões a indispunham e que um especialista 
talvez nos pudesse orientar, disse para comigo: em criança nunca me pude dar ao 
luxo de pedir um conselho aos meus pais, nós tivemos de resolver todos os 
problemas sozinhos ­ talvez seja bom ouvir uma vez a opinião de outra pessoa, 
embora na realidade me sentisse sempre muito orgulhoso por conseguir vencer

sozinho todas as dificuldades.»

Depois de falarmos durante algum tempo acerca das discussões entre o casal, 
chegámos ao ponto principal, que era a autocrítica de Viktor relacionada com o 
seu insuficiente êxito profissional.

«Estou agora com 50 anos», disse ele, «ensino numa pequena Universidade e tenho 
um vencimento reduzido. Não sou muito conhecido, muitas vezes me censuro a mim 
próprio por não ter progredido mais. Na escola era sempre muito louvado pelos 
professores devido ao meu aproveitamento, mas mais tarde durante o curso 
verifiquei que não pertencia aos mais dotados; e não foi fácil reconhecê­lo. Eu 
era ambicioso ­não gosto de perder ­ e contudo não quis fazer aquele esforço 
mais que talvez me tivesse levado mais adiante ... »
«Acha que isso teria sido para si o acertado?» «Sim e não ­ não sei ao certo. A 
minha mulher dizia muitas vezes que se eu tivesse fomentado mais relações 
sociais teria avançado mais. Talvez..., mas não está na minha maneira de ser... 
A minha mulher não compreende isso... Sabe», acrescentou após uma pausa, 
«quando se chega à minha idade começa­se a

meditar acerca daquilo que se desperdiçou na vida. Agora é talvez já demasiado 
tarde para encontrar um lugar melhor ­ou

acha que o tente mesmo assim? Devo­o a mim e à minha mulher?»

O que Viktor diz aqui significa o seguinte: chegou a um período em que valora 
retrospectivamente a sua vida, faz o balanço e pergunta a si próprio se, no 
sentido da realização, fez de si e da sua vida o suficiente. O suficiente 
atendendo às potencialidades de que dispunha.

Ao que parece Viktor é, por um lado, uma pessoa orientada para a expansão 
criadora, isto é, para a auto­realização. Por outro lado, o facto de se ter 
conformado mais ou menos com a sua pequena cátedra mostra que se adapta 
facilmente a condições dadas, e talvez também que acha o comodismo das poucas 
exigências, a vida tranquila na pequena Universidade mais agradável do que a 
tensão que grandes realizações exigiriam dele. Isto significaria que as 
tendências básicas de adaptação autolimitadora e de satisfação de necessidades 
compensam a sua tendência expansiva criadora. Talvez seja apenas a ambição da 
esposa, talvez sejam apenas vestígios da ambição aguçada durante o

tempo da escola, ou então é o remorso das potencialidades negligenciadas que não 
deixam sossegar a sua autocrítica.

Na autovaloração, esta visão crítica retrospectiva que no

nosso caso recai na fase do climatério, faz­se o resumo de todas as anteriores 
autovalorações que acompanharam os esforços da pessoa desde a infância mais 
remota, e que surgem então sob
* forma de uma enorme auto­acusação, ou, noutros casos, sob
* forma de um  ‘ satisfeito louvor a si próprio.

O homem acompanha o seu agir e o seu pensar ininterruptamente de autovalorações. 
Isto principia com monólogos, como

este que se segue, em que Pedro, que ainda não tem dois anos

de idade, discute pensativamente consigo próprio acerca da sua pessoa: « É 
menino bom? É menino mau? ­Não, é menino mau», é esta nesse momento a conclusão 
a que chega ­um testemunho de si próprio capaz de satisfazer este pequeno 
rebelde de dois anos. Estas autovalorações atingem o seu ponto máximo

e o seu significado decisivo por volta dos 50, 60 anos, quando se faz uma 
espécie de balanço da vida e se pergunta: ­Até que
ponto consegui realizar a minha vida? Até que ponto posso ainda recuperar o que 
falta? Até que ponto tenho de renunciar definitivamente àquilo com que a 
princípio sonhei?

Este tipo de autovaloração resulta em parte em vista daquilo que se sente serem 
as nossas potencialidades, em parte em vista de desejos não realizados ou 
ideais. Impõe­se agora conhecer a força motivadora destes factores.

7. POTENCIALIDADES E VALORES

Por potencialidades entendem­se as possibilidades que estão ao dispor de um 
indivíduo num dado momento: possibilidades no sentido de disposições, capacidade 
de aprendizagem e talentos; possibilidades no sentido da profundidade do 
sentimento, da amplitude da visão, da força dos impulsos que um indivíduo 
consegue desenvolver; e ainda possibilidades como elas se apresentam 
condicionadas pelos meios que o ambiente proporciona ao indivíduo, pela sua 
situação social e económica, por condicionalismos de ordem cultural e nacional; 
e por fim possibilidades determinadas pela idade, pela vida passada, pela época, 
etc.

As potencialidades são portanto, por um lado, as condições existentes no próprio 
indivíduo, por outro lado, as «chances» e possibilidades que lhe são oferecidas 
pelo mundo ambiente.

Devido à multiplicidade destes factores, que mal se pode ou

não se pode de todo abranger, é por enquanto possível só numa

medida muito restrita a previsão da evolução de um indivíduo.

Os testes e os questionários fornecem­nos naturalmente hoje em dia muitos 
conhecimentos científicos acerca de uma pessoa. E duma maneira geral, o 
conselheiro e psicoterapeuta experimentado conhecerá e poderá, após algum tempo, 
ajuizar bastante bem acerca de uma personalidade com que trabalha. Mas há certas 
coisas que mesmo então ainda ficam por explicar.

Se por exemplo voltarmos a considerar o caso de Viktor, que acabamos de 
descrever, até certo ponto não chegamos a saber se de algum modo ele modificará 
ainda drasticamente as suas

condições de vida. A pessoa experimentada responderá: provavelmente não. Ele 
considerará a idade e as condições afinal de contas agradáveis e pensará que 
Viktor, apesar das possibilidades maiores que o seu talento e educação lhe 
ofereciam, se interessa menos pela expansão do que pela adaptação e pelo 
desfrutar pacífico da vida. São portanto todos estes factores que determinam as 
suas potencialidades.
E então porque crê Viktor que se deve censurar a si próprio? Estas autocensuras 
são primeiramente consequência do seu insuficiente conhecimento de si próprio, 
uma vez que pensa no seu talento e na sua vasta educação, mas não pensa na sua 
tendência para evitar grandes esforços.

Além disso as censuras que faz a si próprio estão relacionadas com um outro 
factor, isto é, com os valores que o determinam!

Valores são preferências que damos a certas coisas no mundo. Estas coisas podem 
ser materiais ou ideais, posse ou

qualidades, êxitos, realizações ou outras coisas mais.

Como Henry Margenau expôs claramente, existem preferências fácticas e 
normativas. As preferências fácticas são coisas que desejamos ­como amor, 
felicidade ou posse­, as preferências normativas são coisas que reconhecemos 
como sendo de justificado valor, quer as desejemos para nós ou não. Destes 
valores, como por exemplo a veracidade, a bondade, a justiça ou também o amor à 
verdade e beleza, dizemos que têm um «carácter de dever­ser», isto é, que todos 
deveriam querê­los.

Desde cedo uma criança aprende a crer em determinados valores, como dizemos. 
Quer dizer, crê que será feliz se tiver a boneca, ou que a mãe gostará dela se 
se comportar bem. Tal crença provém nalguns casos dos próprios desejos da 
criança, noutros, especialmente quando se trata de valores com um carácter de 
dever­ser, foi­lhe ensinada pelos que a rodeiam. Mas também há dentro do próprio 
indivíduo raízes para construções idealizadas, como chamamos a valores com o 
carácter de dever­ser. ]@ espantoso como as crianças se impõem cedo finalidades 
que contêm determinados valores.

Muito tempo antes de Alfred (sete anos) comunicar à benevolente tia, respondendo 
às suas perguntas, que queria vir a ser aviador, inconscientemente já tomara 
algumas resoluções muito mais importantes e decisivas para a sua vida futura.

Quando tinha quatro anos já era seu propósito ocupar­se sempre com ferramentas. 
Já desde pequeno consertava os estragos em casa com as suas ferramentas de 
criança. Mais tarde veio a ser construtor de máquinas.

Mas mais importante ainda era outro ideal de Alfred: nunca

cometer um erro, nunca merecer uma repreensão. É claro que quando tinha quatro 
anos não dizia isto a si próprio por estas palavras. Mas hoje, com 26 anos, 
lembra­se ainda perfeitamente das circunstâncias que o levaram a esta decisão.
Sucedeu uma vez que chegou à mesa com as mãos sul         .as e a mãe o mandou 
embora, censurando­o. Alfred achou insuportável o facto de ser censurado. Queria 
estar inteiramente acima de qualquer repreensão. Retendo as lágrimas foi para o 
quarto e pôs­se a pensar como a partir de então poderia fazer tudo bem feito.

Mas o mais notável não é que Alfred seja ainda hoje um

perfeccionista invulgar que nunca acha suficientemente bem feito o que faz, a 
não ser que esteja realmente perfeito, mas um outro facto diferente: os 
problemas e angústias que essa ânsia de perfeição lhe criaram deram­lhe em 
adulto tantas preocupações, que teve de recorrer a um tratamento 
psicoterapêutico.

No caso de Viktor, vimos como em criança discutiu o seu

futuro com o pai e como decidiu estudar para assim tornar real por assim dizer 
para ambos o sonho que o pai não pudera realizar.

Freud designou de identificação a adopção de um ideal dos pais. Sem dúvida as 
identificações, isto é, o equiparar­se a um

adulto que se admira, contribuem decisivamente para a evolução própria de um 
indivíduo.

Contudo o psicanalista Erik Erikson mostrou nos seus trabalhos mais recentes que 
ao lado da identificação ainda há muito mais coisas que contribuem para a 
formação daquilo a que ele chama uma identidade. E por isso entende Erikson 
aquilo que faz uma pessoa sentir e saber: «Isto sou eu próprio». Para a 
identidade contribuem sem dúvida, como o mostra Erikson, as tendências mais 
próprias do indivíduo tal como o desenvolvimento das suas potencialidades.

Naquilo que ele por fim é, estão incluídas as valorações de uma pessoa.

Viktor retomou realmente, como vimos, as valorações do pai que amava e veio a 
ser aquilo que o pai quisera ter sido. O pai orgulha­se deste filho e está 
satisfeito com o que ele alcançou.

O conflito que Viktor agora vive ao sentir que, para escapar a dificuldades, não 
desenvolveu as suas potencialidades, não procede, como é quase sempre o caso, da 
sua infância. Tem uma origem mais recente e diz respeito à questão de como 
Viktor pretende fixar mais ou menos definitivamente a sua identidade: irá fixar­
se até certo ponto calmamente na sua cómoda forma de vida de agora, ou quererá 
cobrar ânimo para nova expansão e fazer renovados esforços?
As complicações no caso de Alfred são de um género um

pouco diferente. Alfred parece identificar­se totalmente, na sua valoração, com 
a dos pais. Tem­se a impressão que ele pretende
o mesmo que eles. Mas na realidade ele é um rapazinho para o

qual é impossível que a perfeição possa ser muito importante.

Desde Sigmund Freud, interpreta­se um comportamento como o do pequeno Alfred de 
quatro anos, como crendo a criança que só capta com segurança o amor dos pais se 
corresponder inteiramente às suas exigências. E por essa razão sacrifica as suas 
necessidades infantis a uma ânsia de perfeição. Freud, de cuja teoria da 
motivação trataremos em seguida, fala aqui de um conflito daquilo a que chama o 
Super­Eu com o Id («Es») ­conflito que esta criança resolve no sentido de um 
predomínio unilateral do Super­Eu.

Partindo do nosso ponto de vista, pode pôr­se a questão por que razão uma 
criança como Alfred julga que tem de fazer tão grandes sacrifícios, se estava 
absolutamente certo do amor dos pais, como confessa depois de adulto. Parece­nos 
existir aqui uma necessidade de adaptação autolimitadora invulgar, em 
consequência da qual a obediência a ordens num grau que não se exigia na 
situação dada se tornou e permaneceu a finalidade principal da vida.

8. A TEORIA DA MOTIVAÇÃO DE FREUD

Até agora ocupámo­nos de teorias de motivação em que se considera a 
personalidade como um todo não dividido. Daí se falar também de teorias 
globalistas. Especialmente Kurt Goldstein e Abraham Maslow acentuam que, segundo 
a sua opinião, a

motivação parte sempre do ser humano total e tem apenas uma finalidade, a da 
auto­actualização ou auto­realização. Estes investigadores também não fazem 
distinção decisiva entre motivações conscientes e inconscientes.

Na teoria de Charlotte Bühler há na realidade quatro tendências básicas que se 
entrechocam ocasionalmente; pudemos vê­lo pormenorizadamente sobretudo no caso 
de Vítor. Contudo, também em conflito, a personalidade pareceu­nos funcionar 
como

um todo. Só em casos patológicos nos parece dar­se uma cisão interna extrema ou 
um descalabro.

Pelo contrário, na teoria da motivação de Freud a personalidade está dividida em 
três sistemas: o Id («Es»), o Eu e o Super­Eu representam três impulsos e mundos 
interiores relativamente independentes.

O Id («Es») ­são os impulsos sob cujo domínio exclusivo Freud imagina o recém­
nascido. Enquanto o ld domina um indivíduo, ele não tem consciência das suas 
acções e impulsos.
A consciência acorda só com o Eu, que deve o seu aparecimento ao encontro do 
indivíduo com a realidade. O indivíduo, enquanto funcionar como um Id («Es»), 
vive prisioneiro dos seus impulsos ou desejos e não se apercebe da realidade. Só 
toma atenção nela mais tarde, quando é frustrado na satisfação das suas 
necessidades, isto é, quando lhe é recusada a satisfação. Neste momento levanta­
se o problema se o indivíduo pode ou

quer aceitar a realidade frustradora, ou se insiste na satisfação dos seus 
desejos. Este é o primeiro conflito na vida do bebé.

Ao primeiro junta­se em breve um segundo conflito. É o

que surge entre os impulsos próprios e os desejos e as imposições de outros, 
especialmente dos pais. Este é o conflito entre o Id («Es») e o Super­Eu, 
correspondendo este àquilo a que se chama vulgarmente consciência. O Super­Eu 
representa, segundo Freud, as normas da sociedade « internalizadas » pelo 
indivíduo normas, mandamentos, e proibições que foram transmitidas à criança 
pelos pais e que a criança adoptou.

O conflito provém do facto de a criança ter de sacrificar a

satisfação dos seus próprios impulsos ­do seu Id (« Es ») aos desejos de outrem 
­representados pelo Super­Eu ­ o que muitas vezes não pode ou não quer fazer. E 
se mesmo assim for obrigada a fazê­lo por ser inevitável, só o pode «recalcando» 
para o

inconsciente os seus próprios desejos inacessíveis. Destes recalcamentos provém, 
quando eles são especialmente penosos, a neurose.

Uma vez que todos ouviram alguma coisa acerca da doutrina de Freud e muitos 
falam dele, mas não o citam correctamente devido à complicação do seu poderoso 
sistema de pensamento, e

uma vez que Freud influenciou grandemente não apenas a Psicologia e a 
Psiquiatria, mas todo o pensamento do nosso tempo, parece­nos indicado ocuparmo­
nos mais pormenorizadamente de algumas das suas ideias principais, assim como da 
sua história.

Para responder à questão de como e em que medida Freud introduziu realmente uma 
nova era do pensamento, o mais importante parece­me ser focar (ao lado de outros 
aspectos) a sua

análise penetrante do gigantesco papel que representa em nós o inconsciente. É 
verdade que já antes de Freud se conhecia o inconsciente. Mas o significado 
extraordinário do facto de se

«recalcarem» para o inconsciente vivências desagradáveis ou difíceis de 
suportar, só com Freud foi devidamente valorado. Quer se esteja de acordo com 
Freud em tudo, quer se verifique com

pesar que a este génio faltou a última sabedoria para apreender totalmente a 
existência humana ­uma coisa é hoje indubitável: as suas teorias modificaram 
totalmente a nossa compreensão de
nós próprios. É lamentável, por outro lado, a unilateralidade com que Freud 
teimou por último em pôr a existência humana num só denominador, que ele 
defendeu de modo provocante e contestável. Mas este facto não pode hoje, visto 
que os seus próprios alunos ousam romper esta estreiteza de visão, prejudicar em

nada a grandeza da sua obra.

Realmente pode­se falar, segundo creio, de pré­freudianos e

pós­freudianos entre os nossos contemporâneos. Com isto quero dizer que se podem 
distinguir nitidamente os pós­freudianos dos pré­freudianos, por os primeiros 
terem adoptado a ideia de auto­sugestão como consequência de uma repressão dos 
seus verdadeiros motivos, enquanto os segundos ainda não se aperceberam deste 
facto, permanecendo por isso ainda hoje pré­freudianos. Veremos um exemplo:

Se entram na minha consulta duas mães e uma delas me afirma com toda a seriedade 
que nunca sentiu outra coisa do que um amor profundo e altruísta pelos filhos e 
que se dedica inteira e totalmente à família, enquanto a outra diz um pouco 
deprimida: «Sabe, não é raro eu sentir que os meus filhos, que eu amo muito e 
significam tanto para mim, me pesam horrivelmente, e desejar estar livre e fazer 
qualquer coisa para mim... talvez ache que eu sou uma má mãe» ­então tenho dois 
exemplos à minha frente de como se pode ser um pré­freudiano que se engana a si 
próprio ou um pós­freudiano com ideias claras acerca de si próprio.

É verdade que bons conhecedores dos seres humanos podem ter sabido desde sempre 
que uma virtude demasiado grande é suspeita, mesmo quando parece estar ligada a 
uma grande sinceridade. Adivinharam que deviam estar ai em jogo outros motivos 
menos «virtuosos».

Mas só desde Freud conseguimos ter uma visão real da complexidade da estrutura 
de motivação ­por vezes uma confusão e contraposição altamente complicada das 
mais diversas motivações. Assim  aprendemos com ele que a mãe tão altruísta do 
nosso exemplo procura talvez uma compensação para a falta de amor conjugal ou 
frigidez sexual, ao dedicar­se exageradamente aos filhos; ou que vê o seu único 
valor no sacrifício pelos filhos, valor que ela se nega a si própria como 
pessoa; ou então que lhe dá uma falsa satisfação o sentir­se mártir; ou outras 
razões possíveis. Normalmente toda a pessoa necessita para si própria de pelo 
menos tanto quanto dá de si, e pessoas que julgam desabrochar totalmente na 
dádiva enganam­se acerca

da natureza dos seus motivos de um modo ingénuo, como temos de dizer desde os 
esclarecimentos de Freud.
78 O frontispício da obra clássica de Freud «Três Dissertações acerca da Teoria 
da Sexualidade»                                A.BrIANOLUNGEN z.U R

EXITALIMEO..I.UB, À genial descoberta do papel do inconsciente na motivação 
humana tal

como ao papel do recalcamento de vivências desagradáveis que com ele está 
relacionado, ligam­se ainda pelo menos duas outras descobertas de Freud, que são 
de importância fundamental.

A primeira é a concepção da dinâmica de todos estes fenómenos. Isto é: os 
fenómenos psíquicos já não são apreendidos apenas como reacções a estímulos, mas 
estas reacções são encaradas como

incluídas em processos que estão condicionados por um jogo de forças. Ainda não 
está totalmente esclarecido como se deve interpretar o jogo de forças. Contudo 
esta ideia é como tal geralmente reconhecida; relaciona­se de certo modo, embora 
por ora apenas frouxamente, com a ideia da dinâmica dos processos de 
configuração de W. Kõhler e Wertheimer, de que falámos no capítulo anterior. 
Comum aos dois sistemas é em todo o caso a orientação dinâmica.

Outro aspecto constitutivo importante da teoria de Freud, também adoptado por 
quase todos os psicólogos teoréticos e

práticos, é o reconhecimento do papel fundamental que as

vivências da primeira infância desempenham na posterior evolução da nossa 
personalidade. Todos os casos que relatámos nos dão provas para o afirmar.

As três descobertas do papel do inconsciente e do recalcamento, da dinâmica da 
vida anímica e do significado das vivências infantis estão estreitamente 
relacionadas. Freud descobriu­as juntamente com Joseph Breuer em 1880, no 
decurso do tratamento de uma doente histérica, e, como ele próprio diz, «por 
acaso» e para grande «espanto» de ambos.

E esta foi a descoberta de Freud no «caso Anna O.», desde então célebre: a 
doente curou­se da sua doença por ter sido levada a recordar e a exprimir as 
suas vivências traumáticas, que havia esquecido. «Traumáticas» ­a palavra vem do 
grego trauma = ferida­ são vivências profundamente emocionantes, nocivas pelas 
suas consequências. Na pessoa histérica esta lesão psíquica transforma­se em 
sintoma e sofrimento físicos.
Na descoberta que se iniciou com o «caso Anna O.» e que se continuou com outros 
casos, são decisivos uma série de pontos. Neste momento apenas nos ocuparemos 
daqueles que são essenciais para a teoria da motivação e trataremos os outros no 
capítulo sobre a Psicoterapia. O que se demonstrou em primeiro lugar foi que as 
doenças psíquicas podiam ser causadas por vivências recalcadas e, em 
consequência desse recalcamento, «esquecidas», especialmente de vivências da 
infância.

O recalcamento é um esquecimento aparente, que se dá « intencionalmente » mas é 
justamente inconscientemente intencional. Através deste «esquecimento» tornam­se 
inconscientes as

vivências anteriormente conscientes. E com a consciência desaparece o 
sofrimento, pelo menos passageiramente.

Recalcam­se vivências, porque nelas se trata de desejos não realizados, 
«condenáveis», de que só se pode desistir se o indivíduo se forçar a esquecê­
los. E os desejos são condenáveis porque visam prazeres sexuais proibidos, dos 
quais existe desde cedo muito maior quantidade do que alguém supusera antes de 
Freud. A comoção traumática por fim baseia­se na experiência global dos desejos 
fortíssimos, no medo da descoberta, nos

complexos de culpa e na repressão final dos desejos. Era opinião de Freud que 
todas as experiências desta natureza estavam ligadas com a sexualidade.

Esta opinião tornou­se a pedra basilar do seu pensamento teórico. Nela se baseia 
a sua teoria da libido, que na sua forma originária afirma que todo o impulso 
tem a sua causa no instinto sexual. É encarada por Freud como uma força, e mesmo 
como a energia fundamental que determina os fenómenos vitais e que actua na, 
dinâmica da vida psíquica. Embora o conceito de «energia» aqui empregado não se 
esclareça totalmente ­visivelmente trata­se de forças diferentes das da física ­ 
não há dúvida que hoje se reconhece geralmente a ideia de uma dinâmica dos 
processos psíquicos.

A concepção de libido de Freud, no início muito radical, foi várias vezes 
modificada por ele, a pouco e pouco, e o conceito de sexualidade alargado de tal 
modo que abrangesse todo o

prazer no sentido mais lato. Freud supôs então vários estádios evolutivos e 
formas deste prazer. A forma mais primitiva é o

prazer de sucção do lactente, chamado prazer oral. Uma segunda forma são as 
sensações de prazer na expulsão ou retenção das fezes, que Freud designou por 
prazer anal; atribui­lhe um papel importante na vida psíquica da criança de um a 
quatro anos. Considera a fase do prazer fálico, que provém da função dos órgãos 
genitais, como começando dos três aos sete anos. Todas
estas fases representam graus na formação da sexualidade. A tese de Freud neste 
período da sua criação era que obter prazer e evitar sofrimento era o motivo 
básico de todas as tendências.

É na primeira infância que Freud encontra menos inibições em relação a esta 
tendência para o prazer no seu sentido mais lato; foi ele o primeiro a chamar a 
atenção para os primórdios da excitação sexual no sentido mais estrito, dentro 
desta fase da vida.

No decorrer da evolução e da formação da sua teoria, Freud deu­lhe uma redacção 
mais científica, com a qual ela, até há pouco, teve uma difusão extraordinária, 
especialmente entre os

psicanalistas americanos. Nesta última versão de Freud, em que se torna visível 
a influência do psicofísico Gustav Theodor Fechmer, substitui­se o princípio 
psicológico de prazer­desprazer por um princípio de tensão­distensão, encarado 
mais sob o ponto de vista físico. A teoria diz agora: O organismo tende para a

distensão, que traz prazer, enquanto o aumento de tensão é desagradável. Esta 
teoria foi equiparada mais tarde, sob influência americana, à doutrina    da 
Homeostasia, do grande fisiólogo Walter B. Cannon (1871    até 1945). A 
homeostasia é, segundo Carmon, a tendência para a recuperação do equilíbrio 
interno do corpo, inerente a todo o ser vivo ­ é a tendência, por exemplo, de 
regular a temperatura   do corpo de tal maneira que ela se mantenha em condições 
óptimas embora oscile à volta do «equilíbrio» normal. A teoria de Freud do 
princípio de tensão e distensão foi considerada como sendo a teoria psicológica 
paralela à homeostase fisiológica, e portanto ao princípio orgânico da 
recuperação de estados de equilíbrio no corpo. A recuperação do equilíbrio 
depende, segundo a teoria, tanto psíquica como fisicamente da realização de 
determinadas necessidades básicas. Se estas necessidades básicas ficam durante 
muito tempo por satisfazer, entramos em estado de tensão e por fim aparecem 
perturbações. A estes fenómenos correspondem vivências psíquicas de desprazer, 
inquietação, nervosismo, sensações de frustração e dores. Se a satisfação de 
necessidades não se

realizar repetidas vezes e durante muito tempo, pode isso vir a

dar origem a doenças.

9. UM CASO PSICOSSOMÁTICO

Um exemplo poderá ilustrar esta importante teoria. É um
caso de doença psicossomática. Este é o nome que se dá a sofrimentos físicos 
fortemente influenciados ou causados pelo psíquico (em grego soma = corpo).

]o
Robert Lange, representante de uma firma de máquinas de escrever dentro de uma 
vasta área incluindo cidade e campo, é um comerciante de 45     anos, 
extraordinariamente competente, ambicioso e trabalhador, marido consciencioso e 
pai de duas filhas adolescentes.

Há alguns anos que sofre de úlceras intestinais. Os antecedentes desta doença: 
nos primeiros anos da sua actividade como representante da grande firma, o 
senhor Lange não só não se

poupou mas também não tinha horas de comer. Viagens e visitas aos clientes, diz 
ele ainda hoje, quando o médico lhe recomenda refeições regulares e descanso, 
tornam muitas vezes impossível a divisão do dia de trabalho tal como isso é 
possível no escritório. Por conseguinte, ainda hoje sucede Robert estar uma

ou duas horas com fome antes de ter tempo de tomar alguma refeição rápida; ele 
não quer convencer­se de que a tensão a que expõe o seu organismo é a 
responsável pela sua doença. «Outros» diz ele «vivem ao mesmo ritmo que eu e não 
têm úlceras intestinais, e quando durante um ano tomei as minhas refeições 
regularmente também não desapareceram as minhas úlceras.»

A afirmação está certa na medida em que um ritmo acelerado e certa 
irregularidade, em si, não actuam como causadores de doença, embora uma tensão 
física que se estenda por alguns anos

quase nunca passe sem nervosismo, dores de cabeça e outros

sintomas somáticos de doença incipente ou que ameaça surgir.

O médico psiquiatra chamou a atenção de Robert para o

facto de ao esforço físico se acrescentar a carga psíquica de que sofria o 
doente, como sucede, geralmente, em casos de úlceras intestinais.

A constituição psíquica de Robert caracteriza­se por constantes preocupações, 
pelo medo de malogros e por uma grande consciência de responsabilidade. Também 
se irrita facilmente e

não tem paciência com os familiares. Isto significa que à tensão física se junta 
uma forte tensão psíquica. Na personalidade de Robert encontram­se ambas 
entrelaçadas.

Quais são então, para voltarmos às nossas considerações teóricas, as 
necessidades básicas que neste caso estão por realizar e foram recalcadas para o 
inconsciente?

10. DIVERSAS OPINIõES ACERCA DAS ORIGENS DAS DOENÇAS MENTAIS

Encaradas do ponto de vista meramente físico, as necessidades de alimentação e 
repouso do Senhor Lange são satisfeitas de modo irregular e insuficiente. Para 
mais é uma pessoa que
se preocupa demasiado. Mas que significa isto sob o ponto de vista de 
necessidades não satisfeitas e recalcadas para o inconsciente? Para um 
comerciante poderia tratar­se de diversos pontos: sente­se inseguro e sem estar 
à altura dos problemas do seu emprego; é ambicioso, interessado numa perfeição 
inatingível * nunca está satisfeito consigo próprio; toma demasiado a sério * 
sua responsabilidade e deixa­se impressionar demasiado por ela, ou algo de 
parecido mais.

Na Psicologia de Alfred Adler, que foi o primeiro opositor de Freud na questão 
acerca do domínio exclusivo do sexual como princípio explicativo, o motivo da 
insegurança e de um perfeccionismo nela fundado, isto é, a ânsia da perfeição, 
bastaria para a explicação do caso. Também Karen. Horney considera, tal como 
Adler, a aspiração da segurança como um motivo básico. Ambos os psiquiatras têm 
de comum o facto de considerarem o factor social como mais essencial do que o 
sexual, enquanto as

suas teorias divergem noutros pontos. Mas ambos, tal como

Freud, atribuiriam a insegurança e perfeccionismo do senhor Lange a vivências da 
infância, atribuindo contudo o papel decisivo a vivências diferentes das que 
Freud apontaria neste caso.

Adler e Horney procurariam experiências remotas que tivessem trazido insegurança 
a Robert em criança. No caso de Robert descobririam que ele foi muito admoestado 
pelos pais, que exigiam muito do seu filho único, de tal maneira que a

criança nunca estava certa de nenhum êxito, excepto se realizasse algo 
absolutamente perfeito.

Um dos meus doentes, que foi criado num ambiente igual a esse, contou­me que se 
lembrava nitidamente como, aos quatro anos, se propusera nunca cometer um erro. 
Já conhecemos este doente, de nome Alfred (vide pág. 138). Imagine­se uma

criança de quatro anos que sabe tão bem como deve comportar­se para obter o 
reconhecimento dos pais!

«Quando íamos comer fora», relatou Alfred, «pensava que ia encomendar o mesmo 
que Margot, pois então estaria certo de não cometer nenhum erro.» Margot era a 
irmã mais velha de Alfred que se comportava sempre bem. Os pais destas crianças 
tinham como princípio educar os filhos de modo a serem independentes mas 
simultaneamente a serem responsáveis. Assim, as crianças tinham autorização de 
escolher o seu almoço na
lista mas simultaneamente deviam ter consciência de que a

economia fazia parte da sua responsabilidade em relação à família. Eram portanto 
repreendidas se encomendavam um

prato caro.
Alfred contou­me além disso a importância que tinha para ele, aos quatro anos, 
o sentimento de pertencer ao círculo da família e de ser considerado como um 
membro importante desta. «Nessa altura», disse ele, «pelos vistos ainda 
estávamos muito unidos, e isso dava­me uma grande segurança. E quando mais tarde 
o meu pai nos abandonou isso tornou­me infeliz e inseguro».

Alfred confirma aqui com as suas próprias palavras que a

segurança era para ele extraordinariamente importante, e vê­se nitidamente como 
o seu perfeccionismo está ligado à necessidade que sentia de estar incluído na 
família. Tanto os pais de Alfred como os de Robert exigiram demasiado dos seus 
filhos desde muito cedo. Pais como estes tornam difícil aos filhos sentirem­se à 
altura de tais exigências e com isso sentirem­se seguros. Estas exigências a que 
nos referimos, também podem ser de natureza diferente do que as que vimos no 
caso de Alfred. Podem por exemplo consistir na exigência da parte dos pais que 
os filhos sigam à risca muitas ordens e proibições.

Uma criança, assim como pode sentir­se insegura por exigências demasiadas, 
também o pode por falta de exigências. Uma falta total de ordem, regularidade e 
linhas directrizes pode colocar uma criança diante de tarefas que não estão à 
sua altura, pela sua capacidade de crítica e de escolha deficientes. Também aqui 
se exige demasiado, embora de modo diferente.

A explicação até agora dada para os problemas de necessidade no caso de Robert 
Lange bastaria a todos os psicólogos que vêem um motivo básico na aspiração à 
segurança. A origem do sofrimento de Robert parecer­lhes­ia suficientemente 
esclarecida se pudessem comprovar na sua infância a influência de pais ríspidos 
e ambiciosos.

Franz Alexander, que procurou aplicar a teoria de Freud, dos conflitos 
inconscientes e da sua dinâmica, a determinadas doenças físicas como a asma, 
artrite, doenças de pele e úlceras de estômago e intestino, não se deu por 
satisfeito com esta explicação, mas defendeu o ponto de vista de que um grau de 
insegurança e perfeccionismo que provoca uma doença interna tão grave como 
sucede no nosso exemplo, deve ter causas mais profundas do que apenas certas 
exigências da parte dos pais. A sua opinião era que o doente, quando criança 
pequena, não só estivera submetido a uma disciplina rígida, mas que também lhe 
faltara então amor e ternura suficientes. Franz Alexander e os seus 
colaboradores, cujos estudos intensivos da Psicologia de doenças psicossomáticas 
pertencem aos mais considerados neste campo tão interessante e importante, 
encontraram constantemente em doentes com úlceras de estômago e intestino
um desejo intenso de dependência psíquica de alguém que os

acarinhasse; este desejo de dependência e carinho anda contudo ligado à vergonha 
desta necessidade, que por isso é recalcada. Isto quer dizer que o desejo e 
repúdio simultâneo da sua necessidade lança estes doentes num conflito interno 
sem solução. Entre os analistas alemães é especialmente conhecido Alexander 
Mitscherlich, pelas suas interpretações semelhantes de doenças psicossomáticas. 
Mitscherlich mostra, num tratado impressionante, o papel importante que 
desempenha neste tipo de doenças crónicas o sentimento de desespero, ao qual ele 
atribui uma acção dinâmica decisiva, tal como ao papel da esperança.

Mas significará isto que todas as pessoas cuja necessidade infantil de carinho e 
amor não foi suficientemente satisfeita, e

que além disso são colocadas diante de difíceis tarefas, mais tarde venham a 
padecer de úlceras do estômago e do intestino? Naturalmente que não. Além das 
vivências que lesaram psicologicamente, têm de existir também determinadas 
disposições, isto é, predisposições fisiológicas e psíquicas para que surja uma

doença grave.

É que estas doenças atacam sempre as partes fracas de um

organismo. A maioria das pessoas possui uma tal fraqueza muitas vezes já desde o 
nascimento ou desde tenra idade ­ quer tendendo para perturbações digestivas ou 
frequentes constipações, para erupções cutâneas ou outras doenças leves. Uma 
doença em consequência, por exemplo, de uma tal debilidade orgânica constitui 
então frequentemente o ponto de partida de padecimentos graves que se 
desenvolvem com a neurose.

A teoria originária de Alfred Adler partia da relação entre a inferioridade 
orgânica e a neurose, mas mais tarde abandonou­a. Ele supunha que na formação da 
neurose existia sempre qualquer fraqueza que levava a um chamado complexo de 
inferioridade. E a pessoa assim atingida tentaria simultaneamente compensar essa 
fraqueza com realizações invulgares noutros campos. Na realidade muitas vezes 
observa­se que uma criança que é fisicamente débil e não realiza nada no campo 
dos desportos, para equilibrar, por assim dizer, esta fraqueza, se lança na 
leitura exagerada de livros ou então segue entusiasmada qualquer outro assunto 
que lhe interessa.

11. DEFINIÇÃO DA NEUROSE E DA PREDISPOSIÇÃO PsíQUICA

A maioria das doenças mentais ligadas muitas vezes a sintomas, se não mesmo a 
achaques ou sofrimentos físicos, são
neuroses. Também os casos de Alfred e Robert Lange, que acabámos de descrever, 
são neuroses. Vimos como a satisfação insuficiente de necessidades e os 
recalcamentos podem levar a

neuroses. Mas para uma neurose é sempre necessária também uma predisposição 
psíquica. Ambos os conceitos, neurose e predisposição psíquica, não são fáceis 
de entender e carecem de uma explicação cuidada.

É interessante notar que ainda muito tempo depois da descoberta da existência da 
neurose, «esta doença do nosso tempo», havia entre os especialistas 
discordâncias acerca da definição deste conceito. Entretanto conseguiu­se maior 
uniformidade neste aspecto, de modo que é possível indicar algumas 
características reconhecidas por todos na definição da neurose.

Em primeiro lugar encontramos no neurótico uma insuficiente capacidade para 
vencer as dificuldades da vida. E trata­se aqui justamente das dificuldades do 
dia­a­dia. Em situações que exigem energias psíquicas invulgares, como, por 
exemplo, em

catástrofes ou perigos de outra espécie, em deportações, por exemplo, os 
neuróticos aparecem muitas vezes como que transformados e com inesperada 
capacidade de adaptação, como aliás se provou cientificamente.

Também na vida do dia­a­dia muitos neuróticos nos parecem à primeira vista como 
estando inteiramente à altura das suas tarefas e missões. Robert Langue, que 
apresentámos como exemplo, parecia aos seus colegas e amigos ser um comerciante 
competente; a esposa, que tinha pouca compreensão para com a vida interior do 
marido, achava que «ele próprio tinha culpa do seu

nervosismo, porque se atarefava sem necessidade e se preocupava inutilmente». 
Esta é na realidade uma das opiniões mais correntes dos leigos. Julgam muitas 
vezes que esta «pretensa» doença, como lhe chamam, é de certo modo produto da 
própria pessoa e, na realidade, totalmente desnecessária. Na maioria dos casos 
não levam a sério as pessoas «nervosas», e pensam com certeza que tudo não passa 
de «fitas» ou duma exagerada sensibilidade. Na realidade, devemos confessá­lo, 
justamente em certos neuróticos existe um factor de hipersensibilidade que 
parece «exagerado» ou «artificial» à pessoa sã.

Mas o facto é que justamente uma espécie de hipersensibilidade, isto é, uma 
hipersensibilidade a determinados estímulos, pertence às predisposições inatas 
relativamente bem determinadas. O psiquiatra G. Langfeldt apresentou há pouco 
numa
cuidada monografia as relações entre constituição e hipersensibilidade. Muitas 
vezes, como há pouco o verificou Sybille Escalona em cuidadas observações feitas 
em crianças muito pequenas,
esta hipersensibilidade inata está estritamente ligada a uma

hipersensibilidade social. As perturbações psíquicas que se verificam nas 
pessoas hipersensíveis no ambiente médio começam já na mais remota infância e já 
nessa altura dão ocasião, em

muitos casos, a observações críticas por parte dos pais e professores que não 
compreendem estas reacções.

Mas a hipersensibilidade não é a única predisposição para reacções neuróticas. A 
opinião de Freud era’ que uma demasiada energia impulsiva, como ele lhe chamava, 
tornava um indivíduo incapaz de renunciar à satisfação do prazer e de se adaptar 
à realidade ­à família, mais tarde à sociedade­ impondo­se limites a si próprio.

Uma «energia impulsiva» demasiado forte torna dificilmente possível ou até 
impossível ao Eu fraco defender­se contra o Id («Es») demasiado forte. O 
conflito daí proveniente é reforçado se se der o caso de este Eu fraco ser 
impelido, ainda por cima, por um forte Super­Eu. Este Super­Eu provém de um 
segundo conflito, a que Freud chamou conflito de Édipo. Dá­se na fase da vida da 
criança que vai dos três aos cinco anos e, segundo Freud, é especialmente 
decisivo para uma evolução normal ou uma evolução neurótica o facto de a criança 
ter conseguido resolver o seu conflito de Édipo.

Freud criou este nome de conflito de Édipo apoiando­se na

lenda do rei tebano Édipo que, sem o saber, casou com sua mãe Jocasta. Freud 
afirma que todas as crianças   têm um desejo sexual natural pela figura dos pais 
do sexo oposto
­ o filho pela mãe, a filha pelo pai ­ mas

compreende que este desejo é irrealizável e que tem de desistir dele. Na 
renúncia normal, diz Freud, a criança é capaz de substituir o desejo de posse da 
mãe ou do pai «incorporando» em si as advertências dos pais. Desta incorporação 
por assim dizer simbólica surge o Super­Eu, a que já nos referimos.

Mas se, justamente devido a uma grande energia impulsiva, não se realizou a 
renúncia, então o conflito de Édipo não se resolve mas é recalcado, 
desenvolvendo­se o chamado complexo de Édipo. Freud designa

79 Édipo e a sua mãe Jocasta ­aqui como figuras da oratória da ópera «Edipus 
rex», de Igor

Strawinski
pela palavra «complexo» a fixação num desejo que pode ter sido recalcado para o 
inconsciente, mas que continua aí a existir.

Freud supunha que nessa «energia impulsiva» demasiado forte se tratava de uma 
constituição sexual inata, de que fala com muito mais à­vontade do que seria 
possível hoje na ciência. Porque hoje utilizamos as expressões «inato» ou 
«predisposição» com grandes reservas e só no sentido de disposições que se 
consideram todas como modificáveis através da experiência. Da penetração mútua 
de predisposição e experiência falámos já pormenorizadamente no capítulo sobre 
as raízes biológicas.

Noutras partes da sua obra, o próprio Freud acentuou que a forte excitação 
precoce do instinto sexual em crianças pequenas não tem de ser exclusivamente a 
consequência de uma grande «energia impulsiva», mas também pode ser a 
consequência de ternura excessiva por parte dos pais. Fala de um «instinto 
sexual que se tornou exigente devido aos mimos». Mas isto significa que ele 
próprio, em certas circunstâncias, considera a verdadeira responsabilidade para 
o desenvolvimento de uma neurose como podendo estar no ambiente.

A Psiquiatria actual tendia até há pouco, e especialmente na América, a 
atribuir, em medida muito elevada, a culpa dos desenvolvimentos neuróticos aos 
pais. Só nos últimos tempos se encara de novo a disposição do indivíduo como 
causa parcial da neurose.

Se atendermos a um caso como o de Alfred, que com quatro anos se propôs «nunca 
cometer um erro», não podemos deixar de supor nesta criança uma enorme 
hipersensibilidade à crítica e repreensão, tal como uma insegurança invulgar. E 
isto é tanto mais de supor quanto Alfred sabe que quando era criança se

sentia amado pelos pais. Embora fossem muito severos e castigassem os filhos 
pelos disparates que faziam, estes castigos, contudo, não eram de tal ordem que 
uma criança se visse forçada a comprometer­se com ela própria a nunca mais 
cometer uma falta. Uma tal hiper­reacção, como é designada, tem de ter portanto 
as suas razões, em grande parte, na maneira de ser própria da criança. Alfred 
identificou­se invulgarmente cedo e num grau invulgar com a mãe perfeccionista, 
que dizia aos filhos: «0 que é digno de se fazer é digno de ser bem feito». Mas 
nenhum dos outros filhos se deixou impressionar tanto por esta atitude como 
Alfred.

Alfred demonstra com isto aquilo a que hoje se chama habitualmente fraqueza do 
Eu, pelo que se entende uma capacidade mínima de auto­afirmação. Foi desta 
deficiência que Alfred sofreu também depois durante a sua vida, até, aos vinte 
anos, se submeter à terapia.
Mas em que consistia a neurose de Alfred? A sua curta descrição dar­nos­á 
ocasião de terminar a definição do conceito de neurose.

Alfred estava no último ano do seu curso de construção mecânica, quando decidiu 
consultar um psicoterapeuta. As razões eram as seguintes: sofria de perturbações 
de concentração da atenção e de frequentes insónias, nunca achava 
suficientemente bom o trabalho realizado e, em vez de estudar, desperdiçava 
imenso tempo com diversas ninharias, como por exemplo a fazer pequenos arranjos 
em casa da mãe, com quem ainda vivia, ou fazendo toda a espécie de recados, 
sempre coisas que ele executava com um cuidado desnecessário ou que levavam 
intencionalmente um tempo também desnecessário. Embora se

criticasse a si próprio por causa deste comportamento, parecia não ser capaz de 
o modificar. E fazia todas estas coisas de modo compulsivo, isto é, como por 
obrigação.

Já falámos anteriormente da insegurança de Alfred e do seu perfeccionismo, e 
também nos referimos à sua forte identificação com a mãe, cujo amor ele talvez 
quisesse ganhar de modo especial, tornando­se perfeito. Alfred deve ter sentido, 
com razão ou sem ela, que nunca fazia o suficiente para satisfazer­se a si 
próprio e à mãe. Ainda agora tem complexos de culpa em relação a coisas cuja 
realização a mãe deseja, mas

cuja execução ele agora adia, insurgindo­se, ou realiza de maneira não 
suficientemente perfeita. Não menos fortes são os seus

complexos de culpa por achar que não leva avante de maneira suficientemente 
perfeita os seus próprios estudos.

Na contínua luta com as exigências da sua consciência rigorosa, Alfred tornou­se 
cada vez mais compulsivo, menos

livre e mais angustiado na execução dos muitos deveres que ele em parte se impõe 
a si próprio.

Esta não­liberdade de acção é geralmente reconhecida como a segunda 
característica fundamental de todas as neuroses.

Como já dissemos, em situações especiais de perigo, o neurótico pode 
repentinamente elevar­se acima de si próprio e até esquecer­se de si. Mas 
geralmente ele está mais ou menos exclusivamente ocupado consigo pró peio, com 
os seus problemas e conflitos e com a luta com as suas compulsões.
No fim deste capítulo sobre a definição da neurose e o

papel que desempenham no seu aparecimento as predisposições e o ambiente, 
reproduzimos um esquema de Franz Alexander numa forma um pouco modificada.
Grupo 1       Grupo 11         Grupo 111               Este esquema deve ser

entendido de tal maneira .............. 
que o triângulo escuro re­ ............... ..............

presenta as características ....................... .............. . 
............... .............. ............... .............. .............. 
inatas que predispõem à ......................

neurose, e .. ............... .. ............... . ............... as 
influências nefastas pro­ .............. 
o triângulo claro

80 O esquema mostra como as carac­                    venientes do ambiente e da 
terísticas inatas que predispõem à neu­               experiência da vida. O 
recrose (escuro) e as influências nefastas provenientes do ambiente e da expe­ 
tângulo mostra então que, riência da vida (claro) actuam conjun­ 
num caso extremo, predistamente. No grupo I, as predisposições 
posições muito fortes, mesmuito fortes podem, até num ambiente favorável, 
produzir uma neurose, tal                  mo no ambiente mais facomo pode 
acontecer no grupo III, com                 vorável, podem produzir 
predisposições relativamente muito favoráveis, num ambiente externamente 
neuroses, e que, no outro desfavorável. (Modificado segundo 
caso extremo, elas podem

Franz Alexander)                         ser produzidas por predisposições 
relativamente muito favoráveis se o ambiente for extremamente desfavorável. 
Entre estes dois extremos encontram­se partes proporcionalmente variáveis de 
ambos os factores.

12. A NOVA PSICOLOGIA DO EU

Freud e os seus alunos mais antigos oeuparam­se quase exclusivamente de doenças 
mentais e da sua cura. No seu trabalho psicanalítico com os seus doentes, na 
maioria gravemente perturbados, viam­se a braços com a tarefa de compreender a

problemática muitas vezes irracional destas pessoas.

Isto modificou­se essencialmente na medida em que os psicólogos modernos 
tentaram aplicar o sistema de Freud também à compreensão da evolução normal, ou 
então ao trabalho com indivíduos, casais, e famílias cujos problemas e conflitos 
eram muito mais facilmente compreensíveis e solucionáveis.
E então verificou­se que o aparecimento e o papel do complexo de Édipo tinha 
sido subestimado por Freud, e que em vez disso estão em primeiro plano da 
problemática do indivíduo normal a evolução do Eu e solução de valores.

A nova Psicologia do Eu dos analíticos, proveniente destas observações, 
aproxima­se, muito especialmente sob a direcção de Heinz Hartinarm e Erik 
Erikson, da psicologia dos não­analíticos, a que já nos referimos.

As questões que se põem aqui e que interessam aos dois grupos serão 
esclarecidas mais adiante e tratadas mais pormenorizadamente no capítulo sobre a 
Psicoterapia.
IV. ­ O Desenvolvimento

1. CONVERSA ENTRE DUAS MÃES

Todos sabemos o que significa a palavra desenvolvimento. Também o sabem as duas 
mães que estão sentadas no parque e comparam os seus dois rebentos.

«Maxel», diz uma das mães, «desenvolve­se muito mais depressa do que o meu 
primeiro filho. Talvez isso provenha de imitar tanto o Erwin. Tudo o que o Erwin 
faz também o Maxel quer saber fazer; e assim aprendeu muito mais depressa a 
falar, a andar, a trepar e quer fazer tudo sozinho».

«Sim, mas as crianças também são diferentes umas das outras», diz a outra mãe. 
«A minha Gretel é muito menos independente do que o foram os nossos primeiros 
dois filhos. Embora tenha os outros como exemplo, ela quer que a ajudem em tudo 
o que faz, a vestir­se, a comer e até a brincar.» «Talvez isso se explique por 
ser amimada pelos outros por causa de ser a mais pequena», diz a mãe de Maxel. 
«Gosta de ter toda a gente à volta dela a servi­la».

Embora estas duas mães não tenham estudado Psicologia, têm consciência de uma 
série de factos que são cientificamente comprováveis e que são verdadeiros. Em 
primeiro lugar sabem que existe, paralelamente ao crescimento infantil, uma 
sequência

e um aparecimento regular de determinadas actividades e modos de comportamento, 
e que se chama a isso desenvolvimento. Sabem que estas actividades e este modo 
de comportamento devem surgir em média numa determinada idade. Além disso, 
também sabem que o desenvolvimento pode ser influenciado por intervenção do meio 
ambiente. Pode ser acelerado através do exemplo e do ensino; pode ser retardado 
se se exigir demasiado pouco da criança ou se ela for impedida de outro modo no 
seu progresso. E finalmente também uma das mães se refere ao facto de que as 
crianças mostram determinadas diferenças individuais ou diferenciações 
individuais, em consequência das quais se desenvolvem num ritmo diferente, em 
diferentes sentidos.
2. MATURAÇÃO E DESENVOLVIMENTO PSíQUICO

Qualquer pessoa que, como estas duas mães, tenha observado o crescimento, o 
desabrochar, as transformaçõ es e o que cada dia traz de novo na aparência e no 
comportamento dos filhos, concordará que o desenvolvimento pertence aos 
fenómenos mais fascinantes da vida. Muitas vezes parece confinar com o 
maravilhoso, .. ...... .....              5  J . .. ..... .. ... . .. ..... .. 
... . .. ..... .. ... especialmente quando de repente surgem numa criança 
interesses ou talentos absolutamente inesperados.

«Carlos, Carlos!», chama a mãe, encantada, vindo a correr do quarto da filhinha 
para junto do marido  que está a fazer

barba. «Imagina só, a Susi                               . . . . . . . . . . . 
. . . . . . . . . . . . . tem imenso ouvido! Olha como ela dança, e ouve

como cantarola a valsa do     81 As sequências   dos  movimentos em Danúbio.» 
maturação: uma criança de seis meses

agarra apenas num cubo oco (de cinco
O pai e a mãe, que        que lhe foram apresentados) e observa o gosta de 
música, vão em                     movimento... bicos de pés até ao quarto da 
criança e observam encantados através da fresta da porta

a sua filha de dois anos aos saltinhos, e cantarolando correctamente a melodia 
da valsa. Ninguém ensinou isto à Susi ­um milagre.. .

Mas quando se revelam deficiências e perturbações no desenvolvimento, isso pode 
vir a ser uma tragédia para os pais.

«0 Paulinho não consegue de maneira nenhuma perceber o

que lhe digo», relata a mãe ao pediatra. «Creia, ele ou não quer

ou não pode compreender. Ainda não diz uma única palavra.»

O médico olha preocupado para a criança que com dois anos tem uma cara 
inexpressiva e olhos um pouco mongolóides. Como pode ocultar à mãe que talvez se 
trate de um caso de debilidade mental. Com palavras cuidadosas propõe que a
criança seja submetida a um teste psicológico, e a pobre mãe ainda tem 
esperanças...
82 ... a criança de sete meses agarra simultaneamente um cubo em cada mão 
...

83  ... a criança de oito a dez meses bate com um no outro   ...

84 ­com dez a doze meses mete os

cubos uns nos outros ...

85  ... e com um ano a ano e

meio empilha­os
Enquanto talentos e deficiências como estes aparecem muitas vezes de maneira 
absolutamente inesperada, é normal a maturação processar­se gradualmente e com 
regularidade. Por maturação entendemos os processos de desenvolvimento 
determinados pelo organismo. Estes mostram­se particularmente nítidos nos 
primeiros movimentos do lactente, e é extremamente interessante observar a sua 
evolução.

Quem tiver ocasião de estar junto do berço de um bebé de um a quatro ou cinco 
meses de idade, que observe o seu jogo dos dedos e mãos. Dum dia para o outro 
pode observar o

aumento de segurança e coordenação, os movimentos mais alargados e a gradual 
finalidade das acções de movimento.

As sequências ou evoluções dos movimentos em maturação são nesta fase tão 
regulares que se pode prever a fase que se

segue. Na recepção de crianças de uma instituição de Viena, em que se recebem 
por algum tempo crianças que são observadas em função da posterior possibilidade 
de adopção, demonstrámos durante os anos 30, e na sequência dos nossos trabalhos 
de investigação aí realizados, esta evolução nas pequeninas personagens para nós 
totalmente desconhecidas. Indo de cama em

cama, dávamos às crianças por exemplo um conjunto de cinco cubos coloridos e 
ocos que se encaixavam uns nos outros, e podíamos predizer com segurança que a 
criança de seis meses agarraria apenas um cubo e o agitaria, que a criança de 
sete meses agarraria com ambas as mãos simultaneamente um cubo em cada uma, a 
criança de   oito meses a dez meses bateria com os cubos uns nos outros, a 
criança de dez a doze meses os meteria uns

nos outros, e a criança de doze a dezoito

meses os empilharia.

Na evolução manifestam­se progressos importantes no

domínio de movimentos, tal como do V

estabelecimento intelectual de relações entre dois objectos. AO

86 Foi nesta sala abobadada que Arnold Gesell estudou os movimentos e posturas 
do corpo de crianças durante o primeiro ano de vida, entrando nos mais pequenos 
pormenores
Bola

87 A evolução do movimento de preensão vista através do exemplo da preensão de 
uma bola, de uma esferazinha e de um fio. Os números indicam a idade em semanas. 
(De H. M. Halverson, A further study of

grasping, 1932)

Especialmente o passo do meter uns nos outros ou empilhar dois ou mais blocos 
foi designado por mim (1928) como um dos passos mais importantes da evolução 
humana e considerei­o paralelo à descoberta do significado das palavras. Eu vi 
nele o progresso da manipulação para a primeira execução de uma obra, isto é, 
para a execução criadora de um novo produto. A obra de construção surge no 
início realmente muitas vezes casualmente, mas depressa a criança se apercebe de 
que tem diante de si algo de criado de novo, e muitas vezes chama a atenção para 
o que fez, com ar triunfante.

Não há muitos pais conscientes da importância deste momento. O significado da 
primeira realização de uma obra não tem, como devia, o mesmo lugar que o início 
do andar e da fala, e a sugestão tão especial que justamente os cubos ocos 
oferecem à volta do ano é infelizmente quase desconhecida.

E até só há pouco se chamou suficientemente a atenção para o papel educador de 
brinquedos adequados à idade, dentro dos primeiros anos de vida. Hildegard 
Hetzer, com a sua comissão de trabalho «Bom Brinquedo» e o seu livrinho do mesmo 
título ­ambos ganham cada vez mais importância internacional­ merece os maiores 
louvores.

As crianças que crescem sem serem incitadas por brinquedos adequados revelam na 
verdade maturidade nos movimentos
que lhes são dados por predisposição, mas falta­lhes a habilidade e a finura 
duma musculatura formada pelo exercício.

Arnold Gesell estudou no célebre laboratório da Universidade de Yale o progresso 
de maturação, tão extraordinariamente regular, dos movimentos do corpo durante o 
primeiro ano de vida. Ali levaram­se os pequeninos, que iam servir para as 
experiências, para uma sala abobadada em que aparelhos fotográficos podiam 
captar de todos os lados os movimentos e posições do corpo da criança. O «Atlas 
do comportamento infantil», de Gesell, deve ser o inventário fotográfico mais 
completo dos movimentos no primeiro ano de vida.

Especialmente pormenorizados são os estudos de Gesell sobre a evolução dos 
movimentos de preensão, de que reproduzimos um exemplo. O exemplo provém da obra 
de um dos muitos colaboradores de Gesell.

Não é por acaso que o estudo dos movimentos do corpo representa a obra­prima da 
investigação do desenvolvimento concentrada sobre a maturação, investigação que 
atingiu no trabalho de Gesell o mais elevado grau de exactidão, pois é nos

aspectos motores que o factor da maturação se revela mais puro. Em si o esquema 
da sequência de maturação naturalmente domina todas as funções vitais. Por 
exemplo, o lactente primeiro interessa­se por sons, depois por estímulos visuais 
como cores e formas, depois pela preensão e por estímulos tácteis. Ou, para 
citar outro exemplo, ele produz os sons da linguagem numa

sequência regular até conseguir proferir combinações de sons e por fim palavras.

Contudo mesclam­se então influências do ambiente e experiências, e também 
preferências individuais vêm a complicar o quadro.

Se um bebé tiver grande vocação musical e desde cedo mostrar um interesse maior 
pelos sons do que por todos os

outros estímulos, pode suceder que esta criança se ocupe pouco ou nada com as 
cores.

Um outro recém­nascido, pelo contrário, a quem assustaram frequentemente com 
muitos ruídos estridentes e muito barulho de toda a espécie, talvez mais tarde 
se afaste de qualquer espécie de música por medo a todos os sons.

Recordo o filho de três meses de uma família de milionários, que os pais tinham 
entregue aos cuidados de uma ama sob a orientação da avó, porque se encontravam 
constantemente em viagem. A avó inventara uma óptima receita para formar o 
futuro herdeiro de acordo com a «harmonia» e «amor à música», expondo­o desde 
cedo aos estímulos «correctos».
A sua ideia era que alcançaria o seu fim se pusesse o neto desde o início a 
ouvir continuamente música boa.

Claro que o resultado foi muito diferente: já com três meses cri   a era 
absolutamente apática em relação aos ruídos, e de maneira nenhuma mostrava o 
interesse pelos sons geralmente muito vivo nesta idade.

O campo da vida mais condicionado pelas influências do ambiente é o dos modos de 
comportamento sociais e o das emoções que se desenvolvem pelo contacto com as 
pessoas. Emocionalidade e sociabilidade ­a capacidade de adaptação à sociedade ­ 
representam, no que respeita às influências de maturação e ambiente, por assim 
dizer o oposto do aspecto motor. ]É nelas, portanto, que melhor podemos estudar 
o papel que desempenha o ambiente.

3. AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO PSíQUICO

Para mim um dos livros mais impressionantes sobre o papel da mãe na vida do 
lactente é o trabalho de John Bowlby sobre «Cuidados maternos e saúde mental», 
que ele escreveu em 1952 para a Organização Mundial de Saúde. Em palavras 
simples apresenta factos e números que nos dão uma imagem impressionante da 
influência enorme e fundamental que tem sobre a vida afectiva do bebé e da 
criança pequena a ausência prolongada da mãe ou de alguém que a substitua com 
carinho. O mais impressionante neste livro é justamente apresentar ao leitor de 
modo monumental o resultado global de investigações realizadas nos mais diversos 
países do mundo.

A sua principal conclusão é a seguinte: as crianças que antes do quinto ano de 
vida ficam durante bastante tempo privadas dos cuidados maternos perdem a sua 
capacidade de sentir e amar. Ficam frias, egoístas, tendem para sofrer 
perturbações sexuais e quase normalmente para o roubo. Bowlby diz que um

dos casos mais antigos, descrito em 1937 por David Levy, ainda hoje pode servir 
como exemplo­modelo.

Levy descreve uma rapariguinha de oito anos que, nascida de pais não casados, 
passou de mão em mão antes de chegar a

famílias adoptivas, onde depois foi adoptada aos seis anos. Apesar de todos os 
esforços, os pais adoptivos não conseguiram uma aproximação com a criança. É uma 
criança viva, amável e até meiga de um modo superficial, é uma boa aluna e tem 
amizades ­ embora não muito profundas ­ com outras crianças; mas é ao mesmo 
tempo totalmente fechada e esquiva, mente e rouba, sem que haja para as duas 
coisas uma razão visível.
Já alguns anos antes em Viena pudéramos demonstrar em

lactentes que estavam muito tempo em instituições, que o seu

desenvolvimento global se retardava a partir do quinto mês de vida em relação ao 
daqueles bebés que, embora criados em

condições miseráveis, eram contudo cuidados pelas mães. Tais observações foram 
mais tarde confirmadas na Dinamarca, França e nos Estados Unidos. São 
especialmente impressionantes os

estudos em que Renê Spitz continuou em Nova Iorque com Katharine Wolf os 
trabalhos de Viena. Verificou fortes depressões em crianças órfãs de mãe e que 
viviam em instituições, mesmo quando eram bem tratadas, embora de modo 
impessoal.

Daí se poder afirmar, sem dúvida nenhuma, que a falta de sensibilidade e outras 
perturbações emocionais, assim como traços psicopáticos de carácter, se devem, 
na maior parte dos casos, à carência de amor materno no início da vida.

Os dados pormenorizados dos principais investigadores deste domínio, citados no 
grande resumo de Bowlby, permitem­nos fornecer dados mais exactos sobre três das 
condições mais desfavoráveis:

1 ­ Total ausência de uma «figura materna» (isto é, da mãe ou de uma pessoa que 
a substitua com carinho) durante os

primeiros três anos de vida:

2­ Ausência da figura materna por mais de três meses nos

primeiros três ou quatro anos;

3 ­ Passagem contínua de uma para outra figura materna dentro do mesmo período 
de vida.

O tipo mais grave de crianças perturbadas é o dos casos da esquizofrenia 
infantil.

O conceito de esquizofrenia foi estabelecido pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler 
para um grupo de doentes mentais, cuja principal característica comum é, segundo 
a sua opinião, uma
cisão interna da personalidade em consequência da qual ficam gravemente 
perturbadas a vida cognitiva e afectiva dos pacientes, assim como as suas 
relações com a realidade: eles vivem numa realidade diferente daquela que 
realmente existe.

Emil Kraepelin, importante psiquiatra alemão e precursor de Bleuler, tinha 
suposto que a doença descoberta por Morel em

1860 e descrita através do caso de um rapaz de treze anos, começava sempre na 
idade juvenil, e daí ter­lhe chamado dementia praecox ou loucura juvenil.

Mas mais tarde verificou­se que esta doença se pode manifestar em diversas 
idades, e hoje tende­se a ver na esquizofrenia infantil o primeiro grau da 
autêntica esquizofrenia mais tardia.
Lauretta Bender, importante psiquiatra infantil americana, provou há pouco que 
os indivíduos atacados de esquizofrenia durante a infância revelam mais ou menos 
seguramente uma evolução esquizofrénica posterior.

Kraepelin e Bleuler eram de opinião que a esquizofrenia tem uma base orgânica; 
Kretschmer encontrou nos esquizofrénicos a predominância de uma determinada 
constituição física, isto é, o tipo extremamente estreito e longo, o chamado 
tipo asténico; Kallman forneceu uma prova, baseada fortemente na estatística, 
para o papel do factor hereditário no caso da esquizofrenia.

Apesar disso, mesmo Kraepelin e Bleuler estavam convencidos, e ainda mais o 
estão muitos outros investigadores, de que o ambiente actua decisivamente no 
facto de uma esquizofrenia se declarar ou não. Desde Bleuler que a maioria dos 
psiquiatras está de acordo que a esquizofrenia é principalmente ‘o resultado de 
reacções defeituosas a frustrações e conflitos: um indivíduo não teria de 
produzir necessariamente reacções esquizofrénicas se não fosse exposto a pressão 
excessiva.

Esta pressão excessiva consiste muitas vezes em carência de amor de mãe e 
rejeição da criança por parte daquela. De um mundo que a fere de modo 
insuportável através da frieza da mãe, a criança sensível ou muitas vezes hiper­
sensível retrai­se em si própria. Este retrair é um dos sintomas principais da 
esquizofrenia que, segundo a gravidade do caso, pode aliar­se a

perturbações de linguagem e perturbações em qualquer outra função, a explosões 
de fúria, agressividade e incapacidade de fazer seja o que for por si próprio.

Perante a frequência relativa da esquizofrenia ­ela constitui metade das doenças 
mentais tratadas clinicamente­ é extraordinariamente importante chamar a atenção 
para o papel poderosíssimo e por vezes destruidor que desempenha a falta de amor 
e frieza de uma mãe.

Por outro lado, um grande estudo de observação sobre o

comportamento materno, efectuado por Sibylle Escalona e Mary Leitch na clínica 
Menninger, parece provar que desde o momento em que as mães se interessam pelos 
seus filhos, as fraquezas destes nunca se chegam a revelar de modo catastrófico. 
Aliás, do material cuidadosamente pormenorizado que Sylvia Brody utilizou para o 
seu trabalho, resulta que das mãos de mães nervosas, passados apenas poucos 
meses, provêm bebés nervosos e irregularmente desenvolvidos.

O significado relativo de factores hereditários, de influências psicológicas e 
de dados socio­económicos para o aparecimento de psicoses infantis torna­se 
impressionantemente claro
através de um trabalho de Yerbury e NewelI, que compararam
56 crianças perturbadas mentais com 56 crianças médias, considerando os factores 
citados.

A comparação dos números resultantes é extremamente interessante.

Nesta figura, as cinco primeiras linhas indicam influências que provêm da 
hereditariedade e que implicam doença, as seis seguintes dizem respeito a 
influências psicológicas, e as últimas cinco a factores sociais e económicos.

Entre os factores hereditários é surpreendente a elevada percentagem de irmãos 
perturbados que encontramos em crianças perturbadas. E em segundo lugar estão 
as perturbações hereditárias dos pais da criança doente mental.

No grupo dos factores psicológicos ocupam os dois primeiros lugares a 
perturbação da vida familiar e as disputas dos pais acerca da educação.

No terceiro grupo, as causas mais evidentes são a situação

Casos de psicoses Casos normais de controle 
Número de Casos

o    ]o  20   30   40  so

Carga hereditária por parte dos pais 
38

Doença grave

­­­k2 A Lesões anteriores ao nascimento                  7/­%/7/7,@M

1       81

Parto difícil P==

E­1­61
1 sr Irmãos anormais

UrVida familiar gravemente perturbada 
431

Educação não uniforme
Educação brutal                            991

EL­2j4jZ’ ódio dos pais                      171

L ­31 Amor exagerado dos pais                                     281

1             131 Pais perfeccionistas F@j @O

Situação de miséria

Vizinhança não salutar                                       ­33

9 Pais adoptivos ou educação @m

instituições Famílias que não se podem manter    o                        221
a si próprias

Registados na Assistência 
45

88 Comparação do efeito de factores condicionados hereditariamente; de factores 
psicológicos e socio­económicos em crianças normais e crianças

psicóticas. (Segundo Yerbury e Newell)
económica precária da família, e a vizinhança e bairro desfavoráveis em que a 
criança é criada.

É interessante que nesta investigação a educação, ao lado do ambiente 
desfavorável, representa o factor psicológico mais importante. Na realidade, a 
experiência psiquiátrica dos últimos decénios permite concluir que as condições 
básicas mais frequentes para formações neuróticas são carência de amor ou 
ternura exagerada, por um lado, e uma educação exageradamente ríspida ou 
carência de educação, por outro lado. Contudo aparecem, como já dissemos noutro 
lugar, continuamente casos em que certas crianças se desenvolvem muito melhor ou 
muito pior do que esperaríamos, conhecendo as condições dadas.

4. PREDISPOSIÇÃO E DESENVOLVIMENTO PSíQUICO

Isto remete­nos mais uma vez ao factor « predisposição », cuja influência sobre 
o desenvolvimento físico e sobre a motivação já foi por nós discutida. Como ali, 
também no desenvolvimento psíquico se torna extremamente difícil provar que a 
disposição seja um factor, e também justamente devido às influências do 
ambiente, que actuam desde o início.

Se, portanto, a mãe de Gretel, que fala no início do capítulo, diz com tanta 
segurança: «As crianças são diferentes umas das outras, Gretel é menos 
independente do que os meus outros filhos», temos de responder­lhe que o 
problema não é tão simples como ela o vê. Até sem ter estudado Psicologia, a mãe 
de Maxel responde­lhe logo que a explicação talvez esteja no facto de Gretel ter 
sido mais amimada por ser a filha mais nova. ]É realmente muito difícil fornecer 
dados dignos de confiança acerca das predisposições. A percentagem da 
hereditariedade de doenças mentais, como vimos na figura 88, é elevada, mas não 
chega de longe a cem por cento. O mesmo se pode dizer, ao contrário, de dotes 
invulgares.

Ainda mais difícil se torna o problema quando se trata de outras propriedades, 
das chamadas «qualidades». Esta palavra «qualidade» é usada hoje em dia pelos 
cientistas com o maior cuidado. A maioria dos traços que antigamente se 
consideravam constantes e determinantes são hoje considerados modificáveis. Esta 
verificação é muito importante, pois dela resulta, perante o

problema da reeducação do homem, uma tomada de posição diferente da que se tinha 
antigamente. Até os criminosos hoje em dia não são considerados incorrigíveis, 
partindo­se naturalmente do princípio de que se aplicam os métodos de cura 
adequados. Entre estes salientam­se por um lado a Psicanálise, e por outro lado
mente também o tratarecente mento através de medicamentos. A questão é 
principalmente

dos meios que se têm à dis­
4v,                            posição.

Em relação a si e aos membros da sua família, assim como a outros que estejam ao 
seu

cuidado, o homem médio deveria duma maneira geral partir do princípio de que 
traços de carácter defeituosos e não­desegrande medida i veis são em
89 Nos    gêmeos    monozigóticos      corrigíveis. É claro que não de­ 
(idênticos) pode­se verificar espe­    veria esquecer que os meios de cialmente 
bem o que é hereditário, por um lado, e determinado pelo        influência 
educadora ou orienambiente, por outro            tação consciente mais usuais

geralmente não produzem efeito, se se tratar da educação e modificações 
profundas da personalidade. Os resultados obtidos desta maneira ou são 
superficiais ou passageiros, ou então consistem no afastamento de determinados 
sintomas em cujo lugar se vão desenvolver outros.

Entre as investigações mais sérias acerca do papel das predisposições estão as 
observações feitas em gémeos idênticos. Estes são os gémeos «monozigóticos», que 
realmente são absolutamente iguais, porque provêm de um único óvulo fecundado, 
que numa fase de evolução muito primitiva permitiu que se

formassem dois fetos. Visto que tais gémeos «monozigóticos» são totalmente 
iguais no que respeita à sua carga de hereditariedade
­ pois provieram de um óvulo fecundado, e não, como os gémeos desiguais, de dois 
óvulos diferentes que foram fecundados cada um por si ­ são designados por 
gémeos idênticos. Igual carga

90 Estas duas provas de letra de gémeos monozigóticos de dez anos mostram uma 
semelhança verdadeiramente surpreendente. (De Graewe, 1950)
hereditária significa iguais predisposições. Portanto tudo o que em tais gémeos 
monozigóticos não se modificar no decorrer do seu desenvolvimento é, de certeza, 
condicionado pela predisposição; tudo aquilo que os torna diferentes um do outro 
tem de ser causado pelo ambiente. Especialmente nos casos em que gémeos 
idênticos foram criados separadamente e apesar disso mostram traços de 
desenvolvimento parecidos, podemos concluir com segurança pela acção do factor 
hereditariedade. Mas até agora não se podem utilizar com proveito geral estas ou 
outras verificações acerca dos traços de carácter hereditários, porque por agora 
só se podem basear nelas poucas previsões.

Lotte Schenk­Danzinger, numa pequena e cuidada obra, recentemente editada, sobre 
Talento e Desenvolvimento, chama repetidas vezes a atenção para o facto de o 
êxito da vida de uma pessoa não ser predizível baseando­nos nos seus talentos, 
porque a motivação determina o desenvolvimento real como segundo factor 
decisivo. Duma maneira geral os muito dotados mostram­se realmente superiores na 
vida profissional, e os dotados abaixo da média, como se compreende, contribuem, 
devido à carência de crítica, com uma percentagem maior para a delinquência 
juvenil, mas não são objectivas nem dignas de confiança as previsões acerca do 
desenvolvimento que se baseiam apenas nos dotes ou outras qualidades inatas.

As previsões até agora existentes e relativamente coroadas de êxito não se 
ocuparam do problema das características inatas, mas baseiam­se nos chamados 
estudos de cortes longitudinais de complexos de comportamento.

5. FUNÇõES E REALIZAÇõES NO DESENVOLVIMENTO

Os estudos longitudinais de que ainda nos ocuparemos (V. p. 220) representam 
apenas um dos métodos de investigação e

modos de observação dos fenómenos do desenvolvimento, aliás um dos mais 
modernos. Todo o restante conjunto de conhecimentos que estão ao nosso dispor, e 
que quase já é difícil de abranger, dentro do campo da psicologia infantil e da 
adolescência ­e ele é maior do que aquele de que dispomos para a

idade adulta­ foi recolhido usando outros métodos. ‘

Desde que, no fim do séc. XIX (1882), Wilhelra Preyer redigiu o seu célebre 
diário sobre o desenvolvimento da primeira infância, Stanley Hall (1883) estudou 
os jovens utilizando o

método dos questionários, e James Baldwin (1898) esboçou a

primeira grande teoria do desenvolvimento humano, desde que Alfred Binet (a 
partir de 1890), procurou apreender por meio
de testes os graus do desenvolvimento da inteligência, e Ernst Meumann (1903) 
observou por meio de experiências o desenvolvimento da memória da criança em 
idade escolar, desde que Clara e William Stern (1907) apresentaram os seus 
primeiros trabalhos sobre a linguagem infantil, e Kerschensteiner assim como 
Levinstein (1905) apresentaram as primeiras grandes colecções de desenhos 
infantis, desde que John Watson (1914) exprimiu e defendeu o princípio das 
observações do comportamento, desde que, no mesmo ano, Bühler, Katz e Peters 
introduziram na Psicologia Infantil os métodos da investigação experimental da 
percepção, e desde que Karl Billiler fundamentou pela primeira vez 
biologicamente a teoria da evolução e desenvolveu um primeiro esboço teórico da 
evolução da criança, baseado na investigação dos factos (1911­1918) ­desde que 
estes e muitos outros lançaram os fundamentos da nova ciência, propagou­se de 
modo gigantesco a todo o mundo a investigação de Psicologia Infantil e Juvenil. 
A riqueza de métodos e de postura de problemas aumentou constantemente. Neste 
«século da criança», como lhe chamou Ellen Key, o interesse pela evolução 
infantil prevaleceu e continua a prevalecer sobre o interesse por todos os 
outros ramos da Psicologia.

A razão deve ser a necessidade continuamente crescente de uma compreensão do 
homem cientificamente fundamentada, que cada vez é maior no círculo da cultura 
ocidental. Ã medida que a Filosofia foi cedendo lugar à Psicologia, foi­se 
tornando mais central a origem do desenvolvimento na criança e mais tarde o 
problema de toda a evolução humana. O excelente trabalho de Elfriede Hõhn sobre 
a História da Psicologia da Evolução dá­nos uma excelente imagem da expansão 
gradual deste ramo do saber.

Perante o gigantesco material ergue­se imediatamente a questão de como se pode 
fazer uma selecção que tenha sentido, e

.como se pode dar em poucos traços uma imagem adequada da evolução, assim como 
se põe outra questão: quais os pontos de vista em que se deve basear a selecção. 
]É nossa intenção salientar dois grupos diferentes dentro dessa plenitude de 
factos. Um primeiro conjunto de dados, que será de utilidade para o leitor deste 
livro, limitar­se­á a indicações sobre a evolução de funções e realizações. Uma 
segunda selecção será apresentada já sob um ponto de vista mais profundo: é o

aspecto da vida humana como um todo, com o qual queremos relacionar a evolução 
da personalidade humana, como um todo. Mas isto só será possível após um exame 
do conceito de personalidade.
A evolução, se for encarada como desenvolvimento de funções e realizações, 
começa por um inventário extraordinariamente rico. Já desde o nascimento o bebé 
tem ao seu dispor a utilização de todos os órgãos dos sentidos assim como uma 
acção motora rica, embora de início ainda não coordenada. Como hoje sabemos, a 
partir das importantes investigações especialmente de Minkowski, Bertalanffy e 
Tinbergen, esta começa no organismo «autodisparador», isto é, espontaneamente 
activo, como uma actividade em massa. Com esta, uma actividade de todos os 
membros e de todo o corpo, o recém­nascido lança­se por assim dizer na vida. É 
também com esta actividade em massa, primeiramente sem orientação, que ele reage 
a muitos dos estímulos que de todas as partes penetram no organismo. 
Simultaneamente, é capaz de um grande número de reacções específicas a 
estímulos, que primeiro aparecem sob forma de reflexos, que são aquelas 
respostas imediatas, inconscientes e involuntárias a estímulos, como por exemplo 
as conhecemos do reflexo de «salivação», que se dá «automaticamente», quando a 
vista de um manjar apetitoso «nos faz nascer a água na boca».

Não se sabe ainda ao certo a partir de que momento o

recém­nascido dispõe de consciência, como nos expôs Phyllis Greenacre em 
cuidadas observações.

Mas uma coisa é certa: que o novo organismo sofre já durante a sua vida 
embrionária modificações no sentido de adaptação, como já referimos atrás. A 
aprendizagem assim iniciada e entrelaçada com a maturação dá ao lactente a 
possibilidade de em poucos meses apreender, por meio da percepção, o mundo que o 
rodeia, e reconhecer tanto as coisas como as pessoas. Quando a criança chega à 
idade de seis a nove meses, consegue normalmente distinguir sabores e odores, 
sons e ruídos, cores e formas e impressões tácteis de diferente espécie, assim 
como objectos e caras. Domina o corpo sentando­se e gatinhando e fazendo 
movimentos de ida, vinda e defesa da mais diversa espécie. Tem ao seu dispor um 
rico inventário de emoções, e põe­se em comunicação com o meio que a rodeia 
através de gritos, sorrisos, riso e choro, assim como através de sons de 
linguagem,

àvolta dos doze meses consegue frequentemente manter­se de pé, dar passos e 
utilizar as primeiras palavras. Simultaneamente começa a resolver problemas 
pensando, utilizando as

coisas como instrumentos.

Em resumo, ao fim do primeiro ano de vida a criança dispõe normalmente de um 
inventário de funções psíquicas extraordinariamente rico. A partir dos muitos 
factos e conhecimentos de que dispomos acerca da diferenciação gradual dessas 
funções
e do seu aumento e diminuição dentro do desenvolvimento’    vamos

dar uma pequena vista panorâmica do que se passa em três campos que nos parecem 
especialmente importantes. Trata­se das funções e realizações que servem para o 
desenvolvimento do conhecimento, as que servem para o jogo e a criação, assim 
como as que servem para a formação de relações sociais e sexuais.

O desenvolvimento do conhecimento

Ao grande campo do desenvolvimento do conhecimento pertence sobretudo o 
desenvolvimento de percepções, memória e

pensamento, com muitas outras funções acessórias.

A percepção de objectos constitui­se no espírito da criança com muitas 
qualidades objectivas durante o primeiro ano de vida. No fim do primeiro ou 
início do segundo ano de vida a criança começa a reconhecer imagens, enquanto 
leva mais tempo a distinguir o vivo do não­vivo.

Ainda em idade pré­escolar conhece a semelhança e outras qualidades figurativas, 
assim como unidades e quantidades. Adquire também uma primeira noção de espaço e 
tempo, embora a apreensão de distância e perspectiva se desenvolva mais 
lentamente.

Como H. A. Wilkin há pouco expôs, só com a puberdade se

acaba de desenvolver a capacidade perceptiva. A partir de então conserva uma 
constância, cuja desenvolvimento precoce foi estudado especialmente por 
Brunswik. Contudo, a partir do meio da existência, a falta de agudeza sensitiva 
em graus individualmente diferentes pode implicar uma diminuição da capacidade 
perceptiva (perceptividade) .

A memória, cujo desenvolvimento teve sempre grande interesse prático, actua 
desde o início da vida, primeiramente em fenómenos  inconscientes de 
aprendizagem, e já cedo em recordações conscientes de factos passados 
recentemente. Encontramos estas recordações a partir dos primeiros meses 
documentadas

91 O desenvolvimento do conhecimento começa com observação atenta e tactear 
interessado
indirectamente em acções de espera. A partir do segundo ano

de vida recordam­se acontecimentos passados há mais de um dia, e em breve também 
há semanas e meses. A partir do terceiro ano de vida relatam­se recordações de 
coisas que se passaram há mais de um ano.

Embora durante a infância já não se reproduzam, após um

curto prazo, acontecimentos do primeiro e segundo anos de vida, algumas 
experiências dessa época parecem contudo ser tão extraordinariamente 
impressionantes que persistem no inconsciente e mais tarde podem por vezes 
surgir de novo. Só assim se explicam recordações de acontecimentos muito antigos 
no decorrer de um tratamento de psicoterapia profunda ou por hipnose.

Apesar de uma rica literatura acerca destes factos, alguns investigadores 
duvidam que se lhes não tenha nada a objectar. Eu própria, no meu trabalho 
psicoterapêutico, pude verificar muitas recordações antigas, de entre as quais a 
mais recuada ia até aos dez meses de idade, utilizando critérios objectivos de 
exactidão. Um exemplo:

Luísa, no meio dos trinta, encontrava­se em tratamento psicoterapêutico. Há 
muito que se esforçava em vão por se recordar claramente das suas primeiras 
relações com a mãe. No estado avançado de terapia em que se encontrava, tinha 
grande empenho em ver a realidade tal como ela era. Por fim conseguiu, mediante 
hipnose, reviver três situações que mais tarde verificámos situarem­se no seu 
décimo mês de vida.

Primeiro viu­se sentada no chão da cozinha, estendendo os

braços para a mãe, que, ao que parecia, estava muito longe junto do fogão sem 
lhe dar atenção. Como a cozinha na realidade era muito pequena, a vivência de 
«muito longe», tal como as bancas da cozinha, que ela via igualmente muito acima 
de si, significa que ela própria devia ser muito pequena nessa altura.

Na segunda cena, Luísa via­se numa cama de grades saltando para cima e para 
baixo. O quarto parecia escuro e ela via uma cortina ao lado da cama. Na 
realidade Luísa tinha dormido, durante os seus dois primeiros anos de vida, numa 
alcova sem janelas.

Numa terceira cena, finalmente, viu­se ao colo da mãe, que falava com outra 
mulher e de novo não lhe dava atenção, embora a criança lhe puxasse pela manga.

Todas as três recordações lhe provocaram um profundo sentimento de abandono, de 
tal maneira que ela irrompeu em lágrimas ao relatá­las, porque reviveu a falta 
de atenção e de ternura da mãe, que se encontrava sobrecarregada de preocupações 
e trabalho.
Adestramento e inteligência

A maior parte dos pais esforça­se por treinar desde cedo a

memória dos filhos. Karl Bühler       ocupou se deste facto do adestramento em 
tenra idade, que o ambiente e até a própria criança realizam em si. Contrapôs 
esta aprendizagem mecânica à aprendizagem por **conheà 
cimento numa conexão de

sentido, e provou por meio de uma experiência que a partir dos dez meses é 
possível a

aprendizagem consciente, enquanto o adestramento já se

ede usar com êxito a partir dos seis meses.

A experiência é similar à de   Wolfgang Kõhler com os
92 O mesmo     pensamento   instru­  chimpanzés. Para examinar a mental que 
revelaram os chimpanzés de Wolfgang Kõhler...        inteligência destes 
antropóides,

Kõhler realizou uma série de experiências que ficaram célebres, em que dava aos 
chimpanzés certos problemas a resolver. Nesta experiênci      .a (imitada por 
Karl Bühler com uma experiência paralela) colocava­se uma banana da parte de 
fora da jaula, de tal maneira que ‘o animal não a

alcançasse com o braço esticado para fora da jaula, mas só se

93­97 ... foi verificado por Karl Bühler em crianças de dez e onze meses

de uma dessas experiências: a criança puxa através
utilizasse um pau. Pôs­se o pau na jaula antes de o chimpanzé aí ser 
introduzido. A questão era de saber se ele teria a ideia de utilizar o pau para 
ir buscar a banana.

Quase todos os chimpanzés se mostraram capazes desta realização, que justamente 
por isso foi encarada como acto inteligente no sentido estrito da palavra, 
porque não era casual ou lúdica, mas finalizada e realizada com conhecimento da 
relação do braço prolongado pelo pau para com a banana. Designa­se este processo 
como pensamento instrumental.

Este mesmo pensamento instrumental representa nas crianças o início de soluções 
conscientes de problemas. Karl Bühler colocou diante de uma criança de nove 
meses, sentada na sua caminha, uma tosta de tal maneira, que a pequenina a podia 
ver mas não lhe podia chegar com o braço estendido. A tosta estava presa a um 
cordel que terminava perto da mão da criança.

Revelou­se que a criança de nove meses não teve a ideia de puxar pelo cordel 
para se apoderar da tosta, mas a de dez meses já o fez. Mais tarde verificou­se 
que a idade média para realizações destas eram os onze meses.

Ao contrário da aprendizagem mecânica, que se apoia em múltiplas repetições, na 
aprendizagem inteligente não é necessária a repetição. Logo que se tenha 
compreendido a conexão, ela fica retida na memória. Devem preferir­se processos 
de aprendizagem inteligente também porque podem ser utilizados com êxito até 
idades mais elevadas, enquanto a memória mecânica começa a diminuir já na casa 
dos vinte anos. Por isso um profissional

como início de solução perspicaz de problemas. Vemos aqui a repetição da fita a 
bolacha que não pode alcançar com a mão
pode adquirir ainda numa idade avançada conhecimentos que estejam relacionados 
com o seu campo de saber, enquanto esquece imediatamente o número do telefone do 
seu médico, que utiliza repetidas vezes, ou a nova morada de amigos, para grande 
arrelia da sua mulher.

10

20

40

50

O desenvolvimento da aprendizagem

E assim, se aquilo que se aprendeu com conhecimento mesmo na idade avançada fica 
retido na memória, a memória mecânica, que é indispensável para a aprendizagem 
de alguns dados ­vocábulos de uma língua estrangeira, datas históricas ou 
fórmulas químicas ­ atinge já lamentavelmente cedo, durante a puberdade, o seu 
ponto máximo, e começa a decrescer já no início da casa dos vinte. Edward 
Thorndike, um dos primeiros e mais célebres investigadores do desenvolvimento da 
memória,

construiu uma curva de idade da capacidade de aprendizagem, atendendo 
especialmente a

material que podia ser

aprendido mecanicamente. Reproduzimos aqui essa curva. o 
30                         Algumas outras
98 A capacidade de aprendizagem dependente      representações da cada idade. 
Como mostra a curva, o homem          pacidade de aprendizaalcança o ponto 
máximo da sua capacidade        gem poderão ter intede aprendizagem à volta dos 
25 anos. (Segundo Thorndike)                    resse prático. Harold

iones e os seus colaboradores estudaram, por exemplo, numa

experiência, não a aprendizagem intencional, mas a retenção involuntária de 
acontecimentos que tinham sido vistos em filmes o     10     20      30      40 
so      6Ó pelas pessoas submetidas à experiência. E é
99 Ascensão  e decadência da capacidade de      interessante que esta retenção 
do conteúdo de palavras e imagens de filmes, conforme a idade. (Segundo H. 
curva não seja totalJones e colaboradores, 1928)            mente dissemelhante 
à
­ Filme histórico; ... filme de amor; ­­­ filme

de cow­boys                     curva de aprendizagem.
Já mais desfavorável às idades avançadas é o quadro que resulta de um trabalho 
de Welford, que examinou o tempo, os erros e o número de tentativas repetidas na 
aprendizagem de uma tarefa de habilidade. A tarefa exigia uma observação rápida 
e movimentos manuais hábeis. O aumento, especialmente do tempo necessário e dos 
erros, é considerável a partir dos 40 anos.

Por outro lado, o grupo de idades entre 30 a 49 anos produziu as melhores 
realizações na aprendizagem sistemática de um movimento habitual mas agora 
realizado segundo uma orientação diferente, como provou Floyd Ruch, numa 
interessante experiência.

Duma maneira geral, pode dizer­se que a partir do meio da vida a memória

e a capacidade de aprendizagem decrescem. Esta regra vale, como já dissemos, 
menos para a continuação          da aprendizagem num

20­29     30 39     40­49    50­59     60 69

Grupos de idades

100 À medida que aumenta a idade aumentam as dificuldades na aprendizagem de uma 
tarefa que exige habilidade na manipulação corja um

motor. (Segundo Welford, 1951)

90

BO

70

60

50

40

30

20

10
o

10­17 18­29     30­49        50­69       70­89

Graus de idade

101 A capacidade de modificar a aprendizagem de uma actividade habitual de 
movimento, atinge o seu ponto máximo de desenvolvimento nas

pessoas entre os 30 e 49 anos. (Segundo F. Ruch)
determinado campo, do que especialmente para a aprendizagem mecânica de novos 
dados, que se torna já mais difícil aos vinte anos. No entanto aqui, como em 
tudo, há excepções. Conheço casos

de pessoas de 50 anos que estudaram com êxito para o seu doutoramento, e até o 
caso de um octogenário que, após uma

longa carreira de químico, estudou Medicina e fez o seu exame de licenciatura.

Aliás, em consequência da melhoria das condições higiénicas em relação aos 
tempos antigos, e sobretudo graças aos progressos da Medicina, vemos cada vez 
mais pessoas idosas continuar a aprender e continuar a trabalhar em todos os 
sectores possíveis.
O que lhes dá a possibilidade disso são, ao lado da saúde e da motivação, as 
suas energias espirituais que se continuam a desenvolver, se bem que em campos 
específicos, de qualquer modo produtivamente. Aliás a inteligência e o 
pensamento desempenham aqui um papel mais decisivo do que a memória.

Neste capítulo falámos já do pensamento em conexão com a capacidade de utilizar 
instrumentos. O desenvolvimento da inteligência criadora, cujos primeiros graus 
se manifestam já desde o início em muitas exteriorizações da vida da criança, 
atinge um novo nível com a apreensão de relações entre objectos.
O conhecimento de que se pode utilizar uma coisa se se quiser obter outra chega 
à criança pouco mais ou menos ao mesmo

tempo que o conhecimento de que determinados grupos de sons

pertencem a uma coisa como seu nome.

O início da linguagem

Com este conhecimento deu­se o nascimento da linguagem, cujo desenvolvimento 
conduz o pensamento a um grau mais elevado, especificamente humano. Karl Bühler 
ocupou­se, em extensas investigações, com o pensamento por palavras 
distinguindo­o do pensamento instrumental, assim como com a diferença entre 
linguagem humana e linguagem animal. Num modelo que se

tornou célebre distinguiu manifestação, articulação e representação como as três 
funções básicas da linguagem. Mostrou que os animais só utilizam a sua 
«linguagem» para exprimir necessidades ou emoções (manifestação), ou então para 
chamar animais da mesma espécie (articulação). Só o homem é capaz de exprimir­se 
objectivamente sobre factos, sem a introdução de factores subjectivos como 
sentimentos ou necessidades (representação).
O desenvolvimento da linguagem e do pensamento por palavras foi tratado numa 
literatura extraordinariamente rica. E assim sabemos hoje que todas as 
exteriorizações de sons da
criança mais pequena, desde o primeiro grito do recém­nascido, são por assim 
dizer primeiros degraus importantes para a primeira palavra, isto é, para as 
primeiras sílabas a que a criança conscientemente dá um sentido.

Nos sons e sílabas do estádio anterior à linguagem, que foram estudados com 
cuidado especial por M. M. Lewis, a criança adquire por assim dizer o material 
com que mais tarde edifica a linguagem,

Infelizmente não nos podemos deter muito nos pormenores do desenvolvimento deste 
factor fundamental na vida humana. É que a investigação da linguagem humana, a 
sua evolução e o seu significado constituem hoje uma ciência própria. Mas, a 
propósito das nossas observações sobre a sociedade humana, teremos ainda ocasião 
de tratar da linguagem como meio de entendimento ­hoje dir­se­ia como meio de 
comunicação.

Remetemos o leitor que se interessar pelos múltiplos problemas da evolução da 
linguagem para os trabalhos de Dorothea McCarthy, a quem devemos a edição mais 
completa da lista de publicações sobre este assunto, lista essa tão vasta que 
quase se torna impossível de abranger. Das suas exposições deduzimos que, no que 
respeita a muitas questões, ainda existem muitas divergências de opinião entre 
os autores. A investigação trabalha aqui num campo que é de mais difícil acesso 
do que se poderia julgar.

Assim encontramos, por exemplo, opiniões totalmente diferentes acerca da 
evolução do vocabulário infantil. M. E. Smith, uma das melhores especialistas 
neste campo, avalia o vocabulário médio de crianças de inteligência média em 
três palavras ao fim do primeiro ano de vida, em 1222 palavras aos três anos e 
em
2562 aos seis anos. M. K. Smith, por sua vez, chega a 23 700 palavras para o 
vocabulário de uma criança de seis anos, número que representa o valor médio 
estatístico entre os extremos de
6000 e 48800 palavras. Estes extremos caracterizam em parte as diferenças de 
meio social que se repercutem especialmente no desenvolvimento da linguagem, 
como o demonstrou Hildegard Hetzer: ela encontrou em crianças de dois anos e 
meio, que eram descuradas, um vocabulário de apenas 92 palavras, enquanto um 
trabalho de Viena, sobre crianças da mesma idade, mas de um meio melhor, 
determinou um mínimo de 171 e um máximo de 1509 palavras.

Estes números têm interesse, porque é na riqueza de linguagem que se revela, 
mais do que em qualquer outro campo, a riqueza da vida espiritual e a 
capacidade de comunicação com o meio. E é por isso que este aspecto da vida 
espiritual necessita
12
mais do que qualquer outro do cuidado e do interesse do ambiente. Quando uma 
criança de três a quatro anos, tão fortemente disposta a falar e fazer perguntas 
(Brandenburg contou na sua filha de três anos e meio 11623 palavras por dia, 
isto é,
950 palavras numa hora!) ­ quando este pequeno maçador que fala e pergunta 
depara com a antipatia e a incompreensão, desabituar­se­á rapidamente de falar e 
interrogar e talvez até também de pensar.

É compreensível, mas na verdade não está dentro do interesse do desenvolvimento 
infantil, as mães cansadas reagirem com impaciência às torrentes de perguntas 
dos filhos. Estas torrentes de perguntas podem ser infinitas, e nem sempre são 
logicamente correctas. Rust relata um exemplo de uma criança de quatro anos e 
meio:

Criança: Eu tenho quatro anos, não é? Mãe: Sim, quatro anos.

Criança: O que é um ano? A mãe explica. Criança: Isso é muito tempo? Mãe: 
Bastante. Criança: Quanto? Mãe: Isso é difícil de explicar, são muitos dias, 
365, são muitos.

Criança: Sim; mas quanto? Mãe: Bem, tu sabes quando foi o Natal? Criança: Sim, 
sim, eu tinha uma árvore. E uma vez a árvore estava no canto e outra vez junto 
da mesa.

Mãe: Sim, foram duas vezes, e durou um ano até ser Natal. Entre um Natal e outro 
Natal passou um ano.

Criança: Sim, isso é muito, muito tempo. Quando eu era

muito pequena era Natal. Um ano é um dia de anos?

Mãe: Bem, tu fazes anos, depois passa um ano, e esse é o tempo até aos teus 
próximos anos.

Criança: Sim, três, depois quatro ­depois cinco... Diz lá que idade tens?

Mãe: Trinta. Criança: Como é que conseguiste chegar tão alto?

Aliás, já desde o início e também mais tarde, o sexo feminino tende a falar mais 
cedo e mais do que o sexo masculino, o que eu interpretaria como um sinal de 
maior necessidade de contacto social da mulher.
Enquanto muitas culturas primitivas exprimiam a sua

riqueza interior em obras de arte, a nossa cultura ocidental tem uma orientação 
primariamente científica. Ela é em alta medida uma cultura de linguagem, 
edificada sobre o pensamento falado, embora simultaneamente o pensamento 
instrumental não falado encontre na técnica uma aplicação muito vasta.

O primeiro pensamento reflexivo

O pensamento no sentido mais restrito do conceito consiste, como já se verificou 
muitas vezes, na apreensão de relações entre objectos. Tais relações podem ser 
da mais variada espécie: pode tratar­se de relações de espaço­tempo, de relações 
de causa­efeito, de razões lógicas de intenções e finalidades, e de outras 
coisas mais.

Em duas crianças cujo vocabulário foi registado desde o

início até aos três anos, verificou­se que a primeira pergunta foi «onde?», e 
surgiu na idade entre os 18 meses e os 26 meses; a pergunta «porquê?» surgiu 
entre 1 ano e 3/4 e 2 1/4; a pergunta «quando?» assim como « o que é?» seguem­
se mais tarde. É com

estas perguntas, assim como as primeiras designações, observações, relatos, 
interpretações, deduções e juízos que a criança entra do primeiro ao terceiro 
ano de vida no mundo espiritual que a rodeia.

Ninguém se ocupou mais pormenorizadamente do que Jean Piaget com a edificação do 
mundo espiritual da criança; ele estudou o pensamento e a apreensão do mundo 
pela criança em

muitas observações cuidadosas e experiências geniais. Piaget anotou perguntas e 
observações de crianças começando pelas suas

primeiras manifestações, enquanto ao mesmo tempo fazia perguntas que 
estimulassem o pensamento da criança. Parecem­me especialmente geniais as 
investigações em que Piaget observa o

pensamento causal da criança: Quais as representações que a criança tem 
realmente do mundo e do que nele acontece? Alguns exemplos ilustrarão esse 
pensamento dos primeiros tempos.

J. é uma menina que entre os três e os cinco anos e meio pensa muito acerca da 
proveniência dos homens e dos animais. Como se formam, se se fazem a si 
próprios, e em que consistem.

«Os bebés», diz ela com cinco anos e meio, «são, acho eu, primeiro ar, não é? 
São tão pequeninos, portanto primeiro têm de ser ar. Mas tem de haver qualquer 
coisa no ar de que se fazem os bebés. Eu sei, um bocadinho pequenino, como isto» 
­ e

aponta para um grão de pó.
L., uma criança de quase quatro anos, pensa muito acerca dos sonhos. Um dia de 
manhã relata: «Esta noite não tive sonhos, porque estava claro. Tem de estar 
escuro para eles virem. Os sonhos estão no escuro,>.

Um outro exemplo é a explicação de J. dos fenómenos da natureza. Piaget mostra a 
evolução do seu pensamento de mês para mês e ano para ano. Com três anos e meio 
observa como as nuvens passam no céu. «A nuvem é um animal?» pergunta.
­ «Porquê?» ­ «É que ela mexe­se!»

Com quatro anos e três meses exprime­se um pouco mais cuidadosamente: «As nuvens 
mexem­se sozinhas, porque são vivas». Pouco antes dos cinco com mais cuidado 
ainda: «As nuvens mexem­se porque está frio. Elas vêm quando faz frio. Quando 
faz sol não estão. Quando faz frio voltam» ­ «Como?» «Elas sabem».

Com cinco anos e meio já formula a pergunta com maior correcção científica: «De 
que são feitas as nuvens?» ­ «0 que é que tu achas?»­ «De líquido. De água, 
água evaporada».

As perguntas de onde vêm as coisas, de que são feitas, e quais as suas causas, 
ocupam desde cedo o espírito da criança. O que é importante não esquecer é que 
o primeiro pensamento opera com a causalidade ­a relação de causa e efeito ­ mas 
ainda não à chamada maneira científica. Antes de a criança poder encarar o 
decorrer dos fenómenos como fechados em si, procura poderes personalizados que 
sejam a sua causa. E assim o pensamento físico e científico é precedido pelas 
fases do pensamento simbólico e mágico. Piaget demonstra e discute a evolução 
destas fases do pensamento servindo­se de exemplos interessantes.

Pensamento mágico e simbólico

Na cultura e educação do Ocidente é certo que a forma de pensamento científico é 
a única oficialmente válida, contudo o pensamento mágico e simbólico, muitas 
vezes recalcado para o inconsciente, continua a desempenhar um papel importante. 
Este papel é maior ainda na maioria das outras culturas. Por isso, para 
entendermos realmente o espírito humano, temos de nos ocupar brevemente com 
estas formas pré­científicas de pensamento.

Um símbolo é algo que substitui outra coisa, mediante uma associação que é 
empreendida por alguém. Este algo pode ser uma palavra, um nome, uma acção, uma 
coisa ou o atributo de uma coisa.
Quando a pequena Jacqueline, de um ano de idade começa a dizer a palavra «vau­
vau» logo que, olhando pela varanda, vê passar um cão, mas também o diz quando 
passa um ciclista ou um cavalo, ela começou por compreender que «vau­vau» é uma

palavra que se associa a certos objectos compridos que se movem.

Mas com um ano e quatro meses ­ assim o verificou Piaget a palavra só é 
utilizada exclusivamente e definitivamente para designar os cães. «Vau­vau», 
assim o entende agora Jacqueline, significa um cão ­anteriormente significava 
objectos compridos que se moviam.

Quando um rapazinho de dois anos e meio se pavoneia pelo quarto e mete na boca 
um pauzinho como um cigarro, depois o mete entre os dedos e sopra o «fumo», esta 
actividade significa «fumar,,.

Este dar­significado é o acto de simbolizar. Na escolha do símbolo pode 
desempenhar um papel a semelhança, como na utilização do pauzinho para o caso 
do cigarro. Mas um símbolo também pode ser escolhido arbitrariamente. Todos o 
sabemos, por exemplo, a partir das linguagens secretas que falávamos em criança 
com outras crianças, ou da aprendizagem da estenografia. Não se sabe se as 
línguas humanas devem a sua origem em parte a tais actividades de associações 
arbitrárias. Mas as crianças parecem estar profundamente perpassadas do 
sentimento da arbitrariedade da designação por palavras, e
por isso enriquecem com sensações próprias o mundo dos símbolos que aprendem.

Devemos     distinguir dos símbolos   convencionalmente estipulados, que se 
encontram nos sistemas de línguas e nas línguas­código, o

pensamento simbólico, em que se inventam e

utilizam sinais por ne­        102 O que este rapazinho  faz aqui com

este pauzinho significa para ele «fumar» cessidade lúdica ou para         ­este 
é um acto de simbolização
L., uma criança de quase quatro anos, pensa muito acerca

dos sonhos. Um dia de manhã relata: «Esta noite não tive sonhos, porque estava 
claro. Tem de estar escuro para eles virem. Os sonhos estão no escuro».

Um outro exemplo é a explicação de J. dos fenómenos da natureza. Piaget mostra a 
evolução do seu pensamento de mês para mês e ano para ano. Com três anos e meio 
observa como as nuvens passam no céu. «A nuvem é um animal?» pergunta.
­ «Porquê?» ­ «É que ela mexe­se!»

Com quatro anos e três meses exprime­se um pouco mais cuidadosamente: «As nuvens 
mexem­se sozinhas, porque são vivas». Pouco antes dos cinco com mais cuidado 
ainda: «As nuvens mexem­se porque está frio. Elas vêm quando faz frio. Quando 
faz sol não estão. Quando faz frio voltam» ­ «Como?» «Elas sabem».

Com cinco anos e meio já formula a pergunta com maior correcção científica: «De 
que são feitas as nuvens?» ­ «0 que é que tu achas?»­ «De líquido. De água, 
água evaporada».

As perguntas de onde vêm as coisas, de que são feitas, e quais as suas causas, 
ocupam desde cedo o espírito da criança. O que é importante não esquecer é que 
o primeiro pensamento opera com a causalidade ­a relação de causa e efeito ­ mas 
ainda não à chamada maneira científica. Antes de a criança poder encarar o 
decorrer dos fenómenos como fechados em si, procura poderes personalizados que 
sejam a sua causa. E assim o pensamento físico e científico é precedido pelas 
fases do pensamento simbólico e mágico. Piaget demonstra e discute a evolução 
destas fases do pensamento servindo­se de exemplos interessantes.

Pensamento mágico e simbólico

Na cultura e educação do Ocidente é certo que a forma de pensamento científico é 
a única oficialmente válida, contudo o pensamento mágico e simbólico, muitas 
vezes recalcado para o inconsciente, continua a desempenhar um papel importante. 
Este papel é maior ainda na maioria das outras culturas. Por isso, para 
entendermos realmente o espírito humano, temos de nos ocupar brevemente com 
estas formas pré­científicas de pensamento.

Um símbolo é algo que substitui outra coisa, mediante uma associação que é 
empreendida por alguém. Este algo pode ser uma palavra, um nome, uma acção, uma 
coisa ou o atributo de uma coisa.
Quando a pequena Jacqueline, de um ano de idade começa a dizer a palavra «vau­
vau» logo que, olhando pela varanda, vê passar um cão, mas também o diz quando 
passa um ciclista ou um cavalo, ela começou por compreender que «vau­vau» é uma

palavra que se associa a certos objectos compridos que se movem.

Mas com um ano e quatro meses ­ assim o verificou Piageta palavra só é utilizada 
exclusivamente e definitivamente Para designar os cães. «Vau­vau», assim o 
entende agora Jacqueline significa um cão ­anteriormente significava objectos 
compridos que se moviam.

Quando um rapazinho de dois anos e meio se pavoneia pelo quarto e mete na boca 
um pauzinho como um cigarro, depois o

mete entre os dedos e sopra o «fumo», esta actividade significa ,<fumar».

Este dar­significado é o acto de simbolizar. Na escolha do símbolo pode 
desempenhar um papel a semelhança, como na

utilização do pauzinho para o caso do cigarro. Mas um símbolo também pode ser 
escolhido arbitrariamente. Todos o sabemos, por exemplo, a partir das linguagens 
secretas que falávamos em criança com outras crianças, ou da aprendizagem da 
estenografia. Não se sabe se as línguas humanas devem a sua origem em parte a

tais actividades de associações arbitrárias. Mas as crianças parecem estar 
profundamente perpassadas do sentimento                        L

da arbitrariedade da designação por palavras, e

por isso enriquecem com sensações     próprias o mundo dos       símbolos que 
aprendem.

Devemos     dist.'.,­ig1~@."r dos símbolos   , onvencionalmente estipulados, que 
se encontram nos sistemas de     línguas e nas línguas­código, o

pensamento      simbólico, em que se inventam e

utilizam sinais por ne­        102 O que este   rapazinho faz aqui com

cessidade lúdica ou para       este pauzinho significa para ele «fumar»

­este é um acto de simbolização
(falta aqui uma p´´agina, que não foi scanada)
Jogo, criação, 

realizações e interesses no desenvolvimento

Provàvelmente é correcto dizer­se que as forças criadoras da criança não se 
exprimem em nada tão nitidamente como no seu jogo e nas suas obras de 
construção, ao passo que à medida que a idade avança se vão integrando a pouco e 
pouco nas mais diversas espécies de realizações.

Os jogos parecem a muitos adultos ser ocupações que não

se devem levar a sério, com as quais uma criança passa o tempo enquanto não pode 
fazer «nada de melhor» . E muitas mães avaliam as brincadeiras na medida em que 
entretêm os seus filhos e os mantêm longe delas. O facto de a brincadeira 
pertencer às mais importantes funções vitais e de aprendizagem ainda não é 
infelizmente conhecido e apreciado suficientemente, mesmo hoje, apesar de todo o 
trabalho intensivo de esclarecimento por parte dos modernos psicólogos e 
pedagogos.

Os jogos têm um valor inestimável para o desenvolvimento da criança, e também 
mais tarde na vida. Mostra­se cada vez com mais evidência, que a saúde mental e 
o bem­estar dependem muito essencialmente de um equilíbrio correcto, 
correspondente a cada idade, entre a actividade lúdica e o trabalho, desviando­
se o ponto de gravidade gradualmente do jogo para o trabalho e transformando­se 
os conteúdos de ambos.

O prazer da função

O jogo, cujos prenúncios já observamos na vida dos animais, tem especialmente no 
início, tal como nos animais, sobretudo um valor de exercício, como mostrou Karl 
Groos em cuidados estudos. O animal, tal como a criança pequena, aprende, 
brincando, muitos movimentos e modos de comportamento de que necessita mais 
tarde durante a vida. O seu «excedente de energia», como o exprimiu teoricamente 
Herbert Spencer, permite­lhes aplicar no jogo energia e tempo e actuar por assim 
dizer à experiência, adquirindo assim experiências e conhecimentos.
O ignóbil do jogo parece, visto a partir do sujeito, ser da mesma espécie que a 
finalidade: é em primeira linha o prazer que proporciona aos que brincam toda a 
sua actividade. Este prazer foi designado por Karl Billiler como prazer de 
função e ele contrapô­lo ao prazer de saciedade, quando se trata de satisfazer 
necessidades, assim como ao prazer de criação na realização de obras. Bühler 
entende que na satisfação de necessidades tal como

na criação interessam determinados êxitos que se obtêm, ao passo que no jogo é a 
função como tal que proporciona o prazer, e portanto brinca­se, devido a este 
prazer.
104 Karl Bühler chamou «prazer de função» ao prazer que a criança experimenta a 
brincar

Rigorosamente, quase só as actividades lúdicas do primeiro ano de vida se 
baseiam no prazer de função. Em jogos mais tardios, como veremos, é 
frequentemente importante, ao lado de uma série de outras funções lúdicas, o 
êxito e a concorrência a um prémio, ou

então a vitória modifica por vezes o carácter do jogo; contudo, mesmo assim, o 
prazer da função está sem dúvida mais determinantemente em primeiro plano do que 
quando se trata do trabalho.

Ao lado desta função de prazer que domina a primeira actividade lúdica da 
criança, podemos observar muitas vezes já no primeiro ano de vida a acção do 
factor social. A criança de oito meses brinca com entusiasmo o «cu­cu­tá­tá» com 
a mãe, desaparecendo e aparecendo por detrás duma fralda. A criança de

105­106 Feliz e entusiasmada a criança joga com a mãe «cu­cu­tá­tá»
sete a oito meses, quando consegue com êxito pela primeira vez abanar ou, bater 
em duas coisas ao mesmo tempo, pode apresentar feliz e orgulhosa as suas 
habilidades à mãe que se aproxima, o que devemos interpretar como uma primeira 
vivência de êxito.

O domínio de que a criança até certo grau toma aqui consciência, aumenta sem 
dúvida o prazer de função, e aliás o prazer aumenta com o aumento de domínio, ao 
passo que se pode transformar em tédio após o ponto culminante em que se atingiu 
pleno domínio. Podemos observar esta evolução em

muitos jogos, muitas vezes também no desporto e em outras actividades 
aperfeiçoadas pelo exercício acompanhado de prazer de função.

Inícios do domínio

Domínio, realização e êxito são, como todos sabemos, as finalidades primeiras da 
nossa existência, tanto nas coisas pequenas como nas coisas grandes, no jogo, no 
trabalho, nas relações humanas, nos empreendimentos objectivos, nas diversas 
fases da vida e na vida como todo. A orientação que aqui interessa é 
evidentemente muito complexa. Parece­me totalmente errado pretender aplicar o 
conceito de «instinto», hoje tão cuidadosamente limitado pela moderna psicologia 
animal, a esta tendência de domínio, como o propõem alguns teóricos. O querer 
ser capaz que nos incita durante toda a vida só se pode entender correctamente, 
segundo a minha opinião, dentro da grande conexão do conjunto da vida; no lugar 
que se destina ao estudo deste conjunto da vida, ocupar­nos­emos mais da questão 
da essência do «querer ser capaz». Aqui meramente verificamos a sua primeira 
documentação, apenas esboçada na primeira actividade lúdica.

Além do domínio através do exercício, ainda se dá outra espécie de domínio 
mediante o jogo, mostrado por Freud: é a

superação de vivências traumáticas através de descarga emocional na actividade 
lúdica.

Uma criança a quem o médico fez doer quando lhe observava a garganta, brinca 
«aos médicos» com um dos irmãos mais novos, manda o pequeno irmão ou irmã abrir 
a boca e fá­los Sofrer como ela própria sofreu.

Freud falou aqui de uma obrigatoriedade de repetição, expressão com que designa 
a estranha necessidade de assimilarmos vivências dolorosas, repetindo­as por 
palavras e acções,
dominando assim a angústia que a elas está ligada. Era nisto que Freud pretendia 
ver o sentido da actividade lúdica.

Robert Wãlder, um dos principais representantes da teoria lúdica de Freud, 
concorda que esta teoria não abrange todos os jogos, e PhyIlis Greenacre, que se

ocupou muito da fantasia criadora no jogo e na arte, acentua que a 
obrigatoriedade de repetição em conexão com a assimilação de vivências 
traumáticas é apenas uma forma das tendências de repetição. De resto, vimos já 
que a repetição        107 A brincar «aos médicos» a criança não serve apenas 
para do­       supera a vivê ncia dolorosa que ela próminar a angústia, mas que 
pria experimentou no médico

pode ter em si uma acentuação de prazer, especialmente quando culmina em 
domínio de situações que se pretendem vencer.

Até agora mencionámos      como factores que contribuem para o prazer lúdico o 
prazer de função, o prazer de domínio e de poder, o triunfo através do efeito do 
êxito sobre os outros, o prazer da comunidade no jogo social. A todos estes 
acrescentam­se ainda dois outros factores importantes. São o prazer da 
actividade livre da fantasia e a alegria na realização lúdica e criadora.

Jogos de ficção

A partir dos dois anos observamos na criança uma actividade extraordinariamente 
rica da fantasia infantil, primeiro sobretudo no que respeita a linguagem e 
jogo, pouco depois também na

criação construtiva. Enquanto os jogos de movimento da primeira infância, assim 
como os jogos desportivos mais tardios, servem em primeira linha para o prazer 
de função, para o

domínio de movimentos e mais tarde para êxitos sociais, enquanto os jogos 
sociais visam sobretudo a sociabilidade e o cam­
108­111 Factores que contribuem para o prazer de brincar: o prazer de social 
(aqui a fazer rodas), a actividade livre da fantasia (representando do livro 
Terra­Mágica «Crianças de todo o mundo») e a alegria no confi

peonato, os jogos de f ícção da criança em idade pré­escolar, em

que ela desempenha um «papel», assim como os jogos dramáticos posteriores, têm 
uma grande importância para o desenvolvimento da vida da fantasia.

Habitualmente encaram­se os jogos de ficção mais sob o

ponto de vista da imitação do que da actividade da fantasia. Diz­se que a 
criança procura de certo modo apropriar­se dos direitos e capacidades dos 
adultos, imitando as acções da mãe, do pai, do médico, do lojista, do condutor 
de eléctricos, do piloto de aviões ou de qualquer outra actividade dos adultos. 
Naturalmente que assim é. Muitas vezes as próprias crianças dizem que querem ser 
como a mãe e gostariam de poder fazer o

que ela faz.

Mas no jogo a criança não se limita a imitar os adultos, aproxima­se também 
interiormente do mundo dos adultos, ao repetir as suas acções no jogo. Além 
disso no jogo de ficção dão­se muitas descargas emocionais no sentido de Freud. 
isto quer dizer que também o jogo de ficção como todas as outras formas de jogo 
serve para uma multiplicidade de fins. A fantasia que se

exprime nos adornos que a criança dá às acções que atribui aos adultos, também 
não deve ser esquecida. Ela ganha mais tarde um papel cada vez mais artístico.
poder («Olha que alto que eu sou capaz de saltar!»), a companhia no jogo teatro; 
reproduzido com autorização do Harins Reich Verlag em Munique, gurar e criar 
autónomo, como aqui com os cubos da caixa de construções

Jogos de construção

Esta actividade artística da fantasia encontra contudo a sua expressão mais 
forte nas obras de arte infantil que representam uma parte importante da sua 
actividade construtiva e formadora. Como já acentuámos, muitos adultos nem 
sempre dão o devido valor ao grande significado psicológico do jogo. O mesmo se 
pode dizer do jogo de construção. Geralmente não se reconhece suficientemente 
que na actividade lúdica da criança, começando pela primeira torre construída ao 
ano e meio até à construção técnica, até ao desenho artístico, até à composição 
poética ou musical na idade escolar, se revela uma responsabilidade livremente 
assumida de uma missão que ela se põe a si própria e

para a qual não há paralelo em outras actividades. O que a criança obtém nestas 
actividades é a capacidade de dádiva a uma obra, com o emprego de paciência e 
perseverança, com a vontade de vencer dificuldades e completar a obra, com a 
riqueza de ideias e vontade de criar, que não é substituível por nenhuma outra 
acção na vida humana.

A criança que se entrega a pintar, a desenhar, a modelar ou a construir t, 
desenvolve nestas actividades uma posição em relação à realização que mais tarde 
lhe será útil no trabalho.
A actividade física no jogo e a necessidade moderna de movimento

Perante este significado da criação na infância mais remota parece­me lamentável 
que hoje, por toda a parte, a tendência para a actividade física no jogo tenha 
superado a actividade construtiva. Hildegard Hetzer verificou recentemente num 
interessante estudo sobre jogos e brinquedos, que em 30 anos ­ entre
1926 e 1956 ­ a parte que os jogos físicos tomam na actividade lúdica total pelo 
menos duplicou! Paralelamente a isto verifica­se em toda a parte um aumento de 
falta de perseverança e concentração, que influencia desfavoravelmente não só o 
interesse construtivo mas também o interesse pelos livros.

Os números dados por Hildegard Hetzer, que dizem respeito ao que se passa na 
Alemanha, certamente devem ter aplicação também noutros países. A razão deve 
buscar­se na inquietação geral, que se tornou tão característica da nossa vida 
actual. Só em lugares muito retirados se encontra ainda aquele sedentarismo que 
se conheceu outrora. As comunicações cada vez mais rápidas, a rede de tráfego 
cada vez mais espalhada e mais densa sobre a terra, e os meios de comunicação 
que põem em contacto recíproco todo o mundo e até já o próprio espaço, mantêm­
nos em constante tensão, proporcionam­nos participação em todos os 
acontecimentos e sugerem­nos continuamente que deveríamos lançar­nos activamente 
na corrente dos acontecimentos. De ano para ano há mais e mais pessoas, e entre 
elas muitas crianças e jovens, que viajam para cidades longínquas, para outros 
países e continentes, que dão a volta à terra, e cada vez é mais frequente a 
mudança de local de trabalho, de casa ou domicílio.

Mas nesta humanidade que cada vez é mais móvel encontra­se também um 
conhecimento mútuo cada vez maior ­ e isto dever­se­ia designar como uma 
circunstância favorável. Isto é, aumenta o contacto social e com ele aumenta, 
pelo menos é de esperar que assim seja, também a compreensão social mútua, pelo 
menos na mesma medida em que cada vez há mais encontros e cada vez há mais 
miscigenação sobre a terra.

A individualidade da criança e o conteúdo do seu mundo interior não se revelam 
ao conhecedor em parte alguma melhor do que nos desenhos, pinturas, esculturas e 
jogos de fantasia, porque em todas estas criações, tal como nos sonhos, se 
projectam sentimentos e ideias conscientes e neles assim disfarçados se revelam.
Percepção e Projecção

É interessante como primeiramente a apreensão perceptiva do mundo se reflecte 
nos desenhos, pinturas e modelagens a

princípio esquemáticas e mais tarde realistas que a criança executa. O 
desenvolvimento da percepção e inteligência exprime­se aí tão nitidamente que 
muitos psicólogos, sobretudo F. Goodenough, estandardizaram a reprodução 
pictórica de uma figura de homem como teste de inteligência.

F. Goodenough procura apreender no seu teste a representação da figura humana a 
partir do primeiro momento em que se dá a capacidade de objectivação no desenho. 
Muitas crianças com 4 anos ainda estão na «fase do rabisco», isto é, não sabem 
ainda reproduzir figurativamente os objectos. Apesar disso projectam os seus 
sentimentos nos seus gatafunhos, o que se prova pela grande diversidade dos 
trabalhos rabiscados. Nesta fase de rabiscar, este «misturar, borrar e mesclar» 
inato ao homem, como o dizia Goethe, dá à criança uma grande satisfação; segundo 
Freud, exprimem­se nos gatafunhos necessidades emocionais, de que falaremos em 
breve.

Logo que a criança consegue executar formas e representar objectos, inicia­se 
aquela objectivação inconsciente de sentimentos pessoais a que damos o nome de 
projecção. Esta manifesta­se em toda a criação artística infantil, começando 
pela maneira como desenha a sua primeira casa, em cuja figura sólida ou 
oscilante se personifica a si própria, até à reprodução mais tardia de 
disposições psíquicas nas paisagens ou cenas.

Para a maior parte das crianças constitui uma natural necessidade dar expressão 
aos seus sentimentos vitais através da criação artística. Por outras palavras: 
as pinturas das crianças

e as poesias dos jovens não são produto tanto de necessidades artísticas em 
geral, como de necessidades gerais de sentimentos e criação. Daí constituírem 
muitas vezes um precioso achado diagnóstico para a Psicologia Infantil. Pelo seu 
grande significado como portadores de emoções, assim como por serem realizações 
criadoras, deveriam encontrar por parte dos adultos que rodeiam a criança um 
reconhecimento carinhoso e serem por eles levadas a sério.

Também as realizações técnicas que se iniciam na infância representam os 
resultados de necessidades criadoras mais especificamente orientadas.

A produção criadora da criança tem de comum com a do adulto o facto de levar à 
realização tanto a configuração do material como a expressão de vivências 
psíquicas. A diferença
está apenas no facto de na criança se acentuar a revelação, e no

artista adulto a formação, Assim a actividade lúdica torna­se em obra 
profissional, e como tal a trataremos em conexão com o decorrer da vida humana.

Realização e trabalho

O jogo e a criação podem ser entendidos a partir da psicologia do indivíduo. A 
realização e o trabalho, pelo contrário, resultam da filiação do indivíduo numa 
sociedade. Logo que um

produto de criação é executado sob o ponto de vista de que deve valer como 
realização e, para além dela, como trabalho, isto significa que a partir de 
agora ele reivindica um lugar social.

Ao salientarmos que se trata de um «ponto de vista», queremos dizer que por 
vezes a mesma actividade, o mesmo produto que anteriormente fora realizado e 
criado apenas ludicamente se pode converter, mediante conveniências sociais, em 
realização e trabalho.

Assim, a criança de quatro anos, que limpa «de brincadeira» o pó com a mãe, 
pode mediante o seu louvor tomar pela primeira vez consciência de que está a 
realizar um trabalho para ela. A criança de cinco anos que vai em vez da mãe à 
loja e traz cuidadosamente a garrafa do leite e o troco do dinheiro, sente­se já 
orgulhosa deste seu trabalho que, felizmente, também lhe dá prazer.

Mas em breve a criança e ainda mais o jovem e o adulto vêem­se colocados diante 
de tarefas em cuja realização não está em primeiro plano o prazer, mas o dever. 
O ponto de vista do dever que se tem de cumprir, mesmo que seja desagradável, é 
inserido na vida infantil pelo ambiente adulto, embora muitas crianças o pareçam 
desenvolver em si próprias sem que se lhes chame expressamente a atenção para 
ele. Deduzem o ponto de vista do dever, ao que parece, do    modo como o 
ambiente actua e os trata. Mas mesmo então ele tem na base uma orientação 
social.

A criança cumpre deveres em primeiro lugar por obediência, assim como pelo 
desejo de fazer algo que lhe proporcione ser

elogiada. Outros motivos, como o receio de ser castigada ou a

convicção de que será estimada e será bem admitida cumprindo

os seus deveres, jogam igualmente em diversos graus um papel importante.
A pouco e pouco, e no caso de desenvolvimento normal, o

cumprimento do dever converte­se numa quase­necessidade, como

Kurt Lewin chamou a tais tendências, que surgem primeiramente
Rapaz,
4 anos e 4 meses

Rapariga,
5 anos e 3 meses

Rapaz,
6 anos

Rapaz,
7 anos e 6 meses

Rapariga,
8 anos

Rapaz,
9 anos e 6 meses

Rapariga,               Rapaz,
10 anos e 3 meses     11 anos e 5 meses

Rapariga,              Rapariga,
12 anos e 3 meses     13 anos e 11 meses

13
122­125 Projecção de sentimentos vitais em desenhos infantis. Da esquerda Welty) 
­ Aniversário (de Bühler, Schenk­Danzinger, Smitter, Problemas

Krevelen,

por obrigação, e pouco a pouco se transformam numa «segunda natureza».

Muitos psicólogos preocuparam­se com a questão de como

se deveria entender a fundamentação de motivação das necessidades de realização 
e dever. Gordon Allport fala da autonomia, a qual pode ganhar motivos adquiridos 
secundariamente. O sentido da perfeição do trabalho a realizar, que foi 
inculcado pelo ambiente, ganha autonomia e funciona após algum tempo sem

necessitar de mais nenhum incitamento. Assim explica Allport a necessidade de 
querer criar algo de bom. Pelo menos, pode ser assim.

Opondo­se à actividade lúdica, em que interessa principalmente a satisfação 
emocional pessoal dos participantes, na realização o peso está desde início em 
factores de qualidade e quantidade objectivos e valorados por outros.

O desenvolvimento da ânsia de realizações elevadas depende, como o provam muitas 
investigações modernas, em grande parte de influências do ambiente. 
Especialmente investigações cuidadosas de David Mac Clelland e dos seus 
colaboradores, mostram que uma   determinada combinação de influências do 
affibiente durante a infância e a juventude produzem as melhores tendências para 
realizações do maior êxito. Revelaram­se favoráveis no

mais alto grau grandes exigências que foram feitas cedo à independência e 
responsabilidade do indivíduo, aliadas à rigidez que contudo não deve ser 
autoritária. Observações desta natureza,
para a direita: Casa sólida ­ Casa oscilante (da clínica privada de L. infantis 
e o Professor) ­ Nuvens de trovoada nas montanhas (de A. van De tekening)

que sob o ponto de vista da importância da psicologia para a

educação são de grande interesse, só se fizeram até agora nos

Estados Unidos da América.

É importante verificar que uma tendência para altas realizações desenvolvida 
desta maneira conduz efectivamente à realização de altas tarefas. Isto provou­se 
através de duas investigações que se realizaram independentemente uma da outra e 
servindo finalidades absolutamente diferentes ­uma com jovens na escola (Mary C. 
Jones), e outra com duzentos adultos, e justamente engenheiros e contabilistas 
em diversas fábricas (Herzberg, Mausner, Snyderman).

A investigação com as jovens em idade escolar ocupa­se de realizações sociais 
dentro do grupo, a dos adultos com as realizações de trabalho na firma. Sobre os 
resultados do segundo estudo sobre a motivação para o trabalho, diremos o 
seguinte: uma alta ética de trabalho e boa realização estão intimamente ligadas, 
em primeira linha, com a ânsia de boa realização e louvor, com o sentido de 
responsabilidade e com o interesse pelo próprio trabalho, enquanto em menos 
elevada ética de trabalho e menos boas realizações, desempenham um papel maior 
outros pontos de vista: aumento de ordenado, condições de trabalho, tratamento e 
relações pessoais.

Também para este grupo ­embora não mostre nenhuma verdadeira tendência de 
realização­ é importante o louvor e reconhecimento.
Na investigação sobre as realizações sociais das crianças em idade escolar, não 
se chegou a resultados diferentes. Portanto, sob ambas as condições afinal tão 
diferentes, mostra­se que as

altas realizações estão ligadas em primeira linha à ânsia de realização, mas 
logo a seguir à ânsia de louvor.

O segundo facto é interessante justamente porque demonstra que para as 
realizações é de importância fundamental o factor social. Por outras palavras: a 
auto­realização do homem que vive em sociedade não depende apenas da sua 
realização como

tal, mas também do louvor ou reconhecimento que ela merece.

Os exemplos mostram­nos nitidamente em que medida a

altura das realizações na vida depende em parte da motivação e em parte de um 
factor social. Desempenham a par disto um

papel decisivo o modo e grau das capacidades, assim como as

situações da vida e oportunidades, favoráveis ou desfavoráveis. É pela 
interacção destes e de outros factores que se constitui a realização vital, de 
que trataremos no âmbito da observação do decorrer da vida humana.

Aqui falaremos brevemente ainda só de uma determinação funcional de realizações. 
Ela resulta do facto de as realizações poderem estar baseadas, ou mais em 
funções físicas ou mais em funções espirituais. Esta verificação parece estar em 
contradição com a nossa tese, que estamos continuamente a acentuar, que o homem 
vive e actua como uma unidade psicossomática. Mas isto em nada invalida a nossa 
tese. Não exclui a outra conclusão, de que uma pessoa nas suas diversas acções e 
realizações se

pode servir mais das suas energias físicas ou mais das suas energias 
espirituais.

Vitalidade e mentalidade como factores de realização

Já no início deste capítulo, quando nos ocupámos da ascensão e decrescimento das 
diversas funções, vimos como a maioria

delas depende da ida­
11 de, isto é, da energia
vital, se é que se pode chamar­se­lhe assim. Algumas realizações, iv  como 
especialmente a

rapidez e força de movimentos, atingem o

126 Distribuição quantitativa de realizações   seu ponto máximo na no decorrer 
da vida em quatro tipos esque­      primeira juventude. A máticos. (De C. 
Bühler, Der Menschliche Lebenslauf, 1959)                 experiência, pelo con­
CAMPO DE REALIZAÇÕES

IDADE

Desporto, Medicina

25­29

Física, Química

30­34

Literatura de Romances

30­39

Pintura, Medicina, Filosofia

35­39

@Bestsel1cr», Literatura de Romances
1

40­44

trário, aumenta com a idade, e portanto realizações que dependem da

Idade em que se atingiu a maioria das        pacidade de concentrarealizações 
máximas. (Segundo LeIrman)     ção não diminuam o

proveito da experiência). Sem dúvida que há portanto uma diferença entre 
categorias de realização, umas mais apoiadas na vitalidade e outras mais 
apoiadas na mentalidade. Geralmente é a actuação em conjunto dos dois factores 
que é mais favorável, e daí ser o meio da vida o período mais fértil para 
realizações de toda a espécie, tal como o provou Harvey Leliman, mas existem 
determinados campos de realização que atingem o seu ponto culminante 
declaradamente cedo, assim como outros o atingem tipicamente tarde. Este facto 
foi demonstrado por Egon Brunswik e Else Frenkel, que para isso se serviram de 
vasto material biográfico. Acharam que há quatro tipos de realização diferentes: 
uns que atingem o seu ponto máximo cedo, outros que culminam no meio, e outros 
ainda que culminam tarde na vida, assim como por fim existem outros, cujo ponto 
máximo de realização se distribui irregularmente por toda a vida.

Uma tabela de H. Lelmian dá­nos uma visão panorâmica sobre as realizações 
máximas nos diversos campos.

Interrompemos aqui o tratamento deste tema, uma vez que trataremos em pormenor, 
no capítulo dedicado ao decorrer da vida humana, o problema de obras realizadas 
cedo e obras tardias, assim como das diversas estruturas do decorrer da vida 
resultantes do tipo de criação.

O interesse

Há um factor que desempenha um papel a que até agora não se deu bastante 
atenção, e que intervém em todas as actividades, no jogo como na criação e em 
toda a espécie de realizações ­é o factor interesse. O que é realmente o 
interesse?

Todas as pessoas sabem naturalmente o que é o interesse, este «estar presente» 
particular, estar «dentro» ou «entre» como se traduziria exactamente do latim 
­um «estar presente» que
pode significar os mais diversos graus de participação: desde uma certa 
intensidade da atenção dirigida para um objecto, até à entrega entusiasta.

É uma participação que desempenha um papel em todos os chamados interesses (no 
plural!). E é sobre estes « interesses» que se concentra a maioria dos autores 
que escrevem sobre este assunto, enquanto muitos evitam tratar do fenómeno 
interesse ­no singular! Na maioria das vezes diz­se que interesses são 
actividades preferidas ou então actividades a que se dedica uma atenção especial 
(Oswald Kroh). Anne Roe é uma das poucas pessoas que, nos seus estudos sobre 
profissões, se ocupou mais pormenorizadamente da questão da definição do 
conceito de interesse. Do seu resumo deduz­se que a maioria dos psicólogos são 
de opinião que no interesse e interesses se trata de complicados processos, em 
que entram em jogo tanto a atenção         como a preferência.

Eu própria sou de opinião que se tem de distinguir         entre «interesse» e 
«interesses». O que eu quero dizer talvez se     torne compreensível se 
substituirmos a palavra «interesse» por       « interessamento». O « 
interessamento» parece­me uma função de        facto educável, cujo 
desenvolvimento é realmente fomentado por apresentação de material adequado, mas 
que em primeira linha dá a impressão de ser inata.

Há bebés que desde o início se entregam com um interesse intensivo aos estímulos 
que lhes fornece o seu ambiente, enquanto outros da mesma idade têm uma atitude 
apática. Aliás desconheço se um tal «interessamento» está ligado a uma maior 
actividade, também considerada inata. Julgo que o interessamento é um prazer 
espiritual de actividade, enquanto a actividade de que se fala vulgarmente 
parece mais ser um prazer de movimento físico.

Ouvi contar a muitos doentes, o interesse intensivo com que vivem os seus 
sonhos. Mesmo quando os conteúdos dos sonhos são desagradáveis, vergonhosos ou 
infelizes, não se conseguem libertar deles. Estas pessoas são as mesmas que 
acham a vida como tal interessante, e que tendem a encarar todas as manhãs com 
interesse, na medida em que não as esperem de antemão coisas desagradáveis. Uma 
minha conhecida vienense, que mais tarde morreu num campo de concentração, a 
quem ouvi discutir a questão do suicídio para o caso de a fuga ser impossível, 
declarou aos amigos, com uma forte convicção, que realmente depois converteu em 
realidade: «­ Eu nunca me suicidaria. Acho a vida demasiado interessante; 
aconteça o que acontecer, eu sou
realmente demasiado curiosa e quero saber o que se segue». Não sei como se 
apagou por fim o interesse desta pobre criatura por aquilo que realmente depois 
se seguiu.

As pessoas que recebem com tão vivo interesse cada novo dia, são o contrário 
daquelas que, como o diz a canção popular, esperam com preocupação cada amanhã: 
«Lá vem o dia, oh, já tivesse ele passado», ou aqueles que o vêem vir com 
indiferença, se não com relutância, e anseiam a morte como libertadora. A 
maneira como estas pessoas se agarram a certas perdas ou desilusões, sem 
conseguirem desenvolver novos interesses, mostra­nos que o interesse é uma 
actividade espiritual criadora que modifica o objecto, até o parece fazer nascer 
de novo e o faz parecer diferente do que era. A vida que um orador brilhante, um 
escritor de categoria, um músico dotado, conseguem dar a

uma velha ideia ou peça musical, é o resultado do interesse com que os artistas 
tratam o tema e que se comunica ao ouvinte ou leitor.

E assim eu definiria interesse como um avivamento espiritual que é comunicado a 
uma matéria pelo facto de o interessado participar fortemente nela. O despertar 
e manter despertos interesses é usualmente encarado em primeira linha sob pontos 
de vista pedagógicos, pois ele é importante para toda a educação que se pretenda 
que venha a ter êxito. A mim parece­me que o

interessamento, para além disso, é um dos elementos vitais mais importantes do 
homem, pois só através desta participação e

avivamento espiritual estamos em condições de tornar a nossa

existência digna de ser vivida.

Distintos pelo facto de nos interessarmos mais por eles do que por outros, são 
aqueles objectos preferidos a­que chamamos os nossos interesses. Escreveu­se 
muito sobre estes interesses, sobre a sua evolução e modificação, assim como 
sobre o seu condicionamento através das mais diversas, circunstâncias. Encarados 
sob o ponto de vista da psicologia evolutiva, eles modificam­se de acordo com os 
factores de início predominantemente físicos e mais tarde predominantemente 
espirituais, que já conhecemos nas curvas de realizações máximas dentro da 
profissão.

Ninguém se espantará de ouvir dizer que todas as investigações neste sentido 
verificaram mais interesse pelo desporto, dança e actividades sociais na 
juventude, e na idade mais avançada, mais interesse por actividades 
contemplativas, ocupação com a música e a arte, com livros e flores, ou 
actividades no jardim. No que respeita o interesse por conferências e concertos 
e pela ida à igreja, nas investigações americanas não há diferenciação de 
idades.
Só pode ter sentido discutir o verdadeiro papel que os interesses desempenham 
para o homem em conexão com a observação do decorrer da sua vida como um todo. É 
de acordo com isso que mais adiante retomaremos a discussão deste problema.

Funções sociais no desenvolvimento

Com três a seis semanas o bebé sorri para outras pessoas, e ao ouvir a voz 
humana. Discute­se ainda o que significa exactamente este sorriso. Mas uma coisa 
é certa: o sorriso do bebé é uma reacção social ­uma reacção a outras pessoas.

Há diversas teorias sobre o sorriso que interessa conhecer, porque da 
interpretação destas primeiras reacções a outros seres humanos depende muita 
coisa para a compreensão posterior dos fundamentos das relações humanas.

A primeira questão é se se deve considerar primária a reacção social a outras 
pessoas, ou se se deve supor que é adquirida.

Aqueles que a consideram primária, chamam a atenção para o facto de o homem ter 
uma necessidade inata para a convivência e participação com outros seres da 
mesma espécie, e que por isso reage positivamente a outras pessoas logo que se 
apercebe delas.

O outro grupo defende a opinião de que a reacção social a outras pessoas é 
aprendida, e isso na medida em que o bebé associa o aparecimento da mãe com o 
alimento que ela lhe traz e que o satisfaz, e com os cuidados que ela lhe 
proporciona. Segundo esta teoria, é na realidade a satisfação de necessidades 
aquilo que é vivido como agradável, e esta sensação é transposta secundariamente 
à pessoa que presta os cuidados.

Wayne Dennis é um representativo defensor da opinião de que a reacção social a 
outras pessoas é aprendida. Ele tenta provar experimentalmente que o bebé cuja 
mãe ­ou pessoa que cuida dele­ nunca sorri ou fala, não começa a sorrir por si. 
Isto quer dizer, por outras palavras, que o sorriso não é uma expressão 
espontânea dos sentimentos do bebé, mas um modo de comportamento aprendido.

Esta interpretação pode ser designada por behaviorista. Por Behaviorismo 
entende­se uma escola psicológica fundada por John Watson, que introduziu uma 
técnica de minuciosas observações de conduta e que considera todas as conclusões 
que não se possam provar através de processos observáveis como

especulações não permitidas. Enquanto o método behaviorista como tal goza hoje 
de uma ampla expansão, muitas das suas afirmações teóricas são rejeitadas pela 
maioria dos investigadores contemporâneos,
No que respeita à questão do sorriso: é uma reacção a outras pessoas aprendida 
ou inata? ­ a resposta através de experiências, como as que fez Dennis, não é 
possível. E pela seguinte razão:

Muitas observações e experiências com animais recém­nascidos, especialmente com 
aves, mostraram que os animais perdem determinados instintos quando não se lhes 
oferecem os estímulos que desencadeiam a sua actividade. Poderia passar­se o 
mesmo

com o sorriso: pode muito bem ser que seja inato, mas que não possa desenvolver­
se quando não se oferece o estímulo desencadeante, isto é, quando não se 
proporciona ocasião ao contacto

social. Portanto, pelo método de Dennis, não se pode afirmar nada acerca da 
natureza primária ou secundária do sorriso.

A teoria psicanalítica acerca das relações mãe­filho

Outra teoria, que vê igualmente a reacção social a outra pessoa condicionada por 
esta, é representada pela Psicanálise, embora fundamentada de modo diferente da 
teoria behaviorista da aprendizagem. Renê Spitz, que foi quem mais 
cuidadosamente elaborou a teoria e a tentou provar mediante experiências 
brilhantes, distingue duas fases na evolução das primeiras relações sociais do 
recém­nascido.

Na primeira fase, segundo a interpretação psicanalítica, o

bebé é um ser regido puramente pelos instintos e por isso ainda não capaz de uma 
percepção de objectos, vivendo apenas a

satisfação das suas necessidades e o clima afectivo que a mãe cria para ele. 
Neste «clima afectivo» realiza­se uma troca de afectos, na qual, ao que parece, 
se estabelece o fundamento da relação emocional entre mãe e filho. «A teoria 
psicanalítica» diz Spitz «insistiu desde os seus inícios em que todas as funções 
psíquicas, sejam elas sensações, percepções, pensamentos ou

acções, têm por pressuposto uma base libidinosa, isto é, um processo afectivo. o 
sistema de comunicação entre mãe e filho consiste, desde o nascimento da 
criança, numa troca mútua de afectos e em processos afectivos». O conceito de 
líbido introduzido por Freud e que aqui aparece ­já o conhecemos de outro 
lugar­, é difícil de definir de maneira simples porque Freud modificou várias 
vezes a sua aplicação.
Em todo o caso a líbido é na teoria de Freud o instinto básico, cuja concepção 
Freud foi alargando constantemente; no

pensamento mais tardio de Freud abrange a ânsia de prazer, amor e vida. Gozar, 
querer­possuir, sentir, ser uno e querer­existir ­tudo isto conflui nesta 
palavra mágica. Representa, segundo a concepção psicanalítica, a cobiça inicial 
e a relação
fundamental inicial para com tudo na vida, originariamente o

único processo no indivíduo, mas também o afecto que é portador deste processo, 
donde provém e em que vai de novo desaguar.

Spitz é de opinião que estes processos afectivos representam forças formadoras, 
das quais surge depois pouco a pouco uma relação emocional específica da criança 
para com a mãe.

Uma segunda fase nesta evolução é então aquela em que a criança começa a 
reconhecer a mãe como objecto. Spitz investigou juntamente com Katharine Wolf os 
processos do reconhecimento, continuando com um maior material em Nova Iorque as 
experiências que o cientista finlandês Eino Kafia realizara em Viena. A teoria 
elaborada por Kafia, e retornada e continuada por Spitz, afirma que a criança 
reconhece a partir do terceiro mês, mais ou menos, a mãe ou qualquer outra 
pessoa que se

aproxime dela, por características físicas da cara humana, e

sobretudo através da parte do nariz e olhos.

As interessantes experiências que Kafia realizou em Viena e que são o ponto de 
partida desta teoria, foram concebidas de maneira a mostrar aos bebés uma série 
de variações da cara

humana, máscaras com bolas de vidro em vez de olhos e com ou sem nariz (vide 
fig. 127). Além disso, continuando as experiências anteriores de Hildegard 
Hetzer, apresentava­se ao bebé um olhar sorridente, depois um olhar colérico, 
assim como uma

cara coberta por uma máscara que se descobria rapidamente.

Enquanto Kafia e Hetzer tinham verificado que crianças de três a cinco meses 
estranhavam uma expressão colérica ou

uma máscara, Spitz chegou à conclusão de que o bebé reage positivamente enquanto 
vir características decisivas da forma da cara

humana, no caso de ter feito experiências positivas com seres humanos.

127 E. Kaila utilizou nas suas experiências com lactentes estas máscaras de 
cartão que representam caras humanas incompletas. (De E. Kafia, Die
Reaktionen des Sãuglings auf das Menschliche Gesicht, 1932)
128 Herbert, de três meses, retribui o sorriso. (De Kaila)

129 Aqui vemos Herbert, de três meses, estranhando o olhar colérico de Kafia. 
(De Kafia)

Mas sabemos através de outras experiências realizadas em Viena (Hetzer e

Ripin, Frank1 e Rubinow), que os bebés reconhecem os objectos o mais cedo a 
partir do quarto mês por exemplo, o biberão

que se move ao seu encontro. Por conseguinte, parece excluída a hipótese de que 
a criança de três meses « reconheça» a cara.

Spitz é por isso de opinião que a criança recebe das outras pessoas certos 
«sinais»; e como tais actuam as características cita as assim como outras 
características figurativas, entende ele.

130 O mesmo bebé estranha a máscara

dos olhos. (De Kafia)
131 Boneco de trapos para o qual sorriem os bebés com que R. A. Spitz realizou 
experiências. (De Spitz e Wolf, The Smiling Response, Genet. Psych. Monogr., 
1946). 132 Na experiência de Spitz o bebé sorri para a máscara. (De Spitz, Die 
Entstehungen der ersten Objektbeziehungen, 1957)

Na receptividade destes sinais existem evidentemente grandes diferenças. Porque 
tão claramente como o pequeno «experimentado» de Kafia com três meses estranhou 
a máscara dos olhos (vide fig. 130), o pequenito «experimentado» por Spitz, com 
a mesma idade, não deixou pelos vistos de sorrir ao ver
uma cara toda tapada por uma máscara.

O que significa então tudo isto? As observações sistemáticas de Spitz e também 
os estudos de Leitch e Escalona acerca da capacidade receptiva de bebés e sobre 
as suas reacções à tensão da mãe, ultrapassam as séries de observações 
realizadas em Viena, por nos permitirem captar muito mais exactamente e mais 
minuciosamente os pormenores subtis dos inícios das relações entre mãe e filho. 
A questão é apenas de como se devem interpretar estas observações. O que resulta 
delas para o conhecimento dos fundamentos das relações humanas?

Creio que o leitor neste momento já compreende a razão pela qual, numa obra que 
não se dirige ao profissional mas ao leigo interessado, nos detemos nestes 
pormenores da investigação como agora o estamos a fazer. É que se trata do 
problema mais profundo e mais importante para nós, seres humanos, isto é: o que 
é que afinal está na base do início e origem das nossas
relações para com os nossos semelhantes?

Tudo o que incluímos nestas relações provém daquilo que aprendemos do mundo que 
nos rodeia, como o pretendem os
representantes de uma teoria global da aprendizagem?
Ou estará a origem em vivências­afectivas tal como o considera a Psicanálise, 
que as vê como fundamento de tudo? Ou haverá uma terceira possibilidade?

Como nos disse Spitz, a teoria psicanalítica parte da suposição de que o recém­
nascido é um ser puramente instintivo. «Durante os três primeiros meses», diz 
ele, «as vivências da criança estão limitadas ao campo afectivo; os aparelhos 
sensitivos, a capacidade discriminatória e a perceptividade não estão ainda 
psicologicamente desenvolvidos.»

Isto será realmente assim? Embora eu considere magistral a descrição que Spitz 
nos faz da troca de afectividade entre a mãe e o filho, não posso concordar com 
a sua afirmação.

Antes sou de opinião de que, embora no princípio a criança não reconheça ainda 
os objectos, contudo recebe a partir pelo menos da idade de um mês impressões 
perceptivas a que reage, e até desde o início de maneira individualmente 
diferente.

As observações cuidadosas de Jean Piaget fornecem­nos um

vasto material. Ele verifica já em crianças de um mês e ainda mais nitidamente 
em crianças de dois meses, reacções a sons tais como prenúncios de imitações de 
sons. Além disso vê que crianças desta mesma idade fixam a sua cara, que ele 
move, e tentam

imitar os seus movimentos.

Dois exemplos: Piaget diz de T., com dois meses: «Eu produzi o som aa.

T. fez em vão grandes esforços, seguindo­se um som quase inaudível da sua boca 
aberta. Depois seguiu­se um sorriso aberto e uma imitação correcta».

De outra vez Piaget observou a mesma criança, no mesmo mês, seguir com o olhar 
um movimento de cabeça que Piaget fizera, sorrir em seguida, e por fim mover 
igualmente um pouco a cabeça.

O que aqui verificamos são os princípios da percepção assim como do movimento 
controlado, e ainda uma expressão de prazer e os primeiros indícios de uma 
relação para com uma

outra pessoa. Mas estes  últimos são contudo de natureza diferente do prazer do 
bebé que mama e da troca de afectividade de que Spitz nos fala.
O pequenino T. que sorri contente está vivendo o prazer da função realizada, tal 
como Karl Bühler lhe chamou e que caracterizou como sendo de espécie diferente 
do prazer que a

criança experimenta, por  exemplo, a mamar.

E este pequenino T.  que sorri contente vive além disso um

contacto com o experimentador, sentindo comunidade. Eles jogam este jogo juntos 
­esse é o conteúdo social deste acontecimento,
que representa uma primeira interacção autêntica. Como interacção designamos uma 
influência mútua que se dá entre seres humanos e para a qual ambos os parceiros 
contribuem com a

sua maneira de ser própria. Portanto além da troca de afectividade, de cujo 
significado fundamental não se pode duvidar, existe, pelo menos a partir do 
primeiro mês de idade, a outra forma de relação social, isto é, a interacção, 
que fundamenta uma comunidade.

Interacção e comunicação bem sucedida

Mas esta interacção está sujeita a determinadas condições prévias. Assim como na 
troca de afectividade só se dá a vivência do amor quando realmente se realiza 
uma dádiva de amor, também da interacção só resulta a comunidade quando for bem 
sucedido o encontro. Este êxito da relação social parece ser desde cedo já tão 
importante como o amor.

Encontramos exemplos excelentes nas observações realizadas por Sybille Escalona 
e Sylvia Brody com mães de bebés de quatro semanas. Trata­se de um vasto 
material que foi recolhido na Foundation Menning em Topeka (Kansas, USA) e que 
relaciona em minuciosa observação o modo de comportamento e

a atitude das mães com o modo de comportamento dos seus

filhos. Seguem­se alguns exemplos:

Esta é a primeira mãe. É rígida, vagarosa e desajeitada nos

seus movimentos. Nota­se nela pouca ternura Pelo filho, só pouco orgulho no seu 
bebé, que ela segura um pouco rígida e verticalmente quando lhe pega. Além 
disso diz que não se deve ter os bebés muito tempo ao colo. Quando o tem ao 
colo, mantém o pequenito sempre um pouco afastado do seu corpo. Este bebé estava 
bem alimentado, bem cuidado, bem desenvolvido. Parecia contudo um pouco inquieto 
nos seus movimentos. A observadora reparou que o bebé sorria quando ela o 
levantava, quando o

segurava 1.unto a si e lhe falava suavemente, enquanto com a mãe não o fizera 
uma única vez.

Segue­se outra mãe, «número 3» da série de observações. Tudo o que faz com o seu 
bebé, fá­lo com à­vontade e com movimentos hábeis. Fala muito com ele e dele, 
muitas vezes cheia de admiração pelo seu filho; também o seu comportamento 
exprime grande segurança e sentido de responsabilidade. O seu filho era forte e 
estava bem desenvolvido; parecia mais velho do que

era e fazia muitos movimentos enérgicos e livres. De cada vez que a mãe lhe 
pegava, sorria e palrava cheio de alegria.
A mãe «número 4» trata do seu bebé cuidadosamente mas sem exprimir nenhuns 
sentimentos. Nunca fala com ele, e até parecia não acreditar que ele já pudesse 
compreender alguma coisa. Diz que ele «não é mais que uma pequena criatura, o 
que é que tem para ver ... ». Esta criança era saudável, estava bem desenvolvida 
e parecia bastante calma. Simplesmente o rapazinho não se apercebia nem das 
pessoas nem das coisas, não sorria e também não fazia movimentos perscrutadores.

A mãe «número 5» é um pouco irrequieta nos seus movimentos e exprime bastantes 
preocupações e angústias. Trata de maneira suave e hábil o filho, mas preocupa­
se demasiado em protegê­lo e acalmá­lo. Pensa muito nos sentimentos do bebé, mas 
por outro lado não faz nada que possa estimular a filha. Esta pequenita estava 
deitada na maioria das vezes com uma expressão séria. Interessava­se pelos 
estímulos e pelas caras, mas

não sorria. Reagia de um modo hipersensível ao contacto e aos estímulos.

A mãe «número 6» é amorosa e protectora. Embora nem

sempre seja hábil, esforça­se por proporcionar ao filho a maior comodidade e 
satisfação possível. É de opinião que as crianças sabem desde o início se os 
pais as amam, e tem muito orgulho

na sua filha. Esta pequenita estava especialmente bem desenvolvida e 
excelentemente tratada, era muito calma e simultaneamente interessava­se 
vivamente pelos estímulos. Fixava repetidas vezes as caras da mãe e da 
observadora, seguia os seus movimentos e sorria cada vez que lhe falavam.

Se pensarmos que em todas estas observações se trata de bebés que apenas têm 
cerca de quatro semanas, é na realidade extraordinariamente surpreendente a 
grande variedade dos seus

modos de comportamento, do qual só pudemos salientar alguns aspectos.

Condução recíproca

Apesar de todo o cuidado que se tenha de ter na interpretação das relações 
recíprocas entre mãe e filho, tal como faz Brody, não nos podemos furtar à 
impressão de que existe um

intercâmbio desde o início, em que dois parceiros se dirigem um

ao outro. O que aqui sucede talvez seja designado da melhor maneira pela 
expressão introduzida por Karl Bühler, de condução recíproca. Mãe e filho 
conduzem­se mútua e continuamente de modo subtil, realizando­se assim uma 
comunidade que se desenvolve em diversas direcções, aqui melhor, ali pior, e 
formando­se
reciprocamente certas tendências. O bebé comporta­se nestes contactos como 
indivíduo, e embora seja indubitavelmente influenciado pela mãe, exprime contudo 
desde o início a sua maneira de ser própria.

Enquanto no intercâmbio de afectividade o bebé satisfaz a sua necessidade vital, 
ao funcionar em comunidade com outra pessoa põe em acção as suas tendências 
adaptivas ­apreendendo enquanto se adapta­ bem como as suas tendências 
expansivas ­orientadas para a expansão. Com uma afinação selectiva em relação às 
influências que o assolam e com confiança (corno Erikson designou tão 
acertadamente esta atitude fundamental) abre­se o recém­nascido ao mundo 
exterior, para nele funcionar e para o dominar. Orientada para o domínio, com 
confiança nas possibilidades oferecidas, com vivências de êxito e malogro, 
encontramos desde o início uma tendência que é tão fundamental como o instinto 
da líbido.

Podemos dizer, resumindo: a relação social para com o

«outro» baseia­se, nos seus inícios, primeiro no intercâmbio afectivo de 
sentimentos não estruturados e confusos, que produzem um clima afectivo entre os 
parceiros  ‘: em segundo lugar em

comunidade, que se forma do «funcionar em conjunto» de dois parceiros que se 
conduzem reciprocamente em afinação selectiva. Aqui entram evidentemente em jogo 
tanto disposições primárias como processos de aprendizagem.

As formas de comunidade passam já no primeiro ano de vida por uma evolução 
considerável. Nas minhas experiências com bebés que eu agrupei em pares para 
estudar os seus contactos, pude verificar as mais diversas espécies de relações 
a

partir dos cinco meses. Houve sorrisos recíprocos, um tocar­se amistoso, um 
tirar e dar brinquedos, assim como ataques unilaterais ou recíprocos, em que se 
podiam observar gestos e expressões de humildade ou superior agressividade, de 
rivalidade ou

triunfo. Durante a segunda metade do primeiro ano de vida podem­se verificar 
também um intercâmbio amável de brinquedos, um ensinar, observar, e uma 
comunidade de jogo, nas suas

formas iniciais.

Intercâmbio social entre bebés
Assim, a Isabel de cinco meses acaricia o pé de Frances de sete meses, pelo que 
esta acaricia igualmente o pé de Isabel dizendo a sorrir «da­da».

O Artur, de oito meses, ri para a Frances, de sete meses, que o observa, 
enquanto ele agita o guizo diante dos olhos dela,
133 Rapaz O,6, rapariga O,7: Cruzam­se os 134 Rapaz O,6, rapariga O,7:

olhares, sorriem­se                         Tirar

135 Rapariga 1,5, rapaz O,11: O déspota fica 136 Rapariga 1,5, rapaz 1,4:

com tudo para si                           Oferecer

133­137 As mais diversas espécies de relações entre bebés. As fotografias 
correspondem aqui a situações que estão reproduzidas no trabalho de C. Billiler 
«Soziologische und psychologische Studien über das erste Lebensjalir» (1927). 
O,6 significa uma idade de seis meses; 1,4 a idade de um ano e quatro

meses

137 Rapariga 1,5, rapaz 1,4: Comunidade lúdica

14
dando gritinhos de satisfação. Frances tenta por fim tirar­lhe o

guizo. Ele segura­a e sorri triunfante, enquanto Frances grita.

Brent, de nove meses, e Mary, de oito meses, têm um guizo

e uma campainha à sua disposição. Mary brinca muito feliz com a campainha, 
palra, dá gritos de satisfação; ele fixa­a atentamente e sorri­lhe; ela devolve­
lhe o sorriso... sorriem um para o outro. Ela brinca e ele olha. Agora ele 
torna­se activo e empurra o guizo para junto dela, ela agarra­o, embora ele o 
queira agarrar também. Ele tem a campainha e toca. Ela dá­lhe o guizo e estende 
o braço para a campainha, pega na campainha e sacode­a. Ambos estão radiantes. 
Ela dá­lhe outra vez a campainha.

Entre Angelus, de dezoito meses, e Marguerite, de onze, dá­se já um verdadeiro 
jogo comum. Ele dá­lhe um pau e põe­lhe na frente um tambor de tal maneira que 
ela possa tocar nele. Ambos batem juntos no tambor e riem.

Se, depois de observarmos estes princípios, quisermos tentar ordenar um pouco o 
complexo campo da evolução social e sexual, poderemos fazê­lo segundo três 
direcções principais. Podemos distinguir, na evolução social e sexual, fenómenos 
dependentes da maturação, fenómenos dependentes do ambiente e fenómenos 
dependentes da personalidade.

Dependentes da maturação são determinadas capacidades de integração num grupo, 
por um lado, assim como graus de necessidades sexuais, por outro lado.

O bebé criado num ambiente agradável mostra, desde o seu

primeiro sorriso, alegria em contactar com as pessoas. Na segunda metade do 
primeiro ano de vida muitas crianças não

querem de maneira nenhuma deixar a mãe afastar­se. Nos últimos

138­141 O psicólogo finlandês M. Koskenniemi estudou a formação de para a 
direita: reunião no pátio da escola; jogo organizado; reunião

Formações e processos sociais
meses do primeiro ano começa a sua compreensão para os jogos sociais, como «as 
escondidas» e o rolar de uma bola para cá e para lá.

A integração num grupo

Enquanto no primeiro ano de vida o bebé só pode contactar de cada vez com uma 
pessoa apenas, a capacidade de integração no grupo vai­se desenvolvendo de tal 
maneira, que no segundo ano de vida a criança já pode brincar com dois 
parceiros, e que a partir dos dois anos já gosta de «estar presente» quando se 
reúnem grupos de crianças mais crescidas. Mas só com três anos se verifica uma 
verdadeira participação nos seus jogos.

Em agrupamentos espontâneos, tal como se observam nos jardins infantis, só as 
crianças de quatro a cinco anos se reúnem em grupos um pouco maiores. 
Normalmente a criança em idade escolar aspira em medida cada vez maior a 
integrar­se num

grupo. As crianças de oito a doze ou treze anos adoram andar ou brincar em 
hordas ou bandos. Aqui dão­se, consciente ou

inconscientemente, hierarquias, em que a cada um cabe o lugar correspondente às 
suas qualidades sociais, e de cuja estruturação gradual sobressaem chefes. Karl 
Reininger foi o primeiro a mostrar a complexidade destas formações de grupos na 
idade escolar, e como surgem de lutas pela primazia ­lutas semelhantes às que 
David Katz anteriormente já observara em animais. As diferentes relações que os 
membros do grupo estabelecem entre si,

e os papéis que cada um desempenha, são variados. J. L. Moreno

grupos em crianças em idade escolar. As fotografias mostram, da esquerda 
desorganizada, assim como o tipo de um solitário. (De M. Koskenniemi, na classe, 
Helsínquia 1936)
inventou um método, chamado Sociometria, pelo qual se podem medir em diversos 
sentidos estas relações. Falaremos ainda deste método.

A tendência para se isolar deve ser considerada anormal na idade escolar média, 
ao passo que na puberdade o desejo de estar só é condicionado pela maturação. A 
solidão ­embora se queixem dela­ é frequentemente procurada pelas crianças de 
treze a dezassete anos. Simultaneamente desempenham um

papel cada vez maior a união em amizades e ligações de pares coloridas com um 
aspecto sexual.

As formações de grupos ganham agora pouco a pouco o carácter de estruturas 
sociais formadas e finalizadas, em que se

antecipam as uniões, os clubes e outras organizações dos adultos.

O desejo de integração, que conduz a criança pequena ao grupo infantil, atrai­a 
ainda mais fortemente à família. A criança saudável quer colaborar e participar 
em tudo com a família, desde a mais tenra idade. Orgulha­se de comer à mesa e à 
noite não gosta de ser excluída do círculo da família, quando tem de ir sozinha 
para a cama. E consola­se quando a mãe ou o pai se sentam junto da sua caminha e 
confirmam a sua função social contando­lhe uma história.

O papel da criança dentro da família varia fortemente dentro dos diversos grupos 
sociais e das diferentes culturas. Ocupar­nos­emos dele mais adiante, como 
condicionado pela sociedade.

Igualmente, só relacionado com a exposição da personalidade e do decorrer da 
vida estudaremos outro aspecto extraordinariamente importante da evolução social 
da criança. Trata­se do problema da evolução da sua dependência ou independência 
em relação ao meio ambiente, assim como do desenvolvimento da identificação com 
outros e da própria identidade.

O início da sexualidade

Neste lugar temos ainda de tratar dos estádios das necessidades sexuais, 
dependentes da maturação.

Antes de Sigmund Freud, nunca ninguém pensara que a sexualidade desempenhasse um 
papel na primeira evolução da criança normal, ou que sequer aí interviesse como 
tal. E ninguém pôde imaginar que a primeira evolução sexual representasse um 
factor essencial na formação da personalidade, especialmente nos seus aspectos 
sociais. Temos de reconhecer que todos nós devemos a Freud neste ponto um 
conhecimento mais correcto, embora não de modo tão radical como a teoria 
psicanalítica ensinava nas suas origens.
Assim, por exemplo, a opinião seriamente defendida por alguns colaboradores de 
Freud, se não por ele próprio, de que toda a criança pretende realmente relações 
sexuais com um dos seus pais, e justamente com o do sexo oposto, está hoje quase 
totalmente banida. Também a teoria de Freud sobre aquilo a que ele próprio 
chamou o complexo de Édipo ­isto é, o desejo de. liquidar aquele membro dos 
pais que é do mesmo sexo e que se sente como rival, e de possuir sexualmente o 
do sexo oposto já só é hoje defendida nesta forma pelos representantes do 
freudismo «clássico». O mesmo se pode dizer da teoria do complexo de castração, 
como uma fase de maturação que duma maneira geral se deveria esperar, isto é, o 
medo de castração no

rapaz, ou na rapariga a convicção de ter sido castrada como

castigo pela masturbação na primeira infância ­ que também se julgava ser um 
fenómeno generalizado.

Pelo facto de se rejeitar a suposição de que estes complexos estão geralmente 
difundidos, não quer dizer que não apareçam nunca. Na realidade existem não 
raras neuroses em que entram em jogo estes complexos. Também se encontram nas 
crianças frequentemente esboços destes complexos, como por exemplo emoções 
psíquicas de posse e ciúme. Do mesmo modo surgem ocasionalmente ideias de 
castração em crianças, embora nem

sempre com aquele travo trágico que Freud deu a esta vivência.

É conhecida aquela divertida história na qual um pequenito pergunta a uma 
menina no banho: «Cotado?», e ela responde: «Foi semp'assim!»

Instintos sexuais parciais

Assim, a moderna psicologia com base analítica, enquanto só aceita com bastantes 
restrições a teoria dos complexos de Freud, aceitou em grande extensão a teoria 
dos impulsos sexuais parciais.

Segundo esta teoria, também formulada por Freud, a sexualidade do adulto é 
constituída por impulsos parciais, que se

manifestam nas primeiras fases do desenvolvimento infantil. A sua formação 
torna­se possível devido à existência de diversas zonas erógenas situadas no 
corpo, fora dos órgãos sexuais, isto é, partes do corpo sexualmente excitáveis, 
que no princípio desempenham um papel maior do que os órgãos genitais; Freud 
considerou especialmente neste aspecto a região bocal e anal na criança. Os 
impulsos parciais são designados por Freud como
sexualidade oral, anal, e genital, e a sua teoria afirma que estes aparecem numa 
sequência de maturação do nascimento até cerca

dos cinco anos, idade em que normalmente se completou a evolução dos impulsos 
parciais da sexualidade.

A inclusão especialmente do prazer oral, isto é, do prazer do bebé em mamar, 
dentro da sexualidade, exige naturalmente um alargamento ou modificação do 
antigo conceito de sexualidade. Na realidade alarga­se o conceito de desejo 
sexual, da libido, na medida em que Freud inclui nele todas as espécies de 
prazer e amor. E assim não encara nem o amor, nem a amizade, nem a necessidade 
de contacto social como algo separado da sexualidade; atribui a todos a mesma 
origem num único e mesmo instinto, e atribui a todos a mesma finalidade de 
produção de

prazer e amor.

Os neo­freudianos actuais tendem a distinguir o amor, a amizade e os contactos 
sociais da sexualidade no sentido mais restrito, e principalmente pelo facto de 
considerarem outros processos secundários como determinantes do desenvolvimento 
destas relações.

Contudo, manteve­se o alargamento do conceito de sexualidade às funções de zonas 
erógenas, e ele veio até a encontrar vasto reconhecimento assim como confirmação 
em investigações científicas. Apesar de Freud se servir de material de 
observação patológico para provar as suas teorias, transpondo depois as suas 
observações para a evolução normal, ainda muitos estudos actuais feitos com 
pessoas normais vêm provar a sua teoria da constituição da sexualidade a partir 
de impulsos parciais.

Quanto à fase oral, ela é a primeira da vida do lactente e dura normalmente até 
cerca dos meados do segundo ano de vida. Nesta fase o bebé obtém o seu prazer 
principal através da sucção, assim como da incorporação de alimentos. E 
necessita desta satisfação em tão alto grau que vai buscar satisfações 
sucedâneas desta se por qualquer razão for demasiadamente cedo inibido total ou 
parcialmente deste prazer de sucção. As satisfações sucedâneas consistem na 
sucção dos dedos e de outros objectos, e também na masturbação. Importantes 
investigadores, como por exemplo David Levy, provaram que, no caso de se retirar 
demasiadamente cedo o biberão à criança, surge como

acção sucedânea o chuchar do dedo.

Mas Freud vai mais longe ainda. Supõe que necessidades orais fortemente 
insatisfeitas se transformam no adulto em necessidades sucedâneas: o vício da 
bebida, por exemplo, é atribuído por muitos analistas a um instinto oral não 
satisfeito,
142­143 A fase oral é caracterizada pelo chuchar do polegar e o chupar a chucha

e o mesmo se diz do «chupar» charutos ou cachimbo. Freud fala neste caso de 
«carácter oral» como de uma personalidade imatura que estacionou na fase das 
necessidades orais.

À fase oral segue­se a fase anal; esta dura normalmente até à idade de cerca de 
três anos e meio a quatro anos. O interesse da criança pelas suas secreções é 
fomentado pela acentuação da sua

importância pela parte dos pais. As sensações de prazer provêm dos próprios 
estímulos físicos que se realizam na expulsão, mas

também na retenção das fezes. Freud chamou aliás a atenção para o facto de haver 
muitas outras excitações mecânicas desta região, como por exemplo o andar de 
baloiço ou outros jogos de movimento; além disso chamou a atenção para o facto, 
de repetidos castigos fortes na região traseira poderem suscitar facilmente 
excitações sexuais.

Como consequência da participação tanto activa corno passiva da musculatura nos 
processos de eliminação, formam­se tanto excitações sádicas como mazoquistas. 
Como Freud diz nas

suas famosas «Três dissertações sobre a teoria da sexualidade», pode «esta forma 
de organização sexual»... «manter­se durante toda a vida e chamar a si 
constantemente uma grande parte da actividade sexual.» Este par de oposição de 
instintos, que normalmente está desenvolvido de maneira mais ou menos igual, 
fundamenta aquilo a que Bleuler chamou a ambivalência, isto é, a tendência de 
ser atraído em duas direcções instintivas opostas.
Segundo Freud, é no desenvolvimento da sexualidade anal que está uma das raízes 
da agressividade; outra está em frustrações a que o indivíduo responde com 
inimizade e agressão, e Freud via uma terceira origem num instinto de destruição 
e

morte, que actua em sentido oposto ao instinto de vida. Mas o problema da origem 
da agressividade tal como das suas eventuais fases de evolução tem de ser 
encarado por ora como discutível.

A maneira como a criança é educada a ser asseada é, segundo Freud, 
extraordinariamente rica em consequências para a formação de determinados traços 
de carácter. Como reacção à pressão a que a criança é submetida, especialmente 
quando é obrigada a tornar­se asseada muito cedo e com grande rigor, ela usufrui 
do poder que ganha sobre quem cuida dela, retendo as fezes e podendo assim 
causar preocupação à família.

Àqueles que não estão habituados ao pensamento analítico parecem muitas vezes 
inacreditáveis observações desta natureza. Contudo não é realmente necessária 
nenhuma análise profunda para se obterem declarações de doentes, ou até 
respostas a questionários que venham confirmar estas afirmações.

Assim, por exemplo, uma doente de 28 anos, Leonie, poucos meses após o início do 
seu tratamento psicoterápico, diz, acerca da mãe, que esta se ocupava mais das 
suas três irmãs do que dela, que era a mais nova, e a quem a mãe dava pouca 
atenção porque era menos viva e menos meiga. «A única possibilidade que eu 
tinha de chamar a sua atenção, era reter durante dias as fezes, de tal maneira 
que toda a família ficava aflita e preocupada. Todas as irmãs tinham de ajudar a 
segurar­me quando me davam um clister. Eu defendia­me com unhas e dentes, mas 
gozava por ser o centro dos seus interesses.»

Deste modo se produzem a obstinação e a prisão de ventre. Também se produzem sob 
estas condições outras características que pertencem ao «carácter anal», como 
Freud lhe chamou. Por exemplo, um investigador tão crítico como Robert Sears 
encontrou confirmado o aparecimento regular e comum de obstinação, sentido 
exagerado de ordem e avareza neste tipo de personalidade. Freud chama a estes 
três traços «a tríade anal», que provém de um incorrecto adestramento para o 
asseio. Relaciona o prazer de besuntar, típico das crianças, com o erotismo 
anal.

Um outro impulso parcial da sexualidade que Freud situa na primeira infância é a 
escolha do objecto sexual, isto é, como Freud diz, «todas as pretensões sexuais 
se orientam para uma pessoa, na qual querem atingir os seus fins». A escolha do 
objecto
dá­se, segundo esta teoria, em «dois arranques»: «0 primeiro arranque inicia­se 
entre os dois e os cinco anos e paralisa ou

retrocede durante o período de latência; é caracterizado pela natureza infantil 
das suas finalidades sexuais. O segundo começa

com a puberdade e determina a configuração definitiva da vida sexual.»

O período de latência e a puberdade na teoria da sexualidade de Freud

Designa­se por período de latência o tempo que vai de cerca

dos seis anos até aos dez, em que o interesse sexual retrocede. Freud ocupou­se 
pormenorizadamente com a questão de saber

se as inibições que aparecem neste período da sexualidade, como

o nojo, a sensação de vergonha, as exigências morais e estéticas, são um produto 
da educação. Freud é de opinião que a educação contribui muito para isso, mas 
que apesar disso esta evolução é essencialmente determinada organicamente, 
«hereditária», «fixada», que «se pode dar sem intervenção da educação... A 
educação confina­se ao campo que lhe compete, se se limitar a delinear aquilo 
que está pré­esboçado organicamente, e a imprimi­lo apenas mais nítida e mais 
profundamente».

Freud interpreta o período de latência como servindo para desviar as energias 
instintivas sexuais em proveito de realizações culturais.

Como em todo o mundo, até nos meios primitivos, existem influências pelo menos 
parecidas com as da educação, só dificilmente se pode decidir em que medida o 
período de latência deve ser considerado como processo de maturação. Pois na 
realidade existem visivelmente grandes diferenças culturais, assim como 
individuais, correspondentemente à medida em que se encontram actividades 
sexuais neste período da infância.

Freud é de opinião que só na puberdade se alcança o primado da zona genital, 
como ele lhe chama. A excitação genital e o

«prazer final» obtido através do funcionamento do aparelho genital amadurecido, 
é introduzido pelo «pré­prazer» que resulta da excitação das zonas erógenas. Mas 
a excitação genital pode também provir do interior do organismo ou de processos 
psíquicos. A excitação sexual que assim se formou converte­se depois «numa
estranha sensação de tensão de carácter muito insistente e

urgente» e numa disposição dos órgãos genitais, em erecção do pénis e 
humedecimento da vagina.
À evolução genital física, corresponde um progresso na evolução do «encontro do 
objecto». Este deve na realidade designar­se por reencontro, porque já fora 
preparado na primeira infância.

«Quando a primitiva satisfação sexual estava ainda ligada à recepção de 
alimento, o instinto sexual tinha um objecto sexual fora do próprio corpo, no 
peito da mãe. Perdeu­o só mais tarde, talvez justamente no momento em que a 
criança teve a possibilidade de formar a percepção total da pessoa à qual 
pertencia o órgão que lhe proporcionava a satisfação. É então que o instinto 
sexual se torna normalmente auto­erótico e só depois de superado o período de 
latência se restabelece novamente a antiga relação. Não é sem razão que o mamar 
da criança ao

peito da mãe se tornou o modelo de toda a relação amorosa» (Freud).

A teoria de Freud acerca da origem da angústia

É no decorrer desta evolução que Freud vê surgir também a angústia que, segundo 
a sua opinião, provém da falta ou perda da pessoa que cuida da criança e que 
esta ama. Freud conta como chegou a esta interpretação:

«Devo o esclarecimento acerca da angústia infantil a um

rapazinho de três anos a quem eu uma vez ouvi suplicar de dentro de um quarto 
escuro: «Tia, fala comigo? tenho medo porque está tão escuro». A tia gritou­lhe: 
«De que te serve? Tu não me vês!» «Não faz mal», respondeu a criança, «Se alguém 
falar, já não está escuro».

Não tinha medo portanto da escuridão, mas porque sentia a falta de uma pessoa 
amada e podia prometer tranquilizar­se logo que tivesse recebido uma prova da 
presença dela».

Noutras passagens Freud vê a origem da angústia originária fundamentada já no 
acontecimento do nascimento. O seu discípulo Reich ampliou esta suposição 
formulando a teoria do trauma do nascimento, isto é, a suposição de que a 
angústia começa com o choque do nascimento. Outros analistas, como

por exemplo Fenichel, acentuam mais como causas da angústia primária o desamparo 
e a «invasão» do novo organismo pelas emoções.

Freud considera terminada em princípio a evolução, quando se dá a confluência de 
todos os impulsos parciais na sexualidade completamente desenvolvida. O 
subsequente movimento de oscilação das necessidades sexuais durante a vida, 
considera­o
essencialmente determinado por factores de personalidade e factores culturais. 
Estes                    Homens

E desempenham pelos vistos, e como geralmente se reconhece,       r

o um papel tão decisivo     É             Mulheres

o
1   = que é quase impossível distinguir deles os   o factores de maturação 
ÉU como tais.

Há naturalmente um grande número de       O   10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

processos físicos que     144 A subida e descida da secreção da

hormona sexual masculina nos homens e

f@H         ** ornens

M.@

1hre.

são essenciais para o     nas mulheres no decorrer da vida. (C. 
Hamdesenvolvimento da se­                    burger) xualidade: mas parece que 
ninguém sabe exactamente como se processa a influência recíproca de factores 
físicos e psíquicos neste campo da vida, que é o mais complicado de todos.

Influências hormonais no desenvolvimento

Como exemplo de um factor físico referimo­nos às influências hormonais sobre o 
desenvolvimento. As hormonas são complicadas substâncias químicas que são 
produzidas em determinadas glândulas e levadas pela corrente sanguínea e 
linfática a outros órgãos, onde vão provocar efeitos fisiológicos específicos.

Existem hormonas sexuais masculinas e femininas, das quais aqui apenas nos 
interessam a testosterona e a estrona. Ambas as hormonas são produzidas tanto 
pelo homem como

pela mulher, contudo em diferentes quantidades, que além disso se modificam no 
decorrer da vida.

A produção de hormonas sexuais é relativamente pequena durante a infância, até à 
idade de cerca de 10 anos. Depois aumenta fortemente; a segregação de testerona 
atinge o seu

ponto máximo à volta dos vinte anos de ambos os sexos, para a partir de então 
decrescer continuamente. Durante todo este desenvolvimento a produção de 
testerona é bastante maior no

homem do que na mulher, contudo, ao atingir uma certa idade, observa­se uma 
aproximação nas quantidades de testerona segregadas tanto por um como pelo 
outro.
A produção de estrona é, pelo contrário, maior na mulher do que no homem. É 
interessante saber que o seu ponto mais elevado se situa entre os 30 e os 39 
anos; aos 50 e 60 anos verifica­se um forte decrescimento.

A produção desta hormona influencia o desenvolvimento dos órgãos sexuais e o 
aparecimento da puberdade e climatério. Para ambos existem oscilações de idade 
dentro de determinados limites, cujas causas não estão ainda totalmente 
esclarecidas. Duma maneira geral, pode estabelecer­se como idade do início da 
menstruação os 11 a 14 anos, e o da maturidade sexual do rapaz um pouco mais 
tarde, entre os 14 e os 16 anos. A menopausa feminina ­o desaparecimento da 
menstruação­ dá­se aproximadamente entre os 45 e 55 anos de idade; como idade 
média considera­se hoje os 47 anos.

A nossa exposição acerca da evolução da sexualidade ainda não está completa. Não 
nos referimos ao desenvolvimento do amor, este fenómeno central da vida humana, 
a não ser no que se refere aos seus fundamentos na primeira infância. Também não 
tratámos por enquanto todos os dados da vida sexual nas diferentes idades e sob 
as diferentes condições culturais e outras ainda. Estes grandes campos da 
investigação psicológica serão tratados em diversas outras passagens deste 
livro, e tanto a propósito do problema da personalidade, como ao referirmo­nos 
ao decorrer da vida. Aí, e em conexão com a exposição da psicoterapia da 
actualidade, deter­nos­emos além disso nas importantes questões do 
desenvolvimento patológico da sexualidade.

O grande capítulo sobre o desenvolvimento de funções e

realizações, que termina aqui, foi dedicado especialmente aos factores de 
maturação ­ tanto quanto se pode realmente fazer uma tal divisão ­ que agem 
sobre o desenvolvimento cognitivo (isto é, os factores que servem para o 
conhecimento), sobre o

desenvolvimento do jogo e criação, assim como sobre o desenvolvimento social e 
sexual. No desenvolvimento social e sexual o ambiente desempenha, como se 
compreende, um papel ainda mais decisivo do que nos primeiros dois grupos. Por 
isso teremos de referir­nos mais uma vez pormenorizadamente ao desenvolvimento 
social e sexual ao discutirmos a personalidade, o

decorrer da vida e a sociedade.

6. INVESTIGAÇõES SOBRE O DESENVOLVIMENTO ATRAVÉS DE ESTUDOS LONGITUDINAIS

Os factos que relatámos no capítulo anterior foram recolhidos principalmente com 
a ajuda de observações sistemáticas e de
estudos experimentais. Para isso procede­se do seguinte modo: observam­se 
comparativamente, sob o aspecto de determinados problemas do desenvolvimento, 
grupos de indivíduos que pertencem a diferentes classes de idades.

Mas há ainda outro método para a investigação do desenvolvimento: trata­se da 
técnica dos estudos longitudinais. Entende­se por estudos longitudinais, ou 
estudos em cortes longitudinais, as observações que se fazem continuadamente, 
durante diversos anos, num determinado número de pessoas. Em pormenor pode 
trabalhar­se com observações, entrevistas e testes, ou então com uma combinação 
destes métodos. O que é muito importante é que o projecto, com cuja ajuda cada 
indivíduo isoladamente vai ser continuadamente apreendido em todas as suas 
exteriorizações e do modo mais completo possível, seja montado e realizado 
sistematicamente.

Fazem­se investigações desta natureza, desde os anos 20 do nosso século, em 
muitos sítios, mas especialmente na América; já estamos hoje em condições de 
abranger o seu valor e os seus resultados, assim como de tirar proveito delas. 
Assim, como

Hans Thomae mostrou há pouco, tais investigações, que necessitam de tanto tempo 
e paciência, revelam­se extraordinariamente valiosas para o esclarecimento de 
alguns problemas fundamentais do desenvolvimento.

O problema principal é o seguinte: Como se processa na realidade o 
desenvolvimento de um indivíduo? Em que consiste realmente o desenvolvimento? 
Parece tão simples e tão evidente quando a mãe de Maxel (vide pág. 155) se 
refere ao rápido desenvolvimento do seu filho. Mas se estudarmos as suas 
palavras com exactidão, põe­se imediatamente a questão: o que é que ela quer 
dizer realmente quando emprega a palavra «desenvolvimento»? E o que queremos nós 
dizer quando empregamos esse conceito?

Desenvolvimento gradual e desenvolvimento repentino

Por um lado a mãe de Maxel fala evidentemente de modificações que se processam 
gradualmente e com continuidade. Maxel aprende todos os dias, por exemplo, a 
andar ou trepar melhor, a fazer isto ou aquilo melhor, e aprende­o num ritmo 
rápido e individual. Por outro lado, pensa também em modificações repentinas, 
sem que necessariamente o explique a si
próprio. Quando uma criança, por exemplo, aprende a falar, introduz­se algo de 
absolutamente novo na sua vida.

Quando a minha filha percebeu a primeira palavra, isso representou um 
acontecimento verdadeiramente dramático. Tinha acabado de fazer nove meses; eu 
estava com ela ao colo e pus­lhe o relógio de pulso ao ouvido. E disse a 
brincar: «tic­tac, tic­tac». Ela escutou, esforçando­se, e depois quis ver e 
agarrar o relógio. Eu disse outra vez «tic­tac». Ela olhou para a minha boca, 
para o relógio e de novo, com um espanto de quem não acredita, olhou para mim, 
para os meus olhos. Eu acenei com a cabeça, disse «tic­tac», ao que ela 
sussurrou interrogando «tá, tã»? E quando eu voltei a acenar com a cabeça, ela 
repetiu mais alto «tá, tá», outra e outra vez, e por fim com voz regozijante 
«tá, tá», balouçando o relógio para cá e para lá.

Ela tinha apreendido pela primeira vez que os sons e que as sílabas pertenciam a 
este objecto e que com esta palavra se

podia falar deste objecto.

Depois de ter reconhecido o princípio, a criança aprendeu a falar com enorme 
rapidez, apontando interrogativamente para outros objectos e querendo ouvir os 
nomes. Com a compreensão do primeiro nome abriu­se repentinamente um novo mundo 
da compreensão.

Tal como Maxel, também a minha filha progrediu rapidamente. Mas isto quererá 
dizer que este progresso será igualmente rápido em todos os campos e em todas as 
épocas? É claro que não. Há campos, assim como períodos, em que o progresso é 
menos rápido e provavelmente até será retardado por acontecimentos 
desfavoráveis.

Maxel, por exemplo, desiludiu mais tarde os pais por se

tornar muito rebelde e ter de ser frequentemente castigado.

Isto começou pelo facto de Maxel, que era muito inteligente, se aborrecer na 
escola. Em consequência disso fazia toda a

espécie de disparates e falava durante as aulas com outras crianças. A 
professora não compreendeu este mau comportamento e deu­lhe uma má nota.

Maxel achou isso injusto; e quando mesmo uma explicação da mãe com a professora 
não conseguiu demover esta, ele vingou­se desleixando os seus trabalhos 
escolares.
O desenvolvimento de uma pessoa é um processo muito complicado e depende de 
influências muito diversas. Ainda ninguém conhece exactamente a conexão dos 
diversos traços da personalidade e quais aqueles que se modificam mais do que 
outros.
Constância e variabilidade no desenvolvimento

Isto designa­se pelo problema da constância e variabilidade no desenvolvimento. 
Dele se ocuparam imensos investigadores, porque todas as previsões sobre o 
desenvolvimento de uma pessoa dependem de se reunirem sobre este tema o maior 
número possível de conhecimentos.

Devemos já uma     série de conhecimentos às investigações longitudinais em 
grande escala que têm reunido material em

vários sítios. Como exemplo referir­nos­emos primeiro aos conhecimentos que nos 
forneceram os vastos trabalhos do Instituto de Psicologia da Universidade da 
Califórnia, em Berkeley. Estudaram­se aí inúmeros problemas de desenvolvimento 
sob a orientação de Harold e Mary C. Jones, Jean Mc. Farlane e Nancy Bailey. O 
mais original dos trabalhos desta escola parece­me ser o estudo sobre Conexões 
de traços de personalidade. Examinaram­se estatisticamente grupos de modos de 
comportamento ou de «qualidades», sob o ponto de vista da sua conexão constante.

Daremos um exemplo. Suponhamos que os investigadores querem determinar se existe 
um grupo de modos de comportamento que é característico para uma pessoa 
«madura». Fala­se geralmente de pessoas «maduras» e «imaturas», e isso 
independentemente de qualquer idade. O que se entende então por «maduro»?

Os observadores procuram determinar descritivamente quais os traços que 
contribuem em diversas idades para a impressão de «maduro». A partir de uma 
determinada idade, parecem poder observar­se em todas as personalidades que nos 
dão a impressão de «maduras», certos modos de comportamento, como

ser «consciente das suas responsabilidades, diligente, realista, objectivo».

Um outro grupo de qualidades que aparecem sempre reunidas consiste, por 
exemplo, em traços como ser «exageradamente ordenado, ter uma maneira de ser 
retraída, ser extremamente autodominado».

Mas duma maneira geral as previsões que se apoiaram sobre a suposição de uma 
constância de tais grupos de qualidade não se revelaram muito boas.

Nancy Bailey achou especialmente decepcionante a variabilidade, isto é, a 
pequeníssima constância da evolução da inteligência, ou daquilo que é 
apreendido pelos testes como «inteligência». Peter Hofstãtter demonstrou numa 
análise factorial a variação
dos factores parciais de realizações intelectuais analisados no

decorrer dos anos, especialmente pelos testes de inteligência, com o que chama a 
atenção para um facto que explica a dificuldade de previsibilidade.

As grandes investigações no Instituto FeIs do Antioch College interessam­se 
menos pela descrição de grupos de qualidades; o

orientador das investigações, Lester Sontag, segue uma orientação mais clínica, 
e os factores de personalidade por ele determinados representam mais categorias 
de necessidades do que descrições de comportamento.

Sontag é de opinião que talvez exista um factor geral da personalidade, e é na 
motivação para a realização que ele o vê como o factor mais constante e de maior 
confiança para as previsões do desenvolvimento. A determinação da necessidade de 
realização é feita mediante uma série de variáveis; a elas pertence o grau de 
dependência ou independência emocional de uma criança em relação aos pais, o 
grau de agressividade, de iniciativa e prazer de competição. Todos estes 
factores de motivação são obtidos  por diversos observadores independentemente 
uns dos outros.

As previsões  sobre as necessidades de realização obtidas deste modo eram    de 
mais confiança do que as previsões sobre o desenvolvimento da inteligência ou 
sobre as relações entre o

crescimento físico e mental. Contudo isto quer dizer, falando de uma maneira 
geral, que as necessidades e posições são mais constantes do que os modos de 
comportamento.

Um terceiro grupo que se ocupou de estudos longitudinais, na Universidade de 
Minnesota, dedicou­se especialmente a questões de previsão acerca da futura 
adaptação à vida. As previsões apoiam­se numa série de características que dizem 
respeito à própria criança, à sua família e aos seus êxitos escolares. E John E. 
Anderson e os seus colaboradores verificaram que se pode prever com muito maior 
segurança uma muito boa capacidade de adaptação à vida do que o contrário, mas 
que também se podem prever até certo grau um abandono da escola antes do tempo 
devido e tendências criminosas; no entanto, verificaram sobretudo que toda a 
espécie de previsões objectivas exigem métodos extraordinariamente vastos e 
caros.

Mas apesar destas dificuldades na Europa já se trabalha em estudos 
longitudinais: na Inglaterra e na Noruega estão­se a lançar as bases de 
investigações por testes, na Suíça encontramos Jean Piaget ocupado na questão do 
desenvolvimento individual da inteligência, enquanto Richard Meili observa o 
aparecimento e a constância de modos de comportamento
caracterologicamente essenciais a partir dos primeiros meses de vida. Num vasto 
estudo longitudinal estão a observar­se na Alemanha crianças em idade escolar, 
no que respeita à conexão entre a sua personalidade e as suas realizações. E aí 
Hans Thomae verificou, tanto para as realizações escolares como para o 
desenvolvimento da inteligência, que em geral há mais constância do que 
variabilidade e que por isso talvez se justifique falar­se do estilo de 
desenvolvimento específico de um indivíduo.

Este «estilo» origina­se, como Hans Thomae expõe noutra passagem, em grande 
parte pelo facto de se «fixarem» determinados traços.

Este facto da fixação no decorrer do tempo, que é tratado por Robert Heiss como 
um dos factos fundamentais da formação do carácter, está empiricamente bem 
provado pelo facto de os estudos longitudinais com adultos revelarem uma grande 
estabilidade de determinados traços. Isto vale por exemplo para as observações 
sobre os interesses, que Edward Strong realizou em investigações «Follow­up» com 
engenheiros, e num espaço de tempo não inferior a 19 anos. E vale para muitas 
outras acções fundamentais, posições e valores, para as quais Lowell Kelly fez 
provas com uma série de pessoas com cerca de 25 anos, repetindo as provas vinte 
anos mais tarde, quando tinham cerca de 45 anos.

O problema é saber como é que se realiza esta fixação, a

que também se chamou cunhagem.

7. O DESENVOLVIMENTO COMO CUNHAGEM

No primeiro volume do grande «Manual de Psicologia» alemão, dedicado à 
Psicologia do desenvolvimento, Hans Thomae ocupa­se pormenorizadamente do 
fenómeno da cunhagem. Tanto ele como Peter Hofstãtter são de opinião que a 
cunhagem se realiza mediante uma aprendizagem involuntária «natural», durante a 
qual o indivíduo se fixa gradualmente em determinados modelos de conduta. A 
Psicanálise tal como a Psicologia da Cultura contribuíram com imenso material de 
documentação para demonstrar como as influências dos pais e os costumes e usos 
levam desde cedo a criança a determinadas vias de conduta.

Mas aqui não devemos menosprezar um facto: que o indivíduo por sua vez reage 
selectivamente sobre o ambiente que o rodeia e, segundo as suas tendências 
básicas, ou se deixa determinar fortemente por ele, ou o determina através de 
uma criação formadora.

15
Uma prova interessante para demonstrar como o indivíduo trata selectivamente a 
realida­nos fornecida rede, foi ­­­A centemente por Lois Mur L

phy em observações sobre os métodos de que se servem as crianças para vencer 
dificuldades. No traba­se lho de Murphy tratava de estudos de corte longitudinal 
dentro do âmbito de um projecto de investigação da Menninger Foundation. Ela 
verifica =wawee@         que os métodos individuais de domínio, que se

observam durante períodos prolongados, corres145 Esta menina é demasiado tímida 
pondem a um estilo de para participar no jogo dos outros. Su­    personalidade. 
Por exempera a sua timidez consolando­se com       plo, é um estilo de domíduas 
bonecas. (Segundo Louis Murphy)       nio adaptar­se ás circunstâncias dadas, um 
outro, dar­lhes criadoramente outra configuração. Isto corresponde bem às 
tendências fundamentais da adaptação autolimitadora e da expansão criadora, por 
nós anteriormente estabelecidas.

A imagem mostra­nos um acto que modifica criadoramente a configuração da 
situação: a menina que numa reunião de crianças é demasiado tímida para 
participar nos jogos dos outros, consola­se com duas bonecas que traz ao colo.

Repetiu­se e foi representada de modos diferentes a ideia de que os indivíduos 
formam um estilo de vida pessoal, segundo o qual se desenvolvem. Assim, Alfred 
Adler, baseando­se na sua

experiência clínica, falava de uma «linha condutora» que o indivíduo seguia. 
Neste conceito, assim como no da «formação do estilo», acentua­se a parte 
activamente criadora do processo da fixação. E Erich Rothacker vê, por exemplo, 
na estilização, um

dos factores principais do desabrochar cultural. Pensa­se aqui decerto numa 
escolha e configuração activa.

o filósofo Wilhelra J. Revers, por outro lado, define o cunho da personalidade 
como proveniente da história dos seus «encontros com ordens e modelos», e parece 
dar o devido lugar a ambos
os aspectos, ao princípio de selecção, como ao princípio das influências. 
Contudo parece­me que as influências que formam o indivíduo não são apenas 
«ordens», mas também «forças».

Hans Thomae mostra num estudo pormenorizado como o

indivíduo se ocupa durante todo o desenvolvimento destes factores que influem 
nele. Opondo­se à demasiada acentuação da influência cunhadora dos primeiros 
anos de vida, como o faz a

Psicanálise, Thomae é de opinião que a cunhagem é um processo que continua 
durante toda a vida.

E assim o homem experimenta, no decorrer da sua evolução, um cunho tanto mais 
individual e desenvolve um estilo tanto mais individual quanto mais tempo viver. 
Isto vale aliás só para aquele que vive mais ou menos ordenado e com uma 
finalidade, enquanto aqueles que não têm finalidade, os desorganizados, assim 
como os vencidos pelo destino, decaem com a idade.

8. TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO

Nos2 últimos capítulos falámos muito pormenorizadamente dos métodos da moderna 
investigação do desenvolvimento. E a

razão disso estava, por um lado, no facto de crermos que era

de interesse para o leitor ouvir algo sobre estes moderníssimos métodos de 
trabalho dentro da psicologia do desenvolvimento. Por outro lado quisemos 
apresentar muito nitidamente ao leitor

a enorme complexidade do problema do desenvolvimento e mostrar­lhe assim quais 
as dificuldades com que depara o pensamento teórico neste campo. Pensamento 
teórico ­para que necessitamos de todas estas teorias? Isso poderão perguntar 
alguns. É uma pergunta justa, pois exige uma resposta satisfatória, que é a 
seguinte: Precisamos de teorias para primeiramente pormos alguma ordem na 
plenitude dos factos, e depois sobretudo para, na medida em que isso seja 
possível, tornar a nossa vida humana mais compreensível.

Assim, já em passagens anteriores deste livro meditámos acerca do problema da 
finalidade da vida e sobre o problema das mutações por que passamos. Desde o 
início ocupámo­nos sempre da questão de como se interligariam as nossas próprias 
predisposições com as influências determinadas pelo mundo ambiente e pelo 
decorrer da nossa vida.
E agora finalmente vamos pensar qual será o modelo que promete prestar melhores 
serviços para a compreensão e a visão sobre o decurso em conjunto do 
desenvolvimento humano.
Hans Thomae, na grande obra sobre Psicologia do desenvolvimento que já citámos, 
deu­nos uma visão geral muito meritória sobre o grande número de modelos que têm 
servido de base às ideias e teorias sobre o desenvolvimento. Todos estes modelos 
tocam aspectos importantes do desenvolvimento humano. Hans Thomae refere­se ao 
ponto de vista da cunhagem, que acabámos de discutir, depois à teoria da 
diferenciação,. especialmente tratada por Heinz Werner, diferenciação que se 
realiza no decorrer do desenvolvimento, assim como aos pontos de vista da 
repetição dentro do processo evolutivo e da «estratificação» de «formações» . A 
última teoria, especialmente divulgada dentro da Psicologia alemã, baseia­se na 
suposição   de que o desenvolvimento se realiza por fases e que, tal como 
segundo Peipes se «amontoam camadas da actividade cerebral   de diversas idades 
... » Esta formação de camadas também vale       para o psíquico. A teoria das 
camadas, de Lersch, que é um dos seus principais representantes ao lado de 
Rothacker e Rudert, será tratada no capítulo sobre a personalidade.

Mas o mais útil parece­me ser o modelo por fases, de que Thomae igualmente fala, 
em que a evolução é encarada como

dividida em passos ou degraus. Prefiro este modelo por fases por duas razões 
principais: Primeiro permite melhor do que qualquer outro modelo o 
estabelecimento dum paralelo com a

evolução biológica, que, embora diga respeito apenas a um

aspecto parcial da nossa existência, nunca deveria contudo ser

deixada de parte. Em segundo lugar o modelo por fases é o que corresponde melhor 
à maneira como pensamos fáctica e praticamente acerca da nossa vida e como a 
vivemos. De facto e na prática estamos continuamente ocupados a dividir a nossa 
vida. Pois quer falemos de recordações quer de planos de futuro quase sempre 
relacionamos as nossas vivências com fases da vida:

«Construímos a nossa bonita casa quando eu tinha 46 anos e obtive esta boa 
colocação», diz Bill Roberts cujo decorrer da vida utilizaremos mais adiante 
como modelo de desenvolvimento.

«Só comecei a minha actividade de pintura em idade avançada, embora 
anteriormente já tivesse pintado alguns quadros», diz nas suas memórias a genial 
Grandrna Moses, que morreu com

101 anos e se tornou célebre como pintora amadora.

Todas as instituições sociais trabalham na base de divisões segundo a idade: na 
educação e na profissão, nas definições jurídicas da capacidade de trabalho, 
maioridade, capacidade matrimonial, responsabilidade, responsabilidade criminal, 
etc., nas questões de reforma e noutras, determinados limites de idade 
desempenham sempre um papel importante.
O ponto de vista da ordem das nossas vivências por um lado, por outro lado a 
ideia da associação de determinados direitos e deveres ao decorrer da ascensão e 
decadência psicossomática, são pelos vistos as razões para todas essas divisões. 
Aliás elas acentuam mais o ponto de vista de modificações bruscas do que o de 
modificações graduais. Não é necessário deixar de ter em conta as modificações 
graduais se se der a preferência à s modificações bruscas, para se obter uma 
visão panorâmica e

uma ordem que tenha sentido para a vida prática.

As teorias de fases acerca do desenvolvimento

As diversas teorias de fases acerca do desenvolvimento humano (o termo foi 
proposto pela primeira vez em 1925 por Arnold Busemann) dizem respeito em parte 
à infância e juventude ou a funções especiais. Como exemplos temos por um lado 
as divisões de infância e juventude de Oswald Kroh, as minhas próprias, ou as de 
Arnold Gesell, e por outro lado as fases de evolução da libido, de Freud, as 
fases do desenvolvimento intelectual, de Piaget, ou, recentemente, as fases da 
evolução do Eu, de Erikson.

Todas estas teorias são da maior importância para fins específicos. Mas para uma 
visão geral parece­me que uma divisão em fases deveria basear­se num princípio 
aplicável à vida humana como um todo. E além disso, como Rudolf Bergius expôs de 
maneira extraordinariamente clara, deveriam encontrar­se critérios adequados da 
limitação das fases, isto é, os graus pressupostos deveriam representar 
realmente progressos da evolução.

Um princípio simples, com cuja ajuda se podem evitar dificuldades teóricas de 
problemas, é o de uma divisão determinada a partir da vida prática. Foi uma 
dessas que Robert Havighurst escolheu ao propor o conceito de tarefas de 
evolução, correspondentes às realizações que se podem esperar em cada uma das 
idades.

Havighurst distingue seis fases da vida sob o ponto de vista das tarefas de 
evolução: a primeira infância (de O a 6 anos), a infância média (de 6 a 12 
anos), puberdade e adolescência (de 12 a 18 anos), a primeira idade adulta (de 
18 a 35 anos), a idade adulta média (de 35 a 60 anos) e a idade tardia (depois 
dos 60 anos).

As realizações vitais que se podem esperar em cada uma das fases não estão 
rigorosamente limitadas sob o ponto de vista
conceptual; as novas realizações­ de cada fase realizam­se numa

transfiguração gradual daquilo que o indivíduo é capaz de fazer e aprender.

É assim de esperar que, na primeira fase, a criança aprenda principalmente a 
dominar o seu corpo e a registar as primeiras relações com o mundo que a rodeia; 
na segunda, aprende conceitos e habilidades que são necessários para a vida 
quotidiana; na terceira começa a libertar­se dos país e a assumir o seu papel 
sexual e social dentro da sociedade; na quarta espera­se que o

jovem adulto procure um companheiro de vida, case, funde uma família, e assuma 
os seus primeiros deveres perante a sociedade. Na quinta fase o adulto, já mais 
velho, deve tomar a seu

cargo compromissos sociais e relativos à comunidade e ter estabelecido um 
determinado «standard» de vida. Na sexta, finalmente, deve estar apto a encarar 
de frente o facto de que as suas forças diminuem, que muitas vezes também 
diminui o êxito material, e deve habituar­se à ideia da sua morte.

Ascensão e declínio de funções e realizações da idade média

Alguns americanos,   especialmente Zubek e Solberg, assim como Pressey e 
Kulilen,  deram­nos uma outra espécie da descrição do desenvolvimento,  e de 
maneira que a ascensão e declínio de funções e realizações sejam apreendidos e 
representados por meios estatísticos.

Estas descrições de factos são importantes e instrutivas. Dão­nos normas para 
aquilo que podemos esperar em diversos sectores de pessoas de determinada idade 
­por outras palavras: estas descrições dão­nos ensinamentos sobre a respectiva 
idade média.

Todos os pais conhecem o conceito de idade média. Especialmente no princípio da 
vida do seu filho, a mãe conscienciosa observa cuidadosamente o aumento da 
capacidade de realização física e psíquica do bebé. Muitas mães utilizam diários 
com dados já impressos acerca dos factos a notar, e a maioria das mães sabe que 
cerca do fim do primeiro ano o seu filho deveria começar a andar e a falar. 
Servindo­nos duma expressão psicológica, podemos dizer que é no primeiro ano de 
vida que se

adquirem todas as funções básicas.

Muitos pais têm ideias menos claras acerca da altura exacta e a razão pela qual 
o seu filho deve ser «asseado», deve comer sozinho e lavar­se sozinho ou mais 
tarde manter os seus brinquedos em ordem, adoptar determinadas formas de 
convivência e ajudar a mãe.
As tradições, os costumes, e as ideias, que mudam constantemente, acerca das 
condições óptimas de desenvolvimento, determinam os períodos e as circunstâncias 
em que as crianças adquirem os primeiros hábitos. O desenvolvimento do asseio, 
da independência, das boas maneiras e da capacidade de cumprir deveres só 
raramente se processa sem qualquer orientação. Há crianças que se tornam 
asseadas quase por si próprias, que querem ser independentes e gostam de ajudar. 
Mas duma maneira geral o desenvolvimento depende de hábitos que servem para o 
domínio do próprio corpo e para a primeira integração na sociedade, em grande 
parte da educação e ainda mais do exemplo. Visto sob o aspecto puramente da 
psicologia evolutiva, deve esperar­se a primeira manifestação de independência 
na idade pré­escolar; a primeira consciência de dever começa na altura em que se 
inicia na nossa cultura a escola e nas culturas primitivas um ensino orientado 
para a vida prática.

Na idade escolar é a escola que dá em grande medida as

normas, que se consideram médias, para os progressos da aprendizagem, do domínio 
do corpo e autodomínio e do comportamento em grupo. Mas muitos pais desejam que 
os seus filhos não só estejam acima da média, como até sejam precoces.

A precocidade é contudo, segundo as experiências que temos hoje, tão indesejável 
como o atraso. Parece que a observação da idade média no desenvolvimento está 
geralmente coordenada com uma maior saúde mental e física. Em todos os processos 
sujeitos à influência cultural ­e nesses está incluída em parte até a maturação 
física ­ verificam­se, verdade seja, grandes oscilações na idade média.

Tarefas de desenvolvimento segundo Havighurst

Apesar disso pode continuar a aplicar­se o conceito de idade média na vida 
dentro de limites muito amplos, tal como nos expõe convictamente Havighurst, na 
sua exposição de «Tarefas de desenvolvimento ».

O início da carreira profissional, o casamento, a fundação de uma família, e a 
integração na sociedade são de esperar em média antes dos 35 anos. A 
estabilização dos rendimentos e do modo de vida dá­se em média antes dos 50 
anos. A separação da geração seguinte, as provas objectivas e subjectivas para o 
êxito na vida, dão­se em média nos anos do climatério. Finalmente encontramos a 
partir do meio dos 60 anos formas de vida de retirada da actuação activa na 
sociedade.
De tudo isto existem excepções e há em toda a parte oscilações que são 
determinadas por muitos factores. Vemos por um lado, que o desenvolvimento 
psicofísico e os papéis sociais estão muito interligados; por outro lado, 
verificamos que numa

sociedade como a nossa, na qual a manutenção da vida, a capacidade de 
realização, a posição social e o êxito dependem grandemente da educação, muitos 
processos se adiam em relação à idade! O casamento e a fundação da família 
realizam­se geralmente muito mais tarde do que o permitiria a maturação sexual. 
Por outro lado, quando se decide o tempo que o indivíduo pode permanecer 
produzindo activamente, é de maior peso a posição que ele ocupa na economia e na 
sociedade do que apenas a idade

e a energia de trabalho. Segundo é mais ou menos        forte, mais longa ou 
menos longa a influência de todos estes        factores, a

pessoa desenvolve as suas energias físicas e psíquicas   em harmonia ou 
desarmonia interior.

A descrição pragmática do desenvolvimento sob      o ponto de vista de processos 
que decorrem normalmente ou se       desviam da norma, proporciona­nos 
conhecimentos úteis sobre o que é real na nossa vida. Mas não nos pode 
satisfazer se, para além disso, quisermos entender a vida como uma conexão de 
sentido.

Os homens de todos os tempos e de todas as culturas procuraram sempre 
«compreender» o «sentido» da vida, dar uma interpretação que pusesse todos os 
fenómenos vitais em relação

com um princípio transcendente, isto é, com algo que estivesse para além dos 
fenómenos. Este princípio pode ser encarado corno diversas coisas, uma 
finalidade, uma missão, ou um significado simbólico. É universalmente humana a 
necessidade de encontrar um tal sentido; todas as religiões e filosofias estão 
fundamentadas nela.

Em minha opinião é incompleta uma psicologia do desenvolvimento humano, enquanto 
não incluir a evolução do sentido. Isto é, os factos do desenvolvimento têm de 
ser vistos em conexão com os sentidos que os homens lhe dão.

E se quisermos compreender os factos do desenvolvimento em conexões de sentido, 
em vez de os registar apenas como movimentos de ascensão e declínio de funções 
e realizações, então teremos de introduzir um novo conceito. É      o conceito 
de Personalidade.
Só quando se considerar o desenvolvimento       como história de uma 
personalidade, ela se converterá em algo mais do que uma multiplicidade de 
processos psicossomáticos, reunidos num indivíduo.
V. ­ A Personalidade

1. O QUE SIGNIFICA A PALAVRA «PERSONALIDADE»?

Não é fácil responder a esta pergunta. «Ele não é uma personalidade», diz o 
chefe de um empregado, com o qual não está satisfeito. Ou: «Mas que 
personalidade que a pequena já tem», dirá uma mãe a outras pessoas, admirada com 
a sua filha de quinze anos.

Personalidade não é o mesmo que pessoa. «Estavam só três pessoas no autocarro», 
e quando contamos isto queremos dizer simplesmente com o conceito pessoa que se 
trata de um indivíduo.

Mas também na expressão «pessoa» se                 contém algo mais do que a 
simples ideia          de   indivíduo.    «Cá   vem esta pequena pessoa» exclama 
o pai radiante quando a sua filhinha de três anos corre para ele. E com esta 
expressão orgulhosa e alegre ele manifesta                        À

que vê em Dora um pequeno ser humano completo. Mas muitas vezes a palavra tem um 
sabor mais

ou menos degradan­                                                   . . . . . . 
. . . . . te. «Isto é que é uma 
j pessoa. .. », diz­se de alguém que não nos 
Í agrada por esta ou

aquela razão.

A palavra «pes­         146  Originariamente a palavra latina «persona» soa» vem 
do latim            designava a máscara de teatro por cuja aberi i ‘     tura na 
boca falava o actor. A figura mostra o «persona»; origina­          dramaturgo 
grego Menandro com três máscaras
riamente significava a máscara utilizada pelo actor. E assim entendia­se por 
«pessoa» primeiramente o aspecto exterior e o

carácter de um papel. Mais tarde utiliza­se a palavra para um

indivíduo digno de nota, que desempenha qualquer papel importante. Hoje a 
palavra banalizou­se de tal maneira que significa quase a mesma coisa que 
«indivíduo». Mas, como já referimos, contém contudo algo mais, isto é, um 
indivíduo com todos os atributos próprios do «ser homem».

Um cão não é uma «pessoa», embora o possamos designar como «indivíduo» e também 
possamos falar da sua «personalidade». Quando o senhor Witte diz do seu lobo da 
Alsácia: «0 Ajax é realmente uma personalidade», podemos sorrir do seu 
entusiasmo, mas todos compreendemos o que ele quer dizer: o Ajax é sem dúvida um 
«indivíduo», isto é, uma individualidade, um

ser com especificidade pessoal ­ ele é realmente um pouco diferente de qualquer 
outro cão da mesma raça ­ mas quando o

senhor Witte fala de Ajax como duma « personalidade », ele quer dizer com isso 
ainda mais alguma coisa.

« Personalidade »: é além da especificidade pessoal de um

indivíduo, também o modo como ele exprime esta e como a deixa actuar sobre os 
outros. Por outras palavras: no conceito de personalidade unem­se não só 
qualidades do ser ou qualidades próprias de um indivíduo, mas também a sua 
qualidade de efeito. Aos factores desta qualidade de efeito chamamos na 
Psicologia actual factores dinâmicos.

O empregado, que segundo a opinião do seu chefe «não é uma personalidade», tem 
qualidades de efeito desfavoráveis, e a

pequena de quinze anos provoca espanto pela sua dinâmica tão cedo desenvolvida, 
o que não quer dizer nada sobre o facto de

a sua especificidade exprimida ser considerada agradável ou

desagradável. A personalidade de Ajax pode ser descrita pelo seu dono como 
«generosa», «atenta» e «inteligente».

Personalidade não é o mesmo que carácter. Muitos igualam as duas expressões. Por 
«carácter» devem contudo entender­se em primeira linha qualidades de valor de 
uma personalidade. Uma pessoa pode ter uma personalidade impressionante, mas

ter um carácter mau, e alguém que possua um carácter digno de admiração pode ter 
uma personalidade pouco impressionante. Falaremos do carácter no fim do capítulo 
e também mais adiante em relação às questões de educação. Aqui, vamos analisar 
primeiro mais pormenorizadamente a psicologia da personalidade.
2. ACERCA DO CONCEITO DE PERSONALIDADE

Já quando tentámos determinar o significado da palavra « personalidade », vimos 
que estávamos perante algo de muito complexo e complicado. Na realidade é muito 
difícil descrever uma personalidade, e é ainda mais difícil definir 
satisfatoriamente o seu conceito.

Por isso vamos tentar primeiramente descrever uma personalidade. Suponhamos que 
alguém pensa numa pessoa que conhece muito bem, por exemplo a mãe. Por onde 
começará a descrevê­la? Quem tenha uma predisposição sistemática procurará 
primeiramente enumerar algumas características externas, seguindo um princípio 
qualquer de divisão: «A minha mãe é uma mulher que tem ainda bom aspecto, é de 
estatura média e forte, mas não é gorda. Anda à volta dos 70, é ainda muito viva 
e está quase sempre de perfeita saúde». Aqui refere­se à idade, ligando­a à 
descrição das características físicas.

«Ela interessa­se por tudo» ­e neste ponto a pessoa que descreve passa, talvez 
sem ter consciência disso, a descrever características «internas», 
características essenciais, ao referir­se a modos de comportamento em que estas 
se exprimem. «Quando nós, filhos, a visitamos, ela quer saber exactamente tudo o 
que aconteceu; pergunta por tudo e tem uma boa memória para coisas que lhe 
tenhamos contado alguma vez. Tem um espírito vivo; lê todas as coisas possíveis. 
Viva e simultaneamente cordial, ela é uma das pessoas que manifestam também o 
seu amor. Abraça­nos e tem sempre algum petisco para nós. Também tem sempre 
qualquer coisa para outros hóspedes, pois é muito hospitaleira. Antigamente 
gostava muito de conviver. Do seu grande círculo de amigos, continuam muitos a 
visitá­la».

E assim por diante. Para este relator sistemático pertence à personalidade tudo 
o que se pode dizer sobre uma pessoa: qualidades físicas e psíquicas, modos de 
comportamento, o círculo de vida e as relações humanas, as finalidades e valores 
que esta pessoa parece seguir e a vida e o agir próprio da sua idade.

Observadores menos sistemáticos indicam muitas vezes sem rodeios uma qualidade 
qualquer que lhes parece especialmente relevante e característica.

«A minha mãe, diz Linda, uma mulher de 50 anos excepcionalmente feliz e bem 
instalada na vida, e de cujo decorrer de vida nos ocuparemos mais 
pormenorizadamente a seguir, «a minha mãe foi e é sobretudo uma pessoa 
extraordinariamente amorosa.
Este grande amor que ela sempre nos mostrou, a nós, filhos, foi para mim a minha 
maior felicidade desde a minha mais remota infância. Estarei sempre grata por 
este amor, porque me deu alegria de viver e o sentimento do meu próprio valor».

Nesta descrição coloca­se a personalidade toda num denominador principal, e a 
qualidade mais importante assim descrita é posta em relação com o tempo e 
mostrada nos seus efeitos.

Algo de parecido se dá com a caracterização contrária que nos dá da sua mãe uma 
paciente em tratamento psicoterapêutico:

«A minha mãe era uma pessoa terrivelmente egoísta», diz Wanda, muito excitada. 
«Exigiu sempre muito dos filhos, e quando fazíamos alguma coisa que não lhe 
agradava, muitas vezes já não falava mais connosco. Por exemplo, desde o meu 
casamento não fala comigo, porque não festejámos o casamento como ela o exigia. 
Durante toda a minha vida me carregou de complexos de culpa; também a minha 
doença actual está relacionada com o facto de eu me sentir culpada».

Nesta descrição todo o resto perde importância perante o

efeito de personalidade sofrido por Wanda.

Enquanto o primeiro grupo de relatores traz à luz e reúne mais ou menos tudo o 
que sabe acerca da pessoa descrita, os relatores do segundo grupo partem 
primeiramente de uma

característica central, a partir da qual se lhes torna compreensível toda a 
pessoa, e pela qual eles parecem estar exclusivamente determinados.

Gordon Allport, que foi um dos primeiros psicólogos modernos que tentou analisar 
o difícil problema da personalidade, e que pertence aos mais relevantes 
investigadores neste campo, chama ao primeiro grupo definições «omnibus», por 
estas caracterizações, tal como um autocarro, carregarem absolutamente tudo o 
que é susceptível de ser transportado.

Esta maneira de descrever a personalidade será muito plástica, mas segundo 
Allport o seu erro consiste em não ter em conta o ponto de vista da ordenação 
interna da personalidade. E neste ponto chegamos ao factor talvez mais 
importante para a compreensão da personalidade humana: o factor da organização 
interna. A personalidade humana, ou mais exactamente, a personalidade humana 
normal é um todo ordenado. A doença mental começa vulgarmente com a perda ou 
ameaça desta unidade e ordem interna.
Gilbert por exemplo descreve assim a sua mãe: «A minha mãe tem sobretudo um 
temperamento horrível. Quando lhe solta as rédeas, fugimos todos. «A mãe está de 
mau humor», diz a
minha irmã Marta, «é melhor saírem­lhe do caminho ­ está outra vez com as dores 
de cabeça». E contudo ­ noutros momentos

é capaz de ser amorosa e amável. Então lia­nos livros quando éramos crianças, ou 
ia connosco a um museu... Nunca pudemos compreender isso e nunca se podia prever 
se estava de bom ou mau htimor».

Esta é a descrição que um homem faz da mãe, partindo dos seus estados de 
espírito, cuja inconstância ainda hoje, com

37 anos, lhe é absolutamente incompreensível, pois nunca conseguiu compreender 
as relações internas desta mudança de humor, porque não conhecia os fundamentos 
da sua desunião interna. Ninguém sabia a causa do facto de ela, ao que parecia, 
se deixar arrastar pelos seus sentimentos.

Como se verificou um dia, esta mulher estava doente, tanto psíquica como 
fisicamente. Um tumor cerebral (que mais tarde foi extraído), apresentou uma 
base objectiva das dores. Mas além disso esta mãe fora uma pessoa muito amimada 
pelos pais e pelo marido, e era tão imatura como desfinalizada na sua

posição perante a vida.

Desta descrição resulta uma série de outros pontos que são importantes para a 
determinação do conceito da personalidade. As pessoas esperam que uma 
personalidade seja «compreensível».

«Nesta mulher nada faz sentido», disse uma vez Gilbert em conversa, referindo­se 
à mãe.

O que quer ele dizer com estas palavras? A possibilidade de compreensão e o 
sentido de uma personalidade resultam, se pensarmos bem, do facto de a conduta 
total de uma pessoa parecer indicar determinadas orientações fundamentais que 
representam o principal princípio de ordenação. A orientação fundamental era 
para a mãe de Linda a sua posição amorosa para com as pessoas, enquanto para a 
mãe de Wanda a orientação principal consistia no seu egoísmo ou pelo menos era 
isto que parecia à filha ser a sua principal qualidade.

«Qualidade» é a palavra que muitos prefeririam empregar aqui em vez de 
orientação. Mas muitos psicólogos modernos pretendem evitar esta palavra 
qualidade, por apreenderem o

homem mais como um sistema dinâmico, e não como um ser munido de características 
fixas. Qualidade é algo que pertence mais ou menos imutavelmente a uma coisa, 
como o tamanho, a cor ou a finalidade: «0 armário castanho grande destina­se aos

teus vestidos», dirá a hospedeira à sua visita, enunciando qualidades que 
caracterizam inequivocamente o objecto.
Mas a personalidade egoísta ou amorosa não é o mesmo que uma coisa munida destas 
qualidades; a personalidade representa antes um sistema em parte modificável, e 
em constante evolução, que é limitado e cingido por um corpo, mas que apesar 
disso está em constante relação recíproca com o ambiente exterior, que possui um 
centro de forças, e que no seu evoluir contínuo persegue determinadas 
finalidades desde o início até ao fim da sua existência. E o modo como o 
indivíduo para tal se comporta dá­nos a impressão de se poderem reconhecer 
determinadas características.

Esta impressão só é correcta na medida em que a estrutura da finalidade torna 
possível a previsão de determinadas características individuais de uma pessoa. 
Tais características ­por exemplo a maneira como a mãe amorosa e a egoísta se 
manifestam e comportam­­­ é o que nós designamos frequentemente por maneira de 
ser de uma pessoa. E com isso exprimimos a convicção de que no decurso de todos 
os acontecimentos que se

modificam e de todas as transformações por que possa passar uma pessoa, existe 
um conteúdo básico, um algo íntimo e indefinível que mantém a coesão de todos 
nós e nos determina como indivíduo. É a este último valor intrínseco que 
chamamos o Eu (Selbst).

Este Eu, cuja definição é ainda muito discutida, como veremos mais adiante, é, 
apesar da sua natureza problemática, agora reconhecido por muitos teóricos como 
o centro da personalidade. E é deste Eu que partem as orientações de finalidade.

O Eu é o centro de uma organização hierárquica de processos que constituem o 
sistema da personalidade. Esta organização hierárquica possibilita a unidade 
interna da Personalidade.

Isto significa que as diversas tendências que se manifestam simultaneamente em 
diferentes profundidades e em diferentes camadas da personalidade são mantidas 
em ordem através de uma estrutura hierárquica. Esta hierarquia não é fixa, 
imutável, mas realiza­se até certo ponto continuamente de novo. Um exemplo 
permitir­nos­á entender isto melhor:

Gilbert ­o filho daquela mãe com humor imprevisível é comerciante, empregado 
numa firma de publicidade. Ele é o

encarregado da organização dos anúncios, que são publicados em duas revistas 
semanais de grande expansão. O trabalho proporciona­lhe muita alegria, e ele 
está contente por ter finalmente encontrado um lugar cujo trabalho lhe 
interessa, enquanto anteriormente durante anos não parara em parte alguma. Hoje, 
que tem 37 anos e está casado há dois, tem por fim a sensação de estar bem 
instalado na vida, embora, como sabe, o tenha
começado a estar já bastante tarde. Ele não fora uma pessoa concentrada, não 
tivera ordem interna ­ como a mãe, pensa ele por vezes. Sentiu muitas vezes como 
muito desfavorável a

influência desta sobre a sua evolução.

Mas hoje crê ou espera estar no bom caminho. A organização hierárquica da sua 
personalidade é neste momento a seguinte:

O mais importante para ele actualmente é o seu êxito profissional. Ele sabe que 
é uma pessoa apenas mediamente dotada, mas crê que o seu interesse pelo 
trabalho, o facto de ser consciencioso e diligente, e também a sua popularidade 
entre os

colegas lhe proporcionarão uma carreira segura e uma boa remuneração. A 
orientação finalizada de uma vida bem adaptada e assegurada está para Gilbert 
acima de tudo.

A seguir vem o desejo intenso de uma grande felicidade no

casamento. E muitas vezes pergunta a si próprio se isto não estará realmente em 
primeiro lugar, se uma carreira profissional boa e segura lhe interessaria sem a 
felicidade conjugal. Ou serão ambas as coisas igualmente importantes? A 
hierarquia de finalidades que encontramos em Gilbert tem provavelmente dois 
pólos principais ­ele não é capaz de se decidir: Profissão? ou

felicidade conjugal? Esta questão ocupa­o muitas vezes, porque o casamento por 
enquanto não é tão feliz como ele o esperara. Diana não o ama tão intensamente 
como ele a ama, e muitas vezes parece­lhe deprimida e irritada. Nesses momentos 
Gilbert aparece logo com perturbações de estômago. Tem agonias, tem sensações de 
pânico, tem suores. O seu corpo parece não resistir a tais provas. Embora de 
constituição atlética e absolutamente saudável, Gilbert sente­se muito diminuído 
por estas fraquezas, através das quais sente as suas reacções psicossomáticas. 
Nesses momentos sente­se uma «pessoa fraca».

A sua terceira finalidade mais importante parece­lhe ser a

de dominar as suas fraquezas e a sua tendência para falta de concentração. O que 
ele considera como sinal de uma personalidade que está apta para a vida, é a 
ordem interna. O pai de Gilbert foi neste aspecto um modelo muito melhor do que 
a mãe, mas o pai divorciou­se da mãe já durante a infância de Gilbert, e como 
foi viver para outra cidade não via o filho com tanta frequência como este 
desejaria.
Poderíamos naturalmente continuar e mostrar como tendências secundárias, 
interesses, deveres e problemas do dia­a­dia se adaptam a esta imagem das 
orientações finalizadas dominantes. Desde o levantar de manhã, à pontualidade no 
trabalho, às reuniões e convivência social. As arrelias ou triunfos 
profissionais, questões de apetite, digestão, cansaço e constipações, até
ao banho e deitar, desempenham tal como predisposições inúmeras, maiores e 
menores, mais ou menos profundas, os papéis mais diversos no sistema da 
personalidade de cada pessoa.

Como vimos, a capacidade de adaptação a tarefas da vida, assim como às condições 
dadas, representa um factor importante, que Gilbert tinha muito em consideração. 
Muitos teóricos consideram esta capacidade de adaptação ao definirem a 
personalidade.

E se no fim deste capítulo procurarmos uma definição de personalidade que seja 
válida, então parece­me aquela que Gordon Allport nos dá, a que melhor está de 
acordo com a nossa exposição.

Personalidade, diz Allport, é a organização dinâmica, que resulta no íntimo de 
um indivíduo, daqueles sistemas psicofísicos que determinam o modo de adaptação 
ao meio característico e próprio de cada indivíduo.

Nesta definição põe­se naturalmente logo a questão de qual a organização e de 
qual o sistema de que se trata aqui.

3. A ESTRUTURA E A EVOLUÇÃO DA PERSONALIDADE

A personalidade do homem tem uma estrutura extraordinariamente complicada. É 
verdade que temos por vezes a impressão de que certas pessoas são «simples» e 
outras, pelo contrário, «complicadas». Esta impressão provém da estrutura de 
motivação da personalidade em questão. Mas até as pessoas mais simples têm, uma 
vez que são pessoas e isto vale para toda a gente, uma complicada estrutura de 
personalidade.

Temos em primeiro lugar o vasto sistema de acção, do qual parte a acção humana; 
nela manifestam­se as disposições naturais que são continuamente notificadas 
pela aprendizagem. Falámos pormenorizadamente disto em capítulos anteriores. Na 
base do sistema de acção está o complicado sucesso psicossomático no qual se 
integram, quer de modo recíproco quer de outra maneira, os fenómenos 
determinados corporalmente e os fenómenos determinados psiquicamente.

Em segundo lugar, os processos de personalidade estão até certo ponto submetidos 
a uma transformação ininterrupta. Esta transformação consiste em parte em 
evolução, e em parte em modificações, em que desempenham um papel, por exemplo, 
as doenças ou outras perturbações no seu decorrer regular. Daí haver dentro da 
continuidade dos sucessos, sob certos pontos de vista, descontinuidades dos 
processos.
Em terceiro lugar, os processos da personalidade estão determinados pelo tempo: 
A personalidade é sempre determinada pelo seu passado assim como pelo seu 
futuro, enquanto vive no

presente. Isto significa que a visão retrospectiva e a visão de futuro têm um 
valor diferente nas vivências e no tratamento dos problemas de vida actuais, e 
em grau individualmente diferente.

E em quarto lugar chegamos à parte talvez mais complicada da personalidade, isto 
é, a estrutura de motivações e finalidades. As motivações, como vimos num 
capítulo anterior, tanto podem ser inconscientes como conscientes. Numa mistura 
característica, motivos conscientes e inconscientes convertem­se em 
determinantes dos sucessos psíquicos.

Das motivações, por um lado, e das situações dadas, por outro, resulta em quinto 
lugar a estrutura dos fins, tão rica e

tão complicada, com a qual o homem está ocupado quase ininterruptamente. Embora 
se verifiquem variações individuais no que respeita à constância, à riqueza, à 
complexidade e ao horizonte da finalidade, não existe contudo nenhuma existência 
humana em

que não jogue um papel fundamental a orientação finalizada.

Mesmo aquele que se entrega à actividade lúdica ou ao descanso não pode evitar 
ocupar­se de fins que dizem respeito à vida quotidiana. Se acaba de tomar o seu 
banho de sol na praia, tem de saber para onde há­de dirigir os seus passos, onde 
e

quando há­de ir comer e como há­de passar o resto do dia. Enquanto ser humano, 
não pode escapar a ter intenções, mesmo

que tente viver sem fins.

Estas finalidades, tais como as motivações que estão na sua base, realizam­se 
nos mais diversos domínios da vida, nas

mais diversas camadas e profundidades da personalidade.

Enquanto o veraneante que volta da praia poderá pensar, por um lado, onde e como 
irá satisfazer o seu apetite, por outro lado talvez também se ocupe da questão 
do que há­de fazer à tarde e à noite. Depois, a caminho do restaurante, lembra­
se que queria escrever à mãe e que tem de mandar um
cheque à mulher. Então pode passar­lhe momentaneamente uma

preocupação monetária pela cabeça. E por fim, de vez em quando, talvez seja 
assaltado por uma sensação de insatisfação, por as

férias afinal não serem suficientemente interessantes nem sugestivas, pelo menos 
não serem como ele as idealizara. E numa camada mais profunda pode ocupá­lo, por 
enquanto ainda inconscientemente, a ânsia de um sentimento de felicidade que lhe 
falta ainda, com a intuição, também ainda inconsciente, pois está recalcada, de 
que lhe falta realmente o essencial na vida.

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Todos estes processos parciais decorrem de modo relativamente independente uns 
dos outros. Este modo de função dos sistemas parcelares da personalidade, 
relativamente independente e contudo intimamente relacionado, é a sexta 
característica importante da sua estrutura.

Nas diversas teorias da personalidade, estes sistemas parcelares são delimitados 
e determinados nas suas operações de modo muito diferente, como veremos. Alguns 
investigadores, especialmente de escolas alemãs, como Philipp Lersch, Erich 
Rothacker e Albert Wellek, deixam­se impressionar mais pelas relações funcionais 
de camadas mais profundas e mais elevadas na estrutura da personalidade, 
enquanto Siginund Freud e

as teorias americanas da personalidade, que se desenvolveram na sua sequência, 
se ocupam mais com os conflitos de impulsos provenientes de diversos sistemas 
parcelares.

Apesar da relativa autonomia dos sistemas parcelares, em

sétimo lugar a personalidade é contudo apreendida como uma totalidade, e isso de 
um modo individual e próprio. Esta totalidade da pessoa é em primeiro lugar 
aquela que é garantida já exteriormente pela limitação corporal do indivíduo. No 
interior nem sempre lhe corresponderá uma completa formação unitária.

Onde ela existe, a integração na unidade é o resultado de uma tarefa que começa 
com a actividade integradora já do organismo embrionário.

Estamos hoje bastante bem informados acerca destes inícios. Assim Arnold Gesell 
descreve­nos os primeiros fundamentos desta formação unitária em determinados 
processos embrionários. Ele verifica que no feto, enquanto vive no útero 
materno, se têm de integrar mutuamente de modo correcto, principalmente cinco 
factores. Estes são:

1.O homeostasia ­ a regulação do equilíbrio interno de todos os processos (vide 
pág. 145);

2.O processos de respiração;
3.O estados de consciência (que segundo as mais recentes descobertas de Head já 
têm os seus prenúncios no tecido nervoso);

4.O tónus muscular;
5.O actividade motora. É da correcta inter­relação destes factores básicos 
durante o crescimento embrionário que depende a saúde dos fundamentos 
psicofísicos para a formação da personalidade. Lauretta Bender mostra­nos, nos 
seus brilhantes estudos sobre crianças esquizofrénicas, que a fundação unitária 
da sua personalidade
já aparece perturbada no seu desenvolvimento pré­natal, portanto já desde o 
início. Ela fala­nos da «incompreensão homeostática» destas crianças. Na 
realidade observamos também mais tarde a incapacidade para uma formação de 
unidade interna como característica principal da personalidade esquizofrénica, 
que nunca consegue integrar­se e acaba por desmembrar­se.

Todos os observadores verificam nas crianças esquizofrénicas, sobretudo a sua 
angústia. Elas podem vir a ser de tal maneira dominadas por estes contínuos 
estados de angústia que percam a capacidade para qualquer conduta ordenada. O 
facto de se malograr totalmente toda a formação de equilíbrio tal como de 
integração e unidade parece ter como consequência aquela profunda angústia, 
mesmo tortura, que se pode observar em determinados casos de esquizofrenia mais 
do que em qualquer outra criatura viva.

«Tenho um buraco, tenho um buraco grande na perna», grita a Nina de três anos, 
puxando, na sua loucura, pelos cabelos, e revolvendo­se na cama em que a 
deitaram para dormir depois do almoço.

É claro que não havia nada de patológico na perna, mas Nina fixava e apontava 
entre a sua gritaria com o dedo para a perna, onde «via» o buraco.

Uma imagem do corpo de tal modo perturbada é típica para a perda ou realização 
deficiente de uma percepção da própria totalidade, tal como a encontramos entre 
os esquizofrénicos.

Ao bem­estar que sente a pessoa normal quando funciona com consciência do 
equilíbrio interno, da ordem e unidade internas, opõe­se como vivência oposta a 
angústia do doente, cuja formação de unidade falha como consequência de 
equilíbrio interno deficiente, como consequência de desordem interna ou

desagregação interna.

Há ainda um oitavo factor importante para a realização da unidade e ordem 
interna, a que nos referiremos agora.

Utilizemos o exemplo do nosso veraneante para nos esclarecermos acerca desse 
factor.

Aí vem ele, um homem de estatura média e de meia­idade, da praia de qualquer 
estação balnear. Vai a caminho do almoço. Já sabemos: pelo caminho ocupa­se da 
questão de onde há­de comer, de planos para a tarde e noite, de recordações, de 
cartas e cheques que tem de mandar, depois de questões de dinheiro e finalmente 
de um certo mal­estar acerca do decorrer das suas férias e de toda a sua vida 
passada.
A imagem é nítida, as vivências descritas dão a impressão de ordem interior e de 
um equilíbrio interno, embora mantido com certas perturbações e com aquela 
unidade interna, um pouco ameaçada mas contudo funcionando, com que encontramos 
tantas pessoas por aí. Mas falta algo de essencial antes de compreendermos a 
personalidade deste homem.

«Como é que ele se chama?», pergunta a senhora Sommer que está sentada no 
terraço do hotel quando passa o nosso

homem, pois para numerosas pessoas é muito importante o nome

para determinar a identidade de uma personalidade. «Senhor Wiener, parece­me», 
diz Hilda, a filha da senhora Sommer ­ «Ah! bem, é judeu. Bem, realmente tem 
aspecto disso», acha a senhora Arndt... ­ «E isso é assim tão importante?» 
pergunta Hilda. «Ah, não, não», assegura a senhora Arndt, «mas de qualquer 
maneira isso caracteriza uma pessoa». ­ «Well», diz Hilda, que estudou durante 
um ano como bolseira em Nova Iorque, «características raciais e culturais podem 
ser realmente importantes, mas para mim é mais importante saber que espécie de 
pessoa se é» ­ «Ê então isso que vos ensinam na América», exclama a senhora 
Arndt, e não pode dissimular a sua irritação ­ «Que queres tu dizer com: «Que 
espécie de pessoa ele é?» pergunta a senhora Sommer à filha. ­ «Para mim, isso 
significa que me interessa saber o que uma pessoa realmente é e quer, se, ao fim 
e ao

cabo, é egoísta ou está disposta a ajudar os outros, se sabe o

que tem verdadeiro valor na vida ou se se deixa boiar à superfície... coisas 
dessas ... » «Eu julgo que percebo o que Hilda quer dizer», comenta a senhora 
Sommer pensativa. «Tal como o Fausto de Goethe quer conhecer «o que mantém em 
conexão a terra no seu íntimo», ela pergunta o que mantém em conexão a pessoa no 
seu íntimo». «Exactamente, mãe», diz Hilda, «é isso mesmo. Falamos em Psicologia 
do Eu (Selbst) de uma pessoa, do seu

cerne mais íntimo».

O Eu (Selbst), aquilo que realmente constitui a identidade de uma pessoa, 
aquilo que ela é e quer realmente ­é isso que garante a sua unidade interna. Por 
enquanto ainda se discute se existe um tal e último centro, e como funciona, e, 
como veremos, os diversos teoréticos dão a esta questão uma resposta diferente. 
Segundo a nossa interpretação, é incompreensível a

formação de unidade sem uma tal instância central.
A estrutura hierárquica das finalidades, reconhecida por todos, só se pode 
explicar se supusermos uma centralização. Por enquanto sabemos ainda pouco 
acerca da hierarquia da formação de finalidades, excepto que podemos determinar 
a sua existência. Esta hierarquia está normalmente subordinada à mutação e à 
evolução. Além disso existem construções de finalidades actuais, e para além 
disso mais permanentes, num e no mesmo indivíduo.

Assim, no caso do nosso veraneante, de momento talvez se encontre o almoço no 
cimo da hierarquia de finalidades. Por outro lado, na outra conexão, mais ampla, 
da sua vida familiar, estão depois em primeiro lugar a carta e o cheque, assim 
como

as preocupações económicas em relação com a sua profissão. No que respeita ao 
bom aproveitamento das suas férias, surge em primeiro plano o problema de maior 
satisfação, embora de momento pareça não ter solução. Mas no que respeita a toda 
a sua vida, as finalidades mais profundas e últimas são a intuição de que lhe 
falta algo e a saudade, embora o nosso viajante por enquanto não queira deixar 
que estas se manifestem.

Mas enquanto os sentimentos e os problemas o não subjugam, ele domina o 
funcionamento destas e ainda de outras finalidades mantendo­as em ordem e 
colocando no cimo ora uma

ora outra.

A pessoa psiquicamente normal que é bem organizada e

funciona bem, tem geralmente uma ideia mais ou menos nítida de quais são as suas 
intenções principais e quais são as secundárias, de quais são os seus fins mais 
próximos e quais estão mais remotos. A pessoa que psiquicamente não está bem 
organizada, muitas vezes não tem uma imagem clara daquilo que na realidade são 
os seus fins principais e quais os secundários. E o

psicopata é dilacerado por conflitos, e ao que parece tende simultaneamente para 
diversas finalidades que não se podem conciliar umas com as outras.

Na pessoa normal, a construção hierárquica de finalidades tem de facto uma 
estrutura firme mas é ao mesmo tempo também flexível. A pessoa normal, segundo 
as suas satisfações e

desilusões, pode modificar ou remodelar a sua organização, já não falando do 
facto de no decorrer da maturação desistir de determinadas finalidades e trocá­
las por novas.
Donde lhe vêm os princípios para a ordem que ele realiza? Aqui tocamos um 
importante ponto, o nono. Ao que parece, todas as pessoas são determinadas, 
naquilo que lhes parecer importante ou sem importância, por diversos pontos de 
vista Geralmente a criança aprende com os pais aquilo que estes consideram 
importante ou sem importância. Também o restante ambiente, a escola, a 
comunidade, a sociedade nacional e cultural são determinantes neste sentido.
Mas o papel mais importante é desempenhado pelas próprias tendências básicas do 
indivíduo, como já descrevemos no capítulo sobre a motivação. Estas tendências 
básicas, experiências da vida e influências duradoiras do ambiente, fornecem a 
cada um de nós os pontos de vista que vamos utilizar selectivamente para 
determinar o que para nós é importante e de valor. Isto quer dizer que a 
importância vital que uma pessoa dá a determinados êxitos de finalidade, assim 
como a hierarquia dos valores que para si formulou, determinam o conteúdo da sua 
ordem interna.

Um décimo e último factor, o talento para viver, será introduzido mais adiante. 
Vamos esclarecê­lo servindo­nos de exemplos concretos, assim como fizemos com as 
outras características de que falámos. E mostraremos um caso importante 
pormenorizadamente e até certo grau na sua estrutura evolutiva.

Linda, cuja infância foi tão feliz graças a uma mãe que a

amava, oferece durante toda a vida o exemplo de uma personalidade firmemente 
ordenada mas ao mesmo tempo muito flexível. Já em criança ela tinha algumas 
linhas de orientação claras mas

que nessa altura ainda não se encontravam sob um denominador ­tal como aconteceu 
mais tarde ­ isto é, não temos ainda uma imagem unitária da personalidade. E 
isto embora possamos ver constituir­se uma nítida orientação de finalidade de 
processos parcelares em diversas camadas de profundidade, já na

criança de três a quatro anos.

Em pequenita, Linda quer em primeiro lugar estar perto da mãe com ternura e 
ajuda mútuas. Linda, a segunda de cinco irmãos e a rapariga mais velha, tinha 
com três anos, quando o

irmão nasceu, experimentado suficiente amor para poder ajudar a mãe na educação 
deste como dos filhos seguintes, sem o menor ciúme. Ajudar os outros e 
compreendê­los, esta foi para Linda já cedo uma finalidade importante. Mais 
tarde tornou­se até certo ponto o seu fim principal, sob o qual todos os outros 
se ordenaram e agruparam.

Linda tinha uma terceira finalidade: a de saber e aprender muito. Já com quatro 
anos se deixou iniciar nos segredos do alfabeto por Ted, o paciente irmão mais 
velho dois anos que estava nessa altura a aprendê­lo. A â nsia de saber de Linda 
era tão grande como a sua curiosidade. A mãe apoiava e fomentava o seu zelo em 
aprender, enquanto o pai, já nessa altura e mais tarde, exteriorizava o seu 
desagrado em se educar Linda para uma «sábia». Segundo a sua opinião, o lugar da 
mulher era em casa, ela deveria saber cozinhar e uma educação científica apenas 
a estragaria. Nesta aversão contra uma instrução superior, aliás rara na 
América, o senhor Johnson exprimia em grande parte a sua própria desilusão sobre 
a sua evolução: Brent Johnson perdera cedo o pai e a mãe era pobre. Assim teve 
de começar cedo a trabalhar e a ganhar dinheiro, e nas condições dadas ­a 
família vivia na Califórnia, no campo­ já se considerava um grande êxito ele ter 
conseguido vir a ser administrador de propriedades. A sua educação foi puramente 
prática e ele pertencia àqueles pais que são de opinião que os seus filhos 
devem trabalhar tão arduamente como eles próprios o fizeram, no que se exprimia 
uma certa inveja e uma rejeição da instrução escolar superior que lhe ficara 
vedada a ele ­ opondo­se nisso à maioria dos americanos que muitas vezes fazem 
os maiores sacrifícios para que os filhos possam frequentar a

escola superior e a universidade. Além disso ainda por cima tinha bastante mau 
génio, e era necessário muito tacto e humor por parte da mulher para o manter em 
boa disposição. Nas relações com o pai em breve se preparou um conflito para 
Linda. Linda amava o grande rancho onde crescera e brincara com os irmãos, mas 
já cedo se decidira a fazer a sua vida na cidade e frequentar a universidade, 
acerca da qual os primos que a visitavam lhe faziam relatos.

Nisto desempenhava um papel um outro traço de personalidade, que Linda adquirira 
da sua mãe. Já com três ou quatro anos a mãe lhe explicara que todas as pessoas 
têm deveres mas também direitos. Esta referência aos direitos, que a maior parte 
dos pais esquece quando fala dos deveres, causou uma grande impressão em Linda. 
Como mais tarde, com 50 anos, me contou, nessa altura ficou profundamente 
emocionada com a dignidade da existência humana, embora tal vivência devesse ter 
sido estranhamente precoce numa criança tão pequenina. Mas ela tornou­se num dos 
elementos mais fundamentais da sua personalidade e da sua conduta de vida.

Linda lembra­se de uma pequena cena cómica, um acontecimento em que pôde aplicar 
aquilo que aprendera com a mãe acerca dos direitos dos seres humanos. A mãe 
explicava a Ted, irmão mais velho de Linda, que se tinha de levantar logo que 
entrasse uma senhora na sala e lhe devia oferecer a sua cadeira. Linda, de 
quatro anos, que do quarto contíguo ouvira esta explicação, pensou que se 
oferecia agora uma boa ocasião para pôr em prova os seus próprios direitos. 
Marchou logo para a sala contígua e sem rodeios advertiu o espantado Ted que lhe 
oferecesse a sua cadeira, uma vez que era uma senhora. Ele fê­lo, rindo­se. Os 
dotes, tanto práticos como de táctica, que foram
mais tarde úteis a Linda na sua actividade cultural e política, mostraram­se 
aqui nos seus inícios.

Também os aplicava aos seus deveres. Muitas vezes se encontrava em conflito 
interno, cheia de cólera sobre a mesquinhez e tirania do pai. Mas a pouco e 
pouco adoptou a bondosa advertência da mãe, de que não só era mais inteligente, 
mas até de que era seu dever curvar­se aos desejos do pai. Já quando aluna, 
ainda pequena, os seus professores a incitavam à diligência e

ao trabalho para que obtivesse uma bolsa, ela pensava que, apesar da adaptação 
provisória aos desejos do pai, mais tarde seguiria o seu próprio caminho. E 
nisto era apoiada pela mãe, que lhe dava tempo para ler e estudar.

Vemos que Linda vivia, mais cedo do que outras crianças, já no tempo da escola 
fortemente em função do futuro, embora usufruísse inteiramente da sua vida 
escolar presente e da vida livre na propriedade.

Também mostrou invulgarmente cedo uma clara hierarquia dos valores e uma 
estrutura de finalidade hierárquica tanto temporária como orientada para o 
futuro.

O mais invulgar é o facto de Linda ter encontrado tão cedo o seu Eu («Selbst»). 
A ideia de uma vida montada sobre uma boa educação, de ajuda aos outros, tendo 
simultaneamente em consideração o desejo de felicidade própria, existiu nela a 
partir dos seus anos de juventude mais nitidamente do que o encontramos 
geralmente em gente nova. Ela não teve necessidade de passar por épocas de 
incerteza e lutas para encontrar o seu Eu (Selbst). Já durante os anos de 
juventude tinha uma ideia nítida sobre a orientação e a altura do início da sua 
expansão criadora. Ela tinha a certeza de encontrar também os meios e os 
caminhos para tal.

E isso aconteceu realmente. Quando Linda deixou, com dezoito anos, a escola 
superior, um tio que vivia em Honolulu ofereceu­lhe aí uma pequena colocação. 
Linda participou ao pai que ia aceitar a colocação, se ia tornar independente e 
também se ia matricular o mais depressa possível na Universidade de Havai. Expôs 
esta decisão com algum receio, contudo reforçada pelo apoio da mãe, e verificou 
aliviada que na realidade o pai já não tinha poder sobre ela.

A evolução de Linda mostra­nos a imagem da fixação gradual de uma personalidade, 
cujas tendências de fins parciais se

agrupam harmonicamente excepcionalmente cedo e culminam numa finalidade 
principal. Devido ao amor e à ajuda da mãe, esta personalidade ficou poupada, na 
sua estrutura, a difíceis conflitos internos: o conflito com as ordens do pai 
não a afecta
tão profundamente como teria sido o caso se, como acontece com tantas outras 
crianças, ela tivesse sofrido com a falta do seu reconhecimento. Ela foi capaz 
de distinguir invulgarmente cedo entre o seu amor por ela como filha e a sua 
recusa das suas finalidades de vida, e de não se sentir lesada por esta recusa.

Também invulgarmente cedo, graças à orientação perspicaz da mãe, viu o pai como 
uma pessoa com certas fraquezas, que eram problema dele e não dela. Encontramos 
raramente esta liberdade interior. E por isso tanto mais devemos considerar este 
caso como um exemplo autêntico de uma personalidade normal e forte.

É interessante verificar antecipadamente que, no casamento de Linda, se repetiu 
quase a mesma constelação. O homem que amou e com quem casou não era colérico, 
excitado e de ideias limitadas como o pai. Mas também ele era inflexível nas 
suas opiniões, e em questões culturais e políticas muitas vezes de opinião 
oposta. Também ele era difícil porque era introvertido, muitas vezes caprichoso 
e, ao contrário da alegre Linda, um

solitário insociável. Instruída pelas suas experiências de infância com o pai, 
Linda conseguiu, também no casamento, separar o

seu amor pela pessoa das dificuldades objectivas com a sua personalidade 
problemática, e a certeza de poder dominar a

situação fundamentou a sua decisão de não renunciar a este casamento.

Na estrutura de finalidades de Linda estava no cume, quando deixou a casa dos 
pais, em primeiro lugar o plano de estudar e arranjar uma profissão no trabalho 
social, aliado ao de ganhar dinheiro. Mas em breve percebe que naturalmente, 
além disso, tem, como toda a rapariga normal, a finalidade principal de se 
realizar na felicidade pessoal do amor, casamento e família. E neste campo da 
vida Linda desenvolve­se um pouco mais lentamente do que a maioria das suas 
amigas. Linda era bastante querida como rapariga loura, alegre, bonita, quando 
saía com

jovens do sexo oposto. Mas ela adiou para mais tarde as experiências sexuais. Em 
Havai teve o seu primeiro amor de estudante. Pouco depois encontrou Hal, um 
jovem jornalista em

que reconheceu o marido ideal para si, que a amava, e com o qual se casou 
passados poucos meses.

Agora via­se pela segunda vez diante da tarefa de manter uma complicada 
estrutura de finalidades. Por um lado, estava decidida a estudar e a terminar o 
seu curso. Por outro lado, teve de interromper nesse momento os seus estudos 
para ganhar mais dinheiro e ajudar o marido no início da sua carreira. Também em 
breve descobriu que o marido era uma personalidade
difícil, era teimoso, tinha disposições de espírito variáveis, e por vezes 
também dificuldades com colegas.

Linda, que então estudava um pouco de psicologia, perguntava a si própria porque 
é que justamente ela teria casado com uma personalidade em muitos aspectos 
parecida com a do seu pai. E quando alguns anos mais tarde encontrou um homem 
encantador e muito atraente, pensou seriamente em divorciar­se. Mas, tal como a 
mãe, decidiu­se a manter o matrimónio porque considerava Hal um homem de valor e 
o amava apesar de tudo, porque achava o trabalho dele interessante e importante, 
e porque o queria ajudar. Selou a sua decisão com a sua primeira gravidez, 
quando tinha trinta anos. Nasceu uma filha.

Na estrutura hierárquica desta personalidade encontramos no cume a tendência 
principal criadora­expansiva da pessoa normal, de se desenvolver e realizar 
totalmente no amor, casamento, fundação duma família e da própria profissão. 
Linda tenta, numa posição básica extraordinariamente construtiva e

vasta, dar conta das muitas tarefas que resultam da variedade das suas 
finalidades principais. Só o consegue a pouco e pouco, mas à volta dos seus 
cinquenta anos isto leva­a a um resultado totalmente satisfatório, justamente 
por ter tido sempre a suficiente flexibilidade e capacidade de adaptação para 
renunciar a certas realizações de si própria, ou para as adiar, e colocar em 
primeiro lugar sempre as finalidades precisas desse momento.

E assim, só com cerca de 50 anos terminou a sua formação como assistente social, 
pois anteriormente fora forçada a interromper constantemente a sua própria 
carreira devido a problemas financeiros e de saúde, assim como devido a 
exigências que lhe impunham o marido e a filha. Mas com 50 anos conseguiu 
arranjar um lugar que a satisfazia extraordinariamente, com a

sensação agradável de que o marido estava mais satisfeito do que outrora, e a 
filha, que acabava de entrar no College, estava bem cuidada e feliz. Fora sua 
finalidade realizar­se na ajuda ao próximo; a sua necessidade profundamente 
sentida, assim como

o seu método cientificamente adestrado, conduziram­na finalmente ao êxito.

Nesta vida, por um lado modesta e simples, por outro lado complicada, está 
nitidamente em primeiro plano a finalidade de uma vasta auto­realização na ajuda 
fundada cientificamente e na

felicidade familiar pessoal construtivamente elaborada. Além disso acrescentam­
se a esta personalidade uma grande flexibilidade e capacidade de adaptação. O 
gozo no sentido usual da palavra, isto é, divertimentos, riqueza, luxo, não tem 
importância nenhuma para esta mulher, facto que também ela exprime
por várias vezes. Ela é invulgarmente modesta no que respeita à satisfação de 
tais necessidades.

Vive com a família numa casinha simples, usa vestidos simples e leva uma vida 
simples com um rendimento correspondentemente médio, para o qual contribui desde 
que trabalha de novo.

Esta personalidade representa uma estrutura individualmente cunhada e saudável, 
em expansão criadora, com adaptação autolimitadora, em contínua manutenção da 
sua ordem interior, com poucas necessidades manifestas a satisfazer.

4. eSTRUTURA DE PERSONALIDADE NORMAL

E PATOLóGICA

Na estrutura da personalidade de Linda, fixamente estruturada e contudo 
elástica, mostra­se, através de toda a sua evolução, uma grande energia na 
maneira como já a criança, depois a jovem e mais tarde a mulher adulta sabe 
resolver os dados do seu destino. Esta força de personalidade ajuda Linda a um 
domínio da vida que ela realiza de maneira construtiva. Talvez a expressão «arte 
de viver» seja um bom conceito para abranger resumidamente num só denominador 
hipotético as capacidades de domínio, construtividade, força de orientação e 
adaptação e hipotético justamente porque este conceito é por ora apenas uma 
palavra cujo fundamento real necessita ainda de ser examinado. Nesta conexão 
usa­se muito a palavra «força do Eu» por parte da Psicanálise, mas, como Heinz 
Hartmann há pouco verificou, é ainda muito obscuro o que se deve entender por 
isso. A nossa expressão «arte de viver» oferecer­nos­ia um conceito mais geral, 
que aliás ainda não se pode determinar com exactidão. Mas pode ser aqui 
introduzido com utilidade, pois pode servir­nos para um entendimento fácil. Já 
designámos os seus factores parciais hipotéticos: capacidade de domínio, 
construtividade, força de orientação e adaptação.

Neste sentido vamos enunciar a «arte de viver» como o décimo de entre os 
factores que actuam na formação da unidade e ordem interna. Esta arte de viver 
contribui, através do domínio da vida, para a estrutura da personalidade normal; 
se ela falta ou está apenas deficientemente desenvolvida, a vida não é dominada 
e a estrutura de personalidade mostra­nos sintomas patológicos. Antes de nos 
dedicarmos a estas estruturas patológicas, mencionaremos que uma construção 
normal não tem de ser

forçosamente tão vasta e multilateral como no caso de Linda. Uma construção 
normal pode ser bastante mais estreita e limitada. O que é essencial é que uma 
personalidade planeia a sua
vida em função do domínio e não empreenda mais do que aquilo de que é capaz.

Assim, por exemplo, outra mulher, Ursula, mostra uma

estrutura da personalidade normal mas mais restrita. (}rsula tinha clara 
consciência dos seus limites quando no

momento do casamento renunciou ao plano de uma carreira profissional própria. 
Acabou o seu estudo universitário, mas depois disso dedicou­se totalmente ao 
marido e à casa porque, como

ela dizia, só era capaz de fazer uma coisa na vida e não muitas, diversas; ser­
lhe­ia impossível dividir­se entre o casamento e a profissão.
A evolução patológica da personalidade, ao contrário da normal, é provocada, 
geralmente já muito cedo na infância, pelo facto de as circunstâncias dadas a um 
indivíduo serem demasiado difíceis para poderem ser dominadas por ele sem 
prejuízo. Vamos descrever sumariamente, a seguir, algumas formas de estruturas 
de personalidade patológicas, de pessoas cuja arte de viver não estava de 
diversos modos à altura das circunstâncias.

Uma expressão da estrutura de personalidade neurótica é a da personalidade 
rígida, fixa. Um exemplo dar­nos­á rapidamente uma ideia desta estrutura rígida:

Henrique estava no fim dos trinta, era proprietário de uma

firma de construção de máquinas muito bem lançada, e que ele fundara partindo 
do nada. Ele entrou em tratamento psicoterapêutico porque, apesar do seu 
invulgar sucesso, não sentia o

mínimo prazer em viver e sofria de nervosismo e insónias.

Declarou que na sua mais remota infância, quando ele e a

sua mãe viúva muitas vezes tiveram de passar fome e suportar muitas 
dificuldades, só tivera um único pensamento: ganhar um

dia muito dinheiro. Como era muito dotado, decidiu vir a ser engenheiro com a 
ajuda de uma bolsa e aproveitar os seus

conhecimentos e o seu talento de inventor    como construtor de máquinas, para 
se tornar independente o      mais cedo possível.
Uma vez que Henrique trabalhava dia      e noite sem se permitir o mínimo 
repouso ou qualquer prazer, realizou cedo o seu

fim. Depois de ter terminado os seus estudos universitários casou com uma 
parente afastada. A jovem Küthi admirava­o Tnui@o mas

tinha complexos de inferioridade devido ao seu aspecto, que não era 
especialmente favorável. Quando se casou, Küthi trouxe algum dinheiro, com o 
qual Henrique fundou a sua primeira pequena oficina. Henrique pensava que amava 
Kdthi, em todo o caso sentia­se seu protector e pensava ajudá­la, e por algum 
tempo julgou até que viriam a ser ambos felizes.
Mas em breve Henrique achou que KÚthi o aborrecia. Não sabiam que fazer um com o 
outro, e tanto menos quanto ambos não tinham nem preferências nem experiências 
em contactos sociais com outras pessoas. Kàthi provinha de uma casa da pequena 
burguesia em que aprendera a cozinhar e costurar, mas

em que, além do cinema e televisão, não havia nenhuns interesses culturais, 
sociais ou desportivos. Depois de uma brevíssima interrupção, Henrique voltou de 
novo à sua lida de trabalho intensivo, e apesar de o seu bem­estar o libertar a 
pouco e pouco de todas as preocupações, não havia para ele outra finalidade do 
que esta: ganhar dinheiro. O amor, o casamento, mais tarde uma família com dois 
filhos não significavam para ele nada ou

só pouco; diversões de toda a espécie, que mais tarde tentou, não o conseguiram 
prender, e todas as suas ideias se voltaram compulsivamente e cont@nuamente para 
o seu trabalho na fábrica.

A personalidade de Henrique oferece o exemplo de uma

estrutura rígida de uma personalidade compulsiva, cuja única finalidade 
principal, a riqueza segura, não permite, forçosamente, que surjam a seu lado 
outras finalidades e não permite que se

realize uma modificação de organização. Este tipo de personalidade não é capaz 
de modificação sem uma longa e profunda psicoterapia.

Um outro tipo de estrutura neurótica de personalidade é o

da pessoa dividida. A divisão da finalidade aparece nas mais diversas formas. 
Uma pessoa pode ser dividida, ou porque quer seguir simultaneamente duas 
finalidades inconciliáveis; ou então divide­se pelo facto de, enquanto segue uma 
finalidade principal, não acreditar que a

possa alcançar e querer por isso desistir continuamente de tudo.

O conhecido romance «As três faces de Eva», de C. H. Thigpen e H. M. Cleekley (o 
romance foi também transposto para o cinema), dava          147 «As  três faces 
de Eva» ­esuma boa imagem do primeiro          boço de  Werner Rebhuhn para a

capa da edição alemã do romance tipo de uma pessoa dividida.            «The 
Three Faces of Eve»
A divisão de finalidades, porque se pretendem simultaneamente diversas 
finalidades que não são conciliáveis, é extraordinariamente frequente. Aparece 
em formas tanto levemente neuróticas como gravemente neuró ticas. Vemos o homem 
que por um lado quer ter uma vida fácil e agradável, e por outro lado quer ter 
êxito. Vemos a mulher que anseia por amor mas não quer prescindir da segurança 
do seu matrimónio, embora nenhum dos esposos ame o outro. Vemos o homem cuja 
ambição o leva a fazer negócios desonestos de que ele próprio se envergonha, mas 
que por outro lado quer ser uma pessoa honesta. E vemos uma

mulher que quer ser simultaneamente uma mulher virtuosa e uma mulher que se 
entrega à paixão sexual.

Muitas, se não a maioria destas divisões, chegam até à remota infância, em que 
começam, por exemplo, em conflitos não solucionados entre o prazer e a renúncia, 
ou entre a obediência e a vontade própria. Já falámos disto no capítulo sobre a 
motivação e ouviremos mais a seguir.

Além das frequentes personalidades divididas, começam também já na infância 
aqueles problemas da estruturação da personalidade, que terminam em falta de 
finalidade ou deficiente fixação de finalidade ou perda de finalidade.

Filipe apresenta­nos um caso de falta de finalidade, pois com

os seus vinte e seis anos nem sabe o que há­de vir a ser nem

para que vive. Depois de ter passado a sua infância e juventude principalmente 
em forte oposição contra o domínio e as disposições da mãe, encontrou­se 
totalmente sem plano e finalidade quando com dezoito anos deixou a casa dos 
pais. Não sabia de maneira nenhuma o que havia de fazer. Em primeiro lugar 
deixou­se apanhar por um grupo de «tedy­boys» com os quais passava o tempo 
sentado nos cafés, a beber e fazer barulho, entregando­se a uma vaga 
agressividade contra a sociedade. Como Filipe não tinha aprendido nada e também 
não queria aceitar nenhuma colocação de aprendiz, mantinha­se como trabalhador 
não especializado. E nisso a sua única preocupação era fazer o menos possível, 
justamente o suficiente para poder aguentar­se.

Quando finalmente, insatisfeito consigo e com o mundo, veio para o tratamento 
psicoterapêutico, confessou nunca ter pensado a mínima coisa acerca das 
finalidades da vida ou acerca

do seu futuro.

Ao passo que a oposição compulsiva de Filipe e a falta de finalidade daí 
resultante tinham uma base relativamente racional e ele, como neurótico, pôde 
ser tratado, o caso seguinte, de deficiência de fixação de finalidade, oferece­
nos a imagem de uma psicose:
O estudante Erich, também de 26 anos, foi, quando chegou à Psicoterapia, 
diagnosticado como caso­limite duma esquizofrenia. Era um caso­limite na medida 
em que ele em certas épocas e em determinados campos da vida era capaz de 
funcionar racionalmente, enquanto em outros perdia totalmente de vista a 
realidade.

Isto acontecia com todas as relações humanas, logo que a

sua extrema sensibilidade fosse ferida, mesmo de leve. Uma pergunta feita de 
modo desajeitado, a menor insinuação de crítica ou dúvida, uma palavra 
aparentemente brusca ­ tudo isto punha Erich em horrível excitação e pânico, de 
tal maneira que não se

podia dominar durante horas e dias. Por outro lado, como qualquer outro 
estudante, era capaz de estar sentado nas aulas; enquanto o não incomodassem os 
vizinhos ou ruídos desagradáveis, tirava apontamentos e estudava de modo 
racional. Era, na realidade, um pensador muito penetrante e em períodos normais 
dizia que queria vir a ser advogado.

Mas depois vinha uma perturbação e perdia de vista toda e qualquer finalidade. A 
personalidade parecia então enovelada apenas em angústia.

Erich revelara já em criança aquela personalidade extremamente sensível, nada 
adaptável, que encontramos num grupo de esquizofrenias infantis. Neste grupo, 
que é menos extremo do que aquele que descrevemos na página 243, desempenha um

papel decisivo a extrema hiper­sensibilidade inata, como expôs há pouco 
resumidamente Gabriel Langfeldt. Devido à incapacidade de se adaptarem à 
realidade, estas personalidades já desde cedo se encontram divididas e difusas. 
Falaremos ainda mais delas.

Os nossos exemplos relativamente abundantes foram escolhidos de tal maneira que 
o leitor tomasse nitidamente consciência da diversidade e particularidade da 
formaçã o da personalidade do homem. Também o facto dos muitos aspectos que 
caracterizam a estrutura da personalidade humana deveria tornar­se evidente 
através de casos clínicos.

Para finalizar esta parte apontamos mais uma vez uma lista dos nossos 10 
factores da estrutura da personalidade, lista que deve ser considerada como 
provisória e experimental, e justamente porque no campo da personalidade ainda 
não possuímos conhecimentos definitivos. Os diversos investigadores atacam por 
enquanto estes problemas ainda de modo muito diverso, como
veremos no capítulo seguinte. Na nossa própria determinação dos momentos da 
estrutura da personalidade distinguimos 10 factores ­como mostrámos cingindo­nos 
a casos concretos:
1.O o sistema de acção da personalidade com os sucessos

psicossomáticos que estão na sua base; 2.” a mutação dos processos da 
personalidade, que é condicionada pela evolução e

outras modificações; 3.’ a relação temporal da personalidade, que existe no 
presente mas também é determinada pelo passado e

futuro; 4.O a estrutura de motivações consciente e inconsciente;
5.O a orientação de finalidade dos processos; 6.O os sistemas parcelares e 
processos parcelares em diversas camadas e graus de profundidade; 7.O a 
totalidade, integração na unidade, ordem interna e particularidade da estrutura; 
8.O a centralização no Eu (Selbst) e a estrutura hierárquica das finalidades; 
9.O os princípios de ordem da importância vital e hierarquia dos valores;
10.O a «arte de viver», definida como força de personalidade e

capacidade para o domínio construtivo.

5. A INVESTIGAÇÃO DA PERSONALIDADE E AS TEORIAS DA PERSONALIDADE

Na nossa exposição da estrutura da personalidade procedemos de maneira a reunir 
praticamente tudo o que diz respeito ao sistema e modo de funcionamento da 
personalidade. Mas não tocámos ainda na questão de como se realiza a 
personalidade como todo, como se mantém e como funciona. Esta questão é 
resolvida de modo muito diverso pelos diferentes investigadores, e isso por duas 
razões: em primeiro lugar o estudo da personalidade é um ramo ainda muito jovem 
da Psicologia, e o que dela sabemos está portanto cheio de lacunas. E segundo, 
devido à estrutura muito complexa da personalidade humana, pode empreender­se o 
seu estudo partindo de posições muito diferentes e utilizando métodos 
diferentes. Conforme o ponto de partida que parece mais importante a um 
investigador, e conforme o método que escolhe, a resposta será totalmente 
diferente.

Numa obra sobre as teorias da personalidade, editada por Hall e Lindzey, 
apresentam­se­nos nada menos do que doze teorias diferentes. Mas de maneira 
nenhuma coincidem com as teorias apresentadas numa grande colectânea alemã 
editada por Lersch e Thomae. E também não coincidem com uma terceira colecção 
internacional de teorias, que foi editada por H. P. David e H. von Bracken.

Mas não é finalidade desta obra conduzir o leitor através do enredo das mais 
diversas interpretações teóricas. Pretendemos, sim, dar­lhe, resumidamente, uma 
impressão da variedade das possíveis concepções. E para isso apresentamos em 
poucas palavras seis posições muito diversas.
Teorias de camada da personalidade

Os teóricos Erich Rothacker e Philipp Lersch, de orientação fenomenológica, 
desenvolveram nos países de língua alemã uma

representação padrão da personalidade que se designa por teoria de camadas. Ela 
afirma que se supõem diversos modos de ser do indivíduo numa subdivisão 
vertical, não devendo esta sobreposição ser imaginada no sentido verdadeiramente 
espacial, mas

apenas como representação padrão.

Encontramos suposições análogas sobre a estrutura da personalidade nas mais 
antigas noções da Psicologia. Platão fala de uma alma ávida (Epitymia), uma alma 
corajosa (Thymos) e uma alma racional (Logistikon), e Aristóteles, acentuando de 
modo um pouco diferente esta ideia, fala de uma alma vegetativa, de uma animal e 
de uma racional. É claro que a moderna teoria das camadas se baseia menos nessas 
ideias antigas do que em três princípios modernos dos campos da Ontologia 
Filosófica, da Psicanálise e da Fisiologia Cerebral.

Segundo o filósofo Nicolai Hartmann, o mundo real divide­se na sua estrutura em 
quatro camadas: em matéria, vida, alma e espírito, em que se deve entender a 
camada mais profunda como condição necessária mas não suficiente para a 
superior, que tem as suas próprias leis ontológicas. A teoria das camadas 
recebeu mais estímulos através da Psicanálise de Sigmund Freud, que distingue 
três campos da personalidade, os quais contudo mal se podem imaginar 
sobrepostos: o Id (ES), o Eu e o Super­Eu ­ e através da moderna Fisiologia 
Cerebral, que conseguiu determinar a base somática das funções e forças anímicas 
em determinados centros do cérebro. Demonstrou­se que se deve considerar a 
percepção, a capacidade de falar, a inteligência e

a acção finalizada localizadas no lobo occipital e os impulsos e a afectividade 
no córtex.

Ligando­se directamente a estes conhecimentos, E. Stransky fala de uma 
Thymopsiqué e de uma Noopsiqué, F. Kraus de uma

pessoa profunda e de uma pessoa cortical. Esta divisão manteve­se nos princípios 
de Rothacker e Lersch, embora em si diferenciada.

Assim, Rothacker subdivide a personalidade profunda, em
grande parte inconsciente, em quatro partes, em «vida em mim», «animal em mim», 
«criança em mim» e «camada emocional», ao passo que ffivide a personalidade 
cortical em «personalidade» e «eu». As camadas mencionadas em primeiro lugar 
devem ser

consideradas como aparecendo cedo, tanto filogenèticamente

17
como ontogenèticamente, as últimas como tardias e portanto inerentes apenas ao 
homem.

Lersch chama às duas camadas anímicas «alicerce endotímico», o qual abrange as 
disposições anímicas, sentimentos, afectos, impulsos emocionais e tendências, e 
«construção superior pessoal» ao campo do pensamento e da vontade consciente. 
Estas camadas psíquicas são consideradas como jazendo sobre uma

base corporal, o «alicerce de vida».

Esta imagem primeiro estática e muito agradável, torna­se dinâmica através das 
relações de reciprocidade das camadas. Assim, a camada superior pode entrar, 
devido à sua função controladora e condutora, em conflito com a inferior, mais 
insistente, e precipitar a personalidade num «dilema vital» (R. Heiss). Se as 
camadas estão insuficientemente entrelaçadas entre si, corre­se o perigo da 
«dissociação» (Lersch), da desagregação da personalidade.

Um dos perigos do padrão de camadas consiste na possível equiparação do mais 
elevado com o moralmente mais valioso. Para lhe escapar, J. Rudert substitui a 
imagem do mais baixo e do mais alto pelo «geneticamente cedo» e «genèticamente 
tardio».

Sob o ponto de vista do método, a teoria das camadas obtém as suas conclusões 
particulares em grande medida de maneira fenomenológico­introspectiva, portanto 
através do método empírico da descrição de factos obtidos pela auto­observação. 
Estas conclusões particulares são inseridas de maneira teorético­especulativa no 
padrão de camadas. Até hoje ainda não existe uma

verificação através de observações empírico­experimentais ou estatísticas.

As teorias gestaltistas da personalidade

No capítulo sobre as funções, o leitor tomou conhecimento

com a Psicologia gestaltista assim como com alguns dos seus

fundadores e representantes. Kurt Lewin foi quem com mais êxito utilizou o 
princípio gestaltista para a estruturação de uma

teoria da personalidade, na sua teoria de campo.

Foi através de Lewin que o princípio gestaltista, de início utilizado 
principalmente na interpretação de fenómenos de percepção, memória e pensamento, 
foi aplicado ao campo da acção humana. A acção é entendida como processo num 
campo, em que entram em relação mútua a pessoa e o ambiente, sendo o campo 
psicológico o espaço vital, no qual a pessoa e o ambiente se

influenciam mutuamente.
148 A criança diante da pastelaria: no esquema (segundo Lewin) P é a 
personalidade, a seta é a pressão ou atracção que exerce o desejo, o traço preto 
carregado o vidro da montra, que aqui se transforma em barreira. O sinal mais 
indica a força atractiva positiva dos

rebuçados na montra

Um exemplo concreto levar­nos­á mais rapidamente à compreensão da teoria de 
Lewin.                         P

Suponhamos que uma

criança passa por uma

pastelaria, olha para a

montra e deseja um saco de rebuçados. Isto é, a vista da guloseima desperta nela 
uma necessidade, e então acontecem três coisas. Em primeiro lugar, a necessidade 
desencadeia energia, e com ela surge a tensão no interior da personalidade, isto 
é, no sistema do desejo dos rebuçados. Em segundo lugar, a necessidade comunica 
à zona do campo em que estão os rebuçados uma valoração positiva, a que Lewin 
chama valência. Em terceiro lugar produz uma força que atrai a criança em 
direcção aos rebuçados; esta força orientada é designada por Lewin como vector. 
Suponhamos que a

criança quer entrar na loja mas não tem dinheiro. Então o limite entre ela e a 
loja torna­se numa barreira. A criança, que gostaria tanto de ter os rebuçados, 
encosta o nariz contra o vidro da montra, mas não ousa entrar. A figura dá­nos 
uma

imagem desta situação.

Mas o caso pode complicar­se. Assim, a criança pode, por exemplo, dizer para 
consigo: «Vou ter com a mãe e peço­lhe dinheiro». Este desejo de ir buscar o 
dinheiro é designado por Lewin de quase­necessidade. Suponhamos que a mãe se 
recusa,

e a criança vai ter com um amigo para lhe pedir emprestado o dinheiro; nesse 
caso a mãe representa uma nova barreira e a

criança terá de seguir uma nova direcção.

O exemplo desta criança deu­nos ocasião de introduzir os
conceitos básicos de Lewin. Na sua teoria, a personalidade é um

sistema de forças num campo de força, e a relação da personalidade para com o 
ambiente é encarada essencialmente como um jogo de forças. Nisto, tanto a 
organização corno a diferenciação desempenham um papel importante dentro da 
personalidade. Lewin vê a evolução especialmente à luz de uma diferenciação 
crescente. A regressão, que por vezes sucede, no decorrer da evolução, isto é, a 
queda em graus de comportamento antigos
ou mais primitivos ­ originariamente um conceito freudiano é provada 
experimentalmente por Lewin como resultado de frustrações, portanto de desejos 
insatisfeitos.

No nosso exemplo, «o não ter dinheiro» é uma frustração que representa uma força 
que retém a criança. Chega­se então a uma situação de conflito, em que a criança 
pergunta a si própria se há­de ir pedir o dinheiro à mãe ou ao amigo. O caminho 
por fim escolhido de se dirigir à mãe é a «via excelente».

Lewin designou por nível de reivindicação o grau de convicção com que a criança 
exprime o seu desejo à mãe, ou, noutros casos, o grau de ambição com que se 
persegue um fim. É um

conceito imediatamente evidente, que se adapta de modo natural à linguagem do 
dia a dia.

Outro conceito importante é o de «força resultante», isto é, aquela que se 
revela mais forte sob todos os pontos de vista. Anteciparam­se assim ideias 
teóricas muito modernas sobre fenómenos de integração em sistemas. As tentativas 
teóricas de Lewin, de esclarecer quantitativamente, através de modelos 
matemáticos, os fenómenos psicológicos, como, por exemplo, conflitos ou estados 
de angústia, levaram a que desse o nome de « Psicologia Topológica» à sua 
Psicologia, inspirando­se na Topologia matemática. Este método interessante, que 
consiste em desenvolver modelos matemáticos para processos psicológicos, é 
continuado hoje por Dorwin Cartwriglit. Historicamente, podem reconhecer­se 
claramente as contribuições teoréticas de Lewin como um dos germes da actual 
teoria de sistema nas ciências da conduta.

A teoria de sistema é uma nova disciplina, para cujo estabelecimento contribuiu, 
com brilhantes trabalhos, como pioneiro, Ludwig von BertalanIfy. Trata­se nesta 
ciência de encontrar e

determinar leis gerais válidas para as diversas camadas da realidade, assim como 
de investigar as relações, por exemplo do mundo físico com o mundo psíquico ou 
social, servindo­nos de observações rigorosamente científicas. Na teoria de 
sistema exprimem­se essas relações de modo lógico­matemático.

As ideias de Lewin adquiriram influência também noutros campos das ciências 
sociais, por exemplo na Sociologia e na

gestão de empresas. Na sua teoria de grupos, G. Bach parte de ideias de Lewin.

Apesar do sistema de pensamento de Lewin ter uma extraordinária influência, 
especialmente na América, e apesar de, devido à sua fertilidade experimental, 
ter actuado de modo muito sugestivo na investigação especialmente de processos 
de grupos, foi contudo muito criticado como teoria da personalidade.
As principais objecções são as seguintes: em primeiro lugar, o método de Lewin 
oferece de facto uma apresentação moderna de acções, mas não nos fornece novos 
conhecimentos sobre relações de conduta; em segundo lugar, não é suficientemente 
esclarecedora a descrição puramente formal do decorrer da acção sem atender a 
factos reais do ambiente ou da história do indivíduo, e em terceiro lugar, o uso 
que Lewin faz de conceitos físicos e matemáticos induzem em erro, porque só são 
utilizados comparativamente.

As teorias dos factores da personalidade

As teorias dos factores são o resultado de investigações quantitativas, isto é, 
de medida e de contagem. Os dados que servem de base a este processo estatístico 
podem obter­se mediante observação, questionários e experimentação.

A ideia daquilo a que chamamos análise factorial, deve­se principalmente ao 
inglês Charles Spearman, que nas suas observações acerca da inteligência foi o 
primeiro a chamar a atenção para a existência de «factores». Factores são 
dimensões básicas, que não se podem desmembrar noutros componentes. Se 
examinarmos duas actividades intelectuais, ao acaso ­por exemplo a

memória visual e o vocabulário de uma pessoa­, então verificamos nestas 
actividades sempre dois «factores» , um geral e um

específico. O factor geral é, por exemplo, a inteligência geral de um indivíduo 
ou o nível de educação. O factor específico é, por exemplo, um dote especial 
para as línguas, ou uma boa memória visual. Thurstone alargou a teoria dos dois 
factores, provando, ao lado de factores gerais e específicos, a existência de 
factores de grupo, que se situam entre os específicos e os gerais.

A teoria da personalidade, baseada na análise factorial, que hoje mais se 
discute, é a de H. J. Eysenck. A ele se deve sobretudo o facto de a análise 
factorial ter sido introduzida no campo clínico.

Na sua teoria da personalidade, Eysenck distingue quatro sectores, a que chama 
sector cognitivo (inteligência), sector conativo (carácter), sector afectivo 
(temperamento) e sector somático (constituição). Às unidades que procura 
determinar estatisticamente chama traços de personalidade e tipos de 
personalidade. Entre os traços observados por Eysenck temos por exemplo o 
«sentimento de dependência», a «carência de energia», a «depressão», a «apatia», 
a «angústia», etc. Os tipos que Eysenck
observou são principalmente aqueles que Ernst Kretschmer e

Carl Jung haviam estabelecido. Assim examinou a extroversão e introversão, 
conceitos pelos quais Jung entende a personalidade mais voltada para o exterior 
e a mais voltada para o interior, respectivamente.

Eysenck encontra os seguintes traços reunidos no introvertido neurótico: 
tendência para a angústia, depressão, ideias fixas, irritabilidade, apatia e 
fiabilidade do sistema nervoso vegetativo. Os introvertidos confessam que os 
seus sentimentos são facilmente feridos, que são tímidos e nervosos, que caem 
facilmente em sonhos diurnos, que em sociedade se põem a um canto e que sofrem 
de insânia. A sua constituição física é mais acentuadamente alta do que larga. 
Produzem pouca saliva. A sua inteligência é relativamente profunda, o seu 
vocabulário magnífico, são perseverantes, na maioria dos casos exactos, mas 
lentos. São excepcionalmente aptos para trabalhos subtis. Exigem demasiado das 
suas próprias realizações e tendem a subestimar o que fazem. São bastante 
rígidos. No campo estético, dão preferência a quadros calmos, antiquados; na sua 
própria produção artística tendem para desenhar objectos reais. Têm pouco 
sentido de humor e sentem­se especialmente chocados com anedotas pornográficas. 
A sua letra é bem legível...

Temos de concordar que é espantosa e extraordinariamente informativa a riqueza 
da caracterização que aqui se obteve por via objectiva e meios estatísticos. Os 
traços de personalidade obtidos através da psicometria definem­se por relações 
recíprocas entre si.

Eysenck entende que «a construção de um modelo matemático da organização da 
personalidade e a dedução, a partir deste modelo, de hipóteses verificáveis, com 
a ajuda do método hipotético­dedutivo» é a última finalidade do seu estudo da 
personalidade. As teorias dos factores têm sem dúvida a vantagem de ter reunido 
factos empiricamente assegurados num campo de outro modo dificilmente acessível 
à investigação empírica.

Vamos mencionar duas das objecções feitas a estas teorias. Em primeiro lugar 
objecta especialmente, por exemplo, Allport, que a personalidade composta por 
factores é um produto artificial cuja conexão interna permanece oculta. Um feixe 
de traços não é ainda uma pessoa viva. Como segunda objecção apresenta­se o 
facto de a designação dos traços que se escolhem para a observação ser 
arbitrária, e até os próprios investigadores dos factores não estarem de acordo 
a esse respeito.
Teorias tipológicas da personalidade

Os tipos que acabamos de ver surgir da análise factorial baseiam­se em 
fundamentos estatísticos. As teorias vulgarmente designadas por tipológicas têm 
uma origem mais antiga do que as investigações matematicamente fundadas, em que 
os tipos são encontrados de modo empírico. As tipologias a que agora nos 
dedicaremos baseiam­se na suposição de tipos constitucionais, isto é, inatos.

A teoria dos tipos de constituição vai até ao período clássico grego. Já 
Hipócrates ensinava que, tal como havia quatro elementos fundamentais, o ar, a 
água, o fogo e a terra, também havia quatro temperamentos humanos que se 
formavam devido à diferente mistura de sucos corpóreos. O médico romano Galeno, 
desenvolvendo esta ideia, considerou quatro tipos, cuja designação ainda hoje se 
usa: a do sanguíneo, do fleumático, do colérico e do melancólico.

Entre as muitas teorias tipológicas modernas, é a teoria constitucional de 
Kretschrner que ocupa o primeiro lugar; na

América foi desenvolvida por William Sheldon.

Kretschrner começou por desenvolver a sua tipologia constitucional aplicando­a a 
doentes mentais. Na esteira do grande psiquiatra Ernst Kraepelin, distingue duas 
espécies fundamentais de doenças mentais, a loucura esquizofrénica e a maníaco­
depressiva. Já conhecemos a esquizofrenia como uma doença mental em que está 
gravemente perturbada a relação para com a realidade devido ao funcionamento 
anormal da vida afectiva e do pensamento. A loucura maníaco­depressiva consiste 
em oscilações extremas da vida afectiva entre excitação e depressão. Na fase 
maníaca verificam­se superactividade e fuga de ideias,

149 A maneira de ser ciclotímica está aliada à constituição pícnica. (De 
Kretschrner, Kõrperbau und Charakter)
150 A maneira de ser esquisotímica está relacionada com o tipo leptossómico ou 
asténico. (De Kretschmer)

enquanto que na fase depressiva surgem angústia e

k       tendências para o suicídio.

Kretschmer achou que estas duas doenças mentais se

manifestam frequentemente em ligação com determinadas formas de constituição 
física.

Continuando a avançar do patológico para o normal, verificou depois que também 
em pessoas psiquicamente sãs se observam tendências orientadas segundo 
determinadas formas de constituição física muito marcada, e, com elas, segundo 
determinadas posições espirituais básicas. E Kretschmer distingue três tipos de 
constituição física. Chama­lhes o tipo pícnico, o leptossómico ou asténico, e o 
atlético.

A constituição física pícnica está ligada com a maneira de ser ciclotímica. 
Kretschmer descreve a constituição pícnica como

figura de estatura média, baixa, com tendências para acumulação de gorduras no 
ventre, movimentos ligeiros, cara larga e mole. A maneira de ser ciclotímica 
consiste na tendência para mudança de disposição psíquica de uma personalidade 
determinada essencialmente pelos sentimentos. Além disso, este tipo é descrito 
como

«Mole» e «quente», como afável e sociável.

151 Ao tipo atlético liga­se o chamado temperamento «viscoso», pegajoso. (De 
Kretschmer, Kõrperbau und Charakter)
Kretschmer descreve o tipo leptossómico ou asténico como homem de costas 
estreitas, de fraca musculatura nos braços, mãos esguias, tendência para a 
estatura alta e pouco gorda, com

caixa de peito estreita, cara alongada com nariz pronunciadamente comprido. 
Kretschmer vê ligada a esta constituição física a

maneira de ser esquizotímica, que consiste em hiper­sensibilidade, frieza e uma 
posição orientada no sentido da introversão, não sociável e crítica. Outras 
características são agudeza e abstracção do pensamento, perseverança e muitas 
vezes uma vontade que não recua perante nada.

O tipo atlético tende para um forte desenvolvimento de esqueleto e musculatura, 
revela ombros largos, estatura média a alta, tem mãos fortes e uma cabeça larga. 
O tipo psicológico ligado a esta constituição física é designado por Kretschmer 
de viscoso. Ele descreve este temperamento como oscilando entre a fleuma e a 
explosividade, como persistente no pensamento, lento e com pouco ímpeto, mas 
também afeiçoado, sério e digno de confiança.

William Sheldon transformou em diversos sentidos a teoria tipológica de 
Kretschmer, descrevendo os tipos tanto física como psiquicamente com muito mais 
pormenores e observando em mais minúcia as suas relações estatísticas mútuas. 
Entre outras coisas, introduz características de diferenciação da constituição 
física feminina e masculina. Este facto dá­nos ocasião de mencionar que na 
investigação actual da personalidade encontramos poucas indicações acerca das 
diferenças de sexo. As ideias precipitadas de muitos autores antigos, e até de 
alguns contemporâneos, acerca da masculinidade e feminilidade do aspecto e da 
personalidade, não encontraram por enquanto nenhum apoio científico 
satisfatório, como ainda há pouco acentuou Kurt Gottschaldt.

O estudo da constituição e temperamento encontrou muitos adeptos, mas também 
muitos críticos. Uma das principais objecções é que o homem médio raramente 
corresponde totalmente a

um ou outro tipo. Eysenck e outros estatísticos dos traços da personalidade 
chegaram muitas vezes a resultados totalmente divergentes no que respeita às 
relações desses traços. É altamente discutida a suposição incluída na teoria de 
Kretschmer, de que determinados fenómenos físicos estão ligados a determinados 
fenómenos psíquicos de tal maneira, que uns têm necessariamente como 
consequência os outros. Ao que parece, hoje ainda não sabemos o suficiente para 
determinar realmente com segurança estas relações. Mas, por outro lado, temos de 
concordar que,
apesar de todas as objecções, não só parece encontrar­se um

fundo de verdade na verificação destas relações físicas, como

até, além disso, todo o campo a que Kretsclimer abriu as portas é 
interessantíssimo e as suas concepções são extraordinariamente sugestivas para 
investigações posteriores.

Com as teorias dos tipos de constituição e temperamento chegámos a um grupo de 
teorias que se afasta muito do grupo das primeiras três. É que justamente nestas 
três teorias o modo de funcionamento da personalidade é descrito por conceitos 
abstractos e desmembrado em componentes a partir dos quais o homem só depois tem 
de ser novamente composto.

No grupo de teorias que começa pela teoria da constituição, o homem, pelo 
contrário, é mais considerado como um todo e encarado mais em conexões vitais 
concretas. Este é especialmente o caso da categoria das teorias 
sociopsicológicas, de que vamos

agora falar.

As teorias sociopsicológicas da personalidade

Hall e Lindzey tratam, sob este título, na sua excelente visão panorâmica acerca 
das teorias da personalidade, as teorias de Alfred Adler, Erich Fromm, Karen 
Horney e Harry Stack Sullivan. A esta lista poder­se­iam acrescentar muitos 
outros nomes.

Todos os representantes das teorias sociopsicológicas da personalidade têm de 
comum o facto de atribuírem o papel decisivo na evolução da personalidade à 
relação entre os homens e às influências do mundo ambiente cultural, isto é, 
dito de uma

maneira geral, ao factor social. Partem assim de certo modo do extremo oposto ao 
dos investigadores da constituição, que tornam responsável pela estrutura da 
personalidade em primeira linha a hereditariedade.

Mas os quatro investigadores citados têm de comum o facto de darem a primazia à 
necessidade social do homem e de ser de opinião que ele é o único a sentir­se 
só, pouco seguro e exposto, sem defesa, a um mundo potencialmente hostil.

Fromm designa esta solidão interior especificamente humana de «a situação 
humana», porque nenhum animal a vive desta maneira. Ele diz que o homem se sente 
tanto mais só quanto maior liberdade alcançou através dos milénios. Devido a 
esta solidão lhe ser insuportável, e à sua responsabilidade como indivíduo, o 
homem livre sente­se impelido a uma «fuga da liberdade».

Visto o homem ter necessidade de se sentir enraizado, de se identificar com os 
outros e de ter relações estreitas com eles,
depende, na evolução das suas melhores potencialidades, da sociedade em que 
vive. Se a sociedade humana fosse de tal maneira que cada indivíduo se sentisse 
amado fraternalmente e impulsionado, ela ajudá­lo­ia a superar o desespero e a 
alienação. Ela também favoreceria o desenvolvimento das suas energias criadoras, 
que já Adler acentuou a este propósito. Em vez disso, a sociedade limita e 
desilude o indivíduo, que é obrigado a adaptar­se a ela. Para Froram, estas 
observações levam à exigência de uma nova maneira de organização social.

Karen Horney acentua ainda mais a influência nefasta da sociedade, explicando, 
ao contrário de Freud, que os conflitos não estão no indivíduo, mas que é a 
sociedade que é a responsável por eles, pois coloca o homem em situações de 
conflito.

Enquanto as mais antigas teorias sociopsicológicas da personalidade se referiram 
«à sociedade» em geral, e em parte a acusaram, muitos estudos mais recentes, na 
sequência de Margaret Mead e outros antropólogos, ocupam­se da observação de 
ambientes culturais específicos na sua influência específica sobre a 
personalidade humana. Disto falaremos mais pormenorizadamente no capítulo acerca 
das culturas.

A acentuação do enorme significado das influências sociais e culturais do 
ambiente sobre a evolução da personalidade do indivíduo revela­se cada vez mais 
como uma maneira extraordinariamente fértil de ver o problema. Muitas evoluções 
deficientes que outrora se atribuíam ao indivíduo, devem­se atribuir mais ou 
menos exclusivamente às condições sociais e culturais, como recentemente se tem 
demonstrado em extensos estudos de psiquiatria social americana,

Mas especialmente os pioneiros das teorias sociopsicológicas passam com 
demasiada ligeireza por cima da questão, por que razão diversos indivíduos não 
são atingidos da mesma maneira por um e o mesmo ambiente. É ainda hoje um 
problema discutido, de que maneira o indivíduo se determina a si próprio, e até 
que grau é o ambiente que determina a personalidade em evolução.

Outra objecção que se põe às ideias de Adler, Fromm e Horney, é que elas esboçam 
uma imagem demasiado simplificada da natureza humana e das possibilidades de uma 
reforma da sociedade. Nem a existência humana como tal existe sem angústia, como 
mostraram especialmente os existencialistas, nem parece que possamos imaginar 
realisticamente que a humanidade venha alguma vez a ser suficientemente uniforme 
e racional para formar uma sociedade realmente perfeita.
As teorias psicanalíticas da personalidade

Região do contacto

com o mundo ext

Apesar de todas as contribuições importantes dadas pelas teorias da 
personalidade até agora mencionadas (e pelas outras, a que não nos referimos), é 
o método psicanalítico que me

parece o mais avançado e o mais prometedor. Esta afirmação é válida mesmo apesar 
das mais agudas críticas a teses decisivas das teorias psicanalíticas.

A razão para esta afirmação é a seguinte: Nós cremos que, em última análise, só 
se pode compreender a personalidade do homem a partir da motivação do indivíduo.

Devido à extraordinária multiplicidade e variedade das teorias psicanalíticas, é 
praticamente impossível dar em poucas páginas uma exposição mesmo só até certo 
ponto suficiente. Por isso teremos de remeter para a leitura de outras obras o 
leitor que se queira dedicar mais pormenorizadamente aos sistemas 
psicanalíticos.

Peter Hofstãtter deu­nos, em língua alemã, um resumo magnífico no seu «Handbuch 
der Psychologie». Em inglês, considera­se

tanto historicamente completo como criticamente superior o

vasto livro de Ruth Munroe. erior                No âmbito restrito deste

capítulo temos de limitar­nos a

alguns pontos especiais que nos

parecem essenciais, embora ­:­2.2.

possam parecer a alguns lei­ .................... tores salientados de modo .. 
.........                              arbitrário.

Como ponto capital, falaremos     brevemente da interpreta­ ...... 
ção    que Freud deu à estrutura ...............           ...... da motivação 
da personalidade. Id
Segundo Freud, a personalidade do homem dispõe de três

Is ......              s temas de motivação, que por ....................... 
.........                      lado são independentes enum

tre si, mas que por outro lado
152 Representação topográfica das                      se influenciam 
reciprocamente relações do consciente, inconsciente,                  e que 
entram desde cedo em

pré­consciente, do Id, do Eu e do                      conflito uns com os 
outros. Super­Eu de Freud. O inconsciente corresponde à zona ponteada, o pré­ 
Como nos diz Peter Hofstãtter ­consciente à zona riscada e o cons­ 
na sua exposição das teorias ciente à zona clara. (Segundo Healy,

Bronner e Bowers)                          psicanalíticas da personalidade,
todos eles, «afinal de contas, dizem respeito ao facto da dissensão e divisão 
interior do homem...»

A chamada tríade de impulsos de Freud é designada por ele de Id (ES), Eu e 
Super­Eu. As relações particulares que existem entre os três sistemas tornam­se 
especialmente evidentes através de uma representação esquemática esboçada por 
Healy, Bronner e Bowers.

A imagem mostra­nos que Freud considerou o Id (ES) totalmente inconsciente como 
o componente principal da personalidade. Este Id (ES), reservatório do instinto 
de vida tal como

do instinto de morte, é a fonte de quase toda a energia psicobiológica. Segundo 
a interpretação originária de Freud, o Id tende para o prazer. Além disso tem 
tendências agressivas. Não tem relações para com o tempo ou a realidade, e 
portanto não tende senão para a satisfação de amor e ódio. Freud é de opinião 
que no início da vida o lactente não é nada mais do que um Id.

Mas este estado não dura muito, pois já passado pouco tempo se torna notada a 
realidade, especialmente através de privações. Estas levam à tomada de 
consciência. Numa recusa inicial, e resignação final, perante o inevitável, 
desenvolve­se o Eu, que vai assumir atitudes e que vai procurar adaptar­se ao 
mundo. É a instância que cuida da adaptação ou repulsa.

Um pouco mais tarde desenvolve­se o Super­Eu. Este tem a sua origem nas relações 
da criança para com os pais. Anuncia­se no momento em que a criança apreende que 
deve fazer algo que a mãe quer que ela faça.

O mais frequente é iniciar­se este aperceber­se de exigências que se impõem ao 
bebé quando a mãe começa a sentá­lo no bacio. Nesta ocasião transmite de 
qualquer maneira ao bebé que exige dele que faça qualquer coisa, que «produza» 
algo. E se além disso, noutras ocasiões, demonstra nítido desagrado, e 
provavelmente ralha, ou até bate perante «produções» que encontra nas fraldas, a 
criança de um ou dois anos não pode deixar de perceber o carácter de dever 
daquilo que exigem dela.

O princípio moral do dever nasce, segundo Freud, na relação para com o ambiente 
humano e até da sociedade, e está fundado na necessidade do indivíduo de manter 
o amor e a consideração dos que o rodeiam, que perderia se satisfizesse as suas 
necessidades sem restrições.

E assim, a adaptação à realidade do mesmo modo que a
obediência aos mandamentos são satisfações indirectas de necessidades que 
substituem o prazer directo. Levariam a uma evolução harmónica da personalidade 
se no indivíduo não surgissem instintos indomavelmente fortes, que exigem 
necessariamente satisfação.
Estas necessidades instintivas devem ser consideradas todas corno impulsos 
sexuais. O primeiro impulso é o que pretende a obtenção de prazer através do 
chupar e mamar, segue­se­lhe depois um

período de vivências de prazer em processos anais, que é seguido pelo período 
primeiramente narcisista (dirigido para o próprio corpo), e depois dos prazeres 
fálicos heterossexuais.

Devido à força destes impulsos, o indivíduo vê­se em situações de conflito. O 
seu Id exige satisfação directa mediante estes impulsos, o seu Eu e Super­Eu 
opõem­se e exigem contrôle sobre os impulsos.

Estes conflitos levam então, ou ao recalcamento dos impulsos, ou a que o 
indivíduo ceda. Estes processos estão ligados à angústia e sentimentos de culpa. 
Além de repressões e satisfação de impulsos ainda há outros «mecanismos», como 
Freud chama aos diversos métodos com cuja ajuda o homem arranja substitutos ou 
similares de satisfação.

Ao contrário de todas as outras teorias da personalidade que até agora 
apresentámos, na teoria de Freud desempenha um

papel decisivo a evolução do indivíduo: não só se obtêm sucessivamente os três 
factores básicos como tais, como com eles se conseguem também novas posições 
perante a maturação. Freud concebeu esta estrutura gradual da personalidade de 
início exclusivamente como génese sexual. Foi esta unilateralidade que durante 
muito tempo impediu a ligação da teoria de Freud com

outras orientações e dados da psicologia da evolução.

Com isto chegamos ao problema da apreciação do sistema de Freud; visto a obra de 
Freud ser invulgarmente vasta e muito complexa, teremos neste livro de nos 
cingir apenas a poucos pontos capitais.

A teoria freudiana da personalidade humana revelou­se, apesar de unilateral e 
facilmente atacável, como sendo de uma

importância revolucionária, em primeiro lugar para a Psiquiatria, e depois a 
pouco e pouco, como vemos cada vez mais, duma maneira geral para as ideias da 
humanidade acerca de si própria.

Através de Freud tornou­se compreensível de maneira nova uma

doença psíquica da personalidade, e esta nova compreensão permitiu que tais 
doenças se tornassem em grande medida curáveis.

Mas mais ainda:    por ter chamado a atenção para o facto da divisão interior da 
natureza humana, para a riqueza de conflitos que se dão tão cedo, para o papel 
dos impulsos inconscientes, especialmente  da sexualidade, para o jogo de 
rejeição e recalcamento, para   a auto­ilusão com eles relacionada e as 
vivências de angústia e de culpa, com eles ligadas, veio a reconhecer­se 
gradualmente a sua doutrina, de início fortemente ata­
cada, como um sistema que lançava luz sobre a personalidade humana nos seus 
recantos até agora impenetráveis.

É certo que a doutrina de Freud veio destruir muitas ilusões que a humanidade 
tinha acerca de si própria, e de tal maneira que hoje podemos falar de ingénuos 
pré­freudianos e de pós­freudianos realistas e autocríticos.

Depois de termos reconhecido assim o significado revolucionário da teoria da 
personalidade de Freud, vamos dar agora a palavra à crítica que se manifestou 
ainda durante a época de Freud. Esta crítica chamou a nossa atenção para muitas 
fraquezas do sistema; mas até agora não se conseguiu realmente substituí­lo por 
uma teoria psicanalítica da personalidade que satisfaça em todos os campos.

Corno o leitor deste livro naturalmente não está interessado nos pormenores 
destas discussões, limitarno­nos aqui a mencionar seis objecções principais que 
levaram a novas sugestões interessantes para todas aquelas pessoas que meditam 
acerca

destes assuntos.

1.o Já desde o início alguns dos mais importantes discípulos de Freud, 
especialmente Alfred Adler, Carl Jung e Otto Rank, objectaram que Freud, com a 
sua restrição ao papel da sexualidade e da vida impulsiva, subestimava o papel 
criador do homem, assim como o do seu impulso autêntico de realizar valores e de 
estar ligado socialmente aos outros homens. A explicação de Freud de todas as 
tendências de valor como considerações secundárias de mandamentos sociais, deve 
ser considerada como a unilateralidade mais chocante do seu sistema. Pelo facto 
de ter descoberto sem reservas os abismos mais do que todas as profundezas da 
alma humana, libertou­nos de muitas ilusões, mas ao

mesmo tempo tirou­nos a consciência da nossa liberdade interior.

2.o O mal­estar sentido por muitos por causa do rebaixamento que a tendência de 
valores do homem sofre na teoria de Freud, pelo facto de ser apreendida apenas 
secundariamente corno provindo de renúncias inicialmente impostas, levou a novos 
princípios teóricos da mais diversa espécie.

De entre eles, é de salientar como importante o princípio da «autonomia 
funcional» de motivos, de Gordon Allport. A teoria de Allport baseia­se no facto 
de os motivos se transformarem de modo natural no decorrer da evolução da 
personalidade, mesmo sem que se tenha de exercer uma coacção. Na nova edição da 
sua famosa obra sobre a personalidade, Allport descreve duas maneiras diferentes 
em que se pode realizar uma
tal modificação de motivo.

A primeira corresponde ao princípio da canalização, introduzido por Gardner 
Murphy; isto significa que na rotina do dia a dia muitas coisas se transformam 
para nós em « segunda natureza». O rapazinho para o qual era um tormento ter de 
lavar todos os dias os dentes ou as mãos, ter­se­á habituado de tal maneira a 
esta higiene até ser homem, que se sentirá mal se por alguma razão uma vez o não 
puder fazer.

A segunda forma do seu princípio, que Allport considera mais importante, a 
autonomia funcional que se tornou independente, baseia­se no facto de durante a 
evolução se modificarem totalmente os interesses de um indivíduo. Um estudante, 
por exemplo, que na Universidade optou por uma cadeira só porque era necessária 
para o curso, pode mais tarde ocupar­se com o maior entusiasmo com esta matéria 
que inicialmente lhe era indiferente.

O princípio da autonomia funcional é sem dúvida de grande importância na 
evolução espiritual da personalidade. Mas muito para além disso a afirmação de 
que existem desde o início da evolução do Id (Selbst) autodeterminações de fins, 
que elegem e valoram, que vão para além da satisfação pessoal de necessidades e 
que se processam com relativa liberdade.

3.1’ Esta relativa liberdade de escolha e valoração é acentuada por aqueles que 
apresentam um terceiro ponto de vista crítico: que Freud dividia o todo psíquico 
da personalidade numa tríade de impulsos que nos faziam oscilar entre a 
escravidão dos nossos impulsos e a escravidão da sociedade.

Karen Horney, Erich Fromm, Kurt Goldstein e Abraham Maslow, acentuaram, pelo 
contrário, a unidade global da personalidade humana, que tem como fundamento o 
Eu (Selbst). Embora se discuta ainda a questão da estrutura e modo de 
funcionamento deste Eu, não há contudo dúvida de que a maioria dos psicólogos 
concorda que para o Eu humano o essencial é a realização de valores. Isto é: o 
homem tende para a moralidade e outros valores por necessidade própria, e não 
por obediência à sociedade.

Com isto não se elimina necessariamente a doutrina do Super­Eu de Freud, e da 
obediência aos valores representados pela sociedade. Devem antes distinguir­se 
duas espécies de valores: os valores próprios do indivíduo e os valores por ele 
adoptados. Os freudianos que contrapuseram aos ideais do Super­Eu os ideais do 
Eu como outra categoria, em parte defenderam uma ideia parecida.

4.O O reconhecimento de que a orientação para a realização de valores em parte é 
primária, leva à quarta objecção: que a

doutrina do prazer como último fim não tem em conta a importância essencial do 
homem. Horney, Fromm, Goldstein, Maslow, Rogers e outros consideram como última 
finalidade do desenvolvimento da personalidade a auto­realização.

Isto inclui pois, opondo­se a Freud, a suposição de uma realidade primária 
positiva, na qual se entra porque se espera encontrar nela as possibilidades da 
própria auto­realização.

5.O Uma quinta objecção fundamental diz respeito à teoria do desenvolvimento da 
personalidade de Freud. Visto o prazer ser apenas uma finalidade parcial, 
enquanto a personalidade como todo está orientada para realizações mais 
importantes, por exemplo para a auto­satisfação através da auto­realização, 
então também o desenvolvimento não pode ser encarado apenas sob o ponto de vista 
da génese sexual. Além das fases de maturação e aprendizagem nos diversos campos 
da conduta, estudados na psicologia da evolução, para a personalidade como todo 
o mais importante é o desenvolvimento do Eu ou a identidade do indivíduo.

Embora o problema do desenvolvimento do Eu, estudado especialmente por Erik 
Erikson e a autora, esteja ainda em muitas orientações por resolver, podemos 
contudo afirmar com alguma segurança que é aqui que se encontra o ponto nuclear 
da personalidade, o seu sistema central.

6.O Uma sexta objecção parte dos modernos antropólogos e psicólogos sociais que 
criticam o facto de Freud não atender às tão diversas influências das diferentes 
culturas e grupos culturais sobre o indivíduo. Consideram unilateral e 
distorcida a concepção de Freud acerca da maneira como se desenvolvem o Eu e o 
Super­Eu, pois em muitas culturas se evita a introdução de proibições e o 
desenvolvimento de sentimentos de culpa, e se afastam todas as dificuldades do 
caminho da criança. Dos muitos investigadores que descrevem as influências dos 
factores culturais sobre o desenvolvimento da personalidade, mencionaremos aqui, 
pelo menos, a antropóloga M. Mead, os psicólogos F. Kluckhohn e M. Opler e o 
psiquiatra F. Redlich.

6. CARÁCTER E PERSONALIDADE

O que é o carácter? E o que é o carácter se o compararmos

com a personalidade? O conceito de carácter é mais antigo que o de 
personalidade. Vem do grego, ao passo que a palavra personalidade é de origem 
latina. Manfred Koch chamou há pouco a atenção para o facto de a palavra grega 
«carácter» significar originariamente «o enterrado, o inserido, o imprimido, o 
cunhado», enquanto a palavra personalidade, como já dissemos, se

18
liga à máscara de teatro e assim a um papel desempenhado. Daqui provém uma 
diferença nítida para a nossa sensibilidade linguística. A palavra carácter 
refere­se a algo de fixo e estável, * palavra personalidade mais a algo 
determinado por funções * que é estruturalmente modificável.

Deixemos a nossa sensibilidade linguística prosseguir ainda por uns momentos.

«Esse homem tem realmente um carácter como deve ser», diz a senhora Krause para 
o marido, depois de este lhe ter contado a última história do banco em que 
trabalha. Bela Nagy, um jovem empregado bancário, encontrara na rua, à tarde 
quando ia para casa, um pacote com notas de banco no valor de 50 000 marcos, e, 
embora ninguém soubesse disso e não houvesse testemunhas, dirigiu­se 
imediatamente com o dinheiro à polícia e entregou­o. «E é justamente um dos 
emigrantes húngaros pobres», acrescenta, louvando, a senhora Krause.

A palavra «carácter» é usada aqui em relação a uma valoração moral. Um americano 
diria do sr. Nagy: «He is a very fine person». Os americanos utilizam a palavra 
carácter muitas vezes em relação à maneira de ser pessoal. «He is quite a 
charater» significa que tem a sua maneira de ser própria. Assim, muitas das 
personalidades nos «funnies», as histórias humorísticas ilustradas dos jornais, 
são descritas como «characters». «Dennis the Menace», o «enfant terrible» que 
põe a nu de maneira inocente as fraquezas dos adultos, é um desses «character».

Mas também o americano, como o europeu, fala da educação do carácter, com o que 
se refere a uma formação ética. Não se fala da mesma maneira da formação duma 
personalidade ­ a

evolução desta é deixada à sua própria conta. E a razão está no facto de se 
utilizar o conceito de personalidade sem atributos

153 «Dermis the Menace», uma figura típica dos «funnies» americanos. O conteúdo 
da historieta aqui é pouco mais ou menos este: «0 que é afinal a diferença entre 
o dia da mãe e o dia do pai?» ­ «É a mesma coisa ­somente no dia do pai compras 
um presente mais barato», (De Los

Angeles Times, Comic Section, Part 2, 1961)
de valor. Gordon Allport exprime isto de maneira hábil na

seguinte frase: «Carácter é a personalidade a que se atribui valor; 
personalidade é o carácter sem atributos de valor».

Mas além da inclusão de «maneira própria» e de atributos de valor, na palavra 
carácter ainda há outra coisa que desempenha um papel importante. É o que 
ressoa nos tipos caracterológicos de Kretschrner, determinados pela constituição 
física, assim como nos tipos extrovertidos e introvertidos de Jung. Referimo­nos 
ao facto de na palavra carácter jogar mais o factor da disposição inata do que 
na expressão personalidade.

Aliás alguns investigadores acentuam que as tendências são apenas 
predisposições, acerca de cuja evolução só se podem fazer poucas previsões 
seguras. Assim, por exemplo, Robert Heiss chama a atenção para o facto de a 
disposição física estar mais pré­determinada na sua evolução do que a psíquica. 
As disposições psíquicas são, segundo ele, funções, cuja maneira «é em

muitos casos determinada e desenvolvida pelo seu círculo de função». Heiss 
adverte expressamente do uso não crítico da palavra « predisposição »: 
«Predisposições psíquicas não são óbvias», diz ele.

Por outro lado, especialmente no círculo de língua alemã existem psicólogos que 
falam convictamente de disposições hereditárias do carácter, e aquele que mais o 
acentua é talvez Kurt Gottschaldt, que defende o ponto de vista de que a 
influência da disposição hereditária é duas vezes tão grande como a do meio.

As razões pelas quais defendemos um ponto de vista semelhante ao de Heiss 
tornam­se evidentes através do capítulo sobre as raízes biológicas: os mais 
recentes conhecimentos da Biologia revelam que o conceito de « predisposição », 
tal como era usual antigamente tem de ser reduzido ao de disposições que se 
podem desenvolver da maneira mais diversa. Talvez haja certas disposições mais 
definitivas e que se mantê m mais constantes, tal como talentos ou ­ para 
escolhermos um exemplo de outra espécie ­ a ânsia de verdade, veracidade, 
descobrir, opondo­se a

uma tendência de modificar o sentido, ocultar, manter escondido. Mas, tanto em 
geral como no particular, sabemos ainda extraordinariamente pouco acerca do 
destino das disposições, e as opiniões acerca disso estão muito divididas.

Daí parecer adequado utilizar a expressão «carácter», como

o propõem por exemplo R. Heiss e H. Thomae                     ]@Q
1 para aqueles aspectos da estrutura da personalidade que estão fixos e só se 
modificam lentamente e sob condições muito especiais.
Uma tal fixação parece formar­se especialmente, como

mais adiante veremos, em posições, disposições de espírito e preconceitos.

E assim se explica também a estreita relação do conceito de carácter com os 
valores. Gardner Murphy acentua a mesma relação na sua definição da palavra 
«carácter»: «Carácter é um

sistema integrado de traços ou de tendências de conduta, que dá a uma pessoa a 
capacidade de reagir com uma certa constância a problemas morais». Contudo 
sabemos ainda muito pouco acerca deste sistema para que possamos fazer 
declarações cientificamente válidas.
Vi. ­ O decurso da vida humana

A Psicologia só muito recentemente se debruçou sobre o estudo do decorrer da 
vida humana. Isto poderá parecer estranho, pois este problema deveria 
interessar­nos muito especialmente. Mas é compreensível, se pensarmos que é o 
problema de mais difícil acesso, sob o ponto de vista científico. E assim se foi 
adiando essa tarefa até há muito pouco tempo. E só hoje em dia se encarou 
finalmente o problema sob os mais diversos pontos de vista.

1. QUESTõES DE MÉTODOS

Para isso utilizaram­se especialmente quatro métodos. O primeiro é o método 
biográfico. Gordon Allport dedicou a este método, cuja aplicação tem na 
psicologia uma história interessante e pitoresca, um estudo digno de admiração, 
que mostra as suas diversas formas e examina o seu grau de exactidão científica.

Desde os anos de 80 e 90 que se vêm coligindo, para fins psicológicos, 
documentos pessoais, como biografias, autobiografias, diários, troca de 
correspondência, etc. De início tratava­se geralmente de demonstrar evoluções 
invulgares, como a hereditariedade do génio (Galton), a questão da relação entre 
o génio e a loucura ou problemas da psicologia criminal (Lombroso), da patologia 
sexual (Krafft­Ebing), da conversão religiosa (Starbuck) ou da fantasia juvenil 
(Stanley­Hall).

Por sugestão de Freud, desde o início do movimento por ele fundado, os 
psicanalistas examinaram também biografias, embora, como PhyIlis Greenacre 
acentuou recentemente, os

dados do passado raramente permitam penetrar nas profundezas da motivação, como 
seria desejável. Nas mãos do analista,
o estudo biográfico transforma­se num estudo clínico, pois ele tem interesse em 
apresentar algumas relações de desenvolvimento clinicamente importantes.

Também se utilizaram biografias tanto sob o ponto de vista sociopsicológico como 
da psicologia da cultura, em parte para caracterizar certos movimentos sociais, 
em parte para demonstrar factores culturais. H. Cantril estudou assim um 
movimento social com a ajuda de material biográfico, e Allport, Bruner e

Jandorf estudaram 90 histórias da vida de pessoas do tempo do domínio nazi. 
Publicaram­se muitas biografias de membros dos chamados povos «primitivos», e 
isto em relação com investigações político­culturais. Também podemos inserir 
nesta categoria os

valiosos estudos de biografias feitos por Anne Roe sob o ponto de vista de 
diversos grupos profissionais dentro da nossa cultura.

E finalmente, utilizou­se também a biografia sob pontos de vista da psicologia 
da evolução, tal como o empreendeu em

1933 pela primeira vez a autora, com a finalidade de encontrar factos 
fundamentais da evolução desde o nascimento até à morte.

Um segundo método, aparentado com o primeiro e hoje em dia frequentemente ligado 
a ele, é o método clínico. Por método clínico designam­se os processos de 
entrevistas, portanto em diálogo, de interrogatório, tal como se desenvolveram 
para fins diagnósticos e terapêuticos; a sua forma mais simples, e já antiga, é 
a anamnese, em que o médico toma conhecimento de doenças anteriores e da 
história da vida do paciente através da conversa com este. Hoje utiliza­se numa 
base muito mais larga o método clínico no estudo da história da vida. Utilizam­
se processos de entrevista clinicamente orientados, não só na Psiquiatria e no 
domínio do trabalho social, mas também em muitas investigações sobre a 
personalidade, com fins teoréticos ou práticos. A técnica clínica distingue­se 
de outras técnicas de interrogatório ­ por exemplo por um funcionário, um 
professor ou um vendedor ­ pelo facto de o clínico trabalhar por um

lado no sentido da descoberta de problemas e sintomas, por outro lado no sentido 
da compreensão de causas e motivações na história do seu paciente. Mesmo quando 
aplicada a pessoas que não sejam doentes, a entrevista orientada clinicamente 
dará maior valor às relações citadas do que a factos como tais ou factos em 
relação a prescrições ou valores, como poderá interessar a outros 
entrevistadores.

O método clínico de entrevista, quando extensivo a longos períodos, permite, 
mais do que qualquer outro método, uma
visão profunda do modo como uma pessoa vive a sua vida, e também das suas 
experiências do passado e dos seus planos para o futuro.

O método clínico é aplicado principalmente por psicólogos clínicos e por 
psiquiatras. Foi excelentemente demonstrado, em ligação com a biografia, por 
Erik Erikson, especialmente no seu

livro sobre Martinho Lutero.

A exploração estruturada, como se designa uma ligação moderna entre conversa e 
questionário, é um terceiro método, que é usado por muitos na investigação de 
problemas do decurso da vida, Com a sua ajuda, observam­se grupos de idade e 
profissões, e comparam­se com outros.

Robert Havighurst aplicou este método em grande estilo e em ligação com 
problemas da história da vida e problemas sociológicos. Deduziu das suas 
observações o conceito da missão de desenvolvimento, referindo­se com isso às 
formas de conduta e às realizações que são de esperar normalmente numa 
determinada idade. Paul Lazarsfeld introduziu este método na investigação da 
psicologia juvenil.

O quarto método finalmente é o estatístico. Consiste em observar determinadas 
funções, modos de conduta ou realizações em grupos grandes, em períodos da vida 
diferentes. Outras observações são realizadas durante períodos de tempo mais 
longos numa grande quantidade de indivíduos. A ascensão e decrescimento dos 
modos de conduta são então representados quantitativamente e em curvas e dão um 
a imagem da «evolução humana». Este é o título que se dá a obras desta espécie. 
Entre elas, as

mais conhecidas são as de Zubeck e Solberg e de Pressey e

Kuhlen; J. E. Anderson apresenta uma exposição destas em

conexão com problemas da adaptação à vida.

E por fim há ainda um grande número de exposições de determinadas fases da vida 
ou problemas vitais específicos, nas quais se ligam entre si diversos métodos, 
As fases de infância e juventude, a fase da idade avançada e da morte, os 
problemas do casamento e divórcio, da fundação da família e das relações entre 
pais e filhos, da escolha de profissão e evolução profissional, saúde e doenças, 
de felicidade e infelicidade, êxito e fracasso, do crime, do suicídio ­ tudo 
isto e muita coisa mais foi estudada hoje em dia em inúmeros trabalhos.
A nossa questão é a seguinte: como e segundo que pontos de vista podemos fazer 
para este capítulo uma selecção que tenha sentido e tenha suficiente interesse 
geral, em face dum círculo de problemas tão vasto?
2. PROPOSITURA DE PROBLEMAS

A nossa resposta a esta pergunta é determinada pelas seguintes considerações: 
nos capítulos anteriores estudámos a Biologia, a Motivação, o Desenvolvimento e 
a Personalidade de maneira tão profunda que podemos ter uma ideia da medida em 
que estes componentes contribuem para o êxito ou malogro da vida humana. Nos 
capítulos da parte que se segue ocupar­nos­emos das formas de comunidade que o 
homem criou. Falaremos então do casamento, da família, da profissão e 
instituições profissionais, assim como da aderência a grupos culturais, 
nacionais e políticos.

Mas há um ponto de vista que nunca é salientado como tal, e que vamos agora 
tratar como ponto central. Trata­se do ponto de vista do êxito ou fracasso da 
nossa vida em parte e

no todo. Este êxito e fracasso que conhecemos continuamente em todas as 
realizações físicas e psíquicas, nas nossas relações humanas, nos nossos 
empreendimentos objectivos e profissionais, e de que toma consciência todo 
aquele que está atento ao seu íntimo ­ este êxito e fracasso representam uma 
continuidade para o homem que medita, e uma vivência que se vai fechando 
gradualmente num resultado global e que abrange tudo.

Vamos encarar esta vivência do êxito e fracasso da vida servindo­nos de algumas 
biografias e em diversos períodos da vida, pois ao que parece ela forma­se 
gradualmente. Aliás sabemos ainda pouco acerca desta formação. Ainda não foi 
estudada científica e sistematicamente, e nem sequer sabemos se todas as pessoas 
ou quantas pessoas têm consciência destas vivências completas de êxito ou 
fracasso. Além disso, não sabemos ainda qual a relação dessas vivências com as 
nossas finalidades ­e

deve haver sem dúvida uma certa relação. E também não se sabe quantas pessoas 
têm realmente finalidades de vida, que são vividas como algo que abrange e dá 
conexão à vida. É até muito provável que uma grande maioria de pessoas neste 
mundo nem

sequer chegue a ocupar­se da vida como um todo, mas tenha que se contentar em 
resolver de um dia para o outro o problema da sobrevivência e em tirar daí ainda 
algum prazer.

E assim, devido à carência de conhecimentos científicos, é pouco aquilo que se 
pode exprimir em definitivo. Apesar disso achamos que vale a pena pôr neste 
capítulo algumas questões respeitantes ao êxito na vida ­ na medida em que este 
se relaciona com finalidades da vida ­ e impulsionar o leitor a meditar sobre 
este assunto, através de algumas reflexões bem
como através de alguns exemplos. Utilizaremos vários dos métodos que 
descrevemos, servindo­nos principalmente de material biográfico e clínico.

3. COMO É SENTIDO O ÊXITO E FRACASSO DA VIDA?

Quando se ouvem as pessoas falar em entrevistas clínicas, ou se estudam as 
declarações de diários, correspondência e de outros documentos biográficos, tem­
se a impressão de que na

formação das vivências de êxito e fracasso se realiza durante

anos uma acumulação, de tal maneira que até as pessoas que não formam 
finalidades de vida no verdadeiro sentido da expressão têm contudo sentimentos 
dum todo como: «Eu consigo tudo», ou «Não consigo nada» . E isto pode aparecer 
também qualificado: «Nas coisas principais tenho êxito, e a vida é­me 
favorável». Ou então: «Há muita coisa que me falha ­ sou um

pobre diabo sem sorte».

E aqui se nota que as pessoas, em grandes traços, embora em medida diferente, 
tornam o destino ou as circunstâncias responsáveis pela sua sorte ou 
infelicidade. Mas neste ponto existem grandes diferenças individuais. E podemos 
já dizer que, dentro da nossa mentalidade moderna, se considera um sinal de 
força psíquica, saúde e honestidade interior, quando alguém é capaz de prestar 
contas a si próprio da medida em que é responsável, ou torna responsáveis as 
circunstâncias, pelo seu

êxito e, sobretudo, pelos seus fracassos. É esta atitude ­e esse é um dos 
conhecimentos principais que Freud nos transmitiu que entendemos hoje pela 
ideia, tão importante sob o ponto de vista psicoterapêutico, de que a pessoa 
normal vê a realidade tal como ela é.

Aliás há analistas dos mais modernos que, como Thomas Szasz, declaram sem 
rodeios: tudo isto não é tanto uma questão de normalidade, como de moralidade. 
Não ser capaz de ver a verdade como ela é, é simplesmente uma desonestidade, e o

conceito de doença mental um «mito», como ele lhe chama. Mas parece­me que isto 
vai demasiado longe. Eu creio que, se exceptuarmos a desfiguração causada por 
uma educação errada e influências desfavoráveis do ambiente, ou a fascinação que 
é determinada pelo ambiente cultural ­uma pessoa pode de facto não ser 
suficientemente forte para encarar de frente a verdade ou para poder suportá­
la.,w
Contudo, quer a pessoa que torna sempre o destino responsável pelo seu malogro 
seja doente, fraca ou desonesta, ou tudo isto junto ­ o que é certo é que hoje 
em dia ninguém a leva
a sério. E é tanto mais importante verificar isto, quanto é certo que vivemos 
numa época em que catástrofes de política internacional abalam a humanidade, 
desenraízam o indivíduo, lhe tiram o mais necessário para viver, o colocam 
perante situações de terror, de miséria e morte, dum modo que nunca aconteceu, 
durante séculos.

E o que é estranho é que muitas pessoas encaram estes golpes do destino com uma 
paz de alma e uma força que nunca se esperaria, e, com uma riqueza de ideias 
digna de admiração, constroem novas existências a partir do nada. Mas não menos

pessoas, como sabemos pela triste experiência, soçobram em

número assustador devido à aniquilação mais brutal ou às dificuldades que as 
vencem.

A Psicologia não está ainda em condições de dar uma informação cientificamente 
fundada sobre todas estas reacções de indivíduos, grupos e massas. Por enquanto 
teremos de limitar­nos a estudos muito modestos sobre destinos individuais.

No entanto é importante esclarecer em que sentido se

emprega aqui a palavra destino. Entendemos por destino a totalidade das 
circunstâncias que são «destinadas» a um indivíduo. Com «destinadas» queremos 
dizer acontecimentos sobre os quais o indivíduo, por razões externas ou internas 
‘ não exerce qualquer influência que escapa ao seu contrôle. E não devemos 
esquecer os motivos internos. Pois se alguém tem uma inteligência restrita ou é 
demasiado sensível, se escolhe erradamente

as suas finalidades, isto contribui também para o seu destino. Este destino é 
então a totalidade das circunstâncias que determinam o desenrolar da sua vida.

Mas o que existe então além deste destino? Não é também destino a força de 
vontade com que uns se conseguem erguer e que falta a outros? Sim e não. Na 
medida em que entram em

consideração dados últimos internos e externos, sim. No entanto, todos os dados, 
inclusivamente os internos, como já expusemos, devem ser encarados como 
potencialidades, isto é, parece haver perante as circunstâncias um grau de 
liberdade interior que torna possível até certo ponto uma autodeterminação e 
decisão livre. Quando Job louva o Senhor apesar do seu destino tão insuportável 
para ele; quando Marie Heim­Võgtlin, uma médica suíça, diz para o fim da sua 
vida: «Não há a menor coisa nesta existência, que eu quisesse diferente», embora 
tivesse de passar por diversos sofrimentos e nos últimos anos por uma grande 
doença; quando a grande matemática Sonja Kowalewska termina a sua vida com uma 
obra «Como foi e como poderia ter sido»; quando na obra de Arthur Miller, «A 
morte dum caixeiro via­
jante», um dos filhos diz do pai que morrera: «Os seus sonhos eram errados. Eram 
todos errados», mas o outro diz: «Ele sonhou um sonho bom. O único que existe 
­chegar a alguma coisa... ­tudo isso são interpretações de destinos, as quais 
nos

permitem concluir tanto ou mais acerca da posição dos indivíduos do que dos 
acontecimentos objectivos.

A atitude perante o êxito ou fracasso da vida pode, pelos vistos, ser, por um 
lado, desde o início, muito esperançada apesar de muita infelicidade, e por 
outro lado céptica, mesmo em

condições favoráveis.

«Apesar de tudo mantenho­me sempre confiante; estou convencido que no fim acaba 
tudo bem» diz­me um paciente depois de ter acabado de relatar alguns rudes 
golpes do destino.

«Antigamente», dizia um outro chamado Walter, «eu era sempre pessimista. A minha 
mulher estava sempre a queixar­se que eu não parecia acreditar no futuro. Agora, 
que tenho de vencer dificuldades talvez muito maiores do que nunca antes, tenho 
uma posição espantosamente optimista. Muitas vezes perco de momento totalmente a 
coragem, mas apesar de tudo sei: hei­de vencer».

Walter explica esta mudança de atitude por um lado como resultado positivo do 
seu tratamento psicoterapêutico, por outro lado como consequência do seu 
divórcio da mulher, que o desanimava e lhe tirava a confiança em si próprio.

Mas uma pessoa pode também sentir o que outra paciente, Sally, exprimia assim:

«Nunca virei a ser nada. Uma pessoa como eu nunca poderá ter êxito na vida».

E porquê? «Pessoas como eu, não o merecem. Em primeiro lugar sou má, isso 
disseram­mo continuamente desde pequena. E além disso... quando se tem uma 
ascendência tão miserável como eu, uma família tão reles ­o que é que se pode 
esperar?»

Ocupar­nos­emos depois outra vez de Sally, uma rapariga de 26 anos.

Factores neuróticos como os que actuam em Sally podem influenciar a atitude para 
com o êxito e o fracasso. o caixeiro viajante Willi, do conhecido drama de 
Arthur Miller, tem uma concepção de vida oscilante, continuamente entre um falso 
optimismo e pessimismo, justamente devido à sua personalidade neurótica. O seu 
optimismo é falso na medida em que ajuíza erradamente e não compreende as 
realidades da vida, as próprias capacidades e aquilo que importa.

Assim como a atitude perante o êxito e o fracasso da vida pode ser construtiva 
ou destrutiva, assim também o juízo acerca
do êxito ou fracasso obtido até então pode corresponder à realidade ou pode ser 
desfigurado por falsas esperanças e expectativas, ou por complexos de 
inferioridade e depressão. Todos sabemos por experiência própria, quantas vezes 
nos enganámos acerca das proporções de determinados êxitos ou insucessos, e como 
é frequentemente difícil ajuizar acertadamente sobre estes assuntos, mesmo que 
se seja suficientemente objectivo.

A consciência de êxitos e fracassos, as vivências de sucesso

e insucesso dependem naturalmente em grande medida das finalidades e das 
expectativas com que uma pessoa vive a sua vida. Por isso convém examinar este 
factor da expectativa.

4. EXPECTATIVAS DA VIDA E A CONCEPÇÃO DE VIDA

Aquilo que uma pessoa espera da vida ao começá­la e no seu decurso é determinado 
por uma série de factores que, segundo o que sei, foram analisados 
sistematicamente.

Referimo­nos há pouco a optimismo e pessimismo; ambos parecem ter o seu 
fundamento, por um lado na experiência, por outro no temperamento inato, embora 
em medida ainda desconhecida.

Também o nível de exigência, pelo qual entendemos, tal como Kurt Lewin, as 
grandes ou pequenas expectativas ou exigências com que os diversos indivíduos 
atravessam a vida, se fundamenta, na sua origem, ao que parece, em parte em 
experiências, em parte na consciência das próprias potencialidades.

«Tudo o que eu pretendo é ganhar o meu sustento honradamente e não fazer 
dívidas», disse um homem de meia­idade ao responder à pergunta do que esperava 
da vida. Este Anton era um trabalhador considerado, querido dos colegas e 
superiores, mas que tinha grande consciência da insegurança da vida. Filho 
ilegítimo de uma rapariga pobre que trabalhava duramente, tivera já cedo de 
começar a trabalhar e a ganhar o seu sustento.

Um outro homem, pelo contrário,   que trabalhando se elevou da maior miséria ao 
bem­estar e veio a ser dono de uma fábrica formada a partir do nada reagira de 
modo totalmente diferente às condições de vida difíceis em que  se criara.

Também ele, Henrique, provinha de condições visivelmente infelizes: o pai 
abandonou a mãe já durante a infância de Henrique e desapareceu para sempre. 
Mas, ao contrário de Anton, Henrique já cedo tomou consciência das suas grandes 
capacidades. Também conhecera, na primeira infância, condições de vida seguras, 
que ele recordava com saudade e até certo ponto
154­156 As expectativas e a concepção de vida modificam~se com os graus de 
idade: na pessoa jovem contamos, falando normativamente, com grandes 
expectativas; nos anos de vida médios, com uma concepção de vida realista,

enquanto que na idade avançada esperamos serenidade

como lhe sendo devidas. E não devemos esquecer que a mãe mantivera sempre nele 
acesa a ambição, pois também ela esperava dele um melhor futuro.

«Havia uma coisa clara para mim já quando andava na

escola:», dizia este homem, «que, fosse de que maneira fosse, havia de arranjar 
uma vida mais agradável para mim e para a minha mãe. Nunca mais seremos pobres 
­esta foi a minha decisão».

A mulher de um médico, quando aos 60 anos olha retrospectivamente a sua vida, 
diz:

«Nunca me interessou muito dinheiro e uma posição social elevada; eu necessitava 
sobretudo de ordem interior e de paz de espírito. Além disso também queria que 
me considerassem na paróquia, e queria ter uma posição económica assegurada. 
Também era importante para mim ter responsabilidades e afirmar­me na vida como 
pessoa capaz».

Quando se continuava a falar com esta senhora, e se perguntava como teria 
chegado a tais ideias, então via­se em breve que fora criada numa determinada 
tradição familiar, que ela continuava. Helen provém de uma família rigorosamente 
católica, o pai era um funcionário médio da administração, a família vivia numa 
pequena cidade uma vida simples entre amigos e

parentes. Havia pouco luxo e prazeres, mas dava­se grande valor à educação das 
crianças.
Entrevê­se nitidamente o mundo cultural que rodeava Helen, naquilo que ela 
espera da vida. Nos casos de Anton e Henrique, as expectativas da vida são de 
facto igualmente determinadas pelo ambiente cultural, mas nestes dois homens 
desempenham um papel mais importante as experiências pessoais, a influência de 
duas mães diferentes e a confiança nas próprias capacidades, num caso maior, no 
outro menor.

Todos estes factores determinam o conteúdo das expectativas. Nestas se exprimem 
tanto os desejos do indivíduo como

a sua concepção de vida. Nos desejos desempenham um papel maior aquelas 
tendências básicas a que nos referimos já várias vezes. Elas fazem com que uma 
pessoa pretenda alcançar vivências de felicidade que espera sob a forma de amor, 
prazeres ou

posse material. Outra poderá ter como maior desejo a satisfação numa vida 
assegurada. Pretenderá saber­se inserida, reconhecida, indispensável, talvez até 
amada, e está disposta a adaptar­se às condições dadas. Uma terceira pessoa 
pretenderá conquistar o

mundo e deixar nele os vestígios da sua acção. Para ela é importante ter ocasião 
para realizações e êxito. A uma quarta pessoa interessará sobretudo levar uma 
vida ordenada, dedicada a altas missões.

Como já dissemos anteriormente, todas as pessoas normais têm desejos e 
expectativas em todos estes sentidos, mas, devido

a uma particularidade pessoal, assim como a condições de vida, é um ou outro 
conteúdo de desejo que se torna especialmente importante. Estas condições de 
vida, que desempenham um papel como factores materiais, sociais e culturais, têm 
frequentemente um efeito sobre a concepção de vida e a maneira como se forma uma 
vida, que pode ser mais decisivo do que aquilo que uma pessoa mais deseja para 
si. E assim, alguns estudiosos da sociopsicologia, por exemplo Marvin Opler, são 
de opinião que a atitude de uma pessoa perante a vida é desde o início muito 
mais determinada pelo seu ambiente cultural do que por ela própria. Também 
alguns sociopsiquiatras modernos, como

Fritz Redlich, defendem uma opinião semelhante.

A tomada de posição nesta importante questão depende essencialmente do grau de 
liberdade interior que se atribui ao indivíduo. A isto nos referiremos mais 
pormenorizadamente no
capítulo seguinte, servindo­nos de exemplos.

As expectativas e a concepção de vida modificam­se nas

diversas idades.

Geralmente imaginamos as expectativas e esperanças de gente nova e saudável como 
elevadas, embora ainda indeterminadas. Mas a insegurança da vida na nossa época, 
o perigo constante do aniquilamento pela guerra, por revolução ou qualquer outra 
catástrofe, que na realidade ameaça todos, tem como consequência que os jovens 
de hoje olhem o futuro muitas vezes com mais preocupação do que confiança. 
Pareceu­me um triste sinal da nossa época, que num grupo de jovens de boa 
posição social e económica que eu interroguei, se falasse mais de segurança do 
futuro do que de qualquer outra finalidade. Deixarei falar este grupo na última 
parte do nosso livro.
Contudo, se formos sinceros, temos de confessar que não possuímos ainda nenhuns 
conhecimentos acerca do aspecto que teria uma curva normal das expectativas da 
vida nas diversas idades.

Pressupõe­se geralmente que uma pessoa de meia­idade tem expectativas de vida 
realistas, isto é, expectativas que correspondem às condições reais. Isto 
deveria ser o caso de pessoas psiquicamente normais, na medida em que 
desempenham um papel as suas próprias potencialidades. Mas a insegurança da 
situação mundial e as muitas derrocadas de condições de vida que pareciam 
firmemente asseguradas, impossibilitam hoje, também o homem que pensa de modo 
realista, de imaginar, mesmo

só pouco mais ou menos, aquilo que deve esperar.

Na idade avançada observa­se muitas vezes a tendência para suavizar um pouco as 
sombras da vida. Fala­se da clarificação e da bênção da sabedoria da idade, que 
em parte consiste em

ver as coisas a uma maior distância e com menos entusiasmo. Poder­se­ia 
acrescentar que é uma certa graça do destino o facto de se esquecerem na idade 
avançada muitas desilusões e muita injustiça da vida, e que a pessoa idosa 
frequentemente, e ainda não sabemos quão frequentemente, esteja disposta a fazer 
as pazes consigo própria e com o seu Deus, como se costuma dizer em alemão. A 
esta necessidade de uma paz final acode especialmente a Igreja Católica com os 
últimos sacramentos concedidos no fim da vida.

Mas nem todas as pessoas que envelhecem tendem para a clarificação e para a paz; 
todos conhecemos alguns velhos ainda quezilentos, e é natural que também aqui 
sejam grandes as

diferenças individuais.

5. FINALIDADES E PROBLEMAS DE VIDA

Um campo em que sabemos um pouco mais é o das finalidades de vida. Falámos no 
capítulo anterior das relações entre as finalidades e o êxito ou fracasso na 
formação da personalidade. Agora ocupar­nos­emos da questão de como a formação 
de finalidades no decorrer da vida determina o êxito ou fracasso da mesma.
A partir de quando tem o homem, em geral, finalidades de vida? A resposta 
depende de como se apreende e define esta palavra. Se pensarmos em primeiro 
lugar em finalidades conscientes, em finalidades que abrangem a totalidade da 
vida, então não podemos falar delas antes da idade da juventude. É neste período 
que pela primeira vez se encara o tempo de vida em toda a sua extensão. 
Encontramos esta relação para com o tempo passado e futuro expressa em diários 
de jovens, e referidas e formuladas as relações entre o passado, presente e 
futuro. Mas especialmente o futuro longínquo é encarado apenas vagamente como 
também as finalidades projectadas no futuro representam apenas esboços de 
possíveis formas de vida.

Designámos isto num capítulo anterior como autodeterminação provisória de 
resultados de vida, e distinguimos esta da autodeterminação definitiva que se 
lhe segue, por volta dos trinta.

Mas de certo modo pode falar­se já na infância de finalidades de vida, se não 
limitarmos a expressão a tendências conscientes, orientadas no tempo.

Finalidades de vida no sentido de tendências de realização, que são de uma 
importância fundamental para uma vida normal, existem desde o início. Falámos 
das quatro tendências básicas que visam a satisfação de necessidades vitais 
(vide pág. 129).

Finalidades de vida no sentido de projecções do Id (Selbst) no futuro, 
conscientes ou semiconscientes, embora ainda não temporalmente orientadas, 
aparecem a partir de cerca dos quatro anos de idade. A partir desta idade 
tornam­se também conscientes vivências de êxito e fracasso, que se experimentam 
igualmente desde o início da vida, embora ainda não sejam apreendidas 
conscientemente.

Todos os que tenham observado um bebé com perturbações de coordenação, ao 
agarrar ou ao realizar outras manipulações, sabem que ele reage já muito cedo 
com expressões que revelam que o bebé é infeliz.

Esta primeira apreensão do êxito e fracasso em relação à própria pessoa 
significa uma primeira autocrítica, no que respeita padrões de valores, que a 
criança adquire e desenvolve gradualmente. Neste processo parecem surgir, logo 
de início, problemas e conflitos.

Freud via a origem destes problemas e conflitos principalmente nas relações do 
indivíduo com o ambiente que o rodeia: corno fundada nos fracassos e obrigações 
que são impostos à criança. Karen Horney, pelo contrário, tal como o exprimiram 
os poetas e pensadores em todas as épocas, vê a razão dos conflitos na própria 
pessoa, «no próprio peito», como diz o poeta.
Vê essa razão como dilema das próprias necessidades, determinado interiormente. 
Na realidade podemos provar a existência destas duas estruturas de conflitos 
desde o início. Ambas estão relacionadas, influenciam­se mutuamente, e aqui está 
a fonte de autodeterminações falhadas que podem, segundo as circunstâncias, 
desviar toda uma vida para vias erradas.

Ao leitor não habituado a estes assuntos, deve parecer muito exagerada esta 
afirmação que acabamos de fazer. Por causa da importância destes problemas, que 
deveriam dar que pensar especialmente àqueles que, entre os nossos leitores, são 
pais, discutiremos em pormenor alguns casos.

6. INICIOS INFANTIS DUMA VIDA REALIZADA OU FALHADA

Conhecemos no caso de Alfredo (vide pp. 138, 153) um

exemplo de escolha duma finalidade precoce, que teve resultados desfavoráveis na 
evolução mais tardia. Alfredo decidiu, já aos 4 anos, «nunca mais cometer um 
erro», e fixou­se cada vez mais inflexivelmente num ideal de perfeição.

Esta autodeterminação teve a sua origem na relação de Alfredo para com a mãe que 
lhe dava um exemplo de uma

vida orientada por princípios rígidos e o incitava a imitá­la. Uma das 
expressões que ela repetia frequentemente era, por exemplo, esta: «Se uma coisa 
é digna de se fazer, então também é digna de ser realizada o melhor possível». 
Este princípio, que se opõe a qualquer tarefa feita à pressa, mesmo que se trate 
de uma solução provisória, foi tomado especialmente a sério por Alfredo. 
Impressionou­o muito a importância desta máxima, assim como de todos os 
princípios cuja observância a mãe vigiava com uma rígida disciplina. E a sua 
influência foi tanto maior, quanto ela, em determinadas épocas, dispensou muita 
bondade e ternura aos filhos, com o que os ligou fortemente a si.

Mas os irmãos de Alfredo não levaram, nem de longe, tanto a sério os mandamentos 
da mãe como o fez Alfredo. E aqui há um segundo factor decisivo. Foi em parte o 
próprio Alfredo que contribuiu para a sua evolução, ao identificar­se numa 
medida tão extrema com as regras de vida da mãe ­não por a amar

tanto, mas muito mais por causa do seu medo intensivo de ser repreendido. Até 
com trinta anos e depois de dois anos de Psicoterapia, Alfredo reconhecia que 
ainda tinha dificuldades em

superar um sentimento de ofensa perante qualquer observação crítica que se lhe 
fizesse.
Portanto, devemos atribuir à sua necessidade de autodefesa

19
o facto de Alfredo em criança escolher a autodeterminação de uma perfeição 
inatacável. Além disso, o medo da mãe e uma certa admiração por ela desempenham 
um papel de tal maneira grande que a sua escolha não pode ser designada como 
realmente livre.

O significado desta escolha, que no caso individual pode ser mais ou menos livre 
e que por vezes é tão extraordinariamente precoce, não foi até aos nossos dias 
tomado suficientemente em conta nem valorado pela Psicologia. Mas hoje discute­
se vivamente este problema.

A questão que nos interessa, em conexão com este capítulo, é de que maneira a 
vida de Alfredo foi influenciada no seu êxito ou fracasso pela autodeterminação 
precoce e rigidamente fixada. É fácil de prever que o seu perfeccionismo o 
deveria levar às maiores dificuldades. É certo que, felizmente, os seus dotes 
técnicos eram suficientemente grandes para lhe assegurar o êxito profissional, 
mas não conseguiu a realização da sua vida pessoal. Nenhuma rapariga que 
encontrava correspondia exactamente ao seu ideal e não se pôde decidir a nenhuma 
ligação até aos

30 anos, pois pensava que ela poderia ser «errada». Também a sua vida social se 
limitava a relações com poucos amigos, e por isso sofria muito com a solidão e 
com o facto de ter de prescindir de uma vida sexual e amorosa que o 
satisfizesse.

Um outro exemplo para uma vida falhada devida a uma autodeterminação precoce 
desfavorável, é­nos dado por uma

mulher que só no início dos 50 anos chegou à conclusão de que tinha de 
modificar­se totalmente a si própria e à sua vida, se

não a quisesse considerar totalmente falhada.

Bettina é uma mulher ainda bonita, divorciada e sem filhos, que goza de 
independência económica; ocupa a sua vida com obrigações sociais e também como 
membro de algumas organizações de beneficência. Mas vive profundamente 
insatisfeita com tudo isso. Na sua inquietação, procura de vez em quando fundar 
uma ou outra firma, um negócio de objectos de arte ou coisa parecida, mas em 
breve desiste de todas estas tentativas. Depois faz uma viagem pelo mundo, da 
qual volta com novos planos que nunca se chegam a realizar.

Já com quatro ou cinco anos Bettina se impressionava pelo facto de as pessoas à 
sua volta serem tão diferentes e viverem de maneira tão diferente. Ela tinha 
pena da mãe, que estava sempre séria, triste e cheia de preocupações. Isto não 
lhe agradava nada. E por muito que amasse a mãe ­ela queria vir a ser diferente. 
Entre os muitos parentes havia uma tia que a atraía especialmente: a tia Elinor, 
pois ela estava sempre alegre, andava bem vestida e era rica. O marido parecia 
amá­la muito e estava
continuamente a ocupar­se dela, enquanto o pai de Bettina não se preocupava 
muito com a mulher nem com a família.

Bettina decidiu vir a ser como a tia Elinor: bonita, rica e

alegre. Esta decisão tomada desde cedo e de que ela durante muitos anos nem 
sequer teve consciência, de que só se tornou consciente durante o seu tratamento 
psicoterapêutico, aos 52 anos, tinha realmente determinado de maneira decisiva 
toda a

sua vida. Depois de rapariga, bonita e elegante, escolheu para marido entre os 
seus muitos admiradores um jovem negociante rico que a adorava, e deixou­se amar 
e amimar, exactamente como

a tia Elinor. Mas no decorrer dos anos descobriu que não era

feliz. Foi necessária a terapia para lhe fazer ver que a sua própria falta de 
entrega ao marido, filhos ou qualquer actividade com

sentido tinham deixado a sua vida vazia, pobre e não realizada, apesar de toda a 
riqueza que possuía.

Já antes de ir para a escola, Bettina pretendia vir a ser

«exactamente como a tia Elinor». Nesta idade pré­escolar muitas crianças estão 
naturalmente longe de fixar finalidades a elas próprias de um modo tão 
determinado. Têm mais sentimentos difusos do que ideias claras acerca delas 
próprias e do ambiente em que vivem. Infelizmente hoje em dia os pais sabem tão 
pouco acerca destes fenómenos, que os deixam entregues em parte ao acaso. Uma 
educação orientada no sentido da formação da personalidade, como foi a educação 
de Linda, a que atrás nos referimos (vide págs. 235, 246), conta­se entre as 
excepções. Em regra os pais, que estão interessados em dar uma educação relativa 
a determinados valores, limitam­se a toda a espécie de princípios gerais, entre 
os quais contam, em primeiro lugar, um bom comportamento, sinceridade, honradez, 
amor à ordem, sentido de responsabilidade e outras coisas parecidas. Há poucos 
pais que pensem tão a fundo sobre a vida que possam proporcionar à criança, de 
forma compreensível, ideias mais profundas acerca da maneira como se pode 
solucionar construtivamente os

problemas da vida.

Linda, por exemplo, teve uma mãe que entendia isto de maneira realmente 
excepcional. Já fez compreender à criança de quatro anos, a propósito de uma 
repreensão, que ela tinha, como toda a gente, certas obrigações, mas por outro 
lado também os

seus direitos. Esta explicação impressionou profundamente a

criança e deu­lhe a sensação da sua dignidade humana.

Além disso esta mãe inteligente ensinou também à filha a

essência do compromisso, e isso quando se tratou de solucionar a oposição do pai 
contra os desejos que Linda manifestara em estudar. A mãe soube conquistar a 
filha para primeiramente
ligar o interesse em ajudar em casa com o desejo de aprender, para depois de 
estar preparada em ambos os campos da vida, mais tarde se decidir, na devida 
altura, por aquilo que mais estivesse de acordo consigo.

Como início invulgarmente feliz para o êxito na vida, parece­me nesta história 
de uma infância a precoce adaptação a um

pensamento reflexivo, compreensão e adopção de conceitos que tornaram a criança 
apta a resolver os seus primeiros conflitos.

E é aqui que está a diferença entre o que faz a mãe de Linda e aquilo que 
ensina ao filho a mãe de Alfredo. Em ambos os casos se trata de mães que 
procuram orientar os filhos para a vida. Mas enquanto uma das mães dá 
prescrições de como se

deve fazer, a outra incita ao pensamento autónomo: ela mostra como se deve ver 
as coisas e o que se pode fazer, e não o que se tem de fazer. Ela conduz a 
criança, como hoje exprimiríamos cientificamente, para um sistema aberto do 
pensamento, enquanto a outra ensina um sistema fechado, em que já não existe 
nenhum grau de liberdade. E assim, uma das mães prepara uma posição construtiva 
perante problemas futuros, enquanto a outra dá apenas princípios rígidos.

Coligi apontamentos de mais de cinquenta casos de terapia, orientados no sentido 
de determinar o comportamento que os

pais das pessoas tratadas tinham a respeito destas coisas. Não encontrei um 
único caso em que na infância se tivesse ajudado a pensar reflexivamente nos 
problemas da vida. Parece, antes, ser uma ideia corrente que as crianças, ou não 
têm problemas sérios, ou que os devem resolver sozinhas. Esta solução dos 
problemas é ainda menos de esperar, se as crianças, a que ninguém ajuda a 
entender a vida, têm além disso ainda diante de si um mau exemplo, ou deparam 
com injustiças se não até com crueldades. Numa época como a nossa, esfacelada 
por querelas e violências de toda a espécie, é difícil imaginar uma evolução 
normal da próxima geração.

Até crianças portanto, que recebem amor e uma educação adequada, necessitam, 
para que a sua vida obtenha êxito, de uma orientação cuidada para o pensamento 
reflexivo e para a solução de problemas da vida, e hoje mais do que nunca.

Neste ponto parece­me digno de nota o que escrevem Fritz RedI e David Wineman na 
sua obra sobre «Crianças que odeiam»: Estas crianças perdem muito especialmente 
a capacidade de resolver os seus sentimentos de angústia e insegurança em 
situações difíceis. Estas crianças de oito a dez anos, criadas nas mais 
horríveis condições de vida, só têm duas possibilidades para a

solução de problemas: ou fogem, ou atacam e destroem.
Oito a dez anos ­é esta a idade em que crianças relativamente saudáveis 
adoptaram uma ou outra ideia de como se podem ajustar à vida, quer pela 
adaptação quer pelo domínio. Mas muitas, que não têm orientação nem exemplo, 
permanecem desamparadas até à adolescência ou até mais tarde.

7. OS PROBLEMAS DO ÊXITO E FRACASSO NA ADOLESCÊNCIA

A puberdade e adolescência ­período da vida que vai de cerca dos 12 anos até ao 
início dos 20­ são geralmente consideradas como um dos dois períodos mais 
difíceis da vida; o outro, que lhes corresponde, é o climatério. Adolescência e 
climatério são os dois graus de idade que conduzem para dentro da vida e para 
fora da vida, e cuja dificuldade consiste justamente no

facto de o indivíduo se ter de orientar de maneira totalmente nova na vida.

No que respeita ao jovem, a sua missão consiste em preparar correctamente o 
êxito da sua vida, sobretudo na profissão e casamento. E por «correctamente» 
entendemos: cada um tem de escolher os campos de actividade e as relações 
humanas que permitam a realização das melhores potencialidades do indivíduo, tem 
de experimentar­se nelas e com elas e continuar a formar­se. Queremos dizer que 
o jovem se tem de encontrar a si próprio. Depois do que dissemos no capítulo 
anterior acerca da educação deficiente ou despropositada das crianças no que 
respeita a uma

autodelerminação suficiente, não nos podemos admirar de que os

jovens tenham grandes dificuldades na solução desta missão.

Percival Symonds faz um juízo extraordinariamente agudo sobre o fracasso da 
geração mais antiga e justamente no que respeita tanto aos pais como à escola, 
num interessante estudo que empreendeu junto de pessoas de 28 anos, que observou 
primeiramente quando tinham 12 a 18 anos, e de novo treze anos mais tarde, agora 
com 25 a 31 anos. A cuidada observação de Symonds, que se baseia nos resultados 
de testes e entrevistas, chega à conclusão de que estes adolescentes, jovens 
pertencentes a uma boa classe média americana, na fase de transição da 
adolescência para a idade adulta, tiveram de recorrer ao método de «tentativa e 
erro» (trial and error): se a primeira tentativa não reflectida de resolver um 
problema se revelava como erro, realizavam uma segunda tentativa igualmente 
cega, e muito frequentemente também errada. Pois, diz Symonds, « nada ou só 
pouco se fez para os ajudar na preparação ou planeamento dos seus

próximos passos. Cada um teve de solucionar todos os problemas
com os meios de que dispunha por acaso, quando se via perante o problema. A 
educação escolar revelou­se portanto inútil para preparar o jovem a vencer os 
problemas inevitáveis na formação profissional, profissão e casamento».

As conclusões de Symonds, baseadas em factos, constituem um juízo duro acerca 
dos nossos métodos de educação em casa e na escola, pressupondo, aliás, que as 
suas observações permitam uma generalização. Será esse o caso?

É absolutamente evidente que as opiniões acerca disso divergem. Aqueles que 
foram criados ainda na tradição fechada de um determinado grupo cultural, 
afirmam que se mantêm agora como antes os valores tradicionais e que continuam a 
ser transmitidos. O caso de Helena, do qual em breve falaremos (vide pág. 296), 
dá­nos um exemplo de que tal coisa ainda existe.

Mas, segundo a impressão que tenho, este caso é uma excepção e não a regra. Está 
muito mais espalhada, segundo me parece, uma profunda insegurança e perplexidade 
perante as questões mais importantes da vida. Por toda a parte encontramos 
problemas por solucionar: os pais, tal como os jovens, ainda só raramente têm 
coragem para se exprimir acerca da vida sexual. A maioria dos pais e dos jovens 
não tem mesmo ideias claras acerca dos fundamentos da sua própria posição 
perante a questão da experiência sexual. Frequentemente encontram­se também 
problemas de finalidade suficiente para a escolha de profissão e posição social. 
E quase sempre fica totalmente por esclarecer a questão dos valores da vida em 
que se quer, pode ou deve acreditar, isto é, dos valores da vida no sentido de 
uma visão do mundo.

Certas regras como: que se deve trabalhar diligentemente, que se deve ganhar e 
poupar dinheiro, se deve conquistar uma posição assegurada dentro da sociedade, 
se deve ser honesto, se deve conquistar consideração e amizade ­tudo isto 
pertence ao inventário das regras de vida universalmente reconhecidas e 
transmitidas pelos pais aos filhos. Mas para além disso pouco se medita e pouco 
se discute acerca do sentido e finalidade da vida e sobre questões últimas, que 
dizem respeito ao nosso

mundo e ao universo. Em grande número de famílias mandam­se na verdade as 
crianças à igreja, mas os adultos não as acompanham: encara­se a igreja como uma 
espécie de segunda escola, que os pais já não precisam de frequentar.

O jovem é já de si inseguro. Não tem ideias claras acerca das suas próprias 
potencialidades. E no que respeita às linhas de orientação que deve adoptar, 
nesse campo anda às cegas. Uma identificação total e positiva com a geração mais 
velha foi
157 A emancipação da juventude alemã em relação à casa paterna começou na 
passagem do século passado para o nosso século com o movimento «Wandervogel». A 
fotografia foi tirada em 1909

sempre uma excepção, visto a juventude ansiar sempre por algo de novo. Mas se a 
geração mais antiga se mostra espiritualmente insegura, como é em grande medida 
o

caso da nossa época, o jovem terá ainda mais dificuldades em se encontrar, pois 
não recebe linhas orientadoras,  nem   negativas nem   positivas.

Esta deverá ser a razão pela   qual a juventude de hoje se apoiou em tão elevado 
grau em si   própria e não se orienta pela geração mais velha, mas vai escolher 
moldes orientadores entre

as suas próprias fileiras, como parece ser frequentemente o caso.

Para o jovem de hoje é de maior importância vital a adaptação à sociedade da sua 
própria geração do que a oposição à geração mais velha. Tal como David Riesman 
nos expôs num livro que nos leva a meditar muito, «A massa solitária», esta nova 
sociedade exige que cada indivíduo consiga adaptar­se com

grande intuição aos desejos e ao comportamento do grupo da sua idade. Oualquer 
que seja a sua intenção, ela tem de ser de tal maneira que se mostre compatível 
com os seus companheiros de idade.

Tal como Riesman expõe as coisas (e tal como parece ser

realmente o caso da América, e da Europa pelo menos em

grande parte) hoje a missão principal para o jovem consiste na adesão à 
concepção de vida da sua geração.

Helmut Schelsky, no seu livro cuidadosamente pensado e

bem fundamentado, sobre «A geração céptica», confirma as exposições de Riesman 
para o caso da Alemanha. Peter Hofstãtter exprime­se no mesmo sentido na sua 
«Psicologia Social».

Schelsky expõe claramente como a emancipação da juventude alemã se iniciou como 
uma emancipação da libertação da casa paterna, já desde a passagem do séc. XIX 
para o séc. XX
com o «Wandervogel» e o movimento juvenil. Hoje é uma emancipação do modo de 
pensar, cuja orientação prática, desviada para a estabilidade material, Theodor 
Adorno designou de «concretismo». Esta juventude «socialmente independente» já 
não
se interessa por ideias e ideais transmitidos, mas, como diz Schelsky, por 
aquelas relações sociais que são próprias para dar um apoio à existência 
pessoal e privada.

Com este afastamento de exemplos e ideais transmitidos, a juventude, que já por 
si tende para a rebelião contra a geração anterior, é reforçada no seu 
desligamento desta sem encontrar ajuda de outra parte qualquer.

E em relação a isto é interessante o facto notado por Schelsky ­que no 
afastamento da geração actual        é mais raro um antagonismo pessoal contra 
os mais velhos e os     pais, do que a emancipação ideal, e que, até pelo 
contrário, a valoração pessoal da família como apoio pode ser maior do que na 
geração anterior. Schelsky é de opinião que a razão da menor animosidade está no 
facto de se evitarem desabafos; ele crê que hoje há menos necessidade destes. 
Mas ninguém que tenha visto jovens em terapia de grupo poderá concordar com 
isso. A diferença em relação a antigamente está só no facto de o próprio jovem 
de hoje preferir desabafos com pessoas formadas objectivamente na matéria, a 
discussões emocionais com os parentes ­a não ser que tenha pais que tenham 
aprendido a meditação de problemas através da psicoterapia. Só poucos escapam à 
problemática da autodeterminação.

Só três grupos me parecem hoje ser relativamente isentos de conflitos. São por 
um lado aqueles que estão ancorados numa

tradição familiar ainda não quebrada, depois aqueles cujos pais puderam 
proporcionar com compreensão invulgar regras de vida ainda hoje utilizáveis, e 
em terceiro lugar os jovens com dotes

tão extraordinários que estes lhes indicam naturalmente o caminho a seguir.

Helen é um exemplo de uma pessoa firmemente ancorada, cuja finalidade de vida já 
conhecemos (vide pag. 285). Criada com invulgar amor e harmonia, firmemente 
enraizada na sua tradição familiar católica, Helen pelos vistos nunca

15@ Da emancipação à rebelião ­em última análise não sem culpa dos pais e da 
escola: zaragata de «tedy­boys», 1960
experimentou problemas de autodeterminação. Sentia­se bem na

casa paterna, na vizinhança e na escola, amava especialmente o

pai, que era amável e um homem cheio de humor, e dava­se bem com todo um bando 
de irmãos mais novos. Frequentou a escola católica, depois um «College» 
católico, apreciava e venerava os seus professores. Trabalhou durante pouco 
tempo como secretária, coisa que não a entusiasmou, mas nestes empregos fez o

melhor que pôde e arranjou muitos amigos. Com 24 anos casou

com o filho de uma família amiga, que conhecia desde os 14 anos. Ela própria o 
comenta: «Nunca pensei noutra pessoa para meu

marido. Vincent e eu entendemo­nos desde o início, desde que nos conhecemos, e 
isso nunca se modificou durante o nosso matrimónio, que dura há 40 anos.»

Uma tal estabilidade e ausência de conflitos como revela Helen, é hoje 
excepcionalmente rara; pelo menos no meu material é um caso único.

Linda, cuja vida foi muito mais rica em problemas e de maneira nenhuma fácil 
(vide págs. 235, 246), aprendera com a

mãe o princípio do compromisso, o equilíbrio entre os direitos, os deveres e 
outras coisas, o que também lhe facilitou o       encontro

consigo própria. Já descrevemos a habilidade com que           ela, passando por 
muitos obstáculos, chegou a fazer da sua             vida um êxito.

No caso desta mulher é interessante ver como ela,         graças à sua segurança 
interna e finalizada, nunca sequer pensou em interpretar a sua vida como um 
fracasso, embora a realização dos seus fins tivesse de ter sido repetidas vezes 
adiada. Não há muitas pessoas com a paciência e perseverança de Linda, capazes 
de adiar até aos 50 anos o começo de uma profissão sem sentir ao mesmo tempo 
fortemente o desfavor do destino.

Problemas da autodeterminação

É extraordinariamente grande o número de pessoas, se não forem todas, que na 
idade juvenil tem problemas de autodeterminação. Se exceptuarmos aquelas que, 
como mostrámos no capítulo anterior, destroem a sua liberdade de decisão já na 
infância, é muito maior o número daqueles que não conseguem ter ideias claras 
acerca do caminho correcto para si. O caso seguinte parece­me ser um bom 
exemplo.

Denny, de 17 anos, é filho de um engenheiro de minas que, devido a instabilidade 
pessoal, teve uma carreira muito irregular. Quando Denny terminou a High School 
­ que corresponde mais

ou menos ao segundo ciclo do nosso liceu ­, a família encmi­
trava­se em más condições financeiras. Apesar disso o pai insistiu que o filho 
frequentasse o College ­terceiro ciclo dos nossos

liceus e escola superior­ para o que pusera dinheiro de parte.

Denny recusou­se. É certo que possuía grandes dotes técnicos e era duma maneira 
geral muito dotado; não admira que os pais se indignassem pelo facto de ele não 
querer desenvolver as suas capacidades e não querer aproveitar a oportunidade 
que se lhe oferecia para estudar.

Denny expôs como razão de querer pelo menos por algum tempo trabalhar numa 
fábrica como maquinista, o facto de não estar para andar sem dinheiro e de levar 
a passear as amigas num carro velho e feio. Além disso, a maioria dos seus 
amigos optara também por profissões práticas. Achava exagerado dar um valor de 
relevo às chamadas carreiras superiores. Denny preferia ter um ordenado mais 
pequeno do que o pai, mas em

compensação mais assegurado; via apenas snobismo na valoração socialmente mais 
elevada duma profissão liberal. O pai de Denny, que só com grandes sacrifícios 
conseguira o estudo e os exames na escola técnica superior, ficou furioso com os 
argumentos de Denny e não escondia a sua indignação.

Mas Denny declarou que ele e os seus amigos tinham valores diferentes dos dos 
pais. Através das discussões de uma terapia de grupo, em que os pais o 
convenceram finalmente a tomar parte para ventilar o seu problema, Denny 
percebeu que o exemplo dos seus amigos lhe servia principalmente de pretexto 
para castigar o pai pelo seu comportamento autoritário. Mas só quando Brenda, 
com quem ele tencionava casar­se, lhe disse que também queria frequentar o 
College, ele cedeu e modificou o seu plano de vida.

Para este jovem, não foram portanto determinantes nem a

autoridade estranha nem as próprias potencialidades, mas em

primeira linha os pontos de vista dos seus amigos.

A extraordinária confusão daqueles que não encontram nenhumas linhas 
orientadoras para as suas finalidades e deixam que o acaso actue sobre eles, 
forma um caso limite, não muito raro, de perplexidade juvenil. Nos casos por mim 
observados, trata­se em primeira linha de indivíduos que durante toda a sua 
evolução nunca foram capazes de, de qualquer maneira, se

concentrarem em si próprios.
Um exemplo é Nadine, que chega à terapia com vinte anos, pouco depois do seu 
casamento. Ela, que passara toda a sua infância e juventude como através duma 
«neblina», esperara do casamento a felicidade e um despertar para a vida. Mas 
esta esperança não se realizara.
Pareceu­me característica deste tipo a maneira como Nadine descreveu a sua 
infância. Dizia: «Quando era pequena, sentava­me muitas vezes nos degraus diante 
da minha casa e esperava que as crianças me viessem convidar para brincar, o que 
elas realmente faziam por vezes. Eu era tímida. A minha prima dizia que eu era 
parva. Muitas vezes, quando chovia aos domingos, punha­me à janela e olhava lá 
para fora. Não pensava em nada. Os meus pais nunca tinham tempo para mim, e 
interessavam­se mais pela minha irmã mais velha, que era viva e trazia amigos

para casa.»

Na escola havia alguns rapazes que entusiasmavam Nadine, mas eles nunca falavam 
com ela. Desde que um primo a levou, quando ela tinha dez anos, para a cave e aí 
abusou sexualmente dela ­ procedimento que ela consentiu que se repetisse ­ 
Nadine pensou ser uma pessoa digna de desprezo: de outra maneira, o

primo não teria tido coragem para a sua acção. Mas como quase todas as crianças, 
nunca falou a ninguém deste acontecimento.

Depois de uma paixoneta infeliz por um companheiro de escola ­ isto aconteceu no 
último ano lectivo ­ e após uma

actividade profissional curta e penosa como secretária não muito competente, 
aceitou, cheia de gratidão, a proposta de casamento de um jovem comerciante que 
conhecera em casa duns parentes. Como é natural, a sua vida sexual foi penosa, 
visto que lhe lembrava constantemente o que vivera na cave.

Esta jovem mulher, não destituída de inteligência e que mais tarde floresceu na 
terapia, saiu da sua puberdade como uma

pessoa totalmente por desenvolver, um intelecto desprezado, uma

personalidade difusa, de maneira nenhuma coordenada, para assim entrar na sua 
vida matrimonial.

«Sobre a vida, sobre o futuro e tudo isso», diz ela, «nunca eu

tinha pensado. Eu ficava totalmente confusa quando se me deparava algum 
problema».

Assim como aqui é a carência de pensamento e uma difusidade da personalidade, 
vinda já da infância, que tornam impossível o êxito da vida, noutros casos é o 
medo da vida e das responsabilidades perante decisões pró prias e das 
dificuldades de se manter que impedem um jovem de se encontrar a si próprio
e o seu próprio caminho.

São muito frequentes e todos conhecemos os inúmeros casos em que um jovem, por 
medo ou indecisão, sob pressão psíquica ou económica, se deixa influenciar e 
aceita qualquer colocação de aprendizagem ou qualquer actividade, que lhe é 
oferecida por acaso. A falta de interesse e a falta de satisfação interior no

trabalho fazem que desde o início desta actividade profissional
o tempo livre pareça mais importante do que a profissão, e

desenvolve­se uma concepção de vida que Schelsky designa com

o termo adequado de «ânsia do tempo livre». Como nesta concepção o tempo livre 
não é utilizado para a auto­realização, mas

para uma fuga da realidade, em vez dum domínio sobre a vida desenvolve­se uma 
grande perda de realidade, corno mostrou Hofstãtter em relação com observações 
sobre o papel do filme.

Estes problemas dizem respeito a muitos que trabalham cheios de insatisfação 
interior, mas em maior medida aos que não aprenderam uma profissão visto que, 
como P. Lazarsfeld e G. Dehn já provaram há muitos anos, as pessoas que não 
aprenderam não chegam a sentir o seu trabalho como profissão.

Esta forma de vida das grandes massas, que vivem para aí tão afastadas do ideal 
de auto­realização, é tanto mais deprimente, quanto mais nitidamente se puder 
provar em vidas felizes quão repleta a existência humana pode ser.

Se, sob condições favoráveis, coincidem elevados dotes com uma invulgar 
compreensão por parte dos pais e com boas condições económicas assim corno 
sociais, esta combinação permite a forma mais elevada da evolução juvenil.

Um exemplo especialmente belo da nossa época para esta formação de vida 
excepcionalmente bem sucedida, é a história do jovem músico Van Cliburn. Não 
deve ser possível imaginar o início de uma vida e de uma carreira mais favorável 
em todos os sentidos do que esta.

Van Cliburn ­na realidade Harvey Lavan Cliburn Jr. nasceu em Julho de 1934 numa 
pequena cidade da Luisiana e

foi criado no Texas, onde o pai era empregado duma sociedade de petróleos e a 
mãe professora de piano.

Já com a idade de três anos surpreendeu os pais ao tentar

compor ao piano uma melodia de valsa. Pouco depois pediu à mãe que lhe 
ensinasse a tocar, e como tinha um ouvido extraordinário, aprendeu muito 
depressa. Com cinco anos declarou à mãe: «Mãezinha, eu julgo que quero vir a 
ser pianista, quando for grande. Quero isso mais do que tudo no mundo.,>

Por esta época acompanhava a mãe a todos os concertos a que ela ia; ela muitas 
vezes empreendia para este fim viagens a cidades maiores.

A mãe de Van era uma apaixonada da música e, ao que parece, muito boa 
professora. Van disse uma vez mais tarde: «Eu gostava das lições de piano da 
minha mãe, porque ela nunca

me tratou como uma criança pequena e com a superioridade dos adultos, mas também 
nunca me adulou. Ela dizia sempre exactamente o que pensava da minha maneira de 
tocar».
159­160 A história do músico Van Cliburn, um exemplo especialmente belo de uma 
evolução muito feliz desde tenra idade. A fotografia à esquerda mostra­nos Van 
Cliburn aos 4 anos, a fotografia à direita, o mestre pianista

aos 24 anos

O biógrafo de Van Cliburn, Abram Chasins, acentua que no

lar deste rapaz imperava a atmosfera de «amor e a sensação de comunidade, a 
crença e o entusiasmo», Van Cliburn foi tratado desde pequeno como membro 
integral da família e despertou­se nele a sensação de que era um criança 
«desejada», e que o que fazia era importante e tinha valor.

O leitor lembrar­se­á do que leu nos capítulos anteriores que a Psicologia 
reconheceu como um dos principais fundamentos da evolução psíquica normal, 
justamente esta sensação de ser considerado pelos pais como um ser que tem 
valor.

No caso desta criança temos a situação excepcionalmente feliz de um menino 
prodígio típico ser educado de modo a tornar­se uma pessoa saudável, feliz, 
modesta e afável.

O pai de Van não ficou inicialmente entusiasmado com a

ideia de o filho seguir a carreira de músico. Tentou dissuadi­lo deste futuro 
extenuante e esperava poder interessá­lo pela profissão de médico missionário, 
profissão que ele próprio desejara outrora ardentemente para si. Van era todo 
recusa: «Daddy», exclamava ele, <mão digas isso. Eu quero vir a ser pianista e

nada mais».

Van tinha muitos amigos. O seu aproveitamento escolar era magnífico e devido às 
suas qualidades de carácter era que­
rido. «Van é muito diferente daquilo que se espera destes génios infantis», 
disse um dos seus professores. « Ele é um bom rapazinho ajuizado».

Em 1952, com 18 anos, obteve uma primeira grande bolsa em Nova Iorque; uma das 
participantes do júri disse que não sabia para que ele queria ainda estudar, que 
ele era já um artista feito e só precisava de experiência. Com 20 anos, Van 
Cliburn tocava, tendo Mitropoulos como dirigente, no Carnegie HalI, e

em 1958 obteve o conhecido êxito em Moscovo, onde foi aceite com entusiasmo.

E isto deve bastar. Pois não é naturalmente nossa intenção escrever biografias 
ou seguir a ascensão de um artista até à sua fama. O nosso tema é o êxito ou 
fracasso da vida em conexão com a maneira como esta foi iniciada. O caso de Van 
Cliburn mostra por um lado um início de vida favorecido pela sorte de um grande 
talento, do qual resulta do modo mais natural a autodeterminação aos cinco anos. 
Por outro lado mostra, contudo, o facto feliz deste talento estar inserido num 
ambiente que permitiu desabrochar completamente não só o músico mas também o 
homem, mediante uma orientação digna de admiração.

George Molir e Marian Despres dizem, numa investigação que resume bem os nossos 
conhecimentos actuais acerca do «tempestuoso decénio» da adolescência, que o 
resultado das lutas internas deste período depende essencialmente da maneira 
como o jovem resolve o problema da sua nova vida impulsiva intensiva e da 
maneira como está fixada em si a organização da sua personalidade.

A realização ou o fracasso desta fixação interna, que resulta do encontrar­se a 
si próprio e de se encontrarem as finalidades, foi por nós discutida com tanto 
pormenor, justamente por estas ideias serem em grande medida ainda desconhecidas 
hoje em dia.

Problemas do desenvolvimento sexual dos impulsos

No que respeita à solução do segundo problema, e da nova evolução de impulsos, 
estão mais difundidos os conhecimentos; também em capítulos anteriores já 
falámos mais pormenorizadamente sobre os problemas do desenvolvimento da 
sexualidade. É de notar, contudo, como verificámos já no princípio deste 
capítulo, que apesar e depois de um extenso trabalho de esclarecimento de duas 
gerações, ainda persiste a maior obscuridade no que respeita à maneira mais 
favorável do desenvolvimento sexual da juventude. Se dizemos «mais favorável», 
dizêmo­lo no
sentido da preparação de uma disposição para a sexualidade e o amor de tal forma 
que possibilite o êxito da vida através da realização da felicidade neste campo, 
talvez o mais importante de todos.

Neste campo deparamos ainda com problemas especialmente difíceis que dizem 
respeito à ignorância dos pais, e muitas vezes com uma atitude assustada por 
parte deles, e que está ligada a

esta ignorância, que os faz recuar perante uma explicação adequada com os filhos 
acerca das «questões sexuais». Ainda acontece hoje em dia rebaixarem­se, 
envergonharem­se, amedrontarem­se e assustarem­se crianças ou jovens que foram 
descobertos a masturbar­se, e nos quais uma tal atitude radicalmente errada vem 
a ter as mais desfavoráveis consequências na sua evolução sexual posterior. 
Ainda encontramos muitos casos em que experiências sexuais precoces e 
desfavoráveis, que ninguém ajudou a

criança a compreender, vêm a tirar para sempre a essa pessoa o gosto pela 
sexualidade.

Por outro lado, vemos tanto entre os adultos como entre os jovens uma impensada 
tolerância perante «jogos» mais ou menos acentuadamente sexuais, que por vezes 
degeneram numa promiscuidade sem inibições.

Depois encontramos pais que se agarram rigidamente a princípios pelos quais 
querem preservar os filhos de toda e qualquer experiência. E o resultado ou é 
obediência, e portanto um jovem que recalca em si todos os impulsos e 
curiosidade e que encara

as suas experiências sexuais dentro do casamento com tanto medo como falta de 
jeito. Ou então resulta o contrário: este filho ou esta filha arranjam ligações 
secretas que são acompanhadas de complexos de culpa e provavelmente terminam 
numa

gravidez inesperada.

Verifica­se continuamente que na sociedade ocidental a preparação para a 
maturidade profissional e social se estende muito para além da altura em que as 
necessidades sexuais estão já totalmente amadurecidas e exigem satisfação. Para 
a solução deste problema ainda não se encontrou uma solução universalmente 
válida. Aquilo que a juventude de hoje julga ter encontrado como solução, casar­
se cedo, de certeza que só é a solução correcta em casos excepcionais, como 
aliás se conclui do facto de a esses muitos casamentos efectuados muito cedo, se 
seguirem correspondentemente muitos divórcios.
Alfred Kinsey, cujos estudos de entrevista a um total de
20 000 pessoas deram muito que falar, e que apesar dos seus pontos vulneráveis 
lançaram luz em diversas direcções sobre muitos (faltam aqui duas páginas)
infantis. E assim aprendeu a ler cedo; como a mãe não lhe podia comprar livros 
infantis, leu a bíblia da família de ponta a ponta. Na propriedade do avô 
aprendeu todas            as canções que ouvia os rapazes e raparigas cantar. 
Quando        se julgava sozinha, fazia,

já com seis anos, discursos, proferia sermões às flores e árvores, de pé num 
rochedo.’

Era muito ambie assim se torciosa

nou  uma tão excelente aluna, que o pároco conseguiu para ela uma bolsa para uma

escola superior, a que nessa altura só tinham

acesso os filhos das famílias abastadas.

As experiências que teve neste ambiente formaram os fundamentos do seu futuro 
espírito social demo­
164  Anna  SetIme, a grande pedagoga norue­     crático, assim como guesa, aos 
48 anos ­ no ponto máximo da

sua vida                      também o destino da

mãe contribuiu para que se tornasse defensora dos direitos da mulher. Mas o seu 
interesse principal recaía sobre a escola e o seu amor às crianças. Ensinou 
desde os 17 anos, primeiro em

Drammen, mais tarde em Oslo, para onde foi viver com o marido Johan, depois do 
casamento. Anna casou aos 22 anos com um colega com o qual viveu feliz até à 
morte dele, em 1946. De quatro filhos ­dois filhos e duas filhas­ a filha mais 
velha morreu tuberculosa aos 22 anos, para grande dor de Anna. Os outros três 
eram todos pessoas dotadas, com muitos interesses, vivas, cujo desenvolvimento 
enchia os pais de orgulho. Todos os

três casaram e Anna foi no fim avó de sete netos, que, todos eles, assim como os 
seus filhos, lhe tinham verdadeiro amor.

Devemos mencionar como grande felicidade de Anna o facto de ter um marido que 
reagiu à sua carreira e à sua glória sem crítica e sem ciúme, mas participando 
da admiração geral pela
165­166 Anna SetIme aos 58 anos com o seu marido Johan, e aos 63 anos com a 
autora, em Gudbrandsdalen

sua mulher, sem contudo se deixar entravar na sua própria vida. Johan Sethne era 
um homem que por vezes tendia para explosões de mau génio, mas de resto 
comunicava boa disposição, era afectuoso, de constituição atlética, encontrava 
plena satisfação na sua carreira como professor de ginástica e pai de família. 
As muitas visitas em casa e a forte personalidade e intensiva actividade de Anna 
tinham nele um efeito estimulante e, pelos vistos, não o enervavam, como poderia 
ter facilmente acontecido.

Anna criou para si e para a família, com meios modestos, um lar bonito. Era uma 
mãe amorosa, interessada vivamente por tudo o que acontecesse na família, mas 
também exigindo obediência e diligência. Foram essas mesmas qualidades que a 
distinguiram como professora e mais tarde como directora de escola. Ela foi 
durante 19 anos, até 1938, Directora da escola Sagene, a maior escola primária 
de Oslo, diante da qual o município lhe erigiu, quando ela fez 80 anos, um 
monumento criado por Emil Lie, um dos mais famosos escultores do país. Muitas 
vezes lhe chamavam de brincadeira «Anna Sagene». Numa pintura mural de Henrik 
Srensen, na câmara municipal da cidade, o

retrato de Anna Sethne representa o símbolo da «mãe da escola».

Como «reformadora. da escola da Noruega», Anna começou a sua actividade à volta 
dos 40 anos, começando com a fundação da associação das professoras norueguesas 
(1912) e de um órgão profissional «A nossa escola», em que trabalhou muitas 
vezes durante noites inteiras.
As reformas que realizou desde 1926 com a ajuda financeira do conselho municipal 
consistiam em métodos de ensino nessa altura absolutamente novos. As inovações 
mais importantes foram a auto­educação dos alunos, educação sexual, aulas de 
natação e de trabalhos domésticos, instituição de um psicólogo escolar, visitas 
a museus e instituições, lares no campo, colecções e plantações que as próprias 
crianças faziam, assim como outras medidas, todas com o fim de tornar a escola 
mais viva. Uma novidade total foi a introdução do ensino individual na classe, a 
que dedicou especial carinho e sobre o que editou uma revista própria. Outra 
organização, nessa altura muito pouco frequente na Europa, foi uma associação de 
pais e professores, cujas sessões eram muito visitadas.

Ela foi uma excelente organizadora; eram célebres os seus horários de aulas e 
programas de ensino. A sua escola foi em breve visitada por milhares de 
visitantes de todo o mundo, e

Anna SetIme      tornou­se rapidamente conhecida e considerada

muito para além das fronteiras da Noruega.

As suas inúmeras funções e cargos honoríficos acrescentou­se a sua participação 
activa nos assuntos sociais e políticos. Durante o jugo político da sua

pátria sob os Nazis tomou activa e energicamente parte no movimento de 
resistência; exprimi .a­se corajosamente contra a usurpação da liberdade e 
salvou a vida a muita gente. Entre as suas muitas publicações conta­se hoje como 
a mais importante a sua obra «0 plano normal para a escola primária norueguesa» 
(1935­1938).

Era invulgar o vasto horizonte de Anna. Ela procurou relacionar­se com pedagogos 
e

psicólogos célebres de outros países e convidou­os para congressos e 
conferências, a fim
167 O  busto  da genial «mãe da es­     de poder proporcionar conâcola» 
norueguesa, Anna SetIme,   er­    nuamente novas sugestões ao gue­se diante da 
escola Sagene,  em

Oslo                    Professorado noruegues.
Ao mesmo tempo era uma personalidade absolutamente estável, profundamente 
enraizada na sua amada pátria.

Anna SetIme morreu a 26 de Abril de 1961. O seu funeral foi uma comovente 
homenagem pública ao génio desta grande mulher. Ao lado dos estandartes 
coloridos das escolas, viam­se as bandeiras da Noruega e da Suécia junto do seu 
caixão.

Se observarmos esta existência raramente grande, como que esculpida de uma só 
peça, em conexão com as nossas observações acerca do êxito da vida, então só a 
poderemos designar de invulgarmente realizada. A própria Anna SetIme o sentiu. 
Disse uma vez, já idosa, a um dos seus visitantes: «0 trabalho torna cada dia 
maravilhoso; simplesmente nenhum dia tem as horas suficientes. Mas é aí que está 
a alegria. Eu fui uma mulher feliz.»

Ela não foi só uma mulher feliz, mas também uma mulher amada e admirada. A sua 
filha, uma médica considerada e também ela própria uma esposa e mãe feliz, 
descreve a personalidade da mãe com palavras entusiásticas, sem contudo cair em 
louvores indevidos:

«Anna SetIme», diz ela, «era uma dona de casa excelente que governava habilmente 
a sua casa e a sua família. A sua arte

culinária era grande; o seu sentido para o belo levava­a a ornar P on M

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mentar a casa com quadros, flores e velas. Era uma mãe invulgar, carinhosa, 
cuidadosa mas também exigente, e nunca sentimental. Ela não fechava os olhos 
aos­defeitos dos filhos e exigia obediência, trabalho e vontade de ajudar. A sua 
influência sobre os

filhos foi extraordinariamente grande. Por vezes despertava resistência nos 
filhos, devido a uma certa brusquidão e às grandes exigências que lhes impunha. 
Mas também não poupava louvores e era sempre sincera com eles. Nem uma única vez 
algum dos seus filhos lhe pediu ajuda em vão, quando necessitava dela. Ela até 
arranjava tempo para coser vestidos para as bonecas, e nunca

se esqueceu de um aniversário.

Como hospedeira, Anna era perdulária. Na sua casa encontravam­se políticos de 
todos os partidos, artistas, amigos de toda ,a parte. Nestas reuniões sem 
cerimónias, discutia­se com entusiasmo, muitas vezes calorosamente, encontrando­
se Anna sempre no centro da discussão. Era muito feminina, cheia de «charme», 
não sem «coquetterie», brilhante na conversa, lógica enquanto lhe convinha, 
destemida, estimulante e fascinante. Mas também era capaz de se agarrar, parcial 
e teimosa, a um ponto de vista, com o que por vezes arranjava inimigos. Mas 
também estes respeitavam a sua honestidade, correcção e magnanimidade. Com a 
idade tornou­se mais suave, com o que o seu carácter ganhou um novo traço mais 
precioso ainda.

Ela era uma professora inata. As crianças tinham confiança nela e nunca teve 
dificuldades com a educação. Uma das suas

frases preferidas em relação à educação era: «A ordem não é   ‘ um inimigo da 
liberdade!» Também gostava de citar as palavras de Maria Montessori: «Tem 
respeito pela criação de Deus: a criança». Ela era aliás profundamente 
religiosa, e a sua última palavra, que dirigiu aos próprios filhos, foi «Deus é 
bom».

O monumento que esta mulher erigiu no coração da filha não é, segundo a minha 
opinião, menos grande e menos belo do que o que se ergue diante da escola 
Sagene. Anna Sethne dá­nos a imagem de uma pessoa tão grande como vasta, que não 
falhou em nenhum campo da vida humana nem desperdiçou as suas

energias. A sua vida é uma obra que teve êxito em todas as direcções, como só a 
poucos é dado consegui­lo. É um exemplo flagrante de uma total auto­realização, 
semelhante aos casos que já referimos e que foram analisados por Maslow.

Esta vida atinge de facto o seu cume na expansão criadora, mas inclui também a 
satisfação de necessidades, a adaptação a

condições dadas e uma ordem interna extraordinária. A tarefa de Anna, que se 
estende por muitos anos, tem o seu cume relativamente tarde, aos cinquenta anos, 
e esta é uma forma de criação
característica da estrutura de sistemas espirituais. Na sua vida pessoal, o cume 
deveria recair talvez entre os vinte ou trinta anos, em que fundou a sua família 
e criou o seu lar.

Não se pode determinar o resultado definitivo de uma vida antes do seu fim. Mas 
esta terceira fase média é extraordinariamente decisiva para o êxito final. A 
razão é fácil de ver: para muitas coisas é demasiado tarde, se não estiverem já 
encaminhadas nesta fase da autodeterminação definitiva e do início da formação 
dos resultados da vida. Entre essas coisas contam­se a fixação profissional e 
social, tal como, sobretudo, o casamento

e a fundação da família. Decursos de vida em que tudo isto falhou ou não se 
realizou neste período, terão grandes dificuldades em chegar ao êxito final.

«Leva no tempo devido uma mulher para casa, quando já não estiveres muito longe 
dos trinta: A mulher que floresça quatro anos e que case no quinto!» ­Hans 
Künkel cita o grego Hesíodo, um contemporâneo de Homero. Esta sabedoria, 
encarada sob o ponto de vista psicológico, ainda hoje se poderia aplicar; mas já 
não é em grande parte seguida. Louis 1. Dublin comparou numa vasta estatística 
as idades de casamento nos diversos países segundo os dados de 1940. E verificou 
que nos

Estados Unidos estão casadas 53 % das raparigas de 24 anos, e

que a idade mais frequente de os homens se casarem é 26 anos. Em França passa­se 
pouco mais ou menos o mesmo que nos Estados Unidos, mas as percentagens de 
casamentos nestas idades são mais baixas na maioria dos países da cultura 
ocidental e chegam a baixar ­ na Irlanda e Noruega ­ até 20 %. Para a Alemanha, 
Schelsky relata­nos este facto curioso de serem apenas
13 %. Dublin acha que para as condições americanas a expressão «solteirão 
inveterado» se pode aplicar a um homem de 35 anos; a americana, devido ao facto 
de só uma décima parte das mulheres de 32 anos estarem solteiras, já se encontra 
nesta idade em vias de ser «solteirona».

A frequência de divórcios está em correlação inegável com

o casamento, hoje em dia realizado tantas vezes antes de tempo, devido à 
maturidade precoce. Segundo um vasto estudo empreendido por William J. Goode, em 
Detroit, em 1948, num grupo de jovens mães depois do seu divórcio, a idade média 
dessas mulheres no ano do seu divórcio era de 28 anos; 93 % destas mulheres 
tinham casado com menos de 24 anos, 59 % com menos de 20 anos.

A preocupação de não arranjar marido se se esperar demasiado é, entre as 
raparigas de hoje, mesmo quando trabalham, exactamente tão grande como outrora e 
como sempre. Na clínica psicoterapêutica com raparigas novas é sempre actual 
este tema.
Isto significa, por outras palavras, que o matrimónio, apesar da frequente 
crítica que se faz a esta instituição, é considerado de maneira bastante geral 
como a forma de vida mais desejável. Segundo Dublin, casam na Amé rica nove de 
dez pessoas. Desde
1890 aumentou continuamente o número de casamentos. Contudo a quota de 
casamentos na América é uma das maiores do mundo. Para o período de 1944 a 1948 
teve o Egipto a maior quota, e

encontram­se quotas elevadas também na Finlândia, Israel e Nova Zelândia. 
Algumas das quotas mais baixas encontram­se em alguns países sul­americanos.

Encontramos respostas interessantes à pergunta de porque é que o matrimónio e a 
família são tão desejados, numa observação alemã de Frõhner, Stackelberg e Eser, 
empreendida com a ajuda do Instituto EMNID.

Os autores realizaram em 1954 uma investigação acerca dos matrimónios e famílias 
na República Federal da Alemanha, num grande trabalho baseado em entrevistas e 
considerações socio­psicológicas. O material de investigação foi fornecido por 
cerca de 2000 homens e mulheres entre os 25 e 65 anos que provinham de regiões 
afastadas umas das outras e de núcleos populacionais de diferentes tamanhos e 
que representavam, pelos seus rendimentos, tamanho de família, religião e outras 
variáveis, uma amostra representativa de toda a população.

Entre as perguntas, interessa­nos aqui especialmente a questão acerca do sentido 
da família e das condições básicas do matrimónio. Quase dois terços das pessoas 
interrogadas vêem o sentido mais importante da família numa «boa comunidade de 
vida». Dizem que «pertencem uns aos outros», que têm de trabalhar juntos e 
ajudar­se mutuamente» e coisas parecidas. Pareceu­me surpreendente o facto de 
apenas 24 % indicarem os filhos como sentido principal do matrimónio e da 
família; eu tinha esperado aqui, especialmente da parte das mulheres, um número 
muito maior. Em vez disso, é até um pouco mais pequeno do que nos homens, o que 
é estranho.

Como fundamento do matrimónio indicam 84 % «confiança, amor, respeito e 
fidelidade», isto é, o matrimónio é considerado

como uma ligação pessoal entre dois companheiros de vida. Os autores chamam­lhe 
uma «ligação íntima». Perante os factores citados, são insignificantes quase 
todas as outras condições.

Os autores salientam que destas respostas se conclui a existência de uma nova 
posição perante a família. Para as pessoas interrogadas, o centro é a relação 
pessoal para com o cônjuge e não a família como grupo social. Daí, dizem eles, 
seria mais correcto falar hoje em dia de «matrimónios com filhos», do que
de famílias. Numa comparação com os matrimónios realizados na década anterior a 
1954, Frõlmer e os seus colaboradores encontram um contínuo aumento da 
importância do factor da relação pessoal. Este desenvolvimento da relação 
conjugal é mais decisivo entre os habitantes da cidade do que no campo, e um 
pouco mais forte entre funcionários e empregados do que noutras profissões. No 
campo a família é ainda importante como grupo e instituição.

Aos resultados de Frõhner acerca do significado da «relação íntima», opõe­se de 
certo modo o resultado de uma investigação citada por Schelsky, em que se indica 
com a maior naturalidade «conduta economicamente normal» do cônjuge como a 
qualidade mais desejada, enquanto a «ligação humana» está em segundo lugar.

Apesar da acentuação da relação entre os cônjuges, o conceito de família em nada 
é diminuído no seu valor. Nove décimos dos interrogados têm uma atitude 
decididamente positiva em

relação à família e atribuem­lhe os maiores valores previstos no

questionário. Correspondentemente à maior valoração das relações pessoais no 
matrimónio, também o cônjuge desempenha o

papel principal como confidente, a mulher numa medida ainda muito maior do que o 
homem. As mulheres escolhem para confidente ocasional parentes e amigos, as 
viúvas, como é interessante verificar, escolhem os próprios filhos. 80 % dos 
homens pelo contrário, escolhem as próprias mulheres para desempenharem o papel 
de confidentes. A isso corresponde o facto de, nas discussões matrimoniais, ter 
peso principalmente a personalidade de um dos cônjuges. E este grande papel da 
relação pessoal também fornece, como igualmente Schelsky salienta, um dos 
motivos pelos quais se explica o aumento de divórcios.

Na investigação EMNID, dois terços eram de facto de opinião que se deveria 
dificultar o divórcio, mas é um facto conhecido que o número destes aumenta em 
toda a parte do mundo. Segundo Dublin, o aumento é especialmente grande a partir 
dos anos 40 deste século. A estatística da população dos Estados Unidos conta 
desde então mais de dez divórcios por cada 1000 casamentos por ano. Contudo as 
coisas passam­se de maneira muito diferente nos diferentes países.

No material coligido por William Goode, 82 % das mulheres divorciadas 
interrogadas estão convencidas de que foi correcta a

sua decisão de se divorciarem, e das que voltaram a casar ­e

estas eram mais de metade das divorciadas ­ 87 % consideravam
o seu segundo matrimónio melhor que o primeiro. Mas também neste aspecto 
encontramos posições divergentes.
Como as autênticas vítimas do divórcio consideram­se geralmente os filhos, e 
certamente com razão. Todo o psicólogo clínico conheceu exemplos pungentes, 
neste aspecto. Por outro lado, W. Goode fornece­nos números dos quais se conclui 
que em problemas como aqueles que se podem observar na escola não há 
quantitativamente uma diferença muito forte entre os filhos de pais divorciados, 
ou pais que vivam separados ou juntos ­ o que não exclui que apareçam contudo 
problemas profundos, que talvez não se exteriorizem assim facilmente.

Com estas poucas observações não fizemos naturalmente mais do que indicar alguns 
problemas, uma vez que não é possível tratar aqui deles em pormenor. Mas 
voltaremos a estas questões na parte seguinte deste livro, quando nos referirmos 
à sociedade.

Acerca da homossexualidade

Em ligação com as nossas observações sobre o papel que representam o matrimónio 
e a família, como contribuintes, da terceira fase, para o êxito da vida, 
referir­nos­emos ainda brevemente a uma outra espécie de relação humana, a 
homossexualidade, que hoje parece recrudescer novamente. Dizemos «novamente», 
porque a tendência para a homossexualidade aumentou repetidamente em diversos 
períodos da História, para depois diminuir outra vez.

Esta periodicidade histórica faz com que se conclua que nas épocas em que a 
homossexualidade aparece mais, agem factores que são determinados pela época. E 
se não podemos desprezar por um lado a expressão « correntes da moda», também 
por outro lado teremos de concordar que na homossexualidade se trata de 
necessidades que, até certo grau, estão provavelmente sempre presentes, mas a 
que em certas épocas se dá mais aceitação do que em outras. Desta consideração 
resulta logicamente que as verificações estatísticas acerca do aparecimento da 
homossexualidade só fornecem uma imagem da actividade declarada, e

não uma imagem das necessidades existentes. Mas mesmo assim, são inesperadamente 
altos os dados fornecidos, por exemplo, por Alfred Kinsey.

Kinsey conclui que a homossexualidade masculina, que se

desenvolve a partir de cerca dos oito anos, ascende aos 17 anos a quase 40 % da 
população masculina interrogada, se eleva em homens solteiros a 50 %, e mesmo 
nos casados ainda abrange
20 a 40 %. Devemos contudo encarar a homossexualidade juvenil de maneira 
diferente da homossexualidade mais tardia, visto a homossexualidade da idade 
juvenil ser considerada como um fenómeno de imaturidade.
Os números da amostragem feminina interrogada por Kinsey indicam cifras muito 
mais baixas do que as masculinas. Mas mesmo assim ascendem entre as mulheres 
solteiras a 28 %, e também se encontra uma certa percentagem entre as mulheres 
casadas.

Um grande número de interrogados só acidentalmente ou

por pouco tempo mantivera relações homossexuais, e muitos são heterossexuais, 
que por motivos diversos se entregam a experiências homossexuais. A percentagem 
daqueles que permanecem exclusivamente homossexuais após a adolescência é muito 
pequena entre o sexo feminino, mas é de cerca de 4 % entre o sexo masculino.

Desde as investigações de Freud e da sua escola, supõe­se geralmente que os 
factores constitucionais só em casos excepcionais são responsáveis pela 
homossexualidade; na maioria dos casos são os factores psicológicos que formam 
as bases desta evolução. Mas isto não significa simplesmente que através da 
análise ou da psicoterapia se possa alcançar a transformação em 
heterossexualidade, mesmo que a própria pessoa o deseje ardentemente. Mas por 
vezes conseguem­se essas «curas», se assim o quisermos designar.

O que é importante é saber se o homossexual se aceita a si próprio, ou não, e no 
caso de não se aceitar, quais os motivos que o levam a querer modificar­se. 
Donald W. Cory verifica no

seu interessante estudo sobre os homossexuais na América, que são o desejo de 
ter filhos e a necessidade de relações familiares estáveis os motivos mais 
frequentes que levam o homossexual a modificar­se e a casar. Um terceiro e 
quarto motivos são as

dificuldades de relações contínuas entre parceiros homossexuais * o medo da 
solidão no futuro. A isto acrescenta­se naturalmente * problema da mácula 
social, assim como a facto de em alguns países as relações homossexuais serem 
mais ou menos severamente punidas.

O que é digno de nota, é que também na homossexualidade está em primeiro plano a 
necessidade de um companheiro constante. Da minha própria experiência 
terapêutica com homossexuais, sei que um dos motivos mais frequentes do desejo 
de modificação é o sentimento de infelicidade de ser «diferente dos outros».

Sally, de 26 anos, que encontrámos no início deste capítulo (vide pág. 283), é 
um exemplo neste sentido. Sally provém de um dos bairros de lata de Nova Iorque. 
O seu pai, um trabalhador sem formação profissional, e a mãe, que também traba21
lhava, eram alcoólicos e viviam em discussão e disputa constantes. As crianças 
eram espancadas e viviam abandonadas. Sally mentia e roubava já em pequenita.

Quando o pai se foi embora ­ tinha Sally então nove anos

e a mãe levou para casa um novo «companheiro de vida», Sally foi violentada por 
este. O seu ódio contra os homens cresceu desmedidamente.

Depois de terminar a escola, com 17 anos, conseguiu, mediante a ajuda financeira 
de uma irmã mais velha, mudar­se para outra cidade. Aí encontrou emprego numa 
fábrica e além disso pôde matricular­se como aluna voluntária numa escola 
pública de magistério. Pois o seu desejo mais ardente era progredir e vir

a ser professora.

Mas embora fosse assaz dotada e também de físico suficientemente forte para 
realizar os seus planos, ela era constantemente inibida pelos seus problemas 
pessoais. Estes consistiam por um lado na sua falta de perseverança no estudo, 
segundo no seu modo de vida homossexual acompanhado de sentimentos de culpa, e 
por fim, em terceiro lugar, numa profunda descrença em si própria que tinha a 
sua origem não só na conduta citada mas também no desprezo em relação ao próprio 
passado.

A homossexualidade desenvolvera­se no decurso das relações amistosas com uma 
colega mais velha, que foi a primeira pessoa que tratou Sally com uma 
compreensão carinhosa. Durante a

terapia, Sally, que agora já tinha 26 anos, conseguiu compreender que 
experimentara nessa amiga suave e meiga pela primeira vez a sensação de ser 
amada e protegida, o que ela desejara em vão da mãe ou de uma mãe idealizada. 
Simultaneamente, os seus

impulsos sexuais juvenis estavam já suficientemente despertos para que 
colaborasse no jogo sexual iniciado pela outra, enquanto a ideia de um amante 
masculino apenas provocava nela susto.

Apesar de reconhecer todas estas relações, Sally foi inicialmente incapaz de 
superar o seu dilema. Ela não só tinha complexos de culpa devido a esta relação 
que já durava há anos e devido à sociedade em que entrara por causa da sua forma 
de vida; ela sentia também que a sua conduta de vida não era afinal aquilo que 
ela queria. Mas Sally nem a podia aceitar, portanto defendê­la, nem conseguia 
prescindir dela.
Os seus graves conflitos e o facto de reprovar nos exames, perante os quais 
recuava repetidamente, assustada, pressupondo que não os passaria, deram­lhe a 
desesperada sensação de, neste período decisivo, não encontrar o sentido da sua 
vida.
Sally começa a ver nitidamente o problema do tempo: quando conseguirá sair deste 
emaranhado e chegar àquela maneira de viver que idealiza e considera digna de 
respeito?

O problema do tempo na vida

O facto e o significado do tempo, ao que parece, torna­se consciente nas 
diversas pessoas em períodos diferentes. Assim, pessoas novas muito ambiciosas, 
com fins bem determinados, já fazem cedo uma espécie de horário para a sua vida, 
e tornam­se impacientes se perdem tempo devido a circunstâncias inesperadas. Mas 
duma maneira geral, o tempo, e com ele o envelhecer, só passa a ser um factor 
importante a partir da segunda metade da vida.

A consciência da idade aparece mais cedo entre pessoas de determinadas 
profissões, em que interessa especialmente esta ou

aquela capacidade física de realização. É o caso de certas categorias de 
trabalhadores manuais, assim como da maior parte dos desportistas profissionais. 
Depois é em relação com a fundação da família que se toma consciência do 
envelhecimento: não só porque a capacidade de procriação impõe aqui limites 
relativamente cedo, mas também porque os pais conscienciosos reflectem se não 
começarão a ser demasiado velhos para a convivência com os filhos que crescem.

O tempo que corre torna­se cada vez mais dolorosamente consciente à medida que 
se avança na idade. Martha Moers faz observações subtis acerca das vivências do 
tempo, no seu livro

sobre o desenvolvimento humano: como o indivíduo começa a

dividir a vida em períodos de tempo, como se torna consciente da utilidade do 
tempo, como o tempo passa cada vez mais depressa. Pessoas criadoras falam então 
de querer terminar a

sua obra antes de partir. Outros dirão que no fim esperam ter para si alguns 
anos de contemplação. E depois encontramos muitos que, como ainda veremos, acham 
que são obrigados a

reformar­se demasiado cedo.

Algumas pessoas têm, especialmente na fase média da vida, a consciência daquilo 
a que A. Maslow chama «vivências do ponto culminante»: sentem que estão no cume. 
Ou sentem que vivem este ou aquele momento ú nico, de que se recordarão para 
sempre como ponto máximo da sua vida, Este caso dá­se especialmente com certas 
vivências amorosas ou também certas vivências criadoras, que geralmente se 
realizam na fase média da vida.

Encontrei uma forma trágica da relação para com o tempo no livro digno de nota 
«Strectwalker». É uma obra autobiográfica de uma prostituta anónima. A autora 
deste livro, que dá a impressão de ser autêntico, é uma inglesa, uma rapariga 
que ao que parece abandonou a casa paterna, em que se vivia bem, para seguir o 
seu próprio caminho.

A vivência de tempo desta mulher está em relação com o seu

desenraizamento. Ela diz acerca disso:

«É bastante estranho este desenraizamento durante o dia e durante a noite. Ele 
provém de eu não possuir nada mais do que o conteúdo de duas malas de mão e de 
viver como uma unidade contida em mim, dentro de quatro paredes impessoais e 
estranhas; ele é em si um contraveneno contra a ocupação com o tempo. Eu não 
penso como se passa o tempo, como foi passado ou será passado. Pois tenho medo 
de ver nitidamente como passo o meu tempo. Tenho medo de olhar para diante, 
porque temo ver

um nada. Temo olhar para diante, para não olhar para um nada. Cerro os meus 
olhos a tudo que não seja o presente imediato, para que não encontre, também no 
hoje, nada. E não ouso olhar para trás para que tudo o que eu perdi não apareça 
diante de mim e me venha lançar na perturbação. Tenho de me concentrar

unicamente no mais pequeno momento presente, para não ver

que para mim não há nada nas estrelas e nada no decorrer das horas de cada dia».

Se compararmos este trágico panorama de perda de tempo nesta existência 
desenraizada com a palpitante vivência de tempo de Anna Sethrie, que diz: «Cada 
dia é maravilhoso através do trabalho, somente nenhum tem horas suficientes», 
reconhecemos os extremos que a existência humana pode abranger.

Actividade e finalidade de vida, enraizamento e tempo encontram­se na vida 
humana numa estreita relação. Allport, Bruner e Jandorf, que estudaram as 
características de personalidade de
90 exilados da época nazi, encontram em todos eles a tendência de se agarrarem 
com certa obstinação às finalidades e actividades antigas, apesar dos perigos a 
isso ligados e da sua inutilidade. Isto provém do facto de nós vermos em grande 
parte nas finalidades do nosso agir o nosso próprio Eu (Selbst).
Actividade profissional e actividade recreativa

Os problemas do tempo assim como os da idade estudam­se hoje pormenorizadamente 
em conexão com as questões da actividade profissional e da actividade 
recreativa. Muitos investigadores ocupam­se com as suas funções na vida do 
indivíduo e com

o seu papel na sociedade. É especialmente o problema da duração satisfatória do 
tempo livre e do seu aproveitamento sensato que
está no primeiro plano de muitas investigações, que são sobretudo determinadas 
pelo facto de o moderno trabalhador da indústria encontrar pouca satisfação na 
sua profissão.

Anne Roe, que se ocupou de um modo especialmente intensivo das questões da 
psicologia da profissão, fala­nos no seu

livro do ano de 1956, dedicado a este tema, acerca do desejo de mudar de 
profissão. Os resultados são quase unanimes: cerca de dois terços dos 
trabalhadores escolheriam outra profissão se pudessem recomeçar de novo, 
enquanto de entre os componentes de grupos profissionais «melhores», menos de um 
terço exprime uma insatisfação semelhante.

Reconhece­se hoje em geral a gravidade do problema de o trabalho e a profissão 
serem em tão grande medida insatisfatórios, uma vez que preenchem a parte 
principal da vida humana justamente na fase média da vida. E é por isso que se 
trabalha em vastos círculos na solução do segundo problema, relacionado com o 
primeiro, isto é, numa utilização proveitosa e humanamente satisfatória do tempo 
livre. Mas, apesar de muitos esforços, parece estarmos por enquanto ainda muito 
longe de uma tal solução para o tempo livre. E ainda se lhe acrescenta o 
problema desmoralizante do desemprego que, nos períodos de chamada ocupação 
total, ameaça sobretudo os empregados à volta do fim da terceira e da quarta 
fases da vida (45 a 60 anos).

Para termos uma ideia clara do papel temporal do trabalho na vida do homem 
moderno, poderá ser­nos útil uma tabela por nós simplificada, que Sebastian de 
Grazia constituiu em 1954 para uma emissora americana, baseando­se em 
questionários a

um grupo representativo de americanos. Ela foi publicada numa forma mais 
desenvolvida num livro editado por Robert Kleemeier e cujo tema é 
«Envelhecimento e Tempo Livre».

Estes números talvez não digam muito de novo a ninguém, mas servem para pôr­nos 
um problema drástico diante dos olhos: a maioria das pessoas passa, durante a 
parte principal da sua vida, metade do dia trabalhando. A maioria das pessoas só 
restam poucas horas livres ao lado das outras actividades necessárias à vida. 
Mas como há­de então ser possível levar a vida ao êxito, se o trabalho não 
satisfaz sob qualquer ponto de vista? Eu pessoalmente acho por isso impossível 
criar a sensação do êxito apenas com base das horas livres. A mesma opinião leva 
muitos a ocuparem­se em teoria e na prática com as questões da motivação, que 
também aqui nos voltam a aparecer.
Entre os muitos trabalhos neste campo, parece­me especialmente interessante um 
estudo muito aprofundado de Herzberg,
ACTIVIDADES

em média de um dia de trabalho

de 17 horas

H O

1 dado

20­49

M E N S

ld de

ao’

50 e mais

velhos

M U L

Idade

20­49

H E R E S

1 dade

so e mais

velhas

No lugar de trabalho ou na escola

7,1

5,2

2,O
1,3 horas

A caminho

1,5

O,9

O,6

O,4 horas

Compras

O,1

O,1

O,4

O,3 horas

Restaurante, cabeleireiro, visitas a

amigos e parentes

O,8

O,6

O,5

O,4 horas

Igreja, desporto, divertimentos         1

O,3

O,2   1

O,4  1
O,4 horas

1 FORA DE CASA                1

9,8

7,O   1

4,3

3,1 horas

Trabalhos domésticos ou trabalhos

em casa

O,8

1,2

4,2

4,O horas

Refeições e preparação de comida

1,2

1,4

2,5

2,3 horas

Vestir, banho, etc.

O,6

O,6

O,9

O,6 horas
Ocupações durante o tempo livre,

inclusive ler

2,8

4,6

3,3

4,8 horas

Dormir  (além de 7 horas de sono nocturno)

1,8

2,2

2,2 horas

11 EM CASA                     1

7,2

10,O   1

12,7  1
tudo importante o ordenado, depois a política administrativa da firma para a 
qual trabalham, a maneira como são manejadas a vigilância e as relações 
pessoais, e finalmente as condições físicas de trabalho.

Se considerarmos estes resultados relacionando­os com a nossa teoria das quatro 
tendências básicas, chegamos ao seguinte resultado: no primeiro grupo encontram­
se sem dúvida aqueles cujas tendências prevalecentes são ou a expansão criadora 
ou

uma atitude em relação à ordem interna que satisfaça a consciência. Pessoas com 
estas tendências básicas são em regra fortemente motivadas para o trabalho. 
Encontram a sua auto­realização no trabalho. Podemos falar aqui de motivação 
primária.

As pessoas menos interessadas no trabalho como tal são pessoas cujas 
necessidades pessoais ou de adaptação têm de ser

satisfeitas directa ou indirectamente pelo trabalho, se quiserem estar 
satisfeitas com este. Um bom ordenado e boas condições de trabalho servem para a 
sua satisfação de necessidades, quando a actividade em si não lhes proporciona 
nenhum prazer de função. Condições sociais e de política interna das empresas 
que sejam favoráveis, que venham ao encontro das suas necessidades de adaptação, 
fornecem­lhes as relações pessoais que os satisfazem e que lhes tornam 
suportável o trabalho. A sua motivação para o trabalho é portanto determinada 
por factores secundários. Dinheiro para adquirir comodidades e relações sociais 
para a

obtenção de segurança e «sentimento de pertença» é o que é importante para estas 
pessoas. Em graus economicamente mais elevados no que respeita a ordenados, 
acrescenta­se a isto ainda a necessidade de possuir categoria e influência. A 
auto­realização processa­se portanto aqui de maneira totalmente diferente: não é 
através da criação de obras mas através de liberdade de disposição materialmente 
e socialmente lograda.

Alguns trabalhos modernos sobre as condições mediante as quais se pode dar 
satisfação geral àqueles que trabalham na

indústria, chegaram a conclusões que correspondem a estas considerações. Bons 
ordenados e uma certa comparticipação na empresa, não só se recomendam hoje em 
muitos sítios, mas até se adoptam na prática.

Talvez este seja um procedimento adequado, não só para aqueles que têm uma 
motivação primária para o trabalho, mas
também para aqueles que se entregam à profissão com motivos secundários, na 
medida em que os ajuda a encontrar na profissão uma satisfação que contribui 
para o êxito da sua vida.
9. CLIMATÉRIO E BALANÇO DA VIDA

Em todas as épocas e já desde cedo o homem faz a sua autovaloração e ajuiza 
acerca de si próprio. Mas esta atitude nunca atinge um plano tão fundamental 
como no período do climatério.

Naturalmente que a palavra climatério diz respeito rigorosamente só ao sexo 
feminino, uma vez que o fim da capacidade procriadora masculina se dá 
normalmente muito mais tarde e sem os fenómenos característicos que acompanham a 
mudança de idade feminina. Apesar disso muitos psiquiatras escreveram

sobre o «climatério do homem», um período que não implica necessariamente o fim 
da capacidade de procriação mas em que se manifestam contudo muitas 
características psicológicas que na mulher seriam designadas por climatéricas.

A expressão é portanto de aplicação mais simbólica do que directa, e isso tanto 
mais quanto pensamos num período que é muito mais extenso do que aquele que 
corresponde à mudança de idade. O climatério é nesta medida um símbolo adequado, 
porque neste período, embora não se perca, pelo menos retrocede a importante 
dimensão vital da capacidade procriadora. Este e

outros fenómenos que revelam a decadência de capacidades anteriormente 
absolutamente formadas, advertem o fim da vida que se aproxima como uma 
realidade até agora não encarada de frente.

No capítulo sobre o desenvolvimento chamámos a atenção para o facto de a maioria 
das funções físicas e espirituais sofrerem uma diminuição nítida a partir dos 50 
anos. Isto é naturalmente uma regra média que não se poderá aplicar sempre aos 
casos individuais, o que deve ser tanto mais considerado quanto com a actual 
tendência para o prolongamento da vida se verificam em muitos casos também 
funções melhor conservadas e uma capacidade prolongada de produção e realização.

A revista americana «Time» apresentou no ano de 1958 aos seus leitores um número 
surpreendente de personalidades de idade avançada, que gozavam não só de boa 
saúde mas também de invulgar força criadora e em muitos casos ainda de um óptimo 
campo de realização. O semanário alemão «Die Zeit» apresentou dois anos mais 
tarde um relatório semelhante. Falaremos no capítulo seguinte destas pessoas de 
65 a 90 anos que ainda se

mantêm activas. Agora ocupar­nos­emos do grupo de idade compreendido entre os 45 
e os 65 anos.
Considerámos o período entre mais ou menos 25 anos e
45 anos como período médio da vida, no qual normalmente o
adulto se fixa com uma autodeterminação definitiva. É pouco mais ou menos a fase 
da maturidade adulta, apesar de em muitos casamentos que se realizam cedo e 
muitas ascensões profissionais que se dão cedo, esta maturidade aparecer 
antecipada. A maioria das vivências culminantes, como as descreve por exemplo 
Maslow, pertencem, pelo menos na nossa época, à fase compreendida entre os 
trinta e quarenta.

Isto é evidentemente diferente do que era há apenas uma

geração atrás. A mulher de hoje sente­se aos quarenta anos no ponto máximo da 
sua vida; a sua sexualidade e a sua participação activa na vida muitas vezes só 
agora desabrocham totalmente. Pelo contrário, na geração anterior, uma mulher de 
quarenta anos considerava­se como envelhecendo, e se recuarmos

mais uma geração, então vemos que uma mulher dessa idade era considerada velha, 
uma «matrona digna». A palavra envelhecer tem, como o diz bem Erich Stern, um 
sabor negativo. Outrora falava­se da «graciosa» juventude, que hoje se considera 
geralmente como um período cheio de problemas e muitas vezes não muito feliz. A 
palavra «jovem» tem hoje um outro significado, e não só para a mulher: o homem é 
considerado jovem até cerca dos quarenta, e na realidade, na maior parte das 
vezes, é só à volta dessa idade que começa a conquistar o campo de acção que 
deseja.

Esta sensação de se encontrar no cume aos trinta, mais ainda aos quarenta, pode 
sofrer uma viragem gradual ou súbita no decorrer dos quarenta ou início dos 
cinquenta. Esta viragem poderá fazer­se anunciar como vivência de fracasso e de 
cansaço ou como vivência duma crise da vida, como antes só se observa com a 
mesma intensidade durante a puberdade. Assim como na puberdade o indivíduo é 
posto perante uma missão por vezes demasiado difícil, pelo domínio dos novos 
impulsos que despontam e dos novos problemas de vida que surgem, durante o

climatério é­o justamente pela perda ou diminuição das potencialidades internas 
e externas.

É a idade em que começa     a aumentar fortemente o número de suicídios. Segundo 
Dublin,   mais de metade das mulheres e

quase dois terços dos homens    que se suicidam têm 45 anos ou mais. Segundo 
uma estatística americana de 1948, a curva dos suicídios femininos atinge o seu 
ponto máximo no grupo de idade de 45 a 55 anos; entre os homens a curva vai 
aumentando até à idade avançada.

Norman Farberow e Edwin Slineidinan dedicaram profundos estudos ao suicídio e 
simultaneamente observaram os motivos que levam ao suicídio, seguindo as 
sugestões que fornecera o
célebre psiquiatra Karl Menninger na sua obra «0 homem contra si próprio». 
Menninger indicara o ódio, a culpa e o desespero como os prováveis motivos 
principais. Farberow e Shneidman analisaram as cartas e as notas deixadas por 
suicidas; a maioria destes suicidas recaía no grupo de idade compreendida entre 
os 40 e 60 anos. O que estes assim como os suicidas mais novos

revelam, trai sobretudo ódio e culpa. O desespero é um
180                                   motivo que aumenta à me­
160­   Homens                         dida que a idade avança.

Mulheres ­ ­ ­ ­ ­                  Os complexos de culpa

devido a perdas ou erros

0120

irreparáveis ganham o seu U                                    1  carácter 
crítico neste perío­
O
8100 Il do, ao que parece devido

‘0 80 ­                                 a coincidirem temporalmente com a 
depressão causada a. 6o ­                                 pela diminuição das 
forças

40 1    Doenças

e capacidades.
20                                         Na mulher é a perda

Casos de morte                   da capacidade procriadora

M om

ns

ros

D  nç
Ca@.s  de morta

­ ­ ­ ­ ­ ­­             que  constitui uma vivência o   10  20  30  40  50 
.50 70  80

Idade                especialmente drástica. A
169  Número  de pessoas que estavam   mudança de idade feminina doentes no dia 
da contagem e que mor­ situa­se, como o mostram reram no ano de 1950 nos Estados 
Uni­ bastante unanimemente diA 1 A A­@ D 1,1; T­T 1+1, D + \

os a m    ca. ( u c ea    epor s

versas estatísticas, principalmente no período compreendido entre os 40 e os 55 
anos, parecendo situar­se a maioria entre cerca de 47 e 49 anos.
Este fim da capacidade de procriação não significa contudo uma diminuição ou um 
fim do interesse sexual, mas muitas mulheres sofrem com o facto de não poderem 
ter mais filhos.

É também bastante considerável o número de doenças graves, não raramente 
crónicas, e que muitas vezes dificultam grandemente a capacidade de trabalho e o 
bem­estar. A partir dos 45 anos dá­se um rápido aumento de doenças mortais em 
que desempenham o papel mais importante as doenças cardíacas, o cancro, a 
arteriosclerose (e além disso acidentes). As doenças cardíacas, hoje a mais 
frequente causa de morte, são, segundo Dublin, responsáveis por cada décimo caso 
de morte entre os 15 a 24 anos; relativamente aos grupos de idade a curva vai 
subindo constantemente: entre os indivíduos de 25 a 44 anos já as doenças 
cardíacas ocupam 25 % dos casos de morte, entre os de
45 a 64 anos a metade, e entre os de mais de 65 anos dois terços.

A rápida subida dos números de doença à volta dos 50 pode

ver­se no gráfico junto.

Edward Stieglitz chama a atenção para algumas particularidades dignas de nota 
das doenças das pessoas idosas. Ele diz que nas doenças dos velhos não se revela 
como responsável uma

causa única ­ como entre os jovens ­, por exemplo uma infecção ou coisa 
parecida. Antes normalmente existem uma série de perturbações juntas. E isto é o 
caso mesmo nas doenças graves e quando os sintomas são específicos. Ele fala 
portanto de uma
«etiologia múltipla» na idade avançada. Também Allan Vogt, que fez os seus 
estudos num asilo de velhos de Basileia, fala de uma «inter­relação e 
sobreposição dos diversos processos» na patologia da idade avançada.

Por vezes também pessoas jovens se ocupam com o problema da morte, mas 
geralmente é devido aos fracassos, que começam neste período de vida, que se 
encara o facto da morte que nos

espera. «Ninguém começa realmente a viver, até que não tenha estado perto da 
morte», diz Jesse Stuart, um poeta contemporâneo, depois de um ataque cardíaco 
quase mortal.

Feliz é aquele que na quarta fase, a penúltima fase da vida, não tem maiores 
preocupações do que o desejo de poder terminar ainda uma obra da sua vida. 
Assim Albert Schweitzer escreveu, aos 56 anos, no seu trabalho como médico em 
Lambarene:

25  30  35  40   45  50  55  60  65  70  75   80 85

170­171 Thomas A. Edison recebeu pela sua invenção um total de 1086 patentes. A 
partir do número de patentes concedidas, pode­se traçar a curva de realizações 
do grande inventor, que acima reproduzimos, e que, como no caso de muitos 
artistas, técnicos, empreiteiros e comerciantes, atinge o seu ponto máximo no 
meio da

vida. (Segundo H. C. Lehrnan)
«Quanto conseguirei ainda terminar do trabalho que me

propus? O meu cabelo começa a embranquecer. O meu corpo começa a ressentir­se 
dos esforços que exigi dele e a sentir os anos. Reconhecido, olho para aquele 
tempo em que sem ter de poupar as minhas forças podia trabalhar sem descanso 
tanto física como espiritualmente. Tranquilo e humilde olho para o

tempo que virá, para que a renúncia, se ela me estiver destinada, não me 
encontre desprevenido».

Mais do que em qualquer outra fase da vida se separam visivelmente nesta fase os 
caminhos daqueles que sem dúvida ainda têm um futuro, dos caminhos daqueles que 
não podem pensar com esperança no seu futuro. Para muitos que agora terão de 
carregar dolorosamente com sentimentos de pesar e de culpa devido às ocasiões 
perdidas, ao tempo desperdiçado, a

decisões erradas e a uma vida errada, é demasiado tarde para recomeçar algo de 
novo e poder remediar o passado.

«Vivemos do passado» e «sucumbimos pelo passado» ­são duas sábias frases do 
grande conhecedor do homem que foi Goethe. Goethe aponta aqui um duplo facto: 
que por um lado vivemos daquilo que erigimos no passado, mas que por outro lado 
o nosso passado também nos destrói.

E justamente uma das muitas missões impostas ao indivíduo, é a de se ocupar 
tanto do seu passado como do seu futuro e dominá­los a ambos, da maneira mais 
construtiva para a sua

vida. E quanto mais velho o homem for, tanto mais difícil se

torna a solução deste problema. Perder totalmente de vista o

futuro significa deixar­se morrer. Mas também pode dar­se o

contrário: que a ocupação com o próprio futuro, que vai sendo mais curto e 
insignificante, tome proporções cada vez mais gigantescas e por vezes sem 
sentido.

A questão que se põe é, portanto, como nesta fase de transição da vida ­ em que 
para muitos começa a desaparecer o significado do próprio futuro ­ a pessoa 
conseguirá arranjar para a vida um sentido que lhe permita participar ainda 
activamente nela em
vez de apenas passar o tempo a esperar pelo fim. Ainda nos

teremos de ocupar mais pormenorizadamente desta questão. Agora, ao falar do 
papel que desempenha o problema do futuro, basta a referência de pessoas idosas 
que se inseriram bem no seu ambiente e muitas vezes, por isso, armazenaram um 
material de ocupação com o futuro cheio de sentido, desabrochando na

preocupação pelos problemas do futuro dos outros. Desde a avó que cuida do 
desenvolvimento e crescimento dos netos até àquele que trabalha intelectualmente 
e participa nas questões de
uma futura configuração do mundo, existem muitas formas de participar, com idade 
avançada, na vida que cresce.

Parece­me contudo mais difícil o período de transição, em que a própria vida 
ainda impõe missões de futuro. No aspecto individual é extraordinariamente 
divergente o tempo de duração deste período de transição.

Carl Jung era de opinião que isto dependia em grande medida do tipo de 
personalidade. Ele distingue um homem introvertido, orientado para dentro, e um 
extrovertido, dirigido para fora, e

acha que o primeiro tipo tenderia mais a ocupar­se com o passado, enquanto o 
segundo se ocuparia de preferência com

o futuro.

Embora se reconheça geralmente a importância da distinção destes dois tipos 
humanos e das tendências provavelmente inatas numa ou na outra orientação, creio 
contudo que existem razões muito mais complicadas quando uma pessoa se ocupa de 
preferência do passado e outra, pelo contrário, pensa principalmente no futuro. 
Assim, por exemplo, a pessoa criadora está sempre orientada para o futuro, 
porque, como diz Albert Schweitzer, quer terminar a sua obra e prepará­la para 
que produza os seus

frutos no futuro. O facto de se tomar intensamente em consideração o passado, 
também é, em parte, condicionado culturalmente; esse facto desempenha um papel, 
por exemplo, no que respeita ao cultivo de tradições e costumes.

Enquanto o homem que vai envelhecendo vive normalmente em visão retrospectiva, 
para o neurótico o passado transforma­se cada vez mais num peso interno. O caso 
de Ben oferece­nos um exemplo de um homem de cinquenta anos que sucumbe devido

ao seu passado.

Ben, um comerciante, sem filhos, duas vezes divorciado após curtos matrimónios, 
tinha 50 anos quando veio para a psicoterapia. Estava gravemente deprimido, 
sofria de cansaço e dores de cabeça e além disso estava desde há pouco tempo 
impotente; vivia a sua vida bastante solitário e sem relações sociais. Era 
suficientemente inteligente para compreender por si próprio que

a sua depressão era resultado da sua existência vazia de sentido, de que se 
sentia culpado. Sentia que passara a sua vida ansiando obter coisas sem valor e 
que fizera muita coisa em que não acreditava. Diversos pequenos negócios que 
possuíra tinham sido começados todos sem convicção e não tinham levado a nada. 
As duas mulheres com quem casara, não o ligavam nem amor

nem compreensão; na primeira foram os encantos físicos, na

outra a aparente capacidade para os negócios que o fizeram tomar a decisão de 
casar.
A única coisa que ele teria querido fazer realmente com entusiasmo, isto é, 
escrever, nunca a tentara seriamente. Afirma que não considerara o seu talento 
suficiente. Apesar disso, confessa que dois contos que escrevera rapidamente 
haviam sido imediatamente publicados e tinham tido «boa aceitação».

A esperança só semiconfessada com que veio para a Psicoterapia talvez fosse a de 
libertar­se para a ansiada actividade de escritor e também a de conseguir a 
coragem de iniciar tal carreira, agora que na realidade era já demasiado tarde 
para isso.

Ele também percebera já que a sua impotência estava igualmente relacionada com o 
seu fracasso espiritual e humano e

com a sua falta de consideração por si próprio.

O caso de Ben tinha naturalmente uma longa história, com

uma infância infeliz, um pai duro e sem amor e uma juventude estragada pela 
rebeldia, por abandonar a escola antes de tempo e fugir da casa paterna. Toda a 
vida de Ben ficou determinada pela rebelião e um dos benefícios reais do seu 
tratamento foi ter­lhe possibilitado libertar­se do seu complexo em relação ao 
pai e do seu ódio, e sentir amor.

E assim seria possível alcançar­se ainda um resultado positivo através de uma 
relação feliz com uma mulher, relação agora fundamentada numa base mais 
profunda. Mas no campo da criação de obras era demasiado tarde para conseguir a 
concentração e profundidade necessárias para pensar e escrever. Talvez que o 
acidente de automóvel que Ben sofreu aos 52 anos não fosse tão casual como 
poderia parecer. Ele pôs um fim generoso a uma vida de que perdera toda a 
esperança.

No caso de Ben o homem, como diz Gerhard Pfeiler, tornou­se escravo, em vez de 
senhor, do seu passado, ou antes, ele sucumbe ao seu passado, que o destrói.

Se neste neurótico se tornou impossível uma evolução, devido à rigidez e 
incapacidade de uma transformação suficiente, em

casos de psicopatia grave é ainda mais radical o malogro da vida com o avançar 
do tempo. Ludwig Binswanger apresenta num livro fascinante sobre «Extravagância, 
Excentricidade e

Afectação», três formas de existência falhada.
De resto, o aumento crescente de doenças mentais no sentido mais estrito não se 
dá neste período, mas depois dos 65 anos. Contudo as esquizofrenias começam 
vulgarmente muito mais cedo, frequentemente já na adolescência.

Para uma evolução propícia dentro e após o período do «Climatério» é necessária 
sobretudo flexibilidade. Helmut von Bracken fala de um fenómeno a que chama 
mudança de estru­
172­173 O grande arquitecto Richard Neutra e uma das suas construções que lhe 
trouxeram fama mundial

tura. Com isto quer dizer que as pessoas de idade avançada realizam tarefas por 
outras vias e mediante outras funções diferentes das pessoas mais jovens. @É 
certo que a rapidez de reflexos, a

memória e outras funções deixam de funcionar tão bem. Mas

no seu lugar aumenta a experiência e a confiança. William Stern definira já há 
muitos anos a inteligência como capacidade geral de adaptação a novas missões e 
condições da vida. Esta flexibilidade espiritual, e por vezes também física 
relativamente grande, distingue todos aqueles que permanecem ainda capazes de 
realizar altas tarefas numa idade avançada.

Mas antes de falarmos das verdadeiras realizações da idade avançada vamos 
terminar este capítulo com o exemplo de breve biografia de um homem que 
conseguiu, apesar das desilusões e da doença, superar propiciamente os anos de 
crise à volta dos cinquenta e sessenta anos e manter­se até alcançar um êxito 
extraordinário e até fama mundial.

O exemplo é a carreira do grande arquitecto Richard Neutra que nasceu em Viena 
em 1892, e que em 1923, depois da primeira guerra mundial, em que tomou parte 
activa, emigrou para os

Estados Unidos. Recebera a sua formação na escola Superior de Viena e de 
Zurique, mas, depois da sua chegada a Nova Iorque, começou imediatamente com o 
estudo intensivo dos métodos americanos de construção.
Desde a sua instalação em Los Angeles, no ano de 1925, trabalhou durante 38 anos 
ininterruptamente, sem ter férias, contudo com um entusiasmo sem fim e 
continuamente acompanhado pela sua mulher Dione, digna de admiração. Ela, que 
era suíça, música e mãe de três filhos, renunciou altruisticamente à sua

própria carreira e acompanhou Richard Neutra como secretária e conselheira nas 
suas muitas viagens e nos seus inúmeros empreendimentos, ajudando­o sempre.

Durante muito tempo Neutra não encontrou a consagração esperada. Só ao fim dos 
quarenta anos teve êxito. Contudo superou todas as desilusões e dois ataques de 
apoplexia graças à sua tenacidade e energia. Hoje, com 70 anos, depois de ter 
vencido o período de crise da sua vida, fala com entusiasmo do seu trabalho e 
das suas finalidades no futuro.

10. A PROBLEMÁTICA DA REALIZAÇÃO NA IDADE AVANÇADA E NA MORTE

Em geral é aos 65 anos que hoje em dia se realiza a reforma. Porque a lei obriga 
a tal, entra­se na aposentação e recebe­se a reforma ou uma pensão. E com isso 
começa oficialmente a verdadeira idade avançada.

Ainda não há muito tempo terminava frequentemente muito mais tarde a pertença 
àqueles que se encontram no processo de trabalho. O encurtamento desta data 
significa que a aposentação atinge prematuramente não só os que são ainda muito 
robustos, mas para além deles ainda a média dos que estão ainda no meio dos 60 
anos. Isto conclui­se de muitas observações feitas em reformados. A lei 
representa neste aspecto uma medida fundamentada mais social e politicamente do 
que psicologicamente justificada. Ela é de certo modo até absurda, uma vez

que se situa numa época em que, graças aos progressos da higiene e da medicina, 
se prolongaram extraordinariamente a

duração da vida e a energia criadora. E por isso, por toda a

parte ouvimos manifestações de insatisfação acerca da aposentação imposta, 
especialmente por parte de todos aqueles que não são capazes, por estas ou 
aquelas razões, de arranjar uma

ocupação suplementar vantajosa.

Por ocasião de um vasto estudo de entrevistas que B. D. Kutner e os seus 
colaboradores realizaram em 1956 junto de reformados americanos, verificou­se 
nestes uma frequente perda de moral. Numa cultura tão fortemente organizada em 
função da acção, como a nossa, a pessoa excluída da competição e da situação de 
ganhar dinheiro não raramente se sente supérflua
e um peso para os outros. E é na realidade difícil de manter, agora através de 
outras actividades, a autoconsideração que estava ligada com o ganho de dinheiro 
e um lugar fixo, a não ser que seja através dos cargos honoríficos ou dignidades 
de algum peso. Estas são concedidas muitas vezes aos velhos nas sociedades 
«primitivas» dos povos que vivem em contacto com a natureza. Também na nossa 
sociedade existem certos cargos honoríficos destinados às pessoas idosas. Mas 
pelo facto de muitas tarefas outrora voluntárias, como a beneficência, a 
assistência social, a assistência aos doentes e outras semelhantes terem 
evoluído cada vez mais no sentido de actividades profissionais, até as próprias 
possibilidades de uma acção caritativa são hoje limitadas.

174­176 Tintoretto chegou aos 76 anos. Pintou «As Bodas de Caná», à direita em 
cima (S. Maria della Saluto, Veneza), em 1561, com 43 anos; começou a pintar «A 
última ceia» (S. Giorgio Maggiore, Veneza) em 1591, quando tinha 73 anos; 
trabalhou nesta obra até pouco antes da sua morte. Também o auto­retrato é dos 
seus últimos anos de vida

22
Cada vez também se reconhece mais a importância extraordinária que tem o 
problema da ocupação das pessoas idosas, e assim esta questão levou, 
simultaneamente com a questão da segurança económica das pessoas de idade, a 
estudos científicos, que aliás ainda não revelaram nenhuma solução real de maior 
envergadura.

Um dos principais problemas psicológicos da pessoa que envelhece, que já não tem 
tarefas determinadas a realizar, é a

distribuição satisfatória do seu tempo. O dia de trabalho tem um ritmo natural; 
o dia dos reformados não. Entretenimentos e «hobbys» não conseguem geralmente 
substituir este ritmo. Representam um passatempo, mas raramente uma utilização 
do tempo capaz de satisfazer a consciência de tarefa. É difícil libertar­se da 
disciplina da vida de trabalho. Para as mulheres que continuam a ocupar­se da 
sua casa como dantes, a mudança é menos

profunda do que para o homem ou para a mulher que exerce uma profissão.

E assim muitas, se não a maioria das pessoas, vivem o fim da sua vida 
profissional como uma renúncia cuja gravidade elas muitas vezes não conseguiram 
prever, e isso apesar de todas as anteriores lamentações acerca das dificuldades 
e fadigas da profissão.

«Antigamente esperava com uma alegria extraordinária a

minha reforma», diz um funcionário que A. L. Vischer cita nos

seus estudos subtis acerca da «Mutação anímica no homem idoso». «Mas quando 
chegou realmente o meu ú ltimo dia de trabalho e me despedi dos meus colegas de 
ofício, senti em mim e ao meu redor um vazio desconhecido. De repente despertou 
em mim a pergunta «E agora?». Lembro­me muito bem dos sentimentos contraditórios 
com que deixei a repartição e me dirigi para casa. Tudo me parecia diferente, as 
ruas, e casas que me eram familiares, as pessoas, tudo me parecia estranho.»

O homem aqui citado superou o «escolho» diante do qual se encontrava. Ajuda a 
mulher nos trabalhos domésticos, «até» vais às compras, dá uma ajuda no Banco, 
visita reuniões sectárias, lê, faz poesia, passeia e frequenta o teatro. Agora 
nunca mais quereria voltar para o seu antigo escritório.

Mas, como dizia e muito bem a Vischer o chefe do pessoal de uma empresa 
industrial: «Não se podem criar «hobbys». Só se podem aperfeiçoar aqueles que já 
existiam». Por isso estão em melhores condições aqueles que já antes se 
dedicavam ao jardim ou a trabalhos manuais e quaisquer outras pequenas 
ocupações. Bill Roberts, cuja vida descrevemos (vide págs. 308 e segs.), é um 
reformado feliz. Cultiva rosas no jardim, juntamente com a mulher, executa 
constantemente melhorias e embelezamentos na sua casa, arranja todos os 
brinquedos e bicicletas dos seus nove netos, vai a reuniões sectárias e visita 
parentes.

O que é importante é o facto acentuado por Vischer, de na

reforma se perder uma parte do Eu social (primeiramente definido por William 
James). Abandona­se um papel principal no mundo, com o que está implicada 
necessariamente uma perda de significado social.

«0 que mais me custa», diz um chefe de empresa a Vischer, «e mais me preocupa 
desde que fui reformado é o facto de me
ter tornado tão insignificante. Há menos de meio ano eu era ainda o segundo 
homem da firma, olhavam para mim de baixo, as minhas palavras eram decisivas em 
relação à gerência dos negócios, eu era assediado com tantas coisas. Como é 
diferente agora. Quando há pouco tempo tive de procurar o meu sucessor na firma, 
a minha ex­secretária, minha colaboradora de muitos anos, que me era muito 
afeiçoada e para a qual a minha opinião significava a última palavra, mal me deu 
atenção; já o porteiro me cumprimentara muito superficialmente.»

Pelo facto de os cônjuges reformados passarem demasiado tempo juntos, surgem 
entre aqueles que não estão estreitamente ligados discussões que outrora eram 
evitadas. Não é raro que justamente após a reforma se dê um envelhecimento que 
leva a

um fim de vida precoce. Um tal fim pode vir a quebrar lamentavelmente o êxito 
definitivo de uma vida.

Pelo contrário, são felizes aquelas pessoas que podem levar realizada até ao fim 
a sua vida de idosas, através de muitos interesses ou actividades criadoras.

E isto vale também para pessoas simples, e Justamente quando podem até ao fim 
sentir­se úteis e inseridas com sentido no seu ambiente. Um bom exemplo de uma 
vida simples e feliz de mulher também em idade avançada é­nos oferecido pela 
biografia de Gabriele von BiÍlow, a filha de Wilhel:m von HumboldtNos últimos 
trinta anos da sua vida dedicou a sua existência a todos os membros da grande 
família que necessitavam de ajuda, assistência e conselho. O seu cunhado viúvo 
de 72 anos, vai viver para casa dela, Alexandre von Humboldt, já idoso, também 
recebe os seus cuidados e ela transforma­se no ponto central da família, 
irradiando calor e amor e sempre solicitada por filhos, netos e bisnetos. Recusa 
agora, como sempre, uma actividade pública, como, por exemplo, o cargo de aia­
mor da rainha, que lhe fora várias vezes proposto. É alegre, saudável, activa 
até idade avançada. Chama a si própria «a locomotiva», porque dá, mais do que 
todos os outros membros da família,
177­178 Grandma Moses começou a pintar aos 67 anos, aos 91 criou o quadro «Moving 
Day on the Farm». (Fotografado com autorização da Gallery St. Etienne, Nova 
Iorque; retrato Copyright, Grandma Moses Prop.

Inc., Nova lorque)

a iniciativa para tudo o que se deve fazer. Ainda com 83 anos se indigna com a 
designação de «anciã». Morre aos 85 anos, em
1887, alegre e lúcida até ao último momento.

A. L. Vischer dá­nos nos seus livros sobre a idade avançada muitos exemplos de 
artistas e escritores que criaram as suas obras mais importantes com idade 
avançada, como Ticiano com a «Imposição da coroa de espinhos a Cristo» que 
pintou aos

66 anos e depois novamente aos 94, ou Tintoretto (vide pág. 337); Theodor 
Fontane escreveu o seu primeiro romance («Antes da tempestade») quando estava no 
fim dos 50, e o seu maior romance («Stechlin») no fim dos setenta!

Entre os velhos com capacidade criadora dos nossos tempos suscitou um interesse 
e espanto especiais a figura encantadora da «Grandma» Moses. Esta provinciana 
que morreu nos fins de
1961 com 101 anos, que pintava desde criança pequenos quadros, apenas para seu 
prazer pessoal, criou o seu primeiro grande quadro aos 67 anos, poucas semanas 
antes de perder o marido, que amava profundamente e que morreu muito cedo. A 
partir de então evoluiu até se tornar a pintora mundialmente conhecida que é 
hoje. Reproduzimos aqui «Moving Day», um quadro pintado aos 91 anos. O que é 
digno de nota na história da sua vida, é como, depois de uma vida saudável, útil 
e feliz, uma pessoa que começa a envelhecer, já na casa adiantada dos ses­
179­180 Exemplos de uma actividade não quebrada na idade avançada: o desportista 
Coach Stagg, de 96 anos, e o senador Theodore F. Green, de

91 anos

senta, desperta para uma realização criadora invulgar em que não se exprimem 
problemas, mas apenas alegria de viver e amor pela humanidade.

«Mesmo agora», diz a nonagenária, «nunca me lembro que sou velha, embora seja 
avó de 11 netos e bisavó de 17 bisnetos. «That's plenty!» («Isso é bastante»).

Olho retrospectivamente para a minha vida e comparo­a a

uma obra boa e completada; estou satisfeita com ela. Eu era feliz e sentia­me 
satisfeita e fiz o melhor que pude daquilo que a

vida me proporcionou. E a vida é o que dela fazemos. Foi sempre assim e sê­lo­d 
sempre».

A extraordinária flexibilidade desta personalidade exprime­se numa frase de 
quando tinha 101 anos. Contava a alguns visitantes um pequeno acidente que 
tivera por descuido e acrescentou com um pestanejar de olhos «I must mend my 
ways» («tenho de me emendar»).

A revista americana «Time» publicou em 1958 uma galeria de individualidades de 
80 a 101 anos que ainda se encontravam activos num campo qualquer e dos quais 
muitos ainda exercem

actividades na vida pública. Talvez os mais notáveis sejam o

futebolista Coach Stagg, de 91 anos, que ainda dá conselhos aos

futebolistas praticantes e faz ainda muita ginástica, e o senador Theodore F. 
Green, o mais velho do senado americano, que ainda nada, passeia e que jogou o 
ténis até aos 88 anos.
Especialmente entre os filósofos e homens de estado encontramos mestres cujo 
trabalho intelectual construído sistematicamente ou amadurecido durante anos só 
atingiu tarde o seu

ponto máximo. Entre os filósofos que erigiram sistematicamente uma obra­@rima 
tardia, é certamente Imnanuel Kant o mais extraordinário.

A nossa própria época produziu grandes homens de estado que em idade avançada, 
tal como Churchill (* 1874), Adenauer (* 1876) e Eisenhower (* 1890) se afirmaram 
em posições decisivas e se mostraram à altura de enormes missões.

Vischer menciona como característica a segurança com que Adenauer, aos 83 anos, 
esboçou num discurso para a rádio as suas disposições para os anos seguintes, e 
chama­nos a atenção para o facto de as pessoas com vitalidade bem conservada nem

sequer poderem imaginar o seu fim, mesmo que pela razão o

tenham de esperar dentro dum prazo não muito longo.

Pelo contrário, outras pessoas ocupam­se, nesta fase, muito mais com a questão 
do fim da vida, e podemos encontrar entre elas as posições individualmente mais 
diversas, como medo perante a morte, resignação perante o inevitável, 
aparentemente indiferente ou estóica, ou submissão religiosa perante o destino. 
Hermann Feifel reuniu num grande trabalho sobre a posição perante a morte 
material extraordinariamente interessante. Ele distingue duas categorias 
principais de posição perante a morte, a religiosa e a naturalista. A pessoa 
religiosa que acredita num

181­182 A curva de realizações do filósofo Immanuel Kant. As suas três obras 
mais importantes, «Crítica da Razão Pura» (1781), «Crítica da Razão Prática» 
(1788) e «Crítica do Juízo» (1790) ­ foram publicadas quando Kant tinha 57, 64 e 
66 anos de idade. A curva de realizações revela uma visível ascensão da força 
criadora dentro dos anos

que se seguem aos sessenta
183­185 A morte nas artes plásticas. Kãthe KoIlwitz: A morte agarra uma

mulher. Vincent van Gogh: À soleira da eternidade. Edvard Munch: A mãe

morta e a criança
além, que encara a morte como uma passagem para um mundo melhor, é claro que não 
sofre da depressão que é frequente entre os não­crentes. Também a crença na 
imortalidade da alma é um consolo. Aflitiva é, pelo contrário, a expectativa de 
um nada.

Como diz Paul Tillich: «Avança­se com coragem especialmente no início da vida. 
Mas este sentimento está sempre em

dissensão com o medo daquilo que o futuro possa trazer... Por fim, à medida que 
chegamos ao termo inevitável, sentimos a

escuridão impenetrável e a ameaça de que toda a nossa existência possa ser 
julgada por último como falhada» .

O medo perante a morte é por assim dizer comum a todos os homens, mesmo que por 
vezes seja negado. Feifel recebeu muitas vezes a seguinte resposta daqueles que, 
muito idosos, se

sentiam a si próprios como gastos e inúteis: «Vivemos a nossa vida e rendemo­nos 
ao destino de ter de morrer», ou então «Já não temos nada pelo que valha a pena 
viver». Esta posição é natural e especialmente nítida nos casos de doenças 
incuráveis.

A questão da morte ocupou não só as religiões, mas também os poetas e pensadores 
de todos os tempos. Como é possível manter nesta última fase a consciência da 
vida realizada?

«Temos de evitar que se afunde agora o fim da vida» diz Wilhelm von Humboldt aos 
45 anos. Este amigo de Goethe e

Schiller, igualmente grande como homem de estado e como

erudito, ocupou­se muito com questões da alma e do destino, e falou e escreveu 
frequentemente sobre a morte como possível consumação da vida.

Tal como ele, também Carl Jung, nas suas profundas considerações sobre «A 
realidade da alma», vê a realização do sentido da vida na morte. «ó Senhor, dai 
a cada um a sua morte», pede Rainer Maria Rilke, exprimindo, como Humboldt, a 
ideia da maturidade para a morte. «ô Senhor, dai a cada um a sua morte, um 
morrer que brote daquela vida em que teve sofrimento, sentido e amor». 
Infelizmente, este destino tão benigno como grande só a poucos é concedido.
Par@e C

A SOCIEDADE
Parte C

A SOCIEDADE

VII ­ O Indivíduo e a Sociedade

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ao criar a moderna Psicologia Científica, Wundt viu­se, logo de início, perante 
a ideia de que, paralelamente à Psicologia do Indivíduo, deveria decorrer, como 
ele dizia, uma Psicologia dos Povos. Por outras palavras: reconheceu que a 
Psicologia do ser humano só se pode compreender de modo muito incompleto se 
partirmos apenas do ser isolado. O ser humano não é apenas um indivíduo, mas 
também sempre participante de um ou mais grupos.

O grau em que o indivíduo é determinado pelo grupo constitui mesmo uma das suas 
características essenciais, uma vez que só no grupo se efectuam as maiores 
realizações de que o ser humano é capaz. Esta afirmação refere­se em primeiro 
lugar à cultura humana, que representa uma criação de grupo.

No entanto, este passo inicial de Wundt não teve logo prossecução, se 
exceptuarmos os trabalhos de Gabriel Tarde («Les lois sociales», 1898) e­Gustave 
Le Bon («Psychologie des foules»,
1895) sobre a «Psicologia das Massas». A moderna e tão ramificada Psicologia 
Social e Antropologia Cultural é essencialmente uma criação americana. Teve em 
grande parte a sua origem nos problemas tão actuais de coexistência racial, 
existentes nos Estados Unidos. Foi iniciada com as investigações de Charles M. 
Cooley, William McDougall, W. 1. Thomas, George H. Mead e
Franz Boas; hoje em dia, tendo em vista a sua extensão e a abundância da matéria 
sobre a qual faz incidir os seus trabalhos, dificilmente se poderá abranger na 
sua totalidade.

Em ambas estas formas de investigação modernas se retomam em parte antigos 
problemas, formulando­os agora de modo diverso e utilizando métodos novos. Peter 
Robert Hofstãtter frisa assim, por exemplo, a ressonância que as ideias dos 
sociólogos Emile Durkheim, Ferdinand Tõnnies, Max Weber e Georg Simmel voltam a 
ter nos novos trabalhos. Contudo, uma vez que
a nova Psicologia Social se baseia, em larga escala, na experiência e em outras 
investigações empíricas, podemos dar, hoje em dia, mais relevância aos 
resultados concretos do que os primeiros investigadores, forçados a contentar­se 
predominantemente com especulações.

Como já dissemos, quase não se podem abranger os resultados entretanto 
adquiridos. Como é evidente, no âmbito do presente trabalho, constituído apenas 
como pequeno resumo, não é possível aspirar a uma representação completa do 
assunto. Mas mesmo ao proceder à escolha da matéria geral a apresentar, 
deparámos com o problema da delimitação da nossa fronteira. A que critério se 
deveria subordinar a nossa selecção?

Para responder a esta pergunta teremos que encarar mais
uma vez o objectivo que nos propomos: importa­nos apresentar o papel da 
Psicologia no nosso tempo. Vemos esse papel no grande significado que a 
Psicologia adquiriu para a nossa conformação de vida. Ela permite­nos tomar 
consciência de coisas que anteriormente nos passavam despercebidas e auxilia­nos 
no importante exame de nós próprios, da nossa situação e da nossa missão na 
vida.

Assim, ao ocuparmo­nos agora da Psicologia da sociedade e cultura humanas, 
faremos, por isso, incidir a nossa atenção primordialmente sobre aqueles factos 
que nos podem auxiliar a adquirir um conhecimento da nossa própria situação 
humana, na medida em que ela depende da vida em conjunto com outros. Mas mesmo 
com um objectivo assim reduzido teremos de nos limitar a um esboço e será 
inevitável que a escolha dos factos se torne por vezes arbitrária.

Quem neste passo das nossas reflexões quiser já tomar conhecimento dos temas por 
nós escolhidos para adquirir, por um lado, uma visão geral da matéria e, por 
outro, se enriquecer com os resultados que nós, pessoalmente, achámos 
interessantes, poderá estudar os títulos dos capítulos seguintes.

2. O CONDICIONALISMO SOCIAL E AS NECESSIDADES SOCIAIS DO INDIVÍDUO

Nenhum ser vive isolado; pelo contrário, todos os seres humanos vivem em 
sociedade com outros. A sociedade humana é um produto tão complexo quanto 
complicado, espalhado por toda a terra e dividido em vários subagrupamentos. A 
partir do seu nascimento, a criança é membro de uma dessas sociedades. 
Normalmente nasce incluída numa família. É este o caso em todas as raças e povos 
da terra. Tal facto significa que a exis­
186 Em parte alguma a criança encontra tanto amor e cuidados como na família 
saudável

tência do indivíduo é condicionada socialmente des­     em,~ de o começo da sua 
vida, que muitas necessidades do indivíduo apenas podem ser satisfeitas pelo 
grupo e que, desde o início, o indivíduo tem pertença no grupo.

É evidente que o indivíduo não pode escolher o
lugar hierárquico que por nascimento lhe compete dentro de um grupo. Como os 
Psicólogos Sociais hoje constantemente acentuam, o destino de cada qual é já 
fortemente condicionado pelo acaso da sua pertença a um grupo, ainda antes de 
ter oportunidade de tomar uma posição autónoma em face dele ou de exprimir sem 
peias a sua peculiaridade.

É um facto real que normalmente a criança reage com simpatia a um ambiente 
humano que a rodeia e lhe presta assistência. Nesse caso são tomados em 
consideração os mesmos motivos que se supõe terem fundamentado originariamente a 
sociedade humana.

Desde a antiguidade que o problema de saber como a sociedade humana se 
constituiu nos primórdios da civilização tem ocupado constantemente os 
pensadores. Atribuíram­se as causas de tal constituição em primeiro lugar às 
necessidades de ordem geral. Como sobretudo McDougall acentuou, estas foram 
primeiro compreendidas como instintos. Hoje em dia lida­se mais cautelosamente 
com a palavra «instinto» e fala­se por isso não tão especificamente de um 
«componente de impulsos no comportamento social» ou de um «contacto primário com 
os outros seres humanos», o qual Gardner Murphy designa como «matéria bruta» da 
reacção e acção sociais. A partir daí constroem­se então as complicadas 
necessidades de adequação social e comparticipação cultural, desenvolvidas 
através de maturação e de aprendizagem.

Nas nossas considerações acerca do desenvolvimento e motivação infantis, vimos 
nitidamente quanto o bebé necessita de amor, cuidados e atenção por parte do 
ambiente que o rodeia,
187 Mãe e filho numa viva manifestação recíproca de felicidade

ainda que essa necessidade seja nele inconsciente. Os testes que Spitz e já 
antes dele Hildegard Durfee aplicaram a bebés abandonados pela sociedade e 
criados em instituições, acusaram neles não só efeitos negativos de ordem 
emocional como um atraso geral no desenvolvimento, embora fisicamente se 
encontrassem extraordinariamente bem cuidados.

Particularmente impressionantes foram as observações que Anne Freud e Dorothy 
Burlingham realizaram em lares fundados em tempo de guerra para crianças cujos 
pais se tinham alistado e cujas mães estavam ocupadas pelo exercício de uma 
profissão. Quase todas essas crianças apresentavam dificuldades emotivas e 
manifestações de atraso psíquico.

Neste primeiro estádio, a mãe, ou a pessoa que a substitua junto da criança e 
dela cuide, representa um papel exclusivo que será mais tarde ainda durante 
muito tempo o mais importante.

, De acordo com as necessidades sociais, diversas segundo os indivíduos, em 
breve surgem outras pessoas importantes para a criança: o pai e os irmãos, as 
outras pessoas que vivem em casa

* os companheiros de brinquedos, à medida que vão aparecendo
* se vão encontrando à sua disposição, passam a pertencer ao círculo de vida da 
criança em idade pré­escolar.

Descrevemos pormenorizadamente, no capítulo sobre o desenvolvimento, os esforços 
já realizados pelo bebé de um ou

dois meses para entrar em comunicação com o meio ambiente.
O contacto pelo sorriso, a imitação de sons e a reprodução da mímica ­ tudo isso 
constitui, já nos últimos meses do primeiro ano de vida, uma permuta de 
expressão e apelo recíprocos, segundo a denominação de Karl Bühler. Nestas 
comunicações linguisticamente imperfeitas, encontra­se muitas vezes uma 
«conversação por gestos». G. H. Mead, a quem se deve esta expressão, frisou que 
os gestos representam em todos os tempos um papel
1 importante nas formas de contacto, como complemento do diálogo. Na medida em 
que a criança adquire o domínio da linguagem, desenvolve, em circunstâncias 
adequadas, uma necessidade francamente espantosa de comunicação.

Assim, observa­se muito frequentemente que as crianças crescidas num meio que 
lhes inspire confiança, se dirigem a quaisquer desconhecidos que encontrem. 
Duas histórias verdadeiras acerca de crianças invulgarmente sociáveis poderão 
comprovar a minha afirmação:

«0 meu Tonimie» ­conta certa mãe à vizinha depois de um passeio de automóvel à 
cidade­ «está constantemente a

chamar as pessoas pela janela do carro. Hoje disse­lhe: «Tommie, porque é que 
falas com todas essas pessoas que não conheces?» E que pensa que o miúdo de 
três anos me respondeu? «Ora, mamã, eu gosto das pessoas.» Oxalá isto continue 
sempre assim».

Outra criança, esta de quatro anos, chamada Hansel, é para toda a família uma 
espécie de «jornal vivo». O seu maior divertimento é andar a passear durante 
horas em frente do portão de entrada, para cima e para baixo, e conversar com 
todas as pessoas que passam. Apanha todos os vizinhos que regressam a

casa do trabalho, que saem a compras ou a fazer uma visita e faz­lhes uma série 
de perguntas: o que está dentro do embrulho, onde vão, etc. Como todos os 
vizinhos o conhecem e gostam desse loirinho engraçado, ficam a maior parte das 
vezes a conversar um bocado com ele. Mais tarde Hansel vai a correr para

casa e reproduz todas as novidades ao jantar.

Para uma criança deste tipo não só o seu mundo social é muito grande já em tenra 
idade como a sua capacidade de comunicação se encontra excepcionalmente 
desenvolvida. É interessante notar que mais tarde Tominie se tornou chefe de 
turma no liceu (lugar que nos liceus americanos é obtido por eleição dos 
alunos) e Hansel veio a ser um comerciante com grande êxito nos negócios. Outras 
crianças, pelo contrário, revelam­se tímidas perante os desconhecidos a partir 
dos oito ou dez meses e, em determinadas circunstâncias, desenvolvem verdadeiras 
reacções de medo quando esses desconhecidos se lhes dirigem. Pressupõe­se que 
para essa falta de confiança contribuem tanto motivos de ordem interna como 
externa.

Jean Piaget, cujas extensas investigações realizadas junto de crianças já por 
repetidas vezes citámos, é de opinião que as
crianças antes do sétimo ou oitavo ano de vida falam de modo egocêntrico, ou 
seja, ouvem­se mais a si próprias do que aos

outros e pretendem que se lhes preste mais atenção. Segundo
Piaget, apenas em idade escolar a criança desenvolve um falar socializado, ou 
seja, um falar que sirva verdadeiramente à permuta recíproca.

Não devemos por nenhuma forma menosprezar a necessidade que a criança pequena 
tem de que se lhe preste atenção. Contudo, tanto eu como Dorothea McCarthy, 
especialista no

domínio da linguagem infantil, somos de opinião que o facto de a criança revelar 
uma atitude egocêntrica ou social na conversação depende da situação criada e 
que, em determinadas circunstâncias, as crianças de quatro a cinco anos se 
encontram absolutamente aptas a manter uma autêntica conversação.

São também capazes de comparticipar dos sofrimentos e

alegrias dos outros. Esta capacidade de empatia, que consiste em identificar­se 
com as vivências de um outro, revela­se já frequentemente em crianças muito 
pequenas. Lembremo­nos apenas do efeito «contagioso» da expressão de sentimentos 
que se revela já nos gritos que os bebés soltam quando outros bebés gritam 
também. E nos estudos sociais já citados que empreendemos com

bebés que brincavam, observámos uma actividade de «consolação» em três crianças 
diferentes entre os 8 e os 12 meses.

Esta identificação na comparticipação dos sentimentos de outro é compreendida 
por mim e por S. Escalona, nas suas primeiras manifestações, como uma 
experiência de ressonância imediata.

A formação da capacidade de se pôr no lugar de outro ­alguns investigadores vêem 
nela o fundamento da empatia não se manifesta contudo antes do terceiro ano de 
vida, visto antes disso o eu e o tu não estarem ainda nitidamente separados na 
consciência da criança.

O mundo social em que a criança cresce encontra­se primeiramente limitado, de 
modo geral, à família e ao grupo com que brinca. Na realidade, C. H. Cooley 
considera estes grupos como

os dois «grupos primários» mais importantes. Vê nestes grupos, que actuam 
através dum conhecimento pessoal, as forças fundamentais da socialização.

3. A SOCIALIZAÇÃO

Por socialização designa­se hoje em dia a totalidade do processo de integração 
do indivíduo na vida de grupo, desenvolvido ao longo dos anos. A esse fenómeno 
da socialização dedicam os Psicólogos Sociais excepcional importância, visto 
tornar­se cada vez mais patente que os destinos do indivíduo bem como da 
sociedade são determinados de forma decisiva pelo decurso
favorável ou desfavorável deste processo. A título de esclarecimento digamos que 
alguns autores não empregam o termo «Sozialisation» mas sim «Sozialisierung». 
Nós, porém, decidimo­nos pelo primeiro conceito para evitar qualquer possível 
equívoco com o termo político­económico «Sozialisierung», no sentido de uma 
transformação da propriedade privada em pertença comum.

Ao referirmo­nos a um decurso favorável ou desfavorável, temos em vista uma 
conformação da integração social do indivíduo no grupo, realizada de tal modo 
que seja frutífera e construtiva para ambas as partes. Para o indivíduo isto 
significaria poder exprimir em relativa liberdade a sua peculiaridade 
característica e poder­se realizar segundo as suas possibilidades, em vez de se 
ver obrigado a sujeitar­se cegamente à autoridade e a reprimir o seu próprio Eu 
(Selbst). Para o grupo isso significa poder dispor de membros que se encontrem 
voluntariamente nele integrados e que, possuídos de entusiasmo, actuem 
conjuntamente na realização e amplificação dos objectivos que o grupo se propõe.

Pela própria natureza do fenómeno, este processo não pode decorrer inteiramente 
sem atrito. ]É verdade que a criança se encontra normalmente disposta a deixar­
se dirigir e a aprender e atribui valor ao facto de pertencer ao grupo; no 
entanto, tem, por outro lado, necessidades e características próprias que surgem 
em oposição aos objectivos que o grupo se propõe. A questão de saber como 
solucionar esses conflitos que surgem entre o indivíduo e o grupo é um dos 
problemas fundamentais para todos

os que se empenham num processo cuidadoso de socialização. De acordo com isso, 
condenam tanto um comportamento autoritário e desprovido de compreensão por 
parte dos adultos e superiores como a impulsividade não controlada por parte do 
indivíduo; é no meio termo entre estes dois extremos que vêem a possibilidade de 
uma chefia e de um desenvolvimento psicologicamente adequados. A socialização é 
então compreendida como um processo no decurso do qual o indivíduo isolado 
aprende o modo de vida ou de pensamento da sociedade ou do grupo a

que pertence, de forma a poder exercer funções no interior deles. Assim define 
Frederick Elkin o processo de socialização no seu pequeno livro «A Criança e a 
Sociedade», cuja leitura recomendamos. O que se entende aqui por «modo de vida 
e de pensamento», é normalmente designado hoje em dia,,­na literatura americana 
por ways­«caminhos». «Ways of Mankind»: «Caminhos da Humanidade» é uma expressão 
frequentemente usada que utilizaremos também no mesmo sentido.

23
d Os meios de socialização são relações sociais: a interacção entre os seres 
humanos. O ser humano em desenvolvimento insere­se na interacção por um sistema 
de comportamento baseado

nas suas disposições inatas e modificado pela sua experiência, no interior do 
qual se desenvolvem sucessivamente atitudes mais ou menos determinadas.

As  experiências que o recém­nascido realiza no «clima afectivo» do seu lar e 
nas primeiras interacções, e que tratámos no nosso capítulo «o desenvolvimento», 
constituem os primeiros fundamentos.

O desenvolvimento da agressão  e da dependência, duas das variáveis mais 
importantes no

processo de socialização, deveria depender consideravelmente destas primeiras 
experiências. A variável realização desenvolver­se­ia, em determinadas 
circunstâncias, em menor dependência das experiências emocionais e sociais.

Ao referirmo­nos à agressividade, afloramos um dos temas ­W,

mais difíceis e mais obscuros da Psicologia. O motivo dessa com188  A criança 
agressiva. As cau­    plexidade reside nas múltiplas sas  primitivas de tal 
agressivi­    acepções em que a palavra é utidade remontam sobretudo a 
frustrações                 lizada e na falta de clareza quanto à origem do 
fenómeno.

Ocupemo­nos primeiramente da agressividade apenas no sentido de uma hostilidade 
empenhada em destruição. Se deixarmos em suspenso a discutida teoria freudiana 
do impulso da destruição e da morte, uma vez que ainda não se pronunciou sobre 
ela a última palavra, vemos

que é comum aceitar­se, hoje em dia, que tal agressividade tem

as suas primeiras origens sobretudo em frustrações; fala­se por isso de uma 
agressividade de frustração.

Mas como desde o início da vida ­se verificam frustrações, existem, por 
conseguinte, também desde o início, causas e motivos para a hostilidade. Por que 
razão e em que circunstâncias essa animosidade se desenvolve em grau diferente 
até se tornar ocasionalmente um perigo para os outros ou para o próprio
indivíduo, é problema que ainda se encontra longe de estar esclarecido.

Robert Sears, que investigou pormenorizadamente este assunto, conclui que, no 
que diz respeito às circunstâncias responsáveis pelo desenvolvimento da 
agressividade, não existe uma resposta simples e que seja váli da para todos os 
casos.

A não aceitação da criança por parte dos pais e a

desarmonia entre os pais, mas também o excesso de cuidados e o mimo são 
considerados por muitos

como causas preponderantes. Outros, pelo contrário,      189  A criança 
castigada. É tarefa primorrefutam tais afirmações.          dial de toda a 
educação encontrar a justa Sears pensa que a reacção         medida entre a 
severidade e a indulgência

dos pais em face das primeiras agressões da criança irá influenciar de forma 
decisiva o seu desenvolvimento futuro, enquanto Dollard e Miller são de opinião 
que na socialização da criança agressiva a espécie de castigo desempenha um 
papel decisivo: o medo perante certos castigos impede, em geral, novas irrupções 
de agressividade e

contribui assim para a socialização da criança; no entanto, os castigos não 
impedem uma hostilidade crescente.

A questão de saber como dar à criança a oportunidade de exteriorizar as suas 
frustrações e de as transcender, sem, no entanto, desenvolver animosidade, é 
problema ainda igualmente por solucionar.

Sabemos a partir da Psicoterapia que indivíduos, que durante anos reprimiram os 
seus impulsos de animosidade e deste modo amontoaram um grau de ressentimento 
considerável, se podem libertar pouco a pouco do ódio acumulado, caso se lhes dê 
a oportunidade de o confessarem e se lhes ofereça simultaneamente certa 
compreensão. A partir deste conhecimento torna­se muitas vezes necessário 
autorizar as crianças a exprimirem a sua ira por meio de um jogo agressivo, no 
qual se pode processar a

morte simbólica das pessoas odiadas ou coisa semelhante. Na
sua obra sobre «Crianças que odeiam», Fritz Redl comenta os métodos utilizados 
no seu Instituto de Educação, que dão oportunidade a esses jovens, em parte 
criminosos e na maior parte desamparados, de desabafarem o seu ódio sem se 
tornarem perigosos para os outros ou para si próprios.

Na vida diária familiar é naturalmente muito mais difícil tratar de modo 
construtivo essa espécie de problemas, Anne Freud, que dedicou a este assunto 
particular atenção, conclui que a criança sujeita a frustrações e a conflitos 
tem tendência a apresentar reacções de medo tanto perante pais muito severos

como muito indulgentes, e que a dificuldade principal consiste em encontrar a 
medida exacta entre severidade e indulgência.

Muitas mães modernas leram ou ouviram dizer que ajudamos as crianças a vencer os 
seus sentimentos negativos quando as autorizamos a dar por vezes livre expressão 
a esses sentimentos. Por isso, essas mães encorajam de vez em quando os filhos a 
«abrir o seu coração». Assim a mãe de Evchen conta à sua amiga Frieda:

«Quando Evchen diz: «Mamã, eu odeio­te», eu digo­lhe: «Não faz mal, todos nós 
temos por vezes sentimentos desse tipo.»

A amiga fica horrorizada, não consegue compreender tal atitude:

«Acho que te ocupas demasiado com essas coisas modernas. Ainda tolero um bocado 
de Psicologia, mas isso é demais.»

«Cara Frieda», diz a mãe de Evchen, «diz lá sinceramente: Qual de nós duas tem 
uma filha mais difícil?»

«Mas isso não tem nada que ver com o assunto», diz Frieda indignada.

No entanto tem muito que ver com o assunto qual a possibilidade de expressão que 
se oferece à criança. A. L. Baldwin investigou o comportamento infantil em 
relação com a espécie de «contrôle» «autoritário» ou «democrático», segundo o 
qual os pais lidam com os filhos. «Contrôle» é, em Psicologia, o termo técnico 
para a chefia limitativa de que aqui se trata.

Descobriu, assim, que a disciplina rígida, aplicada por pais autoritários que 
não suportam qualquer espécie de contradição e insistem no cumprimento estrito 
das suas ordens, tem na veidade como consequência que os filhos são mais 
obedientes, mas que uma tal educação reprime simultaneamente importantes 
qualidades positivas como sejam a iniciativa, a intrepidez e a capacidade de 
fazer planos por si só.
Por outro lado, as crianças cujos pais são de um modo geral tolerantes, que 
explicam aos filhos a razão das medidas que tomam e lhes dão ocasião de fazer 
objecções, revelam consideravelmente maior iniciativa, independência, intrepidez 
e possibilidades de planeamento. Essas crianças desenvolveram uma maior 
capacidade de ser «agressivas» em sentido «positivo», ou

seja, de enfrentar o mundo possuídas de espírito de iniciativa e de se ocupar de 
problemas de forma independente e sem animosidade.

Baldwin emprega aqui a palavra «agressivo» no sentido da capacidade de 
empreendimento activo, ou seja, numa acepção que se deve distinguir da 
agressividade no sentido de hostilidade.

Pelo contrário, Kurt Lewin e os seus colaboradores, sobretudo Ronald Lippitt, 
observaram a agressividade no sentido de uma hostilidade tendente à destruição 
como consequência uma chefia autoritária.

Antecipamos um dos relatos sobre as investigações de grupo a que se fará 
referência no capítulo seguinte, visto este trabalho de Lewin e Lippit se 
inserir de modo particularmente adequado no contexto do que aqui tratamos.

Kurt Lewin, devido à teoria de que parte e que já tratámos na primeira parte 
deste livro, encontra­se particularmente interessado nas estruturas de grupo. No 
decorrer desses trabalhos, tanto ele como Lippit realizaram experiências com 
grupos de rapazes, que submeteram por um lado a um tipo de chefia autoritária, e 
por outro a um tipo de chefia democrática. Como resultado verificou­se que a 
chefia autoritária permitia obter realizações mais rápidas e que os rapazes 
assim dirigidos se sentiam mais seguros, mas que se desencadeava também neles um 
grau elevado de agressão. A chefia democrática, que apelava para a independência 
dos rapazes, causava a princípio insegurança e

confusão no grupo, mas provocava, pouco a pouco, iniciativa, independência e uma 
cooperação baseada no sentido da liberdade.

Em breve nos ocuparemos com o problema da autoridade num outro contexto (vide 
págs. 368 e seg.).

No que diz respeito à agressividade, o problema parece processar­se segundo a 
exposição de Erikson: as frustrações que têm um sentido ou que adquirem sentido 
por meio de uma

explicação podem, em geral, ser suportadas, se não excederem o âmbito daquilo 
que o indivíduo pode aguentar. Os pais que tornam possível aos filhos 
identificarem­se com eles sob a forma de bom entendimento, oferecem­lhes o 
melhor apoio para suportar perdas e frustrações. Pelo contrário, se um filho 
quer saber o motivo de uma ordem paterna e o pai lhe responde «fazes isso porque 
eu mando», esse pai inflige à criança uma dupla carga ­ não só ela tem que 
suportar uma desilusão ou um desgosto, como é simultaneamente humilhada e 
repreendida.
A dependência, que é para a criança pequena uma necessidade, pode igualmente, no 
caso de actuações desfavoráveis, evolucionar para uma forma de comportamento 
prejudicial à socialização. As circunstâncias por isso responsáveis estão de 
início geralmente ligadas à situação em que decorre      a alimentação: os bebés 
que durante a aleitação são tratados com rigidez e severidade, que são 
desmamados sem se atender às suas necessidades individuais, desenvolvem 
sentimentos de    insegurança e, juntamente com ela, de dependência. A falta de 
amor e a falta de interesse pela criança pequena fazem igualmente aumentar a 
insegurança e a dependência. Mais tarde juntam­se­lhes outras causas, como sejam 
os castigos e as frustrações. Segundo demonstraram Sears, Whiting e outros, para 
a formação de uma excessiva dependência contribuem em parte as mesmas causas que 
produzem a agressividade. Ambas se observam muitas vezes simultaneamente.

Talvez o factor mais importante na socialização do indivíduo seja a sua 
disponibilidade para a realização e para o trabalho. Enquanto a sociedade se 
pode conformar com todos os possíveis problemas da personalidade, não consegue, 
no entanto, subsistir sem o contributo do trabalho do indivíduo. ,

As origens do trabalho e da realização já nos ocuparam no capítulo sobre o 
desenvolvimento, em que tratámos o início da realização comparando­o com o 
início da criação e verificámos que o trabalho e a realização ­ ao contrário da 
criação ­ só são compreensíveis na relação do indivíduo com a sociedade. 
Discutimos os motivos do trabalho e chamámos a atenção para os resultados 
obtidos por McClelland, segundo os quais uma alta exigência e uma severidade que 
não seja, no entanto, autoritária, constituem o melhor pressuposto para uma 
realização elevada. Referimo­nos neste contexto (bem como no capítulo sobre o 
decurso da vida) às investigações de Herzberg, Mausner e Snyderman, levadas a 
efeito em fábricas, e em que se comparavam os motivos que actuavam no trabalho a 
partir do interior ou do exterior. No próximo capítulo voltaremos a referir­nos 
aos problemas da realização.

Condição prévia para a socialização é naturalmente em primeiro lugar a 
existência de uma sociedade organizada, a qual apresenta uma constituição 
diferente segundo as diversas culturas.@A sociedade da nossa cultura ocidental, 
a que por enquanto nos limitamos, compõe­se de diferentes grupos étnicos que 
cada vez apresentam maior fusão. Encontra­se mais ou menos nitidamente agrupada 
em classes e dispõe de diversas instituições como
sejam a família, a escola, a igreja, as autoridades, a justiça, a freguesia, o 
estado, etc. Concede aos seus componentes um determinado status, o seu «estado», 
e atribui­lhes papéis que eles devem representar. Estabelece valores e normas 
segundo os quais cada um tem de se orientar. Em muitos destes interesses é 
rígida e tradicionalista, em outros é flexível e mutável. Cada qual tem de se 
conformar tanto com a rigidez como com a mutação das instituições sociais.

4. O CONCEITO DO PAPEL

O conceito de papel social é considerado por muitos peritos como um dos mais 
importantes conceitos fundamentais existentes no campo da Psicologia Social. 
Introduzido primeiramente na Ciência por G. H. Mead, foi entretanto aplicado em 
muitas direcções: hoje em dia é sobretudo utilizado por Talcott Parsons, que 
sistematicamente o toma por base na investigação da acção social e da 
estruturação de grupos. Em que consiste, porém, esse

papel? Os muitos Sociólogos e Psicólogos Sociais que empregam o conceito 
definem­no de modo algo diverso.

Sargent e Williamson apresentaram na sua Psicologia Social uma boa visão geral 
dos múltiplos aspectos que este importante conceito pode revestir. Provém, como 
é evidente, do Teatro.
O actor representa um papel. Por um lado é­lhe atribuída determinada tarefa ­ 
ele tem de representar algo ­ por outro, ele toma incumbência desse papel 
provido de uma determinada aptidão.

Alguns sociólogos, como Parsons e    outros, definem primeiramente o papel 
social do indivíduo     a partir do grupo. No concurso social cabe a cada 
indivíduo    um papel ­um sector de comportamento organizado dentro do fenómeno 
social. A partir da sociedade este sector encontra­se mais ou menos fixo na 
direcção de determinados deveres bem     como de determinados direitos. Por 
outras palavras: para os papéis de filho, de pais, de marido, de mulher, 
existem, por exemplo, dentro das famílias, determinadas regras que na verdade 
variam nas diferentes culturas e nos diversos grupos sociais mas que, 
normalmente, são conhecidas dos participantes ou lhes são dadas a conhecer.

Ao contrário dos Sociólogos, os Psicólogos Sociais afirmam que o papel tem 
também de ser considerado a partir do indivíduo.
O indivíduo vai mais ou menos ao encontro do seu papel social imbuído de 
determinadas qualidades pessoais. O papel de filho obediente pode convir mais a 
um e menos a outro. Pode haver
alguém nascido para o papel de chefe dentro de um círculo de amigos antes de ter 
sido nomeado como tal.

Tomemos como exemplo o caso de Alfred, a quem já por diversas vezes nos 
referimos (vide págs. 138, 147, 153, 167 e seg.). Alfred tinha uma mãe severa que 
atribuía grande valor à obediência e ao bom comportamento. Alfred, que já aos 4 
anos de idade não gostava de dar satisfações, representava em casa o

papel de menino modelo. Esforçava­se por ser perfeito no seu

comportamento e era extremamente dócil.

Sociologicamente falando, Alfred representava perante a mãe o papel de filho. 
Representava­o, para usarmos a expressão de Goffman, no @<estilo» de um menino 
modelo. Em relação aos

seus amigos, o papel sociológico de Alfred era o de camarada de jogos. 
Representava­o nesses primeiros tempos de infância no

«estilo» de chefe. Encontrava­se apto a assumir esse papel declarado de chefe 
visto lhe ocorrerem muito boas ideias e as outras crianças gostarem que ele lhes 
fizesse sugestões de jogos. Tanto bastou para que assumisse o papel de chefe, de 
espécie ainda não formal, como é característica do grupo nessa idade. Se os seus 
atributos continuarão a afirmar­se do mesmo modo numa idade mais tardia quando 
os chefes passam a ser escolhidos pelos grupos, é problema que pertence ao 
futuro.

De certo modo, os dois papéis representados por Alfred opõem­se, visto ele ser 
submisso nas suas relações com a mãe e superior nas relações com os amigos (mais 
precisamente: foi­o pelo menos em certo aspecto e em determinado período do seu 
desenvolvimento). É digno de nota como já uma criança de 4 anos

consegue representar deste modo dois papéis e distingui­los um

do outro.

Em cada um destes papéis a criança é, por assim dizer, uma pessoa diferente. Ela 
realiza uma escolha entre os modos de comportamento que se encontram à sua 
disposição e organiza­os com vista a determinados objectivos que procura 
alcançar nas

diversas relações sociais. Num caso, tendo em vista o elogio da mãe, no outro, o 
reconhecimento por parte dos amigos. Em cada um destes papéis a criança opera já 
num sistema de referência diferente. Os dois papéis não se encontram em 
conflito, como à primeira vista poderia parecer. Porque, de facto, encontram­se 
ambos estabelecidos de modo a ser possível alcançar uma distinção social ou um 
estatuto elevado.

Noutros casos, porém, dá­se um desequilíbrio interior, a

saber, quando os papéis que o indivíduo representa o colocam em conflito consigo 
próprio.
Stephan é um rapaz de 16 anos que nas suas relações com

a mãe pretende que ela o amime e lhe tire muitas das sobrecargas que a vida 
comporta.

Fora de casa, porém, Stephan leva uma vida de grande independência; com efeito, 
tão dotado de jeito para os negócios como para a vida, ele tem uma ocupação de 
«empresário»: tem à sua responsabilidade a venda de algumas revistas por conta 
de uma firma que lhe permitiu trabalhar secundado por uma série de rapazes mais 
novos, que ele próprio contratou e mantém sob

a sua chefia. Assim, ele representa, por um lado, o papel de bebé, por outro, o 
de patrão, e essa situação provoca­lhe um

grande conflito interior.

Esse conflito é em parte consequência de um facto existente na nossa cultura e 
que Ruth Benedict, num artigo muitas vezes citado, denominou descontinuidade. 
Quer ela dizer que habituamos frequentes vezes os nossos filhos a papéis que 
eles mais tarde terão de remodelar na totalidade.

Assim, tratamo­los durante anos como demasiado novos, demasiado inexperientes, 
como incapazes de proceder de modo independente em determinada situação; e 
depois, esperamos um

dia, de repente, que o adulto assuma grandes responsabilidades. Ruth Benedict 
mostrou como, ao contrário das relações existentes entre nós, se verifica uma 
continuidade noutras culturas, por exemplo, entre os índios da América do Norte: 
a partir de muito cedo as crianças são acostumadas a assumir responsabilidades 
crescentes.

No caso de Willi a descontinuidade é ainda aumentada pelo facto de a mãe ­que se 
sente orgulhosa por o seu filho fazer de adulto e manifestar uma habilidade 
precoce para os negócios­ admitir que ele em casa represente o papel de bebé 
amimado, desprovido de qualquer responsabilidade.

Como acentua Irwin Child, não nos encontramos ainda na posse de um padrão, 
aferido cientificamente, que permita saber o que se deve esperar normalmente de 
um indivíduo nas diferentes idades e nas diversas situações.

Mas, segundo parece, uma criança em crescimento dentro da sociedade deve 
aprender duas tarefas’ sociais: primeiro, que na vida social existem diferentes 
papéis que em parte se podem escolher mas em parte são atribuídos a cada qual; 
e segundo, que, nos diversos grupos, existem muitas vezes exigências 
completamente diferentes no que respeita ao papel a escolher ou a desempenhar. 
Com isto passamos a referir­nos ao significado fundamental dos valores sociais.
5. PAPÉIS E VALORES

Existem vários grupos empenhados na socialização do adolescente. Os mais 
importantes são, sem dúvida, a família, a escola

e os companheiros da mesma idade. A estes há a acrescentar a vizinhança e o 
círculo de amigos dos pais, bem como a totalidade do grupo cultural em que um 
jovem cresce e que actua sobre ele principalmente através dos meios de 
divulgação como a rádio e a televisão. Mais tarde vêm­se­lhes juntar os grupos 
constituídos pelo exercício da profissão ou em função de outras actividades e 
interesses.

Esses grupos podem revestir um duplo significado para o

indivíduo: ele pode pertencer­lhes como membro, ou pode      ‘ utilizar o grupo 
como grupo de referência. Este importante conceito de grupo de referência foi 
introduzido e investigado principalmente por Hyrnan, Newcomb, Sherif e Merton. 
Aplica­se a um grupo que fornece certos critérios de valores ao indivíduo que 
pretende ser aceite, reconhecido por esse grupo.

Os grupos de membros e os grupos de referência podem, como é natural, coincidir. 
Assim, por exemplo, quando uma

criança ou adolescente crê na sua família, adopta como critério os valores e 
normas dos seus familiares.

No entanto, é frequente os grupos de membros e os grupos de referência surgirem 
ao indivíduo em situação de conflito. Otto Klineberg frisa como as crianças e 
sobretudo os adolescentes entram muitas vezes em conflito por os valores dos 
companheiros da sua idade diferirem em absoluto dos valores aceites por seus 
pais. Pode mesmo ser mais importante para uma criança ou para um jovem ser 
reconhecido pelos seus companheiros de escola ou pelos seus amigos do que 
orientar­se segundo os valores dos pais. Não raro ouvimos histórias como a 
seguinte:

Klaus tem cinco anos e frequenta o jardim infantil. Um dia Otto, que gosta de 
atacar, começa a bater­lhe. Klaus fica desconcertado e afasta­se a correr. 
Várias crianças correm atrás dele a rir e a fazer troça. Klaus fica desesperado. 
Não é cobarde, mas a mãe proibiu­lhe terminantemente que se metesse em brigas, 
por estar convencida de que a paz poderia ser assegurada no mundo se as crianças 
deixassem de se guerrear.
Até então Klaus jamais contrariara a mãe. Nesse momento, porém, perde a crença 
nos seus princípios, pelo menos no que se refere à autodefesa. De repente dá 
meia volta e precipita­se de punhos cerrados para Otto, ainda há pouco 
triunfante mas agora perplexo, e sova­o sob os aplausos gerais de todo o jardim 
infantil.
Todos presenciaram já casos desta natureza ou de natureza semelhante, nos quais 
a confiança que a criança deposita nos

pais é posta à prova, porque os valores de outros lhe surgem como mais 
essenciais. Esses «outros» ­podem ser constituídos por um grupo de referência, 
como é muitas vezes o caso de uma turma escolar, ou podem ser indivíduos 
isolados. Esses, os «importantes outros», podem ser determinantes para a auto­
avaliação e avaliação dos outros, podendo mesmo transformar­se em modelo. Já 
vimos, em passos anteriores, qual o importante papel representado por esses 
modelos na autoconformação.

Como acentua David Riesman, e Helmut Schelsky comprova, os jovens tendem, hoje 
em dia, a procurar antes a sua orientação de valores e os seus modelos entre os 
da sua idade do que entre os da geração mais velha.

Os valores de grupos de referência revestem­se de grande significado para as 
pessoas que anseiam adaptar­se a um novo mundo ambiente social ou cultural 
­muitas vezes mesmo a novas relações sociais e culturais. Este processo, que 
Park e

Burgess denominaram assimilação, torna­se, por exemplo, um

problema especial no caso de emigrantes ou de indivíduos expulsos da sua pátria.

Esses indivíduos experimentam muitas vezes sentimentos ambivalentes ­ 
simultaneamente positivos e negativos ­ em face dos costumes e valores vigentes 
no novo mundo ambiente para onde se viram transferidos. Os seus filhos, pelo 
contrário, são em geral fanáticos no processo de assimilação; ocasionalmente 
surgem assim conflitos internos e externos.

Ernest Burgess relata um exemplo divertido de uma assimilação realizada sem 
atrito. Por ocasião d@_ uma sua visita a uma comunidade de emigrantes russos, 
fixada em Los Angeles e pertencente à seita dos Malakuneno, observou que as 
mulheres da geração mais velha, consideradas bonitas, tinham aspecto corpulento 
e robusto. Muito diferente, pelo contrário, era o grupo constituído pelas filhas 
já nascidas na América: eram esbeltas, usavam penteados à moda e «make­up» 
­procuravam os seus

modelos entre as «estrelas» e «starlets» de Hollywood.

Por outro lado, Pauline V. Young, que publicara em 1932 uni estudo sociológico 
sobre esta seita, referiu­me que, por ocasião de uma breve visita feita a um dos 
casais jovens, pôde observar precisamente os mesmos costumes na maneira de 
comer, de servir à mesa, de abençoar as refeições, a mesma ideologia religiosa e 
as mesmas concepções de vida que anteriormente. Os novos grupos de referência 
foram, portanto, aqui, aceites em

parte mas não sem excepção.
O problema da pertença a grupos de membros e de referência torna­se 
particularmente complexo quando se trata da discussão dos papéis representados 
por ambos os sexos, visto surgirem em primeiro plano, nessa discussão, aspectos 
e valores que não interessam directamente ao assunto.

Evitámos até agora cuidadosamente o tema masculinidade e feminilidade visto ser 
este um dos campos mais discutidos da Psicologia. Qual a influência que as 
diferenças de sexo, realmente existentes porque biologicamente condicionadas, 
exercem, de facto, no desenvolvimento e na personalidade, é problema para cuja 
resolução se exteriorizaram muitas opiniões mas para o qual até ao momento 
presente contribuíram muito poucos factos que se possam considerar irrefutáveis.

Terman e Miles, cuja obra «Sexo e Personalidade» é um dos trabalhos de 
investigação mais cuidadosos e ainda não propriamente ultrapassados, comprovam 
no essencial, com as suas observações, factos que se podem considerar do domínio 
comum.

Os homens são mais agressivos, mais conscientes de si, mais duros, mais 
destemidos, também algo mais rudes no comportamento, na linguagem e na vida 
afectiva. As mulheres são mais compassivas, mais reservadas, mais sensíveis, 
mais moralizadoras, mais emotivas e têm também mais tendência para confessar 
essa

emotividade. Os interesses dos homens orientam­se mais no sentido do risco e da 
aventura, das actividades físicas empregando o utensílio e a máquina; 
interessam­se também mais pela ciência e pela técnica, pelo trabalho e pelo 
negócio.

As mulheres interessam­se em compensação mais pelos assuntos caseiros e pelas 
artes. Preferem profissões sedentárias bem como ocupações relacionadas com os 
cuidados da assistência, enfermagem, benemerência e fins humanitários.

Estas afirmações coincidem em larga escala com o que se descobriu por intermédio 
do teste da preferência de valores de Allport e Vernon, baseado nos seis tipos 
de Edward Spranger (vide pág. 127): os homens interessam­se mais por valores 
teóricos, económicos e políticos; as mulheres por valores estéticos, sociais e 
religiosos.

No que respeita à diferença de inteligência aceitava­se, de modo geral, 
antigamente, que a mulher era intelectualmente inferior ao homem. Após inúmeras 
e pormenorizadas investigações, cujos resultados foram compilados por Georgene 
Seward, não é possível manter esta afirmação. Aliás revelou­se em testes certa 
superioridade masculina no manejar da palavra e da linguagem.
Talvez ­ como constantemente se afirma ­ existam mais génios entre os homens; 
porém, quantos génios existem na sua
totalidade? Decisivo parece ser o facto de as diferentes culturas, nos diversos 
períodos da sua história, terem atribuído a ambos os sexos papéis, determinados 
muitas vezes de forma altamente específica, e o modo como o fizeram. A maneira 
corno em determinadas épocas foram admitidos ou proibidos certos papéis 
transcende em muito o que é exigido pelas disposições naturais e reflecte 
concepções de valor. Pense­se apenas na não admissão da mulher aos estudos ou às 
eleições ­ que somente cessou num passado recente! Por’ um lado, a mulher, 
enquanto membro do seu sexo, encontrava­se impedida de receber a formação 
adequada ao exercício de determinadas profissões e, por outro lado, quase não 
lhe era possível exercer certas profissões, que teoricamente se

lhe ofereciam, sem provocar escândalo, ou seja, sem infringir as

leis do seu grupo de referência.

Aliás, isto não se deve interpretar como uma recusa da nossa parte de todos os 
papéis condicionados naturalmente. Mais significativas do que as disposições 
sobre a admissão ou não admissão a actividades culturais e a instituições, 
parecem­me ser as medidas que têm em conta certas diferenças físicas 
fundamentais dos sexos como, por exemplo, a lei soviética de 1943, segundo a 
qual o rapaz deve ser preparado para o serviço militar e a

rapariga para a maternidade ­pressupondo naturalmente que se considere 
necessário integrar uma educação tendente ao serviço militar num sistema geral 
de educação.

De qualquer modo, no que diz respeito às limitações, os

papéis parecem ser distribuídos mais com base nos valores do que em condições 
físicas. Se bem que em diferente grau, parece ser este o caso verificável em 
todas as culturas, logo que se

trate de ambos os sexos.

6. O DESENVOLVIMENTO DE PRECONCEITOS E DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO

Os grupos de referência, os «importantes outros» e os modelos determinam, em 
escala cada vez maior, a imagem do mundo do indivíduo em crescimento. Em que 
medida então os preconceitos adquirem um lugar de primazia em face dos juízos de 
valor é problema que depende, a maior parte das vezes, do acaso, de modo que, 
infelizmente, é frequente verificar­se a afirmação de Gutzkow: «Deveis saber, 
porém, que o costume não segue o juízo mas o preconceito».
Modernas investigações experimentais e questionários sobre * forma como surgem 
os preconceitos vieram lançar luz sobre * desenvolvimento e a dinâmica destes 
fenómenos. Sobretudo na
América realizaram­se investigações sobre a origem e a divulgação de 
preconceitos perante os grupos raciais e étnicos que aí se encontram em minoria, 
como sejam os negros, os japoneses e chineses, os mexicanos e judeus.

Vamos citar alguns exemplos de entre os muitos resultados significativos 
existentes, obtidos através das investigações. Por exemplo, as interessantes 
investigações realizadas por Horowitz e o casal Hartley sobre a eclosão de 
preconceitos contra os negros, que então como agora vigoravam sobre tudo nos 
estados do sul da América do Norte.

Horowitz apresentou a crianças noviorquinas fotografias de uma série de outras 
crianças de diferentes grupos de raças e de povos, para que elas indicassem 
quais as que escolheriam

como seus companheiros de jogos. Nesse teste já crianças de cinco anos 
manifestaram o seu preconceito contra os negros.

Os Hartley interrogaram os pais sobre o modo como os filhos teriam adquirido 
essas opiniões sobre as outras raças.
O motivo apontado foi «instinto congénito».

Em face disto, Allport e Kramer verificaram com um grupo de estudantes, junto do 
qual procederam a investigações, que, em grande percentagem dos interrogados, a 
atitude tomada perante as outras raças remontava à influência exercida pelos 
pais logo na primeira infância.

Os conhecimentos adquiridos devido a essas investigações e a muitas outras 
semelhantes permitem concluir que, a partir de criança, cada indivíduo recolhe 
inconscientemente do seu

meio ambiente todas as atitudes e preconceitos perante os diversos factos da 
vida que ouve expressos em palavras ou vê revelados por actos. Mesmo em locais 
onde não se apresentam sistematicamente ao adolescente atitudes e preconceitos 
deste tipo, onde não existe, portanto, uma «endoutrinação», existe o

que, hoje em dia, se denomina inculcação (do inglês inculcate: inocular): uma 
gravação inconsciente ou, por assim dizer, uma

transferência de representações que, aos poucos, vai fixando a

imagem do mundo do ser humano em determinadas direcções.

Tal como E. L. e R. E. Hartley apontaram, o processo compõe­se de três fenómenos 
que decorrem sucessivamente segundo uma ordem lógica. Em primeiro lugar é 
chamada a atenção, logo muito cedo, para determinadas características marcantes 
dos «outros» como, por exemplo, a cor escura da pele e o cabelo preto 
encrespado; com isto influencia­se a diferenciação. Em seguida frisam­se as 
particularidades características do próprio grupo, portanto daqueles que, como 
nós, nele estão integrados, por exemplo, a cor clara da pele e o cabelo liso ou 
encaracolado.
Com esta identificação o eu sofre um fortalecimento, ao ser

incluído num grupo interno, ou seja, ao pertencer a uma comunidade interiormente 
ligada em certas direcções e mais ou menos

fechada em face do exterior. E, finalmente, introduzem­se juízos de valor no 
sentido da comprovação da superioridade do próprio grupo e da inferioridade dos 
grupos restantes, como por exemplo: a pele clara e o cabelo liso ou levemente 
encaracolado são bonitos.

Como consequência deste processo, as pessoas passam, então, a comportar em si 
imagens e ideias estereotipadas sobre determinados grupos, de modo que em face 
deles já não se encontram capazes de uma percepção e opinião imparciais e 
objectivas. Então apenas conhecem o francês, o italiano, o judeu, o negro.

A primeira investigação revolucionária realizada neste campo, o qual revelou ser 
altamente importante tanto para as relações entre os seres humanos isolados como 
entre os povos e as raças, foi levada a efeito em 1930 por Katz e Braly, com 100 
estudantes da Princeton University. Esta investigação veio demonstrar como os 
valores atribuídos por esses jovens a dez nacionalidades diferentes concordavam, 
na medida em que eram estereotipados e esquemáticos.

Passados cerca de 20 anos, Gilbert pôde comprovar com o

mesmo grupo que as opiniões estereotipadas se tinham mantido persistentemente e 
quase sem sofrerem alteração. A única diferença foi que, em 1950, se verificava 
em face das próprias generalizações um maior cepticismo do que vinte anos atrás.

Já se realizara, portanto, um certo abrandamento, relacionado provavelmente com 
o facto de, hoje em dia, se verificarem em muitos lugares menos preconceitos 
sobre raças e diferenças raciais.

Não deparamos com preconceitos apenas quando se trata de diferenças raciais ou 
nacionais, mas também em relação com

muitas outras características de grupo: depara­se com preconceitos com especial 
frequência no que respeita às diferenças religiosas, culturais, de situação ou 
de classe, e mesmo o desportista manifesta, por vezes, os seus preconceitos 
perante um

clube «estranho», rival da sua própria associação, como por vezes demonstram as 
cenas de fanatismo que ocorrem por ocasião de jogos de campeonato.
Conseguiu­se demonstrar em muitas investigações como é extraordinariamente 
difícil para o indivíduo não se deixar influenciar pelas ideias de um grupo 
interno ou de uma maioria.

Gordon Allport, que se ocupou pormenorizadamente com o

problema do grupo interno, exorta o leitor a perguntar uma vez

a si próprio em que medida as suas diferentes ideias concordam
com as da sua família, da sua classe social, do seu grupo profissional ou da sua 
religião. Allport julga que a resposta revelaria um acordo considerável, ainda 
que não total. Assim, é também inevitável que, em muitos aspectos, os grupos 
exteriores sejam considerados como «inimigos», como já mostrámos com o exemplo 
do clube «inimigo».

Mesmo em assuntos relativamente de pouca importância, o

indivíduo isolado deixa­se influenciar pela maioria. Assim se

demonstrou, além de outras, nas conhecidas experiências de Ash e Sherif, nas 
quais se tratava de simples avaliações do comprimento de linhas e da velocidade 
de movimentos. Mesmo nestes casos, dos quais de maneira nenhuma fazem parte 
preconceitos e valores, os diferentes participantes dos grupos experimentais 
deixaram­se influenciar em larga escala pelo juízo da maioria.

As pessoas dependentes e inseguras encontram­se muito especialmente sob a 
influência de chefes deste ou daquele grupo, por um lado, e de autoridades, por 
outro. A dependência inicia­se nas relações da criança com os pais, sobretudo 
com o pai. Erich Fromm frisa que a criança pequena se encontra dependente dos 
pais de uma forma natural; mas que, no caso de os pais, mais tarde, no seu papel 
de representantes da sociedade, oprimirem a espontaneidade e a independência do 
filho, este será cada vez

menos capaz de demonstrar independência.

O efeito nefasto da educação autoritária, que aqui esboçamos, foi investigado 
pormenorizadamente no célebre livro de T. W. Adorno, Else Frenkel­Brunswik, R. 
N. Sanford e D. J. Levinson sobre «A personalidade autoritária». Este trabalho, 
concebido em moldes excepcionalmente largos, baseado em entrevistas e testes 
projectivos, mostra uma relação entre a educação autoritária, a dependência 
interior, o preconceito (estudado aqui sobretudo no caso do anti­semitismo) e a 
crença nas autoridades. A opressão exterior de ordem social juntamente com a 
repressão interior dos impulsos formam o que Horkheimer e Adorno designam por 
«síndroma autoritário», ou seja, um complexo de qualidade em que os diversos 
elementos se condicionam reciprocamente surgindo sempre em comum.

Numa análise mais completa do síndroma os autores acham que são a falta de 
segurança interior e o medo, sobretudo o

medo da incerteza que, sem que o indivíduo tenha consciência disso, o determinam 
e o levam a manter­se preso às autoridades, verificando­se, simultaneamente, em 
segundo plano, uma hostilidade contra os possíveis atacantes à própria pessoa e 
ao grupo. Todo o síndroma serve assim, em última análise, a autodefesa.
A obra sobre a personalidade autoritária, que citamos, despertou um vivo 
interesse visto ser concebida em moldes largos e fazer pela primeira vez a 
tentativa de relacionar as posições políticas com as estruturas da 
personalidade. Um cuidadoso estudo crítico­metodológico, realizado sobre este 
trabalho (num volume editado por Richard Christie e Marie Jahoda), demonstrou, 
no entanto, que as conclusões gerais tiradas pelos autores não são inatacáveis. 
Christie, Jalioda e os seus colaboradores provam, nomeadamente, que certos 
factos são vistos de modo demasiado unilateral, devido já à forma como se 
compilou e aproveitou o material, e chamam a atenção para a existência de 
espécies absolutamente diversas de constrangimento autoritário, a qual é visível 
mesmo a partir do material apresentado. Acentuam, por isso, que existe um 
espírito conservador e, para além dele, uma sujeição à autoridade mesmo sem que 
se verifiquem fundamentos neuróticos e que, de modo geral, a relação entre 
personalidade e atitude política é mais complexa do que parece revelar­se 
através do trabalho de Adorno, Frenkel­Brunswik, Sanford e Levinson.

Apesar destas objecções mantém­se, no entanto, válida a afirmação de que a 
pessoa crente na autoridade vive num sistema fechado, não se encontrando, devido 
a esse isolamento, em situação de receptividade perante certas possibilidades de 
outra espécie. Deste modo não lhe é possível reconhecer o facto de que muitas 
questões, para as quais a autoridade ­que ela considera indiscutível­ parece ter 
resposta definitiva, se encontram, na realidade, ainda em aberto. Paga, assim, 
por uma perda considerável de liberdade a sensação de segurança que experimenta 
ao agarrar­se às suas convicções.

Por outro lado, é evidente que também a pessoa não crente na autoridade pode 
ficar amarrada a preconceitos.

7. OS MEIOS DE DIVULGAÇÃO E A SUA INFLUÊNCIA NAS ATITUDES SOCIAIS

Referimo­nos até agora às atitudes e formações de opinião tal como surgem no 
indivíduo sob a influência muitas vezes considerável de determinados grupos. 
Considerámos sobretudo as influências provenientes do meio ambiente mais próximo 
do indivíduo e que se exercem no decorrer da sua socialização em

grande parte de modo consciente e no sentido de uma conformação educativa.

Vimos, porém, sobretudo no último capítulo, que, neste processo, a par das 
influências educativas, se exercem outras

24
190­192 Três exemplos de propaganda moderna provenientes de três países 
diferentes e utilizados para rês fins diversos: Anúncios para um jornal,

para um automóvel e para um cartaz eleitoral

influências de espécie muito diversa. Trata­se de esforços em

parte conscientes em parte inconscientes realizados pelo meio ambiente, tomado 
em sentido mais amplo,, com o fim de integrar o indivíduo no círculo de 
representações de um grupo. Não só a família e a escola mas também os grupos 
sociais e, mais tarde, profissionais, confessionais e políticos pretendem que os 
seus membros se declarem partidários da respectiva maioria do grupo, no que 
respeita a certas opiniões e modos de ver.

Para além destas influências, manejadas mais ou menos de modo aberto, existem, 
no entanto, outras essencialmente menos

claras na sua origem e nos seus efeitos, mas nem por isso menos

eficazes. Referimo­nos ao poder sugestivo daquilo que se denomina a opinião 
pública, bem como aos chamados meios de divulgação, que propagam hoje em dia 
esse mesma opinião.

Os meios de divulgação são meios que se dirigem à massa

e não ao indivíduo isolado com o fim de tornar conhecidas as

notícias e as opiniões: ­ são eles a imprensa por meio de jornais e revistas, a 
rádio, o cinema e a televisão.

Como estes instrumentos de informação de acontecimentos e de divulgação de 
opiniões, planeados com um extremo requinte, produzidos com todos os meios da 
mais moderna técnica, «dirigidos até junto de cada qual» com todos os truques 
de propaganda, são diversos dos meios antigamente existentes para trans­
missão de notícias e de boatos que se dirigiam na maioria das vezes apenas a um 
pequeno círculo de interessados!

A diferença é tão flagrante como a existente entre as ideias quase místicas que 
Gabriel Tarde e Gustave Le Bon possuíam, há pouco mais de meio século, sobre a 
psicologia das multidões e os métodos de precisão estatística com que, hoje em 
dia, os investigadores isolados bem como os grandes institutos investigam a 
situação e a mutação da opinião pública. O «Gallup Poll», que não só desempenha 
um papel decisivo na investigação da opinião nos Estados Unidos desde a década 
de trinta, como se tornou célebre sobretudo pelas suas previsões por ocasião de 
eleições e de outros acontecimentos importantes, tornou­se mundialmente 
conhecido.

Aos meios de divulgação acima indicados há a juntar como

outro método de influenciação das massas ­provido aliás ele também hoje em dia 
de métodos científicos tanto na aplicação prática como no esclarecimento 
teórico­ a propaganda, também menos benevolentemente designada reclame. No 
conceito de propaganda incluímos todas as medidas que, intencionalmente, mais ou 
menos visam a divulgação das opiniões, subordinando­as a um fim preciso e bem 
determinado. Também neste campo, quão longe nos encontramos da divulgação oral, 
feita por meio de louvor ou indiscrição, daqueles boatos que, como diz Tácito, 
chegam a ser acreditados pelo próprio que os inventou!

O actual processo científico de formação de opinião e de propaganda ­desde os 
serviços informativos até aos « persuasores ocultos» («hidden persuaders»), nome 
dado aos meios propagandísticos que actuam, a ocultas, sobre o ser humano sem 
que, portanto, ele se encontre consciente de tal influênciarem como consequência 
que, a partir da infância, cada qual é constantemente dirigido, sendo a sua 
opinião manipulada por forma a ele ter pouca ou mesmo nenhuma consciência disso.

Como Peter Hofstãtter expõe num livrinho sobre «A Psicologia da opinião 
pública», cuja leitura recomendamos, existem poucas pessoas dispostas a admitir 
que não possuem quaisquer conhecimentos em determinados domínios. Porém, como 
já apontámos, muitas pessoas não se encontram capazes de suportar a incerteza. É 
esse o motivo pelo qual essas pessoas se deixam muitas vezes influenciar sem 
oferecer resistência por alguém que afirme saber isto ou aquilo com segurança. 
Deste modo realiza­se em inúmeros casos uma formação de opinião sobre assuntos 
dos quais, pela sua própria natureza, não se pode ter uma ideia precisa.
Uni exemplo interessante é o do questionário sobre a influência exercida pelas 
estrelas na vida humana, que Hofstãtter dirigiu a 100 recrutas do exército 
austríaco, escolhidos ao acaso. A frase sobre a qual tinham de exteriorizar a 
sua opinião era a seguinte: «A posição das estrelas na altura do nascimento 
influencia toda a vida posterior», Esta é uma afirmação que nunca pôde ser 
exactamente comprovada e à qual, como afirma Hofstãtter, apenas há uma resposta 
sensata a dar: «Não sei».

A gravura 193, que figura nesta página, apresenta o resultado do inquérito.

Avaliando as respostas, verifica­se que a maior parte dos indivíduos 
interrogados responde a esta afirmação com «provavelmente» e só alguns acham 
poder responder com certeza « sim» ou «não».

Assim, já segundo esta pequena investigação, a opinião pública declara­se 
bastante «crente na astrologia», facto este que é comprovado por muitas outras 
investigações. Hofstãtter relata que, nos Estados Unidos, existem nada menos do 
que 162 jornais que publicam horóscopos diariamente e que existem aí 25 000 
pessoas com a profissão de astrólogos e 80000 com a de adivinhos e cartomantes. 
Na Europa Central o caso não é diferente, como sabe todo aquele que leu a 
imprensa nesse sentido, sobretudo os magazines, os jornais de fim­de­semana e as 
revistas.

Enquanto no que se refere à influência das estrelas na vida humana se trata de 
uma questão fáctica para a qual não

existe por enquanto resposta, trata­se, em outros casos, de convicções 
relacionadas com valores.
40 ­                                                  Aqui a opinião

pública desempenha
30 ­                                              o papel de censura

e, em muitos casos
20 ­                                              mesmo, o papel de

destino. Isto não diz
10 ­                                              apenas respeito ao

indivíduo, cuja vida Respostas

pode ser afectada decerto é Pouco talvez é Pos­   com          pela opinião 
pública, que não Provável        sive@  certeza       em casos como o di­
193 A distribuição das respostas à pergunta       vórcio ou o «contrÔsobre a 
influência das estrelas permite con­      le» de nascimentos, cluir a existência 
de uma crença considerável

na astrologia. (Segundo Hofstãtter)          mas também em ou­
tros assuntos cuja escolha é realizada

em

função da influência da opinião pública. Desempenham aqui papel decisivo os 
meios de divulgação e os destinos de povos cuja chefia se encontra subordinada a 
uma propaganda que ela          J própria divulga ou

a uma propaganda imediata.

P Certas experiências feitas ao acaso      194 Tal como o filme    «Modelos» 
apresenta:

Marylin Monroe (ao meio, na frente) com treze às quais, repetidas 
«cópias» vezes, se procedeu, sobretudo em relação com os acontecimentos 
políticos, permitem­nos obter uma certa visão do fenómeno.

Assim, por exemplo P. F. Lazarsfeld, B. Berelson e H. Gaudet, por ocasião das 
eleições para presidente, realizadas nos Estados Unidos no ano de 1940, 
investigaram qual o efeito produzido pelos diferentes meios de propaganda. A 
telefonia foi designada pelo eleitorado como a mais importante fonte de 
informação. Isto verificava­se, no entanto, mais no caso dos democratas e menos 
no caso dos republicanos, que se apoiavam sobretudo na imprensa, Por outro lado, 
verificou­se também que a maioria dos eleitores já se decidira antes da campanha 
eleitoral. Este facto torna­se compreensível para quem conheça, nos Estados 
Unidos, a sujeição de muitíssimos círculos aos partidos. Se se

tivesse tratado de outras decisões a tomar, estas teriam apresentado, 
provavelmente, outro desfecho.

Em 1940, por altura das eleições, a telefonia representava ainda o primeiro 
papel como fonte de divulgação. Hoje em dia, em sítios onde a televisão se 
encontra muito espalhada, ela exerce uma maior influência. Actualmente, nos 
Estados Unidos,
90 % das famílias possui aparelho de televisão; na Grã­Bretanha o número dos 
seus possuidores é de 70 % e na República Federal da Alemanha de 35 %.

A par da televisão, o cinema continua a revestir­se duma extraordinária 
importância para a formação da opinião. As investigações experimentais mostraram 
como, por exemplo, os preconceitos a favor ou contra um povo, uma raça ou 
qualquer outro grupo, são modificados pelo facto de se assistir a um filme que 
vise a formação de uma opinião bem determinada. E a cada passo se pode observar 
em que medida o filme fornece modelos e ideais (ou « ideais »). Todos conhecem 
os adolescentes que copiam a « sua » estrela, e sabemos também, infelizmente, 
quantas vezes a cena de um filme constituiu o «modelo» para um roubo ou um 
assalto.

O que se passa em todas estas espécies de formação de opinião é altamente 
interessante e constitui hoje em dia matéria de investigação em muitas das suas 
particularidades. De entre os estudos levados a efeito por Paul Lazarsfeld e os 
seus colaboradores no «Bureau of Applied Research», destacaremos os realizados 
sobre dois fenómenos especialmente importantes.

O primeiro é o que Lazarsfeld denominou «Exposição Selectiva». Reporta­se ao 
facto de a nossa atenção ser selectiva, ou seja, por outras palavras, ao facto 
de prestarmos maior reparo às coisas que nos interessam ou nos tocam de perto. 
Lazarsfeld, Berelson e Gaudet ocuparam­se com este fenómeno por ocasião das 
eleiçõ es. Segundo as suas investigações, a atenção selectiva inicia­se, por 
exemplo, com o facto de os diferentes indivíduos não escutarem todos os 
oradores, mas sim de preferência alguns bem determinados, de compreenderem, além 
disso, certos argumentos melhor do que outros ou de se recordarem melhor de 
alguns deles, visto lhes dizerem mais intimamente respeito.

Um segundo fenómeno interessante, verificado por P. Lazarsfeld e E. Katz, é a 
chamada comunicação a dois passos: o facto peculiar de a divulgação em massa de 
pareceres, concepções e opiniões se processar a dois passos, visto se interporem 
dirigentes de opinião entre aquele que se encontra interessado na divulgação de 
uma opinião e aqueles que a devem adoptar. A tais dirigentes de opinião, pessoas 
que, pelos mais diversos motivos, recebem a incumbência de representar esse 
papel, é solicitado conselho, e segundo eles orientam­se os demais. Com efeito 
espera­se deles que possuam ou adquiram as informações necessárias para se poder 
dizer o que se tem ou não de fazer. . Este interessante processar da formação da 
opinião pôde ser comprovado em questões de moda bem como em sugestões de 
compras, mas também quando se tratava de introduzir um novo medicamento, ou em 
assuntos relacionados com política, e é provável que as coisas se passem de modo 
semelhante na formação de opinião referente a outros assuntos: por exemplo, na 
tomada de posição perante um caso de justiça que desperta o interesse público, 
ou na apreciação de um artista ou escritor, de um novo filme ou livro.
Os factores decisivos que levam alguém a desempenhar esse papel influente de 
dirigente de opinião são, em primeiro lugar, a personalidade (tem de «ser 
alguém»); em segundo lugar a competência (tem de «saber alguma coisa»); em 
terceiro lugar uma posição social de destaque (tem de «conhecer pessoas»).

Os que se deixam influenciar são frequentemente indivíduos que gostariam de se 
identificar com as pessoas influentes. Por esse motivo, a personalidade do 
dirigente de opinião representa um factor importante.

Porém, a competência é igualmente necessária. Devido à sua experiência, as 
senhoras de meia­idade são muitas vezes ouvidas em questões de compras, o médico 
é interrogado acerca de um novo medicamento e também os jovens são muitas vezes 
reconhecidos como peritos de «jazz», etc.

Em terceiro lugar, é importante a actividade social e a posição do dirigente de 
opinião. ]Ê­lhe necessário estabelecer bastantes contactos e relações, para se 
encontrar tanto apto a ouvir como a divulgar pontos de vista e opiniões.

Os dirigentes de opinião são aqueles que, ainda mais do que a grande massa, se 
submetem a uma mais forte « exposição selectiva» através dos meios de 
divulgação. São eles que lêem jornais e outros relatos, que frequentam 
concertos, teatros, cinemas, passagens de modelos e estudam os anúncios. Como 
consequência da sua influência e do facto de se encontrarem tão bem informados 
são não apenas transmissores de informações como se encontram também em situação 
de exercer pressão sobre o parecer dos outros indivíduos, dando assim maior 
incremento a este ou àquele assunto.
VIII.­O Grupo e o Indivíduo

No capítulo precedente entrámos no âmbito da sociedade juntamente com o 
indivíduo; deste modo, tomámos parte nos processos de socialização do indivíduo. 
No presente capítulo, porém, focaremos o papel e a posição do indivíduo a partir 
da sociedade a que pertence. A sociedade representa uma organização com 
objectivos que são formulados em leis, preceitos, regras e que servem o bem da 
colectividade. Este bem é, aliás, interpretado de modo diverso nas diferentes 
sociedades, mas trata­se sempre, por um lado, de medidas de protecção e, por 
outro, da promoção dos interesses dos indivíduos e da colectividade. A 
colectividade apresenta uma hierarquia de organizações. Cada indivíduo pertence 
a muitos dos grupos em parte paralelos, em parte subordinados, em parte 
sobrepostos uns aos outros. Estes podem ser estruturas formais, como a família, 
a paróquia, o estado, ou podem constituir­se em grupos não formais, como sejam 
os grupos de jovens, os grupos de amigos e os grupos de trabalho. Estes podem, 
por sua vez, tomar formas mais definidas como algumas associações e sociedades 
de participação voluntária, ou como os escuteiros dos países anglo­saxónicos, os 
grupos constituídos pelos «movimentos da juventude» ou os clubes.

Uma vez que o conceito de grupo é hoje um dos conceitos mais importantes na 
Sociologia e o papel do indivíduo dentro do grupo se reveste dum significado 
particular sob o ponto de vista da Psicologia Social, teremos de nos ocupar, 
algo mais pormenorizadamente, com as relações do indivíduo e do grupo. Este modo 
de observação do ponto de vista da Psicologia Social é em geral menos acessível 
ao não perito do que o processado a partir do ou dos indivíduos.
1. O QUE É UM GRUPO?

Todos sabem o que se entende pela palavra grupo. Apesar disso é bastante difícil 
definir quais são, de facto, as características de um grupo. Consideremo­las 
passo a passo.

Em primeiro lugar esclareçamos o que não constitui um

grupo. Uma série de pessoas que se reúne em qualquer parte, por acaso, não é, 
em sentido sociológico, designada grupo mas

sim multidão ou ajuntamento. Por exemplo: uma série de pessoas junta­se em 
frente de uma montra onde se encontra exposto o mais recente modelo de 
televisão. l@ possível que se faça uma

ou outra observação, mas não existe uma coesão entre os espectadores. Como Asch 
acentua, a disposição que os levou a reunir­se não é significativa.

Porém, de repente, um deles exclama em voz alta, de modo que todos o oiçam:

«Outra vez só reclames!» «Não acho nada mau», responde uma pacata dona de casa, 
«é interessante, vêem­se coisas novas.»

«Que disparate!», diz o primeiro, malcriadamente, «tudo isto é só para atrair o 
comprador.»

Pode então acontecer que outros interfiram na conversa e, no caso de esta 
prosseguir, atinge­se normalmente uma espécie de ordem no debate, sendo possível 
que os dois que falaram em

primeiro lugar se tornem uma espécie de «dirigentes» da discussão, no decorrer 
da qual se podem mesmo

formar autênticos partidos.

Encontramos aqui o inicio de uma organização que não representa ainda um grupo 
genuíno em sentido sociológico visto a reunião não possuir nem

um verdadeiro objectivo nem uma **perten­ ­­­­­­­­ ­ ­­­­­­­­ ou coesão que se

mantenha.
A aglomeração adquire um certo grau
195 A aglomeração de gente em frente da      de formação de grupo montra ainda 
não constitui um verdadeiro

grupo                     visto iniciar­se uma
relação recíproca entre os presentes, e os indivíduos isolados em breve 
representarem certos papéis mais ou menos determinados. A senhora corpulenta do 
nosso exemplo transforma­se, pouco a pouco, em advogada da firma expositora, ao 
passo que o homem pouco educado representa o papel de opositor da propaganda. ]É 
possível que os outros contribuam com novos argumentos e pode muito bem ser que, 
no intervalo de alguns minutos, o homem e a mulher se transformem em chefes de 
dois partidos. Nesse momento eles ­ e talvez outros também ­ começam a exercer 
uma influência sobre a opinião dos restantes.

O «grupo» que acabamos de descrever é um produto do acaso, constituído apenas 
para aquele momento. Contudo, o facto de os seres humanos, onde quer que se 
encontrem, terem a tendência para estabelecer relações recíprocas e se 
influenciar mutuamente, é hoje estudado pormenorizadamente, bem como

utilizado em larga escala nos métodos pedagógicos e terapêuticos.

O grupo que observámos até agora era não só condicionado pelo acaso como 
desligado e desmembrado. Para que o grupo possa ser considerado uma verdadeira 
estrutura, é necessário que possua determinados membros em relação recíproca uns

com os outros, e que receba uma organização e um objectivo definido. Kurt Lewin 
verifica que os membros de grupos se

encontram uns perante os outros em dependência recíproca, e

Cooley frisa que se produz o fundamento do grupo quando os

seus membros se sentem «nós». Chama a isso o «sentimento de nós».

Parece­me elucidativo considerar estas coisas a partir da experiência da nossa 
vida diária para melhor se compreender

a o significado dos conceitos. Suponhamos que o Sr. e a Sr. Lehmann tenham uma 
reunião em sua casa. Possuem um círculo de amigos bastante vasto e pretendem 
constituir um grupo por forma a que todos os convidados se distraiam.

«Bem, em primeiro lugar vou convidar os Baier e os Kõnig», diz a senhora 
Lehmann. «São bons para criar ambiente. São pessoas agradáveis e divertidas e 
têm sempre coisas novas a

contar que viram ou ouviram dizer. A Liesel Baier acaba de chegar de uma grande 
viagem à América.»
«Está bem», diz o Sr. Lehmann, «mas para mim é mais importante convidarmos o 
Wilhelm Müller ­ainda há pouco se

interessou tanto por mim lá no emprego que lhe devo uma certa gratidão. »

«Ora o Müller!», diz a Senhora Lehmann bastante infeliz, «isso chega para dar 
cabo da noite. Nunca pára de falar, toma
sempre conta da conversa; porque é que não o convidamos para jantar sozinho com 
a mulher em vez de o deixarmos estragar a

atmosfera da reunião? Por favor, Fritz, tens de compreender!»

«Bem sei que tens razão», diz Fritz Lehmann, «mas ainda tenho de  pensar. Se não 
o convidares, não podemos convidar desta vez ninguém do emprego. Bem, a quem é 
que devemos ainda um  convite?»

«Aos Altmann, mas a Liesel Baier e a Mizzi Altmann não podem uma com a outra.»

«Mas, Irma, só te preocupas com essa mimalha da Liesel. Se ela não gosta da 
Mizzi que fale com as outras pessoas. A reunião é bastante grande para as duas 
se poderem evitar.»

«0 que eu quero é que haja boa disposição e que possamos passar uma noite 
agradável», diz Irma. «Quando as pessoas não ligam umas com as outras, como 
ainda outro dia aconteceu na

reunião em casa dos Schultze, fica tudo estragado. Deixa ver

quem é que falta ainda ... »

Neste fragmento de conversa reconhecem­se pontos de vista importantes sobre o 
plano de formação de um grupo. Ao reunir os convidados para a sua festa, um 
casal tem em vista diversos objectivos: conversa agradável, boa disposição, 
afinidades entre os convidados ­ todos estes factos lhe parecem essenciais para 
que a noite seja bem sucedida. Se bem que, neste caso, a formação do grupo fosse 
uma coisa transitória, ela devia ir ao

encontro das tendências de cada um. Simultaneamente pesam­se as obrigações. A 
partir de reuniões anteriores o casal sabe que os efeitos favoráveis ou 
desfavoráveis que os participantes do grupo exercem uns sobre os outros 
permanecem mais ou menos gravados na memória. A dinâmica, ou seja o jogo de 
forças que ocorre numa ocasião dessas, é poucas vezes verdadeiramente rica em 
consequências, mas, em determinadas circunstâncias, podem soltar­se certas 
palavras ou surgir determinadas impressões que sejam, de facto, úteis ou 
prejudiciais­ para um ou outro participante.

Em face do primeiro agrupamento que referimos e que era obra do acaso, esta 
reunião, que acabamos de descrever, constitui um grupo mais planeado e que se 
estabeleceu tendo em
vista um objectivo. Porém, também ele não constitui ainda um

verdadeiro grupo sob o ponto de vista sociológico.

Este é, em primeiro lugar, definido por um objectivo comum

e, logo em seguida, por uma série de características recentemente investigadas 
em muitos aspectos por Dorwin Cartwright e um

numeroso grupo de outros discípulos de Kurt Lewin. Entre elas
são sobretudo importantes a coesão, ou seja o facto de os componentes se 
manterem unidos, os padrões, as chefias e a distribuição de papéis.

Parecem­me particularmente interessantes as investigações realizadas acerca da 
coesão. Mais do que todas as outras ela é essencial para assegurar a 
sobrevivência de um grupo. O grau de coesão depende, por um lado, da força de 
atracção mútua que os membros exercem uns sobre os outros; por outro lado, do 
interesse que as actividades do grupo despertam.

Assim, Stanley Schachter fez a seguinte experiência: fundou quatro clubes 
juntamente com os estudantes da Universidade de Michigan. Denominou­os 
radioclube, cineclube, clube de redactores e clube de estudos jurídicos.

O clube jurídico constituiu­se, pretensamente, pelo facto de alguns juízes e 
advogados pretenderem recolher os pareceres de um grupo de estudantes acerca de 
determinados casos jurídicos.

A constituição do clube de redactores teria sido proposta por uma revista nova, 
a publicar em todo o país, a qual pretendia ser aconselhada no respeitante aos 
seus artigos. O clube cinematográfico ter­se­ia constituído para um determinado 
cinema, com o fim de auxiliar a selecção dos programas.

O clube de rádio destinava­se a investigar a razão do sucesso de determinado 
posto emissor.

Os clubes ocuparam­se então do caso fictício «Jonny Rocco», a história de um 
jovem delinquente, que eles deveriam tratar segundo as suas atribuições 
próprias: como problema jurídico, como artigo de jornal, como filme e como 
programa radiofónico.

A experiência foi realizada de forma a ser possível investigar os mais diversos 
factores. Assim, por exemplo, para os clubes jurídico e cinematográfico os 
monitores apenas escolheram os

participantes que, em questionário p apresentado, tinham revelado entusiasmo por 
essa     espécie de actividades, ao

passo que o clube de redactores e de rádio foi constituído pelos menos 
interessados.

A coesão, avaliada mercê de certas perguntas, foi nos dois primeiros clubes 
quase o dobro da manifestada nos dois restantes. Além da coesão, foi possível 
ainda medir e manipular outros factores.
De todas estas experiências resulta que o decurso de processos de grupo depende 
de leis internas bem determinadas. O perito pode evidentemente manipulá­las em 
maior ou menor escala. O grau de manipulação possível deveria depender do
grupo ser mais ou menos fechado, da importância das suas actividades e 
objectivos e da convicção com que os participantes do grupo trabalham.

Os grupos estáveis, por exemplo, as administrações municipais ou nacionais, as 
grandes associações e partidos, fundamentam­se geralmente em estatutos, regras 
ou leis, quer dizer, em

qualquer espécie de contrato. A sua defesa é garantida pelos membros, sobretudo 
por aqueles a quem é confiada a direcção. Estes funcionários constituem a 
corporação. Os papéis dos restantes membros podem ser fixos com mais ou menos 
amplitude. No entanto, seja em que caso for, todos os membros do grupo se 
encontram ligados pelo facto de actuarem em comum e se subordinarem a objectivos 
comuns. A partir desses objectivos resultam os direitos e os deveres inerentes 
ao papel que cada membro de um grupo representa.

2. A ORIGEM E A SUBSISTÊNCIA DOS PEQUENOS GRUPOS

Como surgem os pequenos grupos e como se mantêm? Eis duas perguntas 
interessantes, formuladas pela primeira vez nestes moldes por Homans e Riecken.

Segundo Znaniecki, um dos primeiros sistematizadores de entre os teóricos de 
grupo, muitos grupos surgem pelo facto de uma série de indivíduos se associar 
espontaneamente e actuar voluntariamente em conjunto, tendo em vista determinado 
fim. Um exemplo: verifica­se uma reunião feminina, com o fim de organizar uma 
demonstração pública a favor da manutenção da paz mundial. No caso de se tratar 
de uma única demonstração, a formação do grupo é temporária. Porém, se algumas 
participantes resolvessem fundar uma associação com o fim de provei à paz 
mundial, recorrendo ao auxílio de muitos dos seus membros, seria necessário que 
a forma de organização, os seus objectivos, as tarefas dos respectivos membros 
­os seus papéis­ se

encontrassem delineados e formulados em estatutos.

Já no voltar do século, Georg Simmel se ocupou com o problema da estrutura de 
grupo, ao investigar os pequenos grupos a partir das suas características 
fundamentais. Simmel defendia, por exemplo, o ponto de vista de que os grupos de 
três não são estáveis visto existir sempre a tendência de dois se aliarem contra 
o terceiro. Estes pontos foram investigados recentemente de modo experimental, 
tendo­se podido comprovar, no essencial, a hipótese de Simmel. Por outro lado, o 
terceiro pode ser importante como árbitro. Porém, em determinadas
circunstâncias, o terceiro ­ pensemos no papel de filho único de um casal ­ pode 
contribuir, de modo essencial, para a união de um par (que representa a mais 
pequena forma de grupo possível).

O número de membros e o tamanho de um grupo são factores importantes quando o 
grupo tem de se afirmar, quando tem de solucionar os problemas que se lhe põem. 
Parece­me interessante o que foi recentemente descoberto por um sociólogo: que, 
nos Estados Unidos, as comissões do Congresso e certas comissões do Governo têm, 
em média, 6 membros quando são convocadas para tomar deliberações e 14 membros 
quando exercem uma função consultiva. No caso de grupos não formais ­ ou

seja, agrupamentos menos rígidos, tais como se constituem para ir dar um 
passeio, fazer compras, conversar, trabalhar ­ o mesmo

autor (J. James) encontrou em média dois a três membros.

Estes pequenos grupos, nos quais passamos, segundo parece, a maior parte da 
nossa vida, pertencem aos grupos primários que já citámos, ou face­to­face 
groups, segundo a designação de Cooley, isto é, grupos cujos participantes se 
conhecem bem. Deles distinguem­se os grupos secundários, ou seja, os grupos 
cujos membros não é necessário que se conheçam pessoalmente. Uma grande 
associação é um grupo secundário, tal como a população de uma grande empresa ou 
de uma cidade. Para fins de

196­197 Os componentes de grupos primários (à direita, por ocasião de um 
passeio) conhecem­se bem, ao passo que os pertencentes a um grupo secundário 
(por exemplo a uma grande empresa ­imagem da esquerda),

não é necessário que se conheçam pessoalmente
distinção de grupos mais restritos e mais vastos propuseram­se ainda outras 
modalidades de distribuição. Assim, Tõnnies distingue comunidade e sociedade. A 
mim pessoalmente, a distinção em grupos primários e secundários parece­me 
particularmente elucidativa.

Cooley considerou certos pequenos grupos, como sejam a família e o grupo de 
jogos, os principais agentes da socialização. Simmel considerou igualmente os 
pequenos grupos como sistemas sociais em miniatura, que vale a pena estudar, 
visto ser

possível compreender a partir deles os produtos sociais. De facto, os pequenos 
grupos pertencem, hoje em dia, aos objectivos mais importantes da investigação 
sociológica. Seguidamente voltaremos a referir­nos a este assunto.

3. ESTRUTURA E PROCESSOS DE GRUPO

Quando uma série de pessoas se reúne, formando um grupo, quer isso dizer que 
cria uma organização. Esta pode ser formal ou, a princípio, absolutamente não 
formal; constitui, em todo o caso, o início de uma estrutura de grupo. Esta 
desenvolve­se então em diversos sentidos. Daí resultam relações dos membros uns 
com os outros, destacam­se posições e verifica­se uma troca de posições: 
realizam­se comunicações, determinações e resoluções; desenvolvem­se papéis de 
chefia e determinadas tarefas específicas: atinge­se uma especialização entre os 
componentes do grupo.

As diferentes espécies de comunicação que surgem por ocasião da constituição de 
um grupo foram investigadas e classificadas pormenorizadamente pelos sociólogos. 
Chama­se a este ramo de investigação a dinâmica de grupo. A mais conhecida é 
talvez a análise do processo de interacção de R. F. Bales que investiga, pois, 
os fenómenos resultantes das relações recíprocas dos membros de um grupo. Com 
base no seu estudo de grupos, Bales chega à conclusão de que, por ocasião da 
deliberação sobre qualquer questão que diga respeito ao grupo, os participantes 
do grupo constituem relações entre si fundamentalmente segundo doze modalidades 
de comportamento. Ao contar o grau de frequência de aparição de uma dessas 
categorias no decurso de uma sessão, obtém o perfil da estrutura social de um 
tal encontro.

Exemplo disso é o perfil, que aqui representamos graficamente, do processo de 
interacção de grupos de rapazes de 15 anos que discutiam determinada questão. 
Parece­me interessante reproduzi­lo.
1. Mostrar solidariedade. exprimir admiração. ser solícito

k1

2, Te, um aspecto descontraído, rir. dizer gracejos.

exprimir satisfação

3. Concordar. mostrar compreensão

4. Fazer sugestões. mostrar possibilidades de

acção
monitor, se viu por fim obrigado a forjar alguns incidentes sérios e 
desagradáveis para todos eles, a fim de que estes, em face de uma situação de 
emergência, se unissem em defesa comum. Deste modo fez rebentar a canalização da 
água e a situação drástica de emergência, assim criada, obrigou os rapazes a 
trabalhar em conjunto.

Exprimindo­nos de outro modo: um objectivo comum, ditado pela necessidade, 
consegue uma nova fusão do grupo.

Devido à rivalidade, à tensão, ao conflito, os processos de grupo são 
frequentemente minados ­como todos sabem através da experiência feita à mesa do 
café, do salão de chá, do seu clube, do seu grupo profissional e do seu partido. 
Podem­se assim atingir crises, ou seja, situações em que o malogro de indivíduos 
ou de grupos esteja ameaçadoramente iminente. Os conflitos ­ os existentes entre 
os diversos participantes do grupo ou entre grupos especiais (cliques) que se 
constituem no interior do grupo ­ são a causa, não única, mas frequente, de 
crises que ameaçam a subsistência do grupo. Mais adiante, em relação

com a descrição da família como grupo, tomaremos conhecimento de crises 
motivadas por outras causas.

As crises que ameaçam a subsistência de um grupo ou as relações entre dois ou 
mais grupos, e que não encontram solução por meio de compromissos ou de 
objectivos comuns, conduzem, em casos extremos, a cisões, a actos hostis e, 
tratando­se de nações, possivelmente à guerra. Precisamente no momento actual 
encontramo­nos perante o problema de saber se esse perigo extremo que ameaça a 
humanidade, e que diz respeito a todos os homens, é suficientemente compreendido 
por todos os responsáveis dos grandes grupos ­ as nações ­ para que seja 
impedida uma nova guerra e para que os partidos contrários sejam levados a 
colaborar na busca duma solução para o conflito.

Em todos os grupos os membros são os componentes fundamentais. Segundo o 
objectivo e a constituição do grupo, cabem a cada qual determinadas tarefas. 
Quer dizer, existem determinadas expectativas no que diz respeito ao 
comportamento dos membros e são atribuídos determinados papéis aos indivíduos.

Introduzimos já o conceito de papel no capítulo anterior (vide págs. 359 e 
segs.), ao referirmo­nos sobretudo aos papéis que acompanham o crescimento da 
criança. Distinguimos entre os papéis escolhidos pelo indivíduo e os papéis que 
lhe são atribuídos. Quanto mais rigorosamente organizado for um grupo, tanto 
mais declarada será a sua influência sobre os papéis que os seus membros têm a 
representar. Por vezes o grupo exerce uma pressão sobre aqueles que não 
desempenham os seus papéis
de acordo com a expectativa. Isto diz respeito tanto às pequenas organizações 
como à sociedade no seu todo. Esta, por sua vez, pode atribuir a alguns ou a 
muitos grupos determinadas funções
­ papéis, portanto ­ assim como, pelo contrário, outros grupos podem lutar por 
adquirir um papel dentro da sociedade. Nas diferentes culturas reinam diferenças 
essenciais no que respeita aos papéis que são atribuídos, por exemplo, a um 
grupo de determinada idade, ao sexo masculino e feminino e aos diversos grupos 
sociais e profissionais.

Muitos papéis de grupo fixaram­se através de um consenso, quer dizer, mediante 
um acordo sobre determinados assuntos, formado no decorrer do tempo. É o que se 
verifica na maioria das culturas com o papel que a mulher desempenha no lar. Ela 
representou esse papel durante muito tempo mesmo na cultura ocidental, onde tal 
situação, no entanto, se encontra hoje em

vias de claudicar simultaneamente com a mutação de muitas situações e fenómenos 
sociais antigamente tidos por amovíveis.

No que respeita a observância do consenso bem como de outros regulamentos 
sociais, existem diversos graus de liberdade consoante os diferentes grupos; 
quer dizer, a capacidade de adequação ou de conformismo que se espera do 
indivíduo é variável.

No entanto, é indispensável um mínimo de consenso e de conformismo para a 
subsistência de um grupo e de uma sociedade. O facto de a actual sociedade 
humana se encontrar cada dia visivelmente mais empenhada em abalar as 
regulamentações existentes permite concluir que se vai preparando uma ordem 
social absolutamente nova ­ a menos que se prepare um desmoronamento social.

A ordem existente em associações de regulamentação rígida apoia­se, normalmente, 
num conformismo tão divulgado ou quase tão generalizado que se pode contar com 
ele.

Juntamente com os seus alunos, Floyd Allport procedeu a

investigações sobre o conformismo verificado em algumas situações sociais 
bastante heterogéneas.

Observaram­se primeiramente católicos ao entrar na igreja.
O que nessa situação se espera de um católico ­que humedeça a mão em água benta 
e se benza ­ foi praticado por quase todos.

A outra situação foi o comportamento de automobilistas num cruzamento assinalado 
com a luz vermelha: 94 % pararam,
5 % seguiram devagar e 1 % avançou sem diminuir a velocidade.

O trabalho de Allport provém contudo do ano de 1934. Desde então a situação do 
trânsito modificou­se radicalmente: o número de veículos cresceu de modo 
considerável, os regulamentos e
sanções tornaram­se muito mais severos. Assim, é de supor que, hoje em dia, ao 
sinal vermelho avançassem muito menos do que
6 % e, em circunstâncias normais, não avançasse mesmo ninguém.

Importante para a forma como decorrem as actividades de grupo é o ambiente 
criado. Consideremos, mais uma vez, a reunião projectada pelo Senhor e pela 
Senhora Lelunann (vide pág.
379). Se os donos da casa tiverem conseguido seleccionar os

seus convidados de forma a que estes tornem a noite agradável ou interessante 
uns aos outros, ter­se­á criado, no decorrer de algumas horas, um ambiente 
simpático como resultado das conversas, do comportamento, dos sentimentos e 
opiniões expressos ou reprimidos.

Os americanos usam a expressão sentiment para estas reacções que se verificam no 
interior de um grupo e são motivadas em parte por causas emocionais, em parte 
por causas objectivas. Homans, um dos mais representativos teóricos de grupo, 
considera o sentimento uma das mais importantes características decisivas da 
estrutura de grupo. O grupo como todo, bem

como as relações dos diferentes membros uns com os outros são dominados pela 
formação de determinados sentimentos.

Se, por exemplo, na reunião dos Lehmann, Liesel Baier e

Mizzi Altmann se irritarem mutuamente, se Mizzi começar talvez a falar com o 
Senhor Kõnig sobre outros assuntos, enquanto Liesel tenta desviar o interesse 
geral para a sua viagem à América, poder­se­á criar um ambiente desagradável que 
pode ser

apenas passageiro ou, pelo contrário, manter­se, dando origem a sentimentos 
negativos e recíprocos por parte dos diversos convidados.

Porém, se Liesel e Mizzi se entenderem inesperadamente bem nessa noite ­ talvez 
Liesel admire o vestido e o penteado de Mizzi­ e se, além disso, Liesel começar 
a fazer um relato interessante da sua viagem, poderá surgir um ambiente 
agradável e desenvolve r­se­ão sentimentos amigáveis. Numa noite assim, Liesel 
poderia adquirir um certo grau de popularidade.

Já no capítulo sobre o desenvolvimento nos referimos ao facto de as crianças a 
partir de tenra idade e mais tarde também os adultos incluírem os membros de 
qualquer grupo de que sejam participantes em hierarquizações de valor. Esta 
inclusão na hierarquia de valor realiza­se segundo os mais diversos pontos de 
vista.

Os mais importantes são a popularidade e a capacidade. Uma hierarquização 
segundo estes pontos de vista exige já, aliás, um certo grau de conhecimento 
recíproco. Mas mesmo no caso de uma impressão superficial ­seja num restaurante 
ou num
autocarro ­ muitas pessoas procedem a uma avaliação dos que se

lhe sentam ao pé, classificando socialmente o seu aspecto, o seu comportamento, 
o seu modo de falar e outras características. Já as crianças em idade escolar 
bem como os adultos de qualquer grau de cultura são capazes de uma avaliação 
social deste tipo, bem como de tomar uma decisão a favor ou contra alguém, quer 
se trate de popularidade ou de capacidade para a realização de qualquer tarefa.

Foi possível fazer esta comprovação mediante questionários sobre o grau de 
popularidade, realizados em 1925 por Hildegard Hetzer e por discípulos de Paul 
Lazarsfeld, no Instituto de Psicologia de Viena. Estes trabalhos podem ser 
considerados como precursores dos testes sociométricos, desenvolvidos por Jacob 
L. Moreno, com o auxílio dos quais se medem hoje em dia as hierarquias. A 
partir dos trabalhos de Moreno e da sua escola, desenvolveu­se, entretanto, uma 
ciência própria da Sociometria, cujo resultado mais importante é o seguinte: em 
cada grupo os

participantes adquirem um grau sociométrico, ou seja, uma

posição que lhes é atribuída com base em determinados critérios.
O que houve de peculiar e de surpreendente nestas investigações foi ter­se 
comprovado, logo de início, que a atribuição de um

lugar hierárquico se processa de modo extraordinariamente fácil, sem instrução 
prévia dos membros do grupo e muitas vezes sem longa meditação. Assim, não é de 
admirar que os amigos que se apreciam mutuamente ou que têm em comum 
determinados valores tenham tendência a apoiar­se mutuamente nessas eleições. No 
entanto, como Helen Jennings demonstrou em eleições num reformatório para 
raparigas, têm­se em conta, no essencial, as normas e valores de grupo.

O que são, porém, essas normas de grupo? O facto de os

seres humanos se encontrarem constantemente conscientes desses valores e padrões 
faz parte das mais interessantes averiguações da Psicologia Social. Lippitt 
pôde, por exemplo, demonstrar que os membros de um grupo de discussão já no 
prazo de algumas semanas desenvolviam pontos de vista que lhes possibilitavam 
proceder a hierarquias para atribuição de distinções no trabalho ou no tempo 
livre.

A Sociometria é um dos meios de auxiliar o indivíduo a um certo conhecimento de 
si próprio. A partir da infância, cada qual comporta em si uma determinada 
imagem de si próprio e dos outros. Os primeiros fundamentos realizados neste 
sentido são criados, como é natural, na família.
Tina, criança bonita, fora desde muito pequena preparada pelos pais, que a 
idolatravam, e pelos parentes, que a admiravam, para o papel de «estrela». 
Encontrava­se tão consciente dos seus encantos que se sentiu extremamente 
afectada pela rejeição de um jovem que a denominou «boneca, mimada». E, mais 
tarde, confessou ao seu psicoterapeuta ter chorado amargamente quando, por 
ocasião de um inquérito, realizado na turma, para apurar o grau de popularidade 
de cada qual, verificou encontrar­se muito abaixo no grau de hierarquia.

Deste modo, a observação sociométrica permite mostrar a alguém se, e em que 
medida, a imagem que ele tem de si próprio coincide com a que os outros têm.

No treino da sensibilização, cada vez mais utilizado hoje em

dia, sobretudo no campo da Economia, a tomada de consciência do efeito que se 
produz sobre os outros representa um papel primordial. Aliás, a administração de 
empresas serve­se neste aspecto de métodos mais apurados do que a Sociometria.

O treino de sensibilização processa­se sob a forma de sessões terapêuticas de 
grupo, nas quais jovens que se dedicam ao ramo do negócio tomam conhecimento do 
efeito que a sua maneira de falar e o seu comportamento produzem nos 
subordinados e colegas. Por meio da reprodução de entrevistas com

existência real e da representação dramática de operações comerciais, os 
participantes tornam­se conscientes da sua maneira de proceder e da reacção que 
ela provoca nos outros.

No centro deste método encontra­se o conceito de sensibilidade social, 
desenvolvido sobretudo por R. Tannenbaum, I. R. Wechsler e F. Massarik. Os 
autores reportam­se às investigações da experiência imediata realizadas por 
Husserl e ao conceito de intropatia de Th. Lipp. O processo de compreensão de 
outros seres humanos e a percepção social ocupam já uma abundante bibliografia; 
um dos livros de maior renome é a obra de Fritz Heider «Psicologia das relações 
inter­humanas».

A consciência das hierarquias parece ser conferida na percepção social desde 
muito cedo. Um fundamento primário poderia provir das experiências de 
superioridade que se podem verificar em crianças já no segundo ano de vida e 
mesmo antes disso. É evidente tratar­se aqui de modos de procedimento muito 
fundamentais que podem estar relacionados com a concorrência necessária para a 
manutenção da vida, visto que já em animais foi possível observar hierarquias na 
recepção de alimentos e em lutas de competição. Célebre é a «ordem das bicadas» 
das galinhas, descoberta por D. Katz e estudada por Schjelderup­Ebbe: na 
hierarquia existe, no topo, uma galinha que pica todas as outras, ao passo que a 
galinha de mais baixa condição é picada pelas restantes,
Em muitos grupos, cuja existência é garantida exclusivamente pelo encontro 
regular de algumas pessoas principais e cuja actuação equívoca põe 
constantemente em perigo os membros do grupo, as regras de hierarquia são 
aplicadas de modo muito estrito. Particularmente interessante neste aspecto é o 
estudo da «sociedade das esquinas da rua», realizado por William F. Whyte, ou 
seja, o estudo de alguns grupos de jovens dos bairros pobres de Boston que 
apresentam uma organização social extremamente rigorosa.

Whyte, que travou relações de amizade sobretudo com os respectivos chefes destes 
grupos no limite do associal, adquiriu uma visão extraordinariamente clara dos 
fenómenos que ocorrem no interior dos grupos, A sua estrutura revela uma 
hierarquia de relações pessoais baseada num sistema de obrigações mútuas. O 
rapaz da rua, pertencente a um desses grupos, recebe uma instrução que o 
prepara, por vezes, para uma verdadeira carreira política mas, mais 
frequentemente, para uma carreira nas filas dos «gangsters» e traficantes 
políticos.

A este objectivo correspondem também as exigências postas aos diversos 
componentes. A sua posição no «gang» ­esta palavra significa mais ou menos 
«bando» ou «clique»­ depende consideravelmente de quanto ele é engenhoso, de 
quanto as suas ideias, interesses e capacidades correspondem aos respectivos

interesses do grupo, do seu grau de adaptação, Doc                 da medida em 
que se Milce                 Danny    pode confiar nele e de

se encontrar ou não Soho John                                   disposto a 
partilhar os

seus haveres com outros. Nutsy     Angelo        A partir da graFrank 
vura pode­se deduzir o

grau de hierarquia no

interior de um destes Carl                           bandos estudados por

Whyte, que pertencem aliás, todos eles, a um bairro duma cidade Membros da 
Norton­             italiana.

Influência

Os nomes estão ordenados de cima para baixo de acordo

com a respectiva hierarquia
199 A hierarquia dos treze membros da clique chefiada por «Doc». (Segundo

W. F. Whyte)
O chefe do grupo, Doc, cujo nome é uma alcunha, tal como

o de todos os outros, era considerado um rapaz inteligente e

dotado em Norton Street Settlement onde, durante um tempo, exercera as suas 
actividades. Filho mais novo de uma família numerosa, oriunda dos Abruzos, 
perdera o pai ainda muito pequeno. A partir de cerca dos 12 anos encontrava­se 
convencido de que só por meio de combates de que saísse vitorioso se

poderia dar ao respeito a uma pessoa. Assim, começou a bater­se com rapazes mais 
velhos, no que foi bem sucedido; no entanto, a sua posição de chefe, que criou 
desde os seus 13 ou 14 anos de idade e ainda mantinha aos 29 anos, deve­a ao 
facto de não ser unicamente forte mas solícito para com os mais fracos e

para com os que eram atacados injustamente, de ser um amigo no qual se podia 
confiar e de ser, além disso, talentoso e inteligente. «Eles acreditam em mim, 
Bill» ­disse ele ao Dr. Whyte.

Na organização do «gang» que se manteve cerca de dois anos até se desfazer por 
si, Doe foi o chefe incontestável. Ele escolhe os subchefes e atribui aos 
restantes os seus lugares hierárquicos. No caso de haver alguma coisa planeada, 
por exemplo um desafio de bola com outro grupo ou outra coisa no género, o chefe 
trata do assunto com os subchefes, que por sua vez

mobilizam o grupo.

Quando um componente de categoria inferior pretende empreender algo que diz 
respeito ao «gang», é obrigado a pedir licença.

Por exemplo, Alec, que ocupa o lugar menos relevante, projectava vender cerveja 
aos participantes e esperava obter um

certo lucro com o negócio. A proposta foi apoiada por Doc e em seguida 
autorizada; no entanto, Alec teve de admitir que a

sua proposta original fosse consideravelmente modificada por Danny, que ocupava 
um posto superior.

O «gang» tem um certo código de honra, cuja infracção é punida.

Quando, por exemplo, Nutsy, que ocupava uma posição elevada, travou relações com 
uma rapariga que o grupo considerava inferior e foi ao ponto de querer casar com 
ela, tal atitude custou­lhe o posto.
Os «Norton» oferecem, assim, o exemplo de uma organização de grupo que, embora à 
margem da sociedade da classe média, se encontra, no entanto, rigidamente 
estruturada e é mantida devido a uma «praxe», um complexo de regras e de normas. 
Simultaneamente foi possível esclarecer o princípio de chefia. Neste aspecto é 
importante verificar que, mesmo numa clique mantida por motivos bastante 
duvidosos, tal como acontece num «gang» deste género, o chefe apenas se pode 
manter com base em certas qualidades que sejam valiosas para os restantes 
membros. Tem de ser inteligente e rico em ideias, tem de ser decidido e é 
necessário que as suas decisões se revelem eficazes para o grupo. Deve ser digno 
de confiança e recto, ser solícito nas suas palavras e acções; tem de demonstrar 
generosidade e, mesmo que não seja o melhor em tudo, tem de ser contudo capaz de 
se distinguir até certo ponto num dos domínios que se revelem essenciais para o 
grupo.

4. CHEFIA, GRUPO E MASSA

O desenvolvimento, as espécies e os processos de chefia foram estudados, nos 
últimos decénios, talvez mais do que qualquer outro fenómeno social, partindo 
certamente do pressuposto de que muito haveria a remediar neste mundo, caso 
fosse possível criar nele uma chefia verdadeiramente valiosa.

Mais difícil ainda do que a definição de grupo é a definição de chefia, porque 
essa expressão é utilizada para lugares de primazia de espécie muito diversa.

Tentemos esclarecer algumas das características decisivas. Quaisquer que sejam 
as circunstâncias, um chefe é aquele cuja actuação se desenvolve em determinada 
situação social, na qual ele exerce uma influência sobre outros em determinados 
sentidos. Essa influência pode resultar de facto das circunstâncias, pode 
realizar­se eventualmente sem esforço da pessoa em questão ou pode ser 
conquistada por alguém que se sinta destinado para chefe. E, finalmente, pode 
alguém, ainda, ser simplesmente nomeado chefe.

Os chefes espirituais da humanidade, de verdadeira grandeza, que, devido ao seu 
génio, anunciam novas ideias, encontram­se na maior parte dos casos, mas não 
necessariamente, conscientes do seu papel de inovadores. Contudo muitas vezes a 
sua influência apenas se demonstra no decorrer dos tempos e

através da História; não é fundamentada em primeiro lugar pela afirmação dos 
chefes como tal, mas sim pelo facto de as

suas ideias modificarem o universo.
O outro extremo é constituído, de certo modo, pelos que são nomeados chefes; 
portanto, por aqueles que são elevados por outros a posições de comando, sem 
necessariamente terem aptidão para chefes. Os motivos pelos quais são nomeados 
chefes ou lhes é atribuída uma posição de chefia podem ser de ordem histórica ou 
encontrar­se subordinados a determinado objectivo. Deste modo, o monarca que 
ascende ao trono pela ordem da
sucessão é chamado a reinar de acordo com a lei, o que não quer dizer que 
possua verdadeira aptidão para a chefia. O mesmo se pode aplicar sobretudo a 
cargos da mais variada espécie. Em determinadas circunstâncias, o papel de 
chefe, adquirido em tais situações, é mais simbólico ou nominal do que real.

No meio, entre estes extremos, encontra­se a chefia daquele que se sente 
destinado para chefe em qualquer domínio, que anseia por exercer influência 
sobre os demais e que tenta, então, actuar segundo um papel de chefe. Nesta 
espécie de chefia, a duração e a extensão da actuação dependem de uma série de 
factores. Estes são a personalidade do chefe, a situação em que ele tenta 
exercer a sua influência, os partidários que tenta granjear e os objectivos que 
persegue.

Tannenbaum, Wechsler e Massarik, que há pouco se ocuparam pormenorizadamente com 
o fenómeno do moderno chefe de empresa, consideram apenas chefia propriamente 
dita esta terceira modalidade intermédia, visto só aqui a dinâmica de chefe 
adquirir a sua completa expressão. Segundo o seu ponto de vista, para uma chefia 
propriamente dita é essencial que alguém tenha verdadeiramente a intenção de 
influenciar outros e que a sua actuação efectiva resulte do modo como a sua 
personalidade

e os seus objectivos consigam impressionar, em determinada situação, os seus 
eventuais seguidores.

Como Hartley e Hartley demonstraram, neste contexto é particularmente de notar o 
facto de, nos Estados Unidos, tanto no caso de chefia militar como no caso das 
grandes organizações económicas, se defender o ponto de vista de que, no futuro, 
as posições de relevo deverão ser ocupadas por verdadeiros chefes e não por 
simples funcionários com plenos poderes, como era

costume acontecer até aqui.

Repetidas vezes se investigou o problema de como se caracterizam as 
personalidades de chefe. Originariamente defendia­se a opinião de que o chefe 
representava um determinado tipo de personalidade ou se encontrava imbuído de 
determinadas qualidades que o distinguiam. A hipótese de que certas 
particularidades de carácter são típicas da personalidade de chefe parecia 
comprovada pelo facto de, de modo geral, os chefes possuírem energia, 
inteligência ­que não deve, no entanto, ser demasiado superior­, confiança em si 
próprios, desejo de prestígio social, ambição e vontade de vencer, em mais alto 
grau do que a média das pessoas. No entanto, todas essas qualidades surgem 
também nos não­chefes. Sanford chegou, além disso, à conclusão de que não 
existem dois estudos que coincidam quanto às características que se devem 
atribuir a um chefe.
1 .Disposições

2. Ordens que interrompem as actividades dos outros

3. Critica não construtiva

4. Sugestões úteis

5. Transmissão de

conhecimentos

6. Sugestões que propiciam um trabalho pessoal

7. Elogio

e reconhecimento

8. Confiança

9. Sobriedade

e objectividade

chefe autoritário

chefe democrático

1j. o

chefe «laissez.faire»

Assim, hoje em dia prefere­se perfilhar o ponto de vista de que, para o 
desenvolvimento do papel de chefe, não é tão decisiva a personalidade
23            de chefe como tal, mas,

em muito mais alto grau,
7M            a actuação conjunta dos

factores acima indicados. Chowdhuy e Newcomb descobriram, por meio de 
experiências realizadas com 4 grupos, que os chefes escolhidos se caracterizavam 
pela maior preci­
10 20 30 40 50     são com que emitiam um
juízo sobre as opiniões do grupo. Quer dizer, eles possuíam uma maior 
«sensibilidade social».
200 Comparação das formas de compor­          Que motivo induz os tamento de 
três diferentes chefes de gru­ seres humanos a aspirar pos de rapazes de onze 
anos. (Segundo

Lippitt e White)              ao papel de chefe 9 De

modo geral, consideram­se motivos essenciais as necessidades, intimamente 
ligadas entre si, de poderio, de prestígio e de ocupar um lugar de primazia; a 
essas poder­se­ão juntar, em diverso grau, a necessidade de fazer actuar as 
capacidades criadoras que encontram a sua expressão na conformação das questões 
humanas.

Assim, segundo Bales, um dos mais conhecidos sociólogos activos neste campo, os 
chefes mais coroados de ê xito são sobretudo aqueles cuja capacidade de dominar 
e de dirigir se encontra ligada à possibilidade de contribuir com ideias 
construtivas próprias. Os que, desta forma, se encontram aptos a replizar os 
objectivos ou missões dos grupos por eles dirigidos são, afinal, mais influentes 
do que os chefes que gozam de popularidade geral.

A maneira como um chefe persegue os seus objectivos pode ser tolerante ou 
brutal, democrática ou autocrática.

A espécie de chefia desenvolvida numa determinada situação não depende 
unicamente do chefe mas também das necessidades da comunidade. Já no capítulo 
anterior nos referimos aos
1 . Comportamento dependente do chefe

2. Crítica descontente

3 Exigir consideração

4. Amigável, familiar

S. Sugestões que servem

de orientação para o grupo

6. Solicitação de

informações

T. Conversas que não di.

zem respeito ao assunto

Conversas respeitantes ao trabalho

reacção agressiva ao chefe autoritário

reacção apática ao chefe autoritário

reacção ao chefe democrático

reacção ao chefe

«laissez­faire»

estudos provenientes do círculo de Kurt Lewin sobre chefia autoritária e 
democrática e a preferência que uma ou outra suscita nas pessoas dirigidas.

Alguns dos resultados quantitativos destes estudos parecem­me revestir interesse 
geral. As gravuras foram extraídas de uma investigação experimental levada a 
efeito por Lippitt e White sobre chefia e vida de grupo e realizada com rapazes 
de 11 o   10   20   30  40   anos, em quatro clubes

juvenis, nos anos de 1934 e 1940.

Na experiência, os
membros do clube foram
201 Comparação de quatro reacções d        submetidos a três espécies

grupo aos mesmos três chefes da gravura a   de chefia: em períodos de

200. (Segundo Lippitt e White)       sete semanas tiveram respectivamente um 
chefe autoritário, um democrático e um «laissez­faire»; portanto, um chefe 
passivo que cedia consideravelmente em face do grupo.

Os diversos modos de comportamento dos chefes bem como dos dirigidos foram 
investigados em diversos sentidos. Apresentamos aqui dois exemplos dos perfis de 
comportamento então adquiridos.

Os resultados principais destes importantes estudos são os seguintes, no que se 
refere aos chefes:

O chefe autoritário caracteriza­se, sobretudo, por tomar disposições e dar 
ordens que interrompem o trabalho em decurso. Em relação aos outros chefes 
exerce também em mais alto grau uma crítica não construtiva; pródiga, porém, à 
sua comunidade maior elogio e tributa­lhe mais reconhecimento; a relação de um 
chefe autoritário com as pessoas por ele dirigidas compõe­se, em 60 % dos casos, 
destas formas de comportamento, ao passo que, nas actuações dos restantes 
chefes, essas características apenas somam 5 %.
O chefe democrático dá sobretudo indicações úteis e incita ao trabalho pessoal, 
é jovial e mantém relações de confiança com a sua comunidade; noutras alturas, 
pelo contrário, é sobriamente objectivo. Transmite­lhe muitas vezes 
conhecimentos.

Finalmente o chefe «laissez­faire» é em geral inactivo, excepto na transmissão 
de informações; em certa medida, incita também a desenvolver uma actividade 
própria.

As reacções dos dirigidos perante o chefe autoritário são em primeiro lugar uma 
dependência em face do chefe, um comportamento ou agressivo ou apático, crítica 
descontente e ânsia de consideração; a par disso verificam­se, no entanto, 
também conversações orientadas de um modo objectivo e solicitação de 
informações.

Os dirigidos por um chefe democrático reagem, antes de mais nada, por meio de 
sugestões adentro do grupo, por meio de um comportamento amigável e familiar de 
uns para os outros

e por meio de conversas relacionadas com o trabalho mas também referentes a 
outros assuntos.

As reacções dos dirigidos perante o chefe autoritário são em lugar pedidos de 
esclarecimento; a par disso encontramos conversação bem como comportamento 
amigável.

Sanford ocupou­se particularmente com a questão da espécie de chefia preparada 
pelas diferentes comunidades. Descobriu que os «authoritarians», ou seja, as 
pessoas crentes na autoridade, preferem os chefes e superiores autoritários que 
prescrevem exactamente o caminho a seguir. Pelo contrário, os «equalitarians», 
ou seja, as pessoas com preferência pela igualdade de direitos, podem reconhecer 
uma chefia rígida quando esta lhes pareça necessária; preferem, no entanto, uma 
mão menos forte. Têm tendência a

202 O demagogo agita as massas, que­ reagem julgar os seus chefes 
de modo emocional e irracional de acordo com as suas qualidades humanas; a

orientação segundo um

objectivo é para eles menos importante do que o bom êxito do processo do grupo. 
Os crentes na autoridade interessam­se menos pelas qualidades pessoais do chefe, 
mas exigem sobretudo que ele conduza ao objectivo
proposto tanto os indivíduos isolados como o grupo. Subordinados ‘ llrn chefe 
que não lhes indique nitidamente a direcção a seguir, sentem­se pouco à vontade 
e em breve consideram esse chefe um «fraco». Pelo contrário, os partidários da 
igualdade desleixam­se Mais facilmente nas suas realizações no caso de uma 
chefia severa.

Erich Fromm, que investigou os problemas do poder, auto­ ,idade, dependência e 
sujeição, no seu célebre livro «0 Medo da Liberdade», defende o ponto de vista 
de que existem, é certo, autocratas benévolos, mas que, apesar disso, o uso do 
poder serve muitas vezes a satisfação de necessidades sádicas, como ficou 
demonstrado no caso dos chefes nazis.

Isto conduz­nos ao tema do chefe político. Nos vastos estudos que realizou sobre 
este tema, Harold Lasswell conclui que nesta forma de chefia se encontra em 
primeiro plano a necessidade de Poder.

A mim, pessoalmente, parece­me especialmente importante distinguir se um chefe 
político prefere lidar com grupos ordenados ou com a massa. Como muito bem 
observaram Miller e Dollard, uma massa tem sempre, é certo, uma actuação de 
prestígiO e parece encontrar­se sempre na razão. Nenhum chefe se encontra 
absolutamente livre do fascínio de impressionar e conquistar uma massa. Contudo, 
apenas o demagogo prefere a instigaÇão das massas à influência reflectida sobre 
grupos organizados. Enquanto estes funcionam de um modo racional, as massas 
reagem de modo emotivo e irracional. A interpretação apresentada por Le Bon, de 
que na influência exercida sobre as massas actuam a sugestão e o «contágio», 
parece não ser suficiente, como já Sighele demonstrou, uma vez que estes actuam 
no caso das influências de grupo sensatas e cooperativas. Contudo, é geralmente 
aceite como verdadeira a hipótese de Le Bon, que afirma tratar­se, no caso da 
acção das massas, de uma libertação de impulsos reprimidos, na eclosão dos 
quais a consciência da responsabilidade se dilui em face da anonimidade da massa 
e do submergir do indivíduo isolado nessa anonimidade.

Os chefes totalitários operam visivelmente de preferência
10m a massa, tal como Hitler fez e outros continuam a fazer.

De entre as muitas investigações subordinadas a este importante tema, merecem 
atenção especial as observações interessantes de Seymour M. Lipset sobre o 
condicionalismo de tais situações. Lipset expõe a hipótese de que a estabilidade 
de um regime democrático depende tanto da legitimidade como da efectividade do 
respectivo governo e que os governos se desmoronam quando não são efectivos nem 
legítimos, ou as duas coisas simul­
203­204 A multidão paralisada perante a emoção do acidente de trânsito e a 
populaça agitada por um demagogo por ocasião de um linchamento

tâneamente. Segundo a sua opinião, a República de Weimar e a República Austríaca 
não eram verdadeiramente legítimas aos

olhos de muitos e perderam finalmente também a sua efectividade. Lipset vai mais 
além, levantando a questão de saber por que motivo algumas sociedades são 
saudáveis e relativamente invulneráveis, a ponto de não sucumbirem à ameaça do 
movimento das massas, mesmo no caso de os seus governos falharem. Juntamente com 
Tocqueville, vê uma explicação para o desmoronamento de uma sociedade sob a 
«sublevação das massas» (Ortega y Gasset) na decadência das élites ligadas às 
tradições, decadência essa que significa um perigo fundamental para a

sobrevivência da liberdade e da cultura criadora.

Nem todos os movimentos das massas se encontram necessariamente relacionados com 
a chefia política. O linchamento, por exemplo, tem origem no fanatismo religioso 
e racial de determinados grupos. O mesmo acontece com a perseguição das 
minorias.

O sociólogo distingue diversas formas no comportamento colectivo. As 
diferenciações mais importantes são as existentes entre multidão, massa e 
público.

A multidão é definida por MacIver como uma estreita aglomeração física de 
pessoas que se encontram em contacto passageiro e não organizado. Para Cantril 
há a acrescentar a

essas características que, nesse momento, as pessoas reunidas se encontram 
possuídas de valores ou de emoções comuns.
Exemplo disso oferece o local de um desastre de viação: logo se reúne um 
aglomerado de gente. No caso de um desastre de maiores proporções, o aglomerado 
poderá transformar­se em

multidão. A excitação devida ao acontecimento mantém­nos unidos. Ou um desafio 
de futebol: reúne uma grande multidão de espectadores cujo interesse comum diz 
respeito ao jogo. Após o desafio, a multidão volta a dispersar­se.

Para uma acção em comum a multidão necessita normalmente de um chefe: tal é o 
caso verificado nos linchamentos. A multidão transforma­se então em populaça.

A massa distingue­se da multidão por se compor de indivíduos que não se 
encontram necessariamente reunidos, como é o caso da multidão, e reagem em parte 
isoladamente, em parte de modo uniforme.

Existem, por exemplo, reacções em massa quando uma melodia, o entusiasmo por um 
actor ou orador, ou a indignação devido a um crime «arrebatam» a massa. Neste 
capítulo os modos de comunicação desempenham um papel importante: a mania de 
que todos os jovens se encontram possuídos quando surge uma nova dança, bem como 
certos gostos ditados pela moda que dominam o mundo feminino espalham­se, por 
exemplo, por meio da transmissão oral, mas também devido a outros meios de 
divulgação (rádio, televisão, imprensa).

No entanto, também a massa como tal pode ser arrastada para uma acção conjunta, 
servindo aí de agentes libertadores os boatos, as alocuções, as aglomerações 
para discussão e a literatura de propaganda. Por outro lado, para influenciar as 
massas, é necessária uma chefia. isso pode levar à instigação da massa, a que já 
nos referimos, e que pode ser provocada pelos chefes isolados ou pelos meios de 
divulgação. Ou então pode exercer­se

a influência de um dirigente de opinião, que, como acentuam

E. Katz e P. F. Lazarsfeld, actua a partir de um ponto estratégico.

Katz e Lazarsfeld mostram, no seu amplo estudo sobre «A influência pessoaL>, que 
o grupo humano jamais constitui um

meio agregado (exceptuando as multidões que se juntam por acaso), mas uma 
estrutura na qual existem papéis e situações de dependência que se 
interpenetram.

Na maioria das questões da vida pública interessa menos
a massa do que o público. O público, cujo comportamento e

comunicações são expostos numa grande obra de B. Berelson e M. Janowitz, é 
definido por H. Blumer como um grupo de pessoas que se ocupa com formações da 
opinião. Quer dizer,
fala­se de público em relação com questões sobre as quais se verificam formações 
de opinião e cujo desenvolvimento é influenciado por essa formação de opinião. 
Neste aspecto, como foi sobretudo apontado por Laz,irsfeld e pelos seus 
colaboradores, é de salientar o papel desempenhado pelos dirigentes de opinião.

O processo de divulgação da moda é um exemplo interessante que merece uma breve 
referência. A moda, cuja ditadura se mantém pelo facto de conferir prestígio ao 
que a ela se submete, é, como se sabe, ditada sobretudo em Paris e Nova Iorque 
por um número relativamente pequeno de criadores de «Haute Couture». Em seguida 
é divulgada quando, logo de início, os

armazéns determinantes e as mulheres ricas se declaram partidários dela, na sua 
qualidade., de « dirigentes de opinião ». A pouco e pouco, a moda respectiva 
transita dos armazéns mais caros

para os armazéns médios e de preço módico. Até que uma moda recente tenha 
atingido a escala inferior, já voltou a surgir na

camada superior outra, absolutamente nova.

Sargent e Williamson      apresentam para isto um engraçado exemplo.

O vestido de noiva da duquesa de Windsor, confeccionado por Mainboch e conhecido 
por vestido «Wally», apareceu desenhado nos jornais, a 3 de     Junho de 1937, 
com a indicação de preço de 250   dólares. Dez   dias mais tarde, Bonwit Teller, 
uma

elegante loja de modas    de Nova Iorque, anunciava uma versão

deste vestido por 25 dólares. Um mês depois, Lord e Taflor, armazém de preços 
médios, apresentava o vestido «Wally» por 16.95 dólares, e ainda um mês mais 
tarde, numa loja barata de confecções, encontrava­se exposta uma

série de vestidos deste modelo, ao

preço de 8.90 dólares!

Como vemos, na sua reacção perante a moda, o público, sob a

influência de personalidades marcantes, é limitado pelas condições económicas e 
dirigido em determinado sentido.

205, A formação da opinião e a moda: em pouco mais de dois meses o modelo 
«Wally» transformou­se numa confecção acessível a

todas as bolsas

26
5. ORGANIZAÇÃO, MOTIVAÇÃO E CONTRÔLE

Na nossa discussão acerca dos grupos e da dinâmica que neles se desenvolve ainda 
não nos detivemos no estudo sistemático dos seus objectivos. Se agora os 
considerarmos, logo verificaremos que os grupos se podem dividir em duas grandes 
categorias. A primeira compõe­se daquelas associações, sociedades, clubes, etc. 
em que as actividades humanas constituem, em

si próprias, o fim; de associações, portanto, que servem o recreio, o repouso, a 
instrução, a criação ou o cultivo de interesses especiais dos indivíduos. Pelo 
contrário, a segunda abrange instituições tais como fábricas e empresas, que 
servem a produção e a

distribuição da produção, ou as que servem o bem comum, como sejam os serviços 
e as instalações públicas, mas também, por exemplo, o exército.

Enquanto na primeira categoria as necessidades humanas dos indivíduos merecem 
uma ampla consideração, na segunda elas têm de se encontrar subordinadas às 
finalidades objectivas. A necessidade de «fusão» entre o indivíduo e o grupo, 
nome

dado por Bakke a este processo, exige, na segunda categoria, uma grande 
abnegação por parte do indivíduo.

Esta pressão que o indivíduo tem de impor a si próprio no interesse de uma 
finalidade que o transcende, torna necessária uma série de medidas, dispensáveis 
no caso do grupo de interesses, nome que podemos usar para designar a primeira 
categoria. Na categoria dos grupos de obrigatoriedade, nome

que atribuímos à segunda categoria por oposição à primeira, requerem­se 
sobretudo duas disposições: a criação de motivações e a introdução de 
«contrôles».

As motivações, que são por assim dizer naturais nos grupos de interesses, 
necessitam de ser criadas artificialmente para os

que participam em grupos de obrigatoriedade, uma vez que as realizações 
obrigatórias que têm que produzir não brotam de necessidades naturais como no 
caso da criação livre. Assim, as actividades nos grupos de obrigatoriedade 
adaptam­se melhor ao homem dirigido a partir do exterior do que a partir do 
interior, para usarmos uma das distinções introduzidas por David Riesman. No 
entanto, a maioria dos homens tem neste aspecto pouca liberdade de escolha. 
Muitas vezes aquele que sente ter nascido para artista vê­se obrigado a procurar 
o seu ganha­pão numa fábrica ou numa repartição pública, devido à insuficiência 
do seu talento. E, no caso do serviço militar, não há normalmente dispensa de 
participação no grupo de obrigatoriedade.
As motivações introduzidas artificialmente são em primeiro lugar as recompensas, 
entre as quais se contam o aumento de salário, a promoção e a aquisição de 
prestígio. A estes processos, porém, tem vindo juntar­se, ultimamente, em escala 
crescente, o que se poderia denominar o despertar de interesses secundários. 
Faremos uma breve referência a duas espécies de interesses secundários 
destinados a elevar a capacidade de realização: trata­se, por um lado, de 
processos parciais introduzidos no

processo de trabalho com o fim de proporcionar a satisfação pessoal e, por 
outro, da comparticipação do trabalhador na direcção da empresa e no exercício 
de «contrôle».

O problema da motivação de todos aqueles que, a partir da época escolar e 
através de toda a sua vida de adultos, passam a maior parte do ­dia em grupos de 
obrigatoriedade, ocupa constantemente vastos círculos de investigadores. Há 
muito que se discute sobretudo o efeito embotante causado pelo trabalho mecânico 
no caso de produção em massa ou pelo repetir constante e monótono dos mesmos 
gestos.

Enquanto, originariamente, se pensava mais na criação de auxílios subsidiários 
fora do âmbito do processo de trabalho, como sejam cursos complementares e 
manifestações culturais para trabalhadores, presta­se recentemente maior atenção 
ao

problema de como obter uma maior satisfação dentro do próprio processo de 
trabalho.

Como Chris Argyris acentua, tal satisfação revela­se tanto mais necessária 
quanto mais subdesenvolvida é a personalidade do trabalhador; e aquela é tanto 
mais subdesenvolvida quanto mais destituído de importância este é na sua 
organização. A consequência de uma tal imaturidade é o comportamento regressivo 
ou agressivo.

Argyris, Gouldner e outros propuseram, assim, determinadas medidas ­formação de 
pequenos grupos de trabalho não formais; orientação recíproca dos trabalhadores; 
criação de relações pessoais e outras disposições semelhantes­ com o fim de dar 
ao trabalho no escritório e na fábrica uma configuração de molde a proporcionar 
uma satisfação pessoal. É conhecida a

extraordinária voga ­dos intervalos para tomar café, sem os

quais na América mal se poderia imaginar o bom funcionamento de um escritório.
Uma das intenções dessas medidas é dar ao trabalhador ou empregado o sentimento 
de pertencer à empresa. Se bem que muitos sociólogos tenham declarado a 
impossibilidade de tal processo, parece, no entanto, ser muitas vezes bem 
sucedido
206 A moderna direcção das empresas, orientada psicologicamente, esforça­se por 
obter uma maior satisfação no trabalho e por fazer nascer o sentimento de que

se pertence à empresa

Katz e Kalm fazem o relato duma série de investigações que mostram como a 
satisfação no trabalho e a produtividade sofrem

emento na medida um increm que o trabalhador ou empregado se sente pertencente à 
empresa. Direcções hábeis despertaram IN,

este sentimento, desenvolu_ vendo nos pequenos grupos a consciência de 
pertencerem à empresa e o

orgulho pela sua realização. . .....                  Por meio de medidas deste 
tipo, a mecânica desoladora do trabalho impessoal é transferida mais para 
segundo plano e a sociedade desconexa transforma­se, para usarmos a expressão de 
Tõnnies, numa comunidade com elos pessoais. A atmosfera da empresa torna­se 
melhor.

Uma segunda forma de despertar os interesses secundários, cujo efeito motivador 
parece dar pleno resultado, é o da participação do trabalhador na direcção da 
empresa. Entre as muitas exposições feitas sobre esta modalidade parece­me 
particularmente claro e interessante um pequeno trabalho de Keith Davis.

Davis define três graus de participação dos trabalhadores na direcção da 
empresa. O primeiro grau é o de compreensão mútua entre todos os que exercem a 
sua actividade na empresa. No segundo grau efectua­se uma participação 
consultiva por parte de todos os trabalhadores. O terceiro grau cria uma 
participação de autoridade, segundo a qual cabem ao grupo de trabalhadores 
determinados direitos de decisão.

Tais fins podem ser alcançados por meio de reuniões de grupo em sessões não 
formais ou em comissões, de conferências dos dirigentes da empresa e dos 
dirigentes das secções com os empregados e os trabalhadores, de comissões 
encarregadas da produção, e também incitando os trabalhadores a apresentarem 
sugestões sobre a forma de obter melhorias na empresa. Torna­se
necessário que esta última medida, precisamente, seja aplicada de modo 
particularmente cuidadoso. Como de uma maneira geral, todas estas inovações 
parecem ser mais bem sucedidas no caso de patrões e gerentes que tenham tomado 
parte em cursos sobre chefia psicológica de empresas.

Porém, como Tannenbaum e Massarik acentuam, para que as medidas desta espécie se 
revelem eficazes, torna­se necessário que o trabalhador da empresa esteja de 
facto interessado em

participar da direcção, e se encontre preparado para tal. Os empregados ou os 
trabalhadores educados segundo um sistema autoritário, e que não tenham 
aprendido a exprimir­se de acordo com as circunstâncias, pouco poderão 
empreender com este sistema. Por esse motivo, a par de uma maior intuição por 
parte do gerente ou do patrão, deverá existir uma melhor capacidade de 
comunicação por parte do trabalhador. Ambos exigem uma educação especial 
orientada psicologicamente.

Curiosa e simultaneamente rica em conclusões no que respeita à orientação 
fortemente psicológica da moderna direcção de empresas é a descrição feita por 
Davis de como é possível, utilizar o chamado «grapevine» de modo construtivo, 
para que se verifique uma melhoria da atmosfera da empresa. Por esta palavra 
intraduzível, que à letra significa «videira», entende­se a torrente de rumores 
e de boatos que são constantemente passados de boca em boca como se fossem por 
assim dizer enroscados numa videira, «às escondidas», «por detrás das costas».

Davis cita um artigo de Joseph K. Shepard no «Indianapolis Star Magazine», em 
que o circular de boatos é tratado de forma poética.

«Com a rapidez de uma mecha incandescente a informação brota mágica das paredes, 
corre ao longo da canalização, passa pela porta do gerente e pelo cubículo do 
porteiro. Volátil e com

a leveza da brisa, os boatos infiltram­se pelas portas de aço e

pelas paredes de vidro, ascendem da cave até ao sótão, do moço de recados ao 
director da empresa... Trazem boas e más notícias, factos e fantasias, não se 
preocupam nem com a reputação nem com os direitos burgueses, não respeitam 
pessoas nem

privilégios. Os boatos são servidos sem olhar a nada, quer se trate

das personalidades directivas, do capataz ou da dactilógrafa ... »
Davis mostra então como uma utilização hábil do «grapevine» não só confere 
muitas informações à direcção da empresa como lhe permite também infiltrar 
determinadas informações no pessoal. Deste modo os rumores e os boatos que 
circulam na

empresa podem também ser utilizados de modo absolutamente construtivo.
Tudo isto significa que, no grupo mais moderno, na empresa perfeitamente 
organizada, o sistema dos contrôles é modificado com base em princípios 
psicológicos.

Em que consiste o contrôle social? Embora pareça extraordinário, uma noção tão 
espantosamente fundamental como a

de «contrôle» social foi objecto de apenas poucas investigações sistemáticas. 
Todos sabem, naturalmente, que «contrôle» tem algo que ver com fiscalização, 
restrição, domínio de modos de comportamento ou de processos. É igualmente do 
conhecimento geral que os pais, os professores ou os superiores exercem 
«contrôles», baseando­se e servindo­se da autoridade de que dispõem. Contudo, o 
conceito de «contrôle» social tem um mais longo alcance e é, além disso, mais 
complexo. A meu ver, são Parsons e Shils que mais se aproximam de uma definição 
suficientemente completa, no livro por eles editado sobre «Teoria Geral da 
Acção» , no qual investigam pela primeira vez, de forma sistemática, muitos 
fenómenos sociológicos. Segundo eles, os «mecanismos de «contrôle» têm a função 
de manter em equilíbrio o respectivo sistema social.

Quer isso dizer que a pressão exercida sobre um indivíduo nem sempre se realiza 
fundamentalmente no seu próprio interesse, que o seu castigo não se processa com 
o objectivo de o aperfeiçoar, mas que tudo isso serve antes, em mais larga 
escala, para manter em equilíbrio e em funcionamento uma estrutura social como a 
família ou a fábrica.

Em determinadas circunstâncias, este processo pode, de facto, não se diferenciar 
do que serve a educação ou o aperfeiçoamento; noutras circunstâncias, contudo, o 
«contrôle» social pode consistir numa espécie de pressão que contraria em 
absoluto os interesses dos indivíduos.

O «contrôle» social exerce­se tendo em vista o papel social que é atribuído a um 
indivíduo. Se um indivíduo não cumpre o que se espera dele e do papel que 
representa, são­lhe prometidas sanções ou recompensas ou é submetido a pressão. 
O indivíduo pode ser modificado mediante castigo ou recompensa; ele é, em 
determinadas circunstâncias, consideravelmente influenciável pela pressão, que 
tanto se pode revelar por meio de uma

exteriorização de opinião como através do comportamento dos outros, sendo 
possível que se deixe assim influenciar momentaneamente ou de forma mais 
duradoura pela opinião alheia. Em casos extremos pode ser expulso do grupo; na 
empresa ou nos serviços públicos essa expulsão significa o abandono forçado do 
seu posto. No caso de crimes e de doenças mentais que
ponham em perigo a sociedade, utiliza­se, além disso, como meio de «contrôle», o 
isolamento ou o afastamento do indivíduo em

face do grupo.

A forma mais simples de «contrôle» é naturalmente a de «contrôle» autoritário, a 
que já a criança se encontra submetida na família e na escola. Porém, a criança 
experimenta também muito cedo o «contrôle» exercido pelo grupo de jogos. Este 
exerce

uma pressão sobre o participante e, sobretudo na primeira infância, procede 
frequentemente de ânimo leve a expulsões impensadas.

Em experiências célebres, realizadas por Muzafer Sherif, mostrou­se, de forma 
especialmente drástica, o contrôle de opiniões exercido pelos grupos de maioria. 
Ele demonstrou como os indivíduos, muitas vezes contrariamente às suas 
convicções mais profundas, se submetem às opiniões de uma maioria que domina a 
situação pelo facto de os participantes do grupo terem a tendência para 
convergir em direcção a uma norma, ou seja, ansiarem por um acordo no sentido de 
uma opinião determinante.

É conhecida a pressão que, em determinados grupos de trabalho, a maioria exerce 
sobre os diferentes participantes do grupo. Já em 1908 Max Weber utilizou a 
expressão «travagem» para o «contrôle» a que um colega particularmente 
trabalhador, eficiente ou bem dotado pode ser submetido por parte de um

grupo de trabalhadores ou de empregados quando o seu trabalho, de melhor 
qualidade, constitua uma ameaça para o nível de realização que os restantes 
mantêm.

Do mesmo modo Roethlisberger e Dickson comprovam na

célebre investigação Hawthorne­Plant que, numa sala de montagem, os 
trabalhadores tinham um código social segundo o

qual atribuíam certas alcunhas depreciativas aos diferentes participantes do seu 
grupo. Referiam­se aos que produziam demasiado como sendo «gazuas de salário»; 
quem produzia de menos

era chamado «batoteiro» e quem denunciava aos chefes algo que fosse desfavorável 
ao grupo era denominado «denunciante».

Assim, enquanto os grupos tentam controlar os seus membros, a direcção da 
empresa ou a respectiva instância responsável exerce, pelo seu lado, «contrôles» 
que permitam a obtenção de realizações adequadas.

A pressão da responsabilidade à qual, na empresa e nos serviços públicos, se 
encontram submetidos os titulares de posições directivas ­desde o chefe de 
secção ao capataz ­ aqueles trabalhadores, portanto, que; por um lado, têm como 
missão controlar os seus subordinados e, por outro, se encontram sujeitos ao 
«contrôle» dos seus superiores, constituiu recentemente
tema de investigação no campo da Psicologia Social, depois de há muito se terem 
formado opiniões correntes sobre os que se encontram em tal situação. 
Proverbialmente conhecido é o chamado «ciclista», que se curva perante os que 
lhe são superiores e calca os que têm uma posição inferior à sua (*).

Entre muitos outros estudos notáveis, parece­me particularmente interessante o 
trabalho de J. e R. Useem sobre a pressão social a que a gerência média se 
encontra sujeita, ou seja, os
 a corrigir este capítulo
que numa empresa ocupam uma posição intermédia entre «os

do alto» e «os de baixo». O trabalho trata a estrutura psicológica da forma de 
vida de um indivíduo que ocupa tal situação intermédia. A questão consiste em 
saber de que modo o indivíduo nas respectivas circunstâncias consegue estar à 
altura da pressão das exigências que lhe são postas bem como do problema da 
promoção.

Neste aspecto, J. e R. Useem descrevem um fenómeno a que Merton se refere, ou 
seja, o da «socialização antecipadora». Entende­se por esta expressão que o 
interessado na ascensão social se integra, até certo grau, na Psicologia das 
posições mais elevadas que, possivelmente, lhe estão abertas e que, devido a 
esta antecipação, se encontra mais facilmente adaptado às suas futuras tarefas. 
Por outras palavras: a ascensão social e profissional coroada de êxito pressupõe 
mobilidade, adaptabilidade e uma aprendizagem antecipadora.

Ocupar­nos­emos logo a seguir, no capítulo sobre a estratificação social, dos 
problemas relacionados com estas hierarquias resultantes da formação dos grupos 
de obrigatoriedade desde a escala inferior à mais elevada, enquanto mais tarde, 
no

capítulo dedicado à aplicação da Psicologia, trataremos de mais perto as 
interessantes experiências e investigações realizadas sobre os problemas 
práticos dos «contrôles» na vida económica.

Como forma extrema do grupo de obrigatoriedade, resta­nos, finalmente, ainda uma 
referência à Total­institution (instituição total). Por este nome compreendem­se 
instituições submetidas a uma única autoridade e cujos membros passam toda a sua

vida num só e mesmo lugar. Exemplos dessas instituições totais são as prisões e 
as instituições para doentes mentais, mas também o quartel, os internatos e os 
conventos.

(*) Em alemão chama­se «ciclista» à pessoa simultaneamente lisonjeadora dos 
superiores e despótica para com os inferiores. Tal pessoa toma a posição típica 
do ciclista: anda de costas curvas (perante os superiores) e a calcar com os pés 
(os que lhe são hierarquicamente inferiores).
A instituição total significa a fusão mais radical entre indivíduo e grupo. A 
submissão total do indivíduo às regras e normas de grupos que aí se exige 
provoca quase sempre um protesto, uma vez que o indivíduo se encontra em larga 
escala privado da sua liberdade de acção e disponibilidade. É este também o

motivo por que tantas pessoas se negam a entrar em lares de pessoas idosas ou em 
instituições semelhantes.

As pessoas internadas nessas instituições totais, tentam, normalmente, criar, 
pelo menos, certo grau de liberdade, desenvolvendo pequenos grupos não formais 
para os quais estabelecem as suas leis próprias.

Contudo, em determinadas circunstâncias, os indivíduos aceitam os preceitos 
dados e, deste modo, verifica­se igualmente um ingresso voluntário em 
instituições totais, por exemplo no

exército, ou, tratando­se de estudantes, em lares residenciais, nos quais, 
aliás, a privação da liberdade não é absoluta.

6. ESTRATIFICAÇÃO, MOBILIDADE E MUTAÇÃO SOCIAIS

Nas suas encantadoras histórias e recordações de África, Isak Dinesen (é sob 
este pseudónimo que se oculta a baronesa dinamarquesa Tania Karen Blixen. 
Finecke) dedica uma grande parte das descrições ao seu criado Farah Aden, da 
Somália. Farah, que durante 18 anos exerceu as mais diversas funções, desde o 
governo da casa e arranjo dos estábulos até aos safaris da baronesa, era, 
segundo as descrições desta, uma personalidade notável. O que interessa ao nosso 
contexto é a relação peculiar que ele mantinha para com ela.

Apesar de Karen Blixen, segundo ela própria afirma, discutir com Farah todos os 
assuntos e de ele estar informado sobre todos os seus cuidados e alegrias, sobre 
tudo o que ela fazia e pensava, tal não obstava a que ele, no entanto, 
mantivesse sempre a distância rigidamente prescrita pela etiqueta.

O senhor e o criado, diz Karen Blixen, esse par tão célebre através dos séculos 
na História e na Literatura, foi realizado por ela e por Farah na sua unidade 
peculiar. Farah, um gentleman no mais amplo sentido da palavra, orgulhoso 
indígena da Somália, de estatura magnífica, tornou­se, a partir do primeiro dia 
de serviço, o mordomo da casa, que ele denominava a «nossa» casa, tal como se 
referia também aos «nossos» cavalos e aos «nossos» convidados. Era absolutamente 
fiel e honesto, aguardava, porém, da parte da sua senhora, a mesma fidelidade e 
a observância das mesmas regras vigentes para o contacto entre os dois.
Entre outras incumbências, era Farah quem administrava o dinheiro da baronesa e, 
quando ela queria comprar, por cinco rupias, novas calças de montar, ele 
declarava muito sério: «Este mês não nos podemos dar a esse luxo. Para o mês que 
vem».

Por outro lado, determinava que era absolutamente necessário comprar champanhe 
para os convidados de que estavam à espera. Farah era um daqueles criados que só 
a morte consegue separar do seu senhor.

O que Karen Blixen descreve acerca de Farah é um exemplo frisante de uma relação 
social marcada pela etiqueta e imutável dentro de uma sociedade com uma rígida 
estratificação social.

Esta antiquíssima relação senhor­criado perdeu, na maior parte das culturas do 
nosso tempo, a sua obrigatoriedade tradicional e tende a dissolver­se com a 
crescente democratização.

Lembro­me ainda como, ao vir da Europa Central para a Noruega, uma amiga com 
ideias socialistas me deu o conselho, quase a ordem, de deixar a minha criada 
comer à mesa connosco.

E, no que diz respeito à América, Harold Laski é de opinião que a existência de 
pessoal doméstico foi durante muito tempo considerada como não ética e como uma 
infracção ao princípio democrático. Hoje em dia, em que, não raro, se requerem 
os serviços dessas assistentes domésticas, a sua situação é absolutamente 
diversa, muito mais independente do que na Europa, onde aliás também actualmente 
se processa uma mutação muito rápida: na Alemanha, por exemplo, a assistente 
doméstica é, de momento, uma personalidade muito solicitada.

Este é apenas um exemplo de estratificação social, cujas formas principais são 
naturalmente dadas num sistema de classes. Não pode ser tarefa nossa, no âmbito 
do presente livro, tratar o gigantesco campo problemático dos diversos sistemas 
de classes. De acordo com o nosso interesse fundamental de compreender os 
sectores da vida no que respeita à penetração psicológica por eles 
experimentada, limitamo­nos também aqui a alguns aspectos psicologicamente 
essenciais.

Psicologicamente essencial parece­me em primeiro lugar a

conclusão a que se chegou de que os seres humanos, seja qual for a forma de 
sociedade em que vivam, tomam individualmente diferentes posições sociais. Nas 
diferentes sociedades a idade, o sexo, a pertença a uma família, a espécie de 
ocupação, os
bens e outros elementos representam papéis muito diversos. No entanto, embora 
com diferente fundamento, existem em toda a

parte posições que distinguem dos outros aquele que as ocupa.

Algumas destas posições sociais são assentes e reconhecidas oficialmente, outras 
são mais vagas e não expressas. Mas a maior
parte das pessoas tem consciência da posição que ocupa e da posição que ocupam 
os demais e sabe que, em cada uma dessas posições, tem de representar 
determinado papel. Neste aspecto podem contudo surgir ilusões, no caso de a 
posição e papel real não corresponderem ao papel nominal.

Tomemos como exemplo o chefe masculino de uma família dirigida com 
autoritarismo, o Senhor Hauptmann. O Sr. Hauptmann sente­se o dono da casa e 
representa o papel de uma espécie de comandante. Na realidade, porém, a Senhora 
Hauptmann, aduladora e atraente, sabe muito bem como iludir as ordens do marido 
ou como levá­lo a modificar a sua opinião. Assim, na realidade, é ela quem 
desempenha o papel decisivo, se bem que lhe deixe a ele o prestígio do lugar de 
primazia.

Quanto mais complicada é uma sociedade tanto mais diversas são as espécies de 
formação de grupo e, simultaneamente com elas, os lugares hierárquicos que um 
indivíduo pode assumir. Como já frisou Georg Simmel, cada indivíduo vive numa

estrutura singular de pertenças de grupo com os mais diversos lugares 
hierárquicos.

O Senhor Hauptmann, a que já nos referimos, que em família gosta de representar 
o papel de chefe, goza possivelmente no seu escritório, enquanto empregado 
médio, de um prestígio moderado, e na hierarquia económico­social da comunidade 
pertence antes à classe média inferior. Porém, no clube de chinquilho goza da 
maior consideração visto ser um excelente jogador.

Um segundo dado psicológico muito notável parece­me ser o facto de os seres 
humanos apreciarem o fenómeno da posição social com avaliações 
extraordinariamente diversas. Desde o extremo dos que negam simplesmente a 
existência de hierarquias e para quem essa ideia constitui um tormento, até aos 
que consideram todas as pessoas sob o ponto de vista da sua classe e se 
encontram profundamente convencidos do significado de uma posição, verifica­se 
toda a espécie de graduações e de matizes.

Acerca deste tema existe uma série de investigações interessantes, compiladas de 
forma extraordinariamente hábil por Sargent e Williamson, na «Psicologia 
Social».

Por exemplo, numa aldeia americana de pradaria, com 275 habitantes, J. West 
registou uma organização de classes de tal maneira especializada, que cada 
indivíduo ocupa na consciência dos demais um lugar bem definido com base na sua 
pertença a determinada família, clique, loja maçónica, igreja, e outras 
associações.
Apesar disso, os habitantes de Plainville declararam firmemente e cheios de 
orgulho: «a nossa aldeia é um local onde todos os homens são iguais! Entre nós 
não existem classes».

No entanto, vendo bem as coisas, a comunidade divide­se em duas grandes classes 
distintas: «as pessoas boas, decentes, respeitáveis, que trabalham com 
regularidade» e «as pessoas de classe mais inferior», que ou são designadas 
«boas, decentes e piedosas» ou «maus elementos, sem crença». A par disso, 
existem ainda os que se encontram muito em baixo na escala social, «os que vivem 
como os animais», e alguns que constituem «a nata».

De modo geral, como mostram Warner e Lunt, é possível distinguir seis classes 
numa «cidade yankee» dos nossos dias. Numa cidade da     Nova Inglaterra, a 
distribuição foi a seguinte:

1 ­ Classe  Superior mais elevada                1,44%
2 ­ Classe  Superior mais baixa                  1,56%
3 ­ Classe  Média Superior                     10,22%
4 ­ Classe  Média Inferior                     28,12%
5 ­ Classe  Inferior mais elevada              32,60%
6 ­ Classe  Inferior mais baixa                25,22%
7 ­ Desconhecidos                                O,84%

Esta classificação foi levada a efeito com base nas indicações dos habitantes e 
no modo como eles integravam os seus concidadãos nas diversas hierarquias. Os 
critérios seguidos eram múltiplos. Os mais importantes revelaram ser a situação 
económica, a profissão, as relações sociais, o local de habitação, a origem e a 
reputação moral.

Uma segunda questão importante consiste em saber quais as consequências reais 
que estas divisões hierárquicas têm para a vida em comum. Um facto está 
comprovado: a categoria determina até certo grau o acesso que um indivíduo tem 
ou não tem a determinadas coisas. Existem, no entanto, dois factores que 
contrabalançam esta influência limitativa da hierarquia por classes.

Uma é a mobilidade social extraordinariamente elevada da sociedade actual, que 
iremos já tratar mais de perto (vide pág.
415). O outro factor é­nos apresentado pela arguta observação de Granville Hick, 
que estudou a vida social numa pequena cidade.

Segundo ele afirma, apesar da existência de classes hierárquicas de que todos 
têm consciência, os homens vivem antes num sistema de relações em que essa 
hierarquia não é considerada. Eles encontram­se nas lojas, no cabeleireiro, em 
restaurantes, na igreja, em reuniões políticas e em muitos outros locais. Mas a 
igualdade social que daí parece resultar tem apenas correspondência real em 
algumas comunidades pequenas ou em circunstâncias especiais. Em cidades maiores 
é relativamente raro atingir­se essa espécie de contacto livre de 
constrangimento e tal só se verifica com pressupostos especiais. O Carnaval, por 
exemplo, mistura sem distinções ou faz um «batido» de toda a população de uma 
cidade.

Schelsky, no livro sobre a «geração céptica», que já citámos noutro passo 
pormenorizadamente, apresenta observações extremamente interessantes acerca do 
tema da avaliação das diferenças de classe.

Schelsky é de opinião que, na sociedade alemã de hoje em dia, se realizou um 
nivelamento social, uma demolição das diferenças de classes à qual, porém, não 
corresponde, de nenhum modo, um nivelamento dos padrões sociais ou da 
«autoconsciência social». Segundo ele, existe uma defesa contra esta «perda de 
posição social» e, devido a ela, uma acentuação de pertença a grupos com 
prestígio social que se baseia na «imaginação», uma vez que não lhe corresponde 
já qualquer realidade. Segundo Schelsky, acontece assim que se considere 
ascensão social a necessidade de «andar para a frente», de «se tornar uma coisa 
melhor» quando, de facto, essa ascensão já nada significa.

Dentro do círculo temático da estratificação social parece­me, a mim 
pessoalmente, extremamente interessante sob o ponto de vista psicológico a 
questão das relações que têm as camadas e as classes hierárquicas com 
determinadas representações de valores.

O problema dos valores parece ser diferente segundo o nível a que é investigado. 
Os últimos valores humanos não são, é certo, considerados do mesmo modo por 
todos os homens, mas todos eles os partilham, ainda que em diversas formas de 
realização.

É este o caso das tendências realmente fundamentais e da realização da vida ­ 
temas que já tratámos pormenorizadamente.

Neste passo trata­se, pelo contrário, das representações de valores mais 
específicas que podem separar as diversas classes umas das outras. Como Schelsky 
expõe numa análise sagaz, em

parte baseada nas investigações de Th. Geiger, estas encontram­se hoje em dia 
tão niveladas como a própria sociedade.

A posição assegurada na sociedade burguesa de ontem pela herança e pela fortuna, 
que deixava o tempo livre para a realização de outros valores, apenas existe 
hoje em dia para círculos muito restritos, não para camadas inteiras. As 
inflações e as
guerras, as alterações no valor da moeda e as expropriações demonstraram em que 
medida a propriedade e os bens são impotentes perante tais ataques. A revolução 
dos sistemas políticos e sociais provocou, além disso, abalos profundos na 
segurança da vida jurídica e institucional. Como consequência desse fenómeno na 
actual sociedade industrial torna­se igualmente necessário para todos os homens 
trabalhar constantemente pela segurança social e económica. Esta necessidade e a 
problemática da segurança é hoje em dia igualmente reconhecida pela camada 
superior e inferior da escala social. E assim, como diz Geiger, a qualificação 
profissional tornou­se para todos o meio de produção mais importante.

O problema da insegurança move hoje em dia todas as camadas e classes e, assim, 
como já mostrámos no capítulo sobre o decurso da vida, ao referirmo­nos à 
juventude actual, a segurança transformou­se no valor principal pelo qual todos 
anseiam. Uma maioria esmagadora reconhece, para usar as palavras de Schelsky, 
que, «nas crises políticas e económicas da sociedade industrial a qualificação 
profissional constitui quase a última oportunidade, inalienável, do indivíduo, 
que lhe permite obter mais elevada segurança social e económica» . Ele designa 
«a ânsia cada vez mais generalizada de melhor formação profissional precisamente 
como a ânsia de bens, modificada, do mundo burguês».

Schelsky considera como dois outros valores do jovem trabalhador alemão uma 
forte necessidade de prestígio e reconhecimento sociais e uma vontade de 
realização específica baseada na aptidão e tendências.

Para a distribuição destes motivos cita o estudo de uma repartição de trabalho 
de uma grande cidade. No concurso a um lugar de aprendizagem, com vista à 
formação profissional, foram indicados os seguintes motivos: «segurança 
económica»,
70 %; «prestígio social», 48 %; «vontade de realização e gosto pelo trabalho», 
40 %; «maiores oportunidades para o futuro», 30 %.

Schelsky considera estes resultados como os objectivos de um determinado grupo 
social de jovens; a mim, no entanto, parece­me que esta tabela pode ser válida 
de modo geral para a moderna juventude e não só na Alemanha.

Deve­se ainda salientar que Schelsky encontra na juventude feminina « 
fundamentalmente as mesmas formas e evoluções de comportamento» que na juventude 
masculina. A existir uma diferenciação, ela consiste, quando muito, no motivo 
algo mais acentuado de segurança em face da ascensão, comum ao sexo feminino.
Se, para usarmos a imagem de uma fórmula matemática, colocarmos a ânsia de 
segurança social em numerador de uma fracção e a ânsia de promoção social em 
denominador, exprimir­se­á no quociente dessa fracção a relação entre os dois 
motivos e valores principais que actuam na vida prática de um actual membro da 
sociedade industrial. Este resultado parece ser válido para todas as nações e 
consideravelmente independente das camadas sociais. O factor risco é o terceiro; 
a sua entrada em

acção condiciona a predominância do motivo de segurança ou

de promoção.

Estes factos correspondem à triste realidade que Karl Mannheim formulou do 
seguinte modo: «Assim como a natureza era

incompreensível para o homem primitivo e os medos profundos de que ele se 
encontrava possuído provinham da imponderabilidade das forças da natureza, assim 
o sistema sob o qual vive o moderno homem industrializado, com as suas crises 
sociais,

a sua inflação, etc., se tornou para ele uma fonte de medos correspondentemente 
profundos.»

O ímpeto de ascender, que já citámos em relação com o

fenómeno das camadas sociais, pertence àquilo que se denomina mobilidade 
social.

A mobilidade social compõe­se de movimentos «horizontais» e «verticais». A 
mobilidade horizontal significa migrações, mudanças de local e de residência por 
parte da população mas também mudança de local de trabalho, de religião, de 
partido político e fenómenos semelhantes; por mobilidade vertical designa­se o

movimento ascendente e descendente de indivíduos e camadas.

A mobilidade horizontal é hoje em dia tão elevada que se

fica tentado a falar do início de uma nova «migração de povos». Devido à 
constante revolução das relações que nos foram transmitidas, com o contínuo 
desmoronamento ou diminuição do significado dos sistemas de classes encontra­se 
também directamente relacionado um aumento de mobilidade vertical.

Especial testemunho deste aspecto podem dar os inúmeros refugiados e emigrantes 
de todos os países. Neles se pode observar, de uma maneira particularmente 
drástica, os movimentos ascendentes e, mais frequentemente ainda, os 
descendentes.

Mas, de resto, também a mobilidade na sociedade industrializada é muito maior do 
que na antiga sociedade burguesa em que, sobretudo na Europa, um sistema fechado 
de classes dificultava bastante os movimentos ascendentes. A mobilidade 
crescente do nosso tempo exige uma extraordinária flexibilidade, mobilidade e 
adaptabilidade por parte do indivíduo; é necessário saber «adaptar­se». Desde 
sempre, o americano teve mais em vista o factor ascendente, contando com ele 
para os seus filhos.

Como Hofstãtter nota brilhantemente, a mobilidade excepcionalmente grande 
verificada na América enquanto relação inter­humana fez florescer a 
«solidariedade da vizinhança», algo diferente da amizade, visto que esta é uma 
forma de relação mais pessoal, que pressupõe um conhecimento e enraizamento mais 
longos.

A mobilidade social é o fenómeno de movimentos que as

relações sociais, em que os indivíduos e grupos viveram, soltam e modificam. Em 
determinadas circunstâncias, uma forte mobilidade social altera a estratificação 
social existente.

No entanto, esta é mais fortemente atingida por aquilo que se denomina mutação 
social. Já por diversas vezes nos referimos

a um exemplo de mutação social ­a transição da chamada sociedade «burguesa» na 
sociedade «industrial» do nosso tempo.

Como se realiza uma tal mutação social? Esta questão ocupa hoje em dia muitos 
investigadores, tanto sob o ponto de vista sociológico e psicológico como à luz 
da Antropologia Cultural.

Pitirim Sorokin engloba todas estas mutações no conceito de evolução social. É 
possível que este critério seja acertado, encarando nós apenas o movimento geral 
na sua totalidade. Nos

207­208 A transformação da moda ­ à esquerda 1900, à direita 19,60 exprime a 
transformação cultural e social
casos particulares, porém, verificam­se naturalmente também repressões, 
retrocessos portanto, e alterações de estruturas que não estão necessariamente 
incluídas no ponto de vista de uma evolução. Quando, por exemplo, se altera o 
estilo dos penteados femininos ou de outros pormenores relativos à moda, operam­
se mutações de gosto que não significam progresso nem retrocesso Quando, porém, 
se introduz a moda de saias curtas e de cabelos curtos por ser mais prática e 
sobretudo mais adequada para a mulher que trabalha, verifica­se aí um progresso 
­pelo menos

aos olhos dos que crêem nas profissões femininas.

Aliás, as modificações da moda como tal estão incluídas no conceito de mutação 
cultural, ou seja, mutação de costumes e

tradições. Contudo, no nosso segundo exemplo ­cabelo curto e

saia curta em vez de penteados complicados e de compridos «varre pó»­, a mutação 
cultural é a resultante da mutação social, ou seja, da situação modificada da 
mulher na vida pública

Se quiséssemos, nem que fosse só tomar pé no campo extraordinariamente vasto dos 
factos e noções que dizem respeito à mutação social, seria necessário um 
capítulo, se não um livro próprio. Por esse motivo limitar­nos­emos também aqui 
como

até ao presente às perspectivas que possam ser essenciais para a compreensão 
pessoal do mundo em que vivemos.

Em primeiro lugar parece­me importante frisar que uma

mutação social tanto se pode processar gradual como repentinamente. A mutação 
gradual processa­se em pequenas modificações que decorrem continuamente. A 
mutação repentina realiza­se por meio de resoluções ou de procedimentos 
violentos.

As mutações graduais bem como as repentinas podem provir ou irromper do interior 
de um grupo, ou podem ser introduzidas ou provocadas a partir do exterior.

Estas mutações, podem, além disso, constituir pequenas transformações ou grandes 
revoluções.

Alguns exemplos poderão ilustrar esta diferença: Bales, por exemplo, descreve­
nos no seu estudo sobre mutação de hierarquias uma alteração pequena, operada a 
partir do interior, tal como resulta, no decurso de certo tempo, no íntimo de um 
grupo. Certos grupos que tinham escolhido o membro «mais querido» como o mais 
adequado para chefe, modificaram

a sua opinião logo no decurso de quatro reuniões. O preferido foi cedendo cada 
vez mais lugar àquele que possuía as melhores ideias, ainda que este 
normalmente não fosse estimado.

Kurt Lewin estudou, em investigações brilhantes, as mutações relativamente 
pequenas operadas a partir do exterior.

27
Tornou­se muito conhecido o seu trabalho sobre a mutação dos hábitos de 
alimentação ocorrida em consequência de resoluções. Descobriu, em primeiro 
lugar, que apesar dos diversos caminhos pelos quais os víveres entram em casa, 
era sempre em

última análise a dona da casa quem decidia dos hábitos de alimentação. Denomina­
a o «porteiro», com poderes de abrir ou fechar o portão em face dos novos meios 
de alimentação.

Juntamente com Alex Bavelas, Lewin concebeu então experiências com o fim de 
alterar certos hábitos na recepção de alimentos, por forma a aumentar, por 
exemplo, o consumo de espécies de carne e de bebidas à base de leite que não 
gozassem da preferência do público. Demonstrou­se que isso era mais fácil de 
obter através de discussões de grupo do que através da instrução pessoal, uma 
vez que o grupo revela ser um elemento de apoio quer na modificação quer na 
conservação de um hábito.

O terapeuta de grupo pode comprovar este facto, acrescentando que certas 
modificações operadas no indivíduo se obtêm mais facilmente em grupo do que 
através de terapia individual.

A mutação social em grande escala, tal como se opera em movimentos e revoluções 
políticas, é difícil de abranger nas suas

relações psicológicas. Neste aspecto uma das questões principais é a seguinte: 
Existirão atitudes gerais quanto a uma mutação social? Segundo parece, existem 
diferentes atitudes segundo os

grupos: o sistema dos partidos políticos organizados e consolidados reflecte, 
entre outros aspectos, a diferente atitude dos grandes grupos em face da mutação 
social.

Talcott Parsons iniciou observações teóricas pormenorizadas sobre o problema da 
mutação social. Distingue dois processos de metamorfose que, por assim dizer, se 
sobrepõem um ao outro:

um autónomo (submetido a uma lei própria) e um provocado politicamente.

O processo autónomo é uma mutação da estrutura social que (na América) é 
sobretudo provocada por factores económicos, ao passo que o processo provocado 
politicamente resulta da contra­actuação recíproca de grupos radicais e 
conservadores.
Além dos factores económicos verificam­se naturalmente muitos outros que 
provocam uma mutação autónoma da estrutura social. Assim, por exemplo, a 
educação em toda a espécie de escolas primárias, médias, secundárias e 
superiores bem como

nas escolas profissionais é um factor da mais alta importância: A divulgação 
crescente de uma melhor preparação profissional, de um saber mais sólido e de 
uma aptidão mais elevada, modifica
não só a estrutura cultural como também a estrutura social de um país.

Factores como os bens, a educação e a formação profissional, a religião e as 
relações sociais e internacionais ­tudo isso são valores pelos quais os partidos 
políticos se empenham.

Devemos à exposição de Abram Kardiner e Ralph Linton um exemplo 
extraordinariamente interessante de uma quarta variante de mutação social, ou 
seja, da revolução de uma ordem social e cultural provocada a partir do 
exterior. Trata­se da mutação que teve lugar nos Tanela, na ilha de Madagáscar, 
quando esta tribo pôs de parte o cultivo seco do arroz para dar preferência ao 
sistema de irrigação.

O cultivo seco do arroz era realizado por grupos de famílias que viviam 
conjuntamente em aldeias autónomas, independentes umas das outras. O campo de 
arroz cultivado a seco tornava­se, passado algum tempo, impróprio para o 
cultivo, e voltava a ser

posse da comunidade em troca de um outro que esta cedeu como feudo. Ninguém, 
portanto, tinha a posse da terra. A organização da aldeia era democrática. 
Quando o terreno até então cultivado se tornava infrutífero, a comunidade 
deslocava­se para outro local.

Porém, com a irrigação, o campo de arroz tornou­se um

bem valioso. A partir desse momento, a comunidade não mais necessitou de se 
mudar em busca de áreas próprias para o cultivo. Os campos de arroz cultivados 
continuamente levaram à instalação de povoações permanentes. Estas organizaram­
se hierarquicamente, de acordo com a posse do terreno e outras diferenças nos 
factores económicos. O detentor do governo era

um rei que dispunha de um poder ilimitado, e desenvolveu­se um sistema de castas 
rigidamente estruturado.

Com a organização da tribo modificou­se igualmente a da família, passando o pai 
a ocupar no interior dela uma situação correspondente à situação de poderio de 
que desfrutava o rei.

Kardiner salienta que a segurança e a igualdade de valores que o indivíduo 
isolado possuía no antigo sistema desapareceu

na sua totalidade, e que, no novo sistema, aumentaram, de forma considerável, o 
medo e a hostilidade mútua.
Os exemplos com que ilustramos os fenómenos da mutação social revelam como eles 
se encontram estreitamente ligados à mutação cultural. Voltaremos a abordar este 
aspecto no capítulo sobre as culturas.
Ix. ­ Exemplos de Estruturas Sociais

1. GRUPOS NATURAIS E ARTIFICIAIS

Uma das questões mais interessantes da Sociologia foi, desde sempre, a forma 
como se realizam as diversas modalidades de organização da sociedade humana ­os 
grupos. Logo no início se reconheceu a existência de dois factores que 
representam um papel nesse processo: necessidades naturais e pontos de vista 
racionais. Aliás, como indica Alvin W. Gouldner, os diferentes sociólogos 
atribuem a esses dois factores um significado diverso para o desenvolvimento da 
sociedade humana e consideram em ambos influências benéficas ou prejudiciais 
para o destino da mesma sociedade.

Auguste Comte, por exemplo, afirma já em 1830 que «uma

ordem que resulte de modo espontâneo» será sempre superior a outra que os homens 
criem artificialmente.

Max Weber demonstrou que a sociedade moderna é essencialmente criada a partir de 
uma base racional e legal; fundamenta­se, portanto, em medidas tomadas de acordo 
com a razão e com a lei que, embora possibilitem a realização, provocam, no 
entanto, uma regulamentação que desumaniza a personalidade isolada.

Tõnnies vê na oposição entre grupos criados natural e

artificialmente o contraste entre «comunidade» e «sociedade», enquanto Durkheim 
contrapõe à «solidariedade orgânica» uma

«solidariedade mecânica».

A organização mais fortemente baseada em factores naturais é, sem dúvida, a 
família, cuja união assenta normalmente em parentesco de sangue.

O exemplo clássico de uma organização baseada em factores racionais é o moderno 
empreendimento económico, uma fábrica, mas também qualquer outra espécie de 
empresa.

Seymour Lipset considera a família aquele grupo que, mais do que qualquer 
outro, contribui para a manutenção da sociedade. Segundo a sua opinião, 
verifica­se a situação inversa no caso de instituições construídas com base em 
princípios puramente económicos, já que estes ­considerando o problema sob o 
ponto de vista meramente teórico­ se têm de orientar pelas exigências do 
mercado, independentemente das consequências que daí resultem para os indivíduos 
e para os grupos. Na realidade, porém, mesmo no caso da organização mais 
racional, os factores não racionais conseguem actuar.

Precisamente nesse sentido, iniciaram­se, num passado recente, esforços vivos 
que continuam em curso na actualidade com o fim de introduzir na empresa o 
factor «humano», de um modo psicologicamente adequado. As coisas já não se 
passam totalmente segundo a amarga observação de S. Kracauer, feita em 1930 no 
livro sobre «Os empregados»: «Na definição de economia apresentada pelo Conselho 
Administrativo, não figura a palavra homem. É possível que esse esquecimento 
provenha do facto de ele não representar já um papel tão significativo». Dizia a 
verdade. Com efeito, o Conselho Administrativo apresentava a seguinte definição:
«Racionalização é a aplicação de todos os meios que a técnica e a ordem planeada 
põem ao nosso alcance para incremento da economia e, simultaneamente, para 
aumento da produção de bens, para a diminuição do seu preço e para o seu’ 
aperfeiçoamento.»

Desde então a situação modificou­se essencialmente, como

já expusemos no capítulo precedente e continuaremos a comprovar no presente 
capítulo. Apesar de tudo mantém­se válida a

afirmação de que, no caso da empresa, a instituição prevalece em face do 
indivíduo e que, em princípio, a sua subsistência não depende da pertença de 
pessoas determinadas. Pelo contrário, a família surge como estrutura social cuja 
existência se

verifica através dos indivíduos que, como tal, a constituem.

2. A FAMíLIA: UM GRUPO NATURAL

É frequente afirmar­se que a família se desmembra no nosso tempo. Esta afirmação 
contém em si uma certa verdade que é, no entanto, apenas uma verdade parcial. É 
sem dúvida verdade que uma série de tradições se encontra em vias de extinção, 
dando lugar a novos costumes e modos de comportamento; é certo, além disso, 
terem­se operado grandes transformações nas relações recíprocas dos membros da 
família, o que teve como consequência um afrouxamento dessas relações e 
possibilitou
uma dissolução dos laços familiares de um modo que antigamente mal se podia 
admitir ou mesmo conceber. Mas, como diz Ruth Benedict, a família manteve­se em 
todas as sociedades humanas e subsistirá também hoje na nossa, embora a sua 
estrutura e

as suas funções se possam alterar.

De facto, na América, onde no início do século se realizaram diversas 
experiências com a educação de crianças em regime,, de internato, observamos um 
retorno à insistência no valor da educação na família. E, na União Soviética, a 
legislação mais recente encontra­se igualmente empenhada num fortalecimento da 
família, que nos anos a seguir à revolução fora primeiro combatida com vigor.

Por esse motivo, em vez de nos referirmos ao desmembramento da família será 
preferível cingirmo­nos apenas ao facto comprovado de se verificarem, hoje em 
dia, na estrutura e função da família, amplas alterações, observáveis não só na 
nossa cultura como em muitas outras culturas.

Burgess e Locke, cujo livro sobre «A família» constitui uma

das obras mais significativas existentes neste domínio, consideram mutação 
fundamental o desenvolvimento da família de grupo institucional em 
«companionship», em um grupo que se sente pertencente entre si, uma «associação 
para a vida». Este sentimento de pertença mútua da família é também considerado, 
na grande obra de Frõlmer, Stackelberg e Eser sobre «Família e matrimónio», como 
uma das características principais da actual estrutura deste grupo, que 
constituía antigamente uma

«associação doméstica».

A família é definida por Burgess e Locke através das seguintes características: 
1­A família compõe­se de pessoas que se

encontram ligadas umas às outras pelo casamento, parentesco sanguíneo ou 
adopção.   2 ­Os membros da família vivem juntos sob o mesmo tecto ou constituem 
um único lar; quando vivem separados consideram,   no entanto, uma determinada 
casa como seu lar. 3­A família é uma unidade de pessoas que se encontram num 
sistema de     ligação mútua e em relação de reciprocidade, de acordo com os 
papéis de pai, mãe, filho, filha, irmã, irmão. 4­A família representa uma 
unidade cultural provindo, por um lado, da fusão das estruturas culturais 
trazidas por ambos os cônjuges, por outro, da pertença da família à cultura em 
que vive.
George P. Murdock, um dos principais peritos no campo da investigação familiar, 
distingue a família núcleo composta pelos pais e respectivos filhos, a família 
poligâmica proveniente
dos diversos casamentos de um dos cônjuges e a família em

sentido lato, resultante da vida em comum dos mais diversos parentes.

A família em sentido lato, também denominada família patriarcal, é a forma 
historicamente mais antiga, que prevaleceu na China, no Japão e na índia e ainda 
hoje se encontra com frequência nesses locais. Também a família na Roma antiga 
pertencia a este tipo. Por «pequena família patriarcal» designa­se a família da 
Idade Média europeia, que reunia no mesmo lar apenas alguns parentes. Comum a 
todas as famílias patriarcais é o facto de um chefe masculino, pai ou avô, 
exercer autoridade absoluta sobre os restantes familiares.

A família poligâmica, bem como a patriarcal, apresenta carácter institucional. 
Não só na nossa cultura como também noutras existe, hoje em dia, a tendência 
para acabar com estas formas institucionais de família. Em seu lugar impõe­se 
cada vez mais a família núcleo, desenvolvida na cultura ocidental.

Numa interessante obra sobre a «Família, a sua função e

o seu destino», editada por Ruth N. Anshen, diversos autores descrevem a mutação 
operada na tradição familiar do Islão, da China, índia, Rússia, América do Sul e 
América do Norte. Particularmente relevantes são as aproximações da concepção 
familiar do Ocidente operadas no Islão, na China e na América Latina. A mudança 
mais radical é a da família chinesa: os círculos cultos, sobretudo, insistem na 
liberdade na escolha do cônjuge e na

igualdade dos sexos.

Tal como no Islão e na índia, a regulamentação institucional da vida de família 
apresentava aí, anteriormente, um carácter excepcionalmente rígido.

No Islão, por exemplo, o noivado era estabelecido pelos pais, logo na infância. 
Nem a idade, nem a personalidade ou a inclinação eram factores determinantes de 
escolha, mas apenas o facto de os cônjuges se encontrarem adequados segundo a

sua classe e posição social, a sua religião, a sua profissão e o

seu grau de liberdade. Os factores mais importantes eram a

classe e a posição social; a idade não desempenhava qualquer factor importante. 
Aisha, a esposa preferida de Maomé, tinha seis anos de idade quando ficou noiva 
e nove quando a levaram para viver com ele.
Tal regulamentação institucional implica um papel subalterno por parte da 
mulher, a quem era exigida obediência e a quem era permitido castigar e bater. 
Tal como o governo da casa, também ela se encontrava totalmente submetida à 
autoridade do marido. O seu único direito consistia em poder aguardar um
209 O noivado e o casamento praticados já na infância são costume típico da 
família

patriarcal

sustento de acordo com a sua posição social; permanecia também na posse plena do 
seu dote.

Apenas o marido tinha o direito de exigir a separação. Podia exercê­lo sem uma 
motivação séria, e era­lhe também permitido e

mesmo recomendado casar com diversas mulheres. Os filhos «pertencem ao leito»;

mesmo os filhos ilegítimos são geralmente incluídos na família.

Se encararmos bem o quadro desta instituição, poderemos medir a grandeza da 
mutação operada com a aproximação da família islâmica da cultura ocidental. A 
luta por esta aproximação é levada a efeito primeiramente pela juventude, que 
exige uma educação moderna e maior grau de liberdade e, em segundo lugar, pelo 
movimento feminino, de revolta contra o harém. As pessoas atingidas por estas 
mutações e penetrações culturais vêem­se obrigadas a enfrentar problemas 
particularmente complexos.

Tomi é uma jovem japonesa cuja família emigrou para a

América mas cujo pai se manteve, no entanto, completamente ligado aos antigos 
costumes e concepções. Reivindicava, assim, plena autoridade no lar, aguardava 
submissão por parte de todos os familiares que se encontravam sob a sua tutela, 
contando igualmente com os serviços de todos os membros femininos da casa. Tomi, 
que via não raras vezes como ele batia na mãe, revoltava­se, ao comparar este 
estado de coisas com o que reinava nas famílias das suas amigas de raça branca 
que frequentavam a mesma escola.

Tomi casou­se com um chinês americano, Fred, que ­ absolutamente ao contrário do 
pai dela ­ se curvava absolutamente perante os seus desejos e a ajudava nos 
trabalhos domésticos. Esse grau de submissão por parte do marido causava, no 
entanto, sérios conflitos em Tomi: por um lado, sentia­se agradecida perante a 
amabilidade de Fred, por outro, encontrava­se possuída de sentimentos de 
culpabilidade ao deixar­se amimar dessa
maneira e, por vezes, dava por si a criticar essa amabilidade como sendo uma 
característica não masculina. Nesses momentos, parecia­lhe que a personalidade 
autoritária do pai correspondia melhor à sua concepção de virilidade do que a 
maneira de ser amável do marido.

Na mutação estrutural da família institucional em associação para a vida e 
família núcleo, que William Goode apresenta como família moderna no seu pequeno 
livro «A estrutura da família», cuja leitura aconselhamos, os factores sobre os 
quais esta assenta avançam nitidamente para primeiro plano.

O primeiro factor de importância é a escolha livre do cônjuge, baseada, por 
princípio, no amor. O direito a divórcio existente de ambos os lados resulta 
logicamente do postulado do casamento de amor.

Um segundo ponto principal diz respeito à situação da mulher; na família moderna 
ela tem os mesmos direitos que o

homem. Deste modo, modifica­se tanto o papel que ela representa no lar como a 
sua posição social.

Um outro factor essencial é o contrôle dos nascimentos. resultante de um acordo 
mútuo dentro da família: o número de filhos bem como a altura em que estes são 
desejados constituem problemas que se ponderam cuidadosamente hoje em dia já em 
muitas famílias.

A dinâmica da vida de família constitui o quarto factor importante: enquanto na 
família institucional as relações recíprocas dos respectivos membros são 
reguladas pelo direito e

pela tradição ­ essencialmente como relações de autoridade e

de dependência­, na família moderna o princípio de autoridade transforma­se num 
aspecto irracional, como lhe chama M. Horkheimer. o papel de poderio 
desempenhado pelo pai já não tem apoio legal e mesmo economicamente a família já 
quase não se

encontra sob a sua dependência.

Na dinâmica passam para primeiro plano as relações emocionais dos membros da 
família. Segundo Goode, nesta estrutura familiar cada membro da família tem a 
«obrigação» de amar

todos os restantes ­ «por mais paradoxal», diz Goode, «que essa obrigação possa 
parecer. As crianças devem amar os seus

irmãos e são castigadas se confessam odiar o que nasceu por último e por 
conseguinte é amimado. Os filhos têm de amar os pais e vice­versa ... » Goode 
frisa que, na nossa cultura, cada qual se encontra, a maior parte das vezes, em 
intensivas relações emocionais com os restantes membros da família, sobretudo 
com a mãe, símbolo do amor que se sacrifica, e que, desta situação, resultam 
muitas vezes cargas e problemas.
Sobretudo os psicanalistas ocuparam­se com os problemas dinâmicos dentro da 
moderna vida de família. No seu livro dedicado à «Psicodinâmica da família», 
Nathan Ackermann discute a carga de responsabilidade imposta pela sociedade à 
família moderna: aguarda­se que a família dê ao indivíduo aquela segurança e 
aquele calor que ele já não encontra numa sociedade que lhe é estranha. Essa 
«estranheza», como E. Fronm a denomina, baseia­se no facto de o indivíduo 
isolado ter o sentimento de estar perdido e se encontrar só na moderna sociedade 
industrializada.

Como Talcott Parsons expõe na sua discussão da estrutura social da família, as 
formas de comportamento que na moderna vida profissional se encontram 
institucionalizadas, apresentam contraste marcante com as necessidades e 
motivações mais fundas do homem, como, por exemplo, a necessidade de relações 
nas quais os sentimentos pessoais, a amizade, a fidelidade, a solicitude e 
outros sentimentos semelhantes representam um

papel. Na vida profissional apenas podemos funcionar hoje em

dia se observarmos uma disciplina rígida, uma disciplina de trabalho que é 
motivada pelo desejo de produzir uma boa realização e que é mantida pelo facto 
de não cedermos aos nossos

sentimentos pessoais.

Como diz Ackermann, em face do abandono do indivíduo neste sistema, a sobrecarga 
imposta à família é insuportável. Desta forma «comunidade» transforma­se em 
palavra da moda, de grande divulgação. Mas as reuniões de domingo organizadas 
com o fim de uma formação de comunidade comportam, muitas vezes, senão a maior 
parte das vezes, algo de artificial em si; produzem mesmo uma «neurose de 
domingo», visto as pessoas que se reúnem, experimentarem na realidade uma tão 
pequena pertença mútua.

Na minha colecção de diários de diversas gerações é deveras marcante 
precisamente esta diferença no sentimento experimentado perante a vida. Nas 
palavras ingénuas de um jovem dos anos 70 e 80 do século passado, desempenham 
papel importante uma série de acontecimentos triviais da vida de família; são 
descritos com uma visível comparticipação e um indiscutível sentimento de 
pertença. Pelo contrário, os jovens do nosso século surgem nos seus diários como 
indivíduos isolados, e fazem com que os membros da sua família e os amigos 
surjam do mesmo

modo, isoladamente.
Hoje, diz Ackermann, já ninguém sabe ao certo para que existe a própria família, 
o que são ou deveriam ser as suas ânsias, normas e valores. A mãe, o pai, os 
filhos têm as mais
diversas opiniões a este respeito. Os pais sentem­se pouco seguros, os seus 
papéis não são atribuídos com exactidão, a autoridade de cada um não é clara; o 
pai, que na maior parte das vezes

se encontra ausente, é constantemente exortado a ocupar­se mais da família e a 
assumir uma maior responsabilidade em casa; a mãe vê­se obrigada a assumir 
diversos deveres e a fingir uma

segurança e força que não possui. Os filhos adolescentes ou

procuram segurança numa adequação conformista ou se tornam cedo independentes e 
tendem frequentemente para um com~

portamento associal, senão para a criminalidade. Max Lerner denomina­os a 
«juventude sem entusiasmo».

Entre os problemas da dinâmica da família é especialmente actual o papel 
ambivalente da mulher, principalmente no círculo da cultura americana. A mulher, 
que deve ser, por um lado, uma boa dona de casa, por outro, uma «glamour girl» 
de encanto arrebatador e deslumbradora elegância e, além disso, se possível, a 
companheira compreensiva do marido, encontra­se perante o

problema diário de como desempenhar todos esses papéis, sobretudo se a esses 
aspectos houver a acrescentar a assistência a filhos pequenos ou o exercício de 
uma profissão. Na maior parte dos casos o homem ainda não chegou a uma conclusão 
sobre o papel primordial que a mulher deve representar na sua casa e

na sua vida. Mas também não se encontra bem delineado o papel que ele próprio 
deve assumir em casa para além das suas tarefas profissionais.

A multiplicidade e as muitas implicações de todos estes problemas que apenas nos 
limitamos a abordar, revelam que a

família moderna está exposta ao assédio de pesados ataques e das maiores 
exigências. Parece­me extraordinário que, apesar de todas essas dificuldades 
aparentemente insolúveis, continuem a existir famílias que não só mantêm a sua 
solidariedade, como significam, de facto, para os seus membros um porto de 
abrigo e lhes oferecem um apoio no turbilhão da vida moderna.

Ao referirmo­nos à família travámos conhecimento com um tipo de estrutura cuja 
solidariedade, para usar as palavras de Parsons, se encontra em contraste 
marcante com a estrutura dos nossos grupos profissionais. Tem a sua base natural 
nas relações de sangue. Os direitos e as obrigações dos membros são definidos 
pela idade, sexo e relação biológica, e a dinâmica das relações é de ordem 
emocional. Pelo contrário, os grupos definidos a partir da profissão baseiam­se 
em relações impessoais e realizações objectivas, para as quais é necessário 
apresentar um atestado de qualificação e em que os sentimentos não desempenham 
qualquer papel.
3. A EMPRESA: UM GRUPO ARTIFICIAL

Assim como num extremo dos grupos naturais se encontra a família, encontra­se no 
outro extremo dos grupos artificiais a empresa. Entre um e outro existem muitas 
formas de transição, como grupos de adolescentes, sociedades e clubes 
constituídos segundo os mais diversos objectivos e apresentando uma união dos 
membros mais ou menos estreita, grupos e associações.

A empresa é um produto da sociedade industrial moderna. Compreendida em sentido 
mais lato ela é, segundo Bernhard Herwig expõe no volume «Psicologia da Empresa» 
pertencente ao novo manual alemão de Psicologia, um «produto totalitário no qual 
os homens, as máquinas e o material actuam conjuntamente para obtenção de 
determinado fim. A partir deste ponto de vista geral também uma administração 
poderá ser considerada uma empresa, bem como uma empresa de transportes, uma

empresa agrícola ou mecânica, um teatro ou um hotel».

Inicialmente a empresa era considerada em primeiro lugar como «local. de 
produção técnica de bens», enquanto hoje em dia, como frisa Arthur Mayer na sua 
introdução à obra acima citada, é considerada como um «produto técnico, 
económico, social e humano». Integrada no mesmo contexto, F. Fürstenberg cita 
uma observação de Alfred Krupp, que se pode considerar característica da 
primitiva orientação dos industriais dirigentes. Krupp afirmou no ano de 1909:

«A minha aspiração é que nada seja dependente da vida ou da existência de uma 
determinada pessoa, para que, simultaneamente com o desaparecimento desta’ 
não cesse nenhum saber e nenhuma função.­­­ que no escritório da administração 
central seja possível estudar e abranger o passado da fábrica bem como o 
eventual futuro da mesma, sem que se torne necessário interrogar para isso 
qualquer mortal.»

Desta frase ressalta muito nitidamente como o ideal originário de uma 
organização, orientada exclusivamente para a produção e lucro, é o seu carácter 
absolutamente impessoal. Hoje em dia, esta situação modificou­se sensivelmente 
sobretudo em

consequência da pressão exercida pelas massas trabalhadoras, uma vez que o homem 
se defende, de forma bem legítima, de ser tratado como simples membro mecânico 
de uma engrenagem. Na medida em que se reconheceu este modo de ver, os pontos de 
vista exclusivamente técnicos e económicos foram substituídos, ou pelo menos 
completados pelos fins humanitários, e a questão é actualmente a seguinte: «De 
que forma poderá o indivíduo que trabalha ser integrado na grande empresa 
moderna, de modo
a encarar com aceitação interior o seu trabalho e as suas manifestações 
subsidiárias, sem por isso renunciar a um desenvolvimento pessoal?» 
(Fürstenberg.)

Na concepção moderna, a empresa apresenta­se como uma instituição cujas 
características principais são a divisão de trabalho, a distribuição de plenos 
poderes, as instituições de comunicação e as formas de comportamento. As duas 
últimas necessitam de ser amplificadas de modo a produzir a cooperação dos 
executores de trabalho ­aspecto a que já nos referimos no capítulo precedente. 
Hoje em dia dispensa­se especial atenção aos meios de comunicação, designados 
por Miller «o sistema

nervoso da empresa». FürsPlenos poderes             tenberg apresenta uma re 
Grupos de hierarquia         presentação gráfica da e ssuperior 
trutura de empresa, que

aqui reproduzimos.

O exemplo concreto de

o                                  uma grande empresa poderá

servir­nos de base para ou­ ‘0 w E                                O Z 
tras considerações.

Seleccionemos a empreo

sa  de empacotamento de carne Swift and Company, Grupos de trabalho         tal 
como se encontrava

Funções                 organizada no ano de 1957 (estes dados foram­nos
210 Diagrama da estrutura de uma em­    amavelmente cedidos pelo

presa. (Segundo F. Fürstenberg)    Dr. Harvey Locke. São extraídos dos seus 
apontamentos sobre a estrutura de diversas empresas, que ele compilou para uma 
obra que se encontra em elaboração).        1

A referida empresa é uma das 57 fábricas de conserva de carne que esta firma 
explora. No ano de 1957, a empresa de Chicago tinha 2954 trabalhadores e 256 
capatazes, contramestres e gerentes. A organização é complexa, existem onze 
secções especializadas que por sua vez se ramificam em subsecções 
especializadas. As  quatro secções principais correspondem às tarefas

grupos de ti earqui­ia

supe, or

­0

mais importantes da empresa: secção de matadouro de gado bovino e ovino bem como 
de preparação da carne; secção para aproveitamento para sabão, glicerina e 
outros produtos subsidiários; oficina de máquinas.

Em todas estas secções existe uma série de trabalhadores altamente 
especializados. Os seus papéis no processo de trabalho
encontram­se delineados com exactidão, as suas relações uns com os outros 
estabelecidas. Fala­se desta divisão do trabalho como de uma dimensão horizontal 
à qual se contrapõem as verticais das hierarquias e dos níveis de autoridade 
correspondentes.

Os níveis de autoridade na empresa de Chicago de Swift & Co., em 1957, estavam 
assim ordenados:

Director                                    1 Assistente do Director 
1 Chefes de Secção                            9 Contramestres Assistentes de 
Contramestre               245 Capatazes Trabalhadores 
2954

Total

3210

T. V. Purcell, que estudou esta empresa, diz que para cada trabalhador a sua 
secção significa «a firma». Existem trabalhadores no «extremo­leste» da empresa 
que jamais estiveram no «extremo­oeste» e tão­pouco se sentiriam aí à vontade.

Apresentamos a seguir as características de um grupo do tipo desta empresa:

1 ­ Organização de todos os sectores da empresa de acordo com determinadas 
especialidades. 2 ­ Uma estrutura hierárquica com dimensão horizontal e 
vertical. 3 ­ Plenos poderes no que respeita a autoridade e a responsabilidade. 
4 ­ Limitação das comunicações em determinados canais. 5 ­ Relações impessoais 
com os pertencentes a outros sectores do grupo.

A empresa que descrevemos é, como já referimos, uma das
57 que pertencem a esta sociedade. Entre 14 empreendimentos gigantescos que 
Locke investigou, Swift é o décimo em tamanho. A totalidade do seu pessoal 
comporta 71900 pertencentes à empresa, a sua venda anual monta a cerca de 2,5 
bifiões de dólares.

Talvez neste contexto seja interessante saber que as outras
13 grandes empresas com vendas anuais que oscilam entre os

2 e os 11 biliões de dólares são a indústria de automóveis, óleo, aço e centrais 
eléctricas.

Em regra, todas estas grandes organizações abrangem uma
multiplicidade de funções especializadas, comunicam todas as

suas instruções de ordem interna pela forma impressa e necessitam de um grande 
equipamento administrativo.

Apesar do seu carácter impessoal, estas empresas, para manutenção e aumento da 
sua capacidade de produção, vêem­se
211 Nas grandes empresas, como nesta fábrica de carnes de Chicago, o trabalhador 
considera a sua secção

«a firma»

obrigadas a despertar no seu

pessoal atitudes subjectivas de espécie construtiva, sobretudo no que diz 
respeito ao

sentimento de pertença à empresa. Isso exterioriza­se sobretudo na relação 
positiva com o trabalho de equipa e

na alta avaliação do próprio grupo de trabalho. Para o

sentimento de pertença à empresa e para a vontade de trabalhar contribuem ainda 
um interesse pessoal da direcção da empresa pelo trabalhador isolado bem como 
trabalho e comportamento exemplares por parte dos superiores.

É sabido que, apesar de todos os esforços realizados para obter uma boa 
atmosfera de empresa, se verificam constantemente em todas elas tensões e 
conflitos. Como meios de remediar esses inconvenientes e obter um possível 
acordo, existe hoje em dia uma série de medidas bem pensadas, que vão desde as 
negociações até à greve.

Recentemente faz­se bastante uso do sistema de sugestões na empresa, com o fim 
de dar vasão à eventual crítica e de dar aos que pertencem à empresa a 
possibilidade de fazer sugestões para aperfeiçoamento de ordem técnica, 
económica ou assistencial. As propostas são normalmente anónimas e metidas em 
caixas de correio. As opiniões divergem no que respeita ao valor desta 
instituição. Muitos dirigentes de empresa são de       opinião que será melhor 
chegar a um diálogo aberto e confiante       através de medidas acertadas do que 
favorecer demasiado a crítica anónima.

Cada vez se utiliza em mais larga escala o método        de apaziguar, por meio 
de negociações, tanto os conflitos que      surgem no interior da empresa entre 
a direcção da firma e os        pertencentes à firma, como também as 
divergências entre os         grupos trabalhadores e de patrões em todos os 
ramos da economia representando os sindicatos os interesses de uma das partes. 
Neste aspecto os sindicatos encontram­se na posição vantajosa de poder fazer 
valer o elevado número dos seus membros. Nos Estados Unidos, por exemplo, o 
número de membros de sindicatos nacionais e internacionais que comportava 4 
milhões no ano de 1930, ascendeu a cerca de 17 milhões no ano de 1958.
Segundo a opinião de H. Locke, os conflitos que muitas vezes se exteriorizam em 
negociações e em greves têm funções úteis sob o ponto de vista sociológico. Isso 
verifica­se pelos seguintes motivos: 1 ­Os conflitos abertos conduzem a uma 
exposição clara das contradições existentes e forçam os partidos contendores a 
fundamentar as suas exigências. 2­Os conflitos levam os problemas que causaram a 
divergência ao conhecimento da colectividade, dando a esta bem como às entidades 
oficiais a oportunidade de tomarem medidas no que se refere a questões de 
interesse geral. 3­0 conflito aberto entre grupos de poder e de influência força 
a uma solução rápida. Por esse motivo é necessário velar por compromissos e 
equilíbrio. 4­0 conflito aberto estabiliza a estrutura social na medida em que 
conduz ao esclarecimento e definição do comportamento que se deve aguardar.

Nas divergências entre os grandes grupos de patrões e de empregados ­sobretudo 
nas questões de horário de trabalho e de salário­ as negociações colectivas 
representam um papel extraordinariamente grande: em 1956 concluíram­se, nos 
Estados Unidos, cerca de 128 000 contratos colectivos nos quais se atendia aos 
interesses de 18 milhões de trabalhadores.

A partir de todas estas observações torna­se nítido como

a empresa representa o grupo mais contrário à família.

A Família existe como grupo, antes que alguns dos seus membros, os filhos, se 
tenham desenvolvido plenamente como indivíduos. A pertença ao grupo bem como o 
papel que os membros representam no seu íntimo são conferidos pela natureza. As 
relações recíprocas entre os membros são pessoais primárias. Exige­se que o amor 
os una. Toda a formalização e distanciação nas relações dos membros da família 
uns com os outros torna­se aqui um produto artificial.

O fim da família é garantir aos seus membros a manutenção de vida e 
possibilidades de desenvolvimento. Para além destas tarefas, a família não tem, 
em princípio, qualquer objectivo.

Os valores e as tradições fazem parte do fundamento da família, tal como os 
cônjuges o constituem ao contrair matrimónio. Os filhos crescem dentro da 
estrutura de valores já existente.

A estrutura da empresa é de ordem contrária. Este grupo é formado 
artificialmente através de resoluções e contratos. Os indivíduos não surgem 
desde sempre como membros, apenas adquirem essa qualidade pelo ingresso no 
grupo. Os seus papéis são adquiridos ­ são­lhes atribuídos ­, as relações 
recíprocas
28
dos membros do grupo apresentam carácter impessoal. O formalismo e a distância 
nas relações inter­humanas apenas podem ser suavizados ou extintos por meio de 
medidas especiais. Se é exigida do trabalhador fidelidade à empresa, o patrão 
terá de fazer o possível para despertar e fomentar essa mesma fidelidade.

A finalidade da empresa é a criação de produtos que logo a abandonam. Só de modo 
secundário garante aos seus componentes a manutenção de vida bem como as 
possibilidades de desenvolvimento.

A eclosão de tradições e de valores comuns no interior de uma empresa necessita 
de esforços especiais e contínuos.

Ambos, tanto a família como a empresa, são grupos em que surgem conflitos e 
tensões. Ambas as estruturas podem ser desintegradas por conflitos. Mas no que 
se refere a este problema, a pertença a uma família nunca se extingue 
completamente, ainda que o grupo como tal deixe de existir. A empresa, pelo 
contrário, deixa de existir quando não é possível apaziguar os conflitos que a 
desintegram.

Para o acordo de conflitos a empresa encontrou hoje em

dia regulamentações formais, enquanto os conflitos familiares permanecem muitas 
vezes longo tempo sem solução e raras vezes

são resolvidos sistematicamente.

Na dinâmica da empresa representam um papel especial a

conformação de trabalho impessoal e racional contrário à natureza do homem, como 
Poppelreuter afirmou em 1929; as tensões entre direcção de empresa e 
trabalhadores, entre grupos de empreendedores e sindicatos; as resistências 
emocionais contra a estrutura da empresa em que o grupo de trabalho, como diz 
Arthur Mayer, representa uma espécie de «ilha humana».

A empresa e a família são aqui descritas como duas estruturas de organizações 
sociais colocadas em dois extremos opostos. Entre ambos existem inúmeras 
espécies de grupos que representam formas intermédias entre a estrutura social 
artificial e natural.
X.­ As Culturas

Até ao momento presente temo­nos ocupado, neste sector do nosso livro, com a 
psicologia da sociedade, ou seja, com

a vida do ser humano em grupo. Doravante voltar­nos­emos para um dos campos mais 
fascinantes da moderna ciência, ou seja, a investigação da vida de cultura e dos 
problemas psicológicos relacionados com o fenómeno cultural.

1. DEFINIÇÃO E PROBLEMÁTICA das culturas

É extraordinariamente difícil apresentar uma definição inequívoca daquilo que 
denominamos cultura. Kroeber e Kluckhohn enumeram nada menos do que 164 
definições diferentes desse termo! Não admira, portanto, que o conceito não seja 
utilizado em toda a parte nem por todos os autores no mesmo sentido. Os 
americanos, por exemplo, utilizavam ainda no início do século ­propriamente já 
não hoje em dia­ as expressões «cultura» e «civilização» como equivalentes. Os 
alemães, pelo contrário, marcaram sempre uma diferença nítida: por «cultura» 
compreendiam e compreendem essencialmente os valores vitais expressos na 
ciência, arte, filosofia, religião e formas aperfeiçoadas de vida. Pelo 
contrário, a palavra «civilização» era e é preponderantemente utilizada para o 
campo dos progressos de ordem técnica.

Edward Tylor foi o primeiro a definir o que na actual terminologia científica se 
compreende por cultura, ou seja, o todo complexo que engloba saber, crença, 
moral, lei, costume e uso

bem como outras capacidades e hábitos que o ser humano adquiriu enquanto membro 
da sociedade. A Antropologia Cultural ocupa­se com a investigação da cultura 
nesse sentido, enquanto a Antropologia Física tem como objecto o homem no que 
respeita às suas propriedades corpóreas. A Antropologia Cultural, pelo 
contrário, investiga e compara o modo como vivem os seres humanos e investiga o 
mundo que eles criaram para si.

É frequente falar­se de cultura como da parte do mundo ambiente que o ser humano 
criou de modo artificial. Outros investigadores, pelo contrário, preferem 
atender, a par das coisas criadas, ao comportamento determinado pela cultura e, 
como

é por exemplo o caso de Walter Goldschmidt, referem­se à cultura como «Ways of 
Mankind», «caminhos da humanidade», empregando a palavra «caminho» no sentido de 
modo de viver conhecemos este emprego da palavra a partir da ião citada 
«American Way of Life». O filósofo Charles Morris refere­se a «caminhos de vida» 
no sentido das diversas filosofias da vida segundo as quais os seres humanos se 
orientam.

Mais do que em qualquer outro domínio, torna­se difícil fazer uma selecção 
adequada de factos relacionados com os problemas da cultura. Os motivos desta 
dificuldade residem, por um lado, na extensão absolutamente espantosa que esta 
jovem ciência tomou em curto espaço de tempo. Por outro lado, a

relação entre Antropologia Cultural e Psicologia ainda se encontra por explicar 
na sua quase totalidade. Uma obra como a de Clyde Kluckhohn e Henry A. Murray 
que, secundados por muitos colaboradores, tentaram descrever a estrutura da 
personalidade tal como é condicionada pelos factores natureza, sociedade e 
cultura, constitui praticamente um exemplo esporádico.
Este é um possível caminho de acesso ao problema. No nosso

contexto, porém, parece impor­se uma outra problemática. É a

seguinte: De que modo actua na nossa vida o factor cultura?

Para poder tomar posição perante este problema teremos de abranger primeiramente 
os factos. Para isso é necessário proceder à selecção de modo a encontrar os 
pontos de vista essenciais para a nossa própria vida.

2. CARACTERíSTICAS UNIVERSAIS DA CULTURA

Importa, em primeiro lugar, determinar algumas das características gerais e 
específicas das culturas. Reconhece­se, de modo geral, que todas as culturas 
apresentam em comum determinadas características, por esse motivo denominadas 
universais.

As características comuns das culturas devem­se ao facto simples de a vida e o 
destino de todos os seres humanos que existem neste mundo serem, sob determinado 
ponto de vista, semelhantes. Todos os seres humanos são gerados por uma mãe e 
todos os seres humanos morrem. O crescimento e o desenvolvimento, a capacidade 
de procriação e de comunicação, as necessidades, os sentimentos, a percepção, o 
pensamento e outras

experiências íntimas, a linguagem, o movimento e o aproveitamento de materiais 
são comuns a todos os   seres humanos.

Desde Malinowski (vide pág. 447), diversos investigadores têm tentado constituir 
em sistemas os aspectos universais da cultura, construídos pelos seres humanos 
com auxílio do seu equipamento espiritual e físico. Parece, contudo, que nenhum 
destes sistemas foi universalmente reconhecido.

Alterando a divisão proposta por Melville Herskovitz, parecem­me ser os 
seguintes os aspectos fundamentais:

1 ­ Cultura material       II ­Instituições Sociais

Economia                    Comunicação, Organização Social Técnica 
Educação, Estruturação Política

III ­Arte e Ciência                   IV­Homem e Universo

Artes gráficas e plásticas             Sistema de crença Música e dança, usos e 
costumes        Sistema de valores Língua e Literatura 
Filosofia Organizações espirituais e Ciência

Todas as culturas se ocupam em medida diversa com os aspectos que aqui 
apontamos. Os meios e os métodos que utilizam para a sua realização variam 
fortemente e, quando contemplamos imagens de tribos primitivas ou ouvimos falar 
dos seus costumes peculiares, somos impressionados, a maior parte das vezes, 
pelas grandes diferenças existentes entre nós e esses

seres humanos. Qual de nós, homens do Ocidente, não contempla com estranheza os 
rostos e corpos de nativos, a nosso ver desfigurados pela tatuagem e pela 
ornamentação, e quem não ouve falar com pavor de canibais, de escalpelizações e 
infanticídio!

Por outro lado, porém, verificam­se coincidências notáveis. George P. Murdock, 
que muito se ocupou com o problema dos aspectos comuns, enumerou uma extensa 
lista de modos de comportamento e usos descobertos em toda a parte. Referir­nos­
emos a alguns deles, apenas para dar uma noção do muito que todos os seres 
humanos têm em comum.

Não só existem em todos os povos e tribos vida de família, ritos de casamento e 
de enterro, agrupamento segundo as idades, educação, jogo e trabalho, música, 
dança e arte, como existe também em toda a parte, o que pode parecer mais 
surpreendente, calendários, interpretação de sonhos, normas estabelecidas para o 
convívio, visitas e presentes mútuos, narração de anedotas.
divisão de trabalho, diferenças segundo a classe e posição social, leis, 
regulamentação de herança e muitas outras instituições.

Porém, como também Murdock acentua, mais importante do que a comparação de 
formas de comportamento segundo o

seu conteúdo é a comparação subordinada a pontos de vista mais fundamentais. 
Assim consideradas, parece­me haver cinco categorias imbuídas de significado 
universal. São elas os factores ordem, valores, integração, tradição e mutação.

Ordem

Todas as culturas se desenvolvem em grupos sociais que estabelecem sempre 
quaisquer organizações para a ordem das relações humanas. «Um sistema de 
relações ordenadas é, em

todos os níveis, condição primária de vida» (Robert McIver). E acrescenta ser 
pura fantasia a referência ao « bárbaro não sujeito a leis». O «selvagem» nunca 
é livre de leis ­pelo contrário: mantém­se rigidamente preso às leis vigentes no 
seu grupo.

Para além da regulamentação das relações de homem para homem, que a lei 
estabelece, verifica­se ainda uma delimitação da posição social e papéis, 
igualmente de acordo com determinadas regras. Ralph Linton distingue a situação 
atribuída a uma

pessoa daquela que ela alcançou mediante o seu trabalho.

Para a atribuição de papéis têm­se em conta, em todas as sociedades, os factores 
biológicos bem como a idade e o sexo. Como aponta Linton, existem, em toda a 
parte, regras para o

tratamento das crianças e a sua posição na sociedade; o desempenho destas 
determinações cabe em parte à família, em parte a outros grupos. E em toda a 
parte existe algo que se pode denominar educação.

Por toda a parte encontramos também medidas para a assistência a pessoas idosas; 
a família, o grupo e a comunidade têm nesse aspecto determinadas obrigações. 
Aliás, em algumas sociedades, os anciões são mortos, o que se fundamenta 
afirmando que serve o interesse da pessoa idosa e da sua alma o facto de a 
preservarem do declínio final.

A par da   idade, o critério mais importante para a atribuição de papéis  é o 
sexo.

Em todas as sociedades existem regras sobre as relações dos sexos na 
puberdade, assim como antes do matrimónio, e dentro e fora  dele. As respectivas 
proibições ou tabos em vigor são aliás diferentes; também sobre o incesto 
existem diversas concepções.
Em toda a parte se encontram ligadas ao sexo determinadas atribuições de 
hierarquia, de direitos e deveres. Estas são, porém, tão contraditórias que ­ ao 
contrário do que muitas vezes se tem afirmado ­ a fundamentação fisiológica não 
representa neste aspecto praticamente nenhum papel, mas sim, como diz Linton, é 
a arbitrariedade cultural que decide destas determinações. Apontemos apenas 
alguns exemplos:

Entre os Arapaches, no distrito Sepik da Nova Guiné, compete às mulheres trazer 
cargas mais pesadas do que os homens, visto que ­ segundo se diz ­ as suas 
cabeças são «mais duras e mais fortes».

Em algumas sociedades as mulheres desempenham todo o

trabalho corporal; noutras, como entre os habitantes das Ilhas Marquesas, na 
Polinésia Oriental, são os homens quem, além da sua actividade habitual, ainda 
cozinham, dirigem o governo da casa e tratam das crianças pequenas, enquanto as 
mulheres passam a maior parte do tempo a enfeitar­se.

Mesmo a regra geralmente aceite, de que a gravidez e a

amamentação      excluem a mulher das actividades mais pesadas, não é seguida 
em toda a parte. Entre os indígenas da Tasmânia, exterminados    iá no século 
passado, a caça às focas era tarefa das mulheres: nadavam até aos rochedos onde 
se encontravam as focas, esperavam aí os animais e matavam­nos à pancada. 
Competia­lhes também caçar uma espécie de cangurus do tamanho aproximado de 
cães, para o que tinham de trepar a árvores de grande altura.

Em quase     todas as sociedades      se atribuem aos homens e

mulheres determinadas actividades, podendo variar o

princípio segundo o qual e

sa atribuição se processa. s

Mas mesmo quando os dois sexos trabalham em conjunto na mesma actividade, os

papéis são distribuídos de maneira diversa.

Assim, por exemplo, em Madagáscar, as tarefas do cultivo do arroz encontram­se 
nitidamente delineadas:

212 Quase todas as culturas atribuem diferentes actividades aos sexos. Aqui, um 
habitante da Polinésia ocupado na apanha

dos cocos
os homens preparam os campos para a plantação das estacas; as mulheres têm de 
empreender o pesado trabalho da plantação, cansativo por obrigar a uma posição 
curvada; são também elas que mondam as ervas daninhas. Os homens recolhem a 
colheita, as mulheres carregam a colheita até à eira, os homens malham, as 
mulheres debulham. Finalmente as mulheres trituram o grão em almofarizes e 
cozinham­no.

A atribuição de determinadas funções resulta fundamentalmente com base no sexo, 
idade e situação na família. Porém, em muitas sociedades, os factores puramente 
sociais são também determinantes na atribuição.

Segundo Linton, na maioria das sociedades verifica­se a tendência para 
distribuir os indivíduos em grupos ou categorias e para atribuir a essas 
categorias diversa importância social.

As origens destas diferenças de classe são múltiplas. Em alguns casos são 
capacidades especiais, uma aptidão de ordem técnica ou coragem guerreira. Em 
outros casos, deve­se procurar a origem na formação de organizações associativas 
­pense­se na liga guerreira das tribos de índios norte­americanos, ou nos

célebres «cães» ou nas castas de sacerdotes existentes em muitas culturas. Em 
terceiro lugar, a sujeição de uma sociedade a outra pode ser a causa da formação 
de classes.

A Europa da época feudal constitui um bom exemplo da atribuição de papéis com 
base na pertença a uma classe! O facto de se ser destinado e educado para 
cavaleiro ou camponês dependia exclusivamente da classe a que se pertencia.

Em quase todas as sociedades, diz Linton, se verifica a tendência para atribuir 
papéis, não, porém, um concurso que permita a comprovação do melhor trabalho. Em 
grande parte isto verifica­se ainda na nossa própria sociedade. Linton refere­se 
ao

facto de nenhuma mulher, nenhum negro, nenhum índio, e só com muita dificuldade 
um judeu ou um católico, poderem vir a ser presidente dos Estados Unidos. Porém, 
desde que tal afirmação foi feita ­no ano de 1936 ­ já um destes obstáculos foi 
demolido: o católico John Kennedy tornou­se em 1961 Presidente dos Estados 
Unidos. De um modo geral, a sociedade americana encontra­se empenhada em que os 
papéis sejam adquiridos e

não atribuídos. É possível que uma tendência semelhante se verifique na Europa.

Valores
Em todas as culturas existem certas normas determinantes de como viver a vida. 
Estas normas não só se expressam em
mandamentos e proibições, em sistemas religiosos e filosóficos, mas também no 
modo como se processa a vida diária: no convívio com os outros seres humanos e 
no tratamento dos problemas que surgem diariamente, exprimem­se determinados 
princípios.

No capítulo «Motivação» encarámos as preferências ou valores subjacentes no 
comportamento humano, sob o ponto de vista das condições que são dadas a cada 
qual, como se desenvolvem as preferências factitivas e normativas em cada 
criança e como

são influenciadas através da relação da criança com o seu meio ambiente.

Agora, porém, passamos a contemplar os valores de modo mais englobante. Do ponto 
de vista do investigador da cultura, os valores de um indivíduo ou de uma 
família têm de ser compreendidos a partir de um contexto maior do que o da 
motivação e identificação individuais. O investigador é de opinião que o

mundo de valores que o indivíduo vai construindo gradualmente para si próprio, 
se é verdade que é adquirido em confronto com o seu ambiente mais próximo, 
provém contudo em última análise,, do tesouro das ideias de um grupo cultural.

Tomemos um exemplo elucidativo de dois grupos da cultura ocidental.

Martha Wolfenstein descreve, num interessante estudo, a forma como as crianças 
francesas se devem comportar num parque público e compara­a com o modo como as 
crianças americanas se podem comportar numa situação idêntica.

Uma menina de dois anos tirou uma tira de cabedal de um grupo de crianças que 
brincava nas ‘imediações. A criada ralha­lhe, dizendo que não se deve fazer uma 
coisa dessas, toma­a pela mão e vai com a criança restituir a tira.

Um pouco depois, um rapazinho do grupo próximo vem

brincar com a menina. Enquanto a criada dá de comer a esta, ele vai­se embora, 
levando consigo um balde que pertence à menina. A avó dele vê o facto e então 
repete­se a cena: ralha com o miúdo, dá­lhe um tabefe e leva­o pela mão a 
restituir o balde. Ao pé da criada, bate novamente na criança.

M. Wolfenstein acentua que, ao contrário da concepção aqui absolutamente patente 
de que um brinquedo é propriedade privada de uma criança e de uma família, se 
ensina desde muito cedo às crianças americanas a deixar as outras tomar parte 
nas
suas brincadeiras e a dar­lhes confiantes o seu próprio brinquedo. Assim se 
promove uma viva permuta social, enquanto as crianças francesas, no parque, são 
antes mantidas à distância uma das outras,
Se o leitor pensar nas grandes discussões acerca dos valores vitais 
fundamentais, tais como os experimentamos, por exemplo, na política, mas também 
no convívio com os nossos semelhantes, a observação acima apresentada poderá 
parecer­lhe de diminuta importância. Assim é na realidade. Sobretudo quando se 
trata de questões que tenham implícita uma visão do mundo, como a

seguinte: Forma de vida, sociedade e economia ocidentais, ou

comunismo? ­então não parece ser muito essencial o facto de as crianças 
partilharem ou não os seus brinquedos. Porém, se

atentarmos mais exactamente, veremos que nas representações e valores dos grupos 
de cultura existem relações íntimas e que ­para remontarmos ao nosso exemplo ­ o 
à­vontade social das crianças americanas, em comparação com o comportamento para 
o qual as crianças francesas são educadas, reflecte pontos de vista mais 
profundos quanto à concepção do mundo.

De modo extraordinariamente brilhante e cuidadoso, de grande profundidade 
científica, Florence Kluckhohn demonstrou há pouco, num estudo sobre cinco 
culturas, esse reflexo das orientações de concepção de vida no comportamento 
diário. F. Kluckhohn escolheu para as suas investigações cinco subculturas 
americanas. Estas eram constituídas por dois grupos índios. os Navaho e os Zuni, 
uma aldeia hispano­americana (Atrisco), uma aldeia Mormonen (Rimrock) e uma 
povoação de rendeiros do Texas de recente formação, chamada «Homestead,>. As 
cinco comunidades encontram­se no Sudoeste da América do Norte; as distâncias 
entre elas comportam menos de 80 quilómetros.

Nas suas investigações, F. Kluckhohn partiu de uma série de considerações 
teóricas. Faz em primeiro lugar três suposições:
1 ­Que existe apenas um número limitado de problemas humanos comuns para os 
quais todos os homens se vêem obrigados a

buscar uma solução; 2 ­ Que o número das soluções possíveis é limitado; 3 ­ Que 
se experimentam em todas as sociedades as diferentes possibilidades de solução, 
que estas são, no entanto, preferidas em diverso grau em cada uma delas.

Observando mais concretamente: em toda a parte os seres

humanos têm concepções sobre a natureza humana: ou que ela é má, ou que é 
simultaneamente boa e má, ou que o homem é bom por natureza. Em toda a parte 
existem concepções sobre a

relação do homem com a natureza: o homem ou é considerado como estando submetido 
a ela ou em harmonia com ela ou como sendo dominador dela. Em toda a parte 
encontramos uma relação com o tempo; os seres humanos ou vivem mais em relação 
com o passado, ou com o presente ou com o futuro. Existe, além disso, toda a 
espécie de ideias sobre as nossas relações com a vida
activa: os homens ou vivem mais no sentimento do ser, ou seja, do gozo e da 
aceitação daquilo que lhes é dado; do devir, ou seja, na ânsia contínua de 
desenvolvimento ou de procedimento activo; que o mesmo é dizer da constante 
disposição para agir e realizar coisas determinadas. E, finalmente, todas as 
pessoas têm concepções sobre as suas relações com os outros, optando ou por uma 
separação individualista ou pela colectividade ou por seguir o procedimento dos 
demais.

Alguns exemplos poderão ilustrar esta teoria profunda. A sociedade da classe 
média americana é, na sua orientação, individualista, voltada para o futuro, vê 
no homem o dominador da natureza, crê no procedimento activo e considera o 
homem, segundo a sua natureza, mau ou simultaneamente mau e bom.

Pelo contrário, na sociedade hispano­americana, presa às suas tradições, pensa­
se que o homem se deve orientar pelos outros, vive­se no presente, o ser humano 
é compreendido como

submetido à natureza, a vida é ser e o homem é, segundo a sua

natureza, simultaneamente bom e mau.

Esta divisão aparentemente abstracta torna­se, contudo, muito viva na aplicação.

Assim, a submissão à natureza ressalta das observações de alguns hispano­
americanos:

«Se for da vontade de Deus que eu morra, morro mesmo» como motivação para o 
facto de não chamar um médico. Ou um pastor diz: «Quando vem uma tempestade, 
pouco se pode fazer para salvar as ovelhas».

Ao contrário, o americano típico afirma: «Ajuda­te a ti próprio, que Deus te 
ajudará». A natureza é completamente modificada; que nisso possam existir 
obstáculos, é facto que não é reconhecido.

Talvez seja interessante observar mais pormenorizadamente um dos cinco grupos de 
cultura que F. Kluckhohn investigou. Os índios Navalio, nas suas relações 
humanas, são completamente orientados no sentido de uma comunidade. Exemplos 
dessa orientação são as imagens apresentadas nas páginas imediatamente 
posteriores e as observações seguintes:

«Numa família não pode ser um único a decidir. Isso não seria justo para os 
outros. É necessário que as pessoas se reúnam e discutam os assuntos».
«Se há problemas a solucionar, o melhor é formar um grupo e procurar um acordo».

Por ocasião de uma herança: «Se os irmãos e as irmãs puxassem pelo mesmo 
tirante, não teriam quaisquer dificuldades».
213­214 Nas suas relações humanas, os Navaho, vigoroso ramo de índios do sudeste 
dos Estados Unidos da América, dão um papel primordial à

colectividade

Na relação com o tempo predomina a orientação para o presente:

«Na educação das crianças, dever­se­d pri      .mei.ro equipá­las para o 
presente, mais tarde se lhes contará então alguma coisa sobre a maneira de viver 
de outros tempos».

«0 passado era bom, mas já não sabemos grande coisa acerca dele».

«Primeiro vem o presente. De nada nos serve pensar nos tempos antigos. Todas as 
coisas se modificam e nós estamos mesmo dentro delas».

O Navaho crê na harmonia com a natureza. r­ de opinião que, devido aos homens, o 
equilíbrio da natureza pode ser perturbado:

«Quando alguém não vive como deve ser, não pode esperar protecção para os seus 
carneiros e cavalos».

«Quando fazemos o que há de melhor ao nosso alcance para viver acertadamente, 
temos boas perspectivas para a nossa colheita».

«.É certo que os médicos e as injecções podem auxiliar, já fiz a experiência 
disso. No entanto, é assim: quando se faz alguma coisa de mal, isso influencia a 
nossa vida e, quando se é bom, não é necessário ter preocupações».

No que diz respeito à actividade ou à passividade, o Navaho inclina­se para a 
acção.
215­218 Imagens da vida dos Navaho: em cima, à esquerda, uma mãe carinhosa com o 
seu filho. A tábua a que está enfaixado impede aliás a liberdade de movimentos e 
consequentemente o desenvolvimento da criança (vide pág. 67). ­ Ao lado: 
trabalho colectivo numa pintura a cores feita na areia e destinada ao culto. ­ 
Em baixo, à esquerda: mulheres da tribo Navaho, junto a uma cova feita no chão 
que serve de forno, ocupadas na preparação em comum da massa de um bolo de milho 
que uma jovem distribuirá por ocasião da sua cerimónia da puberdade. ­ Ao lado, 
outra cena extraída do ritual da cerimónia da puberdade: a jovem está deitada 
sobre uma das coberturas coloridas dos Navaho enquanto o seu corpo recebe uma 
massagem. Esta «massagem» ritual destina­se a conferir à

jovem graciosidade e maturidade femininas
«Os que são activos e trabalham tendo em vista os bons resultados, procedem 
acertadamente».

«Se procederes bem e trabalhares duramente, serás feliz». A natureza humana é 
considerada tanto boa como má, e não susceptível de modificação:

«Jamais ouvi dizer que alguma coisa tenha modificado a

natureza (de um ser humano)».

O conceito da orientação de valores de Florence Kluckhohn abrange visivelmente 
factores fundamentais da filosofia da vida prevalecente numa cultura. 
Normalmente, entre os valores determinantes da uma cultura, compreende­se em 
primeiro lugar a

ética. F. Kluckhohn é visivelmente de opinião que a ideologia total de uma 
cultura remonta em última análise a valorizações. Embora isto possa ser 
contestado, cabe à sua obra, há pouco publicada, tal profundidade e 
originalidade, que quisemos dar conhecimento desta ordem de ideias aos nossos 
leitores.

Integração

A exposição de Kluckhohn comprova melhor do que qualquer outro trabalho anterior 
a lei da integração, da unidade interna de qualquer cultura, que Ruth Benedict 
foi a primeira a enunciar. Uma cultura é um todo integrado, cujos factores 
unificantes necessitam de ser compreendidos. No seu livro actualmente muito 
divulgado «Patterns of culture» (edição alemã «Urformen der Kultur»),  Benedict 
afirma que uma cultura não pode ser compreendida  através da compilação e 
estatística de factos isolados. Tal como   o ser humano, ela tem antes de ser 
compreendida a

partir de  motivos centrais. Apenas tratamos a cultura de modo adequado quando a 
encaramos como um todo vivente, como uma estrutura comunitária cujas feições 
características se formam a partir de um processo que inclui em si uma intenção 
e

anseia por determinado fim.

Segundo Benedict, em cada cultura tomada como um todo as coisas passam­se tal 
como na arquitectura gótica, em que se expressou primeiramente a preferência 
pela elevação e pela luz para, a pouco e pouco, se acrescentarem outros 
pormenores através dos quais o homem medieval ansiava por exteriorizar o seu
sentido da vida e da arte. Segundo esta concepção, aquilo a que se chama estilo 
é um distintivo característico que não só remonta

a uma fundamentação estética do gosto, como possui igualmente uma fundamentação 
psicológica e filosófica na respectiva concepção de vida.
Benedict denomina a descrição que o grande etnólogo anglo­polaco Bronislaw 
Malinowski (1884­1942) fez dos indígenas das ilhas Trobriand na Melanésia, o 
primeiro estudo de cultura que visa a compreender o todo vivente, ao contrário 
das análises inventoriais de características isoladas que era costume fazer até 
então.

Na sua própria exposição de temas centrais da integração, Benedict trata de 
assuntos diferentes de F. Kluckhohn e a sua

análise tem carácter mais intuitivo do que sistemático. Nos índios Zuni, por 
exemplo, vê a prevalência de um princípio «apolíneo» de moderação; considera um 
dos fundamentos desta cultura a

autodissolução do indivíduo em face da sociedade.

Pelo contrário, descreve os índios Kwakiutl da ilha Vancouver como sendo 
«dionisíacos» na rivalidade individualista e no êxtase, com tendência para 
alucinações de grandeza omnipotente de tipo paranóico.

Considera os Dobu da Melanésia reservados, pérfidos, traiçoeiros; sentem­se em 
luta contra um mundo ambiente duro; têm temor da natureza e encontram­se 
possuídos da desconfiança perante os seus vizinhos.

Este modo de observação, que procura reduzir tudo ao mesmo denominador, é 
naturalmente demasiado simplificativo. Como expôs sobretudo Morris Opler, uma 
cultura tem não só um como muitos «ternas» e possui para estes inúmeras e 
diversas formas de expressão. Por esse motivo, os exemplos de Benedict possuem 
hoje em dia maior significado histórico do que real.

Além de R. Benedict e F. Kluckhohn, também Margaret Mead tratou, como veremos 
logo a seguir, certas tendências básicas de ordem cultural, tendo adquirido 
sobretudo esse conhecimento por ocasião das observações que levou a efeito junto 
de povos da natureza sobre assistência infantil e educação da juventude. Na 
verdade, cabe a Mead o mérito de ter sido o primeiro antropologista a 
proporcionar­se a visão das relações de sentido de ordem cultural.

Nas suas investigações, passam de novo para primeiro plano princípios ideais 
absolutamente heterogéneos, sobretudo no que se refere às diversas 
representações e avaliações segundo as quais, nas diversas culturas, os mais 
idosos actuam sobre os membros das gerações mais jovens (Ver págs. 450 e segs.).

A nossa curta exposição revela que os esforços exercidos pelos modernos 
antropologistas com o fim de adquirirem ideias nítidas sobre os princípios de 
integração vigentes nas diversas culturas não conduziram ainda a qualquer 
resultado definitivo. Sem dúvida, trata­se aqui, contudo, de um esboço 
excepcionalmente
interessante. O seu desenvolvimento posterior contribuirá fundamentalmente para 
a nossa autocompreensão futura. Isso tornar­se­à particularmente claro se 
fizermos agora incidir a nossa

atenção sobre as investigações realizadas acerca da tradição e da educação.

Tradição

Poderá ser difícil para nós, diz Walter Goldschmidt, aceitar que os nossos 
sentimentos de amor e de ódio, e os estímulos que libertam tais sentimentos, têm 
uma determinação de ordem cultural. Mas é este, na verdade, o caso. Não só a 
forma de pensar e sentir de povos cujos costumes nos dão uma impressão de 
estranheza ­ como, por exemplo, os Balineses, que cantam e rejubilam nos 
enterros, ou os índios Karankowa, que derramam lágrimas ardentes ao cumprimentar 
um amigo ­ é expressão desse condicionalismo cultural, mas também todo o nosso 
próprio modo de pensar e de sentir nos é inculcado desde cedo sem que disso 
tenhamos conhecimento. Contrariando a opinião anteriormente prevalecente, de que 
as particularidades hereditárias e congénitas eram decisivas para os cunhos 
culturais característicos, os investigadores da cultura também hoje em dia 
determinantes são de opinião que o património cultural é transmitido através de 
costumes e de tradições; de que ele é, portanto, aprendido e susceptível de 
aprendizagem no mais alto grau.

Entre aqueles que apresentaram provas de que os factores culturais são 
independentes dos dados biológicos, desempenhou um papel determinante o 
antropólogo e etnólogo germano­americano Franz Boas, que dedicou a este problema 
estudos pormenorizados. «Uma investigação crítica» ­afirma ele­ «revela que as 
formas de pensamento e de acção que temos tendência a

considerar fundamentadas na natureza humana não são válidas de uma forma geral, 
mas sim características da nossa cultura específica».

As disposições rácicas, as tendências e as aptidões devem, é certo, 
originariamente ter traçado determinadas directrizes de acordo com as condições 
de vida já existentes; no entanto, nas estruturações culturais que hoje 
encontramos, trata­se de estruturas altamente complicadas para cuja construção 
contribuíram as pessoas, os povos e os grupos mais diversos. De um modo geral, 
perfilha­se actualmente a opinião de que um indivíduo de qualquer raça ou povo 
transferido na mais tenra infância para outra comunidade de cultura adoptará a 
língua, comportamento e modo de pensar desta e se identificará totalmente com 
eles.
Amram Scheinfeld, para demonstrar o grau de influência exercida pelo ambiente 
cultural, cita o exemplo de dois jovens. o qual é neste aspecto particularmente 
pertinente.

O primeiro, nascido com o nome de Joseph Rhinchart e de ascendência germano­
americana, foi adoptado aos dois anos por um chinês em Long Island e levado três 
anos mais tarde para a China. Aí passou a usar o nome de Fung Kwok Keung.

Aos 20 anos regressou a Nova Iorque e viu­se obrigado a sofrer um intensivo 
processo de americanização para se poder adaptar à vida americana. No entanto, 
não se sentia à vontade entre os americanos, sobretudo durante o período de 
serviço militar. Depois da guerra arranjou o lugar de compositor na

redacção de um jornal chinês em Nova Iorque. Continua ainda a sentir­se chinês.

O mesmo caso, apenas «com características inversas», passa­se com Paul Fung Jr. 
Este é um americano, chinês de origem, que, tal como os seus pais, foi educado 
na América. O seu pensamento e comportamento, a sua linguagem e filosofia da 
vida,

o seu humor, são totalmente americanos.

Paul sabia pouco chinês e pouca coisa sobre os chineses. No desejo de os 
conhecer melhor fez­se destacar durante a

segunda guerra mundial para um regiNANey                  BY ERNIE RUSHMILLER 
mento no qual se

encontravam alisDON'T BE­                        tados apenas chineWE'D 
RiDICULOUS VOU         NO          ses de nacionalidade L1KE TO 
TRUST BORROW                  us                   americana. Porém, *10 
em breve reconheceu que não estava adequado a eles nem no seu pensamento 
@’óumu5'.,rT N O us@

nem no seu modo de vida. A comida repugnava­lhe; os caSOME               UST, 
maradas não o comTRUST           COMpJôNY@@        preendíam e pensaCOMPANY 
;5@

219 Só quem pensar e sentir absolutamente como os americanos estará apto a 
desenhar estes «comics» típicos dos Estados Unidos. (Extraído do Los Angeles

Times)
29
220 As estreitas relações de uma mãe do círculo da cultura ocidental com o

seu bebé

vam que ele representava o

papel de americano «genuíno». Assim, sentiu­se extremamente aliviado ao ser 
destacado mais tarde para unia unidade americana.

Depois da guerra tornou­se desenhador de «Comic  Strips» para um jornal de Nova 
Iorque. Quem conhecer os «comics» sabe como eles são extraordinariamente 
peculiares da culericana. È preciso tura am que alguém sinta de um

absolutamente amemodo a ]o para poder realizar rica

desenhos deste tipo.

Ao lermos estes dois exemplos, vemos que eles são simples e esclarecedores. É 
evidente, conclui­se, que desde muito cedo crescemos de tal modo dentro de um 
estilo de pensamento e de vida de uma cultura, que não nos podemos transferir 
facilmente para outra.

Mas, se perguntarmos a nós próprios de que modo isso se processa no indivíduo 
isolado, então o todo revela­se como um problema altamente complexo e ainda bem 
pouco esclarecido.

1 Margaret Mead foi a primeira a realizar observações inovadoras sobre os 
fenómenos e dados situacionais através dos quais as particularidades culturais 
são transmitidas às crianças, e a

primeira a valorizá­las nos seus livros «Coming of Age in Samoa» (1928) e 
«Growing up in New Guinea» (1930). Ocupemo­nos um

pouco com alguns pormenores dos seus trabalhos mais recentes.

A partir da obra de Margaret Mead «Groivth and Ciílture» (1951), concebida em 
grandes moldes, na qual se estudam oito bebés de Bali que são apresentados em 58 
gravuras em diversas situações e a praticar diversas acções, adquirimos unia boa 
imagem pelo menos de um tipo de influências formativas de ordem cultural. Estas 
são em primeiro lugar as relações humanas que acompanham o crescimento da 
criança.

Desde o início e quase durante todo o primeiro ano de vida, o meio ambiente 
físico do bebé balinês é constituído, quase exclusivamente, pelo colo e mais 
tarde pelas ancas de um ser
humano, que não é sempre necessariamente a mãe. Desde muito cedo podem ser 
outras pessoas, sobretudo os irmãos. O bebé é frouxamente enfaixado i­zum pano e 
passa a sua existência acor­                           31 dado ou a dormir, 
primeiramente nos

braços e, passados dois meses, sobre a anca, fortemente atado ao corpo daquele 
que o transporta. Durante o dia                         k@4 jamois está deitado 
para dormir; apenas quando a restante família se reco­ 
#k lhe à noite para descansar, o deitam,                  r

@á então adormecido.

Após o segundo     mês de vida, uma criança destas vê o mundo em posição 
I@@ vertical, a partir da  anca daquele que               J a transporta. 
Sente­se ffitimamente ligado a uma outra pessoa, podendo tratar­se de vários 
indivíduos diferentes.

Só a partir do momento em que é capaz de gatinhar, de se pôr em pé e

correr é que começa a mover­se sozinha por aqui e por acolá, e começa a ocupar­
se com as coisas. No entanto, mesmo nessa altura está constantemente junto de 
outros.

Evidenciemos algumas das particularidades decisivas de ordem cultural destas 
influências do meio ambiente, comparando­as com algumas das influências que 
actuam sobre as nossas crianças.

Na cultura ocidental o recém­nascido é deitado num berço ou numa seirinha; aí 
passa a maior parte do tempo,

M acordado e a dormir. Passa apenas

p uma fracção do dia nos braços ou ao colo da mãe.

221­223 Em Bali, durante quase todo o primeiro ano de vida, o meio físico que 
rodeia o bebé está, de princípio, restringido aos braços e mais tarde à anca do 
adulto
224­225 Em Bali ­ ao contrário do que acontece no círculo de cultura ocidental ­ 
um bebé nunca está completamente só. (Imagens 221­225 de

Mead, Growth and Culture)

Como em geral o bebé da cultura ocidental não tem outro adulto em seu redor que 
não sejam os pais, é evidente que depende mais ou menos completamente do amor e 
do interesse destes dois seres, sobretudo da mãe. Esta relação adquire assim 
necessariamente uma intensidade que nunca pode alcançar nas

circunstâncias absolutamente diferentes da cultura Bali.

O bebé que cresce no seu próprio berço passa uma grande parte do tempo sem a 
ligação física estreitíssima a outras pessoas e tem, assim, uma liberdade de 
movimentos de que o bebé Bali, por se encontrar ligado, não dispõe. Assim, não 
só se torna

mais independente mais cedo, como é essencialmente mais activo. É­lhe possível 
fazer experiências por meio de movimentos corporais e manejo de objectos, com o 
que se estabelece o primeiro fundamento não só para uma maior actividade mas 
também para iniciativa e actividade criadora com materiais.

Esta comparação entre as observações de Margaret Mead realizadas com crianças 
balinesas e as circunstâncias em que as crianças crescem entre nós, dá uma boa 
ideia de um primeiro grupo de diferentes condições de vida conformadoras da 
cultura.

Não me recordo de ter lido em M. Mead que existam também em Bali mães mais ou 
menos carinhosas ou interessadas; no

entanto, as fotografias parecem comprová­lo. Mead nota também, e isto é 
importante, que «mesmo na cultura homogénea e estática de Bajoeng Gedé de 1936», 
que ela descreve, «se pode observar
226­228 Através da comparticipação em todos os acontecimentos religiosos, a 
criança, em Bali, cresce imiscuída no culto. Em cima, à esquerda, as crianças 
observam a máscara Barong por ocasião de uma procissão em volta da aldeia. Em 
baixo: uma criança faz de Barong, pondo uma esteira sobre a cabeça. À direita: 
as crianças brincam, imitando as máscaras do

culto com cascas de coco

o papel enorme que desempenham as particularidades temperamentais individuais e 
constitucionais ».

Segundo a opinião de Mead, o indivíduo não é, assim, logo de início tão 
completamente cunhado pelo seu meio ambiente que mal lhe restem ainda algumas 
possibilidades individuais de se exprimir e de se realizar a si próprio, como 
supõe, por exemplo, Marvin K. Opler. No entanto, são necessárias outras 
investigações para separar nitidamente o factor individual das influências do 
mundo ambiente.

Aos princípios fundamentais da assistência infantil em Bali pertence, como 
vimos, o facto de o bebé desde os seus primeiros dias de vida se encontrar 
constantemente no meio de muitas pessoas e tomar parte em todas as actividades 
dos adultos. Assim, por exemplo, logo desde o início, a criança é levada a todas 
as cerimónias religiosas. Deste modo, cresce tanto dentro do culto como da vida 
de família ou de qualquer outro sector da vida.
229­231 Crianças de Bali observam o cerimonial por ocasião de uma cremação (em 
cima), tomam parte no acto (esquerda) e reproduzem­no em representações 
dramáticas (direita). (Imagens 226­231 de Margaret Mead e
M. Wolferistein, Childhood in Contemporary Cultures)

No capítulo «Crianças e ritual em Bali», do livro de M. Mead e M. Wolfenstein 
«Childhood in Contemporary Culture», M. Mead descreve a forma como as crianças 
de todas as idades tomam parte no culto religioso. Nas imagens da página 
anterior, vemos

como as crianças observam e experimentam as máscaras utilizadas no ritual. São 
patentes a curiosidade, o temor, o fascínio, mas também o evidente sentimento de 
pertença aos actos, manejos e fenómenos do culto.

Desta espécie de vida em comum com os adultos resulta então, por exemplo, uma 
modalidade de arte infantil completamente diferente da que nós conhecemos. O 
desenho e a música revelam menos características infantis e, em maior grau, 
particularidades do culto. Os desenhos de uma criança de cinco e seis
anos, que apresentamos a seguir, revelam bem esse aspecto, se os compararmos com 
desenhos das nossas crianças (infra).

Nesta actuação em conjunto e neste estar presente das crianças à actividade do 
mundo ambiente dos adultos exprime­se um

outro factor cultural conformativo, ou seja, aquilo que Ruth Benedict denominou 
continuidade do desenvolvimento em oposição à descontinuidade vigente entre nós. 
Por continuidade sancionada culturalmente compreende­se o facto de as crianças 
irem crescendo, pouco a pouco interessadas nas formas de comportamento dos 
adultos, sem quebra e sem cisões marcantes. Segundo

as suas próprias necessidades e capacidades, as crianças estão autorizadas a 
estar presentes e a colaborar em tudo o que fazem os grandes. Os seus deveres e 
direitos não estão separados dos dos adultos. Tal como participam dos trabalhos, 
de acordo com

a sua capacidade, não são impedidas por ninguém de tomar parte em cerimónias 
religiosas, em jogos ou também em ocupações sexuais, à semelhança dos adultos.

Na nossa cultura, pelo contrário, verifica­se uma «descontinuidade», querendo 
isso dizer que as actividades, os direitos, os deveres das nossas crianças são 
diferentes dos dos adultos, existindo entre o mundo de ambos os grupos uma 
separação mais ou menos fortemente acentuada.

232­233 Estes desenhos de crianças de Bali d

3 ‘ ‘e cinco e seis a= diferem absolutamente dos de crianças europeias da mesma 
idade. O desenho de cima mostra o deus Krislina e o herói Salja do jogo de 
sombras tradicional; o desenho de baixo, «uma vaca deitada, pessoas, aves e um 
porco», mas, além disso, surgem novamente figuras do jogo de sombras. (De Mead e 
Wolfenstein, Childhood in Contemporary Cultures)
r. A

O processo de educação a que as crianças se submetem na cultura ocidental 
encontra­se cuidadosamente graduado, e o mundo das coisas que se abrem e se põem 
à disposição dos adolescentes modifica­se por diversas vezes. Assim, no 
Ocidente, é possível falar de uma cultura infantil própria e de uma cultura de 
adolescentes própria ­ a qual, nos últimos decénios, se foi tornando cada vez

mais fortemente autónoma ­ por exemplo, como cultura dos movimentos juvenis, das 
«Teenager» ­ dos «Twen».

Mutação Cultural

Os costumes, os usos e as tradições servem à manutenção da estabilidade 
cultural. Porém, a par destas influências estabilizadoras, existem também 
constantes modificações. A cultura é, na verdade, adquirida e transmitida por 
meio da aprendizagem, mas, como acentua por exemplo Edward Sapir, é expressa e 
desenvolvida por cada indivíduo de um modo que lhe é peculiar.

Através dos homens que vivem um sistema sócio­cultural este torna­se um produto 
vivente, ao qual, segundo afirma Pitirim Sorokin, é tão peculiar a mutação 
contínua como a qualquer sistema vivo.

A par deste princípio geral da mutação imanente existem também motivos especiais 
que levam a mutações culturais por vezes processadas de forma drástica.

De um modo geral, observam­se, por exemplo, certos contrastes mais ou menos 
marcantes entre os anseios e desejos das sucessivas gerações. Estes contrastes 
podem transformar­se em

mutações radicais.

As novas ideias, tais como o princípio da responsabilidade individual em face de 
Deus, de Lutero, a condenação do capitalismo, de Marx, ou os progressos 
técnicos, como sejam a invenção da máquina a vapor, do automóvel e do avião, 
tiveram como

consequência mutações culturais amplamente propagadas. A mutação económica tal 
como foi iniciada pela grande indústria moderna, as reformas como a admissão das 
mulheres às eleições

e aos estudos, a fundação de novas instituições como a das Nações Unidas na sua 
qualidade de forum para resolução de questões que dizem respeito ao mundo 
inteiro ­estes e outros acontecimentos semelhantes modificaram completamente, na 
sua estrutura, a cultura da actualidade.

Porém ­abstraindo de regiões absolutamente isolada ssempre existiu desde os 
primórdios da humanidade uma influência e penetração recíprocas das culturas, 
sempre se verificou uma
transmissão mútua de novas ideias e novas descobertas, revelando, aliás, certas 
culturas uma maior impermeabilidade em

face às inovações.

Ao falar da cultura como de um produto vivente surge a

questão de saber se em cultura é possível falar de desenvolvimento no mesmo 
sentido em que o termo é utilizado para um ser vivo.

No decurso do triunfo da teoria evolucionista de Darwin, segundo a qual no reino 
dos seres vivos as formas superiores surgem das menos elevadas, a ideia de um 
desenvolvimento penetrara também na investigação da cultura. Neste campo, 
contudo, essa ideia, no sentido de uma sequência em linha recta ou de um 
progresso inequívoco, foi hoje absolutamente posta de lado.
O problema de saber se é possível comprovar uma direcção nos

desenvolvimentos culturais, na história das sociedades humanas, e em que sentido 
isso se verifica, ocupou muitos filósofos marcantes da História e da Cultura 
desde Auguste Comte, Max Weber, Oswald Spengler até aos modernos Alfred Kroeber, 
Arnold Toynbee, Robert McIver. No decorrer destas investigações, somos

sobretudo impressionados pela problemática e múltiplo entrelaçar dos fenómenos ­ 
como afirma K. N. Naegele ao editar uma selecção dos tais escritos: «0 mundo 
tornou­se mais pequeno mas o nosso cepticismo cresceu desde que estudamos o 
mundo globalmente abrangendo um longo período. A nossa crença no progresso e no 
constante aperfeiçoamento humano foi substituída por ideias muito pessimistas» 
(Theories of Society, pág. 1330).

Os valores culturais desenvolvem­se e extinguem­se novamente e não nos podemos 
defender da impressão de que na ideia spengleriana do desenvolvimento orgânico 
de um estilo de cultura que nasce, cresce, floresce, amadurece e morre, se 
encontra contido um núcleo de verdade.

Por outro lado, os neo­evolucionistas, como Leslie White, fazem notar que, de 
certo modo, não se pode negar uma evolução mais ou menos contínua. Seja como 
for, o certo é que não nos encontramos, infelizmente, em situação de notar um 
«progresso», nem no campo ético nem estético. No entanto       ‘ na conquista 
técnica do mundo quase não é possível contestar um aumento constante de 
possibilidades.

Consideram­se a descoberta e a difusão os dois princípios fundamentais na 
promoção de uma mutação cultural. O último princípio, introduzido por Franz 
Boas, é menos comummente conhecido do que o primeiro. Por difusão compreende­se 
o alargamento e transmissão de determinados elementos culturais de umas 
sociedades e culturas para outras.
Kroeber dá uma imagem viva de uma série de aquisições culturais, feitas por meio 
da difusão, que se tornaram próprias da vida americana.

«Falamos» ­ diz ele ­ «uma versão anglo­saxónica d­ uma língua germânica, que 
contém mais palavras de origem ­latina do que palavras inglesas. A nossa 
religião é oriunda da Palestina, com alterações específicas na formulação 
segundo as diferentes orientações de crenças que se constituíram em Roma, 
Alemanha, Inglaterra, Escócia e Holanda. A nossa Bíblia foi em parte traduzida 
do hebraico, em parte do grego. Bebemos café que foi primeiramente plantado na 
Etiópia e depois aceite pela Arábia; chá, que a China descobriu; cerveja, feita 
pela primeira vez na

antiga Mesopotâmia ou no Egipto; álcool, descoberto na Europa medieval. O pão, a 
carne de vaca e outras carnes que comemos

provêm de plantas e de animais que foram criados pela primeira vez na Ásia, 
enquanto que as batatas, o milho, os tomates e o feijão foram, tal como o 
tabaco, utilizados pela primeira vez pelos índios. Escrevemos uma variante 
etrusco­romana da forma grega de um alfabeto que foi descoberto na Fenícia ou 
nas suas imediações por uma tribo semita, com base nas escritas não alfabéticas 
de culturas ainda mais antigas.»

A impressão que se adquire a partir desta enunciação sobre o significado 
extraordinário do factor de difusão cultural não deve, aliás, levar a olvidar um 
outro facto: ou seja, que muitas ideias surgem em diversos lugares autonomamente 
e independentes de uma influência estranha; que não se trata, portanto, sempre 
de transmissão quando nas diversas culturas encontramos as mesmas ideias e os 
mesmos valores. Este ponto de vista foi acentuado sobretudo pela escola de 
cultura histórica de Viena, sob a direcção do padre WilheIni Schmidt. O padre 
Schmidt comprovou, por exemplo, que a crença num ser superior é comum

a toda a humanidade; mesmo nos povos das culturas mais primitivas se encontra em 
toda a parte esta «crença num Deus Supremo», sem que ela possa ser atribuída à 
instrução missionária.

Isso não obsta a que o princípio da penetração recíproca das culturas mantenha o 
seu significado eminente. Se pensarmos nos meios de transporte e de 
comunicações, tão pouco desenvolvidos nos séculos anteriores, veremos como é 
espantoso que desde os tempos mais antigos tais fenómenos de permuta cultural se 
tenham processado e tenham mesmo transposto continentes. De acordo com este 
conhecimento e no caso de a humanidade subsistir, podemos esperar do futuro 
próximo uma ampla frutificação recíproca, como resultado das recentes migrações 
bem
como da exploração dos últimos territórios terrestres até agora quase não 
pesquisados e da conquista do espaço e do tempo, aos quais se vai dando cada 
vez maior incremento.

A moderna migração de povos, nome que se pode dar no

nosso tempo aos movimentos das massas humanas causados pela evasão e pelas 
expulsões, conduz, em grau cada vez mais elevado, àquilo que se designa por 
aculturação. Aculturação, adequamento a, integração na vida de uma nova cultura 
para a qual são transferidos indivíduos isolados ou grupos inteiros, são, de 
facto, um

dos problemas de maior acuidade da nossa vida presente. Em toda a parte, em 
todos os países e em todos os recantos e extremos do mundo, temos hoje em dia 
refugiados e imigrantes vindos dos mais diversos lugares, e a integração destes 
novos elementos nos grupos existentes nem sempre se processa sem atrito.

3. DIFERENÇAS CULTURAIS

Deve­se a A. A. Goldenweiser a afirmação de que, nas condições da vida humana 
existentes, se verifica sempre apenas um

número reduzido de possibilidades de comportamento. Este facto de possibilidades 
limitadas explica a presença dos mesmos costumes e práticas em diversas 
culturas, mesmo no caso de não se ter verificado transmissão cultural.

Quando se pretende ter um bom remo, diz Goldenweiser, dando um exemplo, ele não 
deverá ser nem demasiado longo nem

demasiado curto; é necessário que possua uma superfície plana e que seja, além 
disso, manejável. Do mesmo modo que a satisfação destas condições levou a uma 
forma absolutamente idêntica, mesmo em culturas extremamente separadas umas das 
outras, também as necessidades    e experiências iguais ou semelhantes, 
verificadas em diferentes culturas independentes, fizeram surgir formas de 
comportamento iguais ou semelhantes, e tanto

mais quanto existe apenas um número reduzido de soluções possíveis.

Apesar das necessidades e experiências em grande parte paralelas sofridas por 
todos os homens, as diversas culturas desenvolveram­se histericamente, por vezes 
em consequência de acasos, de forma diversa e ocasionalmente única. Deste modo, 
acontece que cada cultura encontrou o seu cunho próprio e nos
encontramos, assim, perante uma pujança de diferenças culturais.

Um dos campos mais essenciais da vida humana, em que se verifica uma 
variabilidade considerável de comportamento cultural, é a sexualidade. Todas as 
sociedades e culturas regulam a vida sexual em diversas direcções. Porém, 
sancionam, proíbem
e castigam coisas absolutamente diferentes. Julia S. Brown apresentou uma 
interessante compilação de proibições a que se encontra sujeito o comportamento 
sexual. Ela investigou inúmeras sociedades de povos da natureza, que não possuem 
tradição escrita. Nem todas as sociedades puderam ser estudadas com base em 
todas as formas de comportamento indicadas na tabela.
O número mínimo constava de 43, o número máximo de 97 nas diversas culturas.
MODO DE COMPORTAMENTO

Percentagem das sociedades investigadas que proíbem ou castigam

o comportamento

Relações  sexuais entre mãe e filho, irmão e irmã,

pai e  filha                                                    100 Rapto de 
uma mulher casada                                        100 Violação  de uma 
mulher casada                                     99 Violação  de um mulher 
solteira                                    95 Relações  sexuais após o 
nascimento de um filho                    95 Relações  sexuais durante a 
menstruação                            92 Adultério da mulher 
87 Infidelidade do noivo (da noiva)                                   86 
Relações sexuais durante a gravidez                                67 Relações 
pré­nupciais da mulher                                    44 Relações pré­
nupciais do homem                                     41 Relações sexuais com a 
própria   noiva                             ]o

Formas de comportamento sexual proibidas ou castigadas em diversos povos da 
natureza (segundo Julia S. Brown, «A Comparative Study of Deviations from the 
Sexual Mores», Amer. Sociolog. Review, 17, 1952)

Como se vê, a concordância vai bastante longe em muitos casos. Assim, o incesto 
é detestado e severamente castigado em

todas as culturas. Mas logo voltamos a encontrar fortes diferenças! Por exemplo, 
um indígena das ilhas Trobriand (em frente da costa oriental da Nova Guiné), que 
encontre a sua mulher nos braços de um amante, fica autorizado a matá­lo 
imediatamente. Por outro lado, os Toda dos montes Nilgiri, na índia Anterior, 
chamam imoral a um homem que não ofereça a sua

mulher a outros homens.

Em algumas sociedades, um homem que represente o papel de mulher é considerado 
um poderoso feiticeiro. Nos beduínos Rwala, pelo contrário (segundo Ford e 
Beach), a homossexualidade é de tal modo detestada, que tanto os homens como as
mulheres que infrinjam a estrita proibição de actividades homossexuais são 
condenados à morte.

Interessantes são também as diferenças no tratamento das pessoas de idade, que 
na maior parte dos povos da natureza desfrutam de determinados direitos, 
deveres, privilégios e segurança. Em alguns, porém, ao tornarem­se decrépitos, 
são expostos aos elementos e votados à morte.

Uma tabela de L. W. Siminons, composta dos resultados da investigação de 71 
povos da natureza, mostra a concordância mas também a divergência no tratamento 
das pessoas idosas.

DIVULGADO EM TODA A PARTE                                      Percentagem

Tratamento dos doentes pelos velhos                                100 Conselhos 
sobre trabalhos manuais,

controle de trabalho                                             100 Divulgação 
das tradições tribais                                   100 Festejados como 
heróis e feiticeiros na ficção                     100

DIVULGADO QUASE EM TODA A PARTE

Chefes de festividades, cantos, danças                              98 
Actividade como feiticeiros                                         98 
Subsistência assegurada pela família                                97 Honrado e 
temido                                                    97 Membro de um 
conselho dos anciãos                                   95 Mantenedores da 
cultura e dos costumes; Juízes                      93

VARIÁVEL

Direitos no interior da família, incluindo o direito

de a dirigir                                                        88 
Privilégios no caso de proibições alimentares                         79 Apoio 
dado pelo genro                                                 73 Funções em 
sociedades secretas                                        63 Exposto aos 
elementos                                                 32

Características culturais respeitantes ao tratamento de anciãos em povos da 
natureza. Apontam­se as características divulgadas na totalidade, divulgadas 
quase na totalidade e variáveis (segundo L. W. Simmons, «The Role of the Aged in 
Primitive Societies», New Haven, Yale Univ. Press, 1945)

Todas as culturas possuem religião. Pois, como diz Reinhold Niebulir, o 
sentimento humano geral de culpa e de arrependimento e a consciência, comum a 
todos os homens, tornam necessária a aceitação de forças sobrenaturais.

Nada, porém, é mais diverso do que os ritos com o auxílio dos quais os homens 
honram e conjuram os seus deuses, e os dogmas em que eles expuseram as suas 
concepções quanto à essência e actuação das suas divindades.
462

234­237 Não existe qualquer cultura sem religião; no entanto, as formas de 
adoração da divindade  são completamente diversas. Em cima, un. Lacandone, 
descendente dos Maya, queimando incenso nas «panelas dos deuses»; ao lado, uma 
mulher Meo da Tailândia do Norte perante o altar dos antepassados. Em baixo, uma 
casa sagrada da Nova Guiné e um

templo egípcio
238­239 No interior dos locais sagrados: à esquerda, um crente budista 
oferecendo uma vela no templo da sua localidade; à direita, as cerimónias

de uma beatificação na Igreja de S. Pedro, em Roma

Temos que prescindir aqui de penetrar no vasto e profundo campo das religiões 
universais. Uma análise psicológica, mesmo uma simples descrição da 
multiplicidade dos pensamentos e sentimentos inerentes às religiões humanas, 
transcenderia o âmbito deste livro. Para este aspecto recomendamos ao leitor 
obras como «As Grandes Religiões do Mundo» e a colectânea em 36 volumes «As 
Religiões da Humanidade».

4. O INDIVIDUO E A SUA CULTURA

o problema das relações recíprocas entre o indivíduo e a sua cultura encontra­
se, hoje em dia, no primeiro plano do interesse da investigação da Antropologia 
Cultural. Como diz C. Kluckhohn, existe uma relação dinâmica contínua entre os

padrões de uma cultura e a personalidade dos seus diversos membros. Contudo, o 
papel que o indivíduo desempenha e a importância que se atribui a esse papel 
constituem uma questão ainda por resolver.
Nas exposições de alguns investigadores particularmente impressionados pela 
influência conformadora das culturas, parece que o indivíduo isolado é 
absolutamente determinado pela cultura a que pertence. De facto, R. Benedict, 
uma das primeiras antropologistas a verificar o carácter de totalidade e a força 
conformadora das culturas, considera o indivíduo mais ou menos como o produto do 
sistema de valores, concepções e costumes em que cresce.

Surge a pergunta: Em que medida é este, de facto, o caso? Até que ponto é 
possível ao homem exprimir­se a si próprio como indivíduo dentro de um contexto 
cultural, e até que ponto terá ele, para além dessa auto­realização, porventura 
a oportunidade de influenciar o seu meio ambiente através da sua actuação e do 
seu ser.

O facto de personalidades espirituais de chefia, onde quer que surjam, 
imprimirem o seu cunho à cultura em que vivem, indicando­lhe novos caminhos, não 
pode ser s contestado por ninguém. Torna­se mais difícil fazer outras 
comprovações: em primeiro lugar saber como o génio condutor brota do 
condicionalismo da sua cultura formando, a partir dela, algo de novo que o grupo 
pode recolher e tornar propriedade sua; em segundo lugar, saber como o ser 
humano médio consegue distinguir­se do grupo enquanto indivíduo, e se também a 
ele é possível conformar o processo cultural e o modo como o realiza.

Numa interessante obra de Marvin K. Opler, há pouco publicada, «Culture and 
Mental Health», uma série de colaboradores tenta investigar a questão do 
desenvolvimento intelectual no

interior de grupos fortemente coactivos.

Apontemos, como exemplo, o trabalho de T. Gladwin e S. B. Sarason, que apresenta 
o desenvolvimento e integração de personalidades individuais em Truk, uma das 
ilhas pertencentes às Carolinas, na Micronésia (ocidente do Pacífico).

A personalidade de grupo dos nativos de Truk é caracterizada do seguinte modo: 
emoções fracas; pouca consciência; incapacidade de autojuízo; objectivos e 
expectativas limitados no que respeita o próprio eu; animosidade não definida. A 
preocupação de adquirir alimentação suficiente é um motivo fundamental, e

o indivíduo isolado é mantido em posição subalterna pela família, por meio de 
ameaças e castigos que podem ir igualmente até à privação de alimentos. A 
iniciativa individual é reprimida. Os pais possuem pouco amor verdadeiro pelos 
filhos; na sua educação comportam­se de modo caprichoso e inconsequente.

Apesar da uniformidade deste todo cultural, revelam­se, no
entanto, certas diferenças individuais, como se apurou no exame a habitantes 
isolados de Truk, realizado por meio de testes e de entrevistas. Em primeiro 
lugar, revelaram­se diversos graus de
adequação social: aqueles que tinham um dos pais, o do próprio sexo, solícito e 
possuído de certos sentimentos de amizade, desenvolviam relações mais 
satisfatórias com os companheiros da mesma idade e sentiam­se mais à vontade na 
sua companhia. Pelo contrário, os indivíduos que tinham o progenitor do seu 
próprio sexo possuído de sentimentos de animosidade e desprovido de afecto, 
revelavam uma insuficiente adaptação social, mesmo para as normas vigentes entre 
os habitantes de Truk.

Andy, por exemplo, um rapaz de 19 anos, conta como foi um rapazito feliz: 
«Andava por aí a cantar e a fazer visitas de casa em casa e recebia pequenos 
presentes. Havia sempre muito que comer».

Identificava­se com o pai: «0 meu pai é como eu. É o melhor no lançamento do 
dardo, enquanto eu sou o melhor a disparar o dardo pequeno, que se atira com 
uma fisga».

Com a idade de 12 e 13 anos tinha sucesso com as raparigas. «Eu andava sempre 
com flores nos cabelos e dava­as às raparigas. Fazia­lhes cócegas pelas pernas 
acima, com uma folha de coco, até onde podia chegar».

Só uma vez, quando tinha seis anos, o pai lhe bateu seriamente, por ir nadar sem 
licença. Numa reacção fora do habitual, de personalidade ferida, gritou que o 
pai o tratara «como a um animal». A mãe era compreensiva com ele: para as 
condições habituais em Truk, era uma mãe carinhosa.

Por outro lado, Tony, um jovem de 23 anos, teve uma infância infeliz. As suas 
relações com os pais eram más: quase não ouvia outra coisa a não ser ordens e 
proibições, batiam­lhe muito e muitas vezes não lhe davam nada que comer. Sempre 
que lhe era possível, fugia para brincar com os companheiros da sua

idade. Quando voltava para casa era frequentemente castigado por ter andado 
tanto tempo lá por fora. Os pais ameaçavam­no de um dia possivelmente não os 
encontrar nem saber onde eles estavam. Isso aconteceu, de facto, várias vezes. 
Tinha frequentes brigas e cenas de pancadaria com os irmãos. Em toda a história 
da sua vida não brilha um só raio de amor ou de alegria.

A situação de Tony é agravada pelo facto de o seu modo de reagir à sua situação 
ter sido extremamente insensato e muitas vezes absurdo. Contou, por exemplo, o 
seguinte: «Quando o meu

pai ia à pesca, eu esperava por ele até que voltasse. Ele dava­me os peixes para 
eu levar para casa. Mas eu ia­me embora e dava­os
a comer aos meus amigos. Depois ia para casa. Os meus pais perguntavam onde 
estavam os peixes. Eu dizia­lhes. Então batiam­me». Por que motivo procedia Tony 
deste modo? Era vingança, inconsciência ou desejo de se tornar popular entre os 
amigos? As suas próprias aspirações tinham um carácter não construtivo e apenas 
contribuíam para agravar a situação.
*/*
Em adulto Tony encon04. trava­se absolutamente possuído de sentimentos de medo 
nas suas relações sociais. Não mostrava estar à ~v altura de situações de 
conflito.

Apresentámos como exemplo os nativos de Truk para mostrar, com base numa 
investigação psicológica cuidadosa, como mesmo no grupo de cultura mais estreito 
e de maior          240 Habitantes   de uma ilha da   Micronésia por ocasião  de 
uma dança feita coesão se formam diferen­           em cima de canoas atadas 
entre si ças individuais segundo as
diversas personalidades. Os factores conformadores são aqui o

tratamento por parte dos pais; a identificação com um dos progenitores, quando 
tal é possível; privações, castigos, recompensas; relações com irmãos e 
companheiros e brincadeiras com estes. Existem algumas práticas transmissíveis 
como a construção de cabanas e de barcos, o lançamento do dardo, a pesca, e 
verificam­se alguns costumes ­reproduzimos a fotografia da dança dos barcos de 
uma das ilhas e mostramos aqui uma das aldeias das ilhas Salomão.

241 Cabanas de uma pequena aldeia insular do grupo Malaita pertencente

às ilhas Salornão
O ensino escolar foi proporcionado a alguns destes indivíduos mas a maior parte 
das vezes relativamente tarde e em proporções mínimas. Não constituiu um factor 
conformativo da infância.

No entanto, temos também aqui, como em todas as culturas, dados culturais 
objectivos bem como influências subjectivas variáveis, exercidas pelos 
indivíduos e grupos entre si.

Será possível para nós, enquanto indivíduos, esclarecer ainda um pouco o nosso 
papel e a nossa posição neste processo total? Os antropologistas culturais 
actualmente preponderantes, que se ocuparam com o problema da actuação recíproca 
entre os indivíduos por um lado, e o seu meio ambiente social e cultural por 
outro, parecem estar de acordo quanto ao facto de residirem aqui factores 
inseparáveis e fortemente entretecidos.

A. Irving HallowelI, num capítulo brilhante do seu livro «Culture and 
Experience», discute o fenómeno da origem do eu, explicando como este resulta do 
meio que o cerca. Vai ao ponto de declarar que a cisão entre «interior» e 
«exterior» é irrelevante, e cita uma frase de Henry Murray, em que este afirma 
que «o organismo e o seu meio devem ser considerados como um ser único, ou seja, 
como unidade». Hallowell é também de opinião que os motivos são mais adquiridos 
do que determinados por factores congénitos.

Já refutámos esta concepção extrema no capítulo sobre as

«motivações». Concordamos antes com Ralph Linton quando este afirma no seu 
valioso livro, «0 Fundamento Cultural da Personalidade», que nem as capacidades 
inatas nem o meio ambiente podem ser considerados factores dominantes na 
conformação da personalidade.

Tal como Kardiner, Linton é de opinião que cada sociedade prepara um tipo de 
personalidade fundamental que é característico dela e a diferencia de todas as 
outras. O modo como as experiências, a organização interna e as capacidades 
colaboram para formarem esse tipo fundamental ou variantes dele, é problema 
ainda por resolver. O facto de, presentemente, ainda não ser possível discernir 
o contributo do meio ambiente e do indivíduo para a formação da personalidade 
não pode obstar a que se reconheçam ambas as influências.

No indivíduo médio poderá prevalecer o tipo cultural. Contudo, em indivíduos 
cuja capacidade de expansão criadora é predominantemente forte, deveria 
prevalecer o contributo individual.

Sob forma poética, Hans Weigel exprime isto a propósito de Salzburgo e de 
Mozart:

«Salzburgo é beleza de arte e de paisagem na sua forma
mais elementar, imediata, directa, subjugante, difícil de suportar. Se um dia 
conheceres Salzburgo, dif@cilmente te deixarás impressionar por outras 
cidades!,>

«A luz jorra das fachadas. Só aqui, transposta a grande ponte de Salzburgo, só 
aqui poderás compreender realmente tudo. Aqui está a torre clara e serena da 
Câmara Municipal, a estreita Getreidegasse, o burburinho das vielas estreitas 
que bem poderia competir com Florença. Mozart nasceu aqui, como todos sabem, e 
tal facto poderia igualmente levar­nos a especular e dar margem a brilhantes 
deduções: poder­se­ia concluir que só aqui o

seu nascimento era possível, onde o que há de austríaco, de alemão e de italiano 
festeja o seu encontro excepcional. Mas Mozart encontra­se mais além, pairando 
acima de tudo o que é nacional, e parece­me blasfémia profaná­lo com simples 
dados geográficos e históricos. A Mozart apenas se pode rezar. Ter­se orgulho 
nele seria já uma abusiva familiaridade.

Entre a Getreidegasse e o Mõnchsberg existe apenas pouco espaço. Este espaço, 
porém, é uma grande praça única, é como uma grande casa de Deus com muitos 
quartos, que se chamam Praça da Catedral, Praça do Capítulo, Mercado Velho, 
Praça da Residência e aqui, lado a lado, comprimem­se as igrejas e os pátios, os 
palácios e as fontes. Onde se encontra, em qualquer outra parte do mundo, uma 
tal infinidade de coisas num recanto tão imensamente estreito? Tudo é aqui tão 
apertado que mesmo um cemitério tem que fazer as vezes de rua e tudo é aqui tão 
abençoado que a actualidade comercial e a paz eterna não se excluem.»

A música de Mozart é, mais do que qualquer outra, a expressão da cultura 
específica que em Salzburgo encontrou a sua

realização arquitectónica. Por outro lado, Mozart e os construtores de Salzburgo 
ajudaram a criar e a construir esta cultura

com o seu gênio.

O contributo do indivíduo para a conformação do próprio ambiente cultural e 
social, o modo como a peculiaridade individual se relaciona com a peculiaridade 
do seu meio ambiente, são questões para as quais ainda nã o se encontrou uma 
solução científica.

No caso da aculturação, isto é, da adequação e adaptação a uma cultura 
estrangeira, como ela actualmente se exige a miK            lhões de indivíduos 
desenraizados e transferidos para outro local,
revelam­se diferenças individuais espantosamente relevantes. Existem pessoas que 
adquirem e desenvolvem um sentimento de pertença com a maior facilidade, e 
outras que jamais se conseguem adaptar a um estilo de vida mais ou menos novo. o
São de múltipla espécie os motivos psicológicos que levam um ser humano a 
sentir­se completamente prejudicado no seu bem­estar e na sua identidade ao ser 
transferido para uma natureza, sociedade, modo de vida e de pensar que não estão 
de acordo com ele, enquanto que outro não atribui qualquer importância a tais 
divergências. Além da flexibilidade sensibilidade, gosto, hábitos, formação de 
opinião, preconceitos é’ muitos outros aspectos, interessa, sem dúvida, o que o 
indivíduo isolado anseia realizar consigo próprio no mundo.

Se, acima de tudo, pretende auxiliar o seu próximo, poderá partir para o 
interior da África como Albert Schweitzer ou como um missionário da Europa 
Central e aí ser feliz. Pelo contrário, àquele que só com dificuldade consiga 
adaptar­se a situações

novas e cuja ordem interior dependa de se poder estabelecer num

meio ambiente conservador não sujeito a alterações, já uma

mudança de domicílio poderá fazer perder o equilíbrio. Como Weigel 
judiciosamente afirma a propósito do austríaco, ele persistirá num «sistema 
privado de relações» do qual não lhe será possível sair.

Estas são apenas algumas indicações sobre o significado das tendências 
individuais com as quais o indivíduo defronta o seu mundo ambiente. Na sua 
extrema complexidade, estes problemas aguardam um trabalho de investigação que 
lhes seja adequado.
Parte D

A PRÁTICA
Parte D

A PRÁTICA

XI. ­ O Papel da Psicologia e sua Aplicação Prática na Vida de Hoje

A grande revista americana «Life» publicou em Janeiro de
1957 uma série de cinco artigos intitulados «A era da Psicologia nos Estados 
Unidos». O autor, Ernest Havernann, com formação psicológica e aconselhado pelo 
conhecido psiquiatra e psicanalista Frederick C. Redlich (de Viena) e pelo 
psicólogo Clifford T. Morgan, começa a sua exposição com um exemplo elucidativo.

John Jones, um americano médio, vive o seu dia da maneira seguinte: primeiro 
barbeia­se; comprou o aparelho de barbear por causa de um anúncio que fora 
concebido pelo psicólogo de uma firma de propaganda. Ao pequeno almoço lê o seu 
jornal, interessando­se por um artigo psicológico acerca da «Intuição das 
mulheres» e depois por uma série de perguntas, através de cuja resposta se pode 
averiguar se, e em que medida, a pessoa está «satisfeita». No trajecto para o 
trabalho, orienta­se pelos sinais de trânsito e sinais luminosos cujas cores 
foram escolhidas segundo os conhecimentos psicológicos. Na fábrica começa um

novo trabalho que lhe íora confiado mediante testes psicológicos...

A tarde ouve dizer que a direcção da firma está muito preocupada com o resultado 
fornecido por um instituto que se dedica a estudos psicológicos de mercados e 
opiniões. É que este verificou que a firma nos últimos seis meses perdeu 
popularidade entre os clientes.

Quando chega a casa encontra a mulher excitada porque o

filho mais novo fora malcriado para com o professor e por isso fora enviado ao 
psicólogo escolar. Para se distrair, vai com a

mulher ao cinema, onde vê uma cena que se passa numa clínica para perturbados 
mentais, e quando chegam a casa estão a dar na televisão uma reportagem sobre as 
despesas da táctica militar psicológica...

Isto talvez seja um pouco exagerado e decerto alguns europeus dirão que isto é 
«tipicamente americano». O próprio E. Have­
mann salienta que a imagem que esboça é americana. Quem considerar exagerada a 
exposição de Havemann, muito provàvelmente subestima em que medida também ele se 
encontra sob a influência da Psicologia, que cada vez mais perpassa a nossa 
vida. E mesmo que a imagem pareça exagerada neste ou naquele sentido ­podê­la­
íamos completar ainda noutras direcções.

Está muito difundido ­e não só na América­ o interesse dos pais pela psicologia 
infantil, especialmente no que respeita os primeiros anos de vida da criança. Em 
toda a parte se adoptam nas escolas modernas métodos psicológicamente 
fundamentados de ensino e aprendizagem e relações para com os alunos. Muitas 
mulheres deixam­se influenciar na compra dos seus vestidos ou objectos 
domésticos por conselhos psicológicos mais ou menos

bem fundamentados no que respeita os efeitos da cor e da forma. É muito vulgar 
recorrer­se a conselhos sobre a profissão. Em muitos ramos profissionais é hoje 
indispensável uma boa formação psicológica. Na indústria utiliza­se em 
larguíssima escala a psicologia: o papel decisivo que a psicologia desempenha 
na propaganda e a enorme influência que exercem as diferentes espécies de 
propaganda (não só na indústria, mas por exemplo também nas eleições) é visível 
para qualquer pessoa e só pode ser negado por alguém que seja ingénuo ou esteja 
imbuído de preconceitos.

Apesar do poderoso papel que a Psicologia desempenha penetrando hoje em toda a 
nossa vida, ela não é ilimitadamente reconhecida, pelo menos não goza do 
reconhecimento que, como

se deveria pensar, caberia a um tão importante ramo do saber. ]@_ certo que há 
muitos entusiastas que estão profundamente imbuídos do significado tão alto 
deste moderno campo de investigação, mas encontramos continuamente pessoas que 
têm em relação à Psicologia uma atitude de desconfiança, se não até de repulsa. 
E pergunta­se: Porquê?

Eu pessoalmente penso que há sobretudo duas razões que se podem considerar 
responsáveis por essa atitude. A primeira é tratada por Ernest Havemann na 
citada série de artigos: a

moderna Psicologia, que como ciência ainda não tem sequer 100

anos e como Psicoterapia tem pouco mais de 50 anos, desempenha um papel de 
autoridade em campos em que o leigo se considera a si próprio competente.

Mais de uma vez me disseram alguns pais: «Para que é que de repente havemos de 
consultar os psicólogos acerca da maneira como devemos educar os nossos filhos? 
Os nossos pais e avós não o souberam fazer, também sem o auxílio de psicólogos?» 
Eu nem sempre tive a coragem de responder que talvez aquilo que os pais, avós e 
outros antepassados fizeram (e não fizeram)
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seja em parte responsável por toda a insatisfação e desassossego de que está 
cheia a vida dos homens. Aliás Os Psicólogos não provaram por enquanto serem 
capazes de melhorar o mundo; eles esperam poder fazê­lo. Entretanto, muitos dos 
que duvidam preferem recorrer àquilo que lhes ensinou a tradição ou o mundo 
ambiente, ou procuram conselho e orientação junto do seu padre ou talvez junto 
do seu médico assistente ou pediatra.

Se fazemos ressaltar tão fortemente a importância da Psicologia para a evolução 
da humanidade, como aqui o fazemos, não queremos com isso menosprezar o 
significado e valor das autoridades tradicionais. Trata­se apenas de delimitar 
correctamente os campos das autoridades.

A Psicologia moderna não pretende usurpar o lugar nem da religião, nem da 
medicina, no que realmente cabe a estas. Também não pretende demolir valores 
culturais transmitidos, que são guardados pela família ou pelo grupo social. A 
sua missão consiste antes em influir sobre aqueles princípios e procedimentos 
relativos à configuração da vida, tratamento dos homens e orientação humana, em 
que se chegara a um caminho errado.

Põe­se agora a questão, de como determina a Psicologia nestes casos o facto de 
se estar numa via errada, e qual a via correcta que ela possa indicar. Os três 
«caminhos errados» mais importantes que a moderna Psicologia reconheceu são, ao 
que me parece: ignorância, auto­ilusão e preconceitos.

De muitos factos que foram relatados nos capítulos anteriores, e também de muita 
coisa que ainda se seguirá, pode provar­se quanto a ignorância, a auto­ilusão e 
o preconceito influenciam o

modo de pensar e viver dos homens.

A ignorância domina sobretudo no que respeita a limitação das nossas capacidades 
de poder predizer o efeito das nossas decisões e das medidas que tomamos. Quando 
por exemplo os pais são de opinião que os filhos só se educarão e tornarão 
pessoas de bem e activas através de autoridade e disciplina; quando dois jovens 
acharn que foram destinados um para o outro e que farão a felicidade um do outro 
durante toda a vida; quando um profissional desiste de um determinado lugar e 
inicia outro emprego em todos estes casos, aquilo que estas pessoas, convencidas 
da correcção do seu pensar e agir, esperam do futuro, baseia­se normalmente em 
conhecimentos absolutamente insuficientes.

Não é que a Psicologia possa afirmar que consegue substituir em todos estes 
casos a ignorância pelo conhecimento. Mas quando se trata de factos: do facto do 
efeito de uma educação rispidamente autoritária, do facto de duas pessoas 
ligarem uma com

a outra, do facto da escolha de uma profissão ou de um lugar ­
em tudo isso pode realmente hoje em dia contribuir o conselheiro psicológico, e 
pelo menos fornecer alguns pontos de apoio que podem melhor fundamentar o juízo 
do que habitualmente acontece.

Desde a obra monumental de Freud sobre a tendência para a auto­ilusão no que 
respeita os motivos próprios, a Psicologia passou a saber bem mais. Ela pode 
vulgarmente provar ao pai autoritário que além da preocupação pelo futuro dos 
filhos, também desempenha um papel importante a sua própria personalidade, 
quando é tão duro para com os filhos e os castiga tão severamente: a sua 
necessidade de domínio ou até de descarregar a sua má disposição sobre a 
família. A Psicologia pode muitas vezes mostrar ao jovem casal que confunde a 
atracção sexual com a boa ligação. E poderá talvez mostrar àquele que desiste de 
um determinado lugar por causa de outro, que não se sentia à altura das tarefas 
que tinha de realizar no primeiro lugar, ou

que não se entendia com os seus superiores.

E ainda se conhece muito mais acerca do papel dos preconceitos. Assim, o pai 
severo poderá ter o preconceito de que as

crianças educadas com tolerância não têm respeito aos pais. A rapariga que casa 
cedo demais poderá precipitar­se por ver

apenas a boa impressão que causará o seu casamento sobre as amigas. E o 
empregado que muda de emprego pode, preso a

um preconceito racial, arreliar­se por ter como superior um judeu ou um preto.

É certo que, em muitos domínios, a Psicologia se encontra ainda na fase inicial 
em relação àquilo que sabe. Mas o psicólogo pode dar geralmente uma base mais 
sólida às opiniões e juízos de que aqui se trata, e desviar os homens de 
decisões e caminhos errados.

É claro que se parte do princípio de que os participantes * queiram. E com isto 
chegamos a um segundo motivo decisivo para * desconfiança de muita gente perante 
a Psicologia e para a sua recusa por vezes brusca.

Muitas pessoas gostam dos seus preconceitos. Não as incomoda a sua ignorância, e 
nem sequer querem ouvir falar de uma auto­ilusão. Estas pessoas levam a mal à 
Psicologia o querer imiscuir­se nos seus assuntos pessoais, o descobrir os seus 
impulsos mais profundos e o querer impor­lhes os esforços de uma

modificação interior. Tudo isto lhes parece antipático e de qualquer maneira 
suspeito. Como há­de ser possível penetrar repentinamente em todas estas 
profundezas e saber tanto? Acham que não é desejável saber todas essas coisas e 
trazê­las à luz
do dia. O inconsciente, argumentam elas, é o fundo originário donde provém a 
intuição e onde vivem os sentimentos verdadeiramente profundos. Mas estes não 
devem ser perturbados nem desfolhados.

É uma conclusão errada a destes adversários da moderna Psicologia, ao suporem 
que o tornar consciente destrói necessàriamente a profundidade. «Conhece­te a ti 
próprio», lia­se outrora no pórtico do templo de Apolo em Delfos: os sábios 
gregos, pelos vistos, não recearam que a visão da própria essência destruísse a 
profundidade ou a força da intuição.

Não temos grandes esperanças de, com estas considerações, afastar a relutância 
daqueles que já formaram uma opinião inabalàvelmente firme. Mas os indecisos, 
aqueles que estão prontos a ouvir argumentos de ouvidos bem abertos, talvez 
devido aos nossos raciocínios fiquem mais inclinados a aproveitar com

utilidade para a sua própria vida as possibilidades práticas da Psicologia, que 
vamos em seguida expor.
XII ­ A Psicologia na Educação e Orientação Profissional

1. CONSIDERAÇõES INTRODUTóRIAS

Vamos considerar a educação e a orientação profissional no sentido mais lato 
destes conceitos ao tratarmos estes pontos a seguir. A educação abrange por um 
lado todas as influências do indivíduo em crescimento, começando pela formação 
de hábitos, pela manutenção de ordem e bom comportamento na primeira infância, 
até à formação da personalidade e carácter. Educação é por outro lado, e mais no 
sentido mais estrito, o

ensino e a aprendizagem na escola.

Na Psicologia da educação temos pois de distinguir entre o estudo da influência 
educadora sistemática de pessoas em

crescimento, e o estudo da aprendizagem na escola e do trabalho escolar, assim 
como de todos os factores relacionados com estas questões.

Também a Psicologia da orientação profissional tem dois aspectos: um geral, isto 
é, o do desenvolvimento do máximo das potencialidades humanas, e um especial, o 
dos problemas da aptidão profissional e da escolha de profissão.

Se perguntarmos qual o papel que desempenha a Psicologia neste grande campo, 
teremos, segundo a minha opinião, de concluir duas coisas. Em primeiro lugar é 
inegável que o saber objectivo e de factos que foi elaborado pela moderna 
Psicologia infantil, Psicologia escolar, Psicologia da profissão e deliberação 
profissional, abrange um â mbito enorme e que é já absolutamente imprescindível 
para o campo da formação dos jovens. Em segundo lugar, a Psicologia pedagógica 
encontra­se por enquanto extraordinàriamente restringida no seu papel por uma 
circunstância de importância fundamental, de que raramente tomam consciência até 
aqueles que costumam meditar. E é o facto de, exceptuando opiniões mais ou menos 
subjectivas, não termos ainda uma concepção unívoca, cientificamente 
fundamentada acerca daquilo
que interessa verdadeiramente na educação e na orientação. Por outras palavras: 
não sabemos o que é, do ponto de vista científico, a finalidade da educação.

Reconhecendo claramente esta falha fundamental, Hildegard Hetzer diz, no prólogo 
à sua grande «Psicologia Pedagógica» por ela editada, o décimo volume do novo 
manual alemão de Psicologia, que o fenómeno pedagógico como tal por enquanto mal 
foi acessível à investigação e que hoje não há ainda «uma exposição 
empiricamente segura do processo meramente educacional». No mesmo volume, também 
W. Hochheimer chama a atenção para o facto de, apesar dos imensos conhecimentos 
de factos sobre a psicologia da criança pequena, continuarmos a saber muito 
pouco acerca do processo pedagógico em si neste grau.

Klaus Eyferth, autor de um artigo publicado no mesmo manual, sobre crianças 
dificilmente educáveis, atinge certamente o cerne do problema ao dizer que em 
nenhuma cultura se fixou a representação ideal do homem para o total da sua 
personalidade.

Mas em todo o caso, no que respeita o ideal educacional, notam­se 
particularidades determinadas pela cultura. E assim, não me parece um acaso que, 
além de Eyferth, que se ocupa da dificuldade de educar, nenhum autor deste 
volume alemão mencione sequer o conceito de socialização em conexão com a 
educação. Em vez disso, a educação é considerada como servindo a «auto­
realização» do indivíduo e também é assim apresentada por J. Derbolav, na 
introdução. Eduard Spranger vê igualmente a principal missão do professor em 
conduzir a si próprio o

jovem. A ideia condutora desta psicologia pedagógica alemã é portanto uma 
educação individual.

O americano Frederick J. McDonald, com a mesma convicção, declara pelo 
contrário, na sua «Educational Psychology» de 1959, que a educação deve ser 
considerada como processo de socialização, como o processo através do qual a 
criança é introduzida nos costumes da sociedade em que vive. Estas finalidades 
sociais da educação e da escola no âmbito da sociedade e como parte importante 
do processo social, foram já destacadas por John Dewey; este não desprezou de 
modo nenhum a

ideia da evolução do indivíduo, mas já em 1902 utilizou até a palavra «auto­
realização».

As duas coisas juntas ­auto­realização e socializaçãoseria, ao que parece, a 
ligação ideal. Mas parece que as diferentes sociedades têm concepções diferentes 
acerca de como e até que grau a educação deve atender ao indivíduo por um lado, 
e à sociedade por outro.
E tudo se torna ainda mais complicado se compararmos as ideias teóricas cheias 
de problemas, com aquilo que acontece de facto e pràticamente na educação.

2. A PRáTICA E A TEORIA NO TRATAMENTO DAS CRIANÇAS

Se observarmos como são realmente tratadas as crianças e

os adolescentes em casa e na escola, se ouvirmos os pais ralhar

e os professores advertir, se perguntarmos o que é que, exactamente, eles 
procuram fazer, então é muito maior a confusão. Frequentemente se pode ver que 
uma mãe nã o faz mais do que defender a própria pele, que um pai não faz mais do 
que exercer a sua tirania, e uma professora procura facilitar as coisas ao 
máximo. E então não se vê muito de educação em tudo isto.

Mas também ouvimos defender princípios que têm pouco a

ver com uma auto­realização da criança ou com a sua socialização, especialmente 
quando esta última não é entendida de modo autocrático mas democrático no 
sentido de levar em consideração os direitos de outro ou outros.

O que havemos de dizer, quando um pai afirma com orgulho que os seus filhos 
obedecem à primeira palavra e que são castigados se ele tiver de repetir a 
ordem! Este pai sente­se ainda por cima especialmente orgulhoso por não explicar 
as suas ordens: «Tu fazes isso, porque sou eu que o digo», é a sua sentença.

Quando ouvimos isto, como pensadores da nossa época, não podemos evitar 
perguntar a nós próprios: A que fim superior deverá servir na nossa época uma 
obediência cega e imediata?

O que temos aqui diante de nós é, pelos vistos, uma sobra dos tempos em que 
dominavam os ideais da autoridade militar.
242 «Bater ou não bater?»      Caricatura de        Nem a auto­realiL. Fisher 
tirada de D. Baruch, New Ways in     zação nem a socializaDiscipline 
ção são fomentadas

pela obediência cega.
Pelo contrário: Para ambas necessitamos de gente que pense, a

que se tenha desde cedo ensinado a compreender porquê uma

conduta é mais adequada ou tem mais valor do que outra.

«Mas as crianças pequenas não compreendem isso», é a resposta de pais 
autoritários. «Além disso habituam­se a contradizer quando damos explicações. O 
que interessa é ensiná­los a ter

boas maneiras».

É claro que todas estas afirmações carecem totalmente de demonstração, e é fácil 
apontar casos que mostrem o contrário. No capítulo sobre «A Personalidade» 
relatámos acerca da evolução especialmente feliz de Linda, cuja mãe já explicara 
à criança de três a quatro anos por que razão todos têm certos deveres, mas 
também certos direitos.

Mas o que é um facto, é que, como já dissemos no início, não foram por enquanto 
ainda sisternàticamente analisadas as

consequências das diversas influências da educação.

Muitas medidas, chamadas educativas, têm a sua razão de ser no facto de os pais 
na sua perplexidade não saberem fazer nada melhor.

«Bater ou não bater?» é o título que Dorothy Baruch dá ao primeiro capítulo do 
seu livro «Novos caminhos da Educação». Ela conta acerca de um pai que lhe 
assegura: «Não há nada de tão bom como uma boa sova à moda antiga, de vez em 
quando.» ­«Acha então que é necessário bater?» ­«Com toda a certeza! É um mal 
necessário. Eu não        conheço nada de melhor ... »

Esta  perplexidade provém em parte do          facto de muitos

adultos não saberem como se hão­de aproximar realmente dos seus filhos e como 
poderão falar com eles. Além disso verifica­se infelizmente que tanto pais como

educadores raras vezes meditam acerca das razões e últimos fins das suas medi­
243 O ciúme por causa de irmãos mais novos         das. Proíbe­se leva muitas 
vezes a dificuldades. (De Baruch,

New Ways in Discipline)                muita coisa, or­
dena­se muita coisa só para alcançar qualquer coisa de momento. E outras medidas 
baseiam­se em opiniões .... . ... ..                        que se referem a 
outras autoridades, mas especialk@M

mente à tradição.

«Ê estranho», diz­me o

­o pai dapai   de Denny @O0                quele rapaz de 17 anos de L

que    falámos     no capítulo

«ago

ra grito da sexto

W@ . . . . . . . . .      mesma maneira com o meu ............. 
filho   como o meu pai gritava   comigo. Quando a minha mulher no outro dia me 
censurava por eu tratar Denny da mesma maneira

244 Se o irmão mais velho já           tiver    dura que o meu pai me traquatro 
anos, tem menos ciúmes        do ir­     tava a mim, declarei­lhe que mão que 
acaba de nascer. (De Mussen             as suas tareias me tinham e Conger, 
Child Developrnent an Personality)                      feito muito bem. Imagine

só! E eu odiava o meu pai por me educar de uma maneira tão incompreensiva.» Eu 
não ousei chamar­lhe a atenção para o facto desta Wucação lhe ter feito muito 
mal, para o facto de ele estar tão mal adaptado.

Esta falta de equilíbrio interno e maturidade dos educadores é outra razão que 
contribui para que o decorrer do processo educacional seja tão perturbado e 
infeliz numa percentagem tão elevada e até ainda não determinada de casos. 
Segundo Albrecht Gaupp, que contribuiu para o citado manual alemão com um artigo 
digno de ser lido, sobre «Problemas psicológicos da educação familiar», tanto a 
maturidade da personalidade como a

maturidade social do educador são em primeira linha decisivas para a sua atitude 
educadora.

Jean Walker Mac Farlane ­ a orientadora do vasto estudo longitudinal da 
Universidade de Berkeley, em que se observaram durante vários anos algumas 
famílias médias ­ verifica que os pais cujo matrimónio não era feliz e pais que 
não estavam de acordo no que respeita a educação dos seus filhos, eram os que 
tinham o maior número de filhos «difíceis».
Mas acrescentam­se a isto ainda outros problemas: o ciúme causado pelo 
nascimento de mais irmãos, assim como certas dificuldades para a criança 
provenientes da sua posição dentro da ordem de sequência dos irmãos. Mais de 80 
% das crianças americanas têm irmãos e nos Estados Unidos existe uma tendência 
para as famílias numerosas. Na República Federal Alemã têm irmãos 70 % das 
crianças; mas não se verifica um aumento de número de famílias maiores.

No que respeita ao ciúme entre irmãos, pela primeira vez

cuidadosamente estudado por David Levy, este considera­se hoje em dia normal, 
especialmente em crianças pequenas. Os que vêm de novo são menos objecto de 
ciúme se o que nasceu primeiro já completou os quatro anos de idade. Quando as 
diferenças de idade são menores, o que é muito mais frequente, a criança mais 
velha necessita muitas atenções e amor para vencer o seu ciúme.

O facto pela primeira vez observado por Alfred AdIer, de que a posição dentro da 
ordem de sequênci   .a dos irmãos implica vantagens e inconvenientes, foi 
durante algum tempo contestado, mas foi entretanto corroborado através de 
cuidadosos estudos. Considera­se que os filhos mais velhos tendem para a 
insegurança e para pouca confiança em si próprios; eles representam uma

percentagem enormemente grande dos casos devido aos quais os pais consultam as 
instituições de conselhos a educadores. Por outro lado são justamente os mais 
velhos que muitas vezes são o exemplo irrefutável dos mais novos, e 
frequentemente têm responsabilidades perante estes dentro da família. Filhos 
mais novos são considerados geralmente como sendo mais conscientes de si 
próprios e muito mais bem adaptados do que os mais velhos. Crianças que se 
encontram entre os mais velhos e os mais novos são consideradas como tendendo 
para a sociabilidade e como mais fàcilmente influenciáveis; são mais inseguras 
do que os filhos mais novos.

Também não conhecemos nada de seguro acerca da questão de saber se influi, e em 
que medida influi, o tamanho da família
­ o número de filhos, portanto ­ sobre a educação.

Deve ter sido o Instituto FeIs que mais avançou, com as suas observações, na 
tentativa de apreender quantitativamente no

seu efeito a atmosfera total dentro de uma família. A. L. Baldwin e os seus 
colaboradores elaboraram propositadamente para este fim técnicas de entrevistas 
e uma escala de 30 características de conduta. Um exemplo da conduta dos pais 
numa família de atmosfera cordial e de atitude não autoritária («warm democratic 
home» ) é­nos dado no diagrama que apresentamos a seguir.
Se tentarmos interpretar a imagem fornecida por esta tabela, então resulta a 
seguinte estrutura de comportamento para a

família observada:

O comportamento que mais se salienta é o reconhecimento. A criança não 
desempenha um papel subordinado mas um papel central, pois é amada; as relações 
mútuas entre pais e filho são estreitas e intensas.

Existe a tendência para ajudar; a criança recebe muitas sugestões. Fomenta­se o 
seu desenvolvimento intelectual. A compreensão que se oferece à criança é acima 
da média; dão­se conânuamente explicações à criança.

Aliás também se verifica uma certa tendência de proteger e de se preocupar 
demasiado. A «disciplina» ­isto é , as exigências impostas à criança e os 
castigos que se aplicam­ é suave, a criança é relativamente livre e tem de se 
sujeitar a menos

SEGORANÇA       Concentração sobre a criança (Warmth)        Reconhecimento

Aceitação de criança Ternura Relação Intensidade de contacto

PROTEGER        Estar a seu lado (possessiveness) Protecção

Preocupação

POLITICA EDUCATIVA (dernocracy)

COMPORTAMENTO INTELECTUAL (intellectuality) RESTRIÇOES (restrictiveness)

SEVERIDADE (severity)

INTERFERENCIA (interference)

AJUSTAMENTO (adjustment)

ACT VIDADE DA FAMIlLIA, (activeress)

Ju.stificação da política Princípio da política

Fomento da educação espirrtual Disposição ao esclarecimento Compreensão Dera a 
criança
Restringir mediante prescrições Obrigator@íÍec[ade das propostas

Disposição pare obrigar Severidade dos castigos

Disposição à crítica Multipi icidade de. estímulos

Ajustamento Ambiente caseiro Eficiência da política educadora Menção de questões 
de educação

Actividade caseira Convívio caseiro Sociabilidade do lar Duração dos contactos 
Univocidade das medidas Emocionalidade

subordinando a criança releitando­a reDelindo­a inimistosamente isolamento da 
criança pequena

recusando ajuda entregando­a a si descuidado

procedendo arbitrária di tat<)ria 1 ­autoritária

inibidor a ânsia de saber não é satisfeita sem compreensão

libertando dando liberdade & execução

fraca suave

não­crítica sem estímulos

sem ajustamento harmónico sem êxito concordância

pouca actividade caótico retirada curte, indeterminada objectiva

1 1

criança no, reconhecen dirigindo­s

com ternur

cont acto ín viva

ajudando protegendopreocupaçã
apoiada em democrátic

fornentador a ânsia de compreensã

limitando dando orde

áspera pesada

crítica estímulos

bem ajusta rico em co

com êxito disputas

muita activ harmónico muitos cont extensa clara emocional

i 1

1 ­ a

1
prescriçoes do que é habitual. Estas não são impostas arbitràriamente, mas são 
ponderadas, a atitude dos pais não é de ditadores mas discutem as coisas 
«democràtícamente» com a criança. Entre os pai .s são menos frequentes do que 
habitualmente os

atritos em questões de «disciplína».

A «política» de família, isto é, os princípios pelos quais a

família regula as relações mútuas, é eficaz. Existe harmonia, há concordância em 
todas as acções e as medidas são claramente meditadas. Os contactos dentro desta 
família são numerosos e os

componentes estão muito uns com os outros.

Enquanto que em estudos como os do Instituto FeIs aparece nitidamente a 
estrutura de comportamento do grupo familiar no

seu condicionamento recíproco, outras observações orientadas mais clinicamente 
interessam­se em primeira linha pela apreensão da estrutura de motivação dos 
componentes.

Foram aqui de importância decisiva os trabalhos psicanalíticos sobre as relações 
entre pais e filhos; o material destas observações consistia essencialmente em 
casos que foram tratados psicoterapêuticamente, e as ideias pedagógicas eram 
deduzidas da teoria psicanalítica. A literatura extraordinàriamente vasta ­com 
August Aichhorn, David Levy, Melanie Klein, Anna Freud, René Spitz, Erik 
Erikson, Bruno Bettelheim, Fritz Redl e

Rudolf Ekstein como principais representantes desta orientação considera o 
processo de socialização da criança sob uma perspectiva totalmente diferente da 
escola de pedagogos orientada sociológicamente e que parte de John Dewey.

Enquanto que no processo educacional orientado sociológicamente, como por 
exemplo é apresentado por F. McDonald, o

ponto de partida é formado pelas imposições da sociedade ao

indivíduo, pelos papéis e possibilidades de evolução que a sociedade oferece ao 
indivíduo, a investigação da educação para a

socialização orientada psicanaliticamente ocupa­se em primeiro lugar dos 
indivíduos que entram em relações mútuas.
Como já expusemos atrás, a evolução normal da personalidade consiste, encarada 
sob o ponto de vista psicanalítico, em

o bebé que nasceu «amoral», e inteiramente entregue aos seus

impulsos, superar esta existência exclusivamente de impulsos, e se adaptar à 
realidade assim como às imposiçõ es do mundo social que o rodeia. Neste aspecto 
acentua­se hoje especialmente a adaptação do Eu à realidade. O «fortalecimento 
do Eu» e a

«diminuição da angústia» são tanto para Anna Freud como para Melanie Klein fins 
essenciais da educação. O problema de encontrar e perseguir os valores vitais 
adequados para o indivíduo, está neste caso menos dentro da perspectiva da 
Pedagogia ana­
lítica do que antes o problema da dinâmica das relações das quais pode provir um 
Eu normal. Aliás nas mais recentes análises de famílias inteiras, tanto Martin 
Grotjahn como especialmente Nathan Ackerman dão atençã o à questão dos valores 
que se

devem seguir.

Mas nem destas nem de outras observações das relações entre pais e filhos 
obtemos uma imagem clara e completa de como se deveria processar a educação do 
homem moderno da cultura ocidental. W. Hochheimer expôs acertadamente no seu

excelente artigo do citado manual, como é ainda parcelar aquilo que se pode dar 
como conselho.

3. EDUCAÇÃO ESCOLAR E PSICOLOGIA

A quem viveu durante algum tempo em países diferentes do círculo de cultura 
ocidental, não deve ter escapado que tanto a ideologia como a prática de 
educação revelam consideráveis diferenças em diversas orientações. E se isto é 
já flagrante para o caso da educação na família, é­o ainda mais para o caso da 
educação na escola.

Na educação na família a diferença principal consiste em

que nalguns países europeus, nomeadamente na Alemanha, se dá uma grande 
importância à rispidez e autoridade, enquanto que nos Estados Unidos as crianças 
são educadas com tolerância e se lhes deixa uma maior liberdade. Mas é difícil 
de dizer até que ponto se podem generalizar estas observações, uma vez que em 
toda a parte há uma grande gama de variações de comportamento.

Contudo os dois princípios básicos, onde quer que sejam aplicados, criam um 
alicerce absolutamente diferente para as

influências da escola.

A educação que trabalha com rispidez e autoridade coloca o fundamento para um 
conceito de decência e dever, que é essencialmente o resultado de prescrições e 
proibições, por um lado, de recompensas e castigos, por outro lado ­o resultado 
de um adestramento, como K. Bühler chamou a este processo, mediante o qual mais 
tarde pode resultar uma identificação inteligente com aquilo que se aprendeu.

A educação que trabalha com tolerância e liberdade, pelo contrário, não 
desenvolve nenhum conceito de dever autoritáriamente fundamentado, mas um apelo 
à compreensão e juízo da criança, que parte tão cedo quanto possível da 
explicação de deveres e direitos. Ouer dizer, em vez da obediência fomenta­se 
aqui desde muito cedo a capacidade para tomar decisões próprias, e em vez de 
ordens surge uma orientação para a perceptividade
social, ou, o que é o mesmo, observação atenta e o tactear do próprio caminho. 
Este difícil método não é naturalmente manejado sempre com a mesma habilidade e 
por isso há muitos fracassos.

Mas é importante verificar­se que estas duas fundamentações da evolução moral 
representam também dois fundamentos totalmente diferentes para a educação 
escolar.

Como segunda diferença essencial para a educação familiar, considera­se 
geralmente a posição do pai americano, em comparação com as condições europeias, 
menos autoritária. Muitas vezes ouvimos dizer que na família americana é a 
mulher que desempenha o papel dominante e que esse papel prevalece também na 
educação dos filhos. Aliás isso talvez seja mais uma

impressão do que um facto. Robert Sears, que com alguns colaboradores estudou 
por meios empíricos os mé todos de educação na família, verificou que na maioria 
dos casos (62 % na classe média, 59 % entre os operários) a autoridade familiar 
se distribui igualmente por ambos, pai e mãe. Mas se há um dos membros que 
domina, então é mais frequentemente o pai (29 % na classe média e 25 % entre os 
operários) do que a mãe (9 % na

classe média e 16 % entre os operários). Não conhecemos números comparáveis a 
estes para a Europa.

As diferenciações na ideologia e técnica da educação escolar são essencialmente 
mais marcantes do que as diferenças na educação familiar, que não são 
universais.

E esta diferença torna­se muito nítida quando comparamos a educação escolar 
alemã «de estilo clássico» com a americana, uma vez que os outros países 
europeus tomam antes uma posição intermediária entre ambos os sistemas. A 
finalidade principal da escola superior alemã é acadêmica, a finalidade 
principal da escola americana é social.

Por outras palavras: a escola alemã tem em primeira linha finalidades de 
aprendizagem. Atende­se à personalidade da criança e à sua inserção na 
sociedade, sobretudo no que respeita ao êxito da aprendizagem e manutenção da 
ordem, a interesse em aprender manifestado pela classe e a um bom «espírito de 
classe». A escola americana, pelo contrário, pretende aproveitar a ocasião da 
aprendizagem para educar no sentido da comunidade em grupos e responsabilidade 
social. A posição social do aluno na

sua classe e escola e os seus papéis sociais dentro desta são daí tão 
importantes como o aproveitamento escolar. Já desde o início da frequência da 
escola são atribuídos à criança papéis em que ela aprende a sentir­se membro de 
um grupo, a tomar responsabilidades e a desenvolver um juízo autónomo. E, dentro 
do pos­
sível, estes papéis não são dados apenas a alguns poucos «leaders», mas toda a 
criança é, mediante a improvisação hábil de muitos pequenos deveres, posta na 
situação de demonstrar a sua independência.

A ideia de que em caso de necessidade todos podem interferir, dominar uma 
situação e tomar a chefia, é incutida nos americanos já cedo. Nessa ideia 
baseia­se também a formação militar: qualquer que esteja presente tem de saber 
tomar o comando no caso de morrer o oficial que comanda uma patrulha.

Isto não significa que não haja também uma chefia especializada para 
determinadas missões, cuja correcta formação constitui hoje em dia até um 
problema analisado sob muitos pontos de vista.

Na educação que a criança americana recebe na escola, o método mais relevante 
parece­me ser aquele, que hoje já se

tornou tradição, com que a criança é inscrida na dinâmica da interacção social. 
Na escola americana não se entrega a evolução do sentido de pertença de um 
indivíduo ao grupo de classe simplesmente a si própria ou ao destino social de 
cada um, como acontece no sistema escolar alemão. Antes ele é continuamente 
incluído como membro em funções, e continuamente confirmada

a sua participação. Por outro lado, aprende a apoiar­se em si próprio e a não 
considerar os outros como responsáveis pela sua conduta, ou a recorrer a 
autoridades. Como, além disso, já desde o jardim infantil se ensinam boas 
maneiras às refeições e nas relações com os outros, este sistema de ensino 
nivela as desvantagens de uma educação familiar insuficiente sob o ponto de 
vista social. E por fim, qualquer pessoa tem acesso a qualquer das diferentes 
formas da escola superior; a sua frequência é até obrigatória por lei a todos os 
cidadãos. O resultado de uma educação escolar deste tipo é uma sociedade em 
que todos são elevados a um certo nível médio e relativamente alto de saber e 
formas de vida.

O que nesse sistema é descurado é a cultura acadêmica no sentido mais restrito, 
que aquele que por ela se interessar terá de adquirir por si próprio. De 
qualquer maneira, a transmissão de conhecimentos é muito menos metódica do que 
na escola alemã, de tal maneira que o americano médio, apesar de estar informado 
e poder falar acerca de muito mais coisas, carece de profundidade e coesão no 
seu saber.

Mas, na minha opinião, não era preciso necessàriamente sacrificar totalmente a 
educação social e socio­política a um tesouro de sabedoria assente em bases 
sólidas, como é tradição na escola dos círculos culturais alemã es.
E por outro lado deveria ser possível fomentar a educação social sem que em nada 
fosse prejudicado o saber, quer em

profundidade quer em solidez, na medida em que isso sucede muitas vezes na High 
School, nos Estados Unidos da América.

Por outras palavras: se se conseguissem reunir as vantagens dos dois sistemas, 
teríamos realmente uma escola perfeita.

Há ainda outro facto que nos faz pensar: é a diferença das relações professores­
alunos em ambos os círculos culturais. A acção pedagógica, diz P. Ruppert no seu 
artigo do manual alemão já citado, tem sempre o seu centro de gravidade na

relação do educador para com o educando.

A relação do professor para com os seus alunos, diz em contrapartida F. J. 
McDonald, pode ser apreendida como um processo que tem por fim realizar no aluno 
uma determinada orientação finalizada.

Não se poderia exprimir de modo mais drástico a diferença de posição dos centros 
de gravidade: por um lado estão colocados em factores pessoais, por outro lado 
em factores impessoais.

Sendo a relação do professor para com o aluno considerada decisiva, torna­se 
importante a questão (que aliá s M. J. Hillebrand também põe) de qual a 
influência dos diversos tipos de professores sobre os diferentes tipos de 
alunos. Aqui terão sem

dúvida de desempenhar um papel muito grande a autoridade, a

capacidade de dar um exemplo, a capacidade de suscitar interesse, assim como 
outras qualidades pessoais.

Maria Zillig relata­nos, baseando­se em interrogatórios feitos a alunos, que 40 
% dos alunos de dez a treze anos ­entre os alunos mais velhos a percentagem é 
ainda maior ­ desejam uma

relação pessoal com o professor.

Se, pelo contrário, o professor se ocupar principalmente com

os processos da aprendizagem e da postura de finalidades por parte dos alunos, 
cada vez mais passam a segundo plano os
factores da reacção e influências pessoais. Será então mais raro

que um professor tenha uma importância pessoal para um aluno.

Duma maneira geral podemos dizer que para a criança americana em idade escolar, 
e ainda mais para o jovem, os adultos desempenham um papel menos importante do 
que para os grupos de idade alemães correspondentes. Para a criança alemã é 
importante ser louvada pelo adulto, para a americana ser aceite duma maneira 
geral, com o que o grupo de idade próprio adquire cada vez mais importância, em 
comparação com o adulto.

A orientação segundo os da mesma idade parece­me pessoalmente significar maior 
maturidade do que a constante orientação segundo os mais velhos e superiores. 
Por outro lado, a ânsia de
popularidade que aparece neste sistema, restringe a liberdade do desenvolvimento 
pessoal em sentidos diferentes do domínio da autoridade. A popularidade pode 
transformar­se num fetiche tal que passa a ter em todos os campos e até nas mais 
altas funções mais influência do que alguma vez a teve a realização de uma 
tarefa.

Aliás, no centro da Europa, e especialmente entre a classe jovem de 
trabalhadores alemães, verifica­se, como expõe Schelsky, uma evolução no sentido 
das condições americanas (vide pág. 295).

Como se pode ver através da nossa breve exposição, a interpretação psicológica 
dos processos educacionais, encarada sob o ponto de vista científico, é por 
enquanto ainda bastante insatisfatória. São muito mais pormenorizados e precisos 
os nossos conhecimentos acerca da Psicologia das aulas, do ensino, dos factores 
inteligência e talento, do aproveitamento escolar, da aptidão profissional e da 
‘orientação profissional. Como nesta exposição é impossível podermos dar o 
devido relevo à plenitude de factos, escolhemos dois temas que nos parecem de 
especial interesse geral. Primeiro discutiremos brevemente o aproveitamento 
escolar obtido pelo ensino, um aproveitamento tal como ele se apresenta encarado 
psicológicamente. E em segundo lugar, também brevemente, abordaremos o tema de 
orientação e aptidão tal como se apresentam no contexto do nosso processo 
educacional e de ensino.

4. A COMPREENSÃO E VALORAÇÃO PSICOLóGICA DO APROVEITAMENTO

Enquanto que os fundamentos do saber, das tradições e

costumes de uma época e cultura são adquiridos na família e no mundo ambiente, a 
escola é o lugar onde este fundamento se erige sistemàticamente e onde vem a 
desenvolver­se. A escola é por isso considerada geralmente, com razão, como o 
instrumento mais importante para a formação do indivíduo, assim como para a 
manutenção e continuação da cultura e da civilização.

A nossa época reconheceu numa medida ràpidamente ascensional a relação estreita 
que existe entre o saber intelectual e o domínio da natureza e dos homens. A 
posição de potência mundial da ciência que daí resulta faz com que a escola, 
como mais importante pressuposto de qualquer ciência, se torne cada vez mais 
objecto, se é que não joguete, da política, e até da política mundial. Para o 
«hornem simples» contudo, que se ocupa de política mundial apenas como ocupação 
recreativa, o saber significa apenas a frequência das escolas e universidades, o 
acesso a
profissões com nível superior e o caminho para obter ordenados mais elevados e 
um nível de vida superior. Mas para além destas considerações pragmáticas existe 
também uma «ânsia de saber» natural e o desejo de adquirir bens culturais 
através do estudo.
O mais importante na escola e no aproveitamento, parece para o psicólogo 
consistir no desenvolvimento pleno das potencialidades humanas e em levá­las a 
produzir efeitos que fomentem o

indivíduo e a sociedade.

Pelas razões pragmáticas citadas, assim como por razões de ideal, o 
aproveitamento intelectual e o progresso intelectual estão no centro dos 
interesses de todos os países que se sintam como participantes activos dentro da 
história mundial.

O que realizou realmente a psicologia pedagógica em conexão com este ciclo de 
problemas?

Já o dissemos: encontra­se ainda bastante por esclarecer a

situação científica da psicologia pedagógica. É o que acentua também Max J. 
Hillebrand num excelente artigo. Ele expõe que a psicologia pedagógica não 
trata, corno devia, da «aprendizagem do homem no sentido de uma orientação 
mundial e domínio mundial, à medida dos conhecimentos», mas que, em vez disso, 
se movimenta no enquadramento estreito da «situação pedagógica», especialmente 
do ensino na escola.

Naturalmente que não é nossa intenção diminuir a importância deste problema 
prático; mas queremos pelo menos ter chamado a atenção para o facto de a missão 
de futuro da psicologia pedagógica dever consistir, segundo a nossa opinião, em 
pôr, a par das questões técnicas, também mais questões de princípio no que 
respeita às finalidades da cultura humana e do progresso intelectual, assim como 
acerca dos métodos com cuja ajuda se poderão realizar tais finalidades.

Dentro do nosso âmbito não é possível desenrolar tais problernas. Em vez disso 
temos de perguntar a nós próprios o que é que, para os nossos fins, vamos 
encarar de tudo aquilo que se nos depara. Encontramos uma imensidade de 
trabalhos que se

ocupam dos pressupostos, métodos, processos e resultados da aprendizagem nos 
mais diversos campos, começando por experiências com diversas técnicas de 
aprendizagerr. de leitura e
escrita, até à discussão dos problemas da preparação profissional e aptidão 
profissional, da organização e métodos de escolas especiais para atrasados, 
surdos­mudos, cegos, diminuídos físicos e

crianças difíceis, até à questão da cultura universitária e cultura popular. 
Para o estudo destes problemas especializados remetemos o leitor para o Manual 
de Psicologia Pedagógica já muitas vezes citado.
Para nós, que queremos saber o que a Psicologia como ciência nos pode oferecer 
como proveito para a situação humana em geral, parece­me especialmente digno de 
atenção um objecto da psicologia pedagógica: trata­se do estudo do 
aproveitamento, em primeiro lugar o aproveitamento na escola, mais tarde a 
realização na profissão e na vida, em torno da qual tudo se move.

Com que contribuí a Psicologia pedagógica para a compreensão das realizações 
humanas, para a sua apreensão e sua valoração?

A palavra e o fenómeno «realização» ( = « aproveitamento ») não aparece aqui 
pela primeira vez na nossa obra. O leitor atento talvez concorde que vale a pena 
folhear um pouco para trás e

relembrar os problemas em relação aos quais falámos aqui de «realização». 
Referimo­nos a ela sobretudo em relação com o

problema do desenvolvimento. Aí definimos «rcalização» como

produção de produtos criados em relaçúo social com a sociedade.

O primeiro pressuposto da realização é a maturidade que permita receber e 
executar uma missão, que por vezes é penosa e custosa e para uma grande maioria 
das pessoas não tem o

carácter de prazer da actividade lúdica. Contudo, para a criança de cerca de 5 a 
6 anos tem já o carácter de interesse, isto é, de uma participação ligada a uma 
certa tensão, que é fomentadora da criação de realizações. Uma criança normal 
desta idade gosta de aprender e de realizar qualquer coisa.

Esta maturidade para a realização de tarefas, que é uma

das características principais da maturidade escolar, não aparece,

como se supunha antigamente, automàticamente como a maturídade intelectualmente 
ou a capacidade de aprendizagem. Do ponto de vista da capacidade de aprendizagem 
considerada isoladamente, já muitas vezes crianças de quatro anos se encontram

em situação de ler, para o

que antigamente não raras

vezes eram até incitadas. Hoje sabemos que se deve preferir uma aprendizagem com 
compreensão, interesse e boa vontade da parte da criança pequena, à fixação
amente mecânica. As primeiras são característi246 A capacidade de se encarregar 
de uma tarefa difícil e de a realizar é uma das principais características da 
maturidade

escolar
cas da maturidade humana, mais exactamente da maturidade moral. A maturidade 
escolar foi observada em magníficos estudos, especialmente por Lotte Schenk­
Danzinger e por Hildegard Hetzer; ambas desenvolveram também técnicas de testes 
para alunos principiantes. Num livro sobre o teste de maturidade escolar, 
recentemente publicado, Hetzer e Tent mostram de modo exemplar a ligação da 
utilização destes testes com estudos de personalidade, tal como já os 
introduzira Schenk­Danzinger.

Citamos alguns pormenores da descrição da personalidade de um rapazinho, Heinz, 
que, segundo o resultado de quase todas as tarefas de testes, possuía maturidade 
escolar:

Heinz segue consequentemente os seus fins, exige muito de si próprio e não fica 
de modo nenhum indiferente a qualquer insucesso. A reacção aos insucessos é 
tanto mais nítida de observar, quanto Heinz normalmente se mantém bastante 
sossegado, dominado e retraído durante o exame.

Resumindo podemos dizer que se trata de uma criança com

desenvolvimento e com maturidade escolar correspondentes à sua idade. Heinz é 
inteligente, quer realizar tarefas e exige alguma coisa de si próprio. Apesar de 
se mostrar muito disposto a sujeitar­se à autoridade representada pelo 
examinador e do esforço, muitas vezes coroado de êxito, de se adaptar 
rigorosamente à situação, Heinz tem de vez em quando dificuldades de adaptação 
se for necessária uma viragem rápida. Atrás do domínio e reserva

exteriores, que se tornaram notados também devido ao facto de ele não fazer 
nenhuma tentativa de contacto activo com os examinadores ou os camaradas durante 
o exame, esconde­se uma vida afectiva rica (expressão gráfica), mas também um 
certo receio e insegurança que o tornam especialmente sensível a vivências 
angustiantes de fracassos.

Quando se falou com os pais, soube­se que se tratava do mais velho de três 
filhos, que já colaborava muito no trabalho

em casa e na quinta e nisso era tratado «muito rígorosamente», para que se 
acostumasse cedo ao trabalho que ele, uma vez que o pai era relativamente velho, 
se veria talvez dentro de pouco tempo obrigado a tomar a seu cargo.

Pelo contrário, o estudo sobre Werner, um rapaz de cinco anos

e nove meses que só conseguiu resolver ao nível da maturidade escolar duas das 
dez tarefas, conclui­se com as seguintes palavras:
O seu comportamento global durante o exame mostrou­o como sendo uma criança 
viva, aberta, que se apoiava ainda muito nos adultos e­se deixava guiar por 
eles, mas que procurava também contacto com os camaradas, especialmente no 
recreio. Parecia altamente despreocupado (cf. também como colocou o
seu desenho livre mesmo no meio da superfície de desenho), desinteressado pelo 
resultado das suas tarefas, e totalmente absorvido pelas actividades em si. Ele 
ficou para trás e foi entregue por mais um ano aos pais compreensivos e à 
jardineira infantil que o considerava uma criança obediente, viva e entusiasmada 
pela brincadeira.

O teste de maturidade escolar está no início da grande série de testes e de 
outros processos com os quais hoje em dia se apreendem e valoram as realizações 
de indivíduos e grupos desde o priw@ípio da escola até ao início da actividade 
profissional. Não é nossa intenção perdermo­nos nos pormenores destas técnicas. 
Pretendemos apenas compreender aquilo em que se baseiam todos estes testes e por 
que parecem ter hoje tanta importância.

Em primeiro lugar: O que é um teste? Um teste é um método de medição 
estandardizado, isto é, um processo mediante o qual se pode determinar 
quantitativamente com meios apropriados um comportamento qualquer, comparando­o 
com um padrão, Este padrão é criado pela determinação da distribuição do 
comportamento que se pretende medir num grupo grande e

estatisticamente representativo. O resultado do teste é objectivo.

Quando se sabe que dois terços de todas as crianças de oito anos que frequentam 
a escola são capazes de indicar algumas semelhanças e diferenças entre uma bola 
e uma laranja, ou entre um avião e um papagaio de papel, ou que dois terços de 
todas as crianças de dois anos sabem o que é uma chávena e o que é um dedal e 
os identificam numa imagem, trata­se de resultados objectivos que levam a 
valorações objectivas de realizaçõ es de tarefas. Um teste que abrange um número 
suficiente de tarefas para a medição de qualquer categoria de realização, leva a 
uma imagem geral e objectiva de realização dentro do âmbito testado.

Mas para que necessitamos disso hoje? Porque é que as

notas e os exames dos tempos antigos já não são suficientemente bons? Porque não 
confiamos no juízo do professor experimentado ou do examinador? Além de nem todo 
o professor ser experimentado e nem todo o examinador ser objectivo, os 
processos estandardizados oferecem, evidentemente, uma base mais segura para a 
escolaridade e escolha de profissão correctas dos examinandos. Perante o aumento 
populacional que hoje é impossível reter, por um lado, e a diferenciação cada 
vez maior dos ramos da economia e das profissões, por outro lado, perante o 
custo em parte muito elevado da especialização em muitas profissões, da 
concorrência de candidatos a lugares de aprendizagem e

empregos, tornou­se necessário determinar tão cedo e tão cuidadosamente quanto 
possível a capacidade de realização e a aptidão.
Como nos diz Hildegard Hetzer no prefácio do seu livro de testes, o valor dos 
testes não consiste em primeira linha ou

exclusivamente em servirem para a selecção, mas sim em oferecerem pontos de 
referência para o futuro tratamento pedagógico do examinando.

Este era também já o duplo ponto de vista que desde o início tinha em vista o 
inventor do primeiro teste, o psicólogo francês Alfred Binet. Quando em 1904 o 
Ministério da Educação encarregou em Paris uma comissão de estudar o problema da 
educação de crianças atrasadas mentais, o que se pretendia saber tinha um duplo 
aspecto: em primeiro lugar, como se poderiam seleccíonar a tempo estas crianças, 
e em segundo lugar como se lhes poderia ministrar uma educação adequada.

Foi sem dúvida um feito genial, quando Binet, de colaboração com o seu colega 
Th. Simon, inventou e publicou em 1905 os primeiros testes de inteligência. A 
ideia destes testes era

determinar, mediante tarefas estandardizadas, se uma criança era capaz de 
solucionar as tarefas de aprendizagem e raciocínio que se consideravam adequadas 
à sua idade. O pressuposto de Binet, que ao aumento de idade corresponderia um 
aumento regular da memória assim como das capacidades de pensamento mais 
complexas, foi corroborado, pelo menos para os graus de idade por ele 
observados.

Discutia­se muito então a questão do crescimento da inteligência. Edward 
Thorndike foi o primeiro a traçar em 1926 uma curva de crescimento da 
inteligência. Dos testes parecia concluir­se que o homem médio atinge o ponto 
máximo da sua

inteligência pouco mais ou menos aos 16 anos. Isto parece à primeira vista 
absurdo, mas tem de ser correctamente interpretado. Significa que a memória 
atinge nesta idade o seu ponto máximo, e que simultâneamente também se encontra 
totalmente desenvolvida a capacidade de pensar. Os muitos conhecimentos e ideias 
que muitas pessoas manejam depois deste período não significam mais do que a 
utilização de um capital de funçõ es que está à sua disposição desde a 
puberdade.

Reproduzimos, na página seguinte, uma curva do crescimento da inteligência 
considerada como especialmente bem calculada.

Depois de Henry Goddard ter levado para a América o método de Binet­Simon para o 
exame de crianças débeis mentais, Stern e Kulilmann manifestaram a opinião de 
que os testes se poderiam utilizar para determinar a precocidade do mesmo
modo que para determinar o atraso. Esta ideia foi retomada por Lewis Terman, que 
publicou em 1916 a célebre Stanford­Revision. dos testes de Binet­Simon. 
Corrigiu as séries de testes, estandar­
dizou­as, servindo­se de um número extraordinàriamente grande de pessoas, e 
acrescentou ao método de determinar a idade mental, o novo processo de 
determinação do quociente de inteligência (Q. I.).

Referimo­nos aqui a um quociente em que se exprime a relação da idade mental com 
a idade cronológica. A idade mental

é a inteligência que corres+ 2001       1      1                   ponde à 
inteligência de uma

4­ 150                                  criança normal numa deter­ * 100 
minada idade. No caso de * 50                                    inteligência 
normal o Q. I. é

o                                   1 (uma vez que idade men­
­ 50                                    tal: idade cronológica = 1,
­ 100

150                                  portanto a idade mental é
200                                  igual à idade cronológica),

em pessoas acima da média
O  5   10  15 20  25  30  35 40

247 Curva do crescimento da inteligêpcia segundo os cálculos de H. Heinis

é superior a 1 e em pessoas abaixo da média é inferior a 1. Vulgarmente é 
expresso em fracções de centenas, em

que o 100 representa o valor normal, as inteligências superiores atingem valores 
acima de
120, enquanto que por exemplo a debilidade mental corresponde a um Q. I. entre 
50 e 75.

Com esta nova técnica criou­se um magnífico instrumento, apesar de tudo o que se 
possa objectar contra o processo quantificador neste campo (especialmente quando 
se trata de «testes de génios», como Terman os utilizou). Não podemos já 
prescindir dos testes dentro da educação, e muito menos da sua utilização 
clínica, embora hoje todos reconheçam que a interpretação dos resultados dos 
testes exige todo o cuidado.

O que queremos dizer com «todo o cuidado» é o ter em conta factores que não são 
apreensíveis de maneira puramente quantitativa. Nestes se incluem, além das 
condições físicas e condições de vida, sobretudo a maturidade e a estrutura de 
motivação da personalidade.

O conjunto destes últimos dados, cuja apreensão se designa de método clínico, é 
hoje considerado tão importante como o

resultado quantitativo do teste. Na América até se verifica em muitos casos uma 
diminuição de interesse pelos resultados dos testes como tais e um incremento de 
interesse pelos estudos clínicos, em que se inserem os resultados dos testes. 
Mas dentro da valoração feita em massa do aproveitamento escolar, os testes têm 
de ser considerados como indispensáveis.

32
Entre os mais importantes processos de testes que usamos para a apreensão de 
aproveitamento situam­se: testes de maturidade, de inteligência, de realização, 
de capacidade, de interesses e de aptidão.

A diferença entre testes de maturidade e testes de inteligência consiste no 
facto de estes pretenderem determinar aproveitamentos de aprendizagem ou 
pensamento, enquanto que aqueles não examinam necessàriamente um aproveitamento 
intelectual, mas o comportamento como tal adequado à idade.

Assim, por exemplo, um teste de maturidade da série de testes de Bühler­Hetzer 
destinados a crianças pequenas, impõe a tarefa de executar uma construção 
tridimensional, que é o que se espera de uma criança de quatro anos; ou num 
teste da série de Arnold GeselI, o bebé tem de segurar sózinho o biberão, o que 
normalmente um bebé de nove meses já consegue.

Os testes de maturidade para bebés foram muito atacados como não sendo de 
confiança. O seu manejo adequado pressupõe muita experiência com bebés. As 
cuidadas observações do comportamento deveriam ser acompanhadas sempre do 
processo quantitativo.

Se nos encontrarmos perante questões como por exemplo qual a saúde psíquica e 
evolução normal de uma criança desti248­249 Os testes de BühIer­Hetzer para a 
determinação do grau de desenvolvimento de crianças pequenas até aos seis anos 
estão hoje muito desenvolvidos. Para cada idade são apresentadas dez tarefas que 
correspondem às exigências de situações naturais da

vida
nada à adopção, então vemos que não é possível hoje em dia uma resposta 
conscienciosa sem a utilização de testes.

Um exemplo de um resultado de testes invulgarmente preciso é­nos dado através do 
caso de Sven, que um casal americano pretendia adoptar. Devido a diversas 
circunstâncias, Sven tinha já onze meses, isto é, tinha um pouco mais de idade 
do que aquela em que as instituições americanas de adopção recomendam 
normalmente a entrega de uma criança a novos pais.

Sven era contudo um bebé desenvolvido tão harmoniosamente em todos os sentidos, 
com o elevado quociente de desenvolvimento de 1,25, que previmos uma boa 
capacidade de adaptação e desenvolvimento. Recomendámos que os pais se

ocupassem pessoalmente muito dele, pois ele era um pouco tímido e não estava 
socialmente tão desenvolvido como noutros sectores, pois parece que não lhe 
haviam dado suficiente atenção pessoal. Sven tinha extraordinária capacidade 
física e era muito hábil

com os brinquedos.

Os pais adoptivos de Sven, que se dedicaram a ele com grande amor e muita 
compreensão, relataram­me, desde 1949 todos os

anos por altura do Natal, o progresso magnífico do desenvolvimento de Sven. Sven 
é um rapaz que se afirma em todos os campos, que se salienta especialmente no 
desporto, mas também tem o aproveitamento normal na escola e tem muitos 
interesses. Toca vários instrumentos, entre eles saxofone, oboé e guitarra.

250­251 A adopção, coroada de êxito, de Sven ­ à esquerda com nove meses, à 
direita com treze anos ­ é um belo exemplo de resultados de

testes invulgarmente precisos
Na quinta dos pais cria galinhas e pombos, uma ovelha, um gato, um cão e 
cágados, assim como, além de dois cavalos de que gosta muito, também duas 
cobras, porque talvez queira vir a ser investigador de répteis.

É muito estimado entre os rapazes da sua idade e tem relações afectivas 
profundas para com os pais, a quem já ultrapassou em estatura.

Com a ajuda de testes de capacidades podem­se testar capacidades específicas 
quiçá inatas. A ideia de que se partiu nos

testes de capacidade era semelhante à que se tivera inicialmente nos testes de 
inteligência, isto é, que se podia descobrir e depois também medir dotes 
realmente inatos. Mas nos testes de inteligência em breve se teve de reconhecer 
que aquilo que é inato não só é extremamente difícil de detectar, mas até que 
também era bastante inútil esse detectar, porque a efectivação e a utilização de 
potencialidades são determinadas na maioria dos campos em grande parte pela 
modelação ou não modelação que elas sofrem desde o início.

No mesmo sentido diz Wilhelm Arnold, num estudo tão profundo como bem pensado, 
que as disposições e capacidades humanas se modificam. Um conceito de aptidões 
rígido não tem em conta a plasticidade da natureza humana. Nenhuma experiência 
pode predizer como evoluirá uma pessoa sob condições fortemente modificadas. Por 
isso, são pràticamente impossíveis os prognósticos de aptidões. Os dotes só se 
manifestam com alguma segurança quando se afirmam em tarefas correspondentes.

«Realizações e comportamento podem ser determinados; em contrapartida não se 
podem determinar as especificidades do homem». Não se poderia exprimir mais 
claramente que as capacidades se estudam da melhor maneira em relação com as 
realizações e os comportamentos; mas deviam também acrescentar­se estudos de 
motivação para determinar a posição para com a realização e o presumível êxito.

Enquanto que os testes de realização ou outras formas de exames determinam a 
capacidade disponível, para obtermos uma

visão acerca da utilização previsível da capacidade, são necessários estudos de 
motivação. Pois em última análise a realização é uma questão da personalidade.

Foi esta opinião que me levou a expor a professores, juntamente com alguns 
colaboradores, os problemas de aprendizagem e problemas sociais da criança na 
escola.

A ideia do livro «Problemas infantis e o professor» foi mostrar ao professor, 
partindo de um grande número de casos, as
profundas relações vitais a partir das quais se podem desenvolver
problemas escolares. Faith Smitter e Sybil Richardson inseriram as minhas 
observações psicológicas no sistema escolar americano, e Lotte Schenk­Danzinger 
nos sistemas da Europa Central. Mostrámos em que medida o professor pode 
contribuir para a solução de problemas infantis, e sobretudo o papel que 
desempenham o psicólogo escolar e o orientador escolar, que auxiliam dentro do 
sistema escolar tanto os professores como os pais quando se

tratam problemas de personalidade e ensino. Os métodos de que nos servimos então 
revelam ainda grandes diferenças, contudo em toda a parte dá­se cada vez mais 
atenção ao factor da motivação que determina o aproveitamento.

5. A PSICOLOGIA NA ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL

Orientação profissional é, segundo Walter Stets, «todo o

fornecimento planeado e organizado de conselhos e informações na escolha da 
profissão».

Se não estou enganada, o primeiro centro de orientação profissional foi fundado 
em 1909 em Nova lorque, por sugestão de Frank Parsons. É singular o facto de 
Parsons desde o início considerar a escolha da profissã o como um problema que 
se

deve tratar cuidadosamente com meios científicos. O candidato à profissão 
deveria primeiramente estudar­se a si próprio e obter conhecimento acerca do 
mundo da profissão.

Apesar de cedo se ter reconhecido a grande importância da escolha da profissão, 
tanto para o indivíduo como para a so­ciedade, até hoje, como lamenta Donald 
Super, ainda não existe uma teoria unitária e geral que se tivesse posto, ou até 
que se

pudesse vir a pôr, na base da ordenação psicológica do processo da escolha da 
profissão.

Em vez disso, os métodos da maioria dos sistemas usados na orientação 
profissional são puramente pragmáticos; trabalha­se exclusivamente com a análise 
de traços caracterológicos, capacidades e interesses por um lado, com análises 
de profissões e das exigências que impõem aos candidatos, por outro lado.

A isto acrescenta­se por outro lado a orientação prática sobre colocações 
disponíveis. Foi justamente com uma tal informação de empregos vagos e de grupos 
apropriados de profissões que começou a orientação profissional na Alemanha, em 
1911; relacionados com os movimentos femininos, organizaram­se centros de 
informações acerca de profissões femininas. Seguiu­se em 1913 um centro geral de 
orientação no centro para a prosperidade popular. A orientação profissional foi 
assim a forma de orientação que mais cedo se desenvolveu sistemàticamente. 
Lefever,
Turrell e Weitzel relatam na sua vasta obra sobre «Fundamentos e técnica da 
orientação», que inicialmente « orientação» (em inglês: guídance) era 
absolutamente idêntico a «orientação profissional». Embora hoje a orientação 
profissional seja apenas uma das muitas formas de orientação, ela manteve 
contudo um

lugar de destaque ao lado da orientação familiar, matrimonial, da orientação de 
pessoas idosas e da orientação pedagógica.

Para a orientação profissional tal como ela hoje está estruturada nos diversos 
países da nossa cultura, é necessário um

grande complexo de observações. As mais importantes são a determinação da 
maturidade profissional, a análise de actividades profissionais (a expressão 
americana «job analysis» foi retomada em muitas publicações alemãs), depois a 
determinação de interesses, de capacidade de realização e aptidão e finalmente a 
orientaçã o sobre a formação profissional e o mercado de trabalho.

Para aquele que está de fora e que queira ter uma ideia da quantidade de 
investigações existentes sobre todos estes temas e que queira esclarecer­se 
acerca do que hoje, com a ajuda das observações e testes, se disse acerca da 
escolha mais adequada da profissão e o que se pode predizer acerca do possível 
êxito profissional, serão de utilidade as seguintes conclusões que aqui expomos 
resumidamente.

1 ­Os pontos de vista para se ajuizar acerca da maturidade profissional, da 
aptidão profissional e para prever o êxito profis252­253 Exames de aptidão na 
orientação profissional de rapazes que terminaram a escola: à esquerda deve 
montar­se uma pequena máquina,

e à direita examina­se o sentido de forma e espaço
sional, não só são diferentes nos diversos países e sistemas pedagógicos, mas 
até entre os diversos investigadores e profissionais. Não há ainda unidade neste 
campo.

2 ­ Segundo eu vejo, os diversos autores viram como determinante para a 
maturidade, aptidão e êxito, e recomendaram como fundamento do diagnóstico na 
escolha de profissão, sobretudo quatro factores: realizações, interesses, 
carácter e personalidade, além disso maturidade de vida, isto é, concepção da 
vida.

3 ­ No que respeita às realizações verdadeiras e à capacidade de realização de 
um candidato a uma profissão, nenhum orientador sensato deixará de atender a 
elas. Mas considerá­las como única ou mais importante bitola de previsões, leva 
a muitas desilusões.

Todos os clínicos tomam conhecimento nas suas consultas de dúzias de casos de 
carreiras frustradas de pessoas que tanto na escola como por vezes também na 
formação posterior revelaram capacidade de realizações e bons dotes e até 
obtiveram bons resultados em todos os testes de aptidão, e contudo depois 
falharam. Nã o é só o clínico que conhece este fracasso; até qualquer leigo já 
deparou com casos destes.

Para além destes casos individuais possuímos pelo menos

um estudo de grupo completo, que E. L. Thorndike e E. Hagen realizaram com mais 
de 10 000 componentes do pessoal da aviação comercial americana. O grupo foi 
escolhido de um conjunto de 75 000 pessoas, e portanto considerado 
estatisticamente representativo para a observação da relação existente entre 
capacidade de realização e êxito profissional.

Estes mesmos homens, que quando do exame de aptidão tinham 19 a 20 anos, foram 
procurados vinte anos mais tarde nos seus diversos locais de trabalho e 
observados em função do seu êxito profissional.

O resultado desta investigação realizada em grande escala foi: testes de 
capacidade de realização, até quando tomavam em

consideração certos dados biográficos, mostraram­se insuficientes para neste 
grupo predizer um êxito profissional que se estendesse por um longo lapso de 
tempo. Os autores concluem daí que se

devem julgar com grande cepticismo as previsões sobre o êxito profissional 
feitas à base de testes de capacidade de realização.
4­As observações de interesses consideram­se hoje geralmente importantes na 
orientação profissional. Há dois testes americanos que são os mais utilizados, 
também na Europa, o teste Kuder e o teste Strong.

Mas tão­pouco os testes de interesses, como os testes de realizações ou 
aptidões, podem servir de único fundamento para a orientação profissional.
5 ­E para além destas observações particulares dá­se hoje em dia grande 
importância à apreensão do homem total. O problema que se põe, é como se pode 
proceder a esta do modo mais seguro e adequado para o futuro profissional. 
Escolheram­se três processos diferentes:

O primeiro tenta a apreensão do homem total através de observações sobre o 
carácter de um candidato; sobre isso nos

informa a obra «0 exame de carácter do candidato à profissão», de Franziska 
Baunigartens. As observações caracterológicas são recomendadas de preferência 
por aqueles que pretendem que se

tenha em consideração as qualidades morais no sentido mais estrito, ao tratar­se 
da admissão profissional.

Aqueles que, como expusemos no capítulo «A Personalidade», vêem com cepticismo 
as nossas actuais possibilidades de uma

apreensão do carácter, e além disso também não se inclinam a considerar o 
carácter como absolutamente fixo, preferem outro processo: estudos de 
personalidade. Aplicam­se aqui sobretudo métodos profundos, de que falaremos no 
capítulo seguinte. As descrições de personalidade ocupam­se mais de verificações 
acerca

da maturidade, autocontrôle, finalidade, sensibilidade, emocionalidade e coisas 
análogas, do que qualidades morais, das quais hoje, falando cientificamente, 
ainda não sabemos o suficiente.

Há um terceiro método usado para a apreensão do homem total e que é considerado 
em muitos casos pelos orientadores profissionais americanos como o mais 
eficiente. É o processo que Donald Super desenvolveu com uma série de 
colaboradores na Universidade de Columbia. Super procura determinar a maturidade 
profissional e a aptidão profissional dentro do âmbito mais vasto duma teoria do 
comportamento profissional e da maturidade de vida de uma pessoa.

Como fundamento teórico para os seus estudos sobre o comportamento profissional, 
Super escolheu a teoria das fases da vida de Charlotte Bühler, cuja aplicação 
prática neste campo já fora exposta por Paul Lazarsfeld. Trata­se da teoria 
discutida no capítulo sobre o «Decurso da Vida», que afirma que os homens passam 
por fases de autodeterminação. Depois dos prenúncios da autodeterminação durante 
a infância, segue­se um período de tentativas para uma autodeterminação na 
juventude, que normalmente é substituída pela fase de autodeterminação 
definitiva e orientada de modo realista, do adulto. O período em
que se lança uma visão crítica sobre os resultados da vida e se tenta remediar 
os erros e recuperar o que não se fez, é finalmente substituído, mais depressa 
ou mais devagar, pelo período da decadência.
Além destas fases da autodeterminação, Super considerou como factores decisivos 
também a capacidade de realização, os interesses, a personalidade, as exigências 
da profissão, assim como outros factores mais. O resultado dos vastos exames por 
ele realizados é expresso em «perfis de maturidade». De 19 factores que nas suas 
observações se revelaram relativamente independentes uns dos outros, aquele que 
revelou mais alta correlação com a maturidade profissional foi a capacidade de 
planear uma carreira de modo realista, depois de colhida suficiente informação e 
com sério interesse pela escolha, assim corno com sentido de responsabilidade 
por esta. O interesse, a informação, o planearnento e o sentido de 
responsabilidade estão especialmente pouco desenvolvidos entre os jovens sem 
maturidade profissional.

As investigações de Donald Super são aquelas que nos dão mais esperança numa 
futura orientação profissional, na medida em que ele vê a evolução profissional, 
o êxito profissional e a satisfação profissional como uma parte da realização da 
vida e da evolução da vida, em vez de operar apenas com capacidades, realizações 
ou outras qualidades isoladas.
XIII ­A psicologia nas profissões de assistência

1. AS PROFISSõES DE ASSISTÊNCIA NO NOSSO TEMPO

«Profissões de assistência» ­é este o nome dado na América a três profissões 
muitas vezes ligadas num «team», o assistente social, o psicólogo e o 
psiquiatra. (Esta palavra «profissão» adequa­se especialmente a estas três 
actividades, pois no conceito de «profissão» encontramos o «reconhecer­se» a uma 
actividade).
O «team» do assistente social, psicólogo e psiquiatra representou de facto 
durante muitos anos uma espécie de «standard», tanto para a orientação 
pedagógica como para outros centros e clínicas de orientação. Hoje contudo não 
existe já uma separação rigorosa das actividades ­ da apreensão biográfica de um 
caso, inclusivamente das condições sociais e económicas dos estudos 
psicodiagnósticos e da Psicoterapia ­ e também já não há uma

separação estrita das funções. É certo que o assistente social é ainda o 
especialista em observações e provável orientação de assistência das condições 
sociais e económicas da vida de um indivíduo, o psicólogo o especialista em 
diagnósticos psicológicos, o psiquiatra o especialista do tratamento de doenças 
mentais e

cerebrais graves, mas na categoria média dos casos as funções não se podem 
separar rigorosamente porque se usurpam mútuamente o terreno.

Do enorme número de tarefas que são impostas à Psicologia dentro do âmbito das 
profissões de assistência, vamos salientar

o seu papel dentro da orientação, diagnóstico e terapia para esta categoria 
média da população, pois o leitor pode tirar o maior proveito pessoal da 
exposição destes três campos.

A categoria média entre as pessoas psicológicamente equilibradas e as 
perturbadas mentais graves, é representada pelas inúmeras pessoas perturbadas e 
angustiadas pelos problemas da sua

vida: São aquelas pessoas que fracassam na sua missão de pais ou cônjuges, que 
falham na profissão, e, além disso, todas aquelas pessoas cuja sexualidade, cuja 
sobrecarga ou cujas relações infe­
lizes para com os outros as levam a esgotamentos emocionais, doenças 
psicossornáticas, alcoolismo, abuso de pílulas e toxicomanias, a delitos e 
crimes. Todas essas pessoas têm hoje à sua

disposição centros de orientação, onde assistentes profissionais se

ocupam dos aspectos sociais, diagnósticos, terapêuticos, medicamentosos ou 
outros, do caso em questão. Esta grande quantidade de pessoas, para cujos 
padecimentos o psiquiatra Thomas Szasz e até já antes dele também H. S. Sullivan 
querem legitimar a

designação de «problemas de vida» em substituição do conceito de «neurose» e 
«doença>@, procura hoje em dia cada vez mais uma ajuda por parte de 
profissionais.

A esta espécie de problemas da vida acrescentam­se, como

vemos, ainda outros dados do nosso tempo, que levam um número crescente de 
pessoas a encontrar o caminho para o orientador e para o terapeuta.

E porquê, teremos de nos interrogar, como o fazem hoje muitas pessoas, 
precisamos de repente de toda esta orientação e

psicoterapia? A humanidade não se aguentou na vida até agora sem todos estes 
auxílios?

Para começar pela segunda pergunta, a resposta é que a

humanidade nunca se aguentou em época alguma sem um auxílio, mas que, desde 
sempre e em todas as culturas, arranjou auxiliares espirituais. Nas culturas 
primitivas estes apareciam sob a forma das funções combinadas dos mágicos 
curandeiros, profetas e

sacerdotes; eles foram especialmente venerados devido à sua

capacidade de auxiliar nas necessidades físicas e espirituais. Nas culturas 
evoluídas separaram­se as funções do médico e do assistente espiritual. 
Corresponde à crescente especialização e à situação de progresso da Psicologia, 
o facto de se separar desde os inícios da psiquiatria, e cada vez mais, o 
tratamento de perturbações mentais do conforto espiritual em questões 
religiosas. Aliás ambas caminham muitas vezes a par na maior harmonia, e em 
muitos casos sacerdotes de formação psicológica relacionam os seus conselhos 
religiosos com o trabalho psicoterapêutico simultâneo de um psiquiatra ou 
psicólogo.

Mas temos de voltar a perguntar, porque é que hoje cresceu

tão extraordinàriamente, e continua ainda a crescer, a necessidade desta espécie 
de assistência? Porque é que as pessoas que têm problemas que antigamente 
costumavam solucionar sàzinhas, se

dirigem hoje a conselheiros ou psicoterapeutas?

A esta pergunta, que muitas pessoas fizeram ao pensar neste assunto, podem dar­
se diversas respostas. Em primeiro lugar, muitos psiquiatras e psicólogos, tal 
como já na passagem do século XIX para o século XX Binswanger e Krafft­Ebing, 
cha­
inaram a atenção para o facto de o aumento de mecanização do mundo impor enormes 
exigências ao aparelho anímico. Meio século mais tarde o célebre cientista 
atómico Robert Oppenheirner expôs, num discurso que se tornou célebre, com que 
velo­ cidade e expansão incompreensíveis cresceram os nossos conhecimentos 
científicos e progrediu o domínio técnico do mundo, salientando em tom de 
advertência a importância vital da evolução de um domínio psíquico e social 
correspondente. E hoje, que estou a escrever isto, faz justamente um dia que o 
astronauta John H. Glenn Jr. voou três vezes à volta da Terra.

A apreensão e a assimilação espiritual de todas estas muitas e vastas inovações, 
assim como o lidar com elas, exigem um

grande esforço. Uma época em que os nossos filhos de quatro anos (se não com 
menos idade ainda) atendem ao telefone; são levados a cinemas onde não lhes 
compete ir; ligam a televisão em cujos écrans as imagens flamejam frenèticamente 
diante da sua vista; uma época em que correm o mundo, não só de comboio e 
automóvel, mas também de avião ­uma época assim exige uma extraordinária 
capacidade de adaptação tanto anímica como espiritual. Os peritos estão 
constantemente a pôr a mesma

questão com palavras parecidas e preocupação semelhante à de Oppenheimer: como 
será possível desenvolver o nosso domínio sobre a vida psíquica humana e as 
relações humanas na mesma

medida em que se desenvolve este poder técnico monstruoso?                A 
pressão proveniente da relação de desequilíbrio existente, sob a qual todos nós 
vivemos, aumenta as sensações de angústia de que sofrem tantos.

Um segundo ponto é a insegurança invulgar da nossa existência. Pensemos 
retrospectivamente nos tempos dos nossos

avos, que na passagem do século XIX para o século XX se instalavam cómodamente 
na vida, construíam moradias e fundavam contas­correntes nos bancos, ou pelo 
menos gozavam de uma           254  A era  das  viagens espaciais (aqui o

astronauta  Glenn) e da energia     atómica segurança mais modesta@ 
exige muito da alma   e do espírito
e aos quais teria parecido uma loucura da imaginação a ideia de perder tudo, de 
ter de emigrar ou prescindir da sua pátria ­ se

pensamos retrospectivamente nesse tempo, então sentimo­nos hoje num outro mundo.

Como Hoff e Spiel há pouco voltaram a expor, quando acentuaram a necessidade de 
um trabalho de higiene psíquica, houve milhares ­milhares? antes milhões! ­ de 
famílias « desenraizadas e que tiveram ou têm de começar uma nova vida numa nova 
situação. Perdeu­se aquela continuidade da segurança da existência, que é tão 
importante para o desenvolvimento infantil e com isso para a maneira de ser do 
homem». Perdeu­se também a fé em que possa ainda haver neste mundo alguma coisa 
como

«segurança». Este enorme cepticismo perante um destino que provàvelmente os 
espera, parece particularmente trágico na boca de jovens que antigamente nos 
apareciam atrevidos e ousados, cheios de espírito de aventura e de esperanças.

Achei extraordinàriamente deprimente ouvir anunciar entre um grupo de jovens dos 
16 a 19 anos como finalidade principal da vida a segurança. Os seis rapazes e 
raparigas provinham quase todos de  famílias abastadas e consideradas; todos 
iriam tirar um curso superior à custa dos pais, o que na América não é a

regra. Apesar disso, a maioria estavam de acordo em que a segurança era a única 
coisa que séri.amente pretendiam.

«E porquê a segurança?» perguntei eu ­ a discussão acerca de finalidades de 
futuro fora iniciada por um componente deste grupo de terapia ­ «porque sentes 
que tens problemas de segurança tão grandes? O teu futuro não está tão 
assegurado quanto é possível? No Outono vais frequentar o College e estudas para 
vir a ser engenheiro, o teu pai prometeu pagar os estudos...»

«Ah», disse Denny (o mesmo que já encontrámos), «o meu

pai tem muitas dificuldades nos negócios. Nunca se sabe o que pode acontecer, e 
eu não sou bom estudante. Sabe­se lá se passarei ­ eu acho que hoje em dia tudo 
é inseguro.»

Brenda, a sua namorada, é de opinião diferente. Ela irá para a escola de Belas­
Artes, mais tarde será professora e ensinará História da Arte. Tem confiança no 
futuro. Mas também ela diz: «A minha carreira proporcionar­me­á segurança».

Rupert quer vir a ser actor de teatro. Ele é muito dotado. Apesar disso 
compreende­se, em relação à sua finalidade profissional, que ele não esteja 
seguro, e que se preocupe sobre se triunfará ou não.

Lisa era uma rapariga infeliz. Os pais estão divorciados; ela vivia com a mãe, 
pela qual não se sentia compreendida. O seu desejo principal era casar o mais 
depressa possível para sair de
casa. Não tinha nem energia, nem vontade para seguir uma formação profissional 
qualquer; com 17 anos já contara dois «affairs» amorosos e um noivado, e olhava 
a vida com muito medo e ansiedade.

Willi, pelo contrário, era demasiado confiante. Perdera cedo o pai e sentia­se 
como o homem da casa. Como a maioria dos rapazes americanos, dos 10 aos 12 anos 
fora ardina, com 12 começara uma espécie de negócio com revistas, e hoje, com 
18, tem um lugar de dirigente num pequeno negócio de jornais. Willi não tem 
vontade de aprender ou estudar, mas tem ideias claras acerca de assuntos de 
negócios, e graças à sua encantadora personalidade é bem­visto em toda a parte 
por onde passa. Ele tem a certeza que um dia será rico e que triunfará, e não o 
preocupa a sua tendência para uma certa leviandade em coisas de dinheiro. Quando 
os outros membros do grupo o ouvem falar, abanam a cabeça com um cepticismo 
precoce, que na realidade não corresponde às suas idades.

Kurt, o mais novo do grupo, é filho de um médico e é um rapazito sério que pensa 
muito para a sua idade, lê muito e estuda com interesse. Quer vir a ser físico e 
provàvelmente tem estofo para isso. Sob o ponto de vista social talvez seja um 
pouco solitário; também não namora. A sua opinião é que na vida actual já não há 
segurança e que nos temos de conformar com isso: teremos de nos preparar o 
melhor possível para o futuro, estudar muito e passar com boas notas nos exames 
­isto é, segundo a sua opinião, o melhor meio, porque um físico bem classificado 
tem aceitação em toda a parte...

Mas serão realmente a pressão elevada, a angústia e insegurança os motivos pelos 
quais um número crescente de pessoas procura os conselheiros e terapeutas? Eu 
penso que não. Não devemos esquecer que dispomos de regulações internas e que a 
capacidade de adaptação do homem provàvelmcnte equilibra as complicações em que 
ele se envolve.

Aliás, o significado desta regulação interna foi recentemente de novo acentuado 
por H. Rohracher num tratado da Academia das Ciências da Áustria, e um livro de 
Franziska Baumgarten menciona, servindo­se de muitos exemplos, a riqueza das 
«forças reguladoras da vida psíquica».

Eu não creio que sejam as crescentes complicações e o aumento de insegurança 
como tais que levam cada vez mais gente à Psicoterapia. Além de que as pessoas 
foram sempre de uma maneira ou outra inseguras, raras vezes são estas 
dificuldades objectivas em si que induzem as pessoas a dar esse passo, que é 
sempre uma decisão especial, muitas vezes difícil.
Então serão os problemas da vida, como mencionámos de início? E será talvez que 
as experiências favoráveis obtidas por amigos e conhecidos com a terapia venham 
a ganhar círculos cada vez mais vastos para esta forma de assistência?

Parece­me indubitável que a expansão destas experiências desempenha um papel 
importante, e de certeza que uma grande parte dos nossos casos se explica pelo 
facto de a Psicoterapia ser reconhecida cada vez mais como o método adequado 
para a

solução de problemas da vida.

Mas também só com isso não me parece que se possa explicar suficientemente a 
importância actual da Psicoterapia. A razão talvez mais importante está, a meu 
ver, noutro ponto. Vamos ao

seu encontro mediante um exemplo concreto:

Recordemos Vítor, cujos problemas matrimoniais e profissionais conhecemos no 
capítulo «Motivação». Os problemas da vida de Vítor não eram tão 
insuperàvelmente difíceis que este

homem inteligente, e no fundo ps@quicamente normal, os não tivesse podido 
solucionar sàzinho. Não foi a dificuldade dos problemas em si que o levou a 
procurar conselho.

Mais do que isso, ele interrogava­se a si próprio acerca do que seri.a para ele 
a solução «acertada»
­ «acertada» não no sentido de «boa» ou «má». Vítor era uma pessoa decente que 
se esforçava por agi.r bem. «Acertado» entendia­se no

sentido da vida mais adequada para ele e nas suas condições.

Esta questão da vida adequada ­no sentido da realização das potencialidades 
próprias no sentido da maior realização de valores possível, no sentido daquilo 
para que se está « determinado » ­ não diz tanto respeito aos problemas da vida 
como

tais, como muito mais ao sentido da nossa existência humana.

A angústia que provém da sen255 A coroa fúnebre no quadro de L. Albright «0 que 
eu deveria ter feito, não o fiz», simboliza o desespero duma vida

cujo sentido não se realizou
256 «0 grito» de Edvard Munchexpressão de angústia que provém da sensação de 
«ser lançado para

a existência»

sação de «ser lançado para a existência», a que se referira outrora já 
Kierkegaard e hoje de novo Heidegger, a «angústia existencial» e a consciência 
de ser de qualquer maneira culpado e de ter deixado de fazer aquilo que estava 
certo estas vivências são hoje sentidas por muita gente. E se num

homem simples como Vítor to mam a forma de mal­estar, noutras pessoas ganham a 
profundidade de um grito de desespero que ninguém parece ouvir nem atender.

Para esta questão do sentido que as pessoas dão à sua existência ou que querem 
encontrar na sua existência, procuram elas hoje soluções mais adequadas do que 
aquelas que lhes deram as

autoridades e tradições vigentes até agora. A derrocada de altas culturas sob o 
domínio da miséria, da desuniã o e de uma orientação falsa, encheu os homens da 
nossa época de profundas dúvidas sobre si e a sua própria existência. Quais são 
os valores da existência humana correctos, verdadeiramente autênticos? Não foi 
por acaso que o existencialismo nasceu das ruínas de uma cultura destroçada.

Mas, poder­se­à perguntar, porque há­de ser o psicólogo e o

psiquiatra quem pode ensinar à humanidade os valores da vida? A resposta é a 
seguinte: ele não ensina, pelo menos se entender

a sua função correctamente. O que ele faz é uma coisa diferente: ele esclarece o 
caminho das pessoas dando­lhes a possibilidade, primeiramente, de se verem como 
são e, em segundo lugar, de meditarem de modo objectivo acerca dos problemas da 
vida, sem

se deixarem enganar pelo amor ou ódio, preconceitos e autoridades. E com isso 
restitui­lhes a liberdade interior que haviam perdido em confusões emocionais, 
assim como também lhes fornece os métodos para utilizar a sua liberdade para uma 
determinação de vida com sentido.

E é este meditar dos problemas, das missões e do sentido da existência humana 
que acompanha a elaboração dos próprios problemas da vida até à libertação 
interior deles, até à veracidade
perante si próprio ­ são estes dois processos que a moderna Psicoterapia (e 
nenhum outro método antes dela) tem para nos oferecer. E esta é a razão que faz 
levar os homens a procurar o psicólogo com intuição e esperança crescentes, 
embora nem sempre tenham consciência disso.

Àqueles que são ávidos de saber talvez interesse informarem­se um pouco mais 
exactamente acerca dos métodos que se aplicam na orientação, no diagnóstico e na 
terapia.

2. A APREENSÃO ClíNICA

A apreensão clínica e o processo diagnóstico pertencem aos trabalhos prévios da 
psicoterapia. Limitamos aqui a sua exposição à parte puramente psicológica; mas 
parte­se do princípio, embora aqui não tratemos disso, de que o caso em questão 
sofreu uma observação e tratamento médicos que em parte antecederam e em parte 
acompanham a observação e o tratamento psicológicos, e com os quais o psicólogo 
está em relação contínua.

àapreensão clínica psicológica pertence tudo o que se tem de saber para dar a 
um caso o tratamento psicoló gico adequado. Segundo o problema e os meios 
disponíveis, uma apreensão será mais minuciosa ou limitar­se­á a um mínimo.

O mínimo extremo é aqui a determinação daquilo de que o doente se queixa. Mas 
duma maneira geral fornece­se também a biografia, que é designada por anamnese. 
Aqui poderá proceder­se com maior ou menor profundidade.

Em clínicas que tenham assistentes sociais à sua disposição, mais do que em 
clínicas particulares, procede­se hoje cada vez

mais a observações do conjunto das circunstâncias da vida de um indivíduo ou de 
uma família em estudos sociais de campo. As informações daqui resultantes, 
acerca dos antecedentes culturais de um caso, são tomadas em consideração 
especialmente pela Psiquiatria Social.

Esta nova disciplina parcelar, cujos inícios se podem seguir até Alfred AdIer, e 
para cuja fundação contribuíram K. Horney, E. From, H. S. Sullivan e sobretudo 
A. Kardiner, encontra­se hoje em pleno florescimento especialmente em 
Inglaterra, assim como nos Estados Unidos, e também é fomentada na Escandinávia.

Kardiner introduziu o conceito da estrutura básica de personalidade («Basic 
Personality Structure» ou BPS), pelo que entende uma estrutura que resulta de 
experiências culturais antigas e que é comum à maioria dos componentes de uma 
cultura. São célebres os seus estudos e os de Ovesey acerca de pretos
americanos. Entre os trabalhos mais recentes temos, por exemplo, os estudos de 
M. Spinley sobre a sociedade inglesa, e os estudos americanos de L. S. Kubie, F. 
C. Redlich, M. Opler, J. Spiegel, G. Seward. A melhor orientação oferece­nos 
certamente a grande colectânea de A. H. Leighton, J. A. Clausen e R. N. Wilson.

Um volume publicado por Roy Grinker mostra a nova evolução do assistente social 
psiquiatra, que muitas vezes é orientado no sentido de, depois da apreensão, 
participar também na psicoterapia ou executá­la ele próprio sob orientação 
psiquiátrica. A actividade dos assistentes sociais é portanto hoje em dia, tal 
como a dos psicólogos e psiquiatras, tanto de conselho como de terapia.

3. QUEM DIAGNOSTICA E QUEM TRATA?

Referimo­nos atrás a um processo que aliás é característico principalmente para 
os Estados Unidos. Noutros países o tratamento psicoterapêutico encontra­se 
exclusivamente nas mãos dos médicos, enquanto que os assistentes sociais e os 
psicólogos são apenas admitidos dentro da actividade de orientação e conselho. 
Mas o ponto de vista que domina na América, é que a orientação

e a terapia não se devem separar rigorosamente, mas que se completam. A opinião 
cada vez mais propagada é que a formação acadêmica do psiquiatra, psicólogo e 
assistente social dá bases essenciais em três orientações, das quais cada uma 
poderá ser

mais ou menos importante nos diferentes casos. Isto é: nos problemas da vida de 
um paciente poderão desempenhar um papel mais importante factores físicos de 
doença, noutro poderão ser

mais importantes factores de personalidade, e num terceiro factores sócio­
culturais.

No que respeita a orientação psicoterapêutica, esta é considerada hoje em dia 
não raramente como objecto de uma disciplina parcelar própria, a desenvolver 
desde o começo, que se deveria apoiar sobre qualquer dos três ramos de formação 
acadêmica que citámos. Isto foi defendido por muitos analistas, desde o

próprio Freud até L. S. Kubie. De entre os psiquiatras, foi especialmente L. R. 
Wolberg que defendeu este ponto ­de vista; T. Szasz considera a Psicoterapia 
como objecto dos psicólogos, uma vez que, a seu ver, se trata aqui do tratamento 
de problemas da vida e não de doenças, e entre os psicólogos é sobretudo E. K. 
Schwartz quem defende a teoria de que a psicoterapia pertence ao campo do 
psicólogo clínico.
O psiquiatra Viktor E. Frank1 assume a respeito disto uma

posição especial. Ele pertence, por um lado, aos mais decididos
representantes da opinião de que o psicoterapeuta se vê hoje muito mais 
frequentemente a braços com problemas da vida do que perante doenças com 
sintomas clínicos. Ele cita o psiquiatra Farnsworth a propósito da afirmação de 
que na crise actual «os médicos necessàriamente se têm de entregar a problemas 
filosóficos», e menciona o psicólogo Carl Rogers a propósito da sua adequada 
descrição do encontro entre o terapeuta e o paciente. Mas depois exige um 
«recolher da Psicoterapia na Medicina». Mas, poder­se­ia perguntar, porque é que 
o médico há­de estar mais apto a ajudar de modo adequado as pessoas a 
encontrarem o sentido da sua vida do que os psicólogos e assistentes sociais, 
muito mais profundamente treinados em problemas de personalidade e no tratamento 
de problemas sociais e culturais?

Por todas as razões mencionadas, parece­me pessoalmente como o mais favorável o 
trabalho em conjunto das três profissões de assistência, da maneira como hoje 
ela evolui na América, até que se tenha formado a disciplina parcelar da 
Psicoterapia.

Aquele que se interessar pelo problema da educação no sentido da Psicoterapia, 
encontra uma exposição magnífica e objectiva das questões decisivas e hoje 
discutidas numa monografia de Gertrude Blanck, há pouco editada.

Nos países em que se considera a Psicoterapia como um

campo da Medicina, separam­se rigorosamente a orientação e o

tratamento; a actividade do psicólogo limita­se à orientação, ao 
psicodiagnóstico e à actividade de investigação. A investigação que, por 
exemplo, o conhecido psicólogo inglês H. J. Eysenck considera como a principal 
contribuição da Psicologia para a

actividade principalmente prática do psiquiatra, revelou­se aliás enormemente 
fértil desde que se dedicou ao campo clínico. Tanto a visão da estrutura de 
doenças mentais, assim como a penetração em fenómenos outrora impenetráveis na 
terapia, foram essencialmente fomentadas através da investigação psicológica.

Muitos consideram, ao lado da investigação, o psicodiagnóstico mais ou menos 
como campo específico do psicólogo.
O diagnóstico especificamente psicológico apoia­se então principalmente em 
observações de testes e métodos de questionários. Os psiquiatras e psicólogos 
que se dedicam ao tratamento, acrescentam­lhe vulgarmente entrevistas orientadas 
diagnósticamente. Vamos em seguida estudar estes campos mais de perto.

4. PROBLEMAS E PROCESSOS DIAGNÓSTICOS
Em primeiro lugar: o que é, exactamente, um diagnó@,tico? Um diagnóstico é a 
identificação ou determinação exacta de uma
doença, com base nos sintomas ou características conhecidos para ela, assim como 
com base em verificações sobre a sua origem e

decurso. Um diagnóstico realiza­se na maioria das vezes na forma de uma 
classificação, identificando­se a doença com a ajuda de um determinado nome. 
Empregámos, em passagens anteriores deste livro, por exemplo o nome de 
«esquizofrenia», pelo qual se designa uma doença mental exactamente definida.

Características da personalidade normal

Aparecem problemas diagnósticos quando nos dirigimos àqueles campos­limite em 
que encontramos tantas pessoas com problemas na vida. Muitas delas ficam 
absolutamente «indignadas» quando alguém as designa de «neuróticas» ou 
«doentes». E na realidade o psiquiatra Szasz propôs que se deixasse de chamar 
«doentes» a pessoas com problemas na vida. E contudo estas pessoas não são 
realmente «normais».

Mas o que é normal? Logo que se começou a pôr esta questão em Psiquiatria, 
verificou­se que se podia definir doença mental, mas não normalidade psíquica. 
Durante muito tempo pensou­se que normalidade era simplesmente a ausência de 
doença. Mas a pouco e pouco reconheceu­se e verificou­se que a normalidade 
psíquica se tem de definir através de algumas características positivas.

Entre os diversos estudos que se ocuparam então com pormenor da questão da 
definição da normalidade psíquica, o mais conhecido passou a ser o de Marie 
Jahoda. Ela chega à conclusão de que pelos vistos se tem de considerar uma série 
de critérios diferentes, se se quiser definir adequadamente «normalidade 
psíquica» . Ela encontra sobretudo seis das características que são salientadas 
por diversos autores. Estas seis características principais da personalidade 
normal são as seguintes:

1 ­A pessoa normal tem uma posição adequada em relação a si própria; vê­se 
realistamente tal como é, e tem perante si própria uma atitude crítica, sem 
contudo deixar de ter consideração por si própria.

2 ­ A pessoa normal está interessada numa evolução interior adequada e na sua 
auto­realização. Quer aproveitar as suas melhores potencialidades.

3­A pessoa normal esforça­se pela unidade interior ou

integração das suas tendências. Não se deixa dilacerar por tendências que não 
são conciliáveis, mas procura resolver os seus conflitos.
4­A pessoa normal é uma pessoa autónoma; isto é, uma
pessoa que se determina a partir de si própria e não se torna dependente de 
outros.

5­A pessoa normal tem uma percepção adequada da rea

lidade tal como ela é; isto é, ela não se deixa influenciar por desejos e 
receios na sua apreensão do mundo exterior.

6­A pessoa normal é capaz de dominar as circunstâncias da sua vida. A isso 
pertence a capacidade de amar, a adequação do amor, trabalho e actividade 
lúdica, a adequação das relações interpessoais, a eficiência no tratamento das 
exigências de situações dadas, a capacidade de adaptação, a eficiência na 
solução de problemas.

A estes critérios principais da personalidade normal acrescenta­se, segundo a 
minha opinião, ainda um outro que me parece importante do ponto de vista da 
Psicoterapia. Trata­se da capacidade da pessoa normal de ter uma visão 
panorâmica da sua

vida na sua continuidade, enquanto que o neurótico muitas vezes esquece mais ou 
menos totalmente períodos completos da sua vida.

Erich Fromm, que no seu livro «A sociedade normal» definiu normalidade psíquica 
com critérios semelhantes aos precedentes, chama a atenção para o facto de esta 
interpretação coincidir totalmente com as normas que foram exigidas também pelos 
grandes mestres espirituais da humanidade.

E como se realiza então a apreensão diagnóstica da normalidade psíquica no 
sentido destes critérios e a da doença mental segundo os sintomas definidos pela 
Psiquiatria?

O processo diagnóstico

Tal como a apreensão, a observação diagnóstica pode ser

mais ou menos vasta. Pode, em caso de necessidade, limitar­se a

entrevistas ou pode incluir testes e observações sistemáticas.

No decorrer deste capítulo daremos um exemplo de um diagnóstico realizado em 
entrevista, em que a terapeuta se apoiou nos seus conhecimentos da dinâmica da 
doença, isto é, o caso
do tratamento da depressão da Senhora R. R., que foi orientado

a pela Dr. Hedda Bolgar.

E. Kuno Beller dá, numa obra acabada de publicar sobre o «processo clínico», uma 
visão extraordinàriamente completa sobre os métodos diagnósticos que se aplicam 
no Child Development Center, em Nova Iorque. Mencionamo­los brevemente como 
exemplo de um processo especialmente vasto.

Depois da apreensão muito pormenorizada, procede­se a testes fisiológicos e 
psicológicos, Aos resultados de testes, tanto
quantitativos como qualitativos, acrescenta­se, no caso das crianças, um estudo 
de observação de uma situação de jogo livre.

O diagnóstico realiza­se depois em duas fases. É por um lado descritivo, pelo 
outro classificador. Na parte descritiva procede­se segundo pontos de vista 
determinados, geralmente fixos. Segundo dados sobre a impressão geral que a 
criança produz, reúnem­se observações pormenorizadas sobre funções corporais e 
hábitos, sobre movimentos, emoções, percepções do ambiente, sobre o

pensamento, a linguagem, a fantasia, a auto­apreensão e as relações para com o 
ambiente humano e objectivo.

O diagnóstico classificador distingue entre perturbações psicogénicas, isto é, 
perturbações determinadas pela mente, graus intelectuais de debilidade mental e 
as chamadas perturbações de comportamento, determinadas orgânicamente e que são 
aque~ lãs que têm a sua origem em doenças do cérebro e do sistema nervoso.

Em quase toda a parte se utilizam hoje em dia testes psicodiagnósticos que são 
da especialidade e competência do psicólogo. Entendem­se por testes 
psícodiagnósticos tarefas que se poem aos que vão ser examinados. A maneira como 
se encaram e resolvem estas tarefas serve para lançar luz sobre a vida interior 
da pessoa testada. Só se reconhece e aplica uma série de tarefas como teste, 
quando estejam estandardizadas, isto é, tenham sido aplicadas a um grupo 
representativo e se tenham validado poi meios estatísticos.

Já falámos do conceito de teste no capítulo sobre a educação, e isso em conexão 
com os primeiros testes de inteligência, assim como dos testes de 
desenvolvimento e realização. Agora vamos

ocupar­nos principalmente de alguns testes diagnósticos particularmente 
importantes. A necessidade de uma escolha extremamente limitada torna­nos 
impossível dedicarmo­nos, mesmo só aproximadamente, a toda a plenitude dos 
magníficos métodos de teste que hoje temos à nossa disposição. Remetemos o 
leitor interessado para o «Manual do diagnóstico psicológico», extremamente 
pormenorizado, de Richard Meili.

Indicaremos muito brevemente que a apreensão da personalidade, de que se trata 
em primeira linha no diagnóstico psicológico, se pode realizar com a ajuda de 
métodos verbais e não verbais.

Testes verbais

Aos métodos verbais pertencem os questionários e outras técnicas de 
interrogatório pelas quais se podem obter informa­
ções sobre os mais diversos objectos através do paciente ou de outra pessoa de 
experiência (como se lhe chama).

É conhecido o questionário de personalidade Maudsley de H. J. Eysenck, em que se 
deve responder a 56 perguntas com um

sim ou não. Por exemplo:

Tenho por vezes tonturas                    Sim     Não Sinto­me fàcilmente 
ofendido                Sim     Não Preocupo­me com a minha saúde 
Sim     Não

Na América utiliza­se muito o Minnesota Multiphasic Inventory (MMPI) de J. C. 
McKinley e S. R. Hathaway, que consiste em mais de 500 cartões com perguntas 
parecidas que são ordenadas pelo paciente segundo responde afirmativa ou 
negativamente.

Métodos projectivos

Os métodos não­verbais partem do princípio de que as

pessoas interrogadas tenderão naturalmente a esconder as suas fraquezas e que, 
como Freud mostrou, não têm consciência das suas tendências mais profundas. Por 
isso, se apresentarmos a uma pessoa um material ao qual ela reage 
inconscientemente de maneira emocional, como acontece nos testes não­verbais, 
podemos esperar atingir mais profundamente o mundo afectivo e os verdadeiros 
motivos dessa pessoa. O facto sobre o qual nos apoiamos aqui ­e, como o revelam 
os êxitos, justíficadamentechama­se proíecção. Quer dizer, pode supor­se que o 
paciente, e

também qualquer outra pessoa, exprima ou projecte no material que lhe é 
apresentado o seu sentir e o seu pensamento.

Indicaremos como exemplo só alguns dos mais conhecidos dos muitos e excelentes 
métodos projectivos, como se chama a

estes testes.

O teste de Rorschach

O mais famoso e o mais usado de todos os testes é o teste inventado pelo suíço 
Hermann Rorschach, que tem o seu nome,
e ao qual o público muitas vezes dá o nome de teste das manchas de tinta. Na 
realidade trata­se no teste de Rorschach de dez cartões com manchas de tinta que 
se apresentam ao testado pedindo­lhe que diga o que lhe fazem recordar as partes 
ou o todo das figuras ­ assim como se podem ver objectos ou acontecimentos nas 
nuvens (Fig. 257 ­ As partes claras são vermelhas no original).
257 O quadro 11 do total de dez quadros do Teste de Rorschach, reproduzido 
diminuído. (De H. Rorschach Psychodiagnostik)

Eis o exemplo de um borrão e algumas reacções:

Glen, um jovem de 25 anos cujo caso

discutiremos mais adiante, dá as seguintes interpretações a este cartão (II):

. . . . . .. . . . .

Vejo duas pessoas que discutem enquanto jogam a um jogo de bater as mãos; têm 
chapéus vermelhos e casacos longos   e pretos de um tecido pesado.

2 ­ Se voltar o cartão veio um cão que tem uma peúga vermelha no focinho, a qual 
abana a brincar. Está diante de um espelho enquanto faz isso.

3 ­Duas pessoas que têm entre si em ambas as mãos qualquer coisa entre as mãos 
pela qual lutam. Lutam por um símbolo de poder. Nós vemo­los de trás.

4 ­ Voltado ao contrário: um foguetão a ser lançado. Ele é branco, e atrás sai 
fogo.

Aquele que não estiver habituado a testes e que ler isto, abanará a cabeça e 
perguntará o que se pode concluir de tais respostas. Isso não é à primeira vista 
visível, porque os sentimentos e as vivências indicados que se exprimem nas 
respostas dos testes só podem ser descobertos através da interpretação. Isto 
leva­nos ao factor da interpretação, tão fundamentalmente importante na 
Psicologia moderna e que temos de esclarecer em

poucas palavras.

As interpretações têm de ser utilizadas quando uma coisa não se exprime 
directamente, mas apenas indirectamente.

Isso acontece continuamente até na vida do dia­a­dia. Alguém diz uma coisa «por 
outras palavras», ou «dá­nos a entender uma coisa», quando não quer dizer 
directamente que algo o arrelia ou incomoda.
Enquanto que interpretações de ocultações conscientes são fàcilmente 
compreensíveis a todos, e enquanto que a maioria das pessoas são capazes de 
reconhecer e interpretar intenções e sentimentos que não se exprimem 
directamente, uma interpretação é difícil e não geralmente acessível quando se 
trata de material inconsciente. Aqui são necessários muitos conhecimentos sobre 
a vida psíquica humana, tal como só nos veio a proporcionar a

psicanálise de Freud. Freud descobriu que indicações indirectas e ocultações 
simbólicas são utilizadas por nó s com especial frequência quando uma vivência 
nos parece inaceitável ou insuportável.

O psicólogo tem de ter um grande treino na interpretação do sentido oculto no 
método, de maneira que ela esteja de acordo com aquilo que sabemos sobre as 
tendências básicas de tais ocultações. E mesmo então ainda se chega a uma falta 
de concordância pelo facto de por vezes serem possíveis diversas interpretações 
de uma vívência. E a razão está no facto de as vivências humanas serem 
complexas, e de se poder exprimir várias coisas acerca delas. E por isso uma 
determinada interpretação não tem de ser necessàriamente menos correcta do que 
uma outra, mas poderá trazer à luz apenas uma outra conexão da vivência de uma 
camada de personalidade mais ou menos profunda.

Na interpretação do Rorschach aplicam­se dois métodos diferentes. A 
interpretação do conteúdo destas respostas representa apenas uma parte e para 
muitos não a mais importante da valoração do teste. Não se pode estandardizar e 
tem um aspecto diferente segundo a orientação teórica do psicólogo que a 
realiza.

Eu própria concluo das quatro respostas de Glen, tiradas de um total de 49, que 
ele se encontra em grave conflito com

outra pessoa, no qual se trata de jogo, mas também de questões de poder. Talvez 
esteja em luta consigo próprio. O elemento lúdico exprime­se outra vez no 
comportamento do      cão. A ideia de uma acção poderosa que liberta 
explosivamente é     manifestada também pelo lançamento do foguetão.

Eu concluiria portanto que Glen tem dissensões e lutas internas, em que 
desempenham um papel importante questões de jogo, opondo­se ao desabrochar de 
forças. E isto é realmente o

caso, como veremos.

O Rorschach não serve em primeira linha para a interpretação de conteúdos de 
vida de um paciente, mas antes para a apreensão da estrutura da sua 
personalidade. Esta resulta de um

processo quantitativo por meio do qual se determinam e contam os momentos 
formais das reacções. Esta é a segunda técnica de valoração deste teste.
Os momentos formais assim obtidos foram indicados em parte já pelo próprio 
Rorschach. Desde a morte prematura de Rorschach diversos autores continuaram a 
trabalhar neste problema, tanto na Europa como na América. O sistema mais 
conhecido e difundido deve ser o de Bruno Klopfer, embora também gozem de 
popularidade os métodos de S. Beck e E. Bohm e eu própria tenha trabalhado numa 
estandardização com K. Bühler e W. D. Lefever. R. Meili dá também sobre isto uma 
óptima visão panorâmica.

Na representação quantitativa do chamado perfil­Rorschach, Glen revela­se como 
uma personalidade que se encontra em grave conflito entre grande frustração e a 
forte necessidade de se

submeter às exigências que se lhe impõem. A sua hipersensibilidade e insegurança 
interior contribuem para a sua angústia e

excessiva tensão. Ele tem uma grande fantasia e parece ser uma pessoa dotada, 
que não realiza as suas capacidades mas pensa segundo padrões e actua dentro de 
vias delineadas. Uma forte rebelião interior contra esta situação parece não 
levar a nada. Está cheio de agressividade e explosivídade, sem alcançar nada com 
isso, Sexualmente encontra­se imaturo e talvez inquieto por tendências 
homossexuais.

Duma maneira geral, oferece a imagem de uma personalidade tanto imatura como 
emocionalmente bastante perturbada.

A terapia que se seguiu como consequencia do estudo diagnóstico provou a 
exactidão da interpretação do teste de Rorschach, cuja utilidade consistiu em 
ter dado uma rápida visão do modo e grau de perturbação, e em ter preparado o 
terapeuta para aquilo que devia esperar.

O teste TAT

Um segundo teste que goza de extraordinária expansão, e que em certas 
orientações completa o teste de Rorschach, é o teste de apercepção temática, 
geralraente conhecido por TAT, criado por Henry A. Murray. Este teste genialmente 
concebido consiste em se apresentar ao testado um grande número de quadros 
(normalmente 10 a 12), perante os quais ele deve contar uma história. A 
perspicácia na invenção deste teste consiste no facto de as situações 
representadas nas imagens poderem ter vários sentidos e por isso poderem ser 
interpretadas por diversas pessoas de maneira diferente. A interpretação trai 
então a projecção que a

pessoa testada realizou. Eis um exemplo:
Na cena que reproduzimos na página seguinte, estão repre­
258 Uma das imagens do «Teste de Apercepção Temática», perante as quais o 
testado deve contar uma história. (De

Henry A. Murray, TAT­Test)

sentados uma mulher idosa

e um jovem numa posição que trai uma tensão qualquer entre eles.

Uma das histórias mais frequentes que este cartão provoca, é o desentendimento 
entre uma mãe e o seu filho. Vulgarmente o

f ilho é apreendido como o

transmissor de   uma notícia desagradável à  senhora idosã, como por exemplo a

participação de que sempre casará com a     jovem que o Ad    ela não aceita, 
ou de que

decidiu deixar a cidade para, por exemplo, aceitar uma colocação no estrangeiro.

Quando a pessoa testada quer evitar o conflito, o filho chega com uma notícia 
triste: tem de ir para a guerra, ou acabou de ouvir que o irmão morreu no 
estrangeiro. Neste caso não há tensão entre ambos, mas existe um luto comum aos 
dois.

Mas quando a pessoa testada tem uma posição de distância interior para com a 
própria mãe, neste relato o jovem não será o filho da senhora.

Esse é o caso de Glen. Ele entende que o transmissor da notícia não é o filho 
mas um amigo do filho. A esta distância acrescenta­se ainda uma certa crueldade 
contra a mãe, ao contar

que o amigo trazia a notícia inesperada e chocante da morte do filho. Assim 
exterioriza secretamente a sua posição inamistosa contra a mãe, e como muitas 
crianças que desejam estar mortas e depois gostariam de ver os pais a lamentá­
las, também ele goza de certo modo com o luto da mãe pela sua morte fictícia e, 
como

mais tarde contou, com o remorso dela por aquilo que ela lhe fez. Todos estes 
processos são naturalmente inconscientes à pessoa testada.

Tal como nos conteúdos do Rorschach, também no TAT os diferentes intérpretes dão 
diferentes interpretaçõ es, que contudo no total do processo servem para o 
terapeuta principalmente como sinais daquilo que se tem a esperar.
Mas, qualquer que seja a interpretação, o TAT é em todo o caso utilizado 
geralmente para conhecer as relaçõ es do paciente para com a sua família e para 
consigo próprio.

Projecção e Interpretação

Eysenck chamou a atenção para o facto de os métodos projectivos não serem testes 
«no sentido vulgar da palavra» e nem

sequer pretenderem ter em consideração os mecanismos de projecção determinados 
por Freud. Por esta razão quer que se ponha de parte a expressão «testes 
projectivos», que Lawrence K. Frank cunhou com tanta felicidade.

Contudo, o facto de os processos da projecção, assim como

de toda a dinâmica da vida psíquica, serem interpretados hoje por muitos de 
maneira diferente do próprio Freud, deve­se à evolução da neo­realização e das 
teorias da auto­realização (com o que em nada se dá um corte com a genialidade 
das ideias originárias de Freud). Esta evolução está apresentada no capítulo 
acerca da motivação.

Outros testes de personalidade

Uma vez que nos interessa essencialmente a explicação dos princípios utilizados 
nos testes de personalidade e não nos interessa uma visão completa, referiremos 
apenas de passagem que M

leili considera importantes, além do Rorschach e do TAT, o teste

de configuração de desenho de Wartegg, o teste Sceno de G. von Staabs, em que se 
tem de construir uma cena com a ajuda de figuras de bonecas articuladas, e o 
teste das pirâmides de cores

de Pfister e Heiss. Acerca do último, que, como diz o nome, consiste em 
pirâmides de cores, diz Heiss que ele dá uma visão da estrutura afectiva e dos 
seus problemas e que, em aplicações repetidas, é muito clucidativo para os 
processos psíquicos «normais» e «neuróticos». Contudo, o próprio Heiss é de 
opinião de que são o Rorschach e o TAT os processos decisivos do diagnóstico da 
personalidade. Na América, dos testes europeus o teste de quatro imagens de Van 
Lennep é mais conhecido do que os citados.

Métodos de testes para crianças
Para crianças, aos métodos citados acrescentam­se ainda outros. O jogo­
diagnóstico de bonecas ou jogo com outros brinquedos que pela primeira vez foi 
utilizado por Anna Freud e
Melanie Klein, é empregado em clínicas de orientação analítica para 
interpretações acerca de processos emocionais e relações familiares.

O jogo do mundo, pela primeira vez introduzido por Margaret Lõwenfeld e que 
consiste em objectos de miniatura tal como se

encontram no mundo ­casas, árvores, sebes, homens, animais, carros, etc.­ por 
mim estandardizado com a ajuda de M. van

Wylick, G. Kelly e outros, formando o teste do mundo, é hoje não raramente 
utilizado diagnósticamente. Revela os sentimentos que a criança tem para com o 
mundo exterior, se o vê limitado por sebes (proibições), se o vê caótico e 
perturbante, cheio de ordem e animado, se por medo evita as pessoas, se apreende 
o

mundo como sendo cheio de perigos ou se o seu mundo reflecte um vazio interior, 
e outras coisas mais (vide figs. 259­264).

A bateria de testes

O estudo psicodiagnóstico dos actuais psicólogos clínicos apoia­se, na grande 
maioria dos casos, não num teste só, mas em vários. Fala­se então duma bateria 
de testes. Uma tal bateria pode, segundo os problemas existentes, abranger um 
número maior de testes, sendo tomadas em consideração as informações que se 
completam, ou poderá consistir apenas em dois ou três testes. Como fundamento 
clássico de uma bateria suficiente, consideram­se hoje, dum modo geral e em toda 
a parte, especialmente três testes: o Rorschach, o TAT e o Teste de Inteligência 
de Wechsler, designado nos Estados Unidos da América também por Teste Wechsler­
Bellevue.

No teste de Wechsler trata­se de um teste moderno de inteligência que substituiu 
em grande medida o teste de Stanford­Binet, descrito no capítulo anterior, pelo 
facto de consistir apenas em dez tarefas em vez de um número muito maior, e por 
se ter revelado especialmente proveitoso chnicamente. E a razão para isso está 
no facto de Wechsler ter tido a ideia brilhante de alinhar e contrapor cinco 
testes puramente verbais a cinco testes de realização prática. E assim se 
ofereceu a possibilidade de comparar o nível da memória e pensamento verbal com 
as realizações da inteligência apoiadas principalmente na percepção e na 
actividade motora.

Esta comparação revelou­se especialmente auxiliadora em

casos de funções cerebrais com perturbações parciais.
O teste de Wechsler tem formas estandardizadas para adultos e crianças e foi 
aferido tanto para as condições americanas como
europeias, para a Europa Central por C. Bondy como teste de inteligência 
Wechsler Hamburgo (HAWIE para adultos; HAWIK para crianças).

O diagnóstico diacrítico

Com a ajuda de um trabalho integrador de Rorschach, TAT e Wechsler pode fazer­se 
duma maneira geral um diagnóstico diacrítico, isto é, um diagnóstico que 
possibilite uma decisão entre diversas doenças que entrem em consideração. Um 
exemplo de um diagnóstico dessa espécie foi­nos posto à disposição graças à 
amabilidade do Dr. Rogers H. Wright, psicólogo que exerce

clínica particularmente em Los Angeles. No diagnóstico diacrítico, aqui 
reproduzido resumidamente, tratava­se de distinguir as causas orgânico 
­neurológicas e funcional ­psicológicas de uma

incapacidade de leitura.

O paciente S. Y., um jovem de 23 anos, procurou um psiquiatra por causa das suas 
dificuldades conjugais e das suas grandes angústias e tensões. Durante a 
entrevista, o paciente mencionou de passagem que tinha uma «inibição 
psicológica» ao

ler e que desde os seus onze anos frequentara habitualmente conselheiros e 
psicoterapeutas. O psiquiatra achou isto estranho e mandou­o ao Dr. Wright a fim 
de que este o examinasse cuidadosamente.

O psicólogo quis primeiramente determinar quanto o paciente seria capaz de ler. 
Envergonhado e atrapalhado, este rapaz sério, limpo e de bom aspecto confessou 
então que na realidade nem sequer sabia ler e só sabia escrever o seu nome e 
algumas palavras. Interrogado como então pudera passar pela escola, 
inclusivamente a High School, o paciente explicou que aprendia de cor tudo o que 
ensinavam na escola, que os amigos lhe liam as

coisas dos livros e cadernos e que os professores, amigàvelmente, o examinavam 
oralmente em vez de o obrigarem a fazer as provas escritas, por causa da sua 
«inibição».

O Dr. Wright submeteu então o paciente a um exame geral de testes. A bateria de 
testes era constituída pelo teste de Wechsler­Bellevue, pelo teste da figura de 
Bender, pelo teste da casa, árvore e pessoa e pelo teste de Rorschach.

O teste de inteligência revelou que S. Y. possuía capacidades espirituais 
extraordinàriamente elevadas, isto é, que tinha um
Q. I. de mais de 130, mas que as oscilações entre realizações invulgarmente 
elevadas e até quase deficientes eram muito grandes.

No paciente dava especialmente na vista aquilo que desde Kurt GoIdstein se 
designa de «pensamento concreto», isto é, uma
239­264 O «Teste do Mundo», desenvolvido a partir do «Jogo do Mundo» está hoje 
internacionalmente divulgado, como nos mostram estes seis exemplos

259, O mundo cheio de perigos de uma rapariga inglesa de
17 anos. (Segundo

M. Lõwenfeld)

260 O mundo rico, formado a partir de pequenas unidades, de Dorli, de cinco 
anos. (De Viena, segundo M. van Wylick)

261 O mundo alinhado do débil mental DudIey. (De U. S.A., segundo Gay1e

Kelly)
262 O mundo rígido, rodeado de sebes, de Nancy, de oito anos. (De U. S. A., 
segundo C.

Bühler)

263 O mundo vazio de Erich, de nove anos. (De Inglaterra, segundo H. M.

Meyer)

264 O mundo caótico de um rapaz de treze anos, gravemente perturbado. (De 
França, segundo Roger Mucchieli)

34
incapacidade de realizar abstracções. Esta incapacidade é um

sintoma conhecido em determinadas lesões cerebrais. Estas lesões tornaram­se 
depois claramente reconhecíveis mediante alguns testes apoiados sobre a 
discriminação perceptível. O paciente tinha consciência desta incapacidade e 
disse frequentemente: «Eu sei como se tem de fazer isso, mas não sei porquê não 
sou capaz de o fazer». Resolvia muitos problemas mediante rodeios, mediante 
reflexões estranhas de que ele, pelos vistos, se apropriara.

Finalmente revelou­se uma enorme quebra da realização devido ao cansaço; este 
parecia invulgarmente grande.

No teste de Rorschach apareceram ffitidamente todos os

sinais característicos da existência de lesões cerebrais.

Do conjunto do material dos testes resultou que o paciente sofria de uma forma 
invulgar de lesão orgânica da capacidade de apreensão de símbolos, tal como se 
utilizam na leitura, escrita e pensamento. Era uma perturbação de tipo afasia, 
isto é, um

fenómeno parecido com as perturbações da linguagem causadas organicamente.

O paciente sensível reagia ao seu defeito, até agora não diagnosticado, como a 
uma inferioridade e tinha uma atitude destruidora, cheia de desprezo para 
consigo próprio. Ele considerava

o seu defeito como insuficiência sem esperança possível. Muitas das suas 
respostas ao Rorschach deixavam reconhecer que também tinha dúvidas acerca da 
sua total virilidade, o que ele compensava através de um comportamento 
agressivo.

O Dr. Wright chegou à conclusão que se deveria esclarecer totalmente o paciente 
sobre tudo o que respeitava ao seu defeito. Assim o fez, e propôs a S. Y. tomar 
parte num curso de aprendizagem para exercícios de percepções e formações 
conceptuais, tal

como se faz para crianças com lesões cerebrais. E ele seguiu esses

cursos simultâneamente com a assistência psicoterapêutica. Graças à sua alta 
inteligência, o paciente aprendeu em pouco tempo,

com a ajuda destes novos métodos, a ler e a escrever, e através da explicação do 
defeito assim como da psicoterapia adquiriu uma atitude muito melhor para 
consigo próprio.

Outro estudo diagnóstico

O resumo do estudo diagnóstico de um problema muito diferente dar­nos­á uma 
ideia do vasto âmbito da investigação psicológica actual. A observação para que 
amàvelmente me

chamou a atenção a Dr   a Hildegard Hiltmann diz respeito à veracidade de 
testemunho de uma rapariga de treze anos, e foi realizada por ingeborg Janssen 
no Instituto de Psicologia e Caracte­
rologia da Universidade de Friburgo i. Br. sob orientação do Prof. Dr. Robert 
Heiss. O ponto principal era neste caso a exploração, isto é, o diálogo 
diagnóstico do psicólogo com a pessoa que se pretendia observar.

Observou­se e ajuizou­se a veracidade de testemunho de uma rapariga de treze 
anos. Ela acusara de actividades imorais um homem até aí de porte 
irrepreensível. Quando da exploração psicológica, ela repetiu as declarações que 
já fizera quando do interrogatório policial.

Dos seus antecedentes sabe­se que a rapariga foi criada num

meio muito pernicioso e que já cometeu várias vezes roubos de dinheiro, que 
acabou por confessar só depois de negar vivamente.

A primeira vista a rapariga não dava a impressão de ser

pessoa em que alguém pudesse confiar, mas também não se lhe podia atribuir sem 
mais nem quê uma acusação falsa tão grave.

Durante a observação psicodiagnóstica rotineira provaram­se, como traços 
característicos, uma forte impulsividade e um grande desejo de se exibir. Além 
disso, revelou­se que o ressentimento e sede de vingança deviam ser considerados 
como móbil dos seus desvios de comportamento.

Com base no conhecimento do seu carácter e da sua maneira de ser, orientou­se 
depois a exploração de maneira a oferecerem­se à rapariga muitas oportunidades 
de exprimir­se acerca do seu conhecimento com o acusado e a ideia que ela dele 
fazia, e assim deixar livre curso aos seus sentimentos. No decorrer destas 
conversas ela revelou com visível emoção que ele uma vez a ofendera gravemente. 
Finalmente concordou e manteve­se firme na sua opinião úe que a sua acusação 
fora um acto de vingança pela ofensa outrora sofrida.

5. A ORIENTAÇÃO PSICOLóGICA

Embora, como já dissemos, a orientação e a terapia não se

devam separar rigorosamente e muitas vezes se justaponham, existem diferenças 
entre o processo orientador e o processo terapêutico, mesmo quando é o mesmo 
clínico que utiliza os dois.

Encontro a exposição mais clara das diferenças na «Psicologia Terapêutica» de L. 
M. Brammer e E. L. Shostrom, dois psicólogos dos quais um é especialmente 
orientador e o outro principalmente terapeuta.
Estes autores acentuam como características da orientação o facto de ela se 
ocupar essencialmente de problemas conscientes, determinados por certas 
situações da vida, e que o orientado
aprende a resolver melhor, experimentando por parte do orientador uma grande 
ajuda e apoio emocional.

A característica da terapia orienta­se pelo contrário ­e isto é válido em grande 
medida, e é independente do sistema específico utilizado pelo terapeuta­ mais em 
relação aos conflitos inconscientes de alguém atingido por graves perturbações 
emocionais. O apoio por parte do terapeuta limita­se a determinados aspectos. O 
ponto central está no tratamento em profundidade

com a finalidade de uma reestruturação total ou parcial da personalidade.

Vamos explicá­lo por palavras simples, servindo­nos de um exemplo.

O senhor e a senhora Braun dirigem­se à orientação psicológica porque têm 
dificuldades com a filha de catorze anos.

Hanna é a mais velha de duas irmãs e nos últimos dois anos tornou­se rebelde e 
de difícil trato. Os problemas que põe é que ela já não quer fazer como 
antigamente os deveres da escola e os trabalhos domésticos e em vez disso passa 
horas com as amigas fora de casa, senta­se ao telefone ou ao espelho e 
interessa­se mais por toda a espécie de ninharias e conversas do que por 
qualquer coisa séria. Anda muito entusiasmada por dois rapazes que a levam ao 
cinema, recusando­se a ir à igreja com a família, porque de momento está cheia 
de dúvidas. Desistiu quase totalmente de tocar piano; a professora está tão 
desiludida com isso

como os pais.

Neste caso típico de orientação educacional o psicólogo competente e 
experimentado tentará primeiramente determinar mais exactamente o grau de 
gravidade da situaçã o. Com exactidão, do que se trata aqui? Tratar­se­á 
principalmente daquelas dificuldades tão frequentes que vemos desenvolverem­se 
entre pais e filhos no início da puberdade? Tratar­se­á de pais um pouco 
caturras que ligam muita importância ao dever, e de uma filha outrora dócil e 
que de repente descobriu que há coisas mais divertidas do que lavar a loiça, 
engomar blusas e fazer os deveres da escola? Que ao fim e ao cabo também temos 
uma vontade própria e não somos obrigados a fazer sempre aquilo que exigem de 
nós? Ou existem aqui problemas mais profundos?

Quando empregamos a palavra profundo, que já utilizámos muitas vezes, ela 
refere­se às motivações e às emoções que são próprias de determinadas vivências. 
Camadas profundas são, desde Freud, os campos interiores inacessíveis à 
consciência, em
que se acumulam as vivências por um lado pré­conscientes, e por outro lado 
recalcadas. As vivências são recalcadas, como já ouvi­
mos atrás, quando são inaceitáveis ou vêm carregadas de demasiados sentimentos 
de culpa.

No caso da Família Braun os problemas «mais profundos» poderiam consistir em 
várias coisas: poder­se­ia tratar de pais que não querem confessar a si próprios 
que pretendem demasiado dos filhos, exigindo deles a perfeição; ou então que 
querem provar qualquer coisa com a sua rispidez, como por exemplo a

sua autoridade ou a sua adesão a princípios conservativos. E também poderia ser 
que a mãe e o pai tivessem motivos diferentes: talvez o pai seja um tirano e a 
mãe desespere no seu trato com os filhos.

Hanna, por outro lado, poderia ter caído no extremo oposto da sua antiga 
docilidade por razões profundas. Talvez que anteriormente não tivesse ousado 
rebelar­se e tenha acumulado um ressentimento a que agora dá livre curso. Talvez 
que ela, que «adorava» o pai ­como se viu através do diálogo­ tivesse 
desenvolvido a pouco e pouco forte ciúme contra a mãe.

Desde o início que é bastante certo que não se trata de complicações muito 
profundas, como por exemplo de um ódio prof undo entre pais e f ilhos.

Por outro lado parece que existe mais qualquer coisa do que as usuais 
dificuldades da puberdade, porque nesse caso a senhora Braun ter­se­ia 
simplesmente aconselhado com a vizinha, a senhora ScImeider, pois Hanna é amiga 
íntima da filha desta.

A própria Hanna conta à orientadora durante a entrevista que realmente ama 
profundamente os pais, adora o pai, mas que estes têm concepções totalmente 
desactualizadas e que o pai tende a tiranizar os membros da sua família, também 
a mulher. Que ele era vaidoso e pretendia que lhe dessem sempre razão e o 
admirassem. A mãe, por sua vez, diz Hanna, nunca a compreendera, embora tivesse 
boas intenções. Além disso, a mãe tem um pouco de inveja de Hanna por esta se 
divertir tanto, enquanto que ela própria teve uma juventude séria e nada feliz. 
Hanna acha de si própria que não é diferente das amigas. Com o tempo havia de 
lhe vir outra vez mais vontade de trabalhar. <@Isso com a igreja», dizia 
respeito ao facto de ela não querer ser hipócrita, porque de momento não pode 
acreditar em nada; além disso, o

pai, que tanta importância dá ao assunto, no outro dia, quando ela finalmente 
tinha acedido em ir à igreja, adormecera imediatamente no começo do sermão. 
Portanto qual é, na realidade, a

autenticidade da sua fé religiosa? E com o piano, o facto é que ela não tem 
talento nem vontade; tudo isso é, aos seus olhos, apenas desperdício de tempo...
Segundo tudo isto, Hanna não parece estar envolvida em

profundos ressentimentos. Apesar disso, a situação necessita de um tratamento um 
pouco mais completo, para dar aos pais mais compreensão para com as necessidades 
de independência da puberdade e a sua expressão na época actual, e em relação à 
filha terá de se penetrar um pouco mais profundamente nos motivos do seu 
comportamento um tanto ou quanto demonstrativo e proporcionar­lhe uma 
autocompreensão mais profunda.

No caso presente, tal como noutros casos, é justamente a

aquisição desta compreensão de si próprio que constitui um dos principais fins 
de toda a orientação e terapia. O aumento do reconhecimento da importância que 
tem o conhecimento de si próprio para que se possa levar uma vida satisfatória, 
fez com que a instituição se expandisse cada vez mais.

Além dos ramos de orientação que mencionámos no capítulo anterior, e que estão 
relacionados com a escola e a profissão, existem hoje em dia centros de 
orientação para o ensino, problemas familiares e sexuais, matrimoniais e de 
divórcio, para os

problemas dos idosos, dos alcoólicos, toxicómanos e suas famílias, assim como 
outras coisas mais.

Ao lado da orientação educacional, deve ser a orientação matrimonial hoje em dia 
a mais difundida. Vamos servir­nos de um exemplo relativamente simples tirado de 
um compêndio de orientação matrimonial que foi editado por E. H. Mudd, M. J. 
Karpf, A. Stone e F. Nelson para a «União Americana dos Orientadores 
Matrimoniais».

O problema de que se tratava no caso de Miss Winston, de
25 anos, e do seu noivo, Mr. Evans, de 30 anos, consistid nas

súbitas dúvidas e receios da noiva no que respeitava ao casamento, que o seu 
noivo, por outro lado   knão queria adiar m@ais. Os receios de Miss W. eram 
pouco claros    ,e ela assegurava que ambos se amavam muito um ao outro. Apesar 
disso, o psicólogo orientador teve a impressão que ela queria adiar o projecto 
de casamento ou até que o queria ver anulado.

Os seus motivos principais eram ­ao lado de outros menos importantes­ o facto de 
ela e o seu noivo não se entenderem suficientemente bem, e ainda mais o facto de 
não querer separar­se da família e ir viver para uma cidade grande. E ainda se
mostrava preocupada com o problema de se as suas relações sexuais iriam decorrer 
bem, pois nenhum dos dois tinha experiência nesse domínio.

O orientador diagnosticou o problema aqui posto baseando­se em observações de 
entrevista, não como um problema neurótico mais profundamente fundamentado, mas 
como um problema
agudo determinado pela situação, e que ele achou apropriado ser tratado ao nível 
de uma orientação consciente.

Miss W. e Mr. E. provinham ambos de famílias conservadoras da classe média, 
tinham uma excelente educaçã o mas ambos frequentaram Colleges não mistos. Daí 
terem menos experiências de convívio com o sexo oposto do que a média dos 
americanos. Mr. E. era engenheiro, Miss W. tinha estudado jornalismo e

colaborava na edição de um suplemento feminino de um jornal local. Ela estava 
disposta a desistir da sua carreira em proveito do matrimónio e da família, que 
lhe pareciam mais importantes; e por isso queria ter tanto mais segurança do 
êxito do seu casamento.

O orientador achou que Miss W., apesar da sua independência profissional, 
dependia demasiado da sua família, e especialmente do pai. Ligava­a a ele uma 
relação de compreensão mútua, que explicava a sua preocupação no que respeitava 
o seu entendimento com o seu noivo um pouco rígido e socialmente inexperíente.

Em entrevistas inicialmente separadas, e mais tarde comuns, o orientador 
conseguiu levar os dois noivos a uma esclarecedora autocompreensão e compreensão 
mútua, e a uma abertura mútua que terminou por fim num matrimónio 
extraordinàriamente feliz.

O caso exposto aqui muito brevemente foi por nós escolhido por deixar entrever 
de modo especialmente claro o carácter do caso legítimo de orientação.

Assim como o caso de Hanna representa essencialmente um

problema de puberdade, o caso destes noivos mostra igualmente um problema agudo 
proveniente da decisã o de casamento entre dois parceiros inexperientes na 
compreensão com o outro sexo e

emocionalmente um pouco imaturos.

Um terceiro caso, que nos foi amàvelmente comunicado por Maurice J. Karpf da sua 
extensa prática de orientador matrimonial, mostra­nos o orientador chamado a uma 
situação crónicamente complicada. A possibilidade de a levar a uma solução 
favorável apenas com a ajuda da orientação, sem entrar na psicoterapia, resultou 
em conexão com duas circunstâncias favoráveis que vieram auxiliar o orientador.

Mrs. A., filha de um homem de negócios, estava casada há seis anos com um jovem 
que tornou a pouco e pouco desagradável o seu matrimónio de início aparentemente 
feliz, pelo facto de cada vez se dedicar mais exclusivamente ao seu trabalho. Em 
consequência da sua competência passou a ser sócio do sogro, mas na sua entrega 
ao trabalho descuidava a mulher e o filho,
a convivência e, devido ao cansaço crescente, também a vida sexual que 
inicialmente os satisfazia.

Quando finalmente se declarou disposto a dirigir­se à orientação matrimonial, 
durante muito tempo Mr. A. recusou­se a

reconhecer o que havia de errado no seu modo de vida. O orientador era de 
opinião que neste jovem não se tratava de um caso de compulsividade neurótica, 
mas de exagerada diligência assim como de imaturidade na sua posição perante os 
valores da vida. A sua discussão destes aspectos foi ajudada pela circunstância 
de o sogro estar disposto a pôr mais pessoal à disposição do genro, com o que 
Mr. A. f icaria com mais tempo livre.

Mas a situação complicara­se pelo facto de a jovem senhora entretanto se ter 
lançado numa aventura que significava mais para ela do que inicialmente 
supusera. Ao que parece, quando se dirigiu ao orientador não tinha ideias claras 
sobre quanto lhe haveria de custar mais tarde dedicar­se inteiramente e 
totalmente ao seu matrimónio, para o qual ela pretendia recuperar o marido.

Também aqui foi um acontecimento exterior que ajudou à solução feliz. Mrs. A. 
receou de repente ter engravidado do amante. Também, reconheceu ela finalmente, 
fora imatura e, a

brincar, não considerara as possíveis consequências do seu comportamento. O 
assustado despertar para a realidade levou­a a romper imediatamente a sua 
relação amorosa e a regressar inteiramente para um matrimónio que era realmente 
aquilo que ela queria e agora tornava ambos felizes.

6. PSICOTERAPIA

Sob o ponto de vista daquilo que a moderna Psicologia pode dar aos homens para o 
melhor êxito da sua vida, são de especial significado dois temas do nosso livro. 
Em primeiro lugar é a

apresentação da estrutura do decorrer de vida normal, corno o

fizemos mais atrás, e em segundo lugar a demonstração do papel fundamental da 
psicoterapia, partindo do princípio de que esta é manejada com a correspondente 
compreensão para os problemas da vida. Desta exigê ncia falámos já no início 
deste capítulo.

A posição privilegiada da psicoterapia no âmbito da auto­educação e autoformação 
bem entendidas de uma pessoa moderna é também a única justificação de querermos 
tentar transmitir em poucas páginas uma ideia dentro do possível concreta deste 
campo enormemente extenso.

Para darmos vida às parcas observações teóricas a que nos ternos de restringir, 
vamos apresentar três casos e depois exem­
plos de diálogos e descrições de técnicas. As contribuições que devo a alguns 
colegas amigos estão ordenadas de tal maneira que exprimem a diversidade da 
problemática e metódica.

O que é a psicoterapia

Jerome Frank, que há pouco se ocupou intensivamente com

a questão do que se passava realmente na Psicoterapia, dá como introdução uma 
definição do processo que talvez se possa considerar como sendo a mais vasta 
abrangendo todas as espécies de terapia. A Psicoterapia, diz Frank, é um 
processo destinado a

aumentar a sensação de bem­estar de uma pessoa, e isso por meio da intervenção 
de um terapeuta experimentado, oficialmente autorizado, que em encontros 
sistemàticamente organizados realiza certas modificações salutares nos 
sentimentos, ideias e modos de comportamento do paciente que procura auxílio.

As perguntas que se põem a seguir são em primeiro lugar como o terapeuta provoca 
nos casos particulares estas modificações, e em segundo lugar o que, visto 
exactamente, está incluído nestas modificações, ou o que é que elas abrangem.

Infelizmente ainda não existe por enquanto unanimidade nenhuma na resposta a 
estas perguntas fundamentais.

Tentando colocar no denominador mais simples as concepções mais aceites destes 
complicados processos, mencionamos como factores mais importantes da 
Psicoterapia os seguintes:

a) A relação entre terapeutas e pacientes (para simplificar, propomos neste 
capítulo falar de T. e P.);

b) As declarações do paciente; c) As intervenções do terapeuta; d) A finalidade 
do processo; e) O resultado do processo.

a ) A relação entre terapeuta e paciente

Todos os terapeutas consideram extraordinàriamente importante a relação entre T. 
e P., embora a apreendam de maneira diferente. A teoria originária de Freud era 
que para um tratamento coroack) de êxito tinha uma importância decisiva uma

chamada neurose de transferência. E com isso quer dizer que o
paciente tem de atravessar um período em que transfere para o terapeuta todos os 
sentimentos de amor e ódio que sentia para com os pais. Freud considerava isto 
como o pressuposto da autolibertação do paciente de todos os sentimentos que o 
impe­
diam numa evolução normal; ele via como fundamento essencial da neurose o 
desgaste interior feito através de tais sentimentos não trabalhados.

O método da neurose de transferência é principalmente utilizado apenas por 
psicanalistas. O facto, ao qual Freud foi o primeiro a dar valor, de as relações 
passadas para com os pais terem importância até ao presente, e não só em 
pacientes mas na maioria das pessoas, e de terem importância também nas relações 
para com o terapeuta, é reconhecido por todos, mas não utilizado por todos os 
terapeutas como factor dinâmico decisivo.

Carl Rogers, por exemplo, um dos terapeutas mais considerados, cujo método 
próprio mais tarde ainda viremos a conhecer, representa neste aspecto o extremo 
oposto de Freud. Ele acentua que a relação de auxílio, como ele lhe chama, actua 
muito mais através das atitudes e sentimentos do terapeuta do que através de 
técnicas e modos de proceder que este aplica. Ele diz que a relação se baseia 
no facto de o P. ter a impressão de o T. ser digno de confiança, suficientemente 
dotado de compaixão, cordial e atencioso, amoroso e interessado, de ser em si 
suficientemente estável, ser suficientemente compreensivo no que respeita a 
sentimentos ocultos, suficientemente sensível para não ajuizar nem condenar.

Isto é, Rogers vê a eficiência da relação terapêutica como partindo da 
personalidade do terapeuta, tal como é e como consegue identificar­se com o 
paciente. Freud, pelo contrário, ve a eficiência no facto de o terapeuta saber 
deixar o paciente transferir para ele o papel dos pais.

Com a sua doutrina do papel decisivo da relação entre T. e

P. continua Rogers uma tradição que começou com Ferenczi, Rank e Sullivan. Otto 
Rank, um dos mais importantes discípulos de Freud, e cuja doutrina foi exposta 
num excelente livrinho por Fay Karpf, goza actualmente de um aumento de atenção, 
uma

vez que acentua a libertação de forças criadoras através da terapia, no sentido 
do nosso pensamento actual. Esta ideia é também a de Rogers.

Àquele que alguma vez trabalhou terapêuticamente parecerá mais adequado, segundo 
o caso, uma relação de transferência

ou uma «relação de auxílio».

Existem mesmo ainda outras variantes de relações de efeito dinâmico que vamos 
ilustrar com os casos com que contribuíram os Doutores Hedda Bolgar e Franz 
Alexander. Na realidade a Dr    a
Hedda Bolgar mencionou que trata os diversos casos de maneira diferente, uma 
verificação que eu quereria corroborar bascan­
do­me na experiência própria. Decisiva é por certo a capacidade do terapeuta de 
realizar com o seu paciente a relação pessoal mais eficiente para cada caso.

b) As declarações dó paciente

O paciente ­ quem é o paciente? Quem se dirige à psicoterapia e sobre que vem 
falar?

Talvez convenha determo­nos um momento e perguntarmos: Quem deveria dirigir­se à 
psicoterapia? Num encantador artigo no «Los Angeles Times» conta­nos William 
Merminger, um dos dois irmãos que fundaram a famosa clínica Merminger, em Kansas 
‘o que, como psiquiatra, gostaria de saber acerca de uma pessoa. O que se 
pretende com este interrogatório é um inventário curto e popular de ideias e 
modos de comportamento que lhe mostrariam qual o estado de saúde emocional de 
uma pessoa.

Muitas pessoas, diz Menninger, acreditam, como ele próprio, na necessidade de 
observações físicas regulares feitas pelo seu médico assistente. Ele próprio 
acredita também na necessidade de observações no que respeita as emoções.

Todos, continua Menninger, deveriam por vezes, talvez uma

vez por ano, arranjar tempo para se esclarecerem sobre para onde vão, o que é 
para eles importante e quais são as suas intenções e as suas finalidades.

Menninger defende que se deve acreditar em qualquer coisa que se considere a 
vocação própria e pela qual se lute. Mas é igualmente importante para a saúde 
emocional que se façam férias do trabalho. E também se deveria ter alguns 
«hobbys» eles enriquecem a vida.

Nas observações de Menninger respeitantes à saúde emocional está em primeiro 
lugar a pergunta acerca das relações pessoais: de que espécie são, qual a sua 
constância e de quem gostas e porquê?

Em segundo lugar quer saber como se comporta alguém numa situação difícil: se 
fica furioso, se tem medo, ou como domina de outra maneira a realidade.

Em terceiro lugar interessa­lhe saber até que ponto nos

entregamos construtiva e criadoramente tanto a pessoas e ideias como a coisas.

Um ponto seguinte é como conseguimos aceitar frustrações. Menninger quer saber 
em seguida até que ponto se está livre de angústia e tensão. Todos, diz ele, têm 
naturalmente certos períodos de angústia e tensão. Mas quem nunca sai da 
angústia e tensão está doente.
E, por f im, o principal é a coragem de se ver a si próprio tal como se é. E 
isto é, naturalmente, o mais difícil. Isto, é reconhecer perante si próprio 
quando se necessita de auxílio.

Neste ver­se a si próprio parece­me ser importante ainda uma coisa, que eu 
quereria acrescentar no sentido das nossas observações anteriores: reconhecer se 
se tem liberdade interior ou não.

Eu creio que constitui uma experiencia de todos os terapeutas o facto de as 
pessoas interiormente menos livres que eles encontram serem as que acentuam 
sempre mais fortemente quão normais são, e que elas em todo o caso não 
necessitam de nenhuma espécie de auxílio terapêutico. Para dizer com toda a 
franqueza, creio que todos podem necessitar alguma vez na vida daquilo que a 
moderna assistência terapêutica hoje tem para oferecer, pelo menos como 
orientação para se ver como é. Por esta razão, vou propor no meu último capítulo 
a introdução da terapia de grupo para os últimos anos das escolas superiores, 
assim como de escolas complementares e escolas profissionais.

O «paciente» de que vamos sobretudo aqui falar, não é portanto necessàriamente 
uma pessoa totalmente fracassada. É antes alguém que procura conselho e ajuda em 
problemas da vida que não consegue resolver suficientemente bem. Mas se lhe 
aconselham a terapia e não a orientação psicológica, ele é, no sentido das 
observações que fizemos até agora, uma pessoa que é impedida por conflitos 
profundos inconscientes de adoptar racionalmente uma solução de vida que se lhe 
proponha. Há qualquer coisa que o impede, e este impedimento pode ser de 
profundidade e amplitude diversas.

Se Mrs. R. R., cujo caso será descrito mais adiante pela Dr aBolgar (vide pág. 
550), uma senhora que até há pouco conseguira dominar uma vida cheia de 
privações emocionais e que agora, perante uma quantidade de dificuldades que 
recentemente desabam sobre ela, parece sucumbir de repente; se Glen, o jovem de 
25 anos de cujos problemas demos uma rápida visão e cuja história ouviremos mais 
adiante (vide pág. 541), estava bastante satisfeito com a sua conduta de vida 
até agora sem finalidade, mas agora se encontra profundamente inquieto ­então 
estes dois necessitam viAvelmente de uma investigação mais profunda daquilo de 
que se trata realmente no caso dos seus problemas.

E realmente aquilo de que primeiro necessitam é de um

desabafo. Este desabafo, que se realiza nas sessões de alguns dias, semanas, 
meses ou até em certas ocasiões durante anos, é o que constituí o cerne da 
terapia.
Mas claro que todos conhecemos quão benéficos são os desabafos, mesmo sem 
terapia. Não há nada mais calmante para o ânimo excitado do que poder desabafar 
junto de um amigo ou de um cônjuge compreensivo acerca de qualquer desgraça ou

desilusão que se sofreu.

A Igreja Católica deu relevo, para além do valor benéfico do desabafo, também na 
confissão ao factor do remorso, da penitência e descarregamento da culpa como 
importante para a consolação e a recuperação da liberdade interior.

Freud viu por algum tempo no desabafo a parte mais importante do processo de 
cura. Mas em breve chegou à conclusão que a catarsis como tal, palavra grega com 
que ele designou o processo de purificação interior conseguido mediante o 
desabafo, não origina nenhuma cura.

Teve depois a ideia das chamadas associações livres; isto é, motivava os seus 
pacientes a apresentar qualquer coisa que lhes passasse pela cabeça. Com este 
processo introduziu uma técnica que era bem mais complicada do que o desabafar, 
porque nestas associações ou ideias aparecia material não relacionado que ele 
reconheceu e utilizou como tópicos de camadas profundas de problemas, e 
orientadores para elas.

Com «utilizar» quer­se dizer o emprego de interpretações, com que ligava estas 
ideias. E com isso dá­se então muito mais do que um escutar cheio de 
compreensão. Com isso entrou em jogo uma intervenção activa por parte do 
terapeuta e da qual ouviremos mais no capítulo seguinte.

Mas assinalemos já neste ponto que há tanto analistas como

também outros terapeutas que se limitam em grande medida a

escutar, sendo de opinião de que é o próprio paciente que vai elaborando uma 
compreensão mais profunda dos seus problemas.

Foi Carl Rogers que mais decididamente defendeu esta opinião. É a ele que cabe o 
mérito de, entre os psicólogos, ter sido o primeiro a elaborar uma teoria da 
psicoterapia autónoma e

fundamentada numa nova base de ideias e além disso de a ter também observado em 
estudos empíricos.

No seu processo originàriamente denominado de método não­directivo, partia 
Rogers da opinião de que, devido à necessidade inata em todas as pessoas de 
crescer e ser normal, também todas as pessoas estão em condições de superar os 
seus problemas independentemente e chegar a uma clarificação interior 
encontrando­se a si próprias. Ele acreditava que o paciente não necessita de 
outro auxílio do que o que lhe é conferido pelo escutar compassivo, 
amigàvelmente intencionado e atento por parte do terapeuta.
Rogers foi o primeiro terapeuta a gravar todas as comunicações faladas durante 
as horas de terapia, dando assim a outros colegas a ocasião de estudar com ele o 
fenómeno até então inacessível, Este processo científico ousado abriu uma fase 
totalmente nova na história da Psicoterapia, que até essa altura tinha sido uma 
espécie de ciência oculta. Graças ao método de Rogers, todos os terapeutas se 
encontram hoje em condições de comparar diversas técnicas com a sua própria e de 
discutir acerca delas servindo­se de elementos empíricos.

O próprio Rogers aprendeu, contudo, das suas experiências que só em 
circunstâncias especialmente favoráveis o paciente chegará a uma autocompreensão 
suficiente sem qualquer contríbuição do terapeuta. Hoje utiliza na sua relação 
de auxílio o método de perguntas que lança e que são apropriadas para 
desenvolver a descoberta do awareness do paciente. E com isso introduziu também 
o princípio da intervenção até um certo grau.

c) A intervenção do terapeuta

A intervenção do terapeuta pode realizar­se de maneira muito diferente; 
representa, segundo a experiência, convicção e personalidade do terapeuta, um 
processo que varia em muitos sentidos. Por outras palavras: a espécie de 
intervenção constitui realmente a diferença principal entre as diferentes 
possibilidades da terapia.

Primeiramente, a intervenção significa, em oposição ao processo de escuta 
puramente passivo, um processo nitidamente activo. Em princípio esta actividade 
pode servir para o esclarecimento, fomento, clarificação do passado e presente 
do paciente, ou pode ocupar­se com a nova orientação e finalidade para o

futuro do paciente.

Não pode ser nossa missão aqui entrar em pormenores técnicos dos princípios que 
regem as intervenções das diversas escolas terapêuticas, mas vamos dar 
resumidamente algumas ideias principais.

A exploração analítica

A técnica de intervenção mais importante é a interpretação introduzida por 
Freud, que aliás hoje já não é utilizada geralmente da maneira em que Freud a 
concebeu.

Como já dissemos ao discutir os testes projectivos, as interpretações aplicadas 
na Psicologia consistem em interpretações de
acções e vivências. O terapeuta está interessado especialmente nos motivos e 
sentimentos dos seus pacientes e que estes não lhe traem directamente.

A pergunta é: Porque são sobretudo as interpretações que podein ocasionar uma 
transformação profunda numa pessoa e como se realiza esta transformação?

A resposta breve a esta complicada pergunta acerca de um dos processos mais 
complexos e específicos de que ternos conhecimento, é a seguinte:

A pessoa que sofre e que foi roubada na sua liberdade por qualquer angústia, 
complexos de culpa, compulsão ou ideias falsas, pode experimentar uma 
transformação se chegar até às origens emocionais dos seus sofrimentos com o 
auxílio de um terapeuta, nas interpretações descobertas por ambos. Segundo as 
circunstâncias, isto pode acontecer repentinamente e de uma só vez ou então ­e 
isso é o caso mais frequente ­ a pouco e pouco e gradualmente. Um exemplo 
ilustrará o que acabamos de dizer:

Glen, um jovem de 25 anos, encontra­se em dificuldades e

está cheio de rebelião em relação a problemas da sua profissão. Ele defende a 
opinião que a pressão sob a qual a sociedade mantém o indivíduo é totalmente 
injusta. O tempo de trabalho obrigatório na oficina em que trabalha, os exames 
prescritos na

universidade que ele frequenta como aluno voluntário ­tudo isso o indigna. Ele 
acha que deveria ter o direito de desenvolver o seu talento como pintor sem ser 
criticado por todos os lados e sem ouvir que se tem de ganhar dinheiro e ficar 
aprovado nos exames prescritos. Toda esta pressão já o indignava na escola e de 
momento encontra­se em tal estado de rebelião que está prestes a ir­se embora e 
fixar­se numa ilha dos mares do sul.

Quando lhe perguntaram porque o não fazia, mas viera para a terapia, respondeu 
Glen que pensava que qualquer coisa nele não devia estar em ordem, uma vez que 
a maioria das pessoas que ele conhecia não partilhava da sua opi  .ni.ao.

E dentro de poucas semanas vê claramente que reage contra
* autoridade da sociedade tal como o fizera desde sempre contra
* autoridade da mãe. Parecia­lhe tão injustificada uma como a outra. Conta 
apaixonadamente a maneira iníustificada e insensata como a mãe exercia a sua 
autoridade. Indignado conta como ele acumulava castigo sobre castigo quando, em 
rapazinho pequeno, não cumpri  .a os seus diversos deveres tal como ela o 
exigia: nã o pendurava os seus fatos, não mantinha as coisas em ordem, não fazia 
os deveres da escola ou não ajudava a limpar a loiça. O seu
castigo consistia em não o deixar sair durante um certo tempo
nem brincar lá fora com os amigos. E visto ele permanecer numa

posição teimosa, a mãe aumentava as horas de castigo até atingirem «números 
astronómicos», como ele se exprimia. Ela prolongava durante semanas os castigos 
não redimidos e nunca

pareceu ver que o seu método era perfeitamente falhado e fazia com que o filho 
se tornasse cada vez mais teimoso.

E o que fazia durante todo esse tempo o pai de Glen? Ah, o

pai tinha uma concepção de vida totalmente diferente. Sempre amável e bem 
disposto, levava a vida sem grandes complicações e na maioria das vezes não 
estava presente quando a mãe de Glen tinha as suas discussõ es com o filho. Mas 
quando Glen pedia apoio ao pai, este declarava que Glen tinha de obedecer à mãe. 
Não se intrometia absolutamente nada nas questões de educação e castigos.

«E portanto o resultado de toda esta disciplina é que eu

hoje sou uma pessoa absolutamente indisciplinada».

«Mas parece», respondi eu, «que isso de certa maneira não lhe parece bem».

«Pois é», disse ele, «isso é que é estranho. Eu rebelo­me. contra a sociedade 
tal como contra a minha mãe quando ela me

impunha disciplina, mas por outro lado penso que se deveria ter uma disciplina 
qualquer.»

Mas para quê, se ele só queria fazer o que lhe dava prazer? A pouco e pouco, no 
decorrer de vários meses, Glen descobriu o que o perturbava. Arreliava­o, 
maçava­o e com o decorrer das semanas deprimia­o, e ele começou a sentir mais 
profundamente que na realidade não era capaz de criar algo que pudesse respeitar 
e admirar como uma tarefa realizada. Não fazia nada além de quinquilharias, nada 
para o que pudesse olhar com orgulho como obra ou acção sua.

Que maneira de viver tão sem sentido! Deveria haver alguma coisa que ele pudesse 
realizar realmente. E ele tinha para consigo próprio a dívida de fazer o melhor 
de si próprio. A expectativa e esperança na prova dum talento era uma forma de 
auto­engano, pois se o possuísse ele ter­se­ia revelado certamente muito mais 
intensamente. Numa nítida identificação com o pai, quisera desenvolver e levar 
ao êxito e à glória o «hobby» artístico deste, sem
que na realidade houvesse qualquer fundamento para isso.

Quando chegou a este ponto, e a terapeuta lhe perguntou se

isso ainda se relacionava com a mãe, ele viu com repentina clareza o que 
acontecera. Fazer o melhor de si próprio era o seu desejo próprio e a missão que 
se pusera a si próprio. Já não tinha nada a ver com autoridades. Ele via claro 
que a sua identificação de tarefas com aquilo que exigem as autoridades lhe 
tinha bloqueado
o caminho para se impor tarefas a si próprio. Ele f icara preso à sua situação 
de infância, na sua dependência em relação   à mãe e na sua rebelião contra ela. 
Agora sentia­se liberto. Por outro lado, esta liberdade interior permitia­lhe 
agora ver mais ffitidamente em que medida e porquê a sociedade na qual ele 
exigia um lugar também tinha direitos sobre o seu trabalho e sobre um certo grau 
de adaptação.

Analisemos a parte por agora exposta do resultado, deixando aqui ainda de parte 
a relação para com o «pai».

Esta espécie de reconhecimento adquirido por Glen e que culmina numa vivência de 
«espanto» lentamente preparada, foi denominada pelos psicanalistas de « 
reconhecimento » (Einsicht).
O caso de Glen, a que ainda voltaremos, representa naturalmente uma estrutura de 
problemas relativamente simples. Ele foi escolhido para dar ao leitor uma ideia 
das coisas de que se trata na terapia, sem introduzir diversas complicações 
técnicas. Um grande número de casos é naturalmente muito mais complicado e é 
muito mais demorado e difícil chegar­se aos reconhecimentos decisivos. 
Importante é neste caso que os reconhecimentos não sejam vividos apenas 
intelectualmente e que portanto não apareçam como consequência de reflexões. 
Eles têm antes de ser sentidos e experimentados no fundo.

Freud viu que neste ponto o auxiliavam em grande medida os sonhos dos pacientes. 
Esta descoberta do conteúdo de sentido disfarçado em imagens dos sonhos é 
considerada por muitos a realização mais genial de Freud.

A interpretação dos sonhos

O próprio Freud interpretava os fenómenos do sonho como vivências de realização 
de desejos ocultos que o sonhador não ousa confessar a si próprio quando 
acordado, porque são proibidos e são condenados pela consciência, pelo Super­Eu.

Thomas French expôs recentemente em relação a isso que o sonho significa muito 
mais: ele representa de facto um profundo trabalho de pensamento. No sonho o 
sonhador procura representar­se os conflitos em que está envolvido e levá­los a 
uma solução qualquer. Esta solução pode, segundo as circunstâncias,

ser uma realização de desejos, mas pode também ser a visão racional de uma 
situação real.

Assim, por exemplo, Glen sonha, na altura em que superava em si a dependência em 
relação à mãe e a rebelião contra ela, que saía de casa pedalando ­ numa 
bicicleta como uma que possuíra quando fora rapazinho. Mas via­se como adulto. 
Tinha uma pesada

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amarra à volta do braço, que o puxava constantemente para trás com todo o seu 
peso. Desmontou da bicicleta e viu o que se

passava. E então descobriu que não era uma amarra, mas a corda da roupa da mãe. 
Enrolou­a, meteu­a num saco e seguiu viagem...

Isto quer dizer: aquilo que lhe parecera uma influência enormemente forte e 
inibitória da mãe, revela­se, visto mais exactamente, como um laço leve do qual 
se pode libertar, e apesar do qual pode viver.

Poderão servir ainda como exemplo dois outros sonhos; um

mostra uma solução encontrada, o outro uma solução de um desejo.

Beate é uma mulher de trinta anos que acabou de se divorciar do seu segundo 
marido. O seu terapeuta chamou a atenção para as situações paralelas em que ela 
se envolvera duas vezes. Das duas vezes casara com homens muito atraentes e que 
sexualmente a satisfaziam, mas que passado pouco tempo se revelaram como 
caracteres duvidosos, colocando­a em situações perigosas: o primeiro quase a 
estrangulara num ataque de ciúme, e do segundo divorciou­se quando descobriu 
diversas desonestidades sérias que ele cometera. Isto aconteceu pouco antes de 
ele ser preso devido a graves fraudes.

Enquanto que meditava por que razão esta espécie de homens a atraía, sonhou o 
seguinte:

«Vi­me a entrar para a gigantesca boca aberta de uma baleia. Por dentro estava 
tudo iluminado, as paredes eram de um cor­de­rosa brilhante. Continuei a andar 
sobre a sua coluna vertebral até ao fim; aí parecia haver um lugar confortável. 
Alguém disse: «Sai daqui depressa!»’ Mas eu pensei que me sentia bem ali na 
ocasiã o e que ficava.

Por outras palavras: ela compreendeu nitidamente que, devido às condições 
aparentemente cómodas e brilhantes, ela não gostava de reconhecer o perigo de 
certas situações da vida.

Helmut é um jovem de 16 anos que não quer reconhecer que os seus problemas 
provêm das suas relações com o pai, que ele odeia no seu íntimo mais profundo. 
HeImut foi uma dessas crianças do tempo da guerra, dignas de dó, que não 
conheceu o pai até que, com três anos, o encontra um dia pela manhã na

cama da mãe. «Sai da cama da mãezinha!» gritou ele.
Desde este começo traumático das relações até aos atritos

com o pai na idade da puberdade, existiu sempre uma tensão entre eles. Helmut 
negava a profundidade do seu ressentimento. Enquanto exprimia isto na sua 
terapia, sonhou o seguinte:

«0 meu pai e eu subíamos uma colina, de carro. Arrumámos o automóvel e chegámo­
nos ao desfiladeiro. Olhando para baixo,
vimos uma camioneta cheia de feno. O meu pai disse: «Vamos saltar para cima do 
feno e buscar o carro.» Eu disse: «É demasiado alto, é melhor não o fazeres.» 
Ele respondeu: «Estás a

mentir, não é assim tão alto» e saltou. Caiu a milhas de distância, lá no f 
undo, e estava morto quando chegou lá abaixo. Eu tive a

sensação de que o tinha matado ... »

Todo o conflito que Helinut vive exprime­se mais claramente no sonho do que ele 
era capaz de o dizer por palavras. Por um

lado ele quer demonstrar ao pai, sempre sarcástico e pretendendo saber tudo 
melhor, como ajuíza mal a situação que Helinut vê correctamente ­tão mal que 
morre por isso; e por outro lado Helinut arrepende­se imediatamente depois de o 
ter desejado, e

sente­se culpado por isso.

Apresentámos aqui bastante pormenorizadamente a técnica da interpretação porque 
ela representa o ponto central do processo para toda aquela terapia que esteja 
orientada em qualquer medida psicanaliticamente. Mas também fora da situação 
terapeutica se encontra em divulgação crescente a compreensão interpretativa do 
agir humano, e justamente na sequência da análise. Mostrámos isto no capítulo «A 
motivação» com o exemplo das duas mães e voltaremos a falar mais uma vez do 
papel da compreensão e autocompreensão interpretadora no homem moderno, no 
último capítulo do livro.

A interpretação representa contudo apenas uma forma da intervenção, isto é, a 
exploração analítica. A este processo, que elabora analiticamente a estrutura 
deficiente da personalidade, opõem­se outros processos, que pretendem contribuir 
para a

futura reestruturação da personalidade.

A exploração construtiva

Carl Jung foi o primeiro que acentuou, opondo­se a Freud, que ao tratamento 
analítico se teria de seguir um tratamento sintético. No que respeita este 
processo construtivo, contudo, existe por enquanto um largo desacordo.

Primeiramente grandes grupos de terapeutas especialmente orientados pela 
doutrina de Freud são de opinião que a terapia dá ao paciente a possibilidade de 
encontrar por si próprio o seu

novo caminho. Por isso e por outras razões, rejeitam qualquer interferência na 
nova configuração da vida e nova autoconfiguração do paciente.

Aqueles que, como aliás de modo surpreendente o próprio Freud, chegaram à 
conclusão que algumas pessoas necessitam de auxílio para darem ao seu futuro uma 
configuração mais favo­
rável do que a que teve o seu passado, têm apesar disso ideias muito diferentes 
no que respeita o grau ou a espécie de orientação que devem dar ao paciente. As 
opiniões oscilam entre extremos de prescrições autoritárias, até conselhos e 
opiniões do terapeuta até questões e discussões de possíveis orientações na 
vida.

De que se trata, rigorosamente, nestas intervenções que orientam os pacientes? 
Pelos vistos o paciente que saiu da sua neurose

está pela primeira vez em situação de escolher livremente finalidades. E nesta 
nova escolha de finalidades tudo depende de o

paciente erigir para si novos valores, mais adequados do que aqueles que tinha 
antes.

No capítulo «A motivação» discutimos o início da colocação de valores, daquelas 
primeiras construções ideais em que as crianças dependem tão grandemente do seu 
ambiente. E inostrámos também então a tenacidade extraordinária com que 
persistem os sistemas de valores desenvolvidos na infância e na juventude.

É extraordinàriamente difícil a adopção autónoma de novos

valores especialmente numa época como a nossa, na qual, como

expusemos, predomina grande insegurança acerca dos pontos de vista de valores. 
Aquele que procura novos valores está hoje exposto a decisões mais difíceis do 
que por exemplo a decisão por uma maior virtude, por uma compreensão amorosa, 
por finalidades mais realistas ou uma maior autenticidade perante si próprio. O 
que o martiriza tantas vezes para além destas missões é a pergunta: Qual é o 
sentido de tudo isto e em que é que posso acreditar?

Os terapeutas que defendem uma intervenção em relação com problemas do encontro 
de finalidades, valores e sentidos, podem dividir­se principalmente em dois 
grandes grupos, entre os quais existem, aliás, diversas formas íntermédias.

Um dos extremos é representado por aqueles que revelam as suas próprias opiniões 
e não temem exercer uma influência directa nos seus pacientes. É neste sentido 
que, por exemplo, Frederick C. Thorne fala de uma psicoterapia activa. Tanto ele 
como Edith Weisskopf­Joelson recomendam uma educação no

sentido da filosofia da vida como uma das missões principais da psicoterapia.

Um dos mais conhecidos representantes desta concepção é Viktor E. FrankI, um 
existencialista cujas obras contribuíram essencialmente para que a questão do 
sentido da vida, totalmente posta de parte pela psicoterapia de orientação 
unilateralmente analítica, voltasse, corno fundamental, à consciência de muitos 
terapeutas, e, para além deles, também de muitos contemporaneos. A sua intimação 
de despertar de novo a nossa «vontade de
sentido» em nós e nos nossos pacientes abalou todos fortemente e ganhou muitos 
adeptos para a sua logoterapia, como ele chamou à sua doutrina.

Enquanto que Frank1 encontrou para esta concepção da psicoterapia vasta 
aderência, considera­se por outro lado muitas vezes o seu método, com o qual 
chama de modo bastante directo a atenção dos seus pacientes sobre a sua 
responsabilidade espiritual perante si próprios, como uma maneira extremista de 
orientação. O próprio Frank1 fala de Psicagogia, isto é, orientação psíquica, e 
de «medicina pastoral». No seu conhecido livro «0 doutor e a alma» ele declara 
que quer ensinar aos seus pacientes o respeito pela vida, que proclama Albert 
Schweitzer, e que empreende levá­los às suas missões de vida específicas.

O psicanalista Martin Grotjahn aplica uma técnica de influência directa 
fundamentada sobre a psicologia dos valores do Eu, relacionando­a com o seu 
tratamento de «neuroses familiares».

Martin Grotiahn, que introduziu na Psicanálise o tratamento de famílias 
inteiras, utiliza a técnica de conselhos directos; por exemplo, diz à mãe de uma 
rapariguinha que trata: «Naturalmente que tem de oferecer um automóvel à sua f 
ilha; como é que ela se poderá deslocar de outra maneira numa cidade que está 
construída mais para automóveis do que para pessoas?» Grotjahn é de opinião que 
a sua exortação à mãe deixa transparecer o conselho geral: Dá mais liberdade à 
tua filha, e que este conselho, assim como o valor desta orientaçã o, pode ser 
interpretado pela própria mãe.

Diferenciando­se destas indicações directas de finalidades por parte do 
terapeuta, outros psicólogos defendem a opinião de que deve ser respeitado o 
direito do paciente de encontrar e

colocar ele próprio os seus valores, e que as intervenções do terapeuta só 
deveriam ser utilizadas no sentido de exploração construtiva, como lhe chamei. A 
influência é aqui mais indirecta e o terapeuta apela para a capacidade de 
escolha do paciente, a que em certas circunstâncias chama a atenção para 
possibilidades de valor alternativas.

Vamos continuar neste ponto o caso de Glen, que já conhecemos, como exemplo de 
uma nova escolha de valores relativamente independente. Glen, que, como vimos, 
iniciou a sua terapia com a verificação da sua rebelião contra a sociedade, 
tinha inicialmente ideias de valores muito confusas. Ele era de opinião que 
ninguém tinha o direito de fazer prescrições a outrem, e que também a sociedade 
não tinha o direito de manter sob pressão os indivíduos. Ele exigia de positivo 
que se tivesse a possibilidade de desenvolver os seus talentos, embora 
reconhecesse que da
sociedade dfficilmente se poderia esperar que ela o financiasse. Quando se 
perguntou a Glen quais os verdadeiros valores seguidos pelos seus pais, ele 
disse que a mãe não tinha nenhuns valores reais, apenas ideias esbatidas e 
abstractas, e ao lado delas regras que lhe ditavam que era bem fazer isto ou 
aquilo!

Era o pai que pairava constantemente diante dele como

exemplo, embora também ele não tivesse indicado nenhuma orientação clara. «0 meu 
pai», dizia Glen, «era despreocupado e fazia tudo sem esforço. Trabalhava como 
desenhador técnico para diversas firmas, mas como tinha algum dinheiro, não 
trabalhava com regularidade. Pintava durante as horas livres» ­ «Vendeu alguns 
quadros?» ­ «Não, penso que não. Fazia­o mais por prazer. Também nos ensinou a 
pintar e mostrava aliás muito interesse por nós, muito mais do que a nossa mãe. 
E assim todos o amávamos muito.» ­ «Admirava a maneira como ele vivia?» «Sim, 
nessa altura parecia­me magnífico. Mas hoje começo a duvidar disso. Ele afinal 
vivia para quê?» ­ «Acha que se deveria viver para alguma coisa?» ­ «Bem, dever­
se­ia pelo menos saber para onde se vai. O meu pai tinha na realidade uma vida 
totalmente desordenada. Nessa altura eu pensava que a sua maneira fácil de 
trabalhar era o ideal ­hoje começo a achar que talvez não fosse assim tão boa 
... »

Glen desenvolveu estes pontos de vista cerca de oito meses após o início da sua 
terapia. Depois destes inícios de uma viragem de orientação ele analisou 
repetidamente a pergunta: «Para onde vou?» Nesta procura descobriu que não 
possuía absolutamente nenhuma confiança em si próprio porque na realidade não 
aprendera nada de jeito e não realizara nada, e que o seu impulso nestes 
sentidos fora fraco. Pouco a pouco a ideia de que se deve fazer de si o melhor e 
realizar tarefas tornou­se a ideia condutora para Glen. As perguntas do 
terapeuta estavam de tal maneira planeadas que o deveriam conduzir nesta 
orientação, mas deixavam­lhe a possibilidade em aberto de se declarar contra a 
ideia de um sentido da vida, como entrementes acidentalmente ponderou.

Se nos interrogarmos concisamente no sentido dos nossos conhecimentos da 
motivação e finalidades de vida humanos, discutidos nos capítulos precedentes, 
do que Glen alcançou para si através da terapia, então poderemos dizer o 
seguinte:

Quando veio para a terapia, Glen estava totalmente insatisfeito consigo e com a 
sua vida. O seu mal­estar, que aqui, dado o limite de espaço, só foi apresentado 
em relação ao caminho da actividade profissional, não era menos grande no campo 
social e sexual. Também aqui era imaturo e não estava motivado, nem
por impulsos suficientemente fortes, nem por fortes necessidades de 
sociabilidade. Todas as suas relações eram vagas e superficiais ­ exceptuando a 
sua grande dependência, para ele inconsciente, em relação à família, a que 
estava ligado sem lhe dar valor. Necessidades é atracções sexuais tinham levado 
a algumas aventuras breves com companheiras femininas, sem que se desenvolvessem 
relações mais profundas de qualquer espécie. Ocasionalmente também tinha 
fantasias homossexuais, ao lado de fantasias heterossexuais.

Teóricamente, trata­se aqui de uma pessoa imatura e irrealizada em todos os 
aspectos, diante da qual pairam vagamente como ideais a satisfação de 
necessidades e a ideia de qualquer expansão criadora; que se rebela contra a 
adaptação autolimitadora que a sociedade exige, e que não possui nenhuma ordem 
interna. Pela libertação da rebelião, que no fundo representa uma dependência 
interior; por desistir da ideia de que os ú nicos fins estavam na satisfação de 
necessidades; por uma nova posição de valores agora pela primeira vez livre, 
proveniente do reconhecimento crescente de que as produções da expansão criadora 
própria com os meios disponíveis tomam sentido na medida em que servem a 
sociedade; pela realização de uma adaptação autolimitadora dentro das 
possibilidades dadas e pela realização da ordem interior que se efectuou devido 
a todas estas mudanças de orientação ­ em poucas palavras, por um equilíbrio 
dinâmico de todas as vivências básicas pela primeira vez conseguido, Glen 
encontra­se no caminho da realização da sua vida.

d) A finalidade da terapia

Pode ser de várias espécies a finalidade da terapia, tanto no que respeita ao 
caso, por um lado, como por outro lado no

que respeita à escola terapêutica a que pertence o terapeuta. Começando por 
aquilo a que se chama apoio de uma personalidade necessitada de auxílio, 
passando pelas transformações e

em parte modificações da personalidade até à total mudança de estrutura da 
personalidade mediante tratamento em profundidade, podem ser vários os fins em 
vista.

O caso de Glen leva a uma mudança de estrutura da personalidade bastante vasta, 
que chega até a uma posiçã o de valores totalmente nova. Aliás isso só foi aqui 
exposto no que respeita à actividade profissional, e não sob o ponto de vista da 
personalidade social e sexual de Glen.

Visto se atacar muitas vezes a psicoterapia de orientação analítica por ser tão 
extraordinàriamente longa, a seguir expomos
duas terapias curtas de dois analistas, sob o ponto de vista dos fins por eles 
pretendidos e alcançados.

A Dr.@ Hedda Bolgar, psicóloga de formação psicanalítica, pôs à minha disposição 
um caso de terapia curta que lhe agradeço, em que ela alcançou em cinco 
entrevistas uma notável mudança parcial de estrutura. Ela utilizou neste 
tratamento terapêutico, numa cuidada estratégia planeada, os seus conhecimentos 
analíticos da dinâmica psíquica.

Mrs. R. R., uma senhora de 45 anos, fora enviada pelo seu

médico, ao qual se queixara, muito excitada, de nervosismo, falta de sono, 
incapacidade de cuidar da sua casa, grave depressão e a sensação de estar farta 
da vida. A Dr aHedda Bolgar ocupou­se imediatamente da paciente, uma vez que 
havia grave perigo de suicídio.

Mrs. R. relatou uma quantidade de dificuldades e arrelias que nos últimos meses 
se haviam acumulado de tal maneira que a dominavam simplesmente. A coisa começou 
com o facto de o

marido ter aceite uma nova colocação no outro extremo do continente e de ela ter 
ficado incumbida de desmanchar a casa, e ir de carro com os dois filhos de Nova 
Iorque até Los Angeles e aí encontrar um novo lar para a família. O pior foi que 
pouco antes da mudança partira uma perna, que estava ainda em gesso durante a 
viagem. E, para cúmulo, os seus parentes no ocidente não a receberam de modo 
especialmente amável, os filhos ­de
11 e 13 anos ­ não se adaptaram às novas condições na escola, o marido tinha um 
horário de trabalho pouco favorável e ainda se acrescentavam outras coisas 
aborrecidas.

O seu aspecto era inquieto e extremamente excitado, e o seu

rosto estava banhado em lágrimas. Com as mãos conúnuamente em movimento apertava 
o lenço molhado, a boca tremia e muitas vezes mal conseguia falar. Poder­se­ia 
ter considerado o esgotamento de Mrs. R. como determinado pela situação se não 
se tivesse revelado, ao relatar ela a história da sua vida, que o seu

problema agudo formava apenas o ponto culminante de uma vida já há muito tempo 
bastante infeliz, e com isso atingia o ponto em que se dava a derrocada.

Mrs. R. era a filha única de um pai ríspido e frio e de uma mae ocupada consigo 
própria por causa de muitas doenças. A sua
família, que pertencia à boa burguesia, proporcionou­lhe segurança e uma 
excelente formação universitária, mas exigia muito da sua capacidade de 
realização e exigia que ela fosse perfeita em todas as orientações. A atmosfera 
doméstica era soturna, séria e rigorosamente religiosa.
Mrs. R. conheceu o futuro marido no College. Ele provinha de uma família modesta 
que ela em parte desprezava, mas cuja cordialidade e amabilidade lhe agradavam. 
O marido não terminou o curso universitário, mas aceitou uma colocação sem 
interesse na administração.

Devido à sua passividade, moleza e insuficiência sexual, ele deixava a desejar 
como companheiro masculino, mas ela amava­o devido à sua bondade e à sua 
compreensão. Também os filhos o amavam mais do que a ela, que era demasiado 
ríspida. Talvez ela tivesse o que merecia, se os filhos não a amavam. Disse isto 
ela pró pria, banhada em lágrimas.

Via­se em Mrs. R. que sofrera muitas frustrações emocionais e encontrara pouca 
alegria nas relações com o seu próximo. Apesar de se acusar a si própria 
constantemente, ela estava ffitidamente tão cheia de animosidade como de 
complexos de culpa.

a «No fim da primeira entrevista», disse a Dr. Bolgar, «tive de me decidir 
acerca do tratamento imediato do caso. A minha impressão diagnóstica era que 
Mrs. R. se encontrava num grande estado depressivo de excitação e que se 
encontrava próximo de um colapso psicótico».

A Dr a Bolgar considerou três possibilidades: interná­la numa

clínica para se proceder a um tratamento com sequência; remetê­la a uma clínica 
para um tratamento psicoterapêutico ambulante prolongado, uma vez que a escassez 
de meios impedia uma

psicoterapia particular a longo prazo, ou então uma psicoterapia

a curta, intensiva e extraordinàriamente apoiadora. A Dr. Bolgar decidiu­se pela 
terceira possibilidade recorrendo à ajuda do pai, a quem confiou a vigilância da 
paciente que se entregava a ideias suicidas.

As razões para esta decisão foram as seguintes: o internamento numa clínica 
teria prejudicado muitíssimo a vida familiar, talvez até a tivesse destroçado, 
além disso teria afundado o

auto­respeito da senhora e confirmado os seus receios de estar ps@quicamente 
gravemente doente. Além disso, a terapeuta considerou que, apesar de todos os 
seus problemas, Mrs. R. até agora pelos vistos conseguira sempre resolver os 
problemas da sua vida, e que era uma mulher inteligente com cuja colaboração se 
podia contar.
Ela explicou abertamente à paciente quais as suas ideias e planeou algumas 
poucas entrevistas tendo cuidadosamente em consideração a psicodinâmica da 
depressão. «Decidi», explica a Dr aBolgar, «alcançar três coisas:
Em primeiro lugar eu era de opinião que Mrs. R. necessitava urgentemente de 
apoio, calor e reconhecimento. Decidi fornecer­lhe tanto quanto possível este 
«alimento». Eu falei muito, acentuei a sua força, fiz­lhe elogios acerca das 
suas realizações e da sua diligência, deixei­a participar nos meus sentimentos e 
nas minhas experiências e sugeri­lhe uma identificação comigo, traçando 
paralelos entre as nossas vidas. Sempre que podia, punha­me ao lado dela e 
insinuava que a apreciava e que a

admirava pela maneira como conseguira vencer as muitas dificuldades do passado. 
Eu mostrava muita preocupação também no que respeitava ao seu bem­estar físico 
tanto durante as sessões como nos intervalos».

O segundo ponto importante considerado pela Dr       a  Bolgar era o tratamento 
da animosidade de Mrs. R. Ela procurou mostrar à paciente que a cólera e o 
ressentimento eram reacções humanas normais, que ela tinha o direito de exprimir 
essas

reacções perante a família e que tudo isso não teria de ter as

influências destruidoras que Mrs. R. lhes atribuía,

Em terceiro lugar a Dr   aBolgar ocupou­se com a tendência de Mrs. R. para o 
autocastigo. «Era para mim evidente, diz ela, «que a sua consciência 
patológicamente ríspida (sádica) teria de reagir às satisfações que eu lhe 
oferecia e ao encoraiamento de exprimir os seus sentimentos adversos de tal 
maneira que mais tarde a levaria à autopunição. Procurei contrariar esta 
evolução concentrando os seus sentimentos de culpa sobre outra coisa. Critiquei­
a por causa das exageradas exigências que se impunha * si própria, e designei 
de «arrogante» o facto de ela se julgar * único entre todos os mortais a poder 
passar sem realizar as suas necessidades e sem alegrias. Eu censurei­a por não 
querer ser como nós outros e de não procurar tornar a vida mais agradável para 
si. Por outras palavras, dei­lhe um sentimento de culpa por não se permitir 
necessidades e desejos humanos normaís.»

Felizmente a paciente reagiu excelentemente a todo o processo e sofreu durante 
as cinco horas da sua terapia uma transformação que percorreu todas as fases 
pretendidas. No fim discutiu projectos de futuro com a Dr   a Bolgar e mostrou 
uma

posição cheia de esperanças, construtiva que, como mais tarde se verificou, 
realmente se confirmou.

Ao relatar­nos esta terapia curta, a Dr a Bolgar expõe o que foi a sua 
finalidade. Ela não via naturalmente a melhoria como

uma «cura» ou como uma modificação contínua de personalidade. A sua finalidade 
foi, servindo­se de uma estratégia cuidadosamente
planeada, quebrar o círculo destruidor da depressão, que era

constituído por ânsia, ódio e complexos de culpa autodestruidores.

A finalidade era portanto aqui a de uma modificação interna de orientação, ou 
mudança de posição, que bastou para afastar a situação momentânea de perigo.

O tratamento é claro que só representou um primeiro passo do caminho para a 
libertação da dependência neurótica em que se encontrava esta paciente, e dever­
se­iam seguir muitos outros para afastar a neurose.

É de interesse o carácter da relação terapêutica que pareceu favorável a esta 
espécie de tratamento de apoio. Foi posta de maneira que a paciente se pudesse 
identificar com a terapeuta, pelo que se evitou o desvio através da relação de 
transferência.

Franz Alexander, um dos mais eminentes discípulos de Freud e seu antigo 
colaborador, tenta outra espécie de desvio de orientação, elaborando uma 
experiência emocional correctiva. Alexander atribui a S. Ferenczi e O. Rank o 
mérito de serem os primeiros a ter reconhecido este princípio.

O caso que vamos discutir em poucas palavras foi apresentado por Alèxander como 
«Caso A» no livro inovador publicado por ele, T. M. French e outros 
colaboradores, sobre «Terapia Psicanalítica». O Professor Alexander teve a 
amabilidade de acrescentar algumas observações ao meu relato.

Mr. A., um comerciante de 42 anos que foi enviado para a

psicoterapia por um neurologista por causa de sintomas epilépticos de base 
histérica, isto é, de base emocional, sofria de convulsões e era, além disso, 
uma pessoa com uma personalidade irritável, intolerante e autoritária. Além 
disso, estava há alguns meses impotente. O tratamento consistiu em 26 
entrevistas que se estenderam por um espaço de dez semanas. Depois da sexta 
semana os sintomas tinham já desaparecido.

O paciente era um homem que estivera durante toda a sua

vida sob a sombra do seu pai dominante, um homem feito à sua

custa, de temperamento impetuoso e autoconfiança ilimitada, que tiranizava tanto 
a sua família como os seus subordinados no escritório. A mãe, que amava e 
protegia a criança,­ morreu quando o rapazinho tinha dez anos. Mr. A. tentara 
duas vezes durante a sua vida insurgir­se contra o pai. Pela segunda vez, depois 
do seu casamento realizado contra vontade do pai, este permaneceu 
irreconciliável até pouco antes da sua morte.

Quando, depois da morte do pai, com trinta anos, assumiu a direcção da empresa 
da família, o seu desejo principal foi demonstrar que era melhor negociante que 
o pai. E conseguiu isso com firme decisão.
No entanto, o negócio foi o seu único êxito. Fracassou em todas as outras 
relações humanas; em toda a parte arranjava inimigos. A mulher divorciou­se 
dele, voltou a casar com ele, mas estava disposta novamente a divorciar­se.

Na situação de terapia Mr. A. procurou imediatamente reconstituir a relação pai­
filho tal como a conhecia, transferindo para o analista o papel do pai perante o 
qual tinha uma atitude tanto de rebelião como de admiraçã o submissa. Mas o 
analista estava decidido a não deixar que se formasse uma neurose de 
transferência, e contrariou por isso o desenvolvimento de uma relação pai­filho.

Conseguiu isto mostrando desde o início uma extraordinária tolerância e deixando 
que o paciente tomasse muitas decisões mesmo a respeito da própria terapia, por 
exemplo, quantas vezes queria vir, se preferia estar sentado, deitado ou andar 
pela sala e outras coisas parecidas. Além disso, ao contrário da posi   .ção 
crítica que o pai mostrara, exprimia repetidamente admiração pelas muitas 
qualidades do seu paciente.

O paciente, que esperara uma figura paterna tirânica e

«necessitava» dela para poder exprimir­se do modo que lhe era

próprio, isto é, agressivamente e rebelando­se, ficou confuso e

de certa maneira insatisfeito. Quando deu livre curso à sua irritabilidade em 
novas agressões, o analista pôde mostrar­lhe que estas já não eram reacções a 
uma figura paterna dominante, mas

provinham ffitidamente das suas necessidades íntimas.

Depois de se opor inicialmente, Mr. A. aceitou a pouco e pouco estas 
interpretações. O primeiro êxito foi que começou a

mostrar­se perante o próprio filho como um pai tão dócil como

o era o analista para com ele.

Três sonhos reflectiram a transformação que se realizou neste período. No 
primeiro, Mr. A. via o analista cheio de fúria partir alguns objectos de vidro 
que ele, o paciente, produzira

na sua fábrica. Contou que isto o fazia lembrar uma cena com o pai, em que este 
destruíra uma série de objectos de vidro porque não lhe agradava o desenho que o 
filho esboçara.
Estes dados levaram o analista a pedir ao paciente que descrevesse 
pormenorizadamente o seu trabalho. O paciente fê­lo com entusiasmo, de maneira 
condescendente e instrutiva. Depois desta hora em que se pudera revelar perante 
o analista como conhecedor e autoridade dentro do seu campo, recobrou

a sua potência sexual.

Na vigésima entrevista Mr. A. contou um sonho em que se

via como estudante que voltava para casa com um florete quebrado ao esgrimir. O 
pai devolveu­lho consertado. Aqui agradecia
portanto ao pai por lhe ter devolvido a sua espada para esgrimir, isto é, a 
virilidade, enquanto que no sonho precedente se vira humilhado pelo analista em 
vez de o ser pelo pai.

Saindo lentamente desta confusão até chegar ao esclarecimento, no sonho seguinte 
encontrava­se no plano da situação de novo alcançada: viu­se sentado num 
tribunal como juiz presidente, com um juiz célebre de Chicago a seu lado. O caso 
que ele tratava era um divórcio. Conseguiu reconciliar o casal.

Aqui identificava o analista com um colega com cuja colaboração realizava a 
salvação do casamento ­do seu casamento:
O analista e o paciente já não são pai e filho, mas dois colegas.

O Dr. Alexander acentua no seu comentário a este caso que a experiência viva de 
uma nova relação pai­filho ajuda o paciente à experiência emocional correctiva 
que forma o fundamento da sua cura. Também aqui nã o se entende a terapia curta 
como

não tendo o mesmo valor de uma análise completa, mas sim como sendo suficiente 
para substituir uma posição básica neurótica do paciente por uma posição mais 
normal.

Numa conversa pessoal perguntei ao Dr. Alexander quais foram as reflexões ou 
dados que o levaram a escolher neste caso a «psicanálise breve». Isto deu­lhe 
ocasião para as seguintes verificações, que eu cito com sua autorização.

Franz Alexander acerca da escolha da psicanálise longa ou breve.

Na minha actividade terapêutica não estabeleço nenhuma linha de delimitação 
rigorosa entre psicanálise longa ou breve, nem entre psicanálise na realidade ou 
psicoterapia orientada psicanalfficamente. Eu não decido logo de início se o 
tratamento há­de ser breve ou longo, se o paciente deve deitar­se ou sentar­se 
diante de mim. Eu tacteio o meu caminho e adapto as particularidades do método 
às situações psicodinâmicas do paciente, as

quais estão sempre em mutação.

Considero missão do terapeuta ajudar o Eu do paciente no sentido de realizar a 
sua função integradora e por fim de libertar o paciente de maneira a que recobre 
o seu potencial espontâneo. Neste ponto sou rigorosamente hipocrático e creio 
que a força essencial da cura consiste na capacidade integradora do paciente, 
que ficara bloqueada por processos de adaptação de relações humanas que falharam 
numa tenra idade. Nalguns casos bastará um rompimento que se dá através de 
«experiencias emocionai        .s

correctivas» durante o tratamento, deixando livre o caminho para o seguimento da 
cura espontânea.
No conjunto da personalidade estão relacionadas mútuamente todas as formas de 
processos emocionais, todas as cunhagens através de experiências passadas. Uma 
transformação manifesta mim dos campos centrais tem um efeito inevitável sobre 
toda a personalidade. A evolução emocional precoce do paciente, assim como a sua 
capacidade integradora inata e

adquirida, determinam quantas destas experiências emocionais correctivas são 
necessárias até que o Eu do paciente possa continuar a orientar­se sem a ajuda 
do terapeuta. Continuar o tratamento para além deste ponto óptimo, poderá 
retardar mais uma

melhoria do que acelerá­la.

No estado actual da ciência não é possível decidir teórícamente quando se atinge 
este ponto em que a continuação da terapia já não é necessária ou até 
provàvelmente termina a

inelhoria. Por isso eu utilizo a técnica de repetidas interrupções curtas ou 
prolongadas do tratamento. Durante a interrupção o

paciente está entregue a si próprio e vê­se perante a tarefa de resolver os seus 
problemas por si próprio. Quando se retoma o tratamento, vê­se em breve o que 
ainda falta alcançar. Tratamentos interrompidos durante muito tempo cedem às 
tendências de demora dos pacientes.

A minha técnica foi denominada erróneamente «análise breve». O tempo de duração 
total do meu processo flexível muitas vezes não é mais curto do que o de uma 
análise clássica prolongada e não interrompida. Mas, segundo as minhas 
experiências, o número total de entrevistas fica bastante diminuído.

O meu princípio técnico principal consiste numa adaptação flexível a todos os 
aspectos do tratamento, incluindo a frequência das entrevistas e o decorrer do 
processo terapêutíco, que podem ser diferentes de paciente para paciente e são 
imprevisíveis no

estado actual do nosso saber acerca da psicodinâmica.

Por isso, não aceito pacientes com uma prévia combinação de que o tratamento 
será mais breve ou mais demorado ou que terá mais ou menos a forma da análise 
clássica, mas decido­me acerca disso durante o tratamento. Eu aceito os meus 
pacientes para um tratamento que se baseia em princípios psicanalíticos, mas não 
para uma forma de técnica determinada. Considero o
processo terapêutico como um processo de transacção extremamente complicado 
entre terapeutas e pacientes, cujo decorrer depende de um grande número de 
variáveis conhecidas e desconhecidas e por isso não pode ser cingido por 
qualquer plano técnico preconcebido. Os pormenores técnicos têm de desen­
volver­se emp@ricanzente no decorrer do processo. O único quadro fixo é a 
aplicação de princípios psicodinâmicos fundamentais, que provêm da teoria e 
prática psicanalíticas.

lcámos a conhecer através dos exemplos destas duas terapias breves um processo 
dirigido para um rompimento causado por uma concepção de vida determinada 
neuróticamente, com o

que se abriu caminho a uma libertação da compulsividade e

sof rimento.

A finalidade da psicoterapia a longo prazo e além disso destinada a mudança   de 
estruturação é, como vimos no caso de Glen, a obtenção de   novas posições de 
valor que possibilitem uma realização mais profunda da vida.

e) O êxito da Psicoterapia

Expusemos nas últimas páginas com bastante pormenor os

processos da moderna psicoterapia. O leitor pode daí deduzir fàcilrnente a 
grande importância que damos a estes processos apropriados para melhorar de 
maneira outrora absolutamente impossível de supor o destino da nossa psique. O 
leitor crítico poderá contudo perguntar: qual é a dimensão e até que ponto se 
pode generalizar esse êxito?

Precedendo a resposta a esta pergunta, seguir­se­ão as seguintes observações:

Os métodos de cura psíquica são pràticamente tão antigos como a humanidade. Mas 
só neste século começamos a conhecer com alguma clareza o que fazemos 
exactamente. Não há dúvida que todos os processos de cura, como expôs há pouco 
Jerome Frank, se baseiam no facto de se exercerem influências sobre o paciente e 
de se dirigir a ele um apelo em que podem entrar sugestões. Mas para além disso 
começamos a ver nitidamente que na psicoterapia se trata de um processo em que 
desempenham um papel relativamente grande tanto uma relação humana como

uma técnica, Como Hans Strupp mostrou num brilhante estudo empírico sobre 
«Psicoterapeutas em acção», ambos os factores têm de ser aplicados numa 
proporção correcta.

Os fracassos que ainda hoje são frequentes e que são hoje estudados por muitos 
psicólogos que pretendem determinar a sua causa, explicam­se em parte geralmente 
pela má proporção na
aplicação daqueles dois factores. Os psicoterapeutas que são frios e se apoiam 
exclusivamente na sua técnica têm de contar tão frequentemente com fracassos 
como aqueles que operam exclusivamente com a sua personalidade, sem conhecerem 
suficientemente a dinâmica da personalidade.
Se perguntarmos pelo êxito da Psicoterapia, temos de ter primeiramente em 
consideração o que entendemos por êxito. Num estudo realizado por Werner Wolff 
com 43 representantes das mais variadas escolas de terapia, o analista Sandor 
Lorand diz por exemplo: «Qualquer psicoterapia faz bem. A questão é de saber até 
que ponto. Muita coisa depende do material com que se trabalha». Ele expõe 
depois como em alguns casos já considera como um êxito pequenas melhorias, 
enquanto que noutros casos espera grandes modificações antes de poder falar de 
êxito. Outros terapeutas exprimem a mesma opinião.

Tem especial interesse uma obra de Carl Rogers e seus colaboradores, em que se 
analisam com critérios cuidadosamente definidos modificações de personalidade na 
sequência de psicoterapia. Numa grande percentagem daqueles que se encontravam 
há muito sob orientação psicológica verificaram­se exteriorizações tanto no que 
respeita o comportamento como na atitude para com os outros e na integração da 
personalidade como um todo. Rogers utiliza um grupo de «contrôle» de indivíduos 
que não estiveram em tratamento mas que foram testados e voltados a testar com 
os mesmos meios dentro do mesmo espaço de tempo. O amadurecimento daqueles que 
estavam em tratamento revelou­se, no fim do mesmo espaço de tempo e com 
segurança estatística, muito mais avançado do que o do grupo de «contrôle».

Rogers considera como o critério mais importante de maturidade interior a 
capacidade de uma autopercepção realista, isto é, a capacidade de se ver a si 
próprio tal como se é. Isto pode também exprimir­se da maneira seguinte: a 
psicoterapia educa no sentido de uma maior veracidade interior.

Rogers chama «orientação» ao seu processo, uma vez que não empreende nenhuma 
terapia interpretadora. Oual é a diferença no que respeita ao êxito?

A questão, hoje muito discutida e que aqui se põe, é em que medida a veracidade 
interior como tal é uma garantia de que uma pessoa, para além do 
autoconhecimento, pode arranjar novas finalidades de vida e as pode realmente 
seguir. Autoconhecimento é uma coisa, autoformação, outra.

Como a autora tentou mostrar no livro «Values in Psychoterapy» (Valores na 
Psicoterapia), são necessários métodos profundos de mudança de estruturação, 
isto é, métodos que penetrem até ao inconsciente, para afastar antigas posições 
de valores e dar lugar a novas. Além disso são necessários outros processos hoje 
ainda em germe, para obter impulsos eficientes para novas orientações de 
finalidades.
Ainda não possuímos por enquanto métodos suficientes para alcançar adequadamente 
esta mudança de estruturação. Podemos descrevê­la segundo os casos e podemos 
indicar quando a alcançámos e quando não. Uma das missões mais importantes da 
investigação no futuro mais próximo é penetrar nos segredos dos processos pelos 
quais se podem moldar e realmente também modificar as personalidades. Esta 
investigação tem um significado decisivo não só para a psicoterapia, mas também 
para a educação e formação da nossa juventude.

7. MÉTODOS ESPECIAIS DE PSICOTERAPIA

A Psicoterapia com crianças

Na psicoterapia infantil aplicam­se por assim dizer os mesmos princípios que 
valem para a terapia dos adultos, mas neste campo resultam problemas no que 
respeita as técnicas a aplicar.

Já as primeiras analistas infantis, Melanie Klein e Anna Freud, se opunham neste 
ponto uma à outra. M. Klein defendia a opinião de que na análise das crianças se 
deveria proceder essencialmente segundo os mesmos princípios básicos que na dos 
adultos, enquanto que A. Freud é de opinião que no tratamento das crianças se 
deveria aplicar, ao lado de uma técnica analítica modificadora, ainda um método 
educativo.

Duma maneira geral a psicoterapia infantil é montada em

situações de jogo. Brinquedos, assim como materiais em bruto, como sejam areia, 
barro e água, são postos à disposição da criança para lhe dar ocasião de 
exprimir com eles os seus sentimentos. Além disso, muitos terapeutas incitam a 
desenhar, pintar e a outras actividades artísticas.

As actividades lúdicas e produções da criança têm uma dupla finalidade na 
terapia infantil. Em primeiro lugar dá­se à criança ocasião de manifestar os 
seus sentimentos com uma liberdade quase ilimitada; em segundo lugar, os jogos 
assim como os produtos feitos ou destruídos pela criança dão ao terapeuta a 
possibilidade de compreender os problemas que inquietam a criança e, segundo as 
circunstâncias e também conforme a posição teórica do terapeuta, de os 
interpretar à criança.

No que respeita em primeiro lugar à expressão livre de sentimentos no jogo, 
descobriu­se cedo que ela é tão catártica como o verificámos anteriormente em 
relação ao desabafo do adulto. David Levy serviu­se com especial frequência 
deste método para libertar uma criança de graves angústias, especialmente depois 
de experiências traumáticas como acidentes, uma operação
36
265­266 «Palhaço» e «macaco» ­desenhos de um criminoso de catorze anos, débil 
mental. (De L. Bender: Child Psychiatric Techniques)

ou divórcio dos pais. Alguns terapeutas deixam à criança livre iniciativa no

jogo, enquanto que outros orientam a

actividade lúdica de modo determinado.

Clark E. Moustakas demonstra uma especie de terapia de jogo apoiada 
essencialmente na actividade livre, em

que  contudo se incita a criança a uma

expressao oral ao lado da manipulação, e o  terapeuta se esforça por criar uma

relação  positiva com a criança. O seu
2

livro sobre «Psicoterapia com crianças», proveniente da conhecida escola 
Merrill­Palmer, em Detroit, dá­nos uma boa visão panorâmica sobre as mais 
diversas situações e processos no tratamento de crianças.

Lauretta Bender recomendou espe­
2:cialmente a utilização de actividades artísti as no decorrer das terapias 
infantis. Do seu trabalho realizado durante anos com crianças esquizofrénicas, 
psiquicamente gravemente defeituosas e outras gravemente perturbadas, no 
Hospital de Bellevue de Nova lorque, resultou uma obra com exemplos didácticos 
da importância tanto diagnóstica como terapêutica que tem a criação infantil com 
os mais diversos materiais.

Reproduzimos aqui os desenhos de um débil mental de catorze anos, que desde os 
onze anos assaltara lojas por duas vezes juntamente com outros rapazes, e que 
exprimia a sua inimizade contra os seres humanos em desenhos de caricaturas de 
cabeças.

Discute­se dentro da terapia infantil o campo da interpretação. Muitos 
especialistas opõem­se a que se tornem conscientes às crianças os seus 
sentimentos através de palavras. Outros, por sua vez, acham que se pode e deve 
proporcionar à criança, do mesmo modo que ao adulto, embora numa linguagem ao 
nível infantil, uma visão (Einsicht) dos seus problemas. Aqueles que tentam 
explicar às crianças as suas motivações e reacções têm geralmente consciência da 
dificuldade assim como da responsabilidade deste processo.
Assim, Rudolf Ekstein, um analista infantil experimentado e

subtil, ocupou­se com especial pormenor da questão da interpretação correcta. 
Pela deficiência de comunicação verbal, não se

pode ter sempre totalmente a certeza de interpretar correctamente os fenómenos 
inconscientes da criança. Como exemplo de uma

interpretação que alcança o contacto limitado possível a uma

criança, apresentamos o caso de Ted.

Ted, um caso limite de 10 anos, isto é, um caso que era considerado quase, mas 
não ainda totalmente, esquizofrénico, estava em tratamento com J. Wallerstein, 
colaboradora de Ekstein. Ambos relatam o seguinte jogo, que Ted repetidamente 
sugeriu.

A terapeuta devia colocar­se no meio do recreio da escola e não se podia mexer, 
enquanto a criança corria a uma velocidade louca de um extremo do pátio para o 
outro. Ted impunha­lhe a

tarefa de adivinhar a sua fantasia secreta (a que ele chamava zona secreta) 
naquela fracção de segundo em que ele passava por ela. A regra deste jogo, e que 
deveria ser rigorosamente observada, consistia em que a criança deixaria cair a 
bola que segurava se a terapeuta tivesse adivinhado. No caso de ela não 
adivinhar, ele continuaria a correr com a mesma velocidade, e dar­lhe­ia de cada 
vez uma única oportunidade, um único aceno, um único segundo para adivinhar o 
segredo.

Nos casos raros em que a terapeuta conseguiu cumprir esta invulgar condição e 
adivinhar o segredo, a criança sentia­se viAvelmente aliviada durante o resto da 
sessão.

O jogo revela uma imagem exacta do sentimento de Ted, da sua quase total 
incapacidade de criar uma relaçã o com outras pessoas, de tal maneira que só se 
conseguia ajudá­lo mediante uma intervenção mágica, quiçá à maneira que 
conhecemos dos filmes em que a heroína é salva, no último momento por um

milagre, de um perigo ameaçador.

Os exemplos apresentados na literatura acerca de interpretações que são 
fornecidas às crianças oscilam entre grandes extremos.
Melanie Klein, por exemplo, publicou há pouco tempo um

livro sobre a análise coroada de êxito de um rapazinho de dez anos, Richard, ao 
qual explicou logo na primeira hora o seu medo de que a mãe fosse de noite 
assaltada e roubada como sendo o medo de que o pai pudesse fazer algo de mal à 
mãe durante a

noite. Depois explicou que ele talvez receasse que na cama acontecesse entre os 
pais, com os seus órgãos sexuais, alguma coisa que pudesse ferir a mãe. M. Klein 
conta que Richard reagiu a

estas assim como a outras interpretações inicialmente assustado, mas que depois 
pareceu aceitá­las.
Ao contrário disto, outros terapeutas ou não fornecem nenhumas interpretações, 
como se vê nos estudos de Moustakas, ou então interpretações muito cuidadosas e 
poucas. Como exemplo mencionaremos um caso que foi tratado com êxito por PhyIlis 
Blanchard, numa clínica orientada por Frederick Allen. É o caso

de Henry, de nove anos, que entrou numa clínica infantil devido a uma 
perturbação de linguagem e também por causa das suas dificuldades nas suas 
relações com outras crianças.

Só a partir da décima entrevista a Dr.a Blanchard começou com a interpretação de 
que ele talvez gostasse de ser Superman (o «super­homem» dos «comics» e filmes 
americanos) para poder fazer mal àqueles que odiava. Noutras raras 
interpretações indicou que naquele dia ele se portava tão bem porque receava 
que ela pudesse ficar zangada com ele; que ele sentia que as outras crianças 
não gostavam dele; que ele pensava que ninguém poderia gostar realmente dele, 
mesmo talvez a sua terapeuta, por ele ser

mau. Mas que ele não deveria recear tal coisa.

Paralelamente ao tratamento da criança mantiveram­se, como

acontece muitas vezes, conversas com a mãe, à qual se explicou como contribuía 
para as dificuldades do filho e como em vez disso o poderia ajudar.

Para os pais da nossa época, parece­me extraordinàriamente importante que 
conheçam a evolução dos medos inconscientes nos seus filhos e que tomem contacto 
com o moderno pensamento psicológico no campo da terapia infantil. Aliás, hoje 
emprega­se muito com crianças e mais ainda com jovens a terapia de grupo, da 
qual ainda falaremos.

Hipnose, treino autógeno e terapia pela música

A hipnose pertence aos métodos mais antigos da psicoterapia. Designa­se por 
hipnose (derivado da palavra grega para sono) um estado semelhante ao do sono, 
produzido artificialmente, em

cuja produção desempenha um papel importante a sugestão. Existe tanto a hipnose 
«estranha» como a «auto»­hipnose.

Depois das célebres e mal afamadas curas de Mesmer, em

que este se serviu do método a que ele próprio chamou «mesmerismo», a expressão 
hipnose foi primeiramente usada por J. Braid em 1843. Foi sobretudo o famoso 
psiquiatra francês J. Charcot quem desenvolveu a hipnose como uma técnica séria. 
Foi com ele que Freud aprendeu. A hipnose foi estudada pelos psicólogos em 
muitas experiências, desde os anos 20 do nosso século.
267 Os pacientes de Mesmer sentavam­se numa sala escura à volta de uma selha 
cheia de água e lâminas de ferro, da qual saíam barras de ferro. A estas 
apoiavam­se as partes do corpo doentes. Soava música, Mesmer entrava, punha a 
mão sobre os doentes ou tocava­lhes com a sua vara

e curava assim, como dizia, mediante «magnetismo animal»

Hoje a hipnose é uma técnica reconhecida, utilizada para produzir distensão e 
repouso. Também a aprendem cada vez

mais os dentistas, ginecólogos e outros médicos para desconectar as dores em 
operações da boca, partos, depois de queimaduras e

em outras ocasiões.

Os psiquiatras e psicólogos utilizam frequentemente a hipnose em conexão com a 
psicoterapia, quando se trata de determinados problemas como a recordação de 
vivências infantis remotas, ou

de se conseguir uma distensão total.

Um método desenvolvido sistemàticamente com o fim de conseguir uma distensão 
total, e que está extraordinàriamente difundido especialmente na Europa, é o 
treino autógeno de J. H. Schultz. Consiste numa técnica de auto­hipnose, que se 
aprende por meio de exercícios.

Schultz delimita o seu método em relação aos sistemas psicoterapêuticos que 
modificam a personalidade designando o «grau inferior» do treino autógeno como 
um processo de exercício e de mudança que vai «desde a cultura física até ao 
tratamento da febre e leucotomia» (entendendo­se aqui por «leucotomia» uma

separação psíquica entre as realizações motoras e espirituais superiores e os 
afectos provenientes das camadas inferiores do cérebro, separação essa análoga a 
uma operação cirúrgica do cérebro). Ao «grau superior» chama uma submersão que 
implica um confronto imediato com o mundo interior. Nesta submersão ensina uma 
«instrução de posição» que, baseando­se nas suas
experiências, se adequa a permitir que as pessoas se desenvolvam desde a 
autocompreensão até à auto­realização.

O próprio Dr. Schultz formulou amàvelmente os êxitos conseguidos com o seu 
método, pelas seguintes palavras:

«No grau inferior, o treino autógeno proporciona repouso àqueles que fazem 
regularmente os exercícios (assim muitas pessoas, treinadas por outras razões, 
anunciam passados alguns meses que já não são capazes de se arreliar); além 
disso, uma

rápida possibilidade de restabelecimento (assim, o Dr. Hannes Lindemann, um 
jovem médico, pôde com a sua ajuda atravessar o Atlântico sãzinho durante 72 
dias e noites num pequeno barco desmontável, de fabricaçã o em série); domínio 
de funções habitualmente «arbitrárias» (assim, um desportista soterrado a 300 C 
negativos debaixo de uma avalanche de neve, com a ajuda do grau inferior, 
mediante mais forte irrigação sanguínea das orelhas, nariz e dedos dos pés e das 
mãos, que ele próprio activava, preservou­se dos enregelamentos que atingiram 
todos os seus

camaradas); aumento de resistência contra constipações é frequentemente relatado 
(como por exemplo da clínica de Ernst Kretschmer), autodeterminação automática 
através de «formações de propósitos em fórmulas» (uma professora de 46 anos, 
treinada com êxito por causa de graves perturbações da menopausa, com

os mais graves e justificados complexos de inferioridade em

todos os campos essenciais da vida, e com uma correspondente posição de 
recalcamento desencorajado, atingiu com a fórmula «Eu represento o meu direito» 
uma modificação total da sua

atitude para com a vida e o mundo ambiente).

A grande importância psico­higiénica do treino autógeno foi valorada, fora do 
nosso círculo de trabalho, especialmente pelo Professor Heinrich Meng, de 
Basileia, o primeiro professor universitário desta cadeira.»

Schultz é de opinião que o seu método só pode ser utilizado por médicos e no 
grau superior por psiquiatras de formação psicanalítica.

Um método relacionado com o treino autógeno é a terapia pela música, 
desenvolvida por Hildebrand Teirich, que aliás também é usada noutros sítios e 
sem esta ligação com uma técnica de hipnose. Também o Dr. Teirich me forneceu 
amàvelmente um breve resumo do seu processo.

O método por ele desenvolvido liga o treino autógeno com

a música:

«Depois de terminar o treino autógeno realizado em comum, o paciente fica 
deitado distendido no sofá e é­lhe transmitida música. Isto acontece de uma 
maneira especial: o paciente não
só ouve a música mas sente­a também’   pois as vibrações do som irradiam, 
através de uma instalação especial, do sofá para a região do «plexus solaris» ­ 
esta é a rede da cavidade abdominal ou rede solar, o mais poderoso sistema 
reticular do sistema neurovegetativo ­ com o que se produz um aumento de 
irrigação sanguínea e de aquecimento altamente desejável no treino autógeno, 
produzindo­se um estado invulgarmente agradável que pode levar até ao transe.

Por razões científicas só se transmitem os seguintes discos: a Tocata e Fuga em 
ré menor de Bach (em órgão), pois aqui estão especialmente acentuados os baixos, 
que exercem um efeito especial sobre o sistema vegetativo, e visto que a música 
desta espécie impulsiona fortemente associações e imagens interiores. Nas 
pessoas eidèticamente dotadas, isto é, naquelas que pensam em imagens, mostrou­
se eficiente a «Moldávia» de Smetana, visto que aqui se exprime especialmente 
bem a sensação de «fluir» que, como se sabe, aparece também na vivência da 
distensão.» (0 Dr. Teirich acentuou que não acreditava que determinada música 
fosse especialmente eficaz em determinados doentes mas os discos aqui 
mencionados revelaram­se eficientes no modo peculiar da sua clínica).

Um produto acessório do método são quadros que os pacientes pintam sob a 
influência da música. O paciente tem a possibilidade, a seguir ao treino 
autógeno, de ficar ainda na sala de espera (onde se encontra sàzinho) e de 
desenhar as imagens interiores que lhe ocorreram durante a vivência de 
distensão, ou pode levar para casa o disco ouvido ou cores especiais ­estas são 
constituídas por potezinhos de cores que possibilitam a pintura directamente com 
os dedos­, ou giz de óleo ou coisas parecidas, e aí criar imagens. Alguns 
quadros realizados sob a

influência da música revelam aliás uma certa parecença com aqueles que Walt 
Disney representou outrora em «Fantasia».

Psicofarmacologia e terapia de choque

Enquanto que as técnicas de hipnose são hoje utilizadas em diversos aspectos 
pelos psicólogos, as terapias de choque e farmacológicas são do domínio 
exclusivo do médico. Em muitos casos, contudo, em numerosas clínicas assim como 
na clínica particular, encontramos médicos e psicólogos em estreita colaboração, 
encarregando­se o médico do tratamento médico e o psicólogo do tratamento 
psicoterapêutico de um caso.

Na terapia de choque dá­se em altas doses insulina ou cardiazol, ou fazem­se 
incidír correntes eléctricas sobre o cérebro
(electrochoque). A terapia farmacológica trabalha com produtos farmacêuticos, a 
que se dá o nome de psicofá rmacos.

Aliás discute­se ainda muito a questão se será aconselhável a aplicação destes 
meios físicos de tratamento quando se trata de doenças psíquicas, isto é, 
mentais.

Por um lado, a solução da questão depende em grande parte da interpretação 
teórica da génese das doenças psíquicas. Neste ponto, os especialistas 
convencidos do papel preponderante da hereditariedade opõem­se decididamente 
àqueles que dão a primazia às causas psicogénicas. Um excelente representante do 
primeiro grupo é o psiquiatra norueguês Gabriel Langfeldt, que há pouco 
apresentou sistemàticamente os princípios da psiquiatria escandinava. Ele 
acentuou no seu relatório o enorme interesse dos factores constitucionais nas 
doenças mentais e salienta que uma psicoterapia de longa duração não é aplicada 
frequentemente na Escandinávia. Ele dá um valor limitado à psicanálise e cita 
outros psiquiatras escandinavos que são da mesma opínião. Parece que, pelo 
contrário, aqui se preferem métodos de medicação.

O conhecido psicanalista Lawrence S. Kubie exprime­se, pelo contrário bastante 
cèpticamente acerca do valor da psicofarmacologia. Fá­lo em conexão com um 
excelente e recente relatório de investigação sobre «Medicamentos e 
comportamento» (Drugs and Behavior), que acaba de ser publicado por L. Uhr e J. 
G. Miller. Kubie vê apenas uma utilidade muito limitada na aplicação de drogas, 
que realmente dão resultados imediatos onde estes são urgentemente necessários, 
mas cuja capacidade de modificar realmente a personalidade humana ainda é por 
enquanto contestável.

E este é o verdadeiro problema: em que consistem os efeitos reais de tais 
medicamentos? «De modo nervoso» diz F. Bello em
1957 num estudo sobre Tranquilizer (também se chama a estes sedativos de efeitos 
calmantes e distensores Atarácticos), «de modo nervoso os Estados Unidos entram 
numa nova era, na era da modificação da personalidade humana mediante meios 
químicos». No volume publicado por Uhr e Miller, um grande número de 
colaboradores analisa os efeitos produzidos por drogas; este vasto trabalho 
sobre os produtos farmacológicos, só desde há cerca de vinte anos usados na 
psiquiatria, mas cada vez em maior número, esclarece­nos acerca do enorme 
âmbito, assim como da grande complexidade dos fenómenos de que aqui se trata.

Mas visto que, como geralmente se sabe, estes medicamentos se destinam em 
primeira linha ao tratamento de perturbações psíquicas e emocionais graves, não 
há nenhuma razão para lhe
dedicarmos dentro do quadro da nossa exposição qualquer tratamento 
pormenorizado. Como salienta H. E. Himwich numa das suas contribuições à obra de 
conjunto mencionada, certos atarácticos revelaram­se temporàriamente eficazes em 
estados de angústia e tensão, em. que tanto podem cair os neuróticos como as 
pessoas normais. Mas muitos pacientes preferem passar sem

«Muletas» desta espécie.

A terapia de grupo

A terapia de grupo pertence hoje aos métodos especiais com

mais êxito e conta­se entre os mais populares. De facto ela evoluiu em tal 
medida no sentido dum método principal, que muitos terapeutas a utilizam 
simultâneamente com a terapia individual ou até se dedicam mais ou menos 
exclusivamente à terapia de grupo.

Apesar de ser a forma mais moderna do tratamento psicoterapêutico, a terapia de 
grupo tem uma pré­história longa e

interessante que G. Bach e H. Illing há pouco apresentaram. Nas suas duas 
principais formas actuais, a terapia de grupo foi criada por um lado por J. 
Moreno já em 1923, e por outro lado por P. Schilder e L. Wender. S. R. Slavson 
publicou o primeiro manual em 1937.

Antes de estudarmos estas variantes, teremos de determinar primeiramente o que 
se deve entender por terapia de grupo. Tal como o nome indica, a terapia neste 
processo é realizada no

grupo e em grande parte pelo grupo.

A muitos que ouvem isto, parecerá absurdo especialmente o último aspecto. Como é 
que leigos, como é que pacientes podem tratar­se uns aos outros? É claro que só 
o podem dentro de certos limites e dentro de grupos que actuam construtivamente 
em conjunto. Por isso a orientação por um especialista habilitado é condição 
prévia para um avançar mais profundo nos problemas dos membros isolados do 
grupo. Os grupos hoje em muitos sítios formados por alcoólicos, viciados de 
pílulas e de estupefacientes e outros, que se uniram com o fim de se ajudarem a

si próprios, relatam acerca de resultados favoráveis mas que se

limitam essencialmente ao domínio de vícios ou compulsividades específicas.
O grupo normal que trabalha sob a orientação de um psicólogo ou psiquiatra é 
constituído por seis a doze componentes que se sentam em círculo e discutem 
livremente problemas. Alguns terapeutas preferem trabalhar em grupos muito 
pequenos de três ou quatro pacientes, outros com grupos muito grandes
que podem chegar até 60 pacientes. A maioria dos membros de grupos em média 
grandes encontram­se ao mesmo tempo em tratamento individual com o mesmo 
terapeuta.

A escolha dos componentes de um ou outro grupo, ou da participação na terapia de 
grupo, é realizada pelos diversos terápeutas segundo pontos de vista diferentes. 
Muitos tomam em

consideração até certo grau, além da gravidade da perturbação existente, também 
a espécie de problemas do paciente, assim como a idade, a classe profissional, 
etc.

A discussão, que na maioria é impulsionada pelos componentes, desenvolve­se sem 
constrangimento. O carácter da orientação varia com a orientação teórica assim 
como com a

personalidade do terapeuta. Analistas e não analistas poderão influenciar os 
fenómenos nos seus grupos de modo diferente, de acordo com os princípios que 
aplicam também na terapia individual.

De acordo com a natureza da coisa, os grupos prestam­se melhor para o estudo 
daqueles problemas que dizem respeito às relações humanas recíprocas. Ao 
contrário da terapia individual, na qual o paciente apenas pode fornecer um 
relato acerca das suas relações para com os outros, o grupo oferece ao paciente 
tal como ao terapeuta ocasião para ver em plena acção a personalidade social de 
todos. As declarações abertas e recíprocas, as

reacções de cada um sobre os outros indivíduos, assim como sobre o grupo como 
todo, trazem à luz posições sociais e em

grande medida também sexuais, tal como não é possível em

nenhuma outra situação. A tolerância mútua que os membros do grupo adoptam 
porque todos sabem que também eles têm defeitos, o sigilo dos segredos dos 
componentes como segredo do grupo, que por sua vez está garantido pelo facto de 
todos estarem do mesmo modo interessados na discussão ­tudo isto torna o grupo 
um instrumento único de auxílio mútuo.

Alguns exemplos dar­nos­ão da maneira mais rápida uma

ideia daquilo que se passa na terapia de grupo.

O primeiro grupo começa com o problema agudo de um
participante que está às portas de um exame. Alfred, que já encontrámos 
repetidas vezes, um jovem engenheiro trabalhador e hiperconsciencioso, tenciona 
fazer o seu doutoramento. Ele abre a sessão falando das suas eternas 
preocupações.

ALFRED: Tenho um problema: Preocupo­me sempre demasíado. Sou um autêntico 
inventor de preocupações. Não sei como

é que isso começou nem quando. Mas de momento torna­se­me insuportável. Tortura­
me. Sempre tive preocupações, na escola
e no College. Mas agora é pior que nunca. E agora tenho um

medo desnecessário de não conseguir estudar tudo até ao exame.

JOHN: Trabalha com a intenção de alcançar a perfeição? ALFRED: Sim, sempre. 
GRACE: Sente que'realiza menos do que corresponde às suas capacidades?

ALFRED: Sim, em todo o caso critico­me conúnuamente e digo a mim próprio que 
poderia fazer melhor.

JOIIN: É a sua família que o incita, ou é a pressão da sociedade?

ALFRED: Não, a pressão vem de mim próprio. Talvez a razão esteja em eu esperar e 
ter esperança de me encontrar a mim próprio através das realizações, como já 
vimos anteriormente.

MARK: É que você espera demasiado de si próprio. A mim também me acontece isso 
frequentemente. Ou talvez não esteja no ramo que lhe competiria?

ALFRED: Não, não creio. Eu não daria noutras profissões. Mas eu também me estou 
constantemente a preocupar com outras coisas. Por exemplo com o meu automóvel. E 
com assuntos financeiros. E com problemas sociais.

BARBARA: Quais são as suas preocupações com problemas sociais?

ALFRED: É que não me adapto de maneira nenhuma a qualquer forma de 
sociabilidade. Resolvi simplesmente pôr isso de parte.

PHYLLIS: Tem receio que as raparigas não queiram sair consigo?

ALFRED: Eu saio por vezes. Mas não me sinto bem quando o faço. Antes da minha 
terapia nem sequer saía. Agora saio, mas

receio ser repelido.

Nesta sessão, que é em grande parte dedicada a Alfred, colabora a maioria dos 
membros do grupo. A interferência posterior da terapeuta leva Alfred a 
relacionar as suas contínuas preocupações com a sua relação para com a mãe, que 
já expusemos (pág. 138). A sua decisão precoce de «nunca cometer um erro>@ 
torna­lhe a vida cada vez mais insuportável. Discute­se a

questão da superação deste perfeccionismo.
A sessão de um grupo dirigido por George Bach decorre de modo parecido. O texto 
encontra­se no seu livro sobre «Terapia de grupo intensiva», muito difundido.

O pretexto foi a partida em viagem da mãe de um dos membros femininos do grupo. 
A atitude inamistosa desta para com

a mãe, acompanhada de complexos de culpa para com ela, levam
a uma, discussão sobre a atitude de diversos outros componentes do grupo para 
com as suas mães (F refere­se a participantes femininos, M refere­se a 
participantes masculinos).

H­F: Eu não posso compreender E­F. B­M: O que é que não pode compreender? Que a 
mãe a enerve?

H­F: Não, que ela não queira ter a mãe em casa. E­F: Ela sente que se trata de 
uma horrível rejeição da mãe. TERAPEUTA: Se a sua mãe fosse ainda viva quereria 
que ela vivesse consigo?

H­F: Sim. E­F: Não, você não o quereria. Você dizia antigamente que não queria 
viver com a sua irmã, e essa é uma situação muito parecida.

TERAPEUTA: Interessa­lhe muito a posição de LI­F? E­F: Sim, interessa­me muito. 
TERAPEUTA: E o que se passa consigo própria? E­F: Eu tenho o mesmo problema que 
ela exactamente. E só tenho uma solução, a solução que a minha mãe impõe. E eu 
não

posso fazer nada.

G­M: Porque é que não quer a sua mãe em casa? E­F:  Porque não nos entendemos. 
G­M:  Porque não? E­F: Ela está sempre a dizer­me o que hei­de fazer ou deixar 
de fazer.

A­M:  Ora, essa é exactamente a situação em que me encontro também.   Todos 
aqueles cuja mãe vive nas proximidades estão nessa situação. As nossas mães não 
se conseguem nunca desabituar de nós.

Ao tratar de problemas agudos ou também crónicos que são comuns às pessoas ou em 
que elas se podem entender reciprocamente, ajudam­se mútuamente na procura de 
melhores soluções ou pelo menos em se sentirem aliviados acerca das suas 
preocupações e remorsos.

Muitos terapeutas têm grupos com continuidade, que se

mantêm durante anos; deles vão saindo aqueles que terminaram

a sua terapia e no seu lugar vão­se admitindo novos participantes. Por vezes 
inicia­se um grupo exclusivamente com participantes novos, e neste caso revelam­
se muitas vezes de início inibições. Estes receios daquele que entra numa nova 
relação social são aproveitados imediatamente por um terapeuta hábil mediante 
interpretações a favor do processo. Raymond Corsini dá­nos um
bom exemplo no seu valioso livro «Métodos da terapia de grupo».
O terapeuta explica a modo de introdução a finalidade e a maneira de trabalhar 
da terapia de grupo. Depois convida o

grupo, composto de três membros masculinos e três femininos, a começar a 
discussão.

TERAPEUTA: Quem'quer começar? A: Parece que ninguém quer começar. TERAPEUTA: É 
difícil começar. Todos esperam que seja um

dos outros a fazê­lo. Isto ensina­nos que somos todos iguais a ter medo de novas 
situações. Mas talvez não seja um acaso que tenha sido o senhor, senhor A, a 
falar primeiro. O que é que isso poderá significar?

A: Eu sou um pouco impulsivo. É típico da minha pessoa ser eu a tomar a 
iniciativa. E, na realidade, é esse um dos meus problemas... Eu creio que às 
pessoas não agrada que eu seja tão agressivo.

X: No entanto, eu creio que neste caso agiu muito bem. Ninguém queria dizer nada 
e o facto de você ter começado provocou­me uma sensação agradável. Você quebrou 
o gelo.

A: Mas um quebra­gelos sofre muitos danos, e por vezes fica preso no gelo.

A observação do terapeuta está de tal maneira concebida que um dos participantes 
imediatamente tem ocasião para uma auto­observação. Esta é naturalmente apenas 
uma das técnicas possíveis que o terapeuta pode escolher. Neste caso trata­se de 
um terapeuta muito activo.

Até aqui tratámos apenas a forma de discussão da terapia de grupo. O psicodrama 
introduzido genialmente por J. Moreno representa uma segunda forma que alguns 
terapeutas utilizam entrelaçada na discussão, outros como método à parte.

O psicodrarna, também chamado representação de papéis, consiste em participantes 
de grupos representarem certas cenas

em que apresentam os seus problemas. Moreno construiu em

Nova Iorque um teatro próprio para a terapia psícodramátíca. Ele utiliza 
assistentes a que chama «0 outro Eu» (alter ego) e que estão treinados para 
fazer sobressair outros aspectos do Eu e dos conflitos. A experiência mostra que 
nestas representações se avivam mais fortemente as emoções do que na simples 
discussão, e que assim se tornam nítidas muitas coisas que anteriormente não 
eram claras para ninguém.
Assim, por exemplo, num dos meus grupos, um jovem que se queixava que as 
raparigas depois de um ou dois encontros já não queriam voltar a sair com ele, 
compreendeu claramente a razão dessa recusa, quando se representaram as cenas no 
grupo: Viu­se que nunca se preocupava com os desejos da rapariga,
mas era ele que determinava tudo o que haviam de empreender juntos, onde haviam 
de comer e mais coisas análogas.

O método do psícodrama é muito especialmente apropriado para crianças e jovens, 
cujo tratamento em grupos é considerado geralmente extraordinàriamente coroado 
de êxito.

A Dr a Zelda Wolpe, psicóloga infantil de grande experiência, pôs amàvelmente à 
minha disposição uma cena dramática cuja representação foi levada a cabo por um 
grupo de jovens de doze a dezasseis anos.

Serena, um dos membros mais velhos do grupo, falava da maneira como o pai a 
fazia infeliz muitas vezes. Ela explica o seu conflito: que por um lado ama 
muito o pai e o considera um homem admirável, mas que por outro lado ele deixa 
recair sobre a família as suas próprias frustrações, especialmente quando volta 
do escritório arreliado e cansado.

TERAPEUTA: Vamos representar a cena. Serena representa­se a si própria, Joan é a 
mãe e Bruce o pai (os três retiram­se um

momento para combinarem a cena).

«PAI» (entra): Serena, deixaste um bocado de papel em cima da relva; isso não dá 
bom aspecto à frente da casa. Se eu voltar a ver isso, zango­me a valer. Talvez 
penses que se exige demasiado de ti.

SERENA: Lá estás tu com as tuas observações amáveis. Eu própria gosto de ver 
tudo bonito e não penso que exigem demasiado de mim. Porque é que tens de estar 
sempre a dizer essas coisas desagradáveis, Papá? ­ Então atira­me à cara um 
bocado de papel ­ É sempre assim, nem sequer posso falar contigo, digo eu.

«PAI»: Cala a boca. SERENA: Nunca posso dizer nada. É como se eu não fosse nada.

«MÃE»: Tu não devias vir para casa, Greg, para descarregar as tuas arrelias 
sobre a tua filha.

SERENA: Então começo a chorar e vou para o meu quarto      ... Choro por causa 
do meu próprio desespero perante esta tirania  ...

CHR1SSIE: É exactamente como o meu pai, sómente que não me atira nada à cara. 
Ele diverte­se à minha custa, é sarcástico. Às vezes era capaz de o matar.

SERENA: Eu grito: «Odeio­te». E apesar disso compreendo o
seu comportamento ­é que ele tem muitos problemas neste momento...

Originàriamente havia em muitos casos na terapia de grupo a ideia que este 
método era recomendável porque tornava mais suportável económicamente a um 
grande número de pessoas a
participação na terapia, e assim tornava acessível a psicoterapia a muito mais 
gente. Hoje, contudo, todos sabem que ­independentemente de questões económicas 
­ a terapia de grupo tem um valor insubstituíve 1.

O método difunde­se num número crescente de variações. Aplica­se na orientação 
matrimonial e familiar, entre empregados e administradores, em clínicas, prisões 
e outras instituições. No capítulo final chamaremos ainda a atenção para o seu 
valor como

método de educação.

O Dr. George Bach relata num resumo que há pouco pôs ao meu dispor, que hoje nos 
Estados Unidos participam cerca de
20 000 pacientes em grupos de terapia e que cerca de 1500 psicoterapeutas de 
grupo pertencem a associaçõ es profissionais.

O movimento é absolutamente internacional e os seus representantes pertencem às 
mais variadas escolas psicológicas.

Na Europa o maior interesse pela terapia de grupo deve encontrar­se em 
Inglaterra. São conhecidas as obras de W. R. Bion, H. Ezriel e H. S. Foulkes. Na 
clínica de Tavistock em Londres fazem­se experiências com diversos métodos de 
grupo.

No círculo de língua alemã deve ser H. Teirich o mais conhecido representante do 
método. Também em outros países europeus se pratica cada vez mais a terapia de 
grupo.
XIV­ A psicologia industrial

Como todos os ramos da Psicologia, também a psicologia industrial se desenvolveu 
extraordinàriamente. Faremos em seguida uma curta exposição sobre dois dos 
campos mais importantes, a psicologia de empresa e a psicologia de mercados. Se 
este capítulo é relativamente curto em oposição ao anterior, «As profissões de 
assistência», isso explica­se pela finalidade deste livro: ele pretende chamar o 
mais possível a atenção para o significado eminente da Psicologia no âmbito de 
todos os campos da vida da nossa época, contudo a sua missã o principal consiste 
em fazer ressaltar aquilo que podemos aproveitar da psicologia moderna para a 
nossa vida pessoal. Neste sentido, a psicologia industrial tem um interesse mais 
especializado do que um interesse humano geral. Apesar disso, também neste campo 
tem muita importância a nossa orientação actual de vida. Trata­se da atitude em 
relação ao homem, pondo­se totalmente de parte o tratamento do homem como uma 
máquina de trabalho, que apareceu originàriamente na época industrial.

1. A PSICOLOGIA DE EMPRESA

«No princípio», assim diz Arthur Mayer no seu capítulo de introdução à grande 
obra «Psicologia de Empresa», editada por ele e por B. Herwig, «a técnica 
ganhara um prestígio tão inabalável, que se julgava poder resolver todos os 
problemas económicos, sociais e humanos mediante a aplicação das suas leis e 
ordens».

Assim, no início do nosso século falava­se da psicologia aplicada na empresa 
como da ciência da Psicotécnica. A teoria e a prática daquela época estavam sob 
a alçada daquilo a que se chamava o «Taylorismo», isto é, a ideia de uma 
«organização científica do trabalho» e de uma «orientação científica da

37
268 «Room for understanding» ­ «Sala da compreensão» numa empresa moderna: a 
psicologia de empresas pretende fomentar as relações do homem que trabalha para 
com os seus companheiros de trabalho e para com a

empresa

empresa», concebida por Frederick W. Taylor. Esta pretendia colocar os operarios 
como «indivíduos se. ... ..                  rados» no lugar mais adequado pa 
para eles, a fim de alcançarem o

seu máximo de realizações. Mas o

que Taylor, cujas obras principais apareceram em 1903 e 1911, não viu foram os 
aspectos sociais do trabalho humano. A realização e a

satisfação dela resultante foram encaradas por ele sem compreensão para com os 
mais importantes .. ........... motivos humanos.

Mayer chama a atenção para o facto de os problemas sociais que apareceram já no 
início da industrialização terem sido considerados durante muito tempo como 
«questões de assistência e beneficência social e política». Só a pouco e pouco 
se percebeu que são extraordinàriamente importantes as relações do homem 
trabalhador para com os seus companheiros de trabalho e para com a empresa. 
Especialmente os famosos estudos Hawthorne, que se realizaram na Western 
Electric Company em Chicago, e

cujos resultados foram interpretados por Elton Mayo, Roethlisberger e outros, 
mostraram que o mais importante para o comportamento no trabalho são as relações 
inter­humanas em grupos «formais» e, ainda mais, « informaís». Mayo verificou 
que enquanto a capacidade de realização da humanidade tem aumentado 
confinuamente de há 200 anos para cá, durante o mesmo período de tempo a 
capacidade humana de trabalho em conjunto tem diminuído continuamente.

Estas e outras investigações chamaram a atenção dos psicólogos para a estrutura 
social da empresa. Como factores decisivos devem referir­se sobretudo o grupo de 
trabalho e a orientação da empresa.

Os pequenos grupos informais de trabalho representam, como dissemos, «ilhas 
humanas» dentro da estrutura de organização técnico­formal da empresa 
industrial. Como já revelaram
os estudos Hawthorne e mais tarde outras observações, o grupo informal de 
trabalho tem uma influência decisiva sobre a moral de trabalho, a produtividade 
e a satisfação individual. As normas de comportamento e a prática do trabalho 
dependem igualmente do modo e grau do trabalho em conjunto dentro destes grupos.

As observações originàriamente feitas em empresas industriais ainda hoje são 
consideradas válidas também para escritórios e serviços administrativos.

Os grupos de trabalho são um factor importante, embora não sejam o único que é 
decisivo para condições de trabalho favoráveis. Para além da influência da vida 
do grupo tem importância todo o conjunto da organizaçã o de uma empresa, e 
especialmente o modo de orientação representa um segundo factor de grande 
influência.

Como escreve E. Lõssl num capítulo do manual citado, dedi­ cado à «organização 
do pessoal» na empresa, outrora parecia suficiente uma «cooperação espontânea» 
para dominar as limitadas necessidades de organização. Hoje existe em seu lugar 
o

management. RechIer designa como função do «management» o

«planeamento, contrôle, previsão, coordenação, realização de ideias, 
ensinamento, orientação e entusiasmo de pessoas».

Na organização do pessoal assim como na direcção do trabalho em grupo há então 
diversos estilos de chefia. Em experiências, compararam­se, no que respeita o 
seu êxito total, a

chefia «democrática» e superiores «orientados no sentido do operário», com 
superiores «autoritários» e «orientados no sentido da produção», e verificou­se 
que os primeiros tinham mais êxito.

Aquilo a que D. Cartwright chamou «chefia comum» revela­se humanamente bastante 
satisfatório. Trata­se de uma forma de organização em que o operário participa 
na chefia da empresa.

Na formação do «management» americano dá­se, ao lado do factor da organização, 
especial atenção ao factor da relação pessoal entre superiores e empregados, 
isto é, operários. Muitos dirigentes de empresas frequentam hoje cursos 
psicológicos para adquirirem formação de sensitividade social. Neste treino de 
sensitividade estuda­se, normalmente em forma de representações de papéis de 
tipo psicodramático, o efeito da própria personalidade sobre os outros e 
analisa­se a acção recíproca das diversas pessoas umas sobre as outras. E assim 
se pode demonstrar pràticamente qual a espécie de chefia que é realmente eficaz.

Se a moderna direcção de empresas procura assim estruturar os factores sociais 
do trabalho dentro do quadro de organizações de maneira humanamente 
satisfatória, por outro lado a psicologia do trabalho pretende desenvolver a 
estrutura do trabalho
mediante condições de trabalho e métodos de trabalho favoráveis, assim como 
através de auxílio na escolha profissional e

formação profissional, tornando­o uma ocupação que satisfaça o indivíduo.

Os estudos extraordinàriamente vastos dentro do campo da psicologia do trabalho 
estendem­se, de acordo com isso, tanto às questões das condições psicofísicas 
mais favoráveis do lugar de trabalho, horas de trabalho, descansos, dados 
climáticos e muitos outros, como à questão de aptidão profissional, escolha 
profissional, formação profissional e muitas outras coisas parecidas.

A questão é saber o que significam estas vastas investigações para a vida do 
homem moderno. A psicologia industrial actual vê e estuda evidentemente o 
trabalho nos seus dois âmbitos fundamentais: no seu significado para a evolução 
pessoal do indivíduo e para a estruturação do decurso da sua vida, assim como

no seu significado para o papel social do indivíduo e para a estruturação da sua 
inserção social. O resultado provisório parece­me ser que o aumento dos 
conhecimentos nos dão a possibilidade de ter em maior conta a motivação 
individual no que respeita ao

trabalho, que estamos em condições de ajuizar melhor as capacidades e as 
condições para determinadas actividades, e que podemos ter melhor em 
consideração os factores de satisfação social assim como os de pressã o social. 
Outro progresso importante é o facto de cada vez mais se tratarem clínica e 
psicológicamente os problemas e conflitos de indivíduos e grupos que trabalham. 
Assim, se continuar a desenvolver­se a psicologia de empresas, tão jovem ainda, 
podemos esperar que consigamos estruturar o

trabalho de modo a torná­lo cada vez mais um factor de vida mais positivamente 
vivido e mais construtivo também para as grandes massas daqueles que ainda hoje 
estão em grande parte insatisfeitos.

2. A CUNHAGEM PROFISSIONAL DA PERSONALIDADE

NO AMBITO DA EMPRESA

Entre os estudos psicológicos modernos mais interessantes encontram­se, a meu 
ver, aqueles em que se analisa a cunhagem de personalidade formada através da 
actividade profissional.

Já tivemos ocasião de ver o que significa cunhagem quando estudámos o problema 
do desenvolvimento humano. H. Thomae, assim como P. Hofstãtter, consideram a 
cunhagem sobretudo como resultado de um processo natural de aprendizagem, 
através do qual o indivíduo, no decorrer da sua vida, se fixa a pouco e pouco em 
determinados padrões de comportamento.
Nos modernos estudos profissionais mostra­se agora como

o homem que trabalha ­ e justamente tanto aquele que trabalha nas organizações 
de indústria e administração como aquele que trabalha em profissões liberais ­ é 
cunhado pelas condições e

exigências da sua profissão.

O motivo originário para esta investigação foi o problema do operário de 
fábrica, cuja actividade foi considerada especialmente insatisfatória, devido à 
sua monotonia e devido à sua falta de importância dentro do conjunto do processo 
de produção.

Chris Argyris discute os factos de o trabalhador não ter «contrôle» do seu 
ambiente de trabalho e de não poder fazer planos de futuro em relação ao seu 
trabalho por não ter influência nem informações no que respeita ao futuro desse 
trabalho, e expõe que estas circunstâncias têm de impedir de tal maneira o 
desenvolvimento da personalidade, que levam à passividade, submissão, falta de 
«contrôle» sobre as próprias acções e a uma

perspectiva de tempo curta ­ tudo características de imaturidade.

Já conhecemos as diferentes evoluções nas modernas empresas que procuram 
combater estes factores, favorecendo a reunião de pequenos grupos informais e a 
participação na chefia da empresa. Alguns investigadores consideram um bom 
capataz como

o factor mais importante para a vida habitual do trabalhador na fita 
transportadora, e como mostram especialmente estudos de Walker, Guest e Turner, 
aquele pode, conseguindo relações pessoais para com os seus homens e através da 
maneira como os trata, transformar a situação de trabalho anónima e impessoal 
numa situação individual.

Apesar disso, não há dúvida de que o trabalho da fábrica é mais inibidor do que 
impulsionador para o desenvolvimento da personalidade do indivíduo.

Robert K. Merton e também Arthur K. Davis estudaram as organizações burocráticas 
no que respeita à maneira como influenciam os empregados, isto é, funcionários, 
no desenvolvimento da sua personalidade. Merton acentua como a pressão que tem 
em

vista um comportamento metódico, disciplinado e politicamente cuidadoso imprime 
uma marca à personalidade do funcionário. A observância de regras, diz Merton, 
que originàriamente apenas eram impostas como meios para se atingir o fim da 
confiança, discrição, etc., transforma­se a pouco e pouco em finalidade própria; 
e a isso acrescenta­se também aqui uma despersonalização, uma falta de 
personalização das relações pessoais.

No oficial, cuja vida profissional é descrita por Davis, acrescenta­se ainda a 
extrema formalidade das relações, que se mantém mesmo na vida social e faz com 
que ela se torne rígida e impes­
soal. O oficial de marinha está para além disso ainda longe da terra firme, 
isolado devido ao seu serviço, e tanto ele como a família raramente se podem 
radicar num sítio qualquer. É a sua

organização que passa a ser a sua terra. Davis comenta além disso a influência 
cunhadora que exercem as regras rígidas no

que respeita à ordem de patentes e ao ritual profissional e social.

Muitos trabalhos ocupam­se da estrutura de personalidade do empregado com 
funções de chefia. Na realidade, muitos sonham com a imagem do jovem comerciante 
com pretensões a «chefe de secção» e «director» . Num espirituoso estudo sobre 
valores culturais Donald A. Bloch expõe como esta imagem da personalidade 
simpática, autodominada e comedida do jovem e

triunfante «executive» representa o ideal para a classe média americana, mas em 
muitos casos também é a imagem idealizada que os terapeutas vêem diante de si 
para os seus doentes.

Outras observações, pelo contrário, mostram a pressão sob a qual se encontra 
aquele que toma posições de chefia dentro da vida industrial. William E. Henry 
discute as exigências a que ele tem de bastar: ele tem de viver exactamente de 
acordo com as normas do «mundo dos superiores» e de pertencer aos clubes, 
partidos e outros grupos «correctos»; tem de se manter continuamente activo, tem 
de recear continuamente vir a ser ultrapassado e posto de lado, nunca pode 
cometer um erro, e nunca se pode sentir totalmente seguro dentro da sua posição.

Parece­me especialmente interessante um estudo de William F. Whyte sobre a 
cunhagem da personalidade numa profissão de serviço, neste caso a da criada de 
restaurante. O trabalho de Whyte faz parte de uma grande investigação de 
psicologia industrial feita pelo sindicato das hospedarias.

Nesta categoria profissional é a adaptação às exigências de uma clientela, 
perante a qual não se tem a mínima possibilidade de contradição, que desempenha 
o papel principal. A pressão é aqui extraordinàriamente grande.

«0 pior», diz uma criada de restaurante a Whyte durante a

entrevista, «é que quando os fregueses são desagradáveis não nos podemos 
defender e dizer­lhes a nossa opinião. Temos de engolir tudo. É isso que torna 
tão extenuante o trabalho. Seria muito mais fácil para nós se pudéssemos dar uma 
resposta.»
«Apetecia­me gritar», disse uma outra, «mas como não o podia fazer, saí a correr 
para chorar.»

Whyte chegou à conclusão de que a quantidade das lágrimas choradas estava em 
relação com a quantidade de tempo desde o qual a criada de servir tinha 
experiência no seu serviço. Ter de engolir ofensas, não receber louvores 
esperados e não poder
<@O cliente tem sempre razão» ­ esta lei de tradição faz com que a profissão de 
criada de restaurante, além de fisicamente fatigante, seja

sobretudo psiquicamente muito difícil

defender­se de críticas injustas ­tudo isto torna esta profissão uma profissão 
psiquicamente difícil para a qual são necessários grande autodomínio, equilíbrio 
interno, assim como autoconfiança.

Outras investigações ocupam­se com a cunhagem da personalidade do médico, da 
enfermeira, da telefonista, do funcionário dos caminhos de ferro e outros. Estes 
estudos deixam entrever o início de uma nova maneira de apreensão da 
personalidade proveniente da psicologia industrial. E isso será então 
especialmente interessante, quando um dia pudermos vir a comparar a cunhagem 
profissional da personalidade nas diversas culturas.
O que há aqui de novo sob o ponto de vista do método é que, mediante a aplicação 
de uma técnica de entrevistas clinicamente orientadas, se torna possível uma 
penetração mais profunda do que o permitiam os anteriores métodos de observação 
e questionário.

3. PRODUTOR E CONSUMIDOR NA PSICOLOGIA DE MERCADOS

A jovem ciência da psicologia de mercados serviu nos seus

inícios para a investigação do comportamento dos compradores especialmente no 
interesse do negociante que queria vender. Hoje, corno diz Paul Lazarsfeld, um 
dos primeiros e mais impor­
tantes psicólogos de mercados, a Psicologia de Mercados é uma

parte da Sociologia. Já nos referimos na terceira parte do nosso

livro a esta importância sociopsicológica do estudo do negócio; aqui vamos vê­
Ia agora sob outra perspectiva, a do negociar prático.

Lazarsfeld refere­se a Max Weber na sua discussão teórica do negócio de venda 
como um sistema de acções engendradas umas nas outras. Este analisou sob o ponto 
de vista sociológico a «posição de mercados» e o seu regulamento. O mercado é 
evidentemente uma situação de compra e venda de produtos vendáveis. Neste 
processo realiza­se uma troca de bens, em que cada um dos participantes dá algo 
e adquire algo. A finalidade destas acções é a aquisição de propriedade de 
qualquer espécie, e a

posse é o valor pretendido.

De modo ideal, o dar e o adquirir consistem na troca de bens equivalentes. O 
comprador necessita da mercadoria, o vendedor, aliás o produtor, precisa do 
dinheiro. O bem respectivamente adquirido representa para ambos um ganho, na 
medida em que aumenta a sua posse. Mas significa contudo uma perda para um deles 
se o outro, para além de um ganho honesto, realizou aquilo a que se chama lucro.

Lucro no sentido de um ganho desonesto ou que não corresponde ao valor real da 
troca, representa, como expõe Max Weber em conexão com a sua análise do 
capitalismo, uma exploração do parceiro no processo de venda.

Mais frequente do que a tendência para uma autêntica exploração deverá existir 
em muitas pessoas a tendência para obter uma vantagem. É neste princípio de 
aparentes vantagens para o

comprador que se baseia o enorme êxito dos saldos «a preços reduzidos» e das 
mercadorias pelas quais se dão selos de desconto, porque com estes ­como se 
pensa­ se pode comprar «mais».

Em minha opinião, é justamente este factor da vantagem na compra e na venda, por 
tantos tão esperado, que torna o

comércio de qualquer modo antipático ou até suspeito aos olhos daquele que não 
está habituado aos assuntos comerciais. É esta, julgo eu, também a razão pela 
qual, como nota Lazarsfeld, os sociólogos se ocupam menos do que se poderia 
esperar com os
problemas do comércio.

Na realidade, os antigos estudos de mercados realizavam­se no sentido da 
vantagem para o comerciante ­nã o de uma vantagem desonesta, mas sim no sentido 
de uma situação favorável ao vendedor,
Lembro­me ainda de um dos antigos estudos sobre a venda de sapatos, que se 
realizaram em Viena e que revelaram, entre outras coisas, a vantagem de o 
vendedor descalçar os sapatos ao cliente logo que este se sentasse, porque assim 
o tinha, por assim dizer, «pilhado».,Percebi então porque é que intuitivamente 
não permitia que me tirassem os sapatos antes de ver a mercadoria que queria 
experimentar.

Para muitas pessoas a propaganda moderna é especialmente irritante. O 
consumidor, tal como aquele que lhe está exposto em qualquer outro sector da 
vida pública, por exemplo na política, sente­se perante ela numa situação 
desamparada: mesmo

que ele tente não lhe dar atenção, ela impõe­se­lhe e as suas

sugestões transformam­se por vezes naquilo a que se chamou «sedutores secretos» 
(hidden persuaders). O homem moderno, a

cada passo rodeado de reclames, não raramente se sente vítima de uma espécie de 
intriga e isso tanto mais que frequentemente não se pode defender do desejo 
imperioso de comprar e

experimentar qualquer produto novo apresentado com todos os requintes.

«E por isso sabemos que temos razão», diz Martin Mayer no título introduzido no 
seu livro em parte divertido, em parte informativo e em parte um pouco asustador 
«Madison Avenue, U. S. A.» referindo­se ao efeito do reclame. Mayer discute a 
propaganda de efeitos infalíveis. Contudo devemos confessar que hoje as técnicas 
refinadas de propaganda se dirigem muito mais a vantagens legítimas que resultam 
do facto de se ressaltarem com acuidade psicológica as vantagens dos produtos de 
uma

maneira justificada.

«0 que é que há de novo na Colgate? O que é que falta ­falta­ falta em qualquer 
outra das conhecidas pastas de dentes?» Rosser Reeves comentou, acerca desta 
propaganda, uma

das que aumentou para mais de trinta vezes a venda da Colgate; Reeves é 
dirigente da agência de publicidade cujo reclame obteve este êxito para a pasta 
Colgate.

A sua propaganda segue o princípio da «Unique Selling Pro­ positíon» (USP), do 
«único argumento de venda». Reeves diz: «Em primeiro lugar, necessitamos de um 
produto bom. Só podemos vender um produto quando é bom, e mesmo assim precisamos 
de um USP úníco». Para este existem três regras: em

primeiro lugar tem de se fazer ressaltar uma qualidade específica; em segundo 
lugar tem de se prometer um ganho ou uma

utilidade específica, e em terceiro lugar tem de ser uma qualidade que se vende.
Reeves conta que o texto de reclame, «Colgate sai como uma fita e fica achatada 
sobre a sua escova», não teve êxito, porque a ninguém interessava uma fita 
achatada. Mas quando se disse: «Colgate purifica o seu hálito ao purificar os 
seus dentes» (na propaganda de língua alemã «Colgate purifica o hálito ­ e os

dentes ainda por cima») subiu extraordinàriamente a venda.

Na realidade, toda a boa pasta de dentes reúne as duas vantagens recomendadas, 
mas nenhuma firma o ressaltara até então na sua propaganda.

Mas com isso revela­se já uma importante função positiva da boa propaganda: ela 
clucida o público em parte sobre qualidades que ele desconhecia totalmente e 
aumenta gradualmente o

conhecimento acerca daquilo que se pretende comprar.

É certamente nisso que Peter Hofstãtter pensa quando chama a atenção para o 
facto de que o consumidor se poderia sentir muito melhor dentro do seu papel de 
comprador se fosse um «consumidor com conhecimentos». Ele quer com isso dizer 
que o comprador teria menos a sensação de ser um «seduzido» se obtivesse cada 
vez mais conhecimentos acerca dos objectos de que necessita, de maneira a 
comprar com mais critério.

Hofstãtter verificou numa engenhosa experiência que as

pessoas vivem o seu papel de compradores com certos sentimentos de 
inferioridade.

Nestas experiências, em que se apresentaram às pessoas submetidas à experiência 
desenhos de cabeças, perguntando­se­lhes qual destes homens seria um «produtor» 
e qual um «constimidor», o resultado foi surpreendente.

Talvez o leitor esteja interessado em submeter­se a si próprio à experiência, 
antes de ler os resultados. Apresentamos as imagens na página seguinte.

O resultado verificado com segurança estatística é bastante divertido, teremos 
de concordar: os homens mais velhos são encarados como «produtores» e os mais 
novos como «consumidores». E isto aconteceu sem se ter em consideração o facto 
de que também as pessoas mais idosas são consumidoras. A falta de outras 
características de diferenciação, escolheu­se a idade.

O consumidor, assim conclui Hofstãtter, vê­se no papel de um «filho» perante o 
produtor, que aparece como «figura paterna», isto é, como autoridade em situação 
de superioridade.

Estas experiências fizeram­se na Alemanha. Tenho a impressão de que na América 
os resultados seriam totalmente diferentes porque aqui é muito mais frequente 
gente nova ocupar posições de chefia e autoridade. Eu acharia provável que aqui 
se tívesse escolhido para o papel de produtor não as caras mais
velhas, mas antes as de aspecto mais jovem, em todo o caso as mais enérgicas e 
de aspecto mais empreendedor. Também aqui se encararia o papel de produtor como 
presumivelmente superior, mas não por ser uma autoridade, mas por ser 
considerado mais enérgico, mais empreendedor e talvez também mais triunfante.

Hofstãtter achou além disso, no decorrer da sua observação, que o comprar é 
considerado «pouco viril». E é nisso que consiste o facto de se considerar a 
produção como uma actividade enérgica que está ligada às ideias de trabalho e 
diligência. O papel de comprador, por outro lado, parece ser vivido com uma 
espécie de «remorso», porque durante a compra por assim dizer se «anda

271 Um teste interessante: Quais das figuras representadas considera um

consumidor, portanto um comprador, e quais toma por um produtor? (Segundo 
Hofstãtter de: Consumidor e Propaganda, Discursos parlamentares BDW. Colónia, 
1960)

DistribuiÇão das atribuiÇões às figuras

Figura ‘Consurnidor­ ­­­Produtor’   KIP

10,1
O,2
O,4
8,3
O,2
4,4
O,7
1,O

Meio

29
Por detrás está sempre uma cabeça inteligente

272­273 Propaganda de um jornal na Alemanha e nos Estados Unidos da América: O 
anúncio do jornal alemão dirige­se à «cabeça inteligente», o do

jornal americano a «toda a gente»

a preguiçar» e além disso se gasta dinheiro em vez de o poupar, que é 
considerado uma virtude.

Hofstãtter diz que o «consumidor elucidado>, poderá comprar sem «remorsos». Eu 
receio que esta esperança seja vã. Parece­me que a «consciência suja» tem a sua 
origem mais profunda no

facto de todos nós, quando compramos, exceptuo quando se trata das coisas mais 
necessárias, não nos podermos libertar da ideia, que provém da nossa educação 
moral, de que estamos a conceder­nos prazeres que não nos são permitidos.

O elogio do valor de usufruto de mercadorias, que uma

grande parte da propaganda ressalta, provoca estes complexos de culpa. É certo 
que há reclames que fazem ressaltar o extraordinário valor de utilidade de um 
objecto. Um exemplo é a recomendação do jornal, que todos estão ávidos de ler. 
Aliás os dois exemplos que reproduzimos mostram a apresentação culturalmente 
diferente da avidez de leitura entre os alemães e os americanos.

Mas segundo a impressão que tenho, a maioria dos reclames está orientada no 
sentido da acentuação de valores de usufruto, de prazer. E de novo são 
interessantes as comparações culturais.
O reclame alemão da «Coca­Cola» está ligado com a expressão «Faz uma pausa».

Para os alemães é suficientemente satisfatória a ideia da pausa. Para o 
americano isso não basta, porque ele tem a possi­
bilidade de, de qualquer maneira, fazer uma pausa quando lhe apetece. Ao 
americano tem de se oferecer algo de invulgar. Por isso todo o reclame «Coke» 
apresenta nas revistas ou na televisão americanas a extraordinária frescura que 
esta bebida saltitante ­«Zing!»­ proporciona durante uma grande actividade.

4. A ACÇÃO DE ESCOLHA NA ACTIVIDADE POLITICA E COMERCIAL

Num estudo de Lazarsfeld, Berelson e Gaudet do ano de
1948, e que hoje se considera um estudo clássico, analisaram­se psicolàgicamente 
os fenómenos de escolha quando da eleição presidencial num círculo do estado 
federal de Offio. As questões que os autores punham diziam respeito aos pontos 
de vista sob os quais se dão as eleições. Tratava­se das eleições de 1940, em

que se encontravam frente a frente o democrata Roosevelt e o republicano 
Willkie. Os pontos de vista dos eleitores eram de natureza socio­económica, 
ideal, mas por fim entravam também factores pessoais.

274­275 Propaganda ao mesmo produto em dois países diferentes, de acordo com os 
dados culturais: «Faz uma pausa ... » na Alemanha, e «Zing!» nos

Estados Unidos da América

Para milhões de pessoas «Coca­Cola» e as palavras «Faz uma pausa ... » são um 
conceito    inseparável.    Em toda a parte, na cidade e

no campo, é «Coca­Cóla» a deixa para «Faz uma pausa ... ». E, ao contrário, 
ninguém poderá dizer, pensar ou ler «Faz uma pausa», sem que imediatamente se dê 
a associaç3o de ideias com «Coca­Cola». Sim, «Coca­Cola» e «Faz uma pausa ... » 
estão ‘intimamente ligadas.

Faz uma pausa ...

«Coca­Cola» e «Faz uma pausa» são sinais de marca da Coca­Cola G . m . b . H 
Essen, registados.

OnfyCokegivesyouthatREFRESHING NEWFEELING Cool and crisp as a ride or slide down 
the mountam ­­­ ke­cold Com­Cola. Ib lively lift and sparkling taste heighten 
the fun ... brighten khe occasion. for Qjny Coca­Cola refreshes you best! i
Os pontos de vista de natureza social e económica manifestavam­se no facto de 
determinados grupos sociais e determinados grupos económicos preferirem o 
partido republicano ou o partido democrático e um ou outro dos candidatos: a 
maioria dos indivíduos de classes abastadas que tinham interesses económicos e

que pertenciam a grupos profissionais mais elevados, eram republicanos; a 
maioria dos que nada possuíam e que pertenciam a

categorias profissionais mais baixas elegiam o partido democrático. Por razões 
que­Lazarsfeld considera em parte determinadas localmente, a maioria dos 
católicos da população observada votou a favor dos democratas, enquanto que os 
protestantes votavam mais a favor dos republicanos. Membros jovens de ambas as

comunidades religiosas votam menos pelo partido republicano do que membros mais 
velhos.

Como o próprio Lazarsfeld diz, as pessoas jovens têm mais tendência para a 
ideologia democrática progressiva do que as

mais velhas, que muitas vezes se voltam para a ideologia conservadora. Isso 
significa que o factor idade pertence aos factores ideológicamente 
determinantes.

A diferença ideológica de partido revela­se no facto de os

eleitores democratas acentuarem que pretendem um presidente com experiência de 
governo, enquanto que os republicanos desejam que o presidente tenha experiência 
da vida económica.

Se continuarmos a interpretar estes resultados, então vemos

que as ideias progressivas são mais favorecidas por aqueles que ainda não 
venceram, porque ou a sua situação social e económica ou a sua juventude os faz 
ter esperanças em novas evoluções. Os que já venceram, por outro lado, são 
conservadores.

Com base nesta determinação psicológica de grupo em relação à posição perante as 
eleições, torna­se compreensível um dos mais interessantes e principais 
resultados de Lazarsfeld e dos seus colaboradores. É a verificação que o público 
é notàvelmente pouco influenciado pela propaganda eleitoral na sua opinião 
política.

Esta verificação inesperada explica­se pelo facto de a maioria dos eleitores já 
ter formado a sua opinião no que respeita à sua

orientação política. Ela utiliza a propaganda em primeira linha para reforçar os 
seus próprios argumentos.

Isto parece acontecer em toda a parte onde as pessoas têm já opiniões pré­
formadas. Joseph T. Klapper, num interessante livro sobre os efeitos da 
comunicação da massa, baseando­se na

literatura existente chega à conclusão de que as mudanças de opinião se 
conseguem principalmente sob duas condições: em

primeiro lugar, quando um assunto é totalmente novo e aquele
que o defende ainda não encontra nenhuma opinião pré­formada, e, em segundo 
lugar, quando um assunto é defendido por alguém pessoalmente e a influência é 
exercida pessoalmente.

Este último foi um dos resultados     principais do estudo de Lazarsfeld e dos 
seus colaboradores no que respeita à formação individual de opinião daqueles 
que não se confessaram a favor de nenhum dos grupos existentes e que     não se 
decidiam. Nestes era por vezes da maior importância a      influência pessoal; 
referiam­se neste ponto a amigos e membros da família. Muitas vezes pertenciam a 
um círculo em que se fazia sentir um «chefe de opinião». É através destes que se 
realiza aquilo a que Lazarsfeld chama o «movimento a dois passos» de 
comunicações: o primeiro passo consiste em o chefe de opinião arranjar quaisquer 
informações através da leitura de jornais e revistas, da rádio ou algo parecido. 
No segundo passo manifesta no seu círculo a sua formação de opinião baseada 
nestas informações.

Os pequenos grupos mostram­se aqui tão importantes como

nas empresas. Em certas circunstâncias também se obtém uma opinião através do 
contacto pessoal no pequeno grupo, sem que apareça um chefe de opinião: 
«Disseram na fábrica ... » ou «0 meu marido ouviu falar disso no escritório ... 
», ou uma criada de restaurante diz: «Muitos clientes eram contra Willkie.»

Muito importantes são os grupos familiares. Uma mulher diz: «Eu sempre fui 
democrata, e creio que Roosevelt era bom. Mas toda a minha família é a favor de 
Willkie. Eles afirmaram que ele daria o melhor presidente e insistiram comigo de 
tal maneira que eu acabei por votar em Willkie.» E um jovem declarou: «0 meu avô 
matar­me­ia se eu não votasse por Roosevelt.»

Estes estudos mostram­nos que as pessoas realizam as suas

eleições políticas em parte sob a influência de pontos de vista de grupos. Até 
aqueles que elegem individualmente em muitos casos estão subjugados às 
influências de certos grupos.

Isto é compreensível dentro dos acontecimentos políticos, visto ser, devido à 
complexidade destas coisas, quase impossível o indivíduo poder formar 
independentemente uma opinião. Ele está sujeito àqueles em cujo juizo ou 
conhecimento ele confia.

Mas o que se passa então na acção de escolha na vida económica? Quais são, por 
exemplo, os pontos de vista sob os quaís um consumidor compra?
O comprar foi nos últimos trinta anos estudado psicológicamente com minúcia 
extraordinária. Paul Lazarsfeld deu­nos há pouco tempo um resumo com pormenores 
fascinantes. Mas o

facto é que os pontos de vista sob os quais os compradores esco­
lhem este ou aquele produto por enquanto só são parcialmente visíveis e em todo 
o caso são muito mais complicados do que se poderia supor.

Também aqui, em todo o caso, se fazem valer fortemente influências de grupos. 
Referimo­nos a esses processos no capítulo @( Grupo e Indivíduo» em relação com 
a expansão de uma moda. Aqui é excessiva a tirania dos grupos que prescrevem a 
moda e daqueles que a subscrevem.

O gosto é duma maneira geral muitas vezes ditado por grupos, por exemplo, o 
gosto por determinados estilos artísticos, programas musicais, livros e peças de 
teatro, o gosto por determinadas marcas de automóvel, por comestíveis e bebidas, 
por determinado tipo de casas e decorações interiores, o gosto pelo modo de vida 
que se leva, pelas coisas que se quer possuir ou não, o aspecto que se pretende 
ter.

Continuamos ainda a viver na época dos «gentlemen» que <@preferem as loiras mas 
casam com as morenas». Por outro lado, existem para a figura e o aspecto da 
mulher nas diferentes culturas e subculturas diversas representações ideais, que 
por sua vez vão influenciar directa ou indirectamente a acção de escolha na vida 
económica. E por fim a análise psicológica das acções de escolha económicas, 
assim como dos processos económicos em geral, levar­nos­ia de novo a questões de 
psicologia da cultura e a questões fundamentais das motivações do homem.
XV­ Psicologia e filosofia da vida

A tese fundamental do nosso livro foi, desde o início, que a Psicologia moderna 
nos pode oferecer muita coisa para a nossa

vida pessoal. E agora, no fim, perguntemos, em resumo, em que direcções a 
psicologia nos proporcionará sabedorias de vida que vão para além da simples 
tomada de conhecimento de informações interessantes.

Aliás teremos de antepor a observação limitadora de que a Psicologia e a 
Filosofia não são naturalmente a mesma coisa e que nós como psicólogos não nos 
sentimos destinados a propor à humanidade uma concepção de vida ou até uma visão 
do mundo.
O que podemos fazer é simplesmente chamar a atenção para aquelas verificações da 
moderna psicologia das quais resultam certas consequências para uma filosofia da 
vida incluindo alguns pontos de vista da visão do mundo.

Para em primeiro lugar esclarecer em poucas palavras estes conceitos vamos 
definir Filosofia da vida como um sistema de linhas directrizes, tanto quanto 
possível integrado para a nossa

vida prática no particular e como um todo. Por concepção do mundo entendemos, 
para além disso, um edifício de pensamentos mais ou menos fechado, que tenta 
explicar o decorrer e eventualmente também o início assim como a finalidade e o 
propósito dos acontecimentos no Universo.

As religiões e as filosofias dos povos esforçaram­se durante milénios por 
encontrar resposta a estas questões e surgiram as mais diversas edificações de 
doutrinas e dogrnas. Normalmente estas estavam de tal maneira montadas que 
representavam em

sistemas fechados concepções sobre o Universo, e, partindo dos seus conceitos 
cosmológicos, deduziam princípios para o actuar humano.

A maioria das pessoas no mundo ainda hoje deve viver, como desde sempre, dentro 
de determinadas religiõ es e aceitar as suas

38
doutrinas sobre a criação e a ordem do Universo, baseadas no

princípio da revelação. Também pessoas orientadas cientificamente concedem em 
parte o primado às religiões quando se

trata das últimas perguntas para as quais a investigação por enquanto não 
consegue dar uma explicação satisfatória. Outros defendem hoje em muitos casos o 
ponto de vista de que deveríamos desistir da tentativa de apreender o Universo 
num sistema fechado, porque não estamos à altura dessa tarefa com os meios que, 
pelo menos até hoje, temos à nossa disposição.

Devido a esta problemática não solucionada, defende­se numa

medida cada vez maior a opinião de que as questões da conduta de vida adequada 
e moral devem e podem ser tratadas independentemente de dogmas religiosos e 
teorias filosóficas sobre o Universo.

Já Inimanuel Kant estabeleceu o princípio de que a «razão prática», como ele lhe 
chamava, isto é, a Ética, deveria ser separada da Teoria do Conhecimento. Na 
nossa época ouvimos cada vez mais pensadores defender este ponto de vista.

Um discurso proferido em 1935 pelo célebre físico e prêmio Nobel Max Planck 
sobre «A Física na luta pela concepção do mundo» foi muito lido e repetidas 
vezes reimpresso em muitas edições. Tal corno Kant dois séculos atrás, também 
ele chega à conclusão de que não se podem deduzir cientificamente linhas de 
orientação para o actuar humano, mas que são «sentimentos puros e uma boa 
vontade» que trazem consigo a certeza de estarmos dentro do bom caminho.

Talvez que sentimentos puros e uma boa vontade tragam uma certeza subjectiva. 
Mas infelizmente os resultados de ciências modernas como a Psicologia, 
Psiquiatria e Sociologia mostraram que sentimentos puros e boa vontade sózinhos 
não chegam para produzir uma formação da vida humana adequada. Além da 
honestidade e boas intenções são necessários conhecimentos e reconhecimentos 
(Einsinchten) que nos mostrem como a boa vontade pode ser transformada numa 
vontade verdadeiramente construtiva.

Num dos seus brilhantes estudos sobre «As orientações da evolução humana», 
Asliley Montagu chama a atenção para o

facto de que, para sabermos para que nasceu o homem, primeiramente temos de 
saber de que, como, nasceu, isto é, temos de conhecer claramente a natureza do 
homem antes de lhe podermos dar linhas directrizes éticas.
É exactamente isto que tencionámos fazer com as observações que acabámos de ver; 
temos presentes todos os conhecimentos e reconhecimentos essenciais de que 
dispomos na Psicologia
actual para daí deduzirmos tanto quanto possível linhas directrizes para um 
possível agir construtivo. Por «construtivo» entendo, como já defini noutros 
pontos atrás, um agir que seja a longa distância o mais proveitoso para o bem do 
que actua assim como para o bem de todos os outros homens ­um agir que contribua 
para a realização da edificação da existência humana,

O que é então, numa consideração resumida, que aprendemos e podemos utilizar 
para um agir construtivo com o fim de realizar a edificação da nossa existência 
humana?

O que me parece mais importante, é que tenhamos conseguido ter ideias claras 
acerca da própria finalidade. Sem dúvida que atingem mais de perto a finalidade 
da vida que designamos de realização aqueles que encontram a auto­realização 
numa dádiva criadora aos outros. Na história da vida de Anna SetIme, cuja 
apresentação constituiu o momento máximo da nossa primeira parte principal, 
vimos acontecer e formar­se diante da nossa vista a realização humana da vida: 
«Todos os dias são maravilhosos através do trabalho, simplesmente nenhum tem 
horas suficientes. Mas isso constitui justamente a sua alegria. Fui uma mulher 
feliz», diz Anna Sethrie no fim da sua longa vida cheia de êxitos.

Mas este resultado não aparece evidentemente sem dificuldades e lutas. A nossa 
tendência de finalidades está colocada desde início diante da tarefa da 
integração de tendências que conduzem, sob contínua tensão interior, a nossa 
motivação para diversas direcções. Em decisões continuamente renovadas temos de 
escolher entre satisfação de necessidades, adaptação autolimitadora, expansão 
criadora e manutenção da nossa ordem interior, cujo equilíbrio só pode ser 
mantido em reciprocidade dinâmica.

Para darmos a devida atenção ao motivo principal da auto­realização numa entrega 
criadora, necessitamos da libertação das nossas melhores potencialidades. E 
nisto dependemos de modo lamentável    tanto dos nossos factores hereditários 
como do ambiente que    nos rodeia, que são os dois a determinarem continuamente 
e    desde o princípio toda a nossa vida. Sob a pressão inevitável de todos 
estes factores perdemos muitas vezes

a nossa liberdade interior e desenvolvemos «handicaps» neuróticos no domínio das 
tarefas da vida.

E nisto revelam­se particularmente desvantajosas as condições iniciais de 
carência de amor e uma educação errada. A enorme importância do amor, do 
contacto conseguido entre pais e filhos, e a influência favorável de uma 
educação democrática no sentido da independência, iniciativa, temeridade e 
actuar
planeado dos jovens, tornam­se para nós numa visão retrospectiva da nossa 
própria evolução, tão evidente como a achamos impor­ tante para os nossos 
filhos.

Parecem­me ainda fundamentais os conhecimentos da moderna sociopsicologia, 
sociologia e antropologia cultural para a compreensão dos problemas da ordenação 
social de nós próprios e dos outros.

Obtivemos conhecimentos de um vasto significado para a evolução do nosso papel 
social, para o conhecimento dos nossos preconceitos, para a compreensão de 
condicionalismos sociais e culturais do nosso pensamento e agir.

As questões que não tratei, acerca do futuro da humanidade, da obtenção de 
relações pacíficas entre grupos e povos, parecem­me apenas solucionáveis, ao fim 
e ao cabo, se conseguirmos educar homens socialmente mais compreensivos e 
pessoalmente mais firmes.

Isto leva­me ao último ponto, o mais importante, o do papel de um sistema 
educacional psicológicamente pensado e de uma psicoterapia inscrida 
sisternàticamente na educação, pensando sobretudo na terapia de grupo. Seria 
talvez mais realista planear discussões de grupo clinicamente orientadas dentro 
das últimas classes das escolas superiores e nas escolas profissionais de 
aperfeiçoamento, para o que se poderiam formar professores interessados em 
psicologia, se eles próprios se submetessem anteriormente a um trabalho de grupo 
parecido.

Como fomos reconhecendo passo a passo, aquilo que mais nos falta é o treino nos 
métodos de pensar as conexões da vida. Aprendemos inúmeras coisas dentro e fora 
da escola, mas só marginalmente e insuficientemente obtemos a capacidade de nos

vermos a nós próprios e aos outros tal como somos e como eles são. Uma 
compreensão e autocompreensão autênticas e não perturbadas por ilusões foram 
hoje, meio século depois de Freud ter aberto as portas para estas verdades, 
desenvolvidas de modo a tornarem­se métodos utilizáveis na prática. O nosso 
sistema educacional em casa e na escola deveria incluí­los até ao ponto de já o 
adolescente aprender a pensar claramente e compreensivamente sobre si, os seus 
semelhantes e o mundo.

E agora, depois de tudo isto, a pergunta: como obter a felicidade por que todos 
ansiamos, como o príncipe do conto que parte em busca dela?

A felicidade, diz R. M. MacIver, filósofo da vida inglesa, contemporâneo, 
encontrá­la­ás quando te esqueceres de ti próprio e te esqueceres de a procurar 
e tiveres procurado e encontrado uma outra coisa muito diferente. E com isso 
refere­se à mesma
entrega criadora de que nós falámos como condição principal da realização na 
vida. Todo o resto parece revelar­se como menos duradoiro.

Dediquemos ainda uma última observação ao problema da fé, de que falámos 
repetidamente em conexão com os valores.

Para aceitarmos valores e nos dedicarmos a eles criadoramente, temos de 
acreditar em qualquer coisa. Para aquele que se encontra religiosamente ancorado 
não existe aqui nenhum problema. Aquele que considera necessário, no sentido do 
que comentámos anteriormente, deixar em aberto a questão da ordem do mundo, tem 
de esclarecer­se a si próprio sobre aquilo em que pode acreditar. «É necessário 
acreditar em qualquer coisa», diz o conhecido biólogo Julian HuxIey. Pois: «Se 
não acreditássemos em nada não agiríamos de maneira nenhuma». Isto significa que 
todo o actuar humano se realiza com vista a finalidades que representam para nós 
valores em que acreditamos ­ acreditamos que nos realizam a nós ou a outros de 
qualquer maneira. «0 grau de força interior e integridade de um indivíduo», 
assim diz Rollo May, um psicólogo do nosso tempo que vai bem ao fundo dos 
assuntos, «depende de como ele próprio acredita nos valores pelos quais se 
orienta».

Para construir uma vida de acordo com um plano numa

sequência fechada, o homem necessita de uma fé mais profunda do que a da crença 
em valores isolados. Como HuxIey, como

Montagu, como MacIver e muitos outros o vêem hoje, ele tem de acreditar que 
actua para um melhor futuro psíquico da humanidade.

Para além disso, é também necessário para muitos acreditarem num Universo 
governado por um espírito construtivamente criador, que lhe dá sentido e 
persegue uma finalidade, ao qual, de acordo com isso, nos subordinamos, cheios 
de esperança.
A P E N D 1 C E
B 1 B L 10 G R A F 1 A

Parte A          INTRODUÇÃO

EXPOSICÃO DE COMPREENSÃO GERAL E OBRAS DE CONSULTA

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New York 1958
HISTóRIA DA PSICOLOGIA APLICADA

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Geschichte der Kinderpsychologie. In: Beitrãge zur Problerngeschichte der 
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Parte B        O INDIVíDUO

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11 AS FUNÇõES
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Steinbuch, Karl, Automat und Mensch. Springer, Berlin 1961 Thorpe, W. H., 
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111 A MOTIVAÇÃO

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IV O DESENVOLVIMENTO

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1. ed. Franz Deu,

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3 vol.: Entwicklungspsychologie, editado por FI. Thomae. Verlag für Psychologie, 
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Vi A HISTóRIA DA VIDA HUMANA

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Vergangenheít. 4. ed. Ernst Klett,

Stuttgart 1957 Pressey e Kuhlen, Psychological Development through the Life 
Span.

Harper & Bros., New York 1957 Riesman, David, Reuel Denney e Nath. Glazer, Die 
einsaine Masse. Hermann

Luchterhand, Neuwied/Rh. 1956 Roc, Anne, The Psychology of Oecupations. John 
Wiley & Sons Inc., New

York 1956 ScheIsky, Helmut, Die skeptische Generation, 3. ed. Eugen Diederichs,

Düsseldorf 1958 Stern, Erich, Der Mensch in der zweiten Lebenshã1fte. Rascher, 
Zürich

1955 Symonds, Percival M., From Adolescent to Adult. Columbía University

Press, New York 1961 Vischer, A. L., Seelische Wandlungen beim alternden 
Menschen. 2. ed.

Benno Schwabe und Co., Basel e Stuttgart 1961

Parte C         A SOCIEDADE

Vil O INDIVíDUO E A SOCIEDADE

Adorno, T. W., E. Frenkel­Brunswik, D. J. Levinson e R. N. Sanford, The
Authoritarian Personality. Harper & Bros., New York 1950 Beck, Walter, Grundzüge 
der Sozialpsychologie. 3. ed. Joh. A. Barth, München 1960 EIkin, Frederick, The 
Child and Society. The Process of Socialization. Random House Inc., New York 
1960 Erikson, Erik H., Kindheit und Gesellschaft. Ernst Klett, Stuttgart 1961 
Hofstãtter, Peter W, Die Psychologie der Offentlichen Meinung. Braurnüller,

Wien 1949 Einfiíhrung in die Sozialpsychologíe. Alfred Krõner, Stuttgart 1959 
Sozialpsychologie (Sammlung Gõschen, vol. 104/104a). Walter de Gruyter, Berlin 
1956 Klineberg, O., Social Psychology. Henry Holt, New York 1940 Lazarsfeld, P. 
F., B. Berelson e H. Gaudet, The People's Choice. Columbia

Uníversity Press, New York 1944 Lewin, Kurt, Fíeld Theory in Social Science. 
Harper & Bros., New York
1951
Lindzey, Gardner (editor), Handbook of Social Psychology. 2 vol. Addison­Wesley 
Publishing Co., Reading, Mass., 1954 Líppítt, R., An experimental Study of the 
Effect of Democratic and Authoritarian Group Atmosplzere. Univ. lowa, Stud. in 
Child Welfare, 16,
1940 McDougalI, Williarn, An Introduction to Social Psychology. Methuen, London 
1908 Murphy, G., L. B. Murphy e T. M. Newcomb, Experimental Social Psychology. 
Harper & Bros., New York 1937 Ncwcomb, T. H. e E. L. Hartley, Readings in Social 
Psychology. Henry

Holt, New York 1947 Packard, Vance, Die geheimen Verführer. Econ, Düsseldorf 1958 
Parsons, Talcott, Systematic Theory in Socíology. The Free Press of Glencoc,

111., 1949 Sargent, S. S. e R. C. Williamson, Social Psychology. Ronald Press 
Co.,

New York 1958 Wundt, Wilhelrn, Võ1kerpsychologie, 10 vol, Alfred Krõner, Leipzig 
1900­1920

VM O GRUPO E O INDIVIDUO

Berelson, B. e M. Janowitz, Reader in Public Opinion and Communication.

The Free’ Press of Glencoe Inc., New York 1953 Cartwright, D. e A. Zander, Group 
Dynamics. 2. ed. Row, Peterson and Co.,

Evanston, 111., 1960 Cooley, C. H., Human Nature and the Social Order. 
Scribner's, New York

1902 Dinesen, lsak, Shadows on the Grass. Random House Inc., New York 1961 
Frornm, Erich, Die Furcht vor der Freiheít. Steinberg, Zürich 1945 Geiger, 
Theodor, Aufgaben und Stellung der Intelligenz in der GeselIschaft.

Ferdinand Enke, Stuttgart 1949 Gouldner, A. W., Studies in Leadership. Harper & 
Bros., New York 1950 Homans, J. C., _The Human Group. Harcourt, Brace & Co., New 
York 1950 Kardiner, A. e R. Linton, The Individual and his Society. Columbia 
University Press, New York 1939 Katz, E. e P. F. Lazarsfeld, Personal Influence. 
2. ed. The Free Press,

Glencoe, 111., 1960 Mannheirn, Karl, Diagnosis of Our Time. Oxford University 
Press, New

York 1944 Moreno, J. L., Who Shall Survive? Nervous and Mental Disease 
Publishing Co., Washington D, C. 1934 Parsons, T. e E. À. Shils, Toward a 
General Teory of Action. Harvard

Univ. Press, Cambrídge, Mass., 1951 Schelsky, Helmut, Die skeptische Generation. 
3. ed. Eugen Diederichs,

Düsseldorf 1958 Seward, G. H., Sex and the Social Order. McGraw­Hill Book Co. 
Ine., New

York 1946 Sherif, M. e C. W. Sherif, An Outline of Social Psychology. Harper & 
Bros.,

New York 1953 Siramel, Georg, Die Philosophie des Geldes. 4. ed. Duncker & 
Humblot,

München 1922 Tannenbaum, R., I. R. Wechsler, F. Massarik, Leadership and 
Organization.

McGraw­Hill Book Co. Inc., New York 1961
Tõnnies, Ferdinand, Gemeinschaft und Gesellschaft. 6. ed. Curtius, Berlin
1926 \Veber, Max, Wirtschaft und Gesellschaft. Grundriss der verstchenden 
Soziologie. 4. ed. J. C. B. Mohr, Tübingen 1956 Whyte, W. F., Street­Corner 
Society. University of Chicago Press, Chicago

1955

IX EXEMPLOS DE ESTRUTURAS SOCIAIS

Anshen, Ruth N., The Fanzily, its Function and Destiny. Harper & Bros.,

New York 1949 Burgess, E. W. e H. J. Locke, The Family. 2. ed. American Book Co., 
New

York 1960 Frõhner, Rolf, Maria von Stackelberg e Wolfgang Eser, Famílie und Ehe.

Maria von Stackelberg, Miinchen 1956 Goode, William J., Die Struktur der 
Familie. Westdeutscher Verlag, Kõln

1960 Kracauer, S., Die Angestellten. Verlag für Demoskopie, Bonn 1959 Mayer, A. e 
B. Herwig, Arbeits­ und Betriebspsychologie (Handbuch der

Psychologie). Verlag für Psychologie, vol. 9, Gõttingen 1961

X AS CULTURAS

Beals, Ralph e Harry Hoyer, Introduction to Anthropologie. MeMillan,

New York 1953 Benedict, Ruth, Urformen der Kultur (RdE, vol. 7). Rowohlt, 
Reinbek 1960 GoIdschmidt, Walter, Exploring the Ways of Mankind. Holt, Rinehart 
&

Winston Inc., New York 1960 Die Grossen Religionen der Welt. Droernersche 
Verlagsanstalt Th. Knaur

Nachf. München e Zürich 1962 HallowelI, A. Irving, Culture and Experience, 
University of Pennsylvania

Press, 1955 Herskovits, Melville J., Cultural Anthropology. Alfred A. Knopf, New 
York

1955 Kluckhohn, Clyde e Henry A. Murray, Personality in Nature, Society and
Culture. 2. ed. Alfred A. Knopf, New York 1953 Kluckhohn, Florence e Fred L. 
Strodtbeck, Variations in Value Orientations. Row, Peterson & Co., Elmsford, New 
York 1961 Linton, Ralph, The Tree of Culture. Alfred A. Knopf, New York 1955

The Cultural Background of Personality. AppIeton­Century­Crofts, New

York 1945 Mead, Margaret, Growing up in New Guinea. New American Library, New

York 1953 Coming of Age in Samoa. Modern Library, New York 1953 Growth and 
Culture. G. P. Putnarn's Sons, New York 1951 Mead, Margaret e M. Wolfenstein, 
Childhood in Contemporary Cultures.

University of Chicago Press 1955 Schrõder, M. (editor), Die Religionen der 
Alenschheit. 36 volumes, até agora

estão publicados 3 vol. W. Kohlhammer, Stuttgart 1960 ff. Weigel, Hans, O du 
mein Osterreich. 4. ed. Steingrüben, Stuttgart 1959 Weyer, Edward, Jun., 
Primitive Võ1ker heute. C. BerteIsmann, Giltersloh/Westf. 1959
Parte D        A PRATICA

XII A PSICOLOGIA NA EDUCAçÃO E ORIENTAçÃO PROFISSIONAL

Arnold, Wilhelm, Begabungswandel und Erziehungsfragen. Juventa, München 1960 
Baurngarten, Franziska, Die Charakterprüfung der Berufsanwürter. Rascher,

Zürich 1945 BühIer, Charlotte e Hildegard Hetzer, Kleinkindertests. 3. ed. Joh. 
Barth,

München 1961 Bühler, Charlotte, Lotte Schenk@Danzinger e Faith Smitter, 
Kindheitsprobleme und der Lehrer. Verlag für Jugend und Volk, Wien 1958 
Goodenough, Florence, Mental Testing. 2. ed. Rinehart & Co., New York

1950 Hetzer, Hildegard, Pddagogische Psychologie (Handbuch der Psychologie).

Verlag für Psychologie, vol. 10, Gõttingen 1959 Hetzer, Hildegard e Lothar Tent, 
Der Schulreifetest. Piorkowski, Lindau

1958 Lazarsfeld, P. F., Jugend und Beruf (Quellen und Studien zur Jugendkunde 
8), Gustav Fischer, Jena 1931 Lefever, D. W., A. M. Turrell e H. C. Weitzel, 
Principles and Techniques

for Guidance. 2. ed. Ronald Press Co., New York 1950 Mayer, A. e B. Herwig, 
Arbeits­ und Betriebspsychologie (Handbuch der

Psychologie). Verlag für Psychologie, vol. 9, Gõttingen 1961 McDonald, Frederick 
J., Educational Psychology. Wadsworth Publishing Co.,

San Francisco 1959 Schenk­Danzinger, Lotte, Entwick1ungstests für das Schulalter. 
Verlag für

Jugend und Volk, Wien 1953 Super, Donald, Vocational Development. Carcer Pattem 
Study I and 11,

Teachers College, Columbia University, New York 1957 e 1960

XIII A PSICOLOGIA NAS PROFISSõES DE ASSISTÊNCIA

Alexander, Franz, Thomas Morton. French e colaboradores, Psychoanalytic

Therapy. The Ronald Press Co., New York 1946 Anderson, Harold H. e Gladys L. 
Anderson, An Introduction to Projective
Techniques. Prentice Hall Inc., Englewood Cliffs, New York 1951 Bach, George R., 
Intensive Group Psychoterapy. Ronald Press Co., New

York 1954 Bauragarten, Franziska, Die Regulierungskrãfte im Seelenben. A. 
Francke,

Bern 1955 Beller, E. Kuno, Clinical Process. The Free Press of Glencoe Inc., New

York 1962 Bender, Lauretta, Child Psychiatric Techniques. C. C. Thomas, 
Springfield,

111., 1952 Blanck, Gertrude, Education for Psychoterapy. The Institute for 
Psychoanalytic. Training and Research Inc., New York 1962 Brammer, Lawrence M. e 
Everett L. Shostrom, Therapeutic Psychology.

Prentice­Hall Inc., Englewood Cliffs, New Jersey 1960 BühIer, Charlotte, Values 
in Psychoterapy. The Free Press of Glencoe Inc.,

New York 1962
Corsini, Raymond J., Methods of Group Psychoterapy. McGraw­1­1i11 Book Co. Inc., 
New York 1957 FrankI, Viktor E., Ãrztliche Seelsorge. 6. ed. Franz Deuticke, Wien 
1952 Freud, Anna, Einführung in die Technik der Kinderaizalyse. Internationaler

Psychoanalytischer Verlag, Wien 1927 Das Ich und die AMvehrmechanismen. 
Internat. Psychoanalytischer

Verlag, Wien 1936 Freud, Sigmund, Die Traumdeutung. Franz Deuticke, Wien 1922

Drei Abhandlungen zur Sexualtheorie. 6. ed. Franz Deuticke, Wien 1926 Gesammelte 
Werke. 17 volumes ordenados cronológicamente. S. Fischer,

Frankfurt a. Main 1948­1961 Grinker, Roy R. e colaboradores, Psychiatric Social 
Work. Basic Books,

New York 1961 Grotjahn, Martin, Psychoanalysis and The Family Neurosis. W. W. 
Norton & Co. lnc., New York 1960 Horney, Karen, Neurosis and Human Growth. W. W. 
Norton & Co. Inc.,

New York 1950 Karpf, Fay, The Psychology and Psychoterapy of Otto Rank. 
Philosophical

Library, New York 1953 Leighton, Alexander, John, A. Clausen e Robert N. Wilson, 
Explorations

in Social Psychiatry. Basic Books, New York 1957 Meili, Richard, Lehrbuch der 
Psychologischen Diagnostik. 4. ed. Hans

Huber, Bern 1961 Menninger, William C. e Muriroe Leaf, Psychoterapie für 
jedermann. Ernst ,Reinhardt, München. 1954 Meyer, Henriette H., Das Weltspiel. 
Hans Huber, Bern 1957 Moreno, J. L., Das Stegreif­Theater. G. Kiepenheuer, 
Potsdam 1923 Moustakas, Clark E., Psychoterapy with Children. Harper & Bros., 
New

York 1959 Mudd, Emily H., Maurice J. Karpf, Abraham. Stone e Janet Fowler 
Nelson,

Marriage Counseling: A Casebook. Association Press, New York 1958 Rogers, Carl 
R., On Becoming a Person. Houghton Mifflin Co., Boston 1961 Schultz, J. H., Das 
autogene Training. 10. ed. George Thierne, Stuttgart

1960 Strupp, Hans H., Psychoterapists in Action. Grune & Stratton, New York
1960 Uhr, Leonard e James G. Miller, Drugs and Behavior. John Wiley & Sons

Inc., New York 1960 Watson, R. I., The Clinical Method in Psychology. Harper & 
Bros., New

York 1951

XIV A PSICOLOGIA INDUSTRIAL

Henry, Harry, Was der Verbraucher wünscht. Dic Praxis ‘der Motivforschung. Econ, 
Düsseldorf 1960 Hofstãtter, Peter R., Der gelernte Verbraucher. In: Verbraucher 
und Werbung heute und morgen. Wirtschaft und Werbung VerlagsgeselIschaft, Essen 
1960 Klapper, Joseph T., The Effects of Mass Communication. The Free Press
of Glencoe Inc., New York 1960

39
Lazarsfeld, Paul, Reflections on Business. In: The American Journal of Sociology 
Vol. LXV N.o 1, Julho 1959. Columbia University, Bureau of Applied Social 
Research Lazarsfeld, Paul, Bernard Berelson e Hazel Gaudet, The People's Choice.

Columbia University Press, New York 1944, 1949, 1952 Mayer, A. e B. Herwig, 
Arbeits­ und Betriebspsychologie (Handbuch der

Psychologie). Verlag für Psychologie, vol. 9, Gõttingen 1961 Mayer, Martin, 
Madison Avenue­Verführung durch Werbung. Verlag für

Politik und Wirtschaft, KõIn 1959 Merton, Robert K., Social Theory and Social 
Structure. The Free Press

of Glencoe Inc., New York 1949 Tannenbaurn, Robert, Irving R. Wechsler e Fred 
Massarik, Leadership

and Organization. McGraw­Hill BookCo. Inc., New York 1961

XV PSICOLOGIA E FILOSOFIA DA VIDA

Cole, Stewart G., This is my Faith. Harper & Brc­, New York 1956 HuxIey, Julian, 
Religion without Revelation. Harper & Bros., New York

1957 Mae Iver, R. M., The Pursuit of Happiness. Simon & Schuster, New York

1955 May, Rollo, Man's Search for Himself. W. W. Norte­, & Co. Inc., New

York 1953 Montagu, AshIey, The Direction of Human Developmert. Harper & Bros.,

New York 1955 Planck, Max, Die Physik im Kampf um die Weltanschauung. 9. ed. 
Joh.

A. Barth, Leipzig 1958
REFÉRÊNCIA DAS GRAVURAS

A adaptaç5o das estatísticas e gravuras esteve a cargo de Barbara von Damnitz

1 Ullstein­Bilderdienst, Berlim.
2­5 The Bettmann Archive, Nova

Iorque
6­8 UlIstein­Bilderdienst, Berlim.
9 Historiches Bildarchiv Handke,

Bad Berneck
10 Prof. Dr. F. Mayer­Hillebrand,

lnnsbruck
11 Archiv für Kunst und Geschichte,

Berlim
12 Fotografia particular
13 Ullstein­Bilderdienst, Berlim
14 Archiv für Kunst und Geschichte,

Berlim
15 Deutsche Fotothek, Dresda
16 Conzett & Huber, Zurique
17 John R. Freeman & Co., Londres
18 The Associated Press, Francoforte s. Meno
19 Ullstein­Bilderdienst, Berlim
20­21 Fotografia particular
22­24 United Press International,

Nova lorque
25 Fotografia particular
26 Inge­Lotte Dortschy, Francoforte

s. Meno
27 Fotografia particular
28 Süddeu­­­tscher Verlag, Munique
29 Zeitschrift: für Vülkerpsychologie

und Sprachwissenschaft, Dümmler, Berlim 1860
30 Roebild, Francoforte s. Meno
31 T. 1. Storer, General Zoology,
MacGraw­Hill Book, Nova Iorque
1951
32 Deutsche Presse­Agentur, Francoforte s. Meno

33 Bavaria­Verlag, Gauting vor Munique
34 Scheinfeld, The New You and

Heredity, J. B. Lippincott Co., Filadélfia 1950
35 Fritz Engel, Reute no Tirol
36 Dr. Wolff & TritschIer, Francoforte s. Meno
37 Stefan Moses, Munique
38­39 Segundo Keller Wiskott, Lehrbuch der Kinderhei1kunde. G. Thieme, Estugarda 
1961
40 Dr. Wolff & TritschIer, Francoforte s. Meno
41 Dimock, Rediscovering the Adolescent, Association Press, Nova Iorque 1937
42 Segundo C. Bühler, Der menschliche Lebenslauf aIs psychologisches Problem, 
Verlag für Psychologie’ Gõttingen 1959
43­45 Segundo Wirtschaft und Statistik, 1961
46 Bavaria­Verlag, Gauting vor Munique
47 Dr. Wolff & TritschIer, Francoforte s. Meno

48 Danzinger­FrankI, Zum Problem

der Funktionsreifung, Zeitschrift für Kinderforschung, Vol. 43. Springer, Berlim 
1934
49 Ullstein­Bilderdienst, Berlim 1934
50­53 Fotografia Stefan Moses, Munique, segundo A. GeselI, The First Five Years 
of Life. Harper Bros., Nova Iorque 1940
54 J. Eibl­Eibesfeldt, Prados junto do lago de Starnberg
55 M. Oldenburg, Kleine Methodik

der physikalischen Therapie und Diagnostik, de Gruyter, Berlim
1954
56 Segundo H. Rohracher, Kleine

Charakterkunde. Urban und Schwarzenberg, Viena 19,61
57 Segundo Peter R. Hofstãtter, Psychologie (Fischer­Lexikon 6). Fischer­
Bücherei, Francoforte s. Meno 1957
58 Segundo F. Ruch, Psychology

and Life, Scott, Foresman and Co., Chicago 1958
59 Segundo E. Brunswick, Bericht

über den 11. Kongress für Psychologie. Fischer, Jena 1930
60­64 Desenhos Barbara von Damnitz, Munique
65­67 Segundo Krech e Crutchfield,

Elements of Psychology. Alfred A. Knopf, Nova Iorque 1959,
68­70 J. v. Uexki111 e F. Brock, Atlas

zur Bestiramung der Orte in den Sehrãumen der Tiere, in Zeitschrift für 
vergIeichende Physiologie, Vol. 5. Springer, Berlim 1927
71 Segundo Peter R. Hofstãtter, Psychologie (Fischer­Lexikon 6). Fische,r­
Bücherei, Francoforte s. Meno 19,57
72 Ilse Collignon, Munique
73 Tinbergen, The Study of Instinct
74 Paul Steinemann, Jardim Zoológico, Basileia
75­77 Fotografias Stefan Moses, Munique, segundo C. BühIer, Testing Children's 
Developrnent. Allen & Unwin, Londres 1935
78 Freud, Drei AbhandIungen zur

Sexual.theorie, 3.’ edição. Deuticke, Leipzig e Viena 1915
79 Rudolf Betz, Munique
80 Segundo Alexander e French,

Psychoanalytic Therapy. Ronald Press Co., Nova lorque 1946
81­85 Fotografias Stefan Moses, Munique, segundo Hetzer, Kind und Schaffen, in 
Quellen und Studien

zur Jugendkunde, caderno 7, Fischer, Jena 1931
86 Gesell Institute of Child Development, New Haven
87 Halverson, The Developrnent of

Prchension. Genetic Psychology. Monographs. Journal Press, Provincetown 1931
88 Segundo Coleman, Abnormal

Psychology and Modern Life. Scott, Foresman and Co., Chicago
1956
89 Laenderpress, Dusseldorfe
90 Graewe, Zwillingsforschung und

Erbwissenschaft, in Orion 5. Jahrgang n.o 17. Lux­Verlag, Murnau
91 Elisabeth Hase, Francoforte s.

Meno
92 Paul Steinemann, Jardim Zoológico, Basileia
93­97 Stefan Moses, Munique
98 Segundo Thorndike, Adult Learning. Macrnillan, Nova lorque
1928
99 Segundo Jones, Conrad, Horn,

Psychological Studies of Motion Pictures II. University of California. Publ. 
Psychol. 1928
100 Segundo Welford, Ski11 and Age.

Nova Iorque 1951
101 Segundo F. Ruch, Psychology

and Life. Scott, Foresman and Co., Chicago 1958
102 Stefan Moses, Munique
103, Segundo Schenk­Danzinger,

Handbuch für Psychologie, Vol. 3, Verlag für Psychologie, Gõttingen
1939
104 Sigrid Maldonado, Uhn
105­107 Stefan Moses, Munique
108 Bernd Lohse, Francoforte s.

Meno
109 Roebild, Francoforte s. Meno
110 Max Dellacher, Munique, com

referência ao volume ilustrado Terra Mágica «Kinder aus aller Welt», Harins 
Reich, Munique
111 Da série de fotografias BR 248,

«Gutes Spielzeug für das Kleinkind» do Instituto para filme e imagem, Munique
112­121 Goodenough, Measurement
of Intelligence by Drawings. World Book, Nova lorque 1926
122 Da clínica particular de Ilse Pichottka, Munique
123 Da clínica particular de L.

Welty
124 Bühler, Schenk­Danzinger, Smitter, Kindheitsprobleme und der Lehrer. Verlag 
für Jugend und Volk, Viena 1958
125 A. van Krevelen, De tekening.

Kroese N. V., Leida 1953
126 Segundo C. Bühler, der menschliche Lebenslauf aIs psychologisches Problem. 
Verlag für Psychologie, Gõttingen 1959
127­130 E. Kafia, Die Reaktionen des

Sãuglings auf das menschliche Gesicht. Annales universitatis aboensis, Turku 
19,52
131 Spitz e Wolf, The Smiling Response. Genetic Psych. Monogr.,
1946
132 Spitz, Die Entstchung der ersten Objektbeziehungen. Klett, Estugarda 1960
135­137 Fotografias Stefan Moses,

Munique, segundo C. Bühler, Soziologische und psychologische Studien tiber das 
I. Lebensjahr. Fischer, Jena 1927
138­141 M. Koskenniemi, Soziale Gebilde und Prozesse in der SchulMasse. 
Helsínquia 1936
142 Elisabeth Hase, Francoforte s.

Meno
143 Süddeutscher Verlag, Munique
144 Segundo Solberg e Zubek, Human Development. McGraw­Hill Book Co., Nova 
Iorque 1954
145 Fotografias Stefan Moses, Munique. Segundo Lois Murphy
146 Historisches Bildarchiv Handke,

Bad Berneck
147 Werner Rebhulm, Hamburgo
148 Segundo Kurt Lewin
149­151 Kretschmer, Kõrperbau und

Charakter. Springer, Berlim 1961
152 Segundo Healy, Bronner, Bowers, The Structure and Meaning of Psychoanalysis. 
Alfred A. Knopf, Nova lorque 1931
153 ‘Los Angeles Times, Comic Section, Part 2, 1961
154 Laenderpress, Dusseldorfe
155 Paul Poper Ltd., Londres
156 Dr. Wolff & TritschIer, Francoforte s. Meno
157 Archiv der deutschen Jugendbewegung, Witzenhausen
158 Paul Poper Ltd., Londres
159 Hurok Attractions Inc., Nova

Iorque
160 United Press International, Nova Iorque
161 Segundo Kinsey, Pomeroy, Martin, Sexual 13chavior in the Human Male. Saunders 
Co., Filadélfia 1948
162 Segundo Kinsey, Pomeroy, Martin, Gebhard, Sexual Behavior in the Human 
Female
163, Segundo C. Bühler, Der menschliche Lebenslauf aIs Psychologisches Problem. 
Verlag für Psychologie, Güttingen 1959 164­167 Fotografias particulares
168 Charlotte BühIer
169 Segundo Pressey e KuhIen, Psychological Development through the Life Span. 
Harper & Bros., Nova Iorque 1957
170 Historia­Photo, Bad Sachsa
171 Segundo C. Bühler, Der menschliche Lebenslauf aIs psychologisches Problem. 
Verlag für Psychologie, Gõttingen 1959
172 UlIstein­Bilderdienst, Berlim
173 Richard Neutra, Los Angeles
174 Historia­Photo, Bad Sachsa
175 Kunstarchiv Arntz, Haag (Obb.)
176 Fratelli Alinari, Florença
177 Grandma Moses Prop., Inc., Nova lorque
178 Galeria St. Etienne, Nova Iorque
179 United Press International, Nova Iorque
180 Keystone, Munique
181 Segundo C. Bühler, Der menschliche Lebenslauf aIs psychologisches Problem. 
Verlag für Psychologie, Gõttingen 1959
182 Bavaria­Verlag. Gauting vor Munique
183 Deutsche Fotothek, Dresda
184­185 Kunstarchiv Arntz, Ilaag (Obb.)
186 Roebild, Francoforte s. Meno
187 Dr. Wolff & Tritschier, Francoforte s. Meno
188 Laenderpress, Dusseldorfe
189 Stefan Moses, Munique
190 Desenho de cartaz Eckersley,

Londres
191 Desenho de reclame Hans Maier

e Harry Preusser
192 Desenho de cartaz Lefor­Openo,

Paris
193 Segundo Peter R. Hofstãtter,

Die Psychologie der õffentlichen Meinung, Viena 1949
194­195 Süddeutscher Verlag, Munique
196­197 Dr. Wolff & TritschIer,

Francoforte s. Meno
198 Segundo R. F. Bales, Interaction Process Analysis. Addison­Wesley, 1950
199 Segundo W. F. Whyte, Strect­Corner Society. University of Chicago Press, 
Chicago 1955
200­201 Segundo R. Lippitt e R. K. White, An experimental Study of

Leadership and Group Life. Henry Holt & Co., 1952
202 The Associated Press, Francoforte s. Meno
203, Ullstein­Bilderdienst, Berlim
204­205 Süddeutscher Verlag, Munique
206­207 Ullstein­Bilderdienst, Berlim
208 Süddeutscher Verlag, Munique
209 Ilse Collignon, Munique
210 Segundo F. Fiirstenberg, Handbuch der Psychologie, 9.­ vol. Verlag für 
Psychologie, Gõttingen
1959
211 Amerika­Dienst, Munique
212 Bernd Lohse, Francoforte s.

Meno Com referência a Edward Weyer, Primitive Peoples Today. Chanticleer Press, 
Nova Iorque 1959
213~215 Joscf Muench, Santa Bárbara, Califórnia
216­218 Allen C. Read, Phoenix, Arizona Com referência a Edward Weyer, Primitive 
Peoples Today. Chanticleer Press, Nova Iorque 19,59,
219, Los Angeles Times
220 Fotografia particular
221­225 Margaret Mead, Growth and

Culture. Putnarn's Sons, Nova Iorque 1951
226­233 Margaret Mead e M. Wolfenstein, Childhood in Contemporary Cultures. 
Universidade de Chicago Press 1955,
234­235 Edward Weyer, Primitive

Peoples Today. Chanticleer Press, Nova Iorque 1959
236 Eliot Elisofon, Nova lorque
237 Ilse Collignon, Munique
238 Bavaria­Verlag, Gauting vor Munique
239 Süddeutscher Verlag, Munique
240­241 Eliot Elisofon, Nova Iorque
242­243 D. Baruch, New Ways in Discipline, McGraw­Hill Book, Nova Iorque 1949
244 Mussen e Conger, Child Developrnent and Personality. Harper Bros., Nova 
Iorque 1956
245 Segundo Baldwin, Kalhorn e

Breese, Patterns of Parents Behavior. Psych. Mon. 1945
246 Roebild, Francoforte s. Meno
247 Segundo H. Heinis
248 Misako Miyamoto, Tóquio
249 Stefan Moses, Munique
250­251 Fotografias particulares
252­253 Bavaria­Verlag, Gautíng vor

Munique
254 Amerika­Dienst, Munique
255 United Press Internatiorial, Nova lorque
256 Kunstarchiv Arntz, Haag (Obb.)
257 H. Rorschach, Psychodiagnostik.

Hans Huber, Berna
258 Henry A. Murray, TAT­Test.

Harvard University Press, Cambridge, Mass.
259 Segundo M. Lõwenfeld
260 Segundo M. van Wylick, Viena
261 Segundo Gay1e Kelly, U. S. A.
262 Segundo C. BühIer, U. S. A.
263 Segundo H. M. Meyer, Inglaterra
264 Segundo Roger Mucchieli, França
265­266 L. Bender, Child Psychiatric

Techniques. Thomas, Springfield,
111. 1952
267 The Bettmann Archive, Nova

Iorque

268 Amerika­Dienst, Munique
269­270 Bavaria­VeTIag, Gauting vor

Munique
271 Peter R. Hofstãtter in Verbraucher und Werbung. Wirtschaft und Werbung, 
Essen. 19,60
272 Frankfurter Allgemeine Zeitung,

Francoforte
273 The Philadelphia Bulletin, Filadélfia
274­275 Coca­Cola GmbH, Essen
íNDICE ONOMASTICO

Os números assinalados com um * referem­se às gravuras. Os nomes próprios de 
ficção e que se referem aos casos expostos para melhor compreensão do assunto, 
encontram­se em caracteres cursivos.

A., Sr. 536, 555 A., Sr., 535, 536 Ach, N. 35, 109 Ackermann, N. 427 seg., 487 
Aden, F. 409 Adenauer, K. 342 Adler, A. 121, 147 seg., 149, 226, 266,

271, 484 Adorno, Th. W. 295, 369 Aichhorn, A. 486 Aisha 424 Albright, L. 512, 
*255 Alec 392 Alexander, F. 12, 148, 153, 538, 555

segs. Alfredo 138, 139, 147, 150, 152, 289

seg., 292, 360 seg., 570 seg. Allen, F. 564 AlIport, F. H. 47, 387 AlIport, G. W. 
13, 39, 40, 46, 127, 194,

236, 240, 262, 271, 275, 278, 324, 364,
366, 367 AUmann, Mizzi 380, 388 Anastasi, A. 112 Anderson, J. E. 224, 279 Andy 
465 Angelus 210 Anita 131, *75­*77 Anna O. 143 Anshen, R. N. 424 Anton 284 
Argyris, @Ch. 403, 581 Aristóteles 26, 27, 29, 39, 96, 257, *1

Arndt, Sr a 244 Arnold, W. 13, 500 Artur 208 Asch, S. E. 368, 378 Agostinho, 
Santo 29

Bach, família 59, *35a Bach, G. 12, 13, 14, 260, 569, 575 Bach, J. S. 59 Baier, 
Liesel 379, 388 Bailey, N. 223 Bakke, E. W. 402 Baldwin, A. L. 306, 356, 484 
Baldwin, J. M. 45, 167 Bales, R. F. 384 seg., 395, 417 Barbara 571 Baruch, D. 482 
segs. Bauragarten, F. 504, 511 Bavelas, A. 418 Beach, F. 76 Beate 546 seg. 
Bechterew, W. 34 Beck, S. 523 Beller, E. K. 518 Bello, F. 568 Ben 333 seg. 
Bender, L. 163, 242, 562 Benedict, R. 46, 361 seg., 423, 446

segs., 455, 464 Berelson, B. 373, 400, 589 seg. Berger, H. 83 Bergius, R. 229, 
306
Bertalanffy, L. von 12, 57, 65, 169, 260 Bettelheim, B. 486 Bettina 288 Bilz, J. 
183 Binet, A, 48, 167, 496, *15, *32 Binswanger, L. 125 seg., 334, 508 Bíon, W. 
R. 575 Blake, R. 114 Blanchard, Ph. 564 Blanck, G. 516 Bleuler, E. 162 seg., 215 
BlixenTincke, K. T. 409 Bloch, D. A. 582 Blumer, H. 400 Boas, F. 44, 347, 448 
Bohm, E. 523 Bolgar, H, 12, 13, 14, 15, 518, 538, 540,

552 segs. Bolle, F. 15 Bondy, C. 527 Boring, E. G. 30 Bowers, W. H. 269 BowIby, 
J. 161 seg. Bracken   ‘  H. von. 256, 334 Braid, J. 564 Braly, K. W. 367 Brammer, 
L. M. 531 Brandenburg, G. C. 178 Braun, Hanna 532 seg. Breese, F. H. 485 Brenda 
298, 510 Brent 210 Brentano, F. 34, *10 Breuer, J. 143 Brody, S. 163, 206, 207 
Bronner, A. F. 263 Brown, J. S. 460 seg. Bruce 574 Bruner, J.   S. 114, 278, 324 
Brunswik,    E. 94, 170, 197 Bühler, C.   34, SO, 63, 128, 140, 183,

194, 209,  229, 273, 278, 310, 313, 352,
498, 500,  504, 526, 529, 560, *166 BühIer, K. 16, 31 seg., 33, 38, 39, 108,

111, 128,  168, 172, 184, 207, 350, 487,
523, *21 Bülow, G.    von 339 Bunker, H. A. 49 Burgess, E. W. 363, 423 segs. 
Burt, Ch. 107 Busemann, A. 229, 306 Butzke, 1. 15

Cannon, W. B. 145 Cantril, H. 114, 278, 399 Cartwright, D. 47, 260, 380, 579 
CattelI, J. Mc K. 48 Charcot, J. 564 Chasius, A. 301 Child, 1. 361 Chorus, A. M. 
306 Chowdhry, K. 394 Christie, R. 369 ChurchilI, W. S. 342 Claparède, E. 107 
Clausen, J. A. 515 Cleckley, H. M. 253 Cliburn, van 300 segs., *159, *160 Cobb, 
S. 115 Cornte, A. 39, 421, 457 Cooley, C. H. 45, 347, 352, 379, 383 Corsini, R. 
572 Cory, D. W. 321 Crutchfield, R. S. 97, 108

DaniclI, R. S. 48 Danny 392 Danzinger, L. 70 Darwín, Ch. 29, 31, 42, 457 David, 
H. P. 256 Davis, A. K. 581 seg. Davis, K. 404 seg. de Grazia, S. 325 Dehn, G. 
300 Dennis, W. 71, 200 Denny 297, 483, 510 Derbolav, J. 480 Despres, M. 302 
Dewcy, J. 30, 45, 480, 486, *16 Dickson, W. J. 407 Dilthey, W. 36 Dimock, H. S. 
63 Dinesen, 1. 409 Disney, W. 567 Doc 391 Dollard, J. 355, 398 Droemer, W. 15 
Dublin, L. 1. 317, 329 Dubois, E. 85 Durfec, H. 350 Durkheim, E. 41 seg., 347, 
420

Ebbinghaus, H. 108 Economo, C. von 85
Edison, Th. A. 331, *170, *171 Ehrenfels, Chr. von 26, 35, 95 Eisenhower, D. 340 
Ekstein, R. 486, 518 Elinor 290 Elisabeth 78 Elkin, F. 353 Ella 133 segs. Elly 
305 Engel, família 59, *35 Erich 255 Erikson, E. 139, 154, 208, 229, 273,

279, 306, 357, 486 Erwin 155 Escalona, S. 150, 163, 204, 206, 352 Eser, W. 318, 
423 Evans, Sr. 534 Evchen 356 Eyferth, K. 480 Eysenck, H. J. 261 segs, 516, 520, 
525 Ezriel, H. 575

Farah Aden 409 Farberow, N. 329 Farnsworth, D. 516 FecImer, G. Th. 21, 30, 145, 
*8 Feifel, H. 342 seg. Fenichel, O. 218 Ferenezi, S. 538, 555 Fischer, A. 49 
Fishberg, família 59, *34 Fishberg, 1. 59, *34 Fisher, L. 481 Flagstad, K. 59 
Fontane, Th. 340 Foulkes, H. S. 575 Frances 208 Frank, J. 537, 559 Frank, L. K. 
112, 525 FrankI, L. 70, 203 FrankI, O. 93 FrankI, V. E. 125 seg, 515, 548 Fred 
425 Frederico o Grande 85 French, Th. 122, 545, 555 Frenkel, E. 197 Frenkel­
Brunswik, E. 368 Freud, A. 356, 525, 561 Freud, S. 21, 36, 76, 106, 112, 117, 120

segs, 127, 128, 130, 139, 140 segs.,
151, 152, 154, 186 seg, 201, 212 segs,
229, 242, 257, 260, 267 segs, 277, 281,

288, 321, 354, 476, 486, 515, 520, 522,
525, 532, 537, 538, 541, 542, 545, 547,
564, 596, ­14 Frieda 356 Fries, M. 54 Frisch, K. von 72 Frõhner, R. 319, 423 
Fromm, E. 46, 127, 266, 267, 272, 368,

398, 427, 514, 518 Fung, Paul 449 Fung Kwok Keung 449 Fiirstenberg, F. 429 seg.

Galeno 28, 263 GalI, F. J. 81, *56 Galton, F. 32, 277 Gaudet, H. 373, 589 seg. 
Gaupp, A. 483 Gebsattel, V. E. von 125 Geiger, Th. 413 seg. Gese11, A. 33 seg, 
69, 158, 229, 242,

498, *22, *86 Giese, F. 50 Gilbert 238 segs. Gilbert, G. M. 5,   67 Gladwin T. 
464 Glen 521 segs,      540, 543 segs., 545

segs., 549 seg. Glenn, J. H. 509,   *254 GocIdard, H. 496 Goethe, J. W. 96, 
332 Goffman, E. 360 Goldenweiser, A.    A. 459 GoIdschmidt, W.     436, 448 
Golcistein, K. 35,  89 seg, 96, 97, 128,

140, 272, 527, *20, *34 Gomperz, H. 27 Goode, W. J. 317, 319, 426 Goodenough, F. 
191, 193 Gottschaldt, K. 265, 275 Gouldner, A. W. 403, 421 Grabinger, W. 15 Grace 
571 Grancima Moses 228, 340 seg, *177, *178 Grazia, S. de 325 Green, Th. F. 341, 
*180 Greenacre, Ph. 169, 187, 277 Gretel 155, 165 Grinker, R. 515 Groos, K. 32, 
184 Grothe, Sr.’ 79
Grotjahr), M. 487, 549 Guest, R. N. 581 Guggenheim, F. 14, 15 Gutzkow, K. 365

Hacker, F. 14 Hagen, E. 503 Hal 249 Hall, C. 256, 266 HalI, G. St. 49, 167 HalI, 
J. K. 48 HallowelI, A. 1. 467 Halverson,   H. M. 159 Hankin, H.   116 Hanna 78 
Hansel 351 Hartley, E.  L. 366, 394 Hartley, R.  E. 366, 394 Hartmann,    H. 
154, 251 Hartmann,    N. 257 Hathaway,    S. R. 520 Hauptmann, Sr. 411 Hauptmann, 
Sr.’ 411 Havemann, E. 473 Havighurst, R. 229, 231, 279 Head, H. 242 Healey, W. 269 
Hegel, G. F. W. 39 Heidegger, M. 111, 125, 513 Heider, F. 113, 390 Heim­Võgtlin, 
M. 282 Heinis, H. 497 Heinroth, O. 105 Heinz 494 Heiss, R. 14, 225, 258, 275, 
525, 531 Helen 285, 294, 296 Hellpach, W. 50 HeImut 546 seg. Henrique 252 seg., 
284 Henry 564 Henry, A. F. 42 Henry, W. E. 582 Herbert 119, 129 Herskovitz, M. 
437 Herwig, B. 50, 429, 577 Herzberg, F. 195, 325, 358 Hesíodo 317 Hetzer, H. 14, 
34, 49, 101, 159, 177,

183, 190, 202, 389, 480, 494, 496, 498 Hilgard, E. 29 seg, 103, 104 Híllebrandt, 
M. J. 490, 492 Hilprecht, H. V. 116

Hiltmann, H. 14, 530 Him,,vich, H. E. 569 Hipócrates 28, 263 Hitler, A. 398 
Hobbes, Th. 39 Hochheimer, W. 480, 487 Hoff, H. 510 Hofstãtter, P. R. 13, 92, 96, 
223, 225,

268, 295, 300, 347, 371, 416, 580, 586 segs. Hõhn, E. 32, 168 Holter, A. C. S. 
311 Holter, A. K. 15 Homans, G. C. 382, 388 Homero 317 Homme, F. J. 20 
Horkheimer, M. 368, 426 Horney, K. 46, 127 seg, 147, 266, 267,

272, 288, 514, ­23, *35 Horowitz 366 Hu11, C. 104 Humboldt, A. von 339 Humboldt, 
W. von 339, 344 Hume, D. 29 Humphrey, G. 109 Husserl, E. 35, 390 HuxIcy, J. 597

1 Iling, H. 569 Inkeles, A. 41­ seg, 42, 44 Isabel 208

Jacqueline 181 Jahoda, M. 369, 517 James, J. 383 James, W. 31, 45, 47, *11 
Jandorf, E. M. 278, 324 Janowitz, M. 400 Janssen, 1. 530 Jennings, H. 389 Joan 
574 Job 282 Jocasta 151, *79 John 571 Johnson, Brent 247 Johnson, Linda 235, 237, 
246 segs.,

291 seg., 297 Johnson, Ted 247 Jones, H. 174, 223 iones, John 473 Jones, M. C. 
195, 223
Jung, C. G. 121, 127, 262, 271, 275, 333,
343, 547 Jungk, Robert 14, 15 Jungk, Ruth 14, 15

Kahn, R. L. 404 Kafla, E. 202 seg. Kalhorn, J. 485 Kant, 1. 342, 594, *181, *182 
Kardiner, A. 419, 467, 514 Karpf, F. 12, 14, 15, 39 seg., 44, 538 Karpf, M. 12, 
14, 15, 534, 535 Küthi 252 Katz, D. 33, 168, 211, 367, 390 Katz, E. 374, 400, 404 
Kekulé v. Strador?itz, A. 116 Keller, W. 61 Kelly, G. 526, 528 Kelly, L. 225 
Kennedy, J. 440 Kerschensteiner, G. 168 Key, E. 168 Kierkegaard, S. 513 Kimball, 
W. L. 11 Kinsey, A. 303 seg, 320 Mapper, J. T. 590 Maus 362 Kleemeier, R. 325 
Klein, M. 486, 534, 561, 563 Kleist, K. 85, 86 Klimpfinger, S, 94 Kline,berg, O. 
362 Klopfer, B. 523 Kluckhohn, C. 44, 443, 446, 463 Kluckhohn, F. 273, 442 segs., 
446 Koch, M. 273 Koehler, O. 33, 105 Koffka, K. 35 KõhIer, W. 32, 33, 35, 88, 96, 
110, 143,

172, ­24, ­35 KoIlwitz, K. 343, *183 Koskennierni, M. 210 seg. Kowalewska, S. 282 
Kracauer, S. 422 Kraepelin, E. 162 seg, 263 Krafft­Ebing, R. von 277, 508 Kramer, 
B. M. 366 Kraus, F. 257 Krause, Sr a 274 Krech, D. 97, 108 Kretschmer, E. 21, 59, 
163, 262, 263,

275, 566, *26

Krevelen, A. van 194 Kroeber, A. 44, 435, 457, 458 Kroh, O. 198, 229 Krupp, A. 
429 Kubie, L. S. 515, 568 KuhIen, R. J. 230, 279 Kuhlmann, F. 496 Külpe, O. 35, 
108 Künkel, H. 317 Kurt 511 Kutner, B. D. 336

Lange, Robert 146 segs, 150 Langfcldt, G. 150, 255, 568 Laotse 96 LashIey, K. S. 
43 Laski, H. 410 Lasswell, H. 398 Lavater, J. K. 28 Lazarsfeld, P. 13, M> 47, 
279, 300, 373

seg., 389, 400, 504, 583 seg, 589 seg,
591 Lazarus, @M. 39, 41 Le Bon, G. 41, 347, 371, 398 Leeds, R. 11, 13, 14 Lefever, 
W. D. 14, 501, 523 Lehmann, Fritz 379 seg, 388 Lehmanu, H. 197, 331 Lehmann, Irma 
379, 388 Lehr, U. 306 Leighton, A. H. 515 Leitch, M. 163, 204 Leonie 216 Lerner, 
M. 428 Lersch, P. 13, 112, 228, 242, 257 seg. Levant, O. 113 Levinson, D. J. 369 
Levinstein, S. 168 Levy, D. 161, 214, 484, 486, 561 Lévy­Bruhl, L. 41 seg. Lewin, 
K. 35, 47, 96, 99, 104, 106, 109,

192, 258, 284, 357, 379, 380, 417, *25, *36 Lewis, M. M. 177 Liddell, H. 33 Lie, 
Emil 313 Linda 235, 237, 246 segs., 291 seg,

297, 482 Lindemann, H. 566 Lindzey, G. 256, 266 Linton, R. 48, 419, 438, 440, 467 
Lippitt, R. 47, 357, 389, 396
Lipset, S. M. 399, 421 Lisa 510 Locke, H. J. 13, 423 seg., 430 segs. Locke, J. 
29, 44 Lombroso, C. 277 Lorand, S. 560 Lorenz, K. 33, 43, 72, 73, 105 seg., *54 
Lõssl, E. 579 Louttit, C. M. 48 Lõwenfeld, M. 526, 528 Ludwig 134 Luise 171 
Lunt, P. S. 412 Lutero, M. 456 Lynd, H. 46 Lynd, R. 46

Mac Farlane, J. W. 483 Mac Iver, R. M. 596 Mackay, J. S. 15 Magda 79 Maier, A. 15 
Maier, Frau 74 Malinowski, B. 437, 447 Mannheim, K. 415 Maomé 424 Margot 147 
Marguerite 210 Maria 119, 129 seg. Mark 571 Martha 237 Marx, K. 456 Mary 210 
Maslow, A. 128, 140, 272, 316, 323, 329 Massarik, F. 390, 394, 405 Mausner, B. 
195, 326, 358 Mauthner von Mautstein 49 Maxel 155, 221 seg, May, R. 125, 597 
Mayer, A. 49> 429, 434, 577 Mayer, M. 585 Mayo, E. 50, 578 McCarthy, D. 177, 352 
McCIelland, D. 194, 358 McDonald, F. J. 480, 486, 490 McDougalI, W. 32, 39, 43, 
347, 349, *18 McFarlane, J. 223 Mclver, R. 399, 438, 457 McKinley, J. C. 520 
Mead, G. H. 45, 46, 347, 350 Mead, M. 46, 267, 273, 447, 450 segs.,

453 segs.

MechIer, H. 579 Meili, R. 111, 224, 519, 523, 525 Mendel, G. 56 Meng, H. 566 
Menninger, K. 330 Menninger, W. 539 seg. Merton, R. K. 47, 362, 408, 581 Mesmer, 
A. 564 seg., *267 Meumann, E. 168 Meyer, A. 49 seg. Meyer, H. M. 529 Miles, W. R. 
364 Miller, A. 282 seg. Miller, J. G. 115, 568 Miller, N. E. 355, 398 Minkowski, 
M. 169 Mitscherlich, A. 149 Miyarnato, M. 15 Moede, W. 50 Moers, M. 306, 323 
Mohr, G. 302 Monroe, M. 373, *194 MGntagu, A. 594, 597 Moore, T. V. 49 Morel, B. 
162 Moreno, J. L. 46, 211, 389, 569, 573

seg. Morgan, C. T. 473 Morgan, L. 32, 43 Morris, Ch. 436 Moses, A. M. 228, 340, 
*177, *178 Moustakas, C. E. 562, 564 Mozart, W. A. 116, 467 seg. Muccieli, R. 529 
Mudd, E. H. 534 Müller, Wilhelm 379 Munch, E. 343, 513, *185, *256 Munroe, R. 
268 Münsterberg, H. 50 Murdock, G. P. 423, 437 Murphy, G. 112, 226, 271, 276 
Murphy, L. 226 Murray, H. A. 436, 467, 523

Nadine 298 Naegele, K. N. 457 Nagy, Bela 274 Nelson, F. 534 Neutra, R. 15, 335 
seg., *172, *173 Newcomb, Th. M. 47, 362 NewelI, N. 164 Niebuhr, R. 461
Nietzsche, F. 125 Nina 243 Noland, A. 27 Nortons 392 Nutsy 392

Oldenburg, M. 84 Opler, Marvin K. 273, 286, 453, 464 Opler, Morris 447, 515 
Oppenheimer, R. 509 Ortega y Gasset, J. 399 Otto 362 Ovesey, L. 514

Plark, R. E. 363 Parsons, F. 501 Parsons, T. 46, 359, 406, 418, 427, 428 Paulinho 
156 Pawlow, I. P. 99, *13 Pepi 93 seg. Peters, W. 168 Pfahler, G. 334 Pfister, M. 
525 Phyllis 571 Piaget, J. 33, 179 seg., 205, 224, 229,

351, *27, *36 Pichottka, 1. 15 Piorkowski, C. 50 Pitágoras 27 Planck, M. 594 
Platão 27, 39, 96 Poppelreuter, W. 50, 434 Postman, L. 114 Pressey, S. L. 230, 
279 Preyer, W. Th. 34, 167, *12 PurcelI, T. V. 431

Rank, O. 121, 271, 538, 555 Rebhuhn, W. 253 RedI, F. 292, 356, 486 Redlich, F. C. 
273, 286, 473, 515 Reeves, R. 585 Reich, W. 218 Reininger, K. 211 Revers, W. J. 
226 Rhinehart, J. 449 Richard 563 Richardson, S. 501 Riecken, H. W. 382 
Riesmann, D. 295, 363, 402

Rilke, R. M. 344 Ripin, R. 101, 203 Roberts, Bill 228, 308 segs., 338, *163 
Rocco, Johnny 381 Roe, A. 198, 278, 325 Roethlisberger, F. J. 50, 407, 578 
Rogers, C. 272, 516, 538 seg., 541, 560 Rohracher, H. 86, 100, 104, 108, 109,

511 Rorschach, H. 520 segs. Rosenstiel, L. v. 12 Ross, E. A, 39, 43 Rothacker, E. 
225, 228, 242, 257 seg. R. R., Sr.’ 508, 540, 552 segs. Rubinow, O. 93, 203 
Ruch, F. 90, 91, 175 Rudert, J. 228, 258 Rümke, H. C. 306 Rupert 510 Ruppert, P. 
490 Rust 178

Sally 283, 321 Sanford, R. N. 369, 397 Sapir, E. 456 Sarason, S. B. 464 Sargent, 
S. S. 359, 401, 411 Schachter, St. 381 Scheinfeld, A. 449 Schelsky, H. 296, 300, 
317, 319, 363,

413 seg., 491 Schenk­Danzinger, L. 11, 14, 15, 167,

194, 494 seg, 501 Schiel, L. 15 Schilder, P. 569 Schjelderup­Ebbe, K. 390 
Schmidt, W. 458 Schultz, J. H. 12, 565 seg. SchuIZ, Sr.’ 74 Schwartz, E. K. 515 
Schweitzer, A. 331, 333, 469, 549 Sears, R. 216, 355, 358, 488 Selye, H. 65 Selz, 
O. 35 Serena 574 Sethne, A, 311 segs, 324, 595, *164­*168 Sethne, J. 313, *165 
Seward, G. 364, 515 Seward, J. 15 Shakow, D. 49 Shaw, C. 46
Sheldon, W. 263, 265 Shepard, J. K. 405 Sherif, M. 47, 362, 368, 385, 407 Shils, 
E. A. 406 Shneidmann, E. 329 Short, J. F. 42 Shostrom, E. L. 523 Simmel, G. 41, 
347, 382, 411 Simmons, L. W. 461 Simon, Th. 496 Slavson, S. R. 569 Small, W. S. 
103 Smith, M. E. 177 Smith, M. K. 177 Smitter, F. 194, 501 Snyderman, B. B. 195, 
326, 358 Solberg, P. A. 230, 279 Sommer, Sr., 244 Sommer, Hilda 244 Sontag, L. 
224 seg. Sorokin, P. 416, 456 Spearman, Ch. 107, 261, *17, *33 Spencer, H. 42, 44, 
184 Spengler, O. 457 Spiegel, J. P. 515 Spiel, O. 510 Spinley, M. 515 Spitz, R. 
130, 162, 201 segs., 350, 486 Spranger, E. 36, 127, 364, 480 S<prensen, H. 313 
Staabs, G. von 525 Stackelberg, M. von 319, 423 Stagg, C. 341, *179 Stanley­Hall, 
G. 277 Starbuck, E.   D. 277 Steinthal, H.  39, 41 Stephan 361 Stem, C.   34, 168 
Stern, E. 329 Stern, W. 34, 107, 108, 112, 168, 335,

496 Stets,  W. 501 Stone,  A. 534 Stransky,  E. 257 Straus, E. W. 81, 125 Strong, 
E. 225 Strupp, H. 559 Sullivan, H. St. 266, 508, 514, 538 Super, D. 501, 504, 
505 Susi 156 Sven 499 S. Y. 527

Symonds, P. 293 Szasz, Th. 271, 508, 515, 517

Tácito 371 Taine, H. 33 Tales 26 Tandler, J. 49 Tannenbaum, R. 390, 394, 405 
Tarde, G. 39, 41, 347, 371 TayIor, C. 13 TayIor, F. W. 578 Ted 563 Teirich, H. R. 
12, 566 seg., 575 Tent, L. 494 Terman, L. M. 364, 496 Thigpen, C. H. 253 Thomae, 
H. 13, 49, 221, 225, 227, 228,

256, 275, 580 Thomas, W. 1. 46, 347 Thomes, M. 13 Thorndike, E. L. 32, 104, 107, 
174, 496,

503 Thorne, F. C. 548 Thorpe, W. H. 101 Thurstone, L. L. 107, 261 Ticiano 340 
Tiedemann, D. 33 Tillich, P. 344 Tina 389 Tinbergen, N. 33, 43, 72, 105 seg., 169 
Tíntoretto 337, 340, *174­*176 Titchener, E. E. 30 Tocqueville, A. de 399 Tolman, 
E. C. 104 Tomi 425 Tommie 351 Tõnnies, F. 41, 347, 384, 404, 421 Tony 465 
Toscanini, A. 59, 113 Toynbec, A. 457 Turner, A. N. 581 Turrel, A. M. 502 TyIor, 
E. B. 42, 435

Uexküll, J. v. 98 Uhr, L. 568 Ursula 252 Useem, J. 408 Useem, R. 408
van Cogh, V. 343, *184 van Krevelen, A. 194 Van Lennep 525 Vernon, M. D. 364 
Vischer, A. L. 338, 340, 342 Vitor 133 segs., 137, 138, 139, 512 seg. Vogt, A. 331

Wãlder, R. 187 Walker, C. A. 581 Wallerstein, J. 563 Walter 283 Walter, W. G. 84 
Wanda 236 seg. Warner, W. L. 411 Wartegg, E. 525 Watson, J. B. 32 seg., 168, 
200, *19 Weber, M. 41 seg., 347, 407, 421, 457,

584 Wechsler, 1. R. 390, 394 Weigel, H. 467 seg. Weinert, F. 11, 12 Welser, E. 56 
Weisskopf­Joelson, E. 548 Weitzel, A. C. 502 Welford, A. T. 175 Wellck, A. 242 
Welty, L. 15, 194 Wender, L. 569 Werner 494 Werner, H. 113, 228 Wertheimer, M. 
35, 96, 98, 143 West, Ellen 125 West, J. 411 Wewetzer, K. H. 11, 13 White, L. 457

White, R. K. 47, 396 seg. Whitehead, T. N. 50 Whiting, J. W. M. 358 Whitman, C. 
O. 105 Whyte, W. F. 391    seg., 582 Wiener, N. 88 Wiener, P. P. 27 Wilkín, H. A. 
170 Willi 511 Williamson, R. C.   15, 359, 401, 411 Wilson, R. N. 515 Wineman D. 
292 Winston,'@iss 534 Wiskc>tt, A. 61 Witmer, L. 48 Wolberg, L. R. 515 Wolf, K. 
162, 202 Wolfenstein, M. 441, 454, 455 Wolff, W. 560 Wolpe, Z. 574 Wright, R. H. 
12, 468 Wundt, W. 21, 26, 30, 31, 41, 108, 347, *9 Wylick, M. van 525, 528

Yerbury, E. C. 164 Yerkes, R. M. 32 Young, P. V. 15, 363

Zoigarnik, B. 100 Zilboorg, G. 48 Zillig, M. 490 Znaniecki, F. 46, 382 Zubek, J. 
P. 230, 279

40
íNDICE GERAL

Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .       9

PARTE A ­ INTRODUÇÃO

1. O nosso    mpo necessita    da Psicologia . . . . . . . . . .           19
2. O que é e o que    @prange  a Psicologia? . . . . . . . . . .           20
3. A Psico ogia actual e algo do seu passado   . . . . . . . . .           22

Da história da psicologia   do indivíduo  . . . . . . . . . .           25 Da 
história da psicologia   social e da antropologia cultural . .       39 Da 
história da psicologia   aplicada . . . . . . . . . . . .            48

PARTE B­0 INDIVíDUO

I­AS RAIZES BIOLóGICAS

1. A vida é primàriamente activa     . . . . . . . . . . .                 53
2. O recém­nascido é já um indivíduo      . . . . . .                      54
3. As características hereditárias e as adquiridas confluem logo

de início  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .                  55
4. É mais fácil comprovar a hereditariedade posteriormente do

que prevê­Ia  . . . . .     .. . . . . .                                58
5. Para o desenvolvimento da personalidade o mundo circundante

é de importância decisiva    . . . . . . . . . . . . . . .              60
6. Factos fundamentais do crescimento e do envelhecimento        .  .      62
7. Factos fundamentais da maturação biológica       . . . . . . .          67
8. Maturação, experiência e desenvolvimento    . . . . . . . . .           70
9. Influência da sexualidade na maturação      . . . . . . . . .           71
10. O factor tempo no desenvolvimento     . . . . . . . . . . .            73
11. Tudo o que acontece é de ordem psicofísica    . . . . . . . .          76
12. Saúde e doença    . . . . . . . . . . . . . . . . . . .                78

c( e po @ e o que b @(o,iMaactu 1

11 ­AS FUNÇõES

1. Os fenómenos psíquicos básicos    . . . . . . . . . . . . .             81 * 
que são funções?   . . . . . . . . . . . . . . . . . .                81 * 
experimentação na Psicologia Científica   . . . . . . . . .           82
2. O cérebro e o sistema nervoso       . . . . . . . . . . . . .
O cérebro é o órgão central        . . . . . . . . . . . . . . Localizações no 
cérebro      . . . . . . . . . . . . . . . . Perturbações orgânicas do cérebro 
. . . . . . . . . . . . * cérebro como sistema reticular       . . . . . . . . . 
. . . * ciência da cibernética     . . . . . . . . . . . . . . . . Os lesados 
cerebrais de Kurt GoIdstein e     a reacção de catástrofe Crianças com lesões 
cerebrais       . . . . . . . . . . . . .
3. Os órgãos dos sentidos       . . . . . . . . . . . . . . . .

As capacidades dos nossos sentidos        . . . . . . . . . . . Existem muito 
mais do que        cinco sentidos   . . . . . . . .
4. As percepções    . . . . .      .  . . . . . . . . . . . . . .

O que é uma percepção?       . . . . . . . . . . . . . . . . A evolução da 
constância do       objecto . . . . . . . . . . . Ilusões ópticas  . . . . . . . 
. . . . . . . . . . . . .
O princípio da configuração        . . . . . . . . . . . . . . A reacção de 
forma e fundo­e as figuras reversíveis       .  . .  .  . A apreensão global e a 
aprendizagem mecânica        . . . . . . .
5. Memória e aprendizagem       . . . . . . . . . . . . . . . .

O que é a memória?        . . . . . . . . . . . . . . . . . Diversos modos de 
aprendizagem         . . . . . . . . . . . . Experiências com animais em 
labirintos         . . . . . . . . . Teorias da aprendizagem      . . . . . . . 
. . . . . . . . . A teoria de Tolman     . . . .     .. . . . . . . . . . . . . 
Animais que seguem preponderantemente          os instintos  . . . . A teoria da 
aprendizagem de Kurt Lewin         . . . . . . . . .
6. Inteligência e Pensamento       . . . . . . . . . . . . . . .

O que é a inteligência?   . . . . . . . . . . . . . . . . .
O pensamento como apreensão de sentido         . . . . . . . . . As experiências 
de KõhIer com chimpanzés          . . . . . . . .
7. Emoções e Impulsos        . . . . . . . . . . . . . . . . .

O campo dos sentimentos         . . . . . . . . . . . Os movimentos impulsivos 
. . . . . . . . . . . . . . . Diferenças individuais e o mundo «privado» 
. . . . .    .  .  . As paixões influenciam as percepções      . . . . . . . . . 
. . Outras interpretações subjectivas da percepção      . . . . . . .
8. Funções psíquicas inconscientes     . . . . . . . . . . . . .

Dezasseis modos de inconsciente     . . . . . . . . . . . . . Os fenómenos 
oníricos como símbolo ou profecia         . . . . . . Sonhos criadores e 
inspirações intuitivas      . . . . . . . . . Sonhos e recalcamentos em@Õcionais 
. . . . . . . . . . .

111­ A MOTIVAÇÃO

1. O que é a motivação?      . . . . . . . . . . . . . . . . .
2. Motivação normal e patológica       . . . . . . . . . . . . .
3. Novas teorias das motivações básicas      . . . . . . . . . . .
14. O Existencialismo   . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

S. A Psicologia Humanista       . . . . . . . . . . . . . . . .
6. Tendências básicas e finalidades de vida       . . . . . . . . .
7. Potencialidades e Valores       . . . . . . . . . . . . . . .
8. A teoria da motivação de Freud      . . . . . . . . . . . .
9. Um caso psicossomático       . . . . . . . . . . . . . . . . 
145
10. Diversas opiniões acerca das origens das doenças mentais . . 
146
11. Definição de neurose e da disposição psíquica         . . . . . . . 
149

A nova psicologia do Eu      . . . . . . . . . . . . . . . . 
154

IV­ O DESENVOLVIMENTO

1. Conversa entre duas mães        . . . . . . . . . . . . . . . 
155
2. Maturação e desenvolvimento psíquico          . . . . . . . . . . . 
156
3. Ambiente e desenvolvimento psíquico        . . . . . . . . . . . 
161
4. Predisposição e desenvolvimento psíquico         . . . . . . . . . 
165
5. Funções e realizações no desenvolvimento         . . . . . . . . . 
167

O desenvolvimento do conhecimento          . . . . . . . . . . . 
170 Adestramento e inteligência     . . . . . . . . . . . . . . . 
172
* desenvolvimento da aprendizagem          . . . . . . . . . . . 
174
* início da linguagem     . . . . . . . . . . . . . . . . . 
176
* primeiro pensamento reflexivo         . . . . . . . . . . . . 
179 Pensamento mágico e simbólico        . . . . . . . . . . . . . 
180 Jogo, criação, realizações e    interesses  no  desenvolvimento     .   . 
184
O prazer da função     . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
184 Inícios do domínio     . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
186 Jogos de ficção  . . . . . . . . . . . . ... . . . . ... 
187 Jogos de construção    . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
189 A actividade física no   jogo   e a necessidade   moderna    de   movimento 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .                        190 
Percepção e projecção     . . . . . . . . . . . . . . . . . 
191 Realização e trabalho     . . . . . . . . . . . . . . . . . 
192 Vital! dade e mentalidade como      factores de   realização  . . . . 
196
O interesse   . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
197 Funções sociais no desenvolvimento         . . . . . . . . . . . 
200 A teoria psicanalítica acerca das relações      mãe­filho  . . . . . 
201 Interacção e comunicação bem         sucedida   . . . . . . . . . 
206 Condução recíproca     . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
207 Intercâmbio social entre bebés       . . . . . . . . . . . . . 
208 A integração num grupo      . . . . . . . . . . . . . . . . 
211
O início da sexualidade     . . . . . . . . . . . . . . . . 
212 Instintos sexuais parciais  . . . . . . . . . . . . . . . . 
213
O período da latência e a puberdade na teoria da           sexualidade de Freud 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .                        217 A teoria 
de Freud acerca da origem da angústia .           ,  . . . .         218 
Influências hormonais no desenvolvimento        . . . . . . . . . 
219
6. Investigações sobre o desenvolvimento através de         estudos 
longitudinais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
220 Desenvolvimento gradual e desenvol      ‘vimento repentino    . . . . 
221 Constância e variabilidade no desenvolvimento        . . . . . . . 
223
7. O desenvolvimento como cunhagem           . . . . . . . . . . . 
225
8. Teorias do desenvolvimento     . . . . . . . . . . . . . . . 
227

As teorias de fases acerca do desenvolvimento        . . . . . . . 
229 Ascensão e declínio de funções e realizações da idade média 
230 Tarefas de desenvolvimento segundo Havighurst           . . . . . . 
231
V ­A PERSONALIDADE

1. O que significa a palavra «Personaljd@ide».) . . . ,     . . . .     233

Acerca do conceito de Personalidade         . . . . . . . . .        235
3@ A estrutura e a evolução da Personalidade .   . . . . . . . .        240
4. Estrutura de Personalidade normal e patológica . . .       . . .     251
5. A investigação da Personalidade e as teorias da     Personalidade    256

Teorias de camada da personalidade     . . . . . . . . . . .         257 As 
teorias gestaltistas da personalidade . .  . . . . . . .. .       2,58 As 
teorias dos factores da personalidade .    . . . . . . .          261 Teorias 
tipológicas da personalidade   . . . . . . . . . . .         263 As teorias 
sociopsicológicas da personalidade , , . .      . . .     266 As teorias 
psicanalíticas                     . . . . . . . .        268
6. Carácter e Personalidade  . . . . . . . . . . . . . . . .            273

VI­O DECURSO DA VIDA HUMANA

1. Questões de métodos     . . . . . . . . . . . . . . . . .            277
2. Propositura de problemas     . . . .   . ,  . . . . . . . . .        280
3. Como é sentido o êxito e fracasso da vida?    . . . . . . . .        281
4. Expectativas da vida e a concepção de vida    . . . .    . . . .     284
5. Finalidades e problernas de vida  . . . . . . . . . . . . .          287
6. Inícios infantis durina vida realizada ou falhada                    289
7. Os problemas do êxito e fracasso na adolescência                     293

Problemas da autodeterminação     . . . . . . . . . . . . .          297 
Problemas do desenvolvimento sexual    dos  impulsos  . . . . .      302 Acerca 
de divisões em fases    . . . . . . . . . . . . . .           306
8. A fase média da vida   . . . . . . . . . . . . . . . . .             308

Acerca da homossexualidade , . @         . . . . . . . . . .         320
O problema do tempo na vida      . . . . . . . . . . . . .           323 
Actividade profissional e actividade recreativa  . . . . . . .       324
9. Climatério e balanço da vida   . . . . . . . . . . . . . .           328
10. A problemática da realização na idade avançada e na morte           336

PARTE C­A SOCIEDADE

VII­O INDIVIDUO E A SOCIEDADE

1. Considerações iniciais . . . . . . . . . . . . . . . . .            347
2. O condicionalismo social e as necessidades sociais do  indivíduo    348
3. A Socialização  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .             352
4. O conceito do papel  . . . . . . . . . . . . . . . . . .            359
5. Papéis e valores  . . . . . . . . . .         . .         . . .     362
6. O desenvolvimento de preconceitos e de formação da opinião          365
7. Os meios de divulgação e a sua influência nas atitudes sociais      369

VIII­O GRUPO E O INDIVIDUO

1. O que é um grupo? ... . . . . .
2. A origem e a subsistência dos pequenos grupos

378
382
3. Estrutura e processos de grupo   . . . . . . . . . . . . .           384
4. Chefia, grupo e massa   . . . . . . . . . . . . . . . . .            393

Organização, motivação e controle   . . . . . . . . . . . .          402
6. Estratifícação, mobilidade e mutação sociais  . . . . . . . .        409

IX­EXEMPLO DE ESTRUTURAS SOCIAIS

1. Grupos naturais e artificiais  . . . . . . . . . . . . . .           421
2. A família: um grupo natural    . . . . . . . . . . . . . .           422
3. A empresa: um grupo artificial   . . . . . . . . . . . . .           429

X ­AS CULTURAS

I. Definição e problemática  . . . . . . . . . . . . . . . .            435
2. Características universais da cultura  . . . . . . . .       .  .    436

Ordem   . . . . . . . . . . . . . . .         ;  . . . . . . .       438 Valores 
, . .   . . . . . . . . . . . . . . . . .          . .  .    440 Integração   . 
. .   .  . . . . . . . . . . . . . . . . .            446 Tradição   . . . . . . 
. . . . . . . .        « . . . . . . .        448 Mutação cultural  . . . . . . 
. . . . . . . . . . . . .              456
3. Diferenças culturais . . . . . . . . . . . . . . . . . .             459
4. O indivíduo e a sua   cultura  . . .   . . . . . . . . . . .         463

PARTE D­A PRATICA

XI­O PAPEL DA PSICOLOGIA E A SUA APLICAÇÃO PRATICA

NA VIDA DE HOJE . . . .            . . . . . . . . . . . .          473

XII­A PSICOLOGIA NA EDUCAÇÃO E GRIENTAÇÃO PROFISSIONAL

1. Considerações introdutórias . . . . . . . . . . . . . . .            479
2. A prática e a teoria no tratamento das crianças    . . . . . .       481
3. Educação escolar e psicologia  . . . . . . . . . . . . . .           487
4. A compreensão e valoração psicológica do aproveitamento . ,          491 S. A 
psicologia na orientação profissional  . . . . . . . . . .         501

XIII­A PSICOLOGIA NAS PROFISSÕES DE ASSISTÊNCIA

1. As profissões de assistência no nosso tempo   . . . . . . . .        507
2. Apreensão clínica . . . . . . . . . . . . . . . . . . .              514
3. Quem diagnostica e quem trata?      . . . . . . . . . . .
4. Problemas e processos diagnósticos     . . . . . .                   516

Características da personalidade normal  . . . . . . . . . .         517
O processo diagnóstico  . . . . . . . .       . . . . . . . .        518 Testes 
verbais  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .              519 Métodos 
projectivos  . . . . . . . . . . . . . . . . . .             520
O teste de Rorschach    . . . . . . . . . . . . . . . . .            520
O teste TAT . ,   . . . . . . . . . . . . . . . . . . .              523
Projecção e Interpretação    . . . . . . . . . . . . . . . Outros testes de 
personalidade    . . . . . . . . . . . . . Métodos de testes para crianças   . . 
. . . . . . . . . . . * bateria de testes  . . . . . . . . . . . . . . . . . . * 
diagnóstico diacrítico   . . . . . . . . . . . . . . . . Outro estudo 
diagnóstico   . . . . . . . . . . . . . . . .
5. A orientação psicológica   . . . . . . . . . . . . . . . .
6. Psicoterapia  . . . . . . . . . . .      .  . . . . . . . . .

O  que é a psicoterapia . . . . . . . . . . . . . . . . . a) A relação entre 
terapeuta e paciente  . . . . . . . . . . b) As declarações do paciente   . . . 
. . . . . . . c) A intervenção do terapeuta   . . . . . . . . . . . . . . A 
exploração analítica . . . . . . . . . . . . . . . . . A  interpretação dos 
sonhos  . . . . . . . . . . . . . . . A  exploração construtiva  . . . . . . . . 
. . . . . . . . d) A finalidade da terapia   . . . . . . . . . . . . . . . Franz 
Alexander acerca da escolha da psicanálise longa ou breve e) O êxito da 
psicoterapia   . . . . . . . . . . . . . . .
7. Métodos especiais de psicoterapia   . . . . . . . . . . . .

A psicoterapia com crianças     . . . . . . . . . . . . . . Hipnose, treino 
autógeno e terapia pela música  . . . . . . . Psicofarmacologia e terapia de 
choque    . . . . . . . . . . A terapia de grupo   . . . . . . . . . . . . . . . 
. . .

XIV­A PSICOLOGIA INDUSTRIAL

1. A psicologia de empresa    . . . . . . . . . . . . . . . .
2. A cunhagem profissional da personalidade no âmbito da empresa
3. Produtor e consumidor na psicologia de mercados      . . . . .
4. A acção de escolha na actividade política e comercial   . . . .

XV ­PSICOLOGIA E FILOSOFIA DA VIDA

A P É N D 1 C E

Bibliografia . . . . . Referência das gravuras índice onomástico . .
Esta edição de A PSICOLOGIA NA VIDA DO NOSSO TEMPO, de Charlotte Büliler, foi 
composta e impressa para a Fundação Calouste Gulbenkian nas oficinas da 
Tipografia Antônio Coelho Dias, Lda., em Lisboa. A tiragem é de 3000 exemplares, 
sendo 1500 brochados e 1500 encadernados. A brochura e a encadernação foram 
feitas por Virgílio Pereira da

Costa, Lisboa. Janeiro, 1971.

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