CÓDIGO DE

CULTURA:
o verdadeiro
ouro da indústria 4.0

QUER
EMPREENDER
JÁ?
Veja os cinco tipos de
empreendedor 10%

Os novos
free-lancers
Estudo BCG mostra que a economia gig também traz
boas oportunidades, se… houver consciência
 Editorial
Sobre empreender
e estrategizar
V
ocê tem algo a oferecer ao mundo, na
forma de habilidades, conhecimento,
relacionamentos e sabedoria? Posso
apostar que sim. Patrick McGinnis,
autor do artigo sobre empreendedo-
rismo em tempo parcial, que você confere nesta
revista, está ciente disso. Não à toa, ele propõe
que os gestores paguem sua entrada no mundo
empreendedor com a moeda de que dispõem – tal-
vez não seja nem tempo nem dinheiro, e sim esses
itens listados acima. Se você dedicar 10% dos seus
esforços a um empreendimento em paralelo a sua
carreira, tende a colher recompensas incríveis –
além de distribuir seu risco pulverizando as fontes
de receita, haverá muito aprendizado envolvido e
uma exposição maior a oportunidades não imagi-
nadas, fora os potenciais momentos de diversão.
É com McGinnis que esta revista HSM eXtra
continua a conversa iniciada na edição 132, na pes-
quisa sobre a sociedade empreendedora 4.0. Você
leu? Foi um estudo de Alexander Homenko Neto e
Rodolfo Ribeiro, da Escola de Negócios Fatec-Se-
brae, que mapeou os empreendedores individuais
do Brasil e a economia gig em nosso País. Agora, o
EXPEDIENTE
HSM - THE POWER OF KNOWLEDGE
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Colaboradores desta edição: Lizandra Magon de Almeida, Fernando Leal,
Revisão: Pólen Editorial
Guilherme Soárez,
CEO da HSM -
The power of knowlege
artigo de McGinnis mostra soluções práticas para
se antecipar à tendência da economia gig de ma-
neira inteligente e, ao mesmo tempo, cautelosa. E
nossa capa traz o estudo sobre os novos free-lan-
cers, feito pela consultoria BCG, que desmistifi-
ca várias das “verdades absolutas” que circulam
sobre esse tema. Minha sugestão é que você leia
esse tripé de conteúdo (Fatec-Sebrae, McGinnis e
BCG) com muita atenção, porque pode lhe render
muitos insights para o presente e o futuro.
Recomendo também o texto sobre as grandes men-
tiras da estratégia, em que Roger Martin, o guru nú-
mero um do ranking Thinkers50, assinala a interpreta-
ção equivocada do que disse Henry Mintzberg sobre
estratégia emergente. Tem muita gente por aí achan-
do-se dispensada de desenvolver uma estratégia, livre
de fazer escolhas. Nada mais absurdo. Martin coloca
esses e outros pingos nos Is, e Julian Birkinshaw, pro-
fessor da London Business School, que é frequentador
assíduo do Thinkers50, complementa Martin ao suge-
rir o uso criterioso das ferramentas disponíveis como
as cinco forças do Michael Porter. (Sim,elas mesmo!)
Não esqueça: estratégia, empreendedorismo e a
sua carreira andam de mão dadas.
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HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 2
Nesta
edição
janeiro-fevereiro 2019

11 O novo código da
cultura é a nova
corrida do ouro

18
Na quarta
revolução Melhore sua forma
industrial, a de pensar
mudança mais Use as “think keys”
importante é a de Gerald Zaltman
cultura – que para exercitar
pode ser iniciada seu pensamento
em oito passos. crítico; ele lhe será
cada vez mais útil.

04 Os free-lancers
da economia gig
Segundo
estudo BCG, a
16 Teste: qual é a
cultura da sua
empresa?
Diagnostique
20 As grandes mentiras
da estratégia
– e a verdade
flexibilização qual dos oito verdadeira
das leis tipos mais Roger Martin, o
trabalhistas traz comuns nº 1 do ranking
oportunidades de cultura Thinkers50, inclui
tanto quanto organizacional a visão corrente
riscos. prevalece em de “estratégia
sua empresa. emergente” entre
essas mentiras.

08 Seja um
empreendedor em
tempo parcial
Veja as cinco
temas específicos por cores

LIDERANÇA E PESSOAS
maneiras de manter EMPREENDEDORISMO
seu emprego
CULTURA E PROPÓSITO
e empreender,
apresentadas por ESTRATÉGIA E EXECUÇÃO
Patrick J. McGinnis.

HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 3

 LIDERANÇA E PESSOAS

Os free-lancers da economia gig

Você está preocupado com a precarização trazida pela flexibilização das leis trabalhistas? Como
mostra um estudo BCG, que focou o Brasil e mais três países, há grandes riscos envolvidos
nesse movimento, mas também oportunidades – para trabalhadores e empresas | POR JUDITH
WALLENSTEIN, ALICE DE CHALENDAR, MARTIN REEVES E ALLISON BAILEY

A economia gig costuma ser percebida como uma ameaça
crescente à estabilidade do emprego e aos direitos trabalhis-
tas, gerando vagas de baixa qualificação e remuneração, que
oferecem aos profissionais pouco do apelo ou dignidade de um
minam a infraestrutura de trabalho e segurança social estabele-
cida em economias maduras um século atrás.
Para entender em que medida esse temores estão calcados na
realidade, o BCG Henderson Institute, como parte de seu pro-
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

empregador tradicional. Discussões sobre políticas públicas e jeto “Future of Work”, conduziu uma pesquisa global de larga
artigos na mídia com frequência retratam plataformas digitais escala com trabalhadores com o apoio da Research Now SSI, e
de compartilhamento profissional – como Uber, TaskRabbit pesquisas adicionais.
e Upwork – como fontes de exploração, real ou potencial, que Nossa amostra intencionalmente incluiu uma porção signifi-

HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 4

 LIDERANÇA E PESSOAS
cativa de trabalhadores com níveis salariais e educacionais abai-
xo da média de seus países. Incluímos esses respondentes para
refletir as visões, necessidades e circunstâncias empregatícias
dos trabalhadores potencialmente mais vulneráveis à disrup-
ção, e para evitar o risco de descobertas artificialmente edul-
coradas.
Nossa amostra também incluiu trabalhadores na onda em
alta do que chamamos de novos free-lancers – ou seja, aqueles
que encontram trabalho temporário por meio de plataformas
digitais de compartilhamento do trabalho. Esse grupo, produto
de nossa era de disrupção digital, com frequência é percebido
como a vanguarda sem direitos da economia gig.
Os resultados da pesquisa, junto com uma pesquisa separa-
da com executivos de vários setores e entrevistas com líderes
empresariais e fundadores e executivos de plataformas de com-
partilhamento do trabalho, oferecem uma visão mais nuança-
da da economia gig emergente. Em particular, nossa pesqui-
sa enfatiza as oportunidades significativas de colher benefícios
com esse novo formato de trabalho – tanto para trabalhadores
como para empresas. Muitos dos novos free-lancers que entre-
vistamos estão abraçando a tendência como um caminho para
maior autonomia e trabalho mais flexível e significativo.
No caso das empresas, os achados destacam que as platafor-
mas gig aumentam o acesso a novas e sofisticadas habilidades
tecnológicas e a profissionais imprescindíveis, mas difíceis de
achar nos mercados de trabalho convencionais.
Mais amplamente, nossa pesquisa revela que o trabalho gig é
apenas um elemento de um ecossistema emergente que inclui
outras formas de mudança do mundo profissionais – como tra-
balho temporário, terceirização e trabalho autônomo – ao lado
de uma gama de serviços de apoio. O resultado é uma mudan-
ça profunda na forma como empresas contratam, treinam, re-
compensam e gerem os funcionários.
Os novos free-lancers – produto de nossa era de disrupção di-
gital – são tanto beneficiários como vítimas da disrupção. Esse
equilíbrio entre disrupção e oportunidade surgiu em nível pes-
soal nas respostas a nossa pesquisa com trabalhadores: o núme-
ro deles que afirmou ter perdido o trabalho para a terceirização
se igualou ao número que reconquistou o emprego pelo mesmo
motivo. Mais de 30% daqueles que voltaram a trabalhar credi-
taram o trabalho gig online como o que lhes permitiu se reinte-
grar à força de trabalho.
Em meio a tal turbulência, apesar de não haver um número
líquido de perda de postos, é fácil focar no desconforto resultan-
te. Ainda assim, a mudança disruptiva também está forçando a
uma maior adaptabilidade geral no sistema profissional, crian-
do novas oportunidades nos mercados de trabalho tradicionais
e nas empresas.
A REAL MEDIDA DA
ECONOMIA GIG
Por mais que a economia gig seja descrita como um fenôme-
no global de forte e rápido crescimento, continua relativamen-
te pequena em métricas importantes. Nossa pesquisa mostra
que o uso das plataformas de compartilhamento de trabalho
pelos trabalhadores como fonte principal de renda ainda é rela-
tivamente modesta, especialmente em mercados maduros. Nos
EUA, Alemanha, Suécia, Reino Unido e Espanha, apenas 1%
a 4% dos trabalhadores citaram essas plataformas como fonte
primária de trabalho.
Porém, essa parcela é maior em quatro mercados em desen-
volvimento de nossa pesquisa – China, Índia, Indonésia e Brasil.
A fatia é maior na China, onde 12% dos trabalhadores disseram
que tinham como fonte principal de renda as plataformas. Isso
sem dúvida reflete uma maior proporção de emprego informal
nos mercados emergentes. E também que os trabalhadores des-
ses mercados adotaram as plataformas mais rápido do que os
dos mercados maduros.
Essa métrica, porém, pode subestimar o real tamanho e sig-
nificado do crescimento global. Entre 3% e 10% dos trabalha-
dores em economias maduras, e mais de 30% em alguns países
em desenvolvimento, disseram usar plataformas gig como fonte
secundária de renda.
Executivos corporativos reconhecem que o aumento dos
novos free-lancers terá impacto significativo em suas forças de
trabalho. Em uma pesquisa de 2018 com 6,5 mil executivos do
mundo todo, feita pela BCG com a Harvard Business School,
cerca de 40% dos respondentes disseram que esperavam que os
trabalhadores freelance representassem uma parcela maior da
força de trabalho de sua organização nos próximos cinco anos.
E 50% concordaram que a adoção corporativa de plataformas
gig seria uma tendência significativa.
ALEXA, ME ARRUMA UM
DESIGNER DE SOFTWARE
O discurso corrente sobre o tipo de trabalho que domina a
economia gig geralmente foca tarefas sob demanda de entrega
e mobilidade, tais como Uber e Lyft. Segundo nossa pesquisa,
porém, os novos free-lancers são ativos em todos os setores – in-
cluindo negócios B2B, vendas no varejo e educação.
Resumindo, os free-lancers digitais surgiram como fonte sig-
HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 5
 LIDERANÇA E PESSOAS
nificativa de emprego primário ou secundário em todos os gran-
des setores, dando virtualmente a todas as companhias acesso
a novos free-lancers.
Em princípio, focamos nossa pesquisa em trabalhadores de
menor nível educacional e remuneração mais baixa. Mas a per-
cepção de que este é o foco principal da economia gig também
se provou falsa. Tarefas de baixa qualificação e baixa remune-
ração representaram apenas metade do trabalho freelance for-
necido pelas plataformas. Muito do restante correspondia a tra-
balho de alta qualificação e muito bem pago, como desenvolvi-
mento de software e design.
As plataformas em si também não são iguais. Diferem em
estrutura e outras maneiras significativas, incluindo o tipo de
trabalho oferecido, o tipo de free-lancer em busca de trabalho e
a natureza do contrato de trabalho. Plataformas tendem a se di-
ferenciar entre as que são donas da relação com o trabalhador e
atribuem e processam o trabalho em nome do empregador por
meio da plataforma, e aquelas nas quais free-lancers individuais
e empregadores negociam os termos.
Os tipos e motivações dos trabalhadores gig que usam os vá-
rios tipos de plataformas diferem segundo o modo de usar a pla-
taforma gig e o grau de integração com o cliente. Identificamos
quatro “tribos” entre os novos free-lancers:
• Os nômades digitais. Negociam sob medida na plataforma e
se mantêm distantes dos clientes. Exemplo: desenvolvedor web
da Upwork
• Os especialistas a jato. Negociam sob medida na platafor-
ma, mas se integram aos clientes. Exemplo: gestor interino da
Twago Enterprise
• Os clickworkers autônomos. Recebem as encomendas da
plataforma e se mantêm separados dos clientes. Exemplo: pes-
soas que fazem “bicos” na Amazon Mechanical Turk. [O termo
“clickworkers” se refere a voluntários leigos em um assunto.]
• Os mordomos digitais. Recebem as encomendas da plata-
forma, mas se integram com os clientes. Exemplo: motorista de
Uber e faz-tudo na TaskRabbit.
A PERCEPÇÃO DOS FREE-
LANCERS
Ao contrário das afirmações disseminadas, a maioria dos
free-lancers que entrevistamos disse que não faz esse tipo de
trabalho por falta de opção. Com frequência fazem trabalhos
avulsos além de terem outro emprego em tempo integral. Para
a maioria, as plataformas ajudam a atingir metas, preferências
e necessidades além da remuneração, incluindo, segundo eles,
mais autonomia e flexibilidade no trabalho e na vida pessoal, e
melhores escolhas de projetos.
Para mulheres, minorias e trabalhadores em mercados emer-
gentes que tinham menos ou nenhuma possibilidade de empre-
go, as plataformas criaram ou expandiram suas oportunidades
ao tornar possível o trabalho remoto.
Free-lancers costumam encontrar trabalho em vários tipos
de plataforma além de fazê-lo em suas próprias redes pessoais, e
geralmente trabalham em vários projetos ao mesmo tempo ou
na sequência. Quando chamados a definir seu emprego futuro
preferido, cerca de 45% escolheram permanecer independen-
tes e adicionar clientes só na medida que for necessária para
aumentar suas rendas, comparados com apenas 20% que pre-
feriam encontrar uma posição assalariada em tempo integral.
Globalmente, e para vários tipos de trabalhadores, um traba-
lho mais significativo era prioridade máxima, ao lado de maio-
res ganhos. Os novos free-lancers não são exceção. Os três maio-
res benefícios que citam são a oportunidade dedicar tempo a ta-
refas mais significativas e interessantes, ser autônomo e encaixar
o trabalho em tempo integral de forma mais flexível diante das
necessidades pessoais.
Consequentemente, também afirmaram ter níveis mais altos
de satisfação e felicidade no trabalho do que pessoas em empre-
gos em tempo integral, apesar do fato de que mais possivelmen-
te trabalhassem mais de 45 ou até 60 horas por semana, para
ganhar salários ligeiramente menores, especialmente no caso
de free-lancers como fonte principal de receita.
EM EVOLUÇÃO
Historicamente, free-lancers eram contratados por empre-
sas dispostas a obter melhor o custo-benefício de usar trabalha-
dores de baixa qualificação e valor em processos não centrais.
Mesmo em mercados muito regulamentados como França e
Alemanha, contratar um free-lancer não implica oferecer as-
sistência médica e previdência, como recebem os assalariados.
Free-lancers têm sido um recurso disponível e flexível para
completar equipes de projetos, preencher lacunas de compe-
tências e cobrir picos de demanda. Hoje, porém, são cada vez
mais acionados como fonte de talento e expertise escassos por
empresas que precisam se adaptar à mudança das demandas
dos clientes.
HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 6
 LIDERANÇA E PESSOAS
Operadores de plataformas de compartilhamento de traba-
lho e fornecedores de gestão da força de trabalho, pivotando
para uma nova oportunidade de negócios, estão focando clien-
tes corporativos com serviços que os ajudam a administrar a
mudança para o mundo de trabalho freelance, enquanto man-
tém a flexibilidade e a qualidade do trabalho.
A mudança na estratégia corporativa no sentido de abraçar
trabalhadores gig – apesar da disrupção para a empresa e para
trabalhadores individuais – mostra que as companhias em geral
estão tentando se tornar mais adaptativas e resilientes em um
ambiente de negócio em rápida mudança.
EMPRESAS SE ADAPTAM
A economia gig parece ter chegado para ficar, principalmen-
te porque satisfaz as necessidades tanto de trabalhadores como
de companhias. Acionar o talento e as competências dos novos
free-lancers imporá uma curva de aprendizado para as empre-
sas. As motivações e aspirações dos trabalhadores gig com fre-
quência diferem significativamente dos empregados tradicio-
nais – e portanto da experiência da maioria dos funcionários
corporativos.
Para tirar o melhor dos novos free-lancers, executivos em em-
presas tradicionais precisarão adaptar suas práticas de gestão
e estratégias. Aqui vão alguns passos que as empresas podem
tomar para entrar no ritmo da economia gig:
• Adotar o trabalho gig e plataformas correspondentes para
aumentar a flexibilidade da empresa, especialmente para atrair
habilidades e talentos raros e específicos.
• Mapear as habilidades da organização e o que falta, para
inclusive saber o que será necessário no futuro.
• Definir a estratégia de contratação de free-lancers, com pla-
taformas prontas ou construindo uma própria.
• Não apenas contratar free-lancers, mas integrá-los. Para fi-
delizar os talentos, as empresas precisam adotar novas compe-
tências, sistemas de apoio e formas de trabalho, evitando atrito
com os contratados e retrabalho, o que exige a disposição e a
flexibilidade para criar workflows e processos mais adaptáveis.
• Tirar vantagem dos serviços de apoio da economia gig, que
vão além da área financeira dos marketplaces. Hoje há tecnolo-
gias adjacentes, que incluem processamento de pedidos e segu-
ro para free-lancers, e o desenvolvimento de espaços de trabalho
compartilhados online e off-line.
• Envolver-se no diálogo regulatório. A regulamentação do
trabalho gig evolui rapidamente. Por exemplo, a Nova Zelândia
aboliu os plantões, a Irlanda mudou a definição legal de traba-
lho autônomo, os tribunais norte-americanos enfrentam pro-
cessos de motoristas do Uber que exigem status de funcioná-
rio, um questionamento do parlamento inglês chamou o tra-
balho gig de “parasitismo do estado de bem-estar” e greves de
trabalhadores gig na Holanda forçaram o governo holandês a
estabelecer uma força tarefa para estudar o fenômeno. Essas
ações todas envolveram trabalhadores gig de baixa qualifica-
ção, mas isso também pode ocorrer com os de alta. A melhor
forma de agir é se manter em diálogo com reguladores, legisla-
dores, donos de plataformas e formadores de opinião, além de
monitorar a opinião pública.
Free-lancers não são a única opção para empresas que pre-
tendem preencher lacunas de talento crítico de maneira flexível
e criar um modelo de emprego mais adaptativo, é claro. Mas,
sem dúvida, eles podem ser peças importantes no quebra-cabe-
ças. E, apesar dos desafios que os free-lancers autodeterminados
enfrentam em muitos países, o trabalho gig oferece claros bene-
fícios a essas pessoas que valorizam flexibilidade e autogestão.
CONSCIÊNCIA
Seja para pessoas que moram em locais distantes, donos de
casa com horários de trabalho restritos ou pessoas com deficiên-
cias físicas sem acesso ao mercado de trabalho regular, o traba-
lho gig oferece oportunidades de trabalho com mais significado.
Empresas conscientes e diligentes podem atrair, remunerar
e manter free-lancers – além dos trabalhadores convencionais
– e, assim, cumprir um papel social importante como empre-
gadores. Ao mesmo tempo, elas fortalecem o tecido social e os
talentos de sua própria organização.
© BCG
Editado com autorização. Todos os direitos reservados.
SAIBA MAIS SOBRE
OS AUTORES:
JUDITH WALLENSTEIN é sócia sênior e diretora da
consultoria Boston Consulting Group (BCG) em Munique,
Alemanha. ALICE DE CHALENDAR é consultora em
Paris; MARTIN REEVES é sócio sênior e diretor do BCG em
Nova York e diretor do BCG Henderson Institute e ALLISON
BAILEY é sócia-sênior e diretora do escritório de Boston,
além de líder global de pessoas e prática organizacional.
HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 7
 EMPREENDEDORISMO

Seja um empreendedor
em tempo parcial
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

É melhor dedicar 10% do seu tempo a empreender do que 100%; veja as cinco maneiras
em que você pode manter seu emprego e fazer isso | POR PATRICK J. MCGINNIS

HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 8

 EMPREENDEDORISMO
Quando criança, Peter Barlow nunca cogitou o empreen-
dedorismo. Para um garoto de classe média do Texas, se-
guir carreira em medicina ou direito era passagem garanti-
da para uma vida interessante, respeitável e confortável, e
era isso que ele queria. O direito venceu. Ele passou alguns
anos trabalhando em um escritório de advocacia, na área
de aviação, depois migrou para uma empresa de software
em rápido crescimento e, ao descobrir irregularidades do
mais alto escalão, voltou para o antigo escritório de advo-
cacia. Voltou feliz porque voltou a trabalhar novamente na
área de aviação, uma paixão familiar.
Pouco depois desse retorno de filho pródigo, um colega
da fracassada aventura na empresa de software o convi-
dou para ajudá-lo a abrir uma agência de locação de car-
ros de luxo. Como adorava carros tanto quanto aviões,
Peter se dispôs a ajudar o colega em seu tempo livre – em
troca de uma participação em ações. O negócio cresceu de
forma constante enquanto Peter mantinha seu trabalho.
Mas, de repente, Peter foi seduzido pela possibilidade
de empreender em tempo integral. Um cliente estava lan-
çando a Skybus Arlines, o primeiro serviço de transportes
de baixíssimo custo nos Estados Unidos, e Peter aceitou o
papel de conselheiro-geral. Afinal, a empresa tinha uma
equipe de gestão estelar e tinha levantado mais de US$
150 milhões – o que poderia dar errado?
Infelizmente, muita coisa deu errado. A Skybus foi lan-
çada na mesma época da crise financeira de 2008 e de uma
alta no preço dos combustíveis. Em questão de meses a
empresa não era mais viável e Peter atuou junto à equipe
executiva na amarga tarefa de demitir mais de 600 funcio-
nários em uma única tarde.
Peter voltou ao escritório de advocacia, dessa vez para
sempre. Tinha sobrevivido a duras penas a dois empreen-
dimentos fracassados, a empresa de software e a compa-
nhia aérea. Voltou decidido a nunca mais empreender em
tempo integral.
Um dia, durante um voo, Peter sentou-se ao lado de um
homem que folheava uma apresentação de oportunidade
de investimento. Ficou curioso e descobriu que seu vizi-
nho de assento, Todd Belveal, tinha passado quase dois
anos trabalhando em um plano para uma inovadora loca-
dora de veículos. No fim do voo, Peter tinha sido fisgado
pela ideia, convencido de que poderia ajudar: ele era ad-
vogado da área de transportes, adorava carros e aviões e
tinha aberto novos negócios nas duas áreas. Peter e Todd
trocaram informações, e em pouco tempo estavam con-
versando regularmente para refinar a apresentação e o
modelo de negócio. Peter então ligou para Bill Diffenderf-
fer, ex-CEO da Skybus e empreendedor serial. Depois de
passar um final de semana em frente a um quadro branco
discutindo o plano de negócios, os três homens concor-
daram em se tornar sócios. Peter fez isso com a condição
de permanecer no escritório de advocacia – dali em dian-
te, ele investiria em negócios em paralelo, usando apenas
parte do seu tempo.
Hoje, essa empresa é conhecida como Silvercar e ga-
nhou fama por reinventar completamente a experiência
de locação de veículos. Não há planos ou papelada, e o
frete da Silvercar consiste inteiramente de carros Audi
prateados. O que antes era apenas uma ideia em uma
apresentação impressa se tornou um negócio dinâmico.
No fim do terceiro ano de operações, a empresa tinha uma
frota de mais de mil Audis prateados em mais de dez locais
nos Estados Unidos. Também levantou mais de US$ 50
milhões com investidores, incluindo a Audi e o investidor
brasileiro Eduardo Saverin, o mesmo que cofundou o Fa-
cebook. Agora Peter é sócio-gerente da filial de Nova York
do escritório de advocacia, sem responsabilidades formais
na Silvercar, mas mantém uma participação significativa
e investiu em todas as rodadas de financiamento.
Peter Barlow é o que eu chamo de “10% empreende-
dor”. Ele tem um trabalho fixo que lhe fornece uma renda
constante, e 10% de sua energia para construir valor de
longo prazo em vários negócios. Ele pensa como dono e
usa seu tempo, dinheiro ou uma combinação dos dois para
adquirir ou criar participação acionária em um ou mais
negócios. Conforme ganha experiência, ele ou ela pode
ativamente buscar oportunidades de se associar a outros
empreendedores, oferecendo seu tempo e expertise a em-
presas que valorizam suas habilidades.
Há cinco tipos de 10% empreendedores: Anjos, Con-
selheiros, Fundadores, Aficionados e 110% Empreende-
dores.
• Como anjo ou conselheiro você investe seu capital,
suas habilidades ou ambos para ajudar a empresa de ou-
tras pessoas a crescer. Em vez de abrir a própria empre-
sa, você passa seu tempo contribuindo para o sucesso de
empreendimentos que são construídos e administrados
por outros.
HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 9
 EMPREENDEDORISMO

• Como fundador, você cria e administra seus próprios é tudo?” Nesse momento você se dá conta de que um tra-
negócios, mesmo enquanto mantém seu trabalho fixo em balho, independentemente de quanto você goste dele, não
período integral. pode lhe dar tudo de que você precisa.
• Como aficionado, você usa o empreendedorismo Ter escolhido um caminho específico não significa que
como meio de explorar suas paixões. você seja acomodado. Mas, se você simplesmente se man-
• O 110% empreendedor se refere a quem já é empreen- tiver na rota preestabelecida, vai abdicar da oportunida-
dedor em tempo integral, mas que tem como principal de de entrar na ação e pegar parte dos benefícios. Diante
meta a diversificação de negócios. desse dilema, você acaba com uma entre duas opções:
continuar movendo-se para a frente em piloto automático
ou começar a criar suas próprias regras. Em vez de deixar
sua carreira acontecer para você, é hora de desligar o pi-
O QUE VOCÊ ESTÁ loto automático, pegar o volante e pisar fundo.
Então, o que você está esperando para entrar na festa?
ESPERANDO? Se está parado na fila da entrada, esperando que alguém
deixe você entrar, tenho boas notícias. Não há motivo para
Não importa se você já está estabelecido ou apenas co- ficar passando frio. Você pode imprimir seu próprio in-
meçando seu primeiro emprego; você deve a si mesmo gresso.
uma reflexão sobre como sua carreira vai evoluir no curso Você tem algo a oferecer na forma de habilidades, co-
das próximas décadas. É impossível saber hoje como o nhecimento, relacionamento e sabedoria? Com certeza.
mercado de trabalho e seu papel nele vão mudar. Você vai Essa é sua moeda para pagar a entrada, e vai permitir a
precisar permanecer envolvido, sempre buscando opor- você orientar sua carreira de forma a oferecer muito mais
tunidades e construindo novas habilidades e relaciona- entusiasmo e oportunidade.
mentos. Essa é a forma mais eficaz de garantir que você
não vai acabar correndo atrás do sonho de ontem. Tam-
bém representa um compromisso real no sentido de cons- Este artigo é baseado nos highlights do livro 10% Empreendedor:
Viva seu sonho de abrir uma empresa mantendo-se no mercado
truir uma carreira dinâmica, resiliente e compensadora. de trabalho, de Patrick J. McGinnis (ed. HSM/Alta Books).
Mesmo sabendo que muitas pessoas, pessoas como
você, estão se tornando 10% empreendedoras, você ainda
pode se perguntar como abraçar o empreendedorismo,
mesmo em tempo parcial, se nunca fez isso antes. É como
se uma festa já estivesse acontecendo e você estivesse do
lado de fora, no frio, perguntando-se por que não recebeu
o convite.
Isso é especialmente verdadeiro se você nunca imaginou
ou desejou se tornar empreendedor. Talvez você acredi-
tasse que um conjunto estabelecido de regras lhe garan-
tissem prestígio, sucesso e realização. Você investiu horas
incontáveis seguindo o manual perfeito sem se dar conta
de que o jogo tinha mudado ou você simplesmente que-
ria mais.
Carreiras, assim como a vida, têm curvas. Elas recuam
e avançam. Haverá períodos em que você abaixa a cabeça
e trabalha. Em outros, você tem mais espaço para refle-
tir, planejar e pensar no próximo movimento. Você pode
muito bem olhar para o lado um dia e se perguntar: “Isso

HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 10

 CULTURA E PROPÓSITO

O código de Hamurábi,
conjunto de leis criado

O novo código da cultura

na Mesopotâmia no
século 18 a.C. – parte
do acervo do Museu
Britânico, de Londres,

é a nova corrida do ouro Reino Unido

O mundo da transformação digital, marcado por uma incrível capacidade computacional e de dados,
impõe às empresas um enorme desafio cultural | POR JOSÉ SAILIBI NETO E SANDRO MAGALDI

A busca de cientistas de dados por empresas de todo o transformação.

planeta anda tão frenética que lembra a corrida do ouro Como em tudo na vida, o sucesso está relacionado so-
no Velho Oeste dos Estados Unidos. Mas basta chegar ao bretudo com as pessoas da organizações e a maneira como
ouro dos cientistas de dados? Não. O verdadeiro ouro é a encaram essa nova perspectiva – não com as tecnologias.
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

verdadeira transformação digital das organizações e lhes Os resultados de uma pesquisa global da consultoria Mc-
exige uma série de mudanças internas para ser alcança- Kinsey, intitulada “Culture for a digital age”, realizada
do. Os líderes ainda se questionam com frequência sobre em julho de 2017 com mais de 2 mil executivos, confir-
qual deve ser o ponto de partida para essa jornada de mam nossa percepção. Segundo os líderes entrevistados, a

HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 11

 CULTURA E PROPÓSITO
principal barreira atual para a transformação das empre-
sas são as deficiências em sua cultura organizacional – os
“desafios comportamentais e culturais”.
Não é de surpreender. Na maioria das companhias, vi-
vemos uma cultura de resultados. A cultura de resultados
se caracteriza por um “ambiente de trabalho orientado a
resultados, conquistas, realizações e baseado no mérito”
e tende a ser focada mais no curto prazo. Trata-se de um
contexto que não favorece discussões sobre a eficiência da
cultura organizacional, uma vez que qualquer iniciativa
relativa a cultura tem horizonte de longo prazo.
O foco nos resultados de curto prazo fica mais explíci-
to em outro estudo, este realizado pela Bain & Company
com 1.900 organizações globais, que demonstrou uma
queda nos gastos com pesquisa e desenvolvimento nos úl-
timos anos, além de maior distribuição de dividendos nas
empresas pesquisadas. Nada menos que 89% das empre-
sas pesquisadas têm como estilo preponderante a tal “cul-
tura de resultados”.
A despeito dessas dificuldades, não vemos saída: a mu-
dança cultural é mandatória para as organizações que
desejam sobreviver e liderar na era da quarta revolução
industrial, e quem negligenciar essa demanda ficará pelo
caminho.
Como a história mostra, o mundo dos negócios é impie-
doso com quem não acompanha sua dinâmica. A história
também mostra, contudo, que as recompensas aos que
conseguem fazer uma leitura adequada do ambiente são
fartos. Essas se tornam as organizações líderes em cada
nova era.
É evidente que uma mudança cultural não é uma tarefa
trivial. É um processo absolutamente complexo e envolve
o engajamento de todos os seus principais agentes.
DESAFIOS PARA PROMOVER
UMA MUDANÇA CULTURAL
Carol Dweck, em seu best-seller Mindset: a nova psi-
cologia do sucesso, sentenciou que a mudança cultural
envolve uma profunda transformação na mentalidade de
todos os colaboradores do negócio: a mudança coletiva do
mindset organizacional.
Como a cultura está entranhada no comportamento de
todos os colaboradores e em como as decisões são tomadas,
qualquer interferência, para ser bem-sucedida, deve refletir
um plano estruturado idealizado e executado com esse fim.
A base para a mudança cultural reside em atividades
concretas geradas pelos líderes do negócio. Reestruturar
práticas fundamentais tende a conduzir a novos valores e
comportamentos que, como consequência, têm o poten-
cial de alterar as crenças e os pressupostos básicos daquele
contexto.
Para a conversão dessa estratégia em um plano concre-
to de ações, é fundamental, em primeiro lugar, entender
cinco desafios-chave presentes em uma transformação
cultural:
• TEMPO
Não é possível que mudanças de peso aconteçam em um
curto espaço temporal, posto que as interferências aconte-
cem em um sistema de crenças consolidado há anos – ou,
em boa parte dos casos, há décadas. Se essa variável não
for respeitada, corre-se o risco de o processo ser abortado
por sabotadores antes de sua maturação, por “não estar
gerando os resultados planejados”. Sem tempo disponível
para a consolidação de todo o processo, não há transfor-
mação substancial.
• SISTEMA DE RECONHECIMENTO
São componentes desse sistema não só o sistema for-
mal, representado pela remuneração financeira – salá-
rios, bônus e similares –, mas também todos os atos reali-
zados com o intuito de reconhecer e premiar, explícita ou
implicitamente, todos os esforços gerados em determina-
do ambiente.
Para a transformação cultural de uma organização ser
sólida, é necessário o alinhamento de seu sistema de reco-
nhecimento ao novo sistema. Não é possível que seja de-
mandado um pensamento orientado à inovação, cujos re-
sultados são gerados em longo prazo, com um modelo de
remuneração que apenas premia ganhos de curto prazo.
• PARTICIPAÇÃO DA LIDERANÇA
Sem a participação ativa e genuína da liderança do ne-
gócio, principalmente de seu CEO e/ou acionistas, o mo-
vimento de mudanças é superficial.
Os líderes de uma empresa, além de seu papel funcional
como executivos, possuem uma atribuição simbólica de
importância extrema para o negócio. Como tal, são ar-
tefatos importantes da cultura organizacional, visto que
HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 12
 CULTURA E PROPÓSITO
todos os seus atos, decisões e comportamentos são ob-
servados, de lupa, pelos participantes do ambiente que
lideram.
A liderança pelo exemplo ganha contornos ainda mais
intensos em uma transformação cultural, uma vez que o
ritmo das mudanças e da consolidação de novas práticas,
processos e rituais será dado por seus líderes.
Ao decidir irromper um movimento de transformação
cultural, o líder deve estar ciente de sua responsabilidade
em todo o processo. É necessário estar bem claro que di-
mensões seu trabalho exigirá: a prática, com a execução
das atividades que devem ser realizadas e priorizadas, e
a simbólica, com o cuidado minucioso com todos os seus
comportamentos, decisões e atos que emitirão sinais re-
cebidos com especial atenção por todo o ecossistema or-
ganizacional.
• PROCESSOS, PRÁTICAS E RITUAIS
O processo de mudanças envolve a necessidade da ado-
ção de novas práticas, rituais e processos que definam o
novo modo de a organização operar. O discurso bonito,
pomposo, é menos valioso que atitudes concretas rumo a
esse modelo.
A transformação não acontece no nível dos artefatos da
cultura, porém são eles que devem ser trabalhados. Como
são a parte mais visível de todo sistema, é para lá que todos
estarão mirando. Funcionam como um farol que aponta e
fortalece o sistema de crenças da organização.
• COMUNICAÇÃO
Aquilo que não é percebido não existe. Se as pessoas não
entenderem e não tiverem uma percepção clara de todo
o processo, de suas motivações e objetivos, elas terão difi-
culdades para se engajar no movimento.
Um atributo da comunicação que deve ser reforçado e
evidenciado é a visão sobre o que se espera das pessoas e o
que tudo aquilo tem a ver com elas. Questões sobre qual é
o papel de cada um nesse movimento e o que é requerido
e desejado individualmente devem ser evidenciadas e ex-
ploradas continuamente nessa estratégia.
Sem uma estratégia de comunicação eficiente, princi-
palmente com o público interno, corre-se o risco de que
mesmo um sistema completo, integrado, que envolva
todas as frentes do negócio, seja ignorado pelos colabora-
dores e sua adoção não aconteça plenamente.
COMO COMEÇAR
Então, como você deve iniciar o processo de
transformação dentro de sua organização? Sugerimos um
processo de oito passos.
PASSO 1: RECONHECER O STATUS ATUAL
Conhecer o tipo de cultura organizacional dominante
em uma companhia é essencialmente o ponto inicial para
qualquer iniciativa de transformação. É simplesmente in-
viável pensar em mudanças representativas sem conhecer
em profundidade as características dominantes no siste-
ma de crenças da organização.
Existem diversos tipos de cultura que se diferenciam por
suas características essenciais. Apesar de ser vasta a lite-
ratura acadêmica sobre o tema, não existe uma tipologia
consagrada sobre o assunto. Nesse sentido, o estudo de
autoria dos pesquisadores Boris Groysberg, Jeremiah Lee,
Jesse Price e Yo-Jud Cheng, publicado na edição de janeiro
de 2018 da revista Harvard Business Review, é bastante re-
levante e o adotaremos como principal referência na iden-
tificação dos tipos de cultura organizacional existentes.
No estudo, os autores chegaram a oito estilos de cultura
organizacional partindo da análise de duas dimensões que
se aplicam a toda organização, independentemente de seu
porte, setor, área ou geografia: a forma como acontecem
as interações interpessoais entre seus componentes e a na-
tureza da resposta à mudança daquele contexto.
As interações interpessoais são entendidas em um vetor
que vai daquelas que são altamente independentes para
aquelas altamente interdependentes. As culturas mais re-
lacionadas à primeira se caracterizam pela valorização da
autonomia, da ação individual e da competição. Aquelas
mais afinadas com a segunda valorizam a integração, a
cooperação entre os colaboradores e a coordenação de
esforços em grupo. Nessas culturas, as pessoas tendem a
colaborar mais e ver o sucesso pelas lentes do grupo. Na
primeira, esse mesmo processo tende a ser mais orientado
ao indivíduo.
No que se refere à resposta para a mudança, algumas
culturas enfatizam a estabilidade enquanto outras valo-
rizam a flexibilidade. As mais afinadas ao primeiro tipo
priorizam a consistência, a previsibilidade e a manuten-
ção do status quo. Sua tendência é seguir regras que utili-
zam estruturas de controle que valorizam a hierarquia e
HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 13
 CULTURA E PROPÓSITO
a busca pela maior eficiência possível. As mais alinhadas
com a flexibilidade tendem a priorizar a inovação, a aber-
tura, a diversidade e a orientação em longo prazo.
Aplicando esses dois vetores, o estudo identificou oito
estilos de culturas organizacionais potencialmente pre-
sentes em qualquer empresa: acolhimento, propósito,
aprendizado, prazer, resultados, autoridade, segurança
e ordem.
Só depois de um entendimento mais claro sobre todo o
sistema, recomenda-se evoluir para a execução do plano.
Curiosamente, esse rito, muitas vezes, não é seguido devi-
do à inclinação dos líderes pelo “fazer” antes do “refletir”.
PASSO 2: ALINHAR A ESTRUTURA COM A CULTURA ALMEJADA
Em regra, quando se dão conta da necessidade de mu-
danças no negócio, esses líderes dedicam-se a promover
reestruturações em seu sistema organizacional. A crença
por trás dessa estratégia – muitas vezes tácita – é que, ao
mudar a sua estrutura, como consequência, a empresa
mudará.
Reestruturações geram efeito temporário se não forem
seguidas de intervenções em todo o sistema de crenças da
organização, pois, se isso não ocorre, com o tempo a cul-
tura original volta a dar as cartas naquele ambiente.
A falácia de que basta mudar a estrutura para mudar o
negócio é resultante de uma visão antiga, típica do auto-
ritarismo que tem como base a crença de que os líderes de
uma empresa têm o poder de mudar sua cultura apenas
mudando a forma como seus membros trabalham.
PASSO 3: DERRUBAR OS SILOS
Silos são um obstáculo ao florescimento da cooperação
entre departamentos, mas, principalmente, entre pessoas.
Com o seu fortalecimento, eles sedimentam uma estrutu-
ra de comando baseada no poder restrito aos participan-
tes daquele determinado ambiente em relação a toda or-
ganização, favorecendo a dinâmica do “nós e eles”. Esse
comportamento em nada agrega à exigência multidisci-
plinar da nova economia.
Em conversas e abordagens pessoais realizadas com lí-
deres empresariais, existe a concordância de que o pensa-
mento em silos é o comportamento número um entre os
obstáculos para a construção de uma nova cultura organi-
zacional. Isso acontece porque cada parte da organização
chega a diferentes conclusões sobre o processo, com base
em percepções parciais incorretas ou incompletas em de-
trimento da visão sistêmica do todo.
Se essa dinâmica não for rompida, será demandada
muito mais energia e, sobretudo, tempo para desconstruir
o desalinhamento entre todos da organização. Tempo é
um luxo que não está disponível no mandatório proces-
so de adaptação ao novo ambiente empresarial, que tem
como uma de suas principais características a velocidade
das mudanças.
PASSO 4: CONSTRUIR UMA VISÃO COMUM
Para desmobilizar os silos e feudos, é necessária a cons-
trução de uma visão comum que envolva a todos, ofere-
cendo uma direção única e senso de propósito orientado
aos interesses individuais, porém que se paute por uma
perspectiva mais ampla, que representará a visão da or-
ganização e de seus líderes.
Um recurso que pode ser adotado para acelerar esse
processo de desmobilização é o job rotation, ou seja, a ro-
tação de profissionais em diversas áreas ou departamen-
tos da organização de modo que tenham nova visão das
diversas atribuições e relacionamento com outros indiví-
duos. Essa prática vai tirar todos os profissionais da zona
de conforto, tanto os líderes quanto os subordinados, ge-
rando, obrigatoriamente, uma nova natureza na relação
entre as partes.
PASSO 5: REVISAR PROCESSOS
A revisão completa dos principais processos adotados
pela organização é outra estratégia recomendável para a
adoção de uma nova estrutura que derrube os silos e pro-
mova a integração entre seus colaboradores. Processos
são uma das consequências da estrutura organizacional,
uma vez que respondem às demandas desse sistema.
PASSO 6: ADOTAR TECNOLOGIAS ÁGEIS
A adoção de processos alinhados com a nova visão
ganha um aliado na atualidade: a tecnologia. A utilização
de sistemas, aplicativos e plataformas digitais desenvolvi-
das para a automação e melhor gestão de processos ofere-
ce alternativas práticas para tornar possível a integração
de todos a uma visão comum.
Uma boa referência, nesse sentido, são as plataformas
de gestão de projetos como Asana, Trello, Runrun.it, que
oferecem, por meio de uma interface única, a possibili-
dade de integração de todos os componentes do time em
prol do desenvolvimento de determinado projeto. Com
HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 14
 CULTURA E PROPÓSITO
acompanhamento remoto e em tempo real das atividades
de todos os envolvidos, o sistema garante uma visão única
dos esforços permitindo o alinhamento de todas as ações.
PASSO 7: IMPLANTAR ESTRATÉGIAS DE APRENDIZADO
Novas estruturas, redesenho de processos, tecnologias
ágeis. Com tantas novidades, é imperativo que o processo
de transformação cultural seja acompanhado pela imple-
mentação de uma estratégia de aprendizado, uma vez que
as pessoas precisarão reaprender o jeito de ser e fazer da
organização.
Como exemplo e ponto de partida, mapear os compor-
tamentos críticos adotados pela empresa e que precisam
ser mudados, ajudará a liderança a desenvolver um plano
de ação específico com o objetivo de adotar novos hábitos.
PASSO 8: UTILIZAR RECURSOS DE COMUNICAÇÃO
A estratégia de comunicação vai fortalecer o novo pa-
drão ao engajar todos nessa estrutura. É imperativo, no
entanto, entender a comunicação de maneira mais abran-
gente, e não focada apenas no ambiente interno. Utilizar
antigos avisos em murais para se comunicar não é suficien-
te. É preciso também pensar uma estratégia de comunica-
ção que envolva todos os stakeholders.
ESTILO MAIS ADEQUADO
Dos oito estilos culturais identificados pelos pesquisa-
dores Groysberg, Lee, Price e Cheng, um se sobrepõe a
todos os outros como o estilo de cultura organizacional
mais alinhado e adequado à quarta revolução industrial:
a cultura de aprendizado. Sua principal vantagem é que
ele incentiva a inovação, a agilidade e o aprendizado orga-
nizacional, atributos valorizados e requeridos nesse novo
ambiente de negócios.
O êxito no processo de migração para esse estilo tem
como protagonistas principais os líderes do negócio. Na
medida em que é valorizada a ação individual ao mesmo
tempo que é requerido um pensamento multidisciplinar,
o líder é que vai garantir a coesão e a integração do pen-
samento e das iniciativas, conectando todas as frentes do
negócio.
Em contrapartida, é imperativo que se analisem os ris-
cos de uma cultura que enfatiza em excesso o aprendiza-
do. Esse estilo, com muita preponderância, pode levar à
falta de foco e à incapacidade de explorar as vantagens
existentes da organização, ou seja, é a antítese da cultura
de resultados.
Essa perspectiva nos leva a ponderar a respeito de um
modelo que adote, predominantemente, traços do estilo
da cultura de aprendizado e absorva alguns pontos fortes
da cultura de resultados, sobretudo a disciplina do modelo
de execução e orientação ao ambiente externo.
A principal antítese entre esses dois estilos culturais resi-
de na flexibilidade, requerida na cultura de aprendizado,
em relação à estabilidade, presente na de resultados. A si-
nergia entre as duas, por sua vez, reside na independência
das interações interpessoais, visto que ambas valorizam a
autonomia de seus colaboradores.
É nesse espaço de confluência entre os dois estilos que
organizações e líderes devem refletir para construir um
modelo que seja particular, que não deixe de ter sua iden-
tidade própria, mas que também absorva esses traços para
consolidar um novo sistema de crenças e valores.
Esse processo todo nos coloca diante de uma inquietan-
te pergunta: temos tempo disponível para essa mudança
lenta e gradual? Com a velocidade das transformações,
em que irrompem novas organizações com novas solu-
ções e possibilidades diariamente, tempo não é um luxo
disponível a qualquer um. Estamos diante de um dilema,
mas, a nosso ver, quem não partir para a transformação
de uma cultura organizacional mais adaptada à nova so-
ciedade acabará tendo de abdicar de sua visão de futuro.
Se o futuro das organizações depende de decisões to-
madas no presente, a transformação cultural é a princi-
pal decisão que um líder pode ter hoje para garantir seu
amanhã.
© Sandro Magaldi e José Salibi Neto.
Este artigo é baseado nos highlights
do livro O novo código da cultura
– Transformação organizacional
na gestão do amanhã (ed. Gente),
de Sandro Magaldi e José Salibi
Neto. Salibi é cofundador da HSM e
Magaldi, cofundador da plataforma
meuSucesso.com. Hoje, ambos
dedicam-se a apoiar empresas e
pessoas em sua transformação.
Os dois também são autores do
best-seller A gestão do amanhã.
HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 15
 CULTURA E PROPÓSITO
Teste: qual é a cultura
da sua empresa?
O livro O novo código da cultura relaciona os oito tipos de culturas mais frequentes nas empresas;
confira a definição atual da sua organização
Para promover uma transformação rumo à cultura do
aprendizado que facilite a transformação digital e a inser-
ção dos negócios na quarta revolução industrial, os líderes
de uma empresa precisam ter um diagnóstico de sua cultu-
ra atual, como alertam Sandro Magaldi e José Salibi Neto
no livro O novo código da cultura (ed. Gente).
Os autores sugerem que o diagnóstico de cultura or-
ganizacional seja feito com base no estudo de autoria dos
pesquisadores Boris Groysberg, Jeremiah Lee, Jesse Price
e Yo-Jud Cheng, que chegou a oito estilos de cultura or-
ganizacional partindo da análise de duas dimensões que
se aplicam a toda e qualquer organização, independente-
mente de seu porte, setor, área ou região geográfica:
(1) a forma como acontecem as interações interpessoais
entre seus componentes e
(2) a natureza da resposta à mudança daquele contexto.
As interações interpessoais são entendidas em um vetor que
vai daquelas que são altamente independentes para as alta-
mente interdependentes. As culturas mais relacionadas com
a primeira se caracterizam pela valorização da autonomia, da
ação individual e da competição. Aquelas mais afinadas com
IMAGEM: SHUTTERSTOCK
a segunda valorizam a integração, a cooperação entre os cola-
boradores e a coordenação de esforços em grupo.
Nestas culturas, as pessoas tendem a colaborar mais
e ver o sucesso pelas lentes do grupo. Na primeira, esse
HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 16
 CULTURA E PROPÓSITO
mesmo processo tende a ser mais orientado ao indivíduo.
No que se refere à resposta à mudança, algumas culturas
enfatizam a estabilidade enquanto outras valorizam a flexi-
bilidade. As mais afinadas ao primeiro tipo priorizam a con-
sistência, a previsibilidade e a manutenção do status quo. A
tendência é seguir regras que utilizam estruturas de controle
hierarquizadas, e a busca pela maior eficiência possível. As
mais alinhadas com a flexibilidade tendem a priorizar a inova-
ção, a abertura, a diversidade e a orientação em longo prazo.
Veja a seguir os oito tipos de cultura decorrentes desses
vetores e identifique qual deles define melhor a sua empresa:
( ) CULTURA DE ACOLHIMENTO
Alta interdependência, média flexibilidade.
Diz respeito a relacionamentos e confiança mútua. O
ambiente de trabalho é um local caloroso onde as pessoas
ajudam e apoiam umas às outras. Os líderes enfatizam a
sinceridade, o trabalho em equipe e os relacionamentos
positivos.
Empresa de referência nesse estilo: Disney
( ) CULTURA DE PROPÓSITO
Média interdependência, alta flexibilidade.
Caracteriza-se por idealismo e altruísmo. O ambien-
te de trabalho é tolerante, solidário, as pessoas tendem a
fazer o bem pelo futuro da humanidade. Os líderes enfa-
tizam ideias comuns e contribuem para uma causa maior.
Empresa de referência nesse estilo: Whole Foods
( ) CULTURA DE APRENDIZADO
Média independência, alta flexibilidade.
Diz respeito a exploração, expansividade e criatividade.
O ambiente de trabalho é inovador e liberal. As pessoas
lançam ideias novas e exploram alternativas. Os líderes
enfatizam o conhecimento, a inovação e a aventura.
Empresa de referência nesse estilo: a montado-
ra de automóveis elétricos Tesla
( ) CULTURA DE PRAZER
Alta independência, média flexibilidade.
É expressa por meio de divertimento e empolgação. O
ambiente de trabalho é um local despreocupado, onde as
pessoas tendem a fazer o que as torna felizes. Os líderes
enfatizam a espontaneidade e o senso de humor.
Empresa de referência nesse estilo: o e-com-
merce de calçados norte-americano Zappos
( ) CULTURA DE RESULTADOS
Alta independência, média estabilidade.
É caracterizada por realizações e conquistas. O am-
biente de trabalho é um local orientado para resultados e
baseado no mérito, onde as pessoas aspiram ao desempe-
nho de excelência. Os líderes enfatizam o cumprimento
de metas.
Empresa de referência nesse estilo: a cervejaria
AB InBev
( ) CULTURA DE AUTORIDADE
Média independência, alta estabilidade.
Define-se pela força, determinação e ousadia. O am-
biente de trabalho é um local competitivo, onde as pes-
soas se esforçam para obter vantagem pessoal. Os líderes
enfatizam confiança e dominação.
Empresa de referência nesse estilo: a multina-
cional chinesa de celulares Huawei
( ) CULTURA DE SEGURANÇA
Média interdependência, alta estabilidade.
Tem a ver com planejamento, precaução e prevenção.
O ambiente de trabalho é um local previsível, onde as pes-
soas têm consciência do risco e se pautam pela reflexão.
Os líderes enfatizam o comportamento realista e o plane-
jamento cuidadoso.
Empresa de referência nesse estilo: o mercado
de seguros e resseguros Lloyd’s of London.
( ) CULTURA DE ORDEM
Média estabilidade, alta interdependência.
Baseia-se em respeito, estrutura e normas comuns. O
ambiente de trabalho é um local metódico, onde as pes-
soas obedecem às regras do jogo e procuram se encai-
xar. Os líderes enfatizam procedimentos compartilhados
e costumes seculares.
Empresa de referência nesse estilo: Securities
and Exchange Commission (SEC), a comissão de
valores mobiliários dos EUA
HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 17
 LIDERANÇA E PESSOAS

Melhore sua forma de pensar

O pensamento crítico é uma habilidade cada vez mais necessária no trabalho
do século 21, mas não costumamos exercitá-lo. Em novo livro, Gerald Zaltman,
professor de Harvard, ensina como usar as “think keys” para isso

O pensamento é uma das mais poderosas ferramentas de mu-
dança que temos a nossa disposição. No entanto, a maioria das
pessoas ignora ou subestima esse poder, concentrando-se ape-
nas nas ações envolvidas com a mudança.
cançar seu objetivo, mas também oferece o que chama de “think
keys” (chaves de pensamento, em tradução livre). São 39 exercí-
cios práticos que ajudam a “desbloquear” as mais importantes
dinâmicas da mente, conscientes e inconscientes.
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

Gerald Zaltman, professor da Harvard Business School que “Desenvolvi esses exercícios, ou instrumentos, ao longo de
trabalha com neurociência, lançou no ano passado o livro Un- minha trajetória como professor, de estudantes de MBA e de
locked: Keys to Improve Your Thinking, em que não apenas educação executiva, para ajudá-los a compreender as dinâmi-
destaca o papel do pensamento para que as pessoas possam al- cas do pensamento que estão presentes na discussão de um tema

HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 18

 LIDERANÇA E PESSOAS
ou de um caso”, explicou Zaltman recentemente, em entrevis-
ta à Knowledge@Wharton. “A ideia é que cada um pense por
conta própria, em vez de apenas seguir o pensamento de outra
pessoa”, acrescentou.
O professor admite que, nos dias atuais, esse é um desafio nada
desprezível. Ao analisar a questão da perspectiva das empresas,
que, muitas vezes, não conseguem avançar rumo à transforma-
ção necessária, Zaltman destaca que se dá importância demais
ao que está no desktop do computador, e não ao “neck-top”,
o que está do pescoço para cima de quem usa o computador.
“Precisamos entender que, no fim das contas, o que faz dife-
rença é a cabeça do gestor, a qualidade de seu pensamento, seus
preconceitos e suas crenças”, afirma.
Zaltman alerta que, muito frequentemente, as pessoas têm
medo de estarem erradas, mais do que de estarem certas. Todo
mundo adora estar certo e odeia estar errado. No entanto, se-
gundo ele, quando é preciso escolher entre uma possibilidade e
outra, a grande maioria escolhe não estar errado, por conta das
consequências negativas do erro. “Isso produz uma tendência
de fazer hoje o que se fez ontem, e fazer amanhã o que se está
fazendo hoje, criando um padrão do qual é muito difícil esca-
par”, explica.
Embora não reproduzamos aqui as 39 think keys de Zaltman,
adiantamos que são organizadas em sete segmentos. Entender
isso, por si só, já serve como ignição para o pensamento crítico.
CONTEXTO
A primeira think key é o contexto, que se refere tanto ao grupo
no qual um processo de tomada de decisão está inserido como
ao contexto do setor em que se está atuando. Nesse sentido, ele
chama a atenção para a tendência de se seguir as melhores prá-
ticas do setor do qual a empresa faz parte, sem questionar se são,
de fato, aplicáveis ou se precisam ser adaptadas às situações da
organização em particular.
PRESSUPOSTOS
Segundo Zaltman, os pressupostos são como aquela goma de
mascar que gruda na sola do sola do seu sapato: você nem sem-
pre sabe que ela está lá, mas está e afeta seu caminhar. “Mudar
seus pressupostos ou mesmo identificá-los requer um grande
esforço”, constata o professor. Ele explica que os pressupostos
vivem na parte inconsciente da mente. “Nós não vamos lá com
frequência, mas ela é muito importante”, diz.
PISTAS
Nas empresas, as pessoas buscam o tempo todo “pistas” de
como seus colegas pensam, de como estão abordando uma ideia
ou um projeto, e mesmo de como se sentem em relação ao am-
biente de trabalho. Essas pistas incluem uma grande variedade
de elementos: de reações faciais à forma como um comunicado
é escrito.
METÁFORAS
Zaltman destaca que as pessoas usam cerca de seis metáforas
por minuto durante uma fala e muitas delas são tão comuns que
nem são percebidas dessa forma. “As metáforas têm um impac-
to significativo sobre nosso pensamento e, com outros elemen-
tos, acontecem inconscientemente”, explica.
ATENÇÃO
Para Zaltman, as pessoas possuem um estoque limitado de
atenção. “Se estamos prestando atenção em algo, não damos
atenção a outras coisas”, constata. Com a atenção voltada ape-
nas às atividades cotidianas, por exemplo, as empresas ignoram
as inovações disruptivas que surgem em seu setor de negócios.
Assim, têm papel decisivo as questões que se fazem às pessoas e
as tarefas que são passadas a elas, pois esses fatores contribuem
para determinar o pensamento. “Precisamos discutir se esta-
mos fazendo as perguntas certas”, destaca.
CURIOSIDADE
Zaltman aponta esse aspecto como base para tudo, a base
para a imaginação que, por sua vez, é essencial para se alcançar
vantagem competitiva. “Mas, na sociedade em geral, especial-
mente nas escolas e nas empresas, a curiosidade é desestimula-
da”, afirma. “Talvez essa tendência faça parte do medo de estar
errado, assim como da falta de disposição para assumir riscos”,
acrescenta.
EMOÇÕES
As emoções são muito poderosas e desempenham papel cen-
tral em relação ao pensamento. “As emoções são uma resposta
psicológica inconsciente a certos estímulos. Essa dinâmica in-
consciente leva a sentimentos aos quais damos diversos nomes:
raiva, tristeza, surpresa e assim por diante. E esses sentimentos
impulsionam grande parte de nosso pensamento consciente.
Quando os sentimentos, ou as opiniões que surgem com eles,
contradizem os fatos, são os sentimentos e as opiniões que ten-
dem a prevalecer”, relata Zaltman. Por isso, alerta, é bem difícil
evitar que as emoções sejam a plataforma do pensamento.
HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 19
 ESTRATÉGIA E EXECUÇÃO

As grandes mentiras
da estratégia – e a
verdade verdadeira
Roger Martin, o pensador de gestão nº 1 do ranking Thinkers50, inclui
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

a visão corrente de “estratégia emergente” entre essas mentiras e

pede aos gestores que voltem ao fundamental: fazer escolhas. As
ferramentas tradicionais ajudam nisso

HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 132 EXTRA 20

 ESTRATÉGIA E EXECUÇÃO
Recentemente, Roger Martin, o nome número um do
ranking Thinkers50, que elenca os maiores pensadores
mundiais da gestão, fez um desabafo na revista Rotman
Management. “Apesar de eu ser um ‘cara de estratégia’,
no fundo do coração não acho que o típico plano estraté-
gico seja realmente útil”, escreveu, confessando ser esse
o motivo de sua relação de amor e ódio com tudo que é
relativo a estratégia.
Para Martin, o problema é que, quando falamos em
estratégia atualmente, propagamos muitas mentiras. O
especialista reclamou de quatro especialmente:
(1) O fato de todo plano estratégico seguir a sequência
em três partes: a declaração de missão/visão, um listão de
iniciativas a serem tomadas e o orçamento. Para Martin,
nada disso tem a ver com a essência de uma estratégia,
que são as escolhas.
(2) O fato de a maioria dos planos estratégicos ser orien-
tada a custos – planejam-se despesas e vendas como se fos-
sem igualmente planejáveis. Para Martin, as vendas, por
exemplo não estão sob o controle da empresa. Esquece-se
que as vendas são decorrência das escolhas feitas.
(3) O discurso da estratégia emergente. Para Martin,
prevalece, cada vez mais, a interpretação equivocada do
que o especialista Henry Mintzberg quis dizer com esse
conceito – “não é preciso fazer estratégia porque o futuro
é imprevisível mesmo”. “Não foi isso que Mintzberg disse;
ele apenas alertou para o fato de que o futuro será sempre
emergente.” Mas fazer escolhas continua a ser necessário,
insiste Martin.
(4) O foco em capacidades organizacionais. Martin dis-
corda da teoria estratégica que privilegia capacidades em
detrimento de investimentos orientados ao cliente. Se-
gundo ele, uma capacidade só é importante se ela gerar
valor para o cliente – e, para gerar esse valor, é preciso
fazer escolhas.
Como a empresa vai vencer – com que escolhas ela ven-
cerá – é o que conta na hora de fazer uma estratégia, diz o
guru número um do Thinkers50. Por isso, as ferramentas
que ajudam os gestores a fazer escolhas devem voltar a ser
valorizadas por eles. Se você abandonou tudo por conta
da estratégia emergente, por exemplo, está acreditando
em mentiras que lhe contaram, segundo Martin escreveu
na Rotman Management, e deve rever sua posição.
Para ajudá-lo nessa jornada, HSM Management pre-
parou os highlights de ferramentas de estratégia do livro
25 ferramentas de gestão, de Julian Birkinshaw e Ken
Mark. Enfatizamos aqui o olhar crítico dos autores sobre
esses instrumentos, que analisa o uso na prática e a prin-
cipal armadilha.
1. MATRIZ BCG
É o modelo clássico e, como primeiro passo para conhe-
cer mais a fundo seu portfólio de negócios, a matriz BCG
pode ser bastante útil. Cruzando a taxa de crescimento
do mercado e a participação relativa da empresa nesse
mercado, a ferramenta nos dá uma ideia de onde estão
as oportunidades mais e menos promissoras. No entanto,
devemos tomar muito cuidado ao tirar conclusões dessa
análise.
Lembre que as dimensões de crescimento do merca-
do e participação no mercado não passam de medidas
representativas, indiretas, da atratividade do mercado e
da força do negócio, respectivamente. Costuma ser in-
teressante experimentar outras maneiras de medir essas
dimensões. Por exemplo, você pode aplicar o “modelo de
cinco forças” a um mercado para conhecer em detalhes
sua atratividade geral, em vez de presumir que a principal
variável é o crescimento.
Também é interessante ponderar com cuidado como
definir a participação de mercado. Por exemplo, será
que a BMW tem uma participação minúscula (< 1%) do
mercado automobilístico em geral? Ou será que ela tem
uma grande participação (> 10%) no mercado de sedãs
de luxo? Dependendo de como os limites do mercado são
definidos, a posição do negócio muda acentuadamente.
Também nesse caso é importante ponderar com cuidado
os resultados da análise e considerar em que medida os
resultados refletem os dados específicos que você utilizou.
PRINCIPAL ARMADILHA
Um aspecto particularmente perigoso da matriz BCG
é sua possibilidade de criar as chamadas “profecias au-
torrealizáveis”. Imagine que você administre um negócio
que foi categorizado como vaca leiteira. A sede corpora-
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 ESTRATÉGIA E EXECUÇÃO
tiva informa que o caixa excedente será retirado de seu
negócio e investido em uma interrogação. Com isso, você
não tem como fazer novos investimentos e, como resulta-
do, sua participação no mercado diminui ainda mais. É o
exemplo perfeito de profecia autorrealizável.
A melhor maneira de se proteger desse risco é tentar
convencer a sede a reinvestir no negócio. Mesmo se o ne-
gócio já tiver entrado em sua fase de maturidade, ele ainda
pode ter a chance de se recuperar e crescer se receber o
nível certo de investimento. A esperança é que os execu-
tivos da sede sejam suficientemente esclarecidos para en-
xergar esse potencial.
2 ESTRATÉGIA DO OCEANO AZUL,
DE KIM E MAUBORGNE
Mais recente, a estratégia do oceano azul disponibiliza
um amplo conjunto de ferramentas para analisar os clien-
tes, as necessidades satisfeitas e não satisfeitas dos clientes,
as ofertas dos concorrentes e assim por diante. No entanto,
a essência do conceito de oceano azul diz respeito a se sair
com algum tipo de insight criativo sobre um produto ou
serviço que ainda não existe. É dificílimo fazer isso por-
que somos todos, em certa medida, prisioneiros de nos-
sas experiências prévias. Romper com essas experiências
requer encontrar inspiração em lugares incomuns. Por
exemplo, você pode procurar soluções criadas por setores
alternativos ou outras empresas. Uma orientação interes-
sante é perguntar a si mesmo “O que Steve Jobs faria?” ou
“O que Richard Branson faria?” nesse setor, já que os dois
ganharam fama por questionar as regras tradicionais do
jogo em qualquer mercado que decidiram entrar.
Outra abordagem possível é montar uma equipe bas-
tante heterogênea para discutir a estratégia e incluir pes-
soas relativamente novas na sua empresa e, portanto, mais
abertas a ideias diferentes.
PRINCIPAL ARMADILHA
Apesar do grande apelo do conceito da estratégia do
oceano azul, uma importante limitação é o fato de as
verdadeiras oportunidades de oceano azul serem muito
raras. Muitos potenciais oceanos azuis acabam se reve-
lando meras miragens ou mercados pequenos demais.
Desse modo, o processo de elaboração de uma estratégia
de oceano azul para sua empresa pode ser um tanto quan-
to frustrante e muitas vezes pode gerar benefícios menos
empolgantes do que os esperados.
3. MODELO DE CINCO FORÇAS DE
PORTER
O modelo de cinco forças foi o primeiro modelo rigo-
roso voltado a analisar o setor em que uma empresa atua;
antes dele, a maioria dos gestores usava a análise SWOT,
uma forma interessante mas não estruturada de relacio-
nar os desafios da empresa.
Em primeiro lugar, para usar as cinco forças, certifique-
-se de fazer uma análise precisa das forças que afetam seu
setor (ameaça de novos entrantes, ameaça de produtos ou
serviços substitutos, poder de negociação dos comprado-
res, poder de negociação dos fornecedores e intensidade
da rivalidade dos concorrentes). Uma maneira de fazer
isso é descobrir a lucratividade média das empresas de seu
setor e comparar esse número com a média geral de todos
os setores (por exemplo, o retorno médio sobre o capital
investido nas indústrias dos Estados Unidos entre 2000 e
2008 foi de 12,4%). Se o seu setor de fato for mais lucrativo
do que a média, seria de esperar ter um conjunto relativa-
mente favorável de forças.
Em segundo lugar, faz sentido focar apenas uma ou duas
forças (das cinco), as forças mais cruciais para sua lucra-
tividade no futuro. A análise pode levá-lo a concluir, por
exemplo, que suas maiores ameaças são o poder de nego-
ciação dos clientes e a rivalidade competitiva interna. Em
vista disso, suas conversas subsequentes sobre a estratégia
devem se concentrar nesses temas.
PRINCIPAIS ARMADILHAS
O maior erro que os analistas podem cometer é achar
que basta descrever as cinco forças e o trabalho está feito.
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 ESTRATÉGIA E EXECUÇÃO
Na verdade, essa análise é só o ponto de partida. Ela dá
uma ideia da situação atual, mas não diz nada sobre as
mudanças que você deveria fazer.
A outra armadilha é definir incorretamente os limites
do setor. É necessário refletir com muita ponderação para
identificar seus concorrentes imediatos. Por exemplo, essa
definição normalmente implica focar um país específico.
Se sua empresa atua no setor bancário, o setor relevante
pode ser “bancos de varejo na França” ou “bancos comer-
ciais no Canadá”, e não o “setor bancário” como um todo.
4. TEORIA DOS JOGOS: O
DILEMA DO PRISIONEIRO
O modelo mais famoso da teoria dos jogos é o “dilema
do prisioneiro”. Imagine uma situação na qual dois sus-
peitos de um crime são detidos pela polícia e interrogados
em salas separadas. A polícia diz a eles: (a) se vocês dois
confessarem, cada um vai para a prisão por dez anos; (b)
se apenas um de vocês confessar, aquele que confessar fi-
cará um ano na prisão, e o outro, 25 anos; e (c) se nenhum
de vocês confessar, cada um receberá três anos de prisão.
A situação foi deliberadamente concebida para expor a
complexidade desse tipo de “jogo”. O resultado ideal seria
nenhum dos prisioneiros confessar, de modo que cada um
fosse para a cadeia por três anos. Entretanto, como eles
não podem se comunicar entre si, sua melhor decisão in-
dividual é confessar, e o resultado líquido (presumindo
que os dois confessem) será cada um deles recebendo dez
anos de prisão. Em outras palavras, maximizar os resul-
tados individuais não resulta necessariamente no melhor
resultado possível para o grupo.
Todo tipo de extensão e modificação desse modelo é
possível. Por exemplo, muitos “jogos” na vida real na ver-
dade são interações repetidas entre os participantes, de
maneira que sua decisão em um jogo afeta sua decisão no
próximo jogo. Alguns jogos envolvem ações sequenciais,
mas não simultâneas; outros são de “soma zero”, envol-
vendo um valor fixo a ser dividido; e há também os de
“soma não zero”, o que significa que agir em cooperação
possibilita aumentar o valor recebido.
A teoria dos jogos ficou muito popular e isso é explicado
pelo fato de que seus princípios são simples e suas aplica-
ções, amplas. Por exemplo, você pode se ver competin-
do com alguns colegas por uma promoção, o que envol-
ve cooperar e competir com eles ao mesmo tempo. Você
pode ter de decidir se sua empresa deve ser a pioneira, lan-
çando um novo produto (e correndo o risco de o produto
ser um fiasco), ou uma seguidora rápida. Você pode parti-
cipar de um processo de licitação por um contrato com o
governo competindo com alguns concorrentes agressivos
e ter de tomar decisões difíceis sobre o preço a cobrar e os
serviços a oferecer.
Em todos esses casos, é interessante aplicar os princípios
da teoria dos jogos para avaliar como a sua decisão e a de
seus concorrentes poderão interagir. Raramente é neces-
sário fazer a análise matemática formal; em geral, basta
traçar uma simples matriz de recompensas e procurar es-
tratégias dominantes e dominadas.
PRINCIPAL ARMADILHA
Uma questão importante que se deve ter em mente é a
complexidade da análise que o outro participante estará
disposto a fazer. Se você fizer seus cálculos presumindo
que o outro participante será altamente estratégico, mas
ele acabar sendo bastante simplista, quem pode sair per-
dendo é você. E o contrário também é verdadeiro: não
subestime a inteligência de seu concorrente.
Quer um exemplo famoso do último cenário? O lei-
lão feito pelo governo britânico para vender licenças de
telefonia móvel de terceira geração em 2000. O proces-
so foi concebido com muito cuidado, disponibilizando
apenas quatro licenças a cinco possíveis licitantes. O
governo levantou £ 22,5 bilhões, muito mais do que
o esperado, e todos os quatro “vencedores” acabaram
pagando demais.
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