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Projeto espetáculo 2018

Vila Nova Cachoeirinha

Proposta para a dramaturgia


Por Lucienne Guedes
16 de Abril

“os deuses, na poesia épica, costumam


beneficiar os heróis que já guardam em si
a intenção da ação patrocinada pela divindade.”

Christian Werner,
em Memórias da Guerra de Troia,
na página 95

Considerações de começo

Talvez pareça que a dramaturgia dá um passo cedo demais no nosso processo. Eu


penso que é bom que esse passo seja dado, agora em abril, porque a gente deseja
(Eu, Marcio, e a Lili) que todos os criadores possam ter tempo e condições de
empenho para “falar alto” nesse processo de criação. Quando a dramaturgia não
se adianta, as explorações e tentativas de criação com os aprendizes ficam soltas.
Isso, em si, não é ruim, penso; mas se tivermos um território comum (mesmo
porque nossos encontros não são tantos assim, e quase nunca nos encontramos
em sala de trabalho com as meninas e os meninos, juntos) corremos o risco de
conseguir aprofundar as questões estéticas e éticas de todos. Alguns aprendizes
do ano passado avaliam que o final foi muito corrido, e de fato estreamos com a
corda no pescoço. Estou tentando também mudar isso, no que for possível para
mim, sem matar um processo colaborativo no qual o pensamento de todos seja
importante.
Sendo assim, o que entrego agora não é a peça, mas uma espécie de mapa. Um
mapa que define o nosso território comum de navegação. As paradas e as
conexões estão previstas, muito embora algo possa acontecer no caminho e
transformar tudo – uma viagem sempre é assim, por mais que nos programemos
com afinco. Esse mapa indica os passos a serem investigados. É, portanto, uma
trama dramática larga, em que cabe muita coisa. É ainda um mapa daqueles
pontilhados e rascunhados, que vai impelir os navegantes à navegação. Espero
que possamos criar juntos a “carne” que vai preencher essa viagem.
Sobre a Telemaquia, ou a Máquina Teresa

Não é uma viagem qualquer, a que proponho agora. Não é turismo, mesmo que
os viajantes possam se divertir, e muito. Não é trabalho, embora creio que o
caminho vá exigir muita energia empenhada. É uma trajetória de procura, de
resgate.
O espetáculo do ano passado fez todos nós olharmos para as meninas e meninos
do P. E. de todas as fábricas, porque fomos até lá com as câmeras e a vontade de
saber como os pais deles se conheceram. Inspirados em Eduardo Coutinho, Maria
Clara Escobar, Naomi Kawase e Pedro Costa, fizemos uma pergunta que,
acreditávamos, nos faria ver muito mais que a resposta em si. E vimos, mesmo. Foi
preciso, inclusive, visitar o futuro, para dar conta de imaginar expectativas
diferentes para a nova geração.
Uma coisa saltou aos nossos olhos e gerou uma forte impressão, diante do
material captado nos documentários: a figura paterna, ausente e muitas vezes
violenta, não era exceção nas narrativas. Consideramos, portanto, que esse
assunto merece mais elaboração da nossa parte, que é preciso ainda lidar com ele
como tema de criação.
O mapa da nossa dramaturgia empresta, para tanto, a parte inicial da Odisseia de
Homero como premissa de criação, a parte em que Telêmaco, filho de Ulisses-
Odisseu, já não mais uma criança, ao ver Ítaca tomada por usurpadores, é
impelido pela deusa Atena a sair em busca do pai, ao menos saber se ele está vivo
ou morto. Viver em Ítaca, para o jovem Telêmaco, se tornou insuportável. Ele
precisa fazer alguma coisa, mas não sabe o que fazer, mesmo porque a figura do
pai desaparecido ainda assombra suas considerações de mudança. Ele ainda não
se vê como capaz de resolver a situação, ninguém da cidade considera o que
aquele jovem diz, ninguém o considera perigoso. Sair de Ítaca para saber do pai,
para busca-lo, é o que Telêmaco consegue imaginar, sem saber que vai encontrar
a si mesmo capaz de falar com outros governantes e de se colocar em movimento
no mundo.
A proposta de dramaturgia vai propor um caminho que faz analogia ao processo
vivido pelo jovem Telêmaco, tratando do assunto de maneira inspirada nos
conceitos de montagem, narratividade e teatro épico de B. Brecht. Dessa forma,
alçamos à capacidade de imaginação de todos os criadores da Vila Nova
Cachoeirinha o problema da ausência e inexistência do pai diante da juventude
que se assoma como cidadã, dando, de certa forma, continuidade ao espetáculo
do ano passado, Os Escafandristas.
Telemaquia
ou
Teresa máquina

Enredo
Teresa é uma jovem adolescente que vive na periferia de uma cidade grande,
banhada pelo mar. Sua mãe se casou novamente, depois que seu pai foi embora.
Ela tem vários meio irmãos, mais novos que ela. Além de conviver com várias
dificuldades nas ruas de sua cidade, ela tem também que enfrentar a violência do
padrasto com a mãe e as ameaças aos irmãos menores, muitas vezes. “Cada um
por si” e “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come” é a cor do sangue que
corre nas suas veias de mulher jovem. Teresa nunca viu o pai: dele só conhece as
histórias que a família e a mãe contam. Ela tem uma tia que a vista de vez em
quando, e é ela quem vai ajudar Teresa a imaginar saídas para sua situação.
Embora a tia seja uma figura contraditória, Teresa aceita o apoio dela e parte em
busca do pai, acreditando que ele pode voltar e resolver tudo. Ela sai, portanto,
numa viagem-expedição para encontrar o pai, junto a outros jovens. A viagem
será enfrentamento e aprendizado, até que a volta seja possível.

Roteiro

Cena 01
Uma música narrativa é cantada por um coro, enquanto os atores se vestem,
caracterizando todas as figuras cênicas. A música narra e configura a trajetória do
espetáculo e também aquela cidade (Ítaca).
Referência: música P.U.T.A. – Mulamba.
Observação: é provável que esta seja a última cena a ser levantada no processo de
criação, na medida em que depende de toda a trajetória para funcionar como um
bom prólogo.

Cena 02
Teresa está chegando em casa. Já da esquina, escuta os gritos de briga do
padrasto com a mãe. Ela nem entra; encontra os irmãos menores sentados nos
degraus da calçada, na rua. Ela se senta com eles. Ela conta uma história, eles
participam como ouvintes atentos. Eles se aconchegam e ficam ali mesmo.
Quando o silêncio se faz dentro de casa, mostrando que a briga realmente
acabou, ela põe os irmãos para dentro. E resolve ficar ela mesma lá fora,
adormecendo no portão.

Cena 03
A mãe aparece, elas conversam. A mãe não quer falar da violência do padrasto,
mesmo estando visivelmente machucada. Teresa fala então do pai, que foi
embora quando ela nem tinha um ano, mas a mãe pede pra que ela fale de outra
coisa. Ela insiste, tem um sonho/fantasia a respeito do retorno do pai, pensa que a
volta do pai vai trazer felicidade para ela e para a mãe (embora ainda não se veja
como parte importante e ativa de mudança). Ela não sabe se o pai está vivo. Ela
conta pra mãe de um sonho que teve, em que viu o cadáver do pai. A mãe não
quer mais falar disso, convida Teresa pra entrar, mas ela quer ficar ali.

Cena 04
Com a chegada da manhãzinha, Teresa acorda. Ela se levanta e sai. No caminho
para a escola, encontra alguns companheiros, que se juntam a ela.
Referência: música Mãe – Emicida

Cena 05
Ela resolve não seguir para a escola, não consegue se concentrar em nada que
não seja seu pai. Encontra a tia, irmã do pai ausente, numa praça. Elas conversam,
a tia oferece ajuda e suporte material para uma viagem dela, para procurar o pai.
Na conversa, a tia procura fazer Teresa entender que, no fundo, é a própria
Teresa que deve protagonizar a mudança que deseja, muito embora se sinta
incapaz, ainda.

Cena 06
De volta pra casa, em companhia da tia, Teresa escuta de longe novamente uma
briga. A mãe está na calçada com os filhos, algumas coisas e roupas jogadas no
chão indicam que ela foi expulsa de casa. A tia, indignada, faz o que pode para
enfrentar o padrasto e restituir a casa para a mãe. Na confusão, a tia grita que
Teresa parta para a viagem. “Vai, Teresa!! Vai agora!!” Elas quebram a casa e
separam um pedaço, que será o barco de Teresa. Teresa parte, então, no barco-
casa que vai navegar no mar à procura do pai.

Cena 07
Todos os amigos que encontra no caminho perguntam aonde ela vai, e muitos se
juntam ao barco. Muitos deles parem junto porque vão em busca “de sua
essência”.
Referência: música Cidade Neon – Danna Lisboa

Cena 08
Aquela tripulação improvável segue, criando muitas questões, duvidando do
sucesso da empreitada, dividindo-se em grupos de afinidades, etc. Há
desentendimentos.

Cena 09
Por conta de uma briga, alguns jovens caem no mar, e todos gritam: “gente no
mar! Gente no mar!”. A cena muda e as pessoas que estão na água narram
coletivamente o que aconteceu com um amigo na escola que, cansado de
enfrentar violência e preconceito, resolve também com violência fazer aquilo
parar. No fim, alguns conseguem ser resgatados e uma pessoa segue afogada e
não volta.

Cena 10
Eles chegam na primeira parada, um vilarejo à beira de um canal, chamado Pilos.
Alguns desembarcam, outros não. Ali vive um amigo antigo do pai, mas que não
sabe quem Teresa é. Ela pede noticia, ele conta algo do passado e diz que não
sabe de noticias recentes. Ele envia Teresa a outro lugar.

Cena 11
Eles saem em direção a Lacedemônia. No barco, uma menina se joga, saltando na
água, é uma tentativa de suicídio. “Gente no mar! Gente no mar!”, eles gritam. A
cena muda de clima novamente. Da água, a menina narra sua história. Os que
estão no barco se dividem nas opiniões. Um grupo de meninas tenta fazer com
que ela volte ao barco. Elas conseguem resgatá-la com vida.

Cena 12
A caminho ainda da Lacedemônia, ouve-se um barulho e o barco quebra. Um
grupo decide rebocar o barco, puxando pela Âncora. Eles vão andando e puxando
o barco; juntos, narram a história de uma menina que cresceu num país em que o
presidente prometia muitas coisas. Os rebocadores tentam ver se sabem o hino
nacional, tentam cantá-lo de maneira engraçada.

Cena 13
Vem chegando uma tempestade. Quem rebocava o barco sobe muito rápido. O
vento é muito, e destrói alguns pedaços daquele barco precário. Todos se
agarram como podem. No começo eles brincam com os raios, como se fossem
flashes de fotografias sendo tiradas por deus, mas depois a tempestade vai
piorando e muito vão caindo ao mar e morrendo afogados. Eles gritam “gente no
mar! Gente no mar!”, mas não tem jeito. Quando a tempestade se acalma, o mar é
um campo de cadáveres. A cena muda de clima e uma pessoa narra o que
aconteceu na guerra terrível de seu país.
Referência: música I see fire – Ed Sheeran

Cena 14
Como se tivesse sido uma brincadeira, todos os cadáveres se levantam do mar e
voltam ao barco. A alegria toma conta. Eles cantam e dançam.
Referência: música Como una flor – Francisco el hombre

Cena 15
Eles chegam a Lacedemônia. Teresa não quer descer do barco. Os amigos a
questionam. Ela está sem fé. Alguns amigos decidem ir perguntar sobre o pai de
Teresa para uma espécie de chefa ou chefe daquele lugar, que é barra pesada. O
nome dela/dele é Menelau, e era uma pessoa conhecida do pai de Teresa. Ela (ou
ele) conta algumas coisas, convida todos a ficarem por ali, recebendo de tudo, do
bom e do melhor. Eles se animam e vão ficando à vontade. Teresa acaba ficando
sozinha no barco. Depois de um tempo ela decide desembarcar também. Menelau
a encontra, fala então do pai: era a(o) parceira (o) mais próxima(o), e também
cúmplice.
Referência: música O Cristo de madeira – Ana Carolina
Menelau a seduz para que fique por ali também, prometendo uma vida boa de
esquecimento. (Aquele lugar tira a memória das pessoas, sem que elas se deem
conta.)

Cena 16
Todos se divertem naquele lugar. Eles atracam o barco definitivamente,
descaracterizam-no, desfazendo a possibilidade de navegação.
Referencia: música Lazy song – Bruno Mars

Cena 17
Chega ali a tia de Teresa, à procura da sobrinha que não voltou. Lembra a ela o
que veio fazer ali, que precisa voltar pra casa. A tia briga com Menelau, que acaba
expulsando a todos, ou ainda outra coisa. Eles se colocam em viagem de volta.

Cena 18
Nova tempestade sopra o barco com força e velocidade. Dessa vez eles
conseguem controlar o barco com conhecimento, já conseguiram algum
aprendizado. Mesmo assim, a tia escorrega e cai no mar, e Teresa, numa manobra
arriscada, cai na água à procura dela. Eles gritam “gente no mar! Gente no mar!”.
A cena muda de clima e Teresa narra a memória que tem do futuro, uma outra
face da fantasia que tinha da volta do pai, agora sem essa possibilidade. (Ela
consegue salvar a tia?) Teresa por fim resolve nadar com muito empenho e
consegue voltar ao barco que já se distanciava muito. Eles chegam de volta a
Ítaca.

Cena 19
Quando desembarcam, nada reconhecem. Tudo se modificou na ausência deles.
(A mãe de Teresa foi embora com os outros filhos?)

Possibilidade de final 1: Teresa resolve, com quem estiver disposto, a seguir


viagem.
Possibilidade de final 2: Teresa e todos devem reconfigurar sua cidade. Começam
a fazê-lo segundo outras bases.
Possibilidade de final 3: Teresa resolve seguir viagem, deixando a tia (que foi
salva) e outros para reconstruir nova cidade. Nessa possibilidade, a mãe de Teresa
e os irmãos podem ainda estar ali.

(Ainda não há referência de música para este momento, que é a cena final. Penso
que seria ótimo compor uma canção, ou para a nova viagem, ou para a nova
cidade. E há também o poema de Konstantinos Kaváfis*.)

*Ítaca
Se partires um dia rumo a Ítaca,
Faz votos de que o caminho seja longo,
Repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem lestrigões nem os ciclopes
Nem o colérico Posídon te intimidem;
Eles no teu caminho jamais encontrarás
Se altivo for teu pensamento, se sutil
Emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem lestrigões nem os ciclopes
Nem o bravio Posídon hás de ver,
Se tu mesmo não os levares dentro da alma,
Se tua alma não os puser diante de ti.

Faz votos de que o caminho seja longo.


Numerosas serão as manhãs de verão
Nas quais, com que prazer, com que alegria,
Tu hás de entrar pela primeira vez um porto
Para correr as lojas dos fenícios
E belas mercancias adquirir:
Madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
E perfumes sensuais de toda espécie,
Quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
Para aprender, para aprender dos doutos.

Tem todo o tempo Ítaca na mente.


Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
E fundeares na ilha velho enfim,
Rico de quanto ganhaste no caminho,
Sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso, não lhe cumpre dar-te.

Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.


Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
E agora sabes o que significam Ítacas.

(1911) Tradução de José Paulo Paes

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