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Resumo Abstract
Neste trabalho, falaremos sobre as This study focuses on the possible implications
possibilidades da contação de lendas dos orixás of storytelling activities concerning the legends
na reflexão sobre a diversidade sexual, of the Orishas (the deities of the African-
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Trabalho intitulado “Lodê Odú – oficina de formação de contadores de lendas dos orixás”, que consistiu
em oficinas itinerantes ofertadas a educadores da rede pública, de natureza independente, que
desenvolvemos entre os anos de 2011 a 2013, em cidades do interior do Rio Grande do Sul. Este projeto
teve como objetivo a formação de contadores de lendas dos orixás e a difusão da cultura dos terreiros do
Batuque do Rio Grande do Sul no espaço escolar, enfatizando a forma poética dos odús em sua
performance oral e as possibilidades de interpretação das narrativas e reinterpretação de mundo
propiciadas pelo contato dos infantes com este conteúdo.
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Neste trabalho, utilizaremos a pronúncia aportuguesada de expressões e palavras yorubanas comuns ao
rito afro-brasileiro.
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que grande parte do corpo docente das escolas não percebe a questão da discriminação e
do preconceito como um problema (COELHO, 2006, p. 6).
em sala de aula, foi notável a riqueza de possibilidades trazidas pelos odús a uma visão
mais ampla sobre a pluralidade e a diferença, pondo fim a conceitos ainda arraigados
em uma sociedade de bases heteronormativas.
Estamos acostumados a lutar por sermos “todos iguais”, acreditando que esse seria o
caminho para a felicidade geral. Nessa luta, não poucas vezes se desejou uniformizar os
desejos e sonhos das pessoas, desconhecendo sua história pessoal e familiar e sua
cultura. Hoje acreditamos que, muitas vezes, para alcançar as mesmas oportunidades e
direitos, devemos tratar desigualmente os desiguais. Ser diferente não é apenas normal,
pode ser muito bom, desde que essa diferença não signifique supremacia de um sobre o
outro, e sim a humanamente enriquecedora diversidade (BRANDÃO, 2006, p. 13, grifo
nosso).
2) Abordagem metodológica
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Nesta narrativa, Oxalá, jovem e curioso mago, tenta apoderar-se dos segredos e da magia feminina. Para
tanto, trasveste-se de mulher e ingressa em uma das reuniões de um grupo de feiticeiras liderado por
Iemanjá. A líder, astutamente, leva todos a tomarem banho de mar, momento em que terão de se
desnudar, descobrindo a métis de Oxalá. Como punição, o jovem é enfeitiçado e será obrigado até o fim
de sua vida a vestir-se como uma mulher (o odú, composto por nós, foi anexado ao fim deste artigo).
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O mito foi atribuído por Prandi à Oxóssi. Registramos aqui que a divindade é cultuada no Rio Grande
do Sul sob o nome de Odé, de forma que adaptamos a narrativa, fazendo a substituição dos nomes.
Frisamos que esta narrativa é amplamente conhecida no Batuque do Rio Grande do Sul, com algumas
diferenças. Nela, Odé (ou Oxóssi) é o filho preferido de Iemanjá, um caçador, que sai da beira da praia
para obter alimentos para a mãe. No Rio Grande do Sul, para mitigar sua solidão Iemanjá dá vida à amiga
imaginária de Odé, a bela Otim (tal detalhe não ocorre na narrativa de Prandi). Odé acaba sendo
enfeitiçado por Ossaim e aprisionado na mata, mantendo uma relação homossexual com o mesmo. No
Batuque, Otim, ao ser abandonada, volta à sua condição original de “amiga imaginária” e desaparece.
Odé será expulso de casa por recusar-se a retornar, passando a viver nas matas. Na narrativa ofertada,
mantivemos o apagamento de Otim, tendo em vista uma menor intervenção na obra de Prandi. (o odú, por
nós adaptado da obra de Prandi, foi anexado ao fim deste artigo).
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Na narrativa de Prandi, pouco conhecida, apesar de registrada no Batuque do Rio Grande do Sul, Oxum
rouba a coroa de Iansã no intuito de seduzi-la. Após deitar-se com Iansã, Oxum a abandona, sendo
perseguida pela jovem guerreira e transformando-se, na fuga, em um rio.
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pode ser visto no odú “Oxum faz as mulheres estéreis em represália aos homens” 6
(PRANDI, 2001, p. 345). Sentimentos como o ciúme e a inveja dentro de uma relação
poligâmica puderam ser analisadas em “Obá corta a orelha induzida por Oxum” 7
(PRANDI, 2001, p. 314). A mitologia acerca da criação do mundo pode ser vista em
uma versão onde a mulher ocupa lugar central, em “Iemanjá ajuda Olodumaré na
criação do mundo” 8 (PRANDI, 2001, p. 380), e a reflexão a respeito de valores
existenciais foi contemplada com o odu “Orunmilá prefere a Paciência à Discórdia e à
Riqueza” (PRANDI, 2001, p. 460). A questão do pensamento mágico e das habilidades
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nós registrados e adaptados a partir do acervo oral dos terreiros da cidade. Desta
maneira, privilegiamos narrativas que circulassem na oralidade dos espaços da
comunidade, tomando o cuidado de fazermos as devidas adaptações na obra de Prandi
(2006), tendo em vista pequenas discrepâncias entre os cultos afro-brasileiros. Desta
forma, mitos registrados por Prandi no Candomblé, que circulam na oralidade dos
terreiros gaúchos, por exemplo, sofreram pequenas alterações. A partir da contação
realizada pelos professores em sala de aula, foram solicitados trabalhos, de iniciativa
dos próprios educadores e concernentes com o nível dos alunos, com o intuito de que as
narrativas fossem recuperadas e melhor analisada a experiência do infante com as
poéticas orais.
hábito de leitura literária (ainda que esporádico) foi a diretora. A primeira oficina foi
apresentada em dezembro de 2012, ainda sem a pretensão de um trabalho de pesquisa,
meramente como atividade de formação de educadores (um convite do supervisor da
escola). A partir desta experiência, decidimos por ampliar nosso trabalho de pesquisa
junto a esta escola.
Ao falarmos de formação de professores e do trabalho com o ensino
infantil, um outro detalhe que salta à vista é o da política pedagógica da escola “A”,
uma Escola Municipal de Ensino Infantil (EMEI). O supervisor demonstrou grande
envolvimento na tarefa de desestigmatizar o trabalho com o ensino infantil, enfatizando
a necessidade de uma práxis consciente e bem elaborada por parte dos educadores.
Adotava uma postura de enfrentamento e desconstrução de conceitos pré-estabelecidos,
abordando temáticas relativas à identidade racial, tema transversal presente durante o
último semestre de 2011 e que motivou nossos primeiros com a escola “A”. Acabamos
por abordar transversalmente a questão de gênero e diversidade sexual em consonância
ao tema abordado pela escola durante o primeiro semestre de 2013. Esta temática,
solicitada pelo supervisor dentro dos odús levados aos infantes, buscava consonância
com as atividades da escola. Chamamos ainda a atenção para a abordagem do
supervisor, fugindo da tradicional ênfase à biologia, que marca, segundo Nardi e
Quartiero (2012, s.p.) o modelo de educação sexual tradicional na escola. O Supervisor
buscou refletir sobre as implicações da homoafetividade e das diferentes construções de
gênero tanto quanto sobre as diversidade étnico-racial. Esta reflexão estendeu-se a
cartazes, atividades de ensino, brincadeiras e conversas com alunos e professores, fatos
que mostraram uma preocupação no sentido de educar para a pluralidade em seus
múltiplos aspectos, tais como a diversidade sexual, racial, social, cultural e religiosa.
Em nossa pesquisa, a primeira sala de aula a ser focalizada, que
chamaremos de turma “1”, tendo a frente a professora “T”, era uma turma do chamado
“pré II”, com 14 alunos dos 05 aos 06 anos; um grupo, segundo avaliação do supervisor
“A”, por vezes agitado, porém, com excelente desempenho. Dentre os alunos, um era
incluído, diagnosticado com transtorno opositivo desafiador. A professora “T” possuía
um longo histórico no ensino infantil, sua formação era o magistério, porém,
recentemente, havia retornado aos bancos escolares, dedicando-se ao estudo da
Pedagogia em um curso de EAD.
Durante uma conversa prévia, pudemos observar que as dificuldades da
professora “T”, estavam muito mais em torno de seu desconhecimento a respeito da
cultura abordada que de qualquer preconceito. A educadora, praticante da religião
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[...] existem outras fontes, que não a linguagem, passíveis de explicar algumas
representações e uma certa esquematização representativa [no infante desta idade]. A
linguagem é, necessariamente, interindividual, sendo constituída por um sistema de
signos [=significantes “arbitrários” ou convencionais]. Mas, ao lado da linguagem, a
criança pequena – menos socializada que a de 7 anos e sobretudo que o próprio adulto –
tem necessidade de outro sistema de significantes, mais individual e mais “motivado”:
os símbolos, cujas formas mais correntes na criança pequena se encontram no jogo
simbólico ou de imaginação (PIAGET, 2007, p. 78, parêntese nosso).
seguidas vezes a menina na escola, mostrando vínculo afetivo com a pequena, que a
menina procurava reiterar, afirmando que “a namorada da tia é linda” (fala de “S”).
Notamos que Iemanjá, associada à avó pelo vínculo familiar na fala da menina, aparece
representada em maior escala, e sob a forma de uma sereia, iniciativa da pequena em
sua representação, o que denota uma proximidade possível da menina com o universo
da religiosidade e mítica afro-gaúcha (ver anexos).
O segundo mito escolhido foi “Xangô foge de seus perseguidores vestido
de mulher” (PRANDI, 2001, p. 251). Na narrativa, Xangô, o grande e másculo
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guerreiro, ao visitar sua esposa Iansã, vê-se cercado por seus inimigos. A esperta rainha
tem a ideia de vestir o marido com suas roupas, raspando a cabeça e fazendo-lhe uma
peruca. O herói escapa de seus inimigos através do ardil. A narrativa despertou forte
interesse por parte dos alunos, que fizeram muitas perguntas a respeito da troca de
aparência do herói e das possibilidades de um “menino” vestir-se de “mulher”, tecendo
comentários a respeito de uma pessoa conhecida do grupo, aparentemente, um travesti,
que chamaremos de “Y”.
As crianças que a conheciam estabeleceram vários comentários
aprovativos sobre esta pessoa, por afirmarem ser “uma tia legal” (fala de vários alunos).
A identificação entre a narrativa e a realidade dos infantes permitiu um longo diálogo
entre infantes, educadora e pesquisador a respeito do fato de alguns sujeitos
identificados como homens vestirem-se de mulher “por brincadeira” e alguns “por que
tinham vontade” (definições das crianças). Mantivemos uma postura de neutralidade,
apenas incentivando o diálogo entre alunos e professora a respeito do tema. Neste
momento, pudemos perceber o misto de naturalidade e curiosidade que a questão trazia
para os infantes e sua satisfação pelo fato de estarem conversando livremente sobre o
tema no espaço da escola, o que denotou que, sob certos aspectos, a temática da
diversidade era obliterada da representação de mundo produzida pela escola. Pudemos
notar um sentimento de satisfação na medida em que os alunos se interrompiam
constantemente buscando tomar o turno e poder falar sobre “Y”. Neste momento, foi
clara a importância de uma poética que tratasse de maneira livre, sem qualquer emissão
de julgamento ou sem a ênfase ou o empoderamento de um dos pólos do gênero
heteronormativo na escola. Tanto a fruição poética foi alicerçada pela liberdade
temática quanto a liberdade temática propiciou novas alternativas de diálogo no espaço
da sala de aula.
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poesia oral, similar ao pacto entre escritor e leitor, do qual emerge a experiência da
leitura literária.
Enfatizando a possibilidade da formação do leitor literário através da
contação de histórias, expusemos a possibilidade da interação efetiva durante a
contação, quando o sujeito-ouvinte, ao assumir a posição de narrador, assumiria
igualmente o papel de verbalizador de sua própria trajetória e identidade. Após um
intenso trabalho de aproximação dos educadores do universo das narrativas afro-
gaúchas e dos mitos a que elas remetem, enfocamos a necessidade de reflexão sobre as
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para contar ele próprio uma história. O pesquisador permitiu que o menino fizesse sua
contação, a história dos “Três Porquinhos”. Após este momento, várias crianças,
estimuladas pela iniciativa do infante, passaram a contar histórias, repetindo os odús
vistos e trazendo suas próprias narrativas, recebendo palmas dos colegas. Após este
momento, a educadora recuperou a história de Iemanjá, trazendo duas atividades.
Inicialmente, um desenho sobre uma das narrativas vistas, em seguida, uma produção
que abordava a temática trazida pelos odús da questão racial sob vários aspectos. As
crianças foram convidadas a fazer uma Iemanjá-sereia, com um rabo de peixe feito de
papel dobradura e o torço formado por uma figura feminina negra, buscada em revistas,
trabalho que envolvera suas famílias. Convém chamar a atenção para o fato de alguns
alunos, em meio às atividades, trazerem brinquedos e livros que integravam a biblioteca
e a brinquedoteca da sala. Salientamos o fato dos infantes não estabelecerem qualquer
distinção entre livros e brinquedos, interagindo com eles livremente, em meio às
atividades.
Trazemos novamente a atenção para o pequeno “E”, que durante o
primeiro dia de apresentação, enquanto os colegas faziam seus trabalhos ou brincavam
livremente, chamou o pesquisador reservadamente:
“E”: Esse era o ursinho do “E” [+] ele::...ele era mágico [o menino aperta o nariz de
imagem de urso que está no cabide que prende sua mochila] .
Nós: Mas tu não é o E?
“E”: Não [+] eu sô o B [atribui outro nome masculino para si] [+] mas se eu aperto aqui
no nariz dele eu sou a F [atribui um nome feminino para si] (transcrição da conversa
com o menino “E”, colchetes nossos).
5) Reflexões finais
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outro que nossa maior riqueza – nossa complexidade e multiplicidade de afetos – pode
ser compartilhada.
Referências
BRANDÃO, Ana Paula (Coord). Saberes e fazeres, V-1: modos de ver. Rio de
Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2006.
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ORO, Ari Pedro, org. As religiões afro-brasileiras do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 1994.
PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. Tradução Maria Alice D’Amorin
Magalhães e Paulo Sérgio Lima Silva. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
PNAD, IBGE. O perfil das regiões, segundo a Pnad: População residente segundo raça.
2011. Disponível em <http://noticias.uol.com.br/infograficos/2012/09/21/o-perfil-das-regioes-
segundo-a-pnad.htm > Acesso em: 29 mar. 2013.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 10ª Ed. São Paulo: Global,
1998.
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ANEXO 4 (Odú composto por Prandi, adaptado pelo pesquisador e ofertado a professores para
contação)
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