Sei sulla pagina 1di 12

QUESTÃO 9

SE A ESSÊNCIA DA CRIATURA
Henrique É O SEU SER
de GAND
[1. INTRODUÇÃO]
Após as questões sobre o Primeiro Princípio e sobre a
maneira como dele as coisas procedem, seguem-se as questões
relacionadas com as coisas que ele produz de acordo com o
modo que referimos. Propor-se-á uma questão sobre a criatura
SOBRE [considerada] de uma maneira comum e geral, e várias outras
sobre a criatura em especial.
~
Ora, [considerada] em geral, a questão consiste em saber se
A METAFISICA a criatura é em si o seu ser.
[2. ARGUMENTOS]
DO SER NO TEMPO E argumenta-se que não é.
Primeiro. Porque, uma vez que a criatura é em si algo sub-
(QUESTÕES QUODLIBÉTICAS I, 7/8-9 e 10) sistente, se ela fosse o seu ser ela seria um ser subsistente. O ser
subsistente é o ser absoluto, o que só acontece com Deus. Então,
a criatura seria Deus. Mas isto é falso. Logo, etc.
Segundo. Porque se a criatura não se distinguir realmente
do seu ser, uma vez que o ser em si enquanto tal não é limitado,
sendo por isso infinito, qualquer criatura será infinita na sua
natureza, o que é falso. Logo, o primeiro, de modo semelhante.
(Edição bilingue)

Versão do latim, introdução e notas de Post quaestiones de Primo Principio et de modo exitus rerum ab ipso,
sequuntur quaestiones de ipsis rebus secundum dictum modum ab eo produc-
MÁRIO SANTIAGO DE CARVALHO tis. Et proponebatur una quaestio de creatura in communi et in generali, aliae
Prefácio e restabelecimento crítico do texto latino de vero plures de ipsa creatura in speciali.
ln generali autem erat quaestio utrum creatura ipsa sit suum esse.
RAYMOND MACKEN Et arguebatur quod non.
Primo quia, cum creatura ipsa sit quid subsistens, si ipsa esset suum esse,
ipsa esset esse subsistens. Esse subsistens est esse purum, quod non est nisi
Deus. Creatura ergo esset Deus. Hoc autem falsum est. Ergo etc.
Secundo quia, si creatura non est aliud re a suo esse, cum ipsum esse, in
quantum huiusmodi, non est limitatum, et ita infinitum, esset quaelibet crea-
tura in natura sua infinita, quod falsum est. Ergo et primum similiter.

131
Terceiro. Porque se a criatura não se distinguisse realmente [3. SOLUÇÃO]
do seu ser, não podendo dessa feita separar-se o ser em si da [I. a Parte: Os dois modos de se entender a participação]
própria criatura, o ser não poderia ser separado realmente da rea-
lidade criada e por isso a criatura seria totalmente incorruptível, Aqui, em primeiro lugar, a fim de excluir uma falsa pers-
o que é falso. pectiva sobre a participação no ser (porque antes de tudo deve
Quarto. Idêntica é a autoridade de BOÉCIO, que na primeira desaprender-se o que é falso para que se possa ensinar o que é
hebdómada da sua obra As Hebdómadas afirma: "O ser distin- verdadeiro, como pretende AGOSTINHO no terceiro livro sobre
gue-se daquilo que é" 1• Esta afirmação não seria verdadeira se A Academia 2 ), deve saber-se o [seguinte]. Pode entender-se de
a criatura e o seu ser fossem realmente idênticos. Logo, etc. duas maneiras o facto de a criatura participar no ser, por Deus,
[Quinto.] E ainda, na mesma [hebdómada]: "Aquilo que é, que é por essência o ser absoluto.
uma vez recebida a forma de ser, existe e subsiste". Mas aquele A primeira, entendendo a essência mesma da criatura como
que recebe distingue-se realmente daquilo que recebe. Logo, etc. um substrato, e o ser no qual ela participa como algo de rece-
[Sexto.] O mesmo, na segundo hebdómada: "Dá-se a parti- bido no substrato à guisa de uma certa forma de existência. Tal
cipação quando algo passa a ser". como se diz que um corpo é branco quando este recebe em si a
E na quinta hebdómada: "Tudo aquilo que é participa no ser forma da brancura, assim se diz que ela é aquilo que é. É o que
a fim de ser". Logo, aquilo que é, já é em si alguma coisa antes parecem implicar as palavras de BOÉCIO, quando diz: "Aquilo
de participar no ser. Mas isto não aconteceria se não se distin- que é, uma vez recebida a forma de ser, existe e subsiste" 3 .
guissem realmente. Logo, etc. É assim que aqueles que afirmam que nas criaturas a sua pró-
Ainda, na sexta hebdómada: "Em qualquer composto, o ser pria essência se distingue realmente do seu ser entendem que a
distingue-se do que é". Se se identificassem de modo real isto criatura participa no ser. Daí, dizerem 4 que "as criaturas estão
não sucederia. Logo, etc. para Deus como o ar para o Sol que ilumina", pois "à semelhan-

Tertio quia, si creatura non est aliud re a suo esse, cum ipsum esse < SOLUTIO >
non potest a se ipso separari, esse non posset separari are creata, et sic es<se>t
omnino incorruptibilis. Quod faisum est. Hic primo ad excludendam falsam imaginationem de participatione esse
Quarto ad idem est auctoritas BOETHII, qui dicit in 'De hebdomadibus', (quia prius oportet dediscere falsa quam possint disci vera, ut vult AUGUS-
hebdomade I":Diversum est esse et id quod est. Quod non esset verum si idem TINUS, 'De Academia', libro III 0 ), sciendum quod creaturam participare esse
re essent creatura et esse eius. Ergo etc. a Deo, qui est ipsum esse purum per essentiam, potest intelligi dupliciter. Uno
Item in eadem:Quod est, accepta essendi forma est atque consistit. modo intelligendo ipsam creaturae essentiam ut aliquid substratum, et ipsum
Sed quod accipit, aliud est re ab eo quod accipit. Ergo etc. esse quo participai, ut aliquid in illo receptum tamquam forma quaedam
Item in hebdomade 2": Fit participatio cum aliquid iam est. essendi, qua dicitur esse ad modum quo corpus dicitur esse album, recepta in
Et in hebdomade 5":0mne quod est, participai, eo quod est, esse ut sit. se forma albedinis. Quod videntur sonare verba BOETHII, cum dicit: Quod
Ergo quod est in se iam est aliquid ante esse quod participat. Hoc autem non est, accepta essendi forma est atque subsistit. Hoc modo intelligunt creaturam
esset nisi essent diversa re. Ergo etc. participare esse illi qui dicunt quod in creaturis aliud est ipsa essentia creatu-
Item hebdomade 61":0mni composito aliud est esse, aliud ipsum <quod> rae, aliud vero re ipsum esse eius. Unde dicunt quod creaturae se habent ad
est. Quod non esset si idem essent re. Ergo etc. Deum sicut aer ad solem illuminantem, ut sicut solem qui est Iucens per suam

132 133

···- ·--·------~"'"""
ça do Sol, cuja natureza consiste em luzir", tal como considera- diz que participa no ser. Esta relativa imitação é específica da
mos que a sua essência não é senão a própria luz, assim também própria essência da coisa, porque a essência mesma de uma
Deus é o ser "pela sua natureza" e "essência, uma vez que" não coisa, na medida em que é um certo efeito de Deus, é uma dada
é senão "ser." E assim como em si o ar não tem luz, e na sua natu- imitação do ser de Deus.
reza não participa de modo nenhum da luz (excepto se for ilumi- Ora esta imitação de Deus, pela qual a criatura participa no
nado pelo Sol, participando dessa luz, pelo Sol) assim a "criatura" ser, não é algo de independente da essência da própria criatura
por si e pela sua essência não tem outra razão de ser, mas encon- distinto realmente dela própria e nela impressa.
tra-se nas trevas da não entidade a não ser que por intermédio de
[Crítica ao primeiro modo]
Deus passe a brilhar e lhe seja dada o ser no qual participa.
Entretanto, outra maneira de se compreender a participação Desta feita, a primeira maneira de entender a participação
da criatura no ser, consiste em entender que a essência mesma da criatura no ser é errada, pois não é uma concepção [acertada]
da criatura, enquanto algo de abstraído pelo intelecto, é indife- mas uma invenção mirabolante. De facto, não se deve imaginar
rente em relação ao ser e ao não-ser, uma vez que por si é um a essência da criatura como o ar indiferente para a obscuridade
certo não-ser, mas possui no entanto uma ideia formal em Deus. e para a luminosidade, mas como um dado raio apto a subsistir
Graças a esta ideia, a criatura é uma certa entidade em Deus, em si, gerado pelo Sol não pela necessidade da natureza mas por
antes de ser um ente na própria natureza, segundo o modo pelo uma vontade livre. Consequentemente, se com uma vontade
qual qualquer coisa é um ente existente em Deus, em confor- livre o Sol pudesse gerar um raio que subsistisse por si , em si
midade com o que se lê no primeiro capítulo [do Evangelho de e na sua natureza o raio seria indiferente para o ser e para o não-
São] João: "O que foi feito foi-no na própria vida" 5• É assim ser, e em si um certo não-ser. Porém, em relação ao Sol, esse
portanto que se torna um ente em acto, quando for criado pelo raio podia receber em si o ser, o que aconteceria ao ser efecti-
poder de Deus, imitando a ideia formal desse ente que em si vado pelo Sol. Produzido e subsistente por si, tal raio seria uma
mesmo Ele possui; em virtude de ser uma Sua imitação, repro- certa luz segundo a sua essência e imitação da luz solar, desse
duzida como efeito daquele ser absoluto que é Deus, é que se

similitudo expressa in effectu ab illo esse puro quod Deus est. Quae quidem
naturam, etiam ponamus per suam essentiam, ut non sit aliud quam ipsa lux, similitudo cadit in ipsa essentia rei, quia ipsa essentia rei, inquantum est qui-
sic Deus habet esse per suam naturam et essentiam, quia non est aliud nisi dam effectus Dei, est quaedam similitudo esse Dei; non autem est ipsa simili-
esse. Et sicut aer de se est obscurus, et de sua natura non est omnino parti- tudo Dei qua esse participat creatura, aliquid praeter essentiam ipsius creatu-
ceps lucis nisi a sole illuminetur, participans per hoc Iumen a sole, sic crea- rae, differens re ab ipsa et ei impressa.
tura de se et sua essentia non habet aliam rationem esse, sed est in tenebris Unde errat praecedens modus intelligendi esse participari a creatura, qui
non entitatis, nisi a Deo illustretur et detur ei esse suum quo participet. non est intellectus sed phantastica imaginatio. Non enim debet imaginari cre-
Alius vero est modus intelligendi creaturam participare esse, intelligendo aturae essentia sicut aer indifferens ad obscuritatem et luminositatem, sed sicut
ipsam essentiam creaturae ut aliquid abstractum per intellectum, indifferens ad radius quidam in se natus subsistere, a sole productus, non necessitate natu-
esse et non esse, quod de se est quoddam non ens, habens tamen formalem rae sed libera voluntate. Unde, si sol libera voluntate posset radium per se sub-
ideam in Deo, per quam in Deo est ens quoddam antequam fiat ens in propria sistentem producere, radius ille, quantum est de se et natura sua, indifferens
natura, ad modum quo quaelibet res habet esse ens in Deo, secundum illud esset ad esse et non esse, et quantum esset de se, esset non ens quoddam.
loannis I0 :Quod factum est, in ipso vita erat, et quod tunc fit ens in actu, Quantum autem est ex parte solis, posset esse in se recipere et reciperet cum
quando Deus ipsum sua potentia facit ad similitudinem suae ideae formalis, fieret in effectu a sole, et esset ille radius factus et stans in se, Iumen quod-
quam habet in se ipso, et quod ex hoc dicitur participare esse, quod est eius dam secundum suam essentiam, et similitudo lucis solaris, participans per hoc

135
,w
Jl: .
modo participando da própria luz do Sol. Assim, o raio seria da verdade e da unidade de Deus. Relativamente à bondade da
uma certa participação da luz solar pela sua essência e na sua criatura, prova-o BOÉCIO em um exame n'As Hebdómadas 6 • E
essência, [mas] não em virtude de alguma coisa que se acres- sobre a verdade, prova-o AGOSTINHO, n'A Verdadeira Reli-
centa à sua essência [e] que ela recebe [e] se distingue realmente gião 7 • Quanto à unidade e à entidade, pronuncia-se claramente
dela, como a luz recebida no ar se distingue deste. o FILÓSOFO no quarto livro da Metafísica, quando pretende
E o que acontece com o raio de luz e com a luz do Sol, que é indiferente dizer: "Homem" e "um homem" e "o homem
naquilo que é ele participa na luz do Sol, existente na sua essên- que é" 8. Ao que o COMENTADOR acrescenta: "Quando dize-
cia numa relativa imitação, acontece com a criatura e com Deus. mos 'um homem' ou 'este homem' ou 'o homem que é', tais
Aquela participa no ser de Deus pelo facto de a natureza da sua afirmações são convertíveis. AVICENA errou consideravel-
essência ser uma certa imitação do ser divino, tal como a ima- mente ao pensar que 'ente' e 'uno' significam disposições acres-
gem de um sinete, se subsistisse em si fora da cera, seria na sua centadas à essência. Mas 'uno' e 'ente' reduzem-se à disposi-
essência uma certa imitação do sinete, embora não por algo que ção da essência e não são disposições acrescentadas à essência,
lhe fosse acrescentado. E deste modo, em qualquer criatura, o tal como há uma disposição no branco ou no preto" 9 .
ser não é uma realidade distinta da própria essência, que se
[Alguns teólogos não conseguem ver
acrescenta a fim de que a criatura exista. Pelo contrário, a sua
o que os filósofos viram]
própria essência, pela qual qualquer criatura é aquilo que é,
recebe o ser na medida em que é um efeito e imitação do ser É espantoso como alguns teólogos não conseguem ver o que
divino, conforme se disse. os filósofos viram, sobretudo quando isto se demonstra por uma
Neste domínio, nem se deve duvidar mais sobre o existir e argumentação verdadeira 9 :
a entidade da criatura do que sobre a sua bondade, a sua ver- Primeiro. Porque, se as criaturas não tivessem o ser pela sua
dade e a sua unidade! É por uma mesma [razão] que ela existe essência, mas por uma coisa que se acrescenta à sua essência
e que ela é boa, e verdadeira e una, a saber, pelo facto de ser na nenhuma criatura seria em si um ente.
sua essência uma certa imitação e imagem do ser, da bondade,

et vera et una, et hoc non nisi ex hoc quod est similitudo et imago quaedam
in sua essentia esse Dei, bonitatis, veritatis et unitatis.
ipsa luce solis. Et ita esset ille radius quaedam participatio lucis solaris per De bonitate creaturae probat hoc per intentionem BOETHIUS in libro
suam essentiam et in sua essentia, non per aliquid additum suae essentiae 'De hebdomadibus'.
receptum in ipsa, re differens ab ipsa, sicut Iumen receptum in aere differt ab De veritate eius probat hoc AUGUSTINUS 'De vera religione'.
ipso. Et sicut est de isto radio lucis et luce solis, quod participat luce solis in De uno et ente dicit hoc PHILOSOPHUS aperte IV 0 'Metaphysicae', ubi
eo quod est, in sua essentia existens, quaedam eius similitudo, sic est de cre- vult quod in nullo differt dicere:'homo' et 'homo unus' et 'homo ens'. Ubi
atura et Deo, quod ipsa participat esse Dei in eo quod est in sua essentia quae- dicit COMMENTATOR: Cumdicimus: 'homo unus', aut 'iste homo', aut
dam divini esse similitudo, sicut imago sigilli, si esset in se subsistens extra 'homo ens', istae dictiones convertuntur. Et peccavit AVICENNA multum,
ceram, in sua essentia esset quaedam similitudo sigilli, non per aliquid addi- cum aestimavit quod ens et unum significant dispositiones additas essentiae.
tum ei. Et si c in quacumque creatura esse non est aliquid re aliud ab ipsa essen- Et unum et ens reducuntur ad essentiam dispositam et non sunt dispositiones
tia, additum ei ut sit. Immo ipsa sua essentia, qua est id quod est quaelibet additae essentiae, sicut est dispositio in albo et nigro.
creatura, habet esse in quantum ipsa est effectus et similitudo divini esse, ut Mirum est ergo quod hoc non possunt videre quidam theologi, quod
dictum est. viderunt philosophi, maxime cum hoc convincit ratio veridica. Primo quoniam,
Nec est dubitandum in hoc magis de esse et entitate rei quam de boni- si nihil in creaturis haberet esse per suam essentiam, sed per rem additam suae
tate, veritate et unitate eius. Ab eodem enim habet res esse, et quod sit bona essentiae, nihil in creaturis esset ens per se.

136 137
Segundo. Porque se o ser fosse uma coisa que se acrescenta dente e portanto não por si e primeiramente, e o acidente pelo
à essência da criatura, como não é possível dar o que Deus, rea- qual ela recebe o ser é por si e primeiramente mais ente; isto vai
lidade incriada, é, ele seria então uma realidade criada. Ora qual- contra a filosofia e toda a razoabilidade. Admita-se que seja aci-
quer criatura é em si não-ser e se passa a ser isso acontece por dente, diz então de que predicamento é acidente? E ao experi-
participação e por aquisição. Se, portanto, o ser que adquire se mentares fazê-lo, não te bastarão os nove géneros de acidentes.
distingue realmente sempre, por aquilo que se adquire e em que Se dizes que é uma .substância, então ou será substância pela
participa, e de maneira real, do ser daquela coisa que se acres- matéria ou pela forma ou pelo composto, pois. não há mais
centa à essência da primeira criatura, pela qual tem o ser, eu per- modos. Se dizes que é pela matéria, então eu pergunto-te se a
gunto: distinguir-se-á realmente pela essência daquela coisa que essência da criatura é pela matéria, se pela forma, se pelo com-
adquire? E então, ou se avançará até ao infinito ou se parará em posto, e terá então a matéria pela matéria, ou a forma terá o ser
alguma 10 essência pela qual se adquire o ser e que de nenhum através da matéria, ou o composto existirá por outra matéria da
modo se distingue realmente da essência pela qual ele é adqui- qual tem o ser, [respostas] todas estas absurdas. Se dizes que é
rido. E pela razão por que se pára numa essência e natureza pelo composto, isso não pode ser, porque toda a substância desse
criada, pela mesma razão, em qualquer que seja. tipo subsiste por si. Se dizes que é pela forma, porque é assim
Terceiro. Porque em relação àquele ser que se sustenta dis- que entendes o ser, então, ou é substancial ou acidental. Se é aci-
tinguir-se realmente na essência da qual ele mesmo participa, (eu dental, então, conforme se disse, a substância não tem o ser pela
pergunto:) é uma substância ou é um acidente? De facto, entre forma. Se é substancial ou subsistente por si, então é uma certa
uma e outro só o Criador, que nem é substância nem é acidente essência por si e inteligência, que tem o ser pela sua essência em
de nenhum predicamento, e no livro de ALFARABI sobre A divi- si indiferente. Mas se inerir em outro ou for informada por outro,
são das ciências lê-se que todo "o que é" ou é "substância ou então ela própria será essência da coisa ou parte da essência, que
acidente", ou "criador da substância e do acidente" 11 . Se dizes na própria criatura é criada.
que é um acidente, nesse caso a substância recebe o ser pelo aci- Por conseguinte, de todas as maneiras, deverá concluir-se

Secundo quoniam, si illud esse sit res aliquo super essentiam creaturae,
cum non sit dare quod sit Deus et res increata, erit ergo res creata. Res autem dens, et ita non per se et primo, sed accidens illud per quod habet esse, magis
quaelibet creata de se habet non esse, et si habet esse, hoc est participatum et est ens per se et primo; quod est contra philosophiam et omnem rationem. Esto
acquisitum. Si ergo esse acquisitum semper aliud est re ab eo cui acquiritur et quod sit accidens, dic in quo praedicamento accidentis est. Quod si attemptes,
a quo participator, de illo esse illi<us> rei additae essentiae primae creaturae, novem genera accidentium non sufficiunt tibi. Si dicas quod sit substantia, aut
per quam habuit esse, quaero utrum sit aliud re ab essentia illius rei cui acqui- ergo substantia materia, aut forma, aut compositum, guia plures modos non
ritur. Et tunc aut erit procedere in infinitum, aut status erit in aliqua essentia habet. Si dicas: materia, tunc de essentia creaturae quaero an sit materia, an
cui acquiritur esse, quod nullo modo est aliud re ab illa essentia cui acquiri- forma, an compositum, et habebit tunc materia materiam, aut forma habebit
tur. Et qua ratione statur in una essentia et natura creata, eadem ratione et in esse per materiam, aut composito erit materia alia a qua habet esse, quae
qualibet. onmia sunt absurda. Si dicas quod compositum, hoc non potest esse, guia
Tertio quoniam illud esse quod ponitur esse re aliud ab essentia quae ipso omnis talis substantia est per se subsistens. Si dicas quod forma, quia ibi vis
participat, (quaero:) aut est substantia, aut accidens? Medium enim non est esse, aut ergo substantialis aut accidentalis. Si accidentalis, per illam non habet
ponere nisi Creatorem, qui negue est substantia negue est accidens praedica- esse substantia, ut dictum est. Si substantialis, aut est per se subsistens; tunc
menti alicuius, et in libro ALFARABI 'De di visione scientiarum' dicitur quod est essentia quaedam et intelligentia, quae habet esse per suam essentiam a se
omne quod est, aut est substantia aut accidens, aut creator substantiae et acci- indifferentem. Si vero sit alteri inhaerens et informans, tunc ipsa est essentia
dentis. Si dicas quod sit accidens, substantia ergo habet esse per suum acci- rei vel pars essentiae, quae in ipsa creatura creatur. Et sic omnibus modis opor-

138 139

.. - ··-. ··-.--~----------------
que qualquer realidade tem o ser pela sua essência, de modo que cia, é distinto daquele que ela recebe a partir de "outro", e que
o ser não é algo que se acrescente de modo real à essência. se chama o ser da existência actual.
[lP Parte: A distinção intencional] A essência da criatura tem o primeiro ser de maneira essen-
cial, embora de modo participado porquanto encerra um exem-
E o que se dirá em concreto em relação à pergunta sobre se plar formal em Deus. E por esta razão convém ao ser que é em
a essência da criatura é o seu próprio ser, de maneira que a essência comum .aos dez predicamentos. Na sua acepção
essência mesma da criatura seja um ser subsistente absoluto? comum, ele aplica-se àquele ser, que é o ser definitivo da coisa
Nada se dirá porquanto apenas Deus é que é um ser assim, e que, antes da existência actual, tem apenas uma existência
àcerca do qual BOÉCIO diz n'A Trindade [capítulo segundo] mental. Daí o dizer-se que a definição é uma proposição que
ser: "a forma que é o próprio ser e a partir da qual o ser é" 12. indica a natureza do que é.
Ao que o COMENTADOR esclarece: "ou seja, que recebeu tal Quanto ao segundo ser, a criatura não o tem pela sua essên-
designação não a partir de outro, mas que comunica com todos cia, mas a partir de Deus, por ser um efeito da vontade divina
os outros por certa participação extrínseca" 13 • conforme ao seu exemplar na mente divina. Por conseguinte,
Mas também não se deve negar de todo que a criatura seja pelo facto de não ter este ser pela sua essência, mas por uma certa
o seu ser. De facto, tanto quanto já se disse, é forçoso admitir participação exterior, tem-no de maneira acidental, como que
que ela é o seu ser e que este não se distingue realmente dela superveniente à essência. Por esta razão, no quinto livro da Meta-
mesma. Mas se retomarmos esta afirmação, "a essência da cri- física, ao apresentar a diferença entre um e outro ser, o COMEN-
atura é o seu ser", para o que alguns argumentos se inclinam, TADOR afirma que esta questão do ser, por um lado pertence ao
pode surgir uma dúvida. Deve-se aqui, por isso, distinguir o ser predicado do género e por outro ao predicado do acidente 15 •
em conformidade com a distinção de AVICENA, no fim do Visto ter um modo acidental, enquanto se reduz ao predicado do
quinto livro da sua Metafísica 1\ segundo a qual o ser que a acidente, este ser não se refere à realidade do acidente, pois ele
coisa "tem em essência" por si, e que se chama o "ser" da essên- não lhe chega já preexistente, mas, como se disse, faz com que

tialiter de se, quod appellatur esse essentiae, quoddam vero quod recipit ab
tebit dare quod res quaelibet habet esse per suam essentiam, ut esse non sit alio, quod appellatur esse actualis existentiae.
res aliqua, additum essentiae. Primum esse habet essentia creaturae essentialiter, sed tamen participa-
Sed quid dicetur directe ad quaestionem utrum essentia creaturae sit tive, in quantum habet formate exemplar in Deo. Et per hoc cadit subente,
ipsum esse suum, ita quod ipsa essentia creaturae sit esse purum subsistens? quod est commune essentiale ad decem praedicamenta, quod a tali esse in com-
Non est dicere, quia tale esse non est nisi Deus, de quo dicit BOETHIUS 'De muni accepto imponitur, et est illud esse rei definitivum quod de ipsa ante
Trinitate', <cap." 2">, quod est forma quae esse ipsum est et ex qua esse est. esse actuate solum habet existere in mentis conceptu. De quo dicitur quod de-
Ubi dicit COMMENTATOR: id est quae non ab alio hanc mutual dictionem fini tio est oratio indicans quid est esse.
et quae ceteris omnibus eandem quadam extrinseca participatione communi- Secundum esse non habet creatura ex sua essentia sed a Deo, in quan-
cat. tum est effectus voluntatis divinae iuxta exemplar eius in mente divina. Unde
Sed tamen quin ipsa creatura sit esse suum, non onmino negandum est. quia istud esse non habet ex sua essentia, sed quadam extrinseca participati-
Quoad hoc enim secundum iam ostensa necesse est concedere quod sit esse one, ideo illud esse modum accidentis habet quasi superveniens essentiae,
suum, quod esse eius non est aliud re ab ipsa. Sed an recipienda sit ista prae- propter quod COMMENTATOR super yo 'Metaphysicae', exponens diffe-
dicatio: 'essentia creaturae est suum esse', ad quod tendebant quaedam argu- rentiam utriusque esse, dicit quod quaestio de esse uno modo pertinet ad prae-
menta, de hoc potest esse dubitatio. dicatum de genere, alio autem modo ad praedicatum de accidente. Unde et
Et est hic distinguendum de esse, secundum quod distingui! A VICENNA quamquam istud esse secundum reducitur ad praedicatum accidentis quia
in fine yo 'Metaphysicae' suae, quod quoddam est esse rei quod habet essen- modum accidentis habet, non tamen rem accidentis dicit, quia non advenit ipsi

140 141
ele exista na realidade. De onde, não se considerar a participa- seu próprio ser não participado, nem formalmente nem como
ção deste ser extrínseca por inerência, à semelhança da partici- efeito 19 •
pação de um verdadeiro acidente, conforme se disse, mas por Já se falarmos do segundo ser da criatura, ainda que não se
impressão da criação. Por isto o COMENTADOR, sobre A Trin- distinga realmente da essência da criatura ele não difere dela
dade de BOÉCIO, onde se lê, "pelo qual tudo é" 16 , afirma: "Não todavia apenas por uma consideração mental, - porquanto, por
se diz 'é' por uma qualquer propriedade da sua essência, mas a conceitos diversos, o intelecto capta que ela é e que é de tal
partir daquele que não aleatoriamente mas em sentido próprio é modo, a saber, substância ou acidente - , mas difere dela inten-
a sua essência pois é a partir dele, como um princípio, que se cionalmente, uma vez que em relação a esse ser determinado a
interpreta esta afirmação. Objectivamente diz-se que cada uni 'é' essência da criatura em si pode ser e pode não ser. De facto, ela
por uma participação à forma divina" 17 à semelhança de dizer- tem o ser enquanto efeito de um outro que é, e tem o não ser
mos que a forma está na cera em si participando por impressão por si, voltando a esse não ser quando Ele, que fez aquilo que
do sinete de cuja forma participa, tal como BOÉCIO mediante existe, deixar de a conservar. E por isso não se pode admitir que
uma comparação de imediato declara na sua sentença 18 • este ser seja a essência da criatura, porque o ser da essência que
Se falarmos do primeiro ser da criatura só pela razão é que existe agora em acto pode ser um não ser, tal como antes fora
ele se distingue da essência da criatura, ele é inerente à criatura um ente. Logo, relativamente a esse ser, apenas em Deus é que
porque esta não o tem como efeito mas tão-só formalmente. De é verdade dizermos que ele é o seu ser nisso excedendo a sim-
onde, em virtude da identidade e da inseparável concomitância plicidade de toda a criatura, conforme expusemos nas nossas
racional de um e outro ser, quer dizer, do primeiro ser e do ser outras Questões 19• Também em muitos outros [aspectos] porém
da essência da coisa, relativamente à essência da criatura pode excede em tal grau a simplicidade da criatura que não se deve
dizer-se que o seu ser participa formalmente, mas não enquanto recear dizer que na criatura o ser e a essência não se distinguem
efeito, tal como se diz que Deus é simples e absolutamente o realmente, para que não pareça que a criatura se aproxima exces-
sivamente da simplicidade de Deus. Efectivamente, encontramos

ipsum esse simpliciter et absolute, non participatum negue formaliter negue


iam praeexistenti, sed per ipsum, ut dictum est, habet res existere. Unde parti- effective.
cipatio huius esse non dicitur extrinseca per inhaerentiam sicut participatio veri Si vero loquamur de secundo esse creaturae, illud, licet non differt re ab
accidentis, sed per creationis impressionem, ut dictum est. Unde COMMEN- essentia creaturae, non tamen differt ab illa sola ratione, in quantum intellec-
TATOR super illud 'De Trinitate' BOETHII "ex qua omne est" dicit: Non de tus diversis conceptionibus capit de ea quod est et quod tale quid est, subs-
quolibet, suae essentiae proprietate, dicitur: "est'', sed ab eo, qui non alieno, tantia vel accidens, sed etiam differt ab illa intentione, quia quantum ad tale
sed sua essentia propria est, quoniam ex eo tamquam ex principio dictio ista esse ipsa essentia creaturae potest esse et non esse. Esse enim habet in quan-
transumitur, ut de unoquoque, divinae formae participatione, recte dicatur: tum alterius effectus quidam est, non esse autem habet de se, et in illud non
"est'', ad modum quo in cera dicitur esse forma quam in se habet participati- esse cadit quando ille qui fecit quod est, conservare desinit. Et ideo de tali
one impressionis a sigillo a cuius forma participatur, secundum quod ipse esse non potest concedi quod essentia creaturae est suum esse, quia esse essen-
BOETHIUS statim dictum suum declarat in simili. Si loquamur de primo esse tiae nunc existens in actu potest esse non ens, sicut prius fuit ens. ln solo autem
creaturae, illud sola ratione differt ab essentia creaturae, nec potest ei abesse, Deo verum est quod de tali esse loquendo, ipse est suum esse, et in hoc exce-
quia non habet illud ab alio effective sed solum formaliter. Unde propter dit simplicitatem omnis creaturae, ut exposuimus in aliis quaestionibus nos-
identitatem rei et inseparabilem concomitantiam rationis utriusque esse, scili- tris, licet etiam in pluribus aliis adhuc omnem creaturae simplicitatem exce-
cet talis, et essentiae rei, potest dici de essentia creaturae quod ipsa est suum dat, ut non sit verendum dicere quod in creatura non differunt re esse et
esse participatum formaliter, licet non effective, sicut de Deo dicitur quod est essentia, ne nimium ad Dei simplicitatem creatura videatur attingere.

142 143
na natureza da própria essência uma composição em toda a cri- [4. RESPOSTA AOS ARGUMENTOS]
atura, o que não sucede na essência divina, de acordo com a afir-
mação de BOÉCIO n'A Trindade 20 : "A substância divina sem Por aquilo que já ficou dito toma-se em parte evidente a res-
matéria é a forma, e por isso é una e" é "aquilo que é. As res- posta a todas as objecções.
tantes não são aquilo que são. Na verdade, em cada uma delas Ao primeiro [argumento]. Se a essência da criatura "fosse
o seu ser depende do que as faz ser, quer dizer, das suas partes, o seu ser seria um ser subsistente", deve dizer-se: não se segue
tomando-se assim isto e aquilo, mas não isto ou aquilo unissin- isso, a não ser que seja um ser puro e não participado, conforme
gularmente." se patenteia pelo que ficou dito. Isto sobre o ser da essência.
Mas basta, por ora, que não se possa dizer que nas criatu- Mas já quanto ao ser da existência é correcto, porque a essên-
ras a sua essência é o seu ser, porque se distinguem intencio- cia não é o próprio existir e porque não há distinção real.
nalmente, ainda que, conforme se disse, sejam realmente idên- Ao segundo. Igualmente se toma claro que não se segue que
ticas. Vêmo-lo mais claramente nestes exemplos: "aquele que a essência seja o seu ser, não limitado, mas infinito, excepto se
corre", a "corrida" e o "correr", "aquilo que luz", a "luz" e 0 se sustentar que o ser é o Ser absoluto não participado, o que
"luzir", "aquilo que vive", a "vida" e o "viver", bem como o não é o caso, pois todo o ser que atribuímos à criatura é parti-
"ente", a "essência" e o "ser", identificam-se absoluta e real- cipado, conforme se disse, e portanto limitado.
mente e significam o mesmo, mas no entanto não se pode dizer A partir do que se disse toma-se evidente [a resposta] ao
que a corrida é o correr ou que a luz é o luzir. De igual modo, terceiro [argumento]. De facto, ainda que o ser da existência, de
ainda que se identifiquem realmente, não se pode dizer que o onde o argumento parte, e a essência da criatura não se distin-
ente é o seu ser. gam realmente, - ao invés: a essência enquanto é um efeito do
Criador não tem o ser de modo nenhum realmente acrescentado
(com efeito, a criação, conforme a concebemos e é verdade,
nada põe de real no criado a não ser uma relação ao Criador)
- , o ser da existência, em virtude de provir de fora da essên-

<AD ARGUMENTA>
Per iam dieta patet in parte ad omnia obieeta.
ln ipsius enim essentiae natura est invenire eompositionem cirea quam- Ad primum, quod si essentia ereaturae esset suum esse, esset esse sub-
libet ereaturam, quae non eadit in divina essentia seeundum quod dicit illa pro- sistens, dieendum quod non sequitur, nisi esset ipsum esse purum, non parti-
positio BOETHII 'De Trinitate': Divina substantia sine materia forma est, cipatum, ut patet ex dictis. Et hoe de esse essentiae. De esse autem existen-
atque ideo unum est et est id quod est. Reliqua autem non sunt id quod sunt. tiae bene dietum est, quod essentia non est ipsum esse et tamen quod non sit
Unumquodque enim eorum habet esse suum ex quibus est, id est ex partibus re aliud.
suis, et est hoe atque hoe, sed non hoe vel hoe singulariter. Quod, quomodo Ad seeundum, per idem patet quod non sequitur, lieet essentia
exponatur, non est praesentis intentionis. sit suum esse, quod non sit limitata, sed infinita, nisi poneretur esse ipsum esse
Sufficit autem ad praesens quod non possit dici in ereaturis quia essen- purum, non participatum. Quod non est ita, quia omne esse quod attribuimus
tia earum sit earum esse, quia sunt diversa intentione, lieet sint idem re, ut die- ereaturae, partieipatum est, ut dietum est, et ideo limitatum.
tum est. Quod clarius videmus in exemplis: idem enim sunt omnino re et idem Per dieta patet etiam ad tertium. Quamvis enim esse existentiae, de quo
signifieant eurrens, eursus et eurrere, lueens, lux et lueere, vivens, vita et proeedit argumentum, et ereaturae essentia non differunt re, immo essentia,
vivere, sieut ens, essentia et esse et tamen non possum dieere: eursus est eur- per hoe quod est effeetus Creatoris, habet esse, nullo superaddito in re (erea-
rere, vel: lux est lueere. Similiter etiam neque possum dicere: ens est suum tio enim, ut supponimus et verum est, nihil rei ponit in ereato, nisi respeetum
esse, lieet idem sint in re. ad Creatorem), tamen, quia advenit ab extrinseeo essentiae rei non iam exis-

144 145
I
& cia da coisa não existente desde logo, posto que ao receber o ser "Quando na teologia falamos da divina essência, que atribuímos
é um efeito do Criador, e pelo facto de, como se disse, ter tam- a Deus ao dizermos 'Deus é', afirmamos que todas as criaturas
rI bém um modo acidental, pode ser separado da essência em si. são ser. Na verdade, quando dizemos 'o homem é' ou 'o corpo
' Ainda que a essência não exista em acto, todavia ela é em si é' ou algo de semelhante, os teólogos entendem esta afirmação
uma dada essência concebida pelo intelecto, na medida em que como uma certa denominação extrínseca a partir da essência do
corresponde a uma razão exemplar pela qual tem a possibilidade seu princípio. Não dizem portanto que é pela corporalidade que
de se tornar um efeito do Criador. Assim entendida, não é neces- o corpo é, mas que é algo, nem que é pela hominidade que o
sário que se conceba ao mesmo tempo a sua existência actual. homem é, mas que é algo. E, do mesmo modo que tudo o que
Eis porque, ainda que a mente conceba de um lado a própria opera o faz pelo sumo princípio também é pela essência princi-
essência por si e, do outro, à parte, a existência actual, não pode pal e incriada que se diz que é 'ser' e que 'é algo', qualquer que
verdadeiramente compô-la e dizer: esta essência tem uma exis- seja o seu género. Logo, de acordo com os teólogos, quando se
tência actual, coisa que porém é necessário fazer verdadeira- diz, 'o ser distingue-se daquilo que é' entende-se que o 'ser' é
mente em tudo aquilo que se distingue apenas pela razão. Por o princípio e 'aquilo que é' o que existe a partir do princípio.
este motivo dissemos acima que a essência da coisa e a exis- Deve interpretar-se, neste lugar, em conformidade com "esta
tência actual não se distinguem apenas racionalmente mas tam- regra, as restantes hebdómadas que se seguem. Elas ensinar-
bém intencionalmente. -nos-ão o caminho a seguir" 22 • O que há então de espantoso no
Nada mais se deve dizer em relação aos argumentos de facto de o ser se distinguir daquilo que é, se Deus e a criatura
BOÉCIO senão oNá se expôs e por onde se vê que em relação se distinguem! Segue-se que, nesse caso, o 'ser' não está na vez
ao tema não há vantagem em lhes acrescentar nada. do 'ser' criado, conforme quer o argumento que parte de uma
errada concepção, mas do ser incriado. O COMENTADOR
[A Regra para a interpretação das Hebdómadas]
prossegue as Hebdómadas, pela exposição de uma outra via na
Assim, para compreender as sete hebdómadas de BOÉCIO ordem da filosofia natural, mas ela não vem a propósito 23 •
nas quais se aborda esta matéria 21 deve ficar a saber-se que no
princípio da sua exposição o COMENTADOR diz o seguinte:
MENTATOR dicit sic: ln theologia divina essentia, quam de Deo praedica-
mus cum dicimus: "Deus est", omnium creaturarum dicitur esse. Cum enim
tenti, sed per hoc quod sit effectus Creatoris, esse recipienti, et per hoc etiam dicimus: "homo est", vel "corpus est", vel huiusmodi, theologici hoc esse dic-
habet modum accidentis, ut dictum est, bene potest ab ipsa essentia separari, tum intelligunt quadam extrinseca denominatione ab essentia sui principii.
ne essentia in actu existat, sit tamen in se essentia quaedam ab intellectu con- Non enim dicunt corporeitate corpus esse, sed esse aliquid, nec humanitate
cepta, in quantum habet rationem exemplarem per quam nata est tieri effec- hominem esse, sed esse aliquid. Et ad eundem modum, quidquid operante
tus Creatoris. Qua concepta, non est necesse simul concipere eius actualem summo principio est, eadem principali et increata essentia dicitur "esse", suo
existentiam. Quod etsi mens concipiat hinc per se ipsam essentiam, hinc autem vero quolibet genere "aliquid esse". Ergo cum dicitur: "Diversum est esse et
seorsum actualem existentiam, non potest vere ipsam componere et dicere: id quod est'', secundum theologos intelligitur "esse" id quod est princi-
essentia ista habet actualem existentiam, quod tamen necesse est tieri vere in pium,"id" vero"quod est" iilud quod est ex principio. Secundum hanc regu-
omnibus quae sola ratione differunt. Propter quod diximus supra quod rei lam ceteras, quae sequuntur, hebdomades hoc loco accipi debere, sequentia nos
essentia et actualis existentia non sol um ratione differunt sed etiam intentione. docebunt. Quid ergo mirum si diversum sit esse et quod est, quia di verse sunt
Ad auctoritates BOETHII nihil est dicendum, nisi quod exponantur et per hoc Deus et creatura. Unde esse non supponit ibi pro esse creato, ut procedit argu-
videatur quia nihil valet eas adducere ad propositum. mentum ex falso intellectu, sed pro esse increato. Aliam autem viam etiam in
Unde ad intelligendum septem 'Hebdomades' BOETHII, in quibus loqui- naturalibus expositione physica prosequitur COMMENTATOR Hebdomades
tur de ista materia, sciendum quod in principio expositionis earum, COM- illas, sed de hoc nihil ad propositum.

146 147
Quanto ao que em segundo lugar se argumenta com a heb- ticipa no ser a fim de ser". Não se deve portanto interpretar
dómada já citada: "Aquilo que é, uma vez recebida a forma de aquela primeira cláusula: "Dá-se a participação quando algo
ser, existe e subsiste", deve dizer-se: O "que é", na criatura, como passa a ser", como se primeiro existisse em acto o 'que é' e
sua essência, subsistente no seu ser, "existe", como efeito, "e depois lhe sobreviesse a participação no ser à semelhança da ilu-
subsiste recebida a forma da existência" 24, não como se a pró- minação do ar pelo Sol, tal como propõe o argumento, mas de
pria essência preexistente, pela qual se diz "que é", recebesse em forma que passe a existir pela participação. De onde se segue:
si o ser, que se considera "a forma da existência" por inerência "Mas é algo quando" já "tiver recebido o ser, mas não antes ou
- porque neste caso o ser seria acidente, conforme se disse, e depois. "Dá-se a participação, etc." Expõe-se aqui a participa-
realmente distinto - , mas como um efeito divino efectivado à ção dos acidentes na substância preexistente, nos quais a subs-
semelhança divina a que a criação dá forma porque, conforme tância criada pode participar recebido primeiro o ser, como o
se disse, a essência da coisa em si é a forma da existência. corpo no branco ou no negro, e então o argumento não colhe por-
Para apresentação desta primeira hebdómada decorre ime- que a substância incriada não pode participar desta maneira. Em
diatamente a segunda, que diz: '"Aquilo que é"', como essên- relação a isto temos porém a terceira hebdómada seguinte. É que,
cia da criatura, "pode participar em algo", quer dizer, no pró- de facto, nestas duas hebdómadas, ele assinalou a diferença entre
prio ser actual recebido de Deus, como se disse, "mas o próprio Deus e a criatura em termos de participar no ser em si e não par-
ser", ou seja, o puro e incriado, "de modo nenhum participa em ticipar. Para que se não creia que a sua diferença respectiva entre
algo", porque tem o seu ser por si, no qual todas as coisas são. participar e não participar é ulterior, acrescenta a diferença entre
Segue-se então, na mesma hebdómada, de onde parte o sexto elas na terceira hebdómada, dizendo: "aquele que é", como subs-
argumento: "dá-se a participação", isto é o ser, "quando algo tância criada, "tem algo", como acidente em si, para "além do
passa a ser", ou seja, a partir daquilo que por criação recebe a que é em si", como o corpo tem a cor para além da sua corpo-
participação no ser, conforme se disse. É isto o que diz a afir- ralidade; "mas o ser em si", como substância incriada, "nada tem
mação tomada da quinta hebdómada71 : Todo "aquele que é par- acrescentado para além de si", como seu acidente.

participa! eo quod est, esse ut sit. Non autem intelligenda est illa prima clau-
Quod arguitur secundo ex eadem hebdomade:Quod est, accepta esséndi sula: Fit enim participatio cum aliquid iam est, ut scilicet prius existat in actu
forma est atque consisti!, dicendum quod id quod est in creatura, ut essentia ipsum quod est et tunc adveniat ei participatio esse, ut aeri illuminatio a sole,
eius, esse suo subsistens est in effectu atque subsisti!, accepta forma essendi, sicut procedit argumentum, sed ut participando habeat quod exista!. Unde
non tamquam praeexistens ipsa essentia, quae dicitur quod est, accipiat in se sequitur: Est autem aliquid cum iam esse susceperit, non autem prius vel post
esse, quod dicitur forma essendi per inhaerentiam, quia sic esset acciderts illud. Fit enim participatio, etc.: exponitur de participatione accidentium in
ipsum esse, ut dictum est, et aliud re, sed tamquam effectus divinus in effectu substantia praeexistenti, quibus potest participare substantia creata suscepto
divina similitudine informatus per creationem, quod est forma essendi ipsam prius esse, ut corpus albo aut nigro, et tunc non habet argumentum Iocum, quia
essentiam rei, ut dictum est. tale non potest participare substantia increata.
Unde ad expositionem huius primae hebdomadis subdit statim secundam Sed de hoc est sermo in sequenti tertia hebdomade. Quia enim in istis
dicens: Quod est, ut essentia creaturae, participare aliquo potes!, scilicet ipso duabus hebdomadibus assignavit differentiam Dei et creaturae penes partici-
esse actuali recepto a Deo, ut dictum est, sed ipsum esse, scilicet purum et pare ipso esse et non participare, ne credatur quod non sit ulterior eorum dif-
ipcreatum, nullo modo aliquo participa!, quia esse suum, in quo habet omnia, ferentia penes participare et non participare, addit differentiam eorum in ter-
a se habet. Et tunc sequitur in eadem hebdomade unde sumptum est sextum tia hebdomade dicens id quod est, ut creata substantia, habere aliquid ut
argumentum: Fit enim participatio, esse scilicet, cum aliquid iam est, scilicet accidens in se, praeterquam ipsum quod est, ut corpus colorem praeter suam
ex eo quod per creationem recipit participationem esse, ut dictum est. Et hoc corporeitatem; ipsum vero esse, ut substantia increata, nihil praeter se habet
est quod dicit illud, quod assumptum fuit de 5." hebdomade: Omne quod est, admixtum sibi tamquam accidens eius.

148 149
E para que ninguém creia que não existe diferença na par- outro lado", como acidente, "participa para que por ele "seja
ticipação do ser pela criatura e no ter algo para além do que ela algo", como um ente branco ou negro. "E por isto", aquela par-
é, acrescenta de seguida a quarta hebdómada, na qual atribui a ticipação pela qual simplesmente é, na ordem da natureza é ante-
diferença dizendo: Todavia "diverso". Como se se dissesse: rior àquela pela qual é algo: "aquele que é, participa naquilo que
assim se diz que aquilo que é pode participar em algo para que é, para que seja. Mas é" primeiro na ordem da natureza, "para
seja, como se disse na segunda hebdómada76, e ter algo para que" depois, em cqnsequência, "participe", mediante o ser "em
além do que é, como na terceira hebdómada. E ainda que um e qualquer algo", pelo qual é algo como acidente. Com isto
outro lhe convenham, todavia "é diverso ser algo", quer dizer, declara manifestamente que o ser não é um acidente.
tendo algo para além do que é, como na terceira hebdómada, "e Segue-se a sexta hebdómada com vista à solução do último
ser algo naquilo que é" quer dizer, na participação ao próprio argumento, fundado na sétima. Diz assim: "Em todo aquele que
ser, como na segunda hebdómada. E no que concerne à distin- é simples" o que só acontece com Deus e com as Pessoas divi-
ção, acrescenta de seguida: "de facto ali" ou seja, no primeiro nas de acordo com o COMENTADOR 25 , "identificam-se o seu
membro, "refere-se o acidente", mas "aqui", no segundo mem- ser e "aquilo que é", porque em Deus coincidem absolutamente
bro, "a substância". o existir e a sua essência, quer real quer intencionalmente, tal
Para o nosso propósito é de grande importância notar que como nas outras Questões se expôs 26 . Mas "em todo o com-
o ser não é um acidente, mas coincide realmente com a essên- posto", como é o caso de todo o tipo de criatura, "uma coisa é
cia da coisa. o ser e outra" o que "é" 27 não realmente mas intencionalmente,
É isso que a hebdómada seguinte apresenta ainda melhor: enquanto o que é é indiferente para o ser e para o não ser. Isto
"Todo aquele que é" subsistente, "participa por aquilo que é no porque não há diversidade em Deus, conforme se disse, uma vez
ser", não para que por isso seja algo branco, ou negro ou outra que, como afirma o COMENTADOR a propósito da criatura,
coisa qualquer, mas apenas "para que" por ele seja, "mas por "porque um é e o outro é algo, e se não se trata de diversas subs-
tâncias, é um composto concreto" 28 .
A composição do ser com a essência é deste género.

Et ne credat aliquis quod nulla est differentia in participando esse a cre- ticipat ut eo aliquid sit, ut ens album vel nigrum ac per hoc, quod illa partici-
atura et habere aliquid praeter id quod ipsa est, subiungit quartam hebdoma- patio qua est simpliciter, prior est naturaliter quam ilia qua est aliquid: id quod
dem, in qua assignat illorum differentiam dicens:Diversum tamen. Quasi dicat: est, participat eo quod est, esse ut sit. Est vero prius naturaliter, ut deinde per
ita dictum est quod id quod est, potest participare aliquo ut esse, ut dictum est consequens participet, mediante esse, aliquo quolibet, quo sit aliquid ut acci-
in 2" hebdomade, et habere aliquid praeterquam id quod est, ut in 3" hebdo- dente, in quo aperte declarat quod esse non sit accidens.
made. Et licet utrumque sic convenit ei, tamen diversum est esse aliquid, sci- Sequitur 6" hebdomas, propter solutionem ultimae rationis, fundatae
licet habendo aliquid praeterquam quod ipsum est, ut in 3" hebdomade, et esse super 7am hebdomadem. Dicit ergo: Omne simplex, cuiusmodi est solus Deus
aliquid in eo quod est, hoc est in participando ipso esse, ut in 2" hebdomade. et divinae personae secundum COMMENTATOREM, esse suum et id quod
Et in quo est diversum, subiungit: Illic enim, scilicet in primo membro, acci- est, unum habet, quia in Deo idem sunt omnino esse et essentia, et re et inten-
dens, hic vero, in secundo membro, substantia significatur. Quod multum tione, ut in aliis quaestionibus expositum est. Omni autem composito, ut omni
notandum est ad propositum nostrum quod esse non sit accidens, sed idem re creaturae, aliud est esse, aliud quod est, non re sed intentione, in quantum quod
cum essentia rei. est, ad esse et non esse indifferens est. Quae diversitas in Deo non cadit, ut
Et hoc est quod magis exprimit hebdomas sequens: Omne quod est sub- dictum est, quia, ut dicit COMMENTATOR de creatura: quoniam alio est, alio
sistens, participat eo quod est, esse, non quidem ut per hoc sit aliquid album, aliquid est, et si non ex diversis subsistentibus constat, ipsum concretum atque
nigrum aut huiusmodi, sed solummodo ut eo sit, alio vero, ut accidente, par- compositum est. Et haec est illa compositio quae est ex esse et essentia.

150 151

---''--.,.~---- ----·----- .. ..--


- __ .. __ _ ...,.·-·-·-·-·------·--........... ,,,, _________
___ .
NOTAS 22 GILBERTO PORRETANO, ln Boethii De Hebdomadibus (ed. N. M.
Hãring I, 27-28, 32, 34; PL 64, 1318 A-B, B-C).
23 GILBERTO PORRETANO, ln Boethii De Hebdomadibus (ed. I, 34;
PL 1311 C e passim).
24 BOÉCIO, De lzebdomadibus (PL 64, 1311 B).
25 GILBERTO PORRET ANO, ln Boethii De hebdomadibus (cf. I, 57-
-64; PL 64, 1320 B-1321 A).
26 HENRIQUE de GANO, Summa art. 21, q. 4 (ed. Badius: I, f. 127 v
R-S).
27 BOÉCIO, De Hebdomadibus (PL 64, 1311 C).
1 BOÉCIO, De Hebdomadibus (PL 64, 1311)
2 AGOSTINHO, Contra Academicos IIJ, cf. I7, 38 (CC 29, 58; PL 32, 28 GILBERTO PORRETANO, ln Boethii De hebdomadibus (ed. I, 68;

955). [ Trad. Vieira de Almeida, p. 129. Nota do Tradutor]. PL 64, 1321 B-C).
3 BOÉCIO, De Hebdomadibus (PL 64, 1311); "subsistit" no original

(mas nota acima, do mesmo texto: "consistit") [Nota do Tradutor].


4 Cf. TOMÁS de AQUINO, Summa theologiae I, q. 104, a. I, resp. (ed.

Leon. 5, 464 b)
5 JOÃO I, 3 -4.
6 BOÉCIO, Hebdomadibus (cf. PL 64, 131I A - 1314 C).
7 AGOSTINHO, De Vera religione, cf. c. 36, 66- 67 (CC 32, 230- 23I;
CSEL 77, 47- 48; PL 34, 151- I52).
8 ARISTÓTELES, Metaphysica IV, 2 (Trad. Anónima ou 'Media', I976;
1003b 26- 27).
9 AVERRÓIS, Metaphysica IV, com. (lunt. f. 67 E, B); cf. AVI CENA,

Metaphysica II, I (ed. p. 65) e III, 3 (ed. p. 117- 118.


10 "Aliqua", acrescentado pelo mss. A. [Nota do tradutor].
11 ALFARABI, De ortu scientiarwn, cf. <h (ed. Baeumker, 1916, p. 17).
12 BOÉCIO, De Trinitate, c. 2 (PL 64, 1250 B).
13 GILBERTO PORRETANO, ln Boethii De Trinitate (ed. N. M. Hãring,

Toronto, 1966, I, 2, 45; PL 64, 1269 A).


14 AVICENA, Metaphysica, cf. VI, I (ed. p. 295- 296, 304) [10., ibid.
VI, I (ed. p. 233- 235) -Nota do Tradutor].
15 AVERRÓIS, Metaphysica V, com. lO (cf. ed. R. PONZALLI, Berna,

1971, p. 132, linha 113-133, linha 120).


16 BOÉCIO, De Trinitate c. 2 (PL 64, I250B).
17 GILBERTO PORRETANO, ln Boethii De Trinitate, onde também se

lê: " ... qui non aliena sed sua essentia proprie est..." (ed. N. Hãring, I, 2, 46;
PL 64, 1269 A), quer dizer: " ... que não é estranha mas a sua essência em par-
ticular... "
18 BOÉCIO, De Trinitate c. 2 (PL 64, I250 B).
19 HENRIQUE de GANO, Summa, cf. art. 21, q. 4 (ed. Badius: I, f. I26

v K- 128 v Z).
20 BOÉCIO, De Trinitate c. 2 (PL 64, 1250 C).
21 BOÉCIO, De hebdomadibus (PL 64,1311 A- I314C).

153 154

Potrebbero piacerti anche