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3º ANO – 2º SEMESTRE
Ano letivo 2018/2019
O termo DSM surgiu em 1952, sendo que em 1980 a fiabilidade do DSM-II começa a ser posta
em causa, uma vez que este DSM ainda é muito influenciado pela pseudodinâmica, psicanálise e
pela interpretação subjetiva dos sintomas. Assim, no diagnóstico dos clínicos verificava-se falta
de fiabilidade intercotadores, dado que havia muitas inferências acerca do funcionamento da
personalidade das pessoas, do background clínico, da sua relação com os pais, etc. Deste modo,
a operacionalização era muito fraca.
Por sua vez, a passagem do DSM-II para o DSM-III é semelhante à mudança dinâmica da
pseudodinâmica para o comportamentalismo, dado que passa a considerar-se que não existem
modelos mentais nem expectativas, uma vez que não os podemos observar e por isso não existem.
Deste modo, muda-se de paradigma, passando a considerar-se só os critérios observáveis e, por
isso, só estes itens observáveis podem entrar para o diagnóstico, não havendo assim diagnósticos
subjetivos não observáveis. Assim, aumenta a fiabilidade intercotadores, mas, por outro lado, o
diagnóstico pode estar errado porque, por exemplo, as pessoas podem estar a apresentar e a
preencher diferentes critérios por muitas razões distintas. Ou seja, esta mudança paradigmática
cria uma grande categoria de indivíduos identificados com a perturbação antissocial da
personalidade, mas esta esconde algo porque nem toda a gente que apresenta comportamentos
antissociais é igual do ponto de vista psicológico.
Exemplos
1. J é um rapaz de 11 anos de uma família da classe média. Ambos os pais estão empregados.
Começou por apresentar problemas comportamentais desde cedo e foi inscrito numa escola
especial para crianças com problemas emocionais e comportamentais aos 5 anos. Começou a
fugir de casa e da escola a partir de uma tenra idade. Agora é frequente ser apanhado pela
polícia porque costuma vaguear pelas ruas da sua cidade até muito tarde. Recentemente
invadiu uma obra de construção civil e ateou fogo aos materiais, causando 15.000 € de
prejuízos. J é muitas vezes cruel com animais. Uma vez pendurou o seu hamster por cima de
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uma panela com água a ferver e ameaçou que o deixaria cair se os seus pais não lhe dessem
dinheiro. É frequentemente violento para com os seus pais, irmãos e pares. Em várias ocasiões
ameaçou agredir a mãe e por diversas vezes foram encontradas facas no seu quarto. Uma vez
atirou uma faca de cozinha à mãe. J não tem nenhum amigo genuíno na escola. Os professores
muitas vezes queixam-se que têm dificuldades em tratar J gentilmente, uma vez que sentem
que os seus bons comportamentos não são sinceros. É muito gabarolas acerca das suas
capacidades e tem uma ideia inflacionada da sua inteligência. J muitas vezes tenta fazer as
pessoas acreditar que os outros simplesmente não o compreendem.
1) Ambiente familiar
J tem pais empregados e B tem pais problemáticos.
2) Demonstração de afeto
J não tem amigos a sério, nem pede desculpa pelos seus comportamentos demonstrando frieza
emocional. Já B tem amigos apesar de por vezes ser violento, mas pede desculpa pelos seus
atos.
Conclui-se assim que o primeiro é mais psicopata do que o segundo. Segundo o DSM-IV, ambos
apresentam uma perturbação de conduta.
Relativamente a estes casos, J e B apresentam uma perturbação de conduta com início na segunda
infância, sendo que esta é visível em J porque este revela lutas físicas; utilização de arma; é cruel
para animais; lançou fogo a uma construção; falta às aulas; e em B porque este revela lutas físicas;
utilização de arma; e falta às aulas.
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Para além disso, J e B apresentam uma perturbação antissocial da personalidade, uma vez que o
diagnóstico é baseado em critérios observáveis, nomeadamente ausência de conformidade com
as normas; atos impulsivos, agressividade e irresponsabilidade que é apresentada tanto por J como
B.
3. R tem 35 anos e está a cumprir uma sentença de 25 anos por homicídio. Sempre teve mau
feitio, e desta vez o que se iniciou como uma luta de bar acabou por retirar a vida ao seu
opositor. R dá a impressão de ser algo imaturo, jocoso, mas sincero. Os outros reclusos
gostam bastante de R e não há qualquer registo na prisão contra si.
R tem aproximadamente meia dúzia de crimes no seu registo, que começa com a idade de 17
anos quando foi detido por furto a uma loja. Apesar de nunca ter tido nenhum contacto com
a autoridade antes da adolescência, os seus pais reportam que começou a ter em problemas
em casa e na escola com cerca de 15 anos. Os seus pais dizem que ele era difícil de controlar,
desrespeitava a hora de ir para casa, mentia frequentemente, vandalizava propriedades, e fugia
de casa. Na escola costumava lutar frequentemente. R saiu da escola com 16 anos e começou
a trabalhar como artesão. Apesar de ter sido despedido algumas vezes por não se dar com os
seus colegas, conseguiu manter-se empregado. No entanto, bebia bastante e gastava o seu
dinheiro sem responsabilidade, descobrindo muitas vezes que não tinha dinheiro para pagar
as suas contas. De forma a ganhar mais dinheiro começou a vender marijuana e
ocasionalmente roubava equipamento das obras onde trabalhava. Estas atividade resultaram
que fosse detido aos 18 anos.
R encontrou emprego e foi viver com a namorada. Apesar das discussões frequentes por causa
dos gastos de R, venda de droga e consumo de álcool, a relação permaneceu estável. R teve
dois casos extraconjugais, mas acabou ambos porque se sentia culpado e tinha medo que a
sua namorada descobrisse e o deixasse.
O consumo de álcool tornou-se pior e uma noite envolveu-se numa luta num bar. Apesar de
normalmente ser capaz de evitar uma luta, desta vez R voltou e deu com uma garrafa na
cabeça do oponente que partiu e desferiu um golpe fatal na garganta. A polícia foi chamada
e R contou imediatamente o que se passou. No tribunal declarou-se culpado.
4. T tem 39 anos e está a cumprir 25 anos de cadeia por matar o seu companheiro de viagem
para lhe roubar o dinheiro. É utilizador de drogas pesadas e traficante. É bem-humorado e
divertido, mas as suas conversas acabam sempre por ser inapropriadas e sugestivas. Teve
vários empregos, mas nunca nenhum durou mais do que algumas semanas. Esta
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constantemente em apuros por não ser de confiança e ter explosões violentas quando a sua
vontade não é satisfeita.
O seu cadastro tem várias páginas. O seu primeiro crime reportado ocorreu aos 9 anos quando
roubou equipamento da escola. Aos 11 anos foi apanhado enquanto tentava afogar um colega
da escola que se tinha recusado a dar-lhe dinheiro. Quando lhe foi perguntado o que tinha
acontecido, riu-se ao dizer que o colega era maior do que ele e que teria “terminado o
trabalho” se a professora não tivesse chegado. Depois disto a vida de T foi passada dentro e
fora de centros de detenção enquanto criança, adolescente e adulto. A sua lista de crimes
contém todas as categorias imagináveis, desde roubo a agressões e fazer reféns. Nunca teve
uma profissão real mais de duas semanas. Em vez disso vive do apoio dos amigos ou através
de atividades criminosas como tráfico, roubo ou proxenetismo. Nunca passou mais do que
algumas semanas no mesmo sítio, preferindo divagar. Pode parecer muito amistoso e não tem
problemas em conhecer pessoas que lhe oferecem guarida. Muitas vezes estes acordos
acabam com discussões violentas, e T começa de novo. Nunca foi casado, mas teve várias
parceiras com quem morou. Em todos os casos foi morar com elas após “lhes ter dado a volta
à cabeça”, como reporta. A relação mais longa durou seis meses, mas foi marcada pela
instabilidade e violência. Conta várias vezes em que se encontrava envolvido com outras
mulheres, enquanto vivia com uma parceira. Quando perguntado se alguma vez foi
monogâmico diz que sempre foi. Quando lhe apresentam a contradição, ele nega-a dizendo:
“sempre fui monogâmico porque é fisicamente impossível estar em dois sítios ao mesmo
tempo, compreende?”
Há muitas provas que T cometeu o crime pelo qual está detido, mas em tribunal ele declarou-
se inocente. Ainda insiste que é inocente e não demonstra piedade pela vítima ou pela família.
Apesar de estar a iniciar a pena e de lhe dizerem que provavelmente não haverá redução, é
muito teimoso e fala como se a sua libertação estivesse para breve.
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R inicia a sua carreira criminal aos 15 anos e T inicia-a aos 9 e comete crimes
instrumentais, de manipulação do outro para obter recompensas
T poderia ser diagnosticado como psicopata. No entanto, segundo o DSM-IV R e T têm o mesmo
diagnóstico de perturbação antissocial da personalidade, sendo que para tal tiveram de apresentar
perturbação de conduta. Contudo, no DSM-V também são diagnosticados assim, mas para a
perturbação da personalidade é preciso avaliar se as pessoas têm ou não défices no funcionamento
afetivo, falta de empatia, frieza emocional, remorsos e culpa, uma vez que estes indicadores são
especificadores muito importantes porque determinam o tipo de intervenção que se pode fazer
com estas pessoas, dado que é diferente uma pessoa que tem perturbação antissocial da
personalidade e tem traços psicopáticos e aquelas que não têm esses traços, dado que nos
primeiros se destaca mais o domínio da ausência da internalização, muito baixa ansiedade e muito
baixo medo e nos segundos se destaca mais o domínio da externalização de comportamentos, a
incapacidade de aprender e a vulnerabilidade à agressão.
A HISTÓRIA DA PSICOPATIA
A primeira vez que o construto de psicopatia foi referido foi por Pinel nos fins do século XIX,
surgindo com este autor a categoria da “insanidade sem delírio”, tendo-se considerado que as
pessoas que se encaixam nesta categoria são insanas do ponto de vista moral, mas não são
delirantes, ou seja, não são verdadeiramente doentes mentais. Isto porque os doentes mentais são
alguém cuja experiência com a realidade, no sentido da psicopatia clássica, é qualitativamente
diferente da nossa. Assim, a verdadeira psicopatologia, a verdadeira doença mental, é aquela que
podemos explicar, mas não podemos compreender, no sentido em que a experiência de um doente
com doença mental propriamente dita é qualitativamente diferente da nossa, ou seja, há uma
rutura com a nossa realidade. Neste sentido, na perturbação de personalidade não há doença
mental propriamente dita, dado que conseguimos compreender como é que alguém tem este tipo
de perturbação. O delírio é uma coisa diferente, havendo uma quebra com a realidade.
Deste modo, estes indivíduos eram um conjunto de indivíduos insanos, mas cuja experiência era
qualitativamente igual à nossa. Assim, a psiquiatria do fim do século XIX não se preocupava com
os criminosos, mas com um subgrupo de criminosos que eram estes que não são “malucos” e que
nada no ambiente faria prever que eram criminosos, ou seja, vêm de boas famílias, são normais
até determinado ponto e de repente tornam-se explosivos e violentos. O núcleo destes indivíduos
está então aqui, ou seja, em perceber que temos faculdades diferentes que podem estar
comprometidas, sendo que no caso destes indivíduos tínhamos o comprometimento da faculdade
moral, mas não das outras. Esta e a génese da psicopatia.
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Este construto de “insanidade sem delírio” foi ao longo da história conhecido por muitos nomes.
Por exemplo, em 1913, em Inglaterra, surge uma grande preocupação em identificar indivíduos
que são antissociais persistentemente e que podem ser levados para o sistema de saúde mental,
emergindo assim o conceito de insanidade moral que significa o mesmo que a “insanidade sem
delírio”, havendo apenas nestes indivíduos um comprometimento da faculdade moral, segundo
Pritchard.
Por sua vez, Benjamin Rush introduz o conceito de imbecilidade moral, imoralidade
constitucional, sociopatia e inferioridade psicopática. Este último é utilizado pela primeira vez
por Bosch que descrevia indivíduos que não estavam associados ao comportamento antissocial,
mas apresentavam alterações quantitativas da personalidade que fazia com que causassem
sofrimento aos outros.
Vemos assim que, temos por um lado a tradição francesa e inglesa da mania sem delírio e a
insanidade moral, sendo o núcleo destas a agressão, o comportamento violento, o crime, a
perversão dos sentimentos naturais e a perversão das disposições morais. Mas, por outro lado,
temos a tradição alemã com o conceito Schneideriano, na qual se considera que o indivíduo tem
um desvio estatístico, ou seja, considera-se que as psicopatias eram perturbações da personalidade
qualitativamente iguais à nossa experiência, mas quantitativamente diferentes na sua
personalidade que causa sofrimento ao próprio e aos outros. No entanto, o comportamento
antissocial não é um critério, sendo que das dez psicopatias só uma tem critério de comportamento
antissocial persistente.
Conclui-se então que a violência sem delírio é o núcleo agregador da psicopatia em pessoas que
têm uma capacidade intelectual normal.
Por sua vez, há quem defenda que há uma terceira tradição francesa que é a de Morel e a sua
teoria da degenerescência, na qual se defende que os indivíduos degenerescentes, apesar de
intelectualmente serem normais, estão num estado mais baixo de desenvolvimento moral,
havendo a possibilidade de degenerar de um estado mais baixo ou alto. Isto porque, de acordo
com a neurologia, nestes indivíduos as camadas mais baixas do sistema nervoso assumem o
controlo, fazendo com que os indivíduos percam as suas faculdades morais superiores.
Em 1946, surge o autor mais importante da história da psicopatia chamado Hervey Cleckley que
escreve um livro intitulado “The Mask of Sanity”, no qual refere que há uma grande confusão
relativamente ao conceito de psicopatia. O autor considerava que o tratamento do conceito não
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fazia jus à sua história e, por isso, quis perceber qual era a história do conceito, percebendo que
historicamente a psicopatia é o comportamento antissocial sem delírio. Assim, elencou o que
achava que devia ser o conceito de psicopatia.
Para perceber o conceito, Cleckley observou uma série de casos de indivíduos que vinham de
classes altas cujo meio não fazia prever que seriam problemáticos, mas que por alguma alteração
de personalidade provocavam sofrimento a si próprios e aos outros, ou seja, o autor olhou para as
características dos indivíduos. A partir da sua análise, o autor elencou os traços clínicos da
psicopatia, nomeadamente:
Para além disto, Cleckley tenta avançar na etiologia da psicopatia, tentando perceber o que a
causa. No entanto, o autor não diz se a psicopatia é ou não hereditária, mas diz antes que estes
indivíduos fazem sofrer os outros e a eles próprios, não têm insight, não estando
instrumentalmente a ter comportamentos antissociais (pouca relevância dada aos comportamentos
antissociais e à psicologia criminal). Neste sentido, apresentavam antes falta de relações afetivas
e falta de laços sociais porque estes indivíduos, apesar de usarem a máscara da sanidade, por trás
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são máquinas, isto é, não têm capacidade de sentir a parte afetiva das relações e da vida, não
conseguindo, por isso, sentir as emoções para guiar os seus comportamentos.
A obra de Cleckley foi muito importante por dois motivos. Primeiro foi importante em termos
etiológicos, dado que os restantes autores começaram a inspirar-se nela para produzir modelos
cada vez mais elaborados sobre a psicopatia e em segundo porque quando os autores começaram
a querer operacionalizar a psicopatia basearam-se nos critérios apresentados pelo autor.
HARE E A PCL
Mais tarde, Hare pega nos critérios de Cleckley e usa-os, transformando-os, em 1980, numa escala
– a PCL. Neste sentido, a PCL é muito baseada nos critérios de Cleckley.
Na época em que se começa a desenvolver a PCL, o autor vai buscar outras influências, para além
de Cleckley, nomeadamente ao PCI, que tem itens relacionados com o comportamento antissocial
persistente, e a McCord, sendo que ambos estudavam essencialmente psicologia criminal.
Contudo, Cleckley não tinha grande relevância na psicologia criminal, no entanto, Hare aplica os
seus critérios a populações criminais reincidentes. Deste modo, Hare engloba tanto itens da
psicologia criminal que estavam relacionados com o comportamento antissocial persistente, como
itens relacionados com o comportamento afetivo e aplica-os a amostras criminais, surgindo aqui
dois fatores ou dimensões na PCL, uma dimensão relacionada com as características afetivas e
interpessoais (confiante, mentiroso compulsivo, manipulador, falta de empatia, falta de
nervosismo) e outra relacionada com o estilo de vida, impulsividade e comportamento antissocial,
sendo que esta última dimensão aparece porque o autor trabalha com indivíduos antissociais.
Neste sentido, na PCL estas dimensões estão correlacionadas, ou seja, valores elevados numa
conduzem a valores elevados na outra. Assim, tendencialmente, elevados valores no fator 1 da
PCL (características afetivas e interpessoais) levam a elevados valores no fator 2 da PCL (estilo
de vida, impulsividade e comportamento antissocial), ou seja, indivíduos com problemas ao nível
afetivo e interpessoal são mais impulsivos e apresentam mais comportamentos antissociais.
Contudo, uma dimensão não explica totalmente a outra, uma vez que há indivíduos impulsivos,
com problemas ao nível afetivo e comportamentos antissociais, mas que não são psicopáticos.
Deste modo, este construto da psicopatia tem em conta tanto fatores comportamentais (fator 2)
como fatores relacionados com a personalidade (fator 1). O fator 2 está muito relacionado com o
DSM, uma vez que é externalização, mas o fator 1 está pouco relacionado com a perturbação
antissocial da personalidade porque não tem em conta fatores da personalidade.
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A perturbação da personalidade antissocial a e psicopatia não são assim sinónimos, sendo que a
psicopatia procura caracterizar um grupo de sujeitos com uma disfunção de etiologia comum, isto
é, procura caraterizar um grupo de sujeitos que estão relacionados com a perturbação antissocial
da personalidade e que têm uma etiologia comum.
Assim, Hare refere que dentro dos reclusos reincidentes, a maior parte apresenta perturbação
antissocial da personalidade, mas dentro destes reclusos há alguns que são psicopatas que têm em
comum com os primeiros o fator 2 da PCL, mas têm uma coisa em particular porque nestes
últimos também o fator 1 é elevado que faz com que sejam um grupo especial e diferente dos
primeiros. Para além disso, diz que há psicopatas que não são reclusos, são os chamados bem-
sucedidos.
Assim:
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Contudo, Cooke e Richie (2001) defendem que na verdade a psicopatia deve ter três dimensões e
não quatro, nomeadamente defendem que o comportamento antissocial deve sair da estrutura da
psicopatia, sendo algumas razões para tal:
1. O facto de o modelo conceptual de psicopatia ser fortemente baseado em Cleckley que não
considerava que o comportamento antissocial fosse uma parte da estrutura conceptual da
psicopatia, considerando antes que este era uma consequência desta. Ou seja, o autor
considerava que indivíduos com psicopatia tinham maior probabilidade de ter
comportamentos antissociais e, portanto, estes comportamentos eram uma consequência da
psicopatia. Assim, não podemos utilizar como critério o que queremos prever, isto é, os
comportamentos antissociais.
2. O facto de o que queremos prever não poder ser aquilo que utilizamos para medir o que
queremos prever (comportamentos antissociais) → argumento tautológico relacionado com o
anterior.
3. O facto de que quando se faz uma análise fatorial confirmatória com um modelo estrutural
com três fatores, este modelo ajusta muito melhor psicometricamente à variação dos dados.
Foi esta obra que fez com que Hare em 2006/2007 afirmasse que efetivamente três
fatores/dimensões ajustam melhor estatisticamente que quatro dimensões.
Atualmente, a psicopatia é, para a maior parte dos autores, um cluster de características e traços
de personalidade, como a ausência de remorsos, frieza, falta de empatia, egocentrismo,
desrespeito pelos direitos dos outros, tendência para mentir e manipular os outros, impulsividade
entre outros. Estas características constituem um preditor de uma tendência para estilo de vida
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antissocial, maior probabilidade de reincidir e fator de risco para comportamento violento. Além
disso, os indivíduos com psicopatia estão sobre representados em contextos prisionais.
Contudo, não se deve dizer que um indivíduo é psicopata, devendo dizer-se antes que tem altos
níveis de psicopatia.
A distinção entre psicopatia e outros quadros de externalização persistente, sendo que estes se
referem a pessoas que reiteradamente têm comportamentos antissociais, agressivos e violentos, é
feita com base no tipo de agressividade apresentada.
A agressividade reativa (afetiva) ocorre quando um evento ameaçador ou frustrante inicia um ato
agressivo que frequentemente induz raiva. A agressão é iniciada sem vista a obter um objetivo
potencial, como bens ou estatuto. O FFF (Blanchard, 1977) é um modelo que descreve o
comportamento típico dos mamíferos em termos de ameaça, descrevendo uma escalada de reação
a diferentes níveis de ameaça.
Estes tipos de agressividade são mediados por circuitos neurocognitivos distintos, ou seja, por
diferentes partes do cérebro:
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Na literatura clássica, os termos psicopatia e sociopatia são muitas vezes utilizados de forma
indistinta. Contudo, em 1995, Lykken propõe uma distinção entre estes termos:
• Os ofensores normais não têm uma personalidade antissocial, ou seja, não têm nada neles que
os empurre para o comportamento antissocial. Podemos distinguir:
o Inocente
o Vítima das circunstâncias: são aqueles indivíduos que fizeram alguma coisa de errado
e as circunstâncias empurraram-nos para uma vida de crime.
o Alguns criminosos de carreira: indivíduos que escolhem a vida criminal por ser o
caminho mais fácil.
o Alguns criminosos de colarinho branco: indivíduos que cometem crimes para obter
vantagens e porque consideram que há pouca probabilidade de serem apanhados.
• Os ofensores psicóticos são aqueles que, por norma, se encontram nas alas psiquiátricas, como
os esquizofrénicos.
• Personalidades antissociais:
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o Sociopatas são indivíduos que têm uma personalidade antissocial por falha nas
instâncias socializadoras, como por exemplo indivíduos que foram alvo de práticas
parentais inadequadas. Assim, estes são indivíduos que têm capacidade para seguirem
regras, mas estas regras são erradas, uma vez que estes não tiveram condições para
adquirirem a consciência moral da sociedade geral.
− Comum
− Alienado
− Agressivo
− Dissocial
o Psicopatas, ao contrário dos sociopatas, são indivíduos que podem não ter capacidade
para seguir regras, sendo que podem mesmo quebrar as regras de conduta de forma
instrumental.
− Primário são indivíduos essencialmente psicopatas F1 que apresentam muito
baixa ansiedade.
− Secundário são indivíduos psicopatas essencialmente F2 que apresentam muita
externalização e muita impulsividade.
− Destemperado
− Carismático
o Neuróticos são aqueles que têm desregulação do eixo HPA porque foram vítimas de
maus tratos, por exemplo. São pessoas extremamente ansiosas e explosivas, ao ponto
de se poderem tornar muito violentas.
PSICOPATIA E REINCIDÊNCIA
Os psicopatas têm cerca de três vezes mais probabilidade de reincidir e quatro vezes mais
probabilidade de reincidir violentamente no primeiro ano após libertação (Hamphill et al., 1998;
Grann et al, 1999; Hare et al., 2000).
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PSICOPATIA E TRATAMENTO
Os psicopatas não respondem à maior parte das intervenções e tratamentos de que são alvo, mas
também não há muitas intervenções para pessoas psicopáticas. Para além disso, a maior parte dos
programas que existem não são ajustados a este padrão de personalidade.
Este é um modelo alternativo da psicopatia. Os autores deste modelo referem que quando se olha
para toda a história da psicopatia vê-se sempre três grandes grupos de coisas a surgir, que são os
chamados constituintes fenótipos da psicopatia. Assim, estes são:
A ousadia consiste na capacidade para manter a calma e o foco em situações que envolvem
pressão e ameaça, capacidade de recuperar rapidamente de eventos stressantes, alta autoconfiança
e eficácia social, e tolerância ao desconhecido e ao perigo. Estas são as chamadas características
positivas da psicopatia.
2. Meanness (malvadez)
A malvadez está inversamente relacionada com a empatia emocional e, por isso, há falta de
empatia.
3. Deshinibition (desinibição)
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Quando olhamos para as causas destes traços verificamos que as causas são independentes.
Assim, uma coisa é a causa da ousadia e da malvadez que estão relacionadas com a incapacidade
ou capacidade reduzida de sentir medo (frieza emocional) e, independentemente disso, temos a
causa da desinibição que está relacionada com a vulnerabilidade à externalização.
Por sua vez, quando olhamos para o substrato cerebral destes dois processos etiológicos, vemos
que estes dois processos dependem de circuitos cerebrais diferentes, assim como a agressividade
reativa e instrumental. Deste modo, o processo subjacente à ousadia e à malvadez depende do
sistema de deteção e resposta à ameaça e da aprendizagem de associações (amigdalina) e o
processo subjacente à desinibição depende do córtex pré-frontal.
MODELOS
Existem diferentes tentativas para responder a estas questões, sendo que estas tentativas
correspondem a diferentes Modelos.
1. MODELO DE LYKKEN
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disfunção nos mecanismos neurobiológicos de deteção e resposta à ameaça é uma das posições
mais fortes no estudo da psicopatia (e.g. Lykken, 1957; Fowles, 1980; Patrick, 1994)
Neste sentido, este modelo apresenta a hipótese de baixo medo que nos diz que:
• Pobre evitamento passivo consiste em aprender o que não se deve fazer. Este é um
paradigma de resposta de condicionamento operatório por oposição ao condicionamento
clássico. Assim, no condicionamento clássico, não há resposta, havendo apenas uma
associação, enquanto que no condicionamento operatório há a emissão de uma resposta e
seguidamente uma recompensa ou punição por emitir essa resposta.
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Aqui o objetivo era aprender a evitar as punições. Assim, era pedido aos indivíduos para
navegarem por um labirinto, sendo que quando chegavam a um determinado local tinham
de optar por uma de quatro hipóteses, sendo que duas eram neutras, uma era um choque
e outra era a resposta certa. O que se verificou aqui foi que indivíduos com psicopatia
primária aprendem tão bem como os controlos quais são as respostas certas, mas não
compreendem tão bem as respostas erradas. Neste sentido, o indivíduo controlo ao ter
optado uma vez pelo caminho em que leva um choque nunca mais vai por aquele caminho
porque sabe que se for vai levar um choque, já os psicopatas não pensam assim. Isto
significa que a punição não tem efeito nos indivíduos com psicopatia.
• APQ (Activity Preference Questionnaire). Aqui pretendia-se perceber até que ponto as
respostas comportamentais das pessoas dependem da aversão ao risco ou da procura do
risco. Assim, era pedido aos indivíduos para escolherem entre uma atividade perigosa e
uma atividade muito aborrecida. Verificou-se aqui que as escolhas comportamentais dos
indivíduos com psicopatia primária eram sempre as atividades perigosas.
Para além disto, o modelo de Lykken diz-nos que os indivíduos com psicopatia são:
O modelo do Lykken põe aqui em perspetiva a socialização vs. a competência parental. Assim,
olhando para o gráfico podemos ter pais muito maus, médios ou muito bons e, em termos de
socialização podemos ser muito antissociais, médios ou muito socializados.
1. Genótipo de difícil socialização: são as crianças que têm pouco medo e, por isso, mesmo
que tenham pais excecionais vão ser sempre médios na socialização e nunca muito
socializados. É aqui que se encontra a psicopatia que se caracteriza pela difícil
socialização especialmente quando esta aparece combinada com pais muito maus.
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Contudo, indivíduos psicopatas mesmo que tenham pais que são muito competentes, vão
ser sempre socializados abaixo da média, independentemente dos esforços dos pais e,
por isso, por muito que sejam punidos pelos pais nunca vão ser socializados.
2. Genótipo médio de socialização. Neste caso, se os pais forem muito maus temos
indivíduos que são sociopatas que aprendem as regras desviantes ou não aprendem regras
porque não lhes ensinam. Contudo, se os pais forem médios, estes indivíduos também
serão médios na socialização.
3. Genótipo de fácil socialização: são indivíduos que aprendem rapidamente e, por isso,
são sempre mais ou menos socializados, independentemente da competência parental
baixa.
Hoje o modelo de baixo medo, é muito replicado através de demonstrações laboratoriais, sendo
que o que tem sido proposto como um marcador biológico da psicopatia primária é a incapacidade
de modulação do reflexo ocular.
Quando nós apanhamos um susto o nosso corpo liberta uma expressão, como fechar os olhos,
sendo que uma das fórmulas inteligentes de eu perceber quanto é que eu me assusto é medir a
frequência com que fecho os olhos após um susto. Assim, sabemos que a modulação do reflexo
de sobressalto é modelada pelo contexto, como os filmes de terror. A esta medição corresponde
a modulação do reflexo ocular de sobressalto.
Por exemplo, num caso vamos a andar pela faculdade e pregam-nos um susto, enquanto noutro
caso, acontece o mesmo, mas à noite no cemitério. É de notar que neste último caso vamos reagir
mais, pois em ambientes ameaçadores temos reações de sobressalto mais elevadas.
Aquilo que se verifica é que indivíduos com psicopatia não demonstram modelação do reflexo
ocular de sobressalto.
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Assim, concluímos que crianças com psicopatia não são capazes de responder às punições, não
demonstram respostas condicionadas ao estímulo que inicialmente é neutro e depois se torna
condicionado e, para além disso, não aprendem quais são as respostas erradas. Assim,
neurobiologicamente há algo nestas crianças que diz que a punição não é eficaz.
Por sua vez, os défices de condicionamento só aparecem em indivíduos antissociais de classe alta
e, por isso, nestes indivíduos há alguma coisa que em termos neurobiológicos os empurra para a
antissociabilidade. Isto significa que nos indivíduos antissociais de classe baixa é o meio que os
empurra para o comportamento antissocial e, por isso, são normais do ponto de vista
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neurofisiológico. Assim, os indivíduos antissociais de classe baixa são mais condicionáveis, o que
significa que aprendem rapidamente as regras do meio.
Gray é um autor que começa a falar da biologia do medo e que trabalhava essencialmente para a
indústria farmacêutica no desenvolvimento de comprimidos para a ansiedade ligada ao medo. No
fundo, Gray não estudava psicopatia, mas antes os efeitos de ansiolíticos.
Uma das grandes contribuições deste autor foi a sua conceptualização a que se chama de
ortogonalidade do sistema motivacional. Assim, segundo Gray, quando olhamos para o sistema
motivacional dos mamíferos conseguimos identificar dois sistemas que são completamente
independentes entre si em termos fisiológicos, em termos de substrato neurobiológico, em termos
da sua ação e em termos de comportamento. Estes sistemas são:
Gray diz-nos que estes dois sistemas são independentes, o que significa que podemos estar num
estado de ativação muito forte, mas ao mesmo tempo podemos estar num estado de inibição muito
forte. Assim, um indivíduo pode estar num cenário em que está altamente motivado para um
determinado objetivo e, ao mesmo tempo, está altamente inibido para realizar esse objetivo, sendo
um exemplo disto a pedofilia, uma vez que os pedófilos, muitas vezes, sentem repulsa e ansiedade
sobre o seu comportamento, mas ao mesmo tempo estão motivados para levar a cabo esse seu
comportamento; outro exemplo disto são os comportamentos aditivos, como fumar. Deste modo,
percebemos que há momentos de aproximação e momentos de fuga que são controlados por dois
sistemas diferentes e que nos permitem perceber porque é que as pessoas têm determinados
comportamentos destrutivos e porque sentem ansiedade ao fazê-lo.
Por sua vez, Gray com o seu trabalho encontrou um conjunto de descobertas:
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Ciências Forenses II | Margarida Oliveira e Tânia Soares
Mais tarde, um autor chamado David Fowles recupera o que Gray tinha escrito e diz que na
verdade podemos aplicar o modelo de Gray à psicopatia, tendo Fowles batizado este modelo como
RTS (Teoria da Sensibilidade ao Reforço). Assim, segundo Fowles, conseguimos conceptualizar
a psicopatia e os seus diferentes tipos recorrendo à ideia de que há dois sistemas motivacionais e
as pessoas variam nesses sistemas.
Deste modo, os indivíduos podem apresentar défices nos sistemas motivacionais e assim:
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• Williamson et al. (1991); Kiehl et al. (1999) – Ausência de diferenciação ERP e de tempo de
reação em tarefas de discriminação e decisão lexical a palavras negativas vs. positivas e
abstratas vs. concretas.
• Patrick et al. (1993); Levenston et al. (2000); Pastor et al. (2003) – menor potenciação do
reflexo ocular de defesa no contexto de primes aversivos.
• Patrick et al. (1994) – menor reatividade eletrodérmica à imaginação de cenas de medo ou
desagradáveis.
• Marsh e Blair (2008) – défices no reconhecimento de expressões faciais de medo e tristeza
Estes autores, no seu estudo, concluem que uma das consequências dos défices
neurobiológicos nos indivíduos com níveis extremos de psicopatia é não serem capazes de
reconhecer expressões faciais de medo e tristeza. Contudo, estes autores fizeram um estudo
com indivíduos antissociais reincidentes, nomeadamente reclusos e vão compará-los com os
indivíduos controlos. No final, os autores consideram que os resultados também se aplicam a
indivíduos com psicopatia, contudo este resultado é duvidoso.
PSICOPATIA
Blair é responsável por uma das evoluções dos modelos de baixo medo. Contudo, quando falamos
no modelo de baixo medo temos de ter em conta que este se divide em modelos afetivos e
emocionais, por um lado, e em modelos cognitivos, por outro lado. Relativamente aos modelos
emocionais, o responsável é Blair, sendo que dentro destes modelos podemos distinguir dois, (1)
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Desde logo, Blair diz que parece ser duvidoso que a punição seja a técnica mais eficaz da
socialização, apesar de Lykken e Eysenck partirem do pressuposto de que a socialização se faz
pela punição. Assim, Blair diz que os métodos mais eficazes para promover a pró-sociabilidade
na maior parte das crianças são as técnicas indutivas e não as técnicas punitivas. As técnicas
indutivas consistem em chamar a atenção das crianças para as consequências do seu
comportamento nos outros, sendo que isto funciona muito melhor do que a punição porque esta
última normalmente cria crianças agressivas. No entanto, segundo Blair, quando as crianças têm
traços de frieza emocional, as técnicas indutivas não resultam mesmo.
Assim, Blair parte da ideia de que há um subsistema de inibição comportamental que é um sistema
de inibição da violência. Deste modo, o autor refere que existem certas pistas que quando são
percebidas ativam mecanismos de inibição comportamental, sendo essas pistas faces ou
vocalizações de medo ou tristeza. Neste sentido, quando estas pistas são percebidas, isto leva a
que o indivíduo pare o seu comportamento porque percebe que esse está a causar sofrimento ao
outro, ativando assim o sistema de inibição comportamental. Deste modo, as pistas de sofrimento
no outro normalmente aparecem quando se faz uma transgressão moral, sendo que quando essas
pistas surgem o indivíduo começa a estabelecer associações entre os atos que provocam
sofrimento ao outro e a exibição de faces de sofrimento pelos outros. Assim,
desenvolvimentalmente aprendemos a inibir comportamentos que causam este tipo de
consequências.
Contudo, Blair verificou que crianças com psicopatia não são capazes de reconhecer faces ou
vocalizações de medo ou tristeza, uma vez que o substrato neurobiológico deste reconhecimento
é o mesmo que é responsável pela associação do condicionamento aversivo. Deste modo, estas
crianças não têm o que é necessário para fazer as associações entre o seu comportamento
transgressivo e as faces e vocalizações de medo e tristeza exibidos pelos outros e, por isso, o
mecanismo de inibição de violência não funciona em indivíduos com psicopatia.
Para explicar este seu achado, Blair distinguiu as transgressões morais das transgressões
convencionais. As transgressões morais são transgressões que são vistas como universalmente
erradas, graves e não dependentes de autoridade, como por exemplo matar uma pessoa. Assim,
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estas transgressões constituem uma regra exterior a nós que não é convencional. Por outro lado,
as transgressões convencionais é por exemplo conduzir pelo lado direito da rua porque há uma
convenção em Portugal que assim o determinou.
Tendo por base esta distinção, Blair diz que as regras morais, relacionadas com as transgressões
morais, são as que estão desenvolvimentalmente associadas ao sofrimento nos outros e, por isso,
é que elas assumem um caráter sobrenatural, fazendo com que nós saibamos que não podemos
violar essas normas. Assim, o que acontece com os indivíduos com psicopatia é que não são
capazes de distinguir entre transgressões e normas morais e convencionais, ao contrário dos
restantes indivíduos ditos normais que sabem que dar um tiro noutra pessoa é errado,
independentemente de haver uma regra que o permita.
O autor chegou a esta conclusão ao fazer um estudo em que comparou indivíduos com
comportamentos antissociais que estavam na cadeia e indivíduos controlo, pedindo para eles
apelidarem um conjunto de transgressões como morais ou convencionais. O autor concluiu que
os indivíduos que estavam na cadeia julgam todas as normas e regras como morais porque não
têm mecanismos que permitam reconhecer expressões faciais de medo e tristeza, assim como não
têm mecanismos que lhes permitam distinguir transgressões morais de convencionais e, por isso,
respondem de acordo com aquilo que é desejável socialmente. Assim, para ter dados mais fiáveis,
Blair fez o mesmo teste com crianças com traços de frieza emocional e verificou que estas julgam
todas as transgressões como convencionais porque estas não se encontram na cadeia.
Mais tarde, num estudo desenvolvido verificou-se que indivíduos com psicopatia não demonstram
resposta eletrodérmica da pele a faces ou vocalizações de medo ou tristeza.
Por sua vez, há autores que discutem porque é que as nossas expressões faciais são como são,
sendo que estudos revelam que as emoções são elementos de preparação para a ação e, por isso,
a emoção é uma reposta fisiológica a determinados estímulos evolutivos. Contudo, expressões de
nojo e o medo podem ter outras funções. Desde logo, estas são expressões contrárias uma da outra
e, por isso, quando fazemos uma expressão de nojo estamos numa situação evolutiva em que
estamos a rejeitar estímulos ambientais, ou seja, estamos a rejeitar informação porque,
normalmente, fazemos uma expressão que implica semicerrar os olhos, e, contrariamente quando
fazemos uma expressão de medo estamos a captar mais estímulos periféricos do ambiente porque
abrimos mais os olhos e ficamos mais alerta. Já Marsh (2005) diz que quando fazemos uma face
de medo estamos a aumentar a semelhança da nossa face à face de um bebé, isto porque os seres
humanos estão evolutivamente programados para cuidar de bebés e assim estamos de certo modo
a protegermo-nos.
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Em 2005, Blair complexifica o modelo anterior, sendo este uma elaboração neuro-cognitiva do
anterior. Aqui Blair especifica porque é que as crianças com tendências psicopáticas não
reconhecem pistas de tristeza e de medo. Já em 1994, Patrick tinha referido isto.
Nesta altura, começa a perceber-se o papel da amígdala e, por isso, em 2005, Blair publica um
artigo muito importante em que diz que na verdade, os indivíduos com psicopatia têm
hereditariamente uma disfunção na amígdala, sendo a amígdala uma estrutura subcortical
responsável pelo processamento da informação, avaliação dos estímulos positivos e negativos e
preparação do corpo a esses estímulos. Deste modo, a amígdala é muito importante na deteção de
expressões faciais de medo, processamento e resposta a expressões de medo e no estabelecimento
de aprendizagens por associação.
Neste sentido, nos psicopatas a amígdala tem menor volume e menor funcionamento em tarefas
emocionais. Assim, segundo Blair, as crianças que têm tendências psicopáticas apresentam uma
predisposição genética para baixo medo traço, para não reconhecer expressões faciais nos outros
e não conseguir aprender por associação porque têm uma disfunção na amígdala.
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Blair, baseado em estudos de indivíduos na prisão com psicopatia conclui que há uma lesão na
amígdala e no córtex pré-frontal. Assim, Blair questiona-se de onde podem surgir os défices no
córtex pré-frontal na psicopatia, apresentando diferentes hipóteses:
Blair nunca considera que as lesões no córtex pré-frontal podem ser um artefacto experimental.
• Tiihonen et al., 2000; Yang et al., 2009; Vieira, Almeida et al., 2015 – MRI.
• Birbaumaer et al., 2005; Gordon et al., 2004; Kihl et al., 2001 – fMRI.
• Jones et al., 2009; Marsh et al., 2008 – fMRI em crianças.
• Flor et al., 2002; Lykken, 1957 – condicionamento aversivo.
• Newman & Kosson, 1986; Lykken, 1957 – evitamento passivo.
• Levenson et al., 2000; Patrick et al., 1993 – modulação do reflexo de defesa.
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Este modelo refere que a disfunção da psicopatia não tem a ver com a emoção, mas antes com a
atenção. Assim, na psicopatia o que está a acontecer é que estes indivíduos têm problemas
atencionais.
Os modelos cognitivos dizem que a psicopatia não tem a ver com a emoção, mas com a atenção.
Por exemplo, um rato numa gaiola que não está a fazer nada começa a procurar oportunidades
como comida, mas se de repente acontecer alguma coisa, como acende-se uma luz, o rato pára o
que está a fazer e verifica o que se está a passar no ambiente ao seu redor, verificando-se assim
uma modulação de resposta. Contudo, os indivíduos com psicopatia não são capazes de parar,
refletir e mudar a sua resposta quando surge uma informação periférica, sendo que, na maior parte
das vezes, esta informação periférica é informação emocional. Deste modo, a perturbação central
da psicopatia prende-se com uma incapacidade para modular o set de resposta de acordo com as
pistas ambientais, havendo uma dificuldade na acomodação de informação periférica
independentemente da informação periférica ser emocional ou não.
A modulação de resposta está relacionada com a capacidade que eu tenho de estar dirigido a um
objetivo, mas quando o contexto muda eu tenho a capacidade de modular a minha resposta a esse
novo contexto. Assim, a modulação de resposta é a capacidade para eu suspender a atividade que
eu estou a fazer, em reação a um evento negativo, novo ou inesperado, recorrendo para isso à
integração da informação contextual periférica.
Este modelo diz-nos o que está a acontecer no evitamento passivo, referindo que ao realizar uma
determinada tarefa, como o jogo do labirinto em que o objetivo é chegar ao final do labirinto e o
objetivo periférico é evitar levar um choque. Assim, as pessoas perante a oportunidade de obter
uma recompensa adotam um response set de aproximação. Contudo, quando ocorre um
acontecimento inesperado, por exemplo uma punição, há um aumento do arousal não específico
e, por isso, as pessoas param e reavaliam a situação (retrospective reflexion), aprendendo assim
as pistas que estão associadas à punição e necessárias ao evitamento passivo. No entanto, os
psicopatas perante um acontecimento inesperado o que ocorre é a facilitação do comportamento
em curso, sem processamento do feedback da resposta, ou seja, os psicopatas ficam excitados
com a punição investindo mais no comportamento porque têm um comportamento dirigido aos
objetivos, ou seja, chegar ao fim do labirinto.
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Ciências Forenses II | Margarida Oliveira e Tânia Soares
Newman apresentou um conjunto de letras aos indivíduos, estando eles a ver, por exemplo, um
(A) preto ou um (A) vermelho ou um (a) preto ou um (a) vermelho. Os indivíduos tinham de
identificar se a letra era maiúscula ou minúscula ou identificar se a letra está escrita a preto ou a
vermelho. A seguir, a probabilidade do choque foi emparelhada com o facto de a letra ser
maiúscula ou minúscula ou preta ou vermelha. Assim, quando apareciam, por exemplo, letras
maiúsculas levavam um choque, ou seja, a tarefa que estão a fazer (identificar as letras
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maiúsculas) é congruente com levarem um choque e, por isso, quando aparece uma maiúscula o
corpo prepara-se, ao fim de algumas repetições, para levar um choque. Na condição incongruente
o indivíduo leva um choque relacionado com a cor da letra. Assim, a condição incongruente está
focada numa coisa alternativa que não é o que assinala o choque e, nesta condição, os psicopatas
não apresentam modulação de resposta. No entanto, na condição congruente os psicopatas
modulam a sua resposta porque se está a forçar o set de resposta e, por isso, os indivíduos
psicopatas não têm uma disfunção emocional, mas atencional, não estando isto relacionado com
a amígdala.
Aqui isto não é emocional. O défice tem de aparecer com estímulos que não são emocionais, então
Newman em 1997 fez:
O objetivo era questionar os participantes se a primeira imagem se relaciona com a segunda, sendo
a resposta não. Aqui o estímulo rain é periférico e causa interferência. Assim, os controlos
demoram mais tempo a dizer que não no primeiro par de imagens do que os indivíduos com
psicopatia. Neste sentido, não há interferência da informação periférica mesmo que essa
informação seja neutra nos psicopatas.
Os modelos de Blair e de Newman são dois modelos que propõem que apenas haja uma causa
para a psicopatia, mas se calhar quando olhamos para as populações nos quais são feitos os
estudos do Blair e do Newman vemos que estas são diferentes. Assim, vemos que as amostras de
Blair são pouco externalizantes, indivíduos muito pouco ansiosos e impulsivos, contrariamente
às amostras de Newman que são muito externalizantes, como assassinos, psicopatias F2 e
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Ciências Forenses II | Margarida Oliveira e Tânia Soares
indivíduos muito impulsivos. Neste sentido, na verdade, os modelos estão a explicar duas coisas
diferentes, o de Blair o baixo medo e o de Newman a externalização.
NEUROIMAGIOLOGIA ESTRUTURAL
• 11% de redução no volume do córtex pré-frontal em ofensores violentos com elevado grau
de psicopatia (Raineetal, 2000).
• Aumento do volume do corpo caloso e corona radiata relacionado com grau de psicopatia e
baixa reatividade autonómica ao stress (Raineetal, 2003).
• O volume reduzido no córtex pré-frontal, bem como reduções no hipocampo anterior
caracteriza apenas psicopatas condenados (Yangetal, 2005).
• Redução de volume no hipocampo posterior relacionado com índice de psicopatia em sujeitos
alcoólicos com ASPD (Laaksoetal, 2001).
• Redução do volume de massa cinzenta ao nível do sulco temporal superior (Mulleretal, 2007).
Nestes estudos, quando comparo os dois grupos coloco o meu poder estatístico todo nessas duas
regiões de interesse. Isto porque, quando comparo dois itens posso utilizar o meu nível de
significância todo nessa região. Contudo, quando comparo 10 itens em cada uma delas há 5% de
probabilidade de cometer um erro Tipo I (probabilidade de rejeitar a hipótese nula quando esta é
verdadeira, ou seja, digo que há diferenças quando não há). Logo, quando comparo muitas coisas
aumenta a probabilidade de cometer um erro Tipo I.
Deste modo, na neuroimagiologia tenho de dizer qual é a parte do cérebro que vou comparar,
porque se comparar vários locais posso cometer um erro tipo I e, por isso, é que se defende que
na neuroimagiologia se realize uma análise de regiões de interesse. Logo, mesmo que apareçam
diferenças noutras partes do cérebro, devem-se ignorar as mesmas.
Neste sentido, para se poder comparar várias dimensões no cérebro, desenvolveram-se diversas
técnicas, nomeadamente a VDM – morfometria baseada em fósseis. Esta técnica consiste em
projetar diversos cérebros, projetar o cérebro “normal” (MNI – modelo do instituto neurológico
de Montreal) e depois comparar os cérebros projetados no “normal”. Assim, o MNI é um modelo
de um cérebro com vários pixels, que serve para comparar esses pixels nos MNI do grupo de
controlo e experimental, de modo a aferir as diferenças do mesmo para perceber onde cada grupo
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Ciências Forenses II | Margarida Oliveira e Tânia Soares
tem mais densidade no voxer (pixel tridimensional). Logo, a VDM é um método sofisticado para
correção do erro tipo I, ou seja, só diz que há diferença naquela região se houver vários voxers
que diferem nessa região com comparação ao outro MNI.
Os cientistas, nesse estudo, quando comparam grupos com ou sem psicopatia olharam para áreas
com menor densidade de neurónios em algumas zonas do cérebro (a matéria cinzenta são os
corpos dos neurónios e a matéria branca são os axónios ou feixes).
• córtex frontopolar;
Quando comparamos grupos pode haver erros. Por exemplo, neste estudo não aparecem
diferenças na amígdala, isso porque ela é difícil de registar e varia muito inter-individualmente.
Contudo, quando há menor matéria branca em crianças psicopáticas, quer dizer que a amígdala
pode ter a mesma densidade, mas há menos
ligações/comunicação. Além disso, quando
olhamos para a matéria cinzenta vemos
algumas áreas que aparecem com poder
estatístico que permite dizer que,
provavelmente é uma tendência, não é só
nessa área.
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cinzenta. Mas quando faço isso com o Fator 1 da PCL (afetivo/interpessoal) aparece o córtex
orbito frontal medial por baixo do corpo caloso (matéria branca) e o sub temporal superior e o
córtex frontopolar.
NEUROIMAGIOLOGIA ESTRUTURAL
• Regulação da conduta social. Por isso, pessoas com lesões no córtex são mais
problemáticas a nível comportamental.
• Controlo comportamental (e.g. tarefas Go/NoGo). Por isso, pessoas com lesões no córtex
têm o seu controlo comportamental problematizado.
• Vinculação e cooperação intersocial.
• Resposta eletrodérmica. Por isso, pessoas com lesões no córtex apresentam menos
capacidade de produzir essas respostas.
• Tomada de decisão em tarefas de gambling. A tarefa mais famosa de gambling é a de
Iowa Ganbling Task que consiste numa tarefa com 4 baralhos e temos de dizer de qual
dos baralhos queremos tirar cartas, sendo que no baralho A e B temos baixas
recompensas, mas baixas punições (perdemos menos pontos, apesar dos ganhos serem
baixos, mas acaba por ser positivo), enquanto os restantes baralhos são de altíssima
recompensa e altíssima punição e no fim acabam sem pontos. Neste sentido, Becker
demonstrou que depois de cerca 20 cartas, ainda antes das pessoas perceberem muito bem
as regras, – marcador somático – o corpo começa a reagir, ou seja, as pessoas depois de
20 ensaios quando vão com a mão para os baralhos arriscados aparece uma resposta
elétrica da pele e ao fim de mais alguns ensaios as pessoas deixam de jogar esses baralhos.
Contudo, as pessoas que tenham lesões no pré-frontal, não têm resposta eletrodérmica da
pele e não param de jogar esses baralhos, ou seja, elas são altamente movidas pela
recompensa e não conseguem integrar a probabilidade de punição.
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• Representação de objetivos e valores sociais a longo prazo. Por exemplo, é saber que é
preciso estudar para tirar boas notas e, além disso, ter de levar este objetivo a longo prazo,
de modo a tirar boas notas e ser um bom aluno.
• Inibição de respostas prepotentes em favor de recompensas a longo prazo, ou seja, ser
capaz de pensar a longo prazo, inibir o que posso ter agora, mas aguardar e ter uma
recompensa a longo prazo.
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NEUROPSICOLOGIA
A neuropsicologia é prima da neurociência cognitiva, sendo que esta última é uma área que tenta
mapear os processos cognitivos do cérebro, utilizando uma geologia (ressonância
eletromagnética, tonografia). Assim, classicamente, a neuropsicologia tenta fazer a mesma coisa,
mas através de casos de lesão, nomeadamente tentando compreender em que área se encontra essa
lesão e vendo os processos que estão comprometidos.
HISTÓRIA DA NEUROPSICOLOGIA
Localizacionismo
Os autores do localizacionismo, como Paul Broca, Franx e Gall, defendem que é possível
identificar zonas cerebrais responsáveis por determinadas funções. Por exemplo, Paul Broca
apresentou o primeiro caso onde há, provavelmente, uma localização explícita de uma lesão
cerebral para um problema comportamental. Por sua vez, Tantan, que tinha afazia motora,
conseguia compreender as palavras, mas não conseguia produzir discurso, só dizia tan tan. Assim,
após a sua morte, verificou-se que este tinha uma lesão no cérebro numa área que se chama broca
(terceira frontal esquerda). Logo, percebeu-se que nos casos de problemas de vocalizar, os
indivíduos têm uma lesão na área da broca.
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Ciências Forenses II | Margarida Oliveira e Tânia Soares
Ao mesmo tempo, Carl Wernicke era capaz de produzir discurso, mas perdeu a relação entre o
significado e o significante (entre a palavra e o que a palavra significa – incapaz de compreender
o discurso). Assim, chegou-se à conclusão de que este tinha uma afasia sensorial ou wernicke,
sendo que doentes com essa afasia têm uma lesão na área de wernicke que é temporal,
demonstrando défices na compreensão semântica auditiva.
Holismo
Holo significa que todo o cérebro contribui para a função ou equipotencialidade, ou seja, todo o
cérebro tem o potencial de produzir informação cognitiva.
Assim, os autores destas escola eram essencialmente reticolaristas e, por isso, defendiam que o
cérebro era todo ele um órgão interligado, sendo que isso era a passagem mais fácil entre o que
era o corpo físico e a alma, ou seja, o reticulo era onde a alma se projeta (cérebro). Logo, os
défices observados nas lesões psicológicas não se relacionam com uma área específica, mas sim
com a quantidade do cérebro que perdem, quantidade essa que está ligada com a perda da função.
Atualmente, sabemos que ambos têm razão, pois as funções cerebrais dependem de redes, então
posso ter uma lesão no feixo longitudinal (liga vertebral e broca), mas também dependem da
quantidade da função que se perder, então posso ter uma afasia.
Localizacionismo Holismo
Axiomas Cada função é regulada por uma área específica Todas as funções dependem do funcionamento
cerebral global
Aspetos 1. Identifica áreas envolvidas na regulação de 1. Funcionamento cerebral unitário, ou seja, o
positivos funções mentais de alto nível. Por exemplo, holismo entende que o cérebro funciona como um
em relação aos indivíduos incapazes de todo – uma rede.
produzir palavras tentam relacionar défices
funcionais e défices estruturais. 2. Implicação de amplas áreas na regulação das
funções superiores. Ou seja, quanto mais
2. Afasta-se da tese dualista ao dizer que todas desenvolvida for uma função mais depende de
as funções dependem do funcionamento geral muitas estruturas e das ligações entre estas, ou
do cérebro e, por isso, entendem que não seja, funções complexas dependem de redes
existem células separadas no cérebro, mas complexas.
antes um órgão da função.
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Escolas Hierárquicas
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O modelo hierárquico de funcionamento cerebral de Luria foi o primeiro modelo a dizer que
quando olhamos para o cérebro conseguimos identificar diferentes áreas responsáveis por
diferentes tipos de funções (bloco 1, bloco 2 e bloco 3) e quando olhamos para a evolução das
espécies vemos que há espécies que só têm o bloco 1 ou só têm o bloco 1 e 2, mas não há espécies
que tenham o bloco 2 e/ou o bloco 3 sem terem o bloco 1 porque estas constroem-se em camadas.
Assim, os blocos cerebrais são estruturas subcorticais, que estão por baixo do córtex.
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Vemos assim que as funções mais complexas, como a monitorização e integração, não são apenas
frontais, mas também pré-frontais. A informação visual chega ao córtice visual primário,
passando para o secundário e, posteriormente, para o terciário e é transformada de sensação para
processo simbólico. Estes processos simbólicos da unidade sensorial são transportados para as
intenções localizadas nas zonas motoras terciárias e depois passam a ser padrões de ação
localizados nas zonas motoras primárias e secundárias.
As tarefas de avaliação neuropsicológica são desenhadas para apanhar cada um destes passos.
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Leis de Luria
Lei da estruturação hierárquica 1. Durante o desenvolvimento, as áreas
primárias assumem preponderância
funcional.
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Assim, uma avaliação neuropsicológica é uma espécie de entrevista clínica de avaliação auxiliada
por instrumentos psicométricos que têm uma especificidade “são instrumentos que, pela
investigação, como estudos de imagiologia cerebral, conseguem perceber que a realização de
determinada tarefa ativa determinados sistemas cerebrais”. Assim, este é um tipo especial de
avaliação psicológica.
Por sua vez, a avaliação neuropsicológica forense é outro tipo de avaliação ainda mais especial
que é realizada para informar o sistema de justiça acerca, por exemplo, da capacidade de
testemunhar ou não ou do grau de dano causado numa determinada pessoa.
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Vemos assim que a neuropsicologia tenta isolar sistemas neuronais, sendo que por isso
conseguimos avaliar o funcionamento executivo e dentro deste podemos avaliar a memória
operatória (decorar itens a curto prazo).
A avaliação neuropsicológica fornece assim informação sobre a presença, gravidade e, por vezes,
localização da lesão cerebral (Stringer & Green, 1996). Atualmente, pode ser feito através de uma
ressonância magnética. Para além disso, contribui com informação exclusiva sobre as forças e
fraquezas funcionais que é necessária para o diagnóstico, prognóstico e planeamento da
reabilitação e que a imagiologia não pode fornecer (Volpe, 2003).
Por sua vez, a avaliação neuropsicológica é baseada em normas, o que significa que quando se
faz uma avaliação psicológica se esta não for feita para estudos de avaliação científica, mas antes
para efeitos de diagnóstico, prognóstico e avaliação de risco é necessário comparar-se a pontuação
do indivíduo com normas, ou seja, ver o que é alto e o que é baixo.
Relevância forense
A primeira relação estabelecida entre a lesão cerebral e o crime foi feita por Phineas Gage, que
estabeleceu como pressuposto que existe uma maior propensão para a manifestação de
comportamentos antissociais em alguns indivíduos que sofreram lesões cerebrais em
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determinadas regiões, contudo, isto é diferente de dizer que todos os criminosos apresentam
anomalias cerebrais.
Assim, dizer que os indivíduos com maior propensão para o comportamento antissocial
apresentam uma maior probabilidade de ter lesões em determinadas zonas cerebrais como no
córtex pré-frontal, não é a mesma coisa que dizer que todos os criminosos apresentam anomalias
cerebrais. Isto pode também querer dizer que determinados indivíduos com lesões em
determinadas áreas têm maior propensão para comportamentos antissociais.
Por sua vez, quando queremos comparar a existência de lesões pré-frontais e olhamos para a
população em geral e para criminosos reincidentes e verificamos que há uma maior proporção de
criminosos reincidentes com lesões pré-frontais do que indivíduos na população geral. No
entanto, isto não significa que a lesão pré-frontal leva ao comportamento antissocial, pode querer
antes dizer que o comportamento antissocial leva a lesão pré-frontal.
No entanto, a Neuropsicologia Clínica atua em todas as dimensões do sistema legal onde possa
existir um impacto na disfunção cerebral no processo, fornecendo evidência da existência ou não
de anomalia fisiológica e do seu impacto comportamental. Assim, a neuropsicologia atua junto
do Direito Civil e do Trabalho, na avaliação do dano, no Direito Penal (por exemplo, para verificar
se um indivíduo reincidente é mais perigoso porque tem lesão cerebral), ao nível da
responsabilidade criminal e na avaliação de risco.
Objetivos
Atualmente, o objetivo está mais relacionado com o Prognóstico, mais propriamente pretende-se
estimar o grau de recuperação após TCE e estimar o grau/rapidez de declínio neurodegenerativo.
Assim, verifica-se que o objetivo na maior parte das vezes não é apenas o diagnóstico, mas cada
vez mais, com o desenvolvimento do conhecimento técnico, a intervenção na avaliação da lesão
cerebral, estimar o grau de recuperação e delinear planos de reabilitação neurocognitiva.
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• Orientação e consciência
• Funções sensoriais, percetivas e motoras
• Atenção
• Memória
• Processamento visual e auditivo
• Linguagem
• Funcionamento executivo (formação conceitos, resolução problemas, planeamento e
organização). O funcionamento executivo pode ser divido em três capacidades:
− Memória a curto prazo ou memória operatória é a capacidade de manter em lupa um
conjunto de itens importantes para uma tarefa que estou a realizar como, por exemplo,
memorizar um número de telefone, saber que passos que tenho de fazer para atingir
um dado objetivo, entre outros. A memória operatória é importante nomeadamente
as funções que estão localizadas no mesmo local desta, ou seja, no córtex pré-frontal
dorso-lateral e, por isso, falamos daqui de tarefas em que é necessário inibir uma
reposta que é imediata, intuitiva e emocional em favor de uma resposta a longo prazo.
• Velocidade de processamento
• Capacidade intelectual
• Competências académicas
• Personalidade, área afetiva e alterações do comportamento
Entrevista clínica
A avaliação neuropsicológica pode ser feita através da entrevista clínica que procura obter
informações acerca de:
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• História pessoal
• História desenvolvimental
• História académico-laboral
• História psiquiátrica
• Funcionalidade
• Dados psicossociais
• Sintomatologia
o Visão (desfocada, dupla, escotoma, alucinações visuais)
o Audição (tinitos, zumbidos, alucinações auditivas)
o Tato (sensação de ardor na pele, calafrios)
o Olfato
o Dores/Cefaleias
o Equilíbrio (tonturas, coordenação motora, calafrios, ataxia)
o Sono (apneia do sono)
o Alimentação
o Linguagem
o Sexualidade
Por norma para avaliar a sintomatologia recorre-se ao BSI (Brief Symptom Inventory),
nomeadamente para avaliar:
− Somatização
− Obsessão-compulsão
− Sensibilidade Interpessoal
− Depressão
− Ansiedade
− Hostilidade
− Ansiedade Fóbica
− Ideação Paranóide
− Psicoticismo
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Psicometria
Domínios Neuropsicológicos:
• Perceção
• Atenção
• Memória
• Linguagem
• Funcionamento Executivo
• Velocidade de processamento/Impulsividade
Este quadro refere-se a tarefas de avaliação neuropsicológica que podem aparecer em relatórios
de avaliação neuropsicológica em ciências forenses. Um exemplo de tarefa é os CPT´s que
consiste em colocar os indivíduos a ouvir diferentes sons e pedir para identificarem esses mesmos
sons durante várias horas.
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• ANT – esta é uma tarefa de inibição de resposta, em que tenho de ser capaz de inibir uma
resposta que é automática em favor de uma reposta que não é automática, envolvendo um
esforço cognitivo. Esta tarefa dá-nos um biomarcador, em termos comportamentais, da
capacidade de a pessoa inibir as respostas.
• BART – esta é uma tarefa de tomada de decisão sobre o risco que coloca a minha
motivação de aproximação em conflito com a motivação de afastamento.
• Wisconsin Card Sorting Test – esta é uma tarefa em que tenho de organizar uma carta em
função da cor, do número, ou da forma.
• Iowa Gambling Task– esta tarefa consiste em dois baralhos que são arriscados e outros
dois que não são arriscados. Assim, nos baralhos arriscados ganha-se mais dinheiro, mas
também se perde muito mais dinheiro. Normalmente, as pessoas mais externalizantes,
jogam no baralho mais arriscado.
• Go/ No Go – esta é uma tarefa de controlo de inibição, em que sempre que aparece um P
temos de clicar no rato, mas sempre que aparece o R não devo clicar, controlando a
resposta. Assim, as pessoas que tem tendência a ser mais rápidas, tem tendência a dar
mais falsos alarmes (erros) e, por isso, quando dão um erro, passam a ser mais lentas.
Contudo, as pessoas com falta de inibição, dão muitos falsos alarmes.
• Stroop – esta é uma tarefa de controlo de inibição em que se tem de dizer a cor da palavra
e não ler a palavra ou, então temos de ler a palavra e não ler a cor. Pessoas com défices,
tem muita dificuldade em dizer isto.
CORTÉX PRÉ-FRONTAL
Normalmente, as patologias que têm mais importância para a avaliação neuropsicológica forense
são aquelas que surgem como consequência de uma lesão no córtex pré-frontal.
Córtice cerebral
• Lobo frontal
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Por sua vez, quando olhamos para as lesões frontais verificam-se um conjunto de manifestações
dessas lesões frontais:
• Lobo pré-frontal
▪ Atenção ATENÇÃO E REGULAÇÃO DE
▪ Memória operatória ARMAZENAMENTO
▪ Atenção seletiva
▪ Planificação e previsão FUNÇÕES EXECUTIVAS
▪ Organização temporal da experiência
▪ Aprendizagem de estratégias
▪ Flexibilidade do comportamento
▪ Criatividade
▪ Pensamento abstrato e categorização
▪ Juízo de racionalidade
▪ Inibição e autocontrolo CONTROLO COMPORTAMENTAL
▪ Personalidade e estabilidade emotiva
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Estudo de lesões
• Agressão reativa
• Falta de motivação
• Falta de empatia
• Impulsividade
• Irresponsabilidade
• Falta de insight: incapacidade de perceber que se tem uma condição médica, como
acontece com os doentes com esquizofrenia.
• Desinibição comportamental
• Défices na identificação de vocalização e expressões emocionais
• Extinção de respostas
• Response reversal
• Défices na tomada de decisão (tarefas de gambling)
• Desatenção
• Incapacidade de exploração espacial
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• Desorientação temporal
• Recordações imprecisas, vagas e confusas
• Tendência para a mentira
• Preservação e falta de originalidade
• Superficialidade
• Descuido e despreocupação
• Falta de escrúpulos, de delicadeza e de inibição
• Impulsividade e instabilidade emotiva
• Incoerência e inconsistência
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