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OLAVO DE CARVALHO
Aula 1
20 de setembro de 2016
[versão provisória]
Para uso exclusivo dos alunos do Seminário de Filosofia.
O texto desta transcrição não foi revisto ou corrigido pelo autor.
Por favor, não cite nem divulgue este material.
***
Então vamos lá. Nós temos aqui trinta e tantas páginas de perguntas. Um absurdo. Eu vou ler o que
der.
Aluno: Este processo de corrosão da família, que mina a noção mais primária de união, de grupos
e valores, tem como objetivo secundário desestimular a união de pessoas de uma determinada
sociedade em torno de uma causa?
Olavo: Depende. Se a causa for a mesma propugnada pelos mesmos promotores desse processo,
então, você não apenas pode, mas deve aderir. Na verdade, é o seguinte, ao longo de toda a história,
vemos uma constante que é assim: um poder central se alia ao povo mais pobre para destruir os
poderes intermediários; naturalmente, o poder central se torna mais poderoso e controla cada vez
mais o conjunto; e o povo pobre que apostou nisso para ser beneficiado, é claro, termina se dando
muito mal – é sempre assim. Este processo nós acabamos de ver no Brasil, com bolsa família,
reforma agrária, etc. Prometem milhões de coisas, e alguns destes pobres, evidentemente, levam
alguma vantagem ínfima. Mas, o poder central sai muito fortalecido.
Aluno: Quais os vários sentidos da palavra cultura? Em qual deles as aulas deste curso se insere?
Olavo: Eu estou tentando usá-la no sentido filosófico mais apropriado, que é aquele que abrange e
hierarquiza os vários sentidos secundários. Por exemplo: primeiro, temos o sentido historiográfico
geral que é associado à ideia de nacionalidade, uma unidade ética, por assim dizer; segundo, o
sentido legal como aquele consagrado na constituição brasileira, que é o conjunto dos elementos
materiais que dão testemunho do nosso modo de ser; terceiro, o sentido pedagógico, isto é, a cultura
como cultivo da inteligência humana, da consciência humana etc. Nós estamos usando todos estes
ao mesmo tempo.
Aluno: Os termos da linguagem popular como “homofobia”, “fascismo”, etc., podem se encaixar
nesta categoria de fetiches linguísticos?
Olavo: Mas sem a menor sombra de dúvida. Mas o que adiantaria você usar estes termos se você
não tivesse milhões de filmes antifascistas, novelas antifascistas, livros antifascistas? Toda a cultura
que surgiu [01:30] da segunda guerra mundial serviu eminentemente para camuflar o seguinte: qual
foi o resultado da guerra? Foi entregar a metade da Europa a uma ditadura muito pior do que a
alemã. Se você estudar direito a história vai ver que jamais o governo do Hitler chegou a ter sobre a
sociedade alemã o tipo de controle que o governo soviético dispunha na Rússia, absolutamente
nada.
Na Alemanha, por exemplo, existiam vários serviços secretos que operavam independentemente,
um boicotando o outro. Já na URSS, de vez em quando isso poderia dar um probleminha, entre a
KGB e o GRU, mas no total eles funcionavam de maneira perfeitamente harmônica. Isso quer dizer
que o controle totalitário na Alemanha foi um ideal que o Hitler tinha que jamais conseguiu realizar,
mas no caso da Rússia realmente eles criaram o maior totalitarismo da história – lá e na China.
A guerra foi planejada por Stalin para obter esse resultado – e obteve. Por isso eu considero o Stalin
o maior estrategista do século XX. Então, toda a cultura antifascista não passa de um subproduto da
propaganda soviética, mesmo porque o Stalin fazia propaganda antifascista na França e na
Inglaterra, e ao mesmo tempo em que estava ajudando a Alemanha a se rearmar, dando dinheiro,
assistência técnica etc. Ou seja, fomentando o crescimento do poder nazista que ele mesmo
combatia no exterior.
Aluno: Como o senhor se libertou da cultura comunista? Como o senhor a engoliu por assim dizer?
Olavo: Foi um processo muito demorado. Eu não achei que pelo simples fato de romper com o
comunismo eu estaria livre dele. Até porque ele era quase que 80% da minha formação. Na
juventude, quase tudo o que eu lia era marxista. E, eu achei que eu tinha que me recolher e
reexaminar tudo, ponto por ponto. Não só no sentido de julgar e saber quem tinha razão, porque já
estava na cara que eles não tinham razão, mas de ver o que fazer com o resíduo de atitudes pró-
comunistas que eu mesmo tinha, inclusive a lealdade que eu tinha para com o partido. A pessoa sai
do partido, mas continua, de certo modo, leal aos companheiros.
Mesmo muito tempo depois de eu ter me afastado dessa gente, eu os continuava ajudando – se
aparecia um perseguido pela ditadura, pedindo para se esconder dentro de minha casa, eu o
escondia. Escondia pessoas, escondia armas, escondia documentos... quer dizer, eu estava solidário
de algum modo. Para muito além de qualquer apego ideológico, eu tinha um apego sentimental que
não cedia. Há muitas pessoas que são próceres do conservadorismo e que se orgulham de ter não sei
quantos amigos comunistas, etc., mas eles não percebem o quanto isso os enfraquece. Na hora H
serão sempre manipulados, sem sombra de dúvidas. Eles fizeram apenas uma mudança de discurso
ideológico, mas não um exame aprofundado da própria consciência.
Aluno: Se o socialismo nunca chegará ao poder com essa ideia, então o que aconteceu na
Venezuela?
Olavo: A Venezuela não é um regime inteiramente socialista ainda. A Venezuela tem um sistema
político socialista em cima de uma economia que permanece amplamente capitalista – como
sempre, como acontece na China e como aconteceu na própria URSS. Você estuda economia
soviética, e vai ver que 50% dela era economia privada, que era oficialmente ilegal, mas que existia
e que o governo tolerava. Eles sabiam que, se eles fechassem aquilo, iria toda a economia para o
brejo. Socialismo materialmente não existe. Ele é só um nome. Ele é um sistema político sem
sombra de dúvida – unipartidário, ditatorial etc. –, mas se não tiver um capitalismo em baixo, ele
não dura três semanas.
Vejam, economia e capitalismo são sinônimos, só existe economia capitalista. Economia socialista
é contradição de termos. Podemos chamar de economia socialista um meio a meio. Como na Suécia
por exemplo, mas isto é só o que existe. Só existe e corresponde exatamente a fórmula da economia
fascista, na qual o Estado não socializa todos os meios de produção, mas os mantêm sob controle.
Ou seja, o sujeito pode ser um capitalista, ser o dono da sua empresa. Mas, ele tem de produzir o
que o Estado quiser, vender pelo preço que o Estado quiser, para quem o Estado quiser, e assim por
diante. Em suma, era como dizia Hitler: “botar os capitalistas de joelhos” – isto é economia fascista.
O quê que existe na Suécia? É uma economia fascista. O que existe na China? Economia fascista.
Só existe dois tipos de economias: economia liberal e economia fascista, não tem mais alternativas,
o resto são só palavras.
Aluno: Você afirma que não existiram pessoas que viveram a vida monástica contra a sua própria
vontade?
Olavo: Claro que existiram, a família podia obrigar, alguém podia obrigar. Mas o próprio
monastério, jamais. A própria Igreja, jamais. Em hipótese alguma. Não existe nenhum caso
documentado, especialmente nesse caso da revolução francesa. O que aconteceu foi exatamente o
contrário. Todas as monjas daquele monastério morreram mártires da revolução, inclusive a famosa
personagem do Diderot.
Aluno: No que diz respeito ao resgate da memória dos nossos heróis do passado. É sempre um
desafio pensar na hipótese de descontruir a ideia progressista da luta de classes ao defender uma
vitória estratégica? Vejamos o caso da princesa Isabel, que libertou os escravos às custas da perca
do trono. Ou até mesmo da desmistificação do nome Florianópolis, referente ao capitão do Estado
de Santa Catarina.
Olavo: Vejam como são as coisas, uma vez fui fazer uma conferência na Assembleia Legislativa do
Rio de Janeiro, que antes tinha sido Câmara Federal, e eu entro lá e vejo um imenso retrato, no
salão nobre, do Floriano Peixoto. Disse: “olha, essa instituição homenageia o primeiro sujeito que a
fechou”. (risos) E de fato ninguém percebia isso. A ausência de consciência histórica no Brasil
chega a este ponto. Que de certo modo, chega até a uma consagração arquitetônica – “nós não
sabemos quem é esse cara, não sabemos o que ele fez, e nem queremos saber”.
Eu já observei aqui o seguinte: o Brasil surgiu graças a Dom João VI. Foi o sujeito que fundou o
país praticamente. E nunca se fez um filme em homenagem a ele. O único filme que se fez foi
contra ele, que é aquele filme da Carla Camurati. Bom, é claro que se pode fazer um filme de sátira
de um personagem que já é “badalado” para tudo quanto é lado, isso é inteiramente normal. Mas, se
o único filme que fizeram foi uma sátira, então tem algo de errado nessa cultura. A destruição da
identidade nacional faz parte da cultura nacional. E, tudo isso para ser substituída por uma segunda
espécie de nacionalismo, que é voltado apenas para o culto do território, tipo “o petróleo é nosso”.
Confirmando aquilo que dizia Hegel: “que a América Latina não tinha história, só tinha geografia”.
É uma espécie de patriotismo geográfico que é um absurdo. E que consiste apenas de anti-
americanismo.
Existe uma certa cultura nacionalista, da parte do pessoal de esquerda, com ênfase apenas no anti-
imperialismo etc. – que não é um nacionalismo de verdade, evidentemente. Todo nacionalismo ou
patriotismo, é baseado na memória dos grandes feitos em comum – aquilo que nós fizemos juntos.
Por exemplo, nós lutamos a guerra do Paraguai e vencemos; nós fomos pra Itália na segunda guerra
e vencemos; nós fizemos isso, e mais aquilo, e mais aquilo outro, nós libertamos escravos. O sujeito
tem orgulho daquilo que os seus antepassados fizeram, isto é o nacionalismo. É um conjunto de
símbolos que expressa a solidariedade nacional. Aquilo que já dizia Santo Agostinho: a sociedade
se baseia no amor ao próximo. Se não temos amor àquelas pessoas, porque não são nossos parentes,
não são nossos antepassados, ou porque não temos uma história em comum com elas, então não
existe nacionalismo algum.
Aluno: Tenho uma pergunta que está relacionada ao seu papel no contexto maior da cultura.
Sabemos que o seu trabalho tem sido popularizado de uma forma bastante atípica para um filósofo.
Seu nome e até algumas ideias suas, ainda que forma bastante diluídas, estão na boca de pessoas
de todos os estratos sociais, nas camisetas, nos cartazes etc. A quê isso se deve? É correto dizer
que isso é fruto também dos vídeos, músicas e imagens?
Olavo: Sem sombra de dúvida. Não fui eu quem fez isso. Foram as pessoas quem fizeram, e fizeram
muito bem. Porque através disso, esses elementos ainda que não só diluídos, mas diminuídos e até
caricaturados, entram no universo da cultura e podem competir com imagens antagônicas. Podem
competir até com vantagem – como de fato vem acontecendo. Cinquenta anos de revolução cultural
comunista entraram em crise graças a isso.
Em parte, foi um efeito calculado. Quando eu escrevi O Imbecil Coletivo, eu calculava: “bem eu
preciso fazer uma linguagem que junte as explicações filosóficas mais elevadas aos modos de falar
da população, e que soem de certo modo naturais; não pode ter nenhum resíduo de pedantismo
universitário, porque isso afasta as pessoas, pois ele não quer que as pessoas se aproximem dele, o
pedante quer que o vejam a distância, como sendo um ‘monstro sagrado’”. E isso eu não queria, eu
queria fazer exatamente o contrário: “eu sou um zé mané como você, mas eu sou apenas um zé
mané que estudou; eu estou aqui para te ajudar, para te contar as coisas, não para me fazer de
gostosão na sua frente e te humilhar.” Então, esta linguagem funcionou, O Imbecil Coletivo foi um
sucesso imediato. E, evidentemente, os personagens do livro o detestavam. Mas, todo o resto
gostavam, ficavam rindo deles. E eu continuo aprimorando esse tipo de linguagem até hoje. Uma
linguagem que junta o mais refinado com o mais brega. E isso já se provou que funciona. Em parte,
foi um efeito calculado, mas eu não calculei que as pessoas fossem fazer camisetas, cartazes,
escrito: “Olavo tem razão”. De certo modo é um efeito dessa própria linguagem que se propaga
espontaneamente. Eu não tenho a ilusão de que essas massas todas vão entender os meandros todos
do meu pensamento. Mas também não é isso que interessa. Eu estou fazendo isso para ajudar certos
movimentos populares, das quais eu não participo de maneira alguma, mas que por pior que sejam,
é melhor do que essa roubalheira petista, não há comparação possível.
Aluno: Em relação a revolução francesa. Qual razão, em um contexto de guerra cultural, fez de
Napoleão uma figura semi-lendária?
Olavo: Napoleão se tornou uma figura lendária em vida. Por várias características peculiares:
primeiro, por ter sido um general mais jovem; segundo, por obter uma vitória atrás da outra;
terceiro, porque durante um tempo ele foi o provedor da França. A revolução destruiu toda a
economia. E da onde vinha o dinheiro? De onde Napoleão roubava. [Roubava] da Itália, da
Espanha, da Áustria, etc., e mandava para lá. Então a nação inteira dependia dele de algum modo.
Como é que o cara não vai virar um mito nessas circunstâncias? Agora, como todo governante
elevado a um padrão mítico, ele acaba sendo sacrificado num rito de bode expiatório no final. No
fim a culpa é toda de Napoleão Bonaparte.
Aluno: O inimigo americano já foram os japoneses, os alemães, e agora o islã.
Olavo: Bom, nunca foi a URSS. Filmes anti-soviéticos nos EUA são uma raridade, porque os
agentes soviéticos controlavam o cinema – e controlam ainda. Agora o islã... eu disse a vocês que
existem três esquemas globalistas em competição: um russo-chinês, um islâmico e um ocidental. As
relações entre o esquema russo-chinês e o islâmico não estão muito boas. Está lá o Putin mandando
atacar o ISIS e essa coisa toda. As relações são ambíguas, as vezes se juntam, as vezes brigam.
Existe uma margem permitida de anti-islamismo na cultura americana – uma pequena margem –
que vai diminuindo dia após dia na medida em que os políticos americanos são todos comprados
pela Arábia Saudita, pelo Irã, etc., mas ainda tem o inimigo ideal. Os comunistas nunca foram o
inimigo ideal – nem mesmo durante a Guerra do Vietnã. Ao contrário, o inimigo ideal era o Estado
americano. Isso quer dizer que a chamada cultura adversária se tornou a cultura dominante aqui.
Aluna: Professor não consigo nem perguntar porque é tudo muito surpreendente... deixar
introjetar, amei!”
Olavo: Obrigado!
Aluno: Esse seria então o Anticristo profetizado nas escrituras sagradas?
Olavo: Eu digo uma coisa a vocês: eu considero que toda tentativa de tentar explicar a situação
atual por precedentes bíblicos, todas elas, são charlatanismo. Por quê? Precedentes bíblicos são
universais, eles se referem a tudo o que acontece – leiam o livro do Northrop Frye, vocês vão
entender isso. O que quer que aconteça tem um precedente bíblico por definição. Por quê? Meu
Deus do céu! Quem escreveu a bíblia? Quem escreveu a bíblia foi Deus. E ele não a escreveu para
os americanos do ano de 2016, nem para os italianos do século XII. Ele a escreveu para humanidade
inteira. Portanto, ali não tem precedentes. Tem arquétipos que são infinitamente repetidos, e vocês
sempre vão encontrar ali alguma semelhança.
O discurso profético está colocado acima da inteligência normal humana, ele não a substitui. O
procedimento tem de ser ao contrário: vocês têm de fazer possível para entender os fatos que estão
acontecendo, usando melhor a sua inteligência e invocando a proteção do Espírito Santo. Depois
que vocês entenderam mais ou menos, daí vocês percebem um precedente bíblico. Fazer o
contrário, procurar o precedente bíblico primeiro, isso é coisa de preguiçoso. Estão querendo que
Deus faça o serviço que Ele mandou vocês fazerem. O próprio Deus mandou buscar a verdade. Não
só a verdade nas coisas divinas, mas nas humanas também. Se não tem amor a verdade, não tem
amor a Deus.
Agora, vocês podem pegar uma versão estereotipada e pronta da verdade: “tem aqui a bíblia, aqui
está a verdade”. Sim, ela está, mas não no sentido que você está dizendo. Ela não é a verdade deste
fato ou daquele fato, é a verdade arquetípica de tudo o que acontece. Logo, aquilo está lá para
esclarecer a nossa inteligência. Não para substituir o serviço dela. O Anticristo está aí? Eu não sei, e
todo mundo que está falando também não sabe.
Notem bem, quando perguntaram para Jesus Cristo quando seria o fim do mundo, ele mesmo disse:
“eu não sei, só Deus Pai é quem sabe”. Quê que é Jesus Cristo? É o logos. Ele é a inteligência
divina. Quê que é Deus Pai? É a onipotência, é a vontade, é o poder divino. Jesus Cristo está
dizendo o seguinte: o fim do mundo é uma decisão, não uma decorrência lógica disto ou daquilo. É
uma decisão livre, que será tomado por Deus Pai quando ele bem entender, e sem Me dar a menor
satisfação. Portanto, não adianta querer prever isso aí. E se não se pode prever, também não se pode
prever em que capítulo da história estamos. Quer dizer, o fim do mundo pode levar dois dias, pode
levar vinte minutos, ou pode levar vinte séculos. Não tem uma cronologia definida ali. Tem um
arquétipo cíclico, que se aplica a quaisquer temporalidades humanas.
Então, para com este negócio. A Bíblia nunca vai nos dar a solução pronta dos problemas concretos
da temporalidade, ela não é isso. Ela é a moldura geral da existência humana. É a moldura geral no
sentido de que a estrutura da realidade está toda lá – isto é importante vocês entenderem –, é a
estrutura total da realidade. E o quê que não está na estrutura da realidade? Nada.
Aluno: Cultura pode ter o sentido antropológico, sociológico, de conjunto de ideais, valores e
costumes de determinado grupo humano. Pode também ter o sentido, etimológico de atividade,
como cultivo das potencias espirituais, anímicas e corporais do homem. O sentido em que o senhor
usou o termo não parece acomodar muito bem em nenhum deles, muito menos no segundo, poderia
nos situar a respeito das camadas do significado do termo?
Olavo: Sem dúvida, eu farei isso nas próximas aulas. Por hoje eu quis apenas dar uma ideia a vocês
do sentido mais ampliado que abrange tudo isso aqui, sem se identificar, sem se reduzir a nenhum
deles. Notem bem, isto é um preceito metodológico geral. Nenhum fenômeno pode ser
compreendido pelo ponto de vista especifico de nenhuma ciência, nenhum fato concreto pode ser
compreendido. Portanto, vocês precisam sempre de um ponto de vista mais integrado,
maximamente abrangente, que vá absorver a contribuição dessas várias ciências, mas sem se reduzir
a elas. Outra coisa, se você está fazendo uma investigação filosófica, ela tem de trazer em si o
princípio da sua própria inteligibilidade. Ela tem de antecipadamente formar os critérios
metodológicos, e os conceitos que serão usados, coisa que nenhuma ciência precisa fazer.
Por exemplo, a biologia pode criar os conceitos biológicos? Não pode, ela os recebe prontos. Há
uma série de preceitos metodológicos que antecedem essa ciência por assim dizer. Já expliquei para
vocês em aulas aqui, que nenhuma ciência estuda um fato concreto, só estuda recorte abstrativo. Na
medida em que se está tentando compreender um fenômeno real que está acontecendo, não só em
determinado setor da realidade, mas em todos eles, que vão desde a política, ao jornalismo, etc., até
o fundo da alma humana, é claro, que nenhuma ciência pode dar conta disso, nenhum dos conceitos
especializados de cultura pode. Nós vamos ter que criar, não digo um novo conceito, mas uma nova
estratégia, que permita articular todos esses elementos, em função de um objetivo nosso. Qual é o
nosso objetivo? É a desaculturação libertadora de algumas almas individuais. Isso é o máximo que
dá para fazer.
Auno: Em relação ao que os professores fazem na escola com crianças e adolescentes. Casamento
entre o mesmo sexo na festa junina, pedir trabalho sobre o golpe, entoar impeachment da Dilma,
indicação de sites unicamente de esquerda para consulta bibliográfica etc., não são doutrinação?
Olavo: Não. Isto aí não é doutrinação gente. Isso aí é ditadura, é um controle mental total. Porque
vejam, eles nem precisam fazer muito disso, basta eles excluírem tudo o que é contra isso. A
exclusão é muito mais importante do que a doutrinação. Quantas vezes é preciso ter contato com a
ideia do casamento gay para o sujeito aprová-lo? Uma só. Agora, não se pode ouvir nada contra.
Senão aquilo se transformará num problema, e a coisa é para ser transmitida como se não houvesse
problema algum, como se casamento gay fosse uma instituição universalmente reconhecida que só
loucos, tarados, fascistas, não aceitam. É dar a impressão de que a maioria é a minoria. Que o que
maioria da população pensa é apenas um facciosismo, é apenas um partidarismo, é um sectarismo
anormal. É dar a aura de anormalidade a coisas que não têm direito a presença.
A política de exclusão é muito mais decisiva do que qualquer doutrinação. A doutrinação é só um
“tiquinho”, a exclusão é tudo. Porque se o sujeito começa a doutrinar muito, isso pode se
transformar em objeto de discussão e questionamento – então não pode doutrinar demais. Tem de
passar as coisas como se fossem as coisas mais naturais do mundo. Eles não chegam assim: “ah,
somos a favor do casamento gay etc.” Isso seria doutrinação. Faz um casamento gay na festa junina
e pronto, acabou. Todo mundo aceita como uma coisa natural. A coisa não chega a ser um objeto de
discussão. Doutrinação é passar uma doutrina, uma ideologia – como se fazia antigamente, que se
tinha doutrinação comunista. Passava o manifesto comunista, passava o manual de
marxismo/leninismo da URSS e tentavam persuadir as pessoas da veracidade daquela doutrina,
automaticamente aquilo provocava a discussão. Tanto que a absorção dos antagonismos, a absorção
das objeções fazia parte da própria doutrina. Metade do que os comunistas escreviam era para
refutar objeções, refutar o pensamento burguês etc. Havia a discussão, mas a discussão era
absorvida dentro da estrutura ideológica total. Mas hoje em dia não há mais isso – por isso que eu
digo, não há doutrinação, há um pouquinho de propaganda e um controle comportamental.
Aluno: Eu gostaria que o senhor comentasse alguma coisa sobre análise do discurso, e a análise
crítica do discurso, corrente muito disseminadas no curso de letras.
Olavo: Você sabe que o que eles chamam de análise do discurso não consiste em nada mais do que
repetir chavões anticapitalistas e anticatólicos – não é nada mais do que isso. Ademais, é incrível
que eles falem: “vamos analisar o discurso dominante.” Mas o único discurso dominante que tem é
o deles mesmos, não há um discurso antagônico. O discurso antagônico, o discurso anticomunista,
está proibido em todas as universidades brasileiras, ele simplesmente não entra lá. Só se pode ter no
máximo algum discurso não-comunista, que é, por assim dizer, paralelo, marginal. Não coincide
exatamente nas organizações principais da cultura, que são as universidades. Esse que é o discurso
dominante. Quem tem feito análise de discurso dominante? Eu.
Aluno: Já que a guerra cultural é um a guerra pela dominação imaginário, para vencê-la seria
necessária uma contra-guerra?
Olavo: Sem sombra de dúvida! Certa vez fiz um post no meu Instagram sobe o filme do Wagner
Moura sobre o Marighella, dizendo: “a esquerda sempre ganhará a guerra, pois enquanto eles
possuem duas armas – os livros produzidos em grande escala pelos autores esquerdistas e os filmes,
novelas etc. – nós só temos uma”. O problema é o seguinte, todo esse processo sempre começa da
seguinte maneira: com discussões entre intelectuais de alto nível, que visam a chegar a um
diagnóstico de situação, a uma explicação histórica do que está acontecendo, e delinear as
perspectivas de possibilidades de desenvolvimento da situação – é sempre assim que começa.
Começa na esfera de discussões filosóficas muito sérias, e de trabalhos científicos de grande porte.
A partir do momento que esse conjunto de discussões chegam a uma massa crítica, então começa a
se formar uma segunda camada de intelectuais – no sentido mais popular da coisa – midiáticos,
jornalistas, artistas de mídia, professores etc. Mas, enquanto não tiver o centro, a parte mais pesada
do negócio, não se consegue fazer esse segundo.
Vejam, tomem por exemplo as origens da teoria marxista, entre as primeiras obras de Karl Marx e a
Revolução Russa de 1917. Vocês verão que a massa de livros de grande porte é um negócio
absolutamente impressionante – são livros que a população jamais ia ler, era só entre intelectuais
mesmo. Mas é isso que forma a força, o empuxe, do movimento. É preciso de um arraigamento
intelectual muito sério, seja num sentido seja num outro.
No entanto, vemos por exemplo, que na primeira metade do século XX, houve um movimento
intelectual católico muito vigoroso que acabou no Concílio do Vaticano II. O Concílio chegou e
“estourou o balão”, acabou. Criou tanta dificuldade, que imediatamente o nível da produção
intelectual católica cai. E na hora que cai, se torna fácil para o pessoal da teologia da libertação
dominar todo o panorama. Vocês veem pessoas reclamando da teologia da libertação, mas vocês
não veem um diagnóstico sério sobre o que é mesmo a teologia da libertação. Eu procurei fazer um
artigo, que saiu na The Revenant, colocando a teologia da libertação no seu contexto histórico-
cultural-geral, não apenas no seu conteúdo doutrinal – o conteúdo doutrinal da teologia da
libertação é vagabundo mesmo, não é difícil desmantelar aquilo. Mas se é assim, por que ele
funciona? Ele funciona porque ele se baseia num aparato de guerra cultural que já existia antes – e é
só por isso que funciona. E esse aparato de guerra cultural por sua vez foi construído ao longo do
processo que foi antecedido por longas discussões intelectuais.
É isso que eu chamo de estado-maior – é um conjunto de intelectuais altamente preparado, capaz de
fazer diagnósticos de situações, de encontrar as explicações históricas e delinear o quadro de
possibilidades, sem agir de maneira alguma, é só discussão, é só esforço intelectual. Com o tempo
vai consolidando uma série de conclusões, que são aproveitáveis na prática, e partir daí é que
começa a formar o primeiro círculo [02:00] da militância. Sendo que é preciso distinguir – na próxima
aula eu vou entrar melhor nesse negócio da militância – o que é o mero adepto do que é um
militante.
O adepto se consegue através de novelas, discursos, propaganda, etc., mas o militante não. Como se
faz o militante comunista? Através de propaganda que ele ouviu na escola? Não, os militantes são
arregimentados um por um, com o sentido de fazer o indivíduo se integrar numa totalidade secreta
ou discreta, que para ele representa o próprio futuro da humanidade, a matriz da história futura, que
está sendo elaborada ali por eles: a elite ultra-secreta que sabe coisas que o resto da humanidade não
sabe – é como se o sujeito entrasse numa sociedade secreta mesmo. E eles têm uma série de
procedimentos quase que ‘rituais’ para fazer o indivíduo se sentir integrado nisso.
No curso desse processo ele compromete tudo o que ele tem. Como se formou o PT? O PT usou a
fórmula do partido comunista. O PT nunca foi nada mais do que uma faixada do partido comunista
– o PT e demais partidos de esquerda. Os primeiros militantes do PT davam tudo ao partido,
pagavam para participar do partido – tem uma teoria aliás elaborada por um ex-militante comunista
que diz o seguinte: o indivíduo se identifica com o movimento não pelo o que ele recebe do
movimento, mas pelo o que dá a ele. No começo, o partido só exige sacrifícios e nada lhe promete
de bom. Eles dizem: “nós não veremos o socialismo, isso é para os nossos bisnetos, nós vamos
sacrificar tudo”. E daí essas pessoas no começo davam mensalmente dez, vinte, trinta, quarenta,
cinquenta por cento dos seus bens para o partido, além de trabalhar para ele de graça, e se sentiam
muito honrados com isso. É o sentimento de participação numa elite que é desconhecida do mundo,
mas que tem na sua mão a ‘semente da história’.
Aluna: Eu lembrei de uma observação que você fez recentemente sobre o sentido da meritocracia,
entra nessa capacidade de cada militante se doar, quanto mais ele...
Olavo: Olha, só num lugar do mundo existe meritocracia, no partido comunista. Quem disser que
capitalismo é meritocracia, isso é uma estupidez fora do comum. A maior característica do mercado
é que ele não é controlado, ele não responde a valores, ele responde a preferências arbitrárias do
consumidor. Por exemplo, a calcinha usada da Madonna pode valer mais do que um remédio que
vai salvar uma pessoa do câncer. Portanto, a pessoa sobe ou desce no capitalismo por sorte,
ninguém controla isso. Não existe meritocracia, se existisse meritocracia nós teríamos todos que nos
render ao Lula, ninguém subiu na vida mais do que ele – ou o Lulinha. No capitalismo existe sorte,
existe favores, existe a auto-ajuda mafiosa, existe tudo isso. Não tem como você dizer que existe
mérito.
Porém, dentro do partido comunista ninguém sobe por proteção, ninguém sobe por sorte. Ou o
sujeito faz o serviço direito, ou eles o põem para fora – imagina se num partido comunista o sujeito
dissesse que não poderia ir na passeata porque, por exemplo, a namorada dele não queria: ninguém
ousaria dizer uma coisa dessas, nunca. Ele está lá para dar a vida ao partido, para dar tudo. E as
pessoas consideravam isso a maior honra, isso era o sentido de suas vidas.
E esse pessoal da direita – liberal, conservador etc. – não forma militância, só forma público. E para
o público você promete coisas, são como um candidato oferecendo aos eleitores: “olha se eu for
eleito vou te dar iluminação elétrica, aposentaria, mais isso e mais isso etc.” Então a massa aprova
aquilo em vista da esperança de uma vantagem. O militante não espera vantagem alguma, ele espera
no máximo se vier o socialismo, que ele estará na elite. Mas, ele já está na elite agora, então ele não
vai ganhar grande coisa com isso. É o senso da participação, é o senso de um dever para com a
história. É como o comprometimento na vida monástica. Alguém entra na vida monástica para
ganhar dinheiro? Só se for o Leonardo Boff, os outros não.
“Eu estou aqui para dar a minha vida e isto é a maior honra, é um prêmio” – eles dizem. Este
sentido dessa arregimentação, de militância, o pessoal direitista brasileiro simplesmente não tem.
Eles querem seduzir as pessoas na base de: “não a economia capitalista é melhor, nós vamos todos
ganhar dinheiro.” Mas, com isso se faz público, eleitorado, não faz militância. Ao militante só se
promete sangue, suor, e lágrimas, e é por isso que militância funciona.
A vantagem da esquerda não é que ela dispõe desses dois meios [militância e público], é que ela
dispõe de militância – durante 50 anos eles formaram militância. E o pessoal direitista não começou
até agora, pois não sabe o que é militância – eles imaginam que militância é o sujeito que vai sair na
passeata com cartaz. Não, isso aí é público. Quê que é um militante? É por exemplo, o sujeito
treinado para no meio de uma assembleia lançar certas palavras de ordem em certo momento. Só ele
sabe que ele está agindo de maneira planejada, os outros não sabem. Os outros pensam que é tudo
espontâneo. Isso já é, por exemplo, um serviço de militante. A massa não é militante. Ela é
realmente massa de manobra.
Aluno: A guerra cultural não tem o grande poder de alavancar na formação da igreja cristã?
Olavo: Mas sem sombra de dúvida! O estado atual da Igreja Católica e das protestantes, é em
grande parte resultado da revolução cultural. Muito antes de que a teologia da libertação chegasse a
dominar a Igreja Católica, ela já havia dominado, aqui no EUA, o Conselho Mundial das Igrejas
que é conjunto das igrejas protestantes. Era a mais poderosa organização protestante do EUA – o
Conselho Nacional das Igrejas e o Conselho Mundial das Igrejas – eram órgãos comunistas, órgãos
de desinformação comunista. E isso a muito tempo atrás, nos anos 40 ela já tinha dominado. A
gente não percebe as coisas tão claramente nas igrejas protestantes porque elas são muitas. Mas, na
Igreja Católica é só olhar o que está acontecendo no Vaticano que já se entende tudo. Agora, nas
igrejas protestantes só se examinar uma por uma, e quando começar a examinar vão ficar
aterrorizados.
Aluno: Perguntas decisivas: porque o nosso cérebro guarda informação que nós não vimos como
prioridade?
Olavo: O exercício do Otto Pötzl [responde isso].
Aluno: E porque a imaginação tem mais influência do que a realidade?
Olavo: É muito simples, a realidade está permanentemente em fluxo, e a imaginação estabiliza e
repete. De modo que depois de algum tempo, só vê aquilo que se é capaz de imaginar. A
imaginação forma o quadro da percepção possível. O que não se enquadra na imaginação, passa
despercebido, são detalhes irrelevantes. O nosso cérebro funciona todo na base da abstração –
abstração quer dizer separação, portanto, seleção da atenção. O sujeito presta atenção em certas
coisas e essas certas coisas se gravam e outras não. Agora, por que o sujeito grava especificamente
aquela que ele não prestou atenção? Não é que ele não prestou atenção. Ele grava aquela que foi
passada subliminarmente, ou seja, abaixo do limiar da consciência. Então, é essa informação que
vai aparecer em seu sonho, ela não entra na consciência, ela vai direto no subconsciente. E, é por
isso que ela se impregna.
Aluno: A imagem criada do império brasileiro também foi fruto dessa destruição da sua imagem...
Olavo: Sem sombra de dúvida.
Aluno: ...baseada em filmes e romances? Digo isso porque eu mesmo olhava para o império com
receio até de começar a assistir as palestras dos membros da família real.
Olavo: É claro. Eles eram opressores, os malvados, daí veio a República e os libertou. Na verdade,
foi o contrário, o Império foi o regime mais liberal e mais humano que já teve no Brasil, e quando
veio a República, foi uma ditadura atrás da outra – ela já começa com uma ditadura, meu Deus do
céu. Nós acabamos de falar no Floriano Peixoto. Querem saber quem é o Floriano Peixoto? Quem
fez um belo retrato do Floriano Peixoto foi o Lima Barreto, no livro Triste Fim de Policarpo
Quaresma. Policarpo Quaresma é um patriota, herói – herói semilouco, mas herói. E o grande
inimigo dele é o Floriano Peixoto.
Aluno: Como foi o seu processo de descomunização? Isto vale como regra geral?
Olavo: Eu não rompi com o comunismo, simplesmente me afastei dele porque fiquei em dúvida. E
fiquei em dúvida não de ordem política, mas de ordem moral. Porque o procedimento dos
camaradas... eu já contei episódio de um sujeito que por falhar com o partido comunista foi
excluído da profissão jornalística para sempre. Eu vi isso, fiquei muito impressionado e precisei ir
para casa para poder pensar. E durante mais de vinte anos eu não dei palpite nenhum em política.
Fiquei só estudando e fazendo esta rememoração crítica, não só das minhas convicções, mas de toda
a minha vida de algum modo.
Nesse período eu me abri a todas as influências igualmente, sem medo de me contaminar. Me abri,
assim como eu me abri ao comunismo, ao esoterismo, a Nova Era, ao islamismo, ao espiritismo, a
ufologia, a qualquer porcaria que aparecesse. Quem está na chuva é para se molhar. Um dia eu vou
estabilizar conclusões de tudo isso. As pessoas que nunca fizeram essa experiência, não tem história
cognitiva alguma, só tem a adesão e a repulsa. São inteiramente a psicologia do shudra – é só
buscar o prazer e evitar a dor –, elas imaginam que cada uma dessas experiências que eu passei foi
uma crença minha, que eu acreditava nisso. Eu nem acreditava, nem deixava de acreditar. Eu estava
ali experimentando – é a única maneira de aprender. Eu me abria mantendo o olho crítico, não o
olho de suspeita. Eu sempre dizia assim: “aonde houver o erro, o erro terá que se manifestar
claramente para mim pela sua própria iniciativa e não pela minha; eu não vou ficar fuçando o erro,
deixa que ele apareça, ele vai aparecer”.
É o que eu digo aos meus alunos: vocês têm que ter a tolerância para com o estado de dúvida, para
com um longo estado de dúvida. Até que vocês comecem a consolidar algumas conclusões ao longo
da experiência – que foi exatamente o que eu que eu fiz. Eu só comecei a publicar livros depois dos
48 anos. Agora o sujeito fala: “não, ele abjurou, ele tinha crença”. Não tinha crença nenhuma, não
abjurei de coisa nenhuma, eu estava simplesmente passando por ali e absorvendo. Mas essas
pessoas não são capazes de imaginar isso. Imaginem esse ‘pessoalzinho’ da montfaible: são pessoas
absolutamente imaturas e incultas, não tem a menor condição de...
Quê que é a trajetória do filósofo? Numa das próximas aulas do COF eu vou comentar um pouco a
história de vida do Schelling – que estou lendo, com grande paixão, a biografia intelectual dele pelo
Xavier Tilliette. E Schelling tinha isso – a definição que eu dou da filosofia que é “a [busca da]
unidade da consciência na unidade do conhecimento e vice-versa”, ela por si é um retrato da
biografia intelectual do Schelling. O objetivo inicial dele era chegar a unidade, a unidade do
conhecimento, da fé, do desejo, da crença, de tudo – esse era o ideal.
Mas, não se pode fechar esse absoluto numa forma inicial. Ttem de continuamente se abrir para
uma experiência que não para de se ampliar, e não para de dissolver os pretensos absolutos que
encontrou. Então, este processo de “abre e fecha, abre e fecha...” até que uma hora algo se
consolida, isto é a biografia intelectual de Schelling. No caso dele, as conclusões só vierem aquando
ele já era septuagenário. Mas, é possível ver que a vida dele foi inteiramente coerente com essa
busca e com esse desejo de chegar a uma unidade. Porém, sem se fechar a variedade, ao imprevisto,
etc., ou seja, é uma fidelidade exemplar a vocação filosófica.
Como é que isso foi interpretado pelos seus detratores? “Ah, ele é um cara instável, ele vive se
abjurando”. E ele dizia que não, não era bem isso – mas não adiantou. Foi só no século XX que ele
encontrou leitores capacitados. A partir dos anos vinte, trinta, que começa a aparecer novos estudos
sobre o Schelling, e tendo já na mão toda a bibliografia, que antes não tinha, é que começa a
aparecer a unidade de fidelidade íntima do filósofo a sua vocação. Então hoje é que nós entendemos
a filosofia de Schelling, antes não.
Isso é um exemplo [da trajetória do filósofo]. E notem bem, Schelling escrevia muito mais do que
eu, ele era um escritor prolífico, uma coisa impressionante. Eu, a maior parte do que eu ensinei não
está nem escrito, está apenas gravado. Então, o sujeito refazer a bibliografia intelectual do Olavo é
um trabalho intelectual de altíssimo nível, não vem qualquer Júlio Soumzero, ou esse
‘pessoalzinho’ da montfaible – ah não brinca comigo pô! Quê que é isto?
O primeiro esboço de biografia intelectual está sendo escrito pelo Wagner Carelli – que não
pretende ser a bibliografia intelectual definitiva, mas apenas uma lambida no assunto. Por enquanto
o único capacitado a escrever minha bibliografia intelectual sou eu mesmo, mas eu não tenho tempo
de escrevê-la, então vai ficar assim mesmo. “A variedade do que eu estou falando o confunde?
Ótimo! Que isso seja um estímulo para buscar a unidade do meu pensamento, porque é isso que se
faz com um filosofo”. É o que diz o Eric Weil, se o sujeito vai estudar Aristóteles, ele tem de partir
do ponto de vista de que Aristóteles é um filósofo, e que um filósofo está sempre buscando a
coerência no meio da variedade. As vezes encontra, as vezes não. Mas é isso que ele está fazendo.
Aluno: A guerra cultural, no meu modo de ver, é uma guerra contra nós mesmos...
Olavo: Sem sobra de dúvida. Porque a cultura não é a cultura que está fora, é a que está dentro de
você, a que se impregnou em você. É essa que interessa.
Aluno: ...temos de entender o contexto no qual estamos inseridos para não nos deixarmos
influenciar, por que querem que vejamos e pensemos... e sim o que é verdade através de estudos e
fontes confiáveis.
Olavo: Exatamente, é esse o programa meu filho. Quer dizer, uma certa independência intelectual é
possível – mas é possível como resultado. Não porque o sujeito diz desde o início que pensa com
seus próprios miolos.
A pessoa pensa com seus próprios miolos quando ela já pensou com os miolos de todos os outros e
não encontrou solução [para um possível problema em questão]. O que eu fiz no caso do
Aristóteles, no caso dos “quatro discursos”? Eu procurei a solução daquilo, não encontrei. Falei:
“agora vou ter que pensar com meus próprios miolos, olha que porcaria” – se eu pudesse aprender
com alguém, eu teria aprendido. Como ninguém me ensinou, então eu mesmo vou ter que descobrir.
Só pensar com os próprios miolos só é justo quando é assim. Agora, se é por uma decisão da
pessoa: “eu quero pensar com meus próprios miolos” – é um palhaço! Tem de pensar com o melhor
que existe, pensar a verdade, não importa de onde veio. Ela que tem que ser a autora? Ela que tem
que ser o gostosona?
Aluno: Como restaurar o imaginário cristão?
Olavo: Alguns escritores de ficção fizeram um belíssimo trabalho na primeira metade do século
XX: Georges Bernanos, François Mauriac, poetas como Charles Péguy. Engraçado que até o
próprio Graham Grimm – no final ele escreveu umas besteiras, mas ele se esforçava para isso – e
Julian Grimm, certamente.
Então, lendo aquilo ali você vê que é isso que você tem de fazer. Você tem de mostrar a vida como
ela é, desde uma perspectiva cristã. Não se trata de você pregar o cristianismo. Você tem de mostrar
o que é de fato a dialética da alma cristã na realidade. Por exemplo, Georges Bernanos tem uma
técnica maravilhosa para fazer isso, ele está mostrando as coisas que estão acontecendo, e ao
mesmo tempo você já vê a repercussão eterna daquilo, no céu e no inferno, ao mesmo tempo. Isso
aí ajuda você a vislumbrar o mundo com olhos cristãos, através do imaginário. Não tem nada de
doutrina ali. Do mesmo modo François Mauriac: as histórias dele são geralmente voltadas para o
mal, para o pecado, para essa coisa toda. Ele vai mostrando como o domínio do mal é quase
impossível de vencer, o mundo jaz no maligno, é isso que aparece em Mauriac. São livros
absolutamente maravilhosos, Mauriac é um técnico da construção do romance como raramente
existiu, você pode pegar sua inspiração ali. No Brasil existe alguma inspiração? Existe, sabe quem
começou a fazer isso? Foi o Ariano Suassuna, em O Auto da Compadecida e em A Pena e a Lei,
usando elementos do folclore nacional, colocando dentro de uma metafísica cristã. Ele começou
bem, depois se perdeu não sei porque.
Bom é isso gente, acho que já foi pergunta demais. Até a próxima aula na terça feira.
No sábado temos aula do normal do COF, sobre outro assunto. Já posso até enunciar, vai ser em
parte sobre o Schelling, e espero vocês na terça-feira que vem.
Desculpe o atraso, mas o atraso pode voltar a se repetir na terça-feira que vem, porque nós temos
que tomar todas as providências para criar um sistema de segurança quase invulnerável, porque o
que não falta é gente querendo estragar tudo.
Até a semana que vem e muito obrigado! [02:20:42]
Transcrição: Leonardo Yukio Afuso, Iara Bel Valpere, Daison Paz, Ricardo Furuta e Rahul Gusmão
Revisão: Rahul Gusmão