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A sexualidade infantil em “O caderno rosa de Lori Lamby”, de Hilda Hilst e

“Jogos Infantis”, de Haroldo Maranhão


Antonia Naiane Ribeiro da Silva
Dr. Luis Junior Costa Saraiva

Resumo: O caderno rosa de Lori Lamby (1990), de Hilda Hilst e Jogos Infantis (1986), de
Haroldo Maranhão, são narrativas que revelam através de uma estética hiper-realista uma
sexualidade negada pela sociedade, a sexualidade infantil. Os autores constroem um espaço
ficcional onde a infância foge às representações tradicionais de inocência; suas personagens são
perspicazes, capazes de se planejar e elaborar estratégias em prol de sua sexualidade. Assim,
com base nas personagens, no espaço, na linguagem e na própria ideologia dos autores, o
presente trabalho visa fazer uma análise comparada das obras de Hilda Hilst e Haroldo
Maranhão buscando compreender como ocorre o diálogo entre as literaturas sobre a sexualidade
infantil, usando como suporte teorias como as de Carvalhal (2006), Claudon e Haddad-Wotlig
(1992), Freud (2002), Foucault (1988), dentre outros.
Palavras-chave: Literatura Comparada; Hilda Hilst; Haroldo Maranhão; Infância;
Sexualidade.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa, através de um estudo de base comparatista, analisar as


relações existentes entre O caderno Rosa de Lori Lamby (1990), de Hilda Hilst e Jogos Infantis
(1986), de Haroldo Maranhão, uma vez que ambas constroem um espaço ficcional onde a
infância foge às representações tradicionais na literatura e enveredam por um caminho
tendenciosos e até mesmo perigoso acerca da sexualidade infantil.
Mas para uma melhor compreensão das similaridades e divergências entre as obras,
serão analisadas as personagens, a linguagem, o espaço ficcional e as próprias ideologias dos
autores, pois a literatura comparada desenvolve-se a partir de uma multivocalidade, isto é, o
texto representa “um espaço problemático, no qual se articulam, para o investigador, vários
eixos de reflexões: não só o eixo estético, possível duma investigação plenamente histórica e
cultural, mas também os eixos da ideologia e do imaginário.” (MACHADO, PAGEAUX, 1988,
p. 193).
O que, de início, chama atenção nas obras acima citadas, é que ambas colocam suas
personagens infantis não como seres totalmente inocentes, ingênuos, mas perspicazes, capazes
de se planejar e elaborar estratégias em prol de sua sexualidade. Fatos esses que entram em
consonância com a teoria de Freud (2002) e também de Foucault (1988) a respeito da existência
da sexualidade infantil e de seu acolhimento como uma atitude normal.
Nas obras, a abordagem sobre a sexualidade vem através de uma linguagem pura, cheia
de movimentos; desnuda dos rótulos tradicionais. Os textos se constituem um mosaico, onde às
palavras é dada liberdade de se expor da forma que são, fazendo com que mensagens
pornográficas, eróticas moldem-se e tomem contornos do que é usual.

2. Hilda Hilst e Haroldo Maranhão: por detrás de uma linguagem nua e crua

Em uma primeira leitura, tanto O caderno Rosa de Lori Lamby (1990), de Hilda Hilst
como Jogos Infantis (1986), de Haroldo Maranhão causa algum desconforto devido a
linguagem utilizada e a temática abordada. Tais obras são construções ousadas, onde as palavras
são soltas, sem retoques e usadas nos limites de suas significações permeadas por valores
rixosos.
Na verdade, Hilst (1990) e Maranhão (1986) estavam imersos em um cenário propício
para uma liberdade da escrita e renovação literária, o final do modernismo e início da chamada
literatura contemporânea. Bosi salienta que apesar de haver imprecisões acerca dos movimentos
literários posteriores a 1930, sabe-se que “poetas, narradores e ensaístas que estrearam em torno
desse divisor-de-águas continuaram a escrever até hoje, dando às vezes exemplo de admirável
capacidade de renovação.” (BOSI, 2006, p. 431).
O caderno rosa de Lori Lamby, de Hilda Hilst, foi publicado pela primeira vez em
1990. A obra faz parte da chamada trilogia pornográfica da autora, uma narrativa dividida em
dois momentos: no primeiro, Caderno Rosa, Lori Lamby, uma menina de oito anos, a partir do
contato com livros e revistas pornográficas de seu pai, escreve em um diário sobre algumas
experiências sexuais que teve com ajuda de seus pais em troca de dinheiro; e no segundo, O
caderno negro, há uma descrição sobre o livro que estava sendo escrito por seu pai.
Eu tenho oito anos. Eu vou contar tudo do jeito que eu sei porque mamãe e
papai me falaram para eu contar do jeito que eu sei. E depois eu falo do
começo da história. Agora eu quero falar do moço que veio aqui e que mami
me disse agora que não é tão moço, e então eu me deitei na minha caminha
que é muito bonita, toda cor de rosa. E mami só pôde comprar essa caminha
depois que eu comecei a fazer isso que eu vou contar. (HILST, 1990, p. 8)

Para Muzart (1991, p. 68), a obra “é uma narrativa nitidamente construída, arquitetada,
‘piramidal’. E nos apresenta um Eros jocoso, não sério”. A personagem a partir de uma
linguagem obscena, conta histórias em que se constitui narrador-personagem, que ao mesmo
tempo que é astuto, não tem noção verdadeira dos atos indecentes, repassando ao leitor um ar
virginal; o texto todo é, na verdade, uma grande brincadeira do profano com o sagrado. No
entanto, suas histórias demonstram a potência lúdica e até mesmo o acondicionamento sexual
infantil.
Já a obra Jogos Infantis (1986) é composta por quinze narrativas curtas. Em uma
linguagem atrevida e até mesmo irônica, o autor, Haroldo Maranhão, cria personagens infantis
masculinos que contam histórias sexuais como as experiências que tiveram com mulheres mais
velhas, mulheres ainda virgens e até mesmo experiências homossexuais com meninos da
mesma idade.
Eu fingia sempre que dormia, mas estava em brasas, aposto se ela não
enxergava logo que eu estava em brasas, o tempo todo que o Nando montava
nela eu me revirando na cama, não podia ficar parado, tirava a calça do pijama
por baixo do lençol, tirava a blusa, o peruzão empinado: duro-duro. A Tatá
sabia, ela não dizia, mas sabia aliás a Tatá não falava uma única palavra, só
gemia às vezes, mas falar não falava, nada, nenhuma sílaba. (MARANHÃO,
1986, p. 12-13)

É uma construção ousada, onde não há espaço para sutilezas, mistérios ou insinuações,
com personagens até mesmo de oito anos de idade, as quais não veem os atos sexuais como
formas de transgressão de seu corpo, mas como comprovação de sua masculinidade, ou um
meio de sentir sensações prazerosas. Como cita Smith Júnior (2015, p. 218):
A obra Jogos Infantis faz parte daqueles textos da literatura que se destaca
pela sua específica linguagem “lúdica”. Repleta de expressões que criam
imagens que “brincam” com o imaginário do leitor, utiliza uma linguagem que
proporciona dinamismo e simplicidade, no qual há um jogo das imagens (ou
entrelaçamento) do mundo ficcional com as imagens do mundo real.

A vicissitude das palavras é um fator de extrema importância nas obras, pois através
disso os autores constroem um jogo de promiscuidade e inocência. A explicação está na paixão
que ambos tinham pela linguagem. Não foi à toa que Hilst escreveu o próprio livro O caderno
rosa de Lori Lamby em “memória da língua”, nele a mesma demonstrou a capacidade de criar
através da linguagem um mundo revelador e até mesmo assustador, ou ainda ofereceu “à
linguagem uma oportunidade de recuperar a soberania, ou, quem sabe, seu lado perverso e
descolado do real” (CHIARA, 2003, p. 69).
mais do que tudo o que vai ressaltar no texto de Hilda Hilst é a paixão da
linguagem -- a experimentação da linguagem, do erotismo e do grotesco com
o jogo como permanente traço de união. A linguagem, uma busca e nesta
busca, vai Hilda Hilst sempre se ultrapassando. Do obsceno de A Senhora D
ao obsceno de Lori Lamby, um longo caminho. (MUZART, 1991, p. 68,
grifos do autor)
Da mesma forma não foi à toa que Haroldo Maranhão se utilizou tanto da ironia e do
próprio humor para evidenciar e trazer à tona fatos do dia a dia negados pela sociedade, pois
sabia o poder das palavras. Ele as usava sempre consciente de seus significados, dos sentidos
que poderiam suscitar e do impacto que imprimia no leitor, isto é, ele sabia que “certas palavras
levantam pesos, têm um poder incrível, palavras são guindastes, que levantam mais rápido que
as máquinas um simples pedaço de carne bamba” (MARANHÃO, 1986, p. 57-58).
A preocupação constante de Haroldo com a palavra-significado estende-se,
naturalmente, aos nomes próprios. (...). É fragmento que revela muito da sua
agudeza e ironia diante dos intransponíveis degraus do preconceito social no
Brasil, aos quais acrescenta a sua irreverente comicidade e o seu peculiar
sarcasmo, que tanto o aproximam do seu confessadamente — e homenageado
— grande mestre Machado de Assis (...). (FRANCONI, 1996, p. 47-48, grifos
do autor)

Assim, é evidente que as analogias entre Hilst e Maranhão não se restringem às suas
obras, mas abrangem a aspectos de suas vidas também. A visualização desses aspectos é
oportunizada pela forma de análise e abertura suscitada pela literatura comparada. Esta
desconstrói a ideia de que o texto é o todo-poderoso e leva o leitor numa viagem onde os
elementos culturais, os elementos sociais, as vertentes pessoais do autor e as ideologias próprias
de uma época fazem-se requisitos fundamentais para a análise literária. Pois como ressaltam
Machado e Pageaux (1988, p. 193) “O investigador literário nunca deverá esquecer-se de que
a literatura não é apenas o que se escreve, é também o que se pensa e o que se vive.”
Carvalhal (2006, p. 74-75) salienta que “a literatura comparada é uma forma especifica
de interrogar os textos literários na sua interação com outros textos, literários ou não, e outras
formas de expressão cultural e artística”, necessitando, assim, ultrapassar fronteiras e percorrer
por outras formas de conhecimentos pertencentes às ciências humanas.
A Literatura Comparada, pela abertura que suscita e que pratica na direção das
literaturas e das culturas estrangeiras, pela tónica que põe no carácter
relacional dos textos literários e dos factos culturais, pode e deve assegurar
este indispensável alargamento do campo de investigação, já praticado pelos
historiadores, às questões menos literárias que culturais. Trata-se dum
verdadeiro reequilíbrio dos estudos literários, que só poderá ser obtido se a
nossa disciplina se abre, mais nitidamente do que num passado recente, às
ciências sociais e humanas, às ciências dos homens. (MACHADO E
PAGEAUX, 1988, p. 151)

Os diálogos textuais que são suscitados têm se constituído uma ferramenta de suma
importância para uma nova maneira de ver uma obra literária, porque para a comprovação de
tais diálogos, o pesquisador comparatista tem se utilizado de variados estudos e metodologias
pertencentes a diversas outras disciplinas, principalmente dos estudos culturais.
O conhecimento da Literatura Comparada ensinou-nos, entre outras coisas, a
conceber o fenômeno literário como um fenômeno de cultura, a nunca
esquecer que um texto literário é uma forma especial de comunicação e,
consequentemente, de simbolização do mundo. Em suma: a nunca dissociar
“literariedade” e contexto cultural, mesmo social, dado que o fenômeno
literário é também um processus de socialização, pela própria existência do
público leitor, das relações entre produção literária e realidades sociais.
(MACHADO; PAGEAUX, 1989, p. 166, grifos dos autores)

É compreensível, nesse sentido, que a análise do diálogo sobre sexualidade infantil no


presente trabalho não se restrinja a uma compreensão textual, do texto pelo texto, mas cultural
e até mesmo psicossocial, uma vez que quando os autores constroem seus discursos sobre a
sexualidade na infância estão indo de encontro às concepções sobre a sexualidade vigentes em
suas épocas, ou estão expondo situações que são reflexos do acreditar e do defender de cada
autor, das ideologias e teorias defendidas pelos mesmos.

3. A sexualidade infantil: o diálogo entre Hilst e Maranhão em perspectiva

A sexualidade é uma propriedade experimentada por todo ser humano, no entanto a


sociedade estabelece papéis de como cada indivíduo deve incorporá-la. Se estabelece também
o distanciamento que se deve ter no tocante às referências entre infância e tudo o que remete a
sexualidade, porquanto essa é uma fase tomada como sinônimo de inocência, âmbito próprio
dos eventos relativos à pureza.
A literatura, assim, acaba se tornando vítima desses catamênios, pois segundo Mata
(2010, p. 12), a mesma “sempre trouxe consigo uma visão pouco empírica da infância”, isto é,
sempre buscou criar personagens infantis a partir da ótica de um adulto, que tivessem alguma
representação ligada à candidez. Por isso, as obras de Hilst (1990) e Maranhão (1986) tiveram
uma recepção tão negativa quando publicadas, uma vez que ambas abarcam, através de uma
estética hiper-realista, um posicionamento tendencioso sobre uma sexualidade infantil, que é
negada pela sociedade.
Faz parte da opinião popular sobre a pulsão sexual que ela está ausente na
infância e só desperta no período da vida designado puberdade. Mas esse não
é apenas um erro qualquer, e sim um equívoco de graves consequências, pois
é o principal culpado de nossa ignorância de hoje sobre as condições básicas
da vida sexual. (FREUD, 2010, p. 83)

Em O caderno de Lori Lamby, a personagem de oito anos inicia contando uma de suas
experiências com um homem sem nome, chamado apenas de “moço”, que não era “tão moço
assim”. A menina detalha em seu diário tudo o que aconteceu, desde a cor de sua cama – rosa
– aos pedidos promíscuos feitos pelo então moço a ela: “Eu deitei com a minha boneca e o
homem que não é tão moço pediu para eu tirar a calcinha. Eu tirei. Aí ele pediu para eu abrir as
perninhas e ficar deitada e eu fiquei. (...) e pediu que eu abrisse as minhas perninhas.” (HILST,
1990, p. 9).
Lori, fugindo às concepções tradicionais de uma criança assexuada e angelical, acata
todos os pedidos do então “moço” com satisfação e prazer. No decorrer, aliás, dos contatos e
experiências que ia mantendo com diferentes homens é como se a personagem fosse
descobrindo coisas no sexo outrora desconhecidas para ela, como o ato de lamber as partes
íntimas, o que gera no leitor a impressão de uma suposta inocência.
Aí ele tirou da malinha dele uma pasta que parecia pasta de dente grande e
apertou a pasta e deu para eu experimentar e tinha o gosto de creme de
chocolate. Ele passou o chocolate no piupiu dele, aí eu fui lambendo e era
demais gostoso, e o moço falava: ai que gostoso, sua putinha. Eu também
achava uma delícia mas não falei nada porque se eu falasse tinha de parar de
lamber. (HILST, 1990, p. 10)

Ao mesmo tempo que Lori aparenta ser libertina e ninfomaníca pela forma flexível e
espontânea de apresentar seus desejos e fantasias, bem como de se portar diante de todas as
possibilidades sexuais, tais como sexo anal, sexo oral, dentre outras; ela demonstra uma certa
superficialidade no que quis e tenta explicar a respeito do sexo, por exemplo, quando usa alguns
termos sem saber o significado – “disse que estava muito monocórdico. Eu já perguntei o que
era monocórdico” –; ou a pronúncia correta – “Aí mamãe falou pra ele se ontolar, quero dizer
se controlar”; ou ainda quando faz algumas associações incoerentes – “então o dinheiro é muito
bonzinho. E eu quis dar um presente pro dinheiro.”.
Em Lori Lamby, o que vamos encontrar é uma grande ingenuidade e pureza
ao lado do mais extremado amor pela língua. Em toda a narrativa, a
personagem persegue o uso e o sentido das palavras. Não há palavras "feias",
não há palavrões. Todas as palavras podem ser usadas e o são. E todas as
palavras têm de ter o seu sentido conhecido por Lori que a todo momento
pergunta o significado das que não conhece. (MUZART, 1991, p. 66)

Em contraste com a obra de Hilst, em Jogos infantis (1986), de Maranhão, as


personagens do sexo masculino também contam sem temor algum as aventuras sexuais que
tiveram. No primeiro conto da obra, “Cortininha de filó”, o menino narra como foi a experiência
que teve com sua prima, sendo que apesar de demonstrar conhecimento das limites morais
acerca do incesto, exprime uma falta de consciência real dos fatos: “para mim prima é mesmo
que irmã, a gente respeita, mas a Bela, sei lá!” (MARANHÃO, 1986, p. 7).
Os demais contos seguem a mesma lógica do primeiro, e, assim como em O caderno
rosa de Lori Lamby (1990), as personagens são ativas, flexíveis a todas as propostas sexuais
que lhes são feitas, como no conto “Mar de coalhada”, em que o personagem acaba deixando
explícito uma paixão louca pelas pernas de Lenira. Esta, por sua vez, cede às façanhas do
menino e acaba o levando para o sótão e o iniciando sexualmente, mais especificamente, ao
sexo anal, até então desconhecido por ele.
Era o que eu esperava, que a Lenira pedisse o penico como pediu. Foi quando
eu falei: ‘Mas aí?! Aí eu nunca fiz. Quero é pela frente, vira.’ A lenira estava
agoniada, tremia, suava, embaralhava as palavras que até ficou gaga, os olhos
pareciam de doida. ‘Pela frente não que eu sou moça. Por aí, por aí. Mete, é
bom, tu vai gostar.’ (MARANHÃO, 1986, p. 40)

Na maioria dos contos do livro de Maranhão (1986), os meninos é que são incitados
ao ato sexual, no entanto, mesmo desempenhando papéis passivos, o simples fato de
perceberem o prazer ou o que seu órgão genital proporciona a outrem, isso torna-se motivo de
orgulho e um elemento comprovador da sua masculinidade, como no caso do conto
“Movimento no porão”, em que o menino é envolvido pela empregada de sua vó, Normélia, e
isso é motivo de orgulho para ele: “Derramava o café no pires, tenho certeza que de propósito,
e botava mais café do que leite, quando sempre gostei de mais leite e de pouquíssimo café. De
noite, eu podia apostar o que fosse que ganhava a aposta, se ela não ia direto para a minha cama.
Ora, se ia!” (MARANHÃO, 1986, p. 29).
Aqui vale ressaltar que Maranhão, no decorrer de sua carreira literária, acabou, em
algumas de suas obras, exaltando a virilidade masculina através de referências feitas por suas
personagens a seus órgãos genitais. É o caso de sua obra O Tetraneto Del-Rei, no qual se
materializa a valorização do órgão genital através do personagem Torto, o qual, segundo
Saumai (2017), é uma referência direta à Mitologia Grega: “ele é desenhado por toda imagem
priápica, ou seja, estabelece um constante vínculo para com seus órgãos genitais. Em muitas
das vezes sua própria imagem e pensamentos confundem-se com tal órgão, emanando-se desse
contexto a similitude do personagem com a mitologia grega.” (SAUMAI, 2017, p. 15).
As obras de Hilst e Maranhão, então, estabelecem através de suas literaturas um
diálogo imaginável sobre a sexualidade infantil. Ambos demonstram astúcia e propriedade ao
tocarem em um assunto sombrio e cercado socialmente por tabus. Suas obras são um
aglomerado de elementos lúdicos, que brincam com a imaginação do leitor e revelam de forma
fria e até cômica situações sexuais infantis. Essas relações só são possíveis de serem observados
a partir e uma ótica da literatura comparada, porquanto tal estudo é “uma forma especifica de
interrogar os textos literários na sua interação com outros textos, literários ou não, e outras
formas de expressão cultural e artística” (Carvalhal, 2006, p. 74-75).
Freud (2002), aliás, fornece bases para uma compreensão mais positiva acerca da
sexualidade infantil ao defender, dentre outros aspectos, que desde a tenra idade as crianças já
experimentam situações sexuais.
Parece certo que o recém-nascido traz consigo germes de moções sexuais que
continuam a se desenvolver por algum tempo, mas depois sofrem uma
supressão progressiva, a qual, por sua vez, pode ser rompida por avanços
regulares do desenvolvimento sexual ou suspensa pelas peculiaridades
individuais. Nada se sabe ao certo sobre a regularidade e a periodicidade desse
curso oscilante de desenvolvimento. Parece, no entanto, que a vida sexual da
criança costuma expressar-se numa forma possível à observação por volta dos
3 ou 4 anos de idade. (FREUD, 2017, p. 86)

Desse modo, apesar das descrições feitas por Hilst (1990) e Maranhão (1986)
pertencerem a uma lógica ficcional, tais definições também se inserem dentro de uma dialética
real dos estudos sobre a infância. Quando, por exemplo, Lori se percebe como a própria
personagem das histórias eróticas, ainda que demonstre um certo desconhecimento de alguns
elementos acerca da sexualidade, ela é capaz de sentir prazer apenas a partir das suposições
feitas sobre o que seja aquilo que leu nas revistas de seu pai, como no caso do sexo oral. A
personagem desconhecia tal prática, mas pelo que leu, aquilo era muito bom, então ela passa a
se imaginar realizando tal prática e acaba sentindo prazer naquilo.
Eu gostei bastante de brincar de medo. Depois ele quis ficar lambendo
bastante a minha coisinha, ele disse que era uma vaca lambendo o filhotinho
dela e lambeu com a língua tão grande que eu comecei a fazer xixi de tão
gostoso. Tio Abel lambia com xixi e tudo e eu disse que estava com tontura
de tão bom, e também que agora estava ardendo e ficando inchada a minha
xixoquinha. (HILST, 1990, p. 28)

Na obra de Maranhão não é diferente, seus personagens apesar de demonstrarem uma


certa imaturidade ou desconhecimento acerca da sexualidade, somente de imaginar os atos
sexuais conseguem se excitar, é o que se observa no conto “Os três mosqueteiros”. Nessa
narrativa, três amigos idealizam um “concurso” baseado em quem espirrava mais longe o
esperma, para se excitarem, os meninos começam a ter pensamentos libertinos com mulheres
que conheciam.
Nós estivemos pensando, mas a ideia vencedora foi do Sabino, que disse a
coisa mais certa da sua vida: “Olha, pessoal, cada um pense na sua. Já sei qual
a minha, mas não digo. Duvido que haja bundão melhor que o da minha. Só a
bunda, se eu dissesse, ganhava o campeonato. Quem começa? Tu começa,
Pedrão?” (MARNHÃO, 1986, p. 68)

Assim, quando se volve o olhar para estudos sobre a infância, principalmente os de


Freud (2002), se observa que durante a infância já existe nas crianças as chamadas “zonas
erógenas”, as quais se constituem alvos sexuais, que são provocados mediante estimulações
com objetivo de se obter a satisfação. Essas, muitas vezes, são desconhecidas pelas crianças,
mas que por algum acidente ou descuido qualquer são descobertas e tocá-las visando obter
prazer acaba se tornando um vício. Dentre essas “zonas erógenas”, Freud (2002) chama atenção
para a “zona labial”, “zona anal”, bem como para a “zona genital”, principais fontes de
satisfação sexual infantil.
A propriedade erógena pode ligar-se de maneira mais marcante a certas partes
do corpo. Existem zonas erógenas predestinadas, como mostra o exemplo do
chuchar. Mas esse exemplo ensina também que qualquer outro ponto da pele
ou da mucosa pode tomar a seu encargo as funções de uma zona erógena,
devendo, portanto, ter certa aptidão para isso (...). a criança chuchadora
perscruta seu corpo para sugar alguma parte dele, que depois, por hábito,
torna-se a preferida; quando tropeça casualmente numa das partes
predestinadas (os mamilos, a genitália, essa decerto retém a preferência.
(FREUD, 2002, p. 92)

Nesse sentido, Lori e os personagens de Maranhão não apresentam qualidades


excepcionais com relação à sexualidade, ou seja, não são exemplos de perversões precoces, mas
amostras reveladoras de um mundo pouco analisado e mal compreendido, o das crianças. Até
mesmo a forma como os autores constroem seus personagens – desprovidos de vergonha,
polimorfos e libertinos – deve ser levado em consideração, uma vez que, ainda segundo Freud
(2002, p. 98):
É instrutivo que a criança, sob a influência da sedução, possa torna-se perversa
polimorfa e ser induzida a todas as transgressões possíveis. Isso mostra que
traz em sua disposição a aptidão para elas; por isso sua execução encontra
pouca resistência, já que conforme a idade da criança, os diques anímicos
contra os excessos sexuais – a vergonha, o asco e a moral – ainda não foram
erigidos ou estão em processo de construção.

O predicado de pornografia infantil, pedofilia e até literatura imoral como comumente


são rotuladas as obras em questão não é resultado do que provavelmente se pensaria – o
desconhecimento dos estudos sobre a infância – mas das instituições criadas na sociedade sobre
a sexualidade. A forma como as personagens veem o ato sexual, ou todas as possibilidades
sexuais, como zoofilia, no caso de Lori, e do próprio sexo homoafetivo, no caso do Carlão e
Luizinho, dentro respectivamente dos textos de Hilst e Maranhão, não são excepcionais, apenas
desprovidas de construções morais criadas socialmente.
É nesse sentido que Foucault (1988) defende que os discursos sobre sexo se
constituíram no decorrer dos anos uma forma de controle dos comportamentos dos indivíduos
objetivando interesses sociais de dominação. Além disso defende que a partir do final do século
XVIII, houve um forte monitoramento acerca das manifestações sexuais em crianças.
Todos os detentores de uma parcela de autoridade se colocam num estado de
alerta perpétuo: reafirmado sem trégua pelas disposições, pelas precauções
tomadas, e pelo jogo das punições e responsabilidades. O espaço da sala, a
forma das mesas, o arranjo dos pátios de recreio, a distribuição dos
dormitórios (com ou sem separações, com ou sem cortina), os regulamentos
elaborados para a vigilância do recolhimento e do sono, tudo fala da maneira
mais prolixa da sexualidade das crianças. (FOCAULT, 1988, p. 30)

Entretanto, por trás de todo esse aparato, segundo Foucault (1988), há o interesse de
controlar a sexualidade buscando inibir e excluir as formas desviantes das consideradas
legítimas e que favorecem à uma ordem dominante. Uma vez que, a partir do século XIX, o
modelo capitalista vigente enxergou na infância o futuro de uma nação próspera. Então,
constrói-se um modelo de infância a ser atingido baseado em interesses adultos, com
regularidade, limite, penalidade, culpa e recompensa, camuflando a dimensão natural da
sexualidade presente nas crianças.
As crianças, por exemplo, sabe-se muito bem que não têm sexo: boa razão
para interditá-lo, razão para proibi-las de falarem dele, razão para fechar os
olhos e tapar os ouvidos onde quer que venham a manifestá-lo, razão para
impor um silêncio geral e aplicado. Isso seria próprio da repressão e é o que a
distingue das interdições mantidas pela simples lei penal: a repressão
funciona, decerto, como condenação ao desaparecimento, mas também como
injunção ao silêncio, afirmação de inexistência e, consequentemente,
constatação de que, em tudo isso, não há nada para dizer, nem para ver, nem
para saber. (FOUCAULT, 1988, p. 10)
Assim, percebe-se que as questões sobre a sexualidade estão muito além de ser simples
manifestações naturais, mas que sofrem influências de fatores externos ao indivíduo,
principalmente dos fatores culturais. Hilst e Maranhão se permitiram, por um momento, talvez,
se despir das ideologias e valores cultuados sobre a infância e construir narrativas seguindo
uma ótica mais científica que cultural, mais questionadora que defensora de uma hipótese.

CONCLUSÃO

As construções de Hilst (1990) e Maranhão (1986), quando abarcadas de forma isenta,


desprovida de moralismo e tradicionalismo, contribuem para imprimir reflexões sobre a
sexualidade infantil. A importância de tais obras se estende aos questionamentos suscitados
durante suas leituras, pois cada palavra é empregada de modo a impactar o leitor, a por em jogo
o que se sabe sobre a infância e o que se poderia saber caso fosse tomada e vista por outro
ângulo.
Mesmo que Lori e as personagens de Maranhão carreguem o peso da transgressão, elas
também são constituídas por uma brandura que coloca em jogo não as conjunções sexuais a que
são submetidas na narrativa, mas a própria forma do leitor as analisar e interpretar os textos. Os
valores morais de cada leitor, nesse sentido, é que vão determinar o conflito das obras, pois
estas são tão livres, abertas a diversas possibilidades.
A forma com que as obras de Hilst (1990) e Maranhão (1986) foram analisadas,
contribuiu para entender como textos que rompem com limites morais podem ser formas
atemorizantes para a sociedade, mas também fontes de questionamentos enriquecedores.
Méritos esses dados à abordagem da literatura comparada, porque sua ação interdisciplinar vai
de encontro a qualquer tendência homogeneizadora e enquadramento conceitual, levando a uma
reestruturação das fronteiras artificiais criadas entre os conhecimentos. Seus estudos, não
constroem noções superficiais, ao contrário, levam a um aprofundamento da compreensão da
relação entre os objetos de pesquisa e o contexto a partir de uma reflexão crítica, criativa e
responsável, tanto no plano antológico como epistemológico.

REFERÊNCIAS

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 2. ed. Editora: cultrix, 1975.

CARVALHAL, Tania Franco. Literatura Comparada. 4. ed. rev. e ampliada, São Paulo:
Ática. 2006.

CHIARA, Ana Cristina de Rezende. “Lori Lambe a memória da língua”. In: NUÑEZ,
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FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Tradução de Maria


Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 13. ed. Rio de Janeiro: Edições
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FRANCONI, R. A. Senhoras e senhores: Haroldo Maranhão. Letras, Curitiba, n. 46, 1996.

FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Rio de Janeiro: Imago Editora,
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HILST, Hilda. O caderno rosa de Lori Lamby. 2. ed. São Paulo: Massao Ohno Editor,
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