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Artigo original

FRONTEIRAS SOCIAIS E SIMBÓLICAS EM UM


CLUBE DE ELITE*
Karen Teresa Marcolino Polaz
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas – SP, Brasil. E-mail: karenpolaz@gmail.com

Ana Maria Fonseca de Almeida


Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas – SP, Brasil. E-mail: aalmeida@unicamp.br

DOI: 10.1590/339804/2018

Introdução Quando se trata de compreender processos


que levam à ocupação de posições mais ou menos
Embora a desigualdade social brasileira, clas- privilegiadas, à produção e reprodução de diferen-
sificada como uma das maiores do mundo, venha ças entre grupos sociais e mesmo à legitimação da
sendo estudada há bastante tempo (Langoni, 1973; desigualdade, o argumento cultural pode ser de-
Tolipan e Tinelli, 1973; Barros, Henriques e Men- senvolvido, como propõe Maria Charles (2008),
donça, 2000; Soares, 2010; Medeiros, Galvão e Na- abordando diferentes dimensões, tais como: tra-
zareno, 2015), ainda estamos longe de compreen- ços de personalidade, atitudes ou valores interna-
der grande parte dos processos que a constroem e lizados, repertórios institucionalizados de ação e
conservam. Sua persistência no tempo, desafiando estruturas cognitivas que acompanham clivagens
políticas públicas de vários tipos (Blofield, 2011; sociais nos processos de diferenciação, separação
Neri, 2011; Medeiros e Souza, 2016), indica a ne- e agrupamento.
cessidade de buscarmos entender também as dinâ- Essa linha de análise não é, evidentemente,
micas culturais que a tornam possível. uma novidade na discussão sobre a desigualdade
brasileira. Ela constitui uma longa tradição analíti-
* As autoras agradecem à Fapesp e ao CNPq pelo apoio
ca, reunindo trabalhos que oferecem contribuições
para a realização desta pesquisa. substantivas para a questão, mesmo quando o ter-
mo desigualdade não é explicitamente menciona-
Artigo recebido em 20/02/2016 do (Freyre, [1933] 1995, [1936] 2003; Carvalho,
Aprovado em 18/12/2017 [1980] 2012; Souza, 2006).
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Um dos limites dessa tradição analítica encon- Merike Blofield (2011) e como documentam Ana
tra-se, no entanto, como argumenta Omar Lizardo Maria F. Almeida e colaboradores (2010).
(2006), na tendência a associar amplas configura- Essas são lacunas que este artigo buscará preen-
ções culturais à estrutura social tratada de forma ge- cher, amparado nos resultados de uma pesquisa que
nérica ou mesmo generalizante, sem que mediações mapeou as categorias que as elites econômicas de
entre uma dimensão e outra sejam especificadas uma cidade de porte médio do interior de São Pau-
apropriadamente. Tentativas de pensar a cultura lo mobilizam quando pensam sobre o que os dife-
com base em práticas passíveis de ser examinadas rencia daqueles que consideram como o outro, e,
no espaço concreto das relações sociais podem ser estudou os processos de separação e agrupamento
uma maneira de resolver esse problema (Lizardo, em que se engajam.
2006), como mostra uma série de estudos publi- Inspiradas pelo esforço contemporâneo de
cados no Brasil a partir dos anos 2000, que se de- marcar a “convergência entre sistemas simbólicos
dicaram a investigar as percepções que diferentes e formas indiretas de poder” (Lamont e Molnár,
frações das elites têm sobre a pobreza, na tentativa 2002), exploramos o trabalho de diferenciação
de explorar os vínculos causais entre cultura e de- em que os indivíduos investem, ao mobilizar es-
sigualdade (Reis, 2000, 2004, 2005, 2011; Reis e ses sistemas de classificação, como um trabalho de
Moore, 2005; Scalon, 2007, Silva e López, 2015). construção de fronteiras, o que implica sublinhar
Estudos como esses são relevantes para o deba- a importância do contato e da comunicação entre
te sobre a resiliência da desigualdade, porque am- grupos – separados por princípios de divisão de
pliam a nossa compreensão quanto à maneira como diferentes tipos – para os processos de construção
aqueles que dispõem de maior controle sobre os re- identitária (Barth, 1969).
cursos necessários para enfrentar a pobreza a com- Para Fredrik Barth e, depois, Michèle Lamont
preendem, a explicam e, eventualmente, formulam (1992, 2000b), e também para Charles Tilly (2006),
soluções para enfrentá-la. Essa literatura mostra entre outros, a noção de fronteira permite concei-
que as elites brasileiras tendem a enxergar a po- tuar a interação entre indivíduos e grupos quando,
breza como um problema social importante (Reis separados por divisões de diferentes tipos, como
e Moore, 2005), a mobilizar razões estruturais – classe social e etnia, se pensam mutuamente como
históricas e políticas – para explicá-la, em vez de sendo o outro.2 Assim, a constituição de fronteiras
pensá-la como efeito de maior investimento no tra- seria um dispositivo regulatório, que permite uns se
balho – mérito – ou mesmo “sorte” (Silva e López, diferenciarem dos outros. Ela estaria em contínua
2015) e a atribuir ao Estado a responsabilidade por construção nas interações que têm lugar em diferen-
implementar medidas para controlá-la. tes esferas da vida social, aproximando-se dos proces-
No entanto, a visão da pobreza que emerge sos de fechamento social examinados por Max We-
desses estudos é sobretudo abstrata, desvinculada ber (1999). Nessa perspectiva, a operação de definir
da experiência concreta dos interrogados, como quem somos faria parte de um processo, contínuo e
notam alguns dos próprios autores (Reis e Moore, socialmente situado, de determinação de quem é o
2005). Aprendemos, com esses estudos, o que os outro e, por conseguinte, de quem não somos.
interrogados pensam sobre a pobreza, mas temos Nessa literatura, fronteiras são pensadas como
poucos elementos para saber o que pensam sobre dotadas de um caráter bidimensional, ao mesmo
os pobres ou sobre como o que pensam sobre a tempo categórico e comportamental (Wimmer,
pobreza interfere no modo como formulam a dis- 2008). A primeira dimensão se refere às práticas
tância social.1 Isso não é exatamente surpreendente, de classificação, enquanto a segunda está relaciona-
considerando que a própria desigualdade brasileira da às interações cotidianas ao longo das quais os
faz com que a pobreza seja, de fato, algo bastante indivíduos se agrupam ou se separam. A primeira
distante da experiência cotidiana dos grupos mais dimensão diz respeito, mais precisamente, às ope-
privilegiados, que vivem em mundos afastados da- rações cognitivas de separação entre “nós” e “eles”,
queles habitados pelos pobres, como argumenta já a segunda refere-se à orientação da ação, às ope-
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rações de definição do tipo de relação que se pode decisões observados ou relatados. Foram entrevista-
estabelecer com os indivíduos em função do seu dos mães, pais, filhos, funcionários do clube e das
pertencimento ao grupo do “nós” ou ao grupo dos famílias, procurando-se documentar os modos de
“eles”. A primeira dimensão aproxima-se do que tratar, de se dirigir a, de se referir a e, não menos
Michèle Lamont e Virág Molnár (2002) tratam importante, de pensar sobre si próprios e sobre os
como fronteira simbólica e a segunda aproxima-se diferentes grupos de indivíduos com os quais con-
do que esses autores denominam fronteira social. vivem no clube. Entre as famílias frequentadoras
Nesse sentido, uma fronteira social se estabelece do Clube Equestre, o foco da pesquisa foi colocado
apenas quando os dois esquemas coincidem, isto é, sobre aquelas cujas filhas e filhos praticavam hipis-
quando maneiras de ver o mundo correspondem a mo, esporte que deu origem ao clube e que continua
modos de ação no mundo (Wimmer, 2008). Estu- definindo seu lugar social na cidade.3 A associação
dar fronteiras sociais e simbólicas, tal como propos- entre observações e entrevistas se revelou uma estra-
to na pesquisa que deu origem a este artigo, corres- tégia valiosa para escapar do tratamento excessiva-
ponde, portanto, a um esforço para compreender os mente individualista e distante da experiência vivida
mapas mentais, os sistemas de classificação que indi- de que são acusados alguns estudos que se dedicam
víduos mobilizam quando pensam sobre si mesmos apenas ao exame das percepções autodeclaradas pelos
em relação aos outros, e vice-versa, e para registrar o entrevistados (Jerolmack e Khan, 2014).
modo como os indivíduos definem distâncias quan- Ao longo dos dezoito meses de pesquisa de
to a certas categorias de pessoas, o que é revelado, campo, foram produzidas duas centenas de páginas
por exemplo, em suas escolhas matrimoniais ou nas do diário de campo, escritas no editor de textos MS-
características das redes de sociabilidade a que se ar- -Word, e dezenas de horas de entrevistas gravadas e
ticulam (Lamont e Molnár, 2002; Pachucki, 2007; depois transcritas. A exploração desse material se re-
Saint Martin e Gheorghiu, 2010). velou uma tarefa complexa e desafiadora. A codifica-
A pesquisa empírica teve lugar nas dependên- ção do material foi realizada de forma indutiva, pela
cias de um clube privado, socialmente seletivo, aqui identificação de padrões nos discursos e nos compor-
denominado “Clube Equestre”, localizado em uma tamentos. Na apresentação dos resultados a seguir,
cidade de porte médio do interior paulista. A unidade selecionamos as frases e expressões exaustivamente
de análise definida foi “a família”, na medida em repetidas em campo, bem como os conteúdos mais
que o clube representa, para o grupo aqui observa- frequentes, sobre os quais construímos a análise. É
do, uma espécie de continuidade da casa, concen- importante notar, portanto, que a discussão propos-
trando grande número das atividades de que todos ta aqui não pretende esgotar todas as dimensões da
os membros da família participam. O clube é espe- experiência vivenciada pelos indivíduos que frequen-
cialmente importante para as crianças e adolescen- tam esse clube. Diferente disso, ela privilegia uma
tes, que, durante a semana, passam ali boa parte do dimensão dessas experiências, mais precisamente a
dia, envolvidos em atividades diversas. Com isso, foi que diz respeito ao modo como percebem aqueles
possível incluir, na análise, esses membros das famí- com quem dividem esse espaço e como organizam
lias, tantas vezes deixados de lado nos estudos sobre suas relações com essas pessoas.
os grupos dominantes.
Esta pesquisa abrangeu observações e entrevis-
tas. As observações permitiram explorar compor- O clube: espaço segregado e segregador
tamentos e discursos produzidos em situações de
descontração, em momentos de comemoração e ale- A fim de compreender o espaço onde têm lu-
gria, mas também de raiva, frustração e/ou dor. As gar as interações por meio das quais se desenvol-
entrevistas, por sua vez, deram acesso às explicações vem processos sociais de separação e diferenciação,
e justificativas dos indivíduos interrogados sobre examinados neste artigo, adiantamos, nesta seção,
sua maneira de pensar e de agir, em suma, sobre o alguns elementos que permitem compreender me-
significado por eles atribuídos a comportamentos e lhor a posição social das famílias que frequentam
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o clube, assim como o significado que as mesmas membros dos grupos mais privilegiados vão a con-
atribuem à sua situação de associadas. Sublinha- sultórios e hospitais cujo acesso depende do desem-
mos, em particular, a posição que ocupam na hie- bolso de tarifas altas ou da adesão aos planos de saú-
rarquia social da cidade. de privados mais onerosos. Quando se deslocam pela
Na cidade onde o clube se situa, há parques e cidade, utilizam transporte privado, e, se há crianças
clubes públicos, com pista de corrida, quadras e pis- e adolescentes na família, eles frequentam alguma
cinas. Nos bairros populares e de classe média baixa, das poucas escolas privadas prestigiosas da cidade;
é possível encontrar jovens jogando bola em quadras além disso, são organizações privadas, clubes ou
públicas nos finais de tarde durante a semana e nas empresas que oferecem, mediante o pagamento de
manhãs e tardes dos finais de semana. Nos bairros ri- mensalidades elevadas, as atividades esportivas, aca-
cos e de classe média alta, as quadras públicas, quan- dêmicas e artísticas das quais participam.4
do existem, permanecem, em geral, vazias. Os clubes Além de habitarem bairros e condomínios
privados são o destino preferido dos mais privile- valorizados, de manterem os filhos e filhas em es-
giados. O Clube Equestre ocupa um lugar especial- colas que cobram altas mensalidades, de frequen-
mente valorizado em meio a um amplo conjunto de tarem clubes socialmente seletivos, essas famílias
clubes, em parte por o Equestre concentrar grande costumam viajar para destinos caros no Brasil e/
parcela das famílias mais tradicionais e influentes ou no estrangeiro, dispõem de automóveis que
da cidade. Os sobrenomes de vereadores e prefeitos da se destacam pelo tamanho e/ou pelo prestígio do
cidade, antigos ou recentes, que se reproduzem tam- fabricante, exibem os modelos mais recentes de
bém em nomes de ruas, avenidas, praças, monumen- aparelhos eletrônicos, como telefones celulares das
tos, edifícios e escolas, remetem aos sobrenomes dos marcas mais valorizadas – Apple, por exemplo –, e
que dirigiram o clube desde a sua fundação até os se vestem com roupas e acessórios de marcas que só
dias de hoje, mostrando que a afiliação a clubes está podem ser comprados nas lojas dos shopping cen-
longe de ser algo aleatório, mas se inscreve no rol ters mais exclusivos da cidade ou em outros países.
durável e complexo de práticas que definem uma po- As posses e gastos dessas famílias podem ser vistos
sição social (Bond, 2012). como “marcadores públicos de categorias sociais”,
A maioria das famílias que frequenta o Clube no sentido proposto por Mary Douglas e Baron
Equestre hoje compartilha um modo de vida muito Isherwood (2004), permitindo que os indivíduos se
distante do modo de vida dos grupos menos privi- reconheçam como membros de um mesmo grupo,
legiados. Essa distância está inscrita, por exemplo, ao mesmo tempo que marcam sua diferença com
em suas moradias, em geral situadas nos “enclaves relação aos que podem considerar como o outro.
fortificados” ou “guetos voluntários”, estudados por A própria prática do hipismo, privilegiada pela
Teresa Pires do Rio Caldeira (2000) e Michel Pin- maioria das famílias ouvidas na pesquisa, pode ser
çon e Monique Pinçon-Charlot (2007). São apar- incluída entre esses marcadores, já que os esportes
tamentos confortáveis localizados nos endereços equestres apresentam uma longa história de associa-
mais valorizados da cidade ou casas amplas em con- ção, ainda que não exclusiva (Melo, 1998; Adelman
domínios residenciais, bastante homogêneos em e Moraes, 2008), com as classes altas (Fletcher e
termos sociais – separados da cidade por “muros e Dashper, 2013). Uma das modalidades clássicas do
tecnologia de segurança” (Caldeira, 2000, p. 171) – hipismo, que consiste no salto sobre obstáculos em
e em seu modo de vida. Quando vão às compras, um percurso previamente definido e no menor tem-
essas famílias dão preferência a lojas que se encon- po possível, é um dos seus ramos mais associados às
tram em shopping centers, igualmente separados do elites, em parte por sua vinculação histórica com a
ambiente mais heterogêneo da rua, localizados nos nobreza guerreira, mas também pelos altos investi-
bairros mais nobres da cidade, reforçando a homo- mentos financeiros que requer. Para a compra de um
geneidade social de sua clientela. cavalo de salto, as famílias do clube chegam a gastar,
Essa espécie de clausura se afirma também, em dependendo das características do animal, entre 5
outras esferas. Quando precisam de médicos, esses mil reais em um animal já mais velho e mais de de-
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zenas de milhares de euros ou dólares em um animal zação social que dá acesso a poder e autoridade”, no
jovem, de origem selecionada e criado ou adestrado caso dos grupos estudados por ele.
por renomados criadores brasileiros ou estrangeiros. Para além dos benefícios bastante concretos, que
O gasto varia em função de suas posses e do investi- derivam da frequência regular ao clube, já identifi-
mento que pretendem fazer na preparação dos filhos, cados nessa literatura, o fato de que os indivíduos
que vai da prática do hipismo à participação em tan- desses grupos consigam se separar dos outros na
tas provas quantas possíveis. O esporte exige, além sua vida cotidiana de forma tão eficaz, construindo
disso, elevados gastos regulares com a manutenção ambientes fortificados cuja frequência controlam,
do animal – estábulo, alimentação, veterinário, tra- tem consequências importantes sobre a maneira
tadores, vacinas, remédios, eventuais cirurgias etc. –, como concebem seu lugar no mundo. Nas situa-
bem como com seu deslocamento para as competi- ções em que podem construir relações horizontais
ções, além de despesas para prover o cavaleiro ou a de amizade e camaradagem, eles se encontram em
amazona dos trajes, calçados e acessórios apropria- companhia de indivíduos da mesma camada social.
dos, também de custo alto. Quando convivem com membros de grupos menos
Nas conversas e entrevistas que tiveram lugar no privilegiados, estes estão inevitavelmente em posição
clube, quando os sócios adultos falavam em “man- subalterna, prestando serviços como empregadas do-
ter a família”, por exemplo, estavam referindo-se a mésticas, babás, jardineiros, motoristas, porteiros,
poder pagar por todo esse conjunto de bens e arcar funcionários de lojas, clubes, escolas etc.
com os gastos dele decorrentes. No contexto dessa O clube pode ser visto, nesse contexto, como
cidade, isso permite localizar seus proprietários nas um microcosmo onde muitas das tensões inerentes
camadas mais privilegiadas da hierarquia social. a esse modo de organização das relações sociais es-
De fato, a maioria dos sócios exerce profissões de tão presentes. O Clube Equestre oferece condições
elevada remuneração. Alguns são altos executivos singulares para captar os dinâmicos processos de
de grandes empresas nacionais e multinacionais, ou- construção e transgressão de fronteiras nos quais os
tros são proprietários de empresas grandes e médias membros dos grupos mais privilegiados da cidade
do setor têxtil, de serviços, da construção civil, de se envolvem, já que ali é possível observar a relação
transportes. Outros, ainda, são sócios de escritórios que estabelecem tanto com aqueles que estão em
de advocacia ou proprietários de clínicas e hospi- situação similar – os demais sócios –, como com
tais importantes da cidade. Identifica-se, ainda, um aqueles que se encontram em posição subalterna,
grupo de executivos de médio escalão, assim como como babás e motoristas que dão suporte às famí-
profissionais liberais e professores universitários. Vá- lias, e funcionários que garantem o bom funciona-
rios desses últimos são associados ao clube devido mento do clube (jardineiros, limpadores de piscina,
ao pertencimento, por nascimento ou casamento, a encarregados de manutenção, funcionários admi-
famílias proprietárias da região. Trata-se, não obstan- nistrativos, instrutores de esportes, entre outros).
te, de famílias que se dizem em condição econômica Além disso, como se trata de um local frequentado
“melhor” do que a que experimentaram na infância para se dedicar ao lazer, onde as pessoas podem es-
ou da que seus pais e/ou avós tiveram. tar ou devem se mostrar mais à vontade, a obser-
Nesse quadro, a frequência regular ao clube é vação da experiência cotidiana no clube ofereceu
apenas uma das dimensões em que se afirma o desejo oportunidades para contornar as estratégias que
de “estar entre si” (Pinçon e Pinçon-Charlot, 2007). esses grupos costumam desenvolver para controlar
Sua importância para os membros dos grupos mais a situação de entrevista (Pinçon e Pinçon-Charlot,
privilegiados, especialmente no que diz respeito a es- 1997; Almeida, Moschkovich e Polaz, 2012).
tabelecer e manter redes, tem sido indicada com fre- Como em qualquer clube privado da cidade,
quência na literatura sobre as elites (Baltzell, 1964; a frequência regular ao Equestre só pode dar-se
Domhoff, 1971, 1975; Ostrander, 1984). Edward mediante a obtenção de um título de sócio. Para
Digby Baltzell (1964, p. 364), por exemplo, afirma aqueles que não o receberam como herança, isso
que os clubes privados “estão no núcleo da organi- envolve uma operação antes de tudo econômica:
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a compra do título. Como não são criados títu- toso... Mas [o outro clube] decaiu muito, muito,
los novos há bastante tempo, tal compra somen- muito [ao ampliar o acesso a novos membros]”.
te pode acontecer se houver oferta por parte dos As próprias crianças parecem compartilhar des-
associados que pretendem desistir de seus títulos, sa percepção. Uma delas, certa vez, perguntou a
o que raramente acontece. Em fevereiro de 2016, uma de nós: “Ah, não vai dizer que sua vida não
por exemplo, havia apenas seis títulos à venda. A melhorou depois que você passou a vir para o
aquisição de um título exigia, na época, o desem- Equestre?”. Em outra oportunidade, quando essa
bolso de 115 mil reais. O valor do título impõe mesma pesquisadora mencionou que não conhe-
um controle bastante rígido sobre quem está ou cia o Equestre antes de iniciar a pesquisa, outra
não autorizado a pleitear a associação. No entanto, criança retorquiu: “Que absurdo!”, e completou
como veremos mais à frente, o custo subjetivo da afirmando que sua interlocutora era “uma pessoa
venda é bastante alto, o que faz do título um bem sem cultura”.
de pouca liquidez, cujo valor não pode ser total- A sinalização de alto status proporcionada pela
mente definido pelo cálculo monetário. posse do título do clube fica visível até mesmo na
Além da dimensão econômica, outros disposi- relutância experimentada por algumas famílias em
tivos institucionalizados contribuem para o contro- vender o título, mesmo quando passam por perío-
le da composição do conjunto de sócios. O próprio dos de dificuldade financeira. Mariana (25 anos,
processo de associação pode ser considerado um formada em direito) explica que “vender o título
exemplo particularmente instrutivo da maneira do Equestre é aceitar que você quebrou. E ninguém
como repertórios classificatórios podem ser aciona- aceita [risos]”. A posse do título funciona, assim,
dos em processos de fechamento social, no sentido como um mecanismo de definição de uma au-
weberiano do termo (Weber, 1999). Como nos ex- toimagem particular, amparada pela confiança que
plicou uma das mães, os interessados em comprar deriva da convicção de que se pertence a um lugar
um título não podem apresentar-se diretamente ao “exclusivo” e “superior”.
clube como sócios potenciais, mas devem ser “indi- Compreensivelmente, isso resulta em inten-
cados” à diretoria por dois sócios proprietários. Cada so trabalho de controle sobre a frequência ao clu-
demanda de associação é analisada por uma comis- be, no qual se engajam não apenas os seguranças,
são encarregada de verificar a adequação do candida- mas também os próprios sócios, dando origem a
to ou candidata ao clube. O esforço dispendido na “denúncias”, que, por sua vez, geram medidas da
implementação de procedimentos para definir quem administração para verificar o direito de a pessoa
merece ou não ser sócio revela a energia social inves- denunciada estar ali. Tais situações são particular-
tida na separação do grupo de sócios daqueles que mente constantes em relação ao público que fre-
consideram como outro. Essa é também, uma das es- quenta as aulas de equitação, atividade em que, à
tratégias pelas quais se garante a homogeneidade so- época da pesquisa, podiam inscrever-se crianças e
cial do clube e sua continuidade ao longo do tempo. adolescentes não associados. Dois instrutores de
A submissão a todo esse processo gera benefí- equitação entrevistados se referiram a episódios
cios para além do usufruto de um espaço de lazer, de controle sobre o que é considerado, no clube,
já que o pertencimento ao grupo restrito daqueles excessos dos não sócios. Em um dos casos, relata-
que podem se definir como sócios funciona como ram que um de seus alunos não sócio costumava,
um marcador de status, cuja importância é subli- depois da aula, “sair para curtir o clube”, até o dia
nhada frequentemente por eles mesmos. A sócia em que alguns sócios solicitaram à administração
Eliza (40 anos, formada em arquitetura, mãe de medidas para “intimidar o garoto”, a fim de res-
dois meninos, de 14 e 10 anos), explica a particu- tringir suas atividades apenas às aulas de equitação.
laridade desse clube em relação a outro localizado As crianças e adolescentes da escola de equi-
na cidade, em um bairro próximo: “Antigamente tação também se engajam em manter o clube fora
todo mundo que era sócio do Equestre era sócio do alcance de seus colegas que “não têm o título
do [outro clube], era todo mundo igual, e era gos- nem pagam mensalidade”. Como questionou uma
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indignada Daniela (13 anos), ao perceber que era o valor do outro, que encontram um canal particu-
observada enquanto vigiava um colega não sócio: larmente apropriado à sua expressão nas fofocas que
“Nossos pais ficam pagando para eles virem aqui e se espalham pelo clube diariamente.
usarem de graça?”.
Esse controle não poupa nem aqueles que, em-
bora não sejam sócios, ocupam uma posição social Amizades, conflitos e fofocas
destacada em relação a esse grupo tão privilegiado. Os
adolescentes referiram-se, por exemplo, ao caso de Como em quase todos os tipos de configuração
uma garota que treinava para competição nas social marcados por relações de interconhecimen-
dependências do clube. Embora a família, conside- to, também nesse clube as fofocas são fartamente
rada “riquíssima” por eles, muito conhecida mobilizadas para delimitar fronteiras e consolidar
na cidade em virtude dos negócios que mantém na princípios de classificação, contribuindo para dar
região, não se interessasse em obter um título de substância às diferenças entre o “nós” e “os outros”
sócio, a garota era tão frequentemente “denuncia- ,e indicando como os diferentes grupos e indiví-
da” por outros sócios que os familiares optaram por duos se colocam e se percebem no mundo (Elias e
comprar o título apenas “para evitar constrangi- Scotson, 2000; Lacy, 2007).
mentos”, como explicaram seus colegas de hipismo. Claudia Fonseca (2000), em seu estudo sobre a
A separação entre sócios e não sócios tem fofoca em grupos populares, registra que o mexeri-
como um de seus mais importantes efeitos ocultar, co pode ser “o instrumento dos que se sentem infe-
para os “de fora”, as diferenças entre os diversos riores e que só podem realçar seu status rebaixando
segmentos da elite local ali representados, inclusi- o dos outros”. Não necessariamente, como indica o
ve obscurecendo oscilações nas condições materiais caso de nossos entrevistados e entrevistadas. Ao
que membros desses grupos podem experimentar longo dos vários meses de observação, progressi-
ao longo da vida. O intenso trabalho dedicado à vamente foi possível compreender que as fofocas e
separação entre sócios e não sócios sinaliza como se maledicências são elementos estruturantes das re-
constrói a percepção de que todos os ali incluídos lações entre os sócios, servindo, aos adultos, para
pertencem, em igualdade de condições, aos círculos estabelecer e cultivar clivagens no grupo e, no caso
sociais mais privilegiados. dos mais jovens, para exercitar sua capacidade de
No entanto, a semelhança entre os sócios – ex- compreender e mobilizar os sistemas de valores que
pressa por certa uniformidade física, pelo uso de ves- estão em processo de interiorizar.
timentas parecidas e pela posse dos mesmos gadgets – Dessa forma, constatamos que nem todos
não implica, absolutamente, homogeneidade social. os que se engajam em fofocas o fazem a partir de
Os sócios se diferenciam entre si no que diz respeito uma posição inferior. Relativamente discretas, já
tanto ao poder econômico como aos estilos de vida. que reservadas à rede de interconhecimento mais
Eles pertencem a distintos estratos das classes domi- próxima, as fofocas que se disseminam pelo clube
nantes, uns mais ou menos estabelecidos que ou- parecem ter efeitos essencialmente cognitivos (Bru-
tros, uns mais ou menos dominados que outros. No baker, Loveman e Stamatov, 2004). Sem efeitos
espaço social hierarquizado do clube, nota-se, em mais significativos sobre os indivíduos visados, o
particular, clivagens entre famílias que são sócias há mexerico serve, fundamentalmente, para que os fo-
várias gerações versus famílias recém-chegadas ou que foqueiros comuniquem uns aos outros os esquemas
“não têm uma história no clube”, como explicaram classificatórios que organizam sua visão de mundo,
alguns; famílias que gozam de boas condições eco- contribuindo, com isso, para reafirmar a proximi-
nômicas versus famílias economicamente decadentes; dade com o interlocutor e a distância em relação
famílias cuja posição privilegiada remonta há algu- àquele sobre quem se fala, o que não é o mesmo
mas gerações versus famílias cuja fortuna é recente. que afirmar sua superioridade.
Essas e outras diferenças são negociadas nas intera- Assim, fala-se muito sobre os outros no clube;
ções cotidianas e são reveladas nas apreciações sobre falam, principalmente, mal uns dos outros, isto é,
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criticando e apontando deficiências reais e/ou ima- e devem estar evidentes para todos. Na falta dessas
ginadas. Da mesma forma como acontece com as evidências, observa-se que não há “merecimento”.
práticas de vigilância em relação aos não sócios, falar São vistas como desonestas e são mal faladas no
(mal) dos outros é, também, prerrogativa dos adoles- clube, por exemplo, aquelas pessoas que, diz a fofo-
centes. Uma garota de 13 anos, quando perguntada ca, teriam “enriquecido do dia para a noite”, como
sobre o que mais gostava de fazer no clube, respon- resultado de “negócios de origem obscura”, ou que
deu sem hesitação e com um amplo sorriso no ros- “querem lucrar sem produzir”. Assim, numa das
to: “o melhor que tem aqui é fofoca. Só tem fofoca. entrevistas, Eliza discorreu longamente sobre o caso
O dia inteiro”. Outra garota, de 16 anos, acrescenta de um conhecido que havia sido preso por estar
que “a vida não tem graça sem falar mal dos outros”. envolvido em um esquema de fraudes contra o Es-
Uma instrutora de hipismo chega a dizer que “elas tado. Ela comparou o estilo de vida desse homem
[as crianças] estão mais preocupadas em fazer as fo- com o de seu marido, que administra com o irmão
focas do dia do que em fazer aula [de hipismo]”. uma fábrica de uniformes que herdaram do pai.
Como tanto os sujeitos quanto os objetos das
fofocas convivem diariamente no clube, a fofoca Eliza: [Ele] tinha um Hummer, você sabe o
põe em circulação, por um mesmo canal, infor- que é um Hummer? É aquele carro quadra-
mações e apreciações que contribuem para definir, do, que parece um tanque de guerra. Horrível,
segundo cada grupo específico, aqueles a quem por sinal. E falavam que ele dava festas, assim,
consideram como “boas pessoas” ou pessoas de “má homéricas, com Clicquot, aquela champagne
fama”. As apreciações são, assim, resultado da atri- super cara... e daí, eu falei assim: “O que ele
buição de um significado moral aos comportamen- faz?”, ela [uma amiga] falou: “Eu não sei, ele
tos, que se tornam, consequentemente, indicadores faz negócios de oportunidade”. Eu falei: “Mas
do “caráter” da pessoa. Nessa condição, tais aprecia- o que são negócios de oportunidade?”. Eu não
ções podem ter efeitos muito concretos, mas apenas consigo entender... porque eu consigo enten-
para o círculo estreito dos fofoqueiros, permitindo der... assim... o cara é médico, é empresário,
observar, como diz Andreas Wimmer (2008), a ali- industrial, cantor de sertanejo... isso eu ainda
mentação cotidiana da “rede de relações que resulta entendo, mas o que é você ter “negócios de
dos atos individuais de conexão e distanciamento”. oportunidade”? [...] É outra coisa que a gente
Dela resulta o aprofundamento das amizades, a de- estava falando, eu e o [nome do marido]... a
finição dos parceiros nas atividades de esportes ou fábrica tem 50 anos, ninguém é rico. Ele acor-
de outro tipo em que os sócios se engajam tanto da 5h45 da manhã, abre a fábrica... porque, na
dentro do clube como fora dele. Por outro lado, es- fábrica, as funcionárias têm que bater o cartão,
sas avaliações geram tensão, estimulando antipatias elas têm que entrar na fábrica antes das 7h,
e, às vezes, conflitos. Vale a pena, por isso, explorar porque o relógio de ponto bate às 7h. Então, às
o conteúdo classificatório de que são compostas. 7h, todas já têm que estar sentadas na máqui-
Com base nas entrevistas e inúmeras conversas na. E eles têm um acordo entre eles de que o
entabuladas ao longo da pesquisa, foi possível regis- dono é sempre quem abre, então uma semana
trar, em especial, o caráter moral dos julgamentos é ele e outra é o irmão. Então, é assim, você
enunciados pelos sócios interrogados. Esses julga- trabalha que nem um camelo e ninguém é rico.
mentos se manifestam, com frequência particular, E, de repente, você vê gente assim... [...] você
na crítica aos indivíduos considerados “improduti- vê gente enriquecendo de um dia para o outro.
vos”, que obtêm vantagens e lucros advindos não “da
produção” nem do “trabalho digno”, mas “à custa As críticas mais virulentas formuladas por Eli-
das pessoas” e, no caso das famílias mais envolvidas za e por outros entrevistados se dirigiam aos sócios
com o hipismo, “à custa dos animais”. O “esforço” que se dedicam ao comércio de cavalos, comprando
e o “suor” são considerados como etapas necessárias animais novos e os vendendo, depois de treiná-los,
para se atingir o sucesso profissional e/ou financeiro para a prática de hipismo. A obtenção de lucro pela
FRONTEIRAS SOCIAIS E SIMBÓLICAS EM UM CLUBE DE ELITE  9

venda de animais, mesmo que sucedida por inves- de gerações, e todos os adultos entrevistados reafir-
timento em treinamento e cuidados prévios, é mo- mam isso com certo tom de orgulho, sublinhando
tivo de forte reprovação. Há toda espécie de sus- que “não chegaram onde chegaram de repente”,
peita acerca dessa atividade. Fala-se, por exemplo, “de uma hora para outra”. A importância atribuída
em animais sendo maltratados, em uso de remédios ao tempo, pensado como um depurador de caráter
para mascarar a condição do animal e obter, em ou como uma prova que permite medir o valor da
consequência, um valor superior ao considerado pessoa, faz com que a chegada recente e célere à
“correto”, entre outros comentários. posição dominante cause mal-estar entre os mais
Essas críticas dirigem-se, em especial, a tran- estabelecidos.
sações tipicamente entabuladas no setor informal O caráter difuso e pouco estruturado dessa per-
da economia. Embora tenha sido possível perceber, cepção certamente impede concluir que esses indiví-
nas conversas e entrevistas, certo fascínio pelo di- duos mobilizem uma ideologia meritocrática, no sen-
nheiro e evidente respeito pelo sucesso econômico, tido discutido por Lívia Barbosa (1996). No entanto,
isso coexiste, lado a lado, com a forte recusa ao lu- nossa pesquisa faz emergir essa associação entre valor
cro “direto”, “fácil”, que é pensado como advindo da pessoa e merecimento, numa conotação moral
de uma “origem baixa”, “infame”, chegando a ser bem marcada.
compreendido como um “roubo” cometido por Não obstante, trata-se de uma ideia atravessada
“pessoas ruins” e de “mau caráter”. também por contradições, como fica claro na apre-
Entre as mães, crianças e adolescentes dire- ciação que os entrevistados fazem do trabalho ne-
tamente envolvidos com a prática do hipismo, a cessário à criação dos filhos, principalmente quando
preocupação com a honestidade é amplamente di- se trata de julgar a qualidade das mães. Examina-
fundida. Alguns entrevistados criticam, por exem- mos, em particular, julgamentos expressos exclusi-
plo, certos instrutores que se utilizariam de meios, vamente por mulheres em situações de entrevista
segundo eles, nem sempre lícitos, para que seus ou conversa, em que procuravam explicar os valores
alunos obtenham melhores resultados nas provas. que haviam orientado suas escolhas profissionais ou
Mencionam profusos exemplos, embora sempre re- as relações que estabeleciam com os filhos. Nessas
latados de modo vago, de episódios em que instru- situações, ainda que o trabalho e, sempre associado
tores teriam dado dicas e orientações aos alunos du- a ele, o esforço continuem a ser os principais ele-
rante o percurso, prática proibida em regulamento, mentos estruturadores do julgamento sobre o valor
e indicaram que, em alguns casos, os pais das da pessoa, as outras mães são avaliadas pelas mu-
crianças envolvidas “não tomavam uma atitude” ou lheres interrogadas fundamentalmente em função
“faziam igual”. Esses instrutores e, eventualmente, do tempo que passam com os filhos e, em especial, dos
alguns pais, estariam “desvalorizando o treino” e o “sacrifícios” que devem fazer para garantir tal dispo-
“esforço pessoal” e, ainda, ensinando às crianças nibilidade de tempo. Especialmente valorizados
que “vale tudo” para vencer as provas. nesse grupo são os sacrifícios que se referem à re-
Assim, ainda que de maneira pouco elaborada, núncia à escolarização mais longa ou a carreiras
nota-se que circula, nesse meio, a ideia de que o promissoras para dedicar todo o tempo aos filhos.
merecimento deve funcionar como um princípio Compreendendo a criança como um projeto –
organizador da desigualdade. Tudo parece se passar maleável, pronta para ser desenvolvida desde que
como se, para esse grupo, a falta de investimento exposta às experiências e aos cuidados corretos (La-
e de algum sacrifício para se atingir determinadas reau, 2012; Vincent e Ball 2007; Williams 2006) –,
metas desqualificassem os resultados, mesmo quan- as mães que “não trabalham fora” se mobilizam
do bem-sucedidos. ativamente para valorizar a função de ser mãe em
Essa percepção estrutura, inclusive, a relação tempo integral, afirmando que estão “fazendo tudo
que os indivíduos estabelecem com seu passado. que podem” em relação à educação dos filhos, o que
As histórias das famílias são apresentadas, sem ex- significa, principalmente, transmitir “bons valores”
ceção, como histórias de ascensão social ao longo para que eles se tornem “pessoas de bem”.
10  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 33 N° 98

Fora do mercado de trabalho, altamente es- busco, tenho funcionária todos os dias na minha
colarizadas ou, mais raramente, tendo se casado casa, mas [sou] eu que cozinho, sabe, então...
jovens e abandonado ou adiado os planos de fina-
lizar um curso superior, essas mulheres dedicam- Pesquisadora: Então não é uma babá, é uma
se integralmente aos filhos. São elas que os levam empregada doméstica para limpar a casa?
para a escola e os buscam no final do período es-
colar, são elas que os acompanham nas inúmeras Mônica: É uma empregada doméstica. [Mas]
atividades extracurriculares a que se dedicam, no tudo o que está relacionado aos meus filhos
clube ou fora dele, rotina típica das crianças desse [sou] eu que cuido, e eu que acompanho e ad-
meio social não apenas no Brasil (Vincent e Ball, ministro e tal.
2007; Friedman, 2013). Como a escolha das ati-
vidades extracurriculares é vista como algo “indi- Nesse quadro, não é surpreendente constatar
vidual”, que decorre das “inclinações”, do “gosto” que o “trabalho da mãe” possa, de certa forma, ser
das crianças, não é raro que essas mulheres se ve- apreciado segundo os mesmos princípios aplicados
jam atravessando a cidade, várias vezes por dia, para ao trabalho do marido, e que a “boa mãe” é aquela
atender às pesadas agendas de cada filho ou filha, que mais se esforça e mais “se desgasta” para prover
que podem envolver aulas de futebol, balé, inglês, uma “boa estrutura”, que, portanto, “faz por mere-
artes marciais etc. Como, além disso, são elas que se cer” a boa educação e o sucesso futuro dos filhos.
ocupam de toda a gestão das atividades familiares – Como explica ainda Mônica:
que abrange definição de cardápios, idas a super-
mercado e padaria, preparação de lanches, organi- Eu tenho medo de droga, eu tenho medo...
zação de roupas e uniformes, compra de presentes Droga, você quer pior que isso? Mas, por ou-
para festas de aniversário, contratação e adminis- tro lado, quando eu falo que eu tenho medo,
tração de funcionários etc. –, veem-se obrigadas a é porque eu amo, porque são os meus filhos,
empreender uma intrincada organização do tempo, embaixo da minha asa. [...] Mas eu falo que
que, ao final, libera pouco ou nenhum espaço para eu tenho a minha consciência super tranqui-
suas agendas pessoais, mesmo fenômeno observa- la, porque eu anulei a minha vida. A vida da
do por Lisa Swanson (2009), no seu estudo sobre Mônica [se] modificou totalmente. Sabe, é
as chamadas soccer moms nos Estados Unidos. Ao aquilo...estou aqui. Mas vê se você vê mãe aí?
descrever suas rotinas, tem-se a impressão de que Não vê vendo aula, entende? É difícil, estou
essas mães estão, de fato, “a serviço” de suas filhas acompanhando, pego na escola... Na hora que
e filhos, como algumas chegam a afirmar, não raro eles entram [no carro, na saída da escola], eu
utilizando a expressão “mãetorista” para se autodes- falo “Oi, tudo bem?” Eu olho, eu já sei se está
crever. É o que explica Mônica, mãe de um menino tudo bem, se não está...o cheiro das crianças
de 12 anos e de uma menina de 10 anos: [mostra], entende? Então, eu tenho a minha
consciência super tranquila, super [enfatizan-
Mônica: E... eu não consigo falar tempo livre, do)]. Se der alguma... desculpa, se der alguma
meu tempo livre é muito curto, porque eu es- merda, eu fiz tudo que eu podia, com todo
tou sempre com os meus filhos, por exemplo, o amor, sabe, então já não é minha culpa, eu
eu estou com tempo livre aqui agora no Eques- acho. Entendeu... então, é por isso que eu falo,
tre, mas não está livre, porque talvez se ele fosse tenho, sim, a minha consciência tranquila.
tempo livre, eu não estaria... eu não estaria aqui
no Equestre... [...] Então é difícil, meu tempo li- É preciso destacar, no entanto, que a aprecia-
vre é curto. Então é aquilo, é tão legal, que você ção do esforço e do sacrifício, que emerge das en-
fala: “Ah, eu não trabalho”, né? Só que... trevistas com as mães em tempo integral, é bastante
você acorda... [sou] eu que levo [para a escola] – seletiva e não se aplica, por exemplo, ao caso das
eles não vão de transporte escolar –, eu levo, eu mães que têm alguma ocupação no mercado de
FRONTEIRAS SOCIAIS E SIMBÓLICAS EM UM CLUBE DE ELITE  11

trabalho. “Filhos de mães que trabalham” é a ex- ganiza em dois eixos. Por um lado, os funcionários
pressão utilizada pelos entrevistados para identificar são “iguais” e, como tal, “dignos de respeito”. Por
as crianças e adolescentes que circulam pelo clube outro lado, são comumente vistos como “uns coita-
sozinhos ou acompanhados por babás ou motoris- dos”. Em conjunto, essa dicotomia acaba por criar
tas da família. Trata-se, para essas mães em tempo certa ambivalência, que não deixa de ser percebida
integral, de crianças e adolescentes “abandonados” por todos os envolvidos.
no clube. Entendem que as mães atuantes no mer- O direito ao tratamento igualitário e ao res-
cado de trabalho “terceirizam” os cuidados com os peito é, claro, reivindicado pelos próprios funcio-
filhos ao deixá-los sob a responsabilidade de babás, nários, como no caso de Isaías. De origem pobre,
empregadas domésticas e motoristas. São mães que, Isaías chegou aos esportes hípicos por meio de um
dizem as fofocas, não se aplicam suficientemente projeto social.5 Começou no salto e hoje integra a
no trabalho visto como necessário para a educação equipe brasileira de uma das modalidades hípicas.
das crianças. Como consequência, seus filhos que Quando não está treinando, Isaías ganha a vida
circulam pelo clube são, em geral, notados como como instrutor de equitação na escolinha do clube
dignos de pena, objeto de preocupação e, não raro, e em outras hípicas da região. Ele explica que, “por
de censura e reprovação. ser um esporte de elite”, sempre se dedicou muito,
Verifica-se, então, quer seja no mundo do hi- “porque ou eu era bom ou eu não tinha o que tá
pismo, no mundo dos negócios ou no que se acre- fazendo no meio do esporte”. Na entrevista, Isaías
dita ser o mundo da maternidade, que é percebido também explica que havia sido ensinado, pela fa-
como sucesso apenas aquilo que pode ser atribuído mília e pela vida, a não se sentir melhor nem pior
à dedicação e ao esforço do indivíduo. No entanto, do que ninguém. Tudo isso, no entanto, não é sufi-
a valorização dessa dedicação e esforço enunciada ciente para evitar o peso da hierarquia que organiza
pelas sócias e sócios entrevistados é, ela própria, as relações sociais no clube.
articulada a distinções e separações entre o que se
considera esforço e dedicação legítimos e o que não Eu me sinto [quando monta]... até hoje eu
pode ser tratado como tal. E o valor das pessoas tenho uma sensação muito boa, porque, as-
é estimado em decorrência desses julgamentos. Se- sim... em momento nenhum eu tiro da ca-
gue-se, daí, que essa visão de mundo supõe que as beça de onde eu sou... não, de onde eu vim,
diferenças entre as pessoas sejam atribuídas funda- porque até hoje eu ainda sou dessa realidade,
mentalmente à sua capacidade de investir no traba- da classe baixa... hoje eu tenho uma vida de
lho, mas desde que esse seja um trabalho conside- classe média, graças ao hipismo. Se fosse por
rado legítimo. outros caminhos, eu não teria. Mas... quando
O caráter regressivo, isto é, as consequências eu subo no cavalo, eu me sinto igual, quan-
políticas do apego demonstrado por tais grupos a do eu desço do cavalo, eu não me sinto igual
esse modo de organizar o mundo e de classificar as a um aluno meu, não me sinto igual a um
pessoas tornam-se visíveis apenas quando se nota pai de aluno meu. Quando eu estou em cima
que é utilizado, sem maiores dilemas, para estrutu- do cavalo, eu me sinto igual [frisando] ou até
rar a percepção dos sócios em relação aos trabalha- melhor, porque lá em cima eu sou melhor que
dores não sócios com quem convivem no interior alguns, então isso me dá o ego de ser... pelo
do clube e no espaço doméstico, o que veremos na menos lá em cima eu sou melhor que eles.
próxima seção.
Do ponto de vista dos sócios, o direito ao
respeito é entendido, principalmente, como di-
Esforço, merecimento e privilégios de classe reito a um tratamento polido, que inclui atenção
ao bem-estar da pessoa. Assim, todo tratamento
Aplicada aos funcionários do clube e àqueles descortês e toda manifestação de “falta de consi-
que servem às famílias, essa visão de mundo se or- deração” se torna muito rapidamente assunto da
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fofoca diária e é objeto de intenso escrutínio e re- Pesquisadora: O tratador dorme lá?
provação por parte de todos – mães, pais, crianças
ou adolescentes. Maria: Dorme, nas provas. Então é alugado
Como explica Maria (pouco mais de 40 anos, um... [chama] quartinho de cela... É uma co-
mãe de duas meninas, de 14 e 8 anos), “como [em] cheira a mais onde colocam as coisas, o material
todo lugar, aqui também tem [quem], porque e o tratador. Quando chega a prova, [às vezes]
monta cavalo, porque faz um esporte caro, acha chove que é uma desgraça, então a preocupação
que pode pisar [nos outros]”. que ele [o marido] tem é de não deixar faltar,
E Mônica vai mais longe quando afirma que “Tá tudo bem, você precisa de alguma coisa?”,
“Não, tá tudo bem”, “Não, não é o cavalo, é
[...] aqui no Equestre é muito desrespeito. [...] você! Você tá precisando de alguma coisa, como
E aqui não tem “bom dia”, “boa tarde” para é que tá o seu colchão, você tem cobertor, você
funcionário e tal. Então, é isso que eu falo, vem trouxe blusa, você trouxe remédio?”. Então é
daí. Eu acho que o problema começa aí, sabe, uma preocupação que a gente tem. [...] É difícil,
é o que eu sempre falo para as crianças: tem é difícil... Tem pais que têm essa preocupação,
que ter respeito pelas pessoas, não é porque mas outros não. Outros acham que um presente
o que ela é, entende? Aqui no hipismo, por no final de ano, uma cesta de Natal, apaga tudo,
exemplo, como é que você quer que um tra- a malcriação, a falta de educação...
tador seja feliz cuidando de um cavalo de 100
mil reais se ele pega uma marmitex, senta ali Mesmo os adolescentes demonstram prestar
no meio daquelas cocheiras, do lado do cavalo, atenção a esse tipo de atitude e a rejeitam, recla-
e come ali? Ele fica cuidando do seu cavalo e mando, geralmente em tom escandalizado, de
você chega e nem fala “bom dia” pra ele. En- crianças que, segundo eles, maltratam babás, ins-
tende o desrespeito de onde vem? [...] Caixas trutores, tratadores: “ficam xingando”, “dizem ‘você
de maçã argentina para os cavalos... Ótimo, não manda em mim!’”, mesmo quando “são pirra-
se você tem um cavalo, você tem que cuidar lhinhos bem pequenininhos”.
mesmo e tal, mas aí o cara chega na casa dele
e não tem arroz e feijão, entende? Então é um Bárbara, 14 anos: Um exemplo: o chicote caiu.
contraste, né? Então, aqui no Equestre, por Ao invés dele chegar pro instrutor e falar as-
exemplo, eu vejo muito [isso]. sim: “olha, por favor, dá pra você pegar o meu
chicote que caiu ali”, ele chega [e diz]: “ô, pega
Quando se trata de episódios envolvendo o meu chicote que caiu ali, por favor!” [com
crianças ou adolescentes, as críticas são dirigidas aos voz rude]. Não, nem fala “por favor”. Só que
pais, particularmente às mães. Crianças e adoles- é, sabe, é muito feio. Você, tipo, você [é] quem
centes que destratam funcionários são vistos como tem que respeitar ele. Tem gente que responde
resultado de uma criação que os faria acreditar que para o professor, tem gente que acha legal, eu
“podem tudo”. Como explica Eliza, “tem criança acho ridículo, porque ele tem é que te ensinar,
que tem três anos e fala assim: [imitando uma voz não [está ali para] você montar nele.
infantil] ‘se você fizer isso, eu te demito!’”.
Além do tratamento cortês, espera-se certo cui- A reprovação ao “desrespeito” é, no entanto,
dado com as condições de trabalho, como explica acompanhada por sentimentos de “dó” e “pieda-
Maria. de”, que denunciam a relação personalista que os
patrões estabelecem com os empregados, na qual se
[Nos campeonatos], o tratador dorme na mes- considera apenas o indivíduo e suas circunstâncias,
ma cocheira, quer dizer, numa cocheira igual à ignorando as condições sociais que produzem tais
do cavalo. circunstâncias. Assim, os funcionários do clube ou
das famílias, embora considerados como “iguais” a
FRONTEIRAS SOCIAIS E SIMBÓLICAS EM UM CLUBE DE ELITE  13

priori e, por isso, “dignos de respeito”, são também diz] e joga fora... Então, eu acho que tem essa
“pessoas “simples”, “uns coitados”. coisa da educação. Então eu acho isso, acho
Em certa ocasião, comentando o comportamen- que o Brasil é um povo muito mal educado,
to de um dos cuidadores, que mais ao longe se mo- não tem educação.
vimentava de um lado para outro, preparando uma
longa fila de cavalos para as aulas, Talita, 16 anos, ex- Nessa visão de mundo, as pessoas são conside-
plicou que toda aquela movimentação não significa- radas responsáveis por suas próprias circunstâncias,
va que ele tinha muita coisa para fazer, mas decorria como relata Eliza, num trecho de entrevista parti-
do fato de ele ser “muito pequeno”, numa referência cularmente revelador.
à baixa estatura do funcionário, e “meio retardado”,
pois “não sabe ler nem escrever”. Sem condições de E... uma das coisas que eu penso... eu já fiz tra-
decifrar a lista que definia os cavalos a serem encilha- balho voluntário... não vou falar onde foi. Eu...
dos naquele dia e a ordem em que seriam montados, eu... não tenho muita, também, ilusão com
esse funcionário, explicou ela com uma expressão le- pobre. Porque eu acho que as pessoas também
vemente divertida, “aumenta o seu serviço vinte vezes são muito responsáveis pelas opções que elas...
mais [reforçando] do que seria necessário”. hummm... tomam, as opções que elas acabam
Aliás, importa assinalar que a própria visão de escolhendo. Então, eu sofri muito quando eu
maternidade dedicada, que desvaloriza as “mães fiz esse trabalho voluntário, que era só com
que trabalham fora”, desvaloriza também, tacita- meninas, meninas... assim... que já foram vio-
mente, o trabalho das babás, das empregadas do- lentadas, sabe? Meninas que eram...
mésticas e dos motoristas envolvidos no cuidado
com as crianças. Pesquisadora: Estupradas?

Eliza: E eu, por exemplo, nunca tive babás, sem- Eliza: É, é, de verdade mesmo, pelo padrasto. E
pre fui eu que... [Houve uma moça que ficava que, por exemplo, estavam lá, e que...no lugar
meio período] Então, junto comigo... ela me onde elas estavam... [os funcionários] sabiam
ajudava muito com o [nome do filho], quando dos maus tratos, tudo. E tinha denúncia. Daí
ele era pequeno. O trabalho da criança quan- a assistente social vai, retira a menina, põe no
do tá andando, de sair andando, correndo, não abrigo, ah... esse tipo de coisa. Mas também
sei o que... e de ficar dando atenção... nisso ela tem muita gente ruim. Tem muita criança,
ajudou muito, brincava com ele e tal. Mas na sabe, é de índole [enfatizando]. Como tem
hora do banho, sempre fui eu que dei, na hora rico ruim, tem pobre ruim, entendeu? Então...
de dar comida, sempre fui eu que dei. assim... eu falava: “Ah, se eu ganhasse muito
dinheiro, ia pegar, ia dar pra uma instituição”.
Essa desvalorização está, pelo menos em parte, Eu acho que... [hoje]... não é o caminho. Eu
relacionada com a visão de que se trata aí de pes- acho que até eu ia ajudar, mas não dando di-
soas “de pouca educação”, sem plenas condições de nheiro, entendeu? E também acho que as pes-
transmitir os valores que essas famílias consideram soas têm as suas responsabilidades, sim. Eu
ser os mais importantes. Como explica Roberta (43 vejo pela [empregada], minha funcionária...
anos, formada em educação física, mãe de um jo- por exemplo, a filha dela. A filha dela tem 26
vem de 17 anos e de uma menina de 10 anos): anos e ela se formou, ela é enfermeira...

Você vê a moça que trabalha na minha casa... Pesquisadora: Ah, ela conseguiu, então?
O filho dela... que é uma pessoa... que é em-
pregada doméstica, o filho dela leva... assim... Eliza: Conseguiu, é. Lógico que teve muita aju-
bolinho Pullman, coisas... assim... que são da da gente, né, que a gente tinha uma estrutura
caras, entendeu? “Não quero a metade!”, [ele boa para ela estar podendo estudar. Só estudou.
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Ela só foi trabalhar depois que se formou. En- Não se pode perder de vista, portanto, que as
tão, assim, é uma oportunidade... Por exemplo, demonstrações de “compaixão” são direcionadas
na família dela, ela é a única diplomada. Então aos empregados considerados “dignos” desse sen-
você imagina isso, sabe? Eles nem têm noção do timento, isto é, os funcionários mais pobres que
valor de um diploma, viu? Não têm, muita gen- incorporam um conjunto de valores morais geral-
te não tem: o avô não tem, entendeu? A mãe, mente associados, pelos grupos dominantes, aos
sim. A mãe, a [nome da empregada] fica muito grupos dominados. Como argumenta Candace
feliz por isso. Então, eu acho assim... Mas ela Clark (1997, p. 228),
teve as escolhas dela, entendeu? Porque ela po-
dia muito bem não querer. Então, acho assim [...] mesmo quando aqueles que se compade-
que... é lógico, não pegar uma criança que nas- cem não têm a intenção consciente de fazê-lo,
ceu e que é abandonada, jogada na rua... essa, compadecer-se pode ter consequências micro-
coitada, realmente não tem nem como você fa- políticas. Ironicamente, permutar compaixão
lar: “Ah, mas as opções que ela teve”... Pô, não pode, na economia socioemocional, aproximar
teve opção nenhuma aí... Mas, assim, porque a as pessoas e ao mesmo tempo aprofundar o
gente fica pensando num mundo melhor, né, abismo social entre elas.
viver num mundo melhor, e até que ponto você
também é responsável por isso. Em contrapartida, quando esses grupos não se
comportam da maneira esperada pelos grupos domi-
Como esses exemplos permitem perceber, a nantes, entrevemos variadas reações de “desprezo”,
visão que leva à crença de que cada um é responsá- “esse complexo emocional que articula e mantém a
vel por suas próprias circunstâncias faz com que as hierarquia, o status, a classificação e a respeitabilida-
práticas e os valores esposados por aqueles que são de”, como afirma William Ian Miller (1997, p. 217),
considerados “mais simples” possam ser tomados sublinhando o caráter recorrente dessa situação, na
como indicadores do (menor) valor da pessoa. qual “o desprezo ajuda a criar e manter as estruturas
Além disso, embora o grupo valorize o sucesso que geram a capacidade do desprezo”, contribuindo
advindo do trabalho duro e do esforço pessoal, as para “acreditar que o estilo específico de desprezo es-
fofocas mostram que nem todo trabalho é valori- tará intimamente ligado aos arranjos sociais e políti-
zado. Da mesma forma como as mães que ocupam cos particulares nos quais ele se dá”.
posições no mercado de trabalho não merecem Ambas as emoções, compaixão e desprezo, ser-
respeito por seu esforço, os empregados, mesmo vem, portanto, para definir fronteiras entre os gru-
quando exercem trabalhos estafantes ou se esforçam pos sociais; no caso das famílias aqui estudadas, im-
exaustivamente para desempenhar bem o seu papel, plica um esforço para demarcar sua superioridade.
não são vistos como necessariamente merecedores Embora os associados reconheçam que ocu-
de deferência, o que só acontece quando investem pam uma posição privilegiada na estrutura social
no trabalho percebido como mais legítimo. brasileira, é importante identificar que é, nas suas
Vistas como favores, as frestas abertas aos que interações cotidianas com pares e subalternos, que
detêm menores recursos, as chamadas “ajudas”, são afirmam essa condição. Decorre daí a relevância de
consideradas, pela maioria dos associados, como se compreender o repertório avaliativo que mobili-
oportunidades suficientes para mudança de condi- zam nesse processo.
ção social, sem que se leve em conta as inúmeras
outras barreiras que devem ser enfrentadas. Caso
o sucesso não se concretize, apesar das “ajudas”, os Considerações finais
agraciados tendem a ser responsabilizados indivi-
dualmente pela própria situação, reforçando a ideia Muito esforço de pesquisa tem sido dispendido
de que se é pobre porque não se soube aproveitar as para descrever e medir a desigualdade social bra-
chances “dadas de presente”. sileira. Neste artigo, procuramos avançar em uma
FRONTEIRAS SOCIAIS E SIMBÓLICAS EM UM CLUBE DE ELITE  15

proposta analítica assentada sobre o exame das es- preender suas circunstâncias para além da morali-
truturas cognitivas, valores internalizados e repertó- dade, veem a condição dos funcionários como tri-
rios de ação mobilizados por membros dos grupos butária de falhas pessoais, típicas de seres inferiores,
dominantes nas suas interações cotidianas, para incompletos, a quem se destina alternadamente
capturar dinâmicas culturais que podem contribuir compaixão e desprezo.
para explicar sua persistência no tempo. Tudo se passa, assim, como se essas famílias, que
O recenseamento das percepções de indivíduos já se encontram em posições privilegiadas há algumas
desses grupos sobre o lugar que ocupam no mun- gerações ou que enriqueceram mais recentemente,
do e sobre aquilo que os mantém nesse lugar revela compartilhassem um conjunto de valores e uma visão
os contornos da narrativa que mobilizam para ex- de mundo que as protege de reconhecer sua presente
plicar o monopólio ou a parte vantajosa que de- situação como efeito de um mecanismo de distribui-
têm sobre recursos disputados socialmente. Como ção de riquezas socialmente engendrado. As crianças e
procuramos mostrar, a situação desses grupos e, adolescentes, por sua vez, são envolvidos por essa ló-
em particular, os benefícios a que têm acesso são gica e parecem estar assimilando as visões de mundo
percebidos, por seus membros, como resultado dos que sustentam agregação e desagregação entre os gru-
investimentos que fizeram, do sacrifício e dedicação pos, que se materializam em valores, escolha de profis-
que puderam e podem demonstrar em função de sões, projetos de futuro, modos de agir segundo a in-
suas qualidades individuais particulares. A dimen- teriorização dos “limites”, do que seria ou não possível
são temporal desse esforço, persistentemente subli- para cada indivíduo. Essa crença em sua própria supe-
nhada no discurso dos entrevistados, é apenas mais rioridade, que lhes permite justificar sua posição privi-
uma dimensão na qual ideias sobre o investimento legiada por suas capacidades e competências pessoais,
pessoal e os sacrifícios realizados são mobilizadas concebidas como especiais, concretiza-se em alianças,
como explicação legítima para a posição que ocu- negociações, disputas pelos valores considerados mais
pam no mundo. legítimos e pode impedir o acesso de membros dos
Observamos, em nosso estudo, que a percepção outros grupos aos recursos de poder, sejam materiais
do seu próprio merecimento orienta a visão que os ou simbólicos (Elias e Scotson, 2000), contribuindo
indivíduos ouvidos na pesquisa têm sobre quem eles para a legitimação das desigualdades.
são, e apoia a construção de distinções com relação Constrói-se, assim, a invisibilidade dos condi-
tanto a membros de outros grupos sociais como a cionantes sociais dos próprios investimentos fami-
membros do seu próprio grupo. O merecimento é liares, isto é, do esforço e da dedicação, porque não
percebido como resultado de um esforço individual, se reconhece o que o rendimento de tal esforço e
que emana de disposições inatas ou, quando associa- dedicação deve aos recursos especiais a que esses in-
do a investimentos de pais e mães, emana das quali- divíduos tiveram acesso simplesmente por nascerem
dades inatas destes. A posição privilegiada não pode, em famílias escolarizadas e estáveis economicamen-
nessa lógica, ser atribuída a configurações coletivas te. Desconhece-se, em particular, o que sua con-
ou a privilégios de classe de nenhum tipo, tampouco dição presente deve ao usufruto das benesses que
se vincula a conhecimentos específicos ou a compe- as políticas públicas e o arcabouço jurídico nacio-
tências particulares. Para os indivíduos ouvidos na nais têm garantido aos grupos mais privilegiados –
pesquisa, o valor da pessoa parece derivar exclusiva- como, entre outros, a baixa penalização da trans-
mente de suas qualidades morais. missão por herança de bens econômicos para as
Não é surpresa, portanto, que adultos e ado- próximas gerações e o acesso a setores do sistema de
lescentes percebam os funcionários do clube e suas ensino em condições de prepará-los para as longas
famílias de forma ambivalente: por um lado, são trajetórias escolares, que, levando a cursos superio-
considerados pessoas iguais a todos e, por isso, res valorizados em universidades prestigiosas, dão
merecedoras de um tratamento cortês e civil; por acesso a credenciais e redes de interconhecimento
outro, no entanto, são dignos de pena. Já que não que os colocam em posição vantajosa na disputa
dispõem de outra chave interpretativa para com- por postos cobiçados no mercado de trabalho.
16  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 33 N° 98

Como resultado, a crença no merecimento in- reforço aos princípios de socialização prezados pelas
dividual derivado do esforço sustenta a percepção de famílias, somando-se à segregação urbana e escolar.
que aqueles que não desfrutam de condições objetivas Notando a maneira como a desigualdade social
similares poderiam estar na mesma posição, caso se contribui para modular a compreensão do “eu” e
esforçassem mais ou se dedicassem mais. Quando do “outro”, nosso estudo mostra a importância de
se fala na “falta de opções” dos pobres, percebe-se se atentar para o trabalho de construção de sentido
que se referem apenas às situações mais extremas, que sobre o valor das pessoas (Lamont, 2000a) quan-
consideram raras ou pouco frequentes, já que, a per- do se pretende apreender as dinâmicas sociais que
cepção geral é que todos têm, pelo menos, algumas organizam debates sobre políticas, em particular
opções. Estão criadas, assim, as condições necessá- aquelas que, almejando a expansão de direitos para
rias para que o outro seja percebido como o único toda a população, supõem o alargamento da defini-
responsável por sua situação de vida, podendo des- ção do grupo que chamamos de “nós”.
pertar apenas dó e piedade, já que a assimetria das
posições está plenamente justificada.
São, portanto, individuais as soluções que os en- Notas
trevistados formulam para combater as injustiças e
as desigualdades. Acreditam que, se todos “fizessem 1 Uma exceção é a análise proposta por Graziella M.
a sua parte” individualmente, isto é, se agis- Silva e Matias López (2015), que explora observações
sem com “ética” e “honestidade”, “não roubassem”, e julgamentos sobre “o povo” ou “os pobres” surgidas
“votassem em bons políticos”, criassem seus filhos em entrevistas com grupos pertencentes às elites.
com uma “boa estrutura”, o país já poderia “estar 2 Ver Andreas Wimmer (2008), que faz revisão dos usos
melhor” ou “tudo seria diferente”. Parecem, assim, da noção de fronteira na formulação pioneira de Barth
(1969).
atribuir os problemas brasileiros a desvios de cará-
ter dos indivíduos, tanto dos eleitores como daque- 3 A parte mais intensa da pesquisa ocorreu do segundo
semestre de 2010 até o final de 2011. Consistiu em
les que ocupam posições de poder político.
visitas ao clube, em geral três vezes por semana, com
A observação das interações no espaço contro-
duração de três a quatro horas, rotina interrompida
lado e hierarquizado do clube privado nos permitiu nos meses de dezembro e janeiro. Nessas visitas, a
registrar como essa forma de conceber o outro re- maior parte do tempo era despendida na observação
sulta em um padrão de relações marcado pela con- das aulas de hipismo e na interação com mães, pais,
descendência, mesmo quando esta é permeada pela crianças e adolescentes que por ali circulavam. Foram
civilidade, que assume ali a denominação de “res- também, observados campeonatos ocorridos em finais
peito”. Percebidos como diferentes, porque não exi- de semana nas dependências do clube. O número de
bem os marcadores do merecimento individual que crianças e jovens praticantes de hipismo variou duran-
tanto prezam os mais privilegiados, funcionários te o período, ficando em torno de 78. Desses, apenas
sete não eram sócios. Além disso, foram realizadas 29
do clube a quem são atribuídas as tarefas manuais,
entrevistas formais com mães, um pai, instrutores e
como também babás, empregadas domésticas e
instrutoras, babás e motoristas particulares. Nomes
motoristas particulares podem ser apenas objeto de próprios foram modificados, conforme acertado com
piedade e caridade, raramente sujeitos de direitos. os entrevistados e com os membros da administração
A utilização intensa do clube como espaço de do clube que autorizaram a realização da pesquisa.
sociabilidade das crianças e adolescentes é um dos 4 Trata-se de um padrão evidente em diferentes regiões
dispositivos de controle das companhias impostos a do país. A esse respeito, ver Cattani e Kieling (2007),
eles, que acaba por limitar suas relações, restringindo entre outros.
o convívio com os diferentes, isto é, com indivíduos 5 Isaías repete, aqui, uma trajetória registrada por Adel-
de outros grupos sociais, sendo possível apenas em man e Costa (2017) em seu estudo sobre a cultura dos
situações em que esses indivíduos se encontram sub- “empregados de estábulo”, que oferece ampla visão
metidos a relações de subordinação. O clube, como sobre o mundo das práticas equestres em meios mais
continuação da casa, oferece, assim, o seu próprio elitizados e entre os grupos populares.
FRONTEIRAS SOCIAIS E SIMBÓLICAS EM UM CLUBE DE ELITE  17

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FRONTEIRAS SOCIAIS E SOCIAL AND SYMBOLIC FRONTIÈRES SOCIALES ET


SIMBÓLICAS EM UM CLUBE DE BOUNDARIES IN AN ELITE SYMBOLIQUES DANS UN CLUB
ELITE SOCIAL CLUB RÉSERVÉ À L’ÉLITE

Ana Maria Fonseca de Almeida e Karen Ana Maria Fonseca de Almeida e Karen Ana Maria Fonseca de Almeida et Karen
Teresa Marcolino Polaz Teresa Marcolino Polaz Teresa Marcolino Polaz

Palavras-chave: Desigualdades sociais; Keywords: Social inequalities; Social Mots-clés: inégalités sociales; frontières
Fronteiras sociais; Fronteiras simbólicas; boundaries; Symbolic boundaries; Elites; sociales; frontières symboliques; élites;
Elites; Brasil. Brazil. Brésil.

Como os membros dos grupos privilegia- How do members of the privileged Comment les membres des groupes pri-
dos percebem a si mesmos? Que grupos groups perceive themselves? Which vilégiés se perçoivent-ils ? Quels groupes
consideram como “os outros” e em função groups do they consider as “the others”? considèrent-ils comme « les autres » et en
de que aspectos, características e dimen- Which aspects, characteristics, and di- fonction de quels aspects, caractéristiques
sões? Que percepções sobre si – e sobre o mensions of these groups do they mobi- et dimensions ? Quelles perceptions sur
que os diferencia dos outros – transmitem lize in order to make these distinctions? eux-mêmes – et sur ce qui les différencie
aos seus filhos? Apoiando-se em entrevis- Which perceptions about themselves and des autres – transmettent-ils à leurs en-
tas e observações realizadas em um clube about what distinguishes them from oth- fants ? À partir d’entretiens et d’observa-
privado, socialmente seletivo, localizado ers do they transmit to their children? tions menées pendant dix-huit mois dans
em uma cidade do interior paulista, ao Drawing data from an ethnography of an un club privé, socialement sélectif, situé
longo de dezoito meses, este artigo (i) elite social club located in a city in the dans une ville de l’état de São Paulo, cet
descreve o constante e árduo trabalho de state of São Paulo, the article (i) describes article se propose de : (i) décrire le tra-
construção de fronteiras sociais e simbóli- the social and symbolic boundary work vail constant et ardu de construction de
cas em que se engajam os indivíduos para in which members of certain fractions of frontières sociales et symboliques des in-
definir e negociar diferenças com relação the upper classes engage in order to de- dividus pour définir et négocier des diffé-
tanto a membros de outras frações dos fine and negotiate differences from other rences par rapport à des membres d’autres
grupos privilegiados, quanto a membros fractions and from members of other so- groupes de même classe sociale et à des
de grupos menos privilegiados; (ii) iden- cial groups; (ii) identifies elements of the membres de groupes moins privilégiés ;
tifica elementos do sistema de crenças que belief system that gives meaning to this (ii) identifier des éléments du système de
dá sentido a esse trabalho de construção work, showing the centrality of the moral croyances qui donne un sens à ce travail
de fronteiras, apontando, em especial, a boundaries, and (iii) documents processes de construction de frontières, avec l’ac-
centralidade das fronteiras morais; e (iii) by which children and adolescents inte- cent sur les frontières morales ; et (iii)
documenta processos pelos quais crian- grate with it. By revealing how beliefs are souligner les processus d’intégration des
ças e adolescentes se integram a ele. Ao mobilized in everyday interactions and enfants et des adolescents. En montrant
revelar o modo como tais crenças são transmitted to the new generations, the comment ces croyances sont mobilisées
mobilizadas nas interações cotidianas article offers a contribution to the studies dans les interactions quotidiennes et
e transmitidas para as novas gerações, o on Brazilian social inequality, acknowl- transmises aux nouvelles générations, ce
artigo oferece uma contribuição particu- edging the reinforcement that individuals travail contribue aux études sur l’inégalité
lar para os estudos sobre a desigualdade give to the social hierarchies inscribed in sociale brésilienne. Il identifie le renfor-
social brasileira, identificando o reforço institutions. cement par les individus des hiérarchies
dado pelos indivíduos às hierarquias so- sociales inscrites dans les institutions.
ciais inscritas nas instituições.

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