Fornecer os instrumentos conceptuais capazes de potenciar o exercício de uma reflexão
crítica e informada que tenha como objecto primeiro a criação e recepção das obras de arte. O contacto com um percurso temático historicamente orientado —o qual percorre o pensamento de alguns dos principais agentes da reflexão estética do passado e da contemporaneidade— deverá potenciar a autonomia crítica e a interiorização da intrínseca interdependência entre a dimensão de produção e recepção artísticas e o discurso conceptual; e, de um modo mais lato, a intrínseca interdependência entre as representações de mundo privilegiadas por uma dada época, cultura ou artista, e o modo como a arte é pensada, produzida e experienciada. Neste sentido, pensar a arte será, antes do mais, entendido como uma investigação sobre o próprio pensamento, isto é, sobre os instrumentos culturais de representação do real. Procuraremos identificar qual a especificidade das linguagens de representação artísticas face a outras formas de pensar e experienciar o mundo. Genericamente, o problema da Representação colocar-se-á segundo uma dupla dimensão: 1) Qual a representação de mundo privilegiada por uma dada época, cultura ou indivíduo? Isto é, de forma simplificada, qual a resposta fornecida à questão o que é o mundo?; ou ainda, qual o modo privilegiado de representar o mundo? 2) Qual a representação de arte privilegiada por uma da época, cultura ou indivíduo? Isto é, de forma simplificada, qual a resposta fornecida à questão o que é a arte? Se normalmente é em função de uma resposta, pelo menos implícita, à questão o que é o mundo? que se define a resposta à questão o que é a arte?, também é possível pensar que em algumas épocas, práticas ou pensadores é em função da segunda que se define a primeira. É disto exemplo o modo como a representação de mundo produzida pela arte num determinado período histórico-cultural condiciona activamente a própria transformação do mundo —estejam ou não os agentes conscientes disso. Parece-nos possível pensar a história da arte e a história da estética, enquanto reflexão temática, como resultado de um processo de interacção entre uma —múltipla— representação de mundo e uma —igualmente múltipla— representação de arte. Esta interacção desenvolve-se em duas vertentes principais: a) — A da adequação —ou inadequação— da representação artística a uma subjacente, mas nem sempre consciente representação de mundo. Segundo esta concepção, a arte imita a vida. É este o óbice maior à noção de representação mimética, que durante largo tempo estruturou e condicionou a arte ocidental: tratar-se-ia sempre de uma representação de segundo grau, isto é, da representação de uma representação. b) — A adequação do mundo a uma determinada representação artística de mundo — isto é, o desejo de fazer do mundo uma obra de arte. Este é o desejo que animou ao longo, pelo menos, do último século, as vanguardas artísticas socialmente comprometidas. Segundo este modelo, que é o da modernidade, não é a arte que imita a vida, é a vida que imita a arte. No entanto, a pretensão várias vezes formulada de adequar o mundo a uma representação ideal inspirou algumas das mais terríveis experiências políticas do século XX. Isto torna claro o carácter extremamente problemático da relação entre arte e realidade, adquirindo um papel central a noção de representação: é a partir dela que um e outro conceito se definem. Torna-se, por isso, pertinente interrogar a arte a partir da noção de representação, segundo as variáveis acima referidas. O equacionar destas variáveis permitirá uma focalização das nossas análises, desenhando um percurso dirigido, tendente a proporcionar uma compreensão da arte enquanto fenómeno cultural histórica e culturalmente situado.
- Introdução: o que é a arte?
A) Platão: O anátema lançado à arte em nome de uma representação de mundo que
condena a arte à condição de representação de segundo grau: 1— a) A representação platónica de real. b) A representação platónica de arte: a crítica à arte mimética na obra A República. 2 — A ambiguidade da crítica platónica às artes: A tentativa de uma definição universal do belo — problematização. B) Introdução à Modernidade 1 — As categorias dominantes da Modernidade — caracterização e problematização. C) Kant: 1 — A Estética kantiana como paradigma da modernidade crítica: O real como representação. A arte como constituição representacional do não cognoscível. 2— O carácter desinteressado da experiência estética. 3 — A utopia da reconciliação da subjectividade e da universalidade: a) O juízo de gosto: a exigência de um sensus communis. b) A universalidade do juízo de gosto — problematização. 4 — O conceito de génio e a noção de Sublime: a experiência do não representável. D) Hegel: 1 — A arte como momento de um processo de auto-representação dialéctica do real. 2 — O devir-conceito da representação. 3 — A noção de “fim da arte”: problematização. E) Nietzsche: 1 — A Arte como modelo da relação entre o homem e o real: a) O filósofo da suspeita: relativismo e perspectivismo. b) A categoria do trágico: arte enquanto intensificação da experiência. c) O relativismo axiológico e a crítica à racionalização da arte — problematização. F) Theodor Adorno: A arte como transformação do real: a) O lugar do moderno: questionamento da Modernidade pela Modernidade. (Esta é uma bibliografia genérica. Para cada ponto do programa será fornecida uma bibliografia específica.) - ADORNO, Theodor W., Teoria Estética, trad. Artur Mourão, Edições 70, Lisboa, 1993. - FERRY, L., Homo Aestheticus : A Invenção do Gosto na era Democrática, Almedina, Coimbra, 2003 - HEGEL, G. W. Friedrich, Estética, trad. Álvaro Ribeiro e Orlando Vitorino, Guimarães Editores, Lisboa, 1993. - JANAWAY, Christopher, Images of Excellence: Plato’s Critique of the Arts, Clarendon Press, Oxford, 1995. - JIMENEZ, Marc, Qu’Est-Ce Que l’Esthétique ?, Éditions Gallimard, Paris, 1997. - KANT, Immanuel, Crítica da Faculdade do Juízo, trad. António Marques e Valério Rohden, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1998. - LODGE, Rupert, C., Plato’s Theory of Art, Routledge, London, 1953. - NIETZSCHE, F., O Nascimento da Tragédia, Obras Escolhidas de Nietzsche, Vol. I, Relógio D’ Água, Lisboa, 1998. - PLATÃO, A República, trad. Maria Helena Rocha Pereira, Fundação Calouste Gulbenkian. - SCHAEFFER, Jean-Marie, L’art de l’Âge Moderne: L’Esthétique et la Philosophie de L’Art du XVIII Siècle à Nos Jours, Éditions Gallimard, Paris, 1992. - SCHAEFFER, Jean-Marie, Adieu à L’Esthétique, Presses Universitaires de France, Paris, 2000.