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3 i Ellen Meiksins Wood } DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISMO a renovagao do matcrialismo historico Berrenmre es Pec eon cea A SEPARAGAO ENTRE O “ECONOMICO” EO “POLITICO” NO CAPITALISMO. ‘A intengio original do materialismo histérico cra oferecer fundamentagéo teérica para se interpretar o mundo a fim de mudé-lo. Isso nao era apenas um slogan. Tinha um significado muito preciso. Queria dizer que o marxismo procu- rava um tipo especial de conhecimento, o tinico capaz de esclarecer os princfpios do movimento histérico e, pelo menos implicitamente, os pontos nos quais a ago politica poderia intervir com mais eficdcia. O que nao significa que o objetivo da teoria marxista fosse a descoberta de um programa “cientifico” ou de uma técnica de aco politica, Ao contrério, o objetivo era oferecer um modo de anélise especialmente preparado para se explorar o terreno em que ocorze a acao politica. Depois de Marx, muitas vezes o marxismo perdeu de vista esse projeto te6- rico ¢ seu cariter essencialmente politico. Houve, em particular, uma tendéncia a perpetuar a rigida separacéo conceitual entre 0 “econdmico” e o “politico” que xo bem atendeu 4 ideologia capitalista desde que os economistas classicos desco- briram a “economia” na teoria ¢ comegaram a esvaziar 0 capitalismo de conteido politico e social. Esses artificios conceituais refletem, ainda que como um espelho distorcido, uma realidade histérica especifica do capitalismo, uma diferenciagio real da “economia”; ¢ talvez seja possivel reformulé-los, para que se tornem mais esclarecedores, pelo reexame das condigées histéricas que tornaram posstvcis e plausiveis essas concepgbes. O objetivo desse reexame nao seria explicar a “fragmentagéo” da vida social no capitalismo, mas entender exatamente o que aparece, na sua natureza histérica, como uma diferenciacio de “esferas”, principalmente a “econdmica” ea “politica”. Evidentemente, essa diferenciagao nao € apenas um problema tedrico, mas também prético. Teve imediata expressio pritica na separacao das lutas politicas ¢ econémicas que caracterizaram os movimentos operirios modernos. Para muitos socialistas revoluciondrios, cla foi apenas o produto de uma consciéncia mal orienta- da, “subdesenvolvida” ou “falsa”. Se representasse apenas isso, poderia ser mais ficil superd-la; mas 0 que tomnou tio tenaz 0 “economicismo” da classe operdria € que ele corresponde s realidades do capitalismo, as formas pelas quais a apropriagio ¢ a exploragéo capitalista realmente dividem as arenas de agao politica ¢ econdmica, ¢ transformam certas questées politicas essenciais —as lutas pela dominagao € explora- «do que no passado sempre estiveram umbilicalmente unidas ao poder politico — em 27 Democeact cows caPrTALismo questGes claramente “econémicas”, Na verdade, essa separacio “estrutural” talvez seja © mecanismo mais eficiente de defesa do capital. Portanto, a questao € explicar como e em que sentido o capitalismo enfiou uma cunha entre 0 econémico e 0 politico — como ¢ em que sentido quest6es essencialmente politicas, como a disposigo do poder de controlar a producio e a apropriacio, ou a alocagio do trabalho ¢ dos recursos sociais, foram afastadas da arena politica e deslocadas para uma outra esfera, “FaToRES” ECONOMICOS E POL{TICOS Marx mostrou o mundo no seu aspecto politico nao apenas nas suas obras expli- citamente politicas, mas até mesmo nos seus textos econdmicos mais técnicos. Sua critica da economia politica teve, entre outras coisas, 0 propésito de revelar a face politica da economia que havia sido obscurecida pelos economistas politicos classicos. O segredo fundamental da producio capitalista revelado por Marx — segredo que a economia politica ocultou sistematicamente, até tornar-se incapaz de explicar a acumulagio capitalista — refere-se as relagses sociais e & disposigao do poder que se estabelecem entre os operdtios ¢ o capitalista para quem vendem sua forca de trabalho. Esse segredo tem um corolitio: a disposi¢ao de poder entre 0 capitalista eo trabalhador tem como condigao a configuragio politica do conjunto da sociedade— 0 equilfbrio de forgas de classe ¢ os poderes do Estado que tornam posstvel a expropriagio do produtor direto, a manutengao da proptiedade privada absoluta para o capitalista, e seu controle sobre a producio e a apropriacio. No volume I de O capital, Marx desenvolve a evolugéo da forma de mercadoria passando pela mais-valia até o “segredo da acumulagio primitiva”, revelando por fim que o “ponto de partida” da produgéo capitalista “nao é outra coisa sendo 0 Processo histérico de isolar 0 produtor dos meios de produgio”', um proceso de luta de classes ¢ de intervengio coercitiva do Estado em favor da classe expropria- dora. A prépria estrutura do argumento sugere que, para Marx, o segredo tiltimo da producio capitalista € politico. O que radicalmente distingue sua andlise da economia politica clissica € que ela nfo cria descontinuidades nitidas entre as esferas econémica e politica; e cle ¢ capaz de identificar as continuidades porque trata a propria economia n&o como uma rede de forcas incorpéreas, mas, assim como a esfera politica, como um conjunto de relagdes sociais. Isso nem sempre foi verdade no marxismo depois de Marx. De uma forma ou de outra em graus variados, os marxistas adotaram modos de andlise que, implicita ou explicitamente, tratam a “base” econémica e a “superestrutura” legal, politica ¢ ideoldgica que a “teflete” ou “cortesponde” a ela como coisas qualitativamente diferentes, esferas mais ou menos fechadas ¢ “regionalmente” sepatadas. Isso verdade principalmente com relagéo as teorias ortodoxas de base-superestrutura, ‘Também é verdade no caso de variantes que falam de “fatores”, “nfveis” ou “casos” econdinicos, politicos ¢ ideoldgicos, por mais que insistam na interagito entre fato- " MARX, Karl. Cyptall, Moseou, 1971, 668, (el, bras © capital So Paulo, Nova Cultural 1985] A SEPARAGKO ENTRE © “ECONOMICO” E 0 “POLIFICO” NO CAFITALISMO fe 041 casos, ou na distancia remota do “caso tiltimo” em que finalmente a esfera sondmica passa a determinar todo o resto. Tais formulagoes conseguem apenas gir a separagao espacial entre as esferas. Outras escolas do marxismo defenderam de formas diferentes a abstragio ¢ 1 fechamento das esferas ~ por exemplo, abstraindo a economia ou o cireuito do apitala fim de construir uma alternativa tecnicamente sofisticada para a economia Jiuijguesa, enfrentando-a no seu préprio terreno (eavangando sob esse aspecto bem \\¢in do préptio Marx, sem entretanto fundamentar, como ele, suas abstracdes tondmicas na andlise sociolégica e histérica). As relagdes sociais em que se insere ee mecanismo econdmico—e que na verdade o constituem ~ so tratadas como slyo externo. No maximo, um poder politico espacialmente separado pode intervir Hi economia, mas a economia em si é despolitizada e esvaziada de contetido so- cial. Sob esse aspecto, a teoria marxista perpetua as praticas ideolégicas que Marx \\ucava, préticas que confirmavam para a burguesia a naturalidade e a eternidade «lis relagbes de produgao capitalistas. A economia politica burguesa, de acordo com Marx, universaliza as relagoes de jrodugio quando analisa a produgéo abstraindo suas determinagées sociais especi- licas ~relagdes sociais, modos de propriedade e de dominacao, formas politicas ou j\nidicas especificas. Isso ndo quer dizer quea “base” econdmica se reflita em certas instituigdes “superestrucurais” € por elas seja mantida, mas que a base produtiva om si existe sob 0 aspecto de formas polfticas, sociais juridicas — em particular, formas de propriedade e dominagio. Ao separar o sistema de produgao de seus atributos sociais espectficos, os eco- hiomistas politicos burgueses sao capazes de demonstrar “a eternidade ea harmonia ils telagdes sociais”, Para Marx, produgio é “nao apenas uma produgio particula nas sempre um certo corpo social, um sujeito social, que ¢ ativo numa totalidade, maior ou menor de ramos de produg4o”*. Jé a economia politica burguesa atinge seu objetivo ideolégico ao tratara sociedade como algo abstrato, considerando a produgao como “cncasulada em leis naturais eternas e independentes da histéria, nas quais 1 oportunidade das relagées burguesds sao entao introduzidas sub-repticiamente como leis naturais invioldveis nas quais esté alicercada a sociedade teérica. Este & mais ou menos 0 propésito consciente de todo o processo”’. Apesar de as veres conhecerem que certas formas polfticas ou juridicas facilitam a produgio, os economistas burgueses nao as tratam como constituintes orginicos de um sistema produtivo, Transformam assim coisas que se relacionam organicamente numa relagio acidencal, numa ligagéo meramente refletiva”s. A distingao entre ligagGes “orginicas” e “meramente refletivas” é especialmente significativa, Sugere que qualquer aplicacao da metéfora base/superestrutura que io ¢ o fechamento das esferas ~ por mais que insista na ligagéo neue a separar Iiem, Grundrive. Trad, M, Nicolaus, Hatmondsworth, 1973, p. 86, Wet * Tiem,ibidem, ps. Denocrieia OoNTRA CATTALISMO: de uma com a outta, ou mesmo no reflay de uma na outra = So tificagdes da ideologia burguesa porque ti vé a esfera produriva ome lef id da por suas determinagses sociais ¢, na verdile, trata a eee a ate O principio bésico relativo 3 primatia diprodugio, a Pee Fee histérico, perde a agudeza ccitica ¢ éassi lado na ideo! logia bare Ff ee Naturalmente, isso no significa quer nfo reconhecia valor na abordag : da economia politica burguesa. Ao contri, ele adotou suas See ue Lae dle partida porque elas expressavam 280 una verdade universal, mas area histérica na sociedade capitalista, no miimo uma “aparéncia real”, eras nem a repudiar as ciegorias burguesas, mas sua elaboragao propés a reprodu critica ¢ transcendéncia. EM BUSCA DE UMA ALIERNATIVA TEGRICA: ‘ RECONSIDERAGAO DE “BAS!” E “SUPERESTRUTURA’ “Talvezseja posstvel sustentar um mateismo histérico que ae a nae do proprio Marx ao afirmar, em oposisiois abstrag6es a la an a politica burguesa, que (por exemplo) “0 eqital é uma are ie proce que categorias econdrnicas expressam certs relagdes feast eereminaaee ae haver uma alternativa tedrica ao “econonicismo vulgar” que ene ae integridade do “modo de produgic’s enanto tenta solucionar as implicagdes do faro de a “base” produtiva exitir niforma de processos e relagbes oa especificos ¢ de formas juridicas e politias particulares. Nao one eel explicito ¢ sistemético de tal posisio tekica (pelo menos ed ci rece feito 0 seu), embora algo semelhante ada esteja implicica na obra de algu istoria marxistas. : a re de vista tedrico quest apteenta aqui talvez seja 0 a foi Sad do — pejorativamente — de “marsismo politico”. Nas palavras de um critic: marxista, esse marxismo € uma Se o papel ri ona de ends ont icra onemporiny Seo pl da luta de classes tem sido amplamattstntimado, por sua vez o [martismo poltco doses des ura na expo rca, No passa de uma vist voluntaita icin gue alta 0: lage tonade toda bumas cantingtaias objectives) pri mpl deta iment ecliaresaum modo seco : assh i expli volvimento do capitalismo spi. poe! nina can do denvavnento do pie Jurante os séculos XIX e XX que seitira yenas a fatores sociais, sem langar no quadro alias 6 wap i is-vaia? sd cu pi sas, 9 sane dma Na verdade, o resultado ¢ esvaziar detoda ubstancia 0 conceito bdsico do materialismo. hinsic, a sber,o modo de prada. Oxo deal marsismo politic est no apenas inal do mattialisohistérico (o modo de injeta fore no descaso pata com o conceito mas opet ptodlugio), Consiste também no abixdonedo campo das realidades econdmicas. iy Ortho”. In T.EL, Aston @ ©. HLT, Philpin (ls), The Brenner Debate ndesal Europe, Castles 9A) 11% 6, O wutor ve tf BOIS, Guy, “Apainst the Ne so dcononle Den icanvente wo artigo de Robert ‘expecifican " ASEPARAGAO ENTRE O “ECONOMICO" E © “POLITICO” NO CAPITALISMO O objetivo de minha argumentacio aqui é superar a falsa dicotomia em que se baseia essa caracterizagao do “marxismo politico”, uma dicotomia que permite a alguns marsistas acusar outros de abandonar o “campo das realidades econdmicas” quando estes se interessam pelos fatores politicos ¢ sociais que constituem relages «le produgio exploragio. A premissa aqui é que 0 modo de producéo nao existe on opasicdo aos “fatores sociais”, e que a inovacao radical de Marx em relagéo & sconomia politica burguesa foi precisamente a definicao do modo de produgio e «las proprias leis econdmicas em termos de “fatores socials”, © que significa falar de um modo de producao ou de uma economia como ve fossem diferentes de farores sociais, ou mesmo opostos a eles? O que so, por cxcmplo, “contingéncias objetivas” como a lei de acumulagéo capitalista ¢ sua “mola mestra”, o “mecanismo da mais-valia”? O mecan ismo da mais-valia é uma 'elacao social particular entre apropriador ¢ produtor. Ele opera por meio de uma organizagao particular de produgao, distribuigfo ¢ trocas ¢ se baseia numa 'clagto particular entre classes, mantida por uma configuragio particular de poder, 0 que éa subjugagao do trabalho ao capital, qual é a esséncia da produgao capita. "stay senso uma relagao social eo produto da luta de classes? F, afinal, o que Marx pretendia dizer ao insistir que o capital é uma relagio social de produgio; que a citegoria “capital” nao tinha outro significado que nao suas determinagées sociais; «que dinheiro ou bens de capital em si nao so capital, mas se tornam capital apenas no contexto de uma relagao social particular entre apropriador c produror; que a chamada acumulagao primitiva de capital, a precondigéo da produgio capitalista, tuida mais € do que o provesso ~ ou seja, a futa de classes ~ por meio do qual se expropria 0 produtor diteto? E assim por diante. E, jd que falamos disso, por que ° patrono da ciéneia social burguesa, Max Weber, insistia numa defini¢ao pura- mente econdmica de capitalismo sem referéncia a fatores sociais externos (como, por exemplo, a exploracdo do trabalho), esvaziando 0 capitalismo de sentido social, cm oposigio deliberada a Marx’? Tevantar essas quest6es ¢ insist na constituigao social da economia nao significa tle forma alguma que se queita afirmar que nfo exista economia, que nto existam leis” econémicas, nem modes de produsao, nem “leis de desenvolvimento” num tnodlo de produsio, nem a lei da acumulagao capitalista; nao significa negat que 0 modo de produgio seja “o conceito mais operacional do materialismo historic”. O ‘marxismo politico, no sentido em que é entendido aqui, nao estd menos convencido ‘ly importancia da produgio do que as “tendéncias economicistas” do marxismo, He tito clespreza a producao, nem Ihe estende os limites para abragar indiscrimi. tnadamente todas as atividades. Apenas leva a sério 0 principio de que um modo le produgio é um fendmeno social. Tyualmente importante — ¢ essa é a ra ‘io de todo o exer ntadas em —, as relagdes de eu aspecto polttico, o aspecto em que sto realmente contestadas, como telagdes de dominagéo, como dire produigio sto, desse ponto de vista, apres ‘os de ind Soclety, Nova Yous 196A p91 6 94 (Lalas: Reonomiae 1002.) © The Agrarian Socety Sociology of Anon € ws Lauds, 1976, 80.1, Demockacta contna carrraLisao. propriedade, como o poder de organizar e governar a produgfo e a apropriacio. Em outras palavras, 0 objetivo dessa postura tedrica é prético, iluminar o terreno de uta observando os modos de producao no como estruturas abstratas, mas como eles realmente enfientam as pessoas que devem agir em relacio a cles. O “marxismo politico” reconhece a especificidade da produgao material e das relagdes de produgao; mas insiste que “base” ¢ “superestrutura”, ou os “niveis” de uma formacao social, no podem ser vistos como compartimentos ou esferas “regionalmente” separadas. Por mais que se enfatize a interacdo entre “fatores”, essas priticas teéricas so enganosas porque obscurecem nao apenas os processos hist6ricos pelos quais os modos de produgio so constituidos, mas também a de. finigao estrutural de sistemas produtivos como fenédmenos sociais vivos. O “marsismo politico”, entao, néo apresenta as relag6es entre base esuperestrutura Como uma oposi¢ao, uma separagio “regional”, entre uma superestrutura econdmi- ca bsica “objetiva”, de um lado, ¢ formas sociais, juridicas e politicas, de outro, ‘mas, ao contrério, como uma estrutura continua de relacdes e formas sociais com Sraus variéveis de afastamento do processo imediato de produgao ¢ apropriacio, a Comecar das relagdes ¢ formas que constituem 0 préprio sistema de produgio. As ligasGes entre “base” e “superesttutura” podem entio ser identificadas sem grandes saltos conceituais porque nao representam duas ordens de realidad essencialmente diferentes ¢ descontinuas, A discusséo comega por um dos primeiros prinefpios do materialismo de Marx: o de que apesar de os seres humanos trabalharem dentro de limites materiais bem definidos que nao foram criados por eles, e que incluem fatores Puramente fisicos ¢ ecolégicos, 0 mundo material, tal como existe para eles, nao é um dado natural; é um modo de atividade produtiva, um sistema de rela. S6es sociais, um produto histérico. Mesmo a natureza, “a natureza que precedeu a histéria humana € naturcza que ja ndo existe mais ei parte alguma...”’ * mundo das sensagdes no € uma coisa determinada desde a cternidade, sempre imutével, ¢ sim 0 produto da industria ¢ 0 estado da sociedade ~ na verdade, no sentido de que € um produto histético, o resultado da atividade de toda uma sucesso de geragdes, cada uma apoiada nos ombros da anterior, desenvolvendo sua industria € suas relag6es, modificando seu sistema social de acordo com as mudangas de necessidades”. Uma compreensio materialista do mundo é entio uma compreensio da ativi- dade social e das relagées sociais por meio das quais os seres humanos interagem com a natureza ao produzir as condigGes de vida; e é uma compreensio histériea que reconhece que os produtos da atividade social, as formas de interagéo social produzidas por seres humanos, tornam-se elas prdprias forcas matetiais, como 0 so as naturalmente dadas. MARX; Kael. German ddeolgy in Collected Works, ol. V. Nova York, 1976, p39 [Bd bras: A idewlogiaalemt (eer buch) 6d, S80 Paulo, Hlucitees 198 A SEPARAGAO ENTRE © “ECONOMICO” & 0 “POLITICO” NO CAFITALISMO Essa descti¢ao do materialismo, com sua insisténcia no papel desempenhado pelas formas sociais legados hist6ricos como forgas materia, levanta inevitavel- mente a tao debatida questo da “base” ¢ “superestrutura”. Seas formas de interacio social, ¢ nZo apenas as forcas naturais ou tecnoldgicas, devem ser tratadas como partes integrantes da base material, onde se deve tragar a linha que separa as formas sociais que pertencem a base ¢ as que podem ser relegadas & superestrutura? Ou a dicotomia base/superestrutura realmente oculta tanto quanto revela acerca da “base” produtiva propriamente dita? - Algumas instituig0es polticasejuniicas existe independentemence das relagies dle produgo, ainda que ajudem a sustenté-las € reprodusi-ls;e talvez 0 termo “supe- testrucura” devesse ser reservado para elas. Mas as relagdes de producio em si tomam. a forma de rlagées juridicas e poltticas particulares ~ modos de dominagao ¢ coersio, formas de propriedade ¢ organizagio social — que nao sio meros reflexos secundérios, hem mesmo apoios secundérios, mas constituintes dessas relagées de produgao, A “esfera” da produgao é dominante nao no sentido de se manter afastada das formas juridico-politicas ou de precedé-las, mas exatamente no sentido de que essas formas séo formas de producdo, os aeribusos de um sistema produtivo particular. Um modo de produgao é nao somente uma tecnologia, mas uma organizagio social da atividade produtiva; e um modo de exploracao é uma relagio de poder. Ademais, a relago de poder que condiciona a natureza ea extensao da exploragéo é uma questo de organizagao politica no interior das classes contendoras ¢ entre clas, Em tiltima andlise, a relacao entre os apropriadores e produtores se baseia na forga relativa das classes, e isso é em grande parte determinado pela organizagio interna e pelas forcas politicas com que cada uma entra na luta de classes. Porexemplo, como demonstrou Robert Brenner, os padrdes variéveis de desen- volvimento em partes diferentes da Europa medieval nos scus tiltimos tempos podem ser explicados pelas diferencas da organizacio de classes que caracterizaram as lutas entre senhores e camponeses em lugares diferentes de acordo com sua experiéncia histérica especifica. Em alguns casos, a luta resultou no rompimento da antiga ordem e das formas antigas de extragio de excedentes; em outros, houve uma supressio das formas antigas. Esses diferentes resultados do conflito agrétio de classes, segundo Brenner, tenderam a se reunir em certos padroes de desenvolvimento historicamente especificos clas classes agrdrias em luta e da forsa relativa de cada uma em diferentes sociedades na Buropa: os niveis relacivos de solidariedade interna, sua consciéncia ¢ organizagio, e seus recursos politicos em geral ~ especialmente as relagdes com as classes ndo agricultoras (cm particular, com os aliados urbanos potenciais) e com 0 Estado (em particular, 0 «aso em que o Estado se desenvolvia como um competidor com caracteristicas de classe mais-valia dos camponeses).? no com os senhores disput nie Development in Pre-Industrial Europe", In Aston & "RENNIN Robert “Agrarian Class Stiveture and Keo Philp, The Brenner Debate, 5; Democna .ClA CONTRA CAPITALISMO) Brenner demonstra como a modalidade particular ¢ a forga da organizagio politica das classes em luta detam forma as relagées de produgio: por exemplo, como as instituigdes da aldeia agiam como uma forma de organizagao da classe camponesa, e como o desenvolvimento de “instituigées politicas independentes na aldeia””” ~ ou a falta delas ~ afetou as relagdes de exploraggo entre senhor ecamponés, Em casos como esse, a organizacio politica tem participacio importante na construgéo das relacdes de produgio. Existem entéo pelo menos dois sentidos em que a “esfera” juridico-politica se confunde com a “base” produtiva. Primeiro, um sistema de produgio sempre existe na forma de determinaces sociais espectficas, os modos particulares de organiza- 40 ¢ dominagao e as formas de propriedade em que se incorporam as relagdes de produgao — que podem ser chamados de “bésicos” para distingui-los dos atriburos juridico-politicos “superestruturais” do sistema produtivo. Segundo, do ponto de vista histérico, até mesmo as instituigées politicas como a aldeia ¢ o Estado en- tram diretamente na constituigdo das relagées de produgio e sio de certa forma anteriores a elas (mesmo quando essas instituigées nao significam instrumentos diretos de apropriagéo de mais-valia), porque as relagGes de produgao séo his- toricamente constituidas pela configuracio de poder que determina o resultado do conflito de classes. O “econémico” FE 0 “poLftico” No CAPITALISMO © que significa envio dizer que o capitalismo é marcado por uma diferenciago tinica da esfera “econémica”? Significa muitas coisas: que a producao ¢ a distribu 40 assumem uma forma completamente “econdmica”, deixam (como disse Karl Polanyi) de estar envoltas em relages sociais extraeconémicas"!, num sistema em que producio ¢ geralmente produgao para troca; que a alocagao do trabalho social ea distribuicao de recursos sao realizadas por meio do mecanismo “econdmico” da troca de mercadorias; que as forcas “econdmicas” dos mercados de mercadorias € de trabalho adquirem vida prépria; que, citando Marx, a propriedade “tecebe a forma puramente econémica pelo abandono de todos os ornamentos e associagées politicos sociais anteriores” Significa, acima de tudo, que a apropriagéo do excedente de trabalho ocorre na esfera “econémica” por meios “econémicos”. Em outras palavras, obtém-se a apropriagiio de mais-valia por meios determinados pela sepatacio completa do pro- dutor das condigées de trabalho e pela propriedade privada absoluta dos meios de produso pelo apropriador. Em princfpio, nao hd necessidade de pressio “extraeco- ndmica” ou de coagio explicita para forgar o operitio expropriado a abrir mao de sua mais-valia. Embora a forca de coagio da esfera politica seja necesséria para manter a propriedade privada ¢ o poder de apropriacéo, a necessidade econémica } POLANYI, Katl. The Great Transformation, Boston, 1% 0 ded. Sto Paulo, Camps, 2000,) ® MARX, Karl, O Capital IM, p. 618 sp. 57. 69-71. [Ed brass A grende tannin A SEPARAGAO ENTRE 0 “ECONOMICO” E.0 “TOLITICO” NO CADITALISMO oferece a compulsio imediata que forca o trabalhador a transferir sua mais-valia para o capitalista a fim de ter acesso aos meios de producio. O trabalhador € “livre”, no esté numa relacao de dependéncia ou servidio; a (ransferéncia de mais-valia ea apropriaczo dela por outra pessoa nao sio condiciona- «las por nenhuma relagéo extraecondmica. A perda da mais-valia é uma condigio nediata da propria produgio. Sob esse aspecto o capitalismo difere das formas p1é-capitalistas porque estas se caracterizam por modos extraeconémicos de extraco «le mais-valia, a coagio politica, legal ou militar, obrigagées ou deveres tradicionais ete, quedeterminam a transferéncia de excedentes para um senhor ou para o Estado por meio de servigos prestados, aluguéis, impostos e outros. A diferenciagéo da esfera econdmica no capitalismo pode, portanto, ser assim resumida; as funges sociais de produgao e distribuicdo, extragio e apropriagio ile excedentes, ¢ a alocagio do trabalho social sao, de certa forma, privatizadas e obtidas por meios ngo autoritérios e nao politicos, Em outtas palavras, a alocacéo social de recursos e de trabalho nao ocorre por comando politico, por determina- lo comunitéria, por hereditariedade, costumes nem por obrigacao religiosa, mas pelos mecanismos do intercimbio de mercadorias. Os poderes de apropriagao ide mais-valia e de exploragio no se baseiam diretamente nas relagGes de depen- (encia juridica ou politica, mas sim numa relagéo contratual entre produtores “livres” — juridicamente livres ¢ livres dos meios de produgio — ¢ um apropriador tem a propriedade privada absoluea dos meios de produgio. Valar de diferenciagdo da esfera econémica nesses sentidos nao é sugerir que « dimensao politica seja, de certa Forma, estranha as relagdes capitalistas de pro Justo. A esfera politica no capitalismo tem um cardter especial porque o poder de coagio que apoia a exploracio capitalista nao é acionado diretamente pelo propriador nem se baseia na subordinagao politica ow juridica do produtor a um senhor apropriador. Mas sao essenciais um poder ¢ uma estrutura de dominacio, mesmo que a liberdade ostensiva ¢ a igualdade de intercimbio entre capital ¢ tra- bulho signifiquem a separagio entre o “momento” da coagio ¢ o “momento” da apropriagao. A propriedade privada absoluta, a relagéo contratual que prende o produtor a0 apropriador, 0 processo de troca de mercadorias exigem formas legais, aparato de coagio e as fungées policiais do Estado. Historicamente, o Estado tem sido essencial para 0 processo de expropriagZo que estd na base do capitalism, entidos, apesar de sua diferenciago, a esfera econémica se apoia firmemente na politica, Ademais, a esfera econdmica tem em si uma dimensio juridica e politica. Num ventido, a diferenciagio da esfera econémica propriamente dita quer dizer apenas que @ economia tem suas prdprias formas juridicas € politicas, cujo propdsito & uutamente “econdmico”. Propriedade absoluta, relagdes contratuais ¢ o aparelho juridico que as sustenta sto condligées juridicas das relagbes de produgio capitalistas © constituem a base de uma nova telagio de autoridade, dominagao e subjugagio entre apropriador ¢ produtor © correlato dessas formas econdmicas ¢ juridico-politicas privadas é uma esfe politica publica especializada, A auconomia do Estado eapitalista esta inseparavel Kin todos esses DEt0cRACIA CONTRA CAPITALISMO mente ligada a liberdade jurfdica ea igualdade entre seres livres, & troca puramente econémica entre produtores expropriados livres apropriadores privados que tém propriedade absoluta dos meios de producio e, portanto, uma nova forma de au- totidade sobre os produtores. E esse o significado da diviséo do trabalho em que dois momentos de exploracio capitalista — apropriagao e coagio — sio alocados separadamente a classe apropriadora privada ¢ a uma instituicao coercitiva publica, Estado: de um lado, o Estado “relativamente auténomo” tem o monopdlio da forga coercitiva; do outro, essa forga sustenta 0 poder “econémico” privado que investe a propriedade capitalista da autoridade de organizar a producéo — uma autoridade provavelmente sem precedentes no grau de controle sobre a atividade produtiva e os seres humanos nela engajados. Os proprictérios capitalistas recuperaram, no controle direto da producio, os poderes politicos diretos que perderam para o Estado. Embora o poder “econd- mico” de apropriagao possuido pelo capitalista esteja separado dos instrumentos de coagio politica que o impdem, esse poder de apropriagao estd mais do que nunca direta ¢ intimamente integrado com a autoridade de organizar a produgio. Nao apenas a perda da mais-valia é uma condicao imediata de produgéo, mas a proprie- dade capitalista retine, num grau provavelmente desconhecido de qualquer outra classe expropriadora anterior, 0 poder de extragio de excedentes ¢ a capacidade de organizar e intensificar diretamente a produgao em favor dos objetivos do expro- priador. Por mais exploradores que fossem os modos de producio anteriores, por mais eficazes os meios de extraco de excedentes & disposigao da classe exploradora, em nenhum outro sistema a produco social respondeu de forma tao imediata e universal &s demandas do explorador. Ao mesmo tempo, os poderes do apropriador jé nao se faze acompanhar da obtigagao de cumprir fungées sociais ¢ priblicas. Hi no capitalismo uma separagio completa entre a apropriacio privada ¢ os deveres priblicos; isso implica o desen- volvimento de uma nova esfera de poder inteiramente dedicada aos fins ptivados, e no aos sociais, Sob esse aspecto, o capitalismo difere das formas pré-capitalistas, nas quais a fusio dos poderes econdmico e politico significava nao apenas que a extragao de sais-valia era uma transagao “extraeconémica” separada do processo de producio em. si, mas também que o poder de apropriagao da mais-valia — pertencesse ele ao Es- tado ou a algum senhor privado ~ implicava 0 cumprimento de funges militares juridicas e administrativas. Em certo sentido, entao, a diferenciacao entre 0 econémico ¢ o politico no capitalismo é mais precisamente a diferenciacio das fung6es politicas ¢ sua aloca- do separada para a esfera econdmica privada e para a esfera publica do Estado. Essa alocagao separa as fungées politicas imediatamente interessadas na extragio ¢ apropriagao de mais-valia daquelas que tém um propésito mais geral ou comu- itdrio. Essa formulacao, que sugere ser a diferenciacao do econdmico na verdade nit uma diferenciacéo dentro da esfera politica, é sob certos aspectos mais adequada para explicar o processo tinico de desenvolvimento ocidental eo cariter especial do capitalismo. Talvez, entio, seja titil esbagar esse proceso histérico de diferenciagito antes de e armos mais atentamente o eapitalismo, ni A SEPARAGAO ENTRE 0 “ECONOMICO" & 0 “POLITICO” NO CAPITALISMO. O PROCESSO HHISTORICO DE DIFERENCIAGKO: © PODER DAS CLASSES E O PODER DO Estapo Sea evolucao do capitalismo é vista como um proceso em que uma esfera “eco- ndmica” se diferencia da “politica”, uma explicacao dessa evolucao implica uma teoria lo Estado ¢ seu desenvolvimento. Para os fins dessa discussao, o Estado seré definido em termos muito amplos como “o complexo de instituigées por meio das quais © poder da sociedade se organiza numa base superior familiar” — uma organizacio «lo poder que significa uma reivindicagao de preponderaincia da aplicagao da forca bruta aos problemas sociais ¢ que se compée de “instrumentos de coercao formais © especializados”. Esses instrumentos de coergo podem ou nio, desde o inicio, ser projetados como meios para que um segmento da populagio possa oprimir ¢ explorar os demais. Em qualquer dos dois casos, o Estado exige o cumprimento de s funcées sociais comuns que outras instituicées menos abrangentes — lares, clis, familias, grupos etc. — nao tém condigées de executar. Sendo ow néo verdade que o objetivo essencial do Estado seja manter a ex- ploracao, 0 seu cumprimento das fungées sociais implica uma divisao social do trabalho e a apropriagao por alguns grupos sociais de excedentes produzidos por outros. Parece razodvel supor entdo que, n@o importa como esse “complexo de insticuigées” tenha passado a existir, o Estado surgi como um meio de apropriacéo lo produto excedente ~ talvez mesmo como um meio de intensificar a produgio para aumentar os excedentes — e, de uma forma ou de outra, como um modo de istribuigao, De fato, pode ser que o Estado ~ sob uma forma de poder puiblico ou comunitério — tenha sido o primeiro meio sistematico de apropriacéo de excedentes © talvez, mesmo o primeiro organizador de producio excedente!’, Apesar de essa concepcio de Estado implicar que a evolucao de uma autoridade )iblica coercitiva especializada gera necessariamente uma divisio entre produtores » ela ndo significa que a apropriagao privada seja uma precondicio niecesstria pata o surgimento de tal autoridade. As duas se desenvolvem juntas, © um longo proceso histérico as vezes intervém antes que a apropriagao privada possa se dissociar claramente do poder ptiblico. Portanto, deve-se usar de cautela 10 se formular proposigées relativas & relacdo entre classe e Estado. Pode entao ser crganadora a sugestio, frequentemente feita por marxistas em suas argumentaces, je que existe uma sequéncia universal de desenvolvimento em que a classe precede 0 Pstado. © que talves seja possivel afirmar é que, néo importa qual tenha chegado éncia do Estado sempre implicou a existéncia de classes - embora uma definigio de classe capaz de abranger todas as divisées cutie os produtores diretos e os apropriadores de sua mais propriador primeiro, ae cust proposigio exi ‘-valia, mesmo nos casos VRID, Morton. The Me biden wa York, 1968, p22 + Marshall Suh A nies, Lovulres, 1974, capicako 2 3, para algumas sugestOes escharecedonas sobre Dioceacta CONTRA CAPITALISMO em que o poder econdmico mal se diferencie do politico, em que a propriedade privada seja ainda pouco desenvolvida ¢ em que classe ¢ Estado sejam efetivamente uma s6 entidade'’, O ponto fundamental é 0 reconhecimento de que algumas das principais divergéncias entre os varios padrdes histéricos se relacionam com a natureza ¢ a sequéncia das relacées entre poder piblico e apropriagio privada. Esse ponto é especialmente importante para identificagao das caracterfsticas distintivas da trajetéria histérica que leva ao capitalismo, com seu grau inédito de diferenciago entre o econémico ¢ o politico. O longo processo histérico que resultou no capitalismo pode ser visto como uma diferenciacio crescente — e in- comparavelmente bem desenvolvida — do poder de classe como algo diferente do poder de Esrado, um poder de extracio de excedentes que nao se baseia no aparato coercitivo do Estado. Seria também um proceso em que a apropriacéo privada se separa cada vex mais do desempenho de fungées comunitérias. Portanto, se quisermos entender o desenvolvimento sem precedentes do capitalismo, teremos de entender como as relaces de propriedade e de classe, bem como as fungées de aproptiagio e de distribuicao de excedentes, separam-se — apesar de continuarem a se servir delas — das instituigoes coercitivas que constituem o Estado, ¢ continuam ase desenyolver autonomamente. Os fundamentos dessa argumentagio sao encontrados na discussio de Marx so- bre as formagées pré-capitalistas e 0 cardter distintivo do capitalismo nos Grundvisse em O capital, especialmente no volume III. Nos Grundrisse, Marx discute a natu- reza do capitalismo em comparacéo com formas pré-capitalistas, e como desenvol- vimento delas, em termos de separacao gradual do produtor direto das condig6es naturais de trabalho. E, caracteristica das formas pré-capitalistas que os produtores estejam, de uma forma ou de outra, diretamente relacionados as condigdes de trabalho, pelo menos como os possuidores, quando nfo proprietérios, dos meios de producao. O principal caso em que o produtor direto é completamente expro- priado — 0 caso da escravidao — é em si determinado pela relagao geralmente direta do produtor com as condigées naturais de trabalho, jé que 0 escravo é preso como acessério & terra conquistada, perde sua propriedade por meios militares ¢ se trans- forma numa simples condi¢ao de produgao. Onde a divisdo entre apropriadores ¢ produtores evoluiu, a apropriagao de excedentes assume formas extraeconémicas — seja a coagio explicita do senhor sobre 0 escravo, seja, onde o trabalhador continua possuidor das condigées de trabalho, outras formas de relacéo entre senhor e servo. Num dos principais casos pré-capitalistas, que Marx denomina “asidtico”, o préprio Estado é 0 apropriador da mais-valia dos produtores que continuam na posse da terra em que trabalham. A caracteristica especial do capitalismo € 0 fato de que a apropriagao de excedentes ea relagao entre produtores diretos ¢ apropriadores de sua mais-valia nfo assumem. a forma de dominagio politica direta nem de servidao legal; e a autoridade que rte de classe podera resiae problemas, entre os quais exo as inmplicagsies paca anise ma Toema particular de ® De uma definigio to aban ‘oganizago de clase A SEPARAGEO ENTRE 0 “ECONOMICO” E 0 “POL{TICO” NO CAPITALISMO cnfienta a massa de produtores diretos aparece apenas “como petsonificagio das condig6es de trabalho diante do trabalho ¢ nfo, como em formas anteriores de produgéo, como dominadores politicos ou teocrdticos””. Foi nos Grundvisse e em O capital, ao discutir as formas pré-capitalistas e seus modos “politicos” de extragdo de excedentes, que surgiu a infeliz.concepcao marxista das sociedades asidticas. Este no é 0 melhor local para 0 debate de questo to polémica, Por enquanto, o importante € ser o Estado o meio direto ¢ dominante de aptopriagao de excedentes. Nesse sentido, o tipo “asidtico” representa o oposto direto do caso capitalista, no sentido de que sio minimamente diferenciados 0 ccondmico ¢ 0 extraecondmico, o poder de classe e o do Estado, as relagdes de propriedade e as politicas: Se os produtores ditetos nao se confrontam com um proprietétio privado, mas, como acontece na Asia, subordinam-se diretamente a um Estado que est acima deles como proprietirio da terra e como soberano, entio, aluguéis e impostos so coin- cidentes, ou melhor, nfo existe imposto que scja diferente desse aluguel da terra. Sob tais circunstincias, nfo é necessério que exista pressio ccondmica ou politica ais forte do que a que é comum a toda subjugagio aquele Estado, Nesse sentido, Estado é 0 senhor supremo. Aqui, soberania consiste na propriedade privada da tetia concentrada em escala nacional, Mas, por outro lado, nfo existe propricdade privada da terra, embora haja tanto a posse quanto 0 uso privado da terra." Mesmo que nao haja um representante perfeito desse tipo social — por exemplo, que nunca tenha havido um Estado apropriador e redistributive bem desenvolvido na completa auséncia da propriedade privada da terra —esse conceito deve ser respeitado. O Estado como apropriador principal ¢ direto de mais-valia com certeza exis i uma certa evidéncia de que esse modo de apropriagéo de excedentes tenha sido padrio dominante, se nao universal, de desenvolvimento social — por exemplo, ha Grécia durante a [dade do Bronze, bem como nas economias “redistributivas” maiores, dominadas pela realeza, que existiram na Antiguidade no Oriente Pré- ximo e na Asia, Independentemente de quaisquer outras caracteristicas que Marx tonha atribuido & forma “asidtica”, esta, a qe gerou a maior controvérsia, deve ser explorada em busca do que possa revelar acerca do processo de diferenciagio que hos interessa aqui. A argumentagao de Marx implica que a divisio entre apropria- ores e produtores ~ divisao gerada por qualquer forma de Estado — pode assumir formas diversas, formas as quais s6 se pode aplicar, ainda assim com grande cautela, | nogio de “classe” quando nao existir poder “econémico” claramente diferencia- do. E. verdade que somente na sociedade capicalista 0 poder econdmico de classe vc diferencia completamente dos poderes extraecondmicos; € nao se tem aqui a intengio de provar que classe s6 exista em formagGes sociais capitalistas. Mas pa-~ tece importante reconhecer os extremos polares: modo capitalista em que ocorre iu; e MARX, Kath Capital IH, p88 40. Desocnacta CONTRA CAPITALISMO diferenciagao ¢ 0 modo em que ~ como em certos Estados burocréticos distribu- tivos dominados pelo palicio existentes na Antiguidade —o préprio Estado, como maior apropriador de produto excedente é, ao mesmo tempo, classe ¢ Estado. Marx parece as vezes sugerir que, no segundo caso, se propriedade ¢ classe nao se libercam e se desenvolvem autonomamente a partir do Estado “hipertrofiado”, ‘i dinamica da histéria foi inibida, Mas falar aqui de um proceso histérico “ini- bido” pode ser enganoso, caso se pretenda que o curso do desenvolvimento que levou ao capitalismo — que Marx acompanha desde a civilizagio greco-romana antiga, passando pelo feudalismo ocidental até chegar ao capitalismo — tenha sido a rogta, € nfo a excegio, na histéria do mundo, e que todas as outras experiéncias historicas foram aberragdes. Como o objetivo principal de Marx é explicar 0 desenvolvimento tinico do capitalismo no Ocidente, ¢ nfo a incapacidade de ele evoluir espontaneamente em outras partes, esse projeto implica que~a despeito de algumas premissas aparentemente etnocéntricas ~ele considera necessério explicar ‘© sucesso, € nao o insucesso, De qualquer forma, a dinamica particular da forma “asiética”, como sugere a arg mentagio de Marx, pode set mais comum do que 0 movimento iniciado pela forma .greco-romana antiga. Se o Estado primitivo era o controlador dos recursos econémicos Co principal apropriador e distribuidor do excedente de produto, o Estado “asidtico wangado talvez represente um desenvolvimento mais ou menos natural daquela for- ma ptimitiva —o poder puiblico apropriador e distribuidor em seu estagio maximo de desenvolvimento, Visto sob essa luz, nao ¢ tanto 2 “hiperttofia” do Estado “asidtico aque precisa ser explicada. O que exige explicagio é 0 desenvolvimento anormal, ex- cepcionalmente “autGnomo” da esfera econdmica que resultou afinal no capitalismo”. FEUDALISMO E PROPRIEDADE PRIVADA A organizagio capitalista de produgio pode ser considerada o resultado de um longo processo em que cestos poderes politicos se transformaram gradualmente em poderes econdmicos e foram transferidos para uma esfera independente®. A organizagfo da produgio sob a autoridade do capital pressup6e a organizagao da pro- most Mandel crticou eseritores como Maurice Godelier por incluiem no significado do “modo de prod ns foramasses sociais do processo de transigio de uma socéedade sem classes para um Estado de classes quanto os ion of the Bzonamic Though of Kad Janeiro, Zahar, ttpsrios Duncdiesmapcads com Estado “iperaados" (Mandel, The Frm Mea andies, 1-1; p. 124 esegy) (Ed bss A frmanto do ponent conde de ar ere Rio hoe Mandl rena nan aver sobre o aco des oar aden entre digas, ins africans 1968 E le r 40 de Godelier prevendia enfutizar as continuidades entre as sinyplese Fstados complexos como e Fgito Antigo, a formulasan de Godelier preendi r Torn incias de autoviades piblicas aptopriatvese redistributivas eo Estado avangado “hipertofiado” para acentuat «que ste 0 caso ocidental, com seu desenvolvimento “autSnomo” de propriedadeprivada e classes, que ainda precisa ser hpliculo, Mandal geralmente se refere ao desenvolvimento do capitalismo como se fosse unt processo natural, 20 pasta ‘yt teas tajedriayhistdricas etiam sido deformadas ou interrompidas Gostatia agora de enftizar tito mais a especificidade do desenvolvimento capitalista do que 0 fiz quando escrei este cnsaio, Apoat de ainda afrmar que as caractersticas particulars do feudalismio ocidental que eshogo aqui tena sido set neceasti do capitaismo, enftiro agora sta insufiigncia, Para maim, o capitalism & apenas wena das maitas trajtéras posiveis que se originararn a pati do Feudalism ocidereal (mit diferentes das variagGes no drbito do Feu solo francs S39 teas qe eer retoma no fata, sas pry uma ic conta nite riplés« 0 absolutism francés sug a Kitura do meu livro The Zristine Cale and Modern States, Lovues, 1991 A SERARAGAO ENTRE O “EONOMICO" E 0 “POLITICO” NO CAPITALISMO dugao ¢ a reunio de uma forca de trabalho sob a autoridade de formas anteriores de propriedade privada. O proceso pelo qual essa autoridade da propriedade privada se afirmou pela reunio nas maos do proprietério privado, e para seu proprio bene ficio, do poder de apropriagao e da autoridade para organizar a produgéo, pode ser visto como a privatizagio do poder politico. A supremacia da propriedade privada absoluta parece ter se estabelecido em grande parte por meio da devolucao politica, ‘\ apropriacéo pelos proprietétios privados de fung6es originalmente investidas na autoridade ptiblica ou comunicétia. Mais uma vez, a oposi¢do entre 0 modo “asidtico” de produgio num tremo ¢ 0 modo capitalista no outro ajuda a colocar em perspectiva esse proceso de devolugao. Desse ponto de vista, a questio crucial ndo ¢ haver ou no a propriedade privada da terra como tal, Na China, por exemplo, desde um estdgio muito inicial, a propriedade privada da terra jd era uma caracterl tica bem estabelecida; e, de qualquer maneira, alguma forma de propriedade ha terra era geralmente um pré-requisito do exercicio de funcao politica no Estado “asidtico”. O importante aqui é a relagdo entre propriedade privada e poder politico, e suas consequéncias para a organizagio da produgao ¢ para a telagéo entre apropriador e produtor. Sob esse aspecto, a caracterfstica impar do desenvolvimento ocidental é ser ele marcado pelas primeiras e mais com- plecas transferéncias de poder politico para a propriedade privada e, portanto, também a mais completa, gencralizada ¢ directa subserviéncia da producéo as exigencias de uma classe apropriadora. As peculiaridades do feudalismo ocidental langam luz sobre todo 0 processo. © feudalismo ¢, em geral, descrito como uma fragmentagéo ou “parcelizagao” do poder do Estados mas, mesmo identificando uma caracte- ristica essencial, essa desctigéo nao € suficientemente especifica. As formas de poder do Estado variam, e formas diferentes de poder de Estado geralmente se fragmentam de forma diferente, O feudalismo ocidental resultou da frag- mentagéo de uma forma muito particular de poder politico. Nao se trata aqui simplesmente de fragmentagao ou parcelizagao, mas também de privatizagio. O poder de Estado cuja fragmentagio produziu o feudalismo ocidental jé havia sido substancialmente privatizado ¢ investido na propriedade privada. A forma de administragio imperial que precedew o feudalismo no Ocidente, cons- tiuida sobre as bases de um Estado jé apoiado na propricdade privada e no yoverno de classe, foi tinica no sentido de que 0 poder imperial era exercido hao tanto por meio de uma hierarquia de funciondrios buroctéticos, como no lstado “asidtico”, mas por meio do que foi descrito como uma confederagao de avistocracias locais, um sistema municipal dominado por proprietérios privados locais, euja propriedade thes oferecia a autoridade politica assim como 0 poder de apropriagéo de excedente Esse modo dle administracito estava associado a um tipo particular de relagio ‘0 ocidental, no qual Wingo havia vestigios da antiga organizagio do Estado distributive-burocrético. entre apropriadores ¢ produtores, especialmente no impé A relagio entre apropriadores ¢ produtores era, em principio, uma relagio entre DeMocAcia CONTRA CAPITALISMO individuos, os donos da propriedade privada ¢ os individuos de cujo trabalho eles se apropriavam, os tiltimos submetidos diretamente aos primeitos. Até mesmo os impostos do Estado central eram mediados pelo sistema municipal; ea aristocracia imperial se notabilizara pelo grau em que dependia nao da propriedade privada, mas do poder do Estado para a acumulacio de grande tiqueza. Se na pritica o controle do proprietério da terra sobre a produgio era indireto e sutil, ainda assim ele representava um contraste significative em relagio as primeiras formas burocraticas nas quais os produtores eram em geral submetidos mais diretamente a um Estado apropriador que agia por meio de seus funciondrios. Com a dissolugao do Império Romano (¢ 0 fracasso repetido dos Estados su- cessores), 0 Estado imperial foi na verdade transformado em fragmentos nos quais 0s poderes politico ¢ econdmico ficaram unidos nas maos dos senhores privados cujas fungées polfticas, jurfdicas e militares eram ao mesmo tempo instrumentos de apropriagao privada e de organizagao da produgao. A descentralizagio do Estado imperial foi seguida pelo declinio da escravido ¢ de sua substituigio por novas formas de trabalho dependente. Esctavos e camponeses anteriormen- te independentes comecaram a convergir para condigées de dependéncia, nas quais a relacao econémica entre o apropriador privado individual e o produtor individual era 20 mesmo tempo uma relagio politica entre um “fragmento” do Estado ¢ seu stidito. Em outras palavras, cada “fragmento” basico do Estado era a0 mesmo tempo uma unidade produtiva em que a produgao se organizava sob a autoridade ¢ para o beneficio de um proprietério privado. Embora o poder do senhor feudal de dirigir a produgio tenha permanecido incompleto, em comparacao com os desenyolvimentos posteriores do capitalismo, um passo considerdvel havia sido dado em diregao & integragéo da extragao de excedentes com a organizacio da produgio”". © fato de a propriedade do senhor feudal no ser “absoluta”, mas “con- dicional”, nao altera o fato de representar o feudalismo um grande avango na autoridade da propriedade privada. De fato, a natureza condicional da pro- priedade feudal foi em certo sentido uma indicagao de sua forga, nZo um sinal de fraqueza, pois a condigao para que o senhor mantivesse sua terra era ser ele 0 obrigado a se transformar num fragmento do Estado investido exatamente das fung6es que Ihe dava o poder de extragdo de excedentes. A coincidéncia da unidade politica com a unidade de propriedade significava também uma coin- cidéncia maior entre a unidade de apropriacao © a unidade de produgio, de forma que a produgao pudesse se organizar mais diretamente no interesse do apropriador privado. lo exercido na pritiea pelos senbores fe 1080 (agosto de 1978), p, 9-10, Devemos 18 est compara 2 Conforme a discussio proposta por Rodney Hilton sobre o controle fin das sobre © processo produtivo em “A crise da Feudalismo”, Past and Prese 14 ature imitada dos senlores fe »fesdalisina 4 outtas formagées peé-eapitalisas, mas, ao menos implicitamente, ao eapitaisnyo, <4 tet de prodhisd pelo apropriador é mais completo por causa da expropriagto do produror ditto ¢ da natures goetivt« coxcentra ta ” NO CAPITALISMO [A SepaRACAO ENTRE © “ECONOMICO” E 0 “POLITIC A fragmentagao do Estado, 0 fato de serem as relages feudais a um sé lempo um método de governo e um modo de exploragio, significou também ue muitos fazendeiros Livves passavam a se tornar, junto com suas propriedades, viditos de senhores privados, abrindo mao de trabalho excedente em troca de jiotegio pessoal, numa relagéo de dependéncia que era politica ¢ econdmica. Como muitos produtores independentes tornaram-se dependentes, uma parcela maior de produgio caiu sob o controle da exploragéo direta e pessoal e das rela- yes de classe, Evidentemente, a natureza particular da relagio de exploragao no (vudalismo ea fragmentagao do Estado afetaram também a configuragio do poder «le classe, tornando mais desejével — sob alguns aspectos, até mesmo necessirio ~e ‘nals possivel que os apropriadores privados expropriassem os produtores diretos. A caracteristica essencial do feudalismo foi, portanto, a privatizacao do poder politico que significou uma integracao crescente da apropriagao privada com a rpunizagio autoritéria da produgéo. O desenvolvimento do capitalismo a partir «Jo sistema feudal aperfeigoou essa privatizacio essa integracao — pela expropriacio completa do produtor diteto ¢ pelo estabelecimento da propriedade privada abso- lia, Ao mesmo tempo, esses desenvolvimentos tiveram como condigio necesséria nna forma nova e mais forte de poder puiblico centralizado. O Estado tomou das +s aptopriadoras 0 poder politico diteto e os deveres nfo imediatamente asso- \ulos A produgéo e& apropriagio, deixando-as com poderes privados de exploragao slepurados de Fungées ptiblicas e sociais. Caprratismo COMO PRIVATIZAGAO DO PODER POLITICO Pode parecer perverso sugerir que o capitalismo represente a privatizagio tiltima ‘lo poder politico. Essa proposicao se opde diretamente & descricao do capitalismo ‘ono sistema caracterizado unicamente pela diferenciagio entre 0 econdmico ¢ 0 politico. A intengao dessa descri¢ao é, entre outras coisas, estabelecer o contraste enue © capitalismo e a “parcelizagio” do poder do Estado que une os poderes politico © econdmico privados nas maos do senhor feudal. Afinal o capitalismo é inuarcado no somente por uma esfera econémica especializada e por modos eco- jomicos de extragao de excedentes, mas também por um Estado central com um ier puiblico sem precedentes. O capitalismo tem a capacidade nica de manter a propriedade privada e 0 joder de extragao de excedentes sem que o proprietério seja obrigado a brandir politico direto no sentido convencional. O Estado ~ que € separado da nia, embora iztervenha nela — pode aparentemente pertencer (por meio do \i(nigio universal) a todos, apropriador e produtor, sem que se usurpe o poder Jc explotagio do apropriador. A expropriagio do produtor direto simplesmente Jonni menos necessirio © uso de certos poderes politicos diretos para a extragao de excedlentes, € € isso exatamente 0 que significa dizer que o capitalista tem poderes econdmicos, e nfo extraecondmicos, de exploracio. Superara “privatizagio” do poder politico, caracteristica distintiva do capitalis- nsformagio do processo de trabalho mencou Robert Brenner, mo, pode até ser uma condigiio essencial de tr eas forgas de produgio, Por exemplo, como ar Dantoceacta conta caPrratiso quando a aplicacio direta da forga ¢ 2 condigéo para a extragio de excedentes por parte da classe dominante, as préprias dificuldades de aumentar o potencial produtivo pelo aprimoramento das forgas produtivas podem encorajar o gasto de excedentes para aumentar precisamente 2 capacidade de aplicacio da forca. Dessa forma, a classe dominante pode aumentar, por métodos militares, a sua capacidade de explorar os produtores diretos, ou adquitir meios adicionais de producdo (terra, trabalho, fetra- mentas). Em vez de ser acumulado, 0 excedente econdmico é aqui sistematicamente desviado da reprodugio para o trabalho improdutivo.? Em compensagio, hé outro sentido em que 0 poder “politico” privado é a condigio essencial da producao capitalista e, na realidade, a forma assumida pela “autonomia” da esfera econdmica. O capitalista esté, evidentemente, sujeito aos imperatives da acumulagto e da competigio que o obrigam a expandir o valor excedente; ¢ 0 trabalhador esté preso ao capitalista néo apenas pela sua autoridade pessoal, mas pelas leis do mercado que determinam a venda do poder de trabalho, Nesses sentidos, sao as leis “auténomas” da economia ¢ do capital “em abstracao” que exercem 0 poder, e nfo a imposigo voluntéria pelo capitalista de ua autoridade pessoal sobre o trabalhador. Mas aslleis “abstratas” da acumnulagao capitalista impGem ao capitalista —¢ as leis impessoais do mercado de trabalho the dio a capacidade de fazé-lo — precisamente © exercicio de um grau sem precedentes de controle sobre a producio, “A lei da acumulacio capitalista, metamorfoseada pelos economistas numa pretensa [sic] Tei da natureza, na verdade afirma apenas que a prépria natureza da acumulagio exclui completamente a diminuigao do grau de exploragao"”? — isso significa um comando firme do processo de trabalho, e mesmo um cédigo legal interno que garantaa reducio do tempo de trabalho necesséio e a producao do valor excedente maximo durante o perfodo fixo de trabalho. A necessidade de uma “autoridade diretora”, como explica Marx, € intensificada na produgéo capitalista tanto pela nnatureza altamente socializada e cooperativa da produgio — uma condigio de sua alta produtividade ~ como pela natureza antagénica de uma relacao de exploracio bascada na exigéncia de extragao mixima da mais-valia. Segundo Marx, a producio capitalista comeca de fato quando cada capital individual emprega 20 mesmo tempo um mimero compara- tivamente grande de trabalhadores; quando 0 processo de trabalho é executado numa escala ampla ¢ rende quantidades relativamente grandes de produtos. Um numero maior de trabalhadores trabalhando ao mesmo tempo, num lugar (ou, se se desejar, no mesmo campo de trabalho), para produzir 0 mesmo tipo de mercadoria sob o comando de um capitalista, constitu, do ponto de vista histérico e légico, 0 ponto de partida da produgio capitalista BRENNER, Robert, “The Ori MARX, Kath, O Capita of Capitalism”, New Left Review, 104, 197%, p. "lem, ibidem, p. 305, Knretanto,« produ capitalieapressape rd apitalis, Ver ‘A SEPARAGSO ENTRE 0 “ECONOMICO” E 0 “POLITICO” NO CAPITALISMO. Uma condi¢ao fundamental para essa transformagao é 0 controle do pro- cesso de trabalho pelo capital. Em outras palavras, a forma especificamente capitalista de produgio comega quando o poder “politico” direto € introduzido No proceso de produgao como condicio basica de producio: Pela cooperagio de intimeros trabalhadores assalatiados, a influéncia do capital se trans- forma num requisito para a execusio do proprio processo de trabalho, num requisito I de produgdo. Que haja um capitalista no comando no campo de produgio é hoje 10 indispensével quanto haver um general em comando no campo de batalha.?s Nas sociedades pré-capitalistas, a produgao cooperativa era simples e esporddica, smbora, como expressa Marx, is vezes tivesse “efeitos colossais”, por exemplo, sob 0 comando de reis asidticos egipcios ou teocratas etruscos, A caracteristica especial do sipitalismo 2 produgéo cooperativa continua e sistemética. O significado politico ‘lesse desenvolvimento na producio é assim expresso por Marx: “ese poder dos reis widticos ¢ egipeios,reocratas etruscos ete. transferin-se na sociedade moderna para o ‘upitalista, esteja ele isolado ou em sociedades andnimas, um capitalista coletivo”™, ‘A questo aqui nao é saber se o controle capitalista ¢ mais “despético” do que © autoritarismo pessoal duro do feitor de escravos com chicote na mao; nem saber se « exploragio capitalista é mais opressiva do que as exigéncias do senhor feudal {nancioso, O grau de controle exercido pelo capital sobre a producio nao é neces- sariamente dependente do seu grau de “despotismo”, Até certo ponto, o controle é mposto nao pela autoridade pessoal, mas pelas exigencias impessoais da producdo necanizada e da integracao tecnoldgica do processo de trabalho (embora isso possa ver exagerado, e, de qualquer forma, a necessidade de integracao técnica em si é imposta pela presséo da acumulacio capitalista e pela exigéncia do apropriador). Apesar de o capital, com a propriedade absoluta dos meios de producao, (or 4 sua disposicao novas formas de coagéo puramente econdmicas — como o poder de demitir empregados ou fechar fabricas —, a natureza desse controle do processo de trabalho em parte condicionada pela auséncia de forga coercitiva ilitett, O uso de organizacio ¢ supervisio diffceis ¢ hierdrquicas do processo de tribalho como meio de aumentar 0 excedente produzido é um sucedaneo do poder coctcitive de extragao de excedentes, A natureza da classe trabalhadora livre & tal ‘jue novas formas de organizagao e de resisténcia dos trabalhadores so também cmbutidas no processo de producio. He qualquer forma, em diferentes circunstancias, o controle capitalista pode \ exercido de vérias formas, que variam desde a organizagéo mais “despética” (0 “taylorismo”, por exemplo) até graus varidveis de “controle dos trabalhadores” (ombora nao se deva subestimar as press6es contra essa forma de controle inerentes ‘estrutura de acumulagao capitalista). Mas, quaisquer que sejam suas formas espe- nanece a condigo essencial do conerole capitalista: em nenhum outro elfieas, p im ibe, 316, Destaque aeescentad, Dowocracts CONTRA CAPITALISMO sistema de produgio o trabalho é tio completamente disciplinado ¢ oxganizado, ¢ nenhum outro modo de organizagao da producio responde tio direramente &s exigéncias da apropriagio. , ay Existem, portanto, dois pontos criticos relativos & organizagio da pro- ducdo capitalista que ajudam a explicar o cardter peculiar do “politico” na sociedade capitalista ¢ a situar a economia na arena politica: primeito, © grau sem precedentes de integragao da organizagio da produgo com a organizagio da apropriagio: e segundo, o alcance ¢ a generalidade dessa integragio, a extensio praticamente universal a que a produgao no conjunto da sociedade se mantém sob 0 controle do aproptiador capitalista’”. O coroldrio desses desenvolvimentos na produgio € que 0 apropriador prescinde do poder politico direro no sentido ptiblico convencional, ¢ perde muitas das formas tradicionais de controle pessoal sobre a vida dos trabalhadores fora do proceso imediato de produgio, que antes estavam ao alcance dos aproptiadores pré-capitalistas. Novas formas de controle direto de classe passam para as maos “impessoais” do Estado. - Simuleaneamente, se o capitalismo — com sua classe trabalhadora juridicamen- te livre e seus poderes econdmicos impcssoais — remove muitas esferas daatividade pessoal ¢ social do controle direto de classe, a vida humana éem geral acraida para uma drbita do processo de produgio. Direta ou indiretamente, a disciplina da produgio capitalista, imposta pelas exigéncias da apropriagao capitalista, pela competigao e acumulagao, traz para sua esfera de influéncia — ¢ dessa forma, sob o controle do capital — uma gama enorme de atividades e exerce um controle sem precedentes sobre a organizacio do tempo, dencto e fora do processo de produgio. Esses desenvolvimentos indicam a existéncia de uma esfera econdmica e de leis ccondmicas diferenciadas, mas seu pleno significado pode ser obscurecido quando visto apenas sob essa luz, E, pelo menos, tio importante considert-los como uma transformagao da esfera politica, Num sentido, a integracao da producao e da apro- priagto representa a “privatizagio” final da politica, pois fungdes antes associadas a tum poder politico coetcitivo — seja ele centralizado ou “parcelizado” ~ esto agora firmemente alojadas na esfera privada como fungdes de uma classe apropriadora privada, isentas das obrigagdes de atender a propésitos sociais mais amplos, Em outro sentido, representa a expulsdo da politica das esferas em que sempre esteve diretamente envolvida. Tcravidio é forma pré-apitalista de exploragio de clase sobre a qual se poderia dizer que o explorador exerce um conteale continuo e direto sobre a produgios mas, deizando de lado as muitss questBes relatives & naturcza ¢ 20 grat ‘le controle do proprietti de excraos sobre o proces de taba, wna eos fica clara mesmo ene a muito poucs ociedalesem que aescravidi se genetali2os na produgo, ea nunca se aproximau da generalizaséo do trabalho asaariado thn soctedades capitalists avancadas, mas foi setupre acompanhada,tlvezsuperada, por outias formas de produsio. Por ‘xem, no Inpro Roman, ete que a escraido ating © apogew nos laine etcraves,o simero de camponcis ver et supeior a0 de estavos. Aina que ox produtoresindependentesfstem submetidos a vii formas de e parcelas da producto petmancceram forado alcance do controle diteto da classe exploradors, frit de excedentes, pais oes tm pment queso no acontecu por ace que aa sina goneralzago; que um dos obsticulos i sua expansto fia depenndéncia da coer : , n cpacidade de subordinar vitwalmente cada prodiagio ecravstarornava impossivel ligeta edo poder militar que, pelo aprodesto Is exipénclas da exploragtoevtio intimantent ligados ft diferenciagdo entceo econdmien € 0 polio, [A SEPARAGAO ENTRE © “ECONOMICO” E 0 “POLITICO” NO CAPITALISNO A coacio politica direta foi excluida do processo de extragio de excedentes e removida para um Estado que em geral intervém apenas indiretamente nas relacdes de produgio, ¢ a extragio de excedentes deixa de ser uma coacio politica imedia- ta, Isso quer dizer que se muda necessatiamente o foco da luta de classes. Como sempre, dispor do trabalho excedente continua a set a questo central do conflito de classes; mas agora essa questio no se distingue da organizagao de produgio. A luta pela apropriagio aparece nao como uma luta politica, mas como uma batalha em torno dos termos ¢ das condigées de trabalho. A LOCALIZACKO DA LUTA DE CLASSES Durante a maior parte do perfodo histérico, as questées centrais relativas & luca de classes giraram em torno da extragio e da apropriagio de excedentes, e nao da produ- io. O capitalismo é notdvel por concentrar a luta de classes “no ponto de produgio”, porque é somente no capitalismo que a organizagao da produgio ¢ da apropriagio coincidem tao completamente. B também notével por transformar as lutas em toro da apropriacao em disputas aparentemente nao politicas. Por exemplo, embora a uta por saldrios no capitalismo possa ser percebida como simplesmente “econémi- ca” (“economicismo”), isso néo ¢ valido para a luta de aluguéis cmpreendidas pelos camponeses medievais, apesar de, nos dois casos, a questo se referir & forma de se dispor da mais-valia ea sua distribuigio relativa entre os produtores diretos ¢ os apro- priadores exploradores. Por mais feroz que seja a luta por salétios, a relagao salarial em si, como bem observou Marx, permanece intacta: a base do poder de extragio do \propriador ~ sua condigéo de proprictétio c a de nao proprietétio do trabalhador — hilo esté em disputa imediara. As lutas em torno de arrendamentos, sempre que a :\propriagao se baseia em poderes “extraccondmicos”, tém implicagées imediatas nos direitos de propriedade, nos poderes politicos e nas jurisdigdes. O conflito de classes no capitalismo tende a se encapsular no interior da unidade individual de produgao, o que da a luta de classes um cardter especial. Cada fabrica, uma unidadealtamente organizada c integrada, com sua prépria hierarquia eestrucura «le autoridade, contém as principais fontes de conflito de classes. Ao mesmo tempo, a uta de classes entra diretamente na organizacio da produgio: ou seja, a administragio dle telagées antagénicas de producio é insepardvel da administragio do processo de producio em si. Apesar de continuara ser parte integrante do processo de produsio, «ue ela néo pode interromper, a luta de classes deve ser domesticada. Em geral, somente quando sai para a rua, 0 conflito de classes se transforma em jjuerta aberta, principalmente porque o brago coercitivo do capital est instalado fora dos muros da unidade produtiva. O que significa que confrontagées violentas, quando acontecem, néo se dio geralmente entre capital ¢ trabalho. Nao é 0 capital, mas o Estado, que conduz.0 conflito de classes quando ele rompe as barteiras ¢ assume ima forma mais violenta. O poder armado do capital geralmente permanece nos bastidoress e, quando se faz sentir como forga coercitiva pessoal ¢ direta, a dominacao de classe aparece disfargada como um Estado “autonomo” e “neutto”. A uansformagio dle conllitos politicos ¢ econdmicos, ¢ a localizagéo das lutas no ponto de produgio tendem wmbém a tornar locale particularizada a luta de classes Drsrocracta conraa cae rALISMO no capitalismo. Sob esse aspecto, a prépria organizagéo da producéo capitalista resiste & unidade da classe operdria que, supée-se, 0 capitalismo deveria encorajar. De um lado, a natureza da economia capitalista — seu cardter nacional, ou mesmo supranacional, a independéncia de suas partes constituintes, a homogeneizago do trabalho produzido pelo processo capitalista de trabalho — torna a um sé tempo necessdrias ¢ possiveis uma classe operiria consciente e uma organizagio de classe em escala de massa, Este ¢ 0 aspecto dos efeitos do capitalismo sobre a consciéncia de classe que a teoria marxista tantas vezes enfatizou. De outro lado, o desenvolvi- mento dessa consciéncia e dessa organizagio deve ocorrer contra a forga centrifuga da producao capitalista e da privatizagio das questoes politicas. ‘As consequéncias desse efeito centrifugo, ainda que nao bem explicadas pelas teotias de consciéncia de classe, tém sido observadas por especialistas em relagoes industriais que notaram uma importincia crescente, e nao decrescente, das lutas “domésticas” no capitalismo contemporaneo. Apesar de ter a capacidade de reduzir seu cardter politico e universal, a concentragio das batalhas da classe operiria no front doméstico nao implica necessariamente uma militancia em declinio. O efeito paradoxal da diferenciagao entre 0 econdmico ¢ 0 politico, feita pelo capitalismo, que a militancia ¢ a consciéncia politica se tornam questées separadas, Vale a pena considerar, em comparagio, que as revolugdes modernas ten- deram a ocorrer onde © modo capitalista de producao era menos desenvolvidos onde ele coexistia com formas mais antigas de producao, principalmente a produgio camponesa; onde foi maior o papel desempenhado pela compulséo “extraeconémica” na organizacio da produgao e na extragio da mais-valia; ¢ onde o Estado agia nfo apenas no apoio &s classes apropriadoras, mas como algo parecido a um apropriador pré-capitalista em scu proprio beneficio — re- sumindo, onde nao foi posstvel separar a luta econémica do conflito politico ¢ onde o Estado, como classe inimiga mais visivelmente centralizada ¢ universal, foi o foco de uma luta de massa. Até mesmo nas sociedades capitalistas mais de- senvolvidas, a militancia de massa tende a surgir em resposta a uma compulsio “extraecon6mica”, particularmente sob a forma de agao opressiva do Estado, também varia proporcionalmente ao envolvimento do Estado nos conflitos em torno dos termos e das condigées de trabalho. Mais uma vez, essas consideragées levantam questées relativas a0 sentido em que seria adequado ver 0 “economicismo” da classe operaria nas sociedades capitalistas desenvolvidas como um reflexo de um estado subdesenvolvido de consciéncia de classe, como 0 fazem muitos socialistas. Visto da perspectiva do processo histérico, pode-se dizer que ele representa um estégio mais, ¢ no menos, avangado de desen volvimento. Se, por sua vez, esse estégio puder ser superado, é importante reconhecer que o chamado “economicismo” das atitudes da classe operaria reflete nao tanto uma falta de consciéncia politica quanto uma mudanga objetiva na localizacao da politica, uma mudanga de arena ¢ dos objetivos da luta politica inerente & prépria estrutura da produgao capitalisea. Essas siio algumas das formas em que “polfticas” as lutas “econdmicas”, Ii verdade que existem certas tendénc’ produgiio capitalista tendea transformarem 5 no capita ASEPARAGAO ENTRE 0 “xCONOMICO” E © “POLETICO” NO CAPITALISMO. lismo contempornco que operam para se contrapor a essas tendéncias. A integragio nacional ¢ internacional da economia capitalista avangada transfere os problemas di acumulagao capitalista da empresa individual para a esfera “macroeconémica”. 1 possivel que os poderes de apropriagao do capital, que o Estado até agora deixou intactos—melhor dizendo, que ele reproduzit ¢ reforgou — venham a ser subvertidos jrela necessidade crescente que o capital rem da presenga do Estado ~ nao apenas pata facilitar o planejamento capitalista, para assumir responsabilidades ou para ire conter 0 conflito de classes, mas também para cumprir as fung6es sociais abandonadas pela classe expropriadora ¢ para compensar os efeitos antissociais yorados por esse abandono, Ao mesmo tempo, se 0 capitalismo, levado pela crise Crescente, exigir e obtiver a cumplicidade do Estado nos seus objetivos antissociais, sprio Estado pode se tornar um alvo de importéncia cada vez maior para a nos paises capitalistas avangados, como o foi em todas as revolugdes modernas vitoriosas. O efeito disso pode ser a superagéo do particularismo ¢ do economicismo” impostos & luta de classes pelo sistema capitalista de producto, com a diferenciagéo entre 0 econémico ¢ o politico. De qualquer forma, a ligo estratégica a ser aprendida da transferéncia das uiestbes “politicas” para a “economia” nfo é que as lutas de classes devam se «rar principalmente na esfera econémica ou “no plano da producio”. Da mesma forma, dividir as fungGes “politicas” entre classe e Estado nfo significa que © poder no capitalismo venha a ser de tal forma difundido na sociedade civil a ponto de o Estado perder 0 papel especifico ¢ privilegiado como sede de poder ¢ ilvo de agio politica, nem, no extremo oposto, que o Estado passe a ser tudo, Na verdade, deverd ocorrer o contririo. A divisio de trabalho entre classe ¢ Estado. significa io que o poder esteja diluido, mas, a0 contrério, que o Estado, que representa 0 momento” coercitivo da dominagio de classe no capitalismo, corporificado no Mmonopdlio mais especializado, exclusivo e centralizado de forca social, é, em tiltima wnilise, © ponto decisivo de concentragao de todo o poder na sociedade. Assim, as lutas no plano da producio, mesmo quando encaradas pelos seus aspectos evondmicos como lutas em torno dos termos de venda da forca de trabalho ou das condi- ses de trabalho, permanecem incompletas, pois nao se estendem até a sede do poder obte a qual se apoia a propriedade capitalista, que detém o controle da produgo », Ao mesmo tempo, batalhas puramente “politicas” em torno do poder de nar ¢ dominar continuarao sem solugo enquanto nio implicarem, slém das instituigées do Estado, os poderes politicos que foram privatizados ¢ ‘ransleridos pata a esfera econdmica. Nesse sentido, a prdpria diferenciagdo entre 0 imbidtica de trabalho entre classe precisamente 0 que torna essencial a unidade das lutas econdmicas lismo ¢ democracia. conduz resisténci conce eda aproptia c ccondmico eo politico no capitalism ~a divisio © Pstado politicas, 6 que é capaz de tornar sindnimos socia

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