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REVISTA BRASILEIRA DE

POLÍTICA INTERNACIONAL
Ano 41 nº 1 1998

Programa de Apoio a Publicações Científicas

MCT

INSTITUTO BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS


Revista Brasileira de Política Internacional
(Rio de Janeiro: 1958-1992; Brasília: 1993-)

©1998 Instituto Brasileiro de Relações Internacionais. Revista semestral. As


opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade de seus respectivos
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Editor Adjunto: Paulo Roberto de Almeida
Revisão: José Romero Pereira Junior

Conselho Editorial: Antônio A. Cançado Trindade, Carlos Henrique Cardin,


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REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICA INTERNACIONAL
Ano 41 nº 1 1998

Sumário

ROTAS DE INTERESSE
A integração bilateral Brasil-Argentina: tecnologia nuclear e Mercosul 5
Odete Maria de Oliveira
Moeda única do Mercosul: notas para o debate 24
Fabio Giambiagi
O euro e as relações exteriores da União Européia 39
Deisy Ventura e Philippe Alquié
A OMC – Organização Mundial do Comércio e as negociações sobre
investimentos e concorrência 56
Vera Thorstensen

PRIMEIRA INSTÂNCIA
As relações entre Argentina, Brasil, Chile e Estados Unidos:
política exterior e Mercosul 89
Raúl Bernal-Meza
Desafios e dilemas dos grandes países periféricos: Brasil e Índia 108
Samuel Pinheiro Guimarães
Uma nova política exterior depois do apartheid? – Reflexões sobre
as relações regionais da África do Sul, 1974-1998 132
Wolfgang Döpcke
A Guerra do Chaco 161
L. A. Moniz Bandeira

INFORMAÇÃO
Resenhas 201
Antonio Augusto CANÇADO TRINDADE: Tratado de Direito Internacional dos
Direitos Humanos (Volume I). Maurice VAÏSSE: La Grandeur: politique étrangère du
général de Gaulle (1958-1969). Katia de Queirós MATTOSO; Idelette M. Fonseca
dos SANTOS; Denis ROLLAND (dir.): Naissance du Brésil moderne: 1500-1808.
Alfredo da Mota MENEZES: Guerra do Paraguai: como construímos o conflito.

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REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICA INTERNACIONAL
Ano 41 nº 1 1998

Contents
ROUTES OF CONCERN
The bilateral integration Brazil-Argentina: nuclear technology and Mercosur 5
Odete Maria de Oliveira
Mercosur’s single currency: notes for the debate 24
Fabio Giambiagi
The euro and the European Union foreign relations 39
Deisy Ventura e Philippe Alquié
The WTO – World Trade Organisation and the negotiations
about investments and competition 56
Vera Thorstensen

FIRST INSTANCE
The relations between Argentina, Brazil, Chile and the United States:
foreign policy and Mercosur 89
Raúl Bernal-Meza
Brazil and India: the great peripheric countries challenges and dilemmas 108
Samuel Pinheiro Guimarães
A new foreign policy after the apartheid? – Reflections about
South Africa regional relations, 1974-1998 132
Wolfgang Döpcke
The Chaco War 161
L. A. Moniz Bandeira

INFORMATION

Reviews 201
Antonio Augusto CANÇADO TRINDADE: Tratado de Direito Internacional dos
Direitos Humanos (Volume I). Maurice VAÏSSE: La Grandeur: politique étrangère du
général de Gaulle (1958-1969). Katia de Queirós MATTOSO; Idelette M. Fonseca
dos SANTOS; Denis ROLLAND (dir.): Naissance du Brésil moderne: 1500-1808.
Alfredo da Mota MENEZES: Guerra do Paraguai: como construímos o conflito.

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A integração bilateral Brasil-
Argentina: tecnologia nuclear e
Mercosul
ODETE MARIA DE OLIVEIRA*

1. Introdução

O presente trabalho procura focalizar aspectos relacionados ao complexo


e abrangente processo de integração bilateral Brasil-Argentina, Estados sul-
americanos que mais se destacaram no desenvolvimento da tecnologia sensível
junto à América Latina, pois reúnem, há anos, plena capacitação para construir o
engenho absoluto, uma vez que ambos dominam a tecnologia de enriquecimento
do urânio e se habilitam na construção de submarinos atômicos, o que demanda
profundos conhecimentos tecnológicos. A antiga rivalidade hegemônica e
estratégico-militar estabelecida entre estes países vizinhos os estava conduzindo,
de forma evidente, em torno de uma perigosa competição bélica e a caminho da
detenção do artefato explosivo, quando vários fatos, tanto na área científica como
no campo político, contribuíram para dar início à atenuação desse conflito,
aproximando os dois Estados rivais rumo à implantação gradual de um longo e
inédito processo de integração bilateral de uso pacífico da energia nuclear, resultando
surpreendentemente paralelo e comum, e, às vezes, no âmbito dos próprios
mecanismos de formatação institucional do caminhar de outro processo bilateral
de integração Brasil-Argentina, o qual intentava consolidar o antigo projeto de
desenvolvimento econômico da América Latina, origem do atual Mercado Comum
do Sul, criado pelo Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991.
Nesta perspectiva, a temática tenta abarcar dupla direção: os processos
de integração bilateral Brasil-Argentina em nível da tecnologia nuclear pacífica e a
constituição de um mercado comum regional junto aos países do Cone Sul.

2. Brasil: contexto nuclear

A descoberta e o avanço da tecnologia nuclear propiciaram generalizada


corrida armamentista no mundo, motivando Brasil e Argentina a iniciar estudos

Rev. Bras. Polít. Int. 41 (1): 5-23 [1998]


*Professora Titular de Relações Internacionais do Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal de Santa Catarina (CPGD-UFSC).
6 ODETE MARIA DE OLIVEIRA

nessa área. No país, a evolução dos trabalhos investigatórios remonta aos idos de
1934, no campo da Física Nuclear, junto à Universidade de São Paulo, estendendo-
se a outras universidades.
Nos anos 50, foram criados vários institutos de pesquisa (Belo Horizonte,
São Paulo e Rio de Janeiro), equipados com reatores experimentais, sofisticados
laboratórios e grupos de estudos, obtendo significativos resultados: projetaram e
construíram um reator de pesquisa (tipo Argonauta) e fabricaram seu combustível.
Ainda foram criados vários organismos de planejamento e administração, objetivando
promover as diretrizes políticas ao setor, mobilizando os cientistas em direção à
tecnologia do urânio natural e água pesada, o que ensejaria a independência da
nação brasileira ao monopólio externo e às regras de salvaguardas internacionais.1
Entre as décadas de 40 e 70, em parceria com os EUA, sucessivos acordos
bilaterais foram firmados, com resultados desfavoráveis ao Brasil, pois
comprometiam o potencial estratégico de seus minérios atômicos.
Em l975, amplo e oneroso acordo bilateral foi firmado com novo parceiro,
a Alemanha, que definiu a tecnologia do urânio enriquecido e água leve ao Programa
Nuclear Civil do país. Opção deplorável em todos os sentidos: representava forte
interesse de grupos e institucionalizou a situação de dependência ao Estado nuclear
brasileiro, acarretando sérios prejuízos à soberania nacional, além de pesados ônus
financeiros que agravaram ainda mais a dívida externa do país.2
Nessa época dos anos 70, o governo do presidente Ernesto Geisel decidiu
implantar, no país, em dez anos, importante parque nuclear,3 um gigantesco projeto,
concretizado em etapas: a) um complexo de nove usinas atômicas geradoras de
energia nuclear; b) um complexo de usinas destinadas ao ciclo completo de
combustível nuclear. Os governos seguintes postergaram os cronogramas de
execução das usinas nucleoelétricas, com exceção de Angra I que se encontrava
em avançado estágio de construção, de Angra II e Angra III.
A experiência da primeira usina nuclear brasileira e a segunda da América
Latina, Angra I, localizada a l30 Km do Rio de Janeiro, adquirida da Westinghouse
(EUA), foi negativa. Apresentou toda espécie de problemas. Sua edificação, iniciada
em l972, entrou em operação comercial em l984, após treze anos de construção e
com apenas 50% de sua capacidade máxima, por falhas no projeto de seu reator
que, somadas a uma série de defeitos crônicos, obrigavam a manter o reator parado
por longos períodos de tempo, tornando a central conhecida por vaga-lume (acende
e apaga).4
Vultoso é o prejuízo dessa usina que permanece sem fornecer a
contraproposta de sua demanda, face ao agravamento de problemas e prolongados
períodos de paralisação no processo de geração elétrica, enquanto seu investimento
ultrapassa a 2,2 bilhões de dólares.5
A segunda usina nuclear, Angra II, localizada próxima à Angra I, foi
adquirida da Kraftwerk Union AG (KWU), Alemanha, em l976. Seu cronograma
A INTEGRAÇÃO BILATERAL BRASIL-ARGENTINA: TECNOLOGIA NUCLEAR E MERCOSUL 7

de execução enfrenta grande diversidade de problemas, como a falta de estrutura


do subsolo para suportar seu peso, entre outros, os quais oneram violentamente o
custo financeiro final da obra6 que, iniciada em l977, encontra-se em fase conclusiva
da edificação e com entrada em operação comercial prevista para depois do
ano 2000.7
Em l976, a Central de Angra III que, juntamente com a usina de Angra II,
também foi adquirida na Alemanha, tem seu projeto de construção localizado próximo
à Angra I, onde seus equipamentos encontram-se estocados. Sua edificação
resume-se à fase inicial de desmonte da rocha (um buraco). Ali deveria estar
assentada e em funcionamento. Seu cronograma de execução foi adiado no governo
do presidente Fernando Collor de Mello e postergado pelos governos sucessores.
Presentemente, pelas dificuldades financeiras, sua implementação foi retirada da
programação do Plano Decenal de Expansão do Setor Elétrico.8
Também a implantação do complexo das usinas do ciclo do combustível
nuclear não apresentou o resultado esperado.9 Trata-se de um sistema que requer
um processo tecnológico complexo e caro, compreendendo etapas: desde a
localização do minério e seu processamento à transformação em elemento
combustível para suprir as centrais nucleoelétricas, encerrando-se com o
reprocessamento, o reaproveitamento do combustível irradiado das usinas, podendo
ser utilizado em armamentos atômicos ou reatores rápidos. A fase mais sofisticada
e perigosa do processo.
O domínio da disputada tecnologia do ciclo do combustível implica a
consolidação de todo o processo. De nada serve a produção do concentrado de
urânio sem sua transformação em hexafluoreto de urânio, para vencer a
operacionalização crítica de enriquecimento e, após, a montagem dos elementos
combustíveis. É necessário fazer funcionar o sistema integral dessa difícil tecnologia.
Com exceção da primeira etapa do ciclo do combustível, a avaliação das
reservas de urânio do país, estimadas, até l975, em ll.040 toneladas, em l982, em
vista da descoberta das jazidas de Itatiaia (CE) e Lagoa Real (BA), os novos
aferimentos apresentaram um total de 30l.490 toneladas de urânio, o que classificou
o Brasil como o quinto maior detentor de urânio do mundo.10 As demais etapas
somente revelaram prejuízos à nação: o Complexo de Mineração de Urânio de
Poços de Caldas (MG) compreendendo a jazida, usina de produção de concentrado
e fábrica de ácido sulfúrico, inaugurada em l982, opera com produção mínima. A
Fábrica de Conversão, ponto vulnerável do sistema, pois transforma o concentrado
de urânio (yellow-cake) em hexafluoreto de urânio, teve o projeto de implantação
da obra paralisado em l983, obrigando o país a processar o seu concentrado de
urânio na Europa, onde é convertido e transformado em pastilhas de urânio. A
Usina de Enriquecimento de Urânio por Jato-Centrifugação, um modelo obsoleto,
de suas três fases, tem concretizado a primeira cascata e com baixo potencial de
enriquecimento.11 A Fábrica de Elementos Combustíveis, que deveria receber o
8 ODETE MARIA DE OLIVEIRA

insumo básico do hexafluoreto de urânio da Usina da Conversão (?), quando passaria


a processá-lo em três etapas: a) transformação em pó de óxido de urânio; b)
prensagem do pó e sua transformação em pastilhas; c) montagem do elemento
combustível, composto de tubos de zircaloy e varetas preenchidas com pastilhas
de óxido de urânio, opera simples montagem, usando tubos de zircaloy adquiridos
da Argentina e pastilhas de óxido de urânio da Europa. A Usina de
Reprocessamento sequer foi implantada no país.12
Se o balanço da execução dos projetos do Programa Nuclear Civil apresenta
saldo negativo, o Programa Nuclear Militar, conhecido como “Paralelo”, autônomo,
surgido em l979, e conduzido secretamente pelas Forças Armadas, evoluiu com
destacado sucesso no domínio da tecnologia do urânio enriquecido e de outros
desdobramentos, apresentando os seguintes resultados: o Ministério da Marinha,
junto ao Centro Experimental de Aramar, em Iperó (SP), atingiu, em l988, o índice
de 20% de enriquecimento de urânio por ultracentrifugação, onde fabrica o primeiro
reator de potência, RENAP-l, com l00 MW, base do reator que irá propulsionar o
primeiro submarino nuclear brasileiro, em construção nos estaleiros navais do Rio
de Janeiro (RJ).13 O Ministério do Exército, em Guaratiba, Oeste do Rio de Janeiro,
constrói um Reator Experimental Irradiado (REI), moderado a grafite e urânio
natural metálico como combustível.14 O grafite é fabricado pela empresa TECMAT,
a primeira da América Latina a se preocupar com essa produção, tornando o
Brasil o sétimo país do mundo a dominar tal tecnologia.15 Trata-se de um reator
mais caro que os demais, economicamente inviável e com complicado processo de
operacionalidade, mas que produz plutônio, elemento chave na construção da arma
militar nuclear, na linha utilizada pelos franceses quando fabricaram seu artefato.16
O Ministério da Aeronáutica edificou no Campo de Provas Militares da Serra do
Cachimbo (PA) diversas perfurações subterrâneas, uma delas com 320 metros de
profundidade por um metro de diâmetro,17 lacrada pelo presidente Fernando Collor
de Mello, em l8 de setembro de l990,18 quando oficialmente declarado ficou que se
destinava a testes de artefatos nucleares. Na programação dessa Força, na década
de 70, foi iniciado um projeto de capacitação nuclear para a arma atômica, o ultra-
secreto Projeto Solimões,19 cujo objetivo era testá-la até o ano de l990. As três
Armas não podem refutar a constatação do avanço de capacitação tecnológica de
seus projetos e instalações de seu institutos, que apresentam todas as condições
necessárias para produzir o artefato.
Na realidade, o Programa Nuclear Paralelo abriu amplo caminho
tecnológico ao país. Enquanto se discutia politicamente a questão da posse do
artefato verde-amarelo,20 secretamente as Forças Armadas iam percorrendo todos
os degraus do processo: edificavam um poço de 320 metros de profundidade e
dominavam o enriquecimento do urânio, situação que provocava profundas reações
junto aos militares da Argentina, pois reconheciam que o nível de avanço tecnológico
do país vizinho, apesar de inferior ao do Plano Nuclear Argentino, de forma paulatina
A INTEGRAÇÃO BILATERAL BRASIL-ARGENTINA: TECNOLOGIA NUCLEAR E MERCOSUL 9

e acelerada, vinha encurtando as diferenças. A questão nuclear sempre atuou


como um divisor entre os dois países. Ter ou não ter a bomba era o grande entrave
da integração nuclear entre Brasil e Argentina.

3. Argentina: contexto nuclear

O Plano Nuclear Argentino (PLAN) preocupou-se em apresentar um


modelo de ação independente, dirigido ao desenvolvimento de seu potencial humano
e de matéria-prima, à fabricação de equipamentos e de seus próprios reatores, e,
finalmente, à conquista do domínio completo do ciclo do urânio e suas alternativas,
para, assim, projetar a hegemonia do país no plano regional e continental frente às
pressões externas.
A Argentina, um dos países da América Latina mais bem dotados de jazidas
de urânio, dispõe de uma reserva estimada em, aproximadamente, 80 mil toneladas
desse minério.21 Esse país, que utiliza urânio natural como combustível, tem o
abastecimento garantido por várias décadas.
Em linhas globais, o PLAN argentino 22 previa, além do complexo
nucleoelétrico de duas usinas nucleares em funcionamento, Atucha I e Embalse
Río Tercero, mais quatro usinas de 650 MW, em operação comercial até o ano
2000, abrangendo, ainda, os Centros Atômicos de Constituyentes, Ezeiza e
Pilcaniyeu, uma usina experimental de água pesada em Buenos Aires e outra
industrial em Arroyitos, uma usina de enriquecimento de urânio em escala industrial
em Pilcaniyeu e uma experimental de reprocessamento em Ezeiza e a construção
de um depósito de lixo atômico em Gastre.23 Incluía projetos de produção de
radioisótopos em escala industrial, exportando ao Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai.
A primeira usina nuclear da América Latina, a Central de Atucha I, com
367 MW de potência, adquirida em 1968 da Alemanha, localiza-se a 100 Km de
Buenos Aires, tendo operado em plena carga em 16 de novembro de 1974. A obra
pioneira, após dez anos de bom funcionamento, começou a apresentar sérios
problemas e paralisações, entrando em decadência. Seu tempo de vida útil está
estimado para o ano de 2004.24
Localizada a 120 Km de Córdoba, a Usina de Embalse Río Tercero
com 648 MW de potência, tipo CANDU, adquirida do Canadá em 1973, com
cronograma de funcionamento previsto para 1981, só começou a operar
comercialmente em 1984.25
Com a inauguração desta segunda central, em data de 3 de maio de 1983,26
a Argentina tornou-se a segunda potência nuclear do chamado Terceiro Mundo,
apenas superada pela Índia na detonação de seu artefato atômico em 1974. O
país, o pioneiro da América Latina em demonstrar interesse pela utilização da
energia atômica, já em 1945, decretava de interesse nacional as reservas de urânio,
proibindo a exportação do minério.
10 ODETE MARIA DE OLIVEIRA

Em 1981, foi iniciada a construção da terceira usina atômica, Atucha II,


com 745 MW de potência. Localizada próxima à Central de Atucha I, foi adquirida
na Alemanha (KWU), mediante o sistema de salvaguardas. Com um cronograma
de execução previsto para 1987, a usina não tem data de conclusão, em vista da
difícil situação financeira do país, o qual já investiu 2 bilhões de dólares na obra,
estimando-se necessários mais 900 milhões de dólares para concluí-la.27 Desta
forma, tampouco restam perspectivas para a construção das outras três centrais
atômicas previstas no PLAN argentino. Com relação ao complexo do ciclo do
combustível, o Centro Atômico de Constituyentes,28 o mais antigo da Argentina,
ocupa-se com a fabricação de elementos combustíveis e pesquisas voltadas à
construção de reatores experimentais, detendo tecnologia própria desde 1958. Ainda
preocupa-se com investigações e experiências de física básica e aplicada. O Centro
Atômico de Ezeiza, após quinze anos de pesquisas, desenvolveu tecnologia própria
dos elementos combustíveis, vencendo ainda a tecnologia das ligas metálicas
especiais e tubos de zircaloy, tendo inaugurado, em 1981, a fábrica de elementos
combustíveis, onde fabrica pastilhas de urânio. Dedica-se, também, à tecnologia
de reprocessamento do urânio em produção de pequena escala, desenvolvendo
conjuntamente com o Brasil, um polêmico projeto piloto de reator rápido que utiliza
plutônio. O Centro Atômico de Pilcaniyeu, localizado em Bariloche, tem ali um
reator projetado e construído pelos argentinos, o RA-6. Funciona, no local, o Instituto
Balsero para formação de físicos e engenheiros nucleares e o Instituto de
Investigação Aplicada (INVAP).29
A água pesada, linha adotada pelo PLAN argentino para os reatores a
urânio natural,30 tem sua tecnologia de fabricação considerada como a etapa mais
difícil do sistema. Além de cara, se fazem necessárias grandes quantidades no
processo nucleoelétrico. Era antiga a pretensão da Argentina na construção dessa
usina, a fim de reduzir os custos e a dependência estrangeira.31
A decisão foi tomada pelo presidente Jorge Rafael Videla, adquirindo uma
usina industrial da Suíça,32 com capacidade de 250 toneladas-ano de produção,
mediante acordo de salvaguardas com a Agência Internacional de Energia Atômica
(AIEA), localizando-a em Arroyitos. Paralelamente, com tecnologia própria, o país
desenvolveu e instalou uma usina piloto, próxima de Buenos Aires.
O primeiro projeto de depósito de rejeitos atômicos da América Latina
surgiu, em 1977, na Argentina,33 com início de execução previsto para 1986 e
conclusão para o ano 2005. Quanto ao local de construção, a atenção concentrou-
se em Gastre, sul do país, uma vila com trezentos habitantes, junto à Sierra del
Medio, província de Chubut, na Patagônia, por apresentar uma formação granítica
a 500 metros de profundidade.34
O assunto desse projeto tornou-se polêmico: tanto se discute a procedência
de dejetos radiativos de outros países destinados ao depósito35 como a estabilidade
geológica do local e o comportamento atual e futuro da água subterrânea. As
A INTEGRAÇÃO BILATERAL BRASIL-ARGENTINA: TECNOLOGIA NUCLEAR E MERCOSUL 11

pesquisas realizadas não justificam sua construção, manifestando-se pelo abandono


do projeto.36 Na realidade, aproximadamente após cinqüenta anos da primeira fissão
do átomo, o mundo permanece sem saber o que fazer com seus dejetos. Os países
mais avançados continuam fazendo investigações em torno de várias alternativas
de armazenamento, mas não conseguiram concluir sobre a melhor modalidade.
Ao lado do inusitado projeto do depósito de rejeitos atômicos, a Argentina
ocupa-se com o polêmico projeto do submarino nuclear. Os planos de viabilidade
foram concluídos durante o governo ditatorial. Na época da Guerra das Malvinas,
em 1982, o projeto definitivo foi iniciado. Posteriormente à guerra, nos estaleiros
do almirante Domenico Garcia, entrou em execução.37 O cronograma de sua
conclusão, como de outros projetos nucleares argentinos, foi alterado, em virtude
dos problemas financeiros desse país.38
Em rápido retrocesso, constata-se que, exatamente na década de 50, os
argentinos mais avançaram no campo da tecnologia nuclear. Através do Decreto
n.º 10936, de 1950, criaram a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEA)
que, de imediato, integrou no programa de pesquisas um grupo de cientistas alemães
de renome, e que vinham chegando paulatinamente à América Latina, como opção
às pressões nazistas.39
O programa nuclear argentino, solidamente assessorado, começou a render
maciços dividendos: em 1953, produziu os primeiros radioisótopos; em 1955, as
primeiras barras de urânio metálico; em 1958, o primeiro reator de pesquisa da
América Latina, o RA-1, atingiu fase crítica; em 1966, entrou em funcionamento o
RA-2; em 1967, o RA-3; em 1970, o RA-0; em 1971, o RA-4; na seqüência, o RA-
5 e o RA-6. Também em 1968, o país tornou público o modelo de usina de
reprocessamento e, em 1969, conseguiu fazer a separação de pequena quantidade
de plutônio.40
O passo decisivo ocorreu em l968, com a aquisição do reator de múltiplas
finalidades da Alemanha, para a Usina Nuclear Atucha I, que produzia o dobro de
plutônio em relação aos reatores de urânio enriquecido e comercializado pelos
EUA, na época. Devido, porém, a seu baixo rendimento energético, não podiam
concorrer com as grandes usinas de potência, representando à Argentina uma
opção tecnológica de dupla convergência: científica e militar.
As Forças Armadas argentinas sempre mostraram destacado interesse
em criar bases para um complexo industrial militar. Com o golpe de l976 e o general
Jorge Rafael Videla no poder, a política nuclear passou a ser considerada como da
mais alta prioridade ao país. O orçamento da Comissão Nacional de Energia Atômica
(CNEA) atingiu níveis nunca vistos em toda sua história. De 0,6% do total de
investimentos públicos em l970, passou a 6,2% em l980, chegando a comprometer
a l5% desses investimentos em l983, último ano da gestão militar.41
Dentro desses propósitos, o PLAN argentino, ponto alto do projeto dos
militares da ditadura, bateu o recorde ao comprometer 50% do orçamento da nação
12 ODETE MARIA DE OLIVEIRA

com a compra e fabricação de armas nucleares.42 Seus esforços buscavam, a


qualquer preço, o domínio completo do ciclo do combustível nuclear, o
desenvolvimento das tecnologias de reprocessamento e do enriquecimento do urânio
e avançar em direção à tecnologia do plutônio.43 Tudo estava a indicar que a
bomba atômica daquele país deveria ser desse material.44
No final de l983, a Argentina conseguia chegar ao patamar do
enriquecimento do urânio.45 A comunicação de tão inédita como fulminante notícia
marcou os últimos dias da ditadura. Os argentinos acabavam de vencer um obstáculo
tecnológico de grandeza nuclear. Junto ao Centro Atômico de Pilcaniyeu,
secretamente, pelo método de difusão gasosa, haviam conseguido o domínio do
combustível enriquecido, sem nenhuma ajuda externa.
Sintetizando: no campo nuclear, tanto a Argentina como o Brasil atingiram
avançado estágio de capacitação técnico-científica, reunindo todas as condições
requeridas à fabricação do artefato atômico em curto espaço de tempo, em conjunto
ou isoladamente, dependendo apenas de uma decisão política.46 Para esses países
não existem problemas do necessário material. Nos centros de pesquisas produzem
urânio enriquecido por difusão gasosa e ultracentrifugação.47 Contudo, são decisões
diferentes: dispor do material e da tecnologia do engenho atômico e ter a intenção
de construí-lo.
Em meio a esse cenário estratégico de possibilidades perigosas, e como a
história das experiências dos exércitos de qualquer país sempre tem mostrado que
suas pesquisas nucleares levaram a um final bélico, uma certeza permanece: a
desastrosa conseqüência da explosão da arma de prestígio e poder junto ao processo
de integração nuclear pacifista da América Latina. Até o momento, o compromisso
formal de não usar a energia nuclear para fins bélicos, inclusive defensivamente, é
um comprometimento muito sério da nação brasileira, em especial, firmado com a
Argentina, num longo processo bilateral, iniciado nos idos de l980.

4. O processo de conflito e integração

Durante longos anos, o militarismo argentino e brasileiro cristalizou raízes


junto à idéia de uma necessária disputa de armas. Os planos estratégicos de ambos
os países alicerçavam-se na suposta inevitabilidade de confrontação de forças,
conflito que, dos anos 20 aos 40, fortaleceu os exércitos dos dois lados da fronteira.48
Posteriormente a essa antiga disputa político-militar, veio somar-se um
fato novo e profundamente complexo: os avanços da era atômica, projetando um
tipo diferente de rivalidade entre os dois países, o que mudou o cenário do conflito,
frente ao perigo de uma corrida armamentista.
Apesar do reconhecido avanço tecnológico da Argentina, tanto em nível
nuclear civil como militar, no campo político a questão sempre se apresentou
polêmica e de sensível trato entre os dois Estados, o que tornava o caminho da
A INTEGRAÇÃO BILATERAL BRASIL-ARGENTINA: TECNOLOGIA NUCLEAR E MERCOSUL 13

integração cada vez mais distante. Na realidade, o processo da integração nuclear


Brasil-Argentina conduziu-se de forma lenta e através de ciclos gradativos de
cooperação, curiosamente paralelo e, às vezes, comum e no próprio âmbito dos
mecanismos de um segundo processo bilateral, a integração do mercado comum
do Cone Sul.
Os antecedentes da integração nuclear registram o primeiro passo de
aproximação junto à classe de cientistas desses países. Apesar da desconfiança
com que era visto o Programa Nuclear Paralelo brasileiro pelos argentinos, havia
se estabelecido um intercâmbio entre eles, concretizado através de permutas de
documentos, discussões acadêmicas e visitas informais às instalações atômicas,
sem o envolvimento dos governos nessas negociações. Os colóquios e trocas de
notas ocorriam em nível de convites informais de cientistas e não de suas instituições
oficiais.
Assim, iam crescendo e se consolidando as marcas da integração,
embasadas na confiança mútua de estabelecer um equilíbrio no desenvolvimento
de tecnologias nucleares com fins pacíficos entre os programas das duas nações.
Os cientistas de ambos os países eram favoráveis à instituição de salvaguardas
próprias e à abertura das instalações nucleares, unindo-se em torno de projetos
civis e da cooperação científica, tecnológica e industrial, em especial, à medicina e
engenharia.49
Ao lado dessa aproximação da área científica, em nível político e diplomático,
vários fatores contribuíram para a cooperação entre os dois países. Nos anos 70, o
conhecido geopolítico argentino General Juan Guglialmelli havia esboçado a tese
da absoluta necessidade de integração nuclear entre Argentina e Brasil, chegando
a propor a unificação dos dois programas atômicos, com o objetivo de evitar o
perigo armamentista na América Latina, proposta combatida fortemente pelas
Forças Armadas dos dois países rivais.50 Na década de 80, tais idéias integracionistas
foram sendo consideradas e os militares liberais começaram a buscar uma abertura
do país, em especial, para o Brasil.51
Também, no final da década de 70, o equacionamento do conflito Brasil-
Argentina, solucionado por vias diplomáticas, surgido em confronto ao aproveita-
mento dos recursos hídricos da bacia do Paraná frente às negociações do Tratado
Bilateral Brasil-Paraguai e instrumentalizado, em 1979, com a assinatura do Tratado
Tripartite Itaipu-Corpus, representou um forte liame de aproximação e de
rompimento de um perfil hegemônico e disfuncional que dominou, por mais de um
século, as relações internacionais desses dois países vizinhos e rivais,52 encerrando,
assim, uma antiga disputa de poder em torno das hidrelétricas da Bacia do Prata.
A posição e o entendimento dos dois países durante à Guerra das Malvinas
marcaram os definitivos elos de aproximação entre ambos, levando-os a séria
revisão nas regras do jogo de suas relações internacionais, mostrando à Argentina
as limitações de sua capacidade estratégica e a importância da cooperação
diplomática com o Brasil.
14 ODETE MARIA DE OLIVEIRA

Na seqüência dos fatos, o projeto de um acordo amplo de integração entre


esses países, contemplando a área nuclear juntamente com o campo econômico e
de um mercado comum, lado a lado, ia amadurecendo esporadicamente,
para consolidar-se, gradativamente, ao longo da década de 80 e da presente
década de 90.
Os objetivos bilaterais comuns eram claros: a América Latina teria maior
relevo no contexto internacional a partir de uma sólida integração entre Brasil e
Argentina, os dois maiores países da região, estendendo-se, num segundo momento,
aos demais países do Cone Sul.
No campo nuclear, os estudos preliminares do acordo envolveram, na
primeira etapa, uma avaliação geral nos programas nucleares dos dois países,
objetivando aferir os pontos de cooperação e intercâmbio, originando, em uma
segunda etapa, o Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento e Aplicação dos
Usos Pacíficos da Energia Nuclear, firmado em l7 de maio de l980.
O acordo visava aspectos tecnológicos, prospecção de minérios, fabricação
de elementos combustíveis e produção de equipamentos, formação de pessoal e a
criação de grupo de trabalho.
O Acordo de l980 serviu como um marco oficial de aproximação ao enfoque
das antigas rivalidades estratégico-militares, representando um passo adiante na
dissipação desses conflitos e atenuando os focos de tensões no campo das relações
internacionais.53
Contudo, os anos seguintes não foram isentos de desconfianças mútuas.
As relações de integração atravessavam o período difícil de regime ditatorial e, a
partir de l983, a coexistência de um regime democrático na Argentina, com um
regime militar no Brasil.54 “Num contexto político autoritário em que o livre arbítrio,
o segredo e a discrição fazem parte do próprio exercício do poder, dificilmente
propostas de cooperação e de desenvolvimento regional poderiam encontrar campo
de atuação”.55
Só em novembro de l985, quando o Brasil voltou ao caminho da democracia,
foi cedendo lugar aos objetivos da integração mais ampla, visando um mercado
comum econômico e a base de desenvolvimentos integrados entre os países do
Cone Sul, originando os degraus do futuro Tratado de Assunção.
Nesse clima de restauração da democracia, em 30 de novembro de l985,
Brasil e Argentina firmaram a conhecida Declaração de Iguaçu, com duplo objetivo:
criar um Grupo de Trabalho Conjunto de alto nível, presidido pelos Ministros de
Relações Exteriores dos dois países, e firmar os compromissos de cooperação
nuclear pacífica.
No processo de integração, a Declaração de Iguaçu representa um
significativo marco histórico, originando a assinatura de vários instrumentos. Em
29 de julho de l986, é firmada a Ata para Integração Brasileiro-Argentina, a qual
institui o Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE),56 de caráter
A INTEGRAÇÃO BILATERAL BRASIL-ARGENTINA: TECNOLOGIA NUCLEAR E MERCOSUL 15

flexível, equilibrado, estabelecendo o princípio da simetria e prevendo tratamentos


preferenciais frente a terceiros mercados, adotando a estratégia de integração
gradativa por setores industriais, cuja evolução dinâmica formava o próprio corpo
do processo integracionista.57
O PICE constitui a marca de consolidação formal e material do processo.
Sua evolução veio consubstanciar-se no Tratado de Integração Brasil-Argentina
de l988. Na primeira fase do PICE foram firmados doze protocolos escritos de um
total de vinte e dois. Dos doze protocolos iniciais, dez objetivavam trocas de notas
comerciais, um previa a cooperação para fabricar porta-aviões e outro estabelecia
o sistema de informações imediatas e assistência recíproca em caso de acidentes
nucleares e emergências radiológicas.
O pioneiro Protocolo nº. l, Projeto Integrado de Bens de Capital, estabelecia
medidas especiais, como “tarifa zero, exclusão de todo tipo de barreiras não
tarifárias, mecanismos de expansão simétrica do comércio, incluindo cláusulas
compensatórias de correção de assimetrias, nivelamento e uma margem comum
de proteção face a terceiros países, outorgando a todos os bens, incluídos na lista
comum, um tratamento igual ao outorgado a terceiros países, o que, na prática,
indicava a intenção de se chegar, futuramente, a uma união aduaneira entre os dois
países”.58
O Protocolo de Bens de Capital permaneceu prioritário entre as propostas
do PICE, o qual englobava um contexto bilateral abrangente e diversificado: assuntos
econômicos, financeiros, comerciais, políticos, militares, tecnológicos, nucleares,
entre outros, contemplados a médio e longo prazo, condicionados às conjunturas
macroeconômicas dos dois países, que marcam todo o processo.
Do ponto de vista do intercâmbio econômico, os resultados internacionais
foram satisfatórios. A Argentina duplicou suas vendas ao Brasil, que passou a ser
seu primeiro mercado de exportação.
A questão nuclear bilateral, de início, figurou discretamente no processo,
passando depois a ocupar posição de destaque e constituir um dos principais triunfos
políticos da integração, além de fornecer um novo perfil aos dois Estados junto às
articulações dinâmicas das relações internacionais.
Na continuidade, o aprofundamento dessa integração nuclear é reforçado
por novos instrumentos firmados ao longo dos anos de l986 a l988: em 10 de
dezembro de 1986, a Declaração de Brasília; em l7 de julho de l987, a Declaração
de Viedma; em 8 de abril de l988, a Declaração de Iperó; e, em 30 de novembro de
l988, a Declaração de Ezeiza.
De todas essas declarações, a Declaração de Iperó é considerada o mais
expressivo ato político, pois abriu espaço à discussão de um novo Tratado de
Tlatelolco, que estabelecesse salvaguardas próprias da integração bilateral.
Nessa fase, o processo de integração atinge a segunda etapa. Os vinte e
dois protocolos de relações bilaterais, suas dezenas de anexos e demais instrumentos
16 ODETE MARIA DE OLIVEIRA

são formalizados em solene tratado, com base nos estudos do PICE e da Declaração
de Iguaçu e firmado em 29 de novembro de l988.
O Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento instituía um
espaço econômico comum, no prazo de dez anos, numa primeira fase, quando
buscaria a harmonização das políticas aduaneiras, comerciais, agrícolas, industriais
e de transporte e comunicação, bem como a coordenação de políticas monetária,
fiscal e cambiária, e, numa fase mais adiantada, avançar na harmonização gradual
das demais políticas referentes ao mercado comum.
No início da presente década, em 6 de julho de l990, com assinatura da
Ata de Buenos Aires, Brasil e Argentina decidem acelerar o processo de integração
do mercado comum, antecipando, para a data de 3l de dezembro de l994, o marco
definitivo dessa consolidação, reduzindo pela metade os prazos estabelecidos no
Tratado de l988. O impacto dessa aceleração levou à adesão de novos parceiros
ao contexto da integração, de início o Uruguai e depois o Paraguai, a qual foi
pactuada, em 26 de março de l99l, no Tratado de Assunção, conduzindo o comando
das relações econômicas do Cone Sul no rumo ao fortalecimento de um bloco de
mercado comum regional protegido.
Esta década de 90 também se torna decisiva ao processo de integração
nuclear. A Declaração de Fiscalização Mútua, firmada em 28 de novembro de
1990, marca a terceira etapa da cooperação bilateral nuclear entre Brasil e Argentina
ao (a) criar o Sistema Comum de Contabilidade e Controle (SCCC); (b) estabelecer
o cumprimento das seguintes atividades: 1) intercâmbio das listas descritivas de
todas as instalações nucleares e das declarações dos inventários dos materiais
atômicos existentes em cada país; 2) realização de inspeções recíprocas nos
sistemas centralizados dos registros; 3) apresentação dos sistemas de registros e
relatórios do SCCC à AIEA; (c) agenciar a entrada em vigor do Tratado de Tlatelolco
e atualizar seus termos.
A viabilização jurídica da Declaração de Fiscalização Mútua foi formalizada
através de um amplo acordo, o Acordo para o Uso Exclusivamente Pacífico da
Energia Nuclear, firmado em 18 de julho de 1991, em Guadalajara, México, criando
a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares
(ABACC), com personalidade jurídica e sede no Rio de Janeiro. A esse acordo,
em 20 de agosto de 1991, foi firmado um Protocolo Adicional, estabelecendo
privilégios e imunidades aos funcionários e inspetores em missão ou serviços da
ABACC. Em síntese: o Acordo de 1991 concede às partes o direito inalienável ao
desenvolvimento da pesquisa, produção e utilização da energia nuclear com fins
pacíficos, preservando os segredos industriais, tecnológicos e comerciais de ambos
os países.
Na agenda das obrigações ajustadas na Declaração de Fiscalização Mútua,
duas etapas restava vencer: a) formalização de um acordo de salvaguardas; b)
vigência e atualização dos termos do Tratado de Tlatelolco.
A INTEGRAÇÃO BILATERAL BRASIL-ARGENTINA: TECNOLOGIA NUCLEAR E MERCOSUL 17

Com referência à primeira, o Acordo entre a República Federativa do


Brasil, a República Argentina, a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e
Controle de Materiais Nucleares e Agência Internacional de Energia Atômica
para a Aplicação de Salvaguardas,59 conhecido como Acordo Quatripartite, foi
firmado em 13 de dezembro de 1991, em Viena, na sede da AIEA. Configura-se
um acordo global, com salvaguardas não abrangentes, definindo termos técnicos,
integrado por um protocolo anexo, completando as disposições contratuais.
Os dois Estados vizinhos, em decisão inédita no mundo, constituíram um sistema
sui generis de salvaguardas que reverteu o quadro de mais de quatro décadas de
política nuclear de se tornarem potências atômicas regionais. Ao firmarem o Acordo
Quatripartite, Brasil e Argentina colocaram sob vigilância todas suas instalações e
materiais nucleares. A exportação será rigorosamente controlada se superior a
um quilo de material atômico, quando deverá ser notificada à AIEA. Entretanto, o
acordo prevê o uso do material nuclear para fins de propulsão de submarinos
atômicos.
Com pertinência à segunda obrigação, quando o Tratado de Tlatelolco
completava 25 anos de existência, Brasil e Argentina iniciaram as negociações
que visavam sua entrada em vigor e a emenda dos artigos 14, 15 e 16, do Tratado,
assuntos de ordem técnica.
Na seqüência, a Argentina e o Chile se tornaram membros plenos do tratado
em 19 de janeiro de 1994,60 o Brasil aderiu formalmente ao tratado, entrando em
vigor em 30 de maio de 1994,61 e, finalmente, Cuba em 30 de agosto de 1994,62
cumprindo-se, assim, o último compromisso formal Brasil-Argentina, acordado na
Declaração de Fiscalização Mútua de 1990.

5. Considerações Finais

Em sentido amplo, a partir da década de 80, Brasil-Argentina iniciaram um


processo formal de integração bilateral, desdobrando-se em duplo sentido: a)
cooperação pacífica da tecnologia nuclear; b) constituição de um mercado comum.
Tentando consolidar, assim, um antigo projeto de interação global dos países da
América Latina, com raízes em um movimento integracionista do século passado,
sob liderança do libertador Simon Bolivar.
A integração bilateral Brasil-Argentina conduziu-se através de destacados
ciclos: a) primeira etapa, marcada pelos antecedentes da difícil e lenta aproximação
entre dois Estados rivais; b) segunda etapa, com início em 1985 e o registro dos
governos em transição democrática, o que tornou possível a assinatura histórica da
Declaração de Iguaçu, originando, em 1986, o Programa de Integração e
Cooperação Econômica Argentina-Brasil (PICE), marco decisivo e abrangente
do processo bilateral, consubstanciando-se no posterior Tratado de Integração,
Cooperação e Desenvolvimento de 1988 e estabelecendo um espaço econômico
18 ODETE MARIA DE OLIVEIRA

entre os dois Estados; c) terceira etapa, concretizou-se pela solidificação das


bases da integração. Em nível econômico, pelo Tratado de Assunção, instituindo
o Mercosul. Em nível tecnológico nuclear, pela concretização do pactuado na
Declaração de Fiscalização Mútua de 1990: a) celebração do Acordo Quatripartite;
b) Vigência do Tratado de Tlatelolco (emendado).
A relevância do processo bilateral de integração de quase duas décadas
de evolução é fundamental à América Latina. Conseguiu formular uma estratégia
nuclear compartilhada, sobreviver às mudanças do regime ditatorial de ambas as
nações e romper com a antiga rivalidade militar entre os dois Estados vizinhos,
portadores de economias complexas, potencialidades diferenciadas, traços culturais
específicos, formas de organização política historicamente instáveis, enfrentando
problemas financeiros acentuados, dentro de um continente extremamente vasto e
heterogêneo.
Do ponto de vista da tecnologia nuclear, Brasil e Argentina encontram-se
capacitados cientificamente e em condições de avançar em direção a vários tipos
de aproveitamentos atômicos, inclusive do próprio artefato, podendo fabricá-lo em
conjunto ou individualmente, já que estão construindo os reatores destinados à
propulsão de seus submersíveis nucleares. Entretanto, o compromisso formal de
não usar a energia nuclear para fins bélicos constitui um pacto muito sério, firmado
pelos dois países num longo processo bilateral de integração, iniciado nos idos de
1980.
Com pertinência ao desenvolvimento econômico de um mercado comum
dos países do Cone Sul, o processo, apesar das dificuldades complexas e inerentes
a esse tipo de integração regional, apresenta aspectos favoráveis, encontrando-se
em evolução dinâmica. Não obstante, entende-se, que a verdadeira integração dos
povos da América Latina apenas será atingida quando se operar o estado de
integração em seu sentido mais amplo e em todos os níveis, inclusive o cultural.
Essa celebração demandará tempo e decisivo impulso político.

Junho de 1998

Notas

1 Ver OLIVEIRA, Odete Maria de. A questão nuclear brasileira: um jogo de mandos e desmandos.
Florianópolis: UFSC, 1989, 201p.
2 Ver OLIVEIRA, Odete Maria de. Os descaminhos do Brasil nuclear. Florianópolis: FUNCITEC/
Imprensa Oficial, 1998 (no prelo).
3 GOLDEMBERG, José. Energia nuclear no Brasil: as origens das decisões. São Paulo:
HUCITEC, 1978, p.85.
4 DARELLA, Maria Dorothea Post. Impasses de energia nucleoelétrica no Brasil na década de
80. Florianópolis: UFSC, 1989, 424p. Dissertação (Mestrado em Sociologia Política)
Universidade Federal de Santa Catarina.
A INTEGRAÇÃO BILATERAL BRASIL-ARGENTINA: TECNOLOGIA NUCLEAR E MERCOSUL 19

5 LOPES, Fernando. “Angra I pode gerar US$ 90 milhões”. Gazeta Mercantil. São Paulo, 12 abr.
1995, p.c-1.
6 “Na época em que foi adquirida, ano de 1976, o cálculo de seu custo aproximava 850 milhões
de dólares. Em 1992, passados 16 anos, elevava-se à casa dos 4,29 bilhões de dólares”. In:
TACHINARDI, Maria Helena. “Fechamento do acordo em bancos ajuda na obtenção de
recursos para Angra II”. Gazeta Mercantil. São Paulo, 10 jul. 1992, p.12.
7 “Angra-2 já bateu o recorde de atraso na construção de uma usina nuclear. Ela deveria ter
entrado em operação em 1983, dois anos após Angra-1, mas só operará no ano 2000 (...)”. In:
CAPOZOLI, Ulisses. “Cresce a oferta de urânio no mercado externo: programa nuclear brasileiro
nasceu em 1975”. Estado de S. Paulo. São Paulo, 24 out. 1995, p.A-15.
8 MENCONI, Darlene. “Verba acessa: o governo retoma as obras de Angra II, reabrindo debate
sobre energia nuclear”. Veja. São Paulo, p.42-44, abr. 1995.
9 Ver OLIVEIRA, Odete Maria de. Integração Nuclear Brasil-Argentina: uma estratégia
compartilhada. Florianópolis: UFSC, 1996, p.38-44.
10 “ESTRUTURA do setor pode sofrer alterações após a análise GT-PRONEN”. Gazeta Mercantil.
Rio de Janeiro, 6 de out. 1990, p.16. Ver ALVEL, Rex Nazaré. Política nacional de energia
nuclear. Rio de Janeiro: Escola Superior de Guerra, 1983, 59p. Palestra.
11 NUCLEOBRAS. “Complexo Industrial de Resende”. Rio de Janeiro: 1992, p.2.
12 COMISSÃO de avaliação do programa nuclear brasileiro. Relatório do Presidente de República.
Brasília: 1986, v.3. NT n.º 002 e n.º 003.
13 “SUBMARINO nuclear brasileiro fica pronto em seis anos”. Folha de S. Paulo. São Paulo, 12
set. 1989, p.A-8. “MARINHA instala reator em 1991”. Folha de S. Paulo. São Paulo, 3 dez.
1989, p.A-4.
14 MALHEIROS, Tânia. “Exército começa a construção do reator atômico”. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 24 out. 1989, p.A-6.
15 “FIRMA em Nova Iguaçu produz grafite de pureza nuclear”. O Globo. Rio de Janeiro, 22 set.
1990, p.19.
16 “Um dos principais projetos militares do campo nuclear autônomo, hoje em andamento no
país, refere-se à obtenção de plutônio – material crucial para a fabricação da bomba atômica –
pelo centro tecnológico do Exército, no Rio.” In: LOPES, Roberto. “Piva foi o ‘pai’ do projeto”.
Folha de S. Paulo. São Paulo, 19 dez. 1990, p.A-6.
17 “TESTES são possíveis há dois anos”. Folha de S. Paulo. São Paulo, 10 ago. 1986, p.12.
“TORRE de sondagem ainda está na Serra do Cachimbo”. Folha de S. Paulo. São Paulo, 15 ago.
1986, p.9.
18 “COLLOR vai lacrar o poço da Serra do Cachimbo”. Folha de S. Paulo. São Paulo, 18 set.
1990, p.A-7. “BURACO lacrado”. Isto é Senhor. São Paulo, n.1097, p.23-24, set. 1990.
19 TORIBIO, Lucia. “A bomba atômica ia ser construída no CTA”. O Globo. Rio de Janeiro, 15
nov. 1990, p.15. BITTENCOURT, Getúlio. “Operações Solimões: o programa nuclear do
Brasil”. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, 27 set. 1990, p.26. FREITAS, José Eustáquio. “A
bomba atômica foi projetada”. O Globo. Rio de Janeiro, 16 nov. 1990, p.18.
20 “A exploração da bomba atômica sempre foi admitida pelo ex-ministro da Marinha, almirante
Maximiano da Fonseca.” In: “Átomos armados”. Isto é Senhor. São Paulo, set. 1990, p.A-5.
“Uma bomba atômica de amostra”. Entrevista de Frederico Füllgraf com o almirante Maximiano
da Fonseca (ex-ministro da Marinha no Governo João Baptista Figueiredo). In: FÜLLGRAF,
Frederico. A bomba pacífica: O Brasil e outros cenários da corrida nuclear. São Paulo: Brasiliense,
1988, p.227-237.
21 Em Sierra Pintada, província de Mendoza, a 1500 quilômetros de Buenos Aires, encontra-se a
maior jazida de urânio a céu aberto, uma das maiores da América do Sul, onde está localizado o
complexo de concentrado produzindo yellow-cake. In: OLIVEIRA, Odete Maria de. Integração
Nuclear Brasil-Argentina: uma estratégia compartilhada. Florianópolis: UFSC, 1996 p.96.
20 ODETE MARIA DE OLIVEIRA

22 Trata-se do PLAN 1976-2000, promulgado pelo Decreto n.º 302, de 29 de Janeiro de 1979, que
ratifica os mesmos objetivos do PLAN anterior, de 1975-1985: “(1) Utilizar a energia nuclear
em lugar de outras fontes sempre que convenha ao país; (2) conseguir o auto abastecimento
integral; (3) desenvolver todas as formas de aproveitamento da tecnologia nuclear; (4) assegurar
ao país a proteção da sua população e do meio ambiente de possíveis efeitos de ordem nuclear.”
In: MACHADO, Aluízio. “Argentina acelera programa nuclear em 4 novas usinas”. Jornal do
Brasil. Rio de Janeiro, 18 fev. 1970, p.30.
23 BERTONI, Jorge. “O Plano Nuclear Argentino”. Política e Estratégia. São Paulo, v.2, n.4,
p.514, out./dez. 1984. Também nesta edição da revista Política e Estratégia, a publicação de um
dossiê do Centro Argentino de Estudos Estratégicos, que relata os propósitos e as realizações
da Argentina no campo do átomo.
24 “ATUCHA completa 10 anos de construção”. Notícias nucleares. Rio de Janeiro, n.12, p.8, 16
nov. 1984. TAVARES, Flávio. “Relatório apresenta problemas em usina nuclear argentina”.
Folha de S. Paulo. São Paulo, 4 set. 1986, p.10.
25 LATGE, Luís Carlos. “Argentina avança no domínio nuclear: Usina de Embalse é outra prova
de competência”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 8 mai. 1983, p.30.
26 LATGE, Luís Carlos. “Argentina inaugura sua segunda usina nuclear com 648 MW”. Jornal do
Brasil. Rio de Janeiro, 4 mai. 1983, p.18.
27 TOTTI, Paulo. “Venda de usina atômica”. Gazeta Mercantil. São Paulo, 6 maio 1992, p.1-2.
28 ALVES, Rosental Calmon. “Argentina consegue tecnologia para tratamento de urânio”. Jornal
do Brasil. Rio de Janeiro, 2 nov. 1981. ALVES, Rosental Calmon. “Argentina será auto-
suficiente em combustível até 97”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 21 ago. 1981, p.27.
29 Em resumo: “O Centro Atômico Constituyentes dedica-se ao desenvolvimento de reatores
nucleares, de um lado, e ao de elementos combustíveis, de outro; no Centro Atômico de Ezeiza
funciona o RA-3, na produção de radioisótopos; o Centro Atômico de Bariloche dedica-se
principalmente à pesquisa de base, bem como às pesquisas aplicadas e ao desenvolvimento
tecnológico, sendo sede do Instituto de Física”. In: MACHADO, Aluízio. “Argentina acelera
programa nuclear com 4 novas usinas”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 18 fev. 1979, p.30.
30 “A água pesada é fundamental para a linha adotada pela Comissão Nacional de Energia Atômica
(CNEA) da Argentina. Além de sua utilidade nos reatores, o urânio natural constitui um bem de
capital muito valioso, pois sua produção, no país, evitará a dependência a países estrangeiros,
como o Canadá, que vende ou aluga o produto e, geralmente, condiciona o fornecimento a
salvaguardas e controles que costumam ter muitas implicações políticas.” In: SCARONE,
Hugo. “Dentro de cinco anos a produção de água pesada”. O Globo. Rio de Janeiro, 4 abr.
1976, p.8.
31 Projetos para sua construção foram elaborados ainda em 1955, retomados em 1972, e continuaram
como uma das metas do PLAN de 1975-1985 e 1976-2000. In: “PESQUISA nuclear leva
Argentina à produção de água pesada”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 30 abr. 1976, p.28.
SCARONE, Hugo. “Em Atucha I, a água pesada é problema”. O Globo. Rio de Janeiro, 01 set.
1979, p.8.
32 “SUÍÇA aprova reator para a Argentina”. O Globo. Rio de Janeiro, 4 jun. 1980, p.7. “SUÍÇA
responde aos EUA”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 13 mar. 1980, p.30. “SUÍÇA garante
usina atômica”. O Globo. Rio de Janeiro, 13 mar. 1980, p.15.57.
33 “ARGENTINA constrói depósito para lixo de suas usinas nucleares”. O Globo. Rio de Janeiro,
01 out. 1986, p.10.
34 “O problema é que Gastre se situa a apenas 450 quilômetros do epicentro de um terremoto que
devastou o Chile em 1960, o que não oferece nenhuma segurança.” In: “ARGENTINA instala
lixeira atômica”. Diário Catarinense. Florianópolis, 15 abr. 1990, p.5. ARNT, Ricardo.
“Geólogos argentinos condenam o depósito nuclear de Gastre”. Jornal do Brasil. Rio de
Janeiro, 29 jan. 1989, p.12.
A INTEGRAÇÃO BILATERAL BRASIL-ARGENTINA: TECNOLOGIA NUCLEAR E MERCOSUL 21

35 “O Governo argentino recebeu, há um ano, uma proposta francesa para construir um depósito
de lixo atômico em Gastre (...). Renderia US$ 13,51 bilhões líquidos à Argentina, em dez anos
(...). A proposta, (...) feita por Henry Troude, em nome da firma Techiney Ugine Kuhlmann
S.A., inclui três pontos básicos: financiamento da construção do depósito; financiamento e
administração de uma estrada de ferro de 600 quilômetros (porto de Madryn até Gastre);
fornecimento dos vagões especiais para transportar os resíduos.” In: NEGREIROS, José.
“Greenpeace confirma projeto de depósito de lixo nuclear na Argentina”. O Globo. Rio de
Janeiro, 25 out. 1990, p.9. NEGREIROS, José. “Depósito nuclear mobiliza argentinos”. O
Globo. Rio de Janeiro, 29 out. 1990, p.11.
36 “ARGENTINA instala lixeira atômica”. Diário Catarinense. Florianópolis, 15 abr. 1990, p.5.
37 TAVARES, Flávio. “Argentina pode fabricar bomba atômica, diz militar”. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 28 set. 1986, p.16.
38 “ARGENTINA abandona construção de míssil”. Zero Hora. Porto Alegre, 15 maio 1990,
p.18.
39 Karl Winnacker, Walter Schurr, Wolfgang Seelmann-Eggbert, Otto Hans, Karl Wiztz, entre
outros.
40 OLIVEIRA, Odete Maria de. Integração Nuclear Brasil-Argentina: uma estratégia
compartilhada. Florianópolis: UFSC, 1996, p.106-108.
41 FÜLLGRAF, Frederico. A bomba pacífica: O Brasil e outros cenários da corrida nuclear. São
Paulo: Brasiliense, 1988, p.127-128.
42 Idem, p.130.
43 “O plano nuclear argentino enveredou abertamente pelo caminho militar, em busca da bomba
atômica. A corrida é apressada, quase com desespero (...).” In: TAVARES, Flávio. “O segredo
da bomba argentina”. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 4 dez. 1983, p.4.
44 “O auxílio da União Soviética, nos últimos 18 meses, fez com que a Argentina agilizasse a
obtenção da tecnologia complementar de enriquecimento do urânio (...), os militares
empobreceram o país e enriqueceram o urânio”. Idem, ibidem.
45 “O projeto começou a ser desenvolvido secretamente a partir de 1978, quando os EUA decidiram
suspender o fornecimento de urânio enriquecido à Argentina.” Idem, ibidem.
46 “A bomba atômica é uma realidade na Argentina, necessitando apenas de uma decisão política
para sua fabricação.” In: PORTANOVA, Rogério. “O Programa Nuclear brasileiro: alguns
aspectos internacionais”. In: CAUBET, Christian Guy. O Brasil e a dependência externa. São
Paulo: Acadêmica, 1989, p.97.
47 “A CAPACIDADE nuclear dos argentinos”. Zero Hora. Porto Alegre, 24 mar. 1988, p.20.
48 CAMARGO, Sonia de. “Caminhos que se juntam e se separam: Brasil e Argentina, uma visão
comparativa”. Política e Estratégia. São Paulo, v.4, n.3, jul./set. 1986, p.374-404. BANDEIRA,
Muniz. O eixo Argentina-Brasil: o processo de integração da América Latina. Brasília: UNB,
1987, 120p. SCENNA, Miguel Angel. Argentina-Brasil (cuatro siglos de rivalidad). Buenos
Aires: Ediciones la Bastilla, 1975. CAMILLIÓN, Oscar H. “As relações entre o Brasil e a
Argentina no mundo”. Revista Brasileira de Política Internacional. Rio de Janeiro, v.46, n.45,
mar./jun. 1969.
49 “FÍSICOS argentinos e brasileiros repudiam projetos nucleares”. Folha de S. Paulo. São Paulo,
10 out. 1986, p.5.
50 GUGLIALMELLI, Juan Enrique. Geopolítica del Cono Sur. Buenos Aires: El Cid Editor,
1979. GUGLIALMELLI, Juan Enrique. “Tres batallas perdidas por Argentina y ahora peligrosas
perspectivas con el papel de sócio menor del Brasil”. Estratégia. Buenos Aires, v.18, n.9,
nov.1980.
51 “TESTES nucleares provocam incredulidade na Argentina”. Folha de S. Paulo. São Paulo, 9
ago. 1986, p.9.
22 ODETE MARIA DE OLIVEIRA

52 HIRST, Monica e BOCCO, Héctor Eduardo. “Cooperação nuclear e integração Brasil-


Argentina”. Contexto Nuclear. Rio de Janeiro, v.4, n.9, p.63, Jan./ Jun. 1986.
53 HIRST, Monica. El programa de integración Brasil-Argentina: de la formulación a la
implantación. Buenos Aires: FLACSO, 1988.
54 CAMARGO, Sonia de. “Brasil-Argentina: a integração em questão”. Contexto Internacional.
Rio de Janeiro, v.4, n.9, p.52, 1989.
55 Idem, ibidem.
56 Também conhecido como PICAB. “A partir desse marco formal, foram assinados 22 protocolos
ao longo dos anos 1986-1988, abrangendo um conjunto variado de providencias, entre outras:
aprofundamento das preferências tarifárias, estímulo à formação de empresas binacionais,
criação de comitês em áreas de fronteiras, acordos de cooperação científico-tecnológica, nuclear
e aeroespacial, projetos setoriais integrados de abastecimento alimentar, de bens de capital,
etc.” In: OLIVEIRA, Odete Maria de. Integração Nuclear Brasil-Argentina: uma estratégia
compartilhada. Florianópolis: UFSC, 1996, p.131.
57 ALMEIDA, Paulo Roberto de. O Mercosul no contexto regional e internacional. São Paulo:
Aduaneiras, 1993, p.77.
58 CAMARGO, Sonia de. “Brasil-Argentina: a integração em questão”. Contexto Internacional.
Rio de Janeiro, v.4, n.9, p.57-8, 1989.
59 WAACK, William. “Brasil e Argentina ampliam acordo nuclear”. Jornal da Tarde. São Paulo,
13 dez. 1991, p.7.
60 “LA ARGENTINA se sumó a Tlatelolco”. Clarín. Buenos Aires, 20 jan. 1994, p.10.
61 DIÁRIO Oficial da Imprensa Nacional, n.º 179, de 19 de setembro de 1994, p.14093-98.
62 FELÍCIO, Cesar. “Fidel Castro aderiu ao Tratado de Tlatelolco”. Gazeta Mercantil. São Paulo,
6 set. 1994, p.18. FELÍCIO, Cesar. “Itamar promulga adesão ao Tratado de Tlatelolco”.
Gazeta Mercantil. São Paulo, 19 set. 1994, p.39.

Resumo

O presente trabalho focaliza o complexo processo de integração bilateral


Brasil-Argentina, iniciado formalmente na década de 80, desdobrado em sua dupla
abrangência: a) cooperação pacífica da tecnologia nuclear; b) constituição de um
mercado comum. A evolução desse processo conduziu-se através de ciclos
fundamentais: primeira etapa, antecedentes de aproximação; segunda etapa, os
decisivos instrumentos da ampla integração; terceira etapa, solidificação de duas
bases, uma de nível tecnológico nuclear, pactuando um sistema sui generis de
salvaguardas e a vigência do Tratado de Tlatelolco (emendado), e, outra, de nível
econômico pelo Tratado de Assunção, instituindo o Mercosul.

Abstract

The present work focuses on the complex bilateral integration process


involving Brazil and Argentina that began formally during the 80’s, and displayed in
its double scope: a) pacific cooperation on nuclear technology; b) constitution of a
A INTEGRAÇÃO BILATERAL BRASIL-ARGENTINA: TECNOLOGIA NUCLEAR E MERCOSUL 23

common market. This process evolution took place in three fundamental circles:
the first one, approximation antecedents; the second one, decisive instruments
for a large integration; and the third one, the solidification of two basis, one at the
nuclear technological level, joining the two countries in the sui generis back up
system and the operation of the Tlatelolco Treaty, the other, at the economic level
instituting the Mercosur by the Asunción Treaty.

Palavras-chave: Brasil. Argentina. Tecnologia nuclear. Conflito. Integração.


Key-words: Brazil. Argentina. Nuclear technology. Conflict. Integration.
24 FABIO GIAMBIAGI

Moeda única do Mercosul:


notas para o debate1
FABIO GIAMBIAGI *

“Os próprios projetos de integração regional, ao mesmo tempo em que


tendem a comprometer as soberanias nacionais, expressam uma tendência
à constituição de supra-soberanias que contradizem também os
pressupostos da ‘aldeia global’. A futura moeda única européia participa
igualmente de ambos os fenômenos: vai comprometer as soberanias
estatais no manejo de um dos pilares do Estado moderno, o instrumento
monetário, mas vai criar também um padrão de medida de valor
exclusivamente europeu, representando essa exclusividade um desafio
econômico frente ao resto do mundo.”
(Rapoport, 1997, página 170).

1. Introdução
A proposta de unificação monetária entre os países do Mercosul, feita em
Giambiagi (1997) e depois transformada em proposta oficial do Governo argentino,
tem gerado, como era natural se esperar, algumas reações contrárias, tanto na
Argentina como no Brasil. Não nos compete analisar aqui por que a proposta pode
ser benéfica para a Argentina. Por outro lado, a argumentação em favor de uma
agenda de convergência entre aqueles dois países – que seria depois estendia aos
demais países membros do acordo regional – já foi feita em Lavagna e Giambiagi
(1998). Assim, o presente artigo se destina, especificamente, a responder a algumas
das críticas que começam a ser feitas à proposta de formação de uma área
monetária unificada entre os países do Mercosul ou, alternativamente – talvez em
uma primeira etapa –, entre Brasil e Argentina.
Há quatro esclarecimentos prévios que cabe fazer a respeito das
características do texto. Primeiro, ele tem como marco de referência as objeções
feitas à proposta através de menções esporádicas feitas aqui e acolá na imprensa,
já que, sendo o tema muito recente, não se tem notícia ainda da existência de um
debate acadêmico mais aprofundado sobre a matéria. Segundo, justamente em
função disso, a apresentação dos argumentos contrários à proposta da moeda

Rev. Bras. Polít. Int. 41 (1): 24-38 [1998]


*Gerente de Macroeconomia do BNDES
MOEDA ÚNICA DO MERCOSUL: NOTAS PARA O DEBATE 25

única para o Mercosul será feita por nós na base de deduções elaboradas a partir
de argumentos apresentados muito sucintamente na imprensa, já que, pela natureza
das matérias que esta publica, nela não há espaço para uma apresentação mais
longa das idéias dos críticos. Terceiro, nossos argumentos, neste artigo, não
procurarão responder a uma certa linha de argumentação contrária à proposta,
baseada no fato de que os países do Mercosul não configuram uma área monetária
ótima (optimum currency area – OCA), o que implicaria tratar de uma literatura
específica da teoria econômica, provavelmente algo árida para o público de não
economistas para o qual este artigo se destina.2 E quarto, por último, o artigo, com
exceção da sua última seção, não pretende ser propriamente uma defesa da moeda
única em si – o que já foi feito no mencionado artigo de Giambiagi de 1997 –, mas
apenas – como o seu título indica explicitamente – uma resposta a algumas das
críticas feitas a ela.
O trabalho encontra-se organizado em quatro seções. Depois desta
introdução, são sintetizadas as críticas feitas à proposta de unificação monetária
entre os países do Mercosul, após o que se tenta argumentar contra essas críticas,
na seção posterior. Finalmente, faz-se algumas reflexões finais, à guisa de conclusão.

2. As críticas à moeda única no Brasil3

Para efeitos da organização dos argumentos deste trabalho, as críticas à


proposta de uma moeda única para o Mercosul podem ser agrupadas, do nosso
ponto de vista, em três categorias:
* Críticas quanto ao timing da proposta.
* Críticas baseadas em afirmações corretas, mas que não invalidam a
proposta.
* Críticas, na nossa opinião, incorretas à proposta.
Essas três categorias, no seu conjunto, dão origem a uma lista de 12
argumentos que foram sendo apresentados através da imprensa, a partir da
divulgação da proposta de unificação monetária. Tais argumentos são mencionados
a seguir. Analisaremos, inicialmente, o primeiro tipo de crítica, que configura uma
objeção quanto ao momento adequado da proposta de união monetária, embora
não quanto ao seu mérito.

a) Natureza prematura da proposta. Conforme essa crítica, a moeda comum


teria que ser considerada apenas como o último passo de um processo de integração,
e só deveria vir a ser adotada após uma maior integração dos países, o que incluiria
a eliminação das arestas que ainda marcam a formação da área de livre comércio;
o fim das listas de exceção à Tarifa Externa Comum (TEC); a harmonização das
legislações nos campos trabalhista, tributário e de mercado de capitais; e, a
integração dos sistemas financeiros.4 A unificação monetária européia só estaria
26 FABIO GIAMBIAGI

ocorrendo depois de várias décadas de integração e em um estágio muito mais


avançado de integração regional que o dos países do Mercosul. Antes de que tais
requisitos sejam cumpridos, não estariam dadas as condições para a adoção de
uma moeda única na região.

b) Escasso grau de abertura intra-regional. O comércio intra-regional mal


representa algo em torno de 20 % do comércio total dos países do Mercosul, o que
está bastante aquém das proporções atingidas por esse tipo de comparação no
caso dos países da Europa Ocidental. Em tais condições, não faria sentido renunciar
à parcela de soberania associada à perda da moeda nacional, devido à natureza
ainda precária e incipiente dos vínculos com os parceiros da região.

Quanto às afirmações corretas que servem de base para objeções à proposta


de unificação monetária, mas que na nossa opinião não invalidam a mesma, são as
que listamos a seguir.

c) Heterogeneidade dos interesses nacionais. Os interesses dos países do


Mercosul, notadamente de Brasil e Argentina, seriam diferentes entre si.
Basicamente, o Brasil teria um comércio mais diversificado e seria uma potência
econômica em si, enquanto que a Argentina seria vista como um país menor,
preocupado com a “Brasil dependência” e com desejo de evitar uma mudança da
paridade relativa entre as respectivas moedas nacionais, em favor da competitividade
das exportações brasileiras.

d) Heterogeneidade interna da sociedade. Ao contrário do caso dos países


europeus que deverão integrar a zona do euro, e nos quais “a integração federativa
é a projeção da integração econômica e social já realizada em cada país” (Serra,
1998), o Brasil – e, em maior ou menor grau, os demais países do Mercosul – seria
um país no qual “a heterogeneidade estrutural e a pobreza estão longe de ser
periféricas, como na Europa Ocidental” (Serra, 1998).

e) Peso excessivo dos países menores. Um dos problemas do baixo grau de


institucionalidade do Mercosul é o elevado peso da opinião dos dois sócios menores
– Paraguai e Uruguai –, o que criaria alguns percalços às negociações comerciais,
do ponto de vista dos interesses brasileiros. Para o Brasil, portanto, seria um
equívoco grave renunciar a parcela de sua soberania, tendo que compartilhá-la
com dois países pequenos cujos PIBs, mesmo somados, não chegariam a representar
3 % do PIB brasileiro.

f) Caráter de global trader do Brasil. Este é um argumento em parte


complementar ao de (c). O Brasil seria um país com um grau de diversificação de
MOEDA ÚNICA DO MERCOSUL: NOTAS PARA O DEBATE 27

mercados e de produtos da sua pauta de exportações que faria com que o seu
interesse primordial fosse o de negociar com os diversos blocos comerciais, de
modo a extrair o máximo de vantagens, ao invés de se fechar nos termos de um
único acordo específico. Ao mesmo tempo, esse caráter o tornaria menos vulnerável
do que os seus vizinhos em relação à existência de choques adversos de preços
sobre o conjunto das suas exportações.

g) Falta de relação entre as estruturas produtivas de Brasil e Argentina.


Este ponto seria complementar com os dois anteriores. A idéia é que o Brasil teria
uma economia muito mais sólida e complexa do que a Argentina, com muito mais
a perder do que o país vizinho, em caso da adoção de uma política cambial rígida,
que pudesse afetar negativamente o seu setor exportador. No caso do Brasil, em
particular, a proposta pode ser sintetizada na idéia de que a estrutura produtiva do
país não permite que ele se dê ao luxo de renunciar à política cambial.

h) Congestionamento da agenda de negociações do país. A agenda de


negociações do Brasil estaria carregada atualmente, inclusive com o próprio
Mercosul, envolvendo questões setoriais – açúcar, leite, etc. –, listas de exceção à
TEC, ALCA, etc.. Em tais circunstâncias, incluir um tema denso como seria o das
negociações que, no limite, conduzissem a uma unificação monetária, seria um
problema, comprometendo as demais negociações nas quais o país está envolvido.

Por último, restam as críticas que nos parecem simplesmente equivocadas,


em função da linha de contra-argumentação que iremos desenvolver na próxima
seção. Tais críticas são expostas na continuação.

i) Interesse argentino na proposta. A proposta argentina de postular a meta de


unificação monetária na região do Mercosul é entendida por alguns analistas como
algo que visaria apenas permitir à Argentina sair da convertibilidade, não fazendo
sentido que o Brasil se atrelasse a esse desejo, por motivos que estariam ligados –
conforme a linha de argumentação de crítica à proposta –, estrita e exclusivamente,
à economia argentina. Em termos algo pejorativos, poder-se-ia sintetizar este
argumento na idéia de que “o Brasil não pode renunciar à sua soberania só para
resolver os problemas da Argentina”.

j) Ausência de interesse do Brasil. Complementarmente a (i), alega-se que o


Brasil não teria nada a ganhar em caso de unificação monetária, dado que renunciaria
a parcela da sua soberania, sem obter maiores benefícios em troca.

k) Interesse meramente político do Mercosul para o Brasil. Enquanto que o


Mercosul teria uma importância significativa para a economia argentina – e muito
28 FABIO GIAMBIAGI

maior ainda para as economias paraguaia e uruguaia –, “para o Brasil o Mercosul


é sobretudo um objetivo político” (Serra, 1998).

l) Caráter despropositado da limitação fiscal associado a critérios como o


de Maastricht. Como se imagina que, caso os países-membro do Mercosul
postulem uma meta de unificação monetária, isso viria acompanhado, entre outras
coisas, de tetos “maastrichtianos” – ainda que talvez com parâmetros diferentes –
para os respectivos déficits fiscais medidos como proporção do PIB, isso faria o
Brasil abrir mão, pelo menos parcialmente, da sua autonomia na determinação da
sua própria política fiscal, o que, dado o peso relativo da economia brasileira no
contexto do Mercosul, seria, na visão mais radical da denúncia da proposta, “um
verdadeiro despropósito” – o que, de forma menos contundente, pode ser entendido
como algo que tem uma relação custo-benefício elevada.

Passaremos agora a tentar rebater os argumentos acima mencionados, o


que procuramos fazer na seção 3.

3. Resposta às críticas

Nesta seção, procura-se contra-argumentar os pontos apresentados na


seção anterior, em ordem seqüencial.

a) Natureza prematura da proposta. A rigor, isto não chega a ser uma crítica, já
que mesmo os defensores da proposta de unificação monetária reconhecem que é
preciso que esta só ocorra após cumprida uma série de requisitos de maior
coordenação macroeconômica entre as economias e de harmonização das
respectivas legislações. Esse timing foi, inclusive, de alguma forma endossado
pelo Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, quando, por ocasião
da entrevista à imprensa em que o Presidente da Argentina, Carlos Menem,
mencionou pela primeira vez a idéia da unificação monetária em público, no final
de abril de 1997, o Presidente brasileiro comentou que: “Chegará o momento, mais
adiante, para uma moeda comum, e a convergência de políticas macro-
econômicas”.5 A questão a resolver, portanto, não seria discutir se a moeda comum
é uma meta boa ou não para ser atingida e, sim, em que momento começar a
trabalhar, com que cronograma e com que margem em relação às concessões que
cada país está disposto a fazer, para que a proposta de moeda única possa se
transformar em realidade algum dia. Nesse sentido, embora seja claramente
prematuro pensar em criar algo similar ao que foi, por exemplo, o Instituto Monetário
Europeu (IME) no início do processo que deverá levar à integração monetária
européia, a tese oposta, de que o tema não deve entrar na agenda diplomática dos
países da região, também não nos parece correta, já que encerra o risco de
“congelar” o Mercosul nos termos atuais, com os riscos a isso associados.6
MOEDA ÚNICA DO MERCOSUL: NOTAS PARA O DEBATE 29

Há que se lembrar, também, que a comparação entre as 4 décadas de


história da unificação européia e a ainda curta história de integração do Mercosul
é, em parte, improcedente. Em primeiro lugar, porque a velocidade de
transformações da economia mundial não comporta que se trabalhe com os prazos
do passado: as mudanças que ocorreram no mundo, na tecnologia e na economia
em geral nos últimos 10 anos foram muito mais rápidas e intensas do que as que se
tinham verificado em décadas anteriores. Isso significa que o custo de não avançar
é muito maior. Em segundo lugar, porque, embora a Europa só irá ter uma moeda
circulando fisicamente a partir de 2002, o debate acadêmico sobre uma moeda
única européia começou nos anos 60, menos de 10 anos depois da assinatura do
Tratado de Roma e transbordou para diplomacia no início dos anos 70, só não
prosperando no restante da década devido ao desmantelamento do sistema de
Bretton Woods e aos efeitos perversos do primeiro choque do petróleo sobre a
inflação internacional. E, por último, porque se a moeda comum do Mercosul vier
a se tornar realidade, isso, provavelmente, ocorrerá em torno de 2015, ou seja, 30
anos depois dos acordos pioneiros de integração de 1986 entre Brasil e Argentina
– o que configura um período histórico não desprezível – e mais de 20 anos depois
dos planos de estabilização de Argentina (1991) e Brasil (1994). Portanto, o fato
de que uma moeda única da região seja prematura hoje não significa que não
possa ser viável daqui a 15 anos – para o que é necessário começar a trabalhar a
partir de agora.

b) Escasso grau de abertura intra-regional. Também neste caso, entende-se


que a objeção não é quanto à proposta em si e, sim, quanto à conveniência de
adotar uma moeda única, quando o grau de abertura intra-regional é ainda baixo.
A respeito disto, porém, há algumas questões a considerar. Primeiro, o fato de que
essa abertura é ainda baixa, mas tem sido quase sistematicamente crescente desde
a origem do Mercosul, sendo válido admitir que deva continuar a aumentar nos
próximos anos (ver Tabela 1).7 Conseqüentemente, como a moeda única não é
uma proposta para ser adotada imediatamente e, sim, em um horizonte de longo
prazo, quando isso ocorrer, o grau de abertura intra-regional deverá ser,
provavelmente, maior do que o atual.
Segundo, como destacado em Frankel e Rose (1997), em relação ao caso
europeu, mas de forma que se aplica a outras situações, a aderência de um grupo
de países aos critérios que definem as condições ideais para adotar uma única
moeda é endógena a essa mesma decisão: “A country could fail the optimum
currency area (OCA) criteria for membership today, and yet, if it goes ahead and
joins anyway, could, as the result of joining, satisfy the OCA criteria in the future...
Some countries may appear, on the basis of historical data, to be poor candidates
for European Monetary Union (EMU) entry. But EMU entry per se... may provide
a substantial impetus for trade expansion.... That is, a country is more likely to
30 FABIO GIAMBIAGI

satisfy the criteria for entry into a currency union ex post than ex ante”
(Frankel e Rose, 1997, páginas 67/68, grifos nossos).

Tabela 1
Brasil – Participação das exportações ao Mercosul
nas exportações totais (%)

Ano Participação (%)

1990 4,2
1991 7,3
1992 11,5
1993 14,0
1994 13,6
1995 15,3
1996 15,5
1997 17,1

Fonte: Banco Central do Brasil.

c) Heterogeneidade dos interesses nacionais. Esta heterogeneidade é


verdadeira, mas não invalida a possibilidade da unificação monetária. A maioria
das análises a respeito do caso europeu coincide em afirmar que Maastricht foi o
resultado de um compromisso entre o interesse da França de compartilhar as
decisões econômicas a respeito da Europa com a Alemanha – ao invés de ficar a
reboque das decisões do Bundesbank – e o interesse da Alemanha de dar um sinal
claro aos seus parceiros de que a unificação com a Alemanha Oriental não implicaria
a retomada do antigo expansionismo germânico, para o que o país considerava
importante a reafirmação dos laços especiais com a Europa, através de um passo
decisivo para a integração, como é o da unificação monetária. A isso se juntou o
desejo dos países do Club Med – Itália, Espanha e Portugal – de se beneficiarem
da “importação de credibilidade” propiciada pelo euro, o que significará a
virtual eliminação da influência dos seus respectivos track records na
determinação das taxas de juros dessas economias, com impacto favorável sobre
os níveis de atividade e de emprego. Tal heterogeneidade não impediu, contudo,
que o Tratado de Maastricht esteja a ponto de dar origem, pouco mais de 6 anos
depois da sua assinatura, a uma moeda comum para um grupo de mais de 10
países entre os membros da “Europa dos 15”. Da mesma forma, a existência de
interesses diferenciados entre Brasil e Argentina não deve ser entendida como
óbice para que a moeda comum entre ambos possa algum dia se transformar em
realidade.
MOEDA ÚNICA DO MERCOSUL: NOTAS PARA O DEBATE 31

d) Heterogeneidade interna da sociedade. Esta é uma realidade inegável, que,


entretanto, também não invalida a proposta de que este artigo trata, na nossa opinião.
Há duas perguntas que cabe fazer a respeito. Primeiro, a moeda única pode
contribuir para diminuir essa heterogeneidade? A resposta é sim, mediante o maior
estímulo que poderia representar para a realização de investimentos, em uma área
que passaria a ser vista como sinônimo de consolidação da estabilidade econômica.
A segunda pergunta é: essa heterogeneidade prejudicou os países da Europa que
deverão aderir ao euro? A resposta, claramente, é não. Quando a Espanha aderiu
à, então, Comunidade Econômica Européia (CEE), era um país ainda muito atrasado
com relação ao nível de desenvolvimento do resto da Europa, mas tomou essa
opção consciente de que a integração era a melhor forma de superar esse atraso,
com resultados excelentes, a olhos vistos, à luz do retrospecto econômico do país
nos últimos 15 anos. Isso ocorreu apesar de ter indicadores de pobreza muito
maiores que os da Alemanha ou França, por exemplo; regiões do país inteiramente
atrasadas em termos econômicos; e um problema de regionalismo separatista que,
no Brasil, não existe, fatores esses que não impediram que a Espanha seja um dos
países que constará da primeira rodada de adesões ao euro. Em maior ou menor
medida, comentários similares aplicam-se também aos outros dois membros do
Club Med – Portugal e Itália.

e) Peso excessivo dos países menores. Isto, realmente, pode se converter em


um problema, mas a solução é muito simples e é fazer com que o peso predominante
nas decisões a serem tomadas nos organismos conjuntos – notadamente, no Banco
Central unificado que teria que ser criado – caiba a Brasil e Argentina.

f) Caráter de global trader do Brasil. O país tem, de fato, uma estrutura


diversificada da sua pauta de exportações que faz com que se diferencie dos
demais países do bloco, inclusive da Argentina. Isso não impede, porém, que o país
identifique que, entre as diversas negociações em que está envolvido, no contexto
de um mundo dividido em áreas regionais, os sócios privilegiados devam ser os que
compõem a sua mesma área de influência. Por outro lado, cabe lembrar que entre
a decisão de integrar uma área monetária comum e o início da vigência da nova
moeda transcorreria um período da ordem de uma década. Nesse intervalo, a
Argentina poderia se empenhar em diversificar a sua pauta de exportações, no
sentido de diminuir o impacto de eventuais choques negativos sobre o Balanço de
Pagamentos do bloco.

g) Falta de relação entre as estruturas produtivas de Brasil e Argentina.


Em relação a este ponto, vale a observação feita no item (f) acima, no sentido de
que a Argentina disporia de tempo para que a sua estrutura industrial fosse mais
diversificada. Por outro lado, como, mantidas as tendências atuais – com o Banco
32 FABIO GIAMBIAGI

Central do Brasil continuando a ajustar a taxa de câmbio nominal ligeiramente


acima da inflação ao longo de alguns anos –, o Brasil chegaria à unificação monetária
com uma taxa de câmbio real mais desvalorizada do que a atual, a rigor o problema
estaria colocado não para o Brasil e, sim, para a Argentina, que teria que identificar
mecanismos apropriados para promover alguma desvalorização real, ainda que
gradual, para não chegar à eventual unificação com o seu setor externo desajustado.

h) Congestionamento da agenda de negociações do país. Esta é uma


realidade. O problema é que, analisando o quadro que se tem pela frente, dificilmente
tal congestionamento vai se alterar a médio prazo. Isto porque: i) a agenda da
negociação da ALCA tende a ser cada vez mais densa a medida que nos
aproximemos de 2005; ii) o tema de um acordo de livre comércio entre o Mercosul
e a União Européia passará a tomar um espaço maior na agenda brasileira; e, iii)
existe a possibilidade da realização de uma “rodada do milênio”, que complemente
a “rodada Uruguai” que deu origem à Organização Mundial de Comércio (OMC)
e às decisões tomadas paralelamente à criação desta. Portanto, o mesmo argumento
do “congestionamento da agenda externa do país” poderá existir daqui a 3, a 4 ou
a 7 anos, o que acarreta o risco de “congelar” o Mercosul, já citado no item (a)
desta seção.

i) Interesse argentino na proposta. Há, quanto à idéia de que o que a Argentina


quer é apenas encontrar uma forma de sair da convertibilidade, na nossa opinião,
um equívoco de interpretação. Isto porque: i) o fim da convertibilidade é ainda um
tema tabu na Argentina, onde a memória dos três “surtos” de hiperinflação de
1989/1990 ainda está muito fresca e nenhum agente político ou econômico relevante
no debate econômico está propugnando pela medida; ii) os próprios argentinos
estão divididos a respeito da matéria, sendo um exagero se falar em “interesse dos
argentinos” como se a proposta fosse algo que congregasse um apoio unânime da
sociedade; e, iii) todas as indicações são de que a orientação oficial em favor da
proposta partiu da área política do Governo e não da sua área econômica, sendo
difícil imaginar que tais considerações de longo prazo a respeito de uma estratégia
de saída da convertibilidade tenham tomado parte no processo decisório.

j) Ausência de interesse do Brasil. Esta crítica deixa de levar em conta uma


dimensão fundamental da proposta, que é o fortalecimento da região como um
todo. Atualmente, a região composta pelos países do Mercosul ainda luta, na sua
tentativa de atrair capitais externos, contra o retrospecto associado à “marca” da
América Latina, de inequívoca conotação negativa, em função da sua história de
governos instáveis, alta inflação e da crise dos anos 80. Se, no contexto de uma
unificação monetária dos países da região, esta passar a ser vista pelos investidores
como sinônimo de estabilidade democrática, inflação baixa e déficits fiscais sob
MOEDA ÚNICA DO MERCOSUL: NOTAS PARA O DEBATE 33

controle, as chances de que a região receba um fluxo contínuo de investimentos


externos maiores do que hoje cresceriam naturalmente. Ora, parece claro que, em
tais circunstâncias, com as economias de escala que adviriam da existência de um
mercado ampliado e sem a barreira da incerteza cambial no interior deste, o país
que mais se beneficiaria da maior atratividade da região como um todo seria o
Brasil. Primeiro, pelo seu tamanho, que operaria como catalisador natural de
investimentos. Segundo, pela sua posição geográfica, mais central que a dos demais
vizinhos. Terceiro, porque, na comparação com a Argentina, é quem mais se ressente
dessa imagem negativa, já que a sua estabilização é mais recente, seu déficit fiscal
é maior e o seu rating externo pior. Por último, nesse contexto, as taxas de juros
se aproximariam das internacionais, algo que para a economia brasileira implicaria
uma melhora substancial, muito maior do que para a argentina, que já se encontra
mais próxima desses níveis.

k) Interesse meramente político do Mercosul para o Brasil. Trata-se, na


nossa opinião, de uma visão que não leva em conta as transformações operadas na
situação da economia brasileira em função do próprio crescimento do Mercosul.
Em 1990, a participação das exportações do Brasil para os EUA era de 24,4 %
das exportações totais brasileiras, proporção essa que caiu para 17,8 % do total
em 1997. No caso do Mercosul, conforme mostrado na Tabela 1, a participação
evoluiu de 4,2 para 17,1 % do total no mesmo período, sendo que nas exportações
de manufaturados, especificamente, as vendas para o Mercosul já respondem por
mais de 1/4 (27,9 %) das exportações desses bens, acima da participação das
vendas de manufaturados aos EUA (21,2 % das exportações de manufaturados).
Não nos parece correto, portanto, julgar que, à luz desses números, o Mercosul
tenha apenas uma importância política para o Brasil, mais ainda considerando que,
mantida tal tendência, provavelmente até o final da década, a região como um todo
vai se transformar no principal destino para nossas exportações, se comparada
com os demais países do mundo, tomados individualmente.

l) Caráter despropositado da limitação fiscal associado a critérios como o


de Maastricht. Trata-se de uma avaliação impregnada de um forte conteúdo
emocional – associado à noção de perda de soberania –, a respeito da qual é difícil
se manifestar. Entretanto, há dois fatores que, na nossa opinião, deveriam ser
considerados. O primeiro, que de qualquer forma o Brasil simplesmente tem que
implementar um forte ajuste fiscal nos próximos anos, sob pena de que, concluída
a privatização – que permite conciliar a existência de déficits fiscais elevados, com
uma certa estabilidade do endividamento público consolidado –, a relação dívida
pública/PIB assuma uma trajetória sistematicamente crescente, com todas as
conseqüências disso decorrentes, o que no limite implicaria o fim do Plano Real.8
O segundo, que a falta de um compromisso rígido com metas fiscais de médio
34 FABIO GIAMBIAGI

prazo de declínio do déficit público é um dos fatores que explica o fracasso das
autoridades brasileiras em obter uma melhoria sistemática, duradoura e consistente
dos resultados do setor público.9 Isto porque, na ausência de uma restrição fiscal
efetiva como a que, por exemplo, existe atualmente na Europa, submetida ao budget
constraint dos tetos de Maastricht, o Governo não tem tido um instrumento no
qual se escudar para resistir às pressões por mais gastos, o que faz com que
inexista a figura de uma “camisa de força” que condicione a execução da política
fiscal. Em tais condições, o traçado de metas fiscais informais por parte do Governo
acaba não tendo muita força como fator de resistência às pressões localizadas dos
diferentes setores da sociedade e, na prática, não se tem verificado uma restrição
orçamentária que efetivamente funcione como uma barreira contra o excesso de
gasto. A existência de um acordo externo que o país tivesse que honrar, em benefício
da integração regional – com as vantagens a isso associadas em termos de
fortalecimento do país enquanto parte de uma região mais forte no cenário
mundial –, seria, então, uma ajuda importante para as autoridades fiscais do Governo.

4. Comentários finais

Há cinco fatores que devem ser levados em consideração para entender a


racionalidade da proposta sobre unificação monetária entre os países do Mercosul.
Primeiro, uma unificação monetária cria economias de escala para os
países que dela formam parte, pois potencializa ao máximo os ganhos associados a
uma área de livre comércio, ao eliminar a barreira representada pela incerteza
acerca das paridades cambiais entre os países dessa área (Mundell, 1997).
Segundo, um dos motivos da criação do Mercosul foi o propósito de
transformá-lo em um espaço regional que pudesse, a partir da formação de uma
área de livre comércio, funcionar como uma base para a geração de plataformas
de exportação – ainda que fortemente enraizadas no mercado interno regional.
Este propósito, entretanto, ainda não foi concretizado, entre outras coisas porque
as economias da escala, que supostamente decorreriam do Mercosul e que
permitiriam a redução de custos necessária para incrementar a competitividade
dos países do acordo, são limitadas pela incerteza cambial, conforme comentado
acima. A eliminação dessa incerteza, base para a criação de um mercado
efetivamente unificado, seria, então, um importante fator de incentivo à realização
de novos investimentos, os quais estão condicionados à escala de produção e que,
se concretizados, poderiam permitir à região como um todo a produção de novos
excedentes exportáveis.
Terceiro, é preciso entender que um dos maiores riscos de não avançar –
ainda que lenta e gradualmente – na direção de uma unificação monetária na
região é que o processo de integração seja contido e, no limite, passe por uma
regressão, devido ao crescimento das tensões que resultam de não enquadrar as
MOEDA ÚNICA DO MERCOSUL: NOTAS PARA O DEBATE 35

relações entre os países no contexto de um comprometimento inequívoco com o


avanço da integração. Esse risco de retrocesso da integração é abordado por
Roberto Bouzas com as seguintes palavras: “Los procesos de integración funcionan
como una bicicleta: la única manera de no caer es avanzar permanentemente. La
razón de esta afirmación está basada en una simple regla de economía política: si
la agenda se congela los sectores afectados pueden organizarse y operar más
efectivamente que si el horizonte se desplaza de una manera continua” (Bouzas,
1996, página 79). A multiplicação de atritos recentes no relacionamento bilateral
entre Brasil e Argentina acerca de temas comerciais – como os casos dos remédios,
do açúcar e do leite – parece fundamentar tais temores. É claro que “avançar no
processo de integração” não significa, necessariamente, ter uma moeda comum –
o próprio Bouzas, nesse comentário, está distante de propor isso –, mas também é
certo que nada pode ser mais revelador do compromisso político dos países com a
integração do que o reconhecimento de que essa é a meta que se deseja atingir.
Quarto, conforme frisado por Rapoport na frase acerca da constituição de
“supra-soberanias” que abre nosso artigo, a renúncia parcial à soberania que implica
todo processo de integração – e quanto mais este avança, maiores são as “parcelas”
de soberania de que um país abre mão – tem, como contrapartida, o fortalecimento,
no contexto internacional, da região à qual o país pertence. A literatura européia
recente sobre o processo de integração monetária deflagrado pelo Tratado de
Maastricht destaca que, por exemplo, a França, embora “perca” soberania ao se
integrar a uma área onde o franco desaparecerá, beneficia-se do fato de que a
Europa – na qual o país é peça central –, com uma moeda unificada, vai pesar
muito mais na economia mundial do que pesa atualmente, com uma grande
diversidade de moedas nacionais. Nesse sentido, parece claro que, se o Mercosul
atingir a maturidade suficiente para ter uma única moeda, o fortalecimento da
região no panorama internacional será uma das principais conseqüências desse
fato.
Quinto, um dos motivos que, do ponto de vista nacional, nos parece que
deve induzir ao estabelecimento de uma meta de unificação monetária para o
Mercosul, em um horizonte de 15 a 20 anos, é a necessidade de chegar a uma
definição a respeito de que papel o país pretende ter na economia mundial,
daqui a uma ou duas décadas. O Brasil tem adotado uma atitude relativamente
defensiva, nos últimos anos, acerca das principais negociações em que esteve ou
está envolvido, notadamente no caso da ALCA – onde a postura adotada segue o
critério de protelar o início do processo – e do Mercosul – onde, confrontadas
diante da idéia argentina de propor uma meta de unificação monetária, as principais
autoridades, à luz do que se depreende da leitura da imprensa escrita, tiveram uma
reação bastante fria. Tais posturas, individualmente consideradas, são plenamente
compreensíveis e, de certa forma, justificadas, em função da necessidade de
preservar os interesses da indústria nacional – no caso da ALCA – e da evidente
36 FABIO GIAMBIAGI

ausência de pré-condições para definir desde já um cronograma que leve até a


moeda única – no caso do Mercosul. O problema é que, enquanto isso, o mundo
continua em mutação.
Qual é, à luz disso, o futuro que se pode vislumbrar para o mundo daqui a
uma ou duas décadas? Provavelmente, teremos: a) o NAFTA consolidado e o
México muito mais integrado do que hoje à economia dos EUA; b) a ALCA
plenamente constituída, representando uma área de livre comércio continental,
indo do Alasca à Terra do Fogo; c) a Europa Ocidental, transformada em potência
em condições de rivalizar com os EUA e “engordada” pela incorporação de novos
membros à União Européia (UE) que, mais cedo ou mais tarde, acabará por se
converter em uma região de mais de 20 países, com uma única moeda, o que pode
até vir a fazer desaparecer – no sentido econômico associado à noção de
“economias emergentes” – o conceito de “Europa oriental”;10 e, d) a Ásia, superadas
as seqüelas da recente crise, novamente convertida em uma área dinâmica da
economia mundial, com níveis crescentes de desenvolvimento e integração – pelo
fortalecimento da ASEAN – e com a China plenamente convertida aos princípios
de funcionamento de uma economia capitalista dinâmica. Nesse contexto, a
pergunta que cabe fazer não é: “O que o Brasil tem a ganhar com a criação de
uma moeda única do Mercosul?” e, sim: “O que o Brasil tem a ganhar, mantendo
uma postura isolada, no contexto de um mundo dividido em blocos, ao invés de
fortalecer o acordo regional do qual ele é peça-chave?”. Note-se que “deixar de
fortalecer” significa, neste caso, provavelmente, condenar esse acordo regional ao
desaparecimento, pela sua “diluição” no espaço de uma área de livre comércio
muito maior. Em outras palavras, não fortalecer o Mercosul – onde o peso do
Brasil, por motivos óbvios, é grande – poderá significar na prática, para o
Brasil, no contexto mundial da década de 2010, ficar a reboque da ALCA
– onde a voz predominante será a dos EUA. O crucial é entender que o que vai
acontecer com o Mercosul na década de 2010 depende das decisões
estratégicas que forem tomadas ou deixarem de ser tomadas na década de
1990.
Por último, à guisa de síntese, há duas preocupações que devem nortear o
debate incipiente sobre a moeda única, associadas a dois riscos opostos. É preciso
evitar, ao mesmo tempo: a) a adoção de um cronograma irrealista, que postule, por
exemplo, uma unificação monetária para a próxima década, o que não nos parece
viável e pode conduzir a proposta ao fracasso; e, b) a passividade, que, sob o
argumento de que ainda é prematuro estabelecer uma meta da moeda única no
Mercosul, implique, na prática, não fazer nada para que esse objetivo deixe de ser
prematuro, passividade essa que encerra os riscos comentados acima nesta mesma
seção. Como declarou, realisticamente, o Secretário de Assuntos Internacionais
do Ministério da Fazenda do Brasil, “Sabe-se que este [a moeda comum] será o
fim da história, mas ninguém sabe como ou quando”.11 Diante disso, a postura
MOEDA ÚNICA DO MERCOSUL: NOTAS PARA O DEBATE 37

mais adequada, parece-nos, deve ser a de começar a agir para que essa meta
possa ser atingida, em algum momento que não seja nem irrealisticamente
prematuro, nem perigosa e desnecessariamente distante.

Março 1998

Bibliografia

ABREU, Marcelo de Paiva. “Financial integration in the MERCOSUR countries”. Revista Integración
y Comercio, INTAL, janeiro/abril, 1997.
BOUZAS, Roberto. “La agenda económica del MERCOSUR: desafíos de política a corto y mediano
plazo”. Revista Integración y Comercio, INTAL, janeiro/abril, 1996.
FRANKEL, Jeffrey e ROSE, Andrew. “The endogeneity of the optimum currency areas”. In BLEJER,
Mario et alii (editores). Optimum Currency Areas – New Analytical and Policy Developments.
International Monetary Fund, 1997, capítulo 4.
GIAMBIAGI, Fabio. “Uma proposta de unificação monetária dos países do Mercosul”. Revista de
Economia Política, outubro/dezembro, 1997.
LAVAGNA, Roberto e GIAMBIAGI, Fabio. “Hacia la creación de una moneda común – Una
propuesta de convergencia coordinada de políticas macroeconómicas en el Mercosur”. Texto
para Discussão, BNDES, março, 1998.
MUNDELL, Robert. “Updating the agenda for Monetary Union”. In BLEJER, Mario et alii (editores).
Optimum Currency Areas – New Analytical and Policy Developments. International Monetary
Fund, 1997, capítulo 2.
RAPOPORT, Mario. “Os Estados nacionais frente à globalização”. Revista Brasileira de Política
Internacional, Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, ano 40, número 2, 1997.
SERRA, José. “ECUs e Bupas”. Folha de São Paulo, 2 de março, 1998.

Notas

1 O autor agradece os comentários de Bruno Freire e Francisco Marcelo Rocha Ferreira acerca de
uma versão preliminar do artigo. Como de praxe, a responsabilidade pelo conteúdo final do
trabalho cabe inteiramente ao autor.
2 O tratamento deste ponto foge aos limites deste artigo. De qualquer forma, cabe dizer que: a)
o fato de um grupo de países não constituir uma área monetária ótima não é um obstáculo à
unificação monetária entre eles; e, b) a proposta de que os países do Mercosul venham algum
dia a ter uma moeda única, pressupõe a existência de um tempo de preparação suficientemente
longo para que o espaço geográfico formado por eles se torne mais próximo de ser uma área
monetária ótima.
3 Para algumas destas críticas ver, por exemplo, Serra (1998).
4 Para uma análise dos problemas específicos da integração financeira entre os países do Mercosul,
que inclusive dá origem a uma postura cética do autor do estudo, acerca da possibilidade
de futuros avanços em termos de coordenação de políticas entre os países, ver o trabalho de
Abreu (1997).
5 Gazeta Mercantil, 28 de abril de 1997. Reprodução textual do jornal.
38 FABIO GIAMBIAGI

6 Tais riscos serão analisados posteriormente na seção 4 do trabalho.


7 Um dado que também é interessante citar é o crescimento das exportações totais do Mercosul
para o próprio Mercosul. Esta variável, que foi de 9 % do total das exportações – incluindo
exportações para a região – por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai em 1990, aumentou para
25 % desse total em 1997.
8 Em outras palavras, o estabelecimento de uma meta de compromisso externo de ajuste fiscal
interno visaria obter um benefício adicional de uma política que o país terá que adotar, com ou
sem estabilização monetária.
9 O resultado primário do setor público – que exclui o pagamento de juros – tem piorado
continuamente, desde 1994.
10 Consideramos que o euro começará inicialmente com 11 países e que ele será adotado, até o
início da próxima década, por Grã-Bretanha, Suécia, Dinamarca e Grécia, sendo seguidos,
depois disso, pelos 6 novos membros das economias anteriormente socialistas e cujo ingresso
na UE já foi anunciado. Embora a adesão à UE e a entrada na área do euro sejam processos
diferentes, é natural imaginar que a adoção deste será uma conseqüência natural daquela adesão.
11 Entrevista à revista IstoÉ-Dinheiro, Brasil, 11 de março de 1998, página 25.

Resumo

Este artigo comenta algumas das críticas feitas à proposta de criação de


uma moeda única para o Mercosul. Esclarece-se que a proposta deve ser entendida
como uma meta a ser alcançada após a concretização de uma série de pré-requisitos,
explica-se por que a interpretação de que a proposta só interessa à Argentina não
parece correta e expõem-se os motivos pelos quais algumas das outras críticas,
ainda que corretas, não invalidam a unificação monetária. O texto conclui com
uma reflexão a respeito da necessidade de o Brasil definir que papel pretende
desempenhar no contexto mundial, daqui a 15 ou 20 anos.

Abstract

This article comments on some of the criticisms made to the proposal of a


currency union among the Mercosur countries. It is clarified that the proposal must
be understood as a target to be achieved after fulfilling a set of requirements.
Besides, it is explained why the autor believes that the interpretation that the proposal
would only be beneficial to Argentina is wrong and why some of the other criticisms,
even being correct, do not invalidate the monetary unification. The paper concludes
with a reflection about the Brazilian necessity of defining which role the country
intends to play in the world, in 15 or 20 years.

Palavras-chave: Mercosul. Integração. União monetária. Áreas monetárias ótimas.


Key-words: Mercosur. Integration. Monetary union. Optimal monetary areas.
O EURO E AS RELAÇÕES EXTERIORES DA UNIÃO EUROPÉIA 39

O euro e as relações exteriores


da União Européia
DEISY VENTURA* e PHILIPPE ALQUIÉ**

A União européia lançou-se em uma experiência cujo resultado, seja


positivo ou negativo, é referência indispensável na discussão das futuras relações
econômicas internacionais. A gestão da política monetária, importante elemento
da soberania nacional, foi transferida ao domínio comunitário por onze entre os
quinze Estados membros da União Européia, constituindo uma União Econômica e
Monetária (UEM). O fator mais visível desta competência partilhada é a moeda
única, o euro. Todavia, a UEM constitui a maior extensão do poder comunitário
vista até o momento e enseja um debate que ultrapassa largamente as dificuldades
intrabloco, como os polêmicos critérios impostos para que um Estado pudesse ser
aceito na zona euro ou as dificuldades práticas de implementação da moeda em
um grande e heterogêneo território.
Para gerir a política monetária e coordenar a política econômica da UEM,
o Tratado de Maastricht associou novos órgãos às já consolidadas instituições da
Comunidade européia (Conselho de Ministros, Comissão européia, Parlamento
europeu e Corte de Justiça). Criou-se o Sistema Europeu de Bancos Centrais
(SEBC), constituído de um Banco Central Europeu e dos Bancos Centrais
Nacionais. A dinâmica desta estrutura original modificará as relações financeiras
e monetárias internacionais mas atingirá, igualmente, a política exterior lato sensu.
Dita constatação é consensual por diversas razões. No âmbito deste artigo, cabe
apenas lembrar que a Europa tem diante de si a possibilidade de recuperar o papel
destacado que desempenhou outrora como fornecedor de capitais. Sua nova moeda
promete ocupar um espaço importante no comércio mundial, alterando
substancialmente a atual conjuntura, esboçada na seguinte tabela.

Rev. Bras. Polít. Int. 41 (1): 39-55 [1998]


* Professora da Universidade Federal de Santa Maria e bolsista do CNPq.
** DEA em Direito comunitário e europeu da Universidade de Paris I, Panthéon-Sorbonne.
40 DEISY VENTURA E PHILIPPE ALQUIÉ

Tabela 1
O atual desempenho internacional do dólar, do yen e das moedas européias
Part. em % no: D lar Yen Marco Outras moedas
alemª o europØias (a)
no comØrcio mundial realizado 47.6 4.8 15.3 18.2
nas transa ı es de c mbio 83.8 23.6 37.1 32.8
(sobre um total de 200%)
nas emissı es de obriga ı es 37.8 17.7 15.6 8.8
internacionais
na d vida dos pa ses em 50.0 18.1
desenvolvimento
16.1
nas reservas oficiais mundiais 56.4 7.1 13.7 12.1
(a) Composi ª o exata variÆvel segundo as rubricas, mas que inclui sempre a libra esterlina, o franco
francŒs, o florim e o ECU.
Fonte: La lettre du CEPII, n 156, abril 1997

Uma construção sui generis como a UEM ocasiona a discussão do


funcionamento do sistema financeiro internacional em si mesmo. Esta necessidade
objetiva soma-se à antiga idéia de realizar uma reforma nos organismos de supervisão
e controle internacionais, como o Grupo dos Sete (G7) e o Fundo Monetário
Internacional (FMI).
A pretensão deste artigo é justamente captar os desafios das relações que
a UEM manterá com o exterior. Primeiramente, será tratada a definição de sua
complexa política de câmbio em relação aos demais Estados. Adiante, serão
abordadas as conseqüências da UEM sobre a participação da Comunidade européia
e de seus Estados membros nos organismos internacionais de caráter econômico e
financeiro.
Parece oportuno escrevê-lo por ao menos duas razões. De uma parte, a
experiência européia é pouco conhecida no Brasil. Seus grandes emblemas, como
as instituições supranacionais e, atualmente, o próprio euro, são, freqüentemente,
a maior causa de sua incompreensão pois as contradições profundas sob tensão,
inerentes ao processo europeu, recusam todo o superficialismo. A repercussão
desta experiência sobre o conjunto das relações internacionais também não mereceu
a devida atenção da academia, crítica dirigida reiteradas vezes à própria Europa.
Por outro lado, quando pululam propostas sobre a adoção de uma moeda
única no âmbito do Mercado Comum do Sul (Mercosul), inspiradas por uma reflexão
inversamente proporcional à vocação para a mídia, não será inútil a tentativa de
mostrar novas facetas de um processo, do qual muitos não vêem mais do que uma
bela cédula.

1. A definição da política de câmbio comunitária


Elaborar uma política comum de câmbio significa definir a atitude da
Comunidade nas suas relações monetárias com o mundo exterior, o que compreende
a conclusão de acordos de cooperação monetária e a condução de uma política de
O EURO E AS RELAÇÕES EXTERIORES DA UNIÃO EUROPÉIA 41

intervenção sobre os mercados financeiros (venda ou compra de moeda comunitária


ou estrangeira).
Desde o começo de sua terceira fase, qual seja a implementação do euro,
a UEM provocará importantes repercussões sobre o sistema monetário global.
Graças à potência econômica dos Estados que a integram, refletindo um mercado
de mais de trezentos milhões de pessoas, é provável que o euro desempenhe um
papel relevante como moeda internacional, seja como moeda na qual serão faturados
os negócios, seja como moeda de reserva (isto é, ele poderá ser utilizado como
referência dos ativos financeiros em escala mundial). Assim, a moeda única poderá
vir a ser uma alternativa concreta ao dólar americano.
Para que esta previsão venha a concretizar-se é necessário que a zona
euro conduza uma efetiva política de câmbio diante das demais moedas. O Tratado
de Maastricht, instrumento jurídico criador da UEM, consagra seu artigo 109 a
este objetivo. Ele pode ser alcançado desde que sejam resolvidos os potenciais
conflitos que podem decorrer do caráter ambíguo de algumas de suas disposições.

1.1. O mecanismo do artigo 109 do Tratado de Maastricht

O Tratado de Maastricht reconhece implicitamente que a taxa de câmbio


constitui um importante elemento da política monetária e da política econômica.
Os três primeiros parágrafos do artigo 109 são dedicados à definição estrutural da
política de câmbio, compreendendo duas hipóteses: a conclusão de acordos formais
e o sistema de moedas flutuantes, como se pode depreender do quadro abaixo.

Tabela 2
A política de câmbio
Art. 109, §1 ou Art. 109, § 2
!
(a) conclusª o de acordos sobre um sistema de taxa de c mbio !
(c) Na hip tese de inexistŒncia de
para o euro (feita pelo Conselho por unanimidade, a partir acordo definido pelo §1, o Con-
de recomenda ª o do BCE ou da Comissª o, ap s consulta selho pode formular orienta ı es
do BCE a fim de obter um consenso compat vel com a gerais de pol tica de c mbio
estabilidade de pre os) !
(d) Condi ª o: nª o afetar o objetivo
!
(b) ado ª o, modifica ª o ou abandono, pelo Conselho, das de estabilidade de pre os
cota ı es centrais do euro no sistema de taxa de c mbio

Art. 109, §3
- Permite ao Conselho fixar os acertos relativos s negocia-
ı es e conclusª o de acordos previstos no artigo 109, §1,
primeira frase
(Comissª o plenamente associada s negocia ı es, a Comuni-
dade deve expressar uma posi ª o œnica)

1.1.1. A conclusão dos acordos de câmbio

O artigo 109, §§1 e 3, regula a hipótese de associação da Comunidade a


terceiros Estados através de acordos monetários. Este dispositivo foi objeto de
42 DEISY VENTURA E PHILIPPE ALQUIÉ

controvérsias ao longo das negociações de Maastricht no que se refere à escolha


da autoridade encarregada de elaborar a política de câmbio. As posições da França
e da Alemanha foram opostas: a primeira desejava atribuir dita autoridade às
instâncias políticas; a segunda preferia investir o Banco Central Europeu (BCE)1
desta competência para que, ao realizar sua função principal (a condução da política
monetária como um todo), o Banco não fosse vinculado a objetivos de política de
câmbio definido por uma instância política.2 O resultado desta divergência é um
texto “de compromisso”, o que explica a complexidade e a relativa ambigüidade
que o caracterizam.
O primeiro parágrafo deste artigo diferencia duas hipóteses: a conclusão
de acordos formais referentes a um sistema de taxa de câmbio para o euro diante
das moedas não-comunitárias e a faculdade de adotar, modificar ou abandonar as
cotações centrais do euro no sistema de taxa de câmbio. Procedimentos diferentes
são previstos para as duas situações.
Em primeiro lugar, o dispositivo em questão derroga o artigo 228 do mesmo
tratado que fixa o procedimento de conclusão de acordos internacionais pela
Comunidade. Segundo o art. 228, a Comissão detém o poder de iniciativa e conduz
as negociações do acordo em conformidade com as diretivas que o Conselho
estabelece. Após a consulta ao Parlamento europeu, o Conselho decide sobre a
conclusão do acordo por maioria qualificada ou, nas hipóteses de acordos de
associação (parceiros em posição privilegiada) e de uma disposição expressa do
Tratado, por unanimidade.
O procedimento do artigo 109, §1, distancia-se em muito deste esquema
geral. Ele prevê que os acordos sobre a taxa de câmbio sejam concluídos pelo
Conselho a partir de uma decisão unânime, após a recomendação do BCE ou da
Comissão, é obrigatória ainda a consulta prévia ao Parlamento europeu. A
recomendação do BCE ou do Conselho é inovadora pois, segundo o rito tradicional
do art. 228, a Comissão deveria recomendar a abertura das negociações, não a
conclusão do acordo. Ocorre que, para a primeira frase deste parágrafo, a consulta
ao BCE visa à obtenção de um consenso compatível com o objetivo de estabilidade
dos preços, preocupação reiterada em todos os documentos concernentes à UEM.
Tal menção é fator de ambigüidade porque o vocábulo consulta parece indicar
uma simples manifestação que não vincula juridicamente o Conselho. A palavra
consenso, por sua vez, tomada isoladamente, parece indicar uma faculdade de
bloquear o processo que seria então atribuída ao BCE.3
A segunda frase do mesmo dispositivo prevê a adoção, a modificação ou
o abandono das cotações centrais do euro no sistema de taxas de câmbio. O
procedimento não é exatamente o mesmo utilizado para a conclusão dos acordos
formais acima referidos. O Conselho deverá decidir por maioria qualificada,
dispensada a consulta do Parlamento, cujo Presidente deve ser simplesmente
informado quanto à decisão. Contudo, a recomendação do BCE ou da Comissão é
O EURO E AS RELAÇÕES EXTERIORES DA UNIÃO EUROPÉIA 43

necessária, assim como a consulta ao BCE para que se chegue a um consenso


compatível com o objetivo da estabilidade de preços.
O terceiro parágrafo do artigo em questão rege as negociações e a conclusão
de acordos sobre as questões relativas ao regime monetário e de câmbio. Aqui o
procedimento do artigo 228 é novamente descartado. As negociações devem ocorrer
entre a Comunidade e terceiros Estados ou organizações internacionais. O Conselho
decide por maioria qualificada depois de feita a recomendação pela Comissão e a
consulta do BCE. Da leitura deste artigo resulta a constatação de que o órgão
competente para negociar não é expressamente designado. O texto limita-se a
estipular que as negociações devem expressar uma posição única da Comunidade
e que a Comissão deve ser plenamente associada às negociações. Deduz-se que a
Comissão não dispõe de pleno direito de uma competência para negociar, afinal,
ela é simplesmente associada. A condução das negociações parece então estar
nas mãos do Conselho que pode constituir a delegação para este fim, mas nada
obsta que ele confie à Comissão um mandato que lhe permitiria negociar em nome
da Comunidade.
No que tange à exigência de uma posição única da parte da Comunidade,
ela parece indicar que a posição manifestada ao longo das negociações deve emanar
dos Estados membros. Caberia ao Conselho conduzir as negociações de forma a
permitir que os Estados pudessem exprimir uma posição singular e conforme à
política comunitária.
Uma última observação diz respeito à conclusão de acordos formais de
câmbio. A menção expressa de uma derrogação do artigo 228 está presente nos
dois primeiros parágrafos do artigo 109. Especula-se que ele excluiria igualmente
o poder consultivo da Corte de Justiça de Luxemburgo. Com efeito, o sexto parágrafo
do artigo 228 prevê o procedimento pelo qual a Corte pode ser instada a manifestar-
se, antes da conclusão de um acordo, no que atine à sua compatibilidade com os
tratados constitutivos da Comunidade. Contudo, nada assegura a priori a exclusão
desta faculdade de consultar a Corte. Este mecanismo permitiria ao juiz comunitário
resolver a questão de repartição de competências entre a Comunidade e os Estados
membros para concluir acordos de câmbio.4
Percebe-se que ditos parágrafos do artigo 109 prevêem um procedimento
sui generis, distinto do artigo 228, e que a posição francesa logrou êxito, uma vez
que a competência para concluir os acordos formais foi atribuída ao Conselho.

1.1.2. As orientações gerais da política de câmbio

O artigo 109, §2, prevê a hipótese de retorno ao sistema de câmbio fixo,


comparável àquele que regulou as relações monetárias internacionais até 1971.
Isto não diminui em nada a necessidade de definir uma política de câmbio. Nesta
perspectiva, o tratado autoriza o Conselho a formular as orientações gerais da
44 DEISY VENTURA E PHILIPPE ALQUIÉ

política de câmbio diante das demais moedas. O dispositivo visa, em realidade, a


coordenação no seio do G7, G5 ou G3.5 O Conselho define estas orientações pelo
voto por maioria qualificada, sob recomendação da Comissão e após a aprovação
do BCE, ou então por recomendação do BCE. Ainda aqui, constata-se que o
poder de decisão foi conferido à autoridade política, contrariamente ao que desejava
a Alemanha. No entanto, encontra-se novamente o respeito aos objetivos do Sistema
Europeu de Bancos Centrais como condição, leia-se estabilidade de preços. Mais
adiante, tratar-se-á dos detalhes que foram trazidos ao tema pelo Conselho Europeu
de Luxemburgo, de dezembro de 1997.

1.1.3. A execução da política de câmbio

Se a definição da política de câmbio cabe ao Conselho, sua execução


compete ao BCE. O artigo 3, §1, do Estatuto do Sistema Europeu de Bancos
Centrais (SEBC) remete ao artigo 105, §2, do Tratado de Maastricht para indicar
as principais missões do Sistema: conduzir as operações de câmbio em conformidade
ao artigo 109, além de reter e administrar as reservas de câmbio oficiais dos Estados
membros. Em um primeiro momento, o BCE é dotado pelos Bancos Centrais
nacionais de reservas de câmbio até o limite de 50 bilhões de euros. Tais reservas
não incluem as moedas dos Estados membros, os euros, tampouco as reservas
junto ao FMI. Reservas suplementares podem ser utilizadas pelo BCE nos limites
e condições fixados pelo Conselho. Deduz-se que não há transferência de
propriedade das reservas ao BCE, mas ele de fato as têm à sua inteira disposição.
Os Bancos Centrais nacionais conservam algumas reservas cuja utilização
será submetida à autorização do BCE, com o escopo de assegurar a coerência
deste gesto em relação às políticas de câmbio e monetária da Comunidade (artigo
31 do Estatuto).

1.2. Os potenciais conflitos

A política de câmbio, tal como é concebida pelo artigo 109, poderá criar
um certo número de conflitos. Dois tipos de dificuldades afiguram-se: a ameaça à
independência do BCE e o conflito de competências entre a Comunidade e os
Estados membros, o que será estudado através do exemplo da zona franco, o
largo espaço territorial onde se utiliza atualmente a moeda francesa.

1.2.1. A independência do BCE

Os Estatutos do SEBC determinam que o BCE e os Bancos Centrais


nacionais não podem solicitar ou aceitar instruções das instituições comunitárias e
dos governos dos Estados membros (artigo 7). Os últimos comprometem-se a
O EURO E AS RELAÇÕES EXTERIORES DA UNIÃO EUROPÉIA 45

evitar uma possível influência sobre a BCE e seus próprios Bancos Centrais. O
artigo 105, §2, do Tratado de Maastricht confia ao SEBC a definição e a execução
da política monetária da Comunidade, a condução das operações de câmbio
consoante ao artigo 109, assim como a posse e a gestão das reservas oficiais de
câmbio dos Estados membros.
Quando da negociação do Tratado em tela, a Alemanha temia que a
definição da política de câmbio pelo Conselho tivesse por conseqüência a perda da
independência do BCE, este responsável pela execução da política definida pelo
Conselho. Logo, haveria o risco de que tal execução viesse a comprometer o
objetivo da estabilidade de preços. Em um sistema de câmbio estável, os Estados
têm a obrigação de sustentar as moedas estrangeiras vendendo sua própria moeda
contra a moeda estrangeira em questão. Para manter a paridade, os Estados devem
aumentar em certos momentos sua massa monetária, o que de fato pode constituir
uma ameaça para a estabilidade de preços do ponto de vista interno. A UEM
apresenta uma contradição estrutural neste aspecto.6 Por um lado, ela busca a
estabilidade de preços pela estabilização dos câmbios internos mas, de outra parte,
ela se permite participar aos sistemas de câmbio fixo externos, o que pode levar a
uma instabilidade de preços. Por esta razão, a política de câmbio prevista pelo
artigo 109 foi estritamente demarcada e o BCE nela desempenha um papel muito
importante.
Para compreender a influência do BCE na definição da política de câmbio,
convém lembrar o texto do artigo 109: a competência do Conselho é visivelmente
limitada pela obrigação de compatibilidade com o objetivo principal de assegurar a
estabilidade de preços. A Comissão européia7 observa que o artigo 109, §1, não
obriga o Conselho e o BCE a chegar a um acordo, mas simplesmente a concertar
suas posições. Em caso de divergência, prevalece a opinião do Conselho. Inobstante,
o risco de desacordo profundo é modesto pois o Conselho é obrigado a respeitar
incondicionalmente o objetivo de estabilidade de preços em matéria de política de
câmbio.
As orientações gerais do Conselho, não possuem valor jurídico obrigatório
neste domínio.8 O artigo 105, §2, prevê apenas que o BCE deve conduzir as
operações de câmbio de acordo com o artigo 109. As conclusões do Conselho
Europeu de Luxemburgo, já citado, são muito reveladores neste aspecto. Elas
precisam que, no que se refere à execução da política de câmbio, as orientações
gerais do Conselho diante de uma ou diversas moedas não-comunitárias serão
formuladas apenas em circunstâncias excepcionais, à luz dos princípios e políticas
definidos pelo Tratado. Na ausência destas orientações, o BCE deve assumir a
direção da política de câmbio.
O retorno a um sistema de câmbio fixo, previsto pelo artigo 109, §1, é
pouco provável. Na ausência dele, o Conselho fixa simples orientações gerais não
obrigatórias para o BCE, e, isto, à título excepcional. Logo, não há razão para
46 DEISY VENTURA E PHILIPPE ALQUIÉ

temer que as competências atribuídas à autoridade política possam ameaçar a


estabilidade de preços, objetivo consagrado pelo próprio artigo 3 A do Tratado de
Maastricht.

1.2.2. A repartição de competências entre a Comunidade e os Estados membros

A competência da Comunidade em matéria de câmbio é exclusiva ou os


Estados membros conservam uma espécie de competência residual? Para melhor
responder a esta questão, o exemplo da zona franco pode ser útil. Criada em
1939, ela foi de início apenas um mecanismo interno entre a França e suas colônias.
Com a independência destas, a zona franco tornou-se uma verdadeira organização
monetária transregional onde um grupo de países é ligado a um país dominante no
que se refere à moeda, no caso a moeda francesa. A organização compreende
quatorze Estados africanos e as coletividades territoriais de Mayotte e Mônaco e,
enquanto zona monetária, ela constitui um sistema de câmbio.9 As moedas de seus
países membros são conversíveis em francos franceses de forma ilimitada, a partir
de paridades fixas.
Cada Estado integrante desta zona é titular de uma conta de operações
aberta junto ao Tesouro francês, na qual ele deposita o essencial de suas
disponibilidades monetárias. Essas reservas em francos dispõem de uma garantia
de câmbio em moeda estrangeira no caso de depreciação do franco francês em
relação ao direito especial de saque.10
A zona franco tende à se transformar. Quando da reunião dos Ministros
de Finanças dos Estados membros (Ouagadougou, abril de 1991), houve um
compromisso expresso no sentido de construir uma verdadeira união econômica
que resultaria ao cabo em um mercado comum. A zona franco é, por vezes,
percebida como um instrumento concreto de solidariedade entre o Norte e o Sul.
A análise do funcionamento da zona franco demonstra que ela diz respeito
à política de câmbio. Ora, no âmbito da UEM esta política compete ao Conselho e
ao BCE. Considerando que se trata de uma competência exclusiva, a zona franco
deveria desaparecer ou ser substituída por uma zona euro. Caso seja aceita a tese
de que os Estados membros da UEM possuem uma competência residual, a França
poderia então manter esta relação particular com certos Estados. A resposta a
esta questão é incerta, devendo ser considerada ainda a possibilidade de uma
exceção a ser admitida pela Comunidade diante da peculiaridade francesa.
Muitos protocolos e declarações anexas ao Tratado de Maastricht propõem-
se a resolver algumas das relações monetárias exteriores próprias a diversos Estados
membros da Comunidade. Existe, por exemplo, um Protocolo sobre a França que
lhe permite conservar o privilégio de emissão de moeda nos territórios de além-
mar e determinar a paridade do franco CFP. Existe, igualmente, uma declaração
relativa a San Marino e ao Vaticano, na qual mantêm-se as relações monetárias
entre estas entidades e a Itália até a vigência completa do euro.
O EURO E AS RELAÇÕES EXTERIORES DA UNIÃO EUROPÉIA 47

O fato de que nenhum protocolo foi dedicado à zona franco é interpretado


por alguns como uma confirmação de que a Comunidade será competente para
definir a natureza das relações que ela manterá com os membros deste espaço
monetário após a implementação acabada do euro.11 Para outros, a zona franco
compreende apenas compromissos do Tesouro francês, e não do Banco Central,
quanto a terceiros Estados, o que afastaria a incidência da união monetária sobre
um tal regime. De outra parte, o quinto parágrafo do artigo 10912 será provavelmente
usado pela França como uma espécie de salvaguarda de sua competência.

2. As conseqüências da UEM sobre a participação da Comunidade nas


organizações internacionais

2.1. As competências comunitárias em matéria de participação e representação


na esfera internacional

O artigo 109, §4, do Tratado de Maastricht determina um só procedimento


mas diferentes modalidades de voto quando se trata de decidir sobre a participação
ou a representação da Comunidade nos foros internacionais que atuam nos domínios
cobertos pela UEM.
A noção de participação corresponde à posição que a Comunidade ocupa
em nível internacional no que se refere às questões de particular interesse para a
UEM. O Conselho deve, então, definir o estatuto da Comunidade no seio de uma
entidade internacional através do voto por maioria qualificada. Vale lembrar aqui o
parágrafo quinto do mesmo artigo, que assegura aos Estados membros a possibilidade
de negociar nas instâncias internacionais e concluir acordos internacionais no âmbito
da UEM.
De outra parte, quando a decisão atine à representação, ou seja, à
identificação do sujeito, na esfera comunitária, que deve ser titular das competências
inerentes à representação, o Conselho vota por unanimidade e deve respeitar a
repartição de competências estabelecida pelos artigos 103 e 105 do Tratado. A
partir desta dicotomia, tratar-se-á, primeiramente, a jurisprudência comunitária
referente à divisão de competências entre Estados membros e a Comunidade
para, em seguida, compreender o dilema interinstitucional de repartição das
competências em âmbito internacional.

2.1.1. A jurisprudência comunitária e a repartição de competências entre os


Estados membros e a Comunidade

Para Jean-Victor Louis, o interesse em distinguir as noções de participação


e de representação reside precisamente na idéia de que a participação da
Comunidade européia no FMI, por exemplo, não significaria necessariamente a
48 DEISY VENTURA E PHILIPPE ALQUIÉ

eliminação dos representantes dos governos nacionais no interior deste foro.13


Esta convicção serve como indicativo do quão polêmico é o tema, merecedor de
uma particular evolução jurisprudencial.
Na década de 70, a Corte de Justiça estabeleceu um princípio que se
tornou célebre, através do caso AETR.14 Segundo a Corte, cada vez que, para a
execução de uma política comum prevista pelo Tratado, a Comunidade instaurar
regras comuns, sob qualquer forma que seja, os Estados membros não mais possuem
o direito de contratar com terceiros obrigações que afetem esta regra, que o façam
individual ou coletivamente. O juiz comunitário determina ainda que não se pode,
na realização das disposições do tratado, separar o regime de medidas internas à
Comunidade do regime das relações exteriores que ela mantém.
A sentença AETR inaugura a lógica segundo a qual a competência externa
da Comunidade pode ser deduzida de suas competências internas, raciocínio
conhecido como teoria do paralelismo in foro interno/ in foro externo. Porém, a
decisão AETR foi interpretada no sentido de que uma competência externa só
pode ser deduzida do exercício efetivo de uma competência interna através da
adoção de regras comuns.
Em algumas decisões que seguiram-se à AETR, a Corte suprimiu esta
condição, considerando que a Comunidade tem competência para assumir
compromissos internacionais necessários à realização de um objetivo estipulado
no plano interno, mesmo em ausência de uma disposição expressa a esse respeito.15
Segundo Joël Rideau, o princípio de alinhamento das competências externas em
relação às competências internas foi retomado e ampliado pela jurisprudência
posterior de Luxemburgo.16
Esta visão mais ampla encontrou seu fim no Parecer 1/94, de 15 de
novembro de 1994, relativo à conclusão dos acordos que constituíram a Organização
Mundial do Comércio, seguido pelo Parecer 2/92, de 24 de março de 95, referente
à participação da Comunidade na OCDE. Reduz-se a visão da jurisprudência AETR,
afirmando que o paralelismo em questão é subordinado à presença de atos
normativos internos nos domínios visados pelo acordo em questão. O Parecer 1/94
assegura o direito dos Estados membros de contratar obrigações com terceiros
Estados, seja individual ou coletivamente. Ele sustenta literalmente que a
competência da Comunidade torna-se exclusiva em um dado domínio tão somente
na medida em que regras comuns foram estabelecidas no plano interno.
O mesmo Parecer menciona a obrigação de cooperação entre os Estados
membros e as instituições comunitárias que decorre da necessária unidade de
representação internacional da Comunidade. No entanto, ele não define nem o
fundamento nem o conteúdo desta obrigação. Para Denys Simon, a ausência de
indicação precisa nestes recentes pareceres a respeito dos titulares das competências
repartidas entre Comunidade e Estados membros, enseja o forte risco de que se
formem competências concorrentes no sentido formal do termo. Criar-se-á uma
confusão lamentável no momento da execução dos compromissos internacionais
O EURO E AS RELAÇÕES EXTERIORES DA UNIÃO EUROPÉIA 49

de ambos os sujeitos, a tal ponto que o contencioso suscetível de ser acionado


resolverá tardia ou imperfeitamente os litígios, impondo um custo político muito
elevado à Comunidade.17
O parágrafo quinto do artigo 109 em nada contribui ao esclarecimento da
confusão em tela no âmbito da UEM. Ele confere aos Estados o poder de negociar
nas instâncias internacionais e de concluir acordos, embora reconheça a competência
e os compromissos comunitários. Pode-se compreender esta disposição como uma
garantia, para os Estados membros, de que a Comunidade não vai substituí-los no
seio das instituições econômicas internacionais, ainda que ela assuma paulatinamente
novas competências.

2.1.2. O dilema interinstitucional de repartição de competências

A política monetária tornou-se uma competência exclusiva da Comunidade,


gerada pelo SEBC. Mas a política econômica resta dividida entre os Estados e a
Comunidade, sob a coordenação do Conselho e sob a supervisão da Comissão. Os
artigos 103 e 105 do Tratado, expressamente mencionados pelo artigo 109, §4,
estabelecem uma assimetria pela qual não se poderá jamais constatar um efeito de
substituição em matéria de política econômica.
Existem diversas proposições a este respeito, a maior parte delas no sentido
de que a política econômica e monetária deve ser objeto de uma modalidade mista
de participação na esfera internacional, compreendendo os Estados e a Comunidade.
Mas persiste a questão de definir quem representará a Comunidade, diante dos
critérios de repartição de competências internas que atribui diferentes pesos ao
Conselho, ao BCE e à Comissão.
Quanto à política monetária, há uma certa fricção entre o parágrafo quarto
do artigo 109 e o artigo 6 dos Estatutos do SEBC e do BCE, sendo o último dedicado
à cooperação internacional na área de competência do SEBC. Ele estipula que
compete ao BCE decidir a maneira pela qual o SEBC será representado e que o
Banco está habilitado a participar das instituições monetárias internacionais. Os
bancos nacionais podem igualmente participar, com a ressalva de que o BCE deve
autorizar dita participação. Ora, o artigo 109, §4, reservou ao BCE um papel apenas
consultivo na definição da representação externa da Comunidade. Mas o artigo 6
dos Estatutos salienta que sua aplicação deve ocorrer sem prejuízo do artigo
109, §4.
As conclusões do Conselho europeu de Luxemburgo são tímidas diante
dos dilemas acima descritos. O Conselho e o BCE devem, segundo o Conselho
europeu, desempenhar suas funções no que atine à representação internacional da
Comunidade de forma eficaz e respeitando a repartição de competências prevista
pelo Tratado. A Comissão será associada à representação externa no que for
necessário para que possa desempenhar o papel que lhe atribuem as disposições
dos tratados.18
50 DEISY VENTURA E PHILIPPE ALQUIÉ

Em seguida, o Conselho apela para um diálogo contínuo e frutífero entre o


Conselho e o BCE, respeitando a independência do segundo, como um elemento
importante do bom funcionamento da UEM.
A incerteza a respeito dos titulares da representação externa da
Comunidade impregna os debates em curso sobre as reformas que parecem
necessárias no âmbito das instituições econômicas internacionais face à realidade
de uma moeda única européia.

2.2. As conseqüências da UEM para as mais importantes instituições


econômicas internacionais

2.2.1. O Fundo Monetário Internacional

Tabela 3
O FMI
Defini ª o - autoridade de consulta e coordena ª o
Origem - Acordos de Bretton Woods, julho de 1944
- Uma nova dimensª o : Acordos de Kingston ou da Jamaica, 1976
Fun ª o - C digo de boa conduta monetÆria (poderes moral, semi-regulamentar,
semi-judiciÆrio e de auto-interpreta ª o)
- Livre conversibilidade de moedas (exce ª o artigo XIV Estatutos e
derroga ª o expressa)
Orgª o Composi ª o CompetŒ ncia
Conselho de governadores Ministros de finan as ou Presidentes - Admissª o de novos Estados
( rgª o dirigente) dos Bancos centrais membros
- Revisª o de quotas
- Decisª o de expulsª o, etc.
ComitŒinterino Os 5 pa ses dos quais as quotas sª o Aplica ª o de medidas destinadas a
( rgª o pol tico) mais importantes tŒm um auxiliar os pa ses em
administrador permanente desenvolvimento
(Alemanha, Estados Unidos, Fran a,
Japª o e Reino Unido)
+ ArÆbia Saudita + 18
administradores eleitos
O Conselho de - Os 5 - gestª o do Fundo ( rgª o restrito)
administra ª o - 3 pa ses nomeados de fato (ArÆbia - elei ª o do Diretor gerente
( rgª o dirigente) Saudita, China e Rœssia)
- 19 eleitos por grupos de pa ses
constitu dos pelos outros pa ses
membros (mandato de 2 anos)
Meios de financiamento - Quotas-parte (subscri ª o no pool de divisas, negociado com o FMI a cada
candidatura, revisado periodicamente)
- A remunera ª o de investimentos e comissı es
- EmprØstimos (do pr prio FMI ou de grupos de Estados)
Modalidades de - Compra ou saque incondicional (atØ100% da quota-parte)
AssistŒncia financeira - As parcelas de crØdito (sucessivas) condicional (atØ200% da quota-parte)
oferecida - Pol ticas espec ficas condicional (parcela de crØdito + pol ticas
espec ficas = atØ450% da quota-parte)
DES Direitos Especiais de Saque moeda escritural fixada em fun ª o de uma
cesta de cinco moedas (Alemanha, Estados Unidos, Fran a, Japª o e Reino
Unido)
O EURO E AS RELAÇÕES EXTERIORES DA UNIÃO EUROPÉIA 51

Os membros do FMI são países que dispõem de sua própria moeda e de


uma quota-parte individual no Fundo. Há uma discussão sobre a existência ou não
de casos precedentes de uniões monetárias no seio do FMI. Seguidamente, evoca-
se a União econômica entre Bélgica e Luxemburgo ou mesmo a zona franco.
Mas, a maior parte dos autores, sejam economistas ou juristas, reconhece que
jamais um grupo de países da importância dos membros da Comunidade européia
dotou-se de uma só moeda. Ninguém duvida de que uma decisão, da parte da
Comunidade, de vir a ser um só membro do FMI tornaria indispensável a reforma
dos estatutos da instituição.19 Inobstante, para Philippe Maystadt, Presidente do
Comitê interino do FMI para os países da União européia, toda decisão de constituir
um só membro, dotado de uma só quota-parte, implicará uma perda de soberania
para os Estados.20
Mesmo não admitida a constituição de um só membro, a UEM é um fato
e como tal deve ser tomada em consideração no sistema de supervisão monetária
e de câmbio do Fundo. As consultas bilaterais devem se estender além dos Estados
membros para chegar às instituições comunitárias. Pode-se questionar acerca de
quem representará a UEM nas reuniões do Conselho de Administração do FMI: o
BCE ou o ECOFIN ? A mesma interrogação vale para a eleição de administradores
e para a participação da Comunidade nas constituintes.
De outra parte, o DES é calculado atualmente em relação às cinco moedas
dos primeiros exportadores mundiais de bens e serviços, dos quais três são europeus
(marco alemão, franco francês e libra esterlina), logo ao menos dois desaparecerão.
A utilização do euro neste cálculo exige mudanças de princípio e também de
avaliação.
Enfim, pode-se reconhecer aos países da UEM um direito de acesso aos
recursos do Fundo? No caso de uma resposta negativa, admite-se uma violação
dos direitos dos membros do FMI e do princípio fundamental de uniformidade em
seu tratamento. A probabilidade de utilização de créditos pelos Estados europeus é
discutível, mas é preciso reconhecer que o impacto do euro sobre o mercado pode
implicar o acesso a reservas para responder a ataques especulativos, uma vez que
no quadro da UEM não mais será possível outorgar auxílios de balança de
pagamentos.
Porém, se a resposta for positiva, coloca-se o problema de saber em que
medida o Fundo pode oferecer sua ajuda ao conjunto da zona se a UEM não pode
tornar-se membro da instituição.

2.2.2. O Grupo dos Cinco e o Grupo dos Sete

A participação da Comunidade no G7 e no G5 enseja um outro tipo de


problema devido à natureza destes órgãos de concertação. Trata-se de instâncias
onde não são tomadas decisões formais, mas se presume que as discussões e
52 DEISY VENTURA E PHILIPPE ALQUIÉ

conclusões delas oriundas traduzir-se-ão em posições tomadas por cada membro


nas diferentes instâncias onde seu país tem voz.

Tabela 4
O G7
Defini ª o - Foro de origem espont nea, sem mandato preciso, organiza ª o ou
secretariado estruturados
- Suas reuniı es sª o preparadas pelos sherpas (representantes pessoais dos
Chefes de Estado ou de Governo)
Composi ª o - Os cinco pa ses cujas moedas sª o inclu das na defini ª o do DES + ItÆlia +
Canada
- Diferentes forma ı es, as mais importantes Chefes de Estado e Ministros
das Finan as
- Os Presidentes da Uniª o EuropØia e da Comissª o sª o convidados como
observadores, assim como a Rœssia
Dom nios de discussª o - Pol tica de c mbio
G7 Finan as - Pol tica monetÆria
- Pol tica econ mica e or amentÆria

Ora, o artigo 103 do Tratado de Maastricht determina de uma forma límpida


que o lugar de coordenação das políticas econômicas dos Estados membros é o
Conselho. Parece evidente que o espírito do Tratado é incompatível com a simples
transposição das políticas negociadas internacionalmente no âmbito comunitário.
De outra parte, tratando-se da representação da Comunidade, ouve-se
falar de uma substituição do G7 por um G3 pois certos membros do G7 deixarão de
ser responsáveis pela sua política monetária. Todavia, a política orçamentária
continuará a depender das autoridades nacionais, o que leva a pensar que um G3
poderia existir apenas para as questões monetárias.
Resta ainda a definir se a delegação européia deverá representar todos os
membros da Comunidade ou apenas os participantes da UEM. Pode-se mencionar
exemplos incômodos como a Holanda, que participa da UEM, então faria parte do
mencionado G3, mas não é membro do G7. Já o Reino Unido participa do G7 mas
não integra a UEM.
Se o Conselho é, em princípio, habilitado a representar a Comunidade nas
reuniões de coordenação internacional, pode acontecer que, em algumas
oportunidades, o Presidente do Conselho seja Ministro de um país não membro da
UEM, devido à rotatividade da presidência deste órgão a cada seis meses.
Enfim, a não coincidência do G7 e do G3 de uma parte, e da Comunidade
e da UEM de outra parte, pode significar uma falta de continuidade ou um problema
de legitimidade para a Europa, complicando a coordenação internacional no domínio
econômico e monetário, assim como o próprio funcionamento da UEM.

Junho de 1998
O EURO E AS RELAÇÕES EXTERIORES DA UNIÃO EUROPÉIA 53

Bibliografia

Obras genéricas

BELANGER, Michel. Institutions économiques internationales. Paris: Economica, 97, spéc. “La
structuration du système monétaire et financier mondial”, Segunda parte, Título I, Capítulo
primeiro, pp. 100-121.
LOUIS, Jean-Victor. L’Union économique et monétaire, Commentaire Jacques Megret, Vol. 6.
Bruxelles: ULB, 1995.
MANIN, Philippe. Les Communautés européennes – L’Union européenne. Paris: Pedone, 1997,
part. pp. 115-127 e 145-152.
NGUYEN QUOC DINH. Droit international publique. Paris: LGDJ, 1994, spéc. “Relations
monétaires et financières”, Terceira parte, Título II, Capítulo II, pp. 995-1006.
REY, Jean-Jacques; ROBERT, Eric. Institutions économiques internationales. Bruxelles: Bruylant,
1997, part. pp. 36-38 et 130-133.

Artigos especializados

BENASSY-QUERE, Agnes. “L’euro dans le système monétaire international”. Cahiers français n°


282, julho-setembro 1997.
CARREAU, Dominique. “La communauté économique européenne face aux problèmes monétaires”.
RTDE, Número 3-4, julho-setembro 1971.
DEHOUSSE, Franklin; GHEMAR, Katelyne. “Le traité de Maastricht et les relations extérieures de
la Communauté européenne”. Journal européen de droit international, 1994/2, p.151.
LAGAYETTE, Philippe. “Histoire du G7: ambitions et bilan”. in Les enjeux du G7. Paris: Economica,
1997, p. 13.
LOUIS, Jean-Victor. “Union monétaire et Fonds monétaire international”. Mélanges Hahm, p.201.
MANIN, Philippe. “A propos de l’accord instituant l’OMC et de l’accord sur les marchés publics:
la question de l’invocabilité des accords internationaux conclus par la CE”. RTDE 33 (3), julho-
setembro 1997, p. 399-428.
SIMON, Denys. “La compétence de la Communauté pour conclure l’accord OMC: l’avis 1/94 de la
Cour de Justice”. Europe, dezembro 1994.

Documentos

Corte de Justiça das Comunidades Européias (CJCE). Avis 1/94. 15 novembro 1994, R. I-5267.
CJCE. Commission c/ Conseil (A.E.T.R.). Aff. 22/70, 31 março 1971, R.263.
Comissão Européia. Les aspects externes de l’Union économique et monétaire. Bulletin Agence
Europe, Número 2034, 8 maio 1997.
Conselho europeu. Union économique et monétaire. in Bull. EU 12-1997.
Fundo monetário internacional. Les conséquences de l’UEM pour l’Europe et l’économie mondiale.
FMI Bulletin, Vol. 26, Numero 7, 14 abril 1997.
Fonds Monétaire International. Working Paper, The CFA Franc Zone and the MEU.
Novembre 1997.
54 DEISY VENTURA E PHILIPPE ALQUIÉ

Notas
1 Para melhor compreender o funcionamento da UEM, um compêndio de toda a legislação
atinente é acessível via Internet (http://www.ecu-activities.be/compendium/fr/index.html ).
Ver especialmente os estatutos do SEBC e do BCE no site (http://www.ecu-activities.be/
compendium/fr/92sebcf.html).
2 Ver LOUIS, Jean-Victor. L’Union économique et monétaire, Commentaire Jacques
Megret, Volume 6. Bruxelas: Universidade Livre de Bruxelas, 1995, p. 82.
3 Conforme F. Dehousse e K. Ghemar in “Le Traité de Maastricht et les relations extérieures de
la Communauté européenne”. Jornal de Direito Internacional, 1994/2, p. 156.
4 Ver adiante o item 1.2.2.
5 Por exemplo, os chamados “acordos do Louvre”. Para compreender em que consiste o G7, ver
adiante o item 2.2.2.
6 Conforme Dehousee, op. cit., p. 154.
7 Op. cit.
8 Conforme J.-V. Louis, op. cit., p.84.
9 Segundo M. Belanger. Les institutions économiques internationales. Paris: Economica, 1997,
p.118.
10 Ver adiante o conceito de Direito Especial de Saque no item 2.2.1.
11 Ver Fundo Monetário Internacional. Documento de Trabalho, The CFA Franc Zone and the
MEU. Novembro de 1997.
12 Ver, em seguida, item 2.1.1.
13 In “Union monétaire et Fonds monétaire international”. Mélanges Hahm, p. 212.
14 Acordo europeu relativo aos equipamentos de veículos que efetuam transporte rodoviário
internacional, processo 22/70, decisão de 31 de março de 1971, Reccueil p. 263.
15 Ver Parecer 1/76, de 24/4/77 e decisão Kramer, CJCE 14/7/76.
16 In “Les accords internationaux dans la jurisprudence de la Cour”. Revue Géneral du Droit
International Public, abril-junho 1990, p. 299.
17 In “La compétence de la Communauté pour conclure l’Accord OMC”. Revue Europe, dezembro
de 1994, p.4.
18 Ver Boletim EU 12-1997, p. 13.
19 Ver A. Bénassy-Quéré. “L’euro dans le système monétaire international”. Cahiers Français,
julho-setembro 1997.
20 In Boletim do FMI, Volume 26, Número 7, 14/4/97, p.104.

Resumo

O texto analisa os aspectos político, jurídico e institucional da construção


da União Econômica e Monetária européia, do euro, e seu impacto nas formações
de políticas econômicas nos Estados membros.
O EURO E AS RELAÇÕES EXTERIORES DA UNIÃO EUROPÉIA 55

Abstract

The article analyses the political, juridical and institutional aspects of the
building up of the Monetary and Economic European Union, the euro, and its impact
on the member states economic policy formation.

Palavras-chave: União Econômica e Monetária européia. Euro. Política econômica.


Key-words: Monetary and Economic European Union. Euro. Economic policy.
56 ODETE MARIA DE OLIVEIRA

A OMC – Organização Mundial


do Comércio e as negociações
sobre investimentos e concorrência
VERA THORSTENSEN *

1 – INTRODUÇÃO

1.1 – O comércio internacional

O comércio internacional vem desempenhando um papel cada vez mais


importante na economia mundial. A atestar tal importância estão os dados dos
fluxos de comércio da década dos 90 que vêm crescendo a uma taxa média de 7%
em valor, enquanto a taxa média de crescimento do produto industrial para o mesmo
período é de apenas 3%.
O valor do comércio mundial de bens atingiu, em 1997, a cifra de cerca de
US$ 5,5 trilhões, com taxa de crescimento de 3% em relação a 1996. O valor do
comércio de serviços, em 1997, cresceu 2% em relação a 1996 e atingiu a cifra de
cerca de US$ 1,3 trilhões (OMC, 1998). Na área de investimentos, o fluxo de
investimentos estrangeiros diretos, em 1996, atingiu a cifra de US$ 350 bilhões e o
estoque de investimentos estrangeiros diretos foi estimado em US$ 3,2 trilhões
(UNCTAD,1997).
Desses totais, os países desenvolvidos são responsáveis por cerca de 66%
das exportações mundiais e 65% do fluxo dos investimentos diretos. Papel de
destaque deve ser dado às empresas transnacionais que, em 1996, foram
responsáveis por um total de vendas de US$ 6,4 trilhões incluindo as áreas de bens
e serviços e, mais ainda, foram responsáveis por cerca de 60% das exportações
mundiais (UNCTAD 1997).
Diante do quadro antes apresentado, fica evidente que o cenário atual é
marcado por uma densa rede de comércio e investimento, que evoluiu de forma a
determinar os contornos do atual cenário internacional.

Rev. Bras. Polít. Int. 41 (1): 56-88 [1998]


* Assessora econômica da Missão do Brasil em Genebra. As idéias e argumentos expressos neste artigo são
de responsabilidade pessoal da autora, não refletindo posições ou políticas do Ministério das Relações
Exteriores ou do Governo brasileiro.
A OMC – E AS NEGOCIAÇÕES SOBRE INVESTIMENTOS E CONCORRÊNCIA 57

A mais importante conseqüência desse novo cenário é o fim das fronteiras


entre políticas domésticas e políticas externas, principalmente a de comércio externo.
Tal fato exige que o comércio de bens e serviços e o investimento passem a ser
coordenados em níveis multilaterais e que as regras de conduta dos parceiros
comerciais passem a ser controladas e arbitradas também em nível internacional.

1.2 – A OMC – Organização Mundial do Comércio

Dentro do contexto internacional, a OMC, criada em janeiro de 1995, é a


coluna mestra do novo sistema internacional do comércio. A OMC engloba o
GATT, o Acordo Geral de Tarifas e de Comércio, concluído em 1947, os resultados
das sete negociações multilaterais de liberalização de comércio realizadas desde
então, e todos os acordos negociados na Rodada Uruguai concluída em 1994.
O Acordo que estabelece a OMC determinou os objetivos da nova
organização. Os termos negociados foram os seguintes: “As Partes reconhecem
que as suas relações na área do comércio e atividades econômicas devem ser
conduzidas com vistas à melhoria dos padrões de vida, assegurando o pleno emprego
e um crescimento amplo e estável do volume de renda real e demanda efetiva, e
expandindo a produção e o comércio de bens e serviços, ao mesmo tempo que
permitindo o uso ótimo dos recursos naturais de acordo com os objetivos do
desenvolvimento sustentável, procurando proteger e preservar o ambiente e reforçar
os meios de fazê-lo, de maneira consistente com as suas necessidades nos diversos
níveis de desenvolvimento econômico” (GATT 1994).
Ponto básico para a consecução desses objetivos é a liberalização do
comércio de bens e, agora, de serviços, principalmente através do desmantelamento
das barreiras impostas nas fronteiras ao comércio entre os países.
A OMC tem basicamente quatro funções (GATT 1994): 1 – Facilitar a
implantação, a administração, a operação e os objetivos dos acordos da Rodada
Uruguai, que incluem: setores diversos como agricultura, produtos industriais e
serviços; regras de comércio como valoração, licenças, regras de origem, anti-
dumping, subsídios e salvaguardas, barreiras técnicas, e empresas estatais;
supervisão dos acordos regionais e sua compatibilidade com as regras do GATT;
propriedade intelectual; e, novos temas como meio ambiente, investimento e
concorrência. 2 – Constituir um foro para as negociações das relações comerciais
entre os Estados membros, com objetivo de criar ou modificar acordos multilaterais
de comércio. 3 – Administrar o Entendimento (Understanding) sobre Regras e
Procedimentos relativos às Soluções de Controvérsias, isto é, administrar o “tribunal”
da OMC. 4 – Administrar o Mecanismo de Revisão de Políticas Comerciais (Trade
Policy Review Mechanism) que realiza revisões periódicas das Políticas de Comércio
Externo de todos os membros da OMC, acompanhando a evolução das políticas e
apontando os temas que estão em desacordo com as regras negociadas.
58 VERA THORSTENSEN

Com tais objetivos e funções, o sistema multilateral de comércio vem se


consolidando nos últimos anos, através da OMC, que conta atualmente com 132
membros e cerca de 30 membros em processo de acessão. As atividades vêm se
desenvolvendo dentro de 4 conselhos, cerca de 35 comitês, além dos grupos de
acessão de novos membros.

1.3 – Dos objetivos de liberalização do comércio aos objetivos de competição


internacional

Os objetivos do GATT/OMC, ao longo das cinco décadas da sua história,


sempre enfatizaram a liberalização do comércio através do estabelecimento e
aplicação de regras para a remoção de barreiras nas fronteiras. No entanto, tais
objetivos vêm sendo questionados diante do novo contexto mundial. Atualmente,
as políticas nacionais estão sendo cada vez mais influenciadas pelos acontecimentos
internacionais, as empresas transnacionais estão desempenhando papel cada vez
mais importante no comércio, e a estratégia da globalização está agora ditando as
regras de investimento e de avanços tecnológicos.
Diante desse contexto, surgem novas discussões sobre o papel que a OMC
deve desempenhar, e quais novos objetivos deve perseguir. Tais discussões já
abrangem uma abordagem mais ampla para a OMC, não só de liberalização do
comércio, via o exame dos instrumentos de política comercial, mas de uma nova
análise que incluiria os instrumentos das diversas políticas econômicas e seus
impactos sobre a competição internacional, além do modo de operação dos
mercados (Feketekuty, Rogowsky, 1996).
Dentre as razões apontadas para a necessidade de uma nova abordagem
estão os métodos de produção dirigidos à globalização e ao consumidor, que acabaram
com a distinção entre as estratégias de comércio e de investimentos. Antes, comércio
e investimento eram considerados atividades alternativas para se penetrar no
mercado externo. Agora, na era da globalização, as empresas tratam comércio e
investimento como atividades complementares. Cada vez se torna mais difícil
implantar regras sobre a troca de bens que envolvam origens nacionais distintas.
Na área de serviços, temas como comércio, investimento e movimento dos
prestadores são pontos básicos das negociações sobre liberalização.
No contexto da globalização, a identidade nacional dos produtos e das
empresas que os fornecem fica cada vez mais difícil de ser identificada. Como
conseqüência, as novas regras para o comércio internacional devem enfocar o
impacto de todas as políticas econômicas sobre o funcionamento dos mercados
globais, sujeitas às exigências econômicas de melhor eficiência, e sujeitas às
exigências políticas de tratamento justo por parte dos governos aos interesses de
outros países. Tratamento não discriminatório para produtos e para empresas, sejam
nacionais ou estrangeiros, passou a ser um dos grandes temas do momento atual.
A OMC – E AS NEGOCIAÇÕES SOBRE INVESTIMENTOS E CONCORRÊNCIA 59

O processo de globalização tem resultado em um aprofundamento da


especialização internacional e na interpenetração das economias nacionais. Isto
significa que os interesses econômicos das nações passaram a se interpenetrar, de
modo a tornar sem significado a tradicional distinção entre instrumentos de política
econômica doméstica e instrumentos de política econômica internacional. Assim,
toda medida que tenha impacto na decisão de produção de bens ou serviços de
uma empresa globalizada se tornou tema de interesse para o governo de outros
países e para a comunidade internacional, tanto do lado do produtor quanto do lado
do consumidor.
Diante dessas considerações é que se tem advogado uma nova postura
para o comércio internacional, até agora sob uma abordagem de simples liberalização
das fronteiras, para uma abordagem mais ampla orientada para a competição
internacional. As razões defendidas são de que tal abordagem enfocaria mais
diretamente os impactos das medidas sobre o funcionamento eficiente dos mercados
globais, bem como passaria a incluir um conjunto mais amplo de instrumentos de
políticas que afetassem a competição internacional. Com a nova abordagem, toda
a argumentação de defesa da liberalização do comércio internacional permanece
válida, mas é ampliada pela nova abordagem.
Com o fortalecimento do processo de globalização, todo o sistema
multilateral do comércio deveria passar por profundas modificações, caso uma
nova abordagem orientada para a competição internacional se impusesse ao
processo de liberalização do comércio internacional. Os objetivos do sistema
multilateral de promover a eficiência econômica e o crescimento econômico agora
deveriam também incluir políticas e instrumentos que permitissem maior competição
internacional entre as empresas, de modo a garantir uma alocação de recursos
economicamente eficiente, tanto em termos estáticos quanto dinâmicos. Tais
objetivos passariam a exigir acesso equivalente a insumos e consumidores, e
tratamento equivalente sob a regulamentação doméstica, não importando a origem
da empresa.
Nesse novo cenário, as novas negociações multilaterais de comércio teriam
necessariamente que incluir novos temas como: políticas e medidas que
discriminassem entre empresas com base na nacionalidade dos detentores do capital;
leis e medidas que impedissem ou distorcessem desnecessariamente a operação
das forças do mercado, ou limitassem a entrada e saída das empresas; e, políticas
e medidas essenciais para o funcionamento eficiente do mercado global. Cada
governo nacional manteria o seus direitos de estabelecer e atingir seus objetivos
sociais nas áreas da saúde, segurança, igualdade social e ambiente (Feketekuty,
Rogowsky, 1996).
Dentro dessa nova abordagem, as futuras negociações internacionais
continuariam o processo de desmantelamento das barreiras já identificadas como
tarifas, quotas, barreiras técnicas, subsídios, dumping, práticas das empresas
60 VERA THORSTENSEN

estatais, barreiras no comércio de serviços e de padrões de propriedade intelectual.


Mas, novos temas seriam incluídos como: medidas que afetam os investimentos,
práticas comerciais restritivas ou medidas que distorcem a concorrência, medidas
ambientais que afetam o comércio, e padrões trabalhistas, dentre outros. A razão
seria de que qualquer prática discriminatória em qualquer dessas políticas poderia
afetar os objetivos estabelecidos de se assegurar a competição global.
Diante do novo contexto internacional de globalização do sistema produtivo
e de prestação de serviços, que tem dado sustentação ao crescimento dos fluxos
de comércio e de investimentos, é importante ter em mente a ampliação do papel
do pilar central de todo o sistema multilateral do comércio que é a OMC.
A OMC já iniciou a discussão sobre diversos dos novos temas que vêm
afetando o comércio internacional, com a criação de novos comitês ou grupos de
trabalho para analisar seus impactos e discutir a necessidade de se ampliar as
atividades da OMC com a negociação de novos acordos sobre o comércio. Dentre
eles, investimentos, concorrência e meio ambiente. Paralelamente, vem seguindo
as discussões sobre o tema padrões trabalhistas na OIT – Organização Internacional
do Trabalho e refletindo sobre as conseqüências de também incluí-lo no âmbito da
OMC.
As atividades de todos esses comitês e grupos de trabalho se revestem de
maior importância ainda diante das pressões políticas e econômicas de se iniciar
mais uma rodada multilateral de negociações, ou de forma restrita aos temas já
previstos na Rodada Uruguai, e que incluiriam agricultura, serviços e propriedade
intelectual, ou de forma mais ampla agregando todas as áreas relacionadas ao
comércio, dentro de uma nova rodada, a já mencionada Rodada do Milênio.

1.4 – Objetivos do presente artigo

Os objetivos do presente artigo são o de analisar dois dos novos temas do


comércio internacional e o de tecer algumas implicações para o relacionamento do
MERCOSUL com dois de seus mais importantes parceiros, a CE e o NAFTA
diante do processo de integração econômica mais amplo que está se estabelecendo
entre o MERCOSUL e o NAFTA dentro da ALCA e entre o MERCOSUL e a
CE dentro do Acordo Inter-regional. Os temas selecionados foram comércio e
investimentos e comércio e concorrência.
Tais temas foram abordados de forma a evidenciar sua evolução dentro
do sistema multilateral, desde o marco histórico na Carta de Havana de 1948. As
discussões desses temas dentro de várias organizações multilaterais como
UNCTAD e OCDE são abordadas, para se chegar a atual discussão dentro da
OMC.
Os temas analisados, devido à sua importância política, já estão incluídos
em acordos de integração regional, como na CE e no NAFTA, se antecipando às
A OMC – E AS NEGOCIAÇÕES SOBRE INVESTIMENTOS E CONCORRÊNCIA 61

ações da própria OMC, como são exemplos as cláusulas sobre investimentos e


sobre a concorrência. Sendo assim essas experiências também foram abordadas.
A meta aqui visada é a de dar uma abordagem bastante ampla de como os
novos temas evoluíram, como estão sendo tratados em diferentes foros
internacionais, e como vêm sendo discutidos dentro da OMC, para, então, se concluir
da necessidade, ou não, de se incluir tais temas em novos acordos comerciais.
Diante desse quadro, os negociadores dos atuais processos de integração
do MERCOSUL com o NAFTA e com a CE poderão ter uma visão mais ampla
de como tais temas estão sendo discutidos nos diversos foros internacionais, bem
como dentro da própria OMC. Finalmente, os negociadores poderão ter uma idéia
mais clara da oportunidade, ou não, de incluir tais temas nas futuras negociações
que envolvem o MERCOSUL.

2 – Comércio internacional e investimentos

2.1 – De atividade concorrente a atividade complementar

Atividades de comércio e de investimento transfronteiriças têm sido


consideradas como fenômenos econômicos distintos, com diferentes características
e efeitos, e como tais, sujeitos a regulamentações governamentais diferentes.
Atualmente, no entanto, comércio e investimentos estão sendo considerados como
estreitamente relacionados, cada um possuindo um papel essencial no processo de
integração internacional e de globalização, cada um como meio para se atingir
economias de escala e expansão de mercados, maior escolha e menores preços
para os consumidores, transmissão de tecnologia, e práticas modernas de
administração, que são essenciais para a eficiência econômica e o desenvolvimento
(OECD,1997,b).
Questões relativas à presença no mercado ou ao acesso ao mercado, como,
por exemplo, o conjunto de condições regulando a permissão para as firmas se
estabelecerem e operarem nos mercados estrangeiros, têm assumido um papel
central na interpenetração das economias, e são conseqüência da expansão das
atividades transfronteiriças da última década. Neste processo, comércio e
investimento passaram a apresentar uma complementaridade crescente. As
empresas que operam no mercado internacional estão considerando comércio e
investimento como meios complementares para desenvolverem atividades de
produção global, e não como estratégias alternativas para penetrarem no mercado.
Vários organismos internacionais têm analisado os temas de comércio e
de investimento ao longo dos anos, e vêm desenvolvendo um número expressivo
de pesquisas nessas áreas, além de negociarem instrumentos formais, obrigatórios
ou voluntários, para seus membros. Dentre eles, OCDE, Banco Mundial, FMI, e
UNCTAD. Vários acordos regionais também têm negociado regras para a interface
62 VERA THORSTENSEN

comércio e investimento, como NAFTA, APEC, ASEAN e o Tratado Europeu


sobre a Energia.
Um número expressivo de países tem demostrado grande interesse em
negociar regras bilaterais relacionadas ao comércio e ao investimento.
Recentemente, presenciou-se um aumento significativo de acordos bilaterais para
a promoção e proteção do investimento estrangeiro. Um levantamento da UNCTAD
relata que, em 1997, o número de BITs (Bilateral Investment Treaties) era de
1310, envolvendo cerca de 160 países, sendo que mais da metade surgiu depois de
1990 (UNCTAD, 1997).
A multiplicidade de acordos sobre investimentos tem levantado a
necessidade de se criar regras internacionais sobre o tema. Algumas das razões
apontadas seriam as seguintes (Low, Subramanian, 1996):

— um acordo internacional com obrigações sobre investimentos, incluindo


disposições sobre solução de controvérsias, forneceria continuidade política e
maior segurança para novas oportunidades de investimento;
— os governos que liberalizaram seus regimes de investimento poderiam usar
um quadro de referências multilateral de compromissos sobre investimentos
de forma a dificultar o movimento reverso ao da liberalização;
— uma ação concertada dos governos reforçaria o processo de liberalização;
— um quadro de referência internacional garantiria que os inúmeros acordos
regionais não operariam de modo a fragmentar a economia internacional;
— um acordo internacional sobre investimentos exerceria um forte efeito inibidor
contra a guerra de incentivos para atrair novos investimentos.

2.2 – A Carta de Havana e os investimentos

A Carta de Havana de 1948, que visava a criação da OIC – Organização


Internacional do Comércio –, continha regras sobre investimento estrangeiro. O
objetivo da Carta era enquadrar o comércio internacional dentro de um amplo
contexto, e não tomá-lo isoladamente. Sendo assim, negociou temas que incluíam
emprego e atividade econômica, desenvolvimento econômico e reconstrução,
práticas comerciais restritivas, acordos sobre commodities, investimento, e padrões
trabalhistas (Havana Charter, Final Act, 1948).
Com a não ratificação da Carta de Havana pelo Congresso dos EUA, a
nova organização não foi criada. Apenas o seu Capítulo IV, relativo à Política
Comercial, foi colocado em prática com o nome de GATT – General Agreement
on Tariffs and Trade –, deixando de lado toda a preocupação com a área de
investimentos.
É importante, no entanto, rever os termos da Carta sobre investimentos,
uma vez que a negociação de um acordo internacional sobre o tema voltou a
aparecer na agenda de várias organizações internacionais.
A OMC – E AS NEGOCIAÇÕES SOBRE INVESTIMENTOS E CONCORRÊNCIA 63

No Capítulo III, sobre Desenvolvimento Econômico e Reconstrução, a


Carta se referia aos meios de se promover o desenvolvimento, afirmando que a
Organização (OIC) poderia, em colaboração com outras organizações
intergovernamentais, fazer recomendações e promover acordos bilaterais e
multilaterais sobre medidas designadas para assegurar tratamento justo e equitativo
para as empresas, conhecimento, capital, tecnologia e arte trazidos de um membro
para outro (Artigo11.2a). A Organização poderia, em colaboração com outras
agências intergovernamentais, formular e promover a adoção de um acordo geral
ou declaração de princípios em relação a conduta, prática e tratamento do
investimento estrangeiro (Artigo 11.2.c).
Sem prejuízo de outros acordos internacionais, um membro teria direito: a
tomar qualquer salvaguarda necessária para garantir que o investimento estrangeiro
não seria usado como base de interferência em seus negócios internos ou políticas
nacionais; e a determinar quando, como, e em que termos, seria permitido o
investimento estrangeiro. Os interesses dos membros provedores de capital e dos
receptores poderiam ser promovidos se tais membros entrassem em acordos
bilaterais ou multilaterais relacionados às oportunidades e segurança dos
investimentos que os membros estivessem preparados para oferecer (Artigo
12.1.c,d). Membros acordariam em dar oportunidades razoáveis para investimentos
por eles aceitáveis, e segurança adequada para os investimentos existentes e futuros,
e dariam a devida atenção para se evitar discriminação entre investimentos
estrangeiros. Membros deveriam promover a cooperação entre empresas nacionais
e estrangeiras ou investidores, com o propósito de acelerar o desenvolvimento
(Artigo 12.2).

2.3 – A CE e a política de investimentos

Segundo o Tratado de Roma e, agora, o Tratado da União Européia, dentre


os objetivos da CE estão os de criação de um mercado comum e de uma união
econômica e monetária, mediante a aplicação de políticas ou ações comuns, que
impliquem a construção de um mercado interno caracterizado pela abolição, entre
os Estados membros, dos obstáculos à livre circulação de mercadorias, de pessoas,
de serviços e de capital (Artigo 3). Para dar mais dinamismo à integração foi
lançado, em 1986, o Programa do Mercado Único que alterou vários dispositivos
do Tratado de Roma e deu maior poder às instituições comunitárias. Cerca de 300
barreiras físicas, técnicas e fiscais foram identificadas, e uma série de medidas foi
tomada para implantá-las até o horizonte do ano 1992. O resultado foi o aumento
significativo do fluxo de investimentos dentro da Comunidade, e de países terceiros,
com um número significativo de fusões e aquisições e o estabelecimento de novas
empresas.
64 VERA THORSTENSEN

O grande impacto foi sentido na área do mercado de capitais, com a


liberalização dos movimentos de capitais, baseado na coordenação de regras sobre
autorização, sistema único de licenciamento, supervisão, e condições de salvaguarda
do interesse público. Foram, também, reforçadas as condições de cooperação
empresarial com a criação de legislação específica para permitir as atividades
transfronteiriças entre as empresas como o Agrupamento Europeu de Interesse
Econômico e o Estatuto da Empresa Européia.

2.4 – O NAFTA e a política de investimentos

O tema investimentos e serviços é abordado no NAFTA no Capítulo 11.


Cada parte do acordo tem o direito de realizar, exclusivamente, um certo número
de atividades econômicas, e recusar a permissão para o estabelecimento de
investimentos nessas áreas (Artigo 1101). Tais atividades foram listadas nos anexos
do acordo, dentre elas transportes, telecomunicação, correios, serviços profissionais,
serviços sociais, e petróleo e petroquímica.
Cada parte deve conceder, aos investidores e aos investimentos das outras
partes, tratamento não menos favorável ao concedido aos investidores ou
investimentos nacionais, em relação a: estabelecimento, aquisição, expansão,
administração, operação, venda ou outro tipo de investimento. Nenhuma parte
pode impor sobre um investidor de outra parte, a exigência de que parcela do
capital de uma empresa seja controlado por nacionais, ou requerer que um investidor
de outra parte, por razão de nacionalidade, venda ou se retire do investimento no
território de uma parte (Artigo 1102).
Cada parte do acordo deve conceder, aos investidores e aos investimentos
de outra parte, tratamento não menos favorável ao concedido a investidores ou
investimentos de qualquer outra parte, ou de uma não parte (Artigo 1104). Cada
parte deve conceder aos investimentos de outra parte tratamento conforme à
legislação internacional, incluindo tratamento justo e equitativo, proteção e segurança
completas. Cada parte deve conceder tratamento não discriminatório, em relação
às medidas a serem adotadas por perdas sofridas pelo investimento, devido a
conflitos armados ou distúrbios civis (Artigo 1105).
As partes não podem impor ao investimento de outras partes às seguintes
exigências: a exportação de parcela de produtos ou serviços; a compra de parcela
de conteúdo local; a compra ou a concessão de preferência a bens ou serviços
produzidos no território; o relacionamento do volume ou valor da importação ao
volume ou valor das exportações ou ao fluxo de investimento; a restrição à venda
no território do investimento a necessidade de exportação, a exigência de
transferência de tecnologia a alguma pessoa do território; a exigência de agir como
fornecedor exclusivo de bens produzidos para alguma região ou mercado mundial.
Nenhuma parte pode condicionar o recebimento de uma vantagem relativa ao
A OMC – E AS NEGOCIAÇÕES SOBRE INVESTIMENTOS E CONCORRÊNCIA 65

investimento ao cumprimento de: conteúdo local; compra preferencial de bens


domésticos relacionada ao volume ou valor de importações contra o das
exportações; restrição à venda de bens e serviços no território em relação ao valor
exportado ou investido, ou a atividades de pesquisa ou desenvolvimento no território;
ou a obrigação de nomeação de nacionais para os órgãos de direção do novo
investimento (Artigo 1106).
Todo um mecanismo de solução de controvérsias entre uma parte e os
investidores das outras parte é previsto na Seção B do Capítulo 11.

2.5 – A OCDE e o Acordo Multilateral de Investimentos (MAI)

Paralelamente aos acordos regionais, a OCDE vem negociando um acordo


sobre investimentos desde 1995. O Acordo Multilateral de Investimentos, conhecido
pela sua sigla em inglês – MAI, pretende ser um acordo internacional, aberto para
todos os membros da OCDE, e também para países não membros. O objetivo da
negociação é de obter um acordo amplo e completo, que estabeleça regras de alto
nível sobre investimentos, incluindo proteção ao investimento, liberalização do
investimento e solução de controvérsias (OECD, 1997,b).
O Acordo é fruto de anos de cooperação entre os membros da OCDE,
inspirado no seu Código de Liberalização, na Declaração de 1976, e nas Decisões
sobre o Investimento Internacional e as Empresas Multinacionais. Tem como meta
agregar em um só instrumento, que seja obrigatório, as disciplinas sobre investimento
encontradas nos acordos bilaterais e regionais. O objetivo é o de criar um ambiente
mais favorável para o investimento, visando as empresas que se confrontam com
os desafios da globalização, e, assim, encorajar o próprio fluxo de investimentos.
As negociações para finalizar o Acordo dependem de se atingir uma
cobertura e abrangência satisfatórias, além de obrigações balanceadas entre as
partes, inclusive concordância sobre o texto final do acordo, incluindo exceções,
salvaguardas e reservas específicas para cada país.
As principais características do Acordo Multilateral de Investimentos são
as seguintes (OECD 1997,c):

— Cobertura – o Acordo deve ser amplo, cobrindo todas as formas de


investimento, incluindo o estabelecimento de empresas e as atividades de
empresas estrangeiras já estabelecidas. Deve ser aplicado a todos os setores
e a todos os níveis de governo. Deve ser mais amplo que o tradicional
investimento estrangeiro direto, e abranger investimentos em carteira e ativos
intangíveis, propriedade intelectual, investimento indireto, concessões, dívida
pública e bens imóveis.
— Tratamento a investimentos e a investidores – o Acordo deve incluir amplas
obrigações sobre tratamento nacional e de nação mais favorecida, abrangendo
66 VERA THORSTENSEN

discriminações de jure e de facto. O texto deve incluir artigos sobre a entrada,


permanência e trabalho dos investidores e de pessoal administrativo, a
participação nas atividades de privatização, incentivos ao investimento,
proibição sobre certas exigências de desempenho (exportação ou conteúdo
local) e sobre a posição de nacionais nos postos de alto nível. Ainda, deve
incluir tratamento sobre monopólios, concessões e empresas estatais, além
de dispositivos especiais para o setor financeiro e tributação, proteção do
meio ambiente e desenvolvimento sustentável.
— Proteção do investidor e do investimento – o Acordo deve prever um alto
nível de proteção, baseada nos princípios dos acordos bilaterais. O texto
contempla o tratamento dos investidores e investimentos, expropriação,
proteção em caso de conflitos sociais, remessa de fundos, sub-rogação e
proteção dos investimentos existentes.
— Solução de controvérsias – o Acordo deve encorajar a solução de conflitos
através de consultas entre as partes, ou através de procedimento específico
que analisará casos submetidos por investidores contra o Estado, ou de Estado
contra Estado.
— Exceções gerais e salvaguardas – o Acordo deve permitir que as partes
tomem medidas para a proteção de interesses nas áreas de segurança e o
cumprimento de suas obrigações dentro da Carta das Nações Unidas, de
manutenção da paz e da segurança. O Acordo deve incluir um dispositivo de
salvaguardas provisórias que permita a dispensa de certas disciplinas nos
casos de dificuldades sérias no balanço de pagamentos e finanças externas,
ou quando o movimento de capitais causar sérias dificuldades para as políticas
monetária e de câmbio. Também estão sendo consideradas exceções para
medidas culturais e para a ordem pública.
— Reservas específicas por países – o Acordo deve prever a manutenção de
exceções, desde que estejam consideradas nas reservas específicas. As
delegações já apresentaram listas preliminares de reservas. Os trabalhos
continuam para se identificar mecanismos de não adoção de novas reservas
e de desmantelamento das reservas existentes (standstill and rollback).

O MAI continua em fase de negociação, mas enfrenta, atualmente, a


oposição de vários grupos de pressão. De um lado, estão os setores europeus
ligados à proteção de valores culturais, afirmando que o acordo poderá destruir a
tradição e os costumes europeus, ao permitir a entrada de investidores americanos
na área de produção de filmes, programas de TV e rádio, ou área musical. De
outro lado, estão os grupos ligados à área de defesa do meio ambiente e de padrões
trabalhistas, exercendo forte pressão para que o acordo inclua cláusulas de proteção
específica para tais temas. Finalmente, posicionam-se os americanos, que
consideram que o acordo não satisfaz seus interesses, por apresentar listas muito
A OMC – E AS NEGOCIAÇÕES SOBRE INVESTIMENTOS E CONCORRÊNCIA 67

grandes de reservas e exceções, e não atingir os padrões de liberalização


pretendidos.
Como as metas impostas ao acordo foram ambiciosas, está sendo difícil
se chegar a um consenso, mas talvez uma versão mais atenuada de liberalização
para a área de investimentos possa ser conseguida.

2.6 – O GATT/OMC e as disposições relacionadas ao investimento

Em termos históricos, o GATT continha poucas regras diretamente


relacionadas ao investimento estrangeiro. O tema investimento foi revisitado em
1955 e o resultado foi a Resolução sobre Investimento Internacional para o
Desenvolvimento Econômico, a qual reconhecia que a entrada crescente de fluxos
de capital, principalmente para os países em desenvolvimento, facilitaria os objetos
estipulados no Acordo Geral. Recomendava, ainda, que as partes contratantes
provedoras de capital e as partes interessadas em obtê-los fizessem os melhores
esforços para criar condições para estimular o fluxo de capitais, incluindo condições
de segurança, evitando a dupla taxação e dando condições para a transferência
dos lucros do investimento. Ainda, convidava as partes contratantes a entrar em
negociações para a conclusão de acordos bilaterais e acordos multilaterais sobre
investimentos.
A Rodada de Tóquio, negociada nos anos 70, dentro de seus objetivos de
estabelecer regras para os instrumentos de política interna que pudessem distorcer
as condições do comércio internacional, tratou de temas como subsídios, barreiras
técnicas e compras governamentais que, embora dirigidas no movimento
transfronteiriço de bens, são relevantes no estabelecimento de condições
competitivas sobre o investimento.
Como resultado da Rodada Uruguai, a OMC estabeleceu novas obrigações
sobre os governos, relacionadas à área de investimentos, que incluíram tratamento
do investimento, tratamento de cidadãos estrangeiros e empresas estrangeiras,
dentro dos acordos de TRIMS, TRIPs, Serviços e Acordo Plurilateral sobre Compras
Governamentais (Working Group on Trade and Investment, 1997, JOB 2988).
Dentre as principais obrigações, poderiam ser citadas:

— Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionas ao Comércio – TRIMs.


O objetivo do Acordo sobre TRIMs inclui não só a expansão e a progressiva
liberalização do comércio mundial, mas, também, modos de facilitar o
investimento através das fronteiras. O Acordo proíbe a aplicação de certas
medidas sobre o investimento das empresas, que operem dentro de seus
territórios, e que estejam relacionadas ao comércio de bens. O Acordo diz
respeito ao tratamento discriminatório sobre importações ou exportações de
bens relacionados ao investimento.
68 VERA THORSTENSEN

O Acordo proíbe a aplicação de medidas que sejam inconsistentes com os


Artigos III e XI do GATT 1994, basicamente, medidas que condicionem a obtenção
de incentivos ao investimento a exigências de conteúdo local ou de exportação.
Ainda, estabelece regras de notificação e períodos de transição para as medidas
inconsistentes com o Acordo.
– Acordo sobre Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual
Relacionados com o Comércio – TRIPs. O Acordo de TRIPs estabelece regras
para que cada membro conceda, dentro de seu território, a proteção estabelecida
para a propriedade intelectual de pessoas jurídicas ou físicas de outros membros
da OMC. O Acordo cobre as áreas de direitos do autor, marcas, patentes, indicações
geográficas, desenho industrial, topografia de circuitos integrados, e informações
comerciais confidenciais. Primeiro, o Acordo estabelece padrões mínimos de
proteção que devem estar disponíveis nas leis nacionais de cada membro. Segundo,
o Acordo estabelece o procedimento e os recursos que cada membro deve prover
para garantir os direitos de propriedade intelectual, através de vias judiciais, ação
nas alfândegas ou processos criminais.
Os pontos estabelecidos no Acordo sobre padrões de proteção, procedi-
mentos para o cumprimento das regras, e processo internacional de solução de
controvérsias são considerados relevantes para o ambiente legal que afeta o
investimento estrangeiro. É importante enfatizar que quase todos os acordos sobre
investimentos atuais incluem a propriedade intelectual dentro das suas definições
de investimento, o que demonstra a relação entre investimento e propriedade
intelectual.
– Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias. O Acordo define o
conceito de subsídio e estabelece regras para a concessão desses subsídios pelos
governos. Importante para o investimento são as implicações do Acordo para a
concessão de incentivos específicos a certas indústrias, uma vez que agora os
subsídios passam a ser classificados em três categorias, e controlados pela OMC:
subsídios proibidos, como os subsídios destinados à exportação; subsídios permitidos,
como os destinados ao desenvolvimento regional, à pesquisa e desenvolvimento, e
a proteção do ambiente; e, subsídios acionáveis, isto é, sujeitos a investigação e
passíveis de medidas compensatórias se causarem dano a indústria local. Tais
subsídios devem envolver uma contribuição financeira de um governo ou órgão
público, e devem conferir um benefício em relação as demais empresas instaladas
no país. Estão incluídos incentivos financeiros, fiscais, bem como incentivos indiretos.
É importante ressaltar que os conceitos que embasam o Acordo estão
orientados para o comércio de bens, e não podem ser aplicados diretamente ao
investimento, pois se referem aos fluxos de bens, que ocorrem depois que o
investimento tiver sido feito. Os efeitos adversos estabelecidos no Acordo estão
definidos em termos de distorções do fluxo comercial dos bens subsidiados, isto é,
na medida em que os subsídios aumentam o nível de exportação ou reduzem o
A OMC – E AS NEGOCIAÇÕES SOBRE INVESTIMENTOS E CONCORRÊNCIA 69

nível de importação do país que subsidia e, assim, prejudicam os produtores de


produtos similares em outro país.
– Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços – GATS. A integração de
investimento e comércio transfronteiriço é mais evidente no Acordo sobre Serviços,
que trata investimento como uma modalidade do comércio de serviços. O Acordo
define comércio de serviços como integrado por quatro modos de prestação: do
território de um membro para o território de outro membro; no território de um
membro ao consumidor do serviço de outro membro; através de presença comercial
de um membro no território de outro membro; e, através da presença de pessoa
física prestadora do serviço de um membro no território de outro membro.
Relevante para a área de investimento é a presença comercial do prestador
de serviço de um membro no território de outro membro, que inclui qualquer tipo
de negócios ou estabelecimentos profissionais, via constituição, aquisição ou
manutenção de pessoa jurídica, ou criação de uma filial ou escritório. Outro modo
de prestação relevante é via a presença de pessoa física de um membro no território
de outro membro, incluindo a entrada temporária de visitantes de negócio, e a
transferência de pessoal administrativo.
Membros do Acordo negociaram compromissos nos quatro modos de
prestação, que obrigam os governos a garantir condições de acesso a mercados,
com relação aos modos de prestação e aos setores indicados nas listas de
compromissos de cada país. Se não houver especificações em contrário, os membros
garantem o direito à entrada em seus mercados e o direito de tratamento nacional
para cada setor listado. Uma das regras mais importantes do Acordo, que também
afeta a área de investimento, é a regra de tratamento de nação mais favorecida,
que exige dos membros o tratamento não discriminatório em todos os setores de
serviços.
Em contraste com os demais acordos sobre investimento, o GATS não
contém provisões de proteção ao investimento, nem contém mecanismo de acesso
direto a solução de controvérsias para investidores privados. No entanto, tratando
investimento como um elemento do comércio de serviços, o Acordo inclui os termos
e condições de entrada no mercado, como as condições de operação na fase pós
investimento.
Ainda, ao definir tratamento nacional como uma obrigação relacionada
apenas aos setores estabelecidos nas listas de concessão, o Acordo difere de
muitos acordos de investimentos nos quais o tratamento nacional tem o mesmo
status do tratamento de nação mais favorecida. De modo similar, o conceito de
acesso a mercados permite aos governos condicionar a entrada de prestadores
estrangeiros.
É importante ressaltar que o GATS é um acordo-quadro, estabelecido de
modo a permitir a liberalização progressiva do comércio de serviços através de
futuras negociações, sendo a primeira delas prevista para o ano 2000.
70 VERA THORSTENSEN

2.7 – O Grupo de Trabalho sobre as Relações entre Comércio e Investimento


da OMC

A Conferência Ministerial de Singapura estabeleceu o Grupo de Trabalho


sobre as Relações entre Comércio e Investimento, que definiu um programa de
trabalho com os itens que pretende analisar (Working Group on Trade and
Investment):

— As implicações das relações entre comércio e investimento para o desenvolvi-


mento e crescimento econômico incluindo: parâmetros econômicos relacio-
nados com a estabilidade macroeconômica; industrialização, privatização,
emprego, distribuição da renda, competitividade, transferência de tecnologia;
condições domésticas de competição e estruturas de mercado.
— A relação econômica entre comércio e investimento: os graus de correlação
entre fluxos de comércio e investimento; os fatores determinantes da relação
entre comércio e investimento; o impacto das estratégias empresariais, práticas
e decisões sobre comércio e investimento; a relação entre a mobilidade de
capital e a mobilidade de trabalho; o impacto das políticas e medidas sobre os
fluxos de investimento, incluindo acordos bilaterais e regionais; o impacto de
políticas e medidas de investimento sobre o comércio; experiências de políticas
nacionais sobre investimento, incluindo incentivos e desincentivos; e, a relação
entre investimento estrangeiro e política de competição.
— O Levantamento e análise de instrumentos internacionais e atividades
relacionadas ao comércio e ao investimento: dispositivos da OMC; acordos
bilaterais, plurilaterais e multilateral; implicações dos instrumentos
internacionais para o fluxo de comércio e investimento.
— E, com base no trabalho anterior: identificar as características comuns e as
diferenças nos instrumentos internacionais existentes; vantagens e desvan-
tagens de se entrar em regras sobre investimentos bilaterais, regionais ou
multilaterais; os direitos e as obrigações dos países investidores e receptores,
além dos próprios investidores; e, a relação entre cooperação internacional
sobre política de investimento e sobre política de concorrência.

Os trabalhos do Grupo estão apenas em uma fase inicial, e têm se


concentrado no exame dos relatórios das pesquisas realizadas na área, e no
entendimento das experiências dos diversos membros sobre o tema. O ritmo das
atividades do Grupo, certamente, dependerá do andamento dos trabalhos da OCDE.
Caso as negociações do MAI sejam encerradas, tal fato terá repercussão imediata
na OMC, e poderá acelerar os trabalhos do Comitê para a conclusão de um acordo
menos ambicioso que envolva não cerca de 30 mas cerca de 130 países.
A OMC – E AS NEGOCIAÇÕES SOBRE INVESTIMENTOS E CONCORRÊNCIA 71

2.8 – Implicações para as relações do MERCOSUL com a CE e o NAFTA

O acompanhamento dos trabalhos desenvolvidos na área de investimentos


deve ser considerado como prioritário pelos membros do MERCOSUL, não só
nos foros internacionais como OCDE e OMC, mas, também, nas experiências na
área dos acordos regionais da CE e do NAFTA.
As discussões travadas na área dos investimentos podem revelar
importantes pontos de interesse para as futuras negociações do MERCOSUL em
seus diferentes níveis. O primeiro será para o processo de aprofundamento do
MERCOSUL, que deve partir da etapa de união aduaneira, para etapas mais
ambiciosas de construir um mercado comum, incluindo a liberalização do comércio
de serviços. Na área de investimentos, o MERCOSUL já estabeleceu diversas
decisões que incluem: regulamentação mínima sobre mercado de capitais, que
liberaliza o movimento de capitais entre pessoas residentes em um de seus membros
(DEC 08/93); um protocolo para a promoção e a proteção recíproca de
investimentos no MERCOSUL (DEC 11/93); e, outro protocolo sobre a promoção
e proteção de investimentos provenientes de Estados não membros (DEC 11/94).
O segundo nível está ligado às discussões sobre o futuro processo de
integração com a CE e o NAFTA. Na medida em que as atividades de comércio
e investimentos estão cada vez mais interligadas, a negociação de acordos que não
incluam a área de investimentos pode passar a ser considerada insuficiente por
importantes atores desse processo que são as empresas. O Acordo entre CE e
MERCOSUL inclui apenas uma cláusula de promoção de investimentos, enquanto
o Acordo sobre o ALCA é mais amplo, criando um grupo específico para tratar do
tema. A análise das experiências do NAFTA e da CE com a questão de
investimentos se reveste, então, de grande importância, uma vez que exemplos de
erros e acertos sobre os setores incluídos e sobre as regras estabelecidas podem
revelar pontos de interesse para o MERCOSUL.
O terceiro nível está relacionado às discussões sobre o MAI dentro da
OCDE, onde Brasil e Argentina são observadores e possíveis futuros membros.
Tal experiência de negociação poderá ser de real valia nas discussões sobre um
eventual acordo multilateral sobre investimentos dentro da OMC, agora não no
contexto de um grupo de cerca de 30 países, na grande maioria com alto nível de
desenvolvimento, mas no contexto de cerca de 130 países, com níveis díspares de
desenvolvimento, e com interesses muitas vezes conflitantes, e onde os membros
do MERCOSUL desempenham um papel de maior destaque. Mas é importante
ter em mente que um acordo dentro da OMC, para acomodar tantos interesses
diversos, certamente, será bem menos ambicioso que o da OCDE.
As negociações da CE e do NAFTA, dentro de acordos regionais de
comércio com terceiros países, podem fornecer outro tipo de experiência, agora
mesclando países com diferentes níveis de desenvolvimento, mas ainda dentro de
72 VERA THORSTENSEN

um número limitado de intervenientes. Os acordos regionais vêm desempenhando,


ao longo dos anos, papel de precursores da liberalização dentro do sistema
multilateral. Tal realidade permite processos de liberalização mais avançados e
regras operacionais mais ambiciosas. É dentro desses processos de liberalização
que os agentes econômicos, sejam eles governos ou empresas, ajustam suas
atividades diante da abertura dos mercados e se preparam para competir em níveis
globalizados.
A questão que, então, se coloca é a da necessidade de se introduzir ou não
a cláusula sobre investimentos nos acordos regionais do MERCOSUL com a CE
e com o NAFTA, em quais termos e sob que condições. As opções que se
apresentam são de negociar regras sobre investimentos em termos multilaterais,
ou mais abrangentes no âmbito da OCDE, ou menos abrangentes no âmbito da
OMC, ou ainda, nos dois foros simultaneamente.

3 – Comércio internacional e concorrência

3.1 – A importância da criação de regras sobre a concorrência para o


comércio internacional

As atividades econômicas internacionais nas décadas recentes têm sido


caracterizadas por dois tipos de desenvolvimento: liberalização e globalização. O
forte crescimento do volume do comércio de bens e serviços atesta o impacto da
liberalização no contexto mundial. As empresas estão, também, se adaptando a
estratégias globais na área da produção e na prestação de serviços, explorando as
vantagens comparativas de diferentes países, relocalizando fatores de produção, e
entrando em novos mercados. O crescente fluxo de investimentos diretos e o
número de subsidiárias de empresas transnacionais atestam tais fatos.
O resultado é o crescimento da importância das práticas comerciais que
têm dimensão internacional, e que podem derivar em práticas consideradas
anticompetitivas e, por tal razão, em desacordo com o objetivo de maior eficiência
dos fatores econômicos. Como exemplos, cartéis com efeitos transfronteiriços,
acordos para excluir competidores estrangeiros de certas vendas, abusos de posição
dominante na área internacional, fusões entre empresas com efeitos
anticompetitivos. A conseqüência é que tais práticas podem colocar em perigo
todos os benefícios trazidos pela liberalização do comércio. A questão que então
se coloca é a dimensão internacional das regras da concorrência e a ausência de
regras que limitem práticas consideradas anticompetitivas de alcance
transfronteiriço.
Algumas razões podem ser alinhadas para justificar a adoção de regras
internacionais de concorrência (EC,1996), (EC Group of Experts, 1995):
A OMC – E AS NEGOCIAÇÕES SOBRE INVESTIMENTOS E CONCORRÊNCIA 73

— como parte de uma estratégia de acesso a mercados, já que práticas


anticompetitivas impedem as empresas de um país de entrarem em outros
mercados. Tais práticas não podem ser atacadas se não existirem regras
sobre concorrência nesses países, ou se as regras forem menos rigorosas;
— para evitar conflitos entre legislações e jurisdições entre países, e promover
uma gradual convergência das leis de concorrência, eliminando problemas
relacionados ao comércio. Conflitos podem surgir na análise de fusões, alianças
ou acordos de licenças internacionais, quando são permitidos em um país,
mas proibidos pela lei de outro país;
— para aumentar a eficácia e coerência das leis de concorrência nos países que
possuem tais leis, protegendo o funcionamento das economias de mercados e
o interesse dos consumidores;
— para fortalecer o próprio sistema de comércio internacional, uma vez que
práticas anticompetitivas afetam o balanço de oportunidades de acesso a
mercados negociadas entre os membros da OMC;
— para impedir que as autoridades administradoras das leis de concorrência de
algum país, tentem resolver problemas de acesso a mercados, causados por
práticas anticompetitivas em mercados externos, através da extensão da
cobertura das suas regras nacionais, o que tem causado sérias disputas no
contexto internacional, envolvendo questões de jurisdição e soberania;
— pelo interesse dos países em desenvolvimento, para que exista um efetivo
controle sobre práticas anticompetitivas, uma vez que o desmantelamento
das barreiras ao comércio realizadas pela OMC acaba deixando tais países
mais expostos aos riscos de tais práticas.

Vários exemplos de práticas anticompetitivas com efeitos comerciais podem


ser citados, sejam elas praticadas pelos governos, pelas empresas, ou por empresas
com suporte do próprio governo. Algumas vezes, o governo participa diretamente
na operação, mas, outras vezes, pode não aplicar a lei anticoncorrência do país,
para proteger uma indústria ou serviço nacionais. Dentre tais exemplos: formação
e operação de cartéis de crise, cujo objetivo é a recuperação e restruturação de
indústrias em dificuldades; manutenção de barreiras à entrada no mercado para
produtores estrangeiros, com objetivos de proteger a indústria doméstica, através
do controle das importações; acordos de preços predatórios para os produtos
exportados, mas não para os produtos de venda doméstica; estabelecimento de
relações privilegiadas fornecedor-cliente, impedindo acesso ao mercado de
fornecedores externos; negociação de acordos voluntários de restrições a
exportações, incluindo quantidade e preço, com ou sem a participação do governo;
negociação de acordos voluntários de importação, com ou sem a participação do
governo; cartéis de exportação cujas práticas estão fora da jurisdição das leis
internas; concessões de licenças exclusivas; e, barreiras nos canais de distribuição
que impeçam a entrada de produtos importados.
74 VERA THORSTENSEN

3.2 – A Carta de Havana e as regras sobre a concorrência

Em termos históricos, a Carta de Havana de 1948, que previa a criação da


OIC, também incluía o tratamento das práticas comerciais restritivas que pudessem
distorcer a concorrência no comércio internacional, além das medidas do governo
que tivessem o mesmo efeito (Havana Charter, Final Act, Capítulo V,1948).
O objetivo da Carta, neste tema, era de prevenir, por parte de empresas
privadas ou públicas, práticas comerciais que afetassem o comércio internacional
e que restringissem a concorrência, limitassem o acesso a mercados, ou
favorecessem o controle monopolístico, sempre que tais práticas tivessem um efeito
prejudicial na expansão da produção ou comércio, e interferisse com os objetivos
da própria Carta (Artigo 46.1).
Para que a organização pudesse decidir se uma determinada prática seria
considerada restritiva, os membros concordariam que tal prática deveria estar sujeita
a uma investigação (Artigo 46.2). As práticas consideradas restritivas seriam as
seguintes: fixar preço e condições na compra, venda ou leasing de qualquer produto;
excluir empresas ou dividir mercados, ou alocar clientes, ou determinar quotas;
discriminar contra empresas; impor limites de produção; impedir, através de acordo,
o desenvolvimento ou a aplicação de tecnologia patenteada ou não; e, estender o
uso do direito da patente, marca ou direito do autor concedidos a um membro, a
condições que estejam fora do escopo da concessão (Artigo 46.3). Todo um
processo de consultas e de investigação contra práticas restritivas seria estabelecido
no acordo (Artigo 48).
Com a rejeição da Carta pelo Congresso americano, somente a parte relativa
ao comércio foi transformada em GATT, deixando de lado toda a preocupação
com práticas anticompetitivas.

3.3 – A UNCTAD e as regras sobre a concorrência

Durante os anos 50, a ONU tomou a iniciativa de tentar controlar as práticas


comerciais restritivas através de acordos internacionais. Embora tais esforços
tenham tido pouco sucesso, a Assembléia Geral adotou um conjunto de princípios
sobre o tema, a pedido dos países em desenvolvimento, mas suas recomendações
não tiveram carácter obrigatório. O Conjunto de Princípios e Regras Justas
Acordadas Multilateralmente para o Controle das Práticas Comercias Restritivas
(The SET) foi adotado em 1980, tomando a forma de uma recomendação
(UNCTAD,1980).
O Conjunto tem como objetivo assegurar que as práticas comerciais não
impeçam a absorção dos benefícios gerados pela liberalização das tarifas e das
barreiras não-tarifárias, principalmente as que afetam o comércio e o crescimento
dos países em desenvolvimento, além de dar maior eficiência ao comércio
A OMC – E AS NEGOCIAÇÕES SOBRE INVESTIMENTOS E CONCORRÊNCIA 75

internacional. Ainda, possibilitar a negociação de um acordo com os objetivos


nacionais de desenvolvimento econômico e social através de: i) criação,
encorajamento e proteção da concorrência, através do controle da concentração
de capital ou do poder econômico, além de encorajamento a inovação; ii) eliminação
das desvantagens ao comércio e ao desenvolvimento que possam resultar de práticas
comerciais restritivas e das atividades das corporações transnacionais e, assim,
ajudar a maximizar os benefícios do comércio internacional; iii) adoção do Conjunto
de Regras como forma de facilitar o cumprimento de leis e políticas nessa área,
em nível nacional e regional.
Práticas comerciais restritivas são definidas como atos ou comportamentos
de empresas que, através do abuso de posição dominante no mercado, limitem o
acesso a esse mercado, ou restrinjam a concorrência dentro dele de forma excessiva.
Tais práticas apresentam efeitos adversos ao comércio internacional e ao
crescimento dos países em desenvolvimento, quando efetuadas através de acordos
formais, informais, escritos ou não, ou através de acordos entre empresas.
Posição dominante de poder de mercado se refere à situação onde uma
empresa, por si só, ou agindo em conjunto com outras empresas, está em uma
posição de controlar o mercado relevante para um bem ou serviço em particular
ou grupo de bens e serviços.
Empresas significam firmas, associações, corporações, companhias,
pessoas jurídicas ou físicas, ou qualquer combinação entre elas, não considerando
o modo de criação ou controle ou propriedade, privada ou estatal, que estejam
engajadas em atividades comerciais, incluindo seus escritórios, afiliadas, subsidiárias,
ou outra entidade direta ou indiretamente controlada por elas.
Dentre os princípios estabelecidos no Conjunto de Regras da UNCTAD
temos:

— Uma ação apropriada deve ser tomada de modo a reforçar os níveis nacionais,
regionais e internacional, com a finalidade de eliminar, ou efetivamente tratar
as práticas comerciais restritivas, incluindo aquelas de corporações trans-
nacionais, que afetem adversamente o comércio internacional, particularmente
o dos países em desenvolvimento.
— A colaboração entre governos nos níveis bilateral e multilateral deve ser
estabelecida, e mecanismos apropriados devem ser elaborados em nível
internacional, e/ou o uso da máquina internacional existente deve ser melhorado
para facilitar a troca e a disseminação de informações entre os governos, em
relação às praticas comerciais restritivas.
— Os meios necessários devem ser estabelecidos para facilitar a realização de
consultas multilaterais com respeito a temas de política relacionados ao controle
dessas práticas.
76 VERA THORSTENSEN

— Os dispositivos do Conjunto de Regras não devem ser interpretados para


justificar a conduta de empresas que sejam ilegais dentro das legislações
nacionais ou regionais.
— Os Estados devem, no nível nacional ou regional, adotar, aperfeiçoar e fazer
cumprir efetivamente a legislação apropriada, e elaborar procedimentos
judiciais e administrativos para o controle das práticas comercias restritivas,
incluindo as práticas das transnacionais.

3.4 – A CE e a política da concorrência

Pelos Tratados de Roma e da União Européia, os objetivos da CE são de


construir um mercado comum e uma união monetária, através de políticas comuns,
dentre elas, o estabelecimento de um regime que garanta que a concorrência não
seja distorcida (Artigo 3). A Política da Concorrência na CE se aplica a empresa
públicas e privadas e aos subsídios concedidos pelos Estados. As principais regras
são as seguintes:

— São incompatíveis com o mercado comum e proibidos, todos os acordos entre


empresas, todas as decisões de associação entre empresas, e todas as práticas
concertadas que sejam susceptíveis de afetar o comércio entre os Estados
membros, e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou distorcer
a concorrência no mercado comum. Dentre as práticas citadas temos: fixar
preços e condições de compra ou venda; limitar ou controlar a produção, a
distribuição, o desenvolvimento técnico ou o investimento; repartir os mercados
ou as fontes de abastecimento; aplicar condições desiguais a prestações
equivalentes, colocando-as em desvantagem; e, subordinar a aplicação de
contratos à aceitação de prestações suplementares sem ligação com o contrato
original (Artigo 81, ex-85).
— É incompatível com o mercado comum e proibido, o fato de uma ou mais
empresas explorarem de uma forma abusiva uma posição dominante no
mercado comum, ou uma parte substancial dele. Dentre tais práticas: impor
preços de compra ou venda, ou outras condições; limitar a produção, a
distribuição ou o desenvolvimento tecnológico em prejuízo dos consumidores;
aplicar a parceiros comerciais condições desiguais no caso de prestações
equivalente; e, subordinar o contrato à aceitação de prestações suplementares
que não tenham ligação com o contrato (Artigo 82, ex-86).
— As normas da concorrência também se aplicam às empresas públicas, ou
àquelas que o Estado concede direitos especiais ou exclusivos. Os Estados
membros não podem tomar, nem manter quaisquer medidas contrárias às
regras da concorrência (Artigo 86, ex-90).
A OMC – E AS NEGOCIAÇÕES SOBRE INVESTIMENTOS E CONCORRÊNCIA 77

— São incompatíveis com o Mercado Comum, os auxílios concedidos pelos


Estados que distorçam ou ameacem distorcer a concorrência, favorecendo
certas empresas ou certas produções. Estão incluídos: subsídios, isenções
fiscais, bonificações de juros, garantias de empréstimos, cessões de edifícios
ou terrenos, fornecimento de bens ou serviços em condições favoráveis,
cobertura de prejuízo, ou qualquer outra medida de efeito equivalente (Artigo
87, ex-92).

3.5 – O NAFTA e a política da concorrência

O Capítulo XV do NAFTA trata de política da concorrência, monopólios e


empresas estatais, e estabelece que cada parte deve adotar ou manter medidas
que proscrevam práticas anticompetitivas nos negócios, e tomar medidas
apropriadas, reconhecendo que tais medidas irão fortalecer os objetivos do NAFTA.
Cada parte reconhece a importância da cooperação e coordenação, entre suas
autoridades, para reforçar a legislação da concorrência na área de livre comércio.
As partes devem cooperar nas áreas da aplicação da política, incluindo assistência
mútua, notificação, consultas, e troca de informações.
O objetivo é apenas de cooperação, uma vez que cada parte é soberana
para aplicar a sua própria legislação, e uma vez que o mecanismo de solução de
controvérsias do NAFTA não se aplica a casos de concorrência.

3.6 – Os Acordos Bilaterais de Cooperação entre a CE e os EUA

Em 1991, os EUA e a CE assinaram um acordo de cooperação na área da


concorrência. Tal acordo exige que cada parte notifique a outra parte toda vez que
as atividades de aplicação da legislação em uma parte possam afetar interesses
importantes de outra parte. O acordo visa a cooperação e a coordenação na
aplicação das regras sobre concorrência, incluindo cláusulas especiais de
reconhecimento mútuo de leis (positive and negative comity). Pela primeira, cada
parte pode requerer a ação da outra parte, dentro de seus próprios poderes, para
investigar atividades que afetem de forma adversa os interesses da parte requerente.
A parte notificada é livre de agir ou não, mas se tomar alguma medida, é obrigada
a avisar a parte interessada. Pela segunda cláusula, quando uma parte age, ela
deve levar em consideração os interesses considerados importantes para a outra
parte. Finalmente, o acordo prevê que as regras de confidencialidade de cada
parte devem ser preservadas. Em 1994, o Congresso americano aprovou uma lei
que permite a troca de informações confidenciais, dentro de certas condições.
No caso da CE, existem acordos de colaboração entre a CE e os países
da EFTA dentro do Espaço Econômico Europeu, e dentro dos Acordos Europeus
da CE com diversos países da Europa Central e Oriental.
78 VERA THORSTENSEN

3.7 – A OCDE e as regras sobre a concorrência

A inter-relação entre políticas sobre o comércio externo e sobre a


concorrência tem sido reconhecida na área internacional há muitos anos. Inúmeros
trabalhos sobre o tema têm sido apresentados por organismos internacionais, dentre
eles OCDE, Banco Mundial e FMI. Tais organismos passaram a reconhecer a
necessidade de um trabalho mais sistemático sobre as relações entre políticas de
comércio, de investimento e de concorrência, de modo a melhorar a coerência das
políticas, e apoiar o bom funcionamento do sistema multilateral do comércio.
A OCDE, desde 1967, vem desenvolvendo análises e recomendações na
área da concorrência, através de seus grupos de trabalho, baseada nas premissas
de que: as práticas anticompetitivas do setor privado podem restringir o acesso ao
mercado; de que medidas sobre o comércio podem restringir a concorrência; e, de
que as regulamentações do governo podem restringir o acesso ao mercado e a
concorrência.
As análises da OCDE concluíram que a eficácia da lei sobre concorrência
depende de uma série de fatores, dentre eles, a cobertura e a abrangência das leis,
o real cumprimento das leis, e da identificação das práticas restritivas que devem
ser incluídas nas leis. Tais práticas foram divididas em três categorias: acordos
horizontais, como cartéis internacionais, cartéis de exportação, alianças estratégicas
e fusões; restrições verticais, como a integração da produção ou de prestação de
serviços; e, abuso da posição dominante, como restrição a entrada ou preço
predatório (OECD,1997).
A OCDE vem elaborando uma série de recomendações que têm caráter
não obrigatório, mas incluem um instrumento de notificação entre as agências que
cuidam de concorrência.

3.8 – Propostas de acordos internacionais sobre a concorrência

Em 1991, a ABA – American Bar Association – elaborou um relatório


intitulado International Anti-Trust, e concluiu que a elaboração de uma lei
anticoncorrência internacional não seria possível, uma vez que, embora os cartéis
fossem tratados como formalmente ilegais, muitos países excluíam certos tipos de
cartéis das suas leis anticoncorrência.
Em 1993, um grupo formado por 12 acadêmicos, o Grupo de Munique,
tomou uma posição oposta, e divulgou o International Anti-Trust Code, propondo
a sua inclusão no GATT através de um acordo plurilateral.
Em 1995, a Comissão da CE formou um grupo de especialistas que elaborou
um relatório sobre concorrência, também recomendando a negociação de um acordo
plurilateral dentro da OMC. O Report on Competition Policy in the New Trade
Order foi elaborado por acadêmicos e funcionários da Comissão, e depois adotado
A OMC – E AS NEGOCIAÇÕES SOBRE INVESTIMENTOS E CONCORRÊNCIA 79

pelo Conselho da CE como posição da Comunidade junto a OMC. A abordagem é


de uma construção progressiva da coordenação das políticas da concorrência
(building blocks). As etapas seriam as seguintes (CE, 1996, e Group of Experts,
1995):

— adoção de legislação sobre concorrência em nível nacional, incluindo estrutura


administrativa, pelos membros interessados em participar do acordo. Tal
legislação deveria incluir regras sobre os principais temas: acordos restritivos,
abuso de posição dominante e fusões, bem como instrumentos de investigação
e sanções apropriadas, com garantia de acesso das partes privadas às
autoridades domésticas e às cortes judiciais;
— adoção de regras comuns, através da identificação de princípios comuns,
bem como a adoção de tais regras em nível internacional, de modo a promover
condições iguais de concorrência, e facilitar a cooperação das autoridades,
promovendo uma gradual convergência das leis da concorrência;
— estabelecimento de um instrumento de cooperação entre as autoridades,
incluindo notificações, troca de informações, e cooperação;
— estabelecimento de um mecanismo de solução de controvérsias, adaptando o
mecanismo da OMC para as especificidades dos casos de concorrência.

3.9 – O GATT/OMC e as disposições relacionadas com as regras da


concorrência

No âmbito do GATT/OMC, já existem medidas relacionadas à


concorrência.
Depois das propostas contidas na Carta de Havana, o tema foi alvo de
discussões e decisões das partes contratantes ao longo dos anos, mas nada de
concreto foi conseguido. Nos trabalhos preparatórios da Rodada Uruguai, o tema
voltou a ser incluído nas negociações, mas não se obteve consenso para sua inclusão
na agenda da Rodada, ficando assim excluído dos trabalhos.
No entanto, vários acordos da Rodada Uruguai podem ser considerados
como incluindo dispositivos relacionados à concorrência. De um lado, a maioria
desses acordos limita a habilidade dos governos de impor medidas ao comércio
que tenham efeito de restringir ou distorcer a concorrência. De outro, alguns acordos
contêm dispositivos que estão relacionados com as práticas empresariais que podem
distorcer ou restringir o comércio internacional, e como os governos podem regular
tais práticas. Dentre eles podem ser citados TRIMS, TRIPS, Serviços, Salvaguardas,
Empresas Estatais Comerciais, Barreiras Técnicas, Medidas Sanitárias e
Fitossanitárias, Inspeção Pré-Embarque, Anti-dumping, Compras Governamentais
e Aviação Civil (Working Group on Trade and Competition, 1997, JOB 3347):
80 VERA THORSTENSEN

— Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio – TRIMs.


O texto prevê que, após 5 anos da sua entrada em vigor, a operacionalização
do Acordo será revista pelo Conselho de Bens, que proporá a Conferência
Ministerial modificações ao texto. Nessa revisão, o Conselho deve considerar
se o Acordo pode ser complementado com dispositivos sobre política de
investimentos e política de concorrência.
— Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados
ao Comércio – TRIPs. O Acordo prevê um quadro geral multilateral para a
proteção e o cumprimento dos direitos de propriedade intelectual. Dispõe que
medidas apropriadas podem ser necessárias para prevenir o abuso dos direitos
de propriedade intelectual por seus detentores, ou o recurso a práticas que
restrinjam de forma não razoável o comércio, ou afetem adversamente a
transferência internacional de tecnologia. O Acordo dispõe sobre o controle
de práticas anticompetitivas nos contratos de licença, que podem incluir
condições de reciprocidade, práticas coercitivas, ou impedimento a disputa
sobre validade. Na área das patentes, o Acordo permite aos governos a
concessão de licenças compulsórias sob certas condições, para impedir abusos.
— Acordo sobre o Comércio de Serviços. O Acordo contém dois artigos
relacionados especificamente a práticas das empresas que podem distorcer o
comércio internacional. Primeiro, o artigo que dispõe sobre monopólios e
prestadores de serviços exclusivos, impedindo que os monopólios ajam de
forma inconsistente com as obrigações do Acordo. Segundo, o artigo que
dispõe sobre práticas anticompetitivas de parte dos prestadores de serviços
em geral, ao reconhecer que certas práticas podem restringir a concorrência.
O Artigo dispõe que cada membro deve entrar em consultas com outro membro,
se assim for requisitado, com o objetivo de eliminar tais práticas.
— Acordo sobre Salvaguardas. O Acordo estabelece regras para a aplicação
de medidas de salvaguardas, nos casos em que o crescimento das importações
causem sério prejuízo à indústria doméstica do país importador. Também
contempla a eliminação de medidas previstas no Artigo XIX, preexistentes à
Rodada Uruguai, as chamadas medidas “cinzentas”, que restringiam o
comércio entre as partes, através de acordos bilaterais.
— Artigo XVII do GATT 1994 – sobre Empresas Comerciais Estatais. O Artigo
se refere a empresas estatais que se beneficiam, formalmente ou de fato, de
privilégios exclusivos. O Artigo dispõe que tais empresas devem, nas compras
ou vendas que envolvam importações ou exportações, agir de maneira
consistente com os princípios gerais de tratamento de não discriminação
prescrito pelo GATT, e relativos as atividades das empresas privadas. As
empresas estatais devem exercer suas atividades de acordo com
considerações comerciais, e devem conceder a empresas de outros membros
A OMC – E AS NEGOCIAÇÕES SOBRE INVESTIMENTOS E CONCORRÊNCIA 81

oportunidade adequada, de acordo com as práticas comerciais tradicionais,


que é a de competir na participação dessas compras ou vendas. O Artigo
prevê a notificação e o monitoramento das atividades dessas empresas.
— Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio. O Acordo reconhece que
membros podem adotar regulamentos e padrões técnicos por razões de
segurança, saúde, proteção ao consumidor e ao ambiente, dentre outros, além
de estabelecer regras para garantir que tais medidas não criem obstáculos
desnecessários ao comércio.
— Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias. O Acordo
estabelece regras para o uso de medidas sanitárias e fitossanitárias. Membros
são inteiramente responsáveis pela observância das obrigações estabelecidas
no Acordo, e devem formular e implementar medidas positivas e mecanismos
de apoio para tal cumprimento. Ainda, membros são requeridos a garantir
que órgãos de certificação não-governamentais também sigam as obrigações
determinadas no Acordo.
— Acordo sobre Inspeção Pré-Embarque. O Acordo estabelece um quadro
internacional de direitos e obrigações para membros que usam serviços de
inspeção para as exportações. Também prevê casos de conflitos de interesse
entre as partes, que possam ter efeitos prejudiciais aos exportadores.
— Artigo VI do GATT 1994 e o Acordo Anti-Dumping. Ambos, o Artigo e o
Acordo, autorizam os membros a tomar medidas em resposta a práticas de
preço consideradas injustas, que são condenadas nos casos em que causem
ou ameacem causar dano a indústria doméstica.

Vários painéis já foram criados dentro do GATT/OMC relativos a conflitos


envolvendo medidas anticompetitivas que resultaram em restrições ao comércio.
Tais casos foram analisados dentro do Artigo XXIII do GATT sobre anulação ou
prejuízo aos benefícios resultantes das negociações multilaterais (nullification or
impairment).
Segundo o Artigo, qualquer parte contratante pode levar um caso ao
mecanismo de solução de controvérsias se considerar que qualquer benefício
concedido pelo Acordo Geral está sendo anulado ou prejudicado, ou a concessão
de algum objetivo do Acordo está sendo prejudicada como resultado de: falha da
outra parte de cumprir suas obrigações dentro do Acordo, aplicação pela outra
parte de qualquer medida, em conflito ou não com os requisitos do Acordo, ou a
existência de qualquer outra situação.
Casos que analisaram o Artigo XXIII envolveram os EUA e Japão e
incluíram práticas estabelecidas por legislação nacional na área de distribuição,
com relação a lojas de grande superfície e distribuição de filmes.
82 VERA THORSTENSEN

3.10 – O Grupo de Trabalho sobre a Interação entre Comércio e política da


concorrência da OMC

A Conferência Ministerial de Singapura estabeleceu o Grupo de Trabalho


sobre a Interação entre Comércio e Política da Concorrência, que definiu o seu
programa incluindo os seguintes temas (WG on Trade and Competition, 1997):

— Relação entre os objetivos, princípios, conceitos, cobertura e instrumentos de


comércio e política da concorrência, e a sua relação para o desenvolvimento
e crescimento econômico.
— Levantamento e análise dos instrumentos existentes, padrões e atividades
relacionadas ao comércio e a política da concorrência, incluindo: políticas
nacionais, leis e instrumentos quando relacionados ao comércio; dispositivos
da OMC; e, acordos e iniciativas bilaterais, regionais, plurilaterais e
multilaterais.
— Interação entre comércio e política de competição: o impacto de práticas
anticompetitivas de empresas e associações no comércio internacional; o
impacto de monopólios de Estado, direitos exclusivos e as políticas regulatórias
sobre concorrência e comércio internacional; a relação entre os aspectos
relacionados ao comércio de direitos de propriedade intelectual e a política de
concorrência; a relação entre investimento e política de concorrência; e o
impacto de políticas de comércio sobre a concorrência.
— Identificação de qualquer área que mereça futura consideração dentro do
quadro da OMC.

Os trabalhos do Grupo estão ainda na sua fase inicial, e seus membros


estão examinando os diversos relatórios apresentados por diferentes organizações
internacionais sobre o tema, além de analisar as experiências de diversos membros
na área da concorrência. Com o processo de globalização das economias em curso,
é possível que o Comitê sofra maiores pressões dos governos e das empresas para
que acelere os trabalhos e inicie o processo de negociações de um acordo na área
da concorrência internacional.

3.11 – Implicações para as relações do MERCOSUL com a CE e com o NAFTA

A análise do tema de regras sobre a concorrência pelos membros do


MERCOSUL se torna imperativa no momento atual, uma vez que tal discussão
está ocorrendo simultaneamente em diferentes níveis, o que pode afetar
profundamente o processo de integração criado pelo acordo.
No primeiro nível, dentro do próprio MERCOSUL, um primeiro protocolo
sobre a defesa da concorrência (DEC 18/96) foi assinado em Fortaleza em 1996,
A OMC – E AS NEGOCIAÇÕES SOBRE INVESTIMENTOS E CONCORRÊNCIA 83

e envolve, basicamente, atividades de cooperação entre as autoridades encarregadas


de implantar e administrar as leis da concorrência. Mas, como bem demonstra a
experiência da CE, tal arranjo não basta, e se o MERCOSUL pretende partir de
uma união aduaneira para ser um verdadeiro mercado comum, necessitará de leis
mais ambiciosas que incluam não só o controle do poder dominante e de práticas
que distorçam a concorrência, mas também a não utilização de medidas anti-
dumping contra exportações provenientes dos países membros, e o controle de
práticas equivalentes a subsídios a exportações de produtos para dentro do mercado
comum. A discussão sobre as condições de exportações financiadas, e de um
eventual consenso sobre práticas de exportação, será um tema cada vez mais
premente.
Em um segundo nível, as negociações sobre os futuros acordos entre
MERCOSUL e a CE e o NAFTA poderão incluir temas ligados a concorrência,
uma vez que a expansão das atividades das empresas em níveis regionalizados,
cada vez mais, exigirá regras que garantam um ambiente considerado justo em
termos de concorrência. O Acordo atual entre MERCOSUL e a CE não inclui
cláusula sobre concorrência, mas o Acordo sobre a ALCA inclui tal cláusula, bem
como a formação de um grupo de trabalho específico para cuidar do tema.
Em um terceiro nível estão as discussões dentro da OMC, ainda em seus
passos iniciais. No entanto, com a velocidade com que o processo de globalização
vem afetando as atividades das empresas, elas exercerão maior pressão sobre
seus governos para que seja acelerada a fase de troca de experiências que se
assiste atualmente dentro da OMC. O Comitê, então, passaria para a fase de
negociação de um acordo, que poderia ser, em uma primeira fase, no plano
plurilateral, abrangendo um número limitado de países.
O problema a ser discutido é se os países membros do MERCOSUL já
estão maduros internamente para avançar na negociação do tema concorrência.
Mais ainda, se tal discussão pode se limitar apenas ao primeiro nível, isto é, dentro
do próprio MERCOSUL, ou pelo contrário, se a dinâmica do tema não exigirá a
sua discussão simultânea nos diversos níveis de negociações internacionais.
A questão que, então, se coloca é a da necessidade de se introduzir e de
se aprofundar ou não a cláusula sobre concorrência nos acordos regionais do
MERCOSUL com a CE e com o NAFTA, em quais termos e sob que condições.
A opção que se apresenta é de apenas negociar regras sobre concorrência em
termos multilaterais no âmbito da OMC.

4 – Conclusões

Os membros do MERCOSUL, no momento atual, têm a sua frente um


grande desafio, qual seja, o de definir suas posições diante do importante jogo
internacional que consiste na abertura simultânea de várias frentes de negociação
84 VERA THORSTENSEN

política e econômica, e posicionar o MERCOSUL como parceiro comercial com


peso específico, dentro de um contexto internacional extremamente complexo. Tal
complexidade é derivada do jogo atual que se desenrola simultaneamente em
diversas frentes envolvendo parceiros diferentes, e em diversos níveis, seja de
âmbito regional, inter-regional, plurilateral ou multilateral.
O primeiro desafio é o de definir estratégias internas diante do contexto
internacional atual. De um lado, existem pressões para que as economias nacionais
se adaptem às novas estratégias de globalização e de abertura de seus mercados,
o que exige pronta resposta das empresas fornecedoras de bens e serviços e dos
governos reguladores das atividades econômicas. Por outro lado, a desaceleração
econômica de vários países faz ressurgir o problema do desemprego estrutural e
da deflação, que aliado a crise financeira e de desvalorização cambial em outros
países, faz renascer o problema da invasão de importações a preços reduzidos, do
impacto dessa importações sobre a indústria doméstica, e a conseqüente
exacerbação das pressões por medidas protecionistas.
Na atuação do MERCOSUL como parceiro do jogo internacional, o quadro
está montado para que se inicie uma partida simultânea em diferentes níveis. Em
um primeiro nível o MERCOSUL enfrenta o desafio de continuar ou não o processo
de integração, passando de uma união aduaneira para um verdadeiro mercado
comum, com todas as implicações da harmonização de políticas econômicas e da
perda de liberdade de tomar decisões individuais. Ainda, enfrenta a questão do
aprofundamento em paralelo a questão do alargamento com outros países da
América do Sul.
Em um segundo nível, o MERCOSUL se defronta com o desafio de entrar
em negociações sobre processos de integração econômica com dois dos seus mais
fortes parceiros internacionais, a CE e o NAFTA, enfrentando todas as implicações
das vantagens de acesso a importantes mercados, contrapostas aos custos de
adequar suas economias a uma concorrência mais acirrada.
Em um terceiro nível, o MERCOSUL enfrenta o desafio de coordenar
posições e estar presente nos diversos foros internacionais da área econômica,
que incluem a OMC, Banco Mundial, FMI, OCDE, e UNCTAD. Na área do
comércio internacional, a ação se concentra, atualmente, na OMC e na OCDE,
onde Brasil e Argentina são observadores.
Dentro da OMC o desafio não é menor, e a maior pressão é derivada da
necessidade de se adequar a qualidade das respostas às diversas solicitações criadas
pelas atividades normais da organização, o que envolve o trabalho de representantes
dos diversos ministérios encarregados das áreas econômicas dos governos, bem
como representantes das associações empresariais, uma vez que estão em jogo
temas de alto grau de complexidade e de exigência técnica.
Com o novo contexto internacional, e, principalmente, o processo de
A OMC – E AS NEGOCIAÇÕES SOBRE INVESTIMENTOS E CONCORRÊNCIA 85

globalização das economias, a OMC vem sofrendo forte pressão para se adequar
às novas exigências do mundo atual, o que se consubstancia no desafio de enfrentar
uma nova negociação multilateral, no limiar do ano 2000, seja ela em áreas definidas
como agricultura, serviços e propriedade intelectual, seja ela em maior dimensão,
englobando todos os temas tradicionais, além dos novos temas, que, certamente,
serão incluídos nas negociações. Ainda, o novo contexto internacional está exigindo
toda uma discussão sobre os objetivos da OMC, até agora baseados no aumento
dos níveis de riqueza através da liberalização do comércio, para a necessidade de
se ampliar tais objetivos, passando a baseá-los no aumento dos níveis de riqueza
através da liberdade para a competição internacional, o que acarretaria a ampliação
das atividades da OMC para incluir regras sobre a concorrência e sobre
investimentos.
Diante do quadro de abertura de novas negociações é que cresce a
importância de se analisar os impactos dos novos temas sobre o comércio do
MERCOSUL com seus parceiros internacionais, em todos os níveis onde ocorre o
jogo comercial, isto é, dentro do MERCOSUL, diante de eventuais acordos regionais
de integração com a CE ou com o NAFTA, e dentro das organizações que negociam
acordos internacionais sobre esses temas como OCDE e OMC.
O grande desafio a enfrentar é o da decisão de como atuar nas diversas
frentes de negociação, se de forma simultânea, abrindo negociações regionais,
inter-regionais e multilaterais, e usando avanços e recuos em uma frente como
tática para obter vantagens em outra frente, ou então, optar pela abertura de frentes
de negociação de forma seqüencial, enfrentando as negociações multilaterais, e
adiando as negociações regionais para o futuro.
Qualquer que seja a opção adotada, os novos temas do comércio
internacional estarão presentes, o que implica a necessidade do MERCOSUL se
aprofundar sobre temas como comércio e investimentos e comércio e concorrência.
Os temas em questão pressupõem um mesmo debate, qual seja, dentro do
contexto atual, da necessidade de se manter a diversidade dos padrões e regras,
respeitando os diferentes níveis de desenvolvimento dos países, ou de se partir
para um processo de harmonização desses padrões e regras, respeitando padrões
mínimos aceitáveis por todos, e um processo de convergência a mais longo prazo.
O problema a ser enfrentado, é que a disparidade de tais padrões e regras pode
criar sérias barreiras ao comércio, ou ainda, pode ser usada como forma disfarçada
de proteção.
Quanto aos temas investimento e concorrência, a experiência internacional
demonstra a inter-relação entre eles e o crescimento do comércio. Assim, é
importante ponderar sobre qual deve ser a estratégia a ser tomada, se a de negociar
tais temas dentro dos acordos regionais, se a de deixar que se negociem acordos
plurilaterais dentro do “clube” dos países desenvolvidos, a OCDE, ou partir para a
negociação de acordos multilaterais que envolvam países desenvolvidos e em
86 VERA THORSTENSEN

desenvolvimento, dentro da própria OMC. O MERCOSUL, como grande receptor


de investimentos estrangeiros, tem interesses significativos a defender nessa área,
e, como palco de empresas globalizadas, ávidas por novos mercados, certamente,
terá grandes interesses com relação a regras que não distorçam a concorrência
em tais mercados, impedindo suas exportações.
Uma das questões centrais na discussão desses temas é a necessidade de
se dispor de um mecanismo de solução de controvérsias, com força política para
determinar sanções contra as infrações às regras negociadas, o que existe na
OMC, mas não existe na OCDE. Outra questão relevante é a de aguardar o
desfecho do acordo sobre investimentos na OCDE, e decidir se, no caso de um
impasse, a OMC deveria ou não acelerar seus trabalhos e negociar um acordo
multilateral, mesmo tendo em mente que sua abrangência seria menos ambiciosa,
ou, então, deixar o tema para negociações futuras.
Um importante ponto a destacar, no caso dos futuros acordos de integração
do MERCOSUL, é o tratamento díspar que esses temas estão tendo nas
negociações do MERCOSUL com a CE e com o NAFTA, sendo que somente
com esse último existem grupos de trabalho para lidar com os temas investimento
e concorrência.
Algumas derradeiras questões em aberto dizem respeito, primeiro, a se,
tanto nas negociações regionais quanto nas multilaterais, o interesse dos países
desenvolvidos em incluir novos temas poderá ser adequadamente compensado por
outros temas de interesse dos países em desenvolvimento como o de melhor acesso
a mercados, através de redução de picos tarifários, redução das escalonagens
tarifárias, além de maior acesso a produtos tradicionais como alimentos e têxteis.
Em segundo lugar, existe a questão de como equacionar a inclusão de temas como
investimento e concorrência, que implicam maiores liberdades e ganhos econômicos
para as empresas, com outros temas de igual importância política, como o da
responsabilidade social das empresas dentro do conceito de cidadania empresarial.
Em síntese, os desafios não são poucos. Resta saber se os membros do
MERCOSUL terão condições de enfrentá-los, e saber colocar o MERCOSUL
em posição de destaque à frente dessas negociações, ou optar pela posição de
mero observador, deixando que esse jogo internacional seja conduzido por outros
parceiros mais audaciosos.

Junho de 1998

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WTO, Working Group on Trade and Investment. JOB 2988, 1997.

Resumo

No momento em que o MERCOSUL se posiciona para mais uma rodada


de negociações multilaterais no âmbito da OMC, além das negociações já iniciadas
com a CE dentro do acordo interregional e com o NAFTA dentro do ALCA, dois
temas se revestem de grande interesse: investimentos e concorrência. O artigo
analisa como tais temas evoluíram no cenário internacional desde a Carta de Havana,
88 VERA THORSTENSEN

passando pela UNCTAD e pela OCDE, para finalmente chegarem na OMC. O


objetivo do artigo é dar elementos para a discussão desses dois temas nas negociações
futuras do MERCOSUL.

Abstract

MERCOSUR is positioning itself to start negotiations in several fronts:


inside WTO in the next round of multilateral negotiations, with the EU in a inter-
regional agreement and with NAFTA inside the FTAA. Two themes are relevant
to these negotiations: investment and competition. This article analyses the evolution
of these themes in the international context from the Havana Charter, through
UNCTAD and OECD, to arrive in the WTO. The objective of this article is to give
some elements for the discussion of these two themes in Mercosur’s future
negotiations.

Palavras-chave: OMC. Investimentos. Concorrência. Negociações multilaterais.


Key-words: WTO. Investments. Competition. Multilateral negotiations.
AS RELAÇÕES ENTRE ARGENTINA, BRASIL, CHILE E ESTADOS UNIDOS... 89

As relações entre Argentina,


Brasil, Chile e Estados Unidos:
política exterior e Mercosul*
RAÚL BERNAL-MEZA**

O presente documento constitui uma reflexão de teoria e política que busca


inserir a análise da política exterior de Argentina, Brasil e Chile no quadro das
relações hemisféricas (Estados Unidos) e do Mercosul. No caso dos três países
latino-americanos, apresenta-se uma identificação das tendências predominantes
na interpretação da inserção possível, da visão de si mesmos no atual sistema
internacional e uma aproximação geral das agendas bilaterais, sub-regionais e da
agenda hemisférica norte-americana.

Brasil

Para analisar as relações bilaterais entre Argentina e Brasil, devemos partir


de uma leitura geral do que tem sido a política exterior brasileira nos últimos anos
e analisar suas relações com os Estados Unidos – o ator extra-regional mais influente
– assim como suas estratégias regionais, tanto no Mercosul como a nível sul-
americano.
Em meados dos anos 70, o Brasil havia iniciado uma mudança substancial
de sua política exterior, como conseqüência de uma reformulação de seu modelo
de desenvolvimento. Depois de um período de grande dinamismo em política exterior
(abertura para a África; participação ativa nas agendas do mundo em
desenvolvimento, etc.) e de um forte crescimento econômico, mudanças internas
e externas levaram a uma sensação de esgotamento dessas estratégias. Com efeito,
o modelo de política exterior da década de 1980, das presidências Figueiredo e
Sarney, associado ao “desenvolvimento nacional”, havia evoluído rumo a uma fase
de crise e contradições (Cervo & Bueno, 1992; Cervo, 1994). É nesse contexto
que a candidatura Collor de Melo (1989) lança sua plataforma, gerando, em matéria
de política externa, três tipos de expectativas (Hirst & Pinheiro, 1995): atualizar a
agenda internacional do País; construir uma nova agenda prioritária e não conflitante

Rev. Bras. Polít. Int. 41 (1): 89-107 [1998]


* Traduzido do espanhol por José Romero Pereira Junior.
** Professor Titular de Relações Internacionais da Universidade de Buenos Aires e da Universidad
Nacional del Centro.
90 RAÚL BERNAL-MEZA

com os Estados Unidos; e reduzir o perfil “terceiro-mundista”, tendo em vista as


mudanças produzidas no cenário político internacional, que, supostamente, levavam
a uma atualização de posições mais comprometidas sustentadas até então ou que
eram vistas como contestatórias do poder mundial. Cada uma dessas expectativas
implicou um tema prioritário, que se refletiu em iniciativas específicas: recuperação
do protagonismo e organização da ECO 92; negociação e assinatura do tratado do
Mercosul; e iniciativas em relação à segurança, definindo posições mais flexíveis
sobre os regimes de não-proliferação nuclear (assinatura do acordo de criação da
Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares
e do Acordo Nuclear Quadripartite de Salvaguardas com a AIEA; e a proposta de
revisão do Tratado de Tlatelolco).
Economicamente, o Governo se aproximava das tendências predominantes
no Chile, no México e na Argentina, de políticas neoliberais. Não obstante, suas
medidas alcançaram apenas parcialmente o desmantelamento tarifário, a abertura
a novos segmentos de importação e a eliminação de subsídios e incentivos fiscais
à produção.
Não obstante, as expectativas se trocaram completamente, como
conseqüência da crise política interna que levou à destituição do Presidente e a sua
substituição pelo Vice-presidente, Itamar Franco. Sem embargo, é necessário
assinalar que as expectativas já haviam sido debilitadas pelas próprias contradições
da política, entre um discurso terceiro-mundista – o de “intimidade terceiro-
mundista” (consciência política, iniciativas, ações multilaterais para melhorar as
condições de autonomia) – e as concessões feitas na gestão e tratamento da dívida
externa, com uma negociação, pura e exclusivamente, em forma individual com os
credores (Cervo & Bueno, 1992).
A crise interna exerce um efeito de retração sobre a política exterior. O
Brasil não envia tropas à guerra do Golfo e retoma algumas linhas tradicionais da
política exterior dos anos 70, o que gera espaços de ação sobre a estrutura
burocrática do Itamaraty para a manifestação de posições distintas.
Em um quadro de condução política de um Executivo surgido entre margens
de debilidade, credibilidade deteriorada e falta de experiência no manejo de assuntos
internacionais, a margem de manobra da burocracia cresce. Surgem duas posições
antagônicas no Itamaraty, em torno da redefinição das relações com os Estados
Unidos: uma que vê na aproximação com a potência um caminho para recuperar a
“credibilidade internacional”, seguindo o modelo argentino de Menem e, outra,
mais tradicional, que propõe a busca de maior autonomia e distanciamento de
Washington, explorando também a condição do Brasil como “potência média”.
Com o surgimento dessa duas posições, rompe-se a noção de continuidade
e consenso que havia dominado a formulação de políticas da Chancelaria, em um
país onde esta teve, historicamente, um papel muito importante no manejo da política
exterior.
AS RELAÇÕES ENTRE ARGENTINA, BRASIL, CHILE E ESTADOS UNIDOS... 91

Franco retoma alguns temas da agenda Collor e leva adiante o cumprimento


de compromissos internacionais, como os referentes à não-proliferação. O Brasil
ratifica o Tratado de Tlatelolco e se aprofundam as medidas de confiança recíproca
com a Argentina; por outro lado, busca-se um baixo perfil político nas relações
com os Estados Unidos. Porém, é na reformulação de paradigmas e na visão de si
mesmo que os grupos de poder encontram um perfil diferenciador para o País, ao
agregar aos enfoques tradicionais uma nova dimensão: a idéia do Brasil como país
continental e global trader, política que aproxima Brasília de outras “potências
médias” (China, Índia, Rússia).
Os âmbitos privilegiados para o impulso dessa política seriam dois; cada
um refletindo na proposta de novos objetivos políticos. O primeiro são as Nações
Unidas, cenário rumo ao qual o Brasil se aproxima desde seu novo (assumido)
papel de “potência média”, propondo sua própria candidatura a membro permanente
do Conselho de segurança da ONU; o segundo, América do Sul, onde se avança
em duas linhas: a proposta de criação do ALCSA (Acordo de Livre Comércio Sul-
Americano) e o relançamento da cooperação econômica e de integração em infra-
estrutura com a Venezuela, a Colômbia, o Uruguai e a Bolívia.
A proposta de criação do ALCSA, na prática, uma extensão do Mercosul
(realizada em Santiago do Chile em 1994 pelo próprio Franco), tem, necessária e
imediatamente, uma leitura em relação aos Estados Unidos: é uma proposta
alternativa à criação da ALCA. Ademais, ela passa a refletir a sensação de que as
relações com os Estados Unidos se aprofundam negativamente, em torno de temas-
chave da agenda bilateral: comércio, propriedade intelectual, meio ambiente, direitos
humanos, papel dos militares na condução da política de segurança, etc.
Nesse contexto, há um revival da política africana (aproximação com a
África do Sul; cooperação cultural entre povos de língua portuguesa; proposta de
criação de uma zona de cooperação no Atlântico Sul) e uma aproximação à Rússia;
iniciativas que buscam instalar a percepção do Brasil como um país de interesses
globais, acordantes com sua posição de país “continental”.
Este é o cenário de propostas, iniciativas e percepções que encontra Cardoso
na sua chegada ao governo. Não obstante, uma importante advertência deve ser
feita a respeito do passado – em relação à gestão do Executivo -: o novo Presidente
conhece e maneja a agenda internacional e tem ampla experiência neste campo, o
que – agregado às características de sua própria personalidade individual, em um
quadro institucional e constitucional onde a política confere um importante papel
ao Presidente – facilita a gestão “presidencialista” da política exterior, voltando
outras agências (como o Itamaraty) a uma posição mais técnica e menos política.
Fernando H. Cardoso mantém as linhas de política desenhadas pela
administração Franco; mais ainda, aprofunda algumas, como impulsionar, a partir
de novas frentes, a busca de um reconhecimento do Brasil como potência média.
Contudo, como este reconhecimento deve provir dos “repartidores supremos” – e
92 RAÚL BERNAL-MEZA

a ordem emergente após o fim da Guerra Fria confere aos Estados Unidos o papel
de única potência hegemônica que concentra vantagens conjuntamente nas esferas
de segurança e economia – a mensagem se dirige a esta potência.
Cardoso busca, então, obter dos Estados Unidos um relacionamento com
um perfil semelhante ao que esta potência tem com Japão e França. No entanto –
e tal qual se advertira ao se abordar o outro objetivo (regional) dessa continuidade
de política – surgiram dificuldades que afetaram a consecução desse propósito.
Junto ao objetivo assinalado, Cardoso aprofunda as relações com o
Mercosul e, em particular, com a Argentina. Entretanto, como indicaremos, em
ambos os cenários surgem problemas.
Em primeiro lugar, faz-se cada vez mais difícil para o Brasil desenvolver
uma agenda positiva com os Estados Unidos. Os temas ALCA-NAFTA-ALCSA
e as travas norte-americanas às exportações brasileiras constituem os eixos chaves
da discórdia. Em segundo lugar, aparecem as dificuldades com a Argentina, que
graças à existência de distintas percepções que, no Brasil, têm o Executivo, o
Legislativo e o Itamaraty no tocante a seu sócio e sua política exterior, permitem
diminuir seu efeito negativo, tanto sobre as relações bilaterais como no interior do
Mercosul.
Apesar das novas iniciativas se adverte, não obstante, que a dimensão
comercial tem sido, até agora, a mais explorada das formas de inserção internacional
do Brasil, o que faz com que o debate sobre a inserção se concentre no campo
comercial e o político mantenha um baixo perfil. Sem embargo, o só fato de aspirar
a um reconhecimento como potência regional e como potência média mundial, a
partir de sua condição de país-continente, levou, necessariamente, a que o País
tenha que assumir posições respeitantes a distintos temas da agenda mundial, o
que deveria conduzir ao aumento significativo do perfil político de sua inserção
internacional.
No nível da política regional, a proposta brasileira de criação do ALCSA
evidencia a crescente preocupação com a atração que a iniciativa norte-americana
da ALCA e, mesmo, o NAFTA exercem sobre os países da região, incluindo o
próprio sócio mais importante: a Argentina. Da mesma forma, a persistência de
estratégias distintas, em tempo e qualidade, como são as propostas norte-americana
e brasileira sobre os mecanismos de integração econômica para ampliar o mercado
latino-americano sob mecanismos tarifários preferenciais, assinalam que, no futuro,
persistirão tendências mais rumo ao conflito do que à cooperação entre os Estados
Unidos e o Brasil.
Contudo, isto não deveria ser estranho a quem lê a história como fonte da
experiência política: cada vez que, no sistema interestatal moderno, houve uma
potência hegemônica em declínio ante uma potência média emergente, surgiram
problemas em suas relações bilaterais.
AS RELAÇÕES ENTRE ARGENTINA, BRASIL, CHILE E ESTADOS UNIDOS... 93

Argentina

As coalizões de grupos políticos e alianças de governo e poder deste país


têm gerado, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, seus próprios paradigmas,
sobre cujas visões de mundo têm construído modelos teóricos de política exterior,
que tem tido sua relação dialética com a política econômica; ambas, por sua vez,
como partes de uma concepção política do desenvolvimento nacional possível.
Como outros países da América Latina, a Argentina levou a cabo um
processo de reformulação de suas concepções sobre o desenvolvimento e de suas
políticas governamentais que – com diferentes matizes – foram dominantes até
1989. Este processo abarcou uma reformulação do papel do Estado, das relações
econômicas e comerciais internacionais e uma separação das coincidências entre
gestão econômica e gestão político-social na ação do Governo; abandonando as
estratégias do passado (concepções de desenvolvimento desde as perspectivas
nacionalista, governista ou desenvolvimentista), que incluíram novas políticas
comerciais, abertura e desregulação dos mercados (incluindo o financeiro), controle
das variáveis macroeconômicas através da redução do gasto social público,
privatização das empresas estatais, flexibilização do trabalho, etc. Sintetizando,
podemos dizer que, desde o início da gestão do Presidente Carlos Menem, encontra-
se em aplicação um novo paradigma de gestão governamental dos assuntos internos
e externos, cujo modelo de política exterior é o Realismo Periférico, existindo uma
relação dialética entre modelo econômico e modelo de política exterior.
O modelo de inserção reconhece a presença de uma ordem mundial
dominada pela aliança triunfante na Guerra Fria e um processo de globalização
cuja interpretação está na linha de visão “fundamentalista”.
A natureza dessa relação dialética, acima assinalada, se funda na
coincidência entre a interpretação conservadora da crise do capitalismo e seu
respectivo componente ideológico, do qual derivam idéias dominantes como as
incluídas na visão fundamentalista da globalização e expressões muito utilizadas no
discurso governamental como “aldeia global” e “mundo interdependente”.
O diagnóstico sobre os problemas argentinos é que estes são de natureza
essencialmente econômica; portanto, seria necessária a adoção de um programa
de caráter economicista, alinhado com as concepções do pensamento
neoconservador (também denominado “neoliberalismo”).
A argumentação para a “nova política exterior” partia da interpretação de
que a ordem mundial emergente se caracterizava pela interdependência e pela
cooperação entre os países democráticos dos quais a Argentina fazia parte; pelo
predomínio do pensamento democrático-liberal; da segurança coletiva como
instrumento mais efetivo do que o equilíbrio de poder para a garantia da paz; e,
pelo fato de que a globalização havia tornado obsoleto o modelo de desenvolvimento
baseado na substituição de importações. A interpretação era que este modelo e o
94 RAÚL BERNAL-MEZA

isolamento da política exterior haviam contribuído para perda relativa da gravitação


do País no sistema internacional e que, portanto, havia que se adotar uma política
pragmática, um novo modelo de relações preferenciais, como fora o modelo de
relações sustentado com a Grã-Bretanha durante o século XIX, tudo isso com o
fim de assegurar uma mudança qualitativa na inserção internacional da Argentina
no século XXI.
A adoção do modelo econômico e a aplicação da política exterior segundo
o paradigma do Realismo Periférico implicava, pelo menos, cinco condições: 1)
uma aliança com os Estados Unidos; uma aproximação com as potências vencedoras
da Guerra Fria; diminuição do perfil político do problema das Malvinas nas relações
com a Grã-Bretanha e o abandono do foro dos Não-alinhados; 2) uma aceitação
das “novas regras de jogo da economia e política mundiais” na construção da nova
ordem; quer dizer, é a potência hegemônica e sua aliança triunfante que decidem
suas condições e agenda; 3) um aprofundamento dos vínculos transnacionais da
Argentina, mediante a aplicação de uma política econômica de abertura unilateral,
desregulação, privatizações, retração do Estado e ausência de qualquer controle
sobre os capitais e as inversões diretas estrangeiras; 4) ruptura da coincidência na
gestão do Governo, entre a gestão econômica e gestão político-social, rompendo
com a coincidência que fora dominante desde a chegada de Perón ao Governo em
1946; 5) reformulação da concepção original da integração entre Argentina e Brasil;
a mudança de uma estratégia de regionalização baseada em uma aliança estrutural
(centrada na concepção autárquica do desenvolvimento nacional) para um modelo
de mercado comum baseado na conformação de um universo geográfico tarifário
comum, que leva à criação do Mercosul.
Sem embargo, logo apareceram as contradições internas no modelo de
política exterior. Para abandonar este ponto é imprescindível assinalar previamente
que não se pode separar, do resultado da política, a visão que têm os homens que
formulam parte – ou que influem na formulação – da política, das tomadas de
posição institucional, no nível governamental (Executivo, Chancelaria). Embora
isto também ocorra no Brasil, seu impacto neste é menor, na medida em que há
uma maior tradição de política que confere um forte peso às tendências
predominantes consagradas pela tradição e pela imagem como país.
Dois debates surgem no interior do grupo de poder argentino, no nível dos
policy makers: os que têm posições mais liberais, que buscam como objetivo
estratégico fazer da Argentina parceiro permanente dos Estados Unidos, versus
aqueles que resgatam algumas posições nacionalistas do peronismo histórico e que
pressionam por uma política menos alinhada com Washington. O outro debate é
entre aqueles que fomentam um aprofundamento da inserção global da Argentina
versus aqueles que preferem o Mercosul como cenário mais importante.
Seguindo a argumentação sobre política exterior de alguns dos mais
importantes policy makers argentinos e acadêmicos liberais, o Brasil se encontra
AS RELAÇÕES ENTRE ARGENTINA, BRASIL, CHILE E ESTADOS UNIDOS... 95

no terceiro lugar nas preocupações ou objetivos-chave da “nova política exterior”,


depois da inserção multilateral no capitalismo central e da relação especial com os
Estados Unidos.
Um dos elementos fundamentais dos dois primeiros objetivos constitui a
adesão às concepções sobre a segurança dessa visão predominante sobre a nova
ordem mundial, perspectiva que é muito diferente na Argentina e no Brasil, na
medida em que neste último país – tanto no Executivo quanto no Congresso e no
Itamaraty – se rechaça a visão do Realismo Periférico, não se concorda com o
modelo de política exterior argentino e há oposição à busca de acordos militares
entre o Mercosul e a OTAN, tal como propõem alguns intelectuais ligados ao
pensamento governamental argentino.
Surgem, assim, a respeito do Brasil (como também se sucede ali), posições
antibrasileiras e antichilenas (da mesma maneira como se sucede em Santiago a
respeito da Argentina) que dificultam a coordenação entre proposta, formulação e
aplicação de políticas nas relações bilaterais e sub-regionais.
Como conseqüências dessas dinâmicas, surgiram contradições no discurso
da política bilateral. Em primeiro lugar, aparece a oposição à candidatura do Brasil
ao Conselho de Segurança da ONU, que faz reviver uma disputa pela hegemonia
sub-regional entre os dois países. Em segundo lugar, ao buscar uma “formalização”
da aliança com os Estados Unidos, através da fórmula de aliado extra-OTAN, tal
ação é percebida como uma política deliberada para gerar desequilíbrio militar no
Cone Sul (leitura de Santiago) e como uma ação destinada a fraturar a relação
fundamental entre a Argentina e o Brasil (leitura de Brasília).
As contradições se ressaltam ao contrapor essas políticas (e seus
resultados) com a realidade das relações econômicas da Argentina com seus
vizinhos: o Brasil é o destino de 35% do comércio exterior da Argentina e o Chile
é o seu terceiro maior investidor direto estrangeiro.
No entanto, é necessário analisar as relações entre a Argentina e o Brasil
– com o fim de se advertir para as coincidências e os distanciamentos – em um
marco de análise mais estrutural.
Em ambos os países existe um debate entre a inserção global e a inserção
no Mercosul. A Argentina tem buscado uma “relação especial” com os Estados
Unidos e aceita a política de Washington, assim como a formação de “missões
unilaterais” (Golfo; Haiti).
O Brasil, ao contrário – e em relação coerente com seus objetivos como
país –, tem uma política multilateralista; evita contribuir para o reforço da capacidade
de intervenção unilateral de Washington tanto na OEA quanto na ONU. Por último,
em ambos os países há manifestações de desconfiança recíproca.
Este aspecto, estreitamente vinculado às percepções (que em política têm
tanta importância), merece uma pequena detenção analítica. As percepções de
desconfiança na Argentina vis-à-vis do seu sócio têm quatro fundamentos: 1) o
96 RAÚL BERNAL-MEZA

projeto brasileiro do ALCSA é visto como uma pretensão de fazer da América do


Sul sua própria ALCA; 2) as políticas que o Brasil fomenta para crescer também
deveriam fazer crescer o Mercosul, questão que não é evidente; 3) as perspectivas
de fortalecimento do Mercado Comum se relativizam com medidas unilaterais
como a “1569”; 4) as contradições entre as tendências internas rumo à inserção
global e aquelas pela inserção no Mercosul debilitam as posições de bloco e afetam
as leituras externas sobre o destino do Mercosul.
Por sua vez, as percepções de desconfiança, no Brasil, vis-à-vis da política
argentina provêm, essencialmente, do que se define como uma política exterior
errática, contraditória e equivocada. Tanto no Executivo quanto na Chancelaria e
no Legislativo predomina um clima de desconfiança em relação à gestão Menem,
cuja fundamentação se encontra: 1) na inconstância argentina em temas e agendas
(mudanças de políticas, contradições, surpresas); 2) no fato de que a aliança da
Argentina com os Estados Unidos não é aceitável para um sócio “estratégico” do
Brasil; se se é sócio e aliado de um, não se pode ser, simultaneamente, do outro,
quando ambos possuem agendas com temas claramente conflitantes; 3) na rejeição
aberta ao modelo do Realismo Periférico e nas críticas à política exterior por sua
falta de continuidade, entre o que fomentava Alfonsín, o artífice da aproximação
bilateral, e o que fomenta Menem. É, então, sobre este cenário que se deve ler as
perspectivas e as dificuldades para o Mercosul e as tendências previsíveis para as
relações bilaterais.
Em relação à segurança – um tema particularmente importante na agenda
política norte-americana –, a Argentina e o Brasil têm objetivos nacionais claramente
distintos, em termos do papel a que aspiram desempenhar no sistema internacional.
Enquanto a Argentina tem buscado uma relação especial com os Estados Unidos
e aceita a política global de Washington (incluindo a conformação de “missões
unilaterais”), o Brasil optou por uma linha multilateralista, evitando contribuir para
o reforço dessa capacidade de intervenção unilateral de Washington. Neste sentido,
existem dificuldades substanciais que incidem negativamente na construção de
uma política de segurança e defesa comum, a partir das diferentes visões
estratégicas de ambos os países, ao que se agregam outros aspectos de índole
burocrática, como a existência, no Brasil, de quatro ministérios vinculados à Defesa,
fato que, por si só, condiciona qualquer possibilidade de coordenação no nível
ministerial bilateral; uma situação que tende a se fazer mais complexa na medida
em que as corporações militares mantenham um peso decisivo na formulação de
certas políticas nacionais de desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico.
Os fatores de risco para o Mercosul surgem, em primeiro lugar, a partir da
constatação da falta de coordenação e consultas (não em termos “formais” mas
em termos de “conteúdos”) entre as duas capitais. Não obstante, ambos os
Presidentes tentaram diminuir o perfil de desentendimentos políticos nos últimos
meses, levando em conta o efeito que essas rixas estavam tendo sobre os operadores
AS RELAÇÕES ENTRE ARGENTINA, BRASIL, CHILE E ESTADOS UNIDOS... 97

econômicos. Contudo, se os dois países começarem a fazer cálculos a respeito das


vantagens nacionais sobre as vantagens sub-regionais (Mercosul), o destino do
acordo é duvidoso.
Em segundo lugar, do conflito entre as tendências à globalização e aquelas
rumo à regionalização cuja ambivalência gera políticas contraditórias que se
trasladam para as relações bilaterais e sub-regionais.
Em terceiro lugar, da relação privilegiada com os Estados Unidos.
Washington é um ator essencial, que pode por em risco as relações Argentina-
Brasil.
Em quarto lugar, do limitado avanço na construção de estruturas
supranacionais.
Em quinto lugar, do nulo avanço na coordenação de políticas
macroeconômicas; um fator chave para a consolidação de posições comuns no
nível multilateral e em relação aos objetivos econômicos dos Estados Unidos na
América Latina.
Por último, da visão de que se não se recupera a perspectiva “estrutural”
do Mercosul (e se começa a vê-lo como um instrumento chave dentro da concepção
do desenvolvimento e da articulação da cooperação para o progresso em termos
científicos, tecnológicos e industriais), não haverá nem alianças nem integração
que sirvam ao Brasil como instrumentos para seus objetivos de inserção internacional.
Quanto às relações bilaterais, em ambas as capitais se considera que elas
são fundamentais para o avanço do Mercosul; que as mesmas estão bem, mas que
poderiam estar muito melhor. As percepções sobre as respectivas políticas fazem
com que surjam dificuldades para a consulta e coordenação de políticas externas
em distintos temas. Estas situações incomodam mais o Itamaraty do que o
Presidente F. H. Cardoso. E, na medida em que ele é o condutor da política exterior,
as relações bilaterais não sofreram impactos importantes, pois Cardoso privilegia a
continuidade dessas relações sobre as leituras críticas provenientes de outros setores
(Itamaraty, Congresso). Entretanto, é um claro e grosseiro erro dos condutores da
política exterior argentina não levar em conta as mensagens provenientes destas
duas instâncias, na medida em que, no Brasil, ambas têm um significativo poder e
influência e que, em grande medida, dizem em seu discurso o que o próprio
Presidente Cardoso pensa e não pode dizer. Tudo isso faz com que a tendência
previsível seja a de um misto de confiança e desconfiança.
Para concluir esta análise, deveríamos retomar dois temas, de cuja
interpretação surgem elementos fundamentais para o diagnóstico e a prospectiva:
o primeiro é o da não consolidação (ou construção) de estruturas supranacionais
no Mercosul; o segundo é o do peso do tema do Conselho de Segurança.
O limitado avanço e o desinteresse manifestado pelo Brasil pelo
desenvolvimento de estruturas supranacionais obedece a duas razões principais,
que, justamente, não permitem a coincidência entre os sócios. Com efeito, enquanto
98 RAÚL BERNAL-MEZA

para Argentina, Paraguai e Uruguai elas podem diminuir as assimetrias de poder


em benefício do Brasil, para este elas limitariam sua autonomia e a expansão de
sua hegemonia na região, sendo, ademais, uma limitação para seus objetivos políticos
e econômicos de inserção internacional tanto como “potência média” quanto como
“país continental”.
Quanto ao tema do Conselho de Segurança, este é um assunto de máxima
importância para o Itamaraty, porém, não o é para o Presidente Cardoso. Contudo,
até que o tema se resolva, não haverá avanços importantes para a construção do
Mercosul político, porque o Brasil não fomentará nenhuma política que possa ser
lida em Washington como negativa para sua aspiração de ser reconhecido como
“o candidato natural” a ocupar o assento representativo da América Latina, ou
que possa afetar essas perspectivas.
Como reflexão final, em relação à Argentina e sua política exterior, se
adverte, neste país, para as dificuldades que se mantêm para a construção de uma
política de Estado em matéria internacional. Embora seja provável que até as eleições
presidenciais de 1999 não haja uma mudança substancial da política exterior – já
que, para tanto, deveriam se dar duas condições: uma mudança da política
econômica e inserção externa e uma predominância dos setores mais nacionalistas
ou “históricos” do peronismo na formulação da política internacional –, a realidade
é que a aliança de oposição ao atual Governo do Presidente Menem, integrada
pela Unión Cívica Radical (do ex-Presidente Alfonsín, artífice, junto com Sarney,
da integração argentino-brasileira) e pelo Freñaso, rechaça tanto o paradigma sobre
o qual se construiu o “Realismo Periférico” como a este e suas conseqüências
políticas; olhando com certo receio a aliança com os Estados Unidos.

Chile

As relações do Chile com o Brasil, a Argentina e o Mercosul, desde uma


leitura rápida, parecem complexas, tanto pela riqueza de seus crescentes vínculos
quanto pelas mensagens obscuras que elas mantêm.
Centrando a análise no Mercosul, o que primeiro surge é a pergunta que –
de fato – já foi formulada em Santiago: Mercosul-Chile, sócios plenos ou o que?
Mais além do discurso de Santiago, em relação a que teria uma posição ou
condição similar à do Brasil (global trader), dada a estrutura diversificada de seu
comércio internacional, é evidente que sua política exterior, nos últimos anos, tem
buscado transformar o País em um sócio relevante para os Estados Unidos, neste
caso, através de sua integração ao NAFTA ou um acordo bilateral com aquela
potência, assim como tratar de manter o País como um exemplo de modelo
econômico aos olhos dos Estados Unidos, denominação em que coincidiram as
recentes administrações norte-americanas. Isto é compreensível, na medida em
que o Chile tem um Governo centro-esquerda mas segue uma política econômica
AS RELAÇÕES ENTRE ARGENTINA, BRASIL, CHILE E ESTADOS UNIDOS... 99

que, embora não seja abertamente neoliberal, mantém alguns dos delineamentos
fundamentais desenhados pelo modelo econômico do regime Pinochet, cuja
conseqüência social é a continuidade de um marcado desvio na distribuição da
renda.
A partir dessas características governamentais, a vontade de fazer do
País esse modelo de desenvolvimento (alternativo ao exemplo dos “tigres asiáticos”)
e um pilar da política de abertura comercial na América Latina, para colocar Santiago
como eixo privilegiado de negócios financeiros e comerciais no Mercosul, tem
como elemento chave o necessário aval norte-americano.
Justamente o interesse de Washington no Chile radica na continuidade de
sua política econômica de linhas neoliberais, porque aparece como o modelo e
exemplo a se seguir pelas demais economias da região em seus objetivos de
integração ao NAFTA e/ou à ALCA. Isto explica o fato de que duas administrações
norte-americanas distintas, uma republicana e a outra democrata, tenham posto a
mesma atenção e esforço para conceder ao Chile o ansiado status de “sócio”.
No entanto, é necessário considerar, também, alguns aspectos estruturais
que determinam, hoje, os delineamentos da política exterior chilena. O País teve,
durante algumas décadas do século XX, uma política de ativismo internacional, até
1973, que não condizia com sua dimensão econômica e suas capacidades e poder.
Tal ativismo – que, não obstante, se traduziu em imagem e prestígio, que acompanhou
os esforços diversificados de cooperação internacional fomentados com o respaldo
em sua tradição democrática – teve sempre um condicionante externo: a
dependência de sua economia com relação ao centro da hegemonia.
A atual política exterior é conservadora e pragmática, sendo antes uma
expressão de um Estado comercial do que um exemplo de sua tradição de ativismo.
Quiçá nesta mudança tenham influído tanto as condições herdadas de quase duas
décadas de autoritarismo quanto a necessária revisão de algumas categorias
históricas que foram muito importantes no passado, mas que, à luz do pragmatismo
econômico, ante o processo de transição e mudança da economia e da política
mundiais perderam certa vigência.
A agenda “política” das relações bilaterais com os Estados Unidos está,
hoje, ausente, na medida em que não existem problemas (incluindo alguns temas
de caráter comercial, como as acusações norte-americanas de dumping à indústria
chilena do salmão e as pressões norte-americanas por uma maior abertura de sua
economia, que, sem embargo, paradoxalmente, é uma das mais abertas do mundo).
O realismo pragmático frente aos Estados Unidos, traduzido em extensos períodos
como um “alinhamento”, coincidiu com a aceitação interna da reprodução do modelo
centro-periferia (graças à reprodução constante de sua heterogeneidade estrutural)
e do papel de sua estrutura econômica em dito subsistema.
Se imaginamos os objetivos que os Estados Unidos perseguem na região
(construir um mercado amplo em seu benefício, deslocando competidores extra-
100 RAÚL BERNAL-MEZA

regionais; fortalecer as políticas econômicas de abertura e desregulação, etc.),


adverte-se para o fato de que o Chile é uma peça regional chave em sua estratégia
e, portanto, também em relação ao Mercosul, para aproximá-lo o mais possível das
aspirações e objetivos da política comercial da Casa Branca.
É por demais evidente que o ingresso do Chile no NAFTA (para o que já
existem acordos bilaterais com o México e com o Canadá e para o que só seria
necessário tecer um acordo com os EUA) debilitaria as perspectivas do Mercosul
como pólo de atração alternativo no nível sub-regional e hemisférico.
Por outro lado, ainda que a economia do Chile seja, mais ou menos, 40%
da economia argentina e, apenas, 9% da economia brasileira, os Estados Unidos
exportam para o Chile mais do que exportam para países-continente tão importantes
quanto a Indonésia ou a Rússia.
Quanto às relações com a Argentina e o Brasil, vale a pena assinalar que
o Chile é o terceiro investidor direto estrangeiro na Argentina (ainda que de algumas
análises sobre a inversão produtiva e de serviços de longo prazo se possa considerar
o segundo) e é, também, o terceiro investidor estrangeiro direto no Brasil, depois
de Estados Unidos e França.
Politicamente, as relações do Chile com o Brasil têm sido historicamente
mais estreitas do que com a Argentina, embora um objetivo tradicional da política
exterior chilena tenha sido o de fazer de seu vizinho seu sócio mais importante.
Durante os últimos treze anos, as relações bilaterais entre o Chile e a Argentina
melhoraram substancialmente. Solucionou-se 22 dos 24 problemas limítrofes
pendentes e se avançou, como nunca anteriormente, na integração de infra-estrutura
(caminhos, gás, energia elétrica), o que faz pensar em uma integração estrutural
de longo prazo. O processo foi acompanhado por um investimento externo sem
precedentes no nível dos países em desenvolvimento, chegando as inversões chilenas
na Argentina a um total estimado de cerca de dez bilhões de dólares. Contudo, a
aliança argentina com a OTAN ressuscitou os zelos nacionalistas e geopolíticos,
abrindo espaços para novas desconfianças.
O apoio do Chile à candidatura do Brasil ao Conselho de Segurança (sendo,
assim, o primeiro país da região à fazê-lo) deve ser percebido neste contexto. Não
obstante, foi um ato gratuito do Chile para com o Brasil, porque, hoje, em Brasília,
ninguém pensa no Chile como um ator chave de uma percepção de segurança já
abandonada e que se baseava no clássico “equilíbrio de poder” sul-americano.
Pelo contrário, a Argentina é – ainda para os críticos de sua política exterior – o
sócio fundamental do Brasil na América do Sul.
Estes elementos e a importância que o Mercosul está tendo em seu
comércio exterior e suas exportações financeiras justificam, ademais, a pretensão
de seus sócios – Brasil e Argentina – de que compartilhe do Mercosul não só os
benefícios com que lhe brinda seu atual status de “associado” como, também,
compartilhe os desafios (políticos e econômicos), integrando-se de maneira plena.
AS RELAÇÕES ENTRE ARGENTINA, BRASIL, CHILE E ESTADOS UNIDOS... 101

Estados Unidos, ALCA e Mercosul

Como acontece nas redes de relações bilaterais ou sub-regionais que


envolvem os países em desenvolvimento, existem sempre outros atores –
hegemônicos – que têm distintos níveis de influência e incidência em tais relações.
No caso sul-americano, este ator é a potência extra-regional: os Estados Unidos.
Este País começa a se preocupar com o tema do Mercosul já avançado o
ano de 1992, aprofundando-se tal interesse a partir de dezembro de 1994.
São distintos os fatores que induzem à preocupação por esse mercado em
processo de integração. A maioria deles está relacionada com a situação e posição
dos Estados Unidos na atual economia mundial capitalista e sua perda de
competitividade industrial e comercial. Foi a partir dessa realidade, cujas tendências
já eram evidentes em meados dos anos 80, que a potência começou a formular
novas estratégias de ordem econômica, com o fim de promover o reforço dos
laços comerciais dos países latino-americanos com sua estrutura econômica e
industrial. Daí, surgiram propostas como a Iniciativa para a Bacia do Caribe,
Iniciativa para as Américas e, finalmente, sob a administração Clinton, a proposta
de criação da ALCA.
Este projeto abria novas oportunidades para a economia norte-americana,
ampliando seu comércio exterior por intermédio das tarifas preferenciais que
deslocariam seus competidores extra-hemisféricos. É por isso que as autoridades
da atual administração começaram a ver no Mercosul um obstáculo para a ALCA
(IRELA, 1997b).
Entre as causas do retorno das preocupações com nossa região – e, em
particular, com o Mercosul – merecem destaque as seguintes:

1) A convicção de que os Estados Unidos estão perdendo terreno na região nas


mãos de seus competidores (União Européia, Japão-NIC’s).
2) O deslocamento da competição mundial, da esfera da segurança e do
ideológico à rivalidade econômica intracapitalista e às mudanças ocorridas na
economia política mundial (globalização/mundialização e regionalização), que
fazem possível a adoção de políticas de alianças seletivas nos países da
América Latina, dirigidas para a promoção de políticas exteriores mais
autônomas que permitam alcançar maiores garantias de desenvolvimento
econômico. Isto abre caminho para a exploração de cenários alternativos que
recortariam a dependência desses países em relação à economia norte-
americana.
3) A percepção de que alguns atores regionais estão aspirando a alcançar uma
maior influência política a nível mundial (em particular, o Brasil), o que se
traduziria em maiores margens de autonomia. A busca de novos sócios e o
fortalecimento do Mercosul poderiam aumentar essa autonomia.
102 RAÚL BERNAL-MEZA

4) O crescimento substancial do comércio intra-Mercosul e a decisão de novos


países de se integrar ao mesmo (primeiro o Chile; logo, a Bolívia; depois, a
Venezuela e o Equador).
5) O crescimento do mercado latino-americano nas exportações totais norte-
americanas. Durante os anos 90, estas exportações passaram de 38% para
42%. Em 1996, as exportações para o resto da América representaram 50%
do crescimento total das exportações dos Estados Unidos. As projeções
mostram que a América Latina será um mercado cada vez mais importante
para as exportações norte-americanas, em comparação com os mercados da
União Européia e do Japão juntos.
6) A crescente percepção de que o êxito da ALCA passa pela relação NAFTA-
Mercosul, tal como se pode depreender do desenvolvimento da Cúpula de
Belo Horizonte.
7) Por último, o recente informe do Departamento de Comércio ao Senado norte-
americano assinala que os Estados Unidos perderam competitividade em suas
exportações para a Ásia, África do Sul, Turquia e outros, em benefício de
seus concorrentes europeus e japoneses.

Sem embargo, existem outras razões de índole mais política e que se


vinculam à crescente competição entre os Estados Unidos e a União Européia
pelos cenários de economias “emergentes”. Daí, surgem as seguintes preocupações:

— A intranqüilidade com as iniciativas européias (especificamente, com a


impulsionada pelo Presidente francês Jacques Chirac) e a proposta de se
celebrar, em 1998, uma cúpula de presidentes e primeiros ministros entre a
União Européia e o Mercosul (IRELA, 1997a), que seria o início de uma
nova rede de vínculos políticos entre ambas as regiões. Esta proposta se dá
em um momento em que as relações interamericanas quase não registraram
modificações, com exceção da visita do Presidente Clinton à Venezuela, ao
Brasil e à Argentina, durante o mês de outubro de 1997 e a presença do
presidente norte-americano na Cúpula de Santiago de abril de 1998.
— A percepção, em Washington, de que a iniciativa da Cúpula União Européia-
América Latina é um esforço para gerar um contrapeso paralelo às “Cúpulas
das Américas”.
— A iniciativa da Cúpula européia-latino-americana surge em um contexto de
crescente competição entre a União Européia e os Estados Unidos pelo
mercado latino-americano. Em particular, tal competição se faz cada vez
mais explícita depois dos acordos da União Européia com o Mercosul (15 de
dezembro de 1995), com o Chile (21 de junho de 1996) e com o início das
conversações com o México.
AS RELAÇÕES ENTRE ARGENTINA, BRASIL, CHILE E ESTADOS UNIDOS... 103

— As próprias dificuldades e incertezas em torno da implementação da ALCA,


como conseqüência das travas do Congresso norte-americano, têm dado maior
ímpeto às possibilidades de uma aliança comercial na América do Sul, com o
centro dinâmico no Mercosul.

Os Estados Unidos estão enfrentando o desafio da competição dentro do


capitalismo mundial. Ao assumir o cargo de Secretário do Departamento de
Comércio, William Daley impulsionou uma ampla reestruturação de tarefas e
procedimentos das missões comerciais norte-americanas, com objetivo de duplicar,
antes do ano 2000, o atual volume de exportações, levando sua cifra a 1,2 trilhões
de dólares. Contudo, as iniciativas comerciais e econômicas constituem, também,
um instrumento de política “política”, na medida em que o melhoramento dos laços
econômicos dos Estados Unidos com outros países aponta para o melhoramento
das respectivas relações bilaterais com cada um de seus sócios comerciais. Da
perspectiva de Washington, um objetivo importante seria garantir a estabilidade
política, resultado esperado do aprofundamento dos vínculos econômicos. A
recuperação da presença em licitações internacionais, a promoção das inversões
norte-americanas e das exportações tomam parte na estratégia para a promoção
de um novo espírito nas suas relações bilaterais e multilaterais.
A América Latina é uma região de crescente importância econômica para
os Estados Unidos. É neste cenário, de competição econômica e de reações políticas
em torno dos avanços do Mercosul e da interpretação do papel que desempenha
este esquema de integração nos interesses da potência média emergente (Brasil),
que devem ser lidas as diferentes iniciativas, econômicas e políticas, dos Estados
Unidos na região.
É possível, então, que se esteja nos prolegômenos de uma mudança
cumulativa nas relações com a América Latina. Historicamente, os Estados Unidos
tiveram dois objetivos de longo prazo na região: criar uma zona de influência,
reduzindo as ingerências de potências extra-regionais, e promover a estabilidade,
uma fórmula por demais ambígua cujo custo em termos políticos foi enorme para a
América Latina durante todo o período da Guerra Fria. Foi paradoxal que – apesar
do intervencionismo e da permanente vigência da Doutrina Monroe – os Estados
Unidos não se tenham interessado nunca em desenvolver uma relação política
estreita com a América Latina, apesar desta ter dado, desde o final da década de
80, passos significativos rumo a uma nova relação com a potência, para o que
foram funcionais as políticas dos governos e coalizões que vinham aplicando políticas
econômicas neoliberais, de abertura e desregulação.
Atualmente, é evidente que Washington está implementando uma política
destinada a frear o progresso do Mercosul e, simultaneamente, isolar o Brasil da
América do Sul. Para tanto, está operando através de quatro estratégias políticas:
104 RAÚL BERNAL-MEZA

1) A proposta da ALCA e o fast-track como atrativos.


2) Atraindo o Chile para o eixo NAFTA.
3) Desativando as novas iniciativas de cooperação política sub-regionais que
pareciam estar sendo geradas entre o Brasil, a Argentina e o Chile, usando
como instrumentos de divisão e ruptura a política de segurança (levantando o
bloqueio da venda de armas a países da América Latina, estabelecido durante
a presidência de Carter).
4) Operando sobre a Argentina com propostas políticas vinculadas à segurança
(aliança extra-OTAN).

Conclusões

Creio que se deva deixar de lado argumentações ingênuas como as do


Chanceler Di Tella, assinalando que o “Brasil não é amigo dos Estados Unidos”
porque os países não têm amigos ou inimigos; têm interesses e sobre eles se
constróem laços de amizade, cooperação ou conflito.
O tema é clássico. Sua base está nas disputas entre uma potência
hegemônica em declínio e uma potência média emergente, enquanto outras potências
decidem, unilateralmente, sua vocação de aliança ou adesão a um determinado
bloco de poder mundial.
Seria ingênuo imaginar que, no momento atual, não existem problemas nas
relações entre os Estados Unidos e o Brasil – que repercutem sobre o Mercosul –
e entre os países do Cone Sul, que também influem no destino do Mercosul.
Um estudo elaborado pela Fundação de Estudos no Brasil (IRELA 1997b:6)
assinala que os Estados Unidos são o país que impõe o maior número de barreiras
não-tarifárias ao ingresso de produtos brasileiros a seu mercado interno.
Antes da Rodada Uruguai do GATT, os Estados Unidos aplicavam tarifas
médias de 5,1% às exportações brasileiras rumo a seu mercado. Depois da Rodada,
o leque tarifário vai de tarifas entre 0 e 188%. São aplicadas, adicionalmente,
tarifas especiais ao tabaco, ao ferro fundido, ao suco de laranja e outros produtos.
Foi estabelecido um sistema de “preços de entrada” para as frutas; taxas de
processamento e taxas portuárias para outros produtos e “quotas tarifárias” para o
açúcar e o tabaco. Ademais, aplica-se a legislação anti-dumping à produção do
complexo siderúrgico de Volta Redonda, quando esta empresa foi privatizada e,
portanto, já não recebe mais subvenção estatal.
Entendendo, pois, que a agenda bilateral é, e continuará sendo, pelo menos
difícil, o Brasil está aprofundando suas estratégias rumo à região.
O Brasil aspira a fazer do Mercosul o eixo de seu projeto ALCSA. Sendo
este país o líder natural do Mercosul e os Estados Unidos o do NAFTA, é natural
que ambos os países tenham a capacidade de determinar o perfil da ALCA. O
Brasil não tem o poder de determinar ou não sua implementação; mas, sim, pode
AS RELAÇÕES ENTRE ARGENTINA, BRASIL, CHILE E ESTADOS UNIDOS... 105

influir com sua decisão de não integrá-la se as condições não corresponderem a


seus interesses, enquanto defende sua estrutura industrial de uma competição para
a qual não está preparada.
Existem coincidências nos distintos âmbitos de poder no Brasil a respeito
do fato da ALCA ser um grave perigo para seu desenvolvimento econômico, visto
que o País teria que competir pelo mercado latino-americano com a produção
norte-americana. Neste sentido, se os países latino-americanos – e os sócios do
Mercosul – aceitarem iniciar negociações com os Estados Unidos para a
implementação da ALCA, tal como os Estados Unidos já propuseram de maneira
sutil porém concreta durante a Cúpula de Santiago do Chile, o Brasil não aceitará
e isto terminará por isolar o País e, conseqüentemente, derrubar o Mercosul. O
argumento é que a indústria nacional não está em condições de competir com a
indústria norte-americana em um cenário de redução tarifária acelerada porque os
efeitos econômicos e sociais seriam desastrosos.
Porém, ao mesmo tempo – e vistas as dificuldades do Presidente Clinton
em obter do Congresso norte-americano a autorização para o fast-track –, existem
maiores possibilidades de que um Mercosul ampliado possa transformar-se no
eixo da integração comercial no hemisfério ocidental, mais do que a possibilidade
de que o seja um TLC ampliado.
Isto explica porque os Estados Unidos fomentam políticas cujos efeitos
podem isolar o Brasil da aliança atlântica (OTAN), buscando distanciá-lo
politicamente da União Européia, pondo em lugar de destaque a Argentina; quer
dizer, desempenhando o papel de “repartidor supremo”, atraindo a Argentina.
A respeito das relações deste último país com o Brasil, vale a pena recordar
os fatores positivos das mesmas.
Historicamente, houve ciclos de tensão e distensão nas relações argentino-
brasileiras durante o século XIX, ciclos que giraram em torno de problemas de
fronteira, armamentos, problemas limítrofes entre o Chile e a Argentina, políticas
de imigração, etc. Durante o século XX, estes ciclos se repetiram, com os paradigmas
de desenvolvimento (Vargas, Perón) e o aproveitamento dos rios.
A herança histórica assinala que, em ambos os países, desde os anos de
1930, o Estado foi o motor dos processos de mudança e modernização. Outros
aspectos positivos, nos anos recentes, têm sido o peso da opinião pública e da
“academia” e meios intelectuais na aproximação bilateral. Nunca houve tanta
influência na formação da opinião pública e no meio político destes setores. A
concertação política mais os contatos e encontros regulares entre diferentes atores
de ambos os países levaram a uma intensidade sem precedentes os vínculos
bilaterais. O Brasil é, hoje, o mercado mais importante das exportações argentinas.
Ao mesmo tempo, existe cada vez mais consciência de que a geografia é uma
determinante estrutural a qual não se pode excluir.
106 RAÚL BERNAL-MEZA

É nossa opinião que a Argentina e o Brasil, como também o Chile,


representam distintos modelos de política exterior, que respondem mais a questões
de índole interna – coalizões e alianças de governo; concepções sobre as estratégias
possíveis de desenvolvimento nacional; antecedentes históricos e estrutura do padrão
de inserção econômica internacional – e externa, que vinculadas a estas ou
explicadas a partir do fato de que as políticas implementadas sejam um reflexo e
reação frente aos acontecimentos que se produzem fora da região. Ambas as
perspectivas permitem, mesmo assim, justificar a existência – ou não – de espaços
alternativos de inserção e gestão internacional, ainda no marco do “unipolarismo”,
cujo um dos exemplos, paradoxalmente, é a própria construção do Mercosul político.
Neste contexto, seria recomendável uma revisão da política exterior
argentina, quanto a seus objetivos e métodos, com o fim de clarificar suas relações
internacionais, evitando ser – justificadamente ou não, voluntariamente ou não –
um novo ponto de apoio para a política intervencionista norte-americana.

Junho de 1998

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AS RELAÇÕES ENTRE ARGENTINA, BRASIL, CHILE E ESTADOS UNIDOS... 107

Resumo

O artigo apresenta uma reflexão de teoria e política que busca inserir a


análise da política exterior de Argentina, Brasil e Chile no quadro das relações
hemisféricas (Estados Unidos) e do Mercosul. No caso dos três países latino-
americanos, apresenta-se uma identificação das tendências predominantes na
interpretação da inserção possível, da visão de si mesmos no atual sistema
internacional e uma aproximação geral das agendas bilaterais, sub-regionais e da
agenda hemisférica norte-americana.

Abstract

The article presents a reflection about theory and politics that look forward
to insert the analysis of Argentina’s, Brazil’s and Chile’s foreign policy in the context
of hemispheric relations (with the United States) and of Mercosur. In the case of
the three Latin-American countries, the article identifies the major tendencies on
the interpretation of the possible insertion, of these countries own view in the
nowadays international system and a general approximation of the bilateral, sub-
regional and North-American hemispheric agendas.

Palavras-chave: Argentina. Brasil. Chile. Estados Unidos. Agenda Regional. Política


exterior.
Key-words: Argentina. Brazil. Chile. United States. Regional agenda. Foreign policy.
108 ODETE MARIA DE OLIVEIRA

Desafios e dilemas dos grandes


países periféricos: Brasil e Índia
SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES*

Introdução
Este artigo argumenta que se, por um lado, Brasil e Índia apresentam
significativas diferenças como sociedades e Estados, o que explicaria o histórico
isolamento recíproco, caracterizado pela fragilidade de vínculos políticos e
econômicos,1 por outro, situam-se em uma categoria especial quando se examina
o conjunto de países que constituem a periferia do sistema político e econômico
capitalista mundial.
Essa categoria, a que pertenceriam a Índia e o Brasil, e a que denominamos
nesse artigo de “grandes países periféricos”, defronta-se com um cenário
internacional, resultado de um longo processo histórico, organizado em torno do
que são conceituadas, no artigo, como “estruturas hegemônicas de Poder”.
O artigo descreve as características desse cenário, suas contradições
principais, as estratégias de preservação e expansão de poder daquelas estruturas
hegemônicas e, por fim, sugere objetivos estratégicos que o Brasil e a Índia, como
grandes países periféricos, deveriam procurar atingir. Os desafios para os grandes
países periféricos são superar tanto as vulnerabilidades externas quanto as
disparidades internas e construir a democracia real e, assim, serem capazes de vir,
ou virem, a integrar aquelas estruturas ou deixarem de estar a elas subordinados.
O dilema é que ou enfrentam esses desafios, e para tal terão um relacionamento
complexo, tenso e difícil com aquelas estruturas, ou permanecerão em situação de
crescente inferioridade, devido à concentração de poder econômico, político e militar,
e enfrentarão um processo de desagregação econômica interna, de instabilidade
política e de eventual fragmentação territorial.

Contrastes: Brasil e Índia


Brasil e Índia são sociedades e Estados que exibem extraordinárias
diferenças. A Índia é uma sociedade de civilização oriental, multimilenar e

Rev. Bras. Polít. Int. 41 (1): 108-131 [1998]


* Embaixador. Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais da Fundação Alexandre de
Gusmão do Itamaraty.
DESAFIOS E DILEMAS DOS GRANDES PAÍSES PERIFÉRICOS: BRASIL E ÍNDIA 109

consolidada; já o Brasil é uma sociedade de raízes ocidentais, recentíssima e em


formação. Ambas sujeitas ao impacto ininterrupto das idéias, dos costumes e das
políticas geradas no centro da sociedade internacional, difundido pelos meios globais
de comunicação: porém, sociedades isoladas entre si.
A Índia é o berço de religiões e filosofias e o Brasil um país puramente
importador de ideologias ocidentais. As religiões e filosofias da Índia correspondem
a uma sociedade multirracial, de numerosos idiomas e dialetos, de desigualdades
de gênero e de classe, estratificadas por costumes milenares, com poderosos
conflitos latentes. O Brasil, sociedade de origens plurirraciais, miscigenada, na
qual a origem étnica ou religiosa por si só não “classifica”,2 caracteriza-se pelo
idioma único e pela ausência de conflitos territoriais.
Tanto a Índia como o Brasil apresentam extraordinárias disparidades de
renda e de propriedade, de riqueza e de pobreza, de cultura e de barbárie. O Brasil,
apesar disto e talvez pela sua história recente, apresenta um grau mais elevado de
mobilidade social e espacial.
A Índia, ou melhor, os diversos Estados que vieram a constituir a Índia,
correspondiam a sociedades milenares e a Estados estruturados quando foram
invadidos e conquistados por uma potência ocidental que se tornaria hegemônica,
a Grã-Bretanha.3 As populações autóctones brasileiras, reduzidas e dispersas em
vasto território, de organização social e política primitiva, sem linguagem escrita,
foram dominadas por uma potência européia, Portugal, que não superou a etapa
mercantil de sua evolução capitalista, que rapidamente se colocou sob a proteção
inglesa e que estruturou o Brasil como parte do sistema político colonial.
A Índia, após uma longa e notável luta anticolonialista, atinge sua
independência em 1947 e se encontra, naquele momento, distante geograficamente
do novo centro hegemônico de poder, os Estados Unidos; porém, cercada de Estados
hostis ou poderosos. O Brasil transitou de uma situação colonial para a
independência por um ato de outorga política e se manteve dentro da mesma esfera
de influência hegemônica a que se ligava anteriormente, por meio de Portugal.
Distante de seus vizinhos pela floresta e pelas amplas regiões desabitadas, enfrentou
e enfrenta rivalidades, em menor grau, ao sul, no Rio da Prata, mas se encontra,
desde sua origem, na zona geográfica de influência da que viria a ser a principal
potência atual, os Estados Unidos.
A Índia é uma democracia parlamentar que, apesar das disparidades
econômicas, das tensões religiosas e étnicas e dos conflitos externos, não sucumbiu
ao autoritarismo militar, mesmo tendo forças armadas adestradas, numerosas e
aguerridas. O Brasil, a despeito de tensões internas e externas muito inferiores às
que têm ocorrido na Índia, sofreu, durante vinte anos, somente no período posterior
à Guerra, com o autoritarismo, militar e civil.
A Índia, por sua tradição de luta anticolonial, anti-racista, pacifista e
desarmamentista, esteve à frente do Movimento Não-Alinhado (MNA) que se
110 SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES

inaugura, em 1955, com a Conferência de Bandung. O Brasil não participou do


MNA e exercitou uma política exterior que oscilou entre períodos de alinhamento
ocidental e, por vezes, anticomunista militante, e períodos de razoável independência,
mas sem chegar ao não-alinhamento.

Brasil e Índia: grandes países periféricos

Apesar dessas notáveis diferenças, Brasil e Índia compartilham


semelhanças e interesses comuns por serem “grandes países periféricos”, o que
os distingue radicalmente dos países médios e pequenos da periferia. Grandes
países periféricos seriam aqueles países não-desenvolvidos, de grande população
e de grande território contínuo, não-inóspito, razoavelmente passível de exploração
econômica.
A importância econômica efetiva de uma grande população depende de
seu nível educacional, de saúde e de sua produtividade (que depende, por sua vez,
do estoque de capital) e, portanto, de sua renda. Ainda quando os indicadores de
educação, saúde e produtividade desses países não são altamente positivos, é
inegável que uma população numerosa, em um território extenso, traz, em si, um
grande potencial econômico, científico-tecnológico, militar e político.
A população numerosa possibilitaria, em princípio, desenvolver um maior
número de atividades produtivas e, em cada uma delas, atingir escalas econômicas
mínimas de produção. Do mesmo modo, a existência de um mercado interno mais
amplo, diversificado e dinâmico pode reduzir a importância do mercado externo, a
vulnerabilidade do sistema econômico a choques exógenos e, em conseqüência,
pode reduzir a possibilidade de oscilações bruscas nos níveis de bem-estar da
população e em sua trajetória de desenvolvimento.
A ocorrência de indivíduos altamente dotados – a despeito de depender
para se efetivar de fatores como níveis de escolaridade e renda – cresce com a
população, gerando efeito importante sobre as atividades de pesquisa científica e
tecnológica. Estas, por sua vez, são atividades sujeitas a economias de escala e
necessitam de um mercado garantido mínimo estável para aumentar a probabilidade
de recuperação dos investimentos feitos. Tais investimentos são de alto risco, devido
ao custo dos equipamentos sofisticados, da aleatoriedade de resultados e do tempo
longo de maturação. Por outro lado, a atividade militar moderna depende cada vez
mais da pesquisa científica e tecnológica para o desenvolvimento de seus
armamentos. Sem uma razoável autonomia quanto ao suprimento doméstico e
capacidade de aperfeiçoamento do equipamento bélico latu sensu, qualquer
organização militar está sujeita a “estrangulamento” externo pela interrupção do
suprimento de peças de reposição e de munição.4
O território extenso e passível de exploração econômica implica a
possibilidade de ocorrência de maior variedade de recursos minerais, de maior
DESAFIOS E DILEMAS DOS GRANDES PAÍSES PERIFÉRICOS: BRASIL E ÍNDIA 111

biodiversidade, de produção agrícola diversificada, de maior necessidade de pesquisa


e atividade espacial, de telecomunicações e aeronáutica, áreas de ponta do
desenvolvimento tecnológico e econômico. Estas potencialidades, caso exploradas,
acarretam menor dependência (da sociedade em território extenso) em relação ao
abastecimento externo de energia, de alimentos e de insumos industriais. Uma
menor dependência, agregada à maior importância relativa do mercado interno,
pode reduzir não só a vulnerabilidade do sistema econômico a choques externos
mas também sua vulnerabilidade a pressões políticas e militares exógenas.
O desenvolvimento de todas as potencialidades decorrentes de população
numerosa e de território extenso traria efeito notável sobre o potencial militar e
sobre a capacidade de exercer influência política nos âmbitos regional e mundial.
São essas potencialidades para promover maior acumulação de capital,
desenvolvimento científico e tecnológico, produção e produtividade, capacidade
militar convencional e não-convencional, competitividade ampla e diversificada
em nível internacional, com menor vulnerabilidade a choques e pressões externas,
que distinguem os grandes países periféricos dos demais países da periferia.
Os países médios, mas muito especialmente os pequenos Estados da
periferia, ainda que sejam capazes de acumular capital, desenvolver tecnologia e
alcançar níveis de bem-estar elevados, terão, devido às limitações de sua população
e território, de desenvolver graus mais elevados de especialização produtiva e de
depender em maior medida de insumos e de bens finais do mercado mundial e de
nele colocar parcela maior de sua produção. Por este motivo, os países médios, e
ainda mais os pequenos, mini e micro-Estados, estarão mais sujeitos a choques,
naturais ou artificiais, e a pressões externas tanto políticas como econômicas, sendo
mais vulneráveis e dependentes das estruturas hegemônicas de Poder e mais sujeitos
aos efeitos da evolução dos grandes fenômenos que caracterizam o cenário
internacional.

As estruturas hegemônicas de Poder

O cenário e a dinâmica internacional em que atuam os grandes países


periféricos não são novos e imparciais, e as sociedades, os Estados e os Governos
nunca iniciam sua atuação internacional a partir da “estaca zero”, com os mesmos
direitos, deveres e iguais oportunidades. Apesar do que parece ser a opinião de
alguns analistas, estes não são cenário e dinâmica em que os Estados, ao sabor dos
ventos e com plena independência, organizam alianças e participam de estruturas,
escolhendo, a cada momento, seus aliados para atingir seus objetivos.
O cenário internacional, com que se defrontam qualquer sociedade, Estado
e Governo, organiza-se em torno de estruturas hegemônicas de Poder, político e
econômico. Essas estruturas, resultado de um processo histórico, beneficiam os
países que as integram e têm como principal objetivo sua própria perpetuação.
112 SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES

O conceito de estruturas hegemônicas é preferível ao de Estado


hegemônico. Por Estado hegemônico se pode entender aquele Estado que, em
função de sua extraordinária superioridade de poder econômico, político e militar
em relação aos demais Estados, está em condições de organizar o sistema
internacional, em seus diversos aspectos, de tal forma que seus interesses de toda
ordem sejam assegurados e mantidos, se necessário pela força, sem Poder ou
coalizão de Poderes que possa impedi-lo de agir. Seria, por exemplo, a situação
dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. Poder-se-ia “atenuar” alguns
dos aspectos dessa definição ou incluir a idéia de que o Estado se caracteriza
como hegemônico na medida em que tem condições de abdicar de algumas
vantagens que sua situação lhe confere no interesse maior de garantir o conjunto
de seus interesses a longo prazo. É o que teriam feito os Estados Unidos em
relação ao Japão, permitindo uma política protecionista japonesa enquanto abriam
seu mercado aos produtos japoneses e, de forma semelhante, quanto à sua aceitação
do projeto europeu de constituição de uma Comunidade Econômica Européia.
Segundo alguns analistas, por não existir hoje um Estado claramente
hegemônico, o cenário internacional poderia ser melhor descrito como apresentando
uma unipolaridade (hegemonia) militar americana; uma multipolaridade (ausência
de hegemonia) econômica competitiva, em torno da chamada “tríade”: Estados
Unidos, Japão e União Européia; e um condomínio político exercido pelos membros
permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Outros analistas insistem em que o papel dos Estados é cada vez menor no
cenário internacional e que estariam eles sendo, crescente e rapidamente, substituídos
por empresas multinacionais, transnacionais, globais, que “eliminariam”, na prática,
as fronteiras e que desconsiderariam as legislações e políticas nacionais, de qualquer
Estado e, com maior razão, dos Estados periféricos.
Essa visão esquece que os interesses econômicos das grandes empresas
sempre estiveram vinculados aos Estados, de uma forma ou de outra, desde o
Comitê dos XXI da República Holandesa até as grandes companhias inglesas de
comércio e as transnacionais americanas de hoje. Todavia, as grandes empresas
atuais não têm como se transformar em organismos legislativos e sancionadores
legítimos, isto é, aceitos pela sociedade, que serão sempre indispensáveis enquanto
houver competição e conflito entre empresas, classes, grupos sociais, étnicos,
religiosos etc. As funções precípuas do Estado, além da defesa do território e de
sua soberania, são legislar, isto é, criar normas de conduta; sancionar, isto é, punir
os violadores dessas normas; dirimir conflitos sobre sua interpretação, e, afinal,
defender os interesses de seus nacionais e de suas empresas quando estas se
encontram sob jurisdição estrangeira. Tais funções não se confundem com as
funções da “empresa”, que são produzir e distribuir bens de forma privada, a partir
do mercado. A emergência de agências supranacionais, estruturas de natureza
estatal, não extingue nem modifica a necessidade daquelas funções do Estado,
DESAFIOS E DILEMAS DOS GRANDES PAÍSES PERIFÉRICOS: BRASIL E ÍNDIA 113

nem invalida o raciocínio acima. No passado, como o caso da Alemanha ilustra,


pequenos Estados soberanos ou semi-soberanos se uniram para formar entes
estatais maiores e assim melhor defender os interesses públicos e privados dos
membros de sua sociedade, indivíduos ou pessoas jurídicas. Portanto, o fenômeno
“supranacional” não é novo.
O conceito de “estruturas hegemônicas de Poder” evita discutir a existência
ou não, no mundo pós-Guerra Fria, de uma potência hegemônica, os Estados Unidos,
e determinar se o mundo é unipolar ou multipolar, se existe um condomínio ou não.
O conceito de “estruturas hegemônicas” é mais flexível e inclui vínculos de interesse
e de direito, organizações internacionais, múltiplos atores públicos e privados, a
possibilidade de incorporação de novos participantes e a elaboração permanente
de normas de conduta; mas no centro dessas estruturas estão sempre Estados
nacionais.
As estruturas hegemônicas, cuja liderança varia de acordo com o espaço
geográfico, o momento e o tema em questão, desenvolvem estratégias de
preservação de seu poder econômico e tecnológico, político, militar e ideológico.
Têm elas sua origem na expansão econômica e política da Europa, que se inicia
com a formação dos grandes Estados nacionais. Na Espanha, com a conquista de
Granada e a expulsão dos mouros (1492); na França, com o fim da Guerra de Cem
Anos (1453), a expulsão dos ingleses, e a criação por Henrique IV do Estado
unitário francês; e na Inglaterra, a partir da Rainha Elisabeth I (1558-1603). A
expansão européia se acelera com o ciclo das descobertas após a queda de
Constantinopla (1453) que força a busca de rota marítima para o Oriente e a
decorrente expansão mercantil e acumulação de riqueza com a formação dos
impérios coloniais, a partir de Cortez (1521) e de Pizarro (1533), e, no Brasil, a
partir da cana-de-açúcar em Pernambuco. A revolução tecnológica, militar e
industrial dos séculos XVIII e XIX, a partir da máquina a vapor (precondição da
indústria, ao substituir a força animal, hidráulica e eólica por uma fonte de energia
permanente, regulável e estável), consolida a supremacia européia no cenário
internacional.
A dinâmica dos ciclos de acumulação capitalista e das relações entre o
grande capital privado e o Estado e entre tecnologia, forças armadas e sociedade
explicam, em grande parte, os processos de formação das estruturas hegemônicas
de Poder. Esses processos passaram, entre 1917 e 1989, por uma fase crucial, de
disputa com o modelo socialista alternativo de organização da sociedade e do Estado,
interrompida pelo conflito, surgido no interior da própria estrutura, com os Estados
contestatários, a Alemanha e o Japão (1939-1946).
Superada essa fase crucial, as estruturas hegemônicas vêm procurando
consolidar sua extraordinária vitória ideológica, política e econômica, por meio da
expansão de sua influência e ação sobre os territórios que estiveram, até
recentemente, sob organização socialista (Europa Oriental, ex-União Soviética,
114 SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES

países socialistas asiáticos) e sobre aqueles territórios da periferia aos quais haviam
taticamente permitido “desvios” de organização econômica e política (e. g., Estado-
empresário, planejamento da economia pelo Estado) no período mais acirrado da
disputa com o modelo socialista alternativo.

A primeira estratégia: a criação de agências internacionais

As estratégias de preservação e de expansão do poder dessas estruturas


nessas “novas” áreas territoriais se desenvolvem em vários domínios e utilizam
diversas táticas e instrumentos.
No passado, as diferenças de poder econômico e político dentro das
sociedades eram justificadas pelas classes dominantes como decorrentes da vontade
divina. A partir de Locke e das revoluções francesa e americana tais diferenças
passaram a ser explicadas como resultado das variações da capacidade “natural”
entre etnias e classes sociais e o poder político se organizou com base na
propriedade e na riqueza. As diferenças de prosperidade e de riqueza continuaram
a ser “explicadas” como decorrentes, de certa forma, de vontade divina, como na
teoria da predestinação e da riqueza como evidência do favor divino, centrais na
ética protestante.
Tais teorias repercutiam no cenário internacional, justificando o
comportamento dos Estados europeus em seu relacionamento com as sociedade
“infiéis” e “atrasadas” da periferia que deveriam ser conquistadas para o
“cristianismo” e para a “civilização”. Na área internacional, as estruturas
hegemônicas se organizaram, após o Congresso de Viena (1815), mais ou menos
informalmente (por meio das reuniões do Concerto das Nações; da Santa Aliança;
dos sistemas de alianças conhecido como “equilíbrio de poder” na Europa) enquanto
agiam pela força, direta, ostensiva, e às vezes de forma coordenada, em zonas da
periferia para incorporá-las como colônias ou para subjugar revoltas contra seus
interesses como a história da expansão européia na África e na Ásia, e, em especial,
na China, bem exemplifica.
Todavia, com o desenvolvimento das lutas sindicais, humanitárias e
anticolonialistas, as ideologias “desiguais” foram progressivamente substituídas por
ideologias “igualitárias” dentro das sociedades e entre os Estados (igualdade
soberana dos Estados e autodeterminação dos povos), em especial a partir da
Revolução Bolchevique e dos 14 Pontos de Wilson que foram a ela uma tentativa
de resposta. Diante dessa nova realidade, que impedia, ou, pelo menos, dificultava
o uso direto da superioridade e da força militar e econômica, as estruturas
hegemônicas de Poder procuraram criar organizações internacionais por meio das
quais pudessem preservar o seu poder no âmbito internacional e legitimá-lo aos
olhos de sua opinião pública nacional, inspirada agora por uma visão do mundo
igualitária. Assim, as estruturas hegemônicas de Poder, sob a liderança dos Estados
DESAFIOS E DILEMAS DOS GRANDES PAÍSES PERIFÉRICOS: BRASIL E ÍNDIA 115

Unidos, (após a grave crise interna de contestação de liderança de 1914 a 1919)


criaram a Sociedade das Nações, que não teve o sucesso esperado e, após a crise
de 1939 a 1945, a Organização das Nações Unidas, como centro de um sistema de
agências internacionais nos mais diversos campos de atividade desde os refugiados,
à saúde, às telecomunicações, à agricultura, à energia nuclear etc.
A primeira estratégia de preservação e expansão das estruturas
hegemônicas de Poder se verifica através da expansão das organizações
internacionais sob seu controle, tais como o Conselho de Segurança, centro de
poder efetivo das Nações Unidas; a Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN); a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA); o Grupo dos
Sete (G-7); a Organização Mundial do Comércio (OMC); a União Européia; o
North America Free Trade Agreement (NAFTA); a Organização de Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE); o Fundo Monetário Internacional
(FMI) etc.
No seio de tais organizações, se desenvolve, sob a liderança dos países
que integram aquelas estruturas hegemônicas, um esforço de elaboração de normas,
com suas respectivas sanções, de comportamento internacional (e, hoje,
crescentemente nacional) “permitido”, legítimo. A participação da maioria dos
países da periferia não só é considerada essencial, como chega a ser “exigida” não
para que tomem parte efetivamente da elaboração daquelas normas mas, sim,
para dar legitimidade e validade universal a tais normas e à aplicação de suas
eventuais sanções.
De um lado, essas normas de conduta refletem a força relativa dos diversos
integrantes daquelas estruturas hegemônicas e regulam suas relações dentro das
estruturas. De outro lado, tais normas enquadram os Estados da periferia, buscando
sempre o objetivo maior de preservação das estruturas, de seu poder e dos benefícios
delas decorrentes para as sociedades dos Estados centrais que as integram.
No âmbito político, busca-se a expansão da competência do Conselho de
Segurança das Nações Unidas e de seu sistema de sanções para além do conceito
inicial restrito, conforme a Carta de São Francisco, de ameaça à paz e de ruptura
da paz. No âmbito militar se verifica, de um lado, a preservação do status especial
dos integrantes daquelas estruturas e, de outro, a elaboração de normas de controle
da difusão de tecnologias avançadas, por meio da AIEA, do Tratado de Não-
Proliferação Nuclear (TNP), do Comprehensive Test Ban Treaty (CTBT), da
Organização para Eliminação de Armas Químicas (OPAQ), dos acordos de
Wasenaar, do Missile Technology Control Regime (MTCR) etc. Finalmente, procura-
se a coordenação de ações militares usando a OTAN, a inclusão de novos membros
na OTAN e a ampliação de sua esfera geográfica de atuação.
A elaboração de normas de conduta econômica na esfera internacional e
na doméstica para um número crescente de atividades se realiza no âmbito de
várias organizações internacionais. Os principais foros onde se elaboram tais normas
116 SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES

são a OCDE e a OMC, e se utiliza para sua implementação o sistema de


“condicionalidades” do FMI e do Banco Mundial, em especial para os países
endividados da periferia. Outras arenas de elaboração de normas são as estruturas
supranacionais, como a União Européia, que incluem um número crescente de
países europeus e o esquema da Cúpula de Miami, que pretende negociar ampla
gama de compromissos políticos e na área econômica criar a Área de Livre
Comércio das Américas (ALCA). A própria negociação da ALCA viria a definir
e consolidar normas de política econômica para todos os países do Hemisfério
Ocidental, em especial os de natureza periférica.

A segunda estratégia: cooptação e fragmentação

A segunda estratégia de preservação das estruturas hegemônicas de Poder


é a de incluir novos atores, como sócios menores, por conveniência tática ou devido
à necessidade de refletir novas realidades de poder, decorrentes da dinâmica
internacional.
Exemplos recentes dessa estratégia são a incorporação da Rússia ao G-7;
a proposta de inclusão da Alemanha e do Japão no Conselho de Segurança das
Nações Unidas; a expansão da União Européia pela incorporação de pequenos e
médios países da Europa; a incorporação de Estados da Europa Oriental à OTAN
e a expansão de sua área geográfica de atuação; a incorporação do México à Free
Trade Area (FTA) entre o Canadá e os Estados Unidos, criando o NAFTA; e a
admissão da China à OMC.
A outra face dessa estratégia de cooptação corresponde a um vigoroso e,
eventualmente, violento processo de isolamento e de sanção de eventuais
contestadores do poder das estruturas hegemônicas, podendo ser citados como
exemplos mais flagrantes os casos de Cuba, do Vietnã, do Iraque e dos países
muçulmanos fundamentalistas não cooptados.
No processo estratégico de preservação, expansão e perpetuação de poder
dessas estruturas hegemônicas, a eventual divisão interna e fragmentação territorial
de terceiros Estados, em especial dos grandes Estados da periferia, é vista, quando
não promovida, com favor e interesse, ainda que com natural discrição. Assim, a
fragmentação da União Soviética, da Iugoslávia, e a perspectiva de fragmentação
da República Popular da China foram e são vistas com beneplácito, quando não
estimuladas.
Por outro lado, os processos de fortalecimento e de coordenação política e
econômica dentro e, especialmente, fora das estruturas hegemônicas de Poder
são vistos com desconfiança e, a partir de certos pontos-limite, com antagonismo,
como ocorreu com a União Européia e, mais recentemente, com o Mercosul,
enquanto não são enfraquecidos ou cooptados por aquelas estruturas.
DESAFIOS E DILEMAS DOS GRANDES PAÍSES PERIFÉRICOS: BRASIL E ÍNDIA 117

Grandes Estados da periferia, como o Brasil e a Índia, sempre que se


engajam em programas de fortalecimento político, econômico, militar ou tecnológico
de natureza autônoma são vistos com suspeita, ameaçados e até atingidos por
sanções. Por outro lado, a eventual fragmentação de seu território ou a criação de
tensões internas através de iniciativas que incentivam a reivindicação de territórios
autônomos para minorias, que estimulam o fortalecimento de diferenças raciais e a
ação de seitas fundamentalistas agressivas, seriam processos que contribuiriam
para, ao menos, enfraquecer a coesão interna dos grandes Estados da periferia e,
assim, para o êxito da estratégia de preservação de poder daquelas estruturas
hegemônicas.

A terceira estratégia: geração de ideologias

Na estratégia de preservação de poder têm grande, crescente e pouco


examinada relevância os instrumentos de geração ideológica das estruturas
hegemônicas de Poder para a população de todos os países, quer pertençam eles
ao seu centro, quer se situem em sua periferia. O processo de elaboração de
conceitos, de visões do mundo e de situações específicas, que chamaremos aqui
de “ideologias”, se desenvolve em diversos níveis e se utiliza de distintos
instrumentos.
Sua validade, sua utilidade para a preservação e a perpetuação das
estruturas hegemônicas de Poder depende de serem tais “ideologias” percebidas
como neutras, desinteressadas, ou melhor ainda, de interesse geral, imparciais,
verídicas e verossímeis. Muitas dessas ideologias, justamente por não terem tais
características, vêm a ser desmentidas pela realidade. Sempre que isto ocorre, são
substituídas por outras ideologias que as desmentem, ridicularizam e se apresentam
como “novas” e, agora, “verdadeiras”.
Assim, sua elaboração conceptual e seu foco central, inicial, de difusão,
deve se localizar acima dos Governos e dos Estados nacionais. Seu locus ideal se
encontra, portanto, nos quadros técnicos das organizações internacionais de âmbito
mundial, supostamente imparciais e independentes daqueles Governos e Estados.
As grandes organizações de composição mundial, tais como o Fundo Monetário
Internacional, o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio, exercem
um papel estratégico fundamental no processo de elaboração de ideologias e de
sugestões de políticas a serem seguidas, em especial pelos Governos de Estados
periféricos já que, por razões óbvias, os Governos dos países centrais não levam
em consideração as sugestões de políticas quando são, eventualmente, feitas por
tais agências.
O controle do processo de geração de ideologias nessas organizações, que
se realiza em seus quadros técnicos e não em seus órgãos políticos, se verifica
através da supervisão orçamentária e da designação de indivíduos para as funções
118 SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES

centrais de coordenação de atividades de natureza técnica. Em certas ocasiões, o


corpo técnico dessas agências, por alguma razão fortuita, pode vir a gerar e
desenvolver ideologias, conceitos e sugestões de política que são consideradas
contrárias aos objetivos estratégicos das estruturas hegemônicas. Quando isto
ocorre, desencadeia-se um processo de ridicularização (como aconteceu com a
teoria da deterioração dos termos de intercâmbio, hoje reconhecida pelo próprio
FMI como “correta”), de ataque frontal e, eventualmente, de estrangulamento
financeiro ou de substituição das lideranças de seus quadros. Esse processo ocorreu
com a Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), estigmatizada devido
à sua teoria estruturalista e desenvolvimentista da América Latina, e com a United
Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO), quando esta
abriu os debates e estudos sobre a “nova ordem da informação”. Com a United
Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD) e a United Nations
Industrial Development Organization (UNIDO) ocorreram e ocorrem processos
semelhantes de descrédito.
As análises, as interpretações da realidade econômica (mas também social
e política, em menor mas em crescente grau), as sugestões de política, em especial
no que diz respeito às relações dos Estados da periferia com as estruturas
hegemônicas, são assimiladas pelos meios de comunicação dos países periféricos
e por suas elites co-optadas e apresentadas às populações periféricas como
científicas, imparciais, benéficas e “únicas”. Essas interpretações, como foi dito,
ao se chocarem com a realidade são esquecidas, minimizadas ou ridicularizadas
até pelos mesmos indivíduos ou agências que as haviam formulado e divulgado.
No esforço de garantir a participação dos países da periferia na aceitação
dos resultados das negociações, a Rodada Uruguai, do General Agreement on
Tariffs and Trade (GATT), foi apresentada pelas agências internacionais como um
exercício que beneficiaria principalmente os países da periferia, pois eliminaria o
unilateralismo americano e abriria os mercados dos países desenvolvidos. Hoje,
não só o unilateralismo americano permanece como as mesmas agências
internacionais relatam que os grandes beneficiários da Rodada Uruguai foram os
países altamente industrializados. As políticas neoliberais mexicanas e, em especial,
o Presidente Salinas de Gortari, foram apresentados pelas mesmas agências como
modelos de política e de estadista a serem seguidos e imitados por todos os
governantes e Governos da periferia que desejassem ingressar no Primeiro Mundo.
Após a débâcle mexicana, as agências internacionais desenvolveram amplo esforço
de reinterpretação, passando a sugerir que a crise do México teria sido a crise não
de suas políticas econômicas mas, sim, de seu sistema político; que as agências
internacionais teriam “alertado” o Governo mexicano para seus “erros” com grande
antecedência e que a culpa pela crise e pelo fracasso do programa foi da equipe
econômica mexicana. Em novembro de 1997, em plena crise dos “tigres”, o Diretor
Geral do Fundo Monetário Internacional declarou à imprensa que os modelos
DESAFIOS E DILEMAS DOS GRANDES PAÍSES PERIFÉRICOS: BRASIL E ÍNDIA 119

econômicos asiáticos haviam “passado de moda”. Porém, apenas dois meses antes
o relatório do FMI (assim como os relatórios das demais agências) apresentavam
as economias asiáticas como modelos a serem seguidos por todos os países da
periferia, o que era repetido pelos meios de comunicação acriticamente.

A quarta estratégia: a formação de elites

A formação, nos países da periferia, de elites e de quadros simpáticos e


admiradores das estruturas hegemônicas de Poder é a quarta estratégia essencial
de sua preservação. Os programas de difusão cultural, de bolsas de estudo, de
pesquisadores visitantes, de visitas de personalidades políticas e de formadores de
opinião são instrumentos utilizados amplamente pelos países que integram aquelas
estruturas. Tais programas, patrocinados por aqueles países, estão voltados em
especial para suas zonas geográficas tradicionais de influência ou para seus antigos
impérios coloniais, como a França em relação à África; os Estados Unidos em
relação à América Latina; a Inglaterra em relação à Commonwealth; a Alemanha
em relação à Europa Central e Oriental. As instituições que organizam tais
programas apresentam suas atividades como sendo de caráter exclusivamente
cultural, científico e tecnológico, cujo objetivo seria aproximar os povos, cooperar
para o bom entendimento entre os Estados e preservar a paz.
No entanto, e é natural que assim ocorra, nem todos mas, um grande
número dos indivíduos que participam de tais programas vêm a desenvolver
sentimentos de simpatia em relação ao estilo de vida, ao modo de ver o mundo e as
relações entre aquelas estruturas e a periferia e, finalmente, quanto às políticas
que as primeiras propõem para resolver as questões e as crises internacionais.
Tais indivíduos se tornam elementos de grande importância para as estratégias de
preservação das estruturas hegemônicas de Poder na medida em que venham a
ocupar posições de destaque na vida pública e privada dos países da periferia.

A quinta estratégia: a difusão ideológica

Finalmente, o cotidiano da difusão ideológica das políticas de preservação


e expansão das estruturas hegemônicas de Poder se verifica pelo uso dos meios
de comunicação de massa. Os meios de comunicação de massa se tornaram
gigantescas empresas e passam pelo mesmo processo de concentração e de
globalização por que passam as empresas dos demais setores industriais e de
serviços. Sua estreita vinculação e relação de interdependência com as empresas
de publicidade e, portanto, com os interesses econômicos das grandes corporações,
multinacionais ou não, dos países centrais fazem com que tenham se tornado, além
de defensores da liberdade de expressão e de opinião dos próprios meios de
comunicação, defensores dos interesses e das visões do mundo geradas naquelas
estruturas hegemônicas.
120 SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES

Os meios de comunicação atuam sob distintas formas e em distintos níveis


na estratégia de difusão ideológica dos interesses das estruturas hegemônicas de
Poder. Em primeiro lugar, difundem, de uma forma geral, o modo de vida e de
pensar daquelas sociedades, por meio de representações dramáticas da realidade
atual, do passado e, até, do futuro. Nesta área, tem especial importância o cinema,
que reconstrói para a grande massa a história humana, constrói o futuro e apresenta
“interpretações” dos temas mais importantes da sociedade. São, de um lado, os
filmes históricos e os de ficção científica5 e, de outro, os filmes de ficção sobre o
modo de vida e sobre as questões da existência individual no mundo de hoje: o
amor, a vingança, as relações de trabalho, a criminalidade, a política, etc. Influenciam
eles os padrões de comportamento das grandes massas e constróem os estereótipos
sobre essas questões.
Em segundo lugar, os meios de comunicação de massa, de forma diferente,
quer se trate da televisão, do rádio ou da imprensa, entretêm e quase monopolizam
a atenção do grande público. O grande público tem sua atenção desviada do debate
dos temas políticos e econômicos relevantes pelos programas de televisão ou pelas
notícias de imprensa sobre esportes, aventuras, crime, violência, sexo, música,
vida íntima das personalidades etc., enquanto tais meios difundem uma campanha
permanente e sutil de descrédito de toda atividade política, a qual tende a ser
apresentada como corrupta, corruptora e inútil para a sociedade, em especial nos
países da periferia, mas não somente neles.
Em terceiro lugar, em diversos níveis de detalhe e de sofisticação, desde o
noticiário em “pílulas” do rádio e da TV até os artigos da imprensa cotidiana e das
revistas noticiosas, os meios de comunicação difundem os modelos de pensamento
considerados aceitáveis naquele momento pelas estruturas hegemônicas e
promovem a defesa das iniciativas políticas, militares e econômicas dos países que
as integram.

As estruturas e o cenário internacional

As estruturas hegemônicas desenvolvem suas estratégias de preservação


e expansão de Poder em um cenário internacional que elas, ao mesmo tempo,
criam e de que, ao mesmo tempo, sofrem os seus efeitos. Não caberia neste artigo
uma análise detalhada de cada fenômeno que caracteriza o cenário internacional,
mas apenas indicar alguns aspectos daqueles que consideramos mais relevantes.

O cenário econômico

Quanto ao trabalho, os grandes fenômenos são as transformações


demográficas e os movimentos de população. As transformações resultam da
redução da taxa de natalidade enquanto o avanço científico e tecnológico diminui a
DESAFIOS E DILEMAS DOS GRANDES PAÍSES PERIFÉRICOS: BRASIL E ÍNDIA 121

taxa de mortalidade e, assim, aumenta a expectativa de vida. A redução abrupta


da taxa de crescimento demográfico leva ao envelhecimento relativo da população,
com conseqüências sobre o sistema previdenciário, sobre a situação fiscal dos
Estados e sobre a taxa de poupança. As pressões migratórias da periferia para o
centro, decorrentes de conflitos armados e da estagnação econômica, bem como a
perspectiva de grandes migrações decorrentes da desintegração de Estados, são o
segundo fenômeno que “ameaça” os mercados de trabalho no centro e geram
tendências protecionistas e xenófobas.
A aceleração do progresso tecnológico, em especial na área de tecnologia
da informação, vem transformando radicalmente os bens de capital e reorganizando
a gestão empresarial. Os avanços constantes e rápidos da microeletrônica e da
tecnologia da informação têm tornado a unidade típica de produção industrial (ou
de serviços modernos) mais “intensiva” de capital, com efeitos sobre o mercado
de trabalho, de difícil assimilação a curto e médio prazos.
Por outro lado, a filosofia neoliberal e a redução da regulamentação dos
mercados e da atividade econômica em geral, de um lado, acelera a deterioração
do meio ambiente e o esgotamento de recursos naturais, em especial na periferia
e, de outro lado, permite a concentração do capital em cada mercado, através de
fusões e aquisições, e o acumula, cada vez mais, nos países centrais em relação à
periferia.
A desregulamentação, em especial das atividades financeiras, globalizou
os mercados de capitais. As políticas econômicas recessivas no centro, e as políticas
de crescimento econômico na periferia, baseadas na poupança externa, na abertura
comercial e no endividamento externo agressivo, geram a necessidade de políticas
de juros altos na periferia. Ficam criadas, assim, as condições para a circulação de
capitais especulativos de um mercado periférico para outro. Tais capitais permitem,
de início, uma temporária e artificial estabilidade econômica, seguida pela
necessidade de realização dos lucros que leva à crise cambial e econômica, à
desestruturação da economia, ao retrocesso do nível de vida da população e ao
agravamento da concentração de renda e das disparidades sociais. Os episódios
dos últimos anos, a começar da crise mexicana em 1994 até a recente crise dos
“tigres” asiáticos no final de 1997, são exemplos deste processo.
Sendo os capitais especulativos originários do centro, tende a prevalecer e
permanecer, nos governos daqueles países e nas agências internacionais, a filosofia
de firme oposição a qualquer iniciativa de regulamentação dos mercados de capitais
que reduza sua volatilidade e, ao contrário, prevalecem as posições agressivamente
favoráveis à completa liberdade de movimentação de capitais, em especial a curto
prazo. Os capitais são especulativos devido às políticas econômicas e não a despeito
das políticas econômicas exercidas pelos países centrais e da periferia.
A deterioração do meio ambiente e a crescente escassez de recursos
naturais, em especial água e, em breve, petróleo, leva à convicção de ser impossível
122 SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES

reproduzir na periferia os atuais padrões de consumo do centro. Esta convicção


está por trás da ideologia do “desenvolvimento sustentado” que, em primeiro lugar,
desvia a atenção da opinião pública da necessidade e da obrigação dos países
centrais em reduzir seus elevados padrões de consumo de recursos e de poluição
e, assim, permite ao centro mantê-los. Em segundo lugar, recomenda que a periferia
deva contentar-se em permanecer em seus atuais baixos padrões de consumo e
encetar a tarefa paradoxal e dificílima de imaginar e executar estratégias de
“desenvolvimento sustentado”, o que exigiria a intervenção do Estado em ambientes
políticos nacionais e internacionais em que predomina o pensamento econômico
liberal. Gera-se, assim, um preconceito antiindustrial nos Estados da periferia, que
contribui para fortalecer indiretamente as estratégias que insistem em fundamentar
o desenvolvimento em vantagens comparativas estáticas, com base na dotação de
recursos naturais, com efeitos óbvios sobre as possibilidades de desenvolvimento a
longo prazo.
Não se trata de advogar estratégias de desenvolvimento predatórias e
poluidoras, mas, sim, de chamar a atenção para a contradição entre, de um lado, a
advocacia dos países do centro em favor da mais ampla liberdade para as forças
de mercado (e para a atividade empresarial) e da redução do poder regulamentador
do Estado e, de outro lado, a advocacia e pressão do centro pela adoção na periferia
de políticas eficazes de desenvolvimento sustentado, inclusive com a ameaça de
sanções e restrições ao comércio de bens produzidos de forma “agressiva” ao
meio ambiente, através de “cláusulas ambientais” aplicadas unilateralmente ou
pela OMC. Na realidade, a grave deterioração ambiental na periferia exige maior
intervenção do Estado, por meio de uma política industrial ativa, que estabeleça
restrições a certas tecnologias e oriente a localização de indústrias através de
políticas regulamentadoras, de crédito e de subsídios, ainda que tal política venha,
de certa forma, a contrariar o que resultaria do livre jogo das forças de mercado e
os interesses de curto prazo das empresas privadas, que não levam em consideração
o custo social ou ambiental de suas atividades.
As políticas neoliberais, que se fundamentam na idéia de mercados de
livre concorrência que se auto-regulariam e regulariam a economia (e até o sistema
político), promovem a desregulamentação e a desmontagem nos países centrais da
legislação e das agências anti-trust. Essa desregulamentação e desmontagem
permite que as fusões e aquisições façam aparecer gigantescas empresas em
cada mercado, que se tornam cada vez mais distantes das condições que
caracterizam a livre concorrência. Essas gigantescas empresas, que atuam em
âmbito mundial, ao ingressar nos mercados da periferia assumem necessariamente
neles posições dominantes, capazes de determinar os preços e auferir lucros
extraordinários, o que leva a situações oligopolísticas com as conseqüências
conhecidas para o consumidor, o cidadão comum e o trabalhador, portanto, para a
maioria da população.
DESAFIOS E DILEMAS DOS GRANDES PAÍSES PERIFÉRICOS: BRASIL E ÍNDIA 123

O cenário econômico mundial se caracteriza pela interação entre, de um


lado, um quadro estrutural de desemprego,6 concentração de capital e de renda,
degradação do meio ambiente, escassez de recursos naturais, grande volatilidade
da massa enorme de capitais especulativos e, de outro lado, um quadro conjuntural
de políticas econômicas clássicas, aplicadas no centro das estruturas hegemônicas,
de natureza recessiva, baseadas na estabilidade quase absoluta da moeda, no
equilíbrio fiscal, na desregulamentação agressiva dos mercados, na redução do
Estado. Esta interação tende a agravar aqueles aspectos negativos do quadro
estrutural da economia mundial, com conseqüências para as possibilidades de
desenvolvimento e de estabilidade política e econômica dos países de periferia.
Essas políticas conjunturais neoliberais adotadas no centro quando
“impostas” aos países da periferia, através de pressões “legais”, como as
negociações na OMC, ou ilegítimas e ilegais, como as ameaças e “retaliações” da
Lei de Comércio dos Estados Unidos, têm efeitos ainda mais graves pela exigência
adicional de políticas de abertura comercial e financeira, em um conjunto de
circunstâncias que tende a acentuar as disparidades internas e externas que definem
a situação de subdesenvolvimento.

O cenário político

Os principais fenômenos políticos são a reorganização territorial, a


concentração de poder militar, os efeitos da publicidade e da mídia sobre a política
e o aumento da “demanda democrática”.
A reorganização territorial se verifica pela desintegração de Estados, como
ocorreu com a União Soviética, a Iugoslávia e a Checoslováquia, pela pressão de
tendências separatistas (Reino Unido, Canadá, Espanha, Itália, Rússia) e pela
formação de novas entidades, inicialmente econômicas, mas com perspectivas de
transformação política a médio ou a longo prazo, tais como a União Européia, o
Mercosul e o NAFTA.
A concentração de poder militar decorre da natureza crescentemente
científica e tecnológica do equipamento militar moderno. Como a pesquisa em
ciência e tecnologia avançadas se caracteriza pelo elevado custo, pela necessidade
de uma base industrial capaz de testar seus avanços, pela aleatoriedade de resultados
e pelas economias de escala, somente poucos países altamente desenvolvidos são
capazes de empreender tais programas de pesquisa militar, cujos resultados se
concretizam na produção de armamentos sofisticados, de grande eficácia e poder
destrutivo, o que vem a resultar na concentração de poder militar.
O desenvolvimento das técnicas de pesquisa de opinião e de publicidade, o
rápido desenvolvimento tecnológico da mídia, a modificação dos hábitos sociais
trazida pela televisão e, mais recentemente, pelo computador, aumentaram a
influência do poder econômico sobre o sistema político e transformaram as
124 SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES

campanhas e debates políticos em programas de “marketing de produtos”, sem


confronto real de ideais, de idéias e de propostas políticas.

Objetivos estratégicos dos grandes países periféricos

Devido às suas características que os distinguem radicalmente dos pequenos


e médios países da periferia, os grandes países periféricos enfrentam graves dilemas
para a definição e execução de seus objetivos estratégicos neste quadro de profundas
transformações econômicas e políticas do cenário mundial.
Assim como o objetivo estratégico das estruturas hegemônicas de Poder é
a sua própria preservação e expansão (devido aos benefícios que os países, que
em seu centro se situam, delas derivam) os objetivos estratégicos finais dos grandes
países periféricos seriam ou participar dessas estruturas hegemônicas de forma
compatível com suas potencialidades ou promover a redução de seu grau de
vulnerabilidade diante dessas estruturas.
Essa visão se contrapõe à visão que advoga, de forma implícita ou explícita,
que os grandes países periféricos estão fadados a permanecer na periferia por sua
própria incapacidade ou por não terem poder suficiente para vir a participar das
estruturas hegemônicas de Poder ou até mesmo para reduzir sua vulnerabilidade
diante delas.
Três deveriam ser os objetivos-meio dos grandes países periféricos, como
a Índia e o Brasil. O primeiro desses objetivos é a redução de sua vulnerabilidade
externa; o segundo é a redução de suas desigualdades internas; e, o terceiro é a
construção de sistemas democráticos reais. Neste artigo, a apresentação sumária
desses objetivos tem um viés brasileiro de interpretação; porém, acredita-se que,
em grande medida e devido a seu grau de generalidade, se apliquem eles, com as
distinções cabíveis, à situação da Índia.

Vulnerabilidades externas

A redução das vulnerabilidades externas é essencial para garantir uma


trajetória sustentada de desenvolvimento político e econômico (inclusive do ponto
de vista ambiental), isto é, sem estarem sujeitos a sociedade e o Estado a choques
econômicos abruptos por força de eventos externos que, apesar de se poder dizer
estarem fora de seu controle, podem ser previstos por uma política econômica
cautelosa. Tais choques econômicos afetam a capacidade de investimento da
economia, e, portanto, os programas de preenchimento das “lacunas” nas cadeias
produtivas, de redução dos desequilíbrios regionais, de ampliação do emprego e de
aumento da produtividade e, indiretamente, de superação de tensões políticas e
sociais.
DESAFIOS E DILEMAS DOS GRANDES PAÍSES PERIFÉRICOS: BRASIL E ÍNDIA 125

A redução da vulnerabilidade econômica externa somente pode ocorrer


se a estratégia de desenvolvimento se basear principal, mas não exclusivamente,
como é óbvio, no mercado interno. Tal implica o esforço consistente de aumento
da poupança pública e privada; a busca de estratégias de plena utilização dos
fatores de produção disponíveis através de políticas tecnológicas (e, portanto, de
emprego) diferenciadas; o esforço consistente de desenvolvimento científico e
tecnológico, com a importação de mão-de-obra altamente qualificada e de
fortalecimento dos centros de pesquisa e dos centros de formação de pessoal; o
esforço de desenvolvimento da indústria de bens de capital, que é o setor através
do qual se introduzem as inovações tecnológicas no sistema produtivo; uma política
de comércio exterior que maximize o uso das reservas cambiais escassas para
fortalecer o sistema produtivo interno e não para promover a criação de hábitos de
consumo baseados na importação de bens supérfluos, financiados pela entrada de
capitais especulativos; e, finalmente, uma política cambial que contribua para a
expansão das exportações e para a proteção das indústrias novas. Somente esse
enfoque estratégico reduziria a causa central da vulnerabilidade que é a elevada e
crescente dívida externa e os constrangimentos que causa ao tornar necessária
uma política de juros elevados e ao provocar uma sensação de “falta de
credibilidade” permanente na estabilidade da moeda nacional.
A redução da vulnerabilidade política externa depende da definição de
estratégias prioritárias conjuntas de política internacional com os outros grandes
países periféricos; do estabelecimento de programas concretos de cooperação
econômica e política com os países vizinhos; da redução das vulnerabilidades
econômicas externas e da criação de uma capacidade industrial militar própria,
ainda que apenas para equipamentos militares convencionais, como forma de
estimular a pesquisa tecnológica e de adquirir gradualmente o conhecimento
necessário a etapas superiores.
A redução da vulnerabilidade ideológica externa depende da definição de
uma estratégia de comunicação audiovisual que, sem censura e sem orientação
ideológica, induza ao fortalecimento da identidade nacional, das instituições nacionais
e dos valores da cidadania e da comunidade, necessários a um projeto de
desenvolvimento político e econômico que mobilize a população para os esforços e
sacrifícios necessários a “escapar da periferia”.
Naturalmente que todas as estratégias e programas de redução da
vulnerabilidade externa terão de ser graduais e com uma perspectiva que abranja
do curto ao longo prazo. Tais programas sofrerão as mais severas restrições das
estruturas hegemônicas de Poder, que se sentirão ameaçadas ou pela perspectiva
de eventual ingresso de novos participantes, o que alteraria as relações de poder e
a distribuição dos benefícios dentro delas, ou pela maior autonomia daqueles grandes
países periféricos em relação à sua influência.
126 SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES

Disparidades internas

As disparidades internas ocorrem nos mais distintos setores. A questão


crucial não é a existência de disparidades mas, sim, a sua natureza extrema e, em
segundo lugar, a percepção daqueles setores da população que se sentem
prejudicados quanto às perspectivas de redução dessas disparidades no médio
prazo. Caso as perspectivas de redução dessas disparidades sejam percebidas
como remotas ou inexistentes, ou caso as perspectivas sejam de agravamento
dessas disparidades, a probabilidade de aumento de instabilidade no sistema social
e territorial se torna cada vez maior.
A redução das desigualdades internas extremas tem de se iniciar por um
programa articulado dirigido a reduzir as disparidades entre as distintas regiões do
país, isto é, entre a qualidade de vida atual e potencial dos habitantes dessas regiões.
O futuro de qualquer país como tal não existe, ou fica em extremo prejudicado,
caso se agravem as rivalidades regionais em um contexto de escassez de recursos,
de instabilidade internacional e de internacionalização da economia, o que pode
corresponder a um enfraquecimento político dos laços que unem as distintas regiões
do país, devido ao enfraquecimento dos laços que constituem o mercado e o sistema
político interno. A questão grave que hoje se coloca é que certas políticas
econômicas de corte neoliberal (ainda que seus formuladores e executores não
aceitem que elas sejam assim denominadas), assim como certas estratégias políticas
de descentralização de competências do Estado tendem a agravar as disparidades
econômicas e políticas e, portanto, a instabilidade social, política e, até, territorial.
As disparidades internas de ordem econômica se refletem nos índices de
concentração crescente de renda (e de riqueza), tanto entre as regiões como entre
indivíduos.7 A redução das desigualdades internas não pode ocorrer através de
programas assistencialistas que dependam da boa vontade e da generosidade dos
indivíduos, das empresas e das organizações sociais, por mais meritórios que sejam
tais programas. A redução dessas desigualdades depende da redistribuição de
renda e de riqueza efetuada pelo Estado com a adoção de um sistema fiscal
progressivo e direto que financie programas de serviços públicos nas áreas de
saneamento básico, saúde, transporte, educação e justiça (direitos humanos, a
começar pelos direitos dos presidiários) que efetivamente beneficiem parcelas
crescentes da população desprivilegiada. Tais programas somente terão efeito se
redistribuírem renda de forma permanente. Para que isto ocorra, é necessário que
sejam acompanhados por políticas diferenciadas de geração de empregos que
permitam o aumento da produtividade (e dos rendimentos) do trabalho. Somente o
aumento da produtividade, caso esta seja apropriada em parte pelo trabalho, pode
aumentar de forma permanente o nível de renda de um indivíduo.
Os argumentos sobre as dificuldades e até a inconveniência em definir e
implantar programas deste tipo pelo Estado não têm relevância. O fato importante
DESAFIOS E DILEMAS DOS GRANDES PAÍSES PERIFÉRICOS: BRASIL E ÍNDIA 127

é que são eles possíveis e urgentes e que caso não venham a ser adotados as
conseqüências dessa omissão serão graves e inevitáveis. Naturalmente, tais
programas somente geram resultados a médio prazo, mas a percepção de sua
existência pelas populações beneficiadas é essencial, assim como a própria
participação dessas populações em sua elaboração.
No quadro das disparidades internas, adquire grande importância o papel
da mídia. Do ponto de vista econômico, a mídia relevante, isto é, a que atinge
grande audiência, na imprensa, na radiodifusão, mas, em especial, na televisão,
está organizada como grande empresa com finalidade lucrativa. Suas vinculações
com o setor produtivo privado, através das agências de publicidade, fazem com
que elas sejam acima de tudo, veículos de difusão de anúncios comerciais e, portanto,
indutores do consumo. Esta indução ao consumo vai de encontro à necessidade de
aumentar a taxa de poupança interna com vistas a aumentar a taxa de investimento,
sem dependência excessiva da poupança externa. Do ângulo político, e no caso
brasileiro, os meios de comunicação de massa, em especial a televisão e o rádio,
são concessões do poder público e, muitas vezes, vinculados às agências do Estado
por operações de empréstimo. Do ângulo social, a televisão, em especial, tem-se
permitido uma exploração excessiva da violência, do individualismo e do sexo, com
repercussões sobre os padrões de comportamento da juventude em geral e dos
segmentos da população mais sensíveis a tal exploração.
Ao lidar com os meios de comunicação, imediatamente se coloca a questão
da liberdade de expressão e de seus limites, isto é, da conveniência política e ética
da censura. Sendo os meios de comunicação, em especial a televisão, concessões
do poder público e, ao mesmo tempo, empresas voltadas para o lucro (e, em extremo,
lucrativas), e tendo em vista a situação social, econômica e política seria
perfeitamente correto e possível para os Governos, sem utilizar a censura, estimular
comportamentos de programação condizentes com tal situação. No que diz respeito
à incitação à violência e à exploração de cenas de sexo e de cenas aviltantes do
indivíduo, não há dúvida de que a legislação penal poderia ser perfeitamente aplicada
aos responsáveis por tais programas.

A construção da democracia real

O terceiro objetivo estratégico dos grandes países periféricos é a construção


da democracia real e não apenas a preservação dos regimes democráticos formais
e precários que existem hoje. Os grandes óbices dos sistemas políticos nos grandes
países periféricos são a influência do poder econômico e os custos do processo
político, o baixo nível cultural e de informação política de vastas camadas da
população, sua exploração demagógica e o uso dos organismos do Estado e do
processo legislativo para fins privados.
128 SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES

O grande dilema da democracia e do capitalismo é que, na democracia


liberal, cada cidadão tem um voto, enquanto que, na economia de mercado, cada
consumidor tem tantos “votos” quanto a sua renda. Assim a capacidade de escolher,
de influir nas decisões do sistema econômico, tanto no que diz respeito às decisões
de consumo como às decisões de investimento, estão “descasadas” da capacidade
do mesmo indivíduo de influir sobre as decisões do sistema político.
O sistema de voto censitário na democracia liberal durante décadas
“resolveu” esta questão, fazendo com que somente os proprietários, ou aqueles
que dispusessem de uma certa renda anual, fossem capazes de votar e de ser
votados. Na medida em que os processos políticos substituíram o voto censitário
pelo sufrágio universal, isto é, pelo voto do indivíduo masculino adulto e, mais tarde,
estenderam o sufrágio ao sexo feminino, o “dilema” anterior se colocou novamente.
Quanto mais concentradas a renda e a riqueza, maior o descompasso
entre o sistema econômico e o sistema político e maior a influência do poder
econômico na política para garantir que o peso dos interesses econômicos
corresponda à sua influência no sistema de decisão política, inclusive para que
aqueles interesses fiquem salvaguardados.
Assim, a principal característica da democracia no mundo atual é a influência
do poder econômico sobre a política, através das modernas técnicas de publicidade,
de pesquisas de opinião e do uso da televisão na política.
As modernas técnicas de publicidade, acopladas aos novos hábitos sociais
gerados pela televisão, isto é, a fragmentação do discurso lógico e do fluxo de
idéias e imagens desconectadas entre si, a eliminação do intercâmbio de idéias e
de experiências no seio da família e da comunidade, facilitaram a transformação
das campanhas eleitorais em campanhas de promoção de “produtos de consumo
político”.
As modernas técnicas de pesquisa de opinião, orientadas e fragmentadas
por segmentos sociais com interesses comuns permitem a identificação científica
das mensagens que os diversos segmentos sociais desejam ouvir, e reduzem o
compromisso efetivo dos candidatos com um programa político consistente e com
seus eleitores, e impedem o contraste e o debate de idéias.
O custo das campanhas eleitorais pela TV e os sistemas majoritários de
eleição, em que os candidatos têm de percorrer extensos territórios, pois as
circunscrições eleitorais são muito amplas,8 tornam ainda maior a influência do
poder econômico na política e nas eleições. A concentração de renda e de
propriedade que se verifica na esfera econômica se reproduz na esfera política e
torna mais difícil a adoção de medidas de correção das disparidades econômicas,
em essencial a desconcentração de renda, pois tais medidas teriam de ser adotadas,
em um processo democrático, pelos próprios representantes políticos diretos ou
indiretos dos setores que se beneficiam da atual dinâmica de concentração de
renda.
DESAFIOS E DILEMAS DOS GRANDES PAÍSES PERIFÉRICOS: BRASIL E ÍNDIA 129

Assim, o fortalecimento da democracia real exige a democratização do


processo de escolha de candidatos, com a participação efetiva dos eleitores; a
elevação da qualidade da representação popular, através de sistema de candidatos
individuais e de listas de candidatos partidários; a redução da dimensão territorial
das circunscrições eleitorais; a redução do uso da televisão nas campanhas eleitorais,
a democratização do acesso e a proibição do uso de técnicas de propaganda
comercial na campanha eleitoral. Todavia, a dificuldade em se implementar tais
reformas decorre do próprio fato de que teriam de ser adotadas pelos atuais
beneficiários do sistema político e eleitoral em vigor.

Conclusão

Apesar das extraordinárias diferenças que existem entre o Brasil e a Índia


e que foram apresentadas neste artigo, o fato de compartilharem uma série de
características e de interesses comuns como grandes países periféricos e o fato de
estarem situados em regiões geograficamente distantes e, portanto, de não serem
seus interesses diretamente competitivos e conflituosos, criam condições
promissoras para a construção de projetos políticos comuns entre a Índia e o Brasil.
Por outro lado, a Índia e o Brasil, na medida em que compartilharem do
mesmo objetivo estratégico central de superar sua condição de grandes países
periféricos e, assim, ou se inserir nas estruturas hegemônicas de Poder ou reduzir
sua vulnerabilidade diante dessas estruturas, podem prever que, ao procurarem
alcançar tal objetivo, enfrentarão séria resistência dos Estados que, tradicionalmente,
integram aquelas estruturas.
Desta forma, a cooperação estratégica entre o Brasil e a Índia, o inter-
câmbio regular de experiências, a elaboração de projetos e sua execução no campo
da alta tecnologia, a articulação de ações de política internacional para defender
interesses comuns permitiria potencializar seus recursos, relativamente escassos,
e aumentar a probabilidade de êxito no alcance do grande objetivo estratégico de
“escapar da periferia”, essencial para garantir às suas populações progresso
econômico sustentado, crescente justiça social e o exercício da democracia real.

Maio de 1998

Bibliografia

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130 SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES

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Notas
1 Uma exceção importante é a tradicional cooperação nos foros econômicos internacionais entre
as delegações diplomáticas brasileiras e indianas.
2 Isto é, não cria barreiras legais. Isto não quer dizer que não haja preconceito, em especial em
relação aos negros, nas classes média e alta, mas não entre as classes pobres, onde há uma menor
incidência de preconceito racial.
3 De certa forma, foi o domínio colonial que veio a unificar a Índia como Estado.
4 Os acordos de assistência militar e fornecimento de armas influenciam as concepções políticas
estratégicas, o treinamento de oficiais, criam vínculos comerciais e vínculos de interesse e
simpatia política.
5 O cinema de Hollywood apresenta as estruturas hegemônicas e, em especial, os Estados
Unidos como os líderes científicos e tecnológicos e como os únicos capazes de defender a
humanidade nas eventuais “guerras intergalácticas”, como no exemplo do filme Independence
Day.
6 A situação de emprego e de expansão da economia nos Estados Unidos deve-se, justamente, à
sua posição estratégica no centro das estruturas hegemônicas e de país emissor da moeda-
reserva internacional.
7 No caso do Brasil, tem sua origem na longa vigência do regime escravocrata (que durou trezentos
e oitenta e oito anos) e do regime servil dos grandes latifúndios, que durou até recentemente
quando se introduziu a legislação de trabalho no campo. E, por sua vez, esta concentração de
renda se reflete no sistema político através da extraordinária desigualdade de poder efetivo
entre os cidadãos, que são nominalmente iguais. A deficiência de políticas eficazes para superar
as desigualdades econômicas, sociais e políticas, torna a população de origem negra (e pobre)
sujeita a absorver influências desagregadoras externas e a fortalecer tendências de exclusão e
rejeição de integração na sociedade mais ampla.
8 Esta observação é válida para o Brasil. Todavia, a influência do poder econômico nas eleições
é um fenômeno que ocorre em ambos os países, em grande escala.

Resumo

O artigo parte de uma análise das estratégias de perpetuação das estruturas


hegemônicas de Poder e dos objetivos mais gerais dos grandes países periféricos
(no caso, Brasil e Índia) para, então, propor estratégias para a melhor inserção
destes naquelas.
DESAFIOS E DILEMAS DOS GRANDES PAÍSES PERIFÉRICOS: BRASIL E ÍNDIA 131

Abstract

The article goes from an analyses of the perpetuation of the power


hegemonic structures and the general goals of the great peripheric countries (in
this case, Brazil and India) to the suggestion of better insertion strategies for these
countries in those structures.

Palvras-chave: Estruturas hegemônicas de Poder. Brasil. Índia. Estratégias de


inserção.
Key-words: Hegemonic power structures. Brazil. India. Insertion strategies.
132 SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES

Uma nova política exterior depois


do apartheid? – Reflexões sobre as
relações regionais da África do
Sul, 1974 – 1998
WOLFGANG DÖPCKE*

I.

A partir de 1989, o subcontinente sul-africano, até então uma das principais


regiões mundiais de conflito, passou por um processo de mudanças que o
transformou em uma zona de paz entre os Estados. Com a exceção da guerra civil
em Angola, todas as principais ameaças à segurança regional haviam sido eliminadas,
e, conseqüentemente, a região começou a gozar de uma situação de segurança
interestatal desconhecida há mais de uma geração.
Esta transformação em um ambiente regional mais pacífico se deu passo
a passo. Começou com a retirada das tropas sul-africanas de Angola e a solução
do conflito sobre a Namíbia em 1988, seguida pelas eleições livres e pela
independência deste país em 1990. Ao mesmo tempo, a África do Sul iniciou um
processo de redefinição de sua política regional, despedindo-se efetivamente da
desestabilização e da política das guerras não-declaradas contra os seus vizinhos,
que tanto caracterizaram a Total National Strategy dos anos 80. A partir de
1990, a própria África do Sul realizou um processo de reformas internas, chegando
a extinguir o regime do apartheid, acompanhado por um profundo realinhamento
da inserção regional e mundial do país. Já em 1993, foram eliminadas quase todas
as sanções contra o antigo pária da comunidade internacional.
A próxima etapa do processo de normalização das relações regionais foi a
solução da guerra civil em Moçambique, que havia envolvido, direta ou indiretamente,
todos os Estados vizinhos. Em outubro de 1994, eleições foram realizadas com
êxito, colocando um ponto final na tradição do conflito armado que havia dominado
a realidade deste país desde o início da luta armada contra o colonialismo português
nos anos 60.

Rev. Bras. Polít. Int. 41 (1): 132-160 [1998]


* Professor Adjunto de História Contemporânea da Universidade de Brasília.
UMA NOVA POLÍTICA EXTERIOR DEPOIS DO APARTHEID ? – REFLEXÕES SOBRE... 133

Os eventos em Angola destoam desta imagem geral de pacificação. No


conflito angolano, mediações levaram à conclusão do Acordo de Paz de Bicesse,
em 1991, entre o Governo angolano e a UNITA e às eleições multipartidárias em
setembro de 1992. Mas, a recusa, por parte da UNITA, em aceitar a derrota
eleitoral, bem como a sua decisão de reiniciar a guerra, reabriram este conflito,
agora em uma escala muito superior. A UNITA chegou a controlar uma grande
parte do território angolano, mas perdeu a iniciativa militar ao final de 1994. Com a
perda da maior parte do seu apoio externo, o movimento iniciou então uma dramática
retirada. O último golpe contra a capacidade militar deste movimento se deu em
maio de 1997, com a queda do regime de Mobuto no Zaire, o último aliado da
UNITA na África Austral. A UNITA sofreu uma série de derrotas militares e,
desde o final de 1994, as hostilidades se reduziram a uma pequena escala. Ao
mesmo tempo, negociações sobre uma solução pacífica do conflito foram reiniciadas
e perduram até hoje em dia.
Existem duas razões interligadas que explicam esta pacificação das
relações regionais na África Austral durante os últimos 10 anos:
a) o fim da Guerra Fria e, subseqüentemente, do engajamento conflituoso
da duas superpotências no subcontinente sul-africano e
b) o fim da política de desestabilização da África do Sul.
Este artigo pretende analisar a transformação das relações regionais através
da perspectiva de um dos atores principais, isto é, da África do Sul e sua política
regional. Pretende demonstrar que as mudanças principais no processo de inserção
regional da África do Sul aconteceram entre 1989 e 1992-3 e, assim, antes da
posse, em 1994, do novo Governo de National Union, liderado pelo Congresso
Nacional Africano (CNA). Em segundo lugar, será demonstrada a maneira pela
qual os dois fios condutores da política exterior da África do Sul, a política oficial
do Estado do apartheid e a “contra-política” do CNA se fundiram entre 1991 e
1994. Durante esta fusão, conceitos e princípios importantes do CNA foram
abandonados. Apesar da garantia enfática dada por parte do CNA de que a África
do Sul abandonaria todas as ambições hegemônicas sub-regionais, a política de
“geoeconomia” continuou a influenciar profundamente a política regional do país
depois de 1994. Nesta perspectiva “geoeconômica”, o subcontinente representa
principalmente um mercado para a África do Sul e, conseqüentemente, as relações
entre os Estados chegam a ser influenciadas, cada vez mais, por interesses
econômicos conflituosos que, às vezes, têm uma longa “pré-história”anterior à
Segunda Guerra Mundial.

II.

As relações internacionais da África Austral não foram sempre tão


conflituosas como na década de 80. Desde a ocupação colonial da região, a
subjugação da população indígena e a repressão da resistência contra a dominação
134 WOLFGANG DÖPCKE

estrangeira em torno do final do século XIX, a África do Sul gozou de um longo


período de paz (colonial), que só foi interrompido pela Guerra Sul-Africana de
1899-1902 e pela ocupação por tropas sul-africanas da Deutsch-Südwest-Africa
(Namíbia), no início da Primeira Guerra Mundial.
Historicamente, a divisão colonial da África Austral reflete a competição
entre o imperialismo britânico e o “subimperialismo” dos boêres, mas é também
resultado das conquistas territoriais dos ingleses para conter as ambições
expansionistas da Alemanha e de Portugal durante a época da “Corrida pela África”.
Depois da fundação da União da África do Sul em 1910, um aspecto básico da
política regional deste Estado, além da penetração econômica das colônias vizinhas,
foram as tentativas de incorporação do território ao norte de Limpopo. Estes
esquemas incluíram o desenho do General Smuts de uma União Maior (“Greater
Union”), reunindo partes da África Austral até o Norte de Moçambique e de
Angola à União, a tentativa frustada de incorporar a Rodésia do Sul em 1923 e a
igualmente frustrada política de anexação dos Territórios do Alto Comissário (High
Commissioner’s Territories)1 . O imperialismo inglês conseguiu conter esta política
expansionista da África do Sul, com a notável exceção do caso da Namíbia.2
Apesar da suave política de containment por parte da Grã-Bretanha, o ambiente
regional da África do Sul foi amigável até a Segunda Guerra Mundial, e não
representava nenhuma ameaça ao que era considerado segurança do Estado. Os
vizinhos da África do Sul não só se consistiam em Estados coloniais, com os mesmos
problemas de legitimidade perante a população negra, mas eles tinham também
herdado muitas instituições de hegemonia dos colonos brancos, inclusive a convicção
da supremacia branca como razão e justificativa principal do projeto colonial no
continente negro.
Desde a chamada “revolução mineral”, a África do Sul surgiu, pelo menos
em termos econômicos, como potência regional hegemônica. O desenvolvimento
significativo da indústria de minérios, desde o último quartel do século XIX,
transformou a economia daquele país. A África do Sul, que antes sobrevivia de um
setor agroexportador atrasado, passou a ser um dos principais produtores de ouro
no mundo e, subseqüentemente, estabeleceu a indústria secundária mais
desenvolvida no continente africano. Atraiu, assim, expressivo investimento de
capital estrangeiro e muita imigração da Europa. Respondendo às necessidades e
aos interesses desta economia diversificada, a África do Sul reestruturou as relações
com os seus vizinhos e, em conseqüência, foi o ator mais dinâmico nas relações
regionais do subcontinente desde a época da fundação da União Sul-Africana em
1910 até os anos 60. Surgiu assim o que os pesquisadores chamaram de um
“subordinate state system”3 . A África do Sul se tornou um “gigante econômico”
em relação aos seus vizinhos, bem como à África negra. Em 1980, o produto
nacional bruto da África do Sul foi três vezes superior ao total dos outros países da
SADCC (Southern African Development Coordination Conference)4 . Em 1995,
UMA NOVA POLÍTICA EXTERIOR DEPOIS DO APARTHEID ? – REFLEXÕES SOBRE... 135

embora tivesse apenas 8% da população total, a África do Sul representava 48%


do produto nacional bruto de toda a África ao sul do Saara.
A interação econômica entre a África do Sul e os seus vizinhos não
aconteceu de forma igualitária. Pelo contrário: histórica e atualmente, este país
domina esta relação. No discurso acadêmico, a África do Sul é caracterizada
como “hegemônica”5 , “subimperial”6 ou “potência semiperiférica”7 . Grundy
identifica um “imperialismo sul-africano” que visa exercer hegemonia no subsistema
da África Austral.8 O intercâmbio na região é caracterizado como “colonial”,
destacando-se o fato de que a África do Sul considera os países vizinhos como
“mercado natural” para os produtos de sua indústria secundária. Por outro lado, o
termo amplamente usado para caracterizar a situação dos Estados vizinhos em
relação à África do Sul é dependência.9 Nos anos 80, o grau de dependência
para com a África do Sul variava muito entre os Estados individuais: de dependência
e vulnerabilidade absoluta (no caso dos BSL-states10 e Namíbia), dependência
média (Zimbábue, Moçambique, Zâmbia) até dependência relativamente baixa
(Angola).11 É importante ressaltar que, embora a hegemonia sul-africana seja
substantiva, uma dependência absoluta não é, ou era, a regra. “Much in the region
works in favour of South Africa”, argumenta du Pisani, “but South Africa’s regional
hegemony is not without limitations.”12
Este ambiente regional amigável para a África do Sul começou a mudar
depois de 1945, primeiramente em nível mundial e, depois, na subregião. Enquanto,
depois da Guerra, o mundo entrou no seu último ciclo de descolonização e também
guardou, de certa forma, o anti-racismo da guerra contra Hitler como patrimônio
ideológico, na África do Sul culminou a discriminação racial com a realização do
programa de apartheid do Partido Nacional, que chegou ao poder em 1948.
Entre 1948 e 1960, a África do Sul surgiu como “pária internacional”.13
Durante este período, a preservação e a defesa do sistema de apartheid
representavam o objetivo principal e quase único da política exterior da África do
Sul. Na arena internacional, a África do Sul tentou, inicialmente com grande sucesso,
vincular sua ordem interna às divisões da Guerra Fria e se projetou como defensora
não somente dos supostos valores da civilização branca no continente negro, mas
também como fiel bastião contra o comunismo e a suposta expansão soviética. Em
termos regionais, “...successive South African Governments made the creation of
a stable regional milieu favorable to South Africa’s economic and security interests
a priority goal of foreign policy”.14 Desde os anos 50, a política regional da África
do Sul é reativa e defensiva, apesar do seu caráter ofensivo e dos seus, às vezes
espetaculares, sucessos a curto prazo. Ela reagiu a desafios que, na perspectiva
do regime governante, tornavam-se cada vez mais ameaçadores. 15
A resposta inicial ao ambiente internacional crescentemente hostil e ao
nacionalismo africano cada vez mais forte consistiu internamente na intensificação
da política do apartheid. Regionalmente, a política da África do Sul caracterizou-
136 WOLFGANG DÖPCKE

se pelas tentativas bem determinadas de incorporação dos Territórios do Alto


Comissário Britânico e da Namíbia. Todavia, embora somente tenha obtido sucesso
temporário no último caso, as independências de Suazilândia, Lesoto e Botsuana,
nos anos 60, não se transformaram em uma ameaça à segurança do regime do
apartheid como era temido pelo etablissement branco. Do início dos anos 60 até
a metade dos anos 70, a África do Sul seguiu uma política regional que du Pisani
chamou de “assertive incorporation”. A África do Sul buscou um rapprochement
com os países africanos independentes, usando seu potencial econômico para mantê-
los dóceis e estabelecer relações mais próximas. A variante mais conceituada
deste outward movement foi o conceito do Primeiro Ministro Vorster de um
mercado comum dos Estados da África Austral.16
O colapso do colonialismo português na África, seguindo a derrubada do
regime salazarista em abril de 1974, afetou dramaticamente o balanço de poder na
África Austral. A reação inicial da África do Sul à destruição do seu cordon
sanitaire contra a África negra foi “cooly statemanlike”17 , pelo menos em relação
à indendência de Moçambique. A exposição das fronteiras da África do Sul e da
Namíbia a Estados que adotavam potencialmente políticas anti-apartheid, e o
quase encercamento da Rodésia do Sul por Estados da Linha de Frente18 , provocou
Pretória a apresentar uma nova iniciativa na política regional, a chamada détente,
que governou as relações internacionais na África Austral entre meados de abril
de 1974 e o final de 1975.
O raciocínio central desta abordagem foi o de que a nova situação de
segurança da África do Sul necessitava uma resolução pacífica dos conflitos
correntes na África Austral (Namíbia e Rodésia do Sul), senão os conflitos iriam
escalar. Conseqüentemente, os movimentos anticoloniais poderiam se radicalizar e
a maioria dos africanos chegaria a apoiar estes movimentos radicais e “comunistas“.
Iniciou-se, assim, uma intensa diplomacia em torno do impasse constitucional na
Rodésia, envolvendo principalmente a África do Sul e a Zâmbia. Reagiram também
positivamente ao rapprochement do regime do apartheid a Costa do Marfim e a
Libéria. Pretória exerceu certa pressão sob o regime branco de Ian Smith para
que um governo majoritário africano fosse aceito, mas mostrou menos determinação
no caso do Estado da Namíbia, ilegalmente por ela mesma ocupado. O apogeu da
diplomacia de détente foi o memorável encontro, no dia 25 de agosto de 1975, na
ponte sobre o rio Zambezi em Victoria Falls, entre Ian Smith, os líderes dos
movimentos guerrilheiros de Zimbábue, o Presidente Vorster e o Presidente de
Zâmbia, Kenneth Kaunda. A détente falhou dramaticamente, sobretudo em função
da recusa de Ian Smith em considerar a participação africana no processo político
na Rodésia, por causa das divisões graves e das rivalidades entre os movimentos
de libertação de Zimbábue, e dentro deles, por causa da inflexibilidade da África
do Sul na questão da Namíbia e da discreção das potências ocidentais em assumir
um papel mais determinado nas negociações. Mas a détente recebeu o golpe
UMA NOVA POLÍTICA EXTERIOR DEPOIS DO APARTHEID ? – REFLEXÕES SOBRE... 137

mortal da própria África do Sul, devido ao envolvimento do país na guerra civil em


Angola, que culminou com a invasão sul-africana maciça e aberta entre setembro/
outubro de 1975 e janeiro de 1976.19
A intervenção militar na guerra civil em Angola provocou uma virada na
política regional da África do Sul.20 Embora, antes da invasão, a África do Sul
houvesse clandestinamente cooperado com Portugal no combate a movimentos
guerrilheiros, atravessado a fronteira com Angola na perseguição a combatentes
da SWAPO21 e, ainda, na Rodésia, tivesse também auxiliado Ian Smith com o
envio de uma tropa de polícia paramilitar, até então nunca havia abertamente
intervido com força militar na política interna dos seus vizinhos. A intervenção em
Angola fundou, pois, uma tradição de interferência repressiva no subcontinente
que, durante a era de desestabilização da Total National Strategy nos anos 80,
assumiu caráter sistemático.
Observadores argumentam que a intervenção sul-africana, ao lado da
FNLA e da UNITA22 , representava uma decisão ad-hoc e não seguia um claro e
estrito planejamento político e estratégico.23 A decisão se baseou na percepção,
principalmente por parte da inteligência militar, de que um governo angolano do
MPLA ameaçaria os interesses de segurança da África do Sul na Namíbia, porque
certamente apoiaria o movimento de libertação daquele país, a SWAPO. Nesta
invasão, a África do Sul não utilizou o seu inteiro potencial militar, obviamente em
função de suposições equivocadas sobre a fragilidade do MPLA, e o poderio da
FNLA e da UNITA. Além disto, a África do Sul gravemente subestimou a
determinação por parte da União Soviética e de Cuba de ajudar o MPLA. Segundo
Grundy, o engajamento militar somente moderado refletia também uma disputa de
orientação na política regional no centro do poder na África do Sul e mostrava “the
compromise character of the decision and the conduct of the intervention, by which
the hawks [principalmente o SADF, W.D.] secured the decision to attack provided
the doves [os “políticos” e o DFA, W.D.] were mollified by a less intensive and
extensive SADF deployment.”24
A África do Sul parecia esperar por um envolvimento maciço e solidário
por parte dos EUA, como muitos observadores alegam. Marte e outros argumentam
convincentemente que o objetivo principal teria sido “to forge a formal Cold War
alliance with the US, which was to serve as a smoke screen for maintaining white
dominance in southern Africa.”25 Tudo indica que os EUA tinham conhecimento
anterior da invasão e talvez tenham até participado ativamente na preparação,
embora o então Secretário de Estado, Henry Kissinger, sempre, e firmemente,
tenha negado ser verdadeira esta alegação.26 Entretanto, ficou demonstrado que
a avaliação sul-africana sobre o relativo poder de cada lado na guerra civil angolana,
e sobre a disposição dos EUA de arriscar mais um aberto engajamento em um
conflito no Terceiro Mundo, logo depois do desastre da Guerra do Vietnam,
era equivocada. Diante da possibilidade de ter que enfrentar uma guerra
138 WOLFGANG DÖPCKE

semiconvencional prolongada, apenas com as enfraquecidas UNITA e FNLA como


aliadas, e, provavelmente, contra soldados cubanos equipados com tecnologia militar
soviética, a África do Sul optou por uma rápida retirada em janeiro de 1976. A
África do Sul sofreu uma experiência traumática em Angola, lutando pela primeira
vez em uma guerra africana e não conseguindo alcançar nenhum dos seus objetivos.
Sentiu-se então profundamente traída pelo Ocidente, cuja “batalha contra o
comunismo” a África do Sul proclamava estar lutando.
Em 1980, o cordon sanitaire de colônias brancas, protegendo a África do
Sul da “onda negra”, finalmente se despedaçou. Depois de Angola e Moçambique,
a Rodésia do Sul “caiu” e se tornou independente, com o governo do “marxista”
Robert Mugabe, sob o nome de Zimbábue. A vitória nas eleições de fevereiro-
março de 1980 de R. Mugabe, e do seu partido ZANU-PF27 , mostrou, mais uma
vez, um erro de cálculo por parte da assessoria estratégica da África do Sul. A
guerra de libertação de Zimbábue ganhou enorme fôlego com a independência de
Moçambique em 1975, expondo, assim, a Rodésia do Sul à infiltração de guerrilheiros
ao longo de mais de 1.000 quilômetros de fronteira com Moçambique. A África do
Sul investiu pesadamente na chamada “solução interna” e no seu candidato, Bishoph
Abel Muzorewa, que foi inventado por Ian Smith como último salvaguarda na
tentativa de exclusão do poder no país dos dois movimentos de libertação (ZANU
e ZAPU). Quando as eleições “internas” em 1979 nem satisfizeram a comunidade
internacional, nem pacificaram o país, e a reunião da cúpula dos países do
Commonwealth obrigou a Primeira Ministra da Grã-Bretanha, M. Thatcher, a
concordar com a convocação de uma conferência constitucional, incluindo os dois
movimentos, a África do Sul jogou o seu peso, sobretudo financeiro (mais clandestina
do que abertamente), novamente atrás de Muzorewa. Nas eleições livres de 1980,
finalmente, Bishoph ganhou 3 das 100 cadeiras do parlamento e o encercamento
da África do Sul, por Estados hostis à política do apartheid e simpáticos aos
objetivos do CNA, se completou na sua fronteira ao norte.
Este colapso das colônias brancas em torno da África do Sul foi seguido
por uma explosão da resistência interna, iniciada com a revolta de SOWETO em
1976, provocando assim uma severa crise no país e uma reação externa drástica
na forma de um embargo de armas, pronunciado pelas Nações Unidas. Esta dupla
crise, interna e externa, levou a uma profunda reformulação da política e ao
surgimento da chamada “Total National Strategy”. O conceito de “estratégia total”
origina-se de um documento do Ministério da Defesa de 1977, mas somente foi
posto em prática pela primeira vez no início dos anos 80, quando a política do
“Constructive Engagement” do Presidente Reagan criou um ambiente mais
favorável à coerção militar e econômica na África Austral.28
A chegada ao poder nos EUA de R. Reagan em janeiro de 1981, e o seu
“Constructive Engagement” como “presente de casamento”29 para a África do
Sul, foi pré-condição necessária para o pleno desdobramento da política sul-africana
UMA NOVA POLÍTICA EXTERIOR DEPOIS DO APARTHEID ? – REFLEXÕES SOBRE... 139

de guerras não-declaradas contra os seus vizinhos. Ao contrário do seu predecessor,


J. Carter que, durante boa parte do seu governo seguiu uma abordagem regionalista
em relação à África Austral, Ronald Reagan e seu Assistant Secretary for African
Affairs, Chester Crocker, não só minimizaram a questão dos direitos humanos,
mas também inseriram a política relativa ao subcontinente em uma visão globalista
de combate mundial ao comunismo. Nesta regressão ao fundamentalismo da Guerra
Fria, as elites brancas da África do Sul gozaram, assim, de uma nova apreciação
como co-combatentes no confronto global contra a União Soviética. O “Constructive
Engagement”, que, através de um diálogo associado e construtivo com a minoria
branca, deveria criar incentivos para a abertura e mudança democrática da África
do Sul, articulou de facto uma postura passiva em relação ao apartheid e deu
uma carte blanche para a política sul-africana de desestabilização dos países
vizinhos. Regionalmente, como de facto permitiu a inserção coerciva sul-africana,
inibiu assim uma solução dos conflitos interestatais por quase uma década.30 Em
Angola, pelo menos depois da revogação da Emenda de Clark em 1985, que proibia
ajuda americana à UNITA, os Estados Unidos cooperaram no combate militar e
terrorista do governo do MPLA e, assim, prolongaram durante muitos anos o
sofrimento da população.
Sem a tácita tolerância dos EUA, que desde a metade dos anos 70
substituíram a Grã-Bretanha e Portugal como principal potência ocidental na região,
e ainda sem o anticomunismo firme e a predileção pela dominação branca ou
governos africanos “moderados” da Primeira Ministra da Grã-Bretanha, M.
Thatcher, a política sul-africana de “Total Strategy” não teria condições de ser
realizada com tal amplitude. Dentro da percepção clássica de “zero-sum”31 , o
pensamento de “Estratégia Total” atribuiu todas as principais ameaças à segurança
da África do Sul branca (o “encercamento” por Estados africanos radicais, as
campanhas políticas e armadas da SWAPO e do CNA e a resistência popular
interna) a um único fator: ao ataque total (total onslaught) do marxismo e da
União Soviética. Este “ataque total” teria que ser combatido com uma “estratégia
total” (total strategy), interna e externamente. Na política regional, a total strategy
combinou os seguintes elementos:
a) Desestabilização militar direta, através de intervenção em larga escala,
combate às tropas regulares e ocupação de território sem formal declaração de
guerra, como no caso de Angola. A retirada precipitada de Angola em 1976 não
livrou o país da presença militar sul-africana. Desde 1976, a SADF e a força aérea
realizaram ataques ao sul de Angola, contra, segundo se diz, alvos da SWAPO.
Em novembro de 1979, escalaram os ataques terrestres, ocupando-se território ao
sul do país e estabelecendo-se uma presença militar permanente nas Províncias de
Cunene e Cuando Cubango. A partir destas áreas, intensificaram-se os ataques
terrestres e aéreos contra cidades, infra-estrutura e instalações militares angolanas.
Por exemplo, entre janeiro e novembro de 1982, 53 ataques terrestres e mais do
140 WOLFGANG DÖPCKE

que 100 ataques aéreos foram computados.32 Em agosto de 1981, deu-se a, então,
maior invasão, a chamada Operation Protea, usando mais do que 5.000 tropas
terrestres. O exército angolano conseguiu parar o avanço somente em 110
quilômetros dentro do país. Como resultado, a maior parte da Província de Cunene
ficou ocupada pelos sul-africanos até 1988. De lá, a SADF forneceu assistência
maciça de combate à UNITA e realizou ataques aéreos ao norte.
b) Assistência aberta de combate a grupos antigovernamentais, como no
caso da FNLA (1975) e da UNITA (apartir 1975) em Angola.
c) Assistência financeira e logística, no armamento e no treinamento, bem
como a oferta do seu território nacional como área segura de retirada a guerrilheiros
e terroristas que lutavam contra os governos dos Estados da Linha de Frente:
UNITA em Angola, RENAMO33 em Moçambique, a milícia de Muzurewa e Sithole
e os dissidentes da ZAPU em Zimbábue, a chamada Lesotho Liberation Army.
Na maioria dos casos, as operações e até a existência destes grupos dependiam
inteiramente do engajamento sul-africano.
d) Sabotagem a alvos econômicos e militares nos Estados da Linha de
Frente, realizada por comandos sul-africanos. Estes atos de sabotagem eram
inúmeros; a destruição de armazéns petrolíferos em Beira (Moçambique),
freqüentes ataques a instalações militares e a destruição de grande quantidade de
material, inclusive de uma grande parte da força aérea de Zimbábue, além dos
diversos ataques às instalações petrolíferas de empresas norte-americanas em
Cabinda (Angola), foram os mais espetaculares.
e) Coerção econômica contra aqueles Estados da Linha de Frente que
eram dependentes da África do Sul e da sua rede de transporte, especialmente
Zimbábue, Moçambique e Lesoto.
f) Envolvimento em golpes militares e tentativas de golpe, como no caso
de Lesoto e das Seychelles.
g) A chamada “forward defense”: ataques militares, assassinatos e
atentados contra o CNA e a SWAPO, suas bases, escritórios, representantes e
militantes comuns, e, também, contra campos de refugiados e membros da polícia
e do militar local simpáticos aos dois movimentos em quase todos os Estados da
Linha de Frente.34
Os objetivos principais da política sul-africana de desestabilização eram a
“neutralização” dos Estados da Linha de Frente (com respeito à política e postura
anti-apartheid) e a eliminação da ameaça à dominação branca, representada pelas
atividades do CNA, da SWAPO e, em menor grau, do CPA (Congresso Pan-
Africano). A implementação desta estratégia transformou a década de 80 em um
período de guerra não-declarada na África Austral e trouxe extrema insegurança
e grande hostilidade às relações sub-regionais. As perdas humanas e materiais são
estimadas em 1.500,000 mortos e US $ 60 bilhões. Complementando as ofensivas
militares, foi lançado um novo esquema de cooperação formal regional, a chamada
UMA NOVA POLÍTICA EXTERIOR DEPOIS DO APARTHEID ? – REFLEXÕES SOBRE... 141

“Constelação de Estados da África Austral” (CONSAS). A CONSAS representava


mais uma tentativa por parte da África do Sul de explorar sua hegemonia econômica
na região, aproveitando-se também do suposto medo dos governos africanos mais
moderados perante o “comunismo“, para construir um novo tipo de cordon
sanitaire, desta vez, reunindo os últimos Estados com governo branco (Namíbia),
Estados possivelmente moderados (o candidato à Presidência do Zimbábue, Bishoph
Abel Muzorewa aprovou o esquema) e conservadores (Malawi), além dos BLS-
states e os Bantutões. Mas, a recusa categórica mesmo daqueles Estados que
dependiam economicamente da África do Sul, como os BLS-states, e a fundação
da Southern African Development Coordination Conference (SADCC), em
1980, como contra-esquema de integração por parte dos Estados da Linha de
Frente, rapidamente frustou o novo regionalismo dominado pela África do Sul.
Com a SADCC, surgiu uma proposta de cooperação econômica que se dirigiu
explicitamente contra a dominação econômica do subcontinente pela África do
Sul, e cujos objetivos de cooperação e coordenação de desenvolvimento foram
vistos como parte integral da luta contra o regime do apartheid.
A implementação da Total National Strategy como orientação política
coerente é inseparável da ascensão de P.W. Botha ao poder como Primeiro-
Ministro/Presidente e da centralização das decisões estratégicas nas mãos de uma
pequena elite, predominantemente de militares, realizada sob seu governo. O próprio
Botha foi instrumental na formulação da “estratégia total”, quando ainda era Ministro
de Defesa em 1977. Elementos-chave desta “militarização”35 da política sul-
africana são a elevação da South African Defence Force (SADF) da condição de
instrumento de implementação de decisão para a de participante ativo no processo
de formulação de política e, vinculado a isto, o surgimento do security establishment,
dos “securocratas”, no centro do poder no Estado. Claro vencedor desta
transposição de poder foi o State Security Council (SCC), no qual os militares
tinham controle, embora talvez não absoluto. Quem perdeu foi, especialmente, o
tradicional locus de poder afrikaaner, o Partido Nacional, o Parlamento (branco)
e aqueles ministérios que não estiveram tão estreitamente associados à opção
militar nas arenas doméstica e regional. A burocracia diplomática, o Department
of Foreign Affairs (DFA), foi um dos principais perdedores e ficou crescentemente
marginalizado pelos “securocratas” na formulação e implementação da política
exterior. Este processo já começou sob o governo de Vorster, com o crescimento
em importância da agência de segurança (BOSS).36
Inicialmente, a política sul-africana de desestabilização obteve um sucesso
impressionante. “South Africa’s position as the dominant power in all of southern
Africa increased dramatically”, argumenta R. Rotberg. “By mid-decade, South
Africa had no local or global rivals for preeminence in the region south of Zaire
and Tanzania. Despite its own profoundly unstable core, the extend of its newly
accomplished hegemony had exceeded even the expectations of South Africa’s
142 WOLFGANG DÖPCKE

most optimistic strategic planners.”37 Como conseqüência da desestabilização, a


África do Sul teve condições de forçar os seus vizinhos a celebrar tratados de
“não-agressão” com o regime de apartheid, nos quais os governos africanos se
comprometeram a negar bases e outros auxílios para os movimentos de libertação
(CNA e SWAPO), em troca da promessa sul-africana de terminar com as guerras
não-declaradas (Acordo com Suazilândia de 1982, Acordo de Lusaka entre a África
do Sul e Angola em 1984 e o mal-afamado Nkomati Accord do mesmo ano com
Moçambique, que estava virtualmente à beira de um colapso em função do
terrorismo de braço longo da África do Sul na forma da RENAMO). Mas, esta
humilhação dos movimentos de libertação e dos seus Estados vizinhos não inibiu a
África do Sul a continuar com a desestabilização, mesmo contra Moçambique,
violando sem escrúpulos os próprios tratados que foram celebrados com espetacular
orgulho pela diplomacia sul-africana.
Foi, portanto, neste clímax de hegemonia sul-africana na região na metade
dos anos 80, que o terreno estava preparado para o colapso interno do sistema do
apartheid e o fim da sua política regional agressiva. As razões complexas do
desmoronamento do apartheid não podem aqui ser discutidas.38 Basta ressaltar
que as repercussões da resistência interna (que ressurgiu depois de setembro de
1984 e que forçou o governo a declarar o Estado de Emergência em 1985), a
decepção em relação à recusa do governo a realizar mudanças significantes na
constituição (especialmente seguindo a famosa Rubicon Speech de Presidente
P.W. Botha), interagiram com as conseqüências da transformação do ambiente
internacional (fim da Guerra Fria), e com a postura mais determinada por parte
das maiores sociedades ocidentais (elemento chave neste contexto foi a celebração
do compreensivo Anti-Apartheid Act do Congresso Norte-Americano em 1986,
que colocou os Estados Unidos no caminho de sanções, apesar da política
conciliatória da Administração americana).39 Os distúrbios, que chegaram à beira
de uma guerra civil, a retirada dos investimentos, especialmente por empresas
americanas; sanções cada vez mais severas, e a perda de confiança na África do
Sul por parte do mercado financeiro internacional, provocaram uma profunda crise
interna que representa o background da saída do poder de P.W. Botha e da
instalação de F.W. de Klerk como Presidente do Partido Nacional e do Estado sul-
africano no final de 1989. Foi de Klerk quem percebeu que reformas fundamentais
e até mesmo a abolição do regime do apartheid representavam a única saída para
a África do Sul.
Na política regional, o início das mudanças ligeiramente antecede a posse
de de Klerk, embora muitos observadores associem a transformação fundamental,
isto é, o abandono por princípio da política de desestabilização, à de Klerk e à sua
nova administração. O ponto de virada teria sido, nesta perspectiva, o famoso
discurso no Parlamento no dia 2 de fevereiro de 1990, no qual de Klerk anunciou o
fim do banimento dos grupos principais de oposição e a libertação de Nelson
Mandela.40
UMA NOVA POLÍTICA EXTERIOR DEPOIS DO APARTHEID ? – REFLEXÕES SOBRE... 143

A indicação mais visível das mudanças na política regional foram as


negociações bem sucedidas em torno da independência de Namíbia e da retirada
das tropas cubanas de Angola. Desde a formulação, em 1982, pela política
americana, do linkage entre a independência de Namíbia e a presença dos Cubanos
em Angola, estes dois conflitos eram ligados diplomática e politicamente (no campo
de batalha, esta ligação existia desde 1975, com a invasão sul-africana de Angola).
Durante os anos 80, este linkage servia para a África do Sul como mais um
pretexto conveniente para sabotar as negociações sobre a Namíbia e terminar
com a ilegal ocupação deste país, como foi prescrito pela Resolução 435 das Nações
Unidas. A etapa decisiva para a solução do conflito começou no dia 5 de agosto de
1988, com a assinatura do Protocolo de Genebra, que estabeleceu um cessar-fogo
entre os sul-africanos e angolanos em Angola e previu a retirada das tropas sul-
africanas do território angolano. Já no dia 1 de setembro, este acordo foi
implementado. Depois de uma série de negociações, o Acordo de Nova Iorque foi
assinado entre Angola, África do Sul e Cuba (22.12.1988), estipulando os prazos
para a retirada das tropas cubanas de Angola e da maioria das tropas sul-africanas
da Namíbia, e, também, para a realização das eleições e da independência deste
país. Em novembro de 1989, as eleições foram realizadas e, no dia 21 de março de
1990, a Namíbia conseguiu a sua independência sob o governo da SWAPO, tendo
assim um final que a África do Sul durante tanto tempo havia considerado como
um cenário impensável.41
O que causou esta transformação dramática da política regional da África
do Sul? Scholars identificam, via de regra, um conjunto de razões, embora com
ênfase diferenciada acerca dos fatores individuais.42 No centro das explicações,
encontra-se a transformação do ambiente internacional (o fim da Guerra Fria), e,
como conseqüência, tanto o colapso da figura ideológica, que servia como
justificativa para as agressões sul-africanas (o anticomunismo), quanto as pressões
das superpotências sobre os seus clientes no sentido de resolverem os conflitos
regionais pacificamente. A transposição do poder militar no sul de Angola teria
sido outro fator decisivo para a retirada sul-africana. O impacto causado pelo
número elevado de soldados brancos mortos na guerra em Angola sob a sociedade
branca sul-africana, as campanhas contra o serviço militar obrigatório e os imensos
custos da guerra, em um momento em que a África do Sul chegou a sofrer,
crescentemente, sanções e a viver uma crise econômica, igualmente exerceram
grande peso. Contribuiu, também, a ampla resistência de grande parte da sociedade
namibiana contra a ocupação pela África do Sul.43
De importância central parece ter sido a derrota militar e as perdas
significantes da África do Sul nas batalhas de Cuito Cuanavale em 1987-8 (o
“Stalingrado da África do Sul”), a perda de superioridade aérea no sul de Angola
e o avanço de tropas angolanas e cubanas até curta distância da fronteira entre
Angola e Namíbia. Enquanto as operações anteriores em Angola foram de muito
144 WOLFGANG DÖPCKE

baixo risco, os confrontos que aconteceram entre a metade de 1987 e a primavera


de 1988 mostraram uma guerra radicalmente transformada e os limites do poder
militar sul-africano. Perante o enfraquecimento da opção militar, de um lado, o
détente entre as superpotências, de outro, e com a necessidade de mostrar boa
vontade junto à comunidade internacional para evitar sanções mais duras, a África
do Sul optou trocar a independência da Namíbia pela retirada das tropas cubanas
da África. Com esta troca, a África do Sul não perdeu a pose. Ao mesmo tempo,
ela permitiu a Cuba celebrar o seu engajamento militar como fator decisivo na
derrota da agressão do regime do apartheid em Angola e na proteção da “revolução
angolana”.44
A depreciação da opção militar em Angola (e, conseqüentemente, também
na Namíbia) teve repercussões importantes para o processo político e decisório no
governo da África do Sul. Os observadores perceberam um realinhamento de
poder e influência, fortalecendo, ainda no governo Botha, os “pombas” e
“diplomatas” em detrimento dos “securocratas”. Tudo indica que, em termos de
formulação da política externa, o DFA, com sua abordagem mais diplomática em
relação às supostas ameaças de segurança, voltou à preeminência. Acompanhando
a solução do conflito da Namíbia, o Presidente Botha iniciou uma nova iniciativa
diplomática, com o fim de romper com o isolamento do seu país, visitando países
europeus e africanos. Quando F.W. de Klerk assumiu o poder em 1989, completou
esta tendência e depreciou o papel do State Security Council e do security
establishment no processo de decisão do governo.45
Alguns analistas acadêmicos vêem a solução do conflito Namíbia/Angola
e a nova ofensiva diplomática dentro de um contexto de uma mudança paradigmática
mais profunda da política exterior sul-africana, reagindo, principalmente, ao fim da
bipolaridade mundial e ao latente colapso da União Soviética. Esta “New
Diplomacy” nasceu no último ano do governo Botha, ganhou enorme folêgo nos
anos de transição entre 1990 e 1994 sob o comando de de Klerk, e se transformou,
sem graves modificações, na principal orientação da política externa do Government
of National Unity, liderado pelo CNA.46 Os princípios-chave da “New Diplomacy”
foram primeiramente formulados em 1989 por Neil van Herden, Diretor Geral do
MFA, o, então, mais senior diplomata sul-africano.47 Estes princípios destacam
que a África do Sul deve fazer parte da África (e que não é uma extensão da
Europa ao sul do globo), que problemas africanos devem ser resolvidos por africanos,
que a África do Sul deve ser uma potência na região mas que seu poder tem
limites, que ela depende de relações amigáveis com os seus vizinhos e que a sua
política regional deve ser implementada com instrumentos não-coercivos. Ewans
argumenta que a “New Diplomacy” não foi uma política regional nova e que ela
representava mais uma mudança de estilo do que de substância. A noção da África
do Sul como potência dominante permanecia intacta, só que a definição desta
hegemonia mudou de “geopolítica” para “geoeconômica”.48 D. Venter, que identifica
UMA NOVA POLÍTICA EXTERIOR DEPOIS DO APARTHEID ? – REFLEXÕES SOBRE... 145

a mudança principal na política regional a partir do famoso discurso de de Klerk do


dia 2 de fevereiro de 1990, sublinha, também, que esta nova diplomacia neo-realista
se baseava no princípio de que a bandeira seguia o comércio e que a nova diplomacia
visa a região como alvo da expansão econômica da África do Sul.49
De qualquer forma, a “nova diplomacia” colocou um fim efetivo à política
de desestabilização da “Total National Strategy”. A partir de 1989, o Estado sul-
africano rapidamente se despediu dos instrumentos abertamente coercivos na política
regional. Contudo, a continuação de ajuda para a UNITA e a RENAMO por parte
do security establishment sul-africano sugere a pergunta, similar àquela a respeito
da situação interna, se o Estado tinha uma dupla agenda na política regional ou se
os militares conseguiram agir e realizar os seus próprios objetivos, sem o controle
do Estado.
A “nova diplomacia” ganhou força com o fim do banimento das
organizações da oposição e a libertação de Nelson Mandela e outros da prisão em
fevereiro de 1990. O Presidente de Klerk e seu Ministro das Relações Exteriores,
“Pik” Botha, iniciaram uma ofensiva diplomática, cujo objetivo era o retorno da
África do Sul à comunidade internacional e o fim das sanções econômicas. Pelo
menos a partir de fevereiro de 1991, a diplomacia sul-africana readquiriu a iniciativa
em relação à questão das sanções. A “contrapolítica“ exterior do CNA, bem como
da Organização da Unidade Africana (OAU) e dos Estados da Linha de Frente,
perdeu o controle sobre este importante pilar da política internacional anti-
apartheid.50 Ainda na arena africana, a dupla de Klerk/Botha conquistou uma
série de sucessos diplomáticos, na forma de tratados de cooperação e da iniciação,
e, depois, da intensificação, de contatos econômicos, apesar da determinação de
Nelson Mandela, em fazer valer, em vão, todo o seu prestígio político e moral, a fim
de permitir a normalização das relações externas da África do Sul apenas depois
da conclusão das negociações constitucionais. Na arena regional, a severa estiagem
de 1992, que forçou muitos Estados do subcontinente a importar alimentos da
África do Sul, ajudou de Klerk a romper o isolamento, mesmo no caso do “linha
dura” Zimbábue.
Perante a perda do controle da inserção internacional da África do Sul, um
assunto que a diplomacia do CNA conseguiu conquistar habilmente em torno dos
anos 70, e que permitiu ao movimento de libertação se projetar como um
government-in-waiting51 , o CNA, finalmente, desembarcou em uma maior revisão
na sua política exterior e “bowed to the inevitable... and began the process of
policy convergence with the New Diplomacy”.52
Em uma série de documentos políticos, o CNA reconheceu a mudança
dramática no ambiente internacional, o colapso de seu velho aliado, a União Soviética,
e o surgimento de uma nova ordem internacional multipolar, crescentemente
dominada politicamente pelos Estados Unidos e que se baseia social e
economicamente na hegemonia indisputada do sistema capitalista. No programa
146 WOLFGANG DÖPCKE

básico de governo de 1992 (“Ready to govern”), o CNA, e depois de 1994 também


o novo DFA, adotaram a linguagem e os conceitos centrais da “New Diplomacy”.53
Evans fala de um “pacto de elites” durante os anos de transição entre o DFA do
governo branco e o Department of Foreign Affairs do CNA, e argumenta que
“by the time of the elections in April 1994, in foreign policy terms at least, South
Africa had become more or less a unitary state actor.”54
Mas este “pacto de elites” e as afinidades reveladoras na política exterior
entre o governo de Klerk e do CNA não ficaram sem contestação. Na realidade,
em vez de uma suave transição houve, desde 1990, um debate intenso sobre a
direção da política externa, envolvendo acadêmicos, deputados e, também, o próprio
CNA. Neste debate, o DFA foi criticado por parte dos acadêmicos e de membros
da própria aliança do CNA, da COSATU, por não representar uma ruptura com o
passado, nem em termos da composição do Ministério nem em termos da maneira
pela qual se deu a formulação da política exterior (“elitista, sem controle público”),
e por aceitar, sem postura crítica, as regras do jogo internacional. A política exterior
da “nova” África do Sul não constituía liderança moral no palco internacional e
não enfrentava o “apartheid global”, isto é, a dominação do Sul pelo capitalismo
mundial.55 Neste debate, tradições de política exterior bem distintas se confrontam
dentro do CNA (por exemplo, entre os cadres que foram politizados dentro do país
e aqueles que viveram no exílio) e entre o CNA e o tradicional foreign policy
establishment.56 Em termos ideológicos, a disputa aconteceu entre visões que
propunham a aceitação das regras do sistema internacional e argumentavam em
favor de uma inserção oportunista, inspirada por pura vantagem econômica, e
aquelas que estavam dispostas a contestar as regras e praticar uma política exterior
baseada em firmes princípios morais e políticos.57
Mas, embora a execução da política exterior tenha sido claramente
dominada pela visão neo-realista, pragmática e instrumentalista do de facto Ministro
das Relações Exteriores e designado sucessor de Nelson Mandela como Presidente
da África do Sul, Thabo Mbeki, estas disputas e a tensão entre um idealismo
normativo de um lado, e Realpolitik de outro, causaram, junto com a fraqueza do
atual Ministro, Alfred Nzo, problemas de orientação política e a ausência de um
coerente perfil na política exterior, durante os primeiros três anos do novo Governo.58
De um lado, o Governo de União Nacional começou, especialmente em
relação à região e ao continente africano, com uma cautelosa política de “baixo
perfil”, que provocou severo ceticismo por parte daqueles africanos que esperavam
da África do Sul um papel de liderança no continente.59 A OUA e o ex-Presidente
da Tanzânia deram a advertência, que “if South Africa continues to hide behind the
rhetoric of not wanting to play a leadership role, Africa would indeed suspect a
hidden agenda.”60 O DFA justificou esta abordagem cautelosa como uma reação
forte às políticas de dominação regional do passado: “Perhaps, initially, because of
our past experience and fear of being accused of maintaining a big brother syndrome,
UMA NOVA POLÍTICA EXTERIOR DEPOIS DO APARTHEID ? – REFLEXÕES SOBRE... 147

we did not see ourselves as playing a leading role in the region.... Our perceived
reluctance to have a ‘hands on’ approach to our region and to be pro-active in our
continent has to some extent been viewed by our neighbors and friends with some
suspicion and a great deal of cautions.”61
De outro lado, Nelson Mandela, repetidamente, surpreendeu o mundo com
uma série de súbitas tentativas de mediação (nos conflitos do Zaire, Sudão, Timor
Leste), sendo todas mal sucedidas, bem como com iniciativas de medidas relativas
aos direitos humanos (no caso da Nigéria). Especialmente, a maneira pela qual foi
conduzido o assunto nigeriano atrapalhou a comunidade internacional, em função
do seu fulminante radicalismo moral não-realista e por suas mudanças de política
abruptas.62 No palco mundial, parece que Mandela tenta balancear as relações
excelentes com os EUA, de um lado, e compromissos e ligações com Estados
amigos dos tempos da luta de libertação, que, atualmente, sofrem do ostracismo
por parte dos Estados Unidos, de outro (Cuba, Irã, Líbia).63 Observadores ficam
perplexos com a aparente contradição entre o alto rigor moral, articulado
especialmente pelo próprio Mandela e, algumas vezes, o puro oportunismo
econômico nas decisões da política exterior (por exemplo, no caso das exportações
de armas ou no caso do reconhecimento da economicamente poderosa, mas não-
democrática China Vermelha em vez de Taiwan). Recentemente, a disputa sobre
a orientação na política exterior focaliza no significado de African renaissance,
um termo que, depois de anos de pobreza conceitual, poderia emergir como uma
nova palavra-chave nas relações internacionais sul-africanas. O “renascimento
africano” significa a luta contra a marginalização internacional da África, para um
novo poder político e econômico do continente, acompanhado pela democratização,
respeito aos direitos humanos e combate à corrupção, uma luta na qual a África do
Sul teria um papel chave.64 Mas, enquanto os “pragmáticos”, como Mbeki, vêem
esta transformação do continente africano e a nova preeminência em aliança com
o capital estrangeiro, sob as premissas de uma ordem mundial liberal, ao final das
contas, como uma oportunidade de vender mais produtos sul-africanos no
continente, os seus críticos dentro do CNA falam do renascimento africano como
um “ sustained and vigilant challenge against the strategic orientation of globalization”
e como um questionamento das “neo-colonial relations between Africa and the
world’s economic powers.”65

III.

Em relação à sub-região sul-africana, as declarações do CNA foram claras


e consistentes. Em quase todos os documentos políticos foi atribuída à África e,
especialmente, à SADCC e aos Estados vizinhos, alta prioridade nas relações
internacionais da nova África do Sul.66 O documento de discussão sobre política
exterior de 1993 enfaticamente destaca que “the region sustained us during the
148 WOLFGANG DÖPCKE

struggle and our destiny is intertwined with the region; our peoples belong with
each other. Southern Africa is, therefore, a pillar upon which South Africa’s foreign
policy rests.”67
Consciente das relações econômicas desiguais e exploradoras entre a África
do Sul e o subcontinente, as declarações do CNA não deixaram dúvida de que o
Estado pós-apartheid iria quebrar com esta assimetria e também com a
“geopolítica” da era de Klerk. Os documentos de discussão de 1993 e 1994
formularam como objetivos básicos uma cooperação regional intensiva, a integração
econômica da região e a “reconstrução” da África Austral depois do apartheid.
A “nova ordem regional” se basearia em igualdade: “A democratic South Africa
should therefore explicitly renounce all hegemonic ambitions in the region. It should
resist all pressure to become the ‘regional power’ at the expense of the rest of the
subcontinent; instead, it should seek to become part of a movement to create a
new form of economic interaction in Southern Africa based on the principles of
mutual benefit and interdependence.”68
Nelson Mandela fez grande esforço para acalmar o medo na região da
predominância sul-africana depois do fim do apartheid: “...democratic South Africa
will... resist any pressure or temptation to persue its own interests at the expense
of the subcontinent. (...)... any move towards a common market or economic
community must ensure that industrial development in the entire region is not
prejudicated. It is essential therefore that a program to restructure regional
economic relations after apartheid be carefully calibrated to avoid exacerbating
inequalities.”69
Mas, em nenhum ramo da política exterior, a brecha entre princípios políticos
e morais de um lado, e a realidade de outro, se tornou tão grande como na política
regional. De fato, a nova África do Sul avançou em relação à “geoeconomia” da
era de Klerk, sem muita consideração aos interesses econômicos dos seus vizinhos.
A ofensiva comercial da África do Sul na sub-região causou muita consternação
nos Estados da SADC, especialmente em Zimbábue, cujas indústrias secundárias
se sentiram expostas a uma concorrência desleal. Junto com a competição entre
os Presidentes Mandela e Mugabe pela liderança política regional, o conflito
comercial levou a tensões significativas entre os dois países.
Conflitos comerciais têm uma longa história na região, especialmente entre
os dois países industrialmente mais avançados, a África do Sul e o Zimbábue.
Desde a virada do século, as economias da sub-região são interligadas. Mesmo
durante os anos de confrontação política e militar e de sanções contra a África do
Sul, os produtos sul-africanos não desapareceram das pratileiras dos Estados
vizinhos, embora os esforços da SADCC de diversificação tenham conseguido
reduzir a sua presença substancialmente. Desde 1981, a exportação sul-africana
para os mercados sub-regionais, fora da SACU70 , diminuiu em volume e valor.71
Por exemplo, Zimbábue, o declarado “mercado natural” da África do Sul ao norte,
UMA NOVA POLÍTICA EXTERIOR DEPOIS DO APARTHEID ? – REFLEXÕES SOBRE... 149

conseguiu reduzir as suas importações da África do Sul de 27% do total em 1981


para 19% em 1991 e as exportações para a África do Sul de 21% para 9%.72
Depois da libertação de Nelson Mandela e do início das negociações
constitucionais na África do Sul, isto é, bem antes das eleições de 1994, a África
reabriu os seus mercados para produtos sul-africanos. A economia sul-africana,
sofrendo da mais severa crise, com crescimento negativo como não se via há
muitos anos e uma taxa de desemprego de cerca de 35%, respondeu a esta
oportunidade com alto vigor.73 Entre 1987 e 1995, as exportações da África do Sul
para o resto da África subiram de 4% (1987), 9,1% (1992) para 13% (1995) no
total das exportações.74 A destinação principal deste comércio sul-africano é
Zimbábue, cujo mercado chegou a ter a mesma importância para a África do Sul
do que a Alemanha. Em Zimbábue, as importações sul-africanas pularam de 19%
do total em 1990 para 38% em 1996, computando-se apenas o comércio legal.75
A presença comercial sul-africana se tornou altamente visível na vida
cotidiana dos zimbabueanos: “Evidence of this new, skewed economic relationship
with South Africa is found in every supermaket and mall in the more affluent areas
of Zimbabwe’s cities. First came the commodities which used to appear as regulars
on shopping lists for visits south by middle-class Zimbabweans: Cape wines, imported
whiskies, chocolate biscuits, VCRs and other ‘luxury’ items rarely found in
Zimbabwe. Then came the whole store. In recent years there has been a
proliferation of South African chains, like Nandos, Black Steer, Saddles and even
an offshoot of the keg chain, which now litter the suburban landscape along with
newly hatched local copycat enterprises offering big screen M-Net sports and
canned-Castles imported from South Africa. More recently Clicks arrived on the
scene, soon to be followed by Pick’n Pay.”76
A África do Sul também retornou com muito êxito ao mercado
moçambicano. Entre 1992 e 1994, as exportações sul-africanas para este país
subiram em 42%, fazendo de Moçambique o segundo mais importante parceiro
comercial na África, fora da SACU. Além de trazer mercadoria, empresas
sul-africanas ganharam também uma parcela significante da assistência financeira
internacional, entrando no país para ajudar a reconstrução depois do fim da guerra
civil. Empresas sul-africanas adquiriram amplos contratos para construção de
estradas e pontes, reforma de aeroporto e eliminação de minas de guerra.77 Em
um certo sentido, a África do Sul aproveita-se agora dos efeitos das destruições
que ela e seu cliente, a RENAMO, causaram durante os anos da política de
desestabilização. Em outros países da África Austral, a mesma onda de mercadorias
sul-africanas foi presenciada. 78
A ofensiva comercial sul-africana não parou nos limites tradicionais da
sub-região. Empresas mineiras da África do Sul estão ativas no Zaire/Congo,
Burkina Faso, Guiné, Mali e outros países da África Ocidental. Empresas hoteleiras
150 WOLFGANG DÖPCKE

investem na África Oriental, e ferrovias e portos estão sendo construídos e


reformados por sul-africanos no Zaire/Congo e Moçambique.79
Não há reciprocidade nesta explosão do export sul-africano. Pelo contrário,
a África do Sul importa muito pouco dos seus parceiros comerciais africanos,
resultando em um alto superávit comercial em relação ao resto da África. A África
do Sul exporta 50 vezes mais para Tanzânia, 39 vezes mais para Uganda e 20
vezes mais para o Quênia do que importa destes países.80 O déficit comercial de
Zimbábue junto à África do Sul somou em quase US$ 1 bilhão em 1995 (US$
1,253 bilhão de importação contra US$ 266 milhões de exportação).81
Este déficit gigantesco entre os dois países não é resultado exclusivamente
da economia pura e da “mão invisível” das forças de mercado. Ele é também, em
parte, atribuível à política econômica regional da África do Sul, que combina a
promoção e o incentivo à exportação (principalmente através do General Export
Incentive Scheme) com certos elementos de proteção do mercado nacional.
Paralelamente a esta política sul-africana, muitos países africanos, sob pressões
do FMI e do Banco Mundial, estão liberalizando seus regimes de comércio e abrindo
os seus mercados. Desta constelação, surgiram os conflitos comerciais,
especialmente entre a África do Sul de um lado e os países industrialmente mais
avançados da região de outro, mas, também, entre estes países. No caso da África
do Sul e de Zimbábue, este conflito chegou ser postulado como verdadeira “guerra
comercial”.
A relação “subimperial” entre a África do Sul e o Zimbábue e os resultantes
conflitos têm a sua origem nos tempos coloniais. O conflito emergiu quando o
parceiro subalterno não mais aceitou inteiramente o seu “papel histórico” como
mercado dos produtos sul-africanos e manifestou interesse próprio no desenvol-
vimento de uma indústria secundária, concretizada, no caso de Zimbábue, pela
primeira vez na Grande Depressão dos anos 30. O resultado foram longas e
polêmicas negociações que levaram à conclusão do Acordo Aduaneiro de 1935,
que concedeu o acesso preferencial ao mercado sul-africano, sob um sistema de
quotas, para certas categorias de produtos de Zimbábue (principalmente produtos
agrícolas) em troca da concessão de tarifas aduaneiras preferenciais para produtos
industrializados sul-africanos na entrada em Zimbábue.
Em 1964, um novo Preferential Trade Agreement foi concluído e renovado
em 1969. A celebração deste acordo, junto com as repercussões das sanções
internacionais contra Zimbábue, quando, em 1965, os colonos brancos unilate-
ralmente declararam a independência desta colônia britânica, sob o nome de Rodésia,
fizeram com que o comércio entre a África do Sul e Zimbábue se intensificasse
dramaticamente. Enquanto, em 1964, 23% de todas as importações da Rodésia
vinham da África do Sul, estas passaram a 55% em 1969.82 Quando o governo da
África do Sul cancelou o acordo em 1981, o que era legalmente possível, Zimbábue
fez um grande esforço político e conseguiu negociar mais uma prorrogação.
UMA NOVA POLÍTICA EXTERIOR DEPOIS DO APARTHEID ? – REFLEXÕES SOBRE... 151

Um conflito comercial surgiu de novo, desta vez relativamente severo,


quando o acordo aduaneiro de 1964 finalmente expirou em 1992. O governo sul-
africano publicamente declarou a sua intenção de renegociar o acordo mas, na
prática, empregou uma tática sutil, prolongando a renegociação, inibindo, assim, a
conclusão de um novo acordo até o momento. Durante estes anos de utilização
desta tática, interesses econômicos particulares e setoriais, isto é, dos empregadores
e dos sindicatos sul-africanos, como, por exemplo, da Southern African Clothing
and Textile Workers’ Union, chegaram a influenciar substancialmente as
negociações e, desta forma, a política regional da África do Sul.83 O resultado
prático, e, provavelmente, a intenção, da prorrogação artificial das negociações
por parte da África do Sul, foi um encarecimento do export zimbabueano, de
facto um protecionismo contra uma variedade de produtos de Zimbábue, acima de
tudo contra as exportações da indústria têxtil e de vestuário. Este de facto-
protecionismo de um lado, e a ofensiva exportadora sul-africana de outro, provocaram
bastante irritação e fizeram com que alguns zimbabueanos proclamassem que
“President Nelson Mandela is doing more to hurt them now than apartheid
ever did“.84
Desde setembro de 1991, as negociações do acordo comercial se arrastaram,
chegando ao ponto de absoluto desânimo ao final de 1995. Anteriormente a esta
data, empresas zimbabueanas já publicamente exigiram um protecionismo
retaliatório contra as importações oriundas da África do Sul.85 O Presidente R.
Mugabe também declarou que “time has come to protect our industries. We must
act in defense.“86 Zimbábue e Zâmbia levantaram o assunto na 12ª reunião da
cúpula da SADC em 1996, onde a África do Sul sofreu pesada crítica de vários
países. 87 Neste ponto, mesmo a Comunidade Européia comentou criticamente as
políticas comerciais da África do Sul.88 Em julho de 1996, finalmente, o governo
do Zimbábue chegou a ceder às pressões de certas frações do capital nacional e
anunciou um novo regime de tarifas aduaneiras, que daria proteção alfandegária
àqueles setores que mais tinham sofrido com a ofensiva comercial da África do
Sul.89 Mas, embora oficialmente desmentida, a reação negativa por parte da África
do Sul, da SADC (cuja política de integração prevê a realização de livre comércio
entre os seus membros) e daquela parte da indústria do Zimbábue que não tem
interesse em se confrontar com a África do Sul, deveria ter sido fulminante. Só
alguns dias depois da publicação, o governo de Zimbábue cedeu às pressões e
anunciou a suspensão das novas tarifas.90 Em fevereiro de 1997, mais uma vez,
uma revisão do regime aduaneiro foi publicada, levando um certo grau de proteção
para a indústria secundária nacional.91 Tudo leva a crer que a linha dura de
Zimbábue e a ameaça de protecionismo tiveram sucesso. Logo depois do primeiro
“tiro de aviso”, em julho de 1996, as negociações sobre o comércio dos produtos
têxteis foram concluídas e a África do Sul assinalou a sua disposição de apresentar
uma solução para outras áreas sensíveis de comércio bilateral.92 Foi também obtido
152 WOLFGANG DÖPCKE

progresso no setor agrícola e, em agosto de 1997, o Memorandum of


Understanding foi assinado neste sentido.93
A irritação dos Estados vizinhos em relação à política regional pós-apartheid
da África do Sul agravou-se em função das dúvidas sobre o compromisso deste
país com a integração regional. A postura da África do Sul frente a SADC, durante
os primeiros dois anos do novo governo, caraterizou-se pelo mesmo baixo perfil
que a sua política africana em geral. Em 1996, com a eleição de Nelson Mandela
à Presidência da SADC, a África do Sul assumiu mais responsabilidade na
Comunidade. Mesmo assim, ela se tornou um freio para a realização de mais
integração formalizada entre os países da região. Somente com muita hesitação,
este país assinou o Protocolo de Comércio de 1996, que prevê a realização de uma
zona de livre comércio entre os membros da SADC, dentro de um período de oito
a dez anos, e, até hoje, não o ratificou.94
Existe, também, um grande receio por parte dos países da SADC sobre as
possíveis conseqüências de um tratado de livre comércio que está sendo negociado,
aliás com muitas dificuldades, entre a Comunidade Européia (CE) e a África da
Sul. Estas negociações começaram depois que a CE negou à África do Sul,
obviamente sob fortes pressões dos agroexportadores da Europa do Sul, a sua
admissão na Convenção de Lomé. Em abril de 1997, a CE concedeu à África do
Sul acesso qualificado na Convenção, o que traz certas vantagens, mas ainda lhe
nega um acesso mais fácil junto ao mercado europeu como aquele que têm os
outros países da ACP. Alguns países da SADC suspeitam que a África do Sul, em
vez de se comprometer com os interesses da SADC e a estes dar prioridade, se
aproveita da Comunidade para entrar na CE por esta “porta dos fundos”.95 O
multilateralismo aberto e ofensivo da África do Sul, e as tentativas de se aproximar
de vários blocos econômicos (por exemplo, do Mercosul) reforçam a impressão de
que não teria limitado as suas opções à SADC. Estas tensões entre a África do Sul
e, especialmente, o Zimbábue sobre assuntos econômicos são agravadas por
conflitos entre os Presidentes Mandela e Mugabe acerca da liderança política no
subcontinente. Esta concorrência tem expressão mais concreta na disputa sobre
as prerrogativas e a presidência do presumível poderoso órgão da SADC sobre
política, defesa e segurança, que foi designado como sucessor da organização dos
Estados da Linha de Frente. Embora oficialmente desmentido, tudo indica que
Mandela, nesta disputa, teria ameaçado renunciar à SADC.96
Neste artigo, foi demonstrado que as relações regionais na África Austral
sofreram uma mudança dramática que transformou esta região de conflito, a partir
de 1989, em uma zona de relativa paz e segurança entre os Estados. O abandono
da política sul-africana de desestabilização foi instrumental neste processo. Dentro
do novo clima de paz e consenso político, surgiram outras fricções, principalmente
de carácter econômico, que deixam a região pendular entre um grande compromisso
para integração e “guerras comerciais”. De novo, a política regional da África do
UMA NOVA POLÍTICA EXTERIOR DEPOIS DO APARTHEID ? – REFLEXÕES SOBRE... 153

Sul foi o fator mais decisivo para o surgimento desta constelação. Ela oscila entre
forte retórica moral e puro racionalismo econômico, extremos entre os quais a
África do Sul ainda não encontrou um equilíbrio que pudesse satisfazer os seus
vizinhos.

Junho de 1998

Notas
1 Territórios do Alto Comissário Britânico (British High Commissioner’s Territories):
Betsuanalândia (Botsuana), Suazilândia, Lesoto.
2 Sobre o expansionismo sul-africano histórico veja: HYAM, R.. The Failure of South African
Expansion, 1908-1948. London: Macmillan, 1972, mas, também, com enfoque e interpretação
diferentes: CHANOCK, M.. Unconsummated Union: Britain, Rhodesia and South Africa,
1900-45. Manchester: Manchester UP, 1977.
3 Veja: HERBST, J.. “South Africa and Africa after Apartheid”. Em: HARBESON, J.W. &
ROTHCHILD, D. (orgs.). Africa in World Politics. Post-Cold War Challenges. Boulder:
Westview Press, 1995.
4 A Southern Africa Development Coordination Conference (SADCC) se transformou em
Southern Africa Development Community (SADC) em 1992, assumindo um compromisso
mais forte de integração regional. Atualmente 14 países fazem parte da Comunidade: Angola,
Botsuana, Moçambique, Namíbia, Mauritius, República Democrática do Congo, Malawi,
Seychelles, Tanzânia, Zâmbia, Zimbábue, Lesoto, Suazilândia, África do Sul.
5 ROTBERG, R.I.. “Introduction: South Africa the Region – Hegemony and Vulnerability”. Em:
ROTBERG, R.I. (et. al.). South Africa and its Neighbors. Regional Security and Self-Interest.
Lexinton: Mass. (Lexington Books). 1985. pp. 1.
6 THOMPSON, C.B.. “Zimbabwe in Sadcc: a Question of Dominance?” em: STONEMAN, C.
(org.). Zimbabwe’s Prospects. Issues of Race, State and Capital in Southern Africa. London:
MacMillan, 1988. SHAW, T.M.. “Dependence or Interdependence in the Global Political
Economy”. Em: DELANCEY, M.W. (org.). Aspects of international relations in Africa. African
Studies Programme, 1979, pp. 66.
7 SHAW, T.M.. “South Africa, Southern Africa and the World System”. Em: CALLAGHY, Th.
M. (org.). South Africa in Southern Africa, The Intensifying Vortex of Violence. New York:
Praeger, 1983, pp. 45.
8 GRUNDY, K.W.. “Regional Relations in Southern Africa and the Global Economy”. Em:
DELANCEY, M.W.(org.). Aspects of international relations in Africa. African Studies
Programme, 1979, pp. 90.
9 Para um discussão crítica acerca da viabilidade deste termo no contexto da África Austral como
categoria analítica, veja: BLUMENFELD, J.. Economic Interdependence in Southern Africa –
from Conflict to Cooperation. London and New York: Pinter Publ. and St. Martin’s Press for
The Royal Institute of International Affairs, London, 1991. BUTLER, J.. “South Africa’s
Role in Southern Africa: An Historical Essay”. CALLAGHY, Th. M. (ed.). “South Africa in
Southern Africa, The Intensifying Vortex of Violence”. New York: Praeger, 1983, pp. 21.
10 BSL-states= Botsuana, Lesoto, Suazilândia.
11 A literatura acerca das relações econômicas entre a África do Sul e os seus países vizinhos, na
dimensão histórica e atual, é muito ampla. Este artigo baseia-se principalmente nas seguintes
publicações: HANLON, J.. Beggar your Neighbours: Apartheid Power in Southern Africa.
154 WOLFGANG DÖPCKE

Bloomington: Indiana Univ. Press, 1986. LEISTNER, E. e ESTERHUYSEN, P.. South Africa
in Southern Africa: economic interaction. Pretoria: Africa Institute of South Africa, 1988.
BLUMENFELD, J.. Economic Interdependence in Southern Africa – from Conflict to
Cooperation. London and New York: Pinter Publ. and St. Martin’s Press for The Royal
Institute of International Affairs, London, 1991. ROTBERG, R.I. (et. al.). South Africa and its
Neighbors. Regional Security and Self-Interest. Lexinton: Mass. (Lexington Books) 1985.
CHAN, St. (org.). Exporting Apartheid. Foreign Policy in Southern Africa 1978-1988. London:
Macmillan, 1990. CALLAGHY, Th. M. (org.). South Africa in Southern Africa, The Intensifying
Vortex of Violence. New York: Praeger, 1983.
12 DU PISANI, A.. “South Africa and the region”. Em: MILLS, G.(org.). From pariah to
participant: South Africa’s evolving foreign policy, 1990-1994. Johannesburg: SAIIA, 1994.
p.52-69.
13 MILLS, G. & BAYNHAM, S.. “South African Foreign Policy, 1945-1990”. Em: MILLS, G.
(org.). From pariah to participant: South Africa’s evolving foreign relations, 1990-1994.
Johannesburg: SAIIA, 1994, pp. 10.
14 Ibid, p.11.
15 Veja o compreensivo estudo de Barber e Barratt que interpreta a política exterior da África do
Sul como ciclos de desafio e reação. BARBER, J. & BARRATT, J.. South Africa’s Foreign
Policy. The search for status and security 1945-1988. Cambridge: CUP, 1990.
16 Veja: MILLS, G. & BAYNHAM, S.. “South African Foreign Policy, 1945-1990”. Em: MILLS,
G. (org.). From pariah to participant: South Africa’s evolving foreign relations, 1990-1994.
Johannesburg: SAIIA, 1994. DU PISANI, A.. “South Africa and the region”. Em: MILLS, G.
(org.). From pariah to participant: South Africa’s evolving foreign relations, 1990-1994.
Johannesburg: SAIIA, 1994. pp. 52-69. BARBER, J. & BARRATT, J.. South Africa’s Foreign
Policy. The search for status and security 1945-1988. Cambridge: CUP, 1990.
17 LEGUM, C.. Southern Africa. The Secret Diplomacy. London: Rex Collings, 1975, p.5.
18 Os Estados da Linha de Frente (Frontline States) consistiam em: Zimbábue, Angola, Botsuana,
Moçambique, Tanzânia, Zâmbia. Em 1990, a Namíbia ingressou no grupo e, em 1994, a própria
África do Sul.
19 LEGUM, C.. Southern Africa. The Secret Diplomacy. London: Rex Collings, 1975. LEGUM,
C.. “Southern Africa: How the Search for Peaceful Change Failed”. Em: LEGUM, C. (org.).
Africa Contemporary Record 1975/76, London: Rex Collings, 1976.
20 STULTZ, N.H.. “South Africa in Angola and Namibia”. Em: BLIGHT, J. & WEISS, Th. G.
(orgs.). The suffering grass: superpowers and regional conflict in southern Africa and the
Caribbean. Boulder: Lynne Rienner, 1992, pp. 79.
21 SWAPO= South West Africa People’s Organization. Movimento de libertação da Namíbia.
22 FNLA= Frente Nacional de Libertação de Angola. UNITA= União Nacional para a Independência
Total de Angola. MPLA= Movimento Popular de Libertação de Angola. Os três movimentos,
que haviam lutado na guerra anticolonial separadamente e em mútua competição,
comprometeram-se com um procedimento para uma transição democrática e consensual no
Acordo de Alvor de janeiro de 1995. Mas, especialmente a UNITA e a FNLA, não consideraram
seriamente esta solução pacífica e buscaram o confronto militar contra o MPLA. Junto com a
África do Sul, conseguiram fazer recuar o MPLA para Luanda e seus arredores, onde este
movimento declarou a independência do país no dia 11 de novembro 1975. O governo do
MPLA foi salvo da derrota militar pela maciça ajuda de combate por parte dos cubanos que, ao
que parece, tomaram a iniciativa de responder positivamente aos pedidos do MPLA, sem
consulta anterior à União Soviética. Veja: BLIGHT, J. & WEISS, Th. G. (orgs.). The suffering
grass: superpowers and regional conflict in southern Africa and the Caribbean. Boulder:
Lynne Rienner, 1992. LAÏDI, Z.. The Superpowers and Africa. the Constraints of a Rivalry,
1960-1990. Chicago & London: Chicago UP, 1990.
UMA NOVA POLÍTICA EXTERIOR DEPOIS DO APARTHEID ? – REFLEXÕES SOBRE... 155

23 STULTZ, N.H.. “South Africa in Angola and Namibia”. Em: BLIGHT, J. & WEISS, Th. G.
(orgs.). The suffering grass: superpowers and regional conflict in southern Africa and the
Caribbean. Boulder: Lynne Rienner, 1992. GRUNDY, K. W.. The Militarization of South
African Politics. Oxford: Oxford Univ. Press, 1988.
24 GRUNDY, K. W.. The Militarization of South African Politics. Oxford: Oxford Univ. Press,
1988, p. 90. SADF= South Africa Defence Force, o exército da África do Sul.
25 MARTE, L. F.: Political cycles in international relations: the cold war and Africa 1945-1990.
Amsterdam: VU UP, 1994. p. 317.
26 MARTE, L. F.. Political cycles in international relations: the cold war and Africa 1945-1990.
Amsterdam: VU UP, 1994, p. 317. LEGUM, C.. “Foreign Internvention in Angola”. Em:
LEGUM, C. (org.). Africa Contemporary Record 1975/76. London: Rex Collings, 1976, p.
A31.
27 ZANU-PF= Zimbabwe African National Union-Patriotic Front. ZAPU= Zimbabwe African
People’s Union.
28 Este parte se baseia principalmente em: GRUNDY, K. W.. The Militarization of South African
Politics. Oxford: Oxford Univ. Press, 1988, p. 90. WARDROP, J.. “Continuity and change in
South Africa and in South Africa’s relations with its neighbours”. Em: BRUCE, R. D. (org.).
Prospects for peace: changes in the Indian Ocean region. Perth: Indian Ocean Centre for Peace
Studies, 1992, p. 253-272. SOMERVILLE, Keith. Foreign military intervention in Africa.
London: Pinter, 1990, capítulo 6. STULTZ, N.H.. “South Africa in Angola and Namibia”. Em:
BLIGHT, J. & WEISS, Th. G. (orgs.). The suffering grass: superpowers and regional conflict
in southern Africa and the Caribbean. Boulder: Lynne Rienner, 1992. VENTER, D.. South
Africa and the African comity of nations: from isolation to integration (= Africa Institute
Research Paper Nº 56). Pretoria: Africa Institute of South Africa, 1993. JOHNSON, PH. &
MARTIN, D. (orgs.). Destructive Engagement. Southern Africa at War. Harare: Zim Publish.
House, 1986. HANLON, J.. Apartheid’s Second Front: South Africa’s War Against its
Neighbours. Middlesex: Penguin Books, 1986. MILLS, G. & BAYNHAM, S.. “South African
Foreign Policy, 1945-1990”. Em: MILLS, G. (org.). From pariah to participant: South Africa’s
evolving foreign relations, 1990-1994. Johannesburg: SAIIA, 1994.
29 BLIGHT, J. & WEISS, Th. G. (orgs.). The suffering grass: superpowers and regional conflict
in southern Africa and the Caribbean. Boulder: Lynne Rienner, 1992, Conclusion, pp. 149.
30 WENZEL, Cl.. Die Südafrikapolitik der USA in der Ära Reagan. Konstruktives oder destruktives
Engagement. Hamburg: Institut fur Afrikakunde, 1990. MARTE, L. F.. Political cycles in
international relations: the cold war and Africa 1945-1990. Amsterdam: VU UP, 1994. LAÏDI,
Z. The Superpowers and Africa. the Constraints of a Rivalry, 1960-1990. Chicago & London:
Chicago UP, 1990. COKER, C.. The United States and South Africa, 1968-1985: Constructive
Engagement and its Critics. Durham: Duke Univ. Press, 1986. Mas, veja também Martin, que
argumenta que a política norte-americana acerca da África Austral era mais diferenciada e
tolerante do que a tese da “cruzada contra o comunismo“ implica. MARTIN, B.. “American
Policy Towards Southern Africa in the 1980s”. Em: Journal of Modern African Studies, 27,1,
pp. 23-46, 1989. Veja também: CROCKER, Ch.. High noon in Southern Africa. Making Peace
in a Rough Neighborhood. New York & London: W.W. Norton & Co., 1992.
31 STULTZ, N.H. “South Africa in Angola and Namibia”. Em: BLIGHT, J. & WEISS, Th. G.
(orgs.). The suffering grass: superpowers and regional conflict in southern Africa and the
Caribbean. Boulder: Lynne Rienner, 1992.
32 HANLON, J.. Apartheid’s Second Front: South Africa’s War Against its Neighbours. Middlesex:
Penguin Books, 1986, p. 159.
33 RENAMO= Resistência Nacional Moçambicana. Este grupo foi fundado pelo serviço secreto
da Rodésia para ajudar o regime de Ian Smith na sua guerra contra os guerrilheiros da ZANU em
Moçambique e contra o Estado moçambicano depois de 1975. Depois da independência da
156 WOLFGANG DÖPCKE

Rodésia/Zimbábue em 1980, a África do Sul assumiu a tutela sob este grupo e o reorganizou
como um movimento terrorista eficaz e na sua arma principal para a desestabilização do
governo moçambicano. O terrorismo da RENAMO levou Moçambique à beira de um colapso.
Porém, esta oposição armada contra o Estado moçambicano não reflete só as maquinações da
África do Sul. A RENAMO conseguiu, também, se aproveitar das divisões na sociedade
moçambicana (étnicas, regionais, sociais), do neotradicionalismo, da distância dos chefes
tradicionais junto ao Estado e da rejeição da política de modernização e do “jacobinismo” das
elites urbanas e socialistas pela sociedade rural. Todavia, entre os pesquisadores, bem como no
debate público em Moçambique, a relevância destas raízes locais e, com isso, das razões locais
da revolta, estão sujeitas a severas disputas. Nas eleições de 1994, a RENAMO conseguiu 38%
dos votos, o seu candidato à Presidência, Dhlakama, 33,7%. A votação reflete uma clara
polarização étnica/regional. Para o debate sobre o caráter da RENAMO veja: MINTER, W..
Apartheid’s Contras: An Inquiry into the Roots of War in Angola e Mozambique. Johannesburg
& London: Zed, 1996. VINES, A.. Renamo: Terrorism in Mozambique. Centre for Southern
African Studies, University of York, London/Bloomington/Indianapolis: James Currey/Indiana
University Press, 1991. YOUNG, Tom. “The MNR/RENAMO: External and Internal
Dynamics”. Em: African Affairs. 1990, pp. 490-509.
34 HANLON, J.. Apartheid’s Second Front: South Africa’s War Against its Neighbours. Middlesex:
Penguin Books, 1986. DAVIES, R. und O’MEARA, D.. “Total Strategy in Southern Africa –
An Analysis of South African Regional Policy since 1978”. Em: CHAN, St. (org.). Exporting
Apartheid. Foreign Policy in Southern Africa 1978-1988. London: Macmillan, 1990. pp. 179.
35 GRUNDY, K. W.. The Militarization of South African Politics. Oxford: Oxford Univ. Press,
1988.
36 ibid., p. 88.
37 ROTBERG, R.I.. “Introduction: South Africa in the Region – Hegemony and Vulnerability”.
Em: ROTBERG, R.I. (et. al.). South Africa and its Neighbors. Regional Security and Self-
Interest. Lexinton: Mass. (Lexington Books), 1985. pp. 1.
38 Como introdução veja: SPARKS, A.. Tomorrow is Another Country. The Inside Story of South
Africa’s Negociated Revolution. South Africa: Struik Book Distributors, 1994. BEINART, W..
Twentieth Century South Africa. Oxford: OUP, 1994.
39 WENZEL, Cl.. Die Südafrikapolitik der USA in der Ära Reagan. Konstruktives oder destruktives
Engagement. Hamburg: Institut fur Afrikakunde, 1990.
40 VENTER, D.. South Africa and the African comity of nations: from isolation to integration (=
Africa Institute Research Paper Nº 56). Pretoria: Africa Institute of South Africa, 1993.
41 Para o conflito de Namíbia e a sua solução veja: PYCROFT. “Angola – ‘The Forgotten Tragedy’”.
Em: Journal of Southern African Studies, vol. 20, Nº 2, 1994, pp. 241. WOOD, B.. “Preventing
the Vacuum: Determinants of the Namibian Settlement”. Em: Journal of Southern African
Studies, vol. 17, Nº 2, 1991. HOFMEIER, R. (org.). Afrika Jahrbuch (1987-1996). Politik,
Wirtschaft und Gesellschaft in Afrika südlich der Sahara. Opladen: Leske & Budrich, 1988-
1997.
42 Veja entre outros: HOFMEIER, R. (org.). Afrika Jahrbuch. Politik, Wirtschaft und Gesellschaft
in Afrika südlich der Sahara. Opladen: Leske & Budrich, 1988. MARTE, L. F.. Political cycles
in international relations: the cold war and Africa 1945-1990. Amsterdam: VU UP, 1994.
TVEDTEN, I.. “US policy toward Angola since 1975”. Journal of Modern African studies, 30,
1, p.31-52, 1992. SOMERVILLE, Keith. Foreign military intervention in Africa. London:
Pinter, 1990. WARDROP, J.. “Continuity and change in South Africa and in South Africa’s
relations with its neighbours”. Em: BRUCE, R. D. (org.). Prospects for peace: changes in the
Indian Ocean region. Perth: Indian Ocean Centre for Peace Studies, pp. 253-272, 1992.
43 Esta análise se baseia principalmente em: WOOD, B.. “Preventing the Vacuum: Determinants
of the Namibian Settlement”. Em: Journal of Southern African Studies, vol. 17, Nº 2, 1991.
UMA NOVA POLÍTICA EXTERIOR DEPOIS DO APARTHEID ? – REFLEXÕES SOBRE... 157

44 Blight e Weiss citam uma entrevista com Jorge Risquet, membro do Politbureau cubano e
principal negociador dos acordos com a África do Sul: “Cuito Cuanavale was decisive. the
negociations came later. The battle of Stalingrad took place three years before the fall of Berlin,
but it was at Stalingrad that the outcome of World War II was decided.... The South Africans
realized that putting up a frontal battle in southern Angola and northern Namibia would amond
to the swan song of apartheid. So they decided to concede Namibia.” BLIGHT, J. & WEISS,
TH. G. (orgs.). The suffering grass: superpowers and regional conflict in southern Africa and
the Caribbean. Boulder: Lynne Rienner, 1992: “Conclusions: Must the Grass Suffer?”, p. 161.
Veja também: O’NEILL, K. & MUNSLOW, B.. “Angola: Ending the Cold War in Southern
Africa”. Em: FURLEY, O. (org.). Conflict in Africa. London: Tauris, 1995, pp. 183. OHLSON,
Th.. “The Cuito Cuanavale Syndrome: Revealing SADF Vulnerabilities”. Em: MOSS, G. &
OBERY, I. (orgs.). South African Review 5. Johannesburg: Ravan, 1989, pp. 181.
45 WARDROP, J.. “Continuity and change in South Africa and in South Africa’s relations with
its neighbours”. Em: BRUCE, R. D. (org.). Prospects for peace: changes in the Indian Ocean
region. Perth: Indian Ocean Centre for Peace Studies, pp. 253-272, 1992.
46 Para o argumento da continuidade na política exterior da África do sul a partir da “New
Diplomacy” de van Heeren, veja: EVANS, G.. “South Africa in Remission: the Foreign Policy
of an Altered State”. Em: Journal of Modern African Studies, 34,2, pp. 249-269, 1996. Veja
também: VALE, P.. “South Africa’s “New Diplomacy””. Em: MOSS, G. & OBERY, I. (orgs.).
South African Review 6. From “Red Friday” to Codesa. Johannesburg: Ravan, 1992, pp. 424.
47 VAN HEERDEN, N.P.. “South Africa and Africa: The New Diplomacy”. Em: ISSUP Bulletin,
No. 4, pp. 1-11, 1989.
48 Ibid.
49 VENTER, D.. South Africa and the African comity of nations: from isolation to integration (=
Africa Institute Research Paper Nº 56). Pretoria: Africa Institute of South Africa, 1993. DU
PISANI, A.. “South Africa and the region”. Em: MILLS, G. (org.). From pariah to participant:
South Africa’s evolving foreign relations, 1990-1994. Johannesburg: SAIIA, 1994. p.52-69.
50 Veja: HOFMEIER, R. (org.). Afrika Jahrbuch. Politik, Wirtschaft und Gesellschaft in Afrika
südlich der Sahara. Opladen: Leske & Budrich, 1990 e 1991. The Financial Times, 7.5.1991:
“On the road to normalization”. Die Welt (Hamburg), 17.4.1991: “Geteiltes Echo am Kap auf
EG-Entscheidung”.
51 EVANS, G. “South Africa in Remission: the Foreign Policy of an Altered State”. Journal of
Modern African Studies, 34,2, pp. 249-269, 1996. THOMAS, S.. The Diplomacy of Liberation:
the international relations of the African National Congress of South Africa, 1960-1985. London:
1995. JOHNSTONE, A. und SHEZI, S.. “The ANC’s foreign policy”. JOHNSTONE, et.al.
(orgs.). Constitution-Making in the new South Africa. London: Leicester UP, 1993.
52 EVANS, G.. “South Africa in Remission: the Foreign Policy of an Altered State”. Journal of
Modern African Studies, 34,2, 1996, p. 258.
53 AFRICAN NATIONAL CONGRESS. Ready to Govern. ANC policy guidelines for a
democratic South Africa adopted at the National Conference (28-31.5.1992), 1992. AFRICAN
NATIONAL CONGRESS. Foreign Policy in a New Democratic South Africa. A Discussion
Paper (Oct. 1993), 1993. AFRICAN NATIONAL CONGRESS. Discussion Paper: Foreign
Policy Perspective in a Democratic South Africa (Dec. 1994), 1994. DEPARTMENT OF
FOREIGN AFFAIRS (DFA). South African Foreign Policy, Discussion Document, Julho,
1996. DFA. Parliamentary Briefing, Sept. 1997. DFA. Statement on Nzo’s Budget Speech, 7/5/
98.
54 EVANS, G.. “South Africa in Remission: the Foreign Policy of an Altered State”. Journal of
Modern African Studies, 34,2, 1996, p. 259 & p. 266.
55 Mail and Guardian, 9.6.1995: “Foreign Affairs Department Under Fire”. Mail and Guardian,
8.9.1995: “The Realists in a Tussle with Radicals”.
158 WOLFGANG DÖPCKE

56 HOFMEIER, R. (org.). Afrika Jahrbuch. Politik, Wirtschaft und Gesellschaft in Afrika südlich
der Sahara. Opladen: Leske & Budrich, 1995.
57 HOFMEIER, R. (org.). Afrika Jahrbuch. Politik, Wirtschaft und Gesellschaft in Afrika südlich
der Sahara. Opladen: Leske & Budrich, 1995. EVANS, G.. “South Africa in Remission: the
Foreign Policy of an Altered State”. Journal of Modern African Studies, 34,2, 1996. SHUBIN,
Vladimir: Flinging the Doors Open: Foerign Policy of the New South Africa. CASA. Uni of
Western Cape, Working Paper. Bellville: CSAS, 1995. CALLAND, R. e WELD, D..
Multilateralism, southern Africa and the postmodern world: an exploratory essay. Bellville:
University of the Western Cape, Centre for Southern African Studies, 1994.
58 HOFMEIER, R. (org.). Afrika Jahrbuch. Politik, Wirtschaft und Gesellschaft in Afrika südlich
der Sahara. Opladen: Leske & Budrich, 1995. The Star (Johannesburg), 31.5.1995: “Foreign
Policy: just a set of impulses?”.
59 Le Monde (Paris), 6.11.1996: “La grande prudence de la diplomatique sud-africaine”. Das
Parlament (Bonn), 21.2.1997: “Vom internationalen Paria zum überforderten Hoffnungsträger”.
60 The Star, Johannesburg, 1996, 25.9.: “African renaissance can’t remain romantic concept”.
61 DFA. Background Document delivered by the MFA at the Parliamentary Media Briefing Week,
11/2/1997
62 The East African (Nairobi), 4.8.97: “Big Shift as Mandela Warms up to Abacha. Frankfurter
Rundschau, 14.4.1996: “Ein Neuling, der in viele Fettnapfchen tritt.”
63 Financial Times (London), 3.10.1996: “Tricky balancing act. Policy makers are having to
contend with the legacy of apartheid and old friendships”. Frankfurter Rundschau, 22.10.1997:
“Die USA suchten Mandela zu besänftigen”.
64 O Presidente Mandela, em um discurso no Parlamento do Zimbábue, explica, assim, a “African
renaissance”: “The time has come for Africa to take full responsibility for her woes and use the
immense collective wisdom it possesses to make reality of the idea of the African renaissance.
It is a renaissance that must mean that Africa refuses to be a passive onlooker in a chinging
world, hapless victim to modern machinations by the forces historically responsible for her
woes. Only this way can Africa assert her right to be an equal partner in world affairs.” Em:
The Herald (Harare), 21.5.1997: “Africa must take responsibility for its woes – Mandela”.
65 ANC Discussion Paper. Developing a Strategic Perspective on South Africa Foreign Policy,
July 1997. Veja também: Financial Times (London), 22.10.1997: “Reborn Africa reaches out.
Ideological battles between the old left and the pragmatists persist in the ANC”.
66 AFRICAN NATIONAL CONGRESS. Ready to Govern. ANC policy guidelines for a
democratic South Africa adopted at the National Conference (28-31.5.1992), 1992. AFRICAN
NATIONAL CONGRESS. Foreign Policy in a New Democratic South Africa. A Discussion
Paper (out. 1993), 1993. AFRICAN NATIONAL CONGRESS. Discussion Paper: Foreign
Policy Perspective in a Democratic South Africa (dec. 1994), 1994. DFA. South African Foreign
Policy. Discussion Document, julho 1996. DFA. Parliamentary Briefing, set. 1997. ANC.
Discussion Paper: Developing a Strategic Perspective on South Africa Foreign Policy, julho
1997.
67 ANC. Foreign Policy in a New Democratic South Africa. A Discussion Paper (out. 1993),
1993.
68 Ibid.
69 Nelson Mandela: “South Africa’s Future Foreign Policy”. Em: Foreign Affairs 72, nov. – dec.
1993, pp. 91-2.
70 SACU= Southern African Customs Union. União aduaneira entre a África do Sul, Botsuana,
Lesoto e Suazilândia que existe desde o início do século XX. Depois da sua independência, a
Namíbia se integrou a esta União.
71 MAASDORP, G.G.. “Squaring up to Economic Dominance: Regional Patterns”. Em:
ROTBERG, R.I., et. al.; South Africa and its Neighbors, pp. 91, 1985.
UMA NOVA POLÍTICA EXTERIOR DEPOIS DO APARTHEID ? – REFLEXÕES SOBRE... 159

72 ENGEL, U.. The Foreign Policy of Zimbabwe. Hamburg: Institut für Afrikakunde, 1994, p.
291.
73 KAPLINSKY, R.. “The Manufacturing Sector”. Em: MAASDORP, G. e WHITESIDE, A..
Towards a Post-Apartheid Future. Political and Economic Relations in Southern Africa. London/
Basingstoke: MacMillan, 1992, pp. 83. The Star, Johannesburg, 1996, 19.6.: “Unemployment
resists feeble assaults.”
74 Financial Mail, Johannesburg, 1992, 28.8.: “Trade. New directions“. The East African, Nairobi,
1995, 24.7.: “S. African firms fill void as West turns elsewhere”. PIAZOLO, M.. “Südafrika –
Wachstumsmotor der südlichen Afrika?” Em: Afrika Spektrum, 31, Jg., 96/3, Hamburgo, 1996.
INTERNATIONAL MONETARY FUND. Direction of Trade Statistics Yearbook 1997.
Washington: 1997, pp. 404-5.
75 Mail & Guardian, 1997, 23. – 29.5.: “South Africa accused of bully-boy tactics in trade with
Zimbabwe”.
76 Ibid.
77 The Business Herald, Harare, 1993, 3.6.: “Pretoria seeks to boost trade with Mozambique”.
The Star, Johannesburg, 1994, 24.11.: “Trade boom for SA goods”.
78 The Star, Johannesburg, 1994, 24.11.: “Trade boom for SA goods”. Mail & Guardian,
Johannesburg, 1996, 7.6.: “Zim attacks SA on Trade policies”. The Star, Johannesburg, 1996,
14.4.: “Export drive causes havoc for African neighbours”.
79 The East African, Nairobi, 1995, 24.7.: “S. African firms fill void as West turns elsewhere”.
80 The Star, Johannesburg, 1996, 14.4.: “Export drive causes havoc for African neighbours”.
81 INTERNATIONAL MONETARY FUND. Direction of Trade Statistics Yearbook 1997.
Washington: 1997, pp. 404-5. The Herald, Harare, 1996, 24.5.: “President tells SA to co-
operate”. The Herald, Harare, 1997, 8.3.: “Trade deal will see beef exports to SA”.
82 BARBER, J. & BARRAT, J.. South Africa’s Foreign Policy. The Search for Status and Security
1945-1988, p.133.
83 Financial Gazette, Harare, 1993, 4.3.: “Textile barons hold key to SA trade talks”. The Herald,
Harare, 1996, 21.2.: “South African trade unions protest against textil imports”.
84 Mail & Guardian, Johannesburg, 1996, 7.6.: “Zim attacks SA on Trade policies”.
85 Financial Gazette, Harare, 1995, 13.7.: “Retaliatory tariffs urged against AS”.
86 The Herald, Harare, 1996, 24.5.: “President tells SA to co-operate”.
87 The Sunday Mail, Harare, 1996, 4.2.: “SA under fire at SADC conference”.
88 The Herald, Harare, 1996, 5.6.: “View SADC with a soft heart, SA told”.
89 The Star, Johannesburg, 1996, 3.7.: “SA-Zimbabwe trade war looms”. The Herald, Harare,
1996, 2?.7.: “New tariffs announced to protect goods from external competition”.
90 The Herald, Harare, 1996, 27.7.: “New tariffs suspended pending consultations”.
91 The Herald, Harare, 1997, 15.2.: “State announces new tariff structure”. The Business Herald,
Harare, 1997, 20.2.: “New tariffs bring mixed blessings”.
92 The Herald, Harare, 1996, ?.8.: “At last SA agrees to cut tariffs. Thousands of local textile jobs
now safe”. The Herald, Harare, 1996, 8.8.: “Details on deal with SA”. The Herald, Harare,
1996, ?.10.: „Zimb, SA agree to speed up trade talks”. The Herald, Harare, 1996, 8.10.: “SA
committed to trade deal”.
93 Financial Gazette, Harare, 1997, 6.3.: “SA offer raises hop for stalled trade talks”. The Herald,
Harare, 1997, 8.3.: “Trade deal will see beef exports to SA”. The Herald, Harare, 1997, 6.8.
94 SADC. Protocol on Trade in the Southern African Development Community, 1996. The Star
(Johannesburg), 2.7.1997: “Problems of past haunt region”.
95 Electronic Mail & Guardian (Johannesburg), 24.11.1997: “SA’s neigbours wary of an EU
trade deal.” Veja também: HOLLAND, M.: “South Africa, SADC, and the European Union:
Matching Bilateral with Regional Policies”. Em: Journal of Modern African Studies, 33, 2,
1995, pp. 263-283.
160 WOLFGANG DÖPCKE

96 The Financial Gazette, Harare, 11.9.1997: “Major power struggle rocks SADC leadership”.
The Independent, Harare, 19.9.1997: “Mandela refutes threat to quit SADC”.

Resumo

O artigo demonstra que as relações regionais na África Austral sofreram


uma mudança dramática que transformou esta região de conflito, a partir de 1989,
em uma zona de relativa paz e segurança entre os Estados. O abandono da política
sul-africana de desestabilização foi instrumental neste processo. Dentro do novo
clima de paz e consenso político, surgiram outras fricções, principalmente de carácter
econômico, que deixam a região pendular entre um grande compromisso para
integração e “guerras comerciais”. De novo, a política regional da África do Sul é
o fator decisivo para o surgimento desta constelação. Ela oscila entre forte retórica
moral e puro racionalismo econômico.

Abstract

The article demonstrates that the regional relations in the Southern Africa
experienced a dramatic change which transformed this conflict region, after 1989,
into a relative peaceful and safe zone between states. The abandonment of South
Africa destabilization policy was instrumental in the process. Inside this new
atmosphere of peace and political consensus other friction, mainly economic ones,
rose and make the region oscillate between a great commitment with integration
and “commercial wars”. Again, South Africa regional policy is decisive for the
rising of this constellation. It oscillates between a strong moral rhetoric and a pure
economic reasoning.

Palavras-chave: África do Sul. Sub-continente sul-africano. Política regional.


Key-words: South Africa. South-African sub-continent. Regional policy.
A GUERRA DO CHACO 161

A Guerra do Chaco
L. A. MONIZ BANDEIRA*

O Brasil quase nada ganhou com a Guerra da Tríplice Aliança (1865-


1870). Já unificado e centralizado como Estado-Império, com soberania sobre
aproximadamente 8 milhões de km² e uma população de 11 milhões de habitantes,
apenas assegurou a abertura do Rio Paraguai à navegação, necessária ao
abastecimento e à defesa da Província de Mato Grosso, e a anexação da área
litigiosa entre o Rio Ugureí e a serra de Maracaju, rica em ervaçais, mas sem
imediatos efeitos econômicos. O conflito custou-lhe, entretanto, sacrifícios que lhe
desequilibraram as finanças por um quarto de século, conforme a previsão do
Visconde de Mauá1. A fim de financiar a longa campanha contra as forças do
Marechal Francisco Solano Lopez, o Governo Imperial tivera de gastar 600.000
contos-ouro, entre 1865 e 18702, tomando à Casa Rotschild, em 1865, um empréstimo
de ££ 6.963.600 e emitindo, até 1870, cerca de 459.600 contos de réis3 . O serviço
da dívida externa passou desde então a consumir mais de 60 %, em escala crescente,
do saldo que a sua balança comercial começara a apresentar, a partir de 1861,
com o incremento das exportações de café para os EUA4. E o Paraguai não teve
sequer condições de pagar ao Brasil a dívida de guerra. Além de comprometer as
finanças do Brasil, a Guerra da Tríplice Aliança também contribuiu para liquidar
seu próprio sistema bancário, o mais adiantado e o único relativamente autônomo
da América Latina5, ao prejudicar os negócios da Casa Mauá com a República do
Uruguai. Conquanto se vinculasse às firmas Carruthers e McGregor, da Grã-
Bretanha, o banco, que Irineu Evangelista de Souza, o Visconde de Mauá, possuía,
representava uma espécie de embrião nacional do capitalismo financeiro, orientando
seus vultosos investimentos para o esforço de industrialização, não só no Brasil
como no Uruguai e na Argentina.
O Visconde de Mauá julgava “dever o Brasil exercer no Rio da Prata a
influência a que lhe dá o direito sua posição de primeira potência na América do
Sul”6 . Compreendia, no entanto, que uma “base econômica” e “não a da política
exclusivamente” devia estear a preponderância sobre o Uruguai e que “cumpria
estender a ação dessa influência ao outro lado do Rio da Prata”7, i. e., à Argentina.
Por esta razão o Banco Mauá, que criara no Brasil diversas empresas (fundição e
estaleiro da Ponta de Areia, ferrovias, fábricas de tecidos, curtumes, etc), realizou
inúmeros investimentos importantes tanto no Uruguai (frigorífico, telégrafo,

Rev. Bras. Polít. Int. 41 (1): 161-200 [1998]


* Professor Titular de Política Exterior do Brasil da Universidade de Brasília. Aposentado.
162 L. A. MONIZ BANDEIRA

companhia de gás), quanto na Argentina, com a instalação de agências em


Montevidéu, Salto, Paysandu, Mercedes e Cerro8 . Por mais de 20 anos ele se
tornou o agente financeiro daqueles dois países, a cujos governos concedeu vultosos
empréstimos9. Mas, a sofrer prejuízos no Uruguai, onde, desde 1865, enfrentara
situações políticas adversas10, e a lutar, por causa da São Paulo Railway (Estrada
de Ferro Santos-Jundiaí), contra a Casa Rothschild, o Banco Mauá não sobreviveu
à Grande Depressão de 1874 e, um ano depois, pediu moratória, quando o Banco
do Brasil, por estranha orientação do Governo Imperial, negou-lhe um empréstimo
de 3.000 contos para atender ao pagamento de cambiais, entre as quais ££ 70.000
a favor do Governo da Argentina, apesar da garantia dada com os títulos da
Companhia Pastoril, no valor de 6.000 contos11 . A falência do Banco Mauá, três
anos depois, concorreu para impedir que o Brasil, com as finanças depauperadas,
tivesse condições de ocupar economicamente o Paraguai12, conquanto ainda lá
mantivesse, por algum tempo, a influência política, reforçada, sobretudo, durante o
Governo do General Bernardino Caballero (1880-1886)13. A Argentina, pelo
contrário, fortalecera-se econômica e politicamente no curso da Guerra da Tríplice
Aliança, não obstante as lutas civis que a convulsionaram naquele período, e que
por mais alguns anos a afligiriam. Como as batalhas contra as forças do Marechal
Francisco Solano Lopez ocorreram na mesopotâmia da Bacia do Prata, sem afetar-
lhe a produção e as atividades do comércio14 , ela se convertera na principal fonte
de suprimento dos exércitos aliados. As “enormes somas de dinheiro”, despendidas
pelo Brasil em Buenos Aires e em outras províncias da Argentina, “com mais
prodigalidade do que discrição”, possibilitaram aos seus habitantes a acumulação
de grandes fortunas, conforme os diplomatas britânicos Edward Thornton e H.G.
Lettson observaram15 . A burguesia mercantil-financeira de Buenos Aires e os
grandes estancieiros, que tratavam de construir e consolidar o Estado Nacional
argentino, lançaram-se então à penetração econômica do Paraguai, uma vez que o
Brasil não permitiria a sua anexação, propósito este mais ou menos entremostrado
pelo Presidente Bartolomé Mitre e seu Ministro das Relações Exteriores, Rufino
de Elizalde, quando das negociações do Tratado da Tríplice Aliança16.
Em 1870, quando a Guerra da Tríplice Aliança terminou, cerca de 16.239
léguas quadradas, de um total de 16.590, que constituíam o território paraguaio,
pertenciam ao Estado; apenas 261 léguas quadradas estavam em mãos de
particulares17 . O Estado ainda possuía 72 km de ferrovia em funcionamento, 148
edifícios em Assunção e 352 em cidades e vilas do interior18 . Mas logo em seguida
o processo de privatização começou, a fim de possibilitar o pagamento das
obrigações (Lei de 7.12.1870) e amortizar emissões de papel moeda, com o que
todo aquele patrimômio, no curso de alguns anos, passou para o controle dos
investidores de outras nações, particularmente da Argentina, da qual o Paraguai
não apenas copiou a Constituição como adotou o próprio Código Civil. O historiador
paraguaio Ricardo Caballero Aquino salientou que “a maioria dos especuladores
A GUERRA DO CHACO 163

estrangeiros, que chegaram ao Paraguai para investir em terras, vieram desde a


Argentina ou através dela”19 e esta situação contribuiu para incrementar ainda
mais a dependência do país em relação a Buenos Aires, cujos bancos e instituições
financeiras começaram a receber e enviar grandes somas de divisas a Assunção20 .
Conforme outro historiador paraguaio, Efraim Cardozo, “a venda de terras públicas
converteu os capitalistas argentinos nos maiores proprietários do país”21 , sendo
que a companhia La Industrial Paraguaya se apropriara de mais da metade das
plantações de erva-mate, o mais importante item de sua pauta de exportações, e
suplantara, vantajosamente, a Mate Laranjeira, a concorrente brasileira, afetada
ainda mais pelas taxas alfandegárias22 .
A mediterraneidade do Paraguai tornara inevitável a preponderância da
Argentina, o principal mercado de consumo para os seus produtos, sobretudo a
erva-mate, dado que ele só dispunha do Rio da Prata como via de comunicação
com o mundo e de acesso ao comércio internacional. Essa via dependia,
exclusivamente, do porto de Buenos Aires.
O Brasil, cujas tropas se retiraram do Paraguai em 1876, tratou de conservar
ainda sua influência política, favorecida sobretudo pelo Governo do General
Bernardino Caballero (1880-1886), que fundou em 1887 o Partido Nacional
(posteriormente denominado Associação Nacional Republicana), o Partido
Colorado, para contrapor-se à emergência, naquele mesmo ano, do Partido Liberal,
sob o nome de Centro Democrático. A disputa entre essas duas organizações
refletia de certo modo a rivalidade entre o Brasil e a Argentina, que as
instrumentalizaram e de cujas contradições elas também se valeram, a fomentarem
no Paraguai um clima de contínua turbulência política. Embora cultuasse a memória
do Marechal Francisco Solano Lopez, a reverenciá-lo como o herói da guerra,
mártir da Pátria, vítima da Tríplice Aliança, o Partido Colorado alinhou-se com o
Brasil e captou sua simpatia, dado que se apresentava como o baluarte da resistência
às ambições territoriais da Argentina, cujo respaldo material (dinheiro, navios e
armas) possibilitou, finalmente, a vitória de uma revolução, dirigida pelo Partido
Liberal, em 190423 .
O Governo do então Presidente Juan Antonio Escurra (1902-1904) contava
com o apoio do Brasil, cuja simpatia ganhara quando evitou o aumento das tarifas
sobre o trânsito da erva-mate e permitiu a liberdade de emigração daqueles que
quisessem trabalhar no território brasileiro. Porém, mais incompetente do que todos
os seus predecessores do Partido Colorado, afigurava-se instável e a Legação da
Grã-Bretanha em Assunção, já em julho de 1904, previa e esperava que a revolução
ocorresse, para derrubá-lo24 . Com efeito, um mês depois, ela eclodiu, sob o comando
do General Benigno Ferreira, acusado de envolvimento com Henry White, gerente
local da Paraguay Central Railway, que, aliás, confiava na sua vitória para resolver
problemas pendentes da companhia25 .
164 L. A. MONIZ BANDEIRA

Cerca de 300 revolucionários, por volta do dia 10 de agosto, apossaram-se


do navio mercante Sajonia, nele instalaram uma bateria de seis canhões Krupp e,
com 2.000 fuzis Remington, adentraram o rio Paraguai, dominando seu curso e
capturando cidades e postos ao sul de Assunção26 . O Vice-Presidente da República,
Manuel Dominguez, rompeu então com o Governo Escurra, aderindo à revolução,
cujas causas, o Cônsul da Grã-Bretanha em Assunção, Cecil Gosling, observou,
eram de natureza mais intrincada do que geralmente se supunha uma vez que os
Estados vizinhos – Argentina, Brasil e Bolívia – estavam mais envolvidos na contenda
do que à primeira vista se afigurava27 .
Segundo ele, a salientar que boas razões havia para crer que o crédito dos
revolucionários fosse o mais amplo em Buenos Aires, a queda do Governo Escurra,
com toda a probabilidade, significaria moralmente o protetorado da Argentina sobre
o Paraguai e, como os cofres de Assunção estavam vazios, a obtenção de
empréstimos exteriores tornar-se-ia matéria de imediata necessidade28 . Tanto em
Buenos Aires quanto em Assunção, os círculos diplomáticos estavam convencidos
de que o Governo argentino sustentava aquele movimento sedicioso e que se
orientava no sentido da anexação do Paraguai29 . A parcialidade ostensivamente
se manifestara. Ainda que os revolucionários não tivessem os direitos de
beligerantes, o Governo argentino medida nenhuma tomou para reprimir, nos rios
da Bacia do Prata, as ações qualificadas de pirataria, tais como a captura e revista
de navios mercantes ou de passageiros, que se destinavam ao porto de Assunção30 .
Um paquete brasileiro, procedente de Mato Grosso, detido foi pela flotilha rebelde,
em frente de Concepción, e revistado com grande aparato de força31 .
Diante daquelas circunstâncias, o Brasil enviou dois navios de guerra –
República e Carioca – ao porto de Assunção e, depois, deslocou o cruzador
Tiradentes e dois navios – Fernandes Vieira e Antonio João – para o rio Paraguai,
onde a Argentina estacionara uma flotilha maior32 . E o Barão do Rio Branco,
então Ministro das Relações Exteriores, pediu a interferência dos EUA. Instruiu o
Chefe da Legação do Brasil em Washington, Ministro Plenipotenciário Alfredo de
Moraes Gomes Ferreira, que insinuasse “discretamente” a John Hay, Secretário
de Estado do Presidente Theodore Roosevelt, a “conveniência” de mandar um ou
dois navios de guerra ao Paraguai, a fim de prestigiar o Governo legal, impedir os
abusos dos revolucionários contra os navios mercantes e induzi-los a aceitar
condições razoáveis de pacificação33 . Os EUA recusaram-se a tomar qualquer
iniciativa, a alegarem a distância como pretexto, mas o fato é que o Presidente
Theodoro Roosevelt já expressara certa simpatia pela Argentina, ao proclamá-la
como a nação eleita “para sustentar a Doutrina Monroe na América do Sul”,
devido às suas “condições de progresso e raça”34 .
À frente do Corpo Diplomático, o Ministro Plenipotenciário do Brasil, Itiberê
da Cunha, realizou renovadas gestões, com o objetivo de obter para o conflito uma
solução conciliatória, favorável ao Presidente Escurra. Não teve êxito. O General
A GUERRA DO CHACO 165

Benigno Ferreira exigira indicação de um membro do Partido Liberal para a


Presidência do Paraguai e não aceitou qualquer entendimento. O Brasil, porém,
não se dispunha a correr o risco de uma guerra contra a Argentina, como
aparentemente os paraguaios pretendiam provocar. Na verdade, o Brasil não tinha
condições de entrar em um conflito armado. Ainda não reconstruíra sua esquadra,
enfraquecida desde a revolta da Armada de 1893. Perdera a supremacia, como a
maior potência militar da América do Sul, que antes fora, para a Argentina e o
Chile. A Marinha brasileira encontrava-se em uma situação bastante precária,
tanto ao nível de pessoal quanto de armamento35 . O número absoluto de marinheiros
caíra, na primeira década da República, para níveis inferiores aos do tempo do
Império. Sua esquadra, em 1902, apoiava-se tão somente em quatro navios, os
únicos que, entre 51 unidades navais, podiam efetivamente entrar em operação. E
a situação do Exército não era muito melhor, devido a fatores de política interna e
às dificuldades financeiras, em que o Brasil se empenhara depois da proclamação
da República (1889), embora sua reorganização começasse, a partir de 1900.
Destarte, o Governo brasileiro não tinha interesse em uma confrontação com a
Argentina e se recusou a enviar a ajuda solicitada pelo Presidente Escurra, que,
apesar de escorado pelos dois maiores líderes do Partido Colorado, os Generais
Bernardino Caballero e Patrício Escobar, não contou com meios para resistir à
guerra de desgaste promovida pelo General Ferreira e à crescente insatisfação
popular em todo o país. No dia 12 de dezembro, quatro meses depois de iniciada a
revolução, Escurra, a bordo do navio argentino La Plata, firmou com o General
Ferreira o tratado de Pilcomayo, mediante o qual resignou à Presidência do Paraguai
em favor de Juan Bautista Gaona, levando ao poder o Partido Liberal36 . O Cônsul
da Grã-Bretanha em Assunção, Cecil Gosling, observou então que a queda do
Governo Escurra e a ascensão ao poder do Partido Liberal, após uma luta que se
arrastara por mais de vinte anos, constituía considerável triunfo da diplomacia
argentina37 . Afigurou-se-lhe então que o Brasil perdera prestígio e influência, e a
mudança nos papéis que ele e a Argentina até então desempenharam seria
“vantajoso” para o Paraguai, cujo novo Governo se mostrava imbuído de “idéias
modernas de civilização e de progresso”38 . Conforme o historiador norte-americano
Harris Gaylord Warren, posteriormente, observou, enquanto o Brasil nada fez para
perpetuar sua influência, a Argentina patrocinou a revolução e o Paraguai, arrastado
de volta para sua órbita, nela, como um “satélite”, permaneceria por muitas
décadas39 .
A vitória, pelas armas, do Partido Liberal ajustou, na realidade, o Governo
do Paraguai ao poder econômico e à nova correlação de forças na Bacia do Prata.
Ela decorreu da preeminência alcançada pela Argentina, que se tornara mais
próspera e poderosa do que o Brasil e adquirira condições de projetar externamente
a vontade social de suas classes dominantes, uma vez estabilizada a política interna
e consolidado o Estado nacional. Afinal, já era a partir de Buenos Aires que os
166 L. A. MONIZ BANDEIRA

interesses argentinos, entrançados intimamente com os capitais ingleses,


controlavam a economia do Paraguai, onde o Brasil nenhuma firma possuía que se
comparasse à Carlos Casado Ltda, à Paraguay Central Railway ou à Anglo
Paraguay Land Co.40
Assim, o êxito da revolução de 1904, de acordo também com a percepção
do historiador Caballero Aquino, “implicou o predomínio da influência argentina
nos assuntos paraguaios”41. E este predomínio se ampliou cada vez mais, embora
a política interna não se estabilizasse e evoluísse para uma situação próxima da
anarquia, sem que a República sequer se democratizasse. Uma série de quarteladas,
golpes de Estado e revoluções começou, com o Partido Liberal a dividir-se em
facções que lutavam entre si pelo poder. Desde então, nenhum Presidente do
Paraguai, cujos governos não foram menos autoritários do que os dos seus
predecessores do Partido Colorado, completou o mandato de 4 anos, estabelecido
pela Constituição de 1870. Juan Batista Gaona não permaneceu mais que um ano
na Presidência do Paraguai. Caiu em 9 de dezembro de 1905, derrubado pelos
seus companheiros, integrantes da facção dos Liberais Cívicos, cujo “óbvio
argentinismo” levava-os a falar “con cierto acento rioplatense”42, e Cecil Baez,
ideólogo do liberalismo, substituiu-o, a fim de preparar as eleições e entregar o
poder ao próprio General Benigno Ferreira, chefe militar da revolução de 1904.
Este, eleito em 1906, não demorou no governo mais do que dois anos. Sob a acusação
de pender demasiadamente para o lado da Argentina, teve de renunciar à Presidência
da República, em 2 de julho de 1908, após sangrento levante chefiado pelo Coronel
Albino Jara, seu ex-companheiro de armas, durante a revolução de 1904, e
pertencente à facção radical do Partido Liberal. O Vice-Presidente, Emiliano
Gonzáles Navero assumiu o governo, também por um brevíssimo período, bem
como seus sucessores, Manuel Gondra e o próprio Coronel Jara, dado que as
sublevações e os golpes de Estado não cessaram, mantendo o país em permanente
turbulência, enquanto os navios de guerra do Brasil e da Argentina transitavam
pelas águas do rio Paraguai, a respaldarem, aberta ou veladamente os bandos em
conflito.
A desvantagem econômica, política e estratégica do Brasil, na região, era,
porém, enorme. A Argentina, que possuía a maior extensão de vias férreas por
habitante e, em valor absoluto de quilômetros, só perdia para os EUA, Alemanha,
Grã-Bretanha, França e Áustria, assenhoreara-se, na Bacia do Prata, de todos os
canais profundos, pelos quais as grandes embarcações, que demandava Buenos
Aires, trafegavam43. O Rio da Prata constituía sua rota comercial, por excelência,
e o exercício do condomínio de suas águas, por parte do Uruguai, não passava de
“simples ficção jurídica”, sem base na realidade44. Os rios Paraguai, Paraná e
Uruguai estavam, igualmente, sob o controle da Argentina, dado que o Brasil lá
não possuía nenhuma base naval importante e seus navios mercantes perderam a
concorrência para os daquele país, já senhores de toda a Bacia do Prata. Segundo
A GUERRA DO CHACO 167

a percepção do diplomata brasileiro Ronald de Carvalho, 1° oficial do gabinete do


Chanceler Octávio Mangabeira, o Paraguai, em 1927, era uma “verdadeira
província” ou uma espécie de “feudo” da Argentina, a ela atrelado pelo Tratado de
Comércio de 1916, que estatuíra um regime de franquias e sanções alfandegárias,
a permitir o livre comércio entre os dois países45.
Os grupos econômicos, sediados em Buenos Aires e que também possuíam
grandes interesses na Bolívia, onde adquiriram considerável faixa de suas melhores
terras46, espraiaram de tal modo seu domínio que o Chaco ficou de fato sob controle
da Argentina, apesar de que, após a Guerra da Tríplice Aliança, o Brasil impedisse
que o Paraguai lhe cedesse de jure a soberania sobre a região. A firma Casado &
Cia., além das atividades ligadas à produção e comercialização de tanino, dedicara-
se à criação de gado. Fundada por volta de 1886, quando Carlos Casado passara
de Buenos Aires para Assunção e comprara, no Chaco, 3.000 léguas de terra,
expandira tanto suas operações que, no início dos anos 30, possuía cerca de 134
km de estrada de ferro dentro de sua propriedade47.
A Soc. Puerto Peñasco, a Soc. Indústrias de Quebraixo e outras, bem
como todas as empresas empenhadas na extração do mate, pertenciam totalmente
a capitais da Argentina, cuja sucursal do Banco da Nación, em Assunção,
apresentava um movimento financeiro maior do que o de todos os bancos
estrangeiros reunidos48.
O Brasil não se conformou, naturalmente, com a completa perda de
influência sobre o Paraguai e acompanhou com profunda suspicácia o impulso
dado pela Argentina ao seu plano de comunicações com a Bolívia, mediante a
ligação direta Buenos Aires-La Paz e construção de duas transversais ferroviárias
do Chaco Meridional: Embarcación-Formosa e Metan-Resistencia. Segundo a
percepção do Governo brasileiro, ela, já a predominar sobre o Paraguai, voltara
suas vistas para a Bolívia, que, depois de 1904, a política do Chile estava a atrair
para o Pacífico. O temor do Estado-Maior do Exército, bem como do Ministério
das Relações Exteriores, era de que a Argentina, a dispor de importantes recursos
(petróleo, gado e cereais), boa organização econômica e constituindo, na América
do Sul, “potência de primeira grandeza”, com “superioridade militar terrestre,
marítima e aérea”, sobre o Brasil, tentasse absorver a Bolívia, além do Uruguai e
do Paraguai, e assim recompor as fronteiras do Vice-Reino do Rio da Prata49.
E o alarme ainda mais aumentou quando o Governo de Buenos Aires
conseguiu que o de La Paz firmasse o Protocolo Carrillo-Gutierrez, que lhe dava a
concessão para o prolongamento ferroviário de Yucuiba e Santa Cruz de la Sierra,
com a facilidade de construir ramais transversais para o Chaco e Puerto Suarez50.
O Itamaraty tratou então de frustrar sua aprovação, uma vez que, se efetivada,
impediria qualquer prolongamento da rede ferroviária brasileira através daquela
região.
168 L. A. MONIZ BANDEIRA

O Protocolo Gutierrez-Carrillo, com a Argentina, contrapunha-se, por


conseguinte, aos compromissos oriundos do Tratado de Petrópolis, de 17 de
novembro de 1903, pelo qual, a resolver com a Bolívia o litígio sobre o Acre, o
Brasil se obrigava a construir, em seu próprio território, por si ou por uma empresa
particular, uma ferrovia, desde o Porto de Santo Antônio, no rio Madeira, até Guajará-
Mirim, no Mamoré, com um ramal, que, passando por Vila Murtinho ou outro ponto
próximo (Estado de Mato Grosso), chegasse à Villa Bella (Bolívia), na confluência
com o Beni51 . Esta ferrovia não só visava a desviar para o Atlântico, através do
Madeira, todo o comércio das regiões do Beni, Madre de Dios e Orton, na Bolívia,
e facilitar a ligação com La Paz, como tinha igualmente o objetivo de reduzir e
eliminar a dependência em relação aos rios da Bacia do Prata, que tornava bastante
vulneráveis o transporte de mercadorias e as comunicações com os Estados de
Mato Grosso, Goiás, parte de São Paulo e Paraná, no oeste brasileiro. Sua
construção, já tentada, desde 1874, pelo Coronel norte-americano George Earl
Church, começou, oficialmente, em 1907 e as obras – a extensão dos trilhos por
364 km até Guajará-Mirim – só terminaram cinco anos depois, em 1912, a um
custo de milhares de mortos, vitimados pela malária, flechas, feras e outras
adversidades das selvas. O ramal até Villa Bella não foi estendido porque, nesse
ínterim, a Bolívia, em conseqüência da queda do preço da borracha no mercado
internacional, manifestou ao Brasil interesse na modificação do seu traçado, objeto
então de três protocolos (1901, 1912 e 1925), que malograram, levando os dois
países a, em 25 de dezembro de 1928, celebrarem o Tratado de Limites e
Comunicações Ferroviárias. E qualquer avanço na execução do projeto não houve.
Pelo contrário, o projeto que conforme o Protocolo de 1925 fixara, visava à ligação
Corumbá – Santa Cruz de la Sierra, substituído fora por outro, de importância
econômica inferior, ao mesmo tempo em que impunha à Bolívia o compromisso de
executar “um plano de construções ferroviárias”, tão difuso quanto irrealizável,
porquanto ela não dispunha dos recursos necessários à consecução de semelhante
empreendimento52 .
De qualquer forma, até o início dos anos 30, o Brasil não concretizara a
ligação Corumbá – Santa Cruz de la Sierra, propiciando à Bolívia efetiva saída
para o Atlântico e libertando-a da dependência em relação ao Rio da Prata e ao
porto de Buenos Aires, conforme o espírito do Tratado de Petrópolis, de 1903. Por
meio deste Tratado, o Brasil também lhe concedera o triângulo de terras ao norte
da Bahia Negra e outras saídas para o Paraguai, Mandioré, Gaiba e Uberaba, o
que lhe compensou a perda de Puerto Pacheco (Bahia Negra), conquistado, em
1888, pelo Estado paraguaio, a assenhorear-se de toda a margem daquele rio.
Contudo, quando, em 1928, as refregas por causa do Chaco recomeçaram e tropas
do Paraguai acometeram o Fortim Vanguardia, a Bolívia também perdeu esse
triângulo de terras, ao sul do Fortim Coimbra, com o que ainda mais recalcada foi
na sua mediterraneidade.
A GUERRA DO CHACO 169

O Chile, que lhe arrebatara, durante a guerra de 1879-83, o litoral do Pacífico,


a ela assegurara, com o Tratado de Paz de 1904, o trânsito ferroviário, através do
deserto de Atacama, já sob sua jurisdição. Esta franquia, porém, não podia reparar
a mutilação do território nem as frustrações daí decorrentes. Destarte, sem o litoral
do Pacífico, não mais dispondo, igualmente, de acesso à Bacia do Prata e ainda
impossibilitada de alcançar o Atlântico, por via ferroviária, a Bolívia, em meio de
forte depressão econômica desencadeada pela crise de 1929, decidiu recuperar a
passagem através da Bacia do Prata dado que considerava parte do seu território
a margem direita do rio Paraguai, onde os paraguaios, a avançarem por toda a
zona ribeirinha, pertencente ao Departamento de Tarija, próxima do Fortim Olimpo
e quase em contato com o Departamento de Chuquisaca, construíram quatro portos:
Pinasco, Casado, Sastre e Guarany53 . Ela se julgava mais bem armada, mais
forte, militarmente, que o vizinho, com o qual disputava o território, e, conforme as
palavras do Embaixador Antônio Salum-Flecha, “desengañada de sus anteriores
tentativas diplomáticas para obtener una salida sobre el rio Paraguay, inició una
nueva política como medio efectivo de incorporar el Chaco a sus domínios
consistentes en una penetración pacífica”54 .
Esta política o Presidente Daniel Salamanca (1931-1935) se dispôs a
executar com determinação quando assumiu, em 1931, o Governo da Bolívia, e
propôs ao Estado-Maior do Exército que elaborasse um plano para “penetração
pacífica”, ocupação militar e exploração do Chaco55 . Seu propósito era “prestar
maior atenção” a esta questão, devido não só à honra como ao “supremo interés
del porvenir de Bolivia, tanto para asegurar sus territórios del sudeste, constantemente
usurpados, como para abrirse una salida al Plata”56 . Inevitável, portanto, o
agravamento do conflito se tornava. A Bolívia, em meados de 1931, tomou a iniciativa
de suspender novamente as relações diplomáticas com o Paraguai57 . Poucos meses
depois, em setembro, tropas bolivianas, com ordem de ocupar os lugares providos
de água, tomaram o posto avançado paraguaio Masamaklay, rebatizado Água Rica.
E as refregas recresceram e se generalizaram, em 1932, quando o regimento Lanza,
sob o comando do Major Oscar Moscoso, capturou o Fortim Antônio Carlos López,
na verdade, um rancho que albergava insignificante guarnição de 1 cabo e 5
soldados58 , à margem da laguna Pitiantuta, ou Chuquisaca, cuja importância consistia
no fato de constituir o único reservatório de água, em muitas léguas ao longo da
região. A guerra do Chaco, formalmente, começara.
O jornalista brasileiro Lindolfo Collor, que logo após a Revolução de 1930
fora o Primeiro Ministro do Trabalho do Governo de Getúlio Vargas (1930-1945),
escreveu, naquela época, um artigo para La Prensa, de Buenos Aires, no qual
assinalava que a Guerra do Chaco não se ajustava de nenhum modo ao conceito
de bellum, pois se distinguia de todas as outras guerras, porque, juridicamente, não
teve começo e, militarmente, não teria fim59 . Segundo ele, a guerra, “latente ou
implícita”, sempre fora o “elemento primordial de civilização”, um status social, no
170 L. A. MONIZ BANDEIRA

Chaco, onde o latifúndio teve e ainda tinha um “fulgor jamás sobrepasado o siquiera
alcanzado” em qualquer região do mundo60. Com efeito, o Chaco, palavra,
aparentemente de origem quíchua, compreendia vasta planície, encravada na
mesopotâmia da Bacia do Prata, ao centro-sul do continente, e dividida, dada a sua
extensão, em três regiões: Chaco Boreal, Chaco Central e Chaco Austral. A disputa
pelo seu domínio começou nos meados do século XIX, quando Juan de la Cruz
Benavente, Encarregado de Negócios da Bolívia em Buenos Aires, protestou contra
a celebração do Tratado de Navegação e Limites de 15 de julho de 1852, pelo qual
a Confederação Argentina reconheceu a soberania do Paraguai sobre o rio do
mesmo nome, “de costa a costa”, até sua confluência com o Paraná 61 .
Desdobramento maior não houve, o Tratado de Navegação e Limites de 15 de
julho de 1852, aliás, nem ratificado foi e a questão somente se reacendeu, em 1866,
com a publicação do Tratado da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai). Na
ocasião, o Governo da Bolívia manifestou estranheza ante o fato de que as Potências
Aliadas, ao decidirem sobre a expropriação do território do Estado paraguaio,
incluíssem na retalhadura “gran porción del território boliviano”, à Argentina
destinando extensa região ocidental do rio Paraguai (Gran Chaco) e ao Brasil, na
sua margem direita, o trecho compreendido entre a Bahia Negra e o Jaurú62 . Os
três Aliados trataram então de ressalvar, através de cartas e notas reversais, os
direitos da Bolívia, cujo apoio o Ministro das Relações Exteriores do Paraguai,
José Berges, solicitara, acenando-lhe com a oportunidade de “recuperar seus
territórios e direitos usurpados pelo Brasil”63 . O General Mariano Melgarejo, que
governava, naquela época, o país, inclinou-se, a princípio, a atender ao apelo e
ofereceu ao Marechal Francisco Solano López uma “coluna de 12.000 bolivianos”64 .
A ação diplomática do Brasil, enviando a Sucre, como Ministro Plenipotenciário, o
Conselheiro Felipe Lopes Neto, neutralizou-o e levou-o a firmar o Tratado de 27
de março de 1867, pelo qual a Bolívia perdeu a margem direita do rio Paraguai e
larga faixa de terra entre a foz do Beni e o Javari65 , embora não o impedisse de
permitir, sem obstáculos, a constante passagem de armamentos para o Marechal
Francisco Solano López66 .
A disputa em torno do Chaco, no entanto, agravou-se depois de terminada
a guerra contra o Paraguai. A Argentina, escorada no Tratado da Tríplice Aliança,
reclamou a posse de toda a margem esquerda do rio Paraná até o Iguaçú, e de
toda a riba ocidental do rio Paraguai, até a Bahia Negra, em frente ao Fortim
Coimbra, i. e., todo o território do Chaco, havendo suas tropas ocupado já a Villa
Occidental. Como ao Brasil não convinha que ela ainda mais seu território dilatasse,
o Governo Imperial não lhe reconheceu a pretensão, a pretexto de resguardar os
direitos da Bolívia, e só admitiu o alargamento de sua fronteira, à margem ocidental
do rio Paraguai, até o Pilcomayo. O Governo de Buenos Aires, com Domingo
Sarmiento na Presidência da República e Carlos Tejedor no Ministério das Relações
Exteriores, declarou então todo o Chaco província da Argentina, tendo Villa Ocidental
A GUERRA DO CHACO 171

como sua capital, e passou a exigir que as tropas brasileiras se retirassem de


Assunção. O Governo Imperial, com os conservadores à frente e o Visconde de
Rio Branco, José Maria da Silva Paranhos, na Presidência do Conselho de Ministros,
reagiu, por outro lado, endurecendo sua posição, e assinou a paz em separado com
o Paraguai, com o que rompeu, virtualmente, o Tratado da Tríplice Aliança. O
conflito armado só não irrompeu porque, naquelas circunstâncias, nem o Brasil
nem a Argentina estavam em condições de arcar com seus custos, ainda mais sem
os recursos da Grã-Bretanha, cujos vastos e crescentes interesses, na região do
Prata, sérios danos, certamente, sofreriam. Assim, o General Bartolomé Mitre,
com as credenciais de Plenipotenciário, viajou então ao Rio de Janeiro, em 1872, e
restaurou o clima favorável ao prosseguimento das negociações. Posteriormente,
em 1875, o próprio Carlos Tejedor, como Plenipotenciário do Governo de Nicolás
Avellaneda, continuou o trabalho e, através de sigilosa combinação com o
representante do Paraguai, Jaime Sosa, procurou manter a Villa Occidental sob a
soberania da Argentina, em troca do perdão da dívida de guerra. Mas a diplomacia
do Brasil, informada sobre o acordo, atuou rapidamente e, a manipular o Governo
do Paraguai, forçou a rejeição dos tratados de paz e de limites, que Tejedor e Sosa
firmado haviam. O entendimento só alcançado foi, em 1876, quando Bernardo de
Irigoyen, substituto de Tejedor, aquiesceu em fixar, no rio Pilcomayo, a linha de
fronteira da Argentina, submetendo a questão de Villa Occidental à arbitragem do
Presidente dos Estados Unidos, Rutherford Hayes. A decisão, anunciada em 1878,
favoreceu o Paraguai e Villa Ocidental, com a retirada da Argentina, passou a
chamar-se Villa Hayes. O Brasil obteve, assim, um triunfo, ao conseguir demarcar,
conforme suas conveniências geopolíticas, as fronteiras do Paraguai com a
Argentina, que incorporou o Chaco Austral, ao sul do rio Bermejo, e o Chaco
Central, situado entre o Bermejo e o rio Pilcomayo, mas não pode assenhorear-se,
igualmente, do Chaco Boreal ou Gran Chaco, com cerca de 297.938 km², o
equivalente a três quintas partes do território total do Paraguai.
A Bolívia, que, embora pedisse, nem ouvida fora pelos Aliados67 , não
tivera, até então, nem condições nem meios de forças a consideração de seus
reclamos, confusa e inconseqüentemente formulados. Durante a Guerra da Tríplice
Aliança nem sequer protestara quando os exércitos, quer do Marechal Francisco
Solano Lopez quer dos Aliados, atravessaram o rio Paraguai e, alcançando sua
margem direita, penetraram o Chaco. A partir de 1878, porém, a Bolívia, com a
economia estagnada devido ao esgotamento das minas de prata, abismou-se em
uma seqüência de graves problemas como a seca, a fome, a peste e outros,
decorrentes do fortíssimo terremoto, que nos fins de 1877 devastara seus portos
na costa do Pacífico (Tocopilla, Antofagasta, Cobija), localizados entre Taltal, ao
norte do Chile, e Arica, no sul do Peru68 . A derrota na Guerra do Pacífico (1879-
1883), travada, juntamente com o Peru, contra o Chile, engravesceu-lhe mais ainda
a situação, ao transformá-la em um país mediterrâneo e, o que mais asfixiante se
172 L. A. MONIZ BANDEIRA

afigurava, sem sequer uma saída para a Bacia do Prata. Em realidade, a Bolívia
não tanto se beneficiara com o boom dos nitratos, quando entre 1866 e 1879
explorava juntamente com o Chile as jazidas de salitre, e os portos de Tocopilla,
Antofagasta e Cobija, perdidos durante a Guerra do Pacífico, pouco lhe serviram,
dado que ela não dispunha de grandes excedentes para exportação. Mas o fato foi
que seu interesse no Chaco e em obter uma saída para o rio Paraguai recresceu, a
partir de 1879, depois do laudo arbitral do Presidente Hayes e coincidentemente
com a ocupação da costa do Pacífico pelo Chile. Naquele ano, o Presidente Narciso
Campero, em carta ao Imperador Pedro II, pleiteou a devolução das margens do
Alto Paraguai, cedidas ao Brasil por Melgarejo, sob o argumento de que o Tratado
de 1867 contrariava os “claros desígnios de la Providencia”, ao impedir que a
população da Bolívia acesso ao rio tivesse e a privar, assim, de “un órgano
respiratorio que le ha concedido la voluntad del Supremo Hacedor”69 . Ao mesmo
tempo, ele determinou que Antônio Quijarro, seu Ministro em Buenos Aires, viajasse
para Assunção, como Plenipotenciário, a fim de negociar um acordo que garantisse
à Bolívia o domínio sobre a margem direita do Paraguai, ao sul da Bahia Negra.
Quijarro e José Segundo Decoud, Ministro das Relações Exteriores do Paraguai,
em 15 de outubro de 1879, firmaram então um Tratado, pelo qual transferia para a
Bolívia mais da metade do Chaco. O Tratado Quijarro-Decoud aprovado não foi
pelo Paraguai, da mesma forma que dois outros mais – Tamayo-Aceval (1887) e
Ichazo-Benitez (1894)70 – celebrados até o final do século XIX 71.
Como os dois países nenhum entendimento alcançassem e a construção
pela Bolívia, no Chaco, dos fortins Ballivian e Guachalla quase uma guerra
desencadeasse, a Argentina, sob o governo de José Figueroa Alcorta e tendo
Estanislao S. Zeballo como Ministro das Relações Exteriores, ofereceu os bons
ofícios em busca de uma solução amigável para o litígio. Em 12 de janeiro de 1907,
os Plenipotenciários da Bolívia, Cláudio Pinilla, e do Paraguai, Adolfo R. Soler,
firmaram então um Protocolo, em que as partes contratantes se comprometiam a
não minorar nem avançar no Chaco as possessões existentes até aquela data e
entregavam a questão à arbitragem do Presidente da Argentina. O entendimento,
contudo, não evoluiu, por vários motivos, entre os quais, principalmente, a renúncia
do Presidente Figueroa Alcorta, em virtude de grave incidente diplomático com a
Bolívia, que julgava o Protocolo atentatório à sua soberania. Confiança,
naturalmente, não havia na isenção da Argentina. Segundo se informara, o próprio
Chanceler Estanislao S. Zeballos era grande concessionário de terras no Chaco,
as quais adjudicadas lhe foram pelo Governo do Paraguai72. E, na Argentina, havia
quem alimentasse a esperança de que ela talvez ainda aquela região incorporar
pudesse, o que a salvaria de muitos problemas, no futuro, e lhe asseguraria a
jurisdição sobre o rio Paraguai, a contrabalançar a expansão do Brasil em Mato
Grosso. “Los Estados Unidos llevan su jurisdicción alli donde existen intereses de
su nacionalidad” – assim um documento encaminhado ao Chanceler Victorino de
A GUERRA DO CHACO 173

la Plaza, por volta de 1810, argumentava em favor da “reincorporação” do Chaco


pela Argentina, acentuando que “El mal llamado Chaco Paraguaio solo ha sido
poblado por capitales argentinos, espoliados por los políticos de Asunción, y basta
mirar el mapa para ver que él forma continuación al norte del território argentino,
sin solucción de continuidad al norte del Pilcomayo”.73
De acordo com o mesmo documento, desde que “los dueños” e los “centros
de población” no Chaco eram argentinos, seu território à Argentina devia ser
incorporado, para o que bastava, a aproveitar que uma revolta dos marinheiros
debilitara a Armada brasileira (1910), estacionar navios de guerra em frente a
Villa Hayes, Concepción e Puerto Casado74 .
O Chanceler, depois Presidente (1914-1916), Victorino de la Plaza,
evidentemente não acolheu semelhante sugestão. Mas fato era que, enquanto a
Bolívia se emaranhava em controvérsias jurídicas e diplomáticas, a defender, para
respaldar seus reclamos, o uti possidetis juris, rechaçado pelo Paraguai, pois o
aditivo juris contradizia o princípio do uti possidetis, que, na linha do direito romano,
só podia configurar-se de facto, a Argentina, na realidade, ocupara economicamente
o Chaco75 , embora os EUA também ali investido houvessem, até 1918, um
montante superior a US$ 1 milhão76 . Argentinas eram, na sua grande maioria, as
estâncias para a criação de gado e as empresas dedicadas à venda de terras e à
produção de tanino. Elas operaram grandes somas de capital, empregaram cerca
de 20.000 trabalhadores, possuíam mais de 200 km de vias férreas para o transporte
do quebracho, dispunham de numerosos portos à margem do Rio Paraguai e os
navios de cabotagem argentinos, na maior parte pertencentes à Companhia
Mihanovich, monopolizavam o trânsito fluvial77. A produção mensal de tanino das
quatro empresas argentinas e uma norte-americana chegara a 8.000 toneladas, no
início dos anos trinta. E ela se assentava sobre vastas propriedades de terra.
Conforme o jornalista Lindolfo Collor assinalou, em nenhuma parte, dentro do sistema
econômico capitalista, uma propriedade existira com 300 léguas quadradas. Somente
no Chaco78. E ela pertencera à empresa argentina Casado & Cia., cujo domínio
chegara a estender-se por cerca de 3.000 a 4.000 léguas quadradas ou, segundo
outra medida, por mais de 4 milhões de hectares79, sendo posteriormente reduzida
com a divisão em lotes coloniais, para venda às famílias menonitas, canadenses ou
russas. Na avaliação do Itamaraty, para essa como para as demais empresas
argentinas, o domínio sobre o território do Chaco constituía “questão de maior
relevância, em virtude da diferença entre as grandes facilidades por elas ali obtidas
e aquelas mais restritas, que a Bolívia lhes propiciava”80. Por este motivo, quando
o conflito armado entre os dois países irrompeu, o Governo de Buenos Aires não
lhes podia deixar de refletir os interesses, respaldando o Paraguai, sobretudo depois
que o General Agustin P. Justo, cunhado de Carlos Casado, assumira a Presidência
da Argentina (1932-1938) e nomeara seu Ministro das Relações Exteriores, o
antigo advogado daquela empresa proprietária de vasta extensão de terras no Chaco,
Carlos Saavedra Lamas81.
174 L. A. MONIZ BANDEIRA

Fatores vários e complexos entrançaram-se e concorreram, naturalmente,


para a eclosão da Guerra do Chaco. A região – o Chaco Boreal ou Gran Chaco-
revestia-se de fundamental importância para a economia do Paraguai. Um terço
da renda nacional proveio, em 1932, de seu solo, onde metade do rebanho bovino
existente no país se encontrava e por onde grande parte do total de suas linhas
férreas se estendia, para o transporte do quebracho até os portos de Pinasco,
Casado, Sastre, Palma Chica, Puerto Maria, Guarany e Mihanovich. Com a perda
do Chaco Boreal o Paraguai ficaria reduzido a uma insignificante mesopotâmia,
com pouco menos de 160.000 km²82 . Muito diferente a situação que configurava
para a Bolívia, que apenas alegava a condição de sucessora da Audiência de
Charcas para reivindicá-lo. O Chaco não se integrava no sistema produtivo do
país, bem distante estava dos seus centros econômicos e políticos, localizados no
Altiplano, onde as populações se concentravam, e lá a presença da Bolívia somente
se podia perceber através de pequenas guarnições militares, algumas das quais
sediadas à margem do Pilcomayo, com menos de 350 soldados, para uma população
de menos de 5.000 habitantes. Na longínqua região de Chiquitos, com cerca de
10.000 habitantes, menos de 250 soldados compunham a guarnição83 . Para Bolívia,
como país mediterrâneo, o valor do Chaco consistia no fato de que, cortado pelo
rio Paraguai e seus afluentes, permitiria que ela alcançasse uma saída entre a
Bahia Negra e o Pilcomayo, fundamentalmente para o Departamento de Santa
Cruz de la Sierra, embora seu comércio de importação e exportação não chegasse
a £ 200.000 anuais. E o que mais importava, no caso, era que a Standard Oil
começara a exploração do petróleo, mas o transporte para os portos do Pacífico
afigurava-se difícil e custoso, devido aos aclives dos Andes. Seu escoamento,
portanto, dependia de que a Bolívia obtivesse acesso ao Atlântico, através da Bacia
do Prata.
Embora a descoberta de jazidas de petróleo, na Bolívia, ocorresse antes
do século XX e muitos empresários recebessem concessões para explorá-lo, a
operação dos primeiros poços, na bacia do Bermejo, só realmente começou por
volta da 1925, depois que a Standard Oil of New Jersey comprara as áreas adjuntas
aos empresários norte-americanos Richmond Levering, de New York (1 milhão de
hectares) e de William e Spruille Braden (2 milhões de hectáres)84 . A produção,
que fora de 424 m³ em 1925, subira para 4.386 m³, em 1929, quando então os
poços de Camiri e Sanandita em funcionamento já estavam, com a extração,
respectivamente, de 942 m³ e 2.690 m³ de óleo85 . A Standard Oil, até aquela data,
encontrara petróleo em 9 poços dos 21 perfurados e a Bolívia solicitou à Argentina
autorização para construir em seu território, dois oleodutos, um dos quais desde
Mirtle, à margem do Bermejo, até a estação ferroviária de Embarcación, e o outro,
o principal, partindo da Yacuiba até o porto de Formosa, Santa Fé ou Campana,
sobre o rio Paraná86 . O Presidente Hipólito Yrigoyen não a concedeu e suspeita
houve de que tal negativa se deveu à influência da Royal Dutch-Shell e dos interesses
A GUERRA DO CHACO 175

britânicos, prevalecentes em Buenos Aires. Entretanto, o que efetivamente a


determinou, segundo estabelecer se pode, foi a política, que o General Enrique
Mosconi, Presidente da Yacimentos Petrolíferos Fiscales (YPF), tratava de
desenvolver, visando à completa nacionalização do petróleo na Argentina87 . A
atitude da Argentina, por conseguinte, não deixara à Bolívia como alternativa tentar
obter, pelas armas, uma saída através do Chaco, no rio Paraguai, sobretudo quando
o Presidente Daniel Salamanca e as autoridades militares imaginaram que ela
possuía imensas reservas de petróleo, capazes de abastecer o mundo e de fazê-la
superar seu atraso econômico. Na verdade, as pesquisas pareciam assegurar a
existência de extensos lençóis de petróleo junto ao lago Titicaca, em grande parte
do Departamento de Cochabamba e, sobretudo, em uma curva, que desde os limites
com o Peru aos 13° de latitude, seguia do Oeste ao Leste, desviando-se para o Sul
até alcançar o meridiano 63, onde a formar um ângulo, tomava a direção Norte-Sul
e atravessava a fronteira da Argentina88 .
A leste do meridiano 63, uma zona disputada do Chaco Boreal, nada
indicava, conquanto improvável não fosse, a existência de petróleo, como no
Paraguai se imaginava. A Standard Oil sabia que diminuto era, se realmente havia,
o fundamento para tal esperança e considerava mesmo “improvável” encontrá-lo
em qualquer quantidade comercial a leste da linha dos hitos (marcos), onde ela só
possuía as concessões conhecidas como N°s. 10, 11, 12, 118, Lagonillas, e os
trabalhos foram abandonados ou materialmente reduzidos89. Cerca de 21 poços,
perfurados dentro do território da Bolívia, próximos à linha de separação da área
litigiosa, não produziam mais que 1.000 b/d e estavam tão espalhados que se tornava
antieconômico os reunir em uma única localidade. A Standard Oil, de acordo com
as informações prestadas pelo seu representante na Argentina, Robert Wells, a
Spruille Braden, Chefe da Delegação dos EUA à Conferência de Paz em Buenos
Aires, investira muitos capitais nas suas explorações, ao sudoeste da Bolívia; mas
a única a apresentar rendimentos era a localizada na zona do Bermejo, onde a
produção alcançava 2.000 b/d90. Por isto, diante de resultados tão insatisfatórios,
as instruções, emitidas desde 1931, foram no sentido de cessar as perfurações,
realizando-se a última em 1932. Assim, com uma produção de apenas 3.000 b/d,
lucrativa não se afigurava a construção de pipe lines para levar o petróleo até o
rio Paraguai ou mais ao sul, através da Argentina, aos mercados de Santa Fé,
Rosario e Buenos Aires91 . O problema do petróleo, como fator que, em 1932,
contribuiu para desencadeamento das hostilidades, merecia, no entanto, atenção,
pois o Presidente Daniel Salamanca não confiava nos dados da Standard Oil,
supunha que mais petróleo havia do que ela informava, e considerava que no caso
das jazidas existentes, quer no Chaco quer ao longo do meridiano 63, dentro do
território da Bolívia propriamente dita, as estações terminais dos oleodutos situadas
deveriam ser à margem direita do rio Paraguai. O próprio Presidente Ausebio
Ayala, já em 1928, propusera liquidar a questão do Chaco por meio de concessão
176 L. A. MONIZ BANDEIRA

à Bolívia de um corredor de saída com um porto em Villa Hayes, sobre o rio


Paraguai92 . Conforme o Embaixador José Joaquim de Lima e Silva Moniz de
Aragão, então Secretário Geral do Itamaraty, salientou, necessário cumpria
reconhecer que aos bolivianos não eram territórios despovoados que faltavam.
Desde que perderam os portos do Pacífico, sua “idéia fixa” era sair da angustiosa
situação, em que se achavam, de povo mediterrâneo, em meio de desertos. Saída
ao mar, tal era a “preocupação constante, característica da Bolívia” – Moniz de
Aragão acrescentou, mostrando que, com o que gastava na guerra ela podia custear
a adequada ligação do Altiplano à Bahia de Cáceres e talvez as próprias obras de
que Puerto Suares carecia para o seu desejável aproveitamento93 . Mas o diplomata
brasileiro Orlando Leite Ribeiro, servindo em Buenos Aires, informou ao General
Pedro Aurélio de Goes Monteiro, Chefe do Estado-Maior do Exército brasileiro,
que a Argentina via “com pavor” a saída da Bolívia pelo rio Paraguai, dado que
inundaria o mercado com petróleo, “matando sua recente indústria de Comodoro
Rivadavia”94. A observar que o “vasto lençol do subsolo petrolífero do Chaco” se
estendia mais para o lado da Bolívia e o que nas proximidades do rio Paraguai
existia já era argentino, ele acentuou que “A questão do petróleo é o que mais
interessa à Argentina e daí o fato de que ela não tenha nunca apoiado a pretensão
justa da Bolívia em obter uma saída ao rio”.95
Um documento interno do Exército brasileiro, encaminhado ao Conselho
Superior de Guerra pelo General Waldomiro Castilho de Lima, Chefe da Inspetoria
do 1° Grupo de Regiões militares, apoiou-se, aparentemente, nas informações
transmitidas por Orlando Leite Ribeiro ao General Goes Monteiro e concluiu também
que a questão do petróleo existente no Chaco, cujos lençóis se encontravam na
Cordilheira Charaguá, preocupava seriamente a Argentina, que aí percebia uma
concorrência comercial, capaz de destruir a produção de Comodoro Rivadavia96 .
A descoberta das jazidas de petróleo, em Comodoro Rivadavia, Província
de Chubut, na Patagônia, ocorrera em 1907 e o então Presidente da Argentina,
José Figueroa Alcorta, transformou a área, de acordo com a Lei de Terras República
de 1903, em reserva nacional, na qual proibiu concessões privadas, ao longo de
200.000 ha., i. e., 25 km em todas as direções. Em 1909, ele decidiu dar cauteloso
apoio à emergente indústria do petróleo, ao solicitar ao Congresso a aprovação de
recursos, da ordem de 200.000 pesos, por modo que o Estado assumir pudesse a
sua produção, porém o Senado, com a Lei 7059, de 1910, reduziu a reserva a 5.000
ha. em torno de Comodoro Rivadavia97 . Abertos então foram aos investimentos
195.000 ha. da reserva de 1907 e o grande número de concessões requeridas,
cerca de 109, a abrangerem Neuquén, Chubut e Santa Cruz – três dos cinco
territórios que formavam a Patagônia – mostrou a necessidade de impedir que a
Standard Oil e outras companhias estrangeiras se apossassem das melhores áreas.
O Presidente Roque Sáenz Peña (1910-1914), ao suceder Figueroa Alcorta, adotou
uma política ainda mais rígida. Anulou as concessões pelas companhias particulares
A GUERRA DO CHACO 177

obtidas e ainda não exploradas, alargou as reservas do Estado para 160.000 ha.
em Chubut, bem como criou a primeira companhia estatal de petróleo do mundo, a
Dirección General de Explotación de Petroleo de Comodoro Rivadavia, cuja
produção, entre 1916 e 1919, cresceu cerca de 45 %, a alcançar 188.111 m³98.
Essa companhia, ao final do Governo do Presidente Hipólito Yrigoyen (1916-1922),
reorganizada foi (1922), sob o nome de Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), e
sua direção entregue ao General Enrique Mosconi, possibilitando-lhe promover
“una de las más profundas campañas nacionalistas que ha visto la Argentina”99,
com o objetivo de “argentinizar”, na medida do possível, tanto a produção quanto a
distribuição de petróleo e paralisar a penetração da Standard Oil no norte do país100 .
Com efeito, a Standard Oil, que dominava, através da West India Oil
Company (WICO), cerca de 80 % do comércio nacional de gasolina e desfrutara,
em Buenos Aires, do monopólio absoluto do mercado101, começara a adquirir,
naquela época, i. e., entre 1922 e 1923, concessões nas Províncias de Salta e
Jujuy, onde, por volta de 1870, explorações particulares esporadicamente se
realizaram, sem maior êxito102. Mosconi manifestava a seu respeito opinião bastante
negativa. Julgava que os norte-americanos, como “novos ricos”, não reconheciam
limitações, para a consecução dos seus propósitos, e suas reações chegavam até
“el desconocimiento y atropello de la soberania de otros pueblos”103. E procurou,
conseqüentemente, contrapor-se à expansão da Standard Oil. Esta posição contou
com o apoio do Presidente Marcelo T. Alves (1923-1928), que, também eleito pelo
Partido Radical, fortaleceu os planos de Mosconi, mediante a implementação de
política ainda mais agressivamente nacionalista, visando a consolidar e expandir a
Yacimientos Petrolíferos Fiscales. Esta companhia estatal, por volta de 1929, já
respondia por 234 milhões de litros de gasolina, contra 126 milhões produzidos
pelas corporações estrangeiras, dos 700 milhões consumidos na Argentina, já a
emergir como um grande mercado em expansão superando a própria França, devido
às suas importações de automóveis, que a colocaram na liderança absoluta do
ranking mundial, com mais do que o dobro do Brasil, então no segundo lugar104.
Não foi, por conseguinte, devido à influência da Royal Dutch Shell e sim para
defender a prevalência da YPF, enquanto empreendimento do Estado que, no seu
segundo mandato, o Presidente Hipólito Yrigoyen (1929-1930) não permitiu à Bolívia
construir, com financiamento da Standard Oil, os dois oleodutos, que seu território
atravessariam, até Formosa, Rosario ou Zárate (Buenos Aires), sobre o rio Paraná.
Àquele tempo, a Standard Oil of New Jersey e a Royal Dutch Shell
disputavam o petróleo na Argentina, como no resto da América do Sul, interessadas,
em larga medida, em assenhorear-se de reservas para o futuro. O espectro da
Standard Oil, contudo, era o que mais assustava. Em face de problemas internos
nos EUA, da explosão do nacionalismo no México e da difícil competição com os
interesses britânicos no Oriente Médio, elas e outras companhias norte-americanas
voltaram as atenções para a América do Sul, onde, durante os anos 20, seus
178 L. A. MONIZ BANDEIRA

investimentos saltaram de US$ 67 milhões para US$ 476 milhões105. A participação


da América do Sul no total dos investimentos dos EUA na exploração do petróleo
aumentou de 17%, em 1919, para 34%, em 1929106, havendo a Standard Oil
adquirido concessões na Colômbia, Venezuela, Peru, Brasil, Bolívia e Argentina.
A Royal Dutch Shell, cuja subsidiária, a Anglo-Mexican Petroleum Production
Co., já estava a reduzir, no México, suas operações só obteve maior sucesso na
Venezuela, ao descobrir (1922), em torno do lago Maracaibo, grandes reservas de
petróleo, que transformaram aquele país, com uma produção de 139 milhões de
barris em 1929, no maior produtor mundial, superado apenas pelos EUA107.
Inevitável se tornava, portanto, que, naquelas circunstâncias, os tentáculos da
Standard Oil of New Jersey, principalmente, ou da Royal Dutch Shell percebidos
fossem, com ou sem real fundamento, por trás de vários acontecimentos políticos,
a removerem obstáculos à satisfação dos seus interesses.
Indícios houve – e fortes – de que aquelas companhias concorreram, direta
ou indiretamente, para que o General José F. Uriburu, em 6 de setembro de 1930,
desfechasse um golpe de Estado, derrubando o Governo do Presidente Hipólito
Yrigoyen, que se dispunha a nacionalizar toda a produção de petróleo na Argentina
e firmara um contrato com a firma soviética Iuyamtorg, para a compra de gasolina
por preço abaixo da cotação no mercado mundial108. De qualquer modo, não
restou a menor dúvida de que ele recebeu o apoio dos governadores de Salta,
Joaquin Corvalán, e de Jujuy, Benjamín Villafañe, bem como de outras Províncias
do interior, contrários à estatização do petróleo, por temerem a ascendência de
Buenos Aires através da YPF, e interessados em fazer maiores concessões à
Standard Oil, na esperança de que ela pudesse promover o progresso da região. A
antiga contradição, ainda latente, entre os interesses do Estado unitário argentino,
representados pela consolidação da YPF e pela política de crescente estatização
do petróleo, e as tendências federalistas das Províncias, empenhadas em manter a
sua autonomia e conservar o controle das concessões, uma vez mais aflorou e
contribuiu para a derrocada do regime constitucional. E, como o cientista político
francês Alain Rouquié observou, o problema do petróleo constituiu um dos aspectos
do conflito entre Yrigoyen e a oligarquia, encontrando-se os “interesses petrolíferos
amplamente representados” entre os conspiradores e no seio do Governo
provisório109. O historiador norte-americano Carl E. Solberg também constatou
que muitos dos ministros de Uriburu serviam às companhias estrangeiras como
consultores jurídicos e admitiu que bem podia ser verdade que elas utilizaram o
suborno ou outros meios para lançar os militares contra Yrigoyen110. De fato, o
primeiro Ministro do Interior no Governo Uriburu (1930-1932) foi Matias Sanchez
Sorondo, consultor jurídico da Standard Oil. O Ministro da Educação Pública, Ernesto
Padilha, tinha vinculações com a WICO, subsidiária da Standard Oil, e vários outros,
como Ernesto Bosh (Relações Exteriores), Octavio S. Pico (Obras Públicas) e
Horácio Becas Varela (Agricultura) foram ou ainda eram empregados de
companhias petrolíferas da Grã-Bretanha111 .
A GUERRA DO CHACO 179

No caso da Guerra do Chaco, a versão mais difundida e generalizada foi a


de que a Standard Oil of New Jersey e a Royal Dutch Shell instrumentalizaram a
Bolívia e o Paraguai, para que disputassem, pelas armas, a posse das jazidas de
petróleo porventura existentes naquela região112. Em outras palavras, o que
prevaleceu foi a percepção esquemática e simplista de que aquele conflito refletiu,
sobretudo, a competição entre duas potências imperialistas, os EUA e a Grã-
Bretanha, representadas, respectivamente, pela Standard Oil e Royal Dutch Shell.
Efetivamente, conquanto os EUA exercessem forte influência no Paraguai, desde
que a Conferência de Não-Agressão (1931) em Washington se realizara, muitas
suspicácias se levantaram de que elas estariam a favorecer Bolívia, devido aos
interesses e às atividades da WICO, subsidiária da Standard Oil, lá desenvolvidas113.
Evidente se afigurava que, caso a Bolívia conquistasse o Chaco e obtivesse um
porto sobre o rio Paraguai, a Standard Oil beneficiada seria e esta constituía,
indubitavelmente, a base da inimizade e da desconfiança contra os EUA, no
Paraguai predominantes114. Segundo o diplomata britânico Tottenham-Smith, a
opinião pública, no Paraguai, estava geralmente convencida de que a Standard Oil
exercia pressão sobre o Governo dos EUA, a fim de obter fundos, armas e toda
espécie de assistência para a Bolívia115. E o que mais contribuiu para solidificar tal
convicção foi o discurso do Senador norte-americano por Louisiania, Huye Pierce
Long, pronunciado em 30 de maio de 1934, no qual acusou a Standard Oil e outros
interesses a ela associados de promover a guerra e prover fundos à Bolívia, com o
propósito de arrebatar o Chaco ao Paraguai116. Estas alegações, entretanto, não
se confirmaram. O próprio Embaixador Spruille Braden, representante dos EUA à
Conferência da Paz em Buenos Aires, reconheceu que não obstante exageros ou
prejuízos da Bolívia, a Standard Oil não manejara inteligentemente as relações
com o seu governo, como alguns fatos evidenciaram117. Logo depois de iniciado o
conflito, a Standard Oil começara a desmantelar uma de suas refinarias, a fim de
removê-la para a Argentina, quando o Governo boliviano descobriu e a forçou a
repor os equipamentos e recomeçar a refinação do petróleo. Em outro momento
crítico, ela avisou o Governo boliviano que os poços cessado haviam de produzir e
que não mais teria gasolina disponível. No entanto, tão pronto o Presidente Daniel
Salamanca ameaçou nacionalizar seus campos e refinarias, a Standard Oil anunciou
que a produção continuaria tão grande como sempre. Por fim, quando a Bolívia, a
concentrar sua Força Aérea em Puerto Suarez para defendê-lo de um provável
ataque do Paraguai, necessitou de gasolina de aviação, a Standard Oil só se dispôs
a fornecer qualquer quota, mediante pagamento à vista, por um preço duas vezes
mais alto do que o de qualquer outro competidor e, mesmo assim, entregue em
Corumbá, no Brasil118 . Aliás, a falta de suficiente gasolina foi permanente obstáculo
à mobilidade do Exército boliviano, que muitas vezes teve de abastecer-se no Peru,
conforme o historiador paraguaio Alfredo M. Seiferheld constatou, assinalando
que “la Standard Oil no jugó límpio con Bolívia”119. Na verdade, durante a guerra,
180 L. A. MONIZ BANDEIRA

ela fornecera combustível, em proporções e preços equivalentes, tanto à Bolívia


quanto ao Paraguai120. E pior ainda, descobriu-se, posteriormente, que também
ocultara do Governo de la Paz a exploração de vários poços, a fim de sonegar
impostos, bem como evitar o pagamento de royalties, e desde 1925 – 1926 até
1935, bombeara, através de um oleoduto clandestino, que cruzava o rio Bermejo,
cerca de 9,1 milhões de barris de petróleo para a Argentina121 . Seu comportamento
foi tão contrário e hostil aos interesses da Bolívia que nem o Embaixador Spruille
Braden, representante dos EUA na Conferência de Paz de Buenos Aires122, pode
deixar de criticá-la, em algumas oportunidades, inclusive em ofícios do
Departamento de Estado123. E a opinião pública, naquele país, voltou-se tão
fortemente contra ela que tornou inevitável e irreversível o confisco de suas
propriedades, como fez o Coronel David Toro, após derrubar o Presidente José
Luis Tejada Sorzano (1935-1936) e assumir o poder, em 1937. Entretanto, não só
por causa do seu procedimento, provável não foi que a Standard Oil levado houvesse
a Bolívia a uma guerra difícil, comprometendo vultosos capitais, quer para conquistar
uma saída para a Bacia do Prata quer com a esperança de encontrar petróleo no
Chaco paraguaio, onde ela já sabia não existir em quantidade comercial, conforme
os conhecimentos geológicos da época, sem antes esgotar todos os recursos políticos
em Assunção.
Quanto à Royal Deutch Shell, nada se soube que comprovasse ou, ao
menos, indicasse qualquer influência sua quer sobre a eclosão quer sobre o
desenvolvimento do conflito no Chaco. A acusação, amplamente difundida pela
esquerda, de que ela, a disputar com a Standard Oil as jazidas de petróleo porventura
existentes no Chaco Boreal, devem-se, sobretudo, à posição assumida pela
Argentina, onde os interesses da Grã-Bretanha predominavam 124 . Esta
circunstância, entretanto, não autorizava, de fato, semelhante conjectura. Interesses
da Grã-Bretanha também havia na Bolívia, à qual a companhia Vicker Armstrong
vendera armamentos e, em 1933, solicitou a interferência do Foreign Office junto
ao Governo do Chile, no sentido de que permitisse a passagem de um carregamento,
no valor de £ 300.000, pelo porto de Arica125. A Grã-Bretanha, na verdade, exportara
grandes quantidades de armas, munições e outros petrechos de guerra, inclusive
aeroplanos, tanto para a Bolívia quanto para o Paraguai, entre 1932 e 1935126. De
modo geral, as indústrias de material bélico não só da Grã-Bretanha e dos EUA
como também da Alemanha, França, Bélgica, Tchecoslováquia, Espanha e Suíça
realizaram com aqueles dois países beligerantes vultosos negócios, financiados por
grandes bancos europeus e norte-americanos, entre os quais o Midland Bank, o
Banque de Paris et Pays-Bas e o Chemical Bank and Trust Co.127 Sem dúvida,
interesse elas tiveram na deflagração da Guerra do Chaco, a primeira a empregar,
de forma exclusiva, a tração mecânica, a utilizar amplamente o aeroplano e a
demonstrar o valor da pistola-metralhadora128. E a Alemanha, entre as grandes
potências, foi a que melhor aproveitou suas lições, ao avaliar a importância do
A GUERRA DO CHACO 181

reconhecimento aéreo, da surpresa, das manobras de limpeza, do uso maciço dos


tanques, da infantaria motorizada, das unidades técnicas e do conceito de nação
em armas129. O Marechal Erwin Rommel teve como precursor o General José
Felix Estigarríbia, que, com o retorno à manobra genuína na guerra, teve como
objetivo tomar Charaguá, seguir por Lagunillas até Monteagudo, invadir o
Departamento de Santa Cruz de la Sierra e, finalmente, alcançar Camiri, capturando
a refinaria de petróleo, responsável pelo suprimento do combustível à Bolívia130. E,
aí, o curso da guerra mudou. Conforme o diplomata brasileiro Joaquim Palmeiro
salientou, quando o Presidente Eusébio Ayala e o Comandante-em-Chefe José
Estigarríbia consideraram, pela primeira vez, a possibilidade de conquistar os campos
de petróleo da Standard Oil, a Liga das Nações suspendeu o embargo de armas à
Bolívia, o soldado boliviano subitamente se tornou imbatível e o exército paraguaio
sofreu os primeiros reveses depois de dois anos de luta131. As tropas do Paraguai
pararam.
A questão do petróleo, evidentemente, assumiu fundamental importância,
como fator da Guerra do Chaco, porém mais ao nível do imaginário político do que
da realidade econômica. O Presidente Daniel Salamanca, ao decidir “pisar forte”
no Chaco, presumia que a Bolívia dispunha de reservas de petróleo, suficientes
para abastecer o mundo e arrancá-la do subdesenvolvimento, e só necessitava do
acesso ao Oceano Atlântico, através do rio Paraguai e do estuário do Prata. O
Presidente Eusébio Ayala, do Paraguai, supunha, igualmente, que a Bolívia possuía
8 milhões de hectares, “de los más ricos terrenos petrolíferos”, onde a “inmensidad
de la riqueza del subsuelo” faria “de la zona uno de los más grandes centros de
producción del mundo”132. Sua esperança era conquistar esta zona, o que
possibilitaria ao Paraguai ressarcir-se dos custos da guerra, segundo ele próprio
confessou, a afirmar que “Nuestra frontera natural e histórica llega al Parapeti,
cordillera Chiriguanos y Pilcomayo. Si la victoria no nos asegura esta frontera, se
originará un hondo malestar en el país (...) La posesión de la zona del petróleo nos
servirá además para recuperar nuestras pérdidas y levantar el país de la prostración
en que habia de quedar”133.
Esta crença, a de que o subsolo da Bolívia, na região do rio Parapeti,
lindeira do Chaco Boreal, e adjacências, escondia imensos depósitos de petróleo,
influenciou também os dirigentes da Argentina e concorreu para que ela respaldasse
o Paraguai, sob o disfarce do que denominou de neutralidade benévola. Este
comportamento, durante o conflito e no curso da Conferência de Paz realizada em
Buenos Aires (1935-1938), não obedeceu, certamente, às prováveis ambições da
Royal Deutch Shell, apesar de que com elas pudesse coincidir, e sim aos reais
interesses da YPF, já a responder por 37,5% (835.565 m³) da produção nacional
contra uma participação de 62,5% (1,4 milhão de m³), das companhias particulares,
entre as quais a Standard Oil of New Jersey como sua principal concorrente
aparecia134. Ao que tudo indicava, os militares nacionalistas, que, não obstante a
182 L. A. MONIZ BANDEIRA

queda do General Mosconi, ainda influíam no Governo de Buenos Aires, temiam


que a Standard Oil, com a posse de enormes reservas na Bolívia, segundo
imaginavam, alcançasse a saída para o estuário do Prata, através do rio Paraguai,
e terminasse por esmagar a YPF, ao ponto de excluí-la até mesmo da exploração
das jazidas existentes em Salta, Jujuy, Mendoza e em outras Províncias da própria
Argentina. Por esta razão, o Governo do General Agustín P. Justo, embora tratasse
de assegurar os investimentos britânicos e se opusesse ao monopólio estatal do
petróleo, resistiu, tanto quanto pode, à demanda de concessões da Standard Oil,
escorada por poderosos políticos de Salta, como Robustiano Patrón Costas, que se
tornara um dos árbitros do regime135 . Naquelas condições, portanto, à Argentina
absolutamente não convinha a vitória da Bolívia, pois desviaria do seu território as
atividades relacionadas com a indústria do petróleo, se ela a conquistar viesse um
litoral apropriado. Por outro lado, em face da completa dependência e subordinação
da economia do Paraguai à Argentina 136, reforçada por toda a espécie de
cooperação durante a guerra, inevitável tornar-se-ia a concentração de acordos,
mediante os quais toda a produção de petróleo da região de Parapeti, na Bolívia, e
a que ocorrer viesse no Chaco Boreal cairia em poder da YPF. Não sem razão
todos perceberam, como o Coronel Francisco Barrero V., que o “objetivo
estratégico” da Argentina e do Paraguai só podia ser a destruição da máquina
militar da Bolívia, tendo por “meta econômica” o Chaco e o petróleo137. E, se esta
questão já se tornara, durante a guerra, cada vez mais importante, ela assumiu
uma significação ainda maior, como fator de negociação diplomática, após a
instalação da Conferência de Paz em Buenos Aires, com a cessação das hostilidades,
em junho de 1935.
A crença de que o petróleo existia, em quantidade comercial, a leste da
linha de hitos, no Chaco Boreal, continuou a orientar a resistência tanto de Bolívia
quanto do Paraguai à conclusão de um acordo, não obstante as informações
prestadas pela Standard Oil e transmitidas pelo Embaixador norte-americano Spruille
Braden, sobre os resultados negativos de suas pesquisas138. Ainda em 1937, o
Paraguai conseguiu interessar o Governo francês, que encaminhou a questão à
Compagnie Française de Petrole, que, obtendo a cooperação financeira do Banque
Lazare e do Banque de Paris e des Pays-Bas, organizou uma pequena missão com
o objetivo de pesquisar não somente petróleo, mas também outras fontes de recursos
econômicos naquele país139. A Bolívia protestou, a alegar que as explorações se
realizariam dentro da região do Chaco boliviano, mais próxima à linha intermediária
do setor ocidental e, por conseguinte, dentro da área de separação, que os exércitos
assinalaram140. E, como a opção dada à companhia francesa fora por seis meses,
o Embaixador Spruille Braden desconfiou que o Paraguai estava a deixar que o
prazo decorresse, pois sua intransigência e teimosia em manter a ocupação militar
da linha ocidental decorriam não da instabilidade política interna e sim da convicção
de que grande riqueza de petróleo ali existia141 . Perigo havia de que a guerra se
A GUERRA DO CHACO 183

reacendesse. A Bolívia continuava a armar-se. O Paraguai também. No início de


1937, iniciara entendimentos para comprar na Itália cerca de 40 a 50 aeroplanos,
com financiamento do Banco Germânico, no valor total de US$ 1,5 milhão, com
taxa de juro de 7 ou 8 % por mês, a ser pago em dois anos142. Porém, na opinião do
Embaixador Spruille Braden, quem mais obstaculizou o processo de paz foi o
Chanceler Carlos Saavedra Lamas, que intentou postergar qualquer acordo territorial
até que pudesse assegurar ao máximo a influência da Argentina sobre o Paraguai
e a Bolívia143. E não teve êxito. O acordo sobre transporte, firmado em 25 de
fevereiro de 1938, entre os governos de La Paz e do Rio de Janeiro, objetivando à
construção de ferrovia, ligando Santa Cruz de la Sierra (Bolívia) a Corumbá (Brasil),
mediante a utilização de £ 1 milhão pendentes desde o Tratado de Petrópolis (1904),
influiu, provavelmente, para a concertação do Tratado de Paz de 1938144. Ele
proporcionaria à Bolívia melhor enlace com o rio Paraguai e abriria o mercado
brasileiro ao petróleo da região do rio Parapeti e adjacências, com o que a velha
aspiração de Saavedra Lamas de adquirir para a Argentina seu exclusivo controle
se frustrou145. A possibilidade de que a YPF viesse a explorar os campos
petrolíferos, ao norte de Santa Cruz de la Sierra, invadindo a área da Standard Oil,
chegou a entrar nos seus entendimentos com o Presidente da Bolívia, o Coronel
David Toro, vinculado ao acordo para a construção, pela Argentina, da ferrovia
Yacuiba-Santa Cruz de la Sierra146, concluído somente em 1941. Esta ferrovia,
com visível caráter estratégico, interessava à Argentina, porque com ela esperava
incorporar ao sistema econômico, e quiçá político, do rio da Prata a Bolívia, ou pelo
menos, o oriente boliviano, a afastá-la do sistema do Pacífico. E o Chanceler do
Paraguai, Carlos Zubizarreta, não escondeu sua desconfiança, ao ver que Saavedra
Lamas o abandonava147. Ele percebera claramente que a Bolívia lograra interessar
não só a Argentina, como também o Brasil, fazendo-lhes promessas de concessões
petrolíferas, que resultaram em acordos para a construção da ferrovia148. Com
efeito, ambas as ferrovias – a que o Brasil construiria, de Corumbá a Santa Cruz
de la Sierra, e a projetada pela Argentina, de Santa Cruz de la Sierra a Yacuiba –
passariam pelos campos de petróleo, de modo que os tratados firmados pelos dois
países com a Bolívia tacitamente reconheceram a legalidade da desapropriação
das reservas da Standard Oil, apesar das pressões contrárias dos EUA.
Naturalmente, os interesses econômicos e, sobretudo, a questão do petróleo
não constituíram o único fator a determinar o comportamento da Argentina, tanto
ao favorecer o Paraguai, durante o conflito, quanto no decurso da Conferência de
Paz. Outras considerações militares e geopolíticas, de ordem estratégica,
contribuíram também para que ela o sustentasse a qualquer custo. Independente-
mente do problema dos oleodutos, a presença da Bolívia, no Chaco, ao sul da
Bahia Negra, não convinha à Argentina, dentro de seu plano de operações, na
hipótese de uma guerra contra o Brasil, a qual ao sudoeste de Mato Grosso se
estendesse. Séria ameaça configurar-se-ia para as suas forças ter à retaguarda
184 L. A. MONIZ BANDEIRA

território de um país, como a Bolívia, em cuja solidariedade política e militar confiar


não podia149. Efetivamente, no seu Plan de Operaciones Máximo, o Estado Mayor
General do Exército Argentino previa uma guerra, na qual, com efetivos da ordem
de 260.000 homens, teria de enfrentar forças não só do Brasil (290.000 homens)
como também do Chile (170.000 homens), Uruguai (40.000 homens), Bolívia (42.000
homens) e Paraguai (18.000 homens), um total de 560.000150. O Chaco e as
províncias de Salta e Jujuy certamente seriam o teatro de operações, onde as
forças do Paraguai e da Bolívia em combinação atuariam. Não era, porém, o
Brasil e sim o Chile que se configurava como o “principal inimigo” da Argentina,
segundo a percepção do seu Estado Mayor General151 . Necessidade de expansão
territorial o Brasil não sentia, nem na Argentina regiões havia “que puderan ser
objetivo especial de su codicia”, salvo a Província de Misiones, cuja anexação, ao
permitir-lhe o domínio de uma das portas de saída do Paraguai, possibilitar-lhe-ia
aumentar consideravelmente a influência sobre este país152. Por outro lado, embora
acentuasse que uma guerra promovida pelo Brasil provavelmente não assumiria
“los caracteres de odio y de tenacidad”, o Estado Mayor General, em seu Plan de
Operaciones Máximo, manifestava receio quanto à influência de outros países,
“con intereses más arraigados y más graves”, como era o caso do Chile “y, por
sobre todos, de los EUA, que por sus incontenidas y pocas disimuladas actividades
imperialistas, no han dejado en la Argentina – por su situación, sus fuentes de
riquezas y su capacidad de progreso – la valla sudamericana más seria para la
facil consecución de sus ambiciones, y que, para anularnos con manos ajenas no
habrán de trepidar en acumular, estimular y ayudar enemigos en contra nuestra”153.
Risco realmente houve de uma guerra em que a Argentina tivesse de
enfrentar simultaneamente o Chile e o Brasil. O Chile inesperadamente manifestara
simpatia pela Bolívia, ajudando-a, e arrastou o Peru para semelhante posição, com
o que a formação do Bloco do Pacífico se afigurou154. Conforme o General brasileiro
Waldomiro Castilho de Lima, Inspetor do 1° Grupo de Regiões Militares, reportou
ao Conselho Superior de Guerra, esse “Bloco do Pacífico – Bolívia, Chile e Peru-
e os interesses ali representados por vultosos capitais norte-americanos e que
terão rendas fabulosas quando estiverem estabelecidos os transportes convenientes
para o petróleo” eram antagônicos aos do Prata e certamente ofereceriam “certas
restrições à expansão argentina após a guerra”155. Esta não constituía, ademais, a
única ameaça.
Àquele tempo, instável também se apresentava, internamente, a situação
na Argentina. Políticos vinculados ao Partido Radical, do ex-Presidente Hipólito
Yrigoyen, deposto em 1930, e alguns militares conspiravam e pediam à Bolívia que
lhes fornecesse recursos e armamentos, com a promessa de apoiá-la, se vitoriosos,
na guerra contra o Paraguai156. Diante de tais ameaças, tanto externas quanto
internas, o Presidente Agustín P. Justo tratou de visitar oficialmente o Brasil a fim
de aliviar as tensões e neutralizá-lo, evitando sua possível união com o Chile. Durante
A GUERRA DO CHACO 185

a visita ao Rio de Janeiro, onde recebeu efusivas manifestações de apreço e,


inclusive, a patente de General de Exército brasileiro, ele firmou com o Presidente
Getúlio Vargas vários convênios, bem como acordos e tratados, entre os quais o de
Comércio e Navegação e um protocolo adicional, a solucionar o impasse em torno
dos negócios de trigo e erva-mate. Do ponto de vista político, o mais significativo,
a acompanhar o apelo dos dois presidentes para que o Paraguai e a Bolívia
terminassem o conflito no Chaco, foi o Tratado Anti-Bélico de Não-Agressão e
Conciliação, que a Argentina e o Brasil celebraram e ao qual outros quatro países
– Chile (com ressalvas), México, Paraguai e Uruguai – logo aderiram157. A manobra
do Presidente Justo surtiu, assim, efeito, pois o Chile recuou, conteve seus aparentes
propósitos de intervir militarmente em favor da Bolívia e reatou as relações com o
Paraguai. No final de 1934, a questão do Chaco, a complicar-se cada vez mais,
tomou “rumo obscuro”, segundo a expressão do Presidente Vargas, que começou
a inquietar-se158. A Argentina sequer disfarçava seu apoio ao Paraguai, a provê-lo
com todos os recursos, e acumulava tropas na fronteira com a Bolívia, em cujo
território já ocupara alguns fortins e, conforme seu Ministro da Guerra, General
Manuel Rodriguez defendia, seu propósito talvez fosse anexá-la, como parte
desgarrada do Vice-Reino do Rio da Prata159. As tropas do Paraguai, por outro
lado, atingido haviam a linha Murillo-Charagua ou Vanguardia-Salinas San José,
visando a alcançar Santa Cruz de la Sierra e a cortar as ligações entre o Oriente
boliviano e os centros populosos do Altiplano, através das rodovias Cochabamba-
Santa Cruz de la Sierra (cerca de 700 km) e Cochabamba, à confluência dos rios
Chimoré-Ichillo (247 km). Se este objetivo se concretizasse, todo o polígono
compreendido pelos rios Paraguai-Pilcomayo-Mamoré-Guaporé cairia sob a
influência militar e, quiçá, política e jurídica do Governo de Assunção, o que
embaraçaria a execução do plano de comunicações previsto no Tratado de Natal,
firmado pelo Brasil com a Bolívia, em 25 de dezembro de 1928.
Este, por certo, não constituía o único problema. Outros – e mais graves –
igualmente adviriam para o Brasil. Caso chegassem a Santa Cruz de la Sierra,
além de abrir o vale do Amazonas à infiltração da Argentina, as tropas do Paraguai,
orientadas para objetivos econômicos, desceriam inevitavelmente o rio Mamoré e
apossar-se-iam, na região de Cochabamba, das grandes reservas petrolíferas, que
todos criam ali existir160. O perigo maior consistia, portanto, na perspectiva de que
o Paraguai intentasse então incorporar à sua soberania todo o Oriente boliviano,
para o que condições favoráveis existiam. Segundo o relatório do Capitão Aluizio
Pinheiro Ferreira, Inspetor do Exército brasileiro na fronteira Mamoré-Guaporé, a
população civil de Santa Cruz de la Sierra não mostrava qualquer alarme ante a
possibilidade de que os paraguaios até lá avançassem161. Pelo contrário, os cruzeños
ou bolivianos do Oriente muito mais com eles se identificavam, devido às suas
origens étnicas e culturais, do que os collas, os bolivianos do Altiplano. Muitas
vezes, contra o domínio político de La Paz já se haviam em armas levantado,
186 L. A. MONIZ BANDEIRA

pretendendo que Santa Cruz de la Sierra à Argentina se incorporasse, como uma


de suas províncias. A última dessas reuniões fora abafada pelas tropas do General
Hans Kundt, ex-Comandante-em-Chefe dos Exércitos bolivianos em operações
no Chaco162. E o Paraguai naturalmente estava a aviventar os ressentimentos e
estimular a tendência de Santa Cruz de la Sierra à secessão, a acenar aos índios
com a prometida propriedade das terras, que estes julgavam pertencer-lhes e “que
lhes foram espoliadas pelos brancos, inclusive os brasileiros na zona fronteiriça, do
Madeira à Bahia Negra”163. No relatório apresentado ao Conselho Superior de
Guerra, o General Waldomiro Castilho de Lima, Inspetor do 1° Grupo de Regiões
Militares, a observar que tal propaganda se baseava no aprismo164, “espécie de
comunismo adaptado às condições daquela região”, acentuou que a independência
de Santa Cruz de la Sierra e El Beni era “altamente prejudicial” ao Brasil, ao qual
poderia trazer conseqüências fáceis de prever, dado que suas fronteiras, distantes
e despovoadas, expostas estariam a toda sorte de saques e depredações, que
poderiam desencadear hostilidades, motivadas pela reivindicação de territórios no
Acre e de saída para o Amazonas165. Segundo ainda salientou, a independência de
Santa Cruz de la Sierra e de El Beni, a desmembrarem-se da Bolívia, seria assim,
sob o ponto de vista militar, “um perigo maior para a Amazônia”, porque o novo
Estado “seria fatalmente” ligado ao Paraguai e, portanto, ao “principal inimigo
provável” do Brasil: Argentina166 . Por isso, diante de uma perspectiva que poderia
forçar o Brasil a envolver-se no conflito para enfrentar a Argentina, o Presidente
Vargas, a pretexto de retribuir a visita do Presidente Justo, viajou a Buenos Aires,
em 1935, no momento em que o grupo de mediadores – composto pelos
representantes dos EUA, Brasil, Argentina, Chile, Peru e Uruguai – lá se reunia,
visando a encontrar solução para a guerra no Chaco. Casual não foi a coincidência.
O que Vargas pretendeu foi intervir energicamente nas negociações e, mediante
entendimento direto com Justo, compelir o Paraguai e a Bolívia a cessarem as
hostilidades, retirando-lhes qualquer respaldo. Sem dúvida alguma, a concertação
entre os dois presidentes e sua interferência nas negociações concorreram,
decisivamente, para que os dois beligerantes, já exaustos e em situação desastrosa
depois de dois anos de guerra, concordassem com a assinatura do protocolo de 12
de junho de 1935, que determinou o imediato cessar-fogo e convocou a Conferência
de Paz, instalada em Buenos Aires.
A ameaça de que o conflito armado se reacendesse no Chaco e, aí, levasse
a Argentina e o Brasil a um confronto direto diminuiu, porém não desapareceu.
Vargas continuou a empenhar-se na aquisição de armamentos e conversou,
pessoalmente, com o Presidente dos EUA, Franklin D. Roosevelt, quando este
visitou o Brasil em 1936. A Argentina, informada, então, de que o Governo norte-
americano arrendaria seis destroyers, protestou, fortemente, e tratou de evitar
que a operação se concretizasse, a fim de manter a superioridade naval sobre o
Brasil. Vargas ressentiu-se e as desconfianças quanto à futura política exterior
A GUERRA DO CHACO 187

daquele país se reanimaram, sobretudo porque, àquela mesma época, o Governo


de Buenos Aires encomendara a Grã-Bretanha a construção de varias unidades
para sua Marinha de Guerra167. Os Estados-Maiores do Exército e da Marinha, no
Brasil, demonstraram então desassossego e tomaram várias medidas de alerta e
de defesa nas fronteiras do Rio Grande do Sul e do Mato Grosso. Entretanto, na
Conferência de Paz de Buenos Aires, o Chanceler da Argentina, Carlos Saavedra
Lamas, obstaculizava de tal modo as negociações que o Embaixador brasileiro
José de Paula Rodriguez Alves, Chefe da Delegação do Brasil, ironizou, ao dizer
que ele incentivara as hostilidades para obter o Prêmio Nobel da Paz, que lhe fora
conferido. Ao que tudo indicava, segundo a opinião do Embaixador dos EUA,
Spruille Braden, Saavedra Lamas procurava aproveitar sua influência na
Conferência de Paz, por modo que o Paraguai obtivesse com a redação do Tratado
o que suas tropas não conseguiram na batalha: a zona de Bolívia onde
comprovadamente petróleo existia. Aliás, ele propusera, inclusive, um plano para o
desmembramento daquele país168 e suspeita houve de que influenciara o confisco
das propriedades da Standard Oil, em 1937, pelo Governo do Coronel David Toro
(1936-1937), o que naturalmente possibilitara a conclusão de um acordo com a
Argentina169, vinculado à exploração do petróleo boliviano, para a construção de
uma ferrovia entre Santa Cruz de la Sierra e Yacuiba, na Argentina. Este constituía
o fundo da questão. O Brasil contra-atacou, ao propor a construção de outra ferrovia,
ligando Santa Cruz de la Sierra a Corumbá, no Estado de Mato Grosso. Mas
receava que o controle pela Argentina das comunicações entre Santa Cruz de la
Sierra e Yacuiba, ao mesmo tempo em que o Paraguai se propunha a construir
também uma ferrovia na direção do ocidente, prendesse a Bolívia de tal forma que
mais cedo ou mais tarde provocasse a secessão do Oriente boliviano. E a tal o
Brasil opor-se-ia, indo até mesmo à guerra, se necessário170. Seria, para ele casus
belli; pois não permitiria o desmembramento de qualquer parte da Bolívia, cujo
estatuto territorial considerava “definitivo e não passível de quaisquer modificações”,
na parte em que estava jurídica e formalmente definido, admitido ou reconhecido171.
Em documento secreto, dirigido ao Ministro da Guerra, o General Pedro
Aurélio de Goes Monteiro, Chefe do Estado-Maior do Exército brasileiro, ressaltou,
aliás, que era de “capital importância” para o Brasil, que, “em hipótese alguma”, os
limites territoriais do Paraguai, no Chaco, ultrapassassem o rio Negro ou Otuquis
para o norte, a fim de não envolver a parte da margem direita do rio Paraguai,
pertencente ao Estado de Mato Grosso172. Não sem razão, ele julgou que os fortins
erigidos ao nordeste do rio Negro ou Otuquis poderiam constituir, em futuro próximo,
novo limite “insidiosamente preparado pelo Paraguai para reivindicações do território
por ele abrangido, como se atingido fosse no período de operações ofensivas”173.
E o Embaixador José de Paula Rodrigues Alves, Chefe da Delegação do Brasil à
Conferência de Paz, reagiu, energicamente, quando o Chefe da Delegação do
Paraguai, Gerónimo Zubizarreta, propôs a anexação ao seu território do triângulo
188 L. A. MONIZ BANDEIRA

de terra, que, situado à margem do rio Paraguai, o Brasil cedera à Bolívia, em


1904, e constituía, segundo o então Chanceler Oswaldo Aranha “a única alegação
nossa para justificar a incorporação do Acre, sempre apontada como ato de
imperialismo do Brasil”174.
Com efeito, essa proposta, se aceita e a cessão se concretizasse, invalidaria
o Tratado de Petrópolis e por esta razão Aranha percebeu que se tratava de manobra,
possivelmente insinuada por Saavedra Lamas, com o propósito de separar o Brasil
da Bolívia, onde uma tendência em favor da recuperação do Acre ressurgia e
propiciava as bases para uma aproximação da Argentina175. Saavedra Lamas, no
entanto, não resistiu às pressões contrárias à sua presença como Ministro das
Relações Exteriores da Argentina e Presidente da Conferência de Paz, realizada
em Buenos Aires. O novo Presidente da Argentina, Roberto Ortiz (1938-1940)176,
substituiu-o por José Luis Cantilo. E a Conferência de Paz, que, na opinião de
Aranha, até então não passara de uma “querela pessoal”, uma competição de
chanceleres, mais do que um esforço real para a terminação da contenda do Chaco,
alcançou, finalmente, um desfecho, com o Tratado de Paz, Amizade e Limites, que
o Paraguai e a Bolívia assinaram em 21 de julho de 1938. Contudo, nenhum dos
dois países realizou, efetivamente, seus objetivos. Nem o Paraguai conseguiu
capturar a zona do petróleo, no rio Parapeti e adjacências, nem a Bolívia pôde
expandir seu território até às margens do rio Paraguai, onde obteve apenas um
porto franco e o livre trânsito para suas mercadorias. Assim, os grandes vencedores,
na guerra entre o Paraguai e a Bolívia, foram o Brasil e a Argentina. Ao firmarem
os tratados de vinculação ferroviária, Santa Cruz de la Sierra-Corumbá e Santa
Cruz de la Sierra-Yacuiba, estes dois países receberam enormes concessões para
explorar um petróleo, que, conforme se comprovou, jamais em grande quantidade
comercial apareceu.

Junho de 1998

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ZUBIZARRETA, José. La paz del Chaco, tomo 1. Buenos Aires, 1974.

Notas

1 Mauá, 1942, pp. 171 e 177; Granzieira, 1979, pp. 117 e 118.
2 Calógeras, 1927, p. 237; Normano, 1939, p. 230.
3 Graham, 1968, p. 100; Mendoça, p. 206.
4 Sodré, 1976, p. 262; Granzieira, 1979, pp. 62, 73 a 75.
5 Donghi, 1972, pp. 168 e 274; Granzieira, 1979, pp. 58 e 60.
6 Mauá, 1942, p. 252.
7 Mauá, 1977, pp. 116 a 119.
8 Teixeira Soares, 1957, pp. 248 a 249, 297 a 298, 333 a 335; Faria, 1958, pp. 197, 225, 318 a
319; Normano, 1939, pp. 123 a 125.
9 Besouchet, 1978, pp. 107 a 114; Teixeira Soares, 1957, pp. 189 a 201; Mauá, 1942, pp. 301.
10 Id., pp. 295 e segs.
11 Mauá, 1942, p. 283; Teixeira Soares, 1957, p. 318.
12 Warren, 1978, p. 283.
13 Warren, 1985, pp. 51 a 61.
14 Ferns, 1969, p. 326.
15 Carta de E. Thornton a Thomas Baring, particular, Rio de Janeiro, 23.2.1867; Thornton a
Baring, particular, 7.9.1967. HC4.1.45, BBA-H.G. Lettson e Lord Claredon, Montevideo,
10.2.1866. PRO-FO420-20, Teixeira Soares, 1957, p. 309; Pomer, 1968, p. 237.
16 Ofício n° 6, confidencial, Francisco Otaviano de Almeida Rosa ao Conselheiro João Pedro Dias
Vieira, Buenos Aires, 25.4.1965, AHI-272-1-21. Pomer, 1979, pp. 122 a 123. “Existe remédio
radical e definitivo para a situação e este consiste em fazer com que o Paraguai e a Banda
Oriental entrem para fazer parte de uma Federação com a República Argentina, a fim de criarem
um Estado de língua castelhana que responda ao Brasil pelos seus atos e afaste por sua
responsabilidade as ocasiões de guerra”. Nota de Domingo F. Sarmiento ao Ministro das
Relações Exteriores da Argentina, New York, s/d, In Sarmiento, 1983, pp. 122 a 123.
17 Pastore, 1972, p. 178.
18 Memoria del Ministerio de Hacienda del Gobierno Provisorio al Congreso Nacional, Asunción,
24.11.1870. Apud Pastore, 1972, p. 178.
19 Caballero Aquino, 1985, p. 148.
20 Id., Ibid., p. 148 e 149.
21 Cardozo, 1965, p. 117.
22 Warren, 1985, p. 120.
A GUERRA DO CHACO 193

23 Id., Ibid., pp. 32, 36 e 37.


24 Despatch N° 4, W.Haggard to Marquess of Lansdowne, Asunción, 8.7.1904. PRO-FO59-62.
25 Id., Ibid. Warren, 1985, p. 126.
26 Despatch N° 5, Haggard to Lansdwne, Buenos Aires, 10.8.1904; Telegrama, Haggard to
Lansdowne, Buenos Aires, 12.8.1904, 1:45pm. Ibid.
27 Despatch N° 38, Cecil Gosling, British Consulate, to Foreing Office, Assunción, 30.9.1904.
Ibid.
28 Id., Ibid.
29 Despatch N° 6, Haggard to Lansdowne, Buenos Aires, 24.8.1904. Ibid.
30 Despathc N° 38, Gosling to Foreing Office, 30.9.1904. Ibid.
31 Ofício (minuta), Barão do Rio Branco, Ministro das Relações Exteriores do Brasil, ao Ministro
Plenipotenciário em Washington, Alfredo de Moraes Gomes Ferreira, Rio de Janeiro.
30.12.1904. AHI-235/2/5.
32 Despatches N°s. 25, 28 e 34, Gosling to Haggard, Asunción, 19.8.1904, 26.8.1904 e 16.9.1904.
PRO-FO5,962. Telegrama n° 30, expedido, Rio Branco a Gomes Ferreira, Rio de Janeiro,
12.11.1904; Ofícios (minutas), Rio Branco a Gomes Ferreira, Rio de Janeiro, 30.11.1904 e
14.4.1905. AHI-235/2/5.
33 Id., Ibid.
34 Ofícios, recebidos, Ferreira a Rio Branco, Washington, 12.7.1904, 23.9.1904, 30.9.1904 e
30.11.1904, AHI-234/1/3.
35 Moltmann, 1981, pp. 33 e 34.
36 Despatch N° 1, Gosling to Lansdowne, Asunción, 17.12.1904. PRO-FO59-62.
37 Id., Ibid.
38 Id., Ibid.
39 Warren, 1985, p. 133.
40 Id., Ibid., p. 120.
41 Caballero Aquino, 1985, p. 214.
42 Id., Ibid.
43 Relatório Reservado sobre a Política Externa do Brasil e dos países da América do Sul, organizado
por ordem do Ministro de Estado das Relações Exteriores pelo 1° Oficial da Secretaria de
Estado, Ronald de Carvalho, do Gabinete do Ministro, Rio de Janeiro, 1927 – AHI.
44 Id., Ibid.
45 Id., Ibid.
46 Id., Ibid.
47 Carta de Orlando Leite Ribeiro, 1° Secretário da Legação brasileira, ao General Pedro Aurélio de
Goes Monteiro, Chefe do Estado-Maior do Exército, confidencial, Buenos Aires, 16.1.1934 –
AP51(7) – AN – APPAGM. Carlos Casado morreu em 1899 e seu filho, José Casado Sastre,
ampliou ainda mais a companhia. Estabelecida já a sede em Puerto Casado, ele construiu Puerto
Sastre e 250 km de ferrovia, em bitola estreita, adentrando o Paraguai. Vide Warren, 1985, pp.
210 e 211.
48 Carta de Orlando Leite Ribeiro ao General Goes Monteiro, confidencial, Buenos Aires, 16.1.1934
– AP51(7) – AN – APPAGM.
49 “Situação atual do Brasil como potência militar sul-americana” – Relatório apresentado ao
Conselho Superior de Guerra pelo General de Divisão Waldomiro Castilho de Lima, reservado,
Inspetoria do 1° Grupo de Regiões Militares, s/d (provavelmente 1934) – AP51(5) – AN –
APPAGM.
50 “Situação do Brasil em face da Guerra do Chaco”, Ofício n° 107, secreto, 2ª Seção da Secretaria
do Estado-Maior do Exército ao Ministro da Guerra, Rio de Janeiro, 27.11.1934. AP51(7) –
AN – APPAGM.
194 L. A. MONIZ BANDEIRA

51 Ministério das Relações Exteriores – Protocolo entre o Brasil e a Bolívia firmados a 3 de


setembro de 1925, edição reservada, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1926, pp. 18 e 24.
52 Guilherme, 1959, pp. 42, 43, 328 e 329.
53 Vide artigo de Aniceto Solares publicado em El País, Sucre, 1926, apud. Osório, 1973, pp. 102
e 102.
54 Salum-Flech, 1972, p. 127.
55 Klein, 1968, p. 157; Antezana Villagran, 1981, pp. 16 a 18, 23 a 27.
56 Daniel Salamanca – Documentos para una historia de la Guerra del Chaco, apud. Querejazu
Calvo, 1981, p. 37.
57 Nota, Luis F. Guachalla, Ministro da Bolívia em Assunção, a Gerónimo Zubizarreta, Ministro
das Relações Exteriores do Paraguai, Asunción, 21.6.1931; Ofício n° 853, Zubizarreta a
Guachalla, Asunción, 23.6.1931; Nota, Guachalla a Zubizarreta, Asunción, 29.6.1931; Ofício,
Zubizarreta a Guachalla, 1.7.1931; Nota, Guachalla a Zubizarreta, 2.7.1931. In. Zubizarreta,
1974, pp. 216 a 219. Benitez, 1972, p. 371.
58 O cabo Libório talvez foi o único morto na refrega. Os soldados conseguiram escapar, protegidos
pela semi-escuridão.
59 Lindolfo Collor – “La Facies Económica del Chaco”, La Prensa, 12.3.1933.
60 Id., Ibid.
61 Nota, Juan de la C. Benavente ao Ministro dos Negócios Estranjeiros da Confederação Argentina,
Buenos Aires, 22.8.1852. In Loza, 1936, pp. 12 a 22.
62 Nota, José Raimundo Taborga, Ministro de Relações Exteriores de Bolívia, ao Ministro dos
Negócios Estranjeiros da Argentina, Laja, 6.7.1866. In Loza, 1936, pp. 28 e 29.
63 Carta, José Berges Aniceto Arze, Asunción, 31.1.1865. Copiador de Cartas Oficiais, AVRB-
SM-BN – 1-22-12-2. Lobo, Eulália Maria Lahmeyer – “A importância Estratégica e Econômica
da Província de Santa Cruz de la Sierra durante a Guerra da Tríplice Aliança” – Boletim de
História, n° 6, Centro de Estudos de História, Rio de Janeiro, p. 16.
64 Carta, Mariano Melgarejo a Francisco Solano López, Sucre, 3.8.1866. Apud Teixeira Soares,
1975, pp. 214 a 215. Vide também Quell, 1973, p. 233.
65 Cunha, 1975, pp. 128 a 135. Teixeira Soares, 1975, p. 224.
66 Vide Moniz Bandeira, 1985, pp. 255 e 256.
67 Benitez, 1972, p. 311.
68 Amayo, 1988, pp. 167 a 169.
69 Apud Querejazu Calvo, 1981, p. 1.
70 O Tratado de 1887 foi firmado pelo Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário da
Bolívia, Isaac Tamayo, com Benjamin Aceval, Ministro das Relações Exteriores do Paraguai. O
de 1894 coube ao enviado extraordinário e Ministro Plenipotenciário da Bolívia, Telmo Ichazo,
negociar e firmar com o então Ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Gregório Benitez.
71 Vide – Salum Flecha, 1972, pp. 70 a 72, 84 a 90. Benitez, 1972, pp. 314, 315, 319, 320,
333 e 334.
72 Osorio, 1973, p. 5. Barrero U., 1979, p. 323.
73 “El Chaco Boreal Paraguayo – Su Incorporación a la Argentina”, s/d e s/a. AVP-AGN-A Legajo
7.4.5.10.
74 Id., Ibid.
75 Sobre a questão de limites entre a Argentina, Bolívia e Paraguai na região do Chaco vide
Quesada, 1918, pp. 863 e 873.
76 Palmeiro, 1984, p. 74.
77 Circular n° 907, confidencial, Ministério das Relações Exteriores às Missões Diplomáticas
Brasileiras, a) M.de A. (iniciais do Embaixador José Joaquim de Lima Silva Moniz de Aragão,
Secretário Geral), Rio de Janeiro, 22.8.1934. AHI – Guerra do Chaco – 9(31).(43)5.
A GUERRA DO CHACO 195

78 Collor, Lindolfo – “La Facies Económica del Chaco”, La Prensa, 12.3.1933.


79 Id., Ibid. Warren, 1985, pp. 210 e 211. Seiferheld, 1983, p. 123. Palmeiro, 1984, p. 74.
80 Circular n° 907, confidencial, MRE às Missões Diplomáticas Brasileiras, a) M. de A. (Moniz
de Aragão), Rio de Janeiro, 28.8.1934. AHI – Guerra do Chaco – 9(31).(43)5.
81 Querejazu Calvo, 1981, p. 185. Palmeiro, 1984, p. 74. “Próximo al estallido del conflicto con
Bolívia, el predicamento y las influencias de la firma Carlos Casado Ltda. eran muy grandes en
el Paraguai. Se trataba de la vinculación comercial de intereses más importantes entre Asunción
y Buenos Aires. Desde Puerto Casado, donde se hallaban en forma intermitente los hijos del
por entonces desaparecido pionero, hasta Buenos Aires, donde colaboraban abogados, yernos
y otros parientes surgidos del tronco principal, se extendia un hilo de unión que tendria decisiva
importancia durante el conflicto. La participación en la empresa de otros argentinos ligados a
los centros del poder de la época añadia, por demás, un nuevo elemento que motivaria la
simpatia y la asistencia argentinas hacia el Paraguay”.
82 Id., Ibid.
83 Osório, 1973, pp. 104 e 105. “O Chaco, e nele, particularmente, a zona marginal do rio
Paraguai, acha-se muito afastado dos centros de população bolivianos, nada ou quase nada
podendo a Bolívia invocar em seu benefício, a contentar-se com a posse exclusiva como base de
suas reivindicações. Hoje mesmo, dispondo de recursos apreciáveis, a República do Altiplano,
em toda a região, não consegue estabelecer mais do que fortins, os quais nem sempre passam de
meros acampamentos”. Circular n° 907, confidencial, MRE às Missões Diplomáticas Brasileiras,
a) M.de A. (Moniz de Aragão), Rio de Janeiro, 22.8.1934, AHI – Guerra do Chaco – 9(31).(43)5.
84 Klein, 1969, pp. 77. Seiferheld. 1983, pp. 456 a 458.
85 Id., Ibid., pp. 457 e 458.
86 Id., Ibid., p. 472.
87 Id., Ibid., pp. 472 e 473. Frondizi, 1955, p. 239.
88 Circular n° 907, confidencial, MRE às Missões Diplomáticas Brasileiras, a) M. de A. (Moniz
de Aragão), Rio de Janeiro, 22.8.1934. AHI – Guerra do Chaco – 9(31).(43)5.
89 Despatch N° 208, strictly confidential, Delegation of the USA – Peace Conference, Apruille
Braden to the Secretary of State, Buenos Aires, 2.7.1936. Eclosure N° 1 – Memorandum of
conversation with Mr. Robert Wells, head of Standard Oil of New Yersey interests in Argentina
and Bolivia. NA-724. 34119/521 – L/D.
90 Id., Ibid.
91 Id., Ibid.
92 Circular n° 907, confidencial, MRE às Missões Diplomáticas Brasileiras, a) M. de A. (Moniz
de Aragão), Rio de Janeiro, 22.8.1934. AHI – Guerra do Chaco – 9(31).(43)5.
93 Id., Ibid.
94 Carta, confidencial, Orlando Leite Ribeiro ao General Goes Monteiro, Chefe do Estado-Maior
do Exército, Buenos Aires, 16.1.1934. AP51 (7) – AN – APPAGM).
95 Id., Ibid.
96 “Situação do Brasil como Potência Militar Sul-Americana” – Estudos Apresentados ao Conselho
Superior de Guerra pelo General Waldomiro Castilho de Lima, Chefe da Inspetoria do 1°
Grupo de Regiões Militares, Reservado, s/d, provavelmente 1934. AP51(5) – AN – APPAGM.
97 Solberg, 1979, pp. 13-14.
98 Id., Ibid., pp. 37 e 38.
99 Larra, 1957, pp. 67 e 68.
100 Id., 1957, pp. 52 e 91.
101 Solberg, 1979, pp. 48 e 49.
102 Seiferheld, 1983, p. 472. Solberg, 1979, p. 7.
103 Apud Larra, 1957, pp. 67 e 68.
196 L. A. MONIZ BANDEIRA

104 Solberg, 1979, p. 56 e 123. Em 1930, seu contributo representou 57,9 % do total da produção
nacional e, embora caísse para 37,5 % em 1934, ele continuou acima dos 40 %, nos anos
subseqüentes, até superar os 60 %, a partir de 1940, enquanto a participação das companhias
estrangeiras, da ordem de 42,1 % em 1930 subiu para 62,5 % em 1934, quando começou a
declinar até cair para menos de 40 % a partir de 1940. Frondizi, 1955, p. 368.
105 Id., Ibid., p. 54.
106 Id., Ibid., p. 54.
107 Id., Ibid., p. 55. Yergin, 1993, pp. 232 e 233.
108 Solberg, 1979, p. 211. Larra, 1957, pp. 124 a 133. Rouquié, 1981, p. 214.
109 Id., Ibid., p. 214.
110 Solberg, 1979, p. 154.
111 Id., Ibid., pp. 154 e 211. Rouquié, 1981, pp. 214 e 215. Frondizi, 1955, pp. 270 a 271.
112 Frondizi, 1955, pp. 389 a 391. Klein, 1969, p. 153.
113 Annual Report – 1931 – Doc. A3353/3353/33, confidential, Tottenham-Smith to John Simon
Asunción, 30.4.1932. Paraguay – Chaco – 1933 – PRO-FO371-15852.
114 Annual Report – 1932 – 16269 Confidential, Tottenham-Smith to John Simon, Asunción,
29.3.1933 – Paraguai – Chaco, 1933 – A6093/1143/33. PRO-FO371 – 16586.
115 Ibid.
116 Vide íntegra do discurso em Seiferheld, 1983, pp. 498 a 501. Frondizi, 1955, p. 390.
117 Despatch N° 464 – strictly confidential, Delegation os USA – Peace Conference, Spruille
Braden to the Secretary of State, Buenos Aires, 22.7.1937. NA – File 724.34119.9.
118 Ibid. Sobre o tema vide Seiferheld, 1983, pp. 462 a 472. Klein, 1967, p. 229. Klein, 1969, p.
153. Warren, 1949, p. 294.
119 Seiferheld, 1983, p. 486.
120 Id., Ibid., pp. 464 e 465.
121 Id., Ibid., pp. 466 a 470. Warren, 1949, p. 294. Klein, 1969, pp. 217 e 218.
122 Spruille Braden fora quem, juntamente com seu pai, transferira algumas das concessões de
petróleo que ela explorava.
123 Despatch N° 464, strictly confidential – Delegation of USA – Peace Conference, Spruille
Braden to the Secretary of State, Buenos Aires, 22.7.1937. NA – File 724.34119/9. – “A seu
debido tiempo, el Presidente del Directorio de Standard Oil de New Jersey me invitó a almorzar
con él y sus directores (...) Después de alguna conversación general mi anfitrión, con considerable
profanidad se soltó contra los ‘desonestos bolivianos que habian robado sus propiedades’ (de
la Standard Oil). Le respondí qie estaba totalmente equivocado y que era la propia Standard Oil
quien habia estado en falta en todo el negócio. En una forma más bién beligerante me pidió que
le explicara. Le proporcioné todos los hechos y quando terminé de hacerlo, él se volvió al
abogado de la Standard Oil, que estaba presente e le dijo: ‘Es esto verdad?’ La confirmación del
abogado de mi historia resultó en mayor profanidad, esta vez dirigida a su propia plana mayor”.
Braden, 1971, pp. 26 e 27.
124 “... Ao citar Saavedra Lamas, é evidente que Spruille Braden reconhece nele o que vale dizer na
Argentina -um inimigo da Standard Oil. Isso significa que Saavedra Lamas é um agente do
inimigo real: a Royal Dutch Shell, que se aliou à Argentina no apoio oferecido ao Paraguai”.
Chiavenato, 1979, p. 115. Sobre o tema vide Seiferheld, 1983, pp. 458 a 462. Klein, 1969, pp.
153 e 194.
125 Despatch N° 23, R. Noswosthy to Sir John Simon, La Paz, 9.2.1933; carta de Vickey Armstrong
ao Foreign Office, London, 14.2.1933. PRO-FO371-16545.
126 Despatch N° 1362, Atherton, US Embassy, to the Secretary of State, London, 12.4.1935;
Despatches N° 223 3 224, US Legation in Asunción, 10.5.1935, Chronological Records –
Chaco Dispute – April 1st., 1935 to August 1st, 1935, p. 17. NA – File 724.34119/103 1/2.
A GUERRA DO CHACO 197

127 Letters from Midlank Bank to Foreing Office, 1.10.1932 e 19.12.1932, PRO-FO371-1580.
Despatch N° 105, R. H. Tollenham-Smith, Britsh Legation in Asunción, to H. G. Chilton,
Britsh Embassy in Buenos Aires, Asunción, 22.11.1933. PRO-FO527 – 24.
128 Zook, 1962, p. 23.
129 Id., Ibid.
130 Estigarríbia, 1950, p. 195.
131 Palmeiro, 1973, p. 76.
132 Memorandum, Eusébio Ayala a Vicente Rivali, Embaixador em Buenos Aires, Asunción,
12.9.1934; apud Pastore, 1972, p. 395. Querejazu Calvo, 1981, p. 439. “En el Paraguay ya no
cabian dudas acerca de la actitud de la Standard Oil, más aún con la presunción – que los hechos
posteriores demostraron errada – de que el Chaco albergaba un reservatorio fabuloso en riqueza
petrolera”. Seiferheld, 1983, p. 508. “La Standard Oil sabia entre tanto lo que los bolivianos
iban a descubrir solo 30 años después: que los yacimientos disputados eran escasamente
importantes. En consecuencia, no mostró mayor entusiasmo com los aprestos bolivianos”.
René Zavaleta Mercado – “Bolívia: Crescimiento de la Idea Nacional”, Cuadernos de la Revista
Casa de las Américas, La Habana, Cuba, 1967, apud Gonzáles Quintanilla, 1977, p. 30.
133 Memorandum, Ayala a Vicente Rivarola, Asunción, 12.9.1934, apud Querejazu Calvo, 1981,
p. 439. Vide também Seiferheld, 1983, p. 509.
134 Solberg, 1979, p. 174. Seiferheld, 1983, p. 479.
135 Solberg, 1979, pp. 159 e 161.
136 Annual Report 1932 – 14249 confidential, Tottenham-Smith to John Simon, Asunción,
29.3.1933. PRO-FO16586 – Paraguay Chaco 1933 A6093/1143/33/.
137 Barrero U., 1979, p. 285.
138 Despatch N° 208, strictly confidential, Spruille Braden to the Secretary of State – Delegation
of USA – Peace Conference – Buenos Aires, 2.7.1936. NA 724.34119/521 LD. Braden, 1971,
p. 31.
139 Despatch N° 594, strictly confidential, Braden to the Secretary of State – Delegation od USA
– Peace Conference, Buenos Aires, 28.12.1937. NA-274. 34119/1158 LH.
140 Nota de Protesto de la Delegación Boliviana – Enclosure N° 1 to Despatch N° 607, Braden to
the Secretary of State, Delegation of USA – Peace Conference, Buenos Aires, 10.1.1938. NA-
724.34119/1173 LH.
141 Despatch N° 594, strictly confidential, Braden to the Secretary of State – Delegation of USA
– Peace Conference, Buenos Aires, 28.12.1937. NA-724.34119/1158 LH.
142 Despatch N° 458, strictly confidential, Leslie E. Reed, 1st Secretary, to the Secretary of State,
Legation of USA in Montevideo, 21.1.1937. NA-724-34119/757 LH.
143 Braden, 1971, p. 91.
144 Só em 23 de julho de 1964, com a assinatura, em La Paz, do Protocolo Adicional ao Tratado de
1938 sobre a Ligação Ferroviária, o Brasil finalmente entregou a administração da Bolívia o
trecho da ferrovia Corumbá – Santa Cruz de la Sierra, situado no território boliviano, e recebeu
quitação do compromisso, que assumira com o Tratado de Petrópolis e o Tratado de 25 de
dezembro de 1928 modificara. Ao negociar a entrega da ferrovia, os representantes brasileiros
consideraram a importância geopolítica da região por ela servida. Relatório do Ministério das
Relações Exteriores, apresentado ao Presidente da República, Marechal Humberto de Alencar
Castelo Branco, pelo Ministro das Relações Exteriores, Vasco Leitão da Cunha – 1964 – Seção
de Publicações da Divisão de Documentação do MRE, pp. 24 e 25.
145 Zook, 1962, p. 382.
146 Despatch N° 464, strictly confidential, Braden to the Secretary of State, Buenos Aires,
22.7.1937. NA-File 724.34119/9.
198 L. A. MONIZ BANDEIRA

147 Memorandum, Carlos Zubizarreta, Paraguayan Delegate. Enclosure to the Despatch of Oct.
7th., 1937, Buenos Aires. NA-724.34119/1081 LH.
148 Id., Ibid.
149 Circular N° 908, confidencial, MRE às Missões Diplomáticas Brasileiras, a) M. de A. (Moniz
de Aragão), Secretário Geral, Rio de Janeiro, 22.8.1934. AHI – Guerra do Chaco – 9(31).(43)5.
150 Ministério de Guerra – Estado Mayor General del Ejército – Bases para el “Plan de Operaciones
Máximo” – 1933-1934, secreto, Anexo a la Orden Secreta N° 66 – Ejemplar 1: Jefe. Plan de
Operaciones Máximo – Variante A – Frontera Noreste – Zonas de Concentración – 1933-1934.
a) General de Brigada Ramón Molina, Jefe del Estado Mayor del Ejército. Aprobado: General
de División Tomás Martinez, Inspector General del Ejército. AN-AP51(9)-APPAGM.
151 Id., Ibid.
152 Id., Ibid.
153 Id., Ibid.
154 Ofício N° 107, índice: “Situação do Brasil em face da Guerra do Chaco”, secreto, Cel. Francisco
Gil Castelo Branco, Chefe da 2ª Seção do Estado-Maior do Exército, ao General Olímpio da
Silveira, Chefe do Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro. 27.11.1934. AN-AP51(7)-
APPAGM.
155 “Situação Atual do Brasil como Potência Militar Sul-Americana”. Estudos apresentados ao
Conselho Superior de Guerra pelo General de Divisão Waldomiro Castilho de Lima, Inspetoria
do 1° Grupo de Regiões Militares, Reservado, s/d (provavelmente 1934-1935), AN-AP51(5)
– HPPAGM.
156 Ofício N° 237, Lafaiete de Carvalho e Silva ao Chanceler Afrânio de Melo Franco, Buenos
Aires, 2.7.1933; Ofício N°.304, reservado, Embaixada do Brasil no Uruguai (s/a) ao Chanceler
Melo Franco, Montevideo, 3.10.1933. AHI- Lata 164, maços 2717 a 2722.
157 Atos Internacionais firmados por ocasião da visita ao Brasil do Excelentíssimo Senhor General
Agustín P. Justo, Presidente da Nação Argentina, Rio de Janeiro, Tipografia do Jornal do
Comércio, Rodrigues & Cía., 1933.
158 Carta de Getúlio Vargas a Oswaldo Aranha, Rio de Janeiro, 24.12.1934 – CPDOC – GV
34.12.24/1.
159 Id., Ibid.
160 Relatório – Inspetoria dos CC/EE da fronteira Mamoré-Guaporé, a) Capitão Aluízio Pinheiro
Ferreira, Inspetor – Comandante da 8ª Região Militar, 26 de janeiro de 1935. Índice: “Presta
informações sobre as prováveis conseqüências da Guerra do Chaco nas relações brasileiro-
bolivianas pela bacia amazônica”. AN-AP51(7) – APPAGM.
161 Id., Ibid.
162 Id., Ibid.
163 Id., Ibid.
164 Referência à Aliança Popular Revolucionária Americana -APRA, movimento de esquerda
liderado no Peru por Victor Haya de la Torre.
165 “Situação Atual do Brasil como Potência Militar Sul-Americana” – Estudos apresentados ao
Conselho Superior de Guerra pelo General de Divisão Waldomiro Castilho de Lima, Inspetor
do 1° Grupo de Regiões Militares, Reservado, s/d (provavelmente 1934-1935). AN-
AP51(5)APPAGM.
166 Id., Ibid.
167 Despatch N° 372, Subject: Rumor regarding supposed intention of Argentina to attack Brazil.
R. M. Scotten, Counselor of Embassy, to the Secretary of State. Rio de Janeiro, 3.4.1938. NA-
732.35/59 L/JPS.
A GUERRA DO CHACO 199

168 I- Estados Unidos y la Paz del Chaco – II- EE.UU y la Carta de Belmonte (Memórias del Jefe
de la Delegação Americana Spruille Braden. Capítulos XIX, XX y XXV. Tradução, Introdução
y Comentários de Victor Andrade V., Cuadernos de Hoy, n° 6, La Paz, 1982, p. 43.
169 Braden, Spruille – “Diplomáticos y Demagogos” – Memorias sobre la Conferencia de Paz del
Chaco (Versión castellana de los principales capítulos), New York, 1971, p. 21. “El Gobierno
norte-americano tenia razones para creer que la Argentina habia jugado un papel importante en
la expropiación de los bienes de la Standard Oil llevado a cabo por el Gobierno boliviano el 13
de marzo de 1937... Después de la guerra, se celebraron negociaciones en Buenos Aires para
una concesión petrolífera. Como contrapartida, la Argentina protegeria a Bolívia del Paraguay.
La expropiación a la Standard Oil tuvo lugar no mucho después y luego breve lapso se firmó um
acuerdo entre la Argentina y Bolívia que preveia la participación argentina en el desarrollo de
los yacimientos bolivianos, como asi mismo la exportación de petróleo boliviano a la Argentina.
(Cordell) Hull y Summer Welles estaban enfurecidos, particularmente no mucho antes el canciller
boliviano Enrique Finot habia dicho al ministro norte-americano R. Heenry Norwel que ‘Bolívia
debe hacerle el juego al imperialismo argentino para obter un arreglo aceptable en el Chaco’”.
Escudé, 1992, pp. 246 e 247.
170 Despatch N° 464, strictly confidential, Delegation of USA – Peace Conference, Spruille Braden
to the Secretary of State, Buenos Aires, 22.7.1937. NA – File 724. 34119/9.
171 Nota n° 11, Embaixador Mario de Pimentel Brandão, Secretário Geral, a Alberto Ostria Gutierrez,
Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário da Bolívia, Rio de Janeiro, 25.2.1938. AHI
– Guerra do Chaco – Conferência de Paz.
172 Ofício n° 49, secreto 2ª Seção, General de Divisão Pedro Aurélio de Goes Monteiro, Chefe do
Estado-Maior do Exército, ao Ministro da Guerra, Rio de Janeiro, 4.6.1938. AHI – Guerra do
Chaco – Conferência de Paz.
173 Id., Ibid.
174 Carta de Oswaldo Aranha a Getúlio Vargas, abril de 1938, CPDOC – FGV – 04 380405/2.
175 Id., Ibid.
176 O Presidente Ortiz, em 1940, licenciou-se, por motivo de doença, sendo substituido à frente do
Governo pelo Vice-Presidente, Ramón S. Castilho. Em 1942, impossibilitado de reassumir,
renunciou e, em 1943, os militares derrubaram o Presidente com um golpe-de-Estado.

Resumo

Este artigo analisa as circunstâncias que envolveram a Guerra do Chaco,


entre Paraguai e Bolívia, na primeira metade do presente século. Faz-se um estudo
da evolução da situação política e econômica na região desde a Guerra da Tríplice
Aliança, ressaltando também os interesses dos países vizinhos na disputa dos dois
países beligerantes pela região do Chaco. Paraguai e Bolívia enfrentaram-se em
torno da posse da região por motivos econômicos, sobretudo no caso do Paraguai,
e por motivos estratégicos, precipuamente no caso da Bolívia que teria, com a
tomada do Chaco, acesso à bacia platina e, assim, maior facilidade de escoamento
para a sua produção petrolífera. A deflagração do conflito envolveu mais
diretamente os interesses da Argentina e do Brasil, que tiveram importante papel
no desenrolar e na conclusão da Guerra do Chaco.
200 L. A. MONIZ BANDEIRA

Abstract

This article analyses the circumstances that surrounded the Chaco War,
between Paraguay and Bolivia, in the first half of the current century. It studies the
evolution of the political and economic situation in the region since the War of the
Triple Alliance, stressing also the interests of the neighbouring countries in the
dispute of the belligerent countries over the Chaco. Paraguay and Bolivia fought
each other in order to control the region guided by economic reasons, mainly for
Paraguay, and strategic ones, mostly for Bolivia, which, by possessing the Chaco,
would have access to the Plata Basin and easier drainage to its oil production. The
deflagration of the conflict involved more directly the interests of Argentina and
Brazil, two countries that played an important role in the development and in the
conclusion of the Chaco War.

Palavras-chave: Guerra do Chaco. Paraguai. Bolívia.


Key-words: Chaco War. Paraguay. Bolivia.
RESENHAS 201

Resenhas
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional
dos Direitos Humanos (Volume I). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1997, 486 p.

O Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos vem se juntar


aos mais de 20 livros publicados pelo Professor e Juiz da Corte Interamericana de
Direitos Humanos Antônio Augusto Cançado Trindade. A nova obra de Cançado
Trindade é um trabalho de fôlego que brinda o leitor com análises seguras e claras,
capazes de desfazer equívocos e orientar tanto os iniciados quanto aqueles que
travam os primeiros contatos com o tema. Resultado de mais de vinte anos de
pesquisas e reflexões, o Tratado representa a concretização de um projeto que
tem todas as condições de tornar-se um clássico da área dos direitos humanos.
Trata-se de obra que confirma a maturidade intelectual do autor, cuja copiosa
produção acadêmica, ademais de revelar vocação para a análise crítica, reflete
compromisso pessoal com a luta pela realização plena dos direitos humanos.
Ao longo do livro, o autor disserta, entre outros, sobre os seguintes assuntos:
a formação e consolidação do direito internacional dos direitos humanos; as
Conferências Mundiais sobre Direitos Humanos (Teerã, em 1968, e Viena, em
1993); a convergência entre os direitos humanos, o direito humanitário e o direito
dos refugiados; a proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais; a interação
entre o direito internacional e o direito interno na proteção dos direitos humanos.
Não obstante a diversidade de assuntos cobertos pelo livro, uma tese essencial
parece servir de fio condutor às análises empreendidas nos diferentes capítulos: a
da autonomia e especificidade do direito internacional dos direitos humanos.
Cançado Trindade defende que o direito internacional dos direitos humanos é um
“direito de proteção”, marcado por uma lógica própria, pois busca salvaguardar os
direitos dos seres humanos e não dos Estados. Nas palavras do autor, esse ramo
do direito não procura “(...) obter um equilíbrio abstrato entre as partes, mas remediar
os efeitos do desequilíbrio e das disparidades na medida em que afetam os direitos
humanos. Não se nutre das barganhas da reciprocidade, mas se inspira nas
considerações de ordre public em defesa de interesses comuns superiores, da
realização da justiça” (pág. 26). É, nesse sentido, um instrumento para a proteção
dos mais fracos em toda e qualquer circunstância, tanto no plano interno quanto no
plano internacional.
Sempre apoiado em fartas referências jurisprudenciais e na melhor doutrina,
Cançado Trindade demonstra que a especificidade do direito internacional dos
direitos humanos qua direito de proteção leva à superação da velha e anacrônica
202 RESENHAS

polêmica entre dualistas e monistas, uma vez que a primazia, no caso da co-existência
de normas de tratados internacionais e normas internas, será a da norma mais
favorável à vítima. Isso não significa, porém, que os Estados podem descuidar de
suas normas internas, mas, simplesmente, que não há como admitir as obrigações
convencionais contraídas por um Estado no plano internacional e ao mesmo tempo
negar-lhes vigência no plano do direito interno. Como os tratados de direitos humanos
consagram valores comuns superiores, não pode o Estado erigir-se em árbitro do
alcance final de suas obrigações, isto é, não cabe a hipótese de um tratado de
direitos humanos ser revogado por uma lei doméstica.
A implementação dos tratados de direitos humanos, como ressalta o autor
no capítulo dedicado à interação entre o direito internacional e o direito interno,
requer o concurso de todos os órgãos do Estado. As obrigações convencionais de
proteção vinculam os Estados partes e não somente seus Governos. Ou seja, “o
descumprimento das normas convencionais engaja de imediato a responsabilidade
internacional do Estado, por ato ou omissão, seja do Poder Executivo, seja do
Legislativo, seja do Judiciário” (pág. 442). Assim, não é apenas o Executivo que
está obrigado a tomar as medidas para o cumprimento dos tratados de direitos
humanos. O Legislativo tem papel central tanto na regulamentação de tais tratados
– de modo a dar-lhes eficácia no direito interno – como na harmonização das
normas domésticas com o disposto nos instrumentos internacionais. Ao Judiciário,
por seu turno, incumbe aplicar efetivamente as normas dos tratados de direitos
humanos no plano interno e assegurar que sejam respeitadas.
Ao defender a especificidade do direito internacional dos direitos humanos
e a noção de garantia coletiva, subjacente a todos tratados de direitos humanos,
Cançado Trindade delimita um campo de batalha contra as concepções que tendem
a minimizar a dimensão internacional da proteção. O direito internacional dos direitos
humanos se insurge, portanto, contra a visão estática tradicional, reconhecendo
que o ser humano é sujeito tanto de direito interno quanto do direito internacional,
dotado em ambos de personalidade e capacidade jurídicas próprias. Demonstração
dessa tendência reside na consolidação da possibilidade de recurso direto de
indivíduos aos mecanismos internacionais de supervisão das obrigações na área
dos direitos humanos. Apesar de não substituírem os tribunais internos e tampouco
operarem como uma espécie de quarta instância em relação às decisões dos últimos,
os tribunais internacionais – tendo em vista o objetivo maior na proteção integral
dos indivíduos – podem examinar a conformidade de atos internos com as obrigações
internacionais em matéria de direitos humanos.
Uma das muitas qualidades do livro é o cuidado tomado pelo autor de
construir em bases sólidas a argumentação, partindo dos fundamentos e chegando
às afirmações mais abstratas. Assim, a questão da especificidade do direitos
internacional dos direitos humanos não nos é imposta como um fait accompli ou
como se não carecesse de explicação e demonstração. Desde os primeiros
RESENHAS 203

capítulos, que tratam das fases legislativa e de implementação dos direitos humanos,
o texto conduz o leitor a confrontar fatos históricos, argumentos jurídicos
concorrentes, e posições adotadas por países em foros multilaterais, logrando, desse
modo, reconstruir a complexidade da luta pela afirmação e consolidação dos direitos
humanos nos planos internacional e nacional. Nesse sentido, os capítulos referentes
à preparação, realização e resultados da Conferência Mundial de Viena sobre
Direitos Humanos (junho de 1993) são exemplo do trabalho meticuloso de
reconstrução histórica e análise que só poderia ser realizado por quem, além de ter
participado ativamente do processo descrito, procurou interpretar os fatos vividos
de modo a dotar-lhes de sentido e inteligibilidade.
Do mesmo modo, os demais capítulos se complementam e parecem
convergir para o objetivo de demonstrar a necessidade de abandonar posições
ultrapassadas que, infelizmente, continuam a impedir um tratamento integral para
a questão dos direitos humanos. A título de exemplos – visto que seria impossível
apreender aqui todas dimensões dessa obra monumental – valeria uma rápida
menção aos capítulos VIII (“As três vertentes da Proteção Internacional da Pessoa
Humana”) e IX (“A Proteção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais”). Quanto às três vertentes de proteção da pessoa humana – os direitos
humanos, o direito humanitário e o direito dos refugiados –, Cançado Trindade
demonstra a virtual superação da antiga visão compartimentalizada que marcou o
tratamento do tema. Segundo o autor, “a nova dimensão do direito de proteção do
ser humano, dotado reconhecidamente de especificidade própria, vem-se erigindo
no plano jurisprudencial sobre o binômio das obrigações de ‘respeitar’ e ‘fazer
respeitar’, em todas circunstâncias, os tratados do Direito Internacional Humanitário
e do Direito Internacional dos Direitos Humanos” (pág. 347). Ou seja, o que se
defende, e que inclusive foi consagrado na Conferência Mundial de Viena, é uma
visão sistêmica e integrada da proteção internacional da pessoa humana, que implica
o reforço mútuo das três vertentes mencionadas. Os três ramos, portanto, são
como três pilares de um mesmo edifício, fornecendo instrumental para lidar com
situações complexas em que a única forma de oferecer proteção efetiva às vítimas
reais e/ou potenciais consiste na aplicação articulada de normas que emanam das
diferentes vertentes.
O capítulo relativo à proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais
dissipa crenças e falácias que, se corretas, fariam de tais direitos simples letra
morta nos tratados de direitos humanos. Com efeito, esses direitos têm sido
interpretados como de “natureza programática”, cuja realização ficaria localizada
em um futuro tão distante quanto incerto. Cançado Trindade se rebela contra a
separação sob muitos aspectos artificial e ideológica entre direitos civis e políticos,
de um lado, e direitos econômicos, sociais e culturais, de outro. Como observa o
autor, “à integridade do ser humano corresponde em definitivo a integralidade de
seus direitos” (pág. 391). Em conseqüência, o autor considera um grande avanço
204 RESENHAS

que se tenha dado início à consideração da formação de um núcleo fundamental e


de exigibilidade imediata de direitos econômicos, sociais e culturais, em exercício
semelhante ao que, no passado, levou à consagração de um núcleo fundamental e
inderrogável de direitos civis e políticos. Resta claro que a proteção integral da
pessoa humana não pode ficar restrita a um compromisso que se dilui em uma
perspectiva de longo prazo, mas, ao contrário, exige ação concreta e imediata dos
Estados, os quais deverão ter presente que a especificidade do direito internacional
dos direitos humanos, na sua condição de garantia da proteção integral da pessoa
humana, não admite evasivas diante de situações objetivas que ferem a dignidade
humana.
Percorrendo os vários capítulos do livro, o leitor irá perceber que o texto
identifica problemas que estão na ordem do dia. Ainda hoje, infelizmente, o direito
internacional dos direitos humanos é mal compreendido em muitos círculos – jurídicos
ou não –, onde se insiste em encarar a idéia mesma de direitos humanos
internacionalmente protegidos e de capacidade processual internacional dos
indivíduos como ameaças ou como fontes de intromissões indevidas nos assuntos
internos dos Estados. O livro de Cançado Trindade ajuda a desfazer tais equívocos,
pois demonstra que a própria ação estatal perde legitimidade se os direitos básicos
da pessoa humana não servirem de baliza para as decisões tomadas em nome da
coletividade. A força dos argumentos de Cançado Trindade reside não apenas na
notória erudição do jurisconsulto reconhecido internacionalmente e na autoridade
de quem é, sem sombra de dúvidas, o maior especialista brasileiro no campo do
direito internacional dos direitos humanos. A força desse livro e de suas teses
decorre também da perspectiva adotada e que, parafraseando Norberto Bobbio,
poderia ser qualificada de ex parte populi, por oposição à perspectiva ex parte
principis.
Em suma, a defesa da dignidade dos seres humanos – seja na sua condição
de indivíduos ou como integrantes de uma coletividade – constitui objetivo central
das ações estatais e interestatais, não subsistindo justificativa política, jurídica, moral
ou ética nas tentativas de negar a fruição de qualquer categoria de direitos humanos
(civis, políticos, econômicos, sociais e culturais) em nome de uma suposta e abstrata
“razão de Estado”. Mais do que argumentos lógicos e acadêmicos, o que está em
jogo, por trás da luta pela afirmação da especificidade do direito internacional dos
direitos humanos, é a própria elevação do ser humano ao patamar de fonte última
do exercício do poder. Em vez de aderir a máximas tão amplamente aceitas do tipo
“fins que justificam os meios”, que ainda povoam o universo conceitual dos estudiosos
das relações internacionais e da ciência política, o direito internacional dos direitos
humanos, graças ao empenho de pessoas como Cançado Trindade, envereda por
caminhos claramente distintos. A luta pelos direitos humanos permite conferir à
busca da transformação social um sentido profundamente democrático, uma vez
que o ser humano é alçado à condição de sujeito e beneficiário da mudança, enquanto
RESENHAS 205

ao Estado se lhe é negada a possibilidade de agir como se possuísse uma


racionalidade própria capaz de justificar o exercício desimpedido do poder.
Para aqueles que compartilham das preocupações de Cançado Trindade e
com ele têm aprendido nos últimos anos, a satisfação provocada pela leitura do
primeiro volume do Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos só
rivaliza em intensidade com a expectativa pela publicação do segundo volume,
prevista para o início de 1999. Com certeza, estamos testemunhando o surgimento
de uma obra que fará história, um Tratado no sentido tradicional do termo, ou seja,
um conjunto de escritos afinado com seu tempo, dotado de unidade e destinado a
se tornar referência obrigatória no campo dos direitos humanos.

Benoni Belli

VAÏSSE, Maurice. La Grandeur: politique étrangère du général de Gaulle


(1958-1969). Paris: Fayard, 1998, 726 p.

Em 1969, já encerrando o longo período em que esteve à frente dos destinos


da França, o General Charles de Gaulle resumia – em tom de confidência, em tom
de oração – todo o seu projeto político para a França: “O que nós queríamos para
a França... a grandeza”. Com efeito, nada sintetiza melhor os objetivos da política
que pretendia, a um só tempo, exorcizar os demônios da França derrotada em
1940 – e a partir de então, sombra fugaz da potência que conheceu o seu apogeu
ao longo de todo o século XIX –, e estabelecer um novo papel internacional para o
país que resguardasse o matiz civilizacional e a independência nacional.
A política exterior da França gaullista e o pensamento político do Chefe de
Estado são os objetos do monumental livro de Maurice Vaïsse, professor da
Universidade de Reims, diretor do Centro de Estudos de História da Defesa e
sucessor de Jean-Baptiste Duroselle no comando da publicação dos Documents
Diplomatiques Français. Vaïsse já é conhecido dos especialistas brasileiros por
seus criteriosos trabalhos sobre a história da defesa (Sécurité d´abord: la politique
française en matière de désarmement entre les deux guerres. Paris: Pedone,
1981, 650 p.; e sobretudo, em co-autoria com Jean Doise, Diplomatie e outil
militaire, 1871-1969. Paris: Le Seuil, 1992, 742 p.) e pela muito bem sucedida
síntese da história contemporânea desde o pós-guerra (Les relations
internationales depuis 1945. Paris: Armand Colin, 1996, 192 p.).
O livro em questão não é o primeiro esforço de compreensão sobre a
política exterior da França entre 1958 e 1969 mas é, certamente, o primeiro a se
utilizar sistematicamente dos arquivos como fonte essencial, ao que se juntam
dezenas de depoimentos tomados entre os principais atores e testemunhas da época,
contatos privilegiados facilitados pela atuação do autor na presidência do Conselho
206 RESENHAS

Científico da Fundação Charles de Gaulle. Com efeito, Vaïsse processou


documentação quase inesgotável, cuja figura de proa são as notas estabelecidas a
partir das audiências concedidas pelo Chefe de Estado, e que constituem um dos
fundos mais cobiçados pelos pesquisadores franceses e estrangeiros que se
aventuram na imensidão dos Arquivos Diplomáticos Franceses – de fato, o fundo
Entrevistas e Mensagens ainda não foi liberado à consultação (é todo inédito), e
reúne as notas tanto da Presidência da República quanto das audiências do Primeiro
Ministro e do Chanceler. A habilidade de Vaïsse em compulsar o citado fundo
permite conhecer as grandes orientações do pensamento e da ação do General
(pelo menos enquanto se aguarda a liberação dos seus arquivos particulares,
contingenciada pelos herdeiros) e evidencia a centralidade assumida pelo Palácio
do Eliseu no processo decisório da política exterior da Quinta República e, sobretudo,
o quanto este é vulnerável às manifestações da personalidade do Chefe de Estado.
A riqueza documental se completa com a laboriosa pesquisa nos fundos da
presidência Charles de Gaulle do Arquivo Nacional francês (em si, outra imensidão),
nos arquivos do Departamento de Estado norte-americano e na Biblioteca Kennedy.
La Grandeur é a história da conclusão do longo processo de aprendizado
que se abre para a França com a liberação, em 1944, com o qual a nação aprende,
sob a ótica de de Gaulle – líder da França Livre desde 1940, Chefe de Governo
entre 1944 e 1946 e, desde então, repositório da consciência acerca da grandeza
histórica do país até reassumir, por longos 11 anos, os destinos da nação, em 1958
–, a conviver com a durabilidade da Ordem de Ialta e com a difícil operacionalização
da ambição de construir um nicho para a atuação da antiga grande potência.
O ânimo de de Gaulle, durante os anos em que esteve no Eliseu, se resumia
em resguardar a independência nacional e encontrar uma via que permitisse à
potência média desempenhar sobre a cena mundial um papel desproporcional à
sua importância real. Para tanto, constata, sem deixar de questionar o status quo
– a bipolaridade rígida mostrava-se indiferente à multipolaridade econômica que já
se configurava ao final dos anos cinqüenta, apesar de se observar oportunidades
políticas nas fissuras dos sistemas de poder montados pelas superpotências.
Chamado ao poder em 1958 para pacificar a França dividida pelos extertores
do colonialismo, assim o faz, concedendo à nação a liberação do fardo que impedia
a construção da inserção internacional independente – justamente o império colonial
(concede primeiro a independência à África Negra, para depois convencer a opinião
pública de que o Hexágono poderia prescindir da Argélia). Este é o passo
fundamental para a afirmação de uma grande política externa, marcada ao longo
do tempo sobretudo pela engenhosidade diplomática que, para ser crível, deve
construir para a França espaço de manobra que lhe permita exercer uma influência
desproporcional aos seus meios materiais.
É porque combate a existência dos blocos que de Gaulle vai cuidar de
revestir a política externa de uma preocupação pacifista, com a qual pretende
RESENHAS 207

confirmar a vocação universalista da França, síntese contemporânea do seu antigo


ânimo civilizacional. Trata-se de expor a irracionalidade da Guerra Fria para pleitear
a revisão global do sistema internacional e a substituição do bipolarismo ideológico
pela multipolaridade política calcada sobre o dinamismo econômico dos atores que
emergiam da reconstrução.
É porque as idéias do Chefe de Estado acerca do rang, do inimigo
tradicional e da soberania nacional evoluem desde o fim da Segunda Guerra que os
movimentos da diplomacia gaullista serão constrangidos por estes três balizadores.
Com efeito, as antigas concepções serão objeto de nova síntese que será colocada
em prática com a confirmação (inesperada) do interesse do General pela Europa
Unida: é sob de Gaulle que nasce a idéia – que vingará na Política Exterior da
França – de que a inserção internacional do Hexágono é somente possível a partir
da sua base regional, sendo fruto dos seus esforços a consolidação do projeto de
integração regional e da reconciliação franco-alemã, iniciadas sob a IV República.
Outros lances inserem-se na estratégia de resguardar (ou redesenhar)
uma nova posição de potência, visando atingir o núcleo da configuração do poder
mundial, que se afigurava para de Gaulle como a limitação das margens de
autonomia decisória na ordem bipolar. Ao propor o diretório mundial formado pelos
EUA, pela Grã-Bretanha e pela própria França, obteve, na negativa dos americanos,
a confirmação das suas teses acerca do pensamento estratégico da superpotência
e do lugar ocupado pela Europa e pelas potências intermediárias em seu contexto.
Com isso, e com a certeza de que se avizanhava um tempo de distensão, concebe
o nicho político para a atuação internacional da Nação, o que é feito sempre com
lances espetaculares: retira as forças francesas do comando único da OTAN,
denuncia as vicissitudes (e os perigos) do sistema monetário internacional calcado
sobre a moeda americana, adverte o mundo contra a ingerência das superpotências
nos conflitos regionais (e com o engajamento americano no Vietnã, vislumbra o
início da transferência do foco da tensão política e ideológica para cenários
secundários), e condena os israelenses, quando passam a expansionistas. Outros
movimentos prendem-se diretamente à abertura de novos espaços diplomáticos –
reconhece pioneiramente a China Comunista, estabelece relações normais com os
países do Leste Europeu (com o que firma a tese da solidariedade européia, “do
Atlântico aos Urais”). O escopo civilizacional da atuação internacional é resguardado
com o lançamento de uma ambiciosa política de cooperação, calcada sobre o
bilateralismo estrito, com a qual pretende implementar a aproximação com o Terceiro
Mundo e o resguardo da influência sobre as antigas colônias.
Outros países – que não os europeus, as superpotências e os que compõem
a sua órbita imediata – são analisados por Vaïsse tal qual se inseriam no pensamento
de de Gaulle e na política exterior da nação sob o seu governo: são espaços para a
atuação da vocação universalista e da missão civilizatória da França. Assim, estão
recuperadas as passagens acerca das tournées na América Latina, em 1964, bem
208 RESENHAS

como a exortação nacionalista no Québec, que permitem vislumbrar o projeto de


de Gaulle para a consecução de uma “terceira via”, ambíguo o bastante para
arrastar às ruas multidões latinas cansadas das promessas nunca concretizadas de
uma cooperação econômica mais efetiva por parte dos EUA e o apoio às
manifestações nacionalistas. Estes movimentos permitem que se proponha, ao lado
dos qualificativos resgatados por Vaïsse para analisar o pensamento gaullista e a
as suas repercussões sobre a formulação e implementação da política exterior da
França, o procedimento de síntese que permite a substituição, de modo eficaz, dos
recursos materiais pelos meios morais e intelectuais – o ilusionismo.
Para os que procuram elementos para a compreensão das interações da
França com outros países, o trabalho de Vaïsse é algo decepcionante, apesar de
não ser este o seu objeto, nem a sua promessa. Entretanto, uma observação mais
acurada das relações da França com a América Latina, por exemplo, teria permitido
ao autor juntar ao retrato fiel que faz do Chefe de Estado e da sua política externa,
as habilidades da mistificação demagógica, que evidenciam a perpétua carência
de instrumentalidade de que se revestem as relações com os países da região no
contexto geral da estratégia de inserção internacional do Hexágono.
La Grandeur é também uma lição prática de Vaïsse acerca da pesquisa
histórica – trata-se de aplicação absolutamente feliz do método, que deve
impressionar a todos, não apenas pelo trato eficiente da fonte primária e pela
coragem em percorrer conceitualmente imensos fundos de arquivos, mas, sobretudo,
pelo fato de que, ao traçar um exaustivo painel de seu objeto, não se atém ao
supérfluo nem é tentado pelo impressionismo fácil, tão característicos de boa parte
da pesquisa histórica francesa contemporânea. A austeridade e o rigor com que o
autor dimensiona a personalidade de de Gaulle, as suas simpatias (e antipatias), a
sua formação pessoal, o seu entourage – a influir sobre o pensamento do Chefe
de Estado e, portanto, sobre a formulação e implementação da política externa da
França –, devem oferecer subsídios para outros pesquisadores que se aventurem
em empreitadas semelhantes.
La Grandeur é dos trabalhos que, sem favores, marcam época na
historiografia das relações internacionais – já vem a público seminal (sem ele, não
há como compreender esse período capital da história dos franceses) e, certamente,
permanecerá por longos anos marcando a fronteira do conhecimento.

Antônio Carlos Lessa


RESENHAS 209

MATTOSO, Katia de Queirós; SANTOS, Idelette M. Fonseca dos; ROLLAND,


Denis (dir.). Naissance du Brésil moderne: 1500-1808. Paris: Centre
d’Études sur le Brésil/Presses de l’Université de Paris-Sorbonne,
1997, 350 p.

Pesquisadores franceses e brasileiros participaram, em março de 1997, de


um colóquio organizado pelo Institut de Recherches sur les Civilisations de
l’Occident Moderne e pelo Centre d’Études sur le Brésil da Universidade de Paris
IV, Sorbonne, no qual debateram, durante dois dias, o “nascimento” do Brasil, a
partir de uma grande diversidade de fontes e de enfoques.
O livro Naissance du Brésil moderne traz o resultado deste encontro,
sob a forma de 17 artigos, com introdução de Katia de Queirós Mattoso e conclusão
de Dennis Rolland. Trata-se de uma contribuição extremamente rica à análise de
questões relativas à identidade, às visões do outro e à construção de discursos e de
imagens.
A historiadora Katia Mattoso, titular da cátedra de História do Brasil na
Sorbonne, destaca que “o nascimento do Brasil é sangue novo para a sua mãe-
pátria portuguesa e remete à Europa inteira a sua própria imagem...” (p.9),
contribuindo também para confirmar a crença no universal, que é uma característica
do pensamento europeu moderno.
O tema da alteridade se constitui na espinha dorsal desta obra que se
estrutura com base em reflexões interdisciplinares, pressupondo olhares cruzados,
entre outros com os da história, da literatura e da antropologia.
Denis Rolland alerta para o fato de que poderia ter havido algum risco,
especialmente de dispersão ou de carência de debates mais específicos. No entanto,
ele mesmo ressalta que, sendo utilizada de forma rigorosa, a amplitude temática e
a longa duração conduziram, neste colóquio, a boas surpresas (p.338).
Philippe Bonnichon trabalha detalhadamente o conhecimento do Brasil na
França, dando ênfase aos projetos de Luís XII a Luís XIII. Sua análise demonstra
uma presença significativa da imagem brasileira, especialmente em certos círculos
franceses, bem como os modos de difusão das informações, concluindo pela
existência de uma importante “massa crítica de conhecimentos” (p.31) sobre as
novas terras já a partir de meados do século XVII.
Jean-Paul Duviols estuda as transformações de uma iconografia que, no
século XVI, representa inicialmente os índios como estando próximos à idéia de
“paraíso perdido” mas que, em seguida, os retrata como “símbolos de crueza e
bestialidade” (p.37). Seu artigo disseca os estereótipos, contribuindo para uma
reflexão acurada no âmbito do imaginário.
Em um texto que abarca um pouco mais de um século (de 1610 a 1720),
Denis Crouzet analisa relatos de viajantes franceses, detectando em seus discursos
a elaboração de três tipos de imagens: “de esperança, de maldição e de
210 RESENHAS

degenerescência” (p.68). Seu trabalho demonstra a importância de um estudo que


leve em conta a longa duração já que a visão do outro transforma-se lentamente,
carregando em si os mitos e as utopias das mentalidades coletivas. Crouzet refere-
se, com muita propriedade, aos “nascimentos e renascimentos” do Brasil sob o
olhar francês, os quais se dão “como uma sucessão de alegorias” (p.117).
Janaína Amado, referindo-se especialmente ao período que vai da segunda
metade do século XV ao início do século XVI, estuda o papel desempenhado pelos
primeiros intermediários enviados pela Coroa portuguesa às terras que iam sendo
descobertas – intermediários estes que tinham como missão “estabelecer relações
com as populações autóctones” (p.237). Sua análise enfatizou com grande
originalidade os aspectos de “imersão” na cultura do outro que caracterizavam
este tipo de contato muitas vezes exercido por náufragos ou por banidos, mas
também por voluntários. “Os emissários (...) foram os artesãos de uma coleta e de
uma transferência à Coroa e a seus funcionários, de uma formidável massa de
informações sobre os costumes, os produtos, a geografia, as línguas (...) destes
povos...” (p. 247). J. Amado mostra, ainda, um ponto de inflexão, no início do
século XVI, quando a Coroa passa a exercer maior controle sobre todos os súditos
do Império, redefinindo a hierarquia reino/colônia e afastando “um pouco mais a
sempre iminente e perigosa sedução do outro” (p. 248).
Tarefa impossível seria a de, em uma breve resenha, fazer referência a
toda a riqueza contida nos textos da presente obra, que oferece também contribuições
fundamentais de F. Moureau, E. P. Orlandi, F. Lestringant, F. Wanegffelen, J.-C.
Laborie, A. Pécora, C. de Castelnau-L’Estoile. A. Ciacchi, J.-F. Labourdette, L.
de Mello e Souza, M. Marques Jr., M. Del Priore e L. C. Villalta. Cabe, então,
destacar a importância não apenas desta publicação, mas também do trabalho que
vem sendo realizado pelo Centre d’Études sur le Brésil, almejando que suas
atividades continuem contribuindo para o aprofundamento do conhecimento recíproco
Brasil-França.

Carmen Lícia Palazzo de Almeida

MENEZES, Alfredo da Mota. Guerra do Paraguai: como construímos o


conflito. São Paulo: Contexto; Cuiabá: Editora da Universidade Federal
de Mato Grosso, 1998, 174 p.

Em Guerra do Paraguai: como construímos o conflito, Alfredo


Menezes, professor titular de História da América da Universidade Federal de
Mato Grosso, promove uma significativa contribuição para a historiografia brasileira
com relação a Guerra do Paraguai.
RESENHAS 211

Estudioso do tema há vários anos, o autor traz à discussão sobre a Guerra


do Paraguai uma contribuição valiosa ao estudar o contexto regional, em uma
abordagem pouco usual na literatura brasileira disponível, dado que chama a atenção
para a intrincada conjuntura política dos países envolvidos no conflito nos anos
anteriores à guerra. Sua análise parte, portanto, da averiguação das motivações
regionais que desembocaram na tragédia platina do século passado.
A conjuntura política interna dos países da bacia platina e suas vinculações
exteriores são abordadas com vistas a elucidar as causas regionais que motivaram
os desentendimentos. Desta forma, as disputas entre Blancos e Colorados no
Uruguai, entre Federalistas e Unitários na Argentina, as aspirações e reivindicações
dos gaúchos brasileiros com relação às férteis terras uruguaias e as históricas
divergências entre eles e o governo central no Brasil, as aspirações internacionais
do Paraguai sob seu forte regime centralizado e o caráter de Solano Lopez
conformam um quadro complexo no qual a diplomacia acabou falhando e cedendo
lugar ao conflito armado.
Como destaca o autor, em uma época em que ter nascido na Argentina ou
no Uruguai não parecia fazer tanta diferença quanto comungar idéias identificáveis
nas duas margens do Rio da Prata, a política interna destas nações findava por
extrapolar as fronteiras nacionais e se encontrava, no plano regional, envolvendo
princípios e interesses específicos que se entrelaçavam em determinados contextos
políticos. As afinidades entre Blancos e Federalistas e entre Colorados e Unitários,
colocavam lado a lado duas correntes de pensamento que iriam desempenhar papel
de destaque nos rumos políticos de toda a região.
A Argentina, principalmente após a década de 1850, significou um sério
ponto de atrito na perspectiva internacional do regime paraguaio. Rivalidades antigas,
como a idéia da reconstrução do vice-reinado do Prata tendo a Argentina à frente
e a presença de exilados paraguaios em Buenos Aires, atacando abertamente o
regime ditatorial de Solano Lopez, associados às contundentes críticas publicadas
nos jornais portenhos, exaltavam os pontos de atrito entre os dois países. As
interferências argentinas na política interna uruguaia, sobretudo durante o governo
do presidente Mitre, também irritaram Solano Lopez e, em grande medida,
contribuíram para as desconfianças com relação aos interesses argentinos na região.
A política brasileira com relação ao Uruguai e sua conexão com os partidos
políticos deste terá sua cota de participação nas definições do contexto platino e
contribuirá para a decisão belicosa de Solano Lopez. Enfatizando a grande
importância do Uruguai no quadro regional, o autor destaca que a decisão brasileira
de interferir na política interna uruguaia, favorecendo os Colorados e atendendo
aos anseios da Província do Rio Grande do Sul, irá entrar em rota de colisão direta
com os interesses paraguaios tais quais definidos por Solano Lopez. A aliança
entre Lopez e os Blancos uruguaios previa maior aproximação entre as duas nações
e visava, além da promoção comercial, um tratado defensivo e ofensivo entre os
212 RESENHAS

dois países. Lopez leva em conta as interferências brasileiras no Uruguai e este


tratado quando decidiu partir para a guerra.
O quadro interno paraguaio é analisado no segundo capítulo do livro. Neste,
há interessantes considerações sobre o Paraguai, Solano Lopez e a Inglaterra. O
Paraguai é apresentado como um país com história muito peculiar no contexto
latino-americano, dado seu isolamento desde a independência e um forte regime
político centralizado, que dirigia meticulosamente os fatores econômicos, chegando
a momentos, por exemplo, em que a participação do Estado alcançou cinqüenta e
dois por cento no setor de exportações.
Ainda no campo econômico, o autor tece considerações sobre o pretenso
desenvolvimento industrial paraguaio que teria sido promovido até o início da guerra.
A tese de que o Paraguai estava no caminho de um modelo de industrialização
avançado é contestada, haja vista que, como demonstra Menezes, o perfil da
industrialização paraguaia surgida nos dez anos anteriores à guerra não era
efetivamente dirigido para a ampliação da produção industrial voltada para a
exportação, mas sim direcionado para uma indústria antes de mais nada preocupada
com a defesa do Estado paraguaio, além de limitada e muito aquém do que
pretendem alguns autores que escreveram sobre o Paraguai no século XIX. Neste
sentido, e dentro do contexto de revisão historiográfica sobre a realidade paraguaia
durante o século XIX, o quadro que se apresenta é o de um país ainda em um
estágio muito incipiente no desenvolvimento industrial, que carecia de matérias-
primas, capacidade tecnológica e mão-de-obra especializada.
Uma questão bastante polêmica, envolvendo os estudos sobre a Guerra do
Paraguai, diz respeito à participação inglesa no conflito. Na perspectiva de vários
autores latino-americanos, como León Pomer (A Guerra do Paraguai: a grande
tragédia rioplatense e Paraguai: nossa guerra contra esse soldado), Julio
José Chiavenatto (Genocídio americano: a Guerra do Paraguai) e Eduardo
Galeano (As veias abertas da América Latina), as motivações da guerra devem
ser buscadas fora do contexto regional. Com efeito, estes autores atribuem à
Inglaterra o papel de responsável pelo conflito, considerando que esta tinha a intenção
de destruir o Paraguai porque este estava alcançando um patamar de
desenvolvimento industrial ameaçador aos interesses ingleses na região. Postando-
se ao lado de autores que discordam desta tese, como Moniz Bandeira
(O expansionismo brasileiro: o papel do Brasil na bacia do Prata, da
colonização ao Império), Fernando Doratioto (A guerra do Paraguai e as
relações entre o Império do Brasil e a República do Paraguai, 1822-1889) e
Josefina Pla (Británicos en el Paraguay, 1850-1870), Menezes, ao pesquisar a
documentação diplomática britânica, não encontrou comprovação para as
especulações acerca do envolvimento da Inglaterra como fomentadora da Guerra
do Paraguai.
RESENHAS 213

Com um estudo histórico de cunho político, mas que também considera os


aspectos econômicos, embasado em ampla bibliografia e na consulta a documentos
diplomáticos ingleses, o autor apresenta sua contribuição para o entendimento de
um dos capítulos mais instigantes da História da América Latina no século XIX.
Reabrindo a discussão sobre muitas questões polêmicas, como até que ponto a
Inglaterra teria influenciado nos rumos dos acontecimentos e desmistificando a
visão de um Paraguai industrialmente desenvolvido. Enfim, trata-se de uma obra
de leitura obrigatória para aqueles que se interessam em compreender um dos
acontecimentos mais importantes da História dos países da Bacia do Prata.

Pio Penna Filho


REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICA INTERNACIONAL

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