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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO
METODOLOGIA DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
Profª. Drª. Claudia Rosa Riolfi

DIÁRIO DE CAMPO

Mateus Ramos Lourenço


Nº USP: 6834766

São Paulo, 2019


Diário de Campo

Apresentação e primeira visita


Dia: ​16/09/2019

A E.E. Emygdio de Barros, na Vila São Luís, conta com vinte salas de aula,
além de dependências para reuniões, para coordenação, professores e mediação,
laboratórios de ciência, informática e multimídia, anfiteatro e pátios e quadra de esporte
coberta e descoberta. Os recursos físicos e pedagógicos também são variados, contando
com um retroprojetor, televisores, computadores, aparelhos de DVD e uma biblioteca
com cerca de 14 600 livros. Esses ambientes estão bem conservados, salvo as salas de
aula, que não contam com ventiladores e têm carteiras e janelas deterioradas.
Acerca dos recursos humanos, a escola se divide em cinco núcleos: os da
direção, pedagógico, administrativo, operacional, docente e discente, com atribuições
específicas e que cooperam entre si. A diretoria deve representar a escola, ao executar,
planejar, organizar, coordenar, avaliar e integrar as atividades. O núcleo pedagógico tem
como responsabilidade assistir professores e alunos, mediando relações. O núcleo
docente conta cem membros, entre professores titulares (83), ocupantes de função de
atividade (9), contratados (8), além de eventuais, de número variado. Finalmente, os
alunos atingem a cifra de 1720, segundo o PGE (PGE, 2015). Embora as listas de
chamada contabilizem entre 30 e 35 alunos, nas salas em que estive, raramente havia
mais de 25 alunos, evidenciando um significativo índice de evasão escolar.
A relação da escola com seu entorno parece figurar como eixo central da
realização de seu projeto político-pedagógico. Na caracterização da unidade escolar, em
seu PGE, aparece como um dos primeiros itens as contradições vigentes na vinculação
escola-vizinhança: por um lado, comunidades; de outro, “bairros cujos moradores têm
alto poder aquisitivo” e a USP. A escola recebe “alunos de origens sociais
diversificadas, muitos dos quais com grandes dificuldades materiais e emocionais”, e
então

O conhecimento e a boa relação com a comunidade do entorno são


fundamentais para que a escola possa cumprir seu papel de atender e formar
cidadãos conscientes e inseridos da melhor maneira na sociedade (PGE,
2015: 10).

No entorno estão casas e condomínios de classe média e de alto padrão,


notadamente no Jardim Bonfiglioli e no Morumbi. Alguns alunos moram nesses locais,
mas, em sua maioria, são provenientes, sobretudo no período noturno, das favelas de
São Remo, 1010 e Polop. Há nas cercanias três colégios particulares: CCZ e Vital
Brazil, na mesma avenida que o Emygdio, e o Colégio São José, na av. Otacílio
Tomanick.
O PGE ainda suscita a importância da USP e de equipamentos públicos no
entorno, aos quais a escola pode recorrer e contribuir “com ações escolares visando à
melhoria do ensino” (ibid.: 10). Não obstante o PGE saliente a importância dessa
relação, são outras as perspectivas dos alunos. A escola, por exemplo, organiza
excursões para a USP ensinando sobre seus museus e projetos de pesquisa para os que
frequentam os períodos matutino e vespertino. Mas a possibilidade desses alunos
estudarem nessa universidade lhes parece bastante remota, o que já indica um grave
problema de incentivo às suas capacidades. Deixando esse assunto para outra
oportunidade, digamos por ora que o próprio uso dos equipamentos públicos próximos
atesta, menos que diversidade, uma segregação econômica e espacial. Possivelmente, os
moradores desse perímetro não partilham das mesmas zonas de lazer, nem frequentam
os mesmos espaços comerciais; tampouco convivem no mesmo âmbito escolar, sendo
que a escola pública atende a população de mais baixa renda, e as particulares, em
especial o Colégio Vital Brazil, tem como alunos membros de famílias com mais
dinheiro.
Conseguir estágio no Emygdio de Barros não foi custoso. Creio que devido à
proximidade da escola da Universidade de São Paulo (USP), a equipe costumeiramente
recebe estagiários de áreas diversas. No dia em que me apresentei à coordenadora, ela
me falou rapidamente das aulas do período matutino, da importância de incentivar os
alunos a lerem e me pediu que assinasse um livro que registra os estagiários. Durante o
estágio, não tive oportunidade de conversar senão de passagem, algumas vezes, com
essa coordenadora, sobretudo devido a seu acúmulo de funções: na prática, ela atuava
também como porteira, segurança e inspetora. Em certa medida, a conversa ocorreu no
sentido contrário com relação aos professores, com quem demoradamente me inteirei
dos problemas da escola. O que não significou uma reflexão profunda, senão, mais,
considerações repetitivas de ditas falta de interesse dos alunos, baixos salários, falhas de
infraestrutura e da política educacional estadual e nacional. No caso dos alunos,
conversei com os mais abertos ao diálogo, nos intervalos e mesmo nos períodos ociosos
das aulas, que, diga-se de passagem, eram muitos.

Dia:​ 26/09/19 (quinta-feira)

No primeiro dia do estágio, fui à escola para a primeira aula do dia, conforme
combinado com a coordenadora. No entanto, o professor responsável pelo 3o ano não
havia chegado. Sugeri, então, acompanhar as aulas do 1o ano, até que o professor do
último ano chegasse. Assisti então a uma aula dupla: na sala, com 26 alunos, os
primeiros dez minutos foram reservados aos avisos a respeito de provas anteriores e a
chamada. O professor alterna uma postura disciplinada, pedindo silêncio com
frequência e dando broncas nos alunos pelo uso de celular ou por estarem fora de seus
lugares designados, com uma relação de atenção e amizade. Essa mistura parece criar
uma postura de respeito e intimidade dos alunos em relação ao professor. O que não
significa, necessariamente, que a sala atenda às orientações do professor.
Ele escreve na lousa: Apostila - páginas 124 a 128. São exercícios a respeito de
uma cantiga satírica, especificamente uma de maldizer, do trovador João Garcia de
Guilhade; e uma outra de escárnio, do mesmo poeta. Uma das questões pedia a
diferenciação entre esses dois gêneros satíricos, mas o professor havia apenas dado uma
introdução ao trovadorismo, segundo ele próprio me informou. Assim, muitos alunos
estavam inseguros quanto à classificação dos poemas - os cincos alunos próximos à
mesa do professor estavam perguntando uns aos outros - e o professor permanecia
ocupado entregando as provas feitas em semanas anteriores. Sugeri então mostrar para
os alunos as distinções entre os poemas, lendo os versos de “dona fea” e “Maria
Mateu”. A primeira mais irônica e ambígua, a última explícita e ostensivamente
agressiva, com a nomeação direta do alvo da sátira e uso de baixo calão. Elaborei um
esquema na lousa, desta forma:
cantigas satíricas
escárnio: ironia, ambiguidade, crítica sem um nome específico;
maldizer: ofensa direta, cita o nome da pessoa criticada; uso de baixo calão -
ex: cona.

A explicação foi bem aproveitada pela sala, que demonstrou compreender as


diferenças entre os textos - a julgar pelas respostas escritas pelos alunos nos livros
didáticos a que consultei ao final da aula.
Além disso, havia ao final da seção da atividade uma versão adaptada a uma
linguagem coloquial mais aproximada do universo das letras de funk e rap - chamada de
CantiRap: mostrei essa versão aos alunos, explicando a intenção paródia do texto. Eles
reconheceram a linguagem, mas notaram que ela já se valia de um vocabulário utilizado
há alguns anos. Sugeri então que fizéssemos o texto com as novas gírias
correspondentes àquelas da versão da apostila:
No poema original constava a palavra "loar", vocabulário arcaico para "louvar",
que na versão rap apareceria como "mandar a letra". Os alunos falaram que a gíria atual
com esse sentido era: "catimbar". "reclamar" era trocado por "encher", que substituímos
por “perrecar”. Depois de todas essas modificações - ao final os versos haviam sido
quase todos revisados com novas expressões - li o poema feito em conjunto com alguns
alunos para toda a sala e a reação da turma foi melhor do que a esperada: os alunos
riram muito e conseguiram reconhecer os paralelos entre a linguagem e as sátiras do
primeiro poema com a versão feita em sala.

Após o intervalo, decidi continuar com os primeiros anos. O professor pediu aos
alunos a mesma atividade a respeito das cantigas. Ajudei os alunos com as dúvidas e
repeti a breve explicação sobre as possibilidades do gênero satírico, mas a sala parecia
mais dispersa se comparada à anterior. Enquanto isso, o professor saiu da sala para
buscar avaliações que precisava corrigir. Comentei então com os alunos o exercício de
reescrita que havíamos feito na outra sala e isso os fez ficarem nitidamente mais
interessados. Principalmente um dos alunos que estava sentado no fundo da sala, que
chegou a pedir silêncio mais de uma vez aos que conversavam sentados próximos a ele.
Notando esse interesse, chamei-o para que participasse desde o início da recriação do
poema: perguntei seu nome e pedi que ele me explicasse o sentido das gírias comuns
entre seus amigos.
Querendo incentivá-los, e também provocar um brio de competitividade neles, li
a versão da outra sala, que os fez rir muito. Propus que a versão que faríamos poderia
partir daquela, ou ir criando uma outra possibilidade desde o primeiro verso. Eles, como
imaginei, optaram por esta. O divertido é que de fato eles levaram muito a sério a
escolha e a sonoridade, discutindo às vezes acaloradamente e disputando cada troca no
texto. Chamei a atenção deles para que fosse mantida uma continuidade entre a função
das palavras do original e da versão deles, assim um adjetivo deveria ser trocado por
outro substantivo, um verbo por um verbo. Ao final da aula - o professor demorou mais
tempo do que eu esperava, e chegou faltando poucos minutos para o soar do sinal -,
ainda não tínhamos terminado o poema, mas já era evidente que estava mudado em uma
composição nova e diversa das versões anteriores. O sinal tocou, mas alguns alunos
quiseram continuar ainda por uns minutos nesse processo de reescrita. Quando os
últimos alunos saíam falaram que queriam continuar depois, um deles era aquele do
fundo da sala, e dei a ideia de lermos depois o poema em frente à sala na semana
seguinte, o que eles aprovaram.

Dia: ​30/09/19 (segunda-feira)

Como outra vez o professor do 3º ano estivesse ausente, acompanhei as salas do


primeiro, mas agora uma classe que eu ainda não havia conhecido. O professor me
apresentou rapidamente, fez a chamada e gritou, de uma forma meio debochada e
brincalhona, com os alunos, exigindo que eles continuassem a responder os exercícios
do livro didático sobre as cantigas. Alguns dos alunos me disseram, num tom de
conselho bem humorado, que eu não deveria me espantar com o professor, porque ele
era louco mesmo.
Como essa turma tivera uma aula de português na sexta, pedi para alguns deles
para ver o que eles já tinham respondido e notei que eles também fizeram uma outra
versão do poema, por sugestão do professor. Passei a aula ajudando com as dúvidas dos
aluno de mesa em mesa. O professor preenchia diários e corrigia provas, depois de
devolvê-las aos alunos, começou a corrigir os exercícios propostos, ditando as respostas
e perguntando para um ou outro aluno que resposta esse havia elaborado.
Nessa aula também, como de costume, antes das 9h20 os alunos já começavam a
se agitar para ir para a fila da merenda.
Depois do intervalo, em outra turma, uma das que acompanhei na quinta
anterior, o professor também pede para que os alunos continuem a responder as
questões, enquanto ele preenche os diários no início da aula. Alguns reclamam que os
exercícios são chatos e que não sabem a resposta para nada, o professor diz que é só eles
olharem a teoria com calma, que está no próprio livro, mas os libera também para
pesquisarem na internet pelo celular se quiserem. Depois de uns 20 minutos o professor
passar a comentar as respostas na sala, e logo começa a explicar as características das
cantigas líricas do Trovadorismo. Ele escreve na lousa:

Cantigas líricas:
Amor: eu-lírico masculino; sentimento idealizado, cortês; linguagem culta;
vassalagem amorosa;
Amigo: eu-lírico feminino; relacionamento real; linguagem popular e
simples; tema da saudade e da partida do amado.

Uma explicação rápida e o professor começa a ler com os alunos uma tradicional
cantiga de amigo de D. Dinis, que começa com o célebre verso:“Ai flores, ai flores do
verde pino”. O vocabulário, apesar de simples, espanta alguns alunos, que protestam:
não dá pra entender! Sem tradução não dá... O professor explica mais uma vez que a
língua desses poemas é o galego-português, que é normal estranhar, e começa a elucidar
com calma o significado dos versos, a turma tem alguns olhares com ar de interesse,
mas faltam poucos minutos para o final da aula e a sala começa a se mostrar impaciente.
O professor interrompe a explicação, dá uma bronca e avisa que continuará depois.

Dia: ​03/10/19 (quinta-feira)

Enfim consegui acompanhar, neste dia, as aulas do 3º ano. Assim que o


professor entra na sala e me apresenta rapidamente à turma, os alunos começam a pegar
os livros para continuar a atividade das aulas anteriores: são textos de introdução à
segunda fase do Modernismo brasileiro. Ao pegarem os materiais reclamam que não
dará tempo de terminar durante o tempo da aula. O professor apenas avisa que passará
dando visto no final da aula.
Um aluno reclama: “catorze questões?! Cheio de coisa pra anotar, eu não vou
fazer isso não”, ao que o professor replica: “quem tem que estudar é você, não sou eu,
se você quer deixar para a sorte, o que que eu posso fazer?”. Alguns alunos pedem ajuda
com os exercícios. No final da aula, o professor começa a passar pelas carteiras e dar
visto nos cadernos. O aluno que havia reclamado mais cedo pede desculpas ao professor
e diz que vai tentar recuperar as notas vermelhas.
Alguns alunos copiam a atividade de outros. Até o final do período tem alunos
fazendo a atividade.

Dia: ​10/10/19 (quinta-feira)

O professor avisa que corrigiu as redações - são textos que eles haviam escrito
há duas semanas -, mas que não pode entregar para os alunos ainda porque os
professores de filosofia e sociologia também irão dar nota pelas redações. Falando sobre
as redações, o professor afirma que muitos alunos copiaram partes do texto da internet
e, a partir disso, passa a explicar como uma citação deve ser feita e o uso de aspas. A
explicação foi rápida, sem nenhuma anotação ou exemplificação.
Alguns alunos começam a conversar entre si falando que não sabiam que não
podiam copiar da internet sem usar aspas.
Dois alunos saem para buscar os livros de português na sala dos professores.
Enquanto isso, há uma revisão a respeito do modernismo (tema que os alunos estudaram
no primeiro semestre). Agora estão estudando a segunda fase do modernismo,
estudaram sobre o Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e Vinícius de
Moraes. Depois passarão para a terceira fase modernista.
Os livros chegam. Os alunos conversam e poucos buscam os livros para começar
a atividade. O professor pergunta se alguém sabe cantar “A rosa de Hiroshima”, poema
de Vinícius de Moraes que foi musicado. Ninguém sabia. Um grupo de alunos buscou a
música no ​YouTube e foram apresentar ao professor, que havia prometido pontos
positivos. O professor responde que só dará os pontos se eles apresentarem para toda a
turma, os alunos desistem. Poucos alunos começaram a atividade. O professor sai da
sala e quando volta os alunos começam a devolver os livros. O professor termina a aula
dizendo que continuarão na próxima aula.

Dia: ​17/10/19 (quinta-feira)

No terceiro ano, o professor começa a aula lembrando aos alunos que terão uma
apresentação na semana seguinte. Alguns alunos entregam uma redação ao professor e
ele pede que os alunos que não trouxeram hoje tragam na próxima aula.
A aula sobre modernismo passa com certa tranquilidade, professor e alunos não
saem dos seus lugares, com livro aberto na frente. Alguns fazem as atividades.
Dez minutos antes do intervalo os alunos já querem sair da sala. O professor
pede que se acalmem e a turma permanece na sala por mais cinco minutos.

Dia: ​24/10/19 (quinta-feira)

A atividade proposta pelo professor no primeiro ano era a leitura de um poema


contemporâneo escolhido pelos próprios alunos a partir de sugestões dadas na aula
anterior.
O primeiro texto era uma releitura do poema "Bicho" de Manuel Bandeira. No
entanto, os 23 alunos da sala, em sua maioria demonstravam pouco interesse pela
declamação feita por um de seus colegas, interrompendo-o com comentários
debochados. O aluno à frente da sala parecia bastante envergonhado da tarefa é
frustrado com a desatenção da sala. Depois de reiteradas tentativas, o próprio professor
assumiu a leitura, fazendo com que, ao menos, a sala silenciasse um pouco. Ainda
assim, com o barulho de parte dos alunos, a leitura era quase inaudível.
A possibilidade de uma contemplação, de uma compreensão estética era
praticamente suprimida.
Depois desse primeiro poema, porém, uma aluna fez a sua leitura em alto e bom
som, esforçando-se por ser expressiva, com uma leitura mais pausada e o resultado soou
mais satisfatório, ao menos a sala parecia dedicar mais atenção aos versos. Ao final,
alguns deles aplaudiram a apresentação da colega.
Outros alunos ainda leram, uma estrofe de uma canção de Vinicius de Moraes;
uma de "autopsicografia" de Fernando Pessoa. O professor pediu nesses casos uma
releitura, que desse maior ênfase sentimental ao texto. E, finalmente, ele próprio fez a
sua leitura para os alunos.
Apesar do formato de Sarau da atividade, não se deu a interação esperada para
esse tipo de apresentação. Não foi também, no entanto, uma situação de indiferença
absoluta. Muitos alunos pareciam oscilar entre uma demonstração de desdém e a
reflexão sobre o texto.

Dia: ​31/10/19 (quinta-feira)

Nesta manhã do dia 31, em que se comemorava o ​Halloween,​ as aulas iniciais


foram destinadas à decoração temática das salas, atividade em que cabia aos alunos
criarem artefatos e desenharem cartazes que se relacionassem aos símbolos tradicionais
do dia das bruxas. Além disso, muitos alunos se fantasiaram como personagens típicos
dessa festa – vampiros, bruxas, zumbis –, eram esses os que pareciam mais engajados
com a transformação das salas. Outros aproveitavam o caráter mais livre da atividade
para conversarem entre si ou apenas usar o celular. De todo modo, a classe do 1º ano
que eu acompanhava se mostrou bastante eufórica com a chance de dar ao espaço
comum das aulas um ar mais imaginativo e lúdico. Terminada a arrumação, por volta de
9h15, os alunos começaram a pedir para o professor que os liberasse para irem ao
refeitório. Antes das 9h30 já todos haviam saído da sala.
No intervalo, na sala dos professores, a coordenadora orientou sobre o
cronograma do evento. Pelo modo como ela apresentou a programação, deu a entender
que haveria números musicais e de dança protagonizados pelos alunos. A preocupação
maior dela, no entanto, era com o retorno às salas e com a reorganização do espaço.
Apesar dessas indicações, o que vi quando retornamos ao pátio parecia mais
com uma extensão do intervalo, sem atividades por um bom tempo. Perto das 11h é que
um pequeno grupo de alunos surgiu no centro do pátio para dançar duas músicas. Mas a
apresentação foi atrapalhada pelo volume muito baixo do aparelho de som. Mesmo com
os imprevistos, todos aplaudiram bastante.
Pensei que a partir de então se seguiriam outras apresentações. Não foi o caso.
Apenas um breve desfile de fantasias com uma dúzia de alunos. Aqui uma observação:
além das fantasias convencionais do feriado, um dos meninos interpretava um
assaltante, carregando inclusive uma pistola de brinquedo bastante realista.
Logo depois a coordenadora e as inspetoras começaram a encaminhar os alunos
de volta às salas, cuja decoração deveria ser retirada. Que estranho! Não entendi porque
os enfeites não poderiam ser mantidos por mais tempo.
Alguns alunos, no entanto, demoraram a ir para as salas. Entre eles, estavam
duas alunas, que vieram me fazer perguntas sobre a prova e as regras da redação do
ENEM. Depois esse grupo acompanhei até uma das salas, parte deles parecia contente
com o evento, mas muitos mostravam um semblante já meio entediado. Os que estavam
fantasiados foram recolocar seus uniformes e tirar um pouco da maquiagem. Depois
disso os alunos foram liberados.

Dia: ​04/11/19 (segunda-feira)

3º ano: O professor entra na sala e copia no quadro a atividade do dia. Um aluno


comenta com sarcasmo que esse é o estilo do professor: passar muita lição na sala,
explicar muito pouco (e pelo pouco que vi, não me parece uma análise de todo
exagerada). A sala está relativamente vazia no início da aula. A maior parte dos alunos
vai chegando enquanto o professor anota as recomendações no quadro.
O professor pede que se sentem em duplas para fazer a atividade – nessa sala, a
maioria já se senta em dupla. Antes de começaram a atividade o professor chama
atenção ao quadro “Anote” presente no livro, pedindo que os alunos o copiassem no
caderno, porque nele há dicas de como fazer bem uma redação. Pede que prestem
atenção ao copiar, “não adianta copiar por copiar”.
Há muita conversa, mas os alunos buscam os livros e começam a atividade. O
professor reclama do barulho e ameaça colocá-los no mapeamento de sala. Voltando ao
tema redação, o professor recomenda aos alunos a revista “Guia do Estudante -
Redação" que comprou recentemente, diz que a edição está muito boa e pode ajudar os
alunos no ENEM e no vestibular. A revista traz dicas de como escrever uma redação e
propostas de temas. O professor decide passar pelas mesas dos alunos para ver a
atividade. Um tempo depois, sai da sala, os alunos não parecem notar e continuam
fazendo a atividade e conversando como antes. Aos poucos o volume da conversa
aumenta. O professor volta, os alunos começam a devolver os livros. Um grupo de
alunas passou a aula toda fazendo uma pintura (para a aula de artes).

Dia: ​07/11/19 (quinta-feira)

1º ano: O professor inicia a aula com a chamada. Os alunos conversam, alguns


ouvem música e digitam no celular. Uma parte da turma, sabendo que a aula seria um
pouco mais conceitual, pede para inverter a ordem do que será passado: poesia! poesia!
- acho graça dessa reação, e pergunto a um dos alunos, por que é exatamente que eles
estão pedindo por poesia, ele me responde que qualquer coisa é melhor que ficar
respondendo perguntas do livro. Sorri, imaginando que ele próprio desconfiasse dessa
explicação. Por alguma razão, essa sala parecia sempre se envolver mais quando eram
textos poéticos.
Apesar dos pedidos, o professor dá sequência à atividade desenvolvida nas
últimas aulas, a leitura do conto “História de passarinho”, de Lygia Fagundes Telles.
Após a leitura, interrompida não muitas vezes para que o professor pedisse o silêncio da
sala, ele pede que a turma comece a responder as questões de interpretação do texto.
Enquanto os alunos respondem, ele faz a devolução de avaliações. Já havia percebido
isso, mas não sei se já disse aqui: o número de provas institucionais, exames periódicos
e avaliações obrigatórias é muito maior do que tive nos meus anos no ensino
fundamental e médio na escola pública entre 1996 e 2007. Isso em certo sentido indica
um maior acompanhamento do desenvolvimento pedagógico, mas também parece
sufocar as aulas com uma perspectiva tantas vezes imediatista de ensinar ​para ​a prova.
Quando se trata do último ano do ensino médio, com os vestibulares à vista, a situação
fica ainda mais complicada, e os professores se desdobram para tentar atender a todas
essas avaliações. No entanto, como se pode supor, falta tempo. Para estudar as obras
literárias cobradas nos principais vestibulares do estado de São Paulo, por exemplo, mal
sobra tempo.
No intervalo, eu conversava com a professora de sociologia e com o de artes
sobre as condições da escola, quando entrou atônita uma professora, que disse entre
soluços que duas meninas estavam brigando no refeitório, e que ao tentar separar foi
empurrada, enquanto os outros alunos nem mesmo tentavam intervir. Imediatamente,
vários dos seus colegas correram para tentar apaziguar. Eu continuei na sala, pensando
em tudo que aquilo poderia simbolizar: o hábito da agressão, a noção da violência como
espetáculo, um sentimento de desconforto talvez extravasado por elas e, no fundo, a
minha exterior indiferença diante do episódio. Impressões que eu não pude então
conciliar, mas que agora suspeito que estivessem entranhadas.
Todos voltaram e quase não se falou mais de outro assunto. Fora e dentro das
salas. Apesar do clima conturbado e agitado, o professor leu também o conto na sala
seguinte, e pediu os mesmos exercícios de compreensão do texto. Quando o sinal tocou,
os alunos ainda estavam respondendo as primeiras perguntas. Continuariam no dia
seguinte.

Dia: ​11/11/19 (segunda-feira)

No terceiro ano, conforme o professor havia adiantado para mim, começarão a


tratar das literaturas africanas em língua portuguesa. No livro didático utilizado pela
escola, ​Linguagem e Interação,​ de Faraco, Moura e Maruxo Jr., publicado pela Ática e
selecionado pelo PNLD, a seção destinada às literaturas africanas está restrita ao último
capítulo do livro e conta com apenas 18 páginas (da página 308 a 326), deixando
patente a condição de mera concessão à exigência legal de se incluir esses conteúdos no
ensino médio. Esse comportamento, aliás, se anuncia já na denominação dessas variadas
manifestações literárias de diferentes grupos e nações no uso do singular: “literatura
africana”, reduzindo-as a um conjunto uniforme, coeso, que não condiz com as
inúmeras vozes e olhares que carregam.
O professor apenas cumprimenta a sala e, sem delongas, passa a escrever na
lousa perguntas, sem comentá-las ou dar explicações. Após um início agitado, a sala
passa a copiar as questões. O professor lê as perguntas, sem fazer observações. Para
responder, eles precisam consultar as páginas do livro que informam sobre as
características, as temáticas, a relação com os movimentos de libertação (MPLA,
FRELIMO), bem como os principais escritores e obras de Angola, Moçambique,
Guiné-Bissau e demais ex-colônias portuguesas do continente africano.
As perguntas são as seguintes:

1 - Identificar objetivamente nos textos, poesia, poema ou prosa: as


tendências da Literatura Africana.
2 - Copiar e justificar palavras e expressões relacionando com as temáticas.
3 - Observar e rever a função social da literatura como informação,
recomendação e voz das minorias.

Os alunos esboçam algumas perguntas, o professor não se mostra muito disposto


a responder, e vez ou outra dá de ombros. Após alguma insistência da turma, ele retoma
vagamente a função e as origens da “literatura africana”, em nenhum momento recorre a
exemplos textuais ou propõe a leitura de um texto que dê corpo ao que ele afirma.
Comenta ainda da importância da oralidade nas obras dos autores africanos. Os alunos,
apesar de aparentemente insatisfeitos com a explicação, começam a responder. O
professor encosta à porta. Passam-se quinze minutos. Um aluno pergunta o que é
FRELIMO, o professor diz que a resposta está no livro, mas um colega responde:
alguma coisa da libertação de Moçambique. Silêncio. Uma menina diz para o professor
que ele é debochado, ele retruca que aprendeu a ser assim com ela e com seus colegas, e
faz a tréplica e diz que foi o contrário. Faltam dez minutos para o fim da aula, mas
muitos já guardam os seus materiais. Quando o sinal toca, na sala restam só o professor
e eu.

Dia: ​14/11/19 (quinta-feira)

Acompanhei os primeiros anos novamente. Véspera de feriado. Salas um pouco


menos cheias do que o normal. O tema da aula é intertextualidade, a partir da relação
entre diversos textos verbais e visuais centrados no mesmo tema e na mesma metáfora:
a busca por liberdade e pássaros presos. A ideia é perceber as possibilidades de
correspondências simbólicas e semânticas nas obras: ​O terapeuta (​ 1941), de René
Magritte, o conto de Fagundes Telles lido nas aulas anteriores e o poema “O pássaro
cativo”, de Olavo Bilac, que também já havia sido discutido anteriormente e sala.
O professor escreve duas perguntas na lousa:
Qual é o tema do poema?
Quais as semelhanças e diferenças entre o poema e o conto de L. F. Telles?

O professor anuncia, enquanto os alunos respondem às perguntas, a realização


de um sarau dedicado ao feriado da Consciência Negra. Os alunos apresentarão poemas,
canções e obras plásticas de outros autores ou de criação própria.
De volta aos exercícios: há raros momentos em que há silêncio na sala durante a
atividade. Mesmo assim, se minha observação não me engana, mais da metade dos
alunos procuram ler o poema e responder ao que foi pedido, mas fica evidente a
dificuldade de manter a concentração na leitura e na escrita. Alguns conversam em voz
alta, apenas com o livro aberto sobre a mesa. O professor escreve mais duas perguntas
na lousa, sob protesto da sala. Chega! Chega!

Como se comporta o pássaro cativo? O que ele pretende?


O pássaro cativo faz um apelo ao leitor. Qual é esse pedido?

O professor vai ao fundo da sala e pede para os alunos que estavam com a
cabeça encostada à mesa que se levantem. Eram quatro, apenas dois atendem. O
professor voltar à frente da sala e relê o poema, a pedido dos alunos. Ele lê a primeira
estrofe e passa a leitura a um dos garotos. A partir desse momento a sala parece mais
concentrada. A leitura continua, agora com uma aluna. A sala está em silêncio e quase
todos acompanham pelo livro. Alguns ainda dormem. O professor para a leitura e
orienta: tem que ler com mais energia, com mais força, com paixão poética! A turma
responde, ri e faz comentários debochados. Ele então continua a ler, dando ênfase
sentimental ao texto, performático, gesticulando. A cada verso, alguns riem, outros
aplaudem, ou fazem os dois simultaneamente. Eles perguntam o sentido de algumas
palavras (cousas, arrebol) durante a leitura. O professor interrompe a declamação,
explica e retorna no mesmo tom. Quando termina, ouço um coro: uau! Mas soa ambíguo
e fico sem saber se era desdém pelo desfecho do poema, pela interpretação, ou uma
interjeição sincera de admiração.
Levanto-me e quando os alunos me chamam vou até eles para ajudá-los a
chegarem às respostas pedidas. Fico sempre contente nesses momentos, releio os textos
com eles, que parecem se admirar de si mesmos quando compreendem o poema.
Geralmente os alunos saem alguns minutos antes, mas hoje o sinal tocou e ainda
estávamos falando do poema. Depois continuaremos. Saí conversando com um menino
e duas meninas, que me apresentaram um aplicativo de cruzadinhas no celular. Quando
me despeço deles não consigo não me lembrar da importância do desvelo na educação,
na dificuldade de encontrar e de nutrir essa relação dedicada e atenta em um cotidiano
que parece tantas vezes constranger a um caminho oposto.

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