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http://dx.doi.org/10.1590/S0101-31572006000100004
ARTIGO
I
Professora titular do Departamento de Economia e do Programa de Estudos Pós-
Graduados em Economia Política da PUCSP. E-mail: rosamarques@hipernet.com.br
II
Professor de Economia da FAAP/SP, vice-presidente da Associação Brasileira de
Economia da Saúde e coordenador da Coordenadoria de Gestão de Políticas
Públicas do CEPAM/SP. E-mail: aquilasn@uol.com.br
ABSTRACT
The purpose of this paper is to discuss the main characteristics of new Lula's
government support. The paper's hypothesis concentrates in the idea of starting a
different political approach, "a new populism". The paper argues that Lula's
government to keep in power, beyond of going on with the neoliberal project —
unfinished in the last years of FHC government —, needs to build up a solid and
trustful political support, which is being done by implementing income transfer
programs directed to poor people and the ones with less organization experience.
This paper also calls the attention to Lula's government nature, in order to clarify
the difficulties which should be dealt and the tasks to be developed in building up a
political party that defends workers emancipation and Brazilians exploited.
INTRODUÇÃO
Mais do que em qualquer outra área, as ações do governo Lula no campo social
revelam os contornos de seu projeto de poder, sua compreensão sobre a realidade
e sua idéia de que é possível um governo representar as diferentes classes sociais.
E isso é motivo suficiente para que os trabalhadores em geral e as demais massas
exploradas do Brasil acompanhem pari passu o desenvolvimento dessas políticas,
atentando especialmente para o fato de sua implantação estar permitindo a
construção de uma nova base de apoio, diferente daquela que lançou a do Partido
dos Trabalhadores (PT).
"O texto se abre com o título 'A ruptura necessária', caracterizando o programa
defendido como "democrático e popular" e afirmando expressamente a necessidade
de uma "ruptura global" com o modelo existente, "fundado na abertura e na
desregulação radicais da economia nacional e na conseqüente subordinação de sua
dinâmica aos interesses e humores do capital financeiro globalizado" [Concepção e
Diretrizes do Programa de Governo do PT para o Brasil, dezembro de 2001, §1, p.
15] (Borges, 2003, p. 13).
"[...] Pois não foram apenas os partidos comunistas ocidentais que àquela época se
transformaram em tímidos partidos social-democratas da ordem estabelecida,
buscando no colapso soviético a justificativa de sua dramática mudança de rota. Ao
mesmo tempo, também os velhos partidos social-democratas dos principais países
da Europa ocidental se transformaram em partidos conservadores de centro-direita,
tornando-se indistinguíveis dos instrumentos políticos da 'revolução thatcherista'.
Para se constituir num golpe no imperialismo seria necessário que, de uma maneira
ou de outra, as intenções e ações do governo Lula ameaçassem os interesses do
imperialismo. Mas o que vimos ao longo de seus 26 meses de governo foi
exatamente o contrário: no lugar de ameaçar ou de questionar os interesses do
grande capital, em especial do financeiro, tratou de sinalizar que se constituía
guardião desses interesses, elevando o superávit primário e promovendo a reforma
da previdência.
Essa relação estreita entre governo, partido e sindicato, explica, em parte, porque
foi tão fácil para o governo aprovar a reforma da previdência, não valorizar o
salário mínimo e promover o aumento do desemprego em seu primeiro ano. As
massas, mesmo descontentes, não tinham como se expressar: suas formas
tradicionais de organização estavam, pela mão de suas direções, a serviço do
governo. Somente os funcionários públicos, tendo em vista o significado da reforma
encaminhada por Lula, tiveram força para se fazerem ouvir, mas mesmo assim
ficaram isolados e foram derrotados. Para o isolamento dos funcionários públicos foi
essencial a propaganda realizada pela máquina do governo junto à mídia,
afirmando que os valores de suas aposentadorias eram significativamente maiores
do que os recebidos pelos trabalhadores do setor privado, e que, por isso, o Estado
não dispunha de recursos para que os serviços públicos fossem adequados
(Genuíno, 2003).
Apesar de seu discurso, a CUT, ao ser claramente vinculada ao PT e ao governo,
constitui hoje uma das principais forças políticas do atual governo. O apoio dado
por essa central expressa-se fundamentalmente por seu imobilismo e
subserviência, mas também, em algumas questões, pela falta de clareza ou pela
crítica tímida, apenas feita para marcar posição junto a suas bases.
"a criação de fundos de pensão por sindicatos e entidades de classe faz parte do
Programa do atual Governo e representa a deflagração de um novo ciclo de
crescimento da poupança previdenciária brasileira, considerada pequena, se levado
em conta o potencial existente[...] Trata-se de uma modalidade de fundo de
pensão reivindicada há muitos anos no Brasil por lideranças sindicais[...]" (Em
Questão, 25/06/2003, grifo nosso).
Antes mesmo de eleito, já defendia Lula em seu programa de governo "a criação de
um sistema previdenciário básico universal, público, compulsório, para todos os
trabalhadores brasileiros, do setor público e privado. O sistema deve ter caráter
contributivo, com benefícios claramente estipulados e o valor do piso e do teto de
benefícios de aposentadoria claramente definido" (Comissão de Programa de
Governo, 2002, § 47, grifo nosso).
Sobre este último ponto, nenhuma palavra ou preocupação pelo fato de parte
significativa dos valores de aposentadoria dos trabalhadores — sejam eles do setor
privado ou servidores — ficar sujeita às incertezas do mercado financeiro, sem
nenhuma garantia definida. Em outras palavras, significa dizer, tal como se define
no campo previdenciário, que apenas a contribuição é definida, ficando o valor a ser
recebido obra e graça dos humores do capital financeiro.
A proposta do Banco Mundial foi apresentada, pela primeira vez, em seu relatório
"Envejecimiento sin crisis: políticas para la protección de los ancianos y la
promoción del crecimiento", de 1994. Nele, a instituição defende que o Estado deve
somente garantir modestos valores no campo da aposentadoria e que estes podem
ser estendidos a todos ou focalizados nas pessoas de baixa renda, mediante teste
de meios. Beattie e McGillivray (1995) destacam que o Banco Mundial inclina-se
para a segunda alternativa, pois seu principal objetivo é construir um sistema de
três pilares, como ficou conhecido na literatura de políticas sociais. Nesse sistema,
a aposentadoria de valor relativamente baixo, dirigida preferencialmente ao setor
de baixa renda da população, é completada por um regime complementar
obrigatório privado, de contribuição definida, e por uma poupança facultativa.3
Pesquisa realizada por Marques et alli (2004) estimou que, em dezembro de 2003,
quando "somente" 4.103.016 famílias recebiam o Bolsa Família, a população
atingida, considerando a média de pessoas por família em cada estado do Brasil,
era de 16 milhões e 512 mil brasileiros. Para compreender a importância dessa
transferência de renda em nível dos municípios, essa pesquisa mediu a participação
relativa das famílias beneficiárias no total da população, bem como o peso dos
recursos recebidos em relação a variáveis como a Receita Disponível 6 do município,
o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o ICMS e os recursos federais
recebidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O "NOVO POPULISMO"
O termo populismo aqui utilizado se funda na sua acepção política: "ação política
que toma como referência e fonte de legitimidade o cidadão comum, cujos
interesses pretende representar" ou "política fundada no aliciamento das classes
sociais de menor poder aquisitivo" (Aurélio, 1999). Não se trata, portanto, do uso
atualmente corrente na ciência econômica, em que populismo está associado ao
governo que gasta mais do que arrecada. Bresser Pereira (1991), que também
considera que o populismo econômico se funda na indisciplina fiscal, chama atenção
para o fato de seus representantes entenderem que o desenvolvimento econômico
e a distribuição de renda podem ser realizados facilmente, através da elevação dos
salários e do aumento dos investimentos e dos gastos sociais públicos, o que via de
regra provocaria inflação. Para o que queremos enfatizar neste artigo, entretanto,
interessa é a dimensão política do termo populismo.
O populismo no Brasil nasceu com Getúlio Vargas e foi caracterizado, entre outros
aspectos, pela capacidade de o Estado conter e manipular o movimento de massas
organizado. Para isso foi fundamental a destruição da organização independente
dos trabalhadores, atrelando-a ao Estado, mas também a concessão de uma série
de avanços no tocante às relações do capital/trabalho e à cobertura de riscos
sociais. Segundo Weffort "a peculiaridade do populismo vem de que ele surge como
forma de dominação nas condições de vazio político, em que nenhuma classe tem a
hegemonia e exatamente porque nenhuma classe se afigura capaz de assumi-la
(...)" (Weffort, 1981, p. 159).
Já a nova base de apoio, diluída em todo país e tendo em comum somente sua
baixa renda, não constitui uma ameaça. Essa, por suas próprias características,
mas também pelo caráter do benefício com que é agraciada, não tem motivos para
contestar o governo Lula. Enquanto tais políticas tiverem prosseguimento, a
população de baixa renda verá em Lula aquele que mudou sua vida para melhor.
Para eles, o fato de a estrutura social, econômica e política do país reproduzir sem
cessar os fatores que criam a pobreza onde se encontram não se constitui um
problema, desde que o fluxo das transferências não seja interrompido. Como visto,
embora beneficie parcela significativa da população brasileira, a manutenção dos
programas de transferência de renda não envolve valores tão expressivos. Isso
significa que sua continuidade e aprofundamento não apresentam maiores
problemas, não indo contra as demais propostas do governo Lula. Pelo contrário,
programas desse tipo, de caráter assistencial e por isso compensatório, fazem parte
de qualquer agenda neoliberal, a começar pela do Banco Mundial.
Além disso, a correspondência do governo com o FMI 8 atesta que é sua intenção
alterar radicalmente o quadro em cima do qual são desenhados os orçamentos,
sejam eles da União, dos Estados ou dos Municípios. No item "Criando um ambiente
para o desenvolvimento" desse documento, é citada a flexibilização da alocação dos
recursos públicos como uma entre várias ações que seriam necessárias para "trazer
o país para uma trajetória de crescimento". Esse mesmo documento continua
dizendo: [...] menos de 15% das despesas primárias são alocadas de forma
discricionária pelo governo, criando uma rigidez orçamentária que muitas vezes
inibe de maneira significativa uma alocação mais justa e eficiente dos recursos
públicos". E termina dizendo: "[...] o governo planeja preparar um estudo sobre as
implicações das vinculações setoriais[...]" (Op. Cit, p. 3). Mesmo que esse objetivo
não seja atingido, sua declaração de intenção denuncia o pensamento neoliberal
que permeia a condução do governo Lula.
Até o momento, nenhum governo havia tido a coragem de cogitar uma proposta
como essa: institucionalizar completamente, promovendo mudança na Constituição,
que o pagamento do serviço da dívida preceda a preocupação de realizar os atuais
níveis de gastos sociais, quanto mais de ampliá-los. Essa proposta, no campo da
proteção social, somente adquire "consistência" quando associada à preocupação
de dirigir o social apenas para a população mais carente. No caso da saúde, isso
significaria direcionar o gasto para algo do tipo cesta básica, ao estilo do que é
proposto pelo Banco Mundial. Na educação, já a proposta da reforma universitária
trabalha nessa direção. Além de outras implicações, considera como certo que
novos investimentos não serão realizados junto às universidades públicas e que
novas vagas serão abertas, com financiamento do Estado, nas universidades e
faculdades privadas.
É evidente que a criação de uma nova base social não implica, necessariamente,
que Lula tenha garantido sua permanência no poder. Mas pelo menos nos
municípios onde é significativo o número dos beneficiários de sua política
assistencial (em relação à população total) tal objetivo fica mais próximo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOITO JR., A. "A hegemonia neoliberal no governo Lula". Revista Crítica Marxista,
n° 17, novembro de 2003. Campinas: Editora Revan, 2003. [ Links ]
BRESSER PEREIRA, L. C. (Org.). Populismo Econômico. 1ª. ed. São Paulo: Editora
Nobel, 1991. v. 1. p 249. [ Links ]
TROTSKY, L. Las tácticas del frente unico. Buenos Aires, Ediciones CEPE,
1973. [ Links ]
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